xxvi congresso nacional do conpedi sÃo luÍs –...
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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
ANDRÉ VIANA DA CRUZ
OTAVIO LUIZ RODRIGUES JUNIOR
CLÁUDIA MANSANI QUEDA DE TOLEDO
Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.
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D597
Direito civil constitucional [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: André Viana Da Cruz; Cláudia Mansani Queda De Toledo; Otavio Luiz Rodrigues Junior; – Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN:978-85-5505-541-6Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34
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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Constituição. 4. Dano Moral. XXVI
Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
São Luís – Maranhão - Brasilwww.portais.ufma.br/PortalUfma/
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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
Apresentação
Os artigos contidos na presente publicação foram anunciados no Grupo de Trabalho Direito
Civil Constitucional, durante o XXVI Encontro Nacional do Conpedi, em São Luís,
intitulado Direito, Democracia e Instituições no Sistema de Justiça, promovido em parceria
com a Universidade Ceuma, no Maranhão. A coletânea de temas apresentados como
comunicações científicas envolveu participações de vários Programas de Pós-Graduação em
Direito representados por seus pesquisadores de mestrado e doutorado de todo o país e
consolidam relevantes comunicações científicas a contribuir para a evolução doutrinária que
entrelaça temas relativos ao direito civil e ao direito constitucional, em seus pontos de
aproximação pertinentes. Os artigos foram selecionados por meio de dupla avaliação cega
por pares e levaram ao encontro acadêmico de pós-graduação várias controvérsias e desafios
que se iniciaram desde a análise crítica da teoria do reconhecimento e a democracia,
perpassaram conteúdos sobre o neoconstitucionalismo e a função social do judiciário, o
controle da convencionalidade, para alcançar os pronunciamentos científicos sobre institutos
essencialmente do direito privado como a curatela e a pessoa com deficiência, a
desconsideração da personalidade jurídica, a decadência, algumas dimensões dos direitos da
personalidade, o estudo da boa-fé no sistema brasileiro e da responsabilidade civil, algumas
noções do contrato advindas do direito romano na contemporaneidade, a abordagem da
discussão sobre a responsabilidade pessoal do agente público, o estudo do instituto usucapião
em face do bem hereditário e a função social da propriedade. Acrescidos de exposições sobre
os conceitos de igualdade e de vulnerabilidade e a reparação de danos, assim como a
atualidade necessária à compreensão a respeito do dano moral e da multipropriedade no
direito civil brasileiro.
O número de artigos apresentados foi de 17, todos permeados de intensos debates, desde o
enfrentamento da conformação da disciplina direito civil constitucional até a nítida
abordagem de institutos do direito civil, com a participação desta coordenação que foi
enriquecida pela maciça cooperação dos pesquisados presentes e de convidados e renomados
professores que prestigiaram os trabalhos.
Os objetos sobre os quais se dialogou tem ampla abrangência na ciência do direito e
demonstram a importância do encontro científico do CONPEDI. A leitura indicará a
preocupação com o entrelaçamento possível e científico entre os ramos do direito civil e
constitucional a demonstrar a singular contribuição acadêmica concretizada no Grupo de
Trabalho.
Registre-se por parte desta coordenação conjunta os agradecimentos pela participação dos
pesquisadores.
Prof. Dr. Otávio Luiz Rodrigues Junior - USP
Profa. Dra. Cláudia Mansani Queda De Toledo - ITE
Prof. Dr. André Viana Da Cruz - UFG
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
O NEOCONSTITUCIONALISMO E O ESTADO JUDICIAL ENQUANTO ESTADO CONSTITUCIONAL.
THE NEW CONSTITUTIONALISM AND THE JUDICIAL STATE WHILE CONSTITUTIONAL STATE.
Karina Mombelli Sant AnnaMatheus Gonçalves dos Santos Trindade
Resumo
A expressão neoconstitucionalismo vem sendo utilizada recorrentemente na doutrina
estrangeira e brasileira como uma promessa de um novo constitucionalismo. Por essa razão, o
presente trabalho tem como escopo conhecer o fenômeno constitucional, a partir de uma
análise histórica e doutrinária sobre tema, bem como enfrentar os seus atuais e principais
reflexos no cenário jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo, Direito constitucional, Nova hermenêutica constitucional, Efetividade
Abstract/Resumen/Résumé
The expression new constitucionalism has been used recurrently in the foreign and Brazilian
doctrine as a promise of a constitucionalism. For this reason, the present study has scope to
know the prhenomenonneoconstitucionalist from a historical and doctrinal analysis about the
subject, as well as confront your actual and main reflexes in the Brazilian legal contex.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: New constituonalism, Constitutionalright, New constitutional hermeneutics, Effectiveness
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1. INTRODUÇÃO.
O presente trabalho tem como objetivo central analisar o fenômeno do
neoconstitucionalismo, partindo dos seus marcos de origem, dos seus conceitos, até suas
principais influências, para que, ao final, seja possível tecer algumas considerações acerca das
centrais transformações ocorridas com a sua recepção no cenário jurídico brasileiro.
Sabe-se que, a partir do marco histórico da promulgação da Constituição de 1988, o
Brasil iniciou um processo de redemocratização política, e como conseqüência o Direito
brasileiro viveu uma ruptura do paradigma constitucional, que foi inspirada em movimentos
históricos e jurídicos externos anteriores.
Essas mudanças concederam à vigente Constituição brasileira uma supremacia não
apenas formal, mas também efetivamente material, considerando que, a partir dela, o texto
constitucional começou a tratar fortemente de decisões substantivas que regulam uma série de
temas sociais e políticos até então não disciplinados.
Além do mais, de maneira inovadora, essa mudança constitucional introduziu normas
com elevada carga axiológica ao sistema normativo, que vieram servir de base a toda e
qualquer interpretação, criação, aplicação do Direito, em decorrência do fenômeno da
constitucionalização.
Contudo, diante dessa nova realidade jurídica no país, era previsível que a jurisdição
sofreria grande impacto, tendo em vista que a incorporação desses princípios, interpretações e
conceitos amplos propostos não mais conseguiriam acompanhar o que estabelecia a teoria
clássica da subsunção, proposta pelo positivismo tradicional.
A necessidade de legitimar e justificar as decisões jurisdicionais, bem como de
resolver as tensões provenientes desse contexto novo de pluralismo axiológico fez com que as
fontes1 do direito passassem a contribuir para o tema, em uma tentativa de resolução racional
dos conflitos existentes.
1 São alguns exemplos: DUARTE, Écio Oto Ramos; POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo e
positivismo jurídico. São Paulo: Landy, 2006; BARROSO, Luís Roberto. O novo direito
constitucional brasileiro: contribuições para a construção teórica e praticada jurisdição constitucional
no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013; DIMOULIS, Dimitri. Neoconstitucionalismo e
Moralismo Jurídico. In: Filosofia e teoria constitucional contemporânea. Rio de Janeiro : Lumen
Juris, 2009.
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Sendo assim, amparados na pioneira doutrina estrangeira2, iniciou-se um processo
teórico dos ideais neoconstitucionalistas, vivido fortemente nos dias de hoje, que busca
refletir e solucionar os problemas jurídicos que envolvem, principalmente, a interpretação
racional dos textos legais.
Ou seja, em linhas gerais, as ideias neoconstitucionalistas sustentam: a superação do
antigo formalismo jurídico; analisam e defendem a manutençãodas mudanças ocorridas
principalmente noconstitucionalismo do século XX e salientam, do mesmo modo, que a
atividade jurisdicional deve estar sempre vigilante na defesa dos valores constitucionais.
O neoconstitucionalismo, se pensado como ideologia do Direito, também pode
representar um ideal humanitário que busca a consagração de uma ciência jurídica realmente
comprometida com o Estado Democrático de Direito e é nesse âmbito que se revela como
uma promessa de um ordenamento jurídico mais justo.
É imprescindível deixar claro que a perspectiva deste trabalho será o contexto
jurídico pátrio, de modo que, muito embora os escritos dos doutrinadores estrangeiros sejam
utilizados como referência, a principal fonte da pesquisa está na doutrina nacional que, ao fim
e ao cabo, refletem como o país incorpora, aplica e efetiva as teses neoconstitucionalistas.
Também deve ser ressaltado que a expressão neoconstitucionalismo possui diversos
significados e entendimentos, razão pela qual o trabalho apresentará diversas posições sobre o
tema, mas não irá se filiar a uma única concepção. Isto porque o cerne do presente artigo não
tem como escopo realizar análises críticas sobre determinados conceitos, autores ou, até
mesmo, sobre posições jusfilosóficas, mas sim visa compreender e refletir sobre as
implicações da adoção dessas teses ao sistema.
Em síntese, pretende-se ao final deste trabalho identificar quais foram as
transformações ocorridas a partir desse novo paradigma constitucional e, igualmente, analisar
se as promessas do denominado “novo” constitucionalismo estão se mostrando eficazes para a
solução dos casos concretos no Brasil, pois, afinal, é pertinente indagar se a promessa de uma
ciência jurídica comprometida está sendo compreendida no seio social.
2. “NEO”CONSTITUCIONALISMO(S): TENTATIVA DE DEFINIÇÕES E SEUS
MARCOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E TEÓRICOS.
No âmbito doutrinário, não há consenso acerca da origem da expressão
neoconstitucionalismo, tendo em vista que para alguns autores (SARMENTO, 2009, p. 114)
2 Sobre o tema, ver: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid:Trotta, 2003.
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ela ocorreu sobretudo na Itália e na Espanha, enquanto para outros (BARROSO, 2015, p.03),
a sua matriz foi gerada na Alemanha e na Itália.
Independentemente do seu berço, é incontestável que a adoção da terminologia no
Brasil se deve principalmente pela vasta divulgação e importância da coletânea
Neoconstitucionalismo(s), que foi organizada pelo jurista mexicano Miguel Carbonell. Na
referida obra, o doutrinador conseguiu reunir sobre o tema de diversos autores renomados
mundialmente como: Paolo Comanducci, Robet Alexy, Luis Prieto Sanchís, Luigi Ferrajoli e
Susanna Pozzolo.
Como a proliferação de publicações sobre a matéria, o neoconstitucionalismo
começou a ser pensado como um conjunto de novas teorias, metodologias e/ou ideologias que
uniam sob o mesmo rótulo uma vasta variedade de autores que, muito embora, possuíssem
bases filosóficas – positivismo, positivismo inclusivo, não-positivistas- distintas, acabavam
por convergir em alguns pontos centrais relativos à matéria constitucional como um todo.
A fim de comprovar as alegações acima sustentas, utiliza-se como exemplo o fato de
que positivistas como Luigi Ferrajoli, Luiz Prieto Sanchís, Susanna Pozzolo e não-positivistas
como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Nino são considerados
neoconstitucionalistas, ainda que, pelas suas concepções jusfilosóficas, não estejam em
consenso uníssono quanto à questão relativa à necessidade de separação, ou não, do Direito e
a Moral. (SARMENTO, 2009)
Nesse contexto, importante mencionar as palavras de Humberto Ávila de que “é
certo que inexiste um único conceito do que venha a ser “neoconstitucionalismo”, uma vez
que a diversidade de autores, suas perspectivas, elementos e concepções da palavra não
permite o esboço de uma única teoria constitucional.” (AVÍLA, 2009)
Para Daniel Sarmento, as diversas visões sobre esse fenômeno constitucional da
contemporaneidade contemplam desde doutrinadores positivistas e não positivistas até os
defensores do uso de métodos de aplicação do Direito e opositores do emprego de qualquer
metodologia hermenêutica, o que revela a complexidade da conceituação e, por certo, da
temática. (SARMENTO, 2009)
Entretanto, antes de compreender mais especificamente esse “movimento” do
neoconstitucionalismo e suas características, cabe, todavia, tecer algumas considerações sobre
os seus marcos históricos, filosóficos e teóricos, pois a relevância da compreensão prévia
deles deriva do motivo de que eles sustentam e, por diversas vezes, justificam as teorias que
englobam o atual momento do constitucionalismo.
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A doutrina brasileira mais atualizada utiliza recorrentemente esses marcos - histórico,
filosófico e teórico- quando trata do neoconstitucionalismo. Tal escolha didática ganhou
substancialmente relevância no âmbito acadêmico em decorrência da classificação proposta
pelo professor Luís Roberto Barroso. (BARROSO, 2015).
O marco histórico é ponto inicial desta reflexão e, ao longo da exposição, serão
também tratados os marcos filosóficos e teóricos. Com efeito, para Luís Roberto Barroso, as
constituições representavam, na Europa, até o final da Segunda Guerra Mundial, documento
meramente político, ou seja, não existia um controle constitucional que fizesse valer os
mandamentos constitucionais. Assim, após a derrota dos regimes totalitários –nazista e
fascista, emergiu a necessidade de se criar direitos e garantias fundamentais, bem como os
seus mecanismos de efetivação, que limitassem o poder abusivo do Estado contra o povo.
(CAMBI, 2006, p.663)
Desse modo, as ideias neoconstitucionalistas adviriam de uma nova perspectiva
histórica mundialmente definida após o período bélico, momento em que a cultura jurídica, de
diversos países do velho continente, sofreu mudanças significativas no tocante à forma de
compreensão do Direito, o que fez com que países como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal
passassem a contemplar cartas constitucionais muito menos procedimentalistas, e mais
repletas de normas de elevado teor axiológico (valores), que atraíam para a constituição
competência de decidir sobre temas de alta relevância social.
Ainda, segundo Luís Roberto Barroso, a Lei Fundamental de Bonn (Constituição
Alemã) de 1949 e a criação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, instituído em
1951, foram os principais marcos legislativos iniciais do desenvolvimento desse novo direito
que redefiniu o conceito, lugar e influência da Constituição sobre as instituições
contemporâneas. Além disso, o novo movimento aproximou salutares ideias constitucionais à
democracia, produzindo uma nova forma de organização política: o Estado democrático de
Direito enquanto Estado Constitucional.(BARROSO, 2015, p.3-4)
A partir desses eventos históricos, o crescimento do estudo teórico e jurisprudencial
acerca da ciência constitucional foi marcante nos países de origem de tradição romano-
germância, o que impulsionou a promulgação da Constituição da Itália em 1947 e a instalação
da sua Corte Constitucional no ano de 1956. Posteriormente, Portugal e Espanha aderiram ao
processo de reconstitucionalização e modificaram as suas cartas constitucionais.
Esse movimento relatado se justifica, em síntese, porque a sociedade europeia se viu
diante de tensões desenfreadas entre capital e trabalho após a revolução industrial, bem como
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experimentou verdadeiras barbáries na Segunda Guerra Mundial, o que fez com que as
atenções fossem voltadas para a limitação do poder do Estado e para a consagração de direito
liberais, econômicos e sociais. (FIGUEREDO, 2014)
As atrocidades perpetuadas no período bélico fizeram com que a noção de dignidade
da pessoa humana fosse reestabelecida, no sentido de que não mais apenas as regras do jogo
político seriam definidas previamente, mas também o conteúdo das normas e a sua dimensão.
Para que além da segurança jurídica, o compromisso com a justiça fosse a ser reconhecido e
respeitado.
Nesse contexto - constitucionalismo a partir do Século XX -, percebe-se o marco
filosófico do neoconstitucionalismo: o pós-positivismo, pois as fronteiras entre a moral e
direito passaram a ficar mais estreitas, tendo em vista que as próprias cartas políticas
passaram a contemplar princípios que, por vezes, começaram a legitimar conteúdos
evidentemente morais
Isto porque a adoção de uma interpretação positivista não encontrava mais amparo
após os regimes tirânicos vividos na Europa, quando se verificou que tal postura filosófica,
ainda que fornecesse segurança jurídica e limitação ao poder soberano, mostrou-se muito
pouco interessada na efetivação de direito, ou seja, não conjugava legalidade e efetividade.
MELLO, 2012)
Nos dizeres de Paulo Bonavides, o positivismo clássico acabou por modificar os
princípios em meras pautas programáticas supralegais, que não tinham verdadeira eficácia em
face de uma hermêutica e de uma jurisdição constitucional com baixos mecanismos de
concretização dos conteúdos constitucionais. (BONAVIDES, 2012)
Em vista disso, em um ambiente pós-positivista, começa-se a se pensar nas ideias
neoconstitucionalistas que, antes de primar primordialmente pela legalidade e pelo
formalismo, buscam a excelência na concretização dos direitos fundamentais postos.
Essas alterações internacionais de paradigma no Continente Europeu, trazidas
fortemente nas obras de Luís Roberto Barroso, refletiram seguidamente na esfera legislativa e
jurisprudencial brasileira, notoriamente, após a promulgação da Constituição de 1988, pois, a
partir desse marco histórico nacional, o direito brasileiro da mesma forma passou por uma
espécie de ruptura paradigmática na sua ordem constitucional e acabou por iniciar um
processo de constituição da perspectiva acima traçada.
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Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, é que houve uma
travessia de perspectiva jurídica constitucional brasileira, tendo em vista que, apenas com o
seu advento, a Carta Maior do país passou a ter valor superior às leis e o Poder Judiciário
ganhou maior poder político. Nesse sentido, impende destacar que a Constituição Federal
retornou, juntamente com os direitos fundamentais, a ser a fonte primária e vinculativa do
Estado de Direito pátrio, mesmo após a vigência de vinte anos de duração do regime militar
no país, o que ainda culminou, nos anos seguintes, certa resistência a tal reconhecimento.
(SARLET, 2012)
Nesse novo horizonte de reconhecimento da Constituição como instrumento
vinculativo de poder, o país centralizou a sua Carta Política e, com ela, passou a normatizar
princípios que, por serem irradiados por todo o globo jurídico, vieram regular e criar
interpretações das normas infraconstitucionais das mais variadas, que agora deveriam estar
em constante harmonia com o texto constitucional, cujo controle é destinado às Cortes
Constitucionais.
Diante desse contexto de constitucionalismo moderno instalado, qual seja, diversos
países do globo - inclusive o Brasil - com constituições tratando não só de direitos
individuais, como também políticos e sociais de natureza prestacional, que passaram a
contemplar na sua maioria normas com abertura e indeterminação semântica, observou-se a
necessidade da criação de novas técnicas de interpretação judicial que superassem a clássica
subsunção proposta pelo positivismo e que conseguissem dar respostas ao modelo
constitucional moderno, tendo em vista que, nas palavras de Santiago Ariza (ARIZA, 2005,
p.241): “El razonamiento lógico-formal disse muypoco acerca de La aplicación de los
princípios”, e é nesse contexto que se encontram as teorias, ideologias, metodologias
neoconstitucionalistas atuais.
Da exposição acima realizada, percebe-se que como marco teórico se pode
estabelecer, em síntese, é a valorização da força normativa da constituição, a crescente
expansão da jurisdição constitucional e a necessidade de novo modelo interpretativo
constitucional. Também conclui-se que o marco histórico do neoconstitucionalismo é o
constitucionalismo do Século XX e as suas transformações nos cenários jurídicos e o marco
filosófico é pós-positivismo que supera a tradição positivista clássica.
Porém, antes de finalizar esse panorama histórico-filosófico para dar início a um
contexto atual de neoconstitucionalismo, é pertinente trazer ao trabalho algumas das
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considerações operadas por Dimitri Dimoulis (DIMOULIS, 2009) ao analisar a obra
“Neoconstitucionalismos e a constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito
constitucional no Brasil” e por Luís Afonso Hack (HECK, 2017) que, em certa sintonia,
demonstram que o operador do direito deve ter muito cuidado ao lançar a ideia de novidade
quando se fala em neoconstitucionalismo, pois o estudo histórico aprofundado revela que
doutrinadores de séculos anteriores já tratavam dessas questões.
Da leitura de Luís Afonso Heck, é possível extrair muito nitidamente que na obra
“Wesenund Entwicklungder Verfassungsgerichtsbarkeit” de Hans Kelsen, publicada antes do
período pós-bélico, já era possível visualizar questões atinentes ao neoconstitucionalismo.
Com efeito, é transcrita no texto de Heck a seguinte frase escrita por Kelsen: “ as
constituições modernas contêm não somente normas relativas aos órgãos e ao procedimento
da dação das leis, mas também um catálogo de direitos fundamentais e direito de liberdade”.
Também é encontrada a seguinte assertiva no artigo elaborada por Kelsen: “a
anticonstitucionalidade de uma lei pode não somente consistir nisto, que o procedimento foi
vicioso, mas também nisto, que o conteúdo da lei contradiz os princípios ou linhas diretivas
estabelecidos na constituição, excede as barreiras lá fixadas”. Igualmente se localiza: “não
está excluída de modo nenhum a possibilidade que um tribunal constitucional, chamado a
decidir sobre a questão de constitucionalidade de uma lei,casse essa lei com a fundamentação
que ela é injusta, porque “justiça” é um princípio constitucional e, por isso, deve ser aplicado
pelo tribunal constitucional.”
Quanto aos mecanismos de efetivação desses direitos, ressalta-se o instrumento da
ação popular previsto no artigo 144, da Lei Constitucional Austríaca, cuja reforma, em 1920,
Kelsen participou. Esse dispositivo, posteriormente regulado pela corte, desde logo conferia
uma via processual adequada ao titular do direito em questão para concretizar os direitos
fundamentais violados por atos Estatais.
A par dessas afirmativas, é possível concluir que a ruptura do paradigma
constitucional existia e se propagava desde o início do Século XX e não somente após a queda
dos regimes totalitários. As palavras de Kelsen que reconheciam, em linhas gerais, a força
normativa e superioridade da constituição e modelo axiológico previsto nela, a necessidade de
um controle de constitucionalidade do legislativo pelos tribunais constitucionais e a
importância dos mecanismos de efetivação para a consagração desses preceitos fundamentais
na sociedade são provas disso.
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Seguindo essa linha de retrocesso histórico, imperioso destacar da mesma forma a
posição de Dimitri Dimoulis que, ao analisar a obra de Barroso, crítica o marco histórico por
ele desenvolvido. Para esse doutrinador, a produção acadêmica europeia e americana já
relatava as constituições como sempre e necessariamente supremas à legislação infra desde
17933.
No tocante ao Século XVIII, menciona a posição dos franceses Sieyès (1793) e
Guizot (1833) quanto à supremacia da constituição e a sua pura juridicidade na época.
Posteriormente, utiliza o doutrinador italiano Biscaretti di Ruffía – que na época comentava
sobre o constitucionalismo do país no século XVIII - para justificar a incoerência da ideia de
que a “materialização” da constituição apenas ocorreu no período posterior ao momento
bélico. (DIMOULIS, 2009)
O autor sustenta que não se conhece Constituições que contrariem a regra da sua
superioridade e do seu caráter material-valorativo-político dos seus conteúdos. Isto pelo
motivo de que o Poder Judiciário assumiu um papel particularmente ativo na defesa da
supremacia constitucional desde o início do constitucionalismo, defendendo a tutela dos
direitos fundamentais por meio de fiscalização e anulação de atos do Poder Legislativo.
Para embasar tal assertiva, o autor utiliza o caso Marbury vs. Madison da Suprema
Corte Americana de 1803, o controle de constitucionalidade na Grécia e na Noruega no
Século XIX e a Constituição Federal de 1874 da Suíça - que previa controle constitucionais
das leis estaduais pelo Tribunal Federal - para comprovar que a concepção de que as cartas
constitucionais, anteriores ao marcos histórico do final do Século XX, eram apenas
documentos políticos, desprovidos de rigidez e controle com o legislativo está equivocada.
Com isso, o que se pretende estabelecer é a ideia de que, muito embora essa
expansão constitucional tenha se dado mundialmente com maior ênfase no final do século
XX, não é possível sustentar que tais mudanças de perspectivas jurídicas e sociais ocorreram
somente no século citado, após a Segunda Guerra Mundial, dado que principais marcos
teóricos do neoconstitucionalismo já estavam presentes nas doutrinas de séculos anteriores e,
por tal razão, deve-se adotar a expressão “neo”constitucionalismo com cautela, tendo em vista
que algumas dessas teorias, ideologias e metodologias apresentadas na época atual podem
revelar muito pouca originalidade.
3 Século XVIII
30
Estabelecidos e situados os marcos históricos, filosóficos e teóricos, como também
retomando a explanação realizada no início deste tópico, que estabelecia a imprecisão quanto
à conceituação da expressão neoconstitucionalismo, mostra-se necessário compreender, a
partir daqui, os pontos de convergência entre os doutrinadores neoconstitucionalistas, com o
intuito de conhecer esse fenômeno e as alterações práticas por ele perpetradas.
Preliminarmente, cabe estabelecer que esse fenômeno pode ser compreendido como
teoria do Direito, ideologia do Direito, metodologia de análise do Direito, podendo significar,
à luz do conhecimento doutrinário, a personificação de um certo tipo de Estado de Direito ou
a representação de uma teoria do direito destinada a explicar o modelo constitucional vigente
ou, ainda, traduzir uma ideologia que busca defender e justificar a fórmula política desejada.
(COMANDUCCI, 2003)
Assim, conhecida a complexa estrutura da matéria, revela-se necessário trazer alguns
conceitos estrangeiros e nacionais para que se consiga traçar, ainda que minimamente, uma
concepção geral neoconstitucionalista atual.
Para Susanna Pozzolo, autora Italiana da Universidade de Gênova, as características
do neoconstitucionalismo são: a) adoção de uma noção específica de Constituição, que foi
denominada “modelo prescritiva de constituição como norma; b) a defesa da tese segundo a
qual o direito é composto (também) de princípios; c) a adoção de uma técnica interpretativa
denominada “ponderação” ou “balanceamento”; d) a consignação de tarefas de integração à
jurisprudência e de tarefas pragmáticas à Teoria do Direito. (DUARTE; POZZOLO, 2006,
p.97)
Já para Alfonso Garcia Figueroa, o neoconstitucionalismo pode ser definido como:
Como acabo de señalar, la constitucionalización Del ordenamiento jurídico no se há limitado
a transformar el Derecho, sino que se predica también del estilo de pensamiento de juristas y
teóricos Del Derecho. La constitucionalización de pensamiento jurídico há dado lugar al
"constitucionalismo". Se denominado genericamente "constitucionalismo" (y mas
precisamente "neoconstitucionalismo" com el fin de acentuar El nuevo carácter que há
adquirido em laactualidade) ala teoria o conjunto de teorias que han proporcionado una
cobertura iusteórica conceptual y/o normativa a La constitucionalización del Derechoen
términos normalmente no positivistas.(FIGUEROA, 2005, p.164)
31
Na visão de Luis Prieto Sanchís, que busca resumir as características também
propostas por Robert Alexy, Gustavo Zagrebelsky e Riccardo Guastinini, o
neoconstitucionalismo, quando observado como teoria do direito, deve significar:
...más princípios que reglas; más ponderación que subsunción; omnipresencia de la
Constituiciónen todas las áreas jurídicas y em todo los conflitos minimamente relevantes, em
lugar de espacios extensos en favor de laopción legislativa o reflamentaria; omnipontecia
judicial em lugar de autonomia del legislador ordinário; y, por último, coexistência de uma
constelación plural de valores, a veces tendencialmente contradicitorios, en lugar de
homogeneidade ideológica em torno a um puñado de princípios coherentes entre sí y em
torno, sobre todo, a las sucessivas opciones legislativas.(SANCHÍS, 2005, p.123)
Para ele, que compreende o neoconstitucionalismo como expressão sinônima de
Constitucionalismo Contemporâneo, esse novo modelo constitucional instiga a ideia de uma
"ciência jurídica comprometida", o que ressalta a questão da relação do Direito com a Moral.
Pensando em uma perspectiva nacional, o neoconstituconalismo pode ser
compreendido, de uma forma genérica, como um conjunto de transformações na maneira de
pensar e de se praticar o Direito Constitucional. (BARROSO, 2013)
Daniel Sarmento (SARMENTO, 2009) sustenta que a expressão denomina uma
corrente jurídica que, desde de 2003, ano de publicação do livro Neoconstitucionalismo(s),
tem se revelado significativamente recorrente nas produções acadêmicas brasileiras,
possuindo como adeptos declarados alguns autores nacionais como Lênio Luiz Streck no
início dos seus escritos4, Antonio Cavalcanti Maia, Ana Paula Barcellos, Écio Otto Ramos
Duarte, Luís Roberto Barroso.
Apoiado na leitura das obras atinentes ao tema, o referido autor ensina que os pontos
centrais de convergência entre os trabalhos dos autores brasileiros denominados
neoconstitucionalistas são: a) a valorização dos princípios; b) a adoção de métodos ou estilo
mais abertos e flexíveis na hermenêutica jurídica à Moral, mas não utilizando os conceitos
metafísicos do jusnaturalismo; c) o reconhecimento e a defesa da constitucionalização do
Direito e do papel de destaque do Poder Judiciário como garantidor dos valores
constitucionalmente previstos.
4O autor revela que a sua postura teórica neoconstitucionalista se deu em um primeiro momento em
razão de uma questão nominal e não real, razão pelo afirma ter se distanciado dessa corrente, adotando uma postura mais crítica. Ver: STRECK, Lenio Luiz. Lições de Crítica Hermenêutica do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 116.
32
Ana Paula Barcellos acrescenta mais três ideais comuns: a) a constituição como
regra, dotada de imperatividade; b) a superioridade da Carta Política frente às demais leis e c)
o fenômeno da constitucionalização que deslocou a Constituição para o centro do
ordenamento jurídico, de modo que todos os ramos do Direito devem ser interpretados pelo
que ela dispõe.(BARCELLOS, 2015)
Humberto Ávila, adotando uma postura mais crítica do que adotiva à corrente,
preconiza pela não existência de um significado único para o neoconstitucionalismo e que,
por essa razão, ele deve ser estudado a partir dos seus elementos e não pelas tentativas
frustrantes de conceituação. Isto posto, ele afirma que o novo constitucionalismo pode ser
entendido por seus fundamentos normativos, metodológicos, axiológico e organizacional.
(ÁVILA, 2012)
Explica-se: por carácter normativo, entende-se pela preferência ou exclusividade de
princípios ao invés de regras. No tocante à perspectiva metodológica, a aplicação do Direito
decorre da ponderação e não pelo modelo da subsunção da época positivista. O fundamento
axiológico trata da busca do justo para cada caso particular em detrimento de um conceito
geral e irrestrito anteriormente pensado de justiça. E por fim, quanto ao organizacional, pode-
se entender como a ampliação do papel do Poder Judiciário que conferiu ao Poder
competência não só para aplicação, como também para a criação do Direito, reduzindo os
limites do Poder Executivo e Legislativo.
Esses elementos encontrados na doutrina se expandiram por todo o ordenamento
jurídico após o advento dita nova ordem constitucional, fazendo com se estabelecesse um
modelo neoconstitucionalista axiológico concreto, envolvendo principalmente questões
relativas aos valores.
Nesse sentido, a Constituição começa a ser entendida como um valor em si desde o
aparecimento das ideias neoconstitucionais, diferentemente da concepção política-
institucional superada, em que as instituições por vezes na história não tinham efetivo
comprometimento com a efetivação dos dispositivos estabelecidos pela Carta Política e
estabeleciam políticas públicas injustas em nome do princípio da soberania popular (poder
majoritário).
De fato, a visão estática e lógica do Direito que privilegia as regras, o formalismo e a
positividade, e que por vezes deixava de lado conceitos como justiça e moral, não consegue
permanecer justificando e legitimando a aplicação do Direito atual e, por esse motivo, é que
33
ela vem sendo superada a cada dia por um conjunto de teorias neoconstitucionalistas que
buscam modificar a hermenêutica constitucional.
Destaca-se que o neoconstitucionalismo se distingue do Constitucionalismo Clássico
justamente no ponto acima delimitado, pois enquanto no segundo diferencia a Constituição e
as normas infraconstitucionais pela hierarquia, no primeiro a distinção decorre também da
axiologia empregada. (AGRA, 2008)
Assim, considerando todos os conceitos, elementos e considerações trazidas até aqui,
pode-se dizer que a principal marca do neoconstitucionalismo é a promessa de um verdadeiro
cuidado com a efetivação dos direitos e garantias fundamentais de previsão constitucional
que, por muitas vezes, se encontram em déficit nas sociedades de constitucionalismo de baixa
intensidade, como a brasileira. (BELLO, 2007)
E essa tutela de direitos constitucionais tem ocorrido quase que predominantemente
pela esfera judicial no ordenamento jurídico brasileiro, tornando quase que indiscutível a ideia
de que o Estado de Direito5 é considerado reconhecido e respeitado a partir da preponderância
do Estado Judicial.
Veja-se, o que se pretende aqui não é defender ideologias positivistas, mas sim, em
decorrência da constatação supramencionada, passar a refletir acercado controle de
constitucionalidade brasileiro e das consequências jurídicas que esse papel protagonizado pelo
Poder Judiciário produz no cenário brasileiro em tempos de neoconstitucionalismo, com
intuito de tentar compreender se as promessas a ele vinculadas estão sendo observadas pelos
operadores do direito e pela sociedade.
3. ANÁLISE CRÍTICA DO PARADIGMA NEOCONSTITUCIONAL: O CONTROLE
JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE E A SUA RELAÇÃO COM O ESTADO
CONSTITUCIONAL.
Como já delineado, o neoconstitucionalismo surge como um movimento de
incremento axiológico ao sistema, reforçando ao máximo a vinculação dos poderes
legislativo, executivo e judiciário aos princípios emanados na Constituição Federal, como
também deve a legislação infraconstitucional respeitar os ditames da Constituição emanados,
5 Ver COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (org.). O Estado de Direito: histórica, teoria, crítica. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 94 – 198.
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a fim de que ela não seja declarada inconstitucional, com a sua consequente exclusão do
sistema.
No âmbito nacional, essas concepções neoconsitucionais tiveram reflexos evidentes
na cultura jurídica, pois o que se observa na práxis judiciária é a atual e fortíssima tendência
do Estado Judicial6, ou seja, o reconhecimento da atuação do Poder Judiciário como principal
e central garantidor da guarda do sentido e do alcance das normas constitucionais, por meio
do exercício do controle de constitucionalidade.
Isso muito em razão de que, por ser promulgada uma Constituição dotada de um
catálogo de direitos fundamentais, que, por conseguinte, possuem uma pluralidade de
titulares, passou-se a ocorrer colisões de direitos fundamentais, o que ensejou a busca desses
titulares por resoluções na via jurisdicional.
Vale lembrar que para Anízio Pires Gavião Filho, basta a existência do referido
catálogo para que aconteçam o conflito de direitos fundamentais, razão pela qual é facilmente
justificável o notório aumento da judicialização das demandas. A lógica é evidente: mais
direitos, mais vias processuais adequadas, mais demandas, maior acesso ao Poder Judiciário e
crescente ampliação do papel do órgão na tutela da ordem constitucional.(GAVIÃO FILHO,
2011)
Assim, concretizando a vitória de Hans Kelsen na “disputa” formulada por ele e Carl
Schmitt no século passado (SILVA, 2009), o Brasil reconheceu, notoriamente após a
Promulgação da República até os dias de hoje, a supremacia constitucional e a definição da
sua tutela pelo Judiciário (DIMOULIS, 2009), que deve sempre zelar pela consagração dos
mandamentos constitucionais nela contidos.
Como bem sinalizado por Vírgílio Afonso da Silva, ainda que, desde 1890, a
competência delegada aos juízes para deixar de aplicar a lei entendida como inconstitucional
existisse, os magistrados tinham certa resistência ao aplicar o controle, de modo que apenas
com lapso temporal e jurisprudencial essa postura foi sendo alterada. (SILVA, 2009)
Também relata o autor que, após esse período, o sistema de controle constitucional
de “difuso” passou por um processo de “concentração”7, haja vista que nos anos 1934, 1965,
6 Termo utilizado em DIMOULIS, Dimitri. Sustenta o autor que, ao conferir poder de última palavra
ao Poder Judiciário, o Estado seria realisticamente Judicial e não necessariamente Constitucional. 7 Adota-se a posição do autor no sentido de que o modelo de controle constitucional Brasileiro
continua sendo o “difuso”, com base no modelo norte-americano.
35
1988, 1993, 1999 e 2004, respectivamente, criou-se a ação direta de inconstitucionalidade,
foram proferidas inúmeras alterações no modelo brasileiro para conferir maiores poderes ao
Supremo Tribunal Federal e para aumentar o leque de possibilidades de ingresso com a ação
direta de inconstitucionalidade, introduziu-se a Emenda Constitucional nº 03 que regula a
ação declaratória de constitucionalidade, dentre outras opções legislativas que, ao fim e ao
cabo, demonstram a posição jurídica do Estado em ampliar de modo significativo, cada vez
mais, o papel do Supremo Tribunal Federal, tornando-o quase como um tribunal
constitucional por excelência.
Contudo, essa última palavra dada pelo Poder Judiciário vem sendo alvo de grandes
críticas pela doutrina que, por vezes, não apenas discordam dos conteúdos decisórios
proferidos pelos julgadores, mas também da forma procedimental que está sendo utilizada
nesse controle constitucional.
Na posição de Virgílio Afonso da Silva, existem problemas na postura jurisdicional
adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando profere decisões acerca do controle de
constitucionalidade. Afirma o autor que a ausência de troca de argumentos entre os ministros,
a inexistência de uma unidade institucional e decisória e a carência de decisões claras e
objetivas, que vinculem a opinião do tribunal são traços marcantes no modelo brasileiro de
jurisdição em grau máximo. (SILVA, 2009)
Em síntese, a questão que o autor é a inexistência, muito vezes, de um verdadeiro e
interessado diálogo entre os juízes e desembargadores ao proferiram a decisão constitucional
final, que tutela a Constituição Federal. Isso se torna evidente quando o doutrinador menciona
que os julgadores “levam votos prontos para a sessão de julgamento” e não se mostram, por
vezes, interessados em ouvir com atenção tanto as razões de decidir do outros colegas como
as alegações sustentas oralmente por procuradores envolvidos. Ademais, a inexistência de
uma postura institucional é facilmente encontrada, haja vista que a decisões revelam a soma
de votos individuais dos seus membros, que mesmo concordando entre si, às vezes, utilizam
razões bem distintas.
Talvez, dessa tendência brasileira de supervalorização do controle judicial
constitucional como único é que decorra a justificativa pela qual o fenômeno do
neoconstitucionalismo tenha tomado proporções consideráveis no país. Isto porque esses
ideais podem vir a sustentar, de maneira categórica, o afastamento do poder centralizador e
36
quase unitário da criação do Direito, o que é muito conveniente em um país que sofre
atualmente com uma forte grave crise instalada no Poder Legislativo e Executivo8.
Nas palavras de Daniel Sarmento, a descrença geral da sociedade nos partidos
políticos, no Poder Legislativo e no Executivo propulsiona a ideia de senso geral de que tais
esferas estão totalmente corrompidas, de tal sorte que apenas o Poder Judiciário e as suas
“decisões constitucionais” poderiam salvar a concretização da justiça. (SARMENTO, 2009)
São inúmeros os exemplos de casos midiáticos em que o Supremo Tribunal Federal
adotou interpretações muito mais políticas e sociais que, ao final, foram acolhidas e
aplaudidas pela população em geral como sinônimo de justiça, o que é significativamente
criticado pelo doutrinador. Sustenta, ele, que a vagueza e a abertura de boa parte das normas
constitucionais mais importantes acaba por conferir ao judiciário um poder constituinte
permanente na realidade prática.
O autor ressalta, entretanto, sabiamente que seu objetivo não é proferir injustiças
com as teses neoconstitucionalistas, acusando-as da promoção de tomadas de decisões
judiciais sem a devida racionalidade, mas faz uma observação importante que este trabalho
ressalta.
A prática jurídica brasileira não incorporou por completo as teses interpretativas
neoconstitucionalistas pensadas na academia, posto que, dos conteúdos extraídos das decisões
judiciais proferidas, o que se tem visualizado é um certo descuido com a justificação da
valorização dos princípios e da ponderação desses.
O que se percebe, da prática jurídica, é uma incessante utilização de princípios -
dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoalibidade - nos julgados para legitimar
decisões que, inclusive, já tinha previsibilidade nas regras do ordenamento jurídico, de modo
a desconsiderar a previsão legal.
Nesse contexto, os dizeres de Humberto Ávila são importantes quanto aos dois
importantes paradoxos existentes no que se pode entender por neoconstitucionalismo:
Eis o paradoxo: a interpretação centrada nos princípios constitucionais culmina com a
violação de três princípios constitucionais – os princípios democrático, da legalidade e da
8 Observar item II.3 em: RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Pesquisa de Avaliação do
Poder Judiciário no Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em < https://www.tjrs.jus.br/export/administracao/prestacao_de_contas/pesquisa_de_avaliacao_poder_judic
iario/doc/Pesquisa_de_Avaliacao_Poder_Judiciario.pdf >. Acesso em 19 de julho de 2017.
37
separação dos Poderes. Obedece-se à parte (parte da) Constituição, violando-a (noutra parte).
Esse primeiro paradoxo conduz a um segundo: quando tudo está na Constituição, e nada na
legislação que deveria estar conforme a ela, a supremacia constitucional perdeu seu
significado, pois a Constituição deixa de servir de referência superior pela inexistência ou
irrelevância do elemento inferior. Privilegia-se a supremacia constitucional, eliminando-a.
(ÁVILA, 2009. p.08)
Não está a se desconsiderar a importância desse catálogo de Direitos fundamentais
ou, ainda, minimizar os grandes avanços por ele advindos. Entretanto, considerando a
orientação de José Joaquim Canotilho, ao qual leciona que o Estado Democrático de Direito
somente será um sistema harmônico, estável e funcional, se aplicadas tanto as regras como os
princípios, sob pena da instalação de um cenário impositivo autoritarista ou de insegurança
jurídica na aplicação do Direito. Os extremos, rigidez das normas ou flexibilidade dos
princípios, devem ser afastados e o diálogo dos Poderes deve ser constante para que as
verdadeiras propostas do neoconstitucionalismo sejam efetivadas e o Estado Constitucional
efetivamente se consagre. (CANOTILHO, 1998)
Nesse sentido, necessário pensar como John Rawls: “o poder final não pode ser
deixado para o Poder Legislativo, mas também não para o Poder Judiciário. O poder final é
“compartilhado” pelos três poderes em conjunto, em uma relação harmoniosa entre si, e todos
eles são responsáveis perante a sociedade civil. Para tanto, é preciso haver diálogo.”
(RAWLS, 1993))
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações históricas, políticas, sociais e jurídicas ocorridas principalmente
após a Segunda Guerra Mundial, em países europeus, localizadas no Constitucionalismo do
século XX, tiveram reflexos no Brasil após promulgação da Constituição Federal de 1988,
onde ocorreu um processo de redemocratização política, a qual originou uma ruptura
paradigmática do Direito Constitucional.
Esse novo horizonte constitucional trouxe definitivamente a supremacia da
Constituição brasileira formal e material,tendo ingressado a Carta Política no sistema
normativo com elevada carga axiológica o que, por ter passado a ser utilizada na
interpretação, criação, aplicação do Direito, fez com que a doutrina e a jurisprudência
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contribuíssem para a busca de uma resolução racional dos conflitos existentes entre esses
princípios, aos quais estão localizados nesse inédito catálogo de Direito fundamentais.
A partir desse contexto, emerge substancialmente no mundo e no país as teorias,
metodologias, ideologias dos denominados neoconstitucionalistas que consagram a superação
do antigo formalismo da época positivista e fenômeno da constitucionalização, bem como
defendem nos dias atuais que a atividade jurisdicional e a dos demais campos do Direito
devem estar em constante defesa dos valores constitucionais.
Entretanto, essas teorias vêm sofrendo grandes análises críticas no âmbito jurídico,
sendo, muitas vezes, acusadas da promoção da discricionariedade, do decisionismo, da
insegurança jurídica, da ofensa ao princípio da legalidade e da separação do poderes, como
nos casos de ativismo judicial.
Defendem, em síntese, que a ponderação judicial descuidada recorrentemente
utilizada no país, sem compromisso com uma ciência jurídica séria, resulta na
desconsideração do Poder Legislativo e também na perda da supremacia constitucional, pois,
estando o foco quase que único na Constituição e nada na legislação, a Carta Maior deixa de
servir como referência superior pela inexistência ou irrelevância da legislação
infraconstitucional.
Ademais, os extremos devem ser cuidados, pois tanto a intensa rigidez das normas,
como a maleabilidade exacerbada dos princípios podem convergir para um único resultado: a
desconstituição prática do Estado Democrático de Direito.
E, nesse sentido final, importa deixar a reflexão de Luis Barroso de que não sabe,
ainda muito bem, o que é o neoconstitucionalismo, podendo significar apenas um movimento
circular, uma guinada de 360 graus. O estudo é complexo e, de maneira alguma, se esgota
aqui. (BARROSO, 2015)
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