ana marchand. o lugar do coração. independente 11 nov. 1988

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  • 8/3/2019 Ana Marchand. O Lugar do Corao. Independente 11 Nov. 1988

    1/2

    V E R lIl.

    . Pinturas feitascom perciae carinho

    EXPOSiES

    No coraode Ana Marchand

    O Independente, 11 Novembro, 1988

  • 8/3/2019 Ana Marchand. O Lugar do Corao. Independente 11 Nov. 1988

    2/2

    r:

    ANA MARCHAND: O Lugardo Corao. Galeria Emi-Valentim de Carvlho; RuaCruz dos Polals, 111, Lisboa;sbados e dias teis das15hOO s 20hOO.

    FI rapaz, rapariga,

    rvore, pssaro epeixe surgindo domar. Esta proclamao de Empdocles deAgrigento citada no catlogo da exposio de AnaMarchand fornece uma dasprincipais chaves para a leitura da obra desta artista.O mar, como o ambientelquido onde originou todaa vida, tambm o smbolodo inconsciente, onde a diferenciao no tantoobliterada como ainda noconcebida. A existncia dorapaz, rapar iga, rvore,pssaro e peixe no se situaaqui na hierarquia tipicamente estabelecida pelohumanismo ocidental: pelocontrrio, so todos ostosem p de igualdade face simperscrutveis foras doelementar, do inconsciente.A dissoluo das hierar-quias talvez a caracterstica dominante que atravessaa obra exposta. Assim seexplicar, por ventura, aestranha falta de ironia emO Caminho de Damasco,onde o cu se abre numclaro perante... um la-garto.A luz - metfora do conhecimento e do racional e a escurido - incognoscvel e irracional - so doiselementos interdependentesna linguagem pictrica deAna Marchand. Em particular nas obras a preto ebranco, esta oposio sustm uma nota de tensodramtica. De dentro de umcu negro de fuligem emergem esparsos planetas emeteoros. O trabalho qued exposio o seu ttulo,O Lugar do Corao, emblemtico: uma casa solitria, perceptvel unicamente atravs do seu telhado i luminado pelo luar, parece flutuar num espaonegro indeterminado, riscado aqui e ali pelo rasto deuma estrela ou a vaga sugesto de uma constelao.distante.Para Rabindranah Tagore, A Casa e o Mundo sodois plos opostos, repersentando o feminino e o

    masculino, a vida domsticae a vida poltica. A casa e omundo de Ana Marchandoperam num eixo de significao diverso, mais prximo de uma viso mstica,onde o eu e o universo seinterpenetram.

    Assim, trata-se no s deuma exposio construdaem torno de um ncleo slido de ideias, como as pinturas foram visivelmentefeitas com percia e carinho.Os meios so escassos masnunca ascticos. Nunca possvel ao espectador du-vidar que a noite negratambm o inconscientedesconhecido no seio doqual a prpria arte gerada,e que o lugar do coraoda artista reside na sua arte. Pelo que se torna surpreendente que, vista na suatotalidade, a exposiodeixe uma impresso fragmentada.Como seu hbito AnaMarchand contrape s

    obras a preto e brancoobras a cor. A variedade deforma e tamanho de formato indica ainda que cadapintura representa um novodesafio. Porm, no seu todo, e juntamente com ascondies de montagempouco ideais oferecidas pelagaleria, a exposio acabapor parecer heterognea edesigual. Talvez tal se deva,por um lado, a uma seleco pouco rigorosa das obrasexpostas e, por outro, acritrios de montagem pouco cuidados. Em exposiesdeste gnero, onde o espectador convidado a entrarem dilogo directo com cada obra individual, serianecessrio dedicar muitomais espao vital e cadapintura. Seria, ento, possvel saborear a riqueza daobra desta artista.Nos seus melhores momentos, esta obra d provasde uma sensibilidade refinada, no s em relao matria de pintura e aopotencial dramtico da luze da sombra, mas sobretudoa um mundo exterior poucovisitado pela arte contempornea: o simples estar nomundo das pedras e dosminerais; a auto-suficinciamonumental das rvores; avida furtiva dos animais; asestrelas, cada uma na suaviagem, indiferentes da sorte

    humana. uma arte que,sotto voce, celebra o mistenoso. Ruth Rosengarten

    Abrangida pelo Crdito Ford .