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14. Curso de Mestrado em Relaes Interculturais
Ana Mnica Caldeira Vieira
O CONTRIBUTO DA LITERATURA INFANTIL PARA A
EDUCAO INTERCULTURAL
Experincia em contexto de sala de aula
Orientao: Professora Doutora Glria Bastos
Lisboa, 2006
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
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NDICE GERAL
Agradecimentos 5 Resumo 6 Abstract 7 Rsum 8 Introduo 9
I PARTE Enquadramento Terico 13
Captulo I A educao Intercultural 14
1. Introduo 15
1.1. Cultura e identidade 16
2. Educao multicultural/intercultural: algumas perspectivas 23
3. Objectivos da educao intercultural 31
Captulo II A interculturalidade nas escolas portuguesas do 1 Ciclo:
35
1. Os primeiros passos da educao intercultural em Portugal 36
1.1. Necessidade de uma educao intercultural 36
1.2. Medidas polticas e prticas educativas 40
1.2.1. Algumas iniciativas no campo da educao intercultural 43
2. A escola intercultural 47
2.1. A evoluo do papel da escola 49
2.2. A atitude do professor 52
Captulo III A educao intercultural atravs da literatura infantil 59
1. A dimenso intercultural atravs da literatura infantil 60
1.1. Literatura infantil inter/multicultural: critrios de seleco 63
1.2. A literatura infantil: prticas de educao intercultural 67
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
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II PARTE Estudo Emprico 73
Captulo I Enquadramento do estudo 74
1. Introduo 75
2. Metodologia e procedimentos 77
2.1. As entrevistas aos alunos 79
2.2. O projecto de interveno 80
3. Caracterizao da escola e do contexto social 83
3.1. Caracterizao da amostra 84
Captulo II Apresentao e anlise de dados 87
1. Anlise do contedo das entrevistas aos alunos 88
2. Anlise da aplicao do projecto 98
2.1. As histrias anlise de dados 99
2.2. Anlise dos textos produzidos pelos alunos 113
3. Relaes entre entrevistas e intervenes 118
Concluses 122
Bibliografia 127
Legislao 134
Anexos 135
Anexo I 136
Anexo II 139
Anexo III 188
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Imagine
(John Lennon - 1971)
Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today...
Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
and no religion too
Imagine all the people
Living life in peace...
You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will be as one
Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
sharing all the world...
You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will live as one.
http://jean_lauand.tripod.com/page26b.html
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Agradecimentos
Muitos foram os que, de uma forma mais ou menos directa, contriburam
para a realizao deste trabalho. A todos agradeo, mas quero salientar
alguns, que muito directamente me ajudaram a levar a cabo esta tarefa. Assim,
dirijo o meu profundo reconhecimento:
- professora Doutora Glria Bastos, por toda a orientao que me deu
ao longo do trabalho;
- aos meus amigos, pelo grande apoio que me deram, nomeadamente
minha amiga Elisabete Freixo;
- minha famlia que sempre me incentivou e apoiou, nomeadamente ao
meu querido irmo Hugo Vieira;
- e, finalmente, professora e aos alunos que se disponibilizaram a
colaborar no trabalho.
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Resumo
O contedo deste trabalho surge como uma tentativa de resposta a uma
preocupao pessoal face crescente diversidade cultural nas nossas escolas
e s possveis formas/estratgias que podero ser utilizadas no mbito da
literatura infantil de modo a contribuir para uma maior compreenso por parte
das crianas em relao a outras, oriundas de diferentes etnias/pases e com
experincias culturais diversas.
Pretendemos abordar questes relacionadas com a educao
intercultural, valorizando e dando especial relevo ao papel da literatura infantil
como factor importante na educao e como forma de facilitar a integrao e a
diminuio de atitudes preconceituosas. Neste sentido, a literatura infantil
ocupa um lugar significativo na formao integral da criana em idade escolar,
em particular, perante grupos heterogneos e interculturais. A dimenso
intercultural dos livros para crianas merece assim um olhar atento, com
dimenses de integrao e de unio entre os povos, j que esses livros podem
ser vistos como um veculo de partilha e troca de saberes e valores.
O propsito essencial do nosso estudo emprico incidiu na explorao
das potencialidades da literatura infantil na construo de atitudes de tolerncia
e de aceitao em relao ao outro. Partiu-se da inquirio dos preconceitos e
atitudes que as crianas podero, eventualmente, ter em relao a grupos
culturalmente diversificados, procurando perceber e caracterizar as suas
atitudes face a outras culturas. Posteriormente e, de forma a contribuir para
uma mudana de atitudes e prticas por parte destas crianas, recorremos a
livros que remetem para aspectos que podemos relacionar com a problemtica
das relaes interculturais, de modo a sensibiliz-las para as questes da
interculturalidade.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
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Abstract
The content of this work appears as an attempt to answer to a personal
concern face to the increasing cultural diversity in our schools and to the
possible form/strategies that may be used in the scope of childrens literature in
order to contribute for a greater understanding among children from different
races/countries and with diverse cultural experiences.
We intend to approach questions related with intercultural education,
valuing and giving special relief to the role of childrens literature as an
important factor in education and as a way to facilitate the integration and the
reduction of prejudiced attitudes. In this sense, childrens literature occupies a
significant place in the integral formation of the child in school age, in particular,
with heterogeneous and intercultural groups. The intercultural dimension of
books for children deserves thus an attentive look, with dimensions of
integration and union among people, since these books can be seen as a
vehicle of sharing and exchange of knowledge and values.
The essential purpose of our empirical study is based on the exploitation
of the potentialities of childrens literature in the construction of attitudes of
tolerance and acceptance in relation to the other. It started with the inquiry of
preconceptions and attitudes that children may, eventually, have, in relation to
culturally diversified groups, looking for to understand and to characterize their
attitudes face to other cultures. Subsequently, and in a way to contribute for a
change of practices and attitudes of these children, we appeal to books that
present aspects that can be related with the problematic of intercultural
relations, in order to awake them for intercultural issues.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
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Rsum
Le contenu de ce travail a merg comme une tentative de donner une
rponse a une proccupation personnelle face la considrable diversit
culturelle dans lcole portugaise et aux stratgies possibles qui pourront tre
utilises dans le champ daction de la littrature pour enfants de faon
contribuer pour une comprhension entre enfants originaires de diffrentes
ethnies/pays et avec expriences culturelles diverses.
Nous prtendons aborder les questions rapportes lducation
interculturel en valorisant et en donnant spciale importance au papier de la
littrature pour enfants comme un facteur trs important dans lducation et
comme une forme de faciliter lintgration et les prejugs. Dans ce sens, la
littrature pour enfants occupe un rle significatif dans la formation intgrale de
lenfant en lage scolaire, en particulier face aux groupes htrognes et
interculturels. Ainsi, la dimension interculturel des livres pour les enfants est
digne dun regard attentif, avec des dimensions dintgration et dunion, une fois
que ces livres peuvent tre envisags comme un vhicule de partage et
dchange de savoirs et de valeurs.
Le propos essentiel de notre tude empirique est tomb sur lexploration
des potentialits de la littrature pour enfants dans la construction dattitudes de
tolrance et dacceptation en relation lautre. Nous sommes partis des ides
que les enfants pourront, ventuellement, avoir en relation aux groupes
culturellement diversifis, pour comprendre et caractriser ses attitudes face
dautres cultures. De faon contribuer pour un changement dattitudes et de
pratiques, nous avons utilis des livres qui parlent sur des aspects concernant
la problmatique des relations interculturelles, de faon sensibiliser les
enfants pour les questions dinter culturalit.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
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INTRODUO
A sociedade plural dos nossos dias vive mudanas extremamente
rpidas e intensas que exigem forosamente inovaes educativas de
envergadura semelhante. Normalmente, a expresso educao intercultural faz
referncia a essas inovaes. Entre os seus objectivos mais frequentemente
reconhecidos destacam-se: lutar contra a excluso e adaptar a educao
diversidade de todos os alunos, garantindo assim a igualdade de oportunidades
na aquisio das competncias bsicas, necessrias para a sua integrao
efectiva num mundo cada vez mais complexo; respeitar o direito prpria
identidade, tornando-o compatvel com a igualdade de oportunidades e
respeitando sempre os direitos humanos. De acordo com Daz-Aguado (2000),
uma perspectiva da interculturalidade, vista como um meio de melhorar o
respeito pelos direitos humanos e no como um fim em si mesma, pode
permitir a resoluo de alguns conflitos e controvrsias colocados nos ltimos
anos sempre que est em causa a sua aplicao prtica.
A multiculturalidade/interculturalidade , provavelmente, uma das
questes de maior importncia com a qual se defrontam os professores na
actualidade e um dos maiores desafios da educao num contexto global de
crescente diversidade. Assiste-se hoje, em vrios pases, a um aumento dessa
diversidade cultural e a uma maior convivncia entre diferentes grupos e
identidades culturais. As sociedades so cada vez mais multiculturais, j que
os movimentos migratrios tm situado no mesmo espao pessoas de
diferentes origens. Este facto obriga a que, no mundo actual, se perspective
todas estas questes de uma forma objectiva, compreendendo-se que o mundo
vai assumindo novas configuraes e que a perspectiva intercultural adquire
cada vez mais relevncia.
O contedo deste trabalho surge como uma tentativa de resposta a uma
preocupao pessoal face crescente diversidade cultural nas nossas escolas
e s possveis formas/estratgias que podero ser utilizadas no mbito da
literatura infantil de modo a contribuir para uma maior compreenso por parte
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das crianas em relao a outras, oriundas de diferentes etnias/pases e com
experincias culturais diversas.
Pretendemos abordar questes relacionadas com a educao
intercultural, valorizando e dando especial relevo ao papel da literatura infantil
como factor importante na educao e como forma de facilitar a integrao e a
diminuio de atitudes preconceituosas. Neste sentido, a literatura infantil
ocupa um lugar significativo na formao integral da criana em idade escolar,
em particular perante grupos heterogneos e interculturais. A dimenso
intercultural nos livros para crianas merece assim um olhar atento, com
dimenses de integrao e de unio entre os povos, j que esses livros podem
ser vistos como um veculo de partilha e troca de saberes e valores.
O propsito essencial do nosso estudo emprico incidiu na explorao
das potencialidades da literatura infantil na construo de atitudes de tolerncia
e de aceitao em relao ao outro. Partiu-se da inquirio dos preconceitos e
atitudes que as crianas podero, eventualmente, ter em relao a grupos
culturalmente diversificados, procurando perceber e caracterizar as suas
atitudes face a outras culturas. Posteriormente, e de forma a contribuir para
uma mudana de atitudes e prticas por parte destas crianas, recorremos a
livros que remetem para aspectos que podemos relacionar com a problemtica
das relaes interculturais, de modo a sensibiliz-las para as questes da
interculturalidade.
Neste estudo, no mbito de um cruzamento entre a literatura infantil e a
educao para a diversidade, temos os seguintes objectivos:
criar o interesse e o respeito dos alunos pela diversidade cultural, de
pessoas, hbitos e estilos de vida;
desenvolver actividades em contexto de sala de aula, que sero
dinamizadas tendo em conta os livros seleccionados numa perspectiva de
promoo da diversidade cultural;
perceber como que as crianas reagem a textos com uma dimenso
intercultural da sociedade.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
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Estar sempre a aprender uma necessidade humana bsica, na procura
da verdade e no acesso a um lugar til na sociedade plural de hoje. Por outro
lado, aprender com os outros e cooperar no prprio acto de aprender
assumir a nossa prpria condio comunitria, onde cada um no sozinho,
onde Ser Humano Ser-Com-os-Outros (Pe. Antnio Vaz Pinto, citado em
Cochito, 2004: XIII). Bastariam estas razes para justificar a oportunidade e
utilidade deste trabalho. No entanto, muitas mais haver Somos hoje, em
muitas partes do mundo e, particularmente, em Portugal, confrontados com
uma nova realidade que felizmente faz parte da nossa vida a
interculturalidade. Para alm disso, este um tema actual, que envolve as
vivncias da criana com dimenses que importa analisar: salienta a
importncia da literatura infantil multicultural e como esta reflecte alguns
aspectos de uma cultura - valores, crenas, modos de vida e padres de
pensamento - e pode ser um contributo no combate excluso escolar dos
filhos de imigrantes.
Novas origens, hbitos, costumes, lnguas, tradies e saberes: um
universo mais complexo e at mesmo mais difcil, mas inegavelmente mais
variado e rico. Como lidar ento com esta nova realidade? As respostas so
necessariamente mltiplas e at sucessivas, nos diversos contextos de vida.
Mas, de facto, nenhuma parece oferecer tanta riqueza e tanto potencial de
futuro como a escola, e sobre esse contexto que pretendemos fazer incidir o
nosso olhar.
Este trabalho est estruturado em duas partes. A primeira parte
constituda por um enquadramento terico, focando as reas ou domnios em
que o estudo se insere e a segunda parte por um estudo emprico. O
enquadramento terico desenvolver-se- em torno de trs captulos.
O primeiro captulo aborda questes e conceitos mais gerais
relacionados com a educao intercultural, os seus objectivos e a sua
pertinncia na formao de todos os cidados, dando especial relevo aos
alunos e s diversas comunidades educativas. De destacar ainda neste
captulo o complexo conceito de cultura e a questo da identidade.
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O segundo captulo debrua-se sobre a problemtica da
interculturalidade em Portugal, perspectivando-se alguns aspectos da realidade
nas escolas portuguesas do 1 Ciclo do Ensino Bsico. Referem-se aspectos
como os primeiros passos da educao intercultural em Portugal, a sua relao
com a Lei de Bases do Sistema Educativo Portugus, a realidade actual e o
respeito pela diversidade, reflectindo-se sobre o papel da escola.
O terceiro captulo foca a questo da educao intercultural atravs da
Literatura Infantil, tentando dar resposta a questes relacionadas com a
dimenso intercultural da literatura infantil: de que forma poder a literatura
infantil contribuir para uma mudana de atitudes e valores face ao Outro? De
que forma poder a literatura infantil dar resposta s necessidades de uma
educao multicultural/intercultural? Como poder a literatura infantil contribuir
para a integrao de comunidades lingusticas e culturalmente distintas? Como
podero as crianas conhecer outras culturas, valorizando-as e transformando
atitudes e comportamentos em relao a essas mesmas culturas? Como
aproveitar a literatura infantil para explorar as riquezas provenientes da
pluralidade cultural?
O estudo emprico desenvolvido em torno de dois captulos, cuja
temtica se situa no impacto de propostas de actividades no mbito da
utilizao de livros para crianas que se inserem na temtica multicultural,
indicando-se aspectos relativos metodologia, aos procedimentos que se
consideraram mais adequados ao trabalho e aos dados recolhidos.
O primeiro captulo aborda a problemtica, refere as metodologias e os
procedimentos utilizados, faz a caracterizao da escola e do contexto social, a
caracterizao da amostra e do projecto de literatura/educao intercultural,
onde esto includos os passos mais significativos relacionados com as
propostas de actividades, sendo estas constitudas pela leitura de vrios livros
pertencentes literatura infantil com temtica multicultural. O segundo captulo
apresenta e analisa os resultados obtidos.
Conclumos com um conjunto de consideraes finais que procuram
sistematizar as concluses mais relevantes do estudo efectuado.
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PARTE I
ENQUADRAMENTO TERICO
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Captulo I
A educao intercultural
Temos o direito de ser iguais quando a diferena
nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes
quando a igualdade nos descaracteriza.
Boaventura de Sousa Santos
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
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1. Introduo
um facto que a sociedade ocidental se tem tornado cada vez mais
complexa no que problemtica das relaes interculturais diz respeito. A
coexistncia de cidados de vrias etnias e culturas num mesmo espao um
fenmeno complexo, criador de tenses de ordem variada perante as quais a
sociedade precisa de encontrar respostas. E a tentao mais imediata
procurar respostas simples para situaes que representam uma enorme
complexidade.
Na verdade, a presente e cada vez mais constante realidade
multinacional, multitnica e multicultural de muitos estados europeus tem
sofrido uma crescente evoluo nos ltimos tempos, o que certamente implica
diversas mudanas organizativas institucionais, sociais e curriculares. Assim
sendo, a educao desempenha um papel fundamental ao realizar e difundir
entre as crianas e os jovens uma cultura de convivncia civil e construtiva
baseada na tomada de conscincia do direito s oportunidades iguais de todos
os cidados que interagem e convivem num mesmo pas.
De facto, a questo da diversidade cultural passou, em relativamente
pouco tempo, de uma realidade oculta para uma temtica omnipresente. No
a multiculturalidade das sociedades que se constitui como novo factor, mas sim
a conscincia que temos dessa multiculturalidade. As trocas comerciais e a
coexistncia de indivduos de diferentes origens num mesmo espao
geogrfico tm sido uma constante ao longo dos sculos, mas a dimenso e o
ritmo da mobilidade aumentaram consideravelmente. A sociedade multicultural
, assim, uma realidade, um processo claramente irreversvel.
O que a conscincia intercultural nos pode eventualmente trazer nos
dias que correm a vantagem de aprender com os possveis erros do passado.
Ou seja, transformar uma sociedade multicultural numa sociedade intercultural
para em vez de um somatrio ou justaposio de culturas que se confrontam
ou se toleram num mesmo espao, viver o cruzamento de culturas em
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transformao mtua, numa sociedade de direitos reais e efectivos (Cochito,
2004: 11).
1.1. Cultura e identidade
Na gnese da problemtica central do nosso estudo esto os prprios
conceitos de identidade e de cultura. Neste sentido, sem ser nosso objectivo
explanar de forma intensa esses conceitos, consideramos que se justifica uma
ponderao sobre alguns aspectos relevantes neste domnio, antes de
reflectirmos de forma mais especfica sobre os contornos da educao
intercultural.
O termo identidade , hoje, um conceito de utilizao generalizada nos
mais variados campos das Cincias Sociais, facto que confere complexidade
sua definio. De um ponto de vista etimolgico, o termo significa caracterstica
do que o mesmo ou, numa assero mais propriamente ontolgica, a
essncia do ser, algo que permanece, no espao e no tempo. Contudo, o termo
sempre existiu para l dessa raiz mais essencialista, designando, hoje, e num
aparente paradoxo, o que assegura a continuidade do ser humano, do grupo
ou at mesmo da prpria sociedade, atravs de um percurso existencial de
permanente e constante mudana, de ruptura, de crise, de adaptao,
reinveno e at mesmo de sobreposio de identidades. Consensual entre as
cincias sociais de hoje ser, tambm, a noo de que nem o indivduo existe
como tal isolado do contexto social, nem a sociedade, o grupo se constitui
como um todo exterior ou alheio aos elementos que os compe e s
especificidades dos seus trajectos.
A noo de identidade tambm uma questo primordial da filosofia
desde o conhece-te a ti mesmo de Scrates at Freud, passando por tantos
outros. Fazendo nossas as palavras de Maalouf (2002), abord-la novamente,
nos dias que correm, exige uma maior competncia e mais sabedoria do que
aquela que possumos. Propomo-nos, assim reflectir um pouco sobre o assunto
de uma forma mais simples e modesta, dada a complexidade do tema e
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compreender a noo de identidade, seja ela qual for, religiosa, tnica, cultural,
nacional ou outra.
Parece no haver dvida quando se afirma que a nossa identidade
aquilo que faz com que no sejamos idnticos a qualquer outra pessoa. Posta
nestes termos, a palavra identidade uma noo aparentemente precisa e
concisa. A identidade de cada indivduo constitui-se por uma panplia de
elementos que o definem. Existe, pois, para a grande maioria das pessoas, a
pertena a uma tradio religiosa; a uma cultura prpria; a uma nacionalidade,
por vezes a duas; a um grupo tnico ou lingustico; a uma famlia; a uma classe
profissional, enfim, a um determinado meio scio-cultural. H, de facto, uma
complexidade enorme nos elementos que a compe e todos eles so de
extrema importncia na medida em que so estes elementos que constituem a
personalidade de cada um de ns e precisamente isso que cria a riqueza de
cada um, o nosso prprio valor e aquilo que faz de cada um de ns um ser
nico e potencialmente insubstituvel.
A percepo que temos de ns prprios e da nossa identidade vai
certamente influenciar a nossa forma de estar na vida. Os diferentes conflitos
que se vem desenrolando no mundo globalizado de hoje fazem pensar que
nenhuma pertena e identificao a determinado grupo ou ideal pode
prevalecer de modo absoluto. Assim, ser legtimo afirmar que a hierarquia
existente entre os elementos que fazem parte da nossa identidade no de
todo estanque e imutvel, mudando com o tempo e com as circunstncias em
que nos encontramos e modificando bastante os nossos comportamentos. Uma
vez mais, se focaliza a ateno para a complexidade dos mecanismos da
identidade.
Somos constantemente levados a interrogar-nos sobre as nossas
pertenas, origens, as nossas relaes com os outros, connosco mesmos, com
o lugar que ocupamos na sociedade actual e com a nossa misso nesta vida.
A questo da memria assume aqui um papel primordial, pois nela que
vamos encontrar o maior nmero possvel de elementos que constituem a
nossa identidade, agrupando-os e no pondo nenhum deles de lado. atravs
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dela que nos ligamos a um vasto nmero de pessoas. No entanto, curioso
verificar que quantas mais pertenas se assumirem, mais especfica e peculiar
se torna a nossa identidade. Atravs de cada uma das nossas pertenas, vista
isoladamente, temos relaes com um grande nmero dos nossos
semelhantes; atravs dos mesmos critrios, visto como um todo, temos a
nossa prpria identidade, diferente de todas as outras.
Cada ser humano, cada um de ns, tem pertenas em comum. No
entanto, cada pessoa dotada de uma identidade compsita, que pode
caracterizar-se como sendo: complexa, nica e insubstituvel, que no se
confunde com nenhuma outra. Para alm disso, a identidade algo que se
constri e se transforma ao longo de toda a nossa existncia, no algo que
nos seja dado de forma definitiva.
Segundo Maalouf (2002: 36), a identidade de uma pessoa no uma
justaposio de pertenas autnomas, no um patchwork, um desenho
sobre uma pele esticada; se se tocar numa s das pertenas, toda a pessoa
que vibra. O mesmo autor afirma ainda que factores como a cor ou o sexo, por
exemplo, no so elementos absolutos de identidade.
H hoje uma certa tendncia para a afirmao excessiva da identidade
e, por outro lado, a perda dessa mesma identidade, para a integrao e para a
desintegrao simultaneamente, dado o contexto actual de movimentos
migratrios. Por todo o lado onde se cruzam hoje grupos que diferem uns dos
outros pela religio, pela cor, lngua, etnia, cultura, ou nacionalidade, por onde
se desenvolvem tenses entre imigrados e sociedade de acolhimento, como
entre brancos e negros, por exemplo, encontramos um grande nmero de
indivduos que transportam em si pertenas contraditrias, que vivem numa
aparente fronteira entre duas comunidades distintas, parecendo estar
ameaada a nossa identidade.
Cada vez mais, em diversos pases, onde se cruza uma populao
autctone, com uma cultura local prpria, e uma outra populao, mais recente,
que traz consigo tradies, hbitos e costumes diferentes, manifestam-se
tenses que pesam sobre os comportamentos e atitudes de cada um e sobre o
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ambiente social. Neste contexto, e no mbito de uma reflexo sobre a
identidade, far todo o sentido colocar a seguinte questo: Por que razo, a
dita modernidade nem sempre entendida como um progresso, como uma
evoluo, com tudo aquilo que acarreta?
A prpria identidade pessoal observa-se como objecto da cincia social,
nomeadamente da psicologia e da sociologia. Segundo Giddens (2000) ser
este mesmo um objecto premente, derivado de uma modernidade que vem
enaltecendo os valores do individualismo, mas que, simultaneamente, lhe
extorquiu o sentido de segurana das identidades de grupo mais duradouras (a
de famlia, a do estrato social, a do grupo profissional, a da comunidade
local). Poder dizer-se que o prprio conceito tem vindo a evoluir,
adaptando-se aos novos contextos. Assim sendo, a uma concepo clssica,
com base na socializao definida no tempo, como processo definidor da
personalidade e integrador no espao social, tem vindo progressivamente a
sobrepor-se uma noo de socializao como processo constante e
permanente, que acompanha o percurso de vida e que est sujeito a
adaptaes sucessivas a novos contextos.
Os sucessivos percursos de socializao so outras tantas etapas de
insero em grupos sociais diversificados. No cabe sequer radicalizar a
assero das identidades mutveis, ao ponto de desprover de identidade os
prprios grupos: o familiar que, por si, tambm se adapta, ainda que com
rupturas, lgica do individualismo; o profissional, fortemente perpassado por
esse individualismo imperante e frequentemente nocivo ao tradicional
gregarismo corporativo, mas fundamental na insero e na reinsero no
mundo do trabalho; os grupos de idades (os de adolescentes, os juvenis, entre
outros) que escondem o ciclo da vida humana em identidades transitrias.
Por sua vez, definem-se outras identidades partilhadas de mbito mais
vasto: tal o caso da identidade cultural. Numa modernidade ocidental, que se
vem imaginando como plenamente democrtica, concebe-se a poltica como
espao comunitrio, partilhado e participado por todos os cidados, assim
irmanados pelos laos de uma comunidade abstracta ou, variante desse
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conceito nacional, evoca-se uma cultura ancestral, tnica at, que sustenta
essa comunho: a identidade cultural. Todavia, a tendncia globalizante j
referida, tambm inaugurada pela modernidade e, por outro lado, o
multiculturalismo que essa mesma tendncia necessariamente traz consigo,
abrem caminho a novas identidades, cujos referenciais no podem mais ser os
de um passado, antes os de um presente conscientemente construdo como
projecto de futuro.
O termo identidade tem sido amplamente discutido e est, muitas
vezes, de resto, associado ao conceito de cultura. As crises culturais so
denunciadas como crises de identidade. Existem vrias definies de
identidade. Perotti (1997:48-49) apresenta o termo identidade cultural (o que
nos interessa de momento) como um termo que engloba dois sentidos muito
importantes. O primeiro refere-se identidade que est ligada percepo que
um indivduo tem de si prprio, da sua existncia enquanto pessoa em relao
com os outros. O termo cultural refere-se ao patrimnio global do indivduo e
dos grupos sociais aos quais este pertence. A identidade configura-se partindo
das relaes sociais e culturais e remete para uma norma de pertena,
necessariamente consciente, porque assente em oposies simblicas.
O conceito de identidade cultural, na rea das cincias sociais, por
exemplo, caracteriza-se pela sua polissemia e o seu carcter fluido. nos
EUA, nos anos 50, que a identidade cultural conceptualizada e surge como
uma ferramenta que permite dar conta dos problemas de integrao dos
imigrantes. Esta concepo via a identidade cultural como um factor que
determinava o comportamento dos indivduos e como mais ou menos imutvel.
Mais tarde, deu lugar a concepes mais dinmicas que vem a identidade
num dado contexto relacional. A identidade cultural uma forma de
classificao dos vrios grupos sociais segundo o critrio da diferena cultural.
A questo da identidade cultural remete para uma questo mais ampla
da identidade social, sendo uma das componentes desta ltima. Por exemplo,
para a psicologia social, a identidade permite pensar a articulao do
psicolgico e do social num indivduo. Exprime a resultante das diversas
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interaces entre o indivduo e o seu meio social, permitindo ao indivduo ou ao
grupo localizar-se no sistema social e ser ele prprio localizado socialmente.
Nesta perspectiva, a identidade cultural surge como uma forma de
categorizao da distino entre ns/eles, assente na diferena cultural. Cuche
(1999) apresenta vrias concepes de identidade cultural e afirma que h uma
relao estreita entre a concepo que se faz da cultura e a que se tem da
identidade cultural.
Indo assim ao encontro do conceito de cultura, verificamos, de acordo
com Neto (2002:269), que cultura um conjunto de crenas, atitudes, valores,
tradies e padres de comportamento partilhados por um determinado
agrupamento social, transmitido de uma gerao seguinte. Surge-nos assim
a par a dimenso social e psicolgica do indivduo, a que atrs se fez aluso.
Para Giddens (1989), a cultura consiste nos valores de um dado grupo
de pessoas, nas normas que seguem e nos bens materiais que criam. Os
valores so ideias abstractas, enquanto as normas so princpios definidos ou
regras que se espera que o povo cumpra. As normas representam aquilo que
permitido e o que no permitido na vida social.
Ainda de acordo com Giddens, a noo de cultura tem ligaes muito
estreitas com a noo de sociedade. Uma sociedade um sistema de inter-
relaes que ligam os indivduos em conjunto. Nenhuma cultura pode existir
sem uma sociedade. Mas, igualmente, nenhuma sociedade existe sem cultura.
Sem cultura, no seramos de modo algum humanos, no sentido em que
normalmente usamos este termo.
partindo destes conceitos de identidade e de cultura que surgem
outros termos afins, remetendo para a realidade que caracteriza as nossas
sociedades. Um desses conceitos o de grupo tnico, que se distingue pelas
caractersticas culturais comuns dos seus membros, tais como: religio, lngua
ou nacionalidade. Cardoso (1998:24) refere-se a um grupo de indivduos que,
no contexto de sistemas culturais alargados, se reconhecem e so vistos
como culturalmente diferentes, com base em elementos distintivos no visveis
a lngua, a histria, a religio e/ou visveis formas de vestir,
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
22
caractersticas fsicas, etc.. Segundo Neto (2002) um conjunto de indivduos
com antepassados comuns pertencentes mesma cultura e com sentimentos
comuns de identificao enquanto grupo distinto.
Mas convm ter presente que nenhum grupo ou indivduo se encontra
apenas encerrado numa identidade nica, tendo a mesma um carcter flexvel
e flutuante que se presta a diversas interpretaes. E por isso mesmo que se
torna difcil a sua definio. A identidade est em movimento constante; cada
processo de transformao social faz com que seja reformulada de um modo
diferente. Algumas destas transformaes so uma mescla de tudo o que
sentimos e passamos, somos um conjunto de sentimento e razo, e em alguns
casos, a inteligncia acaba por separar essas duas disposies ordenadas.
A identidade deve ser considerada tendo em conta um contexto de
interaces e relaes, ou seja, tendo em conta a pluralidade das relaes que
se estabelecem entre o indivduo e o meio em que ele est inserido. O conceito
de identidade torna-se, pois, inseparvel do da sua alteridade. Portanto, a
construo da identidade pessoal e social, dando-se de forma interactiva e
no devendo ser vista como algo esttico e imutvel, mas como algo em
constante desenvolvimento e que acontece durante grande parte da vida dos
indivduos. Desde o nascimento o homem inicia uma longa interaco com o
meio em que est inserido, a partir da qual construir no s a sua identidade,
como a sua inteligncia, emoes, medos, enfim, a sua personalidade.
Uma das capacidades que o ser humano tem a capacidade de se
redefinir. A resposta sobre o que eu sou no resulta s de condicionantes
sociais, externas, mas est associada capacidade individual que temos de
nos definirmos e nos diferenciarmos dos outros. Neste sentido, a (re)produo
da vida social est fortemente condicionada nossa capacidade de escolha.
Assim, a capacidade de saber escolher apresenta-se como um desafio de
autoproduo de sujeitos e colectividades humanas. Devemos dizer ainda que
as possibilidades que os indivduos tm de fazer escolhas no nos parecem,
contudo, totalmente livres. Elas dependem dos vnculos que estabelecemos
nas mltiplas redes existenciais que constituem o meio social. Numa sociedade
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
23
complexa como a actual, o eu faz-se mltiplo, ajustando-se s mudanas
rpidas e constantes a que submetido.
Cremos que um dos grandes desafios da modernidade passou a ser a
construo da unidade social em sociedades marcadas por significativas
diferenas e desigualdades pessoais e colectivas, o que se torna ainda mais
difcil quando se tenta ter em conta e respeitar essas mesmas diferenas e
desigualdades de cada um. Escutar-se e questionar-se a si e ao outro torna-se,
portanto, uma condio essencial para o reconhecimento e o assumir de uma
identidade e para uma real e efectiva comunicao.
Em todas as pocas e em todos os nveis de cultura e saber (psicologia,
sociologia), de formas diversas e distintas, surgem questes relacionadas com
o Homem e a(s) sua(s) identidade(s), individual, social, cultural. Assim, faz-se
por aprofundar um pouco a questo que, num contexto actual cada vez mais
plural e globalizante, se torna fulcral no sentido de nos entendermos e
conhecermos a ns prprios, enquanto seres humanos, sociais e culturais, com
um papel activo na sociedade dominante, em interaco com o(s) outro(s).
2. Educao multicultural/ intercultural: algumas perspectivas
Para nos referirmos s prticas em educao intercultural torna-se
necessrio reflectir um pouco sobre o conceito, sobre as suas finalidades e os
seus objectivos.
O termo intercultural visto como uma noo complexa e polmica,
carregada de afectividade e caracterizada por uma grande elasticidade
semntica (Miranda, 2004:19). Neste sentido, importante referir que o prefixo
inter indica uma relao entre vrios elementos diferentes, marcando uma
reciprocidade (interaco, intercmbio) e, simultaneamente, uma separao
(diferena) e define um processo dinmico caracterizado pela troca de
experincias e perspectivas, as quais correspondem a representaes sociais
construdas em interaco (Idem, Ibidem).
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
24
Quando transportamos estas reflexes para o campo educativo
necessrio ter em ateno as mltiplas relaes que se estabelecem entre os
intervenientes do acto pedaggico, entre as quais a dimenso intercultural vem
assumindo cada vez mais importncia. Neste sentido, tambm no podemos
esquecer que o meio cultural em que estamos inseridos influencia as nossas
percepes sobre os outros e neste campo que a psicologia intercultural e a
comunicao intercultural tm oferecido educao ferramentas importantes
de compreenso do mundo para uma melhor actuao no domnio pedaggico.
Todos estes factos obrigam-nos, como refere Martine Abdallah Preitceille, a
assumir uma grande capacidade de descentrao tanto em relao ao objecto
de estudo como sua contextualizao, contextualisation qui recouvre le sujet
et lobject ainsi que les relations qui les lient (1985:30). Este aspecto tem
particular interesse quando a investigao se localiza em contexto escolar
como o caso do presente estudo.
Segundo Ouellet (1991), o conceito de educao intercultural designa
toda a formao sistemtica que visa desenvolver, quer em grupos maioritrios
quer em grupos minoritrios:
melhor compreenso das culturas nas sociedades modernas;
maior capacidade de comunicar entre pessoas de diferentes culturas;
atitudes mais apropriadas ao contexto da diversidade cultural;
maior capacidade de participar na interaco social, criadora de
identidades e de sentido de pertena comum humanidade (pp. 29-30).
A educao intercultural implica pois questionar e aprofundar o
conhecimento, deixar o ego/etnocentrismo e adoptar um novo paradigma o
Outro como ponto de partida (Perotti, 1997:73).
Na pgina institucional do ACIME (Alto Comissariado para a Imigrao e
Minorias tnicas), e citando o investigador Fernand Ouellet, aponta-se que a
educao intercultural se articula obrigatoriamente com a educao para a
cidadania e pode tambm definir-se como obedecendo a cinco princpios:
Abertura diversidade cultural;
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
25
Igualdade de oportunidades e equidade;
Coeso social;
Participao crtica na vida e deliberao democrtica;
Respeito pela vida no planeta.
Refira-se que no campo da pedagogia e da psicologia do
desenvolvimento, a educao intercultural tem os seus alicerces na concepo
construtivista do conhecimento. Entende-se a aprendizagem como um
processo situado na participao social, que se insere no contexto social,
cultural e poltico e, em situao de ensino formal, como por exemplo nas
escolas, emergindo das interaces entre alunos e professores.
Carlos Cardoso evidencia a necessidade de juntar dimenso da
educao multicultural a dimenso da educao anti-racista. Esta questo
particularmente importante no contexto da presente investigao uma vez que,
como veremos no estudo emprico, a problemtica do racismo surge no
discurso das crianas envolvidas no nosso estudo. Neste sentido, o autor
refere que a educao multicultural inclusiva do anti-racismo promove a
partilha, a valorizao e o respeito pela diversidade das culturas representadas
na classe/escola/sociedade (1996:9).
Importa aqui recordar que o racismo, referindo-se a preconceito e
discriminao em relao a membros de uma determinada raa, vai incluir
prticas institucionais que subordinam essas pessoas (Neto, 2002:272),
dificultando ou mesmo impedindo o seu acesso a determinados bens ou
situaes. A discriminao um comportamento que despreza e exclui o
outro e que se orienta, com frequncia, para as minorias tnicas.
Num volume editado para o Secretariado Coordenador dos Programas
de Educao Multicultural, Carlos Cardoso retoma a problemtica do combate
ao racismo no seio das escolas e na sociedade. Neste sentido, sublinha a
necessidade de a educao intercultural implicar diferentes nveis (estruturas
ministeriais, escola, classe) e diferentes actores, numa tentativa de criar um
verdadeiro currculo intercultural (1998:14). um processo que rejeita o
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
26
racismo e outras formas de discriminao nas escolas e na sociedade e que
defende e afirma o pluralismo representado pelos alunos, pelas suas famlias e
pela comunidade. Implica tambm ajustamentos ao nvel do currculo, dos
contedos, das estratgias, das interaces entre os professores e alunos de
forma a proporcionar, a todos os alunos, igualdade de oportunidades (Cardoso,
1996:9). Este um posicionamento que procura preconizar os princpios
democrticos da justia social atravs de pedagogias crticas, promovendo
conhecimentos e uma reflexo e aco que permita aos futuros cidados
participar mais activamente nas mudanas sociais no sentido de desenvolver
nveis cada vez mais elevados de igualdade de oportunidades (Idem).
Partindo da constatao de que a identidade scio-cultural se encontra
estreitamente relacionada com o universo cultural em que o indivduo foi
socializado, e que reflecte tambm a classe social a que este pertence, a idade
e o sexo, pretende-se tambm enfatizar o facto de cada ser humano estar
ligado, simultaneamente, a vrios subgrupos culturais, estando assim, inserido
em vrias microculturas.
Clanet (citado em Miranda, 2004:20) esclarece, a este propsito, que o
interculturalismo aponta para um conjunto de processos psquicos, grupais e
institucionais que resultam da interaco de culturas e de intercmbios
recprocos, mas tendo em ateno a permanncia de uma relativa identidade
cultural dos diferentes elementos em presena. esta a posio que vimos
assumida actualmente em grande parte dos estudos que abordam esta
problemtica, que reconhecem ser este um campo de investigao que exige a
integrao de diferentes abordagens epistemolgicas. Neste sentido, Martine
Abdallah Preitceille (1996) afirma que a problemtica da interculturalidade
exige uma aproximao que tenha em considerao diferentes perspectivas
propondo um quadro conceptual fundamentado em trs eixos essenciais:
objectividade/subjectividade, alteridade/identidade e diferena/universalidade.
Dada a complexidade desta temtica estamos, pois, em condies de
afirmar que o interculturalismo ter tambm, certamente, repercusses ao nvel
do sistema educativo, motivando a criao de prticas educativas abrangentes,
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
27
que tenham em conta as diferenas biolgicas, sociais e culturais das crianas.
pois, nessa sequncia, que surge a educao intercultural, estratgia
educativa cujo principal objectivo consiste em assegurar o desenvolvimento
educacional e a insero social dos alunos, no sendo estes condicionados
pelo sexo, idade, classe, lngua, aptides, religio e outras caractersticas
culturais que lhes sejam prprias. Pretende-se que todas as culturas presentes
no meio escolar usufruam de igual estatuto e que todos os alunos disponham
de oportunidades pedaggicas que permitam optimizar as suas potencialidades
e competncias, tirando partido das oportunidades educacionais e dos
benefcios sociais que delas advm.
Defendendo a criao de condies facilitadoras de dilogo entre
elementos de diferentes culturas, esta corrente baseia-se na ideia de que a
interaco entre vrias culturas ser factor de enriquecimento recproco e da
sociedade em geral.
De referir, ainda, que os termos educao multicultural e educao
intercultural so frequentemente utilizados de forma aleatria, muito embora
alguns autores estabeleam diferenas entre os respectivos domnios de
aplicao. Para estes, a primeira limita-se incluso de assuntos ligados s
diferentes culturas e discriminao social nas estruturas curriculares dos
planos de formao de professores e alunos e nos prprios materiais
pedaggicos enquanto a segunda incide basicamente no intercmbio cultural
dos grupos presentes.
No sendo nosso objectivo analisar as semelhanas e/ou diferenas
entre os dois conceitos, existindo j uma extensa bibliografia sobre este
assunto, citamos apenas a clarificao proposta por Martine Abdallah-
Pretceille.
Para esta autora, o multiculturalismo remete para uma concepo de
relaes sociais e culturais baseada numa justaposio de culturas, o que
pode originar uma estratificao ou mesmo hierarquizao entre os diferentes
grupos (1986: 29). Na verdade, as concepes multiculturais tm como base a
afirmao do direito diferena e a convivncia entre diferentes culturas, no
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
28
mbito de uma mesma sociedade, como condio da prpria democracia.
Contudo, e ainda segundo a mesma autora, esta demarcao entre
identidades culturais, independentemente dos fins que possa ter, essa
concepo das diferenas em torno de categorias como grupo, raa, cultura,
etc., corre o risco de isolar os indivduos, delimitando-os segundo uma viso
idealista e esttica da realidade. Essa concepo pressupe ainda uma ideia
de sociedade construda por grupos diferenciados, que se respeitam
mutuamente conforme o ideal democrtico, mas onde a comunicao e a
convivncia se tornam difceis. Apesar de existirem, de facto, identidades
culturais, estas no podero ser vistas como unidades diferenciveis e
autnomas no seio das sociedades contemporneas (Ferreira, 2003: 110).
Na prtica, o que se tem verificado que a utilizao de um e outro
termo liga-se por vezes mais tradio do seu uso em determinados pases do
que existncia de diferenas de ordem conceptual. Assim, o termo educao
multicultural usado essencialmente nos EUA, no Canad, na Austrlia e no
Reino Unido, enquanto nos restantes pases europeus predominam as
referncias educao intercultural.
Nesse sentido, privilegia-se a concepo de estratgias educativas
interculturais, tendo em conta os seguintes objectivos: transmitir saberes e
desenvolver competncias necessrias efectiva comunicao e interaco
entre alunos de diferentes culturas; criar condies que assegurem o acesso
ao conhecimento e ao sucesso educativo a todos os elementos da populao
escolar, quaisquer que sejam as suas culturas de origem. Estes objectivos
sero desenvolvidos no ponto trs.
Actualmente, o interculturalismo um tema em reflexo permanente.
um facto que na sociedade contempornea importante aprender a
reconhecer a diversidade das culturas, saber comunicar num contexto
intercultural, tomar conscincia da sua prpria identidade cultural, ser capaz de
ir para alm dos esteretipos e dos preconceitos, conhecer melhor os modos
de vida dos diferentes pases europeus, podendo, estes, ser objectivos de uma
prtica intercultural alargada educao.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
29
O fenmeno do intercultural ou do multicultural, que hoje tem aplicaes
em vrios domnios da sociedade em geral, desenvolveu-se a partir dos anos
60 (Neto, 1993). O fenmeno presente da globalizao tem vindo a acentuar
esta realidade, que se reflecte tambm na escola, onde podem surgir situaes
de conflito e tenso entre grupos, maioritrios e minoritrios.
Manuela Malheiro Ferreira, baseando-se em Banks, afirma que uma
importante finalidade da educao multicultural a de ajudar os alunos a
desenvolverem o esprito crtico e a adquirirem os conhecimentos, as atitudes,
as capacidades e o empenho necessrios de forma a participarem numa
actividade democrtica (2003:120). A Educao inter/multicultural uma
educao para funcionar de um modo efectivo numa sociedade democrtica.
Ajudar os alunos a desenvolver os referidos conhecimentos e atitudes
necessrios para participar numa aco cvica e reflexiva um dos seus mais
importantes objectivos. Na escola, os alunos devem ser motivados a
desenvolver as suas prprias ideias e interpretaes, assim como a identificar
as suas prprias posies, interesses e ideologias (Ferreira, Idem).
McCarthy (1994:81-98) indica um conjunto de recomendaes a que ser
necessrio atender numa educao que tenha em conta a diversidade cultural:
Identificar constrangimentos e barreiras postas criatividade dos
professores e inovao da cultura institucional das escolas;
Articular um conjunto de prticas que tenham em considerao
diferenas de necessidades, interesses de minorias em situao difcil;
Implementar esforos muito maiores na consecuo de metas de
igualdade de oportunidades de acesso e de sucesso;
Desenvolver um conhecimento escolar que seja visto como um
processo dinmico e multifacetado,
Apoiar-se num modelo multidisciplinar que enfatize a
interdisciplinaridade, o desafio intelectual, o debate entre perspectivas
antagnicas e um vigoroso questionamento das tradies recebidas;
Enfatizar a autonomia dos alunos relativamente a diversas fontes de
informao;
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
30
Estabelecer claras relaes entre poder e saber.
Concluiremos, ento, dizendo que a educao intercultural parece ser
muito ambiciosa (e complexa, como j foi referido anteriormente), ao propor-se
como indicada para todos os meios escolares e para a educao no formal.
A educao intercultural no pode apenas aparecer em programas
definidos para o efeito ou ser dirigida para grupos isolados, mas deve, antes de
mais, estar presente em todo e qualquer nvel de educao.
necessrio organizar e administrar a escola tendo em conta a
presena de uma diversidade de culturas (considerando a diversidade nos
planos educativos de escola, nos planos curriculares de turma, discuti-las nas
assembleias e nos conselhos de escola, nas turmas): adaptar o currculo, de
mbito nacional, aos diferentes contextos; fazer uso de prticas lectivas que
apelem cooperao e que valorizem diferentes saberes, aptides e
capacidades, mediante, por exemplo, uma aprendizagem cooperativa; dar uma
especial ateno ao ensino da Lngua Portuguesa, pois o seu conhecimento
condiciona todas as outras aprendizagens; resolver conflitos, mediante uma
negociao, uma mediao dos mesmos; promover o desenvolvimento scio-
moral e celebrar a unidade e a diferena. Estes so os grandes desafios que se
colocam hoje s escolas portuguesas.
Com efeito, a necessidade de uma aproximao intercultural aos
programas , de facto, uma consequncia das mudanas que ultimamente se
vm registando na nossa sociedade e, nomeadamente, nas nossas escolas. A
abordagem intercultural dos currculos do 1. Ciclo do Ensino Bsico deve, sem
dvida, ter em conta a dimenso social de todas as reas disciplinares,
apelando para uma educao que privilegie a comunicao e o contacto entre
culturas.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
31
3. Objectivos da educao intercultural
Os objectivos de uma educao intercultural so definidos por vrios
autores e como tal existem propostas variadas. Alguns salientam o lado
internacional da questo, outros, o patrimnio cultural, a diversidade cultural ou
lingustica, os problemas do racismo e xenofobia, as questes dos imigrantes e
de outros grupos minoritrios, ou ainda as questes da equidade ou alteridade.
Toda esta problemtica refora a ideia de que a noo de educao
intercultural parece ser uma noo complexa na medida em que foca
simultaneamente o problema da diversidade e da desigualdade (Miranda,
2004).
Tambm, Ouellet (1991:28-29) apresenta um conjunto de objectivos
para o desenvolvimento da educao intercultural. Segundo o mesmo, ser
uma educao:
- onde o pluralismo faa parte da formao de todos os indivduos, sejam
eles de grupos minoritrios ou no;
- em que os alunos de grupos minoritrios no sejam forados a abandonar
a sua lngua materna e em que o bilinguismo seja considerado e visto como
uma vantagem;
- onde a cultura familiar do aluno no seja objecto de desvalorizao
aquando da sua entrada no meio escolar;
- que integre medidas que ofeream aos alunos provenientes de grupos
minoritrios um nvel de sucesso escolar comparvel aos alunos de grupos
maioritrios;
- que promova a interaco de membros de diversas comunidades tnicas e
culturais com a sociedade de acolhimento.
Segundo Banks (1994:1), definir o conceito de educao multicultural
uma tarefa ampla e complexa que pode ser entendida de forma diversificada,
dado as diferentes aproximaes tericas que existem em relao a essa
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
32
problemtica. Todavia, aponta como objectivo central da educao multicultural
uma educao para a liberdade.
O mesmo autor refere-se s dimenses da educao multicultural,
indicando formas e estratgias que conduzem concretizao desta forma de
viver em sociedade: uma pedagogia para a igualdade de oportunidades, ajudar
os alunos a desenvolver atitudes e valores mais democrticos bem como um
processo de construo do conhecimento e das suas competncias. (p.10).
Miranda (2004: 21-22), apoiando-se em dois investigadores espanhis
(Sales e Garcia, 1997), refere como objectivos bsicos da educao
intercultural:
- proporcionar e criar condies para a igualdade de oportunidades
educativas para participar activamente na sociedade e na transformao da
cultura, dentro de uma sociedade democrtica em que se formam novas
geraes de cidados conscientes e crticos que tomam decises pblicas para
o desenvolvimento das estruturas e prticas sociais e culturais;
- valorizar a diversidade e respeitar a diferena como elemento dinamizador
e enriquecedor na interaco entre pessoas e grupos;
- procurar valores comuns que possam dar sentido interculturalidade no
sentido de desenvolver ideologias, polticas e modelos educativos num mundo
plural, ameaados por um certo relativismo ps-moderno, atravs de
estratgias comunicativas, sociais e educativas baseadas no dilogo, como
forma de intercmbio de perspectivas culturais e procura de modelos culturais
e sociais alternativos;
- tomar conscincia de prticas sociais e educativas que resultam de
atitudes/esteretipos e preconceitos tnicos, culturais, sexuais ou sociais e
desenvolver habilidades afectivas, cognitivas, comportamentais, pessoais e
sociais para transformar estas prticas e as estruturas que determinam e
legitimam o racismo, para evitar a sua (re)produo;
- desenvolver competncias multiculturais conhecendo, compreendendo e
valorizando diferentes percepes culturais que conduzam superao de um
etnocentrismo discriminatrio;
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
33
- apoiar o desenvolvimento de uma identidade cultural flexvel.
Os objectivos referidos remetem-nos para um domnio bastante amplo
de interveno. O conjunto de aspectos referidos abrange na verdade,
conceitos diversos como o de cultura, de indivduo, de educao e de
sociedade, que so justificao suficiente para a filosofia do modelo e cujos
princpios e pressupostos orientadores esto presentes nos programas
educativos que promovem a interculturalidade atravs de atitudes e de valores.
Estes so aspectos que se devero cruzar com o perfil do professor
preconizado por Stoer e Corteso, a que adiante nos referimos, e que exigir
por parte do professor uma grande capacidade de reflexo e de disponibilidade
face ao que a sociedade lhe pede. Na verdade, a tarefa de pr os objectivos
enunciados em prtica no de todo facilitada, apesar de, a nvel terico, quer
a Lei de Bases do Sistema Educativo Portugus quer mesmo as normas
europeias da educao apontarem no sentido de uma cada vez mais premente
necessidade da sua aplicao plena. De referir, alis, que a prpria Conveno
das Naes Unidas relativa aos direitos da criana e a Declarao da
Conferncia Mundial sobre a Educao para Todos constituem um amplo
quadro de referncia, a partir do qual se deveriam elaborar as legislaes
nacionais e as prticas ao nvel local.
A referida declarao trata, entre outras coisas, das necessidades
educativas fundamentais, as quais compreendem no s as capacidades de
aprendizagem essenciais (conhecimentos nas mais diversas reas), como os
contedos educativos essenciais (aptides, valores e atitudes) de que o ser
humano necessita para viver em sociedade, para desenvolver todas as suas
faculdades, para viver e trabalhar com dignidade, para participar activamente
no desenvolvimento, para melhorar a sua qualidade de vida, para tomar
decises conscientes e para continuar a aprender.
Entendemos, pois, que a educao intercultural uma educao que
requer um certo estudo e nvel de reflexo por parte das opes polticas e de
todos os intervenientes neste processo, sendo para tal necessrio um
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
34
empenhamento srio e cuidado de todos. Assim sendo, poderemos afirmar que
a educao intercultural tem como objectivos/competncias essenciais: a
promoo da compreenso intercultural e internacional, o reconhecimento e o
respeito pelas diferenas culturais, pelas questes dos direitos humanos e da
cidadania, a garantia da igualdade de oportunidades (devendo o sistema
educativo favorecer a integrao, incluso), as estratgias a favor da igualdade
de acesso ao processo de ensino/aprendizagem e estratgias que visem
analisar as aptides, competncias e conhecimentos que as crianas trazem
consigo e o recurso s mesmas como importantes recursos educativos.
A educao intercultural tornou-se, pois, num modelo educativo que
favorece o enriquecimento cultural dos cidados, partindo do reconhecimento e
respeito pela diversidade, atravs do intercmbio e dilogo e da participao
activa, consciente e crtica para o desenvolvimento de uma sociedade livre e
democrtica baseada na igualdade, respeito, tolerncia e solidariedade. Note-
-se, ainda, que ao satisfazer as necessidades educativas essenciais, conferem-
-se determinadas capacidades aos membros de toda a sociedade e que a
educao intercultural pode ser vista como um meio de emancipao,
nomeadamente, dos grupos mais desfavorecidos.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
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Captulo II
A interculturalidade nas escolas portuguesas
do 1. Ciclo
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
36
1. Os primeiros passos da educao intercultural em Portugal
Como acontece noutros pases europeus, Portugal tem vindo a realizar
alguns esforos na tentativa de assumir uma percepo mais ampla e cuidada
da problemtica das relaes interculturais. Todavia, o conceito de educao
intercultural ainda relativamente recente em Portugal. E muitos de ns
parecemos no estar ainda bem conscientes da importncia e do valor
acrescido desta estratgia educacional.
As dificuldades sentidas por crianas e jovens de grupos culturais
minoritrios tornaram-se cada vez mais evidentes em muitas escolas
portuguesas, bem como as dificuldades sentidas por ns, professores e
educadores que tentamos dar respostas adequadas s situaes.
No mbito deste captulo, so dois os objectivos: tornar perceptvel a
necessidade e urgncia de uma educao intercultural e tentar perceber o seu
nvel de desenvolvimento, em Portugal. Numa primeira parte examinaremos o
contexto social e poltico que apoia esta estratgia educacional e, numa
segunda parte, apontaremos algumas iniciativas que tm sido feitas para a pr
em prtica.
1.1. Necessidade de uma educao intercultural
De acordo com Ana Paula Cordeiro (1997:167-170), cuja reflexo inicial
seguimos aqui de perto, um dos factores mais intimamente ligado ao recente
avano da educao intercultural em Portugal tem sido o aumento da natureza
multicultural da sociedade portuguesa, resultante das vrias vagas de
imigrao que tm vindo a ocorrer desde os anos 70.
Refira-se que a posio geogrfica de Portugal sempre foi favorvel ao
estabelecimento e interaco de diferentes pessoas e culturas. Contudo,
apesar do facto de a populao a residir em Portugal ter vindo a revelar uma
natureza multi-tnica, a heterogeneidade cultural da populao s se tornou
significativa em Portugal nas ltimas dcadas. Vrios acontecimentos, tanto a
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
37
nvel nacional como internacional, criaram uma nova dinmica no que diz
respeito aos movimentos migratrios para Portugal. Estes tiveram profundas
repercusses a nvel da estrutura demogrfica.
Entre tais acontecimentos est a crise econmica que se vive
actualmente a nvel mundial, que tem vindo a afectar fortemente a economia
europeia e a causar a ruptura de muitas organizaes industriais. Este facto
trouxe consigo alteraes em termos de oportunidades de emprego, que
estavam at ento disponveis essencialmente nos pases da Europa do Norte,
para passar a haver tambm novas oportunidades nos pases do Sul, criando-
-se desta forma novos percursos e novos fluxos migratrios. Tal situao
tornou-se tambm evidente em Portugal, tradicionalmente mais conhecido
como pas de emigrao e que passou, por sua vez, a receber os novos
movimentos migratrios.
No caso portugus, podemos afirmar que a mudana de regime em
Portugal (1974) e o consequente processo de descolonizao tiveram um papel
crucial no processo de intensificao da heterogeneidade cultural da populao
a residir em Portugal, que se caracterizava j por alguns traos de uma
sociedade multicultural, com vrios grupos tnicos em presena, entre os quais
se podem destacar os ciganos e os africanos.
O aumento do nmero de cidados estrangeiros em Portugal, desde o
incio dos anos 80, usufruindo do estatuto de imigrante, de exilado ou de
refugiado contribuiu definitivamente para marcar a natureza heterognea da
nossa sociedade. Referimo-nos a indivduos com origens culturais e
geogrficas muito diversas, vindos de situaes sociais e econmicas
extremamente dissimilares.
Entre os cidados estrangeiros com autorizao para viver em
Portugal, os nacionais de naes africanas onde se fala o portugus como
lngua oficial, como Cabo Verde, Angola, Moambique, Guin-Bissau e So
Tom e Prncipe, tm uma maior proeminncia. A este grupo devemos ainda
acrescentar o caso das pessoas oriundas de Timor-Leste e de Macau.
O contributo da literatura infantil para a educao intercultural
Experincia em contexto de sala de aula
38
A luta pelo poder que gerou uma guerra civil em muitos pases africanos
independentes e as dificuldades sentidas relacionadas com o estado de
subdesenvolvimento social e econmico fez tambm com que milhares de
pessoas abandonassem os seus pases de origem. Dadas as afinidades
culturais e lingusticas, muitos procuraram estabilidade e condies bsicas de
sobrevivncia no poder ex-colonial.
Contudo, entre os estrangeiros legalmente a viver em Portugal, os
europeus revelam tambm um elevado perfil. As razes subjacentes sua
presena parecem estar relacionadas com a situao social e econmica
resultante da consolidao da democracia portuguesa que atraiu novos
investimentos estrangeiros, nomeadamente na rea do turismo, comrcio,
agricultura e servios.
Do nmero total de estrangeiros originrios da Europa comunitria, os
cidados vindos da Gr-Bretanha e Espanha parecem estar em maior
percentagem. O fluxo de imigrantes vindos de Frana, Itlia e Alemanha
tambm importante, revelando aumentos significativos.
Os brasileiros tm igualmente uma considervel representao
numrica. O crescimento observado nesta actual rede migratria est ligado,
entre outras razes, com a existncia de afinidades culturais e lingusticas.
Alm disso, temos tambm a instabilidade social, econmica e poltica que se
vive no Brasil.
A nova composio geopoltica da Europa contribuiu, do mesmo modo,
para a vinda de estrangeiros para Portugal. O pas tornou-se, como muitos
outros, num anfitrio para cidados da Europa de Leste que deixaram os novos
estados independentes dessa regio devido a problemas e dificuldades vividas
aps a queda dos antigos regimes polticos.
Olhando para os nmeros que esto disponveis para caracterizar esta
nova realidade, torna-se evidente a evoluo do nmero de estrangeiros
residentes em Portugal, que se traduz num crescimento contnuo desde 1980
at aos ltimos anos. Trata-se de uma evoluo subestimada dado, em
particular, a existncia de um nmero considervel de autorizaes de
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permanncia e indeterminado nmero de imigrantes ilegais, ou seja,
efectivamente residentes, mas sem autorizao administrativa de residncia.
De acordo com os dados dos Censos realizados, o nmero de
estrangeiros residentes em Portugal passou de 127.370, em 1991, para
232.695, em 2001, registando, nesse perodo, um crescimento de cerca de
83% (variao mdia anual de 6.2%) e contribuindo em 22% para o acrscimo
do volume populacional observado em Portugal na dcada de 90. As
estimativas sobre o nmero de imigrantes efectivamente residentes em
Portugal so diversas. As mais actualizadas apontam para cerca de meio
milho, correspondentes a no mais de 5% da populao residente. O peso da
populao estrangeira residente em Portugal continua, no entanto, a ser
reduzido, quando comparado com o registado noutros pases europeus.
Estima-se que, dos estrangeiros a residir em Portugal presentemente,
cerca de 55% tenham origem em pases da CPLP, 28% em pases da Unio
Europeia e 11% em pases da Amrica do Sul. Ainda que a imigrao
proveniente de pases asiticos e de pases europeus no comunitrios tenha
crescido de forma expressiva, o seu peso no total da populao estrangeira
legalmente residente em Portugal aproxima-se, respectivamente, de 5 e de 4%.
A distribuio regional deixa revelar a maior concentrao na rea
Metropolitana de Lisboa e nos maiores centros urbanos do litoral. nos
distritos de Lisboa (52%), Faro (14%) e de Setbal (11%) que reside a grande
maioria da populao estrangeira.
Perante estes dados, torna-se inquestionvel que necessrio olhar
para a realidade portuguesa como um exemplo de sociedade inter/multicultural,
o que exige, no campo especfico que aqui nos interessa a educao um
olhar atento sobre as formas como interpretar e intervir nessa realidade.
Note-se tambm que se tem vindo a verificar um aumento da
conscincia por parte quer do estado quer dos cidados, de que necessrio
assumir os novos contextos sociais e procurar as melhores formas de
ultrapassar as inevitveis situaes de desigualdade, a vrios nveis, inclusive
no campo educativo, que estas novas configuraes trazem. E assim se torna
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plenamente justificada a necessidade e a urgncia da implementao de uma
educao intercultural.
1.2. Medidas polticas e prticas educativas
O estabelecimento do regime democrtico em Portugal e a preservao
legal dos direitos humanos foram dois princpios polticos bsicos de modo a
garantir uma educao intercultural em Portugal. A Constituio da Repblica
Portuguesa (VII reviso constitucional, 2005) determina que ningum pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito ou isento
de qualquer dever em razo de ascendncia, sexo, raa, lngua, territrio de
origem, religio, convices polticas ou ideolgicas, instruo, situao
econmica, condio social ou orientao sexual (artigo 13., n.2).
No que respeita aos direitos e deveres, a constituio confere um
tratamento igual para cidados nacionais e estrangeiros, com excepo dos
direitos polticos, o exerccio de funes pblicas no tcnicas e os direitos e
deveres que por lei so exclusivamente reservados aos portugueses. No
entanto, a Constituio considera a possibilidade de dar aos cidados
estrangeiros de pases onde o portugus tido como lngua oficial, um estatuto
especial atravs da assinatura de convenes internacionais numa disposio
recproca (artigo 15., n.3). No artigo 74. da Constituio, respeitante
especificamente ao ensino, fica claro, para alm do direito universal
igualdade de oportunidades de acesso e xito escolar (n. 1), a preocupao
com os cidados oriundos de outras comunidades quando refere que se deve:
i) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da lngua portuguesa e
o acesso cultura portuguesa;
j) Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivao
do direito ao ensino.
A definio dos direitos dos estrangeiros e das minorias tnicas, na lei
portuguesa, teve repercusses muito importantes a nvel da legislao
sectorial. Os princpios bsicos da democracia, participao e igualdade de
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oportunidades foram introduzidos na rea da educao atravs da LBSE (Lei
de Bases do Sistema Educativo), em 19861.
reconhecido que a educao deve acolher um esprito de democracia
no qual os outros indivduos e as suas ideias sejam respeitados. Deve haver
um dilogo aberto e livre troca de opinies, ideias que esto patentes no texto
da LBSE, quando se enuncia tambm que se pretende formar cidados
capazes de julgarem com esprito crtico e criativo o meio social em que se
integram e de se empenharem na sua transformao progressiva (artigo 2.,
n. 5).
A LBSE a base da reforma geral do sistema educativo e estipula que
um sistema de educao organizado de modo a assegurar o direito
diferena, merc do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais
da existncia, bem como da considerao e valorizao dos diferentes saberes
e culturas (artigo 3., alnea d)).
Devemos notar que para alm de factores nacionais, factores
internacionais tm vindo tambm a influenciar o desenrolar deste tipo de
aces na rea da educao intercultural. Um dos ltimos e dos mais
importantes, foi o facto de Portugal ter aderido Comunidade Europeia, em
1986. Na sua capacidade enquanto estado-membro da Unio Europeia,
Portugal teve, pois, de adoptar recomendaes e directrizes comunitrias no
que concerne educao intercultural e a assuntos a ela relacionados. Note-se
que data tambm de 1986 a LBSE, o que pode representar alguma
convergncia de ideias e de vontades.
Observando com ateno os princpios bsicos e organizadores e os
objectivos apresentados para o ensino bsico, notamos, todavia, que no h
referncia explcita a uma perspectiva multicultural na sua formulao de base,
apesar de aparecer consignado no ponto 3 do artigo 2. da LBSE que: No
acesso educao e na sua prtica garantido a todos os Portugueses o
1 Com alteraes introduzidas pela Lei n. 115/97, de 19 de Setembro de 1997 e pela Lei n. 49, de 30 de
Agosto de 2005.
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respeito pelo princpio da liberdade de aprender e ensinar, com tolerncia para
com as escolhas possveis. Deste modo, s de uma forma indirecta
percebemos que est patente nos princpios organizadores a ideia de
multiculturalismo,
Do currculo nacional para todo o ensino bsico apenas um dos
objectivos apresentados na Lei de Bases apela para uma orientao
multicultural, defendendo que a escolaridade obrigatria deve: Fomentar a
conscincia nacional aberta realidade concreta numa perspectiva de
humanismo universalista, de solidariedade e de cooperao internacional
(artigo 7, alnea f).
De todos estes exemplos, parece decorrer uma certa secundarizao
da educao multicultural, como se as transformaes ocorridas no mundo e a
importncia da multiculturalidade na sociedade portuguesa no fossem, ainda,
suficientemente visveis aos olhos dos legisladores (Souta, 1997:56).
Reforando esta perspectiva, e consultando a edio Prticas
Pedaggicas Reorganizao Curricular do ensino bsico 1 Ciclo (2002:6),
observmos que entre as Competncias Transversais, ao nvel do
relacionamento interpessoal e de grupo, se encontram as seguintes:
conhecer e actuar segundo regras, critrios e normas de conduta de boas
prticas de interveno social;
respeitar o outro e a sua diversidade;
aplicar os valores e princpios estabelecidos na Constituio Portuguesa;
participar e cooperar na vida cvica de forma crtica e responsvel;
revelar e aumentar o bem-estar e a autoconfiana nos seus diversos
nveis de desempenho.
Ao nvel das indicaes metodolgicas (dos saberes, interesses e
necessidades dos alunos gesto dos programas), a compreenso da
realidade grupo/turma como um espao multicultural igualmente importante:
numa sala de aula em que se aceitam e integram as diferenas pessoais e
culturais dos alunos e em que prevalecem a confiana e o respeito mtuos,
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emergem, naturalmente, as perguntas e sugestes dos alunos. Aos t-las em
considerao, o professor pode adequar, mais facilmente, o processo de
ensino/aprendizagem s necessidades manifestadas e favorecer o
desenvolvimento da autonomia e da cooperao.
Em concluso, diramos que as orientaes actualmente em vigor
revelam j uma certa sensibilidade para estas questes do mbito da educao
multicultural, mostrando-se atentos aos aspectos do multiculturalismo e
deixando ao professor uma certa flexibilidade de os gerir de acordo com as
novas exigncias educativas e de acordo com as exigncias da sociedade
global actual. Assim sendo, as competncias a alcanar no final da educao
bsica tomam como referentes os pressupostos da lei de bases do sistema
educativo, baseando-se num conjunto de valores e de princpios dos quais
apenas destacamos alguns:
a construo e a tomada de conscincia da identidade pessoal e
social;
a participao na vida cvica de forma livre, responsvel, solidria e
crtica;
o respeito e a valorizao da diversidade dos indivduos e dos grupos
quanto s suas pertenas e opes (cf. Currculo Nacional do Ensino
Bsico. Competncias essenciais, 2001).
1.2.1. Algumas iniciativas no campo da educao intercultural
no contexto institucional descrito, e acompanhando uma preocupao
crescente com a problemtica da educao intercultural, que surgem algumas
iniciativas, governamentais e de outros organismos e instituies
(universidades, organizaes da sociedade civil, etc.) no campo aqui abordado.
Sem preocupao de exaustividade, apontaremos alguns exemplos mais
significativos.
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Em 1991, no mbito do Ministrio da Educao, criado um organismo
especificamente dedicado ao tratamento das questes educacionais
decorrentes da cada vez maior multiculturalidade portuguesa.
O Secretariado Coordenador dos Programas de Educao
Multicultural/Entreculturas surge atravs do Despacho Normativo n.63/ME de
13 de Maro, sendo-lhe atribudas competncias para coordenar, incentivar e
promover, no mbito do sistema educativo, os programas e as aces que
visem a educao para os valores da convivncia, da tolerncia, do dilogo e
da solidariedade entre povos, etnias e culturas (Neto, 1993: 29-30). Em 1993,
num estudo realizado no mbito das suas competncias e com o apoio da
Comisso Europeia, este mesmo Secretariado procedeu ao levantamento das
concepes dos professores, modos de estruturao das escolas e prticas
pedaggicas no mbito da Educao Intercultural.
Posteriormente, e entre outras iniciativas, criado atravs do Despacho
n.170/ME/93, o Projecto de Educao Intercultural (ano lectivo 1993/1994),
da responsabilidade do Secretariado Entreculturas, com o objectivo de
promover a igualdade no acesso aos benefcios da educao, a valorizao
das diferentes culturas e a legitimao do direito diferena. Este projecto
abrangia escolas do 1., 2. e 3. ciclos do Ensino Bsico, com sede maioritria
na rea da Grande Lisboa e, em menor nmero, na zona do Porto e no
Algarve.
Tratavam-se de instituies frequentadas por crianas de meios sociais
desfavorecidos, muitas delas descendentes de minorias tnicas e migrantes
que, devido aos baixos nveis de aproveitamento escolar e ao conturbado clima
de relaes que nelas se foi gerando, careciam de apoio destinado melhoria
de qualidade da aco educativa. Os objectivos do projecto eram os seguintes:
adaptar prticas pedaggicas de modo a melhor preparar os alunos e a
aumentar as suas taxas de aprovao;
providenciar um apoio mais sistemtico a alunos repetentes;
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Experincia em contexto de sala de aula
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criar e desenvolver estratgias conjuntas entre
escola/famlia/comunidade, onde cada um tem um papel activo no
processo educativo;
desenvolver estratgias de trabalho numa interveno educativa de
mbito intercultural e permanente.
O projecto centrava-se na formao de professores e outros agentes
educativos, tentando melhorar e especializar as suas respectivas qualificaes
acadmicas e profissionais. Acima de tudo, o projecto enfatizava o trabalho
com a famlia e a comunidade, procurando envolv-los cada vez mais no
processo educativo.
Pelo Decreto-Lei n.251/2002 criado o ACIME, Alto Comissariado para
a Imigrao e Minorias tnicas, que vai acolher outras estruturas anteriores,
como o Secretariado Entreculturas. Na pgina oficial do ACIME encontra-se
informao valiosa sobre diversos aspectos da educao intercultural.
A implementao dos vrios programas que tm sido desenvolvidos no
mbito destes organismos tem contado com a colaborao de inmeras
escolas e professores e tambm de centros de estudo de diversas
universidades2. tambm nas universidades que surgem os primeiros estudos
aprofundados sobre a educao intercultural, nomeadamente atravs da
criao de cursos de ps-graduao e de mestrado que tm dado origem a
diversos estudos, alguns deles publicados (um exemplo o Mestrado em
Relaes Interculturais, da Universidade Aberta).
A sociedade civil tem tambm revelado empenho, interesse e dinamismo
no que respeita problemtica educacional ligada ao carcter pluricultural das
actuais sociedades. Em 1991, realizou-se o estudo Minorias tnicas pobres
em Lisboa, atravs do Departamento de Pesquisa Social do Centro de
Reflexo Crist de Lisboa, no qual so abordados aspectos significativos da
2 Refira-se apenas, a ttulo ilustrativo, os projectos desenvolvidos pela Universidade do Porto (PIC e
PEDIC), pela Universidade do Minho (no Centro de Estudos da Criana) ou pela Universidade Aberta
(por exemplo, no mbito do CEMRI).
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Experincia em contexto de sala de aula
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falta de condies para o conjunto de imigrantes que na altura comeavam a
entrar em Portugal.
Vrias associaes e instituies no lucrativas foram entretanto sendo
criadas com o intuito de analisar mais de perto o fenmeno da
interculturalidade, designadamente em contexto escolar. Tambm algumas
instituies j existentes se envolveram no desenvolvimento de novas
actividades relacionadas com a educao intercultural. A ttulo de exemplo,
faremos apenas referncia a algumas.
A Associao de Professores para a Educao Intercultural (APEDI),
tem por finalidade promover programas e aces que visem a