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VDEO COMOPROVA JURDICANO BRASIL
PARA DEFESA
DOS DIREITOS HUMANOS
VDEO COMOPROVA JURDICANO BRASIL
PARA DEFESA
DOS DIREITOS HUMANOS
EQUIPE ARTIGO 19 BRASIL
DIRETORA Paula Martins
ACESSO INFORMAOJoara Marchezini Mariana Tamari Brbara Paes Henrique Ges
PROTEO E SEGURANA DE COMUNICADORES E DEFENSORESDE DIREITOS HUMANOSJlia Lima Thiago Firbida Alessandra Ges
INTERNET E TECNOLOGIAS DA INFORMAO E COMUNICAESLaura Tresca Luiz Alberto Perin Filho
CENTRO DE REFERNCIA LEGALCamila Marques Pedro Teixeira Mariana Rielli Dennys Camara
COMUNICAOJoo Penteado Roberto Batista
ADMINISTRATIVO E FINANCEIRORegina Marques Rosimeyri Carminati Yumna Ghani
CONSELHOS ADMINISTRATIVO E FISCALBelisrio dos Santos Jnior Eduardo Panuzzio Malak Poppovik Luiz Eduardo Regules Marcos Fuchs Heber Arajo Thiago Donnini
FICHA TCNICA
REALIZAO ARTIGO 19 WITNESS
SUPERVISOKelly Matheson Paula Martins
COORDENAOCamila MarquesPriscila Neri
TEXTOKelly MathesonPedro TeixeiraPriscila Neri
INVESTIGAOPedro Teixeira
COLABORAOFlavio Siqueira Jr.
DESIGN E ILUSTRAESInstinto (http://instinto.me)
ATENO Este no um estudo de caso exaustivo. Novas informaes e alteraes podero ser acrescentadas ou modificadas, conforme o aprofundamento dos casos, envio de novos relatos e o avano das investigaes oficiais. Esta obra foi licenciada com uma Licena Creative Commons. Atribuio - Partilha nos Mesmos Termos 3.0. No Adaptada.
APRESENTAO
PG. 8
1
INTRODUO
PG. 24
3
COMO SURGIUA PESQUISA
PG. 14
2
USO DO VDEOCOMO PROVANO PROCESSO
PG. 40
4
ESTUDOS DE CASOS
PG. 60
5
PRTICASBSICAS:MINIGUIA
PG. 134
6
1
APRESENTAO
11VDEOS COMO PROVA JURDICA
meras por todos os lados - nas esquinas, em viaturas policiais, em fardas militares e nos celulares de bilhes de pessoas pelo mundo afora. Apesar de isto repre-sentar um aumento do vigilantismo, que muitas vezes
prejudicial para o direito privacidade de milhares de
pessoas, com cada cmera, surge o potencial de re-
gistrar imagens que podem servir de provas impor-
tantssimas em investigaes e dentro das cortes.
Ainda assim, essa proliferao de cmeras --e as
milhares de horas gravadas todos os dias-- ain-
da no conseguiram resultar em uma prolifera-
o de justia ou responsabilizao. O poten-
cial - desses vdeos servirem como uma fora
em prol da justia - segue no-realizado.
O relatrio Vdeo como Prova Jurdica
para Defesa dos Direitos Humanos no Brasil,
uma parceira da ARTIGO 19 e WITNESS, mos-
tra que vdeos gravados corajosamente por
testemunhas e videoativistas na linha de frente
vm sendo essenciais para expor a verdade em
casos de violaes aos direitos humanos. No en-
tanto, a capacidade destes vdeos de efetivamente
garantir justia uma promessa que ainda precisa
ser plenamente explorada. H inmeros casos em que
aqueles flagrados em vdeo cometendo graves viola-
es continuam em liberdade. um fenmeno global.
No Brasil, basta fazer uma busca no YouTube por tortura
policial para uma pequena amostra das barbaridades
APRESENTAO
13VDEOS COMO PROVA JURDICA12
que no enxergvamos antes. Na Guatemala, a condenao do
ex-presidente Rios Montt foi revertida apesar das imagens em
que ele aparece se vangloriando de estar no controle e coman-
do das tropas responsveis pelo genocdio de povos indgenas.
E na cidade de Nova York, o policial que colocou o Eric Gar-
ner numa chave-de-pescoo ilegal que acabou com sua morte
nunca sequer foi julgado. Esta pesquisa um passo importante
rumo superao desta impunidade, tanto no Brasil quanto no
resto do mundo.
Alm de concluir que o fenmeno de mais vdeos ainda no
se traduziu igualmente em mais justia, a pesquisa e estudos de
caso detalhados pela ARTIGO 19 e WITNESS demonstram que:
(i) Quando ocorre algum tipo de respon-
sabilizao em casos de violaes de di-
reitos humanos, em geral h algum vdeo
da violao.
(ii) Em casos de violncia policial em parti-
cular, a existncia de algum vdeo se desta-
ca como ferramenta importantssima para
fortalecer e acelerar os processos por jus-
tia, desafiando a impunidade crnica que
costuma resultar em inquritos arquivados
sem a devida investigao.
(iii) H ainda uma dificuldade em anali-
sar e avaliar o potencial do vdeo como
prova, pois juzes dizem muito pouco (ou
APRESENTAO
nada) a respeito da influncia de vdeos
em suas decises.
(iv) Trata-se de fenmeno relativamente
novo e um caminho importante a ser tri-
lhado por defensores, advogados, comuni-
cadores, videoativistas e qualquer cidado
que possa vir a testemunhar e filmar uma
violao de direitos humanos.
Em um recente relatrio para o Conselho de Direitos Huma-
nos da ONU, o relator especial sobre execues extrajudiciais,
sumrias ou arbitrrias, Christoph Heyns, escreveu A tecnolo-
gia no deve ser vista como um fim sem responsabilizaes
significativas ela apenas mais barulho e fria. Esse relatrio
nos coloca mais um passo frente na compreenso das vrias
jurisdies, protocolos, tcnicas, etc., para assegurar a respon-
sabilizao e, por sua vez, assegurar que provas em vdeo no
sejam somente mais barulho e fria. A WITNESS acredita que
esta pesquisa e os estudos de caso aqui detalhados servem
como modelo a ser replicado em outras jurisdies ao redor do
mundo, aprofundando cada vez mais o conhecimento coletivo
sobre como o vdeo pode ser usado como prova para a defesa e
promoo dos direitos humanos. nossa obrigao assegurar
que as pessoas arriscando suas vidas para filmar e denunciar
abusos sejam recompensadas com mais respeito, verdade e jus-
tia, tanto nas cortes quanto nos livros de histria.
COMO SURGIUA PESQUISA
2
17COMO SURGIU A PESQUISA
WITNESS uma organizao sem fins lucrativos internacional fundada nos Estados Unidos em 1992 pelo msico e ativista Peter Gabriel, aps a grande repercusso internacional que teve um vdeo gravado em 1991 por um cidado, que filmou o brutal
espancamento de Rodney King. Jr. pela policia de Los Angeles.
As imagens transmitidas por televiso para todo o mundo
geraram um debate internacional sobre violncia policial e de-
monstraram o poder do vdeo no somente para documentar
abusos como tambm para atrair a ateno do mundo.
Desde ento a WITNESS tem aproveitado o poder do vdeo
para ajudar ativistas de todas as partes do mundo, realizando
treinamento e equipando pessoas para que possam utilizar o
vdeo como instrumento para luta por direitos humanos, de for-
ma cada vez mais efetiva e segura e de modo que os vdeos
realmente faam a diferena.
18 19VDEOS COMO PROVA JURDICA
A ARTIGO 19 uma associao civil, sem fins lucrativos,
fundada em Londres no ano de 1986, tendo como principal
objetivo proteger e promover o direito liberdade de expres-
so e acesso informao, previstos pelo artigo 19 da Declara-
o Universal dos Direitos Humanos, sendo este o motivo para
adoo do referido artigo como nome da organizao.
Este trabalho e a importncia do tema permitiu a abertura
de escritrios da organizao na frica, Mxico e Brasil, o que
permitiu entidade participar ativamente da vida poltica do
pas e da regio em que est inserido, permitindo um maior
conhecimento da realidade destes locais, suas prticas e legis-
laes, o que fez ao longo dos anos que a organizao pudes-
se contribuir com pesquisas, estudos e publicaes e a partir
de 1991 passou a ter status consultivo junto a Organizao
das Naes Unidas ONU1.
No Brasil, a ARTIGO 19 desenvolve atividades desde 2008 e
tem participado ativamente das discusses sobre temas relacio-
nados comunicao social. Tambm desde 2012 a ARTIGO 19
vem realizando um monitoramento de violaes graves liber-
1. Cf. UNITED NATIONS ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL. NGO information. Disponvel em: http://esa.un.org/coordination/ngo/search/search.htm.
dade de expresso de comunicadores e defensores de direitos
humanos, incluindo homicdios, agresses, ameaas, entre ou-
tros. A partir de 2013 tambm iniciou-se um monitoramento das
violaes cometidas pelo Estado Brasileiro em protestos sociais.
Foi a partir do envolvimento que estes temas ligados ao
monitoramento de violaes direitos humanos ocorridos em
contextos de exerccio da liberdade de expresso e defesa de
direitos humanos que a ARTIGO 19 e WITNESS se aproxima-
ram. A experincia da WITNESS com o uso do vdeo para de-
fesa e promoo dos direitos humanos se apresenta como uma
ferramenta que pode auxiliar a atuao da ARTIGO 19 em seus
programas jurdicos e de proteo de comunicadores e defen-
sores de direitos humanos, do mesmo modo que a experincia
da ARTIGO 19 pode auxiliar na atuao da WITNESS no uso do
vdeo para defesa dos direitos humanos no Brasil.
A experincia internacional da WITNESS demonstrava que
embora nas ltimas dcadas tenha havido uma grande multi-
plicao de cmeras pelo mundo e mais recentemente tenha
COMO SURGIU A PESQUISA
20 21VDEOS COMO PROVA JURDICA
havido um boom com as cmeras no celulares e smartpho-
nes, resultando em milhares e at milhes de vdeos espalhados
pela internet testemunhando violaes de direitos humanos,
isto no necessariamente se refletia em mais justia sendo feita.
H, portanto, um hiato entre a captao das imagens de
violaes de direitos humanos e a responsabilizao dos vio-
ladores e/ou a reparao s vtimas dos danos causados.
A WITNESS ento iniciou uma pesquisa global sobre o uso do
vdeo como prova jurdica nos sistemas jurdicos internacionais,
como o Tribunal Penal Internacional e nacionais de alguns pases,
para buscar entender o que faltava para que os vdeos pudes-
sem alcanar seu objetivo de efetivao dos direitos humanos.
Isso essencial para a efetivao dos direitos humanos, mas
importante tambm porque em muitas situaes e em muitas
H um hiato entre a captao das imagens
de violao e a responsabilizao
dos violadores ou a reparao s vtimas
regies do mundo em que h conflitos graves pessoas esto
literalmente arriscando suas vidas para gravar estes vdeos, com
a esperana de que eles possam resultar em justia.
Muitas vezes parte do problema reside justamente em uma
falta de articulao ou olhar comum entre aqueles que gra-
vam as violaes cidados, videoativistas, comunicadores
e aqueles que utilizam estas provas no sistema de justia
advogados e defensores. Por vezes aquilo que os videoativis-
tas acreditam serem provas das violaes carecem de status
probatrio suficiente ou de elementos essenciais para pro-
v-las. Do mesmo modo, advogados e defensores, buscam
imagens que em situaes reais de conflitos ou violaes so
difceis ou impossveis de conseguir ou mesmo podem repre-
sentar riscos muito altos para quem filma.
Buscando dar alguma soluo a estes problemas foi que a
partir destas pesquisas e de suas descobertas a WITNESS foi
elaborando padres para o aprimoramento dos vdeos para
que eles possuam qualidade tcnica e estratgica suficiente
para o seu uso no sistema de justia e possam cumprir o papel
a que se destinam.
Neste sentido e tambm em consequncia do estreitamen-
to da parceria com a ARTIGO 19 no Brasil surgiu a necessidade
de entender sobre o uso do vdeo como prova para defesa dos
direitos humanos no sistema de justia brasileiro.
At ento pouco se sabia sobre como o Poder Judicirio
brasileiro entendia o vdeo como prova e quais seriam as ne-
cessidades de aprimoramento destes vdeos para que fossem
mais efetivos em seu propsito.
COMO SURGIU A PESQUISA
22 23VDEOS COMO PROVA JURDICA
Mesmo assim, havia indcios de que em muitos casos em
que havia algum tipo de responsabilizao ou reparao por
violao de direitos humanos, ou a vtima seria algum com
cargo ou posio social de prestgio, o que em geral motiva-
ria as investigaes, ou havia algum ngulo vdeo filmado dos
acontecimentos.
Em casos de violncia policial por exemplo a tendncia
que um vdeo filmado, tanto seja uma prova que garante a
responsabilizao, quanto faz com que haja repercusso que
invariavelmente influncia o modo como so conduzidas as
investigaes, alterando o resultado comum que geralmente
tende ao arquivamento dos casos.
As impresses prvias, assim, seriam de que o vdeo de
fato possua um papel importante na responsabilizao ou
reparao por violao direitos humanos perante o Poder
Judicirio. Restava (e ainda resta em grande parte) saber como
de fato se desenvolvem esses casos e quais so os padres e
estratgias que funcionam.
A presente pesquisa, portanto, um passo inicial para esse
objetivo de fazer com que os vdeos de violaes direitos
humanos filmados por ativistas, videoativistas e pessoas que
vivenciam diariamente estas violaes, possam resultar em
efetivao da proteo dos direitos humanos perante o siste-
ma de justia brasileiro.
Espera-se que esta publicao possa servir de orientao
para videoativistas, ativistas, advogados e defensores de direi-
tos humanos para pensar suas tcnicas de coletas de vdeo e
estratgias de utilizao deles no sistema judicirio, a partir de
experincias bem sucedidas e das lies e entendimentos que
delas podem ser tiradas.
A primeira seo traz a pesquisa do uso de vdeo como
prova no Brasil, a partir da anlise de como a comunidade ju-
rdica entende o uso do vdeo como prova, alm de como o
vdeo pode ser utilizado nos processos penais e civis no Brasil
e por fim estudos de casos emblemticos que ilustram ques-
tes importantes a serem avaliadas na estratgia de filmagem
e atuao jurdica a partir da prova em vdeo.
A segunda seo desta publicao traz guias sobre como fil-
mar, armazenar e divulgar os vdeos de modo a obter melhores
resultados e de forma mais segura.
COMO SURGIU A PESQUISA
3
INTRODUO
VDEOS COMO PROVA JURDICA INTRODUO
VDEO COMOPROVA INEXPLORADO
pesar da disseminao de cmeras na socieda-de atual, seja em sistemas de vigilncia pblicos e privados, seja nas mos das pessoas portando celulares e tablets, o que tem aumentado consi-deravelmente nas ltimas dcadas o nmero de evidncias de
crimes e violaes de direitos humanos gravadas em vdeo, no
Brasil ainda no foi dada a devida ateno ao tema Vdeo Como
Prova Jurdica pela comunidade jurdica.
Seja pela doutrina (estudiosos do direito), seja pela jurispru-
dncia (conjunto de decises do judicirio) ou ainda pelos pode-
res legislativo e executivo, o tema praticamente no objeto de
discusso e, quando o , ele tocado muito superficialmente.
Em geral os estudos sobre o uso de vdeo, a que chamam de
captao ambiental de imagens, se voltam a analisar a lega-
lidade da captao ambiental nos diferentes espaos, pblicos
27
28 29VDEOS COMO PROVA JURDICA
e privados, e por diferentes agentes, Estado (atravs da policia,
investigadores, ministrio pblico) e sociedade. Pouco ou nada
se fala sobre o vdeo em si, como tcnica, e sobre critrios para
sua aceitao e avaliao no processo.
Sobre Vdeo Como Prova em primeiro lugar, preciso saber
que a Constituio Federal probe em seu art. 5, LVI, nos pro-
cessos, as provas obtidas por meios ilcitos, quais sejam o uso
de tortura, a interceptao ilegal, violao de domiclio, entre
outros. Do mesmo modo as provas ilcitas so proibidas pelo
Cdigo de Processo Penal (art. 156) e pelo Cdigo de Processo
Civil (art. 332).
Por este motivo se faz a considerao a respeito da captao
das imagens (gravao do vdeo) se permitida ou no por lei.
Nesse sentido h consenso em afirmar que a gravao de vdeo
em domiclios ilegal, uma vez que a prpria Constituio Fe-
deral garante inviolabilidade do domiclio (art. 5, XI).
Nos ambientes privados, que no sejam domiclios, por sua
vez, os indivduos ainda gozam de proteo privacidade e a
intimidade, por isto, nestes casos qualquer gravao de vdeo,
que no seja consentida (ou seja, quando um terceiro grava sem
que o gravado tenha conhecimento), depender de autorizao
judicial e somente poder ocorrer em casos excepcionais, de
maneira semelhante ao que ocorre na Lei de Interceptao Te-
lefnica (Lei n 10.217/2001). Entretanto esta regra se relaciona
muito mais atuao do prprio Estado, atravs de sua polcia
investigativa, do que uma possvel utilizao por defensores de
direitos humanos e videoativistas.
J nos locais pblicos, e aqui entra a atuao dos defensores
de direitos humanos, testemunhas e videoativistas, h o con-
senso na doutrina e nos tribunais de que a gravao lcita e
independe de autorizao judicial, uma vez que pela prpria na-
tureza do espao pblico no h violao da intimidade dos in-
divduos. Nos espaos pblicos, portanto, lcito e amplamente
aceito o uso do vdeo como prova jurdica.
A doutrina jurdica, entretanto, tende a parar por aqui a an-
lise sobre o uso do vdeo como prova jurdica, focando em sua
legalidade e na questo da proteo das intimidades. Uma vez
que h consenso de que lcita e possvel a gravao de vde-
os em locais pblicos, no h maiores discusses aprofundadas
sobre questes tcnicas e/ou ticas do uso do vdeo ou sobre
como o vdeo deve ser avaliado pela justia para sua admissibi-
lidade no processo.
No mbito do Poder Legislativo, sabe-se que no h le-
gislao que abarque o uso do vdeo como prova jurdica. No
mximo a j citada Lei de Interceptao Telefnica usada em
analogia para os casos de filmagens em locais privados.
O projeto do novo Cdigo de Processo Penal tambm no
trata especificamente do uso de vdeo.
Trata-se, portanto, de um assunto relativamente novo e um
caminho a ser trilhado por defensores, advogados, comunica-
dores, videoativistas e qualquer cidado que possua em mos
uma cmera e possa ser testemunha de uma violao de direi-
tos humanos.
INTRODUO
VDEOS COMO PROVA JURDICA INTRODUO
O JUDICIRIO E OSDESAFIOS DA PESQUISA
o mesmo modo que a doutrina tambm no se aprofunda no tema vdeo como prova, o Poder Ju-dicirio, quando se depara com vdeos como pro-va jurdica dentro dos processos pouco se aprofun-da nas anlises tcnicas sobre o prprio vdeo, sobre questes
de admissibilidade, questes de valorao da prova ou mesmo
questes ticas envolvendo o contedo filmado.
A pesquisa se baseou em uma anlise mais qualitativa de
acrdos do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal
de Justia (STJ), e dos Tribunais de Justia do Estado de So
Paulo (TJSP) e do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Alm disso
foram escolhidos alguns casos emblemticos para uma anlise
mais aprofundada do uso de vdeo, envolvendo todas as etapas
do processo penal ou civil (desde a divulgao do vdeo na m-
dia, passando pelas fases investigativas, at o processo em si).
31
32 33VDEOS COMO PROVA JURDICA
As descobertas sobre a anlise geral dos acrdos encontra-
dos demonstra que, apesar da existncia de vdeo no processo
como prova dos fatos, os juzes, desembargadores e ministros,
pouco se aprofundam em sua anlise. Mesmo que o vdeo seja
a prova principal do processo h pouca ou nenhuma discusso
nas decises.
Um dos grandes problemas enfrentados pela pesquisa diz
respeito ao fato de que mesmo nos casos em que h vdeo
como prova, os juzes, desembargadores e ministros, no trans-
crevem em suas decises (que so pblicas) detalhadamente
as questes sobre o vdeo e o contedo do vdeo em si. Em
muitas decises a meno do vdeo se resume a uma frase ou
a um breve comentrio. Desta forma fica difcil avaliar qual foi
o real impacto do vdeo na deciso dos magistrados. Sabe-se
muitas vezes, pelo teor da deciso ou mesmo pelo desfecho
do caso que impacto houve, mas isto pouco ajuda para avaliar
quais foram os aspectos positivos e negativos do uso do vdeo,
quais so as estratgias de filmagem que realmente funcionam,
quais devem ser aprimoradas e quais devem ser revistas.
A situao atual do vdeo como prova , portanto, no h
parmetros e padres conhecidos que tenham sido estabeleci-
dos pelo Poder Judicirio para a anlise dos vdeos. possvel
que haja a aplicao de critrios gerais de aceitao e avaliao
de provas, entretanto no h registros de parmetros especfi-
cos para avaliao de vdeos.
Esta ausncia de padres, ou critrios, tem um duplo aspec-
to, podendo ter reflexos tanto positivos quanto negativos. Por
um lado, bom para a disseminao do uso do vdeo como pro-
va que o Poder Judicirio no se debruce demasiado na busca
por critrios e padres para o uso do vdeo e muito menos que
estabelea critrios de admissibilidade. Quanto mais abertas as
possibilidades de seu uso mais potencial ele ter para ser um
instrumento democrtico, permitindo que todo cidado com
uma cmera seja uma pessoa apta a colher provas para a prote-
o dos direitos humanos.
Por outro lado, a falta de padres leva ao que o mundo ju-
rdico chama comumente de insegurana jurdica, que jus-
tamente essa falta de critrios que no permite pessoa ante-
ver o resultado de uma ao e adaptar, assim, sua conduta. Em
outras palavras, se sabemos quais critrios o juiz avalia quando
analisa um vdeo como prova em um processo, podemos adap-
tar e aprimorar as tcnicas para filmar ou mesmo a estratgia
para utilizar o vdeo. Em contrapartida, se no conhecemos os
critrios no temos parmetros para nossa atuao e ficamos
a merc do entendimento de cada juiz sobre o uso do vdeo
como prova, da a insegurana jurdica.
Isso tende, contudo, a ser modificado. notrio o aumento
do uso de vdeo em casos de defesa de direitos humanos nos
ltimos tempos. Recentemente, em junho de 2015, a descober-
ta de novas imagens gravadas por cmeras de segurana insta-
ladas nas proximidades de uma Unidade de Polcia Pacificado-
ra (UPP) na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, motivaram a
reabertura do caso Amarildo pelo Ministrio Pblico. Amarildo
desapareceu em julho de 2013 aps ter sido detido por policiais
militares na porta de sua casa e levado para um posto da UPP.
As novas imagens mostram a presena de policiais do Batalho
de Operaes Especiais (BOPE) em uma viatura que passa por
este posto da UPP e retorna com um volume (que acredita-se
INTRODUO
34 35VDEOS COMO PROVA JURDICA
pode ser o corpo de Amarildo) na parte de trs.2
Tambm no Rio de Janeiro, vdeos gravados pelas cmeras
de segurana instaladas nas prprias viaturas policiais esto
sendo utilizadas para investigao de casos como do adoles-
cente Matheus Alves supostamente executado pela Policia Mi-
litar aps ser detido acusado de praticar assaltos3 em junho de
2014 e o homicdio da jovem Hassa Vargas, cujo carro em que
estava foi confundido com um outro veculo que os policiais mi-
litares perseguiam.4
Em So Paulo, em setembro de 2014, diversas pessoas gra-
varam com celulares a morte do vendedor ambulante Carlos
Augusto Muniz. Ele foi morto com um tiro na cabea disparado
por um policial militar que realizava a priso de um outro vende-
dor ambulante e disparou contra Carlos, que, juntamente com
outras pessoas, pedia a liberao do rapaz que estava sendo
detido.5 O caso de Carlos emblemtico pois demonstra um
outro lado da anlise dos vdeos pelo judicirio: a disputa de
narrativas a cerca de um mesmo vdeo.
Por mais que o vdeo claramente demonstre a autoria da
morte e tenha elementos suficientemente claros demonstran-
do que a ao do policial foi desproporcional e desnecessria,
a juza que havia decretado sua priso preventiva determinou,
aps ver o vdeo pela internet, conforme afirmou em deciso,
2. Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/06/viuva-do-pedreiro-amarildo-comemora-reabertura-de-inquerito.html3. Fonte: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/07/menos-dois-diz-pm-acusado-de-executar-menor-de-idade-no-rio.html4. Fonte: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/01/justica-decreta-prisao-de-pms-acusados-de-matar-haissa-no-rio.html5. Fontes: http://noticias.r7.com/jornal-da-record/exclusivo-video-mostra-momento-em-que-pm-mata-camelo-com-tiro-na-cabeca-em-sp-19092014; http://brasil.elpais.com/m/brasil/2015/04/16/politica/1429136121_021290.html
sua liberao. Em abril de 2015 o caso foi arquivado.
Em janeiro de 2015 novamente no Rio de Janeiro um garoto
de apenas 15 anos, Alan de Souza, gravou a prpria morte com
seu celular, aps policiais terem atirado sem justificativa contra
ele e um amigo. Sem o vdeo este seria provavelmente mais um
caso a ser registrado pela polcia como autos de resistncia, ex-
pediente usado para registrar mortes como sendo resistncia
ou confronto da policia com criminosos.6
Estes e outros casos indicam este crescimento do uso do
vdeo como prova jurdica para a defesa dos direitos humanos
e sobretudo os vdeos gravados por celulares tem aumentado
bastante este tipo de prova. Isto sem dvida demonstra que a
tendncia que cada vez mais advogados, defensores, ativis-
tas, promotores e juzes se debrucem sobre o tema, para enten-
der cada vez mais quais so seus aspectos positivos, negativos
e suas potencialidades.
6. Fontes: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-menino-que-filmou-sua-propria-morte-e-desmontou-uma-farsa-da-pm-do-rio/
Os vdeos gravados por celulares tem aumentado
bastante esse tipo de prova
INTRODUO
VDEOS COMO PROVA JURDICA
endo este cenrio em vista, a avaliao de que o
horizonte do vdeo como prova jurdica promissor e
tende a ser uma ferramenta essencial para a garantia
dos direitos humanos no Brasil, via sistema de justia.
Nesse sentido, importante que cada vez mais midiativistas se
articulem com o propsito no somente de documentar casos
de violaes de direitos humanos, mas com um olhar para as
possveis utilizaes dos vdeos perante o sistema de justia de
modo a efetivar esses direitos. Seja para inocentar algum acu-
sado injustamente, seja para responsabilizar um agressor por
violaes cometidas, o vdeo utilizado com um olhar na futura
utilizao pode ser uma das formas mais efetivas de garantia e
defesa dos direitos humanos.
Tambm importante, do lado dos operadores do direito
(advogados, defensores, etc.) que tenham esse olhar de como o
vdeo pode ser um importantssimo aliado no trabalho perante
HORIZONTE PROMISSOR
INTRODUO 37
38 39VDEOS COMO PROVA JURDICA
os rgos do sistema de justia. O contato com midiativistas,
nesse sentido, essencial para obteno de provas em vdeo
que so por vezes muito mais slidas do que testemunhos ou
argumentaes, que podem ser mais facilmente descreditadas
pelos opositores ou mesmo por juzes menos garantistas dos
direitos humanos.
Atualmente o que se tem visto o trabalho posterior por
advogados e defensores, de busca de vdeos junto a midiativis-
tas, para atuao nos casos de defesa de direitos humanos, ou
mesmo o vdeos gravados por testemunhas de passagem, as
vezes sem muita qualidade, que chegam s mos de advoga-
dos e defensores.
De fato esta atuao tem sido, em muitos casos, efetiva, mas
acredita-se que um trabalho de articulao e previamente es-
truturado, com estratgias definidas tanto sobre como filmar, o
que filmar, onde filmar, podem aperfeioar ainda mais o uso do
vdeo como prova jurdica para garantia de direitos humanos.
Isso sobretudo verdadeiro no contexto de protestos urba-
nos, que contam cada vez mais com uma articulao em midiati-
vistas, e no qual j so esperadas alguns tipos de represso dos
agentes do estado, o que facilita a elaborao de um plano de
ao para registrar as violaes.
Tambm cada vez mais verdadeiro nos contextos de vio-
lncia em favelas e periferias urbanas e h cada vez mais redes
de ativistas dispostos a registrar as violaes e mobilizar para
mudar o cenrio de violncia e represso.
A articulao prvia e a estratgia definida garantem melhor
aproveitamento das potencialidades dos vdeos para defesa
dos direitos humanos, resultando em provas mais consistentes
e que podem levar a efetivao dos direitos e responsabilizao
dos violadores.
Espera-se que esta pesquisa, a partir dos casos emblem-
ticos que aqui sero apresentados possam ser um guia que
auxilie defensores de direitos humanos, ativistas, midiativistas
e qualquer pessoa com uma cmera a pensar o uso do vdeo
como ferramenta e estratgia para a defesa e promoo dos
direitos humanos no sistema de justia.
Este um pequeno passo para um processo que tende (e
deve) se intensificar cada vez mais.
INTRODUO
4
USO DO VDEOCOMO PROVANO PROCESSO
43
sta prxima seo dedi-
cada a explicar de forma
simplificada e resumida
para defensores e video-
ativistas como funcionam as provas
nos processos penal e civil e em
que momentos possvel a utiliza-
o do vdeo.
O objetivo desta seo prover
noes gerais sobre o processo e
as possibilidades de uso do vdeo
perante o sistema de justia e, assim,
facilitar o dilogo entre videoativistas
e advogados, auxiliando na elabora-
o de uma estratgia comum.
Tanto o processo penal quanto o pro-
cesso civil aceitam como prova todos os
meios que sejam lcitos, ainda que no es-
tejam expressamente descritas nos cdigos de
processos (as chamadas provas atpicas).
De igual forma ambos os cdigos determinam
que o juiz deve apreciar livremente as provas desde
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
PROVA NOSPROCESSOSPENAIS E CVEIS
43
44 45VDEOS COMO PROVA JURDICA
que em suas decises fundamente os motivos pelos quais che-
gou determinada concluso (princpio do livre convencimento
motivado do juiz Constituio Federal, art. 93, IX; Cdigo de
Processo Penal art. 155 e Cdigo de Processo Civil art. 131).
Isto significa que o vdeo no tem necessariamente um peso
maior do que outras provas no processo, como as declaraes
de testemunhas, declaraes de autoridades, documentos, etc.
Assim, o vdeo deve ser inserido no processo como uma das
provas e o juiz quem dever decidir, a partir da anlise con-
junta de todos os elementos e provas do processo, o seu valor.
muito importante compreender que a partir do momento
que um vdeo apresentado como prova em um processo ju-
dicial, ele pode ser utilizado tambm pela outra parte. Assim,
pode ser que o video contenha elementos que sejam utilizados
por ambas as partes em suas alegaes ou ainda que seja utili-
zado como prova em outro processo.
Ainda, todas as provas do processo devem ser submetidas ao
contraditrio, ou seja, contra-argumentao da outra parte (CF,
art. 5, LV), e podem ser questionadas, inclusive quanto sua vera-
cidade. Todas as provas no processo, o vdeo no caso, podem en-
Artigo Cdigo CivilConstituio FederalCdigo PenalCdigo de Processo CivilCdigo Penal MilitarCdigo de Processo Penal
Art.CCCFCPCPCCPMCPP
ABREVIAES
to estar sujeita anli-
se por peritos judiciais,
indicados pelo juiz.
A seguir um breve
resumo das fases dos
processos penal e civil
e dos momentos de uti-
lizao do vdeo como
prova.
INQURITO POLICIALO inqurito policial um procedimento que serve para prepa-
rar a ao penal. Ele conduzido pelas Polcias civil, militar e/
ou federal e sua finalidade apurar as infraes penais e sua
autoria. (CPP, art.4)7
O objetivo colher provas urgentes necessrias ao esclareci-
mento dos fatos investigados, para auxiliar o Ministrio Pblico,
que ir entrar com a ao penal pblica. Existe ainda a possibilida-
de da ao penal ser privada, ou seja, no o poder pblico que
processar o autor do crime e sim a prpria vtima. Neste caso as
provas colhidas no inqurito vo servir para que a vtima entre com
a ao penal contra o autor do crime perante o Poder Judicirio.
O inqurito transita entre a Polcia ficando na delegacia
onde o delegado determina que os investigadores colham pro-
vas do crime, convoca testemunhas para interrogatrio, pede
anlises dos peritos policiais e o Ministrio Pblico que tam-
bm pode requerer diligncias (interrogatrio de uma testemu-
7. ROMANO, Rogrio Tadeu. Do Inqurito Policial e da Investigao Criminal Promovida pelo Ministrio Pblico. Disponvel em: http://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca/doutrina/Doutrina265-do-inquerito-policial.pdf
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
PROVAS NO
PROCESSO PENAL
46 47VDEOS COMO PROVA JURDICA
nha, colheita de uma prova) (CPP, art. 13, II). A vtima tambm
poder solicitar diligncias policiais (pedir que interroguem al-
gum suspeito, pedir que verifiquem algum local). Este pedido
da vtima poder ou no ser atendido, de acordo com o enten-
dimento da autoridade policial (CPP, art. 14).
O vdeo pode ser apresentado durante o inqurito como
prova (CPP, art. 6, III), ou mesmo ser utilizado pela vtima ou seu
representante (no caso de pessoa menor de idade ou incapaz
de responder por seus atos, como pessoas com deficincias
mentais) para pedir polcia que inicie uma investigao (CPP,
art. 5, II). Poder ainda ser apresentado polcia como prova
de um crime por qualquer pessoa, pedindo para que se inicie a
investigao (CPP, art. 5, ).
Resumindo: qualquer pessoa, incluindo a vtima ou seu re-
presentante, pode levar um vdeo como prova de uma violao
de direitos humanos polcia, seja para denunciar alguma vio-
lao e assim pedir que se inicie uma investigao, seja para
complementar uma investigao j em curso fornecendo o v-
deo como prova adicional.
Finalizada toda a investigao do inqurito, ele encami-
nhado ao Ministrio Pblico, que poder:
i) oferecer a denncia ao Juiz (que signifi-
ca entrar com a Ao);
ii) pedir arquivamento do inqurito;
iii) enviar de volta Polcia para novas in-
vestigaes.
MINISTRIO PBLICO
Cabe ao Ministrio Pblico conduzir a ao penal pblica (CF,
art. 129, I e Lei 8.625/93, art. 25, III). Isso significa que, no caso da
ao penal pblica, o Ministrio Pblico conduzir a Acusao,
ser o advogado de acusao.
O Ministrio Pblico deve exercer a defesa dos direitos ga-
rantidos pelas Constituies Federal e Estadual. Nesse sentido,
pode receber denncias de irregularidades, e a partir da pro-
mover a apurao do caso e tomar as medidas cabveis (Lei.
8.625/93, art. 27, par. nico, I).
Assim, o Ministrio Pblico pode receber vdeos com de-
nncias de crimes e violaes criminais a direitos humanos, e
ento ir requisitar a instaurao de um inqurito na Polcia
(CPP, art. 5, II).
Os Promotores tem o dever de atender qualquer pessoa, e
tomar as providncias cabveis (Lei. 8.625/93, art. 32, II). Portan-
to, qualquer um pode levar um vdeo como denncia ao Minis-
trio Pblico para que ele promova a investigao criminal e a
ao penal.
Este pode ser um caminho a ser considerado caso a pessoa
se sinta intimidada em apresentar o vdeo em uma delegacia
de Polcia, sobretudo em casos em que a denuncia se tratar de
violncia policial.
PROCESSO PENALO processo penal admite qualquer tipo de prova, ainda que no
esteja prevista expressamente no Cdigo de Processo Penal. A
gravao de vdeo (captao ambiental de imagens) aceita
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
48 49VDEOS COMO PROVA JURDICA
pelo direito como um meio de pesquisa, meio de investigao
ou meio de obteno de provas.8 Ou seja, um meio legtimo
para produo de uma prova.
Existem, contudo, algumas restries para que as imagens
possam ser utilizadas, quer dizer, para que sejam permitidas
dentro da lei, tendo em vista o direito intimidade.
Assim, no permitida a gravao no domiclio de um indiv-
duo, ou local semelhante. Da mesma forma, a gravao em am-
bientes privados (empresa, escritrio, por exemplo) depende
de autorizao judicial. J a gravao em locais pblicos, onde
no h proteo ao direito a intimidade, possvel por qualquer
pessoa, sem depender de qualquer autorizao judicial.9
As imagens resultado da gravao, estas sim so tidas como
meio de prova (a prova em si) e se realizadas fora do processo
(gravaes feitas antes de ser instaurado um processo, em am-
bientes pblicos) so consideradas como documento10 e assim
possuem as mesmas garantias dadas pelo processo penal a
todos os tipos de documento (como documentos escritos, por
exemplo: cartas).
Dentro do processo penal, em regra possvel apresentar
documentos a qualquer momento (CPP, art. 231). Isso quer dizer,
que ainda que haja momentos especficos nos quais as partes
devem falar, sempre que houver um documento novo (vdeo)
8. BECHARA, Fbio Ramazzini e DEZEM, Guilherme Madeira. Captao Ambiental de Imagens: Usos e Limites. Estudos de Processo Penal. Scor Tecci Editora.9. MOTA, Luig Almeida. O fenmeno da interceptao ambiental. Contedo Jurdico, Brasilia-DF: 16 abr. 2013. Disponvel: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42988&seo=110. BECHARA, Fbio Ramazzini e DEZEM, Guilherme Madeira. Captao Ambiental de Imagens: Usos e Limites. Estudos de Processo Penal. Scor Tecci Editora.
ele pode ser apresentado a qualquer momento, via de regra.
O juiz poder tambm determinar a produo antecipada
das provas antes de iniciada a ao penal, se entender que so
urgentes e relevantes (CPP, art. 156, I).
No caso do ru, quando citado pessoalmente por oficial
de justia para responder um processo criminal, tem 10 dias
para responder a Acusao (este prazo pode variar dependen-
do do tipo de crime, que muda a forma do processo, mas o
prazo sempre vir especificado na citao, que um documen-
to que ser entregue pelo oficial de justia contendo os dados
do processo).
Na resposta, o acusado j deve apresentar os documentos
e provas que quer produzir durante o processo. Deve, portan-
to, apresentar o vdeo em sua resposta (anexando petio de
defesa ou colando alguns frames no prprio documento, por
exemplo) ou j informar que pretender exibir o vdeo como
prova em audincia (CPP, art. 396-A).
As provas ento devero ser produzidas, ou seja, mostradas
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
A gravao em locais pblicos possvel
por qualquer pessoa, independente de
autorizao judicial
50 51VDEOS COMO PROVA JURDICA
ao juiz, durante a audincia de instruo e julgamento (art. 400,
CPP), que a audincia em que so ouvidas as testemunhas, so
mostradas as provas e os advogados fazem suas alegaes. A
audincia pode ser realizada em mais de uma data, ento o juiz
sempre especificar quais sero as partes e testemunhas a se-
rem ouvidas. O vdeo dever ser, portanto, apresentado na audi-
ncia em que a parte for convocada para apresentar suas provas.
Cabe ressaltar que nem todos os tribunais e fruns e nem
todas as salas de audincia possuem equipamentos para a exi-
bio de vdeos, ento necessrio verificar com antecedncia
se h equipamento (projetor, televiso, tela, etc.) e caso no
haja se possvel o prprio videoativista ou advogado levar o
equipamento necessrio.
Uma outra alternativa imprimir quadros com cenas chave
do vdeo para exibio ao juiz durante a audincia.
TRIBUNAL DO JRI LEI N 11.689/08No Tribunal do Jri so julgados os crimes contra a vida,
incluindo:
Homicdio doloso, simples, privilegiado
ou qualificado (CP art. 121, 1 e 2)
Induzimento, instigao ou auxlio a sui-
cdio (CP art. 122)
Infanticdio
Aborto provocado pela gestante, ou
com seu consentimento (CP art. 124) ou
por terceiro (CP art. 125 e 126)
O Tribunal do Jri (ou Jri Popular) composto de cidados
maiores de 18 anos que se alistam ou ento so indicados (sor-
teados). O Jri Popular uma garantia de que nos crimes mais
graves o ru ter o direito de ser julgado por cidados comuns,
como ele, garantindo assim que o julgamento reflita um pouco
o pensamento da sociedade em geral sobre aquele crime.
No Tribunal do Jri, o juiz recebe a denncia ou a queixa do
Ministrio Pblico (que so os documentos que do abertura
a ao) e determina a citao do acusado para responder por
escrito no prazo de 10 dias. Nesta resposta o acusado deve es-
pecificar as provas que pretende produzir, no caso o vdeo.
O juiz ento marcar uma audincia de instruo, onde to-
das as provas devero ser produzidas. Nesse momento o vdeo
dever ser exibido (levando em considerao o que foi falado
anteriormente sobre a questo tcnica da exibio).
Se o Juiz entender que o fato trazido pela acusao real-
mente ocorreu e que h indcios suficientes de que foi o ru
quem cometeu ou participou ele ir pronunciar o acusado, o
que significa que ele declara que admissvel a acusao for-
mulada pelo Ministrio Pblico e submete ento o acusado a
julgamento pelo Tribunal do Jri.
Recebido o processo, o Presidente do Tribunal do Jri deter-
minar que as partes indiquem as testemunhas que iro depor
em at 5 dias. Nessa oportunidade, podero tambm juntar do-
cumentos (vdeo).
O vdeo ento dever ser mostrado durante a audincia de
instruo, em que estaro presentes o juiz presidente do Tri-
bunal do Jri, os jurados, o Ministrio Pblico, o assistente de
acusao, o advogado do acusado, a vtima (se houver), e o ru.
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
52 53VDEOS COMO PROVA JURDICA
Durante o Jri, qualquer documento que seja apresentado
deve ser protocolado com 3 dias teis de antecedncia, para que
a outra parte tenha a possibilidade de ver a prova e de prepa-
rar uma contra-argumentao. Caso no seja protocolada 3 dias
teis antes a prova no poder ser apresentada na audincia.
No Tribunal do Jri, quem decidir se o ru culpado ou
no sero os jurados, que aps ver toda a audincia, as provas,
as testemunhas e as alegaes do Ministrio Pblico e da defe-
sa, iro responder a questes como O ru culpado?.
O vdeo, seja apresentado pelo ru para se defender de acu-
sao injusta, seja para confirmar a acusao de uma violao de
direitos humanos, deve ento tambm ser focado para os jurados.
Vdeos em que seja necessria uma edio (sempre manten-
do o arquivo original) para apresentao na audincia devem le-
var em considerao que deve ajudar o convencimento do Jri,
alm do convencimento do juiz, que quem determinar a pena.
JUSTIA MILITAROs crimes cometidos por militares (polcias, bombeiros, foras
armadas) contra civis so julgados pela Justia Militar (CPM, art.
9 e 10), com exceo dos crimes dolosos (intencionais) contra a
vida (ex: homicdio, leso corporal), que so de competncia do
Tribunal do Jri.
O procedimento, entretanto, parecido, e o vdeo pode ser
apresentado como denncia para o Ministrio Pblico Militar
ou para a autoridade militar, que devero requisitar a instaura-
o de Inqurito Policial Militar para apurao dos fatos.
Aps o inqurito, se houver prova de que o fato constitui
crime e de indcios suficientes de autoria, o Ministrio Pblico
oferece a denncia e iniciado o processo (CPM, art. 30).
O Ministrio Pblico funcionar como acusao, mas a v-
tima poder entrar no processo como assistente, auxiliando
na acusao (CPM, art. 60). Sendo assistente possvel propor
meios de provas e apresentar documentos, como o vdeo (CPM,
art. 65).
O acusado ser ento julgado pelo Conselho de Justia
(CPM, art. 437).
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
AO CIVIL PBLICANo mbito civil, existe a Ao Civil Pblica (Lei n 7.347/85) para
defender interesses coletivos e difusos, interesses que no so
de apenas uma pessoa, mas de todas. Esta ao serve para de-
fender interesses como o meio ambiente, o direito do consu-
midor, a ordem econmica e urbanstica, a honra e a dignidade
de grupos raciais, tnicos ou religiosos, o patrimnio pblico e
social, e outros interesses coletivos (art. 1, Lei n 7.347/85).
PROVAS NO
PROCESSO CIVIL
54 55VDEOS COMO PROVA JURDICA
Serve para defender os interesses coletivos contra atos ou leis
inconstitucionais ou ato ilegal que cause leso coletividade.11
Os dois principais rgos que podem atender s demandas
do pblico e entrar com a Ao Civil Pblica so o Ministrio
Pblico (CF, art. 129, III e Lei 8.625, art. 25, IV, e Lei 7.347/85, art.
5, I) e a Defensoria Pblica (Lei n 11.448/2007).
Assim, se o seu vdeo demonstrar uma situao em que di-
reitos da coletividade esto sendo lesados, pode ser estrategi-
camente interessante apresent-lo ao Ministrio Pblico ou
Defensoria Pblica, para que entre com uma Ao Civil Pblica
contra o responsvel.
EXEMPLO 1: vdeo mostrando uma fbrica que
polui um rio, ou uma empresa depositando lixo
em local proibido prximo um rio. Estes vdeos
podem ser utilizados como prova para entrar com
uma Ao Civil Pblica contra a fbrica/empresa
por danos ao meio ambiente, que no um inte-
resse individual, mas sim de toda a coletividade.
EXEMPLO 2: A Defensoria Pblica do Estado de
So Paulo entrou com uma Ao Civil Pblica con-
tra o Estado de So Paulo porque a Polcia Militar
estava cerceando o direito de manifestao e de
reunio dos cidados do Estado. Foram utilizados,
entre outras provas, vdeos de manifestaes, tan-
to polticas quanto culturais e festivas (como blo-
11. COSTA, Kalleo Castilho. Ao Popular e Ao Civil Pblica. Disponvel em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9888&revista_caderno=9. Acesso em 10 de outubro de 2014.
co de carnaval e comemoraes) para demonstrar
que a Polcia Militar estava ilegalmente coibindo
o direito de manifestao e de reunio dos cida-
dos, atravs do uso da fora, disperso dos atos,
uso de armas menos letais.12 (Mais informaes
sobre este caso na seo Estudos de Casos).
Neste segundo exemplo, um vdeo de um agente policial
agredindo um manifestante pode, por exemplo, servir como
prova em um caso individual, mas um conjunto de vdeos, de-
monstrando uma situao recorrente, foi utilizado como prova
de que o Estado de So Paulo estava cerceando o direito de
manifestao e reunio de toda a coletividade.
Como tanto o Ministrio Pblico quanto a Defensoria Pbli-
ca tem legitimidade para propor a Ao Civil Pblica, a escolha
entre um e outro pode ser feita baseada em critrios de como
estes rgos tm trabalhado e defendido questes ligadas a di-
reitos humanos em cada estado do Brasil. Alguns estados ainda
no possuem uma Defensoria Pblica e em outros ela ainda
muito recente, mas onde ela existe tm se demonstrado sens-
vel s questes de Direitos Humanos.
Por outro lado, o Ministrio Pblico pode instaurar um In-
qurito Civil (CF, art. 129, III e Lei n 7.347/85, art. 8, 1) possuin-
do poderes para investigar e colher provas sobre a situao a
ser denunciada, e a partir do Inqurito Civil, se houver indcios
suficientes da autoria do fato e da existncia da violao, o Mi-
nistrio Pblico entrar com a Ao Civil Pblica. Ento caso a
12. Ao Civil Pblica (processo n 1016019-17.2014.8.26.0053). Disponvel em: http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/0/ACP_-_direito_de_reuniao_-_VERSAO_FINAL_3.pdf
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
56 57VDEOS COMO PROVA JURDICA
ao necessite de mais investigao o Ministrio Pblico pode
ser rgo mais adequado.
Tambm possvel que uma associao legalmente cons-
tituda h pelo menos um ingresse com a Ao Civil Pblica,
desde que suas finalidades institucionais contidas em estatuto
tenha pertinncia com o tema proposto na ao. Nesse caso
importante que essa associao esteja estruturada e planejada
para acompanhar o trmite da ao, que pode se prolongar por
alguns anos.
AES COMUNSAs principais aes civis que existem so as de obrigao de
fazer e no fazer (em que voc pede para que o juiz obrigue
a pessoa a fazer algo que ela j obrigada, mas no est fa-
zendo, ou pede para que uma pessoa que est realizando uma
ao que est afrontando seus direitos pare de realizar tal ato)
e os pedidos de indenizao por danos materiais e danos mo-
Um conjunto de vdeos foi utilizado como prova de que o Estado de So Paulo
cerceava o direito de toda a coletividade
rais (so indenizaes por danos j ocorridos). Uma mesma ao
pode ter vrios pedidos, cumulando pedidos de obrigaes
com pedidos de indenizao.
Por exemplo: No caso da Ao Civil Pblica da Defensoria,
mencionado anteriormente, h pedido para que o Estado de
So Paulo elabore um protocolo de atuao de sua Polcia Mi-
litar, respeitando as garantias constitucionais, os direitos huma-
nos e padres internacionais sobre uso da fora. Alm disso, h
pedido de indenizao pelos danos j praticados pelo Estado
contra sua populao. Esta mesma lgica serve tambm nas
aes individuais (aes comuns).
A propositura da ao pode ser feita no Juizado Especial
Cvel, e pode ser feita sem advogado, nas causas com valor de
at 20 salrios mnimos ou com a contratao de advogado nas
causas com valor de at 40 salrios mnimos.
A vantagem do Juizado Especial Cvel que o trmite do
processo mais rpido que nos processos comuns, e tambm
requer menos formalidades.
Entretanto, o Juizado Especial Cvel s pode julgar causas
de menor complexidade, o que pode no se adequar a uma
causa de direitos humanos que utilize vdeo como prova, dada a
necessidade de anlise do vdeo, possivelmente percia, etc. No
caso de no ser possvel a utilizao do Juizado Especial Cvel
(aes acima de 40 salrios mnimos e/ou de maior complexi-
dade) a ao dever ser proposta em um Frum Comum Cvel.
Para entrar com uma ao cvel no Frum Comum preciso
constituir um advogado. Na petio inicial, j devem ser espe-
cificadas todas as provas que o autor da ao quer produzir ao
longo do processo (CPC, art. 282, VI). Portanto, desde a propo-
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
58 59VDEOS COMO PROVA JURDICA
sio da ao preciso especificar o vdeo (atravs de um link
ou a meno da existncia do vdeo, por exemplo).
Recebida a Ao, o juiz determinar a citao do ru, que
o ato para informar sobre a existncia do processo, e o ru en-
to dever apresentar sua defesa, chamada Contestao.
Caso seja o ru quem detm o vdeo, ele deve ser tambm
especificado j na Contestao, junto com as demais provas que
o ru pretender mostrar ao longo do processo (CPC, art. 300).
Aps a resposta do ru, o juiz dever chamar as partes para
uma audincia de instruo. neste momento que o vdeo
deve ser apresentado ao Juiz (CPC, art. 336).
Caso durante o decorrer do processo um novo vdeo for gra-
vado documentando um fato novo, relacionado ao processo,
possvel junt-lo atravs de uma petio informando esta situa-
o (CPC, art. 397).
O vdeo ser tido como verdadeiro e como uma das provas
do processo, caso no seja impugnado (contestar a veracidade)
pela outra parte (CC, art. 225). Caso a outra parte impugne o v-
deo, ento o juiz nomear um perito com conhecimento tcnico
para avaliar o vdeo (CPC, art. 145 e art. 421).
As partes, tanto autor quanto o ru, devero indicar um as-
sistente tcnico (um perito particular) que dever apresentar
quesitos, que so perguntas a serem respondidas pelo perito
durante a avaliao do vdeo (CPC, art. 421, 1, I e II). A impor-
tncia destas perguntas poder destacar os aspectos relevan-
tes quanto questo tcnica do vdeo a serem mostrados para
o juiz e tambm guiar, de certa forma, a avaliao do perito.
O relatrio do perito servir de base para o juiz julgar a cau-
sa, mas no necessariamente o juiz ir decidir de acordo com
o perito, podendo se apoiar em outros elementos e provas do
processo (CPC, art. 437).
Por fim, com ou sem necessidade de perito, ao final da ins-
truo (audincias, provas, argumentaes) do processo, o juiz
proferir uma Sentena, que ser obrigatria entre as partes.
Em geral, o descumprimento da deciso pode acarretar multas
altas, impostas por descumprimento ou por dia.
USO DO VDEO COMO PROVA NO PROCESSO
ESTUDOSDE CASOS
5
61VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
Esta seo se dedica apre-
sentao de Estudos de Ca-
sos emblemticos do uso de
vdeo como prova jurdica
para defesa dos direitos humanos. Em to-
dos os casos objetivou-se analisar como
se deu o desenvolvimento do caso desde
a gravao e divulgao do vdeo s fa-
ses pr-processuais, como investigao,
inqurito, e por fim o uso do vdeo como
prova jurdica de fato, dentro do proces-
so judicial.
Em cada estudo de caso foram ava-
liados os principais pontos que o caso
ilustra e qual foi o caminho trilhado para
que houvesse algum tipo de responsa-
bilizao ou reparao por violaes de
direitos humanos ou para que pessoas
acusadas injustamente de algum crime
62 63VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
fica evidente que h um tremendo potencial no uso do vdeo e
este potencial tende a se intensificar cada vez mais. A anlise de
outros casos uma ferramenta para que se aprenda com erros e
acertos e se aprimore cada vez mais esta importante ferramenta
para defesa dos direitos humanos.
ESTUDOS DE ADVOCACYAlm do uso de vdeo propriamente como prova dentro do
procedimento jurdico, foram analisados casos em que o vdeo,
mesmo no sendo uma prova no sentido tcnico da palavra,
ou mesmo no fazendo formalmente parte do processo, foram
importantes para o resultado positivo nos casos.
Estes casos podem ser considerados mais como vdeo
como advocacy, pois esto mais ligados a uma atuao de
convencimento dos juzes por meio de um vdeo que no uma
prova formal em si, mas que cumpre o seu papel de convenci-
mento e de defesa dos direitos humanos.
De qualquer forma, cabe ao advogado, ao defensor de di-
reitos humanos e ao videoativista avaliar, a partir das experin-
cias que sero apresentadas, qual o melhor caminho a seguir
para que seja alcanado o objetivo final da proteo dos direi-
tos humanos.
pudessem ser inocentadas.
O principal objetivo foi descobrir quais so as estratgias
que funcionam para utilizao do vdeo como prova, como os
autores, as vtimas e o Ministrio Pblico se utilizam do vdeo
em sua argumentao, como os juzes entendem o vdeo e qual
o impacto real do vdeo para o desfecho do caso, tendo em
vista tambm o contexto em que o caso ocorre.
Os principais pontos positivos e/ou negativos que cada es-
tudo de caso ilustram esto elencados ao final e podem servir
de auxlio para advogados, defensores de direitos humanos e
videoativistas para sua atuao, tanto no momento de registrar
o vdeo, quanto no momento de utilizar o vdeo para a defesa
dos direitos humanos.
Evidente que no h uma frmula definida para utilizao do
vdeo como prova, sobretudo em um ambiente em que a comu-
nidade jurdica, incluindo os juzes, ainda est conhecendo as
potencialidades dos vdeos para resoluo dos casos. Ainda sim
A anlise de outros casos
importante para que se aprenda com
erros e acertos e se aprimore esta
ferramenta
64 65VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
TRIBUNAL/CASOTribunal de Justia do Estado de So Pau-
lo, Caso Favela Naval. Apelao n 9044754-
45.1998.8.26.0000 e Apelao n 9178901-
37.2000.8.26.0000
HISTRICOEm Maro de 1997 uma reportagem foi ao ar
no Jornal Nacional com a denncia atravs de
um vdeo que mostrava policiais militares rea-
lizando uma operao policial de combate ao
trfico na Favela Naval em Diadema, na gran-
de So Paulo, e cometendo agresses fsicas e
verbais e extorso contra as pessoas que eram
abordadas, alm de dois disparos realizados
em direo a um carro, resultando na morte de
Mrio Jos Josino.
OS CRIMESO Policial Militar Otvio Loureno Gramba, o
Rambo, foi inicialmente condenado pelo
Tribunal do Jri em primeira instncia pelos
crimes de homicdio duplamente qualificado,
tentativa de homicdio triplamente qualificado
e abuso de autoridade.
FAVELA NAVALCASO
66 67VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
DETALHES SOBRE OS CRIMES IMPUTADOSJunto com outros policiais militares, Rambo agrediu fsica e ver-
balmente pessoas que passavam pela blitz realizada na Favela
Naval, em Diadema. Os Policiais Militares agrediram diversas
pessoas com tapas, socos e golpes de cassetete. Rambo ainda
efetuou dois disparos com arma de fogo contra um carro em
que trs pessoas que j haviam sido abordadas e agredidas dei-
xavam o local. O disparo atingiu Mrio Jos Josino na nuca, que
morreu antes de chegar ao hospital.
LINHA DO TEMPO
RESUMO DO USO DO VDEO COMO PROVA NOTRIBUNAL DE JUSTIA NO CASO FAVELA NAVALNo Tribunal de Justia o vdeo foi utilizado tanto pela defesa
quanto pela Procuradoria para reduzir as penas impostas pelo
Tribunal do Jri.
Antes do Tribunal Vdeo, Denncia e Tribunal do JriEm 1997, um cinegrafista amador gravou cenas de uma opera-
o realizada nos dias 3, 5 e 6 de maro por policiais militares
na Favela Naval, em Diadema, So Paulo. As imagens foram le-
vadas ao ar pelo Jornal Nacional: http://memoriaglobo.lumis.
com.br/programas/jornalismo/coberturas/favela-naval/cenas-
-repugnantes.htm
As imagens mostram que os policiais militares realizam uma
operao para combate ao trfico de drogas, em um beco da
Favela Naval. Os policiais param os carros que passam, inician-
do a abordagem e revista das pessoas. Os policiais xingam e
agridem fisicamente com socos, chutes e tapas as pessoas, que
no oferecem nenhuma resistncia. Em certo momento um po-
licial leva um rapaz para um canto, fora do alcance do vdeo,
e comea a agredi-lo. Ouve-se barulho de batidas e gritos do
rapaz. O policial Rambo vai at o local e entrega um cassetete
ao policial que est realizando as agresses e volta rindo. As
imagens conseguem pegar um pedao da cena, em que se v
o cassetete balanando no ar, e ouvem-se mais gritos. O policial
chama Rambo para o local, que vai at l com a arma em punho.
Trinta segundos depois, ouve-se um disparo. Em outra cena,
Rambo agride um homem com golpes de cassetetes, desferin-
do tambm golpes contra o carro do rapaz.
MAI1999
ABR2000
JUN2000
DEZ1998
ABR2001
OUT1998
Tribunal do JriO Tribunal do Jri condenou Rambo a 59 anos e 6 meses de recluso e 5 anos e 6 meses de deteno.
ApelaoRambo apelou da sentena ao Tribunal de Justia.
ApelaoRambo apelou da sentena ao Tribunal de Justia.
Julgamento da Apelao O Tribunal de Justia decidiu pela cassao do julgamento do Tribunal do Jri quanto aos crimes contra a vida (homicdio e tentativa de homicdio), determinando novo julgamento.
Novo Tribunal do JriO Tribunal do Jri condenou novamente Rambo a 46 anos, 3 meses e 10 dias de recluso e 1 ano de deteno.
Julgamento da ApelaoO Tribunal de Justia reduziu a pena para 15 anos e dois meses de recluso.
68 69VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
Dois dias depois os policiais voltam ao local para realizar
nova operao. Rambo novamente empunha a arma. Um po-
licial mostrado pegando dinheiro da carteira de um homem.
No terceiro dia da operao, um policial fura os pneus de
um fusca e Rambo aparece sempre empunhando sua arma. Um
carro com trs homens parado. Rambo e um outro policial
agridem um homem com golpes de cassetete, enforcamen-
to e tores durante vrios minutos. O carro com os homens
liberado, e Rambo desfere dois tiros contra o carro. Um dos
tiros atinge Mario Jos Josino na nuca. Mario foi levado pelos
amigos a um hospital pblico em Diadema, mas no resistiu e
morreu horas depois.
Tribunal do Jri 1998 O caso foi levado ao Tribunal do Jri,
em que o vdeo foi exibido, alm do interrogatrio de diversas
testemunhas, entre elas Silvio Calixto, o homem que aparece
sendo levado para trs de um muro e sendo espancado.
O Tribunal do Jri decidiu pela condenao de Rambo a 59
anos e 6 meses de recluso e 5 anos e 6 meses de deteno
pelos crimes de homicdio duplamente qualificado, tentativa de
homicdio triplamente qualificado e abuso de autoridade.
No Tribunal de Justia do Estado de So PauloEm dezembro de 1998, Rambo entrou com apelao contra a
deciso do Tribunal do Jri. O vdeo foi utilizado em diversos
momentos pela defesa, em parecer da Procuradoria e pelo de-
sembargador. Os argumentos foram divididos de acordo com
cada acusao:
DEFESA
Tentativa de Homicdio contra Silvio Calixto A Defesa alegou que a prpria vtima havia afirmado que s havia sido efetuado um disparo e que no sabia quem efetuou. A defesa alegou que o vdeo no prova haver inteno de matar Silvio Calixto e a percia encontrou apenas uma marca de tiro, sem que tenha conseguido fazer relao com o dia dos fatos. Alegou que os jurados julgaram apenas com base no vdeo, em que no possvel ter a visualizao completa do local da cena (a cena que ocorre por trs de um muro).
Homicdio consumado contra Mrio Jos JosinoA Defesa pediu a desqualificao de homicdio doloso (quando h inteno de matar) para culposo (quando no h inteno de matar) porque se tivesse a inteno de matar teria feito antes, j que as cenas do vdeo mostram que Rambo esteve do lado da vtima, conversando com ela por vrios minutos. Da mesma forma alegou no haver a qualificadora (que aumenta a pena) de motivo torpe, porque a vtima no foi pega de surpresa, j que estava indo buscar drogas na favela e o acusado estava l em operao para combate ao trfico, e tambm no teria matado a vtima para garantir a impunidade dos crimes anteriores (abuso de autoridade), pois se fosse assim teria feito quando a vtima estava ao seu lado.
Tentativa de homicdio contra as vtimasJeferson Sanches Caputi e Antonio Carlos DiasFoi realizado apenas dois disparos, um contra o carro, tendo um acertado Mrio Jos Josino e o outro no tendo acertado o veculo. A Defesa alega assim que seria impossvel a tentativa de homicdio contra duas vtimas com apenas um disparo, e que se Rambo quisesse teria matado os dois quando estavam ao seu lado.
Abuso de autoridadeCondenado por abuso de autoridade contra pessoas no identifi-cadas no vdeo. A acusao se quisesse teria plenas condies de identificar e encontrar essas vtimas.
70 71VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
PROCURADORIA DESEMBARGADOR
Tentativa de homicdio contra as vtimasJeferson Sanches Caputi e Antonio Carlos DiasA gravao a grande prova de que, se tivesse matado Mario Jos Josino para acobertar os crimes cometidos (abuso de autoridade), os policiais teriam todas as condies de perseguir e matar os outros integrantes do veculo, se acreditassem que havia chance de serem identificados. O vdeo a prova disso e da ousadia ilimitada do grupo de policiais militares.
Tentativa de homicdio contra as vtimasJeferson Sanches Caputi e Antonio Carlos DiasO vdeo mostra que Rambo efetuou dois disparos, tento um acertado e matado Mrio Jos Josino. Se sua inteno fosse matar os outros dois, certamente teria efetuado outros disparos, mudando a direo da empunhadura da arma. Os jurados, portanto, decidiram manifestamente contra as provas do processo.
Abuso de autoridadeO vdeo prova contundente do abuso de autoridade cometido contra pessoas no identificadas.
Abuso de autoridadeO vdeo prova contundente do abuso de autoridade cometido contra pessoas no-identificadas. No necessrio o depoimento das pessoas no-identificadas, j que so vistas perfeitamente nas gravaes e nas percias.As cenas esclarecem definitivamente todos os fatos ocorridos. Rambo deu verdadeiro exemplo de arbitrariedade policial.
Tentativa de Homicdio contra Silvio CalixtoNo possvel dizer que Rambo tentou matar Silvio Calixto por perversidade ou porque sentia satisfao com o sofrimento alheio. O que as provas do processo mostram, em especial o vdeo, a existncia de policiais fardados cometendo arbitrariedades, com o pretexto de efetuar policiamento preventivo, e para obter outras vantagens ilegais, inclusive dinheiro.
Tentativa de Homicdio contra Silvio CalixtoO processo (vdeo) mostra que enquanto um dos policiais militares agredia Silvio Calixto, Rambo se aproxima com uma pistola com 14 tiros e efetua um disparo solitrio e em seguida volta ao local junto aos outros policiais. Se fosse inteno de matar, Rambo teria acertado Silvio no cho, onde estava, ou pelo menos sua ao teria deixado vestgios no local em que Silvio estava dominado. O laudo pericial, porm, mostra que o disparo foi encontrado no muro. Se quisesse matar Silvio, Rambo teria tambm efetuado outros disparos, o vdeo mostra, entretanto, que aps o nico disparo Rambo volta para o local em que estavam os outros policiais. Mesmo se tivesse tentado mat-lo com o nico tiro, o fato de no ter efetuado outros disparos configura a desistncia voluntria, e no pode caracterizar a tentativa de homicdio.
Concordou com as colocaes feitas pela Procuradoria.
72 73VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
Assim o Tribunal de Justia de So Paulo deu parcial provi-
mento Apelao para cassar o veredito popular do Tribunal
do Jri a respeito dos crimes dolosos contra a vida (homicdio
consumado, tentativas de homicdio), determinando que fosse
realizado novo julgamento.
Segundo Tribunal do JriO Tribunal do Jri em segundo julgamento entendeu que Ram-
bo era culpado pelos crimes de homicdio doloso duplamente
qualificado, duas tentativas de homicdio qualificados e pericli-
tao vida (por em perigo), condenando-o a 46 anos, 3 meses
e 10 dias de recluso e 1 ano de deteno.
Segunda Apelao ao Tribunal de Justia do Estado de So PauloEm Junho de 2000, Rambo apelou da nova deciso do Tribunal
do Jri. O Tribunal de Justia entendeu novamente que o Jri e
a Juza se excederam na condenao, sobretudo por no con-
siderarem que no houve tentativa de homicdio contra duas
das vtimas, uma vez que teria havido desistncia voluntria, ou
mesmo que se Rambo realmente quisesse faz-lo teria condi-
es materiais para tanto. Alm disso, as agravantes de abuso
de autoridade representariam bis in idem (punir duas vezes a
mesma conduta), uma vez que j havia condenao por crime
de abuso de autoridade contra estas mesmas vtimas.
Assim, o Tribunal de Justia decidiu pela reduo da pena
imposta contra Rambo para 15 anos e 2 meses de recluso.
SITUAO ATUALRambo cumpriu 8 anos de recluso no regime fechado, tendo
progredido em 2005 para o semi-aberto. A famlia de Mario
Jos Josino, assassinado por Rambo, ganhou na justia o di-
reito indenizao, mas segundo notcias divulgadas em 2012,
a indenizao ainda no havia sido paga pelo Estado 15 anos
depois do crime.
PRINCIPAIS PONTOS QUE ESTE ESTUDODE CASO ILUSTRA
VDEO PODE SER USADO POR TODAS AS PARTES
O mesmo vdeo pode ser utilizado de forma diferente pe-
las partes. O vdeo foi utilizado no Jri para a condenao
de Rambo pelos diferentes crimes cometidos, mas as mes-
mas imagens foram utilizadas na construo dos argumen-
tos da defesa.
VDEO PODE SER INTERPRETADO DE FORMAS DIFERENTES
Assim como o mesmo vdeo pode ser utilizado de formas
diferentes pelas partes para construir seus argumentos, ele
pode levar a interpretaes diferentes pela Justia. O Tri-
bunal do Jri e Juzes de primeira instncia decidiram pela
condenao primeiramente a 56 anos e posteriormente a
46 anos, a partir das imagens, enquanto que o Tribunal de
Justia de So Paulo utilizou as imagens do vdeo priori-
tariamente para determinar primeiro o novo julgamento e
em segundo a reduo da pena. H, portanto, uma disputa
de narrativas a partir de um mesmo vdeo.
1
2
74 75VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
SEGURANA
Alm do que foi dito no item anterior, divulgar atravs de
um grande veculo pode representar maior segurana para
o videoativista, porque alm de aumentar a repercusso
do vdeo isto dificulta a verificao de quem originalmente
o gravou, dificultando eventuais tentativas de retaliao.
preciso levar em considerao, contudo, que o pr-
prio ngulo da filmagem j indica o local de onde ela foi
gravada, o que pode ser prejudicial caso tenha sido gra-
vada, por exemplo, da prpria casa da testemunha. No
caso da Favela Naval, o cinegrafista que fez as imagens,
conhecido como Pica-Pau, diz ter sofrido anos de perse-
guio pela polcia aps o caso. preciso estar atento
elementos que demonstrem exatamente de onde o vdeo
foi gravado, para evitar se colocar em risco.
VDEO MUDANDO DESFECHO COMUM
Segundo a pesquisa A letalidade da Ao Policial: Par-
metros para Anlise, no ano de 2000 (trs anos aps o
episdio na Favela Naval) a Secretaria de Segurana Pbli-
ca registrou 595 civis mortos pela Polcia Militar do Estado
de So Paulo. Muitas destas mortes so geralmente regis-
tradas como autos de resistncia, um expediente que
registra a morte como resultante de confronto entre po-
liciais e suspeitos, quando estes reagem a priso. H muita
crtica, entretanto, a essa classificao, muitas vezes por-
que as verses registradas so contraditrias ou inveross-
meis e so muitas vezes utilizadas para encobrir execues
(veja matria da Agncia Pblica nas citaes). Esses autos
de resistncia em sua imensa maioria raramente so devi-
COMO DAR A DEVIDA PUBLICIDADE AO VDEO DE MODO
A CONSEGUIR A RESPONSABILIZAO?
O cinegrafista amador que gravou o vdeo talvez no tives-
se conseguido sozinho dar a publicidade necessria para
que o vdeo fizesse com que o Ministrio Pblico entrasse
com ao contra os policiais. Este caso mostra como em
certos momentos preciso avaliar a melhor forma de di-
vulgar o vdeo para que ele realmente leve a efetivao da
denncia pelos rgos responsveis e responsabilizao
dos perpetradores de violaes de direitos humanos.
O cinegrafista encaminhou o vdeo ao conhecido jorna-
lista Marcelo Rezende, que divulgou o vdeo no Jornal Na-
cional, telejornal mais assistido do pas. Este sem dvida foi
o motivo pelo qual houve a denncia do Ministrio Pblico
e responsabilizao na Justia. O prprio Rambo, en-
trevistado por Marcelo Rezende em abril de 2012, 15 anos
aps o caso e aps ter cumprido sua pena, ao ser pergun-
tado se achava que se o vdeo no tivesse sido divulgado
se o desfecho seria outro respondeu que acreditava que
sim e que talvez nada acontecesse por ausncia de provas.
O caso aconteceu em 1997, poca em que a internet
no era to acessvel e disseminada quanto hoje. Mesmo
assim, ainda que nos dias de hoje quase todos possam ter
acesso ao YouTube e outras plataformas de vdeo atravs
do computador ou smartphones importante ponderar se
de outra forma o vdeo no pode gerar maior publicidade,
como a divulgao em grande veculo ou reportagem de-
talhada, uma vez que esta publicidade cumpre papel fun-
damental para a responsabilizao em casos de violaes
de direitos humanos.
3 4
5
76 77VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
damente investigados, e seu desfecho quase sempre o
mesmo: arquivamento.
O principal problema com relao a estas prticas de
arquivamento dos autos de resistncia sem investigao,
segundo especialistas, que isso cria uma cultura da im-
punidade e legaliza as mortes por policiais militares em
servio. A prtica nas ruas, quando no investigada pela
Polcia Civil e pelo Ministrio Pblico, e quando no jul-
gada adequadamente pelo poder judicirio, acaba sendo
chancelada.
O caso Favela Naval poderia ter tido, estatisticamente,
um desfecho semelhante. Da a importncia do uso do v-
deo como prova jurdica, para alterar o desfecho que em
geral mortes de civis por policiais tem no Brasil e, de al-
guma forma, contribuir para a mudana desta cultura da
impunidade.
CONSIDERAES FINAISO vdeo foi determinante para que Rambo e os outros policiais
militares fossem denunciados pelos crimes cometidos na Favela
Naval em 1997. A partir dos julgamentos nota-se que o vdeo a
prova fundamental para comprovar os crimes de abuso de auto-
ridade cometidos. tambm utilizado em conjunto com outras
provas como percia no local e testemunhas para reconstruir os
fatos ocorridos e levar a responsabilizao dos policiais militares.
PARA MAIS INFORMAES
r Consulte os acrdos no site do Tribunal de Justia de So Paulo, Apelao n 9044754-45.1998.8.26.0000 e Apelao n 9178901-37.2000.8.26.0000. Site: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1
r Entrevista de Marcelo Rezende com Rambo em 26 de abril de 2012: http://noticias.r7.com/videos/marcelo-rezende-reencontra-rambo-o-policial-que-participou-do-crime-da-favela-naval/idmedia/4f99e24bfc9b6f4f89a09fd2.html
CITAES
r Relatrio A letalidade da Ao Policial: Parmetros para Anlise, disponvel em: http://www.seer.ufs.br/index.php/tomo/article/viewFile/507/423
r Matria da Agncia Pblica Violncia Legalizada:http://apublica.org/2014/12/violencia-legalizada/
FAVELA NAVALCASO
78 79VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
TRIBUNAL / CASOFrum Central da Comarca de So Paulo, Ao
Civil Pblica n 1016019-17.2014.8.26.0053
HISTRICOA Defensoria Pblica do Estado de So Pau-
lo entrou com uma Ao Civil Pblica contra
o Estado de So Paulo pelo desrespeito ao
direito de liberdade de expresso, direito de
reunio e direito cidade no estado de So
Paulo atravs do uso repressivo de sua Policia
Militar. A represso sistmica e os abusos so
apresentados a partir de 8 manifestaes po-
lticas, esportivas e festivas entre 2011 e 2013.
A Defensoria Pblica pede que o Estado de
So Paulo elabore um protocolo de atuao
de sua Policia Militar nas manifestaes que
respeite os direitos humanos e os protocolos
e padres internacionais. Alm disso, pede
uma indenizao no valor de 8 milhes de re-
AO CIVILPBLICA SOBRE
PROTESTOSEM SO PAULO
CASO
80 81VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
RESUMO DO USO DO VDEO COMO PROVANA AO CIVIL PBLICA SOBRE PROTESTOSNO ESTADO DE SO PAULOA Defensoria utilizou na petio inicial da Ao Civil Pblica di-
versos vdeos para demonstrar as violaes cometidas pela Po-
licia Militar do Estado de So Paulo durante as 8 manifestaes
selecionadas. Os vdeos foram anexados petio inicial, alm
de links de vdeos do YouTube no prprio texto, e partes im-
portantes dos vdeos foram transcritas. Os vdeos corroboraram
com relatos de manifestantes, organizadores dos atos, vereado-
res, advogados e da prpria defensoria, boletins de ocorrncia
feitos pela policia militar, alm de notcias veiculadas na mdia.
A seguir, a descrio de alguns atos e principais vdeos:
a) Movimento Passe Livre 2011Atos convocados pelo Movimento Passe Livre em janeiro e feve-
reiro de 2011 contra o aumento das tarifas do transporte pblico.
ais, a serem revertidos para o Fundo Estadual de Defesa dos
Interesses Difusos.
OS CRIMESA Defensoria Pblica afirma que o Estado de So Paulo, atravs
de sua Polcia Militar, adota, diante dos direitos de liberdade de
expresso, de reunio e cidade uma postura abusiva, desne-
cessria e ofensiva a protocolos internacionais e diretrizes da
Organizao das Naes Unidas.
DETALHES SOBRE OS CRIMES IMPUTADOSOs episdios narrados pela Defensoria demonstram violaes
e abusos cometidos pela polcia como: uso indiscriminado de
armas de baixa letalidade como balas de borracha, spray de
pimenta, cassetetes e bombas de efeito moral e gs lacrimo-
gneo, causando diversas leses corporais em manifestantes,
prises ilegais e arbitrrias, ataques e prises tendo como alvo
jornalistas, ausncia de identificao obrigatria nos uniformes
e disperses arbitrrias de manifestantes.
LINHA DO TEMPO
OUT2014
NOV2014
NOV2014
ABR2014
ABR2014
Ao Civil PblicaA Defensoria entra com Ao Civil Pblica contra o Estado de So Paulo pelo desrespeito ao direito de manifestao.
Ao Civil PblicaA Defensoria entra com Ao Civil Pblica contra o Estado de So Paulo pelo desrespeito ao direito de manifestao.
LiminarO Juiz concedeu em parte o pedido liminar da Defensoria para determinar que o Estado de So Paulo apresentasse a conhecimento pblico, dentro de 30 dias, um plano de atuao de sua Polcia Militar em protestos.
Agravo contra a LiminarO Estado de So Paulo entrou com um recurso (Agravo de Instrumento) contra a deciso liminar.
Tribunal cassa a LiminarO Tribunal de Justia do Estado de So Paulo cassou a liminar concedida em primeira instncia.
82 83VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
VDEO DA TV FOLHA
Mostra um policial lanando bombas de efeito moral
contra pessoas na calada, atingindo o prprio reprter.
c) Campeonato Brasileiro de 2011. Comemorao. Reunio Espontnea.Reunio espontnea de torcedores para comemorar o ttulo do
Campeonato Brasileiro de 2011. Um grupo de torcedores que
se dirigiu Avenida Paulista (ponto tradicional de concentrao
de torcedores para comemoraes) foi reprimido e disperso
pela policia militar sem que tenham sequer ocupado a rua e
interrompido o trfego. No h vdeo deste episdio.
d) Direito de Reunio com Contedo Festivo. Carna-val do Bixiga, 20 de fevereiro de 2012.Tradicional carnaval de rua realizado no bairro do Bixiga em So
Paulo. O carnaval tinha autorizao da Prefeitura para acontecer
at as 19h. Passado esse horrio, muitas pessoas permanece-
ram comemorando na rua e foram, sem aviso, violentamente
reprimidas pela Tropa de Choque da Polcia Militar.
VDEO BOMBAS NO CARNAVAL DO BIXIGA 2012
PARTE 1_2
Vdeo com vrios relatos de pessoas contando que,
sem haver aviso para disperso, a Polcia Militar jogou
bombas de gs lacrimogneo para dispersar aqueles
que comemoravam a festa na rua.
VDEO ARSENAL, PASSE LIVRE, 1 EPISDIO
Mostra a polcia militar desferindo tiros (no se sabe se
de balas de borracha) contra manifestantes em fuga,
na calada e a curta distncia. V-se um PM atirando
na regio do dorso.
VDEO ARSENAL, PASSE LIVRE, 6 EPISDIO
Policiais agredindo vereadores, populao e manifes-
tantes, indistintamente. Em um trecho pode-se ver
que nenhum policial utiliza identificao.
VDEO PASSE LIVRE NA PREFEITURA
Filmado do alto, com viso panormica. V-se a dis-
perso de manifestantes, que gritavam palavras de or-
dem, pelo uso de bombas de gs lacrimogneo. Mes-
mo sem aproximao dos manifestantes da prefeitura
ou ocupao total da via a Tropa de Choque da Polcia
Militar dispara balas de borracha e avanam sobre os
manifestantes.
b) Marcha pela Liberdade de Expresso, maio 2011Ato realizado aps a Marcha da Maconha ter sido proibida pelo
Tribunal de Justia de So Paulo.
VDEO MARCHA DA MACONHA 21-05-2011 CMI
Mostra um manifestante sendo detido. Em dado momen-
to, sem aviso, a Tropa de Choque comea a utilizar armas
de baixa letalidade para dispersar os manifestantes.
84 85VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
f) Protesto Contra a Ineficincia do Servio de Trans-porte Pblico. 23 de maio de 2012.Pessoas que estavam em frente ao metr Itaquera, zona leste
de So Paulo, indignadas com a falta de nibus, trens e metr
em virtude da greve, passaram a protestar contra a m qualida-
de dos servios de transporte pblico.
VDEO PROTESTO CONTRA A INEFICINCIA DO
SERVIO DE TRANSPORTE PBLICO
Mostra policiais jogando bombas de gs lacrimogneo
em excessiva quantidade para dispersar manifestantes.
Um policial da Tropa de Choque joga uma bomba em
manifestantes que estavam na calada. Balas de borra-
cha so atiradas contra manifestantes em fuga.
g) Paraispolis. Direito de Reunio na Periferia.Segundo narra a Defensoria, desde 2012 a Policia Militar diligen-
cia todos os dias na favela de Paraispolis durante a noite a fim
de dissipar qualquer concentrao de pessoas. Moradores que
costumam se reunir em bares o bairro relatam que a Policia Mili-
tar chega dispersando todos com uso de bombas de gs lacrimo-
gneo e balas de borracha. Em um destes episdios uma jovem
teve o globo ocular perfurado por uma bala de borracha. Mesmo
aps ferir a vtima a Polcia Militar continuou a disparar balas de
borracha e bombas de gs lacrimogneo. No h vdeo.
h) Protestos 2013. Movimento Passe Livre. 13 de junho de 2013. Quinta-feira Sangrenta.4 Ato contra o aumento da passagem do transporte coletivo
VDEO BOMBAS NO CARNAVAL DO BIXIGA 2012
PARTE 2_2
Mostra o relato da policial militar Segunda Tenente
Jane afirmando que tudo corria normalmente at as
19h, quando a via continuou ocupada e virou um baile
funk. A tenente afirma que tentaram dialogar mas foram
recebidos a garrafadas, e assim a Policia Militar realizou
o procedimento normal de liberao da via.
e) Protesto Contra a Corrupo. 21 de abril de 2012.Protesto realizado na Avenida Paulista contra a corrupo na
poltica brasileira.
VDEO POLCIA X MARCHA CONTRA CORRUPO
MASP 21_4_2012
Vdeo mostra que a manifestao pacfica. Em segui-
da a polcia realiza um cordo de isolamento, limitando
o espao dos manifestantes a duas faixas da via. Em
dado momento os manifestantes sentam por toda a ex-
tenso da avenida, interrompendo o trnsito. A partir
da a policia aproxima-se com viaturas.
O vdeo cessa mas conforme relatos e notcias possvel ve-
rificar que este o motivo pelo qual a represso se inicia.
V-se a policia utilizando balas de borracha e jogando bom-
bas contra os manifestantes. Um manifestante mostrado com
uma leso em seu brao causada por bala de borracha. Diver-
sos relatos so colhidos demonstrando que a manifestao era
pacfica.
86 87VDEOS COMO PROVA JURDICA ESTUDOS DE CASOS
Aparecido de Andrade, da 10 Vara da Fazenda Pblica con-
cedeu em parte o pedido liminar feito pela Defensoria Pblica
do Estado de So Paulo determinando que o Estado de So
Paulo apresentasse um plano de ao para a atuao da Polcia
Militar em protestos, que inclusse a proibio das balas de bor-
racha, regras para a disperso da manifestao, que somente
deve ocorrer caso a ordem pblica seja gravemente abalada,
devendo ser posteriormente publicada, a limitao do uso de
sprays de pimenta e bombas de gs somente a casos extremos,
a obrigatoriedade do uso de identificao e a indicao de um
negociador nas manifestaes, entre outras medidas pedidas
pela Defensoria.
O juiz no explicita nenhum dos vdeos apresentados pela
Defensoria na deciso, limitando-se a afirmar a verossimilhan-
a jurdica do alegado pela Defensoria e que a situao conti-
nua a existir.
O prprio juiz analisa o contexto poltico das manifestaes
de 2013, que no aconteciam com tanta intensidade desde as
Diretas J em 1985, conforme narra, e afirma o despreparo da
Polcia Militar para lidar com os protestos. Nenhum dos casos
ou cenas trazidas pela Defensoria analisado pelo juiz, que
apenas faz meno ao fato de que ao menos dois jornalistas
tenham sido feridos na manifestao.
RECURSO E CASSAO DA LIMINAREm 4 de novembro de 2014, o Estado de So Paulo entra com
recurso13 contra a deciso do juiz de primeira instncia, pedin-
do a revogao da liminar, sob a alegao de que a Defensoria
13. Agravo de Instrumento n 2195562-25.2014.8.26.0000, 3 Cmara de Direito Pblico, desembargador relator Ronaldo
convocado pelo Movimento Passe Livre em So Paulo. Este ato
ficou conhecido pela notria truculncia e desproporcionalida-
de aplicada pela Policia Militar, tendo sido o ato mais emblem-
tico das assim chamadas Jornadas de Junho e que represen-
tou o ponto de virada dos protestos naquele ano.
A violncia policial foi noticiada em diversos veculos de m-
dia, tanto tradicional quanto alternativa, e gerou comoo e re-
volta em grande parte da populao, tendo culminado em atos
seguintes com centenas de milhares de pessoas nas ruas.
A Defensoria selecionou deste ato 27 vdeos que mostram
violaes cometidas como: (i) revista indiscriminada de qual-
quer um que passasse em direo concentrao do ato, in-
dependente de fundada suspeita; (ii) prises de pessoas que
portavam tinta ou vinagre (utilizado para amenizar os efeitos do
gs lacrimogneo); (iii) prises para averiguao (confessada
pelo tenente-coronel Ben-Hur em vdeo gravado pela defenso-
ria pblica); (iv) negao do acesso dos defensores aos presos;
(v) uso indiscriminado de armas de baixa letalidade balas de
borracha, spray de pimenta, cassetetes, bombas de gs lacri-
mogneo e efeito moral, inclusive lanado
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