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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
ANA KELY LIMA NOBRE
ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
SÃO LUÍS – MA
2016
ANA KELY LIMA NOBRE
ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
Monografia apresentada ao curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Maranhão
– UFMA como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharelado em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de
Sant‟Ana Júnior
SÃO LUÍS – MA
2016
Nobre, Ana Kely Lima.
Estudo sobre a cobertura jornalística em relação aos conflitos
socioambientais no Maranhão / Ana Kely Lima Nobre ._ São Luís, 2016.
82f.
Orientador: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão, Curso de
Ciências Sociais, 2016.
1.Conflitos socioambientais – Jornalismo maranhense – Desenvolvimento.
I. Título.
CDU 3 : 070 (812.1)
ANA KELY LIMA NOBRE
ESTUDO SOBRE A COBERTURA JORNALÍSTICA EM RELAÇÃO AOS
CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO MARANHÃO
Monografia apresentada ao Curso de Ciências
Sociais da Universidade Federal do Maranhão
– UFMA como requisito parcial para obtenção
do grau de Bacharelado em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Dr. Horácio Antunes de
Sant‟Ana Júnior.
Aprovada em __/__/__
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Prof. Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Doutor em Ciências Humanas (Sociologia)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
_____________________________________________________
Prof. Igor Gastal Grill
Doutor em Ciência Política
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
_____________________________________________________
Prof. Bartolomeu Rodrigues Mendonça
Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas pela Universidade Federal do Maranhão
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
AGRADECIMENTOS
A minha trajetória até a presente escrita monográfica foi repleta de pessoas que me deram
apoio e ajuda nos trabalhos acadêmicos e na vida. Dizem que nada nessa vida acontece por
acaso, os amigos que fiz nesse percurso são a prova disso. Como a memória não é das
melhores, peço perdão àqueles que eu esquecer de mencionar diretamente aqui.
À Deus, primeiramente, pela benção da vida e da família maravilhosa que tenho.
Aos meus pais, Maria das Dores e José Ruberval, que não medem esforços para a minha
felicidade e alcance dos meus sonhos e objetivos. À minha irmã que além de tudo, é
companheira nos debates políticos.
Ao meu queridíssimo orientador, professor e amigo a quem tenho o maior orgulho e me
espelho como profissional. Sempre tão acolhedor e disponível para nos ajudar nas
dificuldades.
Ao GEDMMA, que me deu diretrizes e estímulo para seguir no curso. Tenho a maior
admiração por todos que participam desse grupo. Aos professores coordenadores, Bartô,
Madian, Élio, Cíndia, Samarone. Os amigos, todos com um coração gigante e empenhados
numa luta comum, Ecy, Jadeilson, Magno, Majú, Manoel, Sávio, Tay, Darlan, Arnaldo e
tantos outros que o compõem.
Tay, obrigada pela imensa ajuda e paciência na construção dessa monografia.
Aos meus amigos que considero como irmãos, Sarah, Rony e Hailton. Compartilhando
momentos de alegria e de felicidade desde o início do curso. Dandara e David, pessoas que
quero sempre ao meu lado.
Àqueles amigos do estágio na Cáritas, Ricarte, Lena e Lú, com quem obtive conhecimentos
valiosos.
Aos entrevistados, França e Bruno, pela disponibilidade.
Aos excelentes professores do curso.
Quem visita um dos prestigiosos vinhedos de Bordeaux, na França, antes de passar pela
adega adentra em uma larga alameda que abre de cada lado para as longas fileiras de
videiras. O que impressiona não é o vinhedo, mas as opulentas roseiras que enfeitam o
caminho, plantadas no início de cada fileira. Na primeira, o visitante fica inebriado pelas
cores e pelo perfume dessas rosas e disposto a louvar o proprietário do château, pelo bom
gosto... até ser informado de que essas delicadas roseiras são prosaicamente um dispositivo
destinado a prevenir as doenças da vinha. Serão atacados em primeiro lugar, sinalizando
que a doença está atingindo a vinha e que está na hora de tratá-la. Adeus, rosas, não são
vocês que fazem a fortuna do barão de Rotschild. Jean Pierre Leroy
RESUMO
Este estudo objetiva compreender os aspectos que envolvem a divulgação de notícias dos
casos de conflitos socioambientais no Maranhão a partir da análise de três jornais do estado:
dois deles de maior circulação, O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, e um deles de
imprensa alternativa, Jornal Vias de Fato. Nesse processo, busco relacionar as notícias
coletadas com o contexto local que tem como uma das características a constituição de
conglomerados de comunicação para a manutenção de interesses políticos e econômicos, o
que consequentemente, reflete no conteúdo, forma e enquadramento das notícias. Para que a
pesquisa fosse possível, realizei entrevistas com moradores de comunidades tradicionais e/ou
em situações de conflito; levantamento de notícias nos jornais supracitados (nos anos de 2014
a 2015) e revisão bibliográfica da literatura correspondente. Observei que há condicionantes
presentes no conteúdo das notícias e na estruturação dos jornais que reafirmam um discurso
desenvolvimentista propagandeado pelo governo do estado e que a divulgação dos casos de
conflitos socioambientais nos jornais de maior circulação são poucas e se constituem como
temas transversais, o que revela uma ocultação sobre essa questão determinada, em alguns
casos, por interesses de agentes com percepções distintas em relação ao uso do território e da
natureza e em outros, devido ao imediatismo do funcionamento interno da imprensa.
Palavras-chave: Conflitos Socioambientais. Jornalismo Maranhense. Desenvolvimento.
ABSTRACT
This paper aims to provide understanding of the aspects that involves the dissemination of
news about environmental conflicts in Maranhão from the analysis of three locals
newspapers: two of them figure among the most popular journals of the State, O Estado do
Maranhão and Jornal Pequeno, the last one of them is an alternative media source, Jornal Vias
de Fato. In the process, it is seeked to relate the news colected with the local context that has
as one of its characteristics the constitution of media conglomerates to maintain political and
economical interests, which consequently is reflected in the content, form and framing of the
news. In order to become the research possible, interviews were conducted with residents of
traditionals communities and in conflict situations; also, a survey of the news on the
newspapers mentioned above (between 2014 and 2015) and a revision of correspondent
literature. I was noticed that restrictions are constantly present in the news content and
structure, which reinforce a developmental speech disseminated by the state government, in
addition, the disclosure of the environmental conflicts in majors newspapers are few and
constitute itself as secundary themes, revelating an occultation on this particular matter, in
some cases, by the interests of the agents with different perceptions regarding the use of the
territory and nature, and in others due to the immediacy of the inner work of the press.
Key Words: Environmental Conflicts. Local Media. Development.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadros
Quadro 1: Critérios Substantivos .............................................................................................. 20
Quadro 2: Critérios contextuais ................................................................................................ 21
Quadro 3: Levantamento de conflitos socioambientais feita a partir dos jornais ..................... 31
Quadro 4: Manchetes do Jornal Pequeno ................................................................................. 66
Quadro 5: Manchetes do jornal O Estado do Maranhão .......................................................... 66
Quadro 6: Manchetes do jornal Vias de Fato ........................................................................... 67
Figuras
Figura 1: Primeira edição do jornal O Estado do Maranhão – 01 de maio de 1973................. 37
Figura 2: Notícia do jornal O Estado do Maranhão, publicada em 22/03/2014 ....................... 38
Figura 3: Notícia do jornal O Estado do Maranhão divulgada em 13/04/2014 ........................ 39
Figura 4: Notícia divulgada no jornal O Estado do Maranhão, publicada em 20/08/2014 ...... 40
Figura 5: Capas do jornal O Estado do Maranhão nos anos de 2014 e 2015 ........................... 42
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2014 ........................................................ 44
Gráfico 2: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2015 ........................................................ 45
Gráfico 3: Jornal Pequeno – notícias 2014 ............................................................................... 50
Gráfico 4: Jornal Pequeno – notícias 2015 ............................................................................... 51
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNDA - Conselho Nacional de Defesa Ambiental
CPT – Comissão Pastoral da Terra
DPE - Defensoria Pública do Estado
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
EMAP - Empresa Maranhense de Administração Portuária
FIDH - Federação Internacional de Direitos Humanos
FIOCRUZ - Fundação Osvaldo Cruz
FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
GEDMMA – Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MPF – Ministério Público Federal
MST - Movimento dos trabalhadores Sem Terra
ONU - Organização das Nações Unidas
RESEX – Reserva Extrativista
RJT – Rede Justiça nos Trilhos
SEMA - Secretaria Estadual do Meio Ambiente
SIFEMA - Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa no Maranhão
SMDH - Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
TJMA - Tribunal de Justiça do Maranhão
TSE - Tribunal Superior Eleitoral
UEMA – Universidade Estadual do Maranhão
UFMA - Universidade Federal do Maranhão
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 6
2. REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS ......................................................... 12
2.1 Teorias de comunicação e sociologia do jornalismo .......................................................... 12
2.2 Comunicação alternativa .................................................................................................... 22
2.3 Campo ambiental em debate............................................................................................... 24
3. ABORDAGEM DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA COBERTURA
JORNALÍSTICA .................................................................................................................... 34
3.1 Análise das notícias no jornal O Estado do Maranhão ....................................................... 34
3.2 Análise das notícias no Jornal Pequeno .............................................................................. 48
3.3 Diálogos .............................................................................................................................. 54
3.4 Jornal vias de fato: vozes sufocadas ................................................................................... 56
4. UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CAJUEIRO ........................................................... 63
5. CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 73
6
1 INTRODUÇÃO
“A imprensa é, a um só tempo, objeto e sujeito da história brasileira”
(MARTINS; LUCA, 2015: 8).
Esta monografia é resultado de três anos de pesquisa no Grupo de Estudos:
Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), ligado ao Departamento de
Sociologia e Antropologia (DESOC) e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
(PPGCSoc) desta universidade. A temática Estudo sobre a cobertura jornalística em relação
aos conflitos socioambientais no Maranhão é fruto do projeto de pesquisa do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) intitulado Levantamento de conflitos
socioambientais no Maranhão, nos anos 2013, 2014 e 2015, que deu origem a três relatórios1.
A referida pesquisa me proporcionou uma experiência bastante significativa na
temática de conflitos socioambientais, principalmente no que se refere ao caso da Reserva
Extrativista de Tauá-Mirim2 que é percebida como tendo um grande potencial natural e
geográfico ambicionado por grandes empreendimentos nacionais e internacionais. A
participação semanal nos estudos dirigidos com o grupo de pesquisa, as reuniões, oficinas,
seminários e encontros realizados com distintos agentes, instituições e organizações sociais
diretamente ou indiretamente ligados aos conflitos estudados, bem como a frequência em
audiências públicas, me renderam um conjunto de materiais e embasamento necessários para
a reflexão sobre o discurso desenvolvimentista3 disseminado pelo Estado no intuito de
1 Os relatórios dos bolsistas de iniciação científica do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio
Ambiente – GEDMMA, estão disponíveis na página www.gedmma.ufma.br 2 Segundo consta no livro Ecos dos Conflitos Socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim, “no processo de
implantação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, na Ilha de São Luís-MA, percebe-se um conflito ambiental
de grandes proporções, no qual estão envolvidos interesses múltiplos, uma vez que a área na qual se pretende
implantar a referida Unidade de Conservação tem sido, por um lado, pleiteada por empreendedores privados e
pelo próprio governo para a instalação de projetos de desenvolvimento e, por outro, tem sido reivindicada pelos
segmentos sociais que há anos vivem na localidade e querem ter seus direitos reconhecidos, lutando pela
instalação de uma Reserva Extrativista na localidade” (SANT‟ANA JÚNIOR et al., 2009, p. 95). É importante
mencionar que, apesar da resistência do Estado em não consolidar a Resex, no dia 17 de maio de 2015, em uma
Assembleia bastante representativa da diversidade do povo maranhense, as comunidades da Reserva, numa
mostra histórica de autonomia, declararam criada a Reserva Extrativista na Ilha de São Luís. 3 Refiro-me ao discurso pleiteado pelo governo do Maranhão no sentido de desenvolver economicamente o
Estado a partir da implantação do Programa Grande Carajás pelo governo federal no final da década de 1970.
Programa que se estendeu ao sudeste do estado do Pará, oeste do Maranhão e norte de Tocantins, com o objetivo
principal de garantir a exploração e comercialização das gigantescas jazidas de minério de ferro localizadas na
Serra de Carajás, no Pará, o que levou o estado a implantar a infraestrutura necessária para que pudesse ser feita
a exploração e o escoamento da produção mineral, além de outras produções, assim como os de outros estados
vizinhos. Apesar de ter sido extinto oficialmente em 1991, pelo então presidente Fernando Collor, as
consequências do Programa continuam atuando expressivamente na Amazônia oriental brasileira, conforme será
explicado mais detalhadamente no segundo capítulo deste trabalho.
7
legitimar as ações de governo e, sobretudo, de grandes empreendimentos instalados ou em
vias de instalação no Maranhão que geram grandes impactos ao meio ambiente e às
populações que residem nas áreas de interesse dos mesmos.
Ao fazer um levantamento de notícias sobre os conflitos socioambientais nos
principais jornais do estado, nos meios alternativos de divulgação midiática e
acompanhamento dos processos jurídicos nas páginas eletrônicas dos ministérios públicos
estadual e federal para a alimentação do banco de dados do grupo de pesquisa supracitado,
percebi que as divulgações nos jornais de maior circulação são poucas, quando comparadas à
realidade de inúmeros conflitos constatados através de pesquisas acadêmicas,
acompanhamento de movimentos/organizações sociais e denúncias feitas pelas próprias
comunidades afetadas4. No entanto, há nas fontes alternativas uma constante veiculação de
notícias que identificam inúmeros casos de violação dos direitos humanos, desrespeito aos
povos indígenas, quilombolas e às populações tradicionais, degradação ambiental e disputas
por territórios ligados principalmente aos programas e projetos desenvolvimentistas do
Maranhão. Tendo em vista que geralmente os jornais alternativos apresentam limitações tais
como o número de impressos serem significativamente menores que os jornais tradicionais
devido ao pouco capital financeiro e, consequentemente, a sua distribuição ser em menor
escala, uma grande parcela da população não obtém acesso a assuntos que não são pautados
pela grande mídia. Mesmo na atual dinâmica virtual de disseminação de informações através
de blogs e redes sociais, ainda enfrentamos a problemática da exclusão digital.
Portanto, a partir dessas análises e do contexto de concentração de posse e concessão
dos meios de comunicação no Estado, podemos nos questionar sobre as diferentes relações de
interesses políticos, econômicos e sociais imbricados no processo de construção das notícias
sobre conflitos socioambientais.
Ao considerar a influência que os meios de comunicação de massa exercem nas
relações sociais contemporâneas, na formação de opinião sobre os diversos assuntos que nos
cercam e, sobretudo nas práticas políticas, percebemos numa análise mais restrita, feita a
partir de estudos sobre os referidos conflitos a partir de fontes jornalísticas, que há
condicionantes presentes no processo de construção das notícias que reafirmam um discurso
desenvolvimentista propagandeado pelo governo desde o final da década de 1970, com a
4 Nesta pesquisa e em vários trabalhos aqui apresentados, ao me referir às localidades estudadas e citadas, utilizo
a categoria comunidade, em uma apropriação da forma como os moradores referem-se a si mesmos enquanto
grupo social. Segundo Sant‟Ana Júnior et al., (2009), o uso intensivo da categoria comunidade pelos moradores
tem uma relação direta com a forte presença da Igreja Católica e de suas Comunidades Eclesiais de Base na
região estudada.
8
implantação do Programa Grande Carajás. Nesse caso, a preocupação decorre do fato de que
nos principais jornais do Maranhão, a divulgação dos casos de conflitos gerados pela
instalação de grandes empreendimentos no estado tendem a minimizar os impactos causados
por estes, nos revelando uma possível ocultação sobre essa questão determinada por interesses
diversos de agentes com percepções distintas em relação ao uso de determinado território e da
natureza. Por outro lado, os meios de comunicações “alternativos” referenciados por Grinberg
(1987) como uma opção frente ao discurso “dominante”, servem de parâmetro para nos
situarmos frente a essa situação que é muito mais complexa do que é divulgado nos veículos
tradicionais, visto que pautam temas que não tem espaço na grande mídia maranhense e
privilegiando as vozes sufocadas num contexto em que os principais meios de comunicação
são ferramentas mediadoras para a manutenção do poder político, o que, consequentemente,
reflete no conteúdo, forma e enquadramento das notícias.
Dessa forma, a questão que investigo consiste em tentar entender como o jornalismo,
sendo uma ferramenta de poder capaz de atribuir novos significados à natureza em favor da
industrialização, se constitui como um serviço público ou como um mero negócio quando
oculta, minimiza e ressignifica os impactos causados por setores produtivos degradadores do
meio ambiente. Além disso, quais os sentidos que as notícias podem conferir à realidade
social que se apresenta? Tentarei responder a essas perguntas de modo a revelar a tensão
permanente e antagônica entre o interesse de mercado e o interesse das comunidades quanto
ao que é publicado no Jornal O Estado do Maranhão, Jornal Pequeno e Vias de Fato,
evidenciando as características que levam um acontecimento se transformar em notícia ou
não, considerando os pressupostos particulares de cada veículo. O recorte temporal desse
estudo compreende os anos de 2014 e 2015, período em que houve a transição do governo
Roseana Sarney para o de Flávio Dino. Explicarei essa demarcação temporal com mais
detalhes nos próximos capítulos. Entendi também ser necessário apresentar um estudo de caso
para tratar mais detidamente as questões que proponho a analisar, relacionando as notícias
divulgadas sobre o Cajueiro com o risco iminente de deslocamento compulsório dessa
comunidade.
A escolha deste objeto de estudo se deve ao fato de ter percebido nos jornais de maior
circulação uma tendência a reproduzir uma perspectiva de desenvolvimento atrelada
exclusivamente ao crescimento econômico e, de certa forma, invisibilizando ou tratando de
forma transversal os impactos socioambientais decorrentes principalmente dos grandes
empreendimentos que se apresentam com a promessa de geração de empregos, capacitação e
assistência às comunidades. Esse discurso é comumente acompanhado de uma atribuição de
9
responsabilidade ecológica a esses modos de produção que são altamente degradantes. Dessa
forma, a aceitação tanto dos grupos que serão ou são impactados quanto de uma parcela da
sociedade alheia a esses acontecimentos, é um dos fatores de maior importância para que tais
empreendimentos sejam consubstanciados e, portanto, exige a construção de uma imagem
positiva para evitar possíveis resistências quanto a sua instalação. Segundo Traquina (2005),
com a legitimidade da teoria democrática, os jornalistas poderiam expressar as diferentes
vozes no interior da sociedade que deveriam ser tidas em conta pelos governos e, como
vigilantes do poder político, poderiam proteger os cidadãos contra os abusos dos governantes.
Por isso, tendem a ser percebidos pela sociedade como fontes legítimas e mediadoras para a
consolidação da opinião pública através das quais as informações seriam absorvidas pela
maioria da população como sendo o discurso verdadeiro e inconteste.
Nesse contexto, a capacidade que os meios de comunicação possuem de enfatizar
algum tema e torná-lo centro de discussões no espaço público revela a sua importância no
cenário contemporâneo à medida que agendam temas de conversações que passam a fazer
parte do cotidiano dos indivíduos e aproximá-los de uma realidade que pode ser distante da
sua. Portanto, esse estudo é pertinente à medida que abre espaço para o debate sobre o poder
que a mídia tem de construir modos de pensar e de agir no indivíduo e como isso implica na
vida em sociedade, ou seja, convém analisarmos e criticarmos a postura do objeto a que se
destina essa responsabilidade social. Do ponto de vista prático e da problemática em questão,
essa crítica reflete nas ações de agentes, grupos e segmentos da sociedade que resistem aos
impactos socioambientais gerados pelos grandes empreendimentos e lutam por direitos
territoriais, culturais e sociais para que haja uma permanente reprodução das suas identidades
e do seu modo de viver. A elucidação dessas questões pode contribuir de um lado, para o
estabelecimento de um novo olhar acerca das questões que perpassam o campo ambiental para
uma parte da sociedade que está alheia a esses conflitos e, por outro lado, o entendimento de
que a divulgação das notícias sobre essa problemática em maiores dimensões fomentam na
população anseios por maiores esclarecimentos e consequentemente motivam a formação de
grupos de resistência e de movimentos sociais que lutam pelos seus direitos e fazem
contraponto aos modelos de exploração econômica da natureza.
Para que a pesquisa fosse possível, realizei trabalho de campo para entrevistas com
moradores de comunidades impactadas por grandes empreendimentos; observações sobre a
estruturação dos jornais e posicionamento dos moradores quanto à divulgação dos conflitos
existentes; experiência do Seminário Internacional Carajás 30 anos e o levantamento das
notícias sobre conflitos socioambientais no Maranhão contidas no banco de dados do
10
GEDMMA. A revisão bibliográfica e a fundamentação teórica contemplam as discussões
sobre o campo jornalístico, as noticias e seus efeitos (TRAQUINA, 2005, 2008; WOLF),
relações da mídia com a política e o meio ambiente (BOURDIEU, 1997, 1998; COUTO,
2009; ASSIS, 2005); comunicação alternativa (GRINBERG, 1987; POSSEBON, 2011);
sociologia do jornalismo (NEVEU, 2006; CHAMPAGNE, 2012); ideologia do progresso, o
imaginário social em relação à natureza e às representações sociais (ASSIS, 2005); relação do
neodesenvolvimentismo, desenvolvimento e conflitos socioambientais (ZHOURI,
LASCHEFSKI, 2005, 2010; LISBOA, 2014; ACSELRAD, 2004), desenvolvimento
sustentável (MUNIZ, SANT‟ANA JÚNIOR, 2009); noções de saber local, relação entre
povos e grupos sociais tradicionais e território (ACSELRAD, 2010); a ambientalização dos
conflitos sociais (LEITE LOPES, 2004) e a Resex de Tauá-Mirim (MIRANDA, 2009). A
organização dos dados foi feita através de gráficos, quadros e pela seleção de notícias usadas
como exemplos descritivos de análise. Realizei entrevistas com moradores de áreas
impactadas pelos grandes empreendimentos: Bruno Alves Fernandes, de Arari e membro da
Rede Justiça nos Trilhos e Francivânia Alves Fernandes, do Taim e membro do curso de
educação ambiental do GEDMMA.
Estruturalmente, esta monografia está dividida em cinco capítulos: Introdução;
Reflexões Teórico-Metodológicas; A cobertura jornalística em relação aos conflitos
socioambientais no Maranhão; Um estudo de caso sobre Cajueiro e Conclusão.
Na introdução, apresento um panorama geral da monografia, o caminho traçado para a
delimitação do meu objeto, metodologia e algumas categorias utilizadas. O primeiro capítulo
é destinado a fazer uma discussão teórico-metodológica dos conceitos estudados, focando na
relação entre jornalismo e meio ambiente, está dividido em: Teorias de comunicação e
sociologia do jornalismo (confrontando o processo que leva um acontecimento a se
transformar em notícia e as imbricações econômicas, sociais e políticas derivadas deste),
Comunicação alternativa (delimitação do conceito e prática distintiva), Campo ambiental em
debate (apresentando a problemática dos conflitos socioambientais e colocando em questão o
papel da mídia no trato destes). No próximo capítulo – A cobertura jornalística em relação
aos conflitos socioambientais no maranhão (onde faço minhas considerações a partir do
conteúdo e histórico institucional dos jornais analisados), está dividido em quatro tópicos:
Análise das notícias nos jornais O Estado do Maranhão; Análise das notícias no Jornal
Pequeno (jornais de maior circulação do estado); Diálogos (traço a importância da opinião
11
pública5 através das entrevistas realizadas) e Jornal Vias de Fato: vozes sufocadas
(contextualizando o surgimento e sua estrutura com as temáticas que não são abordadas nos
jornais tradicionais, destacando a importância desse tipo de fonte alternativa como ferramenta
de resistência). No quarto capítulo, Um estudo de caso sobre o Cajueiro (percebi a
necessidade de fazer um estudo comparativo do que é publicado sobre os conflitos existentes
nessa comunidade com o contexto de mobilização e aspectos políticos e ambientais que a
cercam). Por fim, as Considerações Finais (onde elenco os possíveis desdobramentos).
5 No caso de análise da opinião pública procurei especificar os canais através de entrevistas com pessoas das
comunidades impactadas.
12
2 REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Ao estudar a produção das notícias sobre conflitos socioambientais divulgadas nos
jornais maranhenses, busco entender o motivo que leva à pouca veiculação no que diz respeito
a essa temática e até mesmo à supressão ou destaque no conteúdo de características
importantes do acontecimento tais como, ocultação ou minimização dos impactos ambientais
e sociais, omissão dos nomes dos agentes e empresas responsáveis pelos conflitos, destaque
na notícia para fontes oficiais em detrimento dos relatos dos próprios moradores das
comunidades, as chamadas e títulos que geralmente apontam para a resolução e negociação
dos conflitos no âmbito da esfera jurídica e a tendência em enfatizar a importância que as
empresas potencialmente degradadoras do meio ambiente têm para a economia do estado.
Diante disso e da necessidade de ampliar o debate sobre o meio ambiente como uma fonte de
recursos naturais esgotáveis e, portanto, incompatível com as justificativas que “reforçam o
caráter predatório do sistema produtivo” segundo sinaliza Furtado (1974), fiz essa pesquisa a
fim de expor a forma como o discurso desenvolvimentista está presente nos conteúdos dos
principais jornais do estado do Maranhão e também para servir como uma ferramenta de
resistência para as comunidades que podem e devem exigir que suas demandas sejam
noticiadas de forma pertinente, para que outras pessoas possam compreender a gravidade
desses conflitos.
A pesquisa foi executada a partir de um diálogo entre teorias de comunicação social,
sociologia do jornalismo e dos debates acerca do campo ambiental, discutindo os principais
conceitos e categorias dessas áreas para associá-las com o conteúdo dos jornais e tentar
responder às questões propostas. Para melhor elucidar este capítulo, o dividi em três tópicos:
o primeiro elenca as teorias da comunicação necessárias para o entendimento desse estudo e
foca nas análises sobre o jornalismo, empresas de comunicação, fontes informativas e o
público, nos levando a uma reflexão sobre o poder dos jornalistas e dos meios de
comunicação, bem como o seu modo de operar; o segundo tópico sublinha o surgimento dos
jornais alternativos e sua importância para determinados grupos sociais e para a
democratização da informação; no último tópico, há uma contextualização dos debates que
ocorrem do campo ambiental no âmbito da mídia com a problemática existente no Maranhão.
2.1 Teorias de comunicação e sociologia do jornalismo
13
O campo da comunicação social compreende um conjunto de teorias confusas segundo
os próprios estudiosos dessa área. No entanto, não interessa a esse estudo fazer uma
reconstituição histórica ou descrever minuciosamente esse quadro complexo de teorias, mas,
por outro lado, é necessário pontuá-las para entender como se articulam entre si.
Primeiramente, é importante evidenciar que este é um objeto em constante transformação ao
passo que acompanha as inovações tecnológicas do seu tempo. A era das redes digitais
propicia consequências inimagináveis para a transmissão das informações, a começar pela
rapidez em seu deslocamento e, nessas condições, Lima (2001) destaca três dessas
consequências: a) a concentração da propriedade da mídia, fato que alterou radicalmente a
política do setor e provocou um processo de oligopolização, ou seja, o controle do setor de
telecomunicações por um número ínfimo de empresas; b) a velha mídia – imprensa, cinema,
rádio e tv aberta – em detrimento com a nova mídia – computadores multimídia, bancos de
dados portáteis etc. – que amplia o número de alternativas ao espectador e acelera a tendência
de fragmentação (segmentação de audiência por ofertas de conteúdo direcionado) da mídia
impressa; c) um novo setor integrado que engloba as telecomunicações, a comunicação de
massa e a informática que abre espaço para novas formas de interatividade. Ademais,
continua ele, “outra decorrência é aquela ligada ao fato de que todas as teorias das
comunicações necessariamente contêm, implícita ou explicitamente, uma teoria social”. Esta
afirmação é sustentada pelo pressuposto de que “as relações comunicativas definem e
constroem o social, ajudam a constituir o político, medeiam as relações econômicas
produtivas, definem a própria tecnologia e dominam o cultural” (HALL Apud LIMA, 2001:
31). Estas colocações são para mencionar a necessidade de reformulações teóricas nesse
campo que acompanhem o seu contexto social. Por enquanto, continuaremos com as reflexões
já existentes. Lima (2001) nos apresenta os modelos teóricos identificados como manipulação,
que coloca o indivíduo como facilmente vulnerável aos meios de comunicação; persuasão,
onde as comunicações não são mais definidas como instrumento de manipulação, mas de
convencimento ou influência, modelo que aparece no contexto de redemocratização do
processo político no Brasil e a mídia tinha grande importância, sobretudo como construtora da
realidade pública; na função, as comunicações são adotadas como um sistema, um todo
integrado; o modelo de informação se preocupa com a eficácia da transmissão das mensagens;
linguagem, que trata fundamentalmente da questão da significação, dos sentidos e dos
diferentes modos de fazê-lo, modelo que se diferenciou pela prevalência de uma “cultura
contextualizada”; modelo da mercadoria, que tratou tanto de questões conceituais (código,
linguagem, mensagem, socialização, massa, público, sociedade de massa, cultura de massa)
14
como sociológicas (efeitos da propaganda, opinião pública, integração) e ainda questões de
análise (conteúdo versus estrutura, meios e mensagem), no contexto de um Brasil autoritário
dos anos 1970; no modelo de cultura, busca-se a compreensão das representações e práticas
culturais que expressam os valores e significados construídos na relação entre a mídia e as
demais instituições; o modelo da comunicação como diálogo foi elaborado por Paulo Freire e
retoma um lugar importante nas teorias das comunicações com as potencialidades abertas
pelas novas tecnologias interativas.
Visto isso, a abordagem que pretendo utilizar na análise das notícias mostra as formas
de escrita jornalística como resultados de uma série de fatores interdependentes que
compreendem questões centrais das teorias de comunicação tais como as pressões impostas
pela própria profissão do jornalista, as formas organizacionais das empresas que são
vinculados, uma ordem de discurso específica e a dimensão do poder próprio desse campo.
Para começar, Traquina (2005: 22) nos responde à pergunta sobre o que é jornalismo dizendo
que,
É uma atividade criativa restringida pela tirania do tempo, dos formatos, e das
hierarquias superiores, possivelmente do próprio dono da empresa. E os jornalistas
não são apenas trabalhadores contratados, mas membros de uma comunidade
profissional que há mais de 150 anos de luta está empenhada na sua
profissionalização com o objetivo de conquistar maior independência e um melhor
estatuto social.
Em outras palavras, é uma profissão com liberdades reais, mas altamente condicionada
pelas horas de fechamento, pelas práticas restritas ao fator tempo, pelas hierarquias superiores
da empresa, pelos imperativos do jornalismo como um negócio, pela competitividade e pela
própria concorrência dos agentes internos. Por outro lado, por possuir uma “autonomia
relativa” tem poder, bem como os seus profissionais. Nesse sentido, não tem como
compreender porque as notícias são construídas, sem compreender a cultura profissional da
comunidade jornalística (TRAQUINA, 2005).
A preferência pelo conceito de “campo jornalístico” neste trabalho se deve ao fato de
entender a existência de um “campo” em consonância com Bourdieu (apud TRAQUINA,
2005: 27) que implica a existência de um número ilimitado de jogadores ou agentes sociais
que se mobilizam para suas estratégias de comunicação; como um prêmio (notícias) que esses
agentes disputam; como um grupo especializado que reivindica um monopólio de saberes
especializados sobre o que é notícia e sua construção. Traquina (2005) destaca três polos
desse campo: o polo ideológico, que define o jornalismo como um serviço público; o polo
15
político que, eventualmente, perdeu forças para o polo econômico, ao passo que as notícias se
transformaram em produto de um mercado crescente para o desenvolvimento de empresas
altamente lucrativas. Nessa mesma linha de pensamento, uma definição importante é que as
notícias são uma construção social que contribuem ativamente na construção da realidade.
Ao fazer um recuo histórico sobre o desenvolvimento da imprensa, percebemos a sua
relação com o crescimento da industrialização e, concomitantemente, o aparecimento da
publicidade como uma nova forma de financiamento, fator bastante significativo para a sua
despolitização que, por sua vez, desencadeou o jornalismo que se apresenta como
privilegiando os fatos e não a opinião. Isto permitiria uma conquista de maior independência.
É necessário destacar aqui o advento da imprensa como “o quarto poder”6 que foi
impulsionada pelas teorias democráticas do século XIX e, particularmente, pelas ideias de
utilitaristas ingleses, também, do século XIX. Nesse contexto, a imprensa encontrou fortes
argumentos para conceber a opinião pública como um importante instrumento de controle
social e assim consolidando a legitimidade jornalística. Traquina (2005:48) escreve,
Com a legitimidade da teoria democrática, os jornalistas podiam salientar o seu
duplo papel: como porta-vozes da opinião pública, dando expressão às diferentes
vozes no interior da sociedade que deveriam ser tidas em conta pelos governos, e
como vigilantes do poder político que protege os cidadãos contra os abusos
(históricos) dos governantes.
Nesse papel de “vigilantes”, na teoria democrática, há um esboço do tipo ideal dos
membros desta comunidade interpretativa como sendo pessoas comprometidas com os valores
da profissão e que agem de forma desinteressada e sempre servindo à opinião pública e contra
o poder repressivo. Essa constelação de valores implica a) a liberdade, que diz respeito à luta
pela autonomia e independência dos profissionais em relação a outros agentes sociais e que
lhes confere credibilidade; b) objetividade, que nasceu da necessidade de interpretar o mundo
complexo a partir de procedimentos que lhes protegeriam de eventuais críticas ao seu trabalho
tais como, apresentar os dois lados da questão, apresentação de provas auxiliares e uso
judicioso das aspas como forma de prova suplementar ao inserir a opinião de alguém, a
estruturação da informação, ou seja, a escolha entre os fatos mais importantes ou interessantes
e, nesse caso, o jornalista pode afirmar que foi atrás das coisas mais materiais se responder à
formula familiar de que a notícia se preocupa: “quem”, “o quê”, o “quando”, o “onde”, o
6 Conforme encontramos em Traquina (2005), “no novo enquadramento da democracia, com o princípio de
“poder controla poder” (power checks power), a imprensa (os media) seria o “quarto” poder em relação aos
outros três: o poder executivo, o legislativo e o judicial.
16
“porquê” e o “como”. Em outras palavras, é a objetividade que traça os métodos que o
jornalista deve seguir.
Erik Neveu (2006) nos alerta quanto ao fato de termos uma imprensa livre, mas que
não garante “mecanicamente um igual acesso ao debate público de todos os pontos de vista,
de todos os componentes da sociedade”. Fator preponderante observado nos estudos sobre
conflitos socioambientais no Maranhão e que eventualmente reflete a pouca divulgação de
notícias sobre essa temática nos veículos de maior circulação do estado, mas que será
demonstrado mais detalhadamente no próximo capítulo e nas falas dos entrevistados. Dessa
forma, Bourdieu (1998:95) tenta mostrar “como o campo jornalístico produz e impõe uma
visão inteiramente particular do campo político, que encontra seu princípio na estrutura do
campo jornalístico e nos interesses específicos dos jornalistas que aí vão se engendrando” e
faz críticas à intenção democrática de informar dos jornalistas ao pontuar a preferência destes
para o enfrentamento das pessoas ao invés do confronto entre seus argumentos colocando em
questão o “objetivismo” tão primado dos especialistas desse campo. E reforça que estão mais
interessados pelo jogo e pelos jogadores do que por aquilo que está em jogo, mais pelo efeito
político dos discursos do que por seu conteúdo, o que provoca uma ruptura com o ponto de
vista do público, ou ao menos parte dele. A esses efeitos, somam-se os da concorrência no
interior do campo, onde há uma tendência em privilegiar sem discussão a informação. Ainda
segundo Bourdieu (1998:113), a mídia é, no conjunto, um fator de despolitização, que age
prioritariamente sobre as frações menos politizadas do público. De acordo com ele,
A imprensa, o jornalismo escrito, tem uma posição estratégica. Ela pode oscilar para
o lado das forças do mercado [...] se submetendo a seus temas, seus personagens,
seu estilo etc. Mas a imprensa pode também, em vez de servir como repetidora da
televisão, trabalhar para difundir armas de defesa. Costumo dizer que uma das
funções da sociologia é ensinar uma espécie de judô simbólico contra as formas
modernas de opressão simbólica. A imprensa escrita deveria estar na linha de frente
neste combate contra a descerebração. E se me dirijo a jornalistas, não é, como se
vê, para denunciá-los, condená-los, culpá-los, mas, ao contrário, para convocá-los
para um combate comum, chegando assim à definição ideal da sua profissão, como
condição indispensável do exercício da democracia.
Mas, afinal, qual o papel do jornalismo na sociedade? Porque as notícias são como
são? Traquina (2005) tenta responder a essas questões através de algumas teorias7 do
jornalismo. Primeiramente, a teoria do espelho, oferecida pela própria ideologia profissional
7 Segundo Traquina (2005: 146), “o termo “teoria” é discutível, porque pode também significar aqui somente
uma explicação interessante e plausível, e não um conjunto elaborado e interligado de princípios e proposições.
De notar também que essas teorias não se excluem mutuamente, ou seja, não são puras ou necessariamente
independentes umas das outras.”.
17
dos jornalistas, diz que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. Nessa
teoria, os jornalistas tem o papel de observador e relator honesto dos acontecimentos, sem
emitir opiniões pessoais. Na teoria da ação pessoal ou teoria do “gatekeeper”8, uma das mais
persistentes, o processo de informação é concebido como uma série de escolhas às quais o
jornalista vai escolher determinada notícia ou não. Essa teoria analisa as notícias apenas a
partir de quem as produz: o jornalista, e ignora os aspectos organizacionais desse campo. A
teoria organizacional dá ênfase ao processo em que é sublinhada uma cultura organizacional e
não uma cultura profissional, tais como, a autoridade institucional e as sanções, os
sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores, as aspirações de mobilidade, a
ausência de grupos de lealdade em conflito, o prazer da atividade e as notícias como valor. As
teorias de ação política debruçam-se sobre as implicações políticas e sociais da atividade
jornalística, o papel social das notícias e a capacidade do quarto poder em responder às
expectativas da teoria democrática, noutras palavras, as notícias servem os interesses políticos
de agentes sociais específicos. As teorias construcionistas concebem as notícias como uma
construção e elenca fatores que argumentam seu posicionamento, tais como a impossibilidade
de estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os media noticiosos que devem refletir
essa realidade, a neutralidade da linguagem e a estruturação dos media noticiosos quanto à
representação dos diversos acontecimentos a partir de fatores pertinentes aos aspectos
organizativos do trabalho, limitações orçamentais e imprevisibilidade dos acontecimentos.
Discorda que as atitudes políticas dos jornalistas seja um fator determinante na construção das
notícias e mesmo afirmando que estas são construções, não implica dizer que são ficção. A
teoria estruturalista reconhece a “autonomia relativa” dos jornalistas em relação a um controle
econômico direto e seus autores defendem as notícias como um produto social resultante da
organização burocrática, estrutura dos valores-notícia e o próprio momento de construção da
notícia. Na teoria interacionista as notícias são o resultado de um processo de percepção,
seleção e transformação de um acontecimento em notícia dependente do fator tempo, pois o
jornalismo é uma atividade prática orientada para cumprir as horas de fechamento.
Visto as teorias jornalísticas e em consonância com estas, Wolf (apud Traquina
2005:190) “destaca que a rede de fontes que os órgãos de informação estabelecem como
instrumento essencial para o seu funcionamento reflete, por um lado, a estrutura social e de
poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos procedimentos
8 Em Traquina (2005: 150), “gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa sequência de decisões;
foi introduzido pelo psicólogo Kurt Lewin num artigo, publicado em 1947, sobre as decisões domésticas
relativas à aquisição de alimentos para a casa.”.
18
produtivos”. Nesse ponto, destacam-se dois fatores de escolha das fontes: a) a autoridade da
fonte, onde os jornalistas dão uma maior importância para fontes oficiais e que ocupam
posições institucionais de autoridade devido ao critério de confiança das pessoas; b) a
produtividade que está ligada à credibilidade dessas fontes, ou seja, associada principalmente
ao fornecimento de materiais suficientes para fazer a notícia e dessa forma, poupando tempo
dos jornalistas. A importância desses critérios e do fator tempo, de certa forma, responde à
pergunta sobre o porquê da preferência de algumas fontes e outras não, pois esta questão está
estreitamente ligada à eficácia, estabilidade no trabalho e autoridade que valida a notícia.
Desse modo, podemos dizer que, para que outras vozes, leia-se fontes, sejam ouvidas,
precisam ter uma dinâmica própria para chamar a atenção dos jornalistas.
Antes de atentar aos critérios de noticiabilidade, é necessário pontuar alguns conceitos
para compreender as notícias (TRAQUINA, 2008): a) o poder do jornalismo definido por
alguns estudiosos e introduzido a partir do conceito de agendamento (MCCOMBS; SHAW,
1972), sugere que, em investigações mais recentes, os media não apenas nos dizem no que
pensar, mas também em como pensar nisso e, consequentemente, o que pensar; b) a notícia
como construção refere-se aos efeitos dos media à “redescoberta do poder do jornalismo não
só para selecionar os acontecimentos. noticiáveis, mas também para enquadrar9 estes
acontecimentos”, definindo o jornalista como um “contador de estórias” no sentido de definir
as notícias como narrativas, embora não sejam fictícias e, nesse ponto, faz uma crítica à teoria
do espelho; a cultura jornalística é constituída como “uma constelação de crenças, mitos,
valores, símbolos e representações” que marcam a produção das notícias e formam a
“comunidade interpretativa”, com seu próprio modo de agir e de ver o mundo; o imediatismo
é condicionado pelo fator tempo e por isso, definido como um conceito que “decorre entre o
acontecimento e o momento em que a notícia é transmitida, dando existência a esse
acontecimento” e se exprime como eixo central desse campo devido às horas de fechamento
das empresas jornalísticas; o “ser profissional” se constitui na competência em saber
administrar esse tempo imposto pela rotinização do seu trabalho e que implica em reconhecer
os acontecimentos a partir dos seus critérios de noticiabilidade, os procedimentos que
orientam na recolha de dados, conhecimento das regras acerca das fontes de notícias e o saber
de estruturação da notícia mobilizando a linguagem jornalística; a “maneira de agir” que se
9 Em Traquina (2008:16) a definição do conceito de enquadramento utilizado aqui foi inicialmente utilizado por
Goffman (1975:10-11) como “uma ideia organizadora central para dar sentido a acontecimentos relevantes e
sugerir o que é um tema”. Para Gitlin (1980:7), “os enquadramentos dos media são padrões persistentes de
cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, pelos quais os symboll-handlers organizam
rotineiramente o discurso, quer verbal quer visual”.
19
refere ao modo pragmático próprio desses agentes especializados atribuídos ao valor do
imediatismo.
Definidos os principais conceitos e formas de organização da cultura jornalística se faz
necessário também destacar os valores-notícia considerados pela ótica10
da cultura jornalística
como potencialmente noticiáveis. Tento sistematizá-los nos quadros abaixo, conforme Wolf
(1987), que apontou a presença desses valores no processo de seleção dos acontecimentos e
de construção da notícia, os quais estão divididos entre: “a) critérios substantivos que dizem
respeito à avaliação direta do acontecimento em termos da sua importância e b) os critérios
contextuais que dizem respeito ao contexto de produção da notícia” (TRAQUINA, 2008:78).
10
Para Bourdieu (1997: 12), “os jornalistas têm os seus óculos particulares através dos quais vêem certas coisas
e não outras, e vêem de uma certa maneira as coisas que vêem. Operam uma seleção e uma construção daquilo
que é selecionado (sublinhado acrescentado)” Citado por Traquina (2008: 77).
20
Quadro 1: Critérios Substantivos
CRITÉRIOS SUBSTANTIVOS
VALORES -
NOTÍCIA DE
SELEÇÃO
IMPORTÂNCIA
Morte Um dos valores fundamentais para esta comunidade interpretativa, visto que se
inclui na lista das melhores “estórias”.
Notoriedade
Refere-se aos agentes ou instituições sociais que protagonizam o acontecimento.
Quanto maior o grau de hierarquia destes, maior o seu valor como notícia.
Geralmente, pessoas de elite.
Proximidade Dependendo da proximidade do acontecimento, o estabelecimento da notícia só
será viável se o caso for de extrema urgência ou de grande gravidade.
Relevância Responde à preocupação de informar ao público sobre acontecimentos importantes
que tem um impacto sobre a vida das pessoas.
Novidade Denota a importância da “primeira vez” nos acontecimentos jornalísticos.
Tempo
A demarcação da temporalidade serve como justificativa para assuntos novos, em
outras palavras, um tema que teve grande impacto na comunidade jornalística
serve de parâmetro para a publicação de outras notícias acerca do mesmo tema.
Notabilidade Esse valor nos alerta para a forma como o campo jornalístico está mais virado à
cobertura de acontecimentos e não problemáticas.
Inesperado Aquele que surpreende tanto a comunidade jornalística quanto o público.
Conflito Reflete a violência física ou simbólica, ao desvio da norma, sobretudo quanto se
trata de políticos.
Infração O crime, por exemplo. Quanto maior a violência do crime, maior a sua
noticiabilidade.
Escândalo Está associado ao valor da infração. Está mais associado ao mito do jornalista
como “vigia” das instituições democráticas.
Fonte: Traquina (2005)
21
Quadro 2: Critérios contextuais CRITÉRIOS CONTEXTUAIS
VALORES-NOTÍCIA DE
SELEÇÃO
IMPORTÂNCIA
Disponibilidade
Facilidade que a empresa jornalística tem para fazer a cobertura do
acontecimento (meios disponíveis), principalmente levando em consideração o
fator de relevância do acontecimento.
Equilíbrio Relacionada à quantidade de vezes que a notícia já foi publicada em um curto
período de tempo.
Visualidade Considera os elementos visuais (fotos, filme), sobretudo no jornalismo
televisivo.
Concorrência A disputa pelo “furo de notícia”.
Dia noticioso
Há dias ricos em acontecimentos com valor-noticia e dias pobres. Acontece que
nos dias pobres de valor-notícia, acontecimentos de “pouca importância” podem
se destacar nas capas dos jornais.
Fonte: Traquina (2005)
No artigo “A visão mediática” publicado por Patrick Champagne em Bourdieu (2012),
Champagne faz um alerta quanto ao modo como a mídia focalizava os problemas sociais nas
grandes cidades. Segundo ele, há um tratamento deformado dos acontecimentos com vistas a
suprir interesses comerciais rentáveis e do próprio setor, o que consequentemente vai produzir
uma imagem de determinados grupos sociais igualmente distorcida. Por outro lado, a maneira
sistemática de agir dos jornalistas, fornece a esses grupos sociais elementos que lhes dizem
como fazer para chamar a atenção desses meios. Ainda segundo Champagne (2012: 75),
A mídia doravante faz parte integrante da realidade ou, se se preferir, produz efeitos
de realidade criando uma visão mediática da realidade que contribui para criar a
realidade que ela pretende descrever. Sobretudo as desgraças e as reivindicações
devem exprimir-se midiaticamente para vir a ter uma existência publicamente
reconhecida e ser, de uma maneira ou de outra, “levada em conta” pelo poder
público.
Dessa forma, percebemos a força que a expressão midiática tem para levantar questões
que serão inseridas no debate público e na hierarquia de problemáticas das instituições
governistas. Conhecer o modus operandi das empresas de comunicação, especialmente o
processo de construção das notícias nos veículos jornalísticos, é imprescindível para entender
como os inúmeros conflitos socioambientais existentes são ocultados por manchetes
sensacionalistas que interessam a grupos sociais bem específicos.
22
2.2 Comunicação alternativa
No contexto em que a grande mídia opera com a construção de notícias por meio de
uma estrutura organizacional pressionada pelo poder político e econômico e por valores-
notícia baseados principalmente na “objetividade” e no “imediatismo”, os meios alternativos
de comunicação se tornam ferramentas importantes para tornar visível a demanda e a
problemática de grupos sociais que não são pautadas pelos jornais de maior circulação. Para
esta reflexão, uso como referencial o conceito de Grinberg (1987) que situa o alternativo
como uma “opção frente ao discurso dominante” 11
e destaco o contexto em que ele surge até
os desdobramentos atuais e a sua importância para a construção de uma comunicação mais
plural num cenário de intensas disputas políticas, econômicas e sociais, como são os casos de
conflitos socioambientais no Maranhão.
Os meios alternativos surgem a partir de práticas sociais que necessitam divulgar suas
mensagens segundo concepções diferentes das difundidas pelos meios dominantes, sempre
com o propósito de modificação da realidade, e que “ostenta uma diferença qualitativa” frente
ao discurso da grande imprensa (GRINBERG, 1987). No Brasil, no período do pré-golpe de
1964, setores da sociedade civil tais como ativistas de partidos políticos, intelectuais de
esquerda e classe jornalística fizeram frente ao Estado opressor em meio ao debate sobre a
concentração de terra, direitos trabalhistas, reforma agrária, organização dos trabalhadores
rurais e urbanos que clamavam por reformas de bases. Nesse contexto, é fundamental destacar
a aliança dos empresários e da classe média com o regime militar devido ao benefício
concedido a eles pela política desenvolvimentista em curso, com investimentos, sobretudo, no
setor de siderurgia e comunicações. Esse momento foi estratégico para os empresários
conquistarem o monopólio do mercado das comunicações e estabelecer segundo Cardoso
(2012:18-19),
A tensão permanente e antagônica entre o interesse de mercado e o interesse
público, prevalecendo sempre na história da imprensa brasileira a supremacia do
primeiro sobre o segundo, aprofundando-se as contradições frente aos princípios do
direito à informação, a liberdade de expressão e o interesse da sociedade. E ainda as
relações estreitas dos empresários de comunicação com o campo político,
aproximando-se ou distanciando-se dos grupos que estão no poder de acordo com as
conveniências, num autêntico fisiologismo mercantil na grande imprensa.
11
Nesse conceito utilizado pelo autor, ele se refere inicialmente aos meios alternativos como a “opção frente aos
grupos que usufruem, em proveito de setores privilegiados (econômicos e/ou políticos), a propriedade e/ou
controle dos meios de informação (GRINBERG, 1987: 21).
23
No entanto, depois veio a censura institucionalizada pelo AI-512
, e a grande imprensa
se omitiu e conspirou contra a democracia brasileira forjando fatos, dados e informações de
mortes, sequestros, desrespeito à dignidade humana e sempre trazendo à tona notícias sobre o
progresso econômico do país, o que fez eclodir os tabloides configurados como alternativos.
Consoante ao contexto da ditadura, uma das principais características dos alternativos é o seu
confronto com a ideologia capitalista e que se torna um problema diante do cenário atual de
monopólio dos meios de comunicação por grandes empresários. Foram justamente os
militantes políticos, intelectuais de esquerda e os jornalistas que se opuseram ao regime
opressor da ditadura militar e o contexto em que se encontravam que deram origem a este tipo
de mídia, de modo que perdura na contemporaneidade a sua natureza contestatória em relação
tanto ao Estado quanto ao empresariado e instituições conservadoras (CARDOSO, 2012).
Atualmente há uma discussão pública sobre a necessidade da democratização dos
meios de comunicação no sentido de descentralizar o poder dos meios tradicionais de
comunicação, bem como o marco regulatório da mídia13
que não é bem visto pelos
empresários que detêm esse poder e políticos e se favorecem dele14
, mas que não objetiva
restringir a liberdade de imprensa da mídia e sim ampliar a participação da sociedade civil e
acesso a informações e notícias de qualidade. O embate se dá em torno dos que são contrários
ao marco regulatório, com a justificativa de que o mesmo irá ferir a liberdade de imprensa
defendida no artigo 220 da Constituição Federal, e aqueles que são a favor e desconsideram
essa justificativa com o argumento que a Constituição Federal proíbe o oligopólio dos meios
de comunicação.
12
Decorre dos atos golpe militar de 1964 com “fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime
que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática,
baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias
contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção.” disponível em: <www2.planalto.gov.br/>,
acesso em 20/03/2016. 13
Segundo o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), “Há pelo menos quatro razões
que justificam um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a ausência de
pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão pública dos meios de comunicação e exige
medidas afirmativas para ser contraposta. Outra é que a legislação brasileira no setor das comunicações é arcaica
e defasada, não está adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões
atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias. Além disso, a legislação é fragmentada,
multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre
elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos
dedicados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e
oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.
Impera, portanto, um cenário de ausência de regulação, o que só dificulta o exercício de liberdade de expressão
do conjunto da população.” disponível em: < www.fndc.org.br >, acesso em 20/03/2016.
14
Para mais esclarecimentos sobre Estado, mídia e oligarquia, ver Couto (2009).
24
O conteúdo dos meios de comunicação alternativa difere principalmente no seu
discurso que, ao contrário dos meios de comunicação de massa, busca problematizar a
representação construída a partir de um tipo de inserção no mundo.
Dessa forma, partindo do pressuposto que “para a construção de uma sociedade
democrática é imprescindível o direito à informação e que este direito implica acesso à
diversidade de pensamento e também a possibilidade de gestão e produção de meios de
comunicação”, além do fato de que a ótica capitalista dos meios tradicionais de comunicação
“influencia de diferentes maneiras as leituras de mundo e as práticas políticas das
sociedades”, Possebon (2011: 2) nos propõe a refletir sobre jornalismo como um instrumento
de cidadania, concedendo voz aos que comumente não são considerados como fontes oficiais
e ratificando que a demanda pela qualidade dos jornais é crescente quando a sociedade é
portadora de direitos de cidadania e do acesso a uma maior diversidade de informações.
Importante lembrar também que, apesar de ser um meio que não se estende a todas as
camadas da população e de seu alcance ser bastante restrito, os meios alternativos tiveram
uma importância bastante significativa para abalar as forças da ditadura.
Diante dessas considerações, optei por utilizar o Jornal Vias de Fato como
representante dos meios alternativos no Maranhão para situar a sua importância para as
comunidades impactadas por grandes empreendimentos e entender a sua demanda pela
presença da mídia, principalmente, nos momentos de maior intensificação dos conflitos pois,
conforme apresentado nos resultados dos relatórios da bolsa de pesquisa (NOBRE, 2015,
2015), houve um aumento no número de manifestações15
das comunidades tradicionais,
indígenas e quilombolas reivindicando os seus direitos para atrair a atenção da mídia e,
consequentemente do poder público para as suas demandas e que, geralmente, só era
noticiado através de blogs e do jornal mencionado acima. Porém, não deixa de ser uma lógica
válida, conforme reafirma Mota (1987:47-49 apud POSSEBON, 2011:8),
Estes meios de comunicação cumprem duas funções junto aos movimentos sociais:
primeiro a de colaboração da mobilização e da organização, conscientizando os
movimentos sobre a importância de determinada luta e em segundo a de
potencialização, com o alcance de novos públicos, buscando repercussão junto à
sociedade civil.
2.3 Campo ambiental em debate
15
Refiro-me às paralisações das BR nos grandes centros urbanos, fechamento da Estrada de Ferro Carajás e ato
político em frente aos órgãos públicos.
25
Atualmente, presenciamos as consequências das ações devastadoras oriundas da
degradação ambiental. O aquecimento da temperatura global se tornou nos últimos anos uma
das maiores preocupações no mundo e, com isso, mobiliza estudiosos, órgãos
governamentais, movimentos sociais e sociedade em geral a buscarem uma solução para que
esse problema não comprometa a vida das futuras gerações e do planeta. A institucionalização
dessa temática propiciou um clima de intensas discussões no âmbito dos recursos naturais
finitos, o que deu inicio a uma série de conferências na esfera da Organização das Nações
Unidas (ONU) para contemplar debates e acordos a cerca da necessidade de preservação e
melhoria do ambiente humano, desenvolvimento sustentável, estabelecimento de metas para a
redução das emissões de gases de efeito estufa e realização de projetos para a conservação da
diversidade biológica. Merece destaque a Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente Humano, mais conhecida como Conferência de Estocolmo, em 1972; a Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, também denominada Rio-92,
realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a abertura para assinaturas do Protocolo de Kyoto, no
Japão, em 1997, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como
Rio+10, realizada em Johanesburgo, na África do Sul, em 2002, e a Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, realizada no Rio de Janeiro, em 2012.
No entanto, a noção de desenvolvimento sustentável adquire concepções distintas no que diz
respeito à formulação de políticas públicas de exploração da natureza, e prevalece a visão
hegemônica de sustentabilidade, que permitiria a conciliação entre os interesses econômicos,
ecológicos e sociais, sustentada pelo Relatório Brundtland16
que considera possível
compatibilizar desenvolvimento com preservação dos recursos e equilíbrios naturais. Nesse
sentido, Carneiro (2014) nos propõe a pensar essa noção a partir das relações de produção
capitalistas e seus impactos sobre as condições naturais apontando que a subordinação da vida
social a esse sistema de produção com necessidade de um volume sempre crescente de
mercadorias supõe um suprimento infinito de recursos naturais e de equilíbrio dos processos
ameaçados por essa produção. Nessa mesma lógica, há uma “adoção de estratégias de
racionalização para a redistribuição espacial das atividades produtivas de forma a maximizar
o aproveitamento das oportunidades de redução de custos” (CARNEIRO, 2014: 37). Dessa
forma, as atividades de alto impacto ambiental passam a se concentrar nos países pobres e
16
Relatório apresentado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, em 1987, composta por 21 países-
membros da ONU e presidido pela Senhora Gro Harlem Brundtland (Primeira Ministra da Noruega). Essa
Comissão propôs que o desenvolvimento econômico fosse integrado à questão ambiental, o que permitiria surgir,
assim, uma nova fórmula denominada desenvolvimento sustentável, a qual definiu „desenvolvimento
sustentável‟ como aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer as necessidades das
gerações futuras. (MUNIZ; SANT‟ANA JÚNIOR, 2009:261).
26
com populações de baixa renda que não possuem recursos econômicos e políticos para fazer
frente a esse processo. Sendo assim,
Estruturalmente incapaz de pensar as determinações da forma mercadoria das quais
emerge, a ideologia do desenvolvimento sustentável silencia a respeito do que se
desenvolve, tornando-se assim a doxa da questão ambiental, sendo assimilável para
quase todos os agentes envolvidos nas disputas pelos usos das condições naturais
possibilitando um sem-número de apropriações, de acordo com os diferentes
interesses e concepções em questão (CARNEIRO, 2014:41).
Outro fator preponderante nesse debate se refere à adoção de uma política
conservadora de ajuste econômico que tem conduzido meio ambiente e justiça social como
“barreiras ao desenvolvimento” no qual os problemas socioambientais são meros problemas
técnicos e administrativos passíveis de compensações, visão que é contraposta por Zhouri,
Laschefski e Pereira (2014) por entenderem que os conflitos ambientais extrapolam as
tentativas técnica e gerencial proposta por essa visão hegemônica de desenvolvimento
sustentável visto que a natureza foi convertida em uma simples variável a ser “manejada” para
não impedir o “desenvolvimento”17
. Decorre daí que projetos industriais tais como
siderúrgicas, mineração, monoculturas de soja e eucalipto, hidrelétricas são geradores de
injustiças ambientais na medida em que impõem riscos às camadas mais vulneráveis da
sociedade. Nesse sentido, a dinâmica de resistência que se coloca diante desses fatores
“merece ser questionada quanto à natureza das classes sociais e dos conflitos fundamentais
formados frente ao controle do sistema histórico de ação e de dominação social do espaço”
(ZHOURI, LASCHEFSKI E PEREIRA, 2014: 19), além de trazer à tona o discurso de
participação nas decisões sobre uso e ocupação do solo privilegiando segmentos restritos da
sociedade em razão do “jogo de forças” nos domínios econômicos, políticos e sociais. Assim
sendo, os múltiplos significados da noção de desenvolvimento a partir de uma lógica de
exploração da natureza são mais bem entendidos a partir do conceito bourdiano de campo, ao
empreender que as disputas internas referentes às relações de força e de poder dentro do
campo ambiental nos lega a possibilidade de compreender o posicionamento assumido pelos
atores de acordo com o lugar que cada um ocupa nessa estrutura (ASSIS, 2005), tais como
17
Para uma leitura crítica de desenvolvimento, ver Esteva (2000: 59-83). Para ele, essa palavra denota um
sentido evolucionista de que estamos progredindo porque estamos avançando segundo uma lei necessária e
inevitável. Metáfora que “deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de
povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” e que acaba se reduzindo
ao conceito de crescimento econômico.
27
intelectuais, empresas, movimentos sociais, a mídia etc.18
. Essa é umas das questões-chave
que trabalho nesse estudo e que implica no levantamento de conflitos socioambientais no
Maranhão, visto que o discurso desenvolvimentista está imbricado em interesses políticos que
compreendem tanto o campo jornalístico quanto o campo ambiental.
Como já mencionei anteriormente, realizei pesquisas para a alimentação do banco de
dados do GEDMMA sobre o levantamento de conflitos socioambientais decorrentes da
crescente implantação de projetos de desenvolvimento, de políticas públicas e de atividades
econômicas social e ambientalmente degradadoras no estado do Maranhão. Os registros das
notícias eram feitos através de jornais impressos e páginas eletrônicas que tratavam
especificamente do assunto19
, buscando identificar os tipos de projetos de desenvolvimento e
as consequências socioambientais a partir de suas implantações. Dessa forma, percebemos
que os mesmos provocam grandes impactos negativos nos grupos sociais que residem ou
atuam na mesma área em que buscam se instalar, por dependerem dos recursos naturais lá
existentes, visto que são uma das principais fontes de sobrevivência para suas famílias. Outro
problema gerado por esses projetos é que os moradores atingidos muitas vezes são obrigados
a deixar suas moradias por ocupar lugares almejados por tais empreendimentos. Mas, muitos
deles, diante dessas situações, se mobilizam e formam movimentos de resistência para não
saírem do local ou contra impactos ambientais e sociais de atividades econômicas que lhes
são alheias, caracterizando, como muitos autores denominam, conflitos sociais que, em
algumas vezes, se realizam como conflitos ambientais. Dessa forma, podem ser
caracterizados, conforme Leite Lopes (2004) como “conflitos socioambientais”.
Mediante tais situações, tendo em vista que as diferentes concepções em relação ao
meio ambiente dos agentes e grupos sociais cujos interesses se confrontam, segundo Acselrad
(2004), são derivadas dos sentidos distintos que possuem em relação à natureza,
18
Segundo Bourdieu (1983:130), “(...) não existem instâncias que legitimam as instâncias de legitimidade; as
reivindicações de legitimidade tiram sua legitimidade da força relativa dos grupos cujos interesses elas
exprimem: à medida que a própria definição dos critérios de julgamento e dos princípios de hierarquização estão
em jogo na luta (...).” 19
As páginas eletrônicas analisadas eram: Rede Justiça nos Trilhos que é uma rede de articulação, mobilização e
resistência aos impactos sociais e ambientais causados pela Vale – uma das maiores mineradoras do mundo – ao
longo da Estrada de Ferro Carajás no Maranhão, tem relações com vários grupos atingidos bem como
associações e entidades que defendem os direitos humanos, sociais, econômicos, culturais e ambientais; Fórum
Carajás é “uma articulação de entidades do Maranhão, Tocantins e Pará cuja missão é acompanhar e monitorar
os impactos socioambientais dos grandes projetos”; Territórios Livres do Baixo Parnaíba é um blog destinado a
relatar a experiência dos colaboradores do mesmo nos locais impactados por grandes empreendimentos; e nas
páginas eletrônicas dos Ministérios Públicos Estadual e Federal na busca de processos em andamentos nos
devidos setores.
28
Os objetos que constituem o “ambiente” não são redutíveis a meras quantidades de
matéria e energia, pois eles são culturais e históricos: os rios para as comunidades
indígenas não apresentam o mesmo sentido que para as empresas geradoras de
hidroeletricidade; a diversidade biológica cultivada pelos pequenos produtores não
traduz a mesma lógica que a biodiversidade valorizada pelos capitais
biotecnológicos etc. (ACSELRAD, 2004, p. 07).
Diante de tal consideração, podemos perceber, explicitamente, que são os diferentes
usos do meio ambiente que se relacionam diretamente com as diferentes concepções da
relação homem e natureza. Além disso, observa-se que, dentre esses conflitos, os grupos
sociais locais lutam pela sua área de moradia e uso por questão de sobrevivência, pois são
fundamentais para poder garantir o sustento de suas famílias. E, como o que está em questão é
a natureza, ela é o cerne dos conflitos, de modo que Acselrad considera, “que no processo de
sua reprodução as sociedades se confrontem a diferentes projetos de uso e significação de
seus recursos ambientais. Ou seja, o uso destes recursos é como sublinhava Georgescu-
Roegen, sujeito a conflitos entre distintos projetos, sentidos e fins” (ACSELRAD, 2004, p.
08). Em outras palavras, podemos dizer que todas essas situações se configuram como um
conflito ambiental. Conforme Acselrad afirma:
Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com
modos diferentes de apropriação, uso e significação do território, tendo origem
quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de
apropriação do meio que desenvolvem ameaçadas por impactos indesejáveis –
transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos – decorrentes do exercício das
práticas de outros grupos (ACSELRAD, 2004: 26).
Consoante Acserald (2004: 18), os conflitos ambientais gerados por disputa de
“apropriação do mundo material”, podem ocorrer tanto por controle do território, ou seja,
“pelo acesso e uso dos recursos naturais decorrente da dificuldade de se definir a propriedade
sobre os recursos”, assim como, atrelados a essa questão, outras práticas sociais podem
causar, também, “impactos indesejáveis” ao meio ambiente, o que gera “conflitos por
distribuição de externalidade”20
, isto é, conflitos em que “o desenvolvimento de uma
atividade comprometa a possibilidade de outras práticas se manterem” (ACSELRAD, 2004:
25), este se daria pelos efeitos causados pelas práticas sociais.
Dentre os grandes projetos no Maranhão, podemos destacar a atuação do Programa
Grande Carajás, instalado pelo governo federal em 1980, no sudeste do estado do Pará, no
20
Na ciência econômica, externalidade pode ser definida como aqueles fatores que não entram no cálculo do
processo produtivo, como, por exemplo, os efluentes líquidos e gasosos de um empreendimento industrial ou
fertilizantes e herbicidas que atingem cursos d‟agua em função de sua utilização na agricultura, fazendo com que
os ganhos do processo produtivo sejam mantidos privadamente, pelos empreendedores, e seus custos ambientais
sejam socializados (MARTÍNEZ ALIER, 2007).
29
oeste do Maranhão e no norte de Tocantins21
, com o objetivo principal de garantir a
exploração e comercialização das gigantescas jazidas de minério de ferro localizas na Serra de
Carajás, no Pará, além de procurar dinamizar a economia da Amazônia oriental, incentivando
outras atividades econômicas, o que levou o estado a implantar a infraestrutura para que
pudesse ser feita a exploração e o escoamento da produção mineral, agropecuária, florestal
dos referidos, assim como de outros estados vizinhos. Compôs esse Programa a construção da
Estrada de Ferro Carajás (EFC), do complexo portuário de São Luís, da Hidrelétrica de
Tucuruí e de um vasto conjunto de estradas de rodagem22
. Mais recentemente, se articulam a
esse conjunto de empreendimentos de infraestrutura, a Hidrelétrica de Estreito e a
Termelétrica do Porto do Itaqui, entre outros.
Em decorrência dessas implantações que partiram de iniciativas governamentais e
privadas, surgiram consequências socioambientais que atingiram diretamente o modo de vida
de populações locais nas áreas envolvidas.
Com base na Constituição Federal de 1988, na legislação ambiental brasileira e na
legislação referente a direitos territoriais de quilombolas e indígenas, muitos destes povos e
grupos sociais reivindicam seus direitos, intensificando conflitos socioambientais. Conflitos
estes que são baseados no confronto a um modelo neodesenvolvimentista que, mesmo
incorporando noções como “desenvolvimento sustentável, sustentabilidade, responsabilidade
social e ambiental”, causa grandes impactos socioambientais. Nos resultados desse
levantamento, observei que são poucas as notícias veiculadas quando comparadas à realidade
de conflitos socioambientais no Maranhão, constatada através de inúmeras pesquisas
acadêmicas e investigações de jornalistas em websites que tratam desta temática em
específico. Apesar disso, no ano de 2015 houve um gradativo aumento da veiculação desse
tipo de notícias, sendo que algumas delas difundidas por mais de uma fonte. No entanto, há
uma diferenciação que deve ser destacada: a maioria das notícias divulgadas sobre esses
conflitos são encontradas em fontes que tratam especificamente da temática, ou seja, a
divulgação destes, feitas nos jornais ou telejornais de grande circulação no Estado ainda é
pouca e requer uma maior expressividade e representatividade por parte dos jornais que
abrangem um maior número populacional. Outro fator importante percebido durante as
análises das notícias foi que nesse período em questão houve um maior envolvimento por
parte dos órgãos públicos como o Ministério Público Federal e Estadual no que se refere ao
21
À época, ainda era norte de Goiás, pois a divisão dos dois estados somente ocorreu em 1988. 22
Apesar de ter sido extinto oficialmente em 1991, pelo então presidente Fernando Collor, as consequências do
Programa continuam atuando expressivamente na Amazônia oriental brasileira.
30
cumprimento de normas ambientais vigentes e à aplicação de penalidades às empresas
poluidoras, inclusive, penas que se estenderam ao próprio Estado. Nota-se também, em alguns
casos, notícias que não apresentam um melhor detalhamento dos fatos podendo interferir de
maneira errônea na conclusão do público. Observei, também, que a população atingida tem
reivindicado com maior frequência seus direitos diante dos órgãos públicos. Diante disso, é
notório perceber a incidência do maior número de divulgação nos principais jornais locais e
pelas páginas eletrônicas que tratam acerca dessas questões. Com isso, pressupõe-se que essas
divulgações são motivadas devido a maior procura por parte da população atingida em
reivindicar seus direitos. Logo abaixo, fiz um quadro ilustrativo do mapeamento realizado nos
anos de 2014 e 2015 através das notícias tanto dos jornais de maior circulação quanto das
fontes alternativas e sites específicos.
31
Quadro 3: Levantamento de conflitos socioambientais feita a partir das noticias levantadas
para o banco de dados do GEDMMA CONFLITOS AGENTES ENVOLVIDOS REGIÃO/MUNICÍPIO
Poluição ambiental, deslocamento
compulsório, danos à saúde e
interferência no modo de vida local
Comunidade Piquiá de Baixo;
Siderúrgica Gusa Nordeste; Vale.
Açailândia (Oeste Maranhense)
Luta de resistência por permanência
na moradia
Comunidades tradicionais; Alcoa. Zona Rural de São Luís (Norte
Maranhense)
Intimidação aos moradores por
milícia armada, impactos
ambientais, sociais, derrubada de
casas sem ordem judicial, ameaça à
Reserva Extrativista de Tauá-Mirim
Comunidade Cajueiro; WPR
engenharia
Zona Rural II de São Luís (Norte
Maranhense)
Alagamento de casas e piora na
qualidade de vida
Moradores; Via expressa Aglomeração Urbana de São Luís (Norte
Maranhense)
Revisão do processo de
licenciamento ambiental
Ministério Público; Alumar São Luís (Norte Maranhense)
Danos ao meio ambiente e a saúde
da população
Ministério Público Federal;
IBAMA; Porto do Itaqui
São Luís (Norte Maranhense)
Desocupação de área de mangue Prefeitura de São Luís; moradores São Luís (Norte Maranhense)
Invasão de terras indígenas,
desmatamento e extração ilegal de
madeira e assassinato
Madeireiros; indígenas Terras indígenas Cumarú e Carú, Santa
Luzia do Paruá, Centro do Guilherme
(Oeste Maranhense) e Grajaú (Centro
Maranhense)
Impactos ambientais ao leito do Rio
Munim, em áreas de preservação
ambiental e danos à saúde dos
moradores
Moradores; Magropel Presidente Juscelino (Norte Maranhense)
Inviabilidade técnica, ambiental e
econômica
Ministério Público Federal; Usina
Hidrelétrica de Estreito
Estreito (Sul Maranhense)
Regularização de terras, violação
dos direitos humanos, impactos
socioambientais devido à Estrada de
Ferro Carajás
Quilombolas; Vale e outras
mineradoras
Itapecurú-Mirim, Santa Rita, Rosário,
Anajatuba (Norte Maranhense)
Danos sociais, econômicos,
impactos ambientais, deslocamentos
compulsórios
Comunidades; Refinaria Petrobrás Bacabeira (Norte Maranhense)
Risco ambiental, descumprimento
do Termo de Ajuste de Conduta
(TAC), interferência no modo de
vida local e danos à saúde
Moradores; Complexo termelétrico
Eneva
Santo Antônio dos Lopes (Centro
Maranhense)
Regularização de terras, impactos
socioambientais
Índios; Quilombolas; INCRA Baixada Maranhense; Codó, Parnarama
(Leste), Santa Inês (Oeste), Pirapemas
(Norte)
Falta construir viadutos, rachaduras
nas casas e assaltos devido à espera
da passagem do trem
Moradores; Suzano Povoado João Lisboa – Imperatriz (Oeste
Maranhense)
Fonte: Sistematização feita pela autora
Com base nos resultados apresentados acima, entendi que embora os resultados sejam
parciais, devido ao andamento das pesquisas em constante processo, os conflitos continuam e
está sendo dada continuidade ao levantamento e mapeamento de conflitos já existentes. A
cada etapa de pesquisa, o banco de dados se mostra como uma ferramenta necessária para a
divulgação dos conflitos. Esses conflitos muitas vezes não são divulgados de forma coerente
ou até mesmo se tornam invisíveis para alguns meios midiáticos, até mesmo por conta de
alguns apresentarem nas suas características empresariais e organizacionais condicionantes
32
que favorecem interesses políticos e/ou econômicos que se sobressaem aos interesses dos
cidadãos, que vêm constantemente os seus direitos garantidos pela Constituição feridos de
forma arbitrária e, geralmente, não contam com a ajuda do Estado. Para Zhouri e Samora
(2014: 169), “o mapeamento dessas lutas apresenta a afirmação de sujeitos que, longe de se
constituírem como vítimas, nomeiam-se como protagonistas de suas histórias, as quais se
constroem, em grande medida, vinculadas às formas de ser-fazer territorializadas e à
resistência aos processos expropriadores”. A importância do mapeamento dos conflitos
ambientais para a dinâmica de visibilidade dos mesmos vem sendo colocadas em prática em
outros estados, tais como: “O mapa dos conflitos ambientais do Rio de Janeiro”, lançado em
2004 e divulgado por meio de um CD-ROM e o “Mapa das Injustiças e da Saúde do Brasil”,
desenvolvido pela FASE e pela Fiocruz. Essa prática tem como objetivo “dar visibilidade e
apoiar a luta de inúmeras pessoas e grupos atingidos em seus territórios por projetos e
políticas baseadas numa visão de desenvolvimento considerada insustentável e prejudicial à
saúde por tais populações, bem como movimentos sociais e ambientalistas parceiros”
(http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/).
As mobilizações observadas se devem, conforme os noticiários indicam, à população
agir em defesa de seus direitos, principalmente as comunidades atingidas, aquelas que são
diretamente impactadas por tais empreendimentos, os quais tiram dos moradores locais os
seus meios de sobrevivência, os recursos naturais utilizados pelos grupos sociais, além de
desconsiderar a questão de identidade local. Consequentemente, mobilizam-se como forma de
resistência aos empreendimentos econômicos que estão instalados, em processo de
implantação ou em via de instalação no estado. No processo, o trabalho continua sendo
desenvolvido buscando notícias nos principais jornais impressos e/ou páginas eletrônicas.
Como veremos adiante, essas mobilizações possuem um objetivo bem específico que é
o de chamar a atenção da mídia, da sociedade alheia a certos acontecimentos e,
consequentemente, dos governantes, dado a importância que os meios de comunicação de
massa desempenham papel primordial como principais fontes de informação para uma
expressiva camada da população e contribuem significativamente para a pauta de discussão
pública como sublinha Oliveira (2011, disponível em: <www.jornalismoambiental.org.br/>
Acesso em: 22/03/2016), “pode-se inferir que a influência dos meios de comunicação tem o
poder de levar a humanidade a tomar conhecimento dos problemas sócio-ambientais e a
procurar rediscutir os seus modelos de desenvolvimento e de atuação no meio ambiente.” Por
meio dos jornais, a questão ambiental tem chegado ao conhecimento de segmentos sociais que
antes não tinham contato com o tema, até mesmo pela forma restrita com que era tratado, pois
33
circulavam apenas nos espaços acadêmicos ou seminários e publicações especializadas. No
entanto, acrescenta:
A atuação da mídia enquanto construtora do conhecimento e sua interface com a
educação ambiental, não vem acompanhando as reais necessidades da sociedade e
do meio ambiente. O seu interesse voltado para os assuntos ambientais é
invariavelmente determinado por circunstâncias trágicas: vazamentos de óleo,
enchentes, estiagens, queimadas, furacões e terremotos são o que merecem lugar de
destaque nos noticiários. O que de certa forma é correto. Mas ainda falta-lhe
perceber a urgência de abrir espaço para novas pautas que cumpram o objetivo de
tratar da problemática sócio-ambiental de maneira interdisciplinar. O que
presenciamos é uma cobertura viciada numa ética que não é a do cuidado (BOFF,
1999), nem a da responsabilidade (CAVALCANTI, 2006).
Nesse ponto, questiona-se a função social da mídia à medida que necessita abordar de
uma forma mais problemática a questão ambiental refletindo interesses coletivos sendo que,
para haver maior pressão social e política em torno do tema, é necessário garantir, através da
mídia, uma informação mais consistente ao público.
34
3 ABORDAGEM DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA COBERTURA
JORNALÍSTICA
Este tópico é destinado às análises das notícias levantadas nos jornais O Estado do
Maranhão e Jornal Pequeno, veículos de grande circulação no estado, e do Jornal Vias de
Fato, canal alternativo de informações. A escolha do recorte temporal que compreende os
anos de 2014 e 2015 foi definida por ser um período de transição do governo Roseana Sarney,
que fechou um ciclo mais de meio século com pouca ou quase nenhuma alternância de grupos
políticos no governo estadual, para o de Flávio Dino. Essa definição tem sua importância à
medida que o Jornal Pequeno adota uma postura antissarneysta e dessa forma, nos lega a
possibilidade de observar comparativamente os seus conteúdos em relação aos sentidos
atribuídos nas notícias à política de ambos os governos. Ademais, busco pontuar as
características organizacionais e de poder que são próprias a esse campo, ressaltando o tipo de
debate que é levado ao espaço público a partir das informações divulgadas e focalizando na
problemática dos conflitos socioambientais.
No que diz respeito ao Jornal Vias de Fato, destaco sua importância como ferramenta
de visibilidade para grupos e problemas sociais que não têm espaço na grande mídia, tal como
as comunidades impactadas por grandes empreendimentos. Nesse sentido, coloco em questão
a necessidade da democratização dos meios de comunicação que implique na diversidade de
pensamentos.
Para facilitar o entendimento das análises do conteúdo, observei os quatro conflitos
que tiveram mais destaque nesse período em questão (o conflito no território Awá, na
comunidade Piquiá de Baixo, dos quilombolas ao longo da Estrada de Ferro Carajás e a
tentativa de construção da Refinaria Premium I em Bacabeira) e busquei nas notícias dos três
jornais para verificar os elementos considerados no campo jornalístico para que um
acontecimento se torne notícia, a sua relação com o discurso político do governo estadual. Ao
final do capítulo, faço uma conexão entre o que foi constado nas notícias com as entrevistas
feitas com moradores de locais ameaçados para identificar a importância que a mídia tem para
eles em seus contextos sociais.
3.1 Análise das notícias no jornal O Estado do Maranhão
35
Segundo consta no histórico da sua página institucional na internet23
, o jornal O
Estado do Maranhão foi fundado em 1º de maio de 1959, então com o nome de O Dia, pelo
empresário e político Alberto Aboud, com uma proposta inicial de ser "um órgão a serviço da
verdade" conforme afirma texto publicado em sua primeira edição. No entanto, só recebeu
esse nome quando o governador José Sarney e o poeta Bandeira Tribuzi, assumiram o
comando do periódico. Atualmente é “composto por mais de 35 profissionais em sua equipe,
entre repórteres, editores, colunistas, redatores e revisores e dispõe de 28 estações de trabalho,
além de ter periodicidade diária e formato standart”. Tem como redator, Clóvis Cabalau.
Atribui para si as características de ser um “jornal que valoriza seu leitor e seus anunciantes”
e de “liderança incontestável”, apresentando dentre todos os jornais com circulação diária na
Grande São Luís, 64,34% de penetração máxima entre os leitores com nível superior
completo. Acompanhando o ciclo de modernização dos veículos midiáticos, possui também
assinatura digital através da qual podemos ter acesso ao conteúdo do jornal impresso -
ferramenta pela qual fiz a presente pesquisa. Por fazer parte do Sistema Mirante de
Comunicações, de propriedade da família Sarney, opera dentro do regime de propriedade
cruzada24
.
O jornal possui regularmente 18 cadernos que vão de aspectos da nossa cidade à
(sic) notícias do Brasil e do mundo, citarei os que considero mais importantes:
Primeiro caderno – inicia com a página do jornal onde estão as chamadas das
principais notícias do Maranhão, Brasil e do mundo; Caderno Cidades – mostra tudo
o que acontece nas ruas, nos bairros e nas comunidades em formato dinâmico e
editorial; Alternativo - movimenta a cena cultural do Maranhão mostrando
entretenimento, shows, cinema, teatro, exposições, festas, noite, sociedade e etc.,
com periodicidade de terça a domingo; O mundo – traz as principais notícias
internacionais estão na editoria O Mundo; O País, com as notícias do Brasil e
também possui periodicidade diária; Política – mostra o cenário político do Brasil e
do mundo; Polícia - os destaques policiais do dia; Economia - o cenário e as análises
da economia brasileira e internacional; Portos – com os serviços e notícias que
movimentam o dia-a-dia dos portos e terminais hidroviários do Maranhão. PORTOS
é um importante diferencial, já que São Luís possui o 2º maior complexo portuário
do país. Possui periodicidade de terça a sábado; Vida - espaço diário de variedades,
com os mais diversos temas: moda, design, tecnologia, bem-estar, saúde e tudo o
que faz a diferença e seja útil para viver melhor. Periodicidade de terça a sábado;
Geral - notícias locais e nacionais são os destaques nesta editoria; Classificadão - o
maior caderno de classificados do Maranhão oferece os mais variados formatos de
anúncios que destacam ainda mais o produto no mercado, trazendo resultados que
parecem mágica. Com formato tabloide; Na Mira - suplemento jovem que traz
novidades, a agenda do fim de semana, além de matérias e temas que interessam ao
jovem. Todos os cadernos que não especificam a periodicidade, é porque são diárias
(sic) (IMIRANTE, 2016).
23
Disponível em <http://imirante.com/oestadoma/> Acesso em 19 de março de 2016. 24
Segundo Cardoso (2012: 38), o regime de propriedade cruzada é “quando um mesmo grupo, dono ou empresa
são detentores da concessão e posse de diferentes tipos de mídia simultaneamente.”.
36
No que vislumbra o comprometimento do jornal mencionado com as questões
políticas, Couto (2009) sublinhou em seu trabalho a estratégia política desse grupo dominante
na política do Maranhão de utilizar os meios de comunicação como instrumento de
manutenção de poder, centrada, sobretudo, no seu maior expoente, José Sarney. Fator que
pode ser percebido no contexto de produção do filme “Maranhão 66”25
, encomendado por
Sarney à época de sua posse como governador do estado, em 1966, com a expectativa de
destacar as belezas do Maranhão e divulgar suas ideias e reforço da sua influência política
também no cinema. O anúncio de um “Maranhão Novo”26
denotava o projeto de
desenvolvimento em contraposição ao atraso deixado pelos seus antecessores vitorinistas27
e
como continuação do legado, Roseana Sarney Murad, filha de José Sarney – que assumiu o
cargo de governadora, por dois mandatos entre 1995 e 2002, e por mais dois mandatos, a
partir 2009, no lugar de Jackson Lago que foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
até 2014 – continuou promovendo os discursos de progresso e desenvolvimento destacados no
impresso da família. Segundo Reis (2012:75),
No cenário político cada vez mais dominado pela eficiência da publicidade, Roseana
tenta simular um Maranhão imerso em vertiginoso surto de crescimento, a partir dos
investimentos federais alardeados com bastante estardalhaço. A euforia que nestas
circunstâncias costuma tomar conta de círculos empresariais, políticos, donos de
construtoras, lobistas e intermediadores de todo tipo (e de todo preço), além da
imprensa publicitária, com as promessas de redenção econômica e social, não
esconde a antiga concepção de desenvolvimento predatório, pouco preocupado com
as populações, os impactos ambientais, o destino das cidades. Tudo se dilui em
números e projeções espetaculares.
Nesse sentido, observamos certa exaltação por parte deste jornal aos grandes
empreendimentos instalados ou em vias de instalação no Maranhão, desde a época de sua
primeira edição com o nome já trocado para O Estado do Maranhão. Na primeira manchete de
destaque: “Siderurgia em São Luis: indústria pesada virá para Itaqui”.
25
Maranhão 66 é um filme em forma de documentário produzido por Glauber Rocha, um dos integrantes mais
importantes do cinema novo na década de 1960. De acordo com as críticas, ao invés de filmar uma celebração
vitoriosa, Glauber mostrou em sua obra um prenúncio do que viriam a ser os próximos anos de governo do então
eleito. Ao inserir imagens da miséria no Maranhão deixada pelo governo anterior em contraste com o discurso de
desenvolvimento do governador José Sarney, levanta um questionamento para a posterioridade sobre as
mudanças prometidas naquele momento e o que tinha sido feito de fato para mudar a realidade social durante o
seu período de governo. 26
Slogan do programa de governo do então governador José Sarney. 27
Vitorinistas é como eram denominados os partidários de Vitorino Freire, principal líder político do Maranhão
antes da ascensão de José Sarney.
37
Figura 1: Primeira edição do jornal O Estado do Maranhão – 01 de maio de 197328
Fonte: Costa (2008).
Assim como relatado no capítulo anterior, o mesmo discurso desenvolvimentista
adotado pelos militares que preconizavam grandeza e prosperidade que nunca se efetivaram
significativamente na vida da maioria da população maranhense (CARDOSO, 2012) e que
atualmente ainda é adotado com muita frequência na construção das notícias do jornal,
principalmente quando se trata dos grandes empreendimentos instalados no Maranhão.
Destaco três notícias que exemplificam essa afirmação e aproveito para destacar os valores-
notícias presentes nestas:
1) No dia 22 de março de 2014, publicada no caderno de política e com o título
“Deputado destaca importância da Suzano”, o Deputado Carlinhos Amorim (PDT) na tribuna
da Assembléia Legislativa fala sobre a inauguração da Fábrica de Celulose da Suzano em
Imperatriz que contou com a presença da presidenta, governadora, prefeitos, ministros,
deputados e lideranças políticas de todo o estado. Ressalta ainda o investimento bilionário e a
geração de empregos e capacitação para os maranhenses. Em sua fala, diz que “O Maranhão
ganha com o megaempreendimento, que gerou preocupações ambientais, porque foi edificada
às margens do rio Tocantins”. No entanto, em momento algum da notícia é colocado sobre os
impactos ambientais resultantes desse empreendimento. Ao contrário, ressalta-se apenas a sua
28
Figura retirada do artigo “As origens do jornal O Estado do Maranhão” em Costa (2008).
38
importância econômica em termos financeiros. Nesse caso, podemos perceber facilmente os
critérios adotados na construção da notícia: a referência aos agentes políticos que
protagonizam o acontecimento, a importância da grandiosidade do que é relatado que promete
impactar a vida das pessoas, a facilidade da cobertura pela empresa jornalística por se tratar
de um lugar de “bom” acesso, o destaque frequente que a construção de grandes
empreendimentos geram como temática e a não problematização do acontecimento remetem
aos valores-notícias de notoriedade, relevância, disponibilidade, tempo e notabilidade,
respectivamente.
Figura 2: Notícia do jornal O Estado do Maranhão, publicada em 22/03/2014
Fonte: Jornal O Estado do Maranhão
2) No dia 13 de março de 2014, publicada no caderno Cidades e com o título “Projetos
contribuem com melhoria da qualidade de vida em municípios”, a notícia descreve a execução
de projetos em comunidades situadas na área de interferência direta das obras de expansão de
capacidade logística da Vale e que beneficiam milhares de pessoas, característica fundamental
para empresas de grande porte que querem se destacar no mercado atualmente, pois remete a
uma preocupação social nas áreas em que estão presentes e que favorece a certificação
ambiental29
, com vistas a garantir uma boa imagem ao consumidor. No conteúdo dessa
29
Segundo o Conselho Nacional de Defesa Ambiental (CNDA) no que se refere às certificações ambientais, “A
ecoetiqueta normalmente é apresentada em forma de selo, que colado nos produtos ou agregados à marca da
empresa, indica que ela e/ou seus produtos ou serviços não prejudicam a vida, não degradam o planeta e são
aprovados pela população. Sendo uma forma de comunicação visual para divulgar para o mundo e para os
consumidores, a participação da empresa e das suas marcas no processo de desenvolvimento sustentável. Serve
para conquistar novos mercados, para incrementar vendas e para educar a população sobre processos produtivos
39
notícia, intriga os detalhes, onde se destacam mais cinco projetos, todos citados com os seus
objetivos e que por sua vez nos denota a facilidade que a empresa jornalística tem de obter
meios de informação com uma fonte confiável que apresenta dados pontuais sobre o
acontecimento. O valor-notícia principal: disponibilidade.
Figura 3: Notícia do jornal O Estado do Maranhão divulgada em 13/04/2014
Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.
3) No dia 29 de agosto de 2014, no caderno Portos e com o título “Empresas instaladas
na zona portuária de São Luís divulgam atividades sociais”, discorre sobre o seminário que
avaliou projetos sociais da termelétrica Itaqui e Ibama, também realizados nas áreas
impactadas pelos empreendimentos industriais. Nesse evento, a administração do Porto do
Itaqui lançou livro com diagnóstico da área Itaqui-Bacanga. O seminário foi promovido pela
Eneva e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O
evento, ainda conforme a notícia, é uma medida de compensação exigida pelo licenciamento
ambiental conduzido pelo Ibama que, segundo o presidente do Itaqui, Júlio Cézar Marcante,
“é uma oportunidade especial para discutir as ações socioambientais pelo Itaqui”. A notícia
ainda ressalta as ações desenvolvidas pela Eneva e os avanços com a obtenção do Selo de
Agricultura Familiar. A sua formatação é bastante extensa e possui caráter bem descritivo
envolvendo as ações positivas dos empreendimentos e finalizando com as medidas de
sustentabilidade adotadas por estes. Os critérios de noticiabilidade que se destacam são
benéficos para o planeta conduzindo-a para a aquisição de produtos e serviços amigáveis.”
(http://www.cnda.org.br/html/certificacoes.asp).
40
justamente os de notoriedade, disponibilidade, relevância e visualidade. Este último aspecto
pode ser observado na figura abaixo onde uma imagem aérea da área industrial (denotando
grandeza e riqueza) é colocada junto ao enunciado e, desse modo, estrategicamente discursiva
para a consolidação do imaginário social quanto à ressignificação da natureza.
Figura 4: Notícia divulgada no jornal O Estado do Maranhão, publicada em 20/08/2014
Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.
Desse modo, ocorre que a percepção de que algumas notícias são divulgadas como
uma espécie de publicidade positiva de determinadas empresas com finalidade de visibilizar
projetos políticos de governo, o que se relaciona com a afirmação de Assis (2005:50-51), que
Compreende a publicidade como receptáculo dos discursos que circulam no interior
do campo ambiental (...) que extrapola o texto propriamente dito e se conecta com
outras esferas da vida social distribuindo novos sentidos, atualizações e ocultações
que influenciam a constituição dos imaginários sociais.
No caso da estruturação das notícias nos jornais, ganham destaque para as manchetes
de capa os acontecimentos que são considerados mais importantes ao conhecimento dos
leitores. Neste jornal em questão, selecionei capas dos anos de 2014 e 2015 que têm como
principais notícias a construção, expansão e investimentos de grandes empreendimentos
industriais e do agronegócio, todos eles atrelados a um discurso de progresso e
desenvolvimento para o Maranhão. É importante notar que estes são, ao mesmo tempo, os
principais agentes causadores de conflitos socioambientais no Maranhão. No que se refere à
construção da Refinaria Premium, houve uma grande divulgação sobre a sua instalação e a
41
geração de empregos prometidas. Era tida como uma das grandes contribuições do governo
Roseana Sarney para o estado. No entanto, a partir do momento que foi cancelada ganhou
apenas as noticias do Jornal Pequeno, obtendo em suas manchetes um “atestado de
incompetência” do governo a que fazia oposição. Embora nenhum destes dois jornais tenha
tratado sobre os conflitos gerados do processo inicial de implantação da Refinaria, uso esse
exemplo para destacar o discurso desenvolvimentista empregado, a ocultação dos problemas
socioambientais oriundos desse empreendimento e as “lógicas faccionais preponderantes”30
.
Segue abaixo as capas selecionadas:
30
Este termo é utilizado por Grill e Reis (2012: 495) quando afirmam que, nesse caso, há “uma configuração em
que os meios midiáticos estão enredados na engrenagem de lutas políticas e são mesmo peças importantes de
demonstração e mensuração de forças”.
42
Figura 5: Capas do jornal O Estado do Maranhão nos anos de 2014 e 2015
Fonte: Jornal O Estado do Maranhão.
Um exemplo contrário ao que foi abordado na notícia mencionada acima sobre o
seminário que avaliou projetos sociais da termelétrica Itaqui e Ibama, se refere ao Seminário
Internacional Carajás 30 anos, que aconteceu em São Luís, no período de 05 a 09 de maio de
2014, após quatro etapas preparatórias em Imperatriz, Santa Inês, Marabá e Belém. O evento
foi organizado por movimentos sociais e comunitários, sindicatos e pastorais, grupos de
estudos e pesquisas de universidades do Maranhão e Pará, além de contar com a colaboração
de várias entidades de outras regiões do país e do mundo. Com o objetivo de discutir e avaliar
43
os inúmeros impactos sociais, econômicos, culturais e ambientais causados após 30 anos de
mineração, siderurgia e projetos de “desenvolvimento regional” implementados a partir do
Programa Grande Carajás, o seminário teve participação de professores, pesquisadores,
estudantes, militantes sociais, lideranças comunitárias, assessores e especialistas na questão
dos movimentos socioambientais da Amazônia, do Brasil e de outros países da América
Latina, da Europa e da África31
. Durante a organização deste evento, do qual fiz parte, foram
enviados convites para os meios de comunicação locais explicitando do que se tratava e
relatando a importância sobre o que iria ser abordado, mas nenhum dos jornais de maior
circulação compareceram ao evento. Apenas no penúltimo dia do seminário, quando um
grupo de participantes do seminário, alguns membros do Greenpeace e moradores das
comunidades impactadas pela Vale, resolveram, de última hora, fazer um protesto em frente à
empresa e, por isso, chamaram a atenção da mídia no local. Com isso, foi divulgado no dia
seguinte no jornal O Estado do Maranhão uma notícia intitulada “Entidades denunciam os
impactos causados pelo Programa Grande Carajás”. Nesta contem o posicionamento tanto
daqueles que estavam manifestando quanto da empresa.
A ausência da mídia de massa foi um dos fatos expostos pelo jornal Vias de Fato na
época, que por sua vez, publicou um relato de um dos representantes do seminário, Ricarte
Almeida – secretário executivo da Cáritas Regional Maranhão – que questionou em sua rede
social sobre essa questão:
É impressionante como a grande imprensa maranhense ignora um evento
internacional que envolve quatro continentes, mais de dez países, quatro
universidades públicas brasileiras, mais de mil participantes de vários estados
brasileiros e estrangeiros, debatedores, estudiosos e pesquisadores nacionais e
internacionais debatendo questões de amplo interesse público; com lançamentos de
livros, apresentações artísticas e culturais, mostras de vídeo, exposições, feiras etc.
Será que tudo isso não é de interesse da notícia? não gera informação? O povo não
precisa saber do que está acontecendo? O rádio, a televisão não são concessões
públicas? Apenas uma TV pública (TV Assembléia) e uma privada (TV Guará)
fizeram cobertura do Seminário Carajás 30 anos, no seu primeiro dia. Quem
determina a censura a um evento como esse? O que faz o veículo da notícia (e o
jornalista) abrir(em) mão de um fato jornalístico de tamanho interesse público? Isso
não gera constrangimento nas redações, nos autoproclamados "profissionais da
notícia"? Gente, convenhamos! Onde nós estamos? Proponho, sinceramente, um
novo debate para sociedade: Já passou da hora de se debater a democratização dos
meios de comunicação! (Do Facebook de Ricarte Almeida em Jornal Vias de Fato).
31
Ver este texto de apresentação e outras informações, tais como cartas de apoio, encaminhamentos e trabalhos
no site do seminário http://www.seminariocarajas30anos.org.
44
Este evento inclusive foi uma das principais experiências que motivaram a realização
deste trabalho. Responder aos questionamentos feitos acima não é tarefa fácil, pois envolve
uma complexidade que atualmente é discutida tanto no campo jornalístico quando no campo
ambiental, embora haja respostas categóricas nos bastidores daqueles que estão mais
envolvidos com essa temática dos conflitos.
Conforme apontam os gráficos abaixo sobre as notícias levantadas no O Estado do
Maranhão, foram 11 notícias publicadas no ano de 2014 e 17 notícias no ano de 2015. Os
conflitos abordados se referem àqueles entre comunidades indígenas e empresas (madeireiras
e mineradoras), comunidades tradicionais, quilombolas e moradores com empresas (Vale,
Eletronorte, WPR, Eneva, Suzano, Itaqui). É importante ressaltar que algumas notícias sobre
um mesmo conflito aparecem mais de duas vezes no decorrer das pesquisas, o que reduz a
cobertura realizada em termos de alcance territorial em que essa problemática está inserida.
Gráfico 1: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2014
Fonte: Sistematização feita pela autora.
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Gráfico 2: Jornal O Estado do Maranhão – notícias 2015
Fonte: Sistematização feita pela autora.
A seleção das notícias decorre dos conflitos mais destacados no período de recorte dessa
pesquisa. No caso do O Estado do Maranhão, foram três notícias escolhidas, devido ao fato de
que não houve nenhuma mencionando a Refinaria de Bacabeira. Na sistematização, vou
dividi-las por local, data e resumo (consta de trechos pontuais da notícia) para uma melhor
visualização e contextualização dos fatos.
1) Local: Médio Gurupi e Alto Caru
Data: 07/01/2014
Resumo: Forças nacionais iniciam operação para desocupar área dos Awá no
Maranhão. Território indígena está ocupado ilegalmente por agricultores e empresas e
por isso, forças nacionais de segurança iniciaram operação ontem para notificar
moradores não índios que vivem no Território indígena Awá-Guajá, no Maranhão, e
pedir sua saída voluntária da área protegida em até 40 dias, em cumprimento à decisão
judicial expedida em dezembro. O objetivo da Justiça é conter o desmatamento na
região, que segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já afetou 34%
do território indígena, com perímetro de 1.700 km² (área pouco maior que o território
da cidade de São Paulo), e ameaça a proteção da etnia, considerada por organizações
ambientais como uma das mais ameaçadas. Segundo Sarah Shenker, pesquisadora e
porta-voz da organização não-governamental Survival International, que já trabalha há
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Março Abril Maio Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro
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mais de quatro décadas com campanhas que pedem a proteção desta etnia, a operação
é "o grande momento para o qual os Awá têm lutado há tempos".
2) Local: Açailândia
Data: 14/03/2014
Resumo: Realocação da família Piquiá de Baixo. Até agora somente as siderúrgicas
contribuíram com as despesas do processo de mudança da comunidade do município
de Açailândia. O processo de realocação das cerca de 300 famílias moradoras de
Pequiá de Baixo, bairro de Açailândia, na Região Tocantina, coordenado pelo
Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA), recebeu novo apoio das
siderúrgicas de ferro-gusa. As siderúrgicas em reunião com a Associação de
Moradores do Pequiá de Baixo e representantes da Prefeitura de Açailândia
concordaram em ampliar sua doação ao processo assumindo o custo complementar da
desapropriação do terreno, que vinha sendo entrave no andamento do processo de
realocação. História - A comunidade de Piquiá de Baixo, desde a chegada da indústria
siderúrgica, em 1987, é afetadas pelas atividades das cinco usinas que atuam ao longo
da BR-222, instaladas nas proximidades das casas dos moradores. A poluição é tão
severa que a maioria dos moradores conhece alguém ou tem um familiar que já morreu
com problemas de saúde ligados à poluição. Ao longo dos anos, o Ministério Público
tem atuado para mediar uma solução para os problemas. Em 2010, por exemplo, o MP
organizou uma audiência pública na Câmara de Vereadores de Açailândia para discutir
os problemas da população.
3) Local: Ao longo da Estrada de Ferro Carajás
Data: 05/05/2015
Resumo: Quilombolas denunciam Vale por violação dos direitos humanos.
Representantes de comunidades quilombolas do Maranhão estiveram presentes na
assembleia dos acionistas da Vale, em abril, no Rio de Janeiro, com outros grupos
atingidos pelas operações da mineradora Vale S.A. Participaram pessoas do Rio de
Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais. A assembleia, que acontece anualmente reúne
os investidores da empresa. Desde 2010, representantes de comunidades, de entidades
e movimentos sociais passaram a comprar ações da empresa para denunciar os
impactos que sofrem. Na reunião, que é a mais importante para a Vale S.A, cada
representante tem direito de voz e voto. Os quilombolas denunciaram os impactos
provocados pela mineradora, muitos decorrentes da duplicação da Estrada de Ferro
Carajás (EFC). No ano passado, a ferrovia foi interditada durante cinco dias pelos
47
povos remanescentes de antigos quilombos no Maranhão, que denunciaram os
retrocessos do projeto. Atuação sustentável da mineradora nos territórios. A Vale, em
resposta às denúncias diz que respeita o direito de manifestação, mas esclarece que
mantém diálogo constante com as comunidades, procurando ouvir suas reivindicações
e buscar alternativas em conjunto. O processo de diálogo social tem sido estratégico
para fortalecer o relacionamento da Vale com as comunidades. Dentre as iniciativas
realizadas, destaca-se a elaboração de Planos de Relacionamento e Investimento
Social com comunidades.
As notícias apresentadas aqui podem ser vistas na íntegra em anexo. Nos três
exemplos mencionados podem-se perceber facilmente os valores-noticia de seleção do campo
jornalístico: Primeiramente, a objetividade que responde à fórmula com que a notícia se
preocupa “quem”, “o que”, “quando”, “onde”, “como” e “porque”, embora nem sempre esses
critérios sejam sinônimo de uma notícia que disponha do levantamento de fatos necessários ao
entendimento do público para a realidade social exposta; o uso judicioso das aspas para se
referir à fala dos agentes presentes no acontecimento. É importante ressaltar que nesse caso
em especial, raramente o espaço de “fala” é aberto às comunidades ou populações impactadas,
pois há uma preferência em citar o que os estudiosos do jornalismo chamam de “fontes
oficiais”, ou seja, dos dados institucionais (MPF, ICMBio, IBAMA etc) e agentes que lhes
garantem uma melhor produtividade quanto à obtenção da coleta de documentos para
legitimar a notícia, tais como representantes das empresas ou de organizações sociais que
ajudam a promover a defesa dos territórios em questão; a alta hierarquia dos agentes e
instituições que protagonizam os acontecimentos, o primeiro exemplo por se tratar dos Awá, a
“tribo”32
mais ameaçada do mundo em extinção, a comunidade Piquiá de Baixo que,
recentemente, recebeu atenção em eventos internacionais, e a intensa mobilização dos
quilombolas ao longo da Estrada de Ferro Carajás.
Apesar dos exemplos acima terem ganhado uma maior visibilidade e em alguns casos,
terem sido problematizados, não houve o mesmo trato em relação às outras notícias
levantadas. Nos conflitos entre indígenas e madeireiros, os fatos que respondem aos critérios
de seleção dos jornalistas são aqueles relatados pelo MPF ou então em situações consideradas
de urgência, como em setembro de 2014, quando índios da Terra Indígena Alto Turiaçú no
Centro do Guilherme, prenderam madeireiros que agiam irregularmente em suas terras e
atearam fogo em seus transportes. O objetivo era conter o desmatamento em virtude da
32
Na antropologia é usada a expressão genérica “povos indígenas”, por se referir a grupos humanos espalhados
por todo o mundo, e que são bastante diferentes entre si.
48
inoperância do poder público para fiscalizar seus territórios. Nesse caso, o conflito foi
divulgado nacionalmente, sobretudo pelo impacto das fotos em que alguns madeireiros
apareciam sem roupas, devido à ação dos índios. No segundo semestre de 2015, os crescentes
incêndios na área indígena Araribóia, chamaram a atenção das manchetes devido à ação de
diferentes etnias em combater os incêndios florestais numa área bastante extensa. A suspeita
dos índios era de incêndios criminosos devido à represália aos madeireiros. A operação de
combate foi considerada pelo Ibama como o maior trabalho da história de controle de chamas
no país em uma área de proteção ambiental. Cerca de 12 mil índios da etnia Guajajara e 80 da
Awá-Guajá vivem na reserva Araribóia, uma das mais importantes do país.
No segundo exemplo, conforme a notícia indica, desde 1987, a comunidade Piquiá de
Baixo é afetada pelas atividades do polo petroquímico, mas apenas recentemente, com a
realocação das famílias e com a denúncia de instituições de pesquisas com grande importância
no país, como a Fiocruz, que a grave situação dessa comunidade começou a ser divulgada nos
jornais do estado. Notei esse fato a partir da frequência de notícias publicadas desde então,
focalizando nos entraves da nova área que iria ser destinada às famílias impactadas. Embora
haja no conteúdo um destaque para os impactos ambientais e sociais, fato é que a divulgação
só ganhou as mídias no momento inicial do processo de reassentamento que já vinha se
delongando há mais de vinte anos e depois de intensas mobilizações por parte da comunidade
e organizações sociais. No ano de 2015, as pautas que seguem a respeito dessa realidade,
colocam em questão: as violações denunciadas em importantes sessões de debate na Suíça e
nos Estados Unidos promovidas pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas (ONU); as ações sociais desenvolvidas pela Vale nesse setor; e a oficialização
da doação do terreno para o reassentamento. Das seis notícias levantadas sobre Piquiá de
Baixo, nenhuma apresentou fala dos moradores.
Os conflitos entre quilombolas e a Vale tiveram uma menor cobertura durante os dois
anos referentes a esta pesquisa, tendo um total de duas notícias divulgadas em 2014 e 2015.
Ambas em formas de denúncias ao governo federal a partir de manifestações na Estrada de
Ferro Carajás e de mobilizações conjuntas com organizações que representam as comunidades
afetadas.
3.2 Análise das notícias no Jornal Pequeno
49
Segundo consta em sua página institucional, o Jornal Pequeno foi lançado em 29 de
maio de 1951 pelo jornalista José de Ribamar Bógea, num momento em que os veículos de
imprensa do Estado estavam de certa forma, todos ligados a um grupo político. Portanto,
surgiu na condição de ser o único órgão de imprensa apartidário que propunha os propósitos
políticos vigentes na época, no caso, o vitorinismo. Caracteriza-se como representante dos
anseios e da vontade popular. No entanto, ao apoiar a candidatura do então jovem político
José Sarney contradiz aos seus anseios iniciais, seguindo a linha editorial de fazer oposição ao
grupo político dominante – postura contraditória que segue o impresso até hoje, mesmo que
posteriormente tenha percebido que José Sarney não atenderia às promessas de campanha.
Desde então, adotou uma postura antissarneysta. Em entrevista feita pelo Nossa Imprensa33
, o
jornalista Lourival Bórgea declarou que não havia ódio pela família Sarney, mas sim um
sentimento de indignação devido ao poder político acumulado ao longo dos anos e nada ter
feito pelos pobres no Maranhão. Quando questionado sobre a politização do Jornal Pequeno
(JP) e sua possível descaracterização como veículo de informação, respondeu:
É uma politização necessária para um estado com certas peculiaridades como o
Maranhão, onde um grupo detentor de uma mídia muito poderosa impõe ao povo
uma comunicação deturpada, dissimulada. Alguém tem que, digamos, “abrir os
olhos” da população, e esse papel o Jornal Pequeno tem procurado fazer ao longo
dos anos (...) O grupo que dominou o Maranhão durante todos esses anos e que foi
apeado do poder 40 anos é especialista em criar climas para conseguir seus objetivos
inconfessáveis. Dentro desse contexto, a politização do JP, o nosso envolvimento no
processo político é necessário.
Conforme aponta a página eletrônica do JP, na última década a credibilidade do
impresso migrou para a internet e alcançou mais de 5 milhões de visualizações em 2013, mas
lá também podemos ter acesso ao impresso, aberto para quem tem assinatura digital. O portal
é uma grande vitrine publicitária e tem dentre seus anunciantes nomes de peso como a Vale,
Grupo Mateus, Suzano Papel e Celulose, Governo do Maranhão e Prefeitura de São Luís. Seu
conteúdo é dividido em quatro sessões: geral, entretenimento, esporte, tecnologia e alguns
blogs que falam de temas variados. Nesse sentido, nos interessa aqui o segmento “geral”
(estado, internacional, nacional, saúde, plantão, polícia, política, motores e JP tabloide),
campo específico no qual encontramos a temática discutida neste trabalho. No que se refere às
notícias levantadas deste impresso, demonstradas nos gráficos abaixo, em 2014 foram
encontradas 15 notícias sobre conflitos socioambientais no Maranhão. Em 2015, só foi
possível fazer o levantamento do primeiro semestre e, nesse período, 13 notícias foram
33
Publicada no site http://www.portalaz.com.br/noticias/maranhao no ano de 2008.
50
identificadas. Comparando com o jornal anterior, notei que não há uma diferença significativa
quanto à divulgação dos conflitos. No geral, os assuntos abordados e o discurso foram os
mesmos.
Gráfico 3: Jornal Pequeno – notícias 2014
Fonte: Sistematização feita pela autora.
Gráfico 4: Jornal Pequeno – notícias 2015
Fonte: Sistematização feita pela autora.
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A sistematização para as análises do conteúdo deste jornal será realizada igualmente à
do jornal O Estado do Maranhão:
1) Local: Açailândia
Data: 18/03/2014
Resumo: Audiência discute cumprimento de TAC sobre Piquiá de Baixo. Em reunião
realizada na semana passada, envolvendo a 2ª Promotoria de Justiça de Açailândia, o
Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema), o Município
de Açailândia e a Associação de Moradores do Piquiá, foi discutida a fase de
implementação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado em maio
de 2011, que previa a desapropriação de um terreno para abrigar as famílias afetadas
pelos impactos ambientais provocados pelas siderúrgicas. Na última reunião, o
Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Estado do Maranhão se comprometeu a
repassar, como doação à Prefeitura de Açailândia, até 7 de abril, o valor complementar
de R$ 720.495,78. Os recursos serão destinados exclusivamente à complementação do
valor desapropriatório. Participaram da audiência o promotor de Justiça Leonardo
Rodrigues Tupinambá, o procurador-geral do Município, Idelmar Mendes de Sousa, o
presidente do Sifema, Cláudio Azevedo, o presidente da Associação de Moradores do
Pequiá, Edvard Dantas Cardeal, e os advogados representantes das partes. (Ascom /
MPMA).
2) Local: Médio Gurupi e Alto Carú
Data: 05/01/2015
Resumo: Awá-guajás estabelecem contato com índios isolados de reserva maranhense.
Após décadas resistindo ao contato com outras pessoas, inclusive de sua própria etnia,
três índios awá-guajás que viviam isolados no interior da Terra Indígena Caru, na
região oeste do Maranhão, aceitaram a aproximação de outros awá-guajás e seguiram
com eles até aldeias onde vivem índios há tempos habituados ao contato com não
índios. O fato é tão incomum que a Funai interrompeu as férias do responsável pela
Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados, Carlos Travassos, para
que ele viajasse de Brasília para o Maranhão. Uma servidora da coordenadoria
regional da fundação, que também estava de férias, teve que voltar ao trabalho e foi
enviada à reserva indígena na segunda-feira (29) a fim de verificar a situação da
jovem. Daniel e Rosana acreditam que a curiosidade natural dos awá-guajás não
explicaria que qualquer índio isolado deixasse sua comunidade e se aproximasse
sozinho de outro grupo. Para ambos, a degradação florestal causada pela ação de
52
madeireiros e a consequente desorganização da coesão interna dos agrupamentos
indígenas podem ajudar a entender o desfecho do encontro do dia 28.
3) Local: Bacabeira
Data: 09/02/2014
Resumo: Petrobrás cancela refinaria premium e cidade lida com perdas e frustrações.
Após o cancelamento da construção da Refinaria Premium I da Petrobras em
Bacabeira (MA), quem apostou no empreendimento agora lida com a decepção e
contabiliza prejuízos. O anúncio feito em 2010 movimentou os últimos cinco anos da
pequena cidade no norte do estado, que viu no projeto uma oportunidade única de
desenvolvimento econômico e industrial. Cerca de 25 mil empregos diretos e indiretos
seriam criados no estado com a construção da refinaria. O investimento da Petrobras
nesse empreendimento e outro similar no Ceará consumiu R$ 2,7 bilhões. Governo e
prefeitura lamentam fim de investimentos – O governo do estado diz que está pronto
“para dialogar com a Petrobras para a retomada de investimentos no Maranhão, sendo
sanados os erros técnicos do projeto original, que não são de responsabilidade do povo
maranhense”.
4) Local: Ao longo da Estrada de Ferro Carajás
Data: 11/06/2015
Resumo: Indígenas e quilombolas acampados no INCRA fazem greve de fome.
Deitados no chão, 26 dos 120 membros de comunidades quilombolas, indígenas e
camponesas acampados no prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), no Anil, em São Luís, iniciaram ontem (10) uma greve de fome. Eles
estão no local há quatro dias, e protestam contra omissões e falta de atitude do órgão
federal com relação a problemas enfrentados pelos povos. Os quilombolas – da
Baixada Maranhense, Codó, Santa Inês, Pirapemas e Parnarama –, por exemplo,
pedem um posicionamento do órgão sobre a contratação pelo governo federal de 29
laudos antropológicos nas regiões onde habitam. Destes, uma empresa assumiu 25,
mas “não deu conta da tarefa”. Dos quatro que restaram, apenas um foi aprovado. E,
por fim, as comunidades camponesas – de Timbiras e Aldeias Altas – pedem uma
vistoria permanente do Incra em seus locais de habitação, uma vez que seus membros
vivem sob constante ameaça por parte de empresários interessados nessas áreas.
No primeiro exemplo, o foco da notícia recai sobre o cumprimento do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) para a realocação das famílias afetadas pelos impactos
53
ambientais provocados pelas siderúrgicas. Nesse sentido, podemos inferir uma postura
discursiva do conteúdo que reduz os impactos ambientais e sociais causados a uma simples
negociação de compensação, considerando que em nenhum momento da notícia houve,
mesmo que superficialmente, uma discussão sobre o processo histórico dessa comunidade à
medida que sofreram principalmente com problemas de saúde decorrentes da poluição das
indústrias. Não apresenta conjecturas que permitam ao leitor uma análise mais abrangente
sobre o caso e tampouco fatores que motivem o questionamento da postura desses
empreendimentos e dos órgãos públicos quanto ao descaso com a população. É importante
destacar que a fonte da notícia é da assessoria de comunicação do MPF, mostrando mais uma
vez que a escolha das fontes decorre principalmente da “credibilidade” e comodidade que
oferece aos fatos noticiados. Esta foi a única divulgação sobre o caso no presente jornal.
No segundo exemplo, assim como no jornal o Estado do Maranhão, o conflito no
território Awá mereceu uma notícia extensa destacando “falas” de representantes dos órgãos
ambientais e pesquisadores da área. No entanto, outra vez a fonte é secundária, e no caso, da
Agência Brasil. As outras notícias referentes aos conflitos entre indígenas e madeireiros
envolvem denúncias no MPF e de líderes que se reportam à Funai para relatar casos de
ameaças de jagunços e ocupação de madeireiros em seus territórios. Em outros casos, os
acontecimentos tiveram visibilidade nacional e situações de morte, como do líder indígena
assassinado em Santa Luzia do Paruá, em abril de 2015, em função do qual a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) se manifestou classificando o crime como sendo motivado por
conflitos de extração ilegal de madeira em terras indígenas. Foi aberto inquérito para a
investigação do caso.
No terceiro exemplo mencionado, a notícia foi extraída do G1, sobre o cancelamento
da Refinaria Premium. Aponta para o discurso desenvolvimentista característico das
promessas políticas tanto do governo Sarney quanto do Flávio Dino. Apresenta várias “falas”
de moradores e outras pessoas atraídas pelas promessas de emprego do investimento, assim
como de representantes de instituições públicas do estado, governo e prefeitura. As outras
notícias sobre o mesmo assunto tratam de uma audiência popular, resultado de uma ação
popular questionando a suspensão do empreendimento. Em uma delas, destaca o relato de
uma moradora que relembra o discurso de Roseana Sarney em 2010, quando prometeu pagar
uma bolsa de 500 reais e dar uma casa nova às famílias que moravam no terreno onde seria
instalada a Refinaria. Promessa que não foi concretizada anos depois, restando apenas um
cenário de miséria e um “boom” populacional nas cidades do entorno. De um modo geral,
54
esse acontecimento nas manchetes pretende repassar aos leitores a atuação política desastrosa
do governo anterior.
O quarto exemplo nos mostra que as reivindicações dos quilombolas só se tornam
“noticiosas” quando decorre de mobilizações planejadas com o intuito de chamar a atenção
das autoridades governamentais para a resolução dos seus problemas. No Maranhão o
processo de regularização fundiária implica em diversos conflitos socioambientais não só com
quilombolas, mas com índios, comunidades tradicionais e demais populações localizadas em
áreas de interesse dos empreendimentos.
3.3 Diálogos
As análises acima nos mostram os critérios de seleção utilizados no campo
jornalístico, tais como dos valores-notícia do inesperado e da novidade como ocorreu com os
Awá que viviam isolados de contato com a sociedade envolvente e ganhou visibilidade tanto
nacional quanto local devido ao contato recente deles com outros grupos indígenas, fator
bastante explorado nas manchetes das notícias. No entanto, se levarmos em consideração a
causa que levou esse acontecimento, podemos perceber que a situação é bem mais complexa
do que o que é divulgado. Há um intenso conflito nas áreas indígenas devido à ação ilegal de
madeireiros em seus territórios que perduram há anos no Estado. Porém, esses casos só são
levados ao público através da mídia quando a situação chega ao seu limite, como foi o caso do
contato dos Awá, que segundo fontes de órgãos ambientais, não acontecia há décadas, ou
então no caso dos indígenas de Araribóia que tiveram que se mobilizar para conter o
desmatamento e o grave incêndio ocorrido recentemente em seu território – outro caso que
também ganhou repercussão nacional – e também em casos de morte, como do líder indígena
e ambientalista. Outro fator interessante a observarmos provém do sentido atribuído na forma
como são construídas as notícias. Mesmo nas raras vezes em que o conteúdo é um pouco mais
explicativo em relação ao contexto histórico e social do acontecimento, há sempre uma ideia
central de que, embora as empresas ambientalmente degradadoras provoquem grandes
impactos ao meio ambiente e à população, a mediação dos conflitos está sendo feita através
das instituições competentes, empresas e participação popular para que não haja prejudicados.
Não se considera, por exemplo, os efeitos em longo prazo que esses impactos irão resultar não
só em grupos que são atingidos diretamente por eles, mas num nível macro, numa cidade
inteira, estados ou mesmo no mundo.
55
Por ser uma importante fonte de informação e de ter o poder de colocar em suas pautas
o que vai ser discutido pela sociedade, o jornalismo tem a obrigação de esclarecer os fatos que
divulga e mais importante do que isso, colocar dados e argumentações que abram espaço para
a reflexão do leitor e não o deixar condicionado a uma conjectura que só admite uma
interpretação. Percebi que o fator tempo, tão caro aos jornalistas e às empresas que fazem
parte, não é motivo primordial para que uma notícia seja dada de forma muito limitada e
fragmentada de modo que não exprima a clareza que determinados acontecimentos exigem.
Não à toa que cresceu o número de mobilizações e manifestações feitas para chamar a atenção
da mídia e consequentemente do governo. A importância que o jornalismo tem para mostrar
realidades que muitas vezes são desconhecidas para uma grande parte da população reflete
nas ações de alguns grupos e no pensamento de moradores dos locais impactados. Como é o
caso da Francivânia, moradora do Taim34
que, quando perguntei em entrevista sobre a atuação
da mídia no caso dos jornais, por exemplo, em relação aos conflitos, aos impactos que eles
sofrem nas comunidades e em diversos movimentos ou situações que participam, como nas
manifestações e audiências públicas, respondeu que “acho muito fraca. Inclusive, às vezes
quando aparece uma mídia, ainda fala tudo errado. Sinceramente, acho que eles tão fazendo
isso mais porque esses jornais ficam tudo de „panelinha‟ com o governo, com o município”
(entrevista realizada em 02/03/2016) e acrescentou com um relato sobre um acidente que
aconteceu recentemente na fábrica de cimento Votorantim do qual ela foi informada por
outras pessoas que estavam na área sobre a morte de uma pessoa. Naquele momento, uma
repórter havia ligado para ela pedindo uma entrevista, mas falou que muitas vezes o próprio
chefe de redação não deixava publicar sobre determinados assuntos. Mas ao final, a
reportagem não foi feita porque chegaram (os repórteres) na fábrica e estava tudo fechado.
Também não houve interesse no relato das pessoas que presenciaram o acontecimento.
Situação que mostra o constrangimento que alguns jornalistas passam por estarem atrelados à
organização das empresas de comunicação com interesses próprios e que não se encaixam
com os deveres jornalísticos. Em virtude disso, é significativa a fala da Francivânia quando
diz:
Acho que um repórter pode ajudar muitas pessoas, um escritor de redação pode
ajudar muitas pessoas (...) vejo assim a ansiedade e a vontade que eles (os
jornalistas) têm de escrever e publicar, mas pena que tem um interruptor ali
(entrevista realizada em 02/03/2016).
34
Comunidade pertencente à área proposta para a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, no município
de São Luís - MA.
56
Há uma tendência em confiar nesses meios de comunicação como um instrumento que
leva a outras pessoas realidades que lhes são alheias, principalmente por parte dos moradores
de comunidades impactadas, além de ser um fator motivacional para estes, que passam por
um processo bastante cansativo de resistência para a manutenção do seu modo de vida,
conforme podemos observar na fala de Bruno – morador de Arari e integrante da Rede Justiça
nos Trilhos:
Aqui em Arari que é composto por uma grande quantidade de comunidades, a gente
quase que não vê a mídia tocando em algum assunto que falem dos problemas da
própria mineradora Vale (...) Acredito também, dentro da sociedade... ela conhecer
um pouco mais da realidade dessas comunidades, as comunidades teriam mais força.
Por exemplo, as comunidades teriam mais assistência do que elas não têm no
momento. A gente tira por Piquiá de Baixo, né? A gente hoje já consegue ver
alguma visibilidade nos meios de comunicação... Piquiá de Baixo, através dessa
visibilidade, conseguiram o reassentamento e acredito que conseguiram ter maior
força. Se as comunidades aqui de Arari tivessem uma maior visibilidade nessa
problemática do arroz, dos impactos da mineradora, do entupimento dos igarapés, de
atrapalhar a ida e vinda das pessoas... acredito que as pessoas seriam mais assistidas
tanto pelo governo quanto pelo judiciário e etc. (...) A gente vê o contrário, as
comunidades sofrem e não tem nenhuma visibilidade. Já os grandes
empreendimentos tem uma visibilidade enorme. Então... para uma sociedade em
geral, eles não conseguem enxergar realmente qual o projeto dessas grandes
mineradoras e do agronegócio. Se as comunidades tivessem maior apoio e maior
visibilidade, elas poderiam trazer a sua problemática de uma forma onde todos
poderiam ajudar ou ter um conhecimento da realidade (entrevista realizada em
02/03/2016).
Como mencionei em tópicos anteriores, o discurso desenvolvimentista propagado por
estes jornais de maior circulação no Estado, mesmo que às vezes inconscientemente através
de publicidade – que é um importante recurso econômico de manutenção das empresas que
fazem parte – ou mesmo como percebi em várias notícias, a exaltação dos esforços da
empresa em mediar os conflitos existentes, ocultam o que seria o cerne dessa questão: as
causas desses conflitos. Como disse Bourdieu (1998: 95), estão mais interessados pelo jogo e
pelos jogadores do que por aquilo que está em jogo. Esse cenário nos revela a importância dos
meios de comunicação alternativa para a divulgação desses casos diante da construção de uma
realidade bastante fragmentada pela mídia tradicional.
3.4 Jornal vias de fato: vozes sufocadas
O jornal Vias de Fato é um grupo articulado que trabalha com mídia alternativa e teve
seu processo de planejamento e mobilização iniciado em 2006 com o movimento popular
57
“Vale Protestar” 35
. Somente em 2009, nasceu o jornal impresso e em 2010 também foi criado
o espaço na internet. Segunda consta em sua página eletrônica, se caracteriza como “um
instrumento de informação, de organização e de colaboração para a luta social”, realçando seu
compromisso com a “defesa dos direitos humanos, com a preservação do meio ambiente e da
cultura, com a agenda dos movimentos sociais e das organizações de cunho popular” 36
. O
Jornal não tem expediente e não é formado apenas por jornalistas. O trabalho segue com a
colaboração de agentes permanentes e externos entre os quais figuram também universitários,
professores acadêmicos, administrador, artistas etc. Na página de apresentação são citados
alguns destes, os quais compõem o núcleo de coordenação, tais como Altemar Moraes, Alice
Pires, Emilio Azevedo e César Teixeira.
É estruturado em doze páginas, tamanho tablóide, que circula mensalmente no
Maranhão. Tem posicionamento político assumidamente de esquerda. Há sempre uma
entrevista especial que ocupa três páginas, além de outras com opiniões, reportagens especiais
e artigos que aprofundam as problemáticas tratadas no jornal. Conta ainda em seu editorial
algumas características de revista “por conta da ditadura de informação que existe no
Maranhão” e fatos inéditos “envolvendo conflitos de terra, questão indígena, meio ambiente e
etc., mesmo sem nenhuma obsessão (ou compromisso) com o chamado furo de reportagem”
(Disponível em < http://www.viasdefato.jor.br > Acesso em: 20/03/2016. Dos temas
abordados, o mais frequente se refere aos conflitos sobre a disputa pela posse de terra - a luta
pelos direitos de populações tradicionais que dependem dela para viver. Fator que se justifica
pela concentração de terra no estado ocasionada pelo agronegócio e latifúndios37
. Em
entrevista, Emílio Azevedo, coordenador editorial do impresso, explica a perspectiva que
orientou o nascimento deste jornal:
35
Segundo Cardoso (2012: 45), o Vale Protestar foi um movimento social que teve como objetivo provocar o
debate público sobre alternância de poder no Maranhão, tendo como alvo o discurso direto contra a Oligarquia
Sarney. Foram realizadas diversas apresentações mesclando teatro e música, além de manifestações públicas.
Recebeu a adesão de estudantes, movimentos sociais, lideranças populares e políticos de esquerda. Tem esse
nome devido ao contraponto em relação ao „Vale Festejar” – circuito junino fora de época promovido pela
Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês, ligado à fundação José Sarney e tendo como principais
patrocinadores a empresa de mineração Vale S.A. e o Sistema Mirante de Comunicação. “O espetáculo,
intitulado O Batizado do Boi de Taipa, reunia ingredientes do auto do bumba-meu-boi do Maranhão e do Teatro
do Oprimido de Augusto Boal. Era uma sátira ao uso compulsório da estética popular pelo grupo Sarney para
fins de propaganda política”. 36
Disponível em < http://www.viasdefato.jor.br > Acesso em: 20/03/2016 37
Os dados do IBGE de 2006 apontam que, de um total de 12.991.448 hectares de terras ocupadas no Maranhão,
34,79 % desta área é ocupada por 91,31% de estabelecimentos da agricultura familiar; enquanto que 65,21% da
área é ocupada por 8,69% de estabelecimentos não familiares (agronegócio, latifúndios). Segundo o
levantamento feito no caderno de conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 2014, são 123 conflitos por
terra no Maranhão envolvendo posseiros, quilombolas, indígenas, sem terra, ribeirinhos, assentados,
quebradeiras de coco babaçu e pescadores. Nesse quadro são 9803 famílias afetadas.
58
Por que não dizer que as situações enfrentadas pelos povos indígenas nesse estado,
não é uma situação de guerra contra os madeireiros; ou ainda a situação dos
quilombolas na luta pelo direito de posse de seus territórios? Nós escrevemos sobre
esses temas, sobre esses conflitos existentes no Maranhão que a mídia conservadora
esconde, e esconde porque comercialmente não são importantes. Mas, para nós é
importante politicamente e jornalisticamente. O desafio é articular esses temas, as
necessidades da base da pirâmide e mexer com as estruturas. Ainda que essas
populações não leiam o jornal porque é denso ou porque não tem acesso, mas eles
vão se reconhecer nele, porque o que eles vivem está posto lá, e está sendo dito lá
(AZEVEDO, 2012:50 apud CARDOSO, 2012).
Na análise das notícias deste impresso, observei características predominantes que
permitem ao leitor o acompanhamento dos assuntos tratados a partir da monitoração do
andamento de processos no MPF, resolução ou intensificação de conflitos, divulgação de
notas de grupos específicos, destaque para os protestos, links para acesso a vídeos com
documentários, participação em eventos e o destaque para as chamadas das notícias em forma
de denúncias diretas que sugerem o questionamento por parte do público-leitor, já presente no
título. Embora a maioria das notícias sejam extensas comparadas aos jornais tradicionais,
trazem consigo uma problematização, por vezes, minuciosa dos temas abordados. Dentre as
fontes de reprodução das notícias estão: Fórum Carajás, Justiça nos Trilhos, MPF, Combate
Racismo Ambiental, Instituto Humanitas Unisinos, Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
Movimento Sem Terra (MST), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH),
Ascom/OAB-MA, CPT, Defensoria Pública do Estado (DPE), Brasil de Fato, Anistia,
Agência Brasil, Blog do Pedrosa e Territórios Livres do Baixo Parnaíba.
A minha intenção ao falar da importância do Jornal Vias de Fato para a divulgação dos
conflitos socioambientais no Maranhão não é no sentido de compará-lo em números de
notícias publicadas em relação aos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno – até
porque como vimos anteriormente, estes têm uma estrutura organizacional diferente assim
como os aspectos ideológicos, políticos e econômicos que os orientam – mas de ressaltar a
qualidade dessas notícias à medida que os acontecimentos tratados nesse estudo exigem
informações bem fundamentadas e posicionamentos distintos aos do discurso hegemônico de
progresso para uma reflexão da realidade maranhense que não seja baseada em notícias muito
fragmentadas. Portanto, não irei repetir as notícias sistematicamente como fiz com a análise
dos outros dois jornais, até para não ficar repetitivo, mas busco destacar os aspectos dos
conflitos citados nos dois primeiros tópicos deste capítulo que não foram mencionados ou
“apropriadamente” divulgados no Jornal Pequeno e O Estado do Maranhão.
Antes de adentrar aos acontecimentos selecionados para a análise, ressalto a cobertura
jornalística feita pelo Vias de Fato no Seminário Carajás desde as etapas preparatórias, como
59
forma de publicizar o evento, até a etapa final que aconteceu em São Luís, mostrando
exposições fotográficas, resultados de pesquisas acadêmicas, soltando notas sobre grupos
sociais que participavam, criticando a imprensa maranhense por ter ignorado o evento e,
sobretudo, levantando questionamentos imprescindíveis ao campo ambiental, como por
exemplo, “O que significou para a região e a quem beneficiou o Programa Grande Carajás 30
anos depois de sua implantação na região amazônica?”. Pontuou também sobre relatos
bastante significativos durante as apresentações do seminário, tais como o de Paulo Adário, da
campanha da Amazônia no Greenpeace, que falou sobre a ausência de compromisso das
guseiras38
maranhenses e relembrou um episódio ocorrido em 2012 quando esta organização
esteve presente em São Luís para fazer uma avaliação crítica dos processos desencadeados
por esses investimentos. Disse:
Faz dois anos que estivemos aqui e faz exatos dois anos que sentamos para
conversar com as empresas pela primeira vez. Em agosto de 2012, a indústria de
ferro gusa do Estado do Maranhão assinou um compromisso público com critérios
mínimos de controle de desmatamento e de respeito às leis trabalhistas. Até agora
nada foi feito (Vias de Fato, 07/05/2014).
Em suma, foram noticiados os temas debatidos entre pesquisadores, estudantes,
lideranças de movimentos e entidades sociais, dando voz a grupos que são ocultados pela
grande mídia, no sentido de não terem um espaço para firmarem seus posicionamentos na
conjuntura em que vivem.
No que se refere aos conflitos entre indígenas e madeireiros, antes do episódio do
contato entre os Awá, já vinha sendo noticiado constantemente neste jornal sobre as invasões
e agressões violentas que os índios vinham sofrendo devido à extração ilegal de madeira em
seus territórios, motivo que os obrigou a realizar ações de monitoramento e vigilância em suas
áreas. Dentre as informações que registrei e que não foram divulgadas na mídia tradicional é
que muitas vezes as pessoas ficam com medo de registrar Boletim de Ocorrência na Delegacia
porque suspeitam de envolvimento entre policiais e madeireiros. A denúncia que parte das
notícias ressalta o fato de que nenhum órgão público tem tomado as providencias cabíveis
para garantir a integridade física e moral dos indígenas. Com a instalação de grandes
empreendimentos os indígenas tiveram seus modos de vida alterados e, segundo relata Rosana
Diniz - líder do CIMI – numa notícia de maio de 2014, “é preciso explicitar que os povos
indígenas não estabelecem relação nenhuma com os empreendimentos. O que acontece é a
38
Usinas siderúrgicas que produzem o ferro gusa ou ferro em pelotas, que é a primeira e mais degradante
ambientalmente etapa para a transformação do minério de ferro em aço.
60
imposição de um projeto de forma totalmente impositiva e assimétrica, em que só resta aos
indígenas resistir” (publicada em 09/05/2014). O grande número de notícias registradas sobre
esse conflito se diferencia em relação ao JP e O Estado do Maranhão, principalmente por
estendê-los a diferentes municípios Maranhenses e não se limita apenas aos momentos em que
há manifestações.
As notícias referentes à Piquiá de Baixo cobrem diversos fatores que envolvem esse
conflito, tais como sua inclusão no “Mapa de Conflitos Ambientais no Brasil” realizados pela
Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), destacando relatórios feitos por biólogos na empresa Gusa
Nordeste, detectando irregularidades e desrespeito ao meio ambiente, além de relatório da
Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), divulgado em 2011. Nesse sentido,
também critica o modelo de desenvolvimento atual mostrando a sua gravidade quanto às
situações de injustiça ambiental; divulga nota da Associação Comunitária dos Moradores de
Piquiá na qual aponta para os acordos não cumpridos pelo Sindicato das Indústrias de Ferro
Gusa no Maranhão (SIFEMA) em benefício da comunidade. Esse protesto foi seguido por um
ato que bloqueou por trinta horas seguidas a entrada de três siderúrgicas do pólo industrial de
Piquiá. A consequência disso foi uma nova negociação feita pela SIFEMA no MPF. Esta
notícia, publicada em abril de 2014, finaliza com o seguinte apelo: “alguém diga ao SIFEMA
que existem outros valores além do lucro: o respeito dos acordos assinados, a honra da
palavra dada, a sinceridade e a confiança”; há também publicações de vídeo-documentários,
um deles intitulado “Pulmões de aço” que nasceu da iniciativa dos missionários combonianos
realizado em multirão, envolvendo vários protagonistas da sociedade civil brasileira e italiana.
O vídeo mostra o impacto na vida de homens, mulheres, crianças e a poluição ambiental
causada por enormes complexos siderúrgicos. Também são inseridas fontes extras com sites e
relatórios sobre a situação de Piquiá; as outras notícias que seguem a partir do segundo
semestre de 2014 até todo o ano de 2015 têm manchetes referentes ao processo de
reassentamento e processos jurídicos: “Piquiá de Baixo: caixa econômica avalia o terreno da
comunidade”, “RJT e Associação dos Moradores de Piquiá de Baixo pedem apoio da OAB-
MA em processo de reassentamento”, “Moradores de Piquiá de Baixo firmam mais um passo
ao reassentamento” “TJ-MA decide sobre poluição de siderúrgica em Piquiá de Baixo”,
“Empresa siderúrgica é responsável por poluição em Piquiá de Baixo” e “Violações em Piquiá
de Baixo já são objeto de questionamento na ONU”. Nesse caso, podemos destacar três
pontos: a crítica a um desenvolvimento que contrapõe o discurso hegemônico mostrando
outra face do “progresso‟ tão aclamado pela grande mídia, a apresentação de fontes extras
para informações mais incisivas a cerca do assunto e uma sequência de notícias falando sobre
61
os acordos não cumpridos das siderúrgicas e da morosidade no processo de reassentamento
que só ocorreu depois de muita mobilização, sofrimento e importantes articulações jurídicas
da comunidade. Nesse último ponto, percebemos as diferentes atribuições de sentidos
adotadas pelos jornais. Enquanto que no Jornal Pequeno e O Estado do Maranhão há uma
tendência a focalizar no compromisso social das siderúrgicas com as comunidades,
divulgando apenas notícias de momentos estratégicos em que esses empreendimentos estão
em situações que passam uma “boa imagem” ao público, o Vias de fato, a partir de uma
sequência de notícias sobre o processo de reassentamento, nos mostra o contrário, um total
desinteresse dessas empresas em cumprir acordos. Dentre as principais denúncias dos
moradores de Piquiá de Baixo publicadas nesse impresso, estão aquelas referentes aos
problemas de saúde provocados pela poluição:
Os moradores alegam que diariamente a fábrica expele poluentes que prejudicam os
moradores do entorno. Os poluentes provocam dores de cabeça, dores de garganta,
sinusite, coceira no corpo, alergias e calor excessivo. Denunciam também que a
siderúrgica frequentemente expele um gás pelas chaminés do forno, causando
“tonturas, náuseas, ardência nos olhos e dores de cabeça. (Vias de Fato, publicada
em 25/02/2015).
A respeito dos conflitos entre quilombolas e Vale, as notícias ressaltam as diversas
manifestações que ocorrem nesses dois anos e ações do MPF para coibir a prática de
mineração em áreas quilombolas, além de cobrar providência desta empresa para garantir a
travessia das comunidades tradicionais que vivem ao longo da Estrada de Ferro Carajás. Os
protestos cobram a regularização de territórios e denunciam as políticas de
desenvolvimentistas do Estado, responsável pela opressão, abandono dos quilombolas e dos
problemas acentuados na região pelo latifúndio, infraestrutura férrea e agronegócio. A
ausência do INCRA diante dessas reivindicações é o principal motivo que desencadeia as
manifestações, bem como atos extremos, a exemplo das greves de fomes realizadas em 2014 e
em 2015.
62
63
4 UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CAJUEIRO
Neste capítulo faço uma breve discussão sobre os graves conflitos territoriais e
ambientais constatados a partir do licenciamento ambiental de um terminal portuário na área
do Parnauaçu, Comunidade do Cajueiro, sudoeste da Ilha do Maranhão, em São Luís. Desse
modo, é necessário discutir um aspecto importante que envolve esse conflito, a Reserva
Extrativista (Resex)39
de Tauá-Mirim. Feitas as devidas considerações, busco relacionar o
contexto de mobilização da comunidade e outros agentes com o que foi publicado a seu
respeito.
A implantação da Resex de Tauá-Mirim é pleiteada, oficialmente, desde 2003 pelas
comunidades tradicionais, no entanto, sua demanda surge ainda na década de 1990 como
forma de solução tanto para reverter impactos socioculturais, ambientais e econômicos
advindos da instalação de grandes empreendimentos privados e governamentais quanto para
buscar uma estabilização da situação com a possibilidade de conciliar a permanência da
população na região e preservação dos recursos utilizados. A região na qual se pretende
implantar a Reserva está localizada em uma área no sudeste do município de São Luís, é
voltada para a Baia de São Marcos, integrante do golfão Maranhense. Segundo Miranda
(2009: 95),
Esta área, conforme “Laudo Sócio-Econômico e Biológico para criação da Reserva
Extrativista” elaborado pelo IBAMA/CNPT-MA (2006), é considerada prioritária
para conservação da biodiversidade de espécies marinhas (como o peixe-boi, o
guaiamum, o cação-bicuda, o mero, espécies ameaçadas de extinção) e abrange os
povoados de Panauaçú, Cajueiro, Porto Grande, Vila Maranhão, Limoeiro, Rio dos
Cachorros, Taim e a Ilha de Tauá-Mirim, que abriga os povoados do Portinho,
Embaubal, Jacamim, Amapá e Tauá-Mirim) (...) foram encontrados importantes
ecossistemas na área proposta para a criação da RESEX, dentre os quais merece
destaque os manguezais40
.
O problema é que o Estado, por meio de suas ações, tem priorizado os interesses
econômicos em detrimento da qualidade de vida, mesmo com todos os estudos produzidos
favoráveis à consolidação da RESEX, o que evidencia a necessidade de rediscutir seu papel
39
A Reserva Extrativista é uma das modalidades de Unidades de Conservação que tem o seu conceito normativo
definido no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SUNUC), regulado pela Lei 9.985/2000, que em seu
artigo 18 preceitua que “Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja
subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de
animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações,
e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”. 40
O ecossistema manguezal é protegido legalmente tanto pela Constituição Federal quanto por normas diversas a
nível federal e estadual. A constituição do Maranhão, por exemplo, em seu (art. 241, IV, “a”), defende de forma
explícita as áreas de manguezais, considerando-as como áreas de preservação permanente que deverão ser
protegidas pelo Estado e pelos municípios. (MIRANDA, 2009: 96).
64
no incentivo às práticas produtivas não degradantes e no reconhecimento e respeito dos
diferentes modos de vida das populações que contribuem para a sustentabilidade local.
Nessa conjuntura está inserida a comunidade de Cajueiro que vem discutindo desde o
segundo semestre de 2014 os impactos da tentativa de implantação, na área, de um complexo
portuário pela empresa WPR. Nesse sentido, foi realizada em outubro desse mesmo ano uma
Audiência Popular na Associação dos Moradores do Cajueiro em parceria com movimentos
sociais, estudantes, pesquisadores, advogados, religiosos, outros segmentos da sociedade e
entidades preocupados com a situação de risco ambiental e desapropriação que vinha sendo
desenhada a partir desse projeto advindo de interesses do governo estadual e empresarial.
Dentre a discussões, podemos citar a truculência, ameaça e intimidade da empresa clandestina
de segurança contratada pela WPR, além da coação para a venda de imóveis na região. Essa
audiência foi realizada como resposta da comunidade e de várias instituições presentes à
forma de atuação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) no processo de
licenciamento ambiental, sem a transparência esperada por um órgão público dessa
envergadura. Um exemplo disso foi a tentativa de realização de uma audiência pública
promovida pela mesma na Vila Maranhão, que não foi devidamente divulgada nas
comunidades do entorno e nem observados os prazos para que o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) fosse devidamente consultado pelos interessados, numa suposta tentativa de
aceleração do processo. Concomitante à Audiência Popular, foi realizada outra audiência
pública no Comando Geral da Polícia Militar não respeitando mais uma vez os prazos e,
segundo interpretação da comunidade, com o claro objetivo de intimidar e impedir a efetiva
participação dos reais interessados no assunto.
Na audiência popular, estiveram presentes pelo Ministério Público do Estado do
Maranhão, o promotor agrário Haroldo Brito; pela Delegacia Agrária, o delegado
Carlos Augusto; pela Defensoria Pública, o defensor Alberto Tavares, do Núcleo
Regularização Agrária da Defensoria; pela Secretaria Municipal de Urbanismo,
órgão da Prefeitura de São Luís, o superintendente da área de Terras, Habitação e
Regularização Fundiária, Anderson Lindoso; Saulo Arcangeli, da Central Sindical e
Popular, CSP-Conlutas; Rafael Silva, da Assessoria Jurídica da Comissão Pastoral
da Terra, CPT; Padre Clemir, da Coordenação da CPT no Maranhão; professores,
pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Maranhão, membros do
Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, GEDMMA;
Saulo Costa, também da CPT; o deputado estadual Bira do Pindaré (PSB),
presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do
Maranhão; a representação do Gabinete da Vereadora Rose Sales (PCdoB), da
Comissão de Regularização Fundiária da Câmara de Vereadores de São Luís;
Congregação Irmãs de Notre Dame de Namur, representadas pela Irmã Ane;
moradores das áreas vizinhas, que também sofrerão impactos caso esse projeto seja
aprovado pelo governo do Estado, entre estes: Rosana e Maria do Socorro, do Taim;
Maria Máxima Pires, do Rio dos Cachorros; Dona Maria, da Camboa dos Frades,
além do grande número de moradores do Cajueiro que lotou a sede e o entorno da
65
Associação de Moradores, que foi a instituição que convocou a Audiência, na pessoa
do Senhor Davi. (Informação disponível em: http://cajueiroresiste.blogspot.com.br/.
Acesso em: 02/01/2016).
Os representantes que compunham a mesa ratificaram os indícios de prática de
improbidade administrativa e de prática de crime por parte da empresa, o crescimento de
conflitos envolvendo posse de terras no Maranhão, a criminalização da conduta dos posseiros
e nunca dos proprietários e apontamentos bastante relevantes sobre os Estudos de Impactos
Ambientais (EIA-RIMA) feitos pela WPR. Neste último ponto foram destacados os termos de
compensação inviáveis empoderados por um discurso desenvolvimentista e a falta de
detalhamento nas peças que tratam da emissão de poluentes, que por sua vez, não demonstram
impactos da preparação da área, como o risco à reprodução dos peixes que pode ser
drasticamente afetada com a dragagem do mar na região. Também foi tratado sobre a questão
fundiária da área. A título de responsabilidade pelo drama vivido pelos moradores, acredita-se
que a empresa Suzano Papel e Celulose esteja vinculada à WPR, mas não assume seu
posicionamento devido ao conflito gerado e à preservação da sua imagem no mercado
internacional. Esta suspeita se deve ao fato de que, em 2011, o Governo do Estado do
Maranhão emitiu decreto de desapropriação da área em favor da Suzano que tinha o interesse
na construção de um porto. Porém, esse projeto não foi adiante e, em 2014, surge a em
empresa WPR, subsidiária da gigante do mercado construção civil paulista WTorre S.A,,
como agente da construção do terminal portuário na praia de Parnauaçu, no Cajueiro. Outro
fator levantado pelos presentes foi a importância de resistência da comunidade que pressiona
pelos seus direitos. A comunidade do Cajueiro é de fundamental importância, pois está
localizada nas proximidades da RESEX de Tauá-Mirim e tem uma de suas localidades, a praia
de Parnauaçu no interior do perímetro da RESEX.
Desde 2007, a Reserva de Tauá-Mirim teve seus estudos concluídos e os mesmos
indicaram a sua viabilidade. No entanto, seu projeto de criação aguarda apenas a anuência do
Governo do Estado do Maranhão para que seja implementada pelo Governo Federal. A sua
criação é estratégica para a proteção de uma grande área de preservação ambiental no Estado
e para a perpetuação do modo de vida das populações tradicionais locais que são formadas por
pescadores e agricultores41
.
41
O termo “povos e comunidades tradicionais” foi legalmente definido pelo Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro
de 2007, que estabeleceu em seu art. 3º, um conceito normativo a cerca dessas populações: “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa,
66
Os quadros abaixo mostram as manchetes das notícias e a data em que foram
publicadas nos jornais analisados neste trabalho. Para uma melhor visualização dessa
conjuntura e a partir do que foi proposto para este trabalho, busco sistematizar as notícias
divulgadas nos jornais de maior circulação e na imprensa alternativa com os fatos
mencionados acima. Ressalto que, apesar de ter situado esses fatos mais detidamente ao ano
de 2014, o Jornal Vias de Fato acompanhou esse processo e apresenta um panorama geral do
que aconteceu no ano de 2015. Portanto, utilizarei a mesma metodologia do capítulo anterior
para analisar as notícias divulgadas sobre a comunidade do Cajueiro, nesse caso, separando-as
pelos títulos das manchetes e pelo jornal.
Quadro 4: Manchetes do Jornal Pequeno
Manchetes – Jornal Pequeno Data de Publicação
“Moradores se manifestam contra presença de
empresas no Cajueiro”
24/07/2014
“Mantido decreto que autoriza desapropriação de
área para construção de porto pela Suzano”
15/08/2014
“Moradores do Cajueiro bloqueiam BR-135 para
protestar contra milícia”
15/10/2014
“Moradores se acorrentam em escola para evitar
realização de audiência”
17/10/2014
“DPE garante uso definitivo da terra e de recursos
naturais pela comunidade”
05/05/2015
Fonte: sistematização feita pela autora
Quadro 5: Manchetes do jornal O Estado do Maranhão
Manchetes - O Estado do Maranhão Data de Publicação
“Judiciário decide a favor de porto da Suzano na
Ilha”
15/08/2014
Fonte: sistematização feita pela autora
ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição
(MIRANDA, 2009: 93).
67
Quadro 6: Manchetes do jornal Vias de Fato
Manchetes – Jornal Vias de Fato Data de Publicação
“Comunidade Cajueiro protesta contra milícia e
bloqueia BR-135”
14/08/2014
“Defensoria garante uso da terra e de recursos
naturais pela comunidade do Cajueiro”
23/08/2014
“A comunidade do Cajueiro está ameaçada!” 28/08/2014
“Veja íntegra da decisão que suspendeu
licenciamento atropelado pretendido por WPR e
Sema!”
06/09/2014
“Pela criação da reserva extrativista de Tauá-
Mirim”
20/11/2014
“Comunidade Cajueiro interdita BR-135” 23/12/2014
“Nota pública – empresa destrói casas da
comunidade Cajueiro no Maranhão”
26/12/2014
“Urgente! No apagar das luzes, governo anterior
tenta entregar o Cajueiro para WPR”
06/01/2015
“Desapropriação do Cajueiro” 12/01/2015
“TAUÁ MIRIM - Suspenso o uso e ocupação do
solo para implantação de terminal portuário da
WPR”
17/03/2015
“DPE garante uso definitivo da terra e de recursos
naturais pela comunidade do Cajueiro”
07/05/2015
“Polícia impede protesto da comunidade cajueiro
contra o governo do estado”
05/11/2015
Fonte: sistematização feita pela autora
No Jornal Pequeno foram divulgadas quatro notícias no período de setembro ao final
do ano de 2014 referentes ao contexto de mobilização dos moradores da comunidade e de
medidas jurídicas no âmbito do conflito. No ano de 2015, apenas uma notícia foi divulgada. A
seguir, o resumo das notícias levantadas:
1) Moradores se manifestam contra presença de empresas no Cajueiro. A manifestação
dos moradores contra a presença de empresas no Cajueiro onde denunciavam as
atitudes ilegais por parte das empresas J.M Engenharia e da Urbaniza no Cajueiro. O
presidente da União dos Moradores do Cajueiro, David de Jesus, falou sobre a
derrubada de casas não indenizadas pelos empreendedores que pretendem construir o
Porto. Como resposta, a J.M Engenharia, que procurou a redação do jornal, afirmou
ser proprietária da área em questão e que este serviço é realizado com a devida
permissão dos populares e frisou que o trabalho é acompanhado pela Promotoria
68
Especializada em Conflitos Agrários. Nega qualquer espécie de intimidação,
destacando que os trabalhos são feitos dentro da legalidade.
2) Mantido decreto que autoriza desapropriação de área para construção de porto pela
Suzano. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) foi
desfavorável, por maioria de votos, a um mandado de segurança que pedia a anulação
de decreto da governadora Roseana Sarney, que autorizou a desapropriação de área
para construção de terminal portuário a ser explorado pela Suzano Papel e Celulose,
em São Luís. O desembargador, seguido por unanimidade, concluiu que os
impetrantes não juntaram nenhum documento comprobatório, nem título de
propriedade: apenas certidão do registro imobiliário, onde consta a cadeia sucessória
de área das terras, que integraria o terreno a ser ocupado.
3) Moradores do Cajueiro bloqueiam BR-135 para protestar contra milícia. A
comunidade alega que está sofrendo ameaças por parte de funcionários de uma
empresa de vigilância chamada WPR. O conteúdo da notícia apresenta informações do
padre Clemir Batista (membro da CPT), no qual explica os impactos causados por
uma possível construção do Porto naquela área. Nesse evento foram presos pela
Polícia Rodoviária Federal quatro pessoas (seguranças) com cassetetes e armas
brancas.
4) Moradores se acorrentam em escola para evitar realização de audiência sobre o
Terminal Portuário de São Luís. Quatro pessoas se acorrentaram na entrada da escola
para evitar a realização da audiência. Os acorrentados (moradores das comunidades
que iriam ser impactadas) alegam serem contra a construção do porto por retirarem
famílias que vivem há anos lá, sobrevivendo da pesca e da agricultura.
5) DPE garante uso definitivo da terra e de recursos naturais pela comunidade. A
Defensoria Pública do Estado (DPE), por meio do Núcleo de Moradia e Defesa
Fundiária, obteve sentença que determina a abstenção, por parte da empresa WPR São
Luís Gestão de Portos, de atos que impeçam a realização de plantações, de
construções, do extrativismo e da pesca pela comunidade do Cajueiro, situada na
região da Vila Maranhão, na capital. A decisão é fruto de medida cautelar preparatória
de ação civil pública movida pela DPE contra o Estado do Maranhão e a WPR São
Luís Gestão de Portos, que pretende instalar no local um terminal portuário e vinha
proibindo, através de uma empresa de segurança, a comunidade de utilizar o seu
território, inclusive impedindo o acesso às praias de Cajueiro e Parnauaçu.
69
O jornal O Estado do Maranhão publicou apenas uma notícia com a manchete
“Judiciário decide a favor de porto da Suzano na Ilha”, praticamente a mesma notícia
divulgada pelo JP, mas acrescentando informações sobre o Terminal, falando sobre os planos
de expansão do Porto do Itaqui pela Empresa Maranhense de Administração Portuária
(Emap), nos quais consta o projeto de um terminal de celulose com estrutura de recebimento,
armazenagem e expedição, prevendo um berço (o futuro berço 99, no cais sul) com
capacidade para movimentar até 1,5 milhão de tons/ano. A estimativa é que todo o projeto,
incluindo o berço, esteiras e terminal resultem em investimento na ordem de R$ 640 milhões.
No que se refere ao Jornal Vias de Fato, mencionarei apenas algumas notícias do ano
de 2015 que não foram divulgadas pela grande mídia:
1) TAUÁ MIRIM - Suspenso o uso e ocupação do solo para implantação de terminal
portuário da WPR. De acordo com o defensor Alberto Guilherme Tavares, titular do
Núcleo de Moradia da DPE, a certidão emitida em favor da empresa portuária viola a
Lei Municipal 3.253/92, que dispõe sobre a ordenação jurídico-urbanística da capital
maranhense, dividindo o município em zonas e disciplinando o uso e ocupação do
solo. Ainda de acordo com o documento, dentre as atividades admitidas para a Zona
Industrial em questão não está inserida a atividade portuária, ressaltando que tal
atividade desenvolvida no local atualmente se deu anteriormente à vigência da lei,
sendo, portanto, na época admitida. A decisão emitida pelo secretário municipal da
Semurh, Diogo Diniz Lima, em caráter liminar, informa que analisará com maior
profundidade a tese esboçada pela Defensoria, considerando a possibilidade de dano
irreparável ou indução de outros órgãos ao licenciamento que pode ser posteriormente
questionado com eventual cassação da certidão de compatibilidade.
2) Polícia impede protesto da comunidade cajueiro contra o governo do estado. Na
manhã desta quinta-feira, dia 05/11, os moradores do Cajueiro realizariam novos
protestos contra a decisão da SEMA de validar a Licença Prévia e retomar o processo
de licenciamento – ilegal – do retroporto da WPR, que pretende se instalar na
Comunidade. Mas foram surpreendidos com 6 carros da Polícia Militar que desde a
madrugada já os esperavam na BR-135 e impediram a comunidade de realizar a
manifestação. Isso só demonstra como há um verdadeiro monitoramento do governo
as ações dos Movimentos Sociais. Agora há pouco chegou no local mais duas viaturas
da Polícia Federal. A nota enviada pela Comunidade, fala sobre reuniões que
aconteceram ainda em 2014 antes da posse do governador eleito, Flávio Dino, com o
futuro secretário da Articulação Política do novo governo, senhor Márcio Jerry, disse
70
ao Cajueiro e demais comunidades ameaçadas pelo projeto de construção do
megaporto da WPR na área, que direitos seriam respeitados; que não haveria
“assimetria de tratamento”; que o diálogo seria a marca, e que nenhum secretário faria
nada que não estivesse em consonância com o governador, cuja última palavra daria
em cada decisão, já que a responsabilidade era dele, por ter sido ele o eleito pelo povo.
Há poucos dias, apareceu no jornal O Estado do Maranhão um aviso de Requerimento
de Licença Ambiental de Instalação feito pela WPR à SEMA (Secretaria Estadual de
Meio Ambiente). Ora, para se requerer a LICENÇA DE INSTALAÇÃO, é preciso já
ter a LICENÇA PRÉVIA – LP (que havia sido suspensa, mas não cancelada). E esta
LP, ao contrário do que a lei determina, nunca fora publicada. Pior: a SEMA nem
sequer fornece vista e cópia do processo de licenciamento aos interessados. E o faz
porque está ciente de que a WPR não possui a certidão de uso e ocupação do solo,
requisito básico para o projeto, e sabe que, sob o caso, pairam graves suspeitas de
grilagem, que estão sendo investigadas.
A análise das notícias sobre o Cajueiro mais uma vez reforça os critérios de publicação
utilizados pelo jornalismo tradicional e as caraterísticas de denúncia do impresso alternativo.
No Jornal Pequeno, por exemplo, só houve uma sequência incisiva de notícias sobre a
comunidade porque houve fontes que facilitaram a construção da notícia com o fornecimento
de dados sobre o acontecimento. No jornal o Estado do Maranhão, apenas foi dada a notícia
sobre a decisão do judiciário a favor do Porto, fator que se inclina aos seus interesses. No seu
conteúdo, ainda destacou as vantagens produtivas do terminal portuário, fato que não causa
estranheza, tendo em vista que neste jornal tem um caderno especificamente para tratar de
assuntos sobre Portos no Maranhão. O Jornal Vias de Fato vem acompanhando todo o
processo com notícias extensas sobre o caso, realçando os agentes envolvidos e
problematizando o caso, além de elencar links que levam a notícias mais detalhadas sobre o
caso. No que se refere ao posicionamento do governo, apesar de ter mudado de gestão com
uma promessa de ser “aberto ao diálogo”, assim como o governo anterior, mantém-se em
silêncio quanto à comunidade do Cajueiro e, consequentemente, à Reserva Extrativista de
Tauá-Mirim.
71
5. CONCLUSÃO
No início deste trabalho formulei duas perguntas para tentar respondê-las ao final das
análises propostas: o jornalismo se constitui como um serviço público ou como um mero
negócio quando oculta, minimiza ou ressignifica os impactos causados por grandes
empreendimentos degradadores do meio ambiente? Quais os sentidos que as notícias podem
conferir à realidade social que se apresenta? Considerando que as empresas jornalísticas que
compõem a grande mídia possuem uma estrutura organizacional que muitas vezes restringe o
trabalho do jornalista que nelas trabalham através do fator tempo, das horas de fechamento,
imediatismo e dos constantes constrangimentos impostos pela condição de hierarquia
estabelecida dentro dessas empresas, é importante separar o jornalista da instituição para
termos uma visão mais clara quanto à construção das notícias. Nem sempre um acontecimento
registrado por um jornalista vai ser noticiado pelo veículo de comunicação devido às
condições de percepção ou interesses do editor-chefe, por exemplo. Ou então, é noticiado de
forma muito fragmentada de maneira a atribuir os sentidos que se espera serem capturados da
mesma forma pelo leitor. Tal como percebi na veiculação de notícias dos jornais de maior
circulação no Maranhão, o discurso desenvolvimentista próprio aos donos destes e aos seus
interesses políticos, quando relacionado às informações referentes aos conflitos
socioambientais, na maioria dos casos, trata-os de forma transversal no conteúdo de modo a
realçar a importância dos grandes empreendimentos para o crescimento econômico do Estado.
Nesse campo ambiental, os conflitos são colocados de modo a serem problemas passíveis de
compensações e projetos sociais que são amplamente noticiados nesses meios, portanto,
minimizando os seus impactos, sobretudo, aos diferentes modos de vida locais. Nos casos que
compreendem a ação ilegal de madeireiros em territórios indígenas e quilombolas, os
acontecimentos só se transformam em notícia quando evidenciados por mortes ou situações
de desastres, valores importantes no critério de seleção, mas que revela apenas o lado
concorrencial do campo jornalístico, do “furo de reportagem” e, por conseguinte, a disposição
em não investigar causas.
Os dados citados sobre o número de notícias divulgadas no Jornal Pequeno e O Estado
do Maranhão, podem aparentar um serviço à sociedade ao publicizar os conflitos que muitas
vezes são alheios à maioria da população. No entanto, a cobertura territorial dos conflitos que
é alcançada pelas notícias levantadas é um número irrelevante comparado à realidade do
Estado nesse aspecto. Por outro lado, os acontecimentos que são noticiados não possibilitam
72
ao leitor uma reflexão mais aprofundada quanto a essa problemática e muito menos condições
de fazer com que a sociedade cobre de maneira eficaz o Estado e as empresas ambientalmente
degradadoras para que adotem uma postura de responsabilidade social e ambiental. Ao
contrário, a exaltação ao desenvolvimento que acompanha esses grandes empreendimentos é
adotada como estratégia política pelo próprio governo através dos meios de comunicação.
Como o lucro que as empresas jornalísticas precisam para manter a sua estrutura que vem da
publicidade oriunda principalmente dos grandes empreendimentos instalados no Estado, ou
mesmo da própria prefeitura e do governo, como é o caso do Jornal Pequeno atualmente, não
é de interesse dessas empresas que a imagem de seus principais fornecedores seja negativa.
Ou então de contrariar interesses inerentes ao próprio jornal, como O Estado do Maranhão
que desde os seus se constitui como mediação de promoção política.
Por isso, a importância dos impressos alternativos, pois envolvem uma pluraridade de
vozes que não tem espaço na mídia tradicional e informa de maneira a levantar
questionamentos, se tornando uma importante ferramenta política para grupos sociais
invisibilizados. No contexto maranhense que tem como uma de suas principais características
a concentração dos meios de comunicação pelo grupo que controla um dos jornais de maior
circulação do Estado, está imbricado uma restrição ao debate público à medida que há uma
monopolização da informação. Mesmo que o Jornal Vias de Fato seja distribuído em espaços
muito específicos, é uma opção que destoa da mídia tradicional ao tratar sobre diferentes
modos de vida em relação ao uso da natureza e luta pela preservação do meio ambiente, tais
como as comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas. Se os meios de
comunicação nos dizem no que pensar através das frequentes pautas do que os jornalistas
consideram como temas importantes para o conhecimento do público em geral, nesse caso, é
importante que saibamos as causas dos numerosos conflitos socioambientais existentes no
Estado para que parte da população que desconhece esses problemas se mobilize junto
àqueles diretamente impactados e também pressionem os órgãos públicos para soluções
efetivas.
Durante as pesquisas percebi lacunas que não foram possíveis de ser preenchidas neste
trabalho, tais como a investigação do funcionamento interno destes jornais em suas rotinas e
entrevistas com profissionais da área para saber se outro aspecto que implica na fragmentação
ou pouca divulgação das notícias dos jornais tradicionais em relação ao campo ambiental se
refere à dificuldade de tratar assuntos tão específicos como os conflitos socioambientais que
exigem um conhecimento também específico em seu campo. Estudos futuros poderão se
debruçar sobre esses desafios.
73
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