universidade federal de juiz de fora - ufjf.br · thiago vieira moreira a importÂncia do uso da...
Post on 09-Nov-2018
214 Views
Preview:
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS
Thiago Vieira Moreira
A ATIVIDADE FÍSICA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO, NA
CONCEPÇÃO DO ADICTO
Juiz de Fora2010
Thiago Vieira Moreira
A IMPORTÂNCIA DO USO DA ATIVIDADE FÍSICA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO DO
DEPENDENTE QUÍMICO, NA CONCEPÇÃO DO ADICTO
Trabalho de conclusão de curso apresentado à banca examinadora como requisito final para obtenção da Graduação no Bacharelado em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora.Orientador: Edson Vieira da Fonseca Faria
Juiz de Fora2010
Thiago Vieira Moreira
A ATIVIDADE FÍSICA NO PROCESSO DE REABILITAÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO, NA
CONCEPÇÃO DO ADICTO
MOREIRA, Thiago Vieira. A Atividade Física no Processo de Reabilitação do Dependente Químico, na Concepção do Adicto. Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora, no primeiro semestre de 2010.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Jeferson Macedo Vianna
Prof.ª Dra. Lídia dos Santos Zacarias
Prof. Dr. Mateus Camaroti Laterza
Sumário
Nota do Autor..............................................................................................................5
Introdução...................................................................................................................6
Objetivo........................................................................................................................9
Metodologia...............................................................................................................10
Coleta de Dados.........................................................................................................11
Relato 01......................................................................................................12
Relato 02......................................................................................................13
Relato 03......................................................................................................14
Relato 04......................................................................................................15
Relato 05......................................................................................................16
Relato 06......................................................................................................17
Relato 07......................................................................................................18
Relato 08......................................................................................................19
Relato 09......................................................................................................20
Discussão....................................................................................................................21
Conclusão...................................................................................................................22
Bibliografia................................................................................................................23
NOTA DO AUTOR
A partir de um curso de capacitação em dependência química, realizado pelo
núcleo Integrarte, e da atuação como orientador de atividade física para jovens
dependentes químicos tenho me dedicado a esta área e venho trabalhando com adictos,
ou seja, usuários químicos em processo de reabilitação da dependência química, razão
pela qual escolhi este tema para realização deste trabalho de conclusão do Curso de
Bacharelado em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Atualmente venho realizado um trabalho personalizado de orientação da prática
regular de atividade física - personal trainer - com alguns alunos adictos, que através do
convívio dia a dia me relatam a melhora assim estabelecer a exata importância atribuída
à atividade física no processo de recuperação.
A partir deste trabalho, surgiu a idéia de mensurar o valor que os adictos
atribuem a este trabalho. Através de livros e artigos da área e constatei os motivos que
levam um dependente químico a obter uma relevante melhora no seu tratamento de
recuperação por intermédio de atividades físicas, os quais serão relatados no trabalho.
O estudo em questão visa, através de uma pesquisa qualitativa, identificar o
valor da atividade física na reabilitação do dependente químico ou/e alcoolista, tendo
como foco principal o ponto de vista do adicto e, considerando a idade, o sexo e o
“tempo limpo” (tempo de total abstinência), registrar a melhora que o próprio
dependente vem constatando em sua qualidade de vida e, consequentemente, em seu
processo de recuperação.
O trabalho a seguir baseia-se nestas recentes pesquisas em conjunto com
revisões bibliográficas da área de tratamento e recuperação da dependência química,
para que venhamos a averiguar a importância da atividade física na recuperação do
adicto, tendo em vista a opinião do próprio dependente adicto.
Espero que, com o presente trabalho, possa contribuir para reforçar a
oportunidade da inclusão do profissional de Educação Física no quadro de reabilitação
de toxicômanos e/ou alcoolistas e delinear sua importância neste processo.
INTRODUÇÃO
Embora certas características comuns possam ser observadas, os dependentes
químicos não constituem um grupo homogêneo. (Castro, 2008).
Regier et al. (1988), descreve como grande parte dos transtornos apresentados
pelos dependentes químicos, os sintomas relacionados ao estresse, tais como ansiedade
e depressão.
“Muitas descrições são propostas para identificar o dependente químico, ou mesmo para diferenciá-lo das demais pessoas, mas nenhuma dessas retrata, tão fielmente, o estado de desconforto psíquico que caracteriza tal paciente em seu basal do que o definido como dificuldade adaptativa ou inadequação (Esch, 2004, p 37).”
Para tratar destes transtornos, são tradicionalmente usadas psicoterapias e
medicação. A psicoterapia envolve longo tratamento e os psicotrópicos quase sempre
apresentam efeitos colaterais, sem falar do alto custo que envolve os tratamentos com
psicoterapias e/ou medicação (Regier et al., 1988).
Esch (2004) ainda relata que: “o tratamento médico da dependência química é
complicado, normalmente multidisciplinar e individualizado caso a caso. Por se tratar
de uma doença crônica, os resultados do tratamento são semelhantes aos de outras
doenças crônicas, como por exemplo, a asma, hipertensão, diabetes e outras”.
O consumo regular de drogas está relacionado com um circuito neuro-funcional
denominado circuito de recompensas, que é funcional em todos os indivíduos, mas que
nos consumidores de drogas passa a ser acionado preferencialmente pelo uso das
mesmas, isto porque o circuito de recompensas é o caminho final comumente percorrido
pelas drogas no cérebro (Rudge, 1999).
A função do circuito de recompensas é prover os seres humanos de uma razão
ou de uma recompensa, mediante prazer intenso, por exemplo, para realizar várias
atividades. Alimentar-se e fazer sexo são exemplos comuns deste tipo de atividade, e
que independem do uso de drogas (Roop, 1976).
Rudge (1999) relata que o sistema de recompensa interage direta e indiretamente
com várias áreas do cérebro, incluindo algumas relacionadas à vivacidade, emoção,
memória, motivação, movimento (exercícios físicos), equilíbrio e controle dos
hormônios.
Para Villarinho e Correia (2004) a busca do prazer através da droga, pelo
circuito de recompensa, pode ser derivado do alto nível de ansiedade do dependente
químico. O circuito de recompensa, assim como todos os circuitos do cérebro, funciona
por meio de neurotransmissores, especialmente a dopamina (Rudge, 1999).
A atividade física promove a produção, pela hipófise, de endorfinas que tem
efeito similar à morfina e alteração de uma ou todas monoaminas cerebrais (dopamina,
serotonina, noradrenalina), promovendo um estado de bem estar em quem a pratica.
(Nieman, 1999).
Mesmo sem um embasamento cientificamente estruturado, o trabalho de
condicionamento físico do dependente químico e do alcoolista sempre objetivou a
eliminação das toxinas, a busca de um melhor relacionamento social, o estímulo para o
lazer através de caminhadas e jogos, o resgate da autoestima e a melhoria das condições
músculoesqueléticas e cardiocirculatórias (Villarinho e Correia, 2004).
Para Laranjo et al (2004), a baixa auto-estima, as dificuldades de relacionamento
e a resistência para seguir normas e regras podem ser superadas através do esporte, em
função das suas possibilidades de ressaltar aspectos tais como, trabalho em equipe,
respeito às regras e às pessoas envolvidas no jogo, respeito aos limites do corpo
humano, diversão, lazer, benefícios à saúde e promoção do bem estar físico e mental,
desde que se controle adequadamente o valor dado à competição.
Isto porque, como refere Esch (2004), uma característica comum entre os
dependentes químicos é a baixa tolerância à frustração, o que remete à questão do
ganhar e do perder que, evidentemente, está presente no jogo e no esporte.
Villarinho e Correia (2004), afirmam que, para evitar o alto custo de um
tratamento psicotrópico e seus efeitos colaterais, tem sido examinado outro meio
alternativo de recuperação do dependente químico pela diminuição do seu nível de
ansiedade: o exercício físico.
O exercício físico e o esporte podem ser considerados técnicas não tradicionais
de diminuição do nível de ansiedade do usuário de drogas. Com efeito, o valor do
exercício físico para a prevenção e o tratamento da ansiedade e da depressão, segundo
Burton (1987), era reconhecido pelos médicos desde o tempo de Hipócrates.
De acordo com a meta-análise de Petruzzelo (1991), examinando ansiedade de
estado, ansiedade de traço e correlatos fisiológicos da ansiedade, não importa como a
ansiedade seja avaliada, não há duvida de que o exercício físico esta relacionado à
redução daquelas três medidas: de acordo com a idade, sexo e padrão de saúde mental.
Uma sessão de exercícios aeróbicos, por exemplo, é suficiente para a redução de
ansiedade de indivíduos ansiosos. (Folkins e Sime, 1981; Morgan e Raglin, 1997).
Para produzir um efeito tranquilizante, o exercício pode ser rítmico, como a
caminhada, a corrida, o andar de bicicleta, mantendo uma duração de 5 a 30 minutos,
numa intensidade de 30% a 60% da máxima possível ao sujeito. (De Vries, 1981).
Ferreira et al (2001) complementa que “além de adaptações físicas, atribuem-se
ao exercício alterações comportamentais, com substancial evidência de que indivíduos
envolvidos em programas de exercícios experimentam efeitos positivos na saúde, com
partes deles observados após sua execução, em relação aos estados de humor”.
Barbanti et al. afirma que (1993) “o esporte pode e deve fazer parte da felicidade
do homem, seja por características biológico-naturais ou pelas sócio-culturais”, em
concordância Byiton (2006) diz que “o esporte pode ser uma forma de educar o corpo
para obter saúde, qualidade de vida e bem estar físico e mental”.
.
OBJETIVO
Este trabalho baseia-se em pesquisas na área de tratamento e recuperação da
dependência química, e se propõe a averiguar, na perspectiva do adicto, a importância
da atividade física em seu processo de recuperação.
De modo a identificar o valor da atividade física na reabilitação do dependente
químico ou/e alcoolista, utilizando um programa convencional de musculação com
exercícios aeróbicos, de modo que sejam praticados regularmente.
Dentro deste trabalho temos como foco principal o ponto de vista do adicto.
Como consequência deste objetivo, o estudo pretende ainda:
1- Reunir e sistematizar informações sobre a importância da atividade física
para a melhoria da qualidade de vida e processo de recuperação do adicto.
2- Buscar elementos, junto aos sujeitos da pesquisa, de modo a obter
informações que possam contribuir com a sistematização de exercícios
físicos pelos profissionais de Educação Física.
3- Confirmar o profissional de Educação Física no quadro de reabilitação de
toxicômanos e/ou alcoolistas e delinear sua importância neste processo.
4- Registrar uma forma de abordar a atividade física junto aos grupos de
adictos.
METODOLOGIA
O estudo se orientará por uma abordagem qualitativa em que os adictos serão
entrevistados acerca de sua percepção sobre a importância da prática de atividade física
orientada em seu processo de recuperação.
As principais características dos métodos qualitativos são a imersão do
pesquisador no contexto e a perspectiva interpretativa de condução da pesquisa (Kaplan
e Duchon, 1988). Na pesquisa qualitativa, o pesquisador é um interpretador da realidade
(Bradley, 1993).
Talvez uma boa maneira de entender o que significa pesquisa qualitativa seja
determinar o que ela não é. Ela não é um conjunto de procedimentos que depende
fortemente de análise estatística para suas inferências ou de métodos quantitativos para
a coleta de dados (Glazier, 1992).
Os adictos participantes foram informados dos objetivos e procedimentos
adotados e foi-lhes assegurado o anonimato e o uso das informações prestadas
exclusivamente para os fins de realização deste estudo. Os participantes, depois de
esclarecidos sobre todo o processo, livremente aceitaram participar deste estudo.
As informações coletadas serão analisadas com base nas referências
bibliográficas encontradas sobre o assunto a fim de se fazer uma triagem das
informações prestadas pelos adictos e identificar o valor atribuído por eles na atividade
física em seu processo de recuperação.
Para evitar que houvesse alguma forma de manipulação por parte dos
entrevistados, estes não foram avisados de que naquele dia estariam sendo
entrevistados, eles apenas consentiram em fazer parte da pesquisa.
Ao longo do trabalho alguns relatos ficaram mais evidentes e foram transcritos
nos relatos, mas de modo geral, estas declarações ao longo do período de prática desta
atividade física, forma interpretadas pelo pesquisador e relatadas a seguir.
Estas informações obtidas dos adictos serão confrontadas com dados da
literatura e as convergências e divergências entre estas duas fontes de informação
compõem a discussão do assunto.
COLETA DE DADOS
Os dados foram coletados junto a um grupo de nove adictos que buscavam a
recuperação. Foi realizado com eles um trabalho de treinamento personalizado e
individual, em uma academia de Juiz de Fora, sob a supervisão de um profissional de
Educação Física.
Os dias e horários variavam em função das disponibilidades de cada um dos
participantes, que praticavam as atividades físicas numa freqüência que variava de duas
a cinco vezes na semana.
A idade de cada sujeito da pesquisa era uma variável, assim como sexo e tempo
limpo, em se tratando de um grupo homogêneo. Eram oito deles do sexo masculino e
apenas um do sexo feminino. O tempo de total abstinência também variava de um mês a
dezessete anos, assim como a idade, tendo o mais jovem dezesseis anos e o mais velho
quarenta e sete.
O nível de condicionamento físico de cada um, embora identificado, através de
testes específicos para cada avaliação, serão descritos a seguir, mas não fazem parte de
real objetivo desta pesquisa.
Para verificação de condicionamento aeróbico foi utilizado o teste de Rockford,
adaptado para esteira, de modo a averiguar o VO2 máximo de cada indivíduo e
compará-lo com a tabela de nível de aptidão física da American Heart Association.
Na avaliação antropométrica, onde são avaliados: o percentual de gordura,
características morfológicas, IMC, RCQ e Somatotipo, sendo utilizado um software
específico, desenvolvido pelo Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Doutor
Jorge Perrout.
Os demais testes foram feitos de acordo com a metodologia das academias
(Teste de Carga de 1RM, exames fisioterápicos e avaliações médicas) nas quais foi
desenvolvida a prática regular de exercícios físicos.
Porém estes resultados foram julgados irrelevantes para o desenvolvimento da
pesquisa, já que esta não tem por finalidade mensurar a melhora de performance
individual, mas a melhora de aspectos positivos na recuperação coletiva.
De modo a manter a integridade dos participantes desta pesquisa, os respectivos
nomes e sobrenomes do grupo de amostra serão abreviados, assim como as drogas e
quantidades utilizadas não serão mencionadas por pedido dos entrevistados.
RELATO 01
O primeiro aluno dependente químico a começar um trabalho personalizado
comigo, foi S. M., trinta e oito anos, do sexo masculino e com tempo total de
abstinência de seis anos e dois meses.
Começamos um trabalho diário de segunda a sexta, no qual o aluno se dispunha
a praticar atividade física com acompanhamento, cinco vezes por semana. Caso essas
aulas semanais não ocorressem, eram repostas aos sábados.
S. M. tinha um condicionamento físico muito bom, por ser praticante de caratê e
jogar futebol de duas a três vezes por semana, mas ao entrar em recuperação ganhou
muito peso, cerca de trinta quilogramas, o que aparentemente é comum em indivíduos
em recuperação.
O trabalho inicialmente tinha apenas a intenção de reduzir a massa corporal do
aluno, diminuindo seu percentual de gordura e aumentando sua massa muscular. Porém
atingido esse objetivo (o aluno perdeu vinte quilogramas em seis meses) o aluno relatou
uma melhora em sua qualidade de vida.
O estado de desconforto psíquico que caracteriza um dependente químico pode
ser definido como dificuldade adaptativa ou inadequação, uma constante insatisfação
com as condições gerais de sua vida ou com a situação do momento vivido (Esch,
2004).
Como obteve um melhor rendimento nos esportes que já praticava, melhorou,
com isso, sua autoestima devido à perda de peso e também notou uma considerável
redução da ansiedade e estresse constantes em sua rotina.
“Sinto-me mais confiante em relação ao meu trabalho e convívio social e não
fico mais nervoso ou agressivo com as minhas dificuldades, principalmente familiares.”,
relatou S. M. em uma de nossas conversas.
Segundo Burton (1987), o exercício físico para a prevenção e o tratamento da
ansiedade e da depressão, era reconhecido pelos médicos desde o tempo de Hipócrates.
O exercício e o esporte promovem uma redução significativa da ansiedade de estado e
suas medidas fisiológicas correlacionadas (Villarinho e Correia, 2004).
“Não fico mais tão ansioso ou nervoso antes de algum evento ou procedimento
no trabalho.” (S. M.)
RELATO 02
Trata-se de um dos casos mais difíceis dentro da área de educação física que eu
já tive. O aluno R. F., de quarenta e oito anos, do sexo masculino e com mais de
dezessete anos de abstinência.
O aluno, ainda durante seu uso abusivo de drogas, sofreu um grave acidente de
carro, que afetou ambas as vistas, tendo perdido parte da visão e também sua perna
esquerda, a qual ficou dez centímetros mais curta que a perna direita, devido à cirurgia
em que foi retirado parte do músculo da coxa, a rótula e aplicado dois pinos na região
superior do fêmur.
Com o sucesso obtido no emagrecimento com meu primeiro aluno, R. F. veio
me procurar, pois devido à sua deficiência não se via capaz de executar uma atividade
física sozinho, mas se sentia sedentário e acima do peso.
Desenvolvi um trabalho de circuito, alternado o trabalho de musculação com a
bicicleta ergométrica, o qual era realizado cinco vezes na semana, com o único objetivo
da perda de peso.
Após algum tempo, e com um pouco de confiança adquirida, o aluno me relatou
ser portador de hepatite tipo C, e que no seu caso não havia cura, apenas tratamentos
para retardar a doença ou em casos muito graves, o transplante de fígado.
Com isso, o seu intuito com a atividade física era muito mais um ganho de
saúde, para auxiliar no tratamento, do que apenas perder peso, o que também faz parte
desta melhoria.
Também buscava uma melhora significativa no seu estado de estresse, já que a
medicação utilizada no tratamento, Interferon e Ribavirina, alterava muito seu estado
psicológico.
R. F. relata: “emagreci e também me sinto mais disposto... antes me sentia muito
cansado por causa do tratamento e não tinha disposição para nada... a medicação me
deixava sonolento e mal-humorado, hoje começo o dia com mais vigor e quanto chego
da academia me sinto pronto para encarar o dia.”
Ferreira et al (2001) complementa, “Além de adaptações físicas, atribuem-se ao
exercício alterações comportamentais, com substancial evidência de que indivíduos
envolvidos em programas de exercícios experimentam efeitos positivos na saúde, com
partes deles observados após sua execução, em relação aos estados de humor.”
RELATO 03
A única aluna do sexo feminino com a qual trabalhei em conjunto foi N. S., de
vinte e sete anos, recém saída de uma clínica e com tempo total de abstinência de dois
meses.
Ela havia sido internada após uma tentativa de suicídio por overdose de drogas e
medicamentos, relatando sentir-se muito deprimida devido ao seu uso constante e
abusivo de drogas.
O trabalho que desenvolvi com ela, ocorria três vezes na semana, em uma
academia. Não pude dar continuidade, pois no meio do segundo mês ela começou a
faltar às aulas, devido a retornar o uso de drogas e teve de ser internada novamente.
Porém com este mês e meio de atividade física ela relatou estar se sentindo
melhor, mais feliz e bem humorada. Aproveitava melhor os seus dias tomando sol,
fazendo caminhadas e o treinamento na academia, mas relatou não conseguir evitar suas
antigas amizades, motivo o qual a levou a usar drogas novamente.
“Estou gostando de acordar cedo e fazer caminhadas, depois gosto de ficar na
piscina pra tomar sol e esperar a hora de vir para ginástica, só acho uma pena não poder
vir todo dia.” diz N. S.
De acordo com Ferreira et. al. (2001), as drogas psicotrópicas provocam
basicamente estimulação, depressão e/ou perturbações das funções do Sistema Nervoso
o que acarreta outras alterações funcionais no organismo, enquanto que a prática do
exercício físico desencadeia diversas adaptações metabólicas, endócrinas e
neurohumorais que, em conjunto, exercem influência positiva nos aspectos biológicos,
psicológicos e sociais.
N. S. ainda afirma: “Me sinto mais, principalmente comigo mesma e no convívio
com minha família”.
RELATO 04
A.C. tem quarenta e um anos, do sexo masculino e tem como tempo total de
abstinência dezoito anos e um mês. Ele já vinha praticando corrida de rua, por ser
soropositivo e buscar uma melhoria na sua saúde.
O medicamento necessário em seu tratamento faz com que o seu percentual de
gordura aumente e haja perca de massa muscular, devido às diminuições dos níveis
hormonais causados pelo coquetel.
Nas corridas que A.C. vinha realizando periodicamente, ele sofreu uma lesão na
musculatura interna da coxa direita, devido aos excessos da prática esportiva e falta de
orientação, razão pela qual veio me procurar após o tratamento fisioterápico e
recuperação da lesão.
O trabalho começou com uma freqüência de três vezes em academia, alternado
musculação com parte aeróbica, de modo a diminuir o percentual de gordura e aumentar
a massa magra do aluno, para intervir na ação maléfica do medicamento, e fortalecer a
musculatura, junto a tendões e ligamentos, para evitar uma nova lesão.
Esta intervenção ocorre cerca de mais de um ano e o aluno relata ficar mal
humorado nos dias que não pratica atividade física nenhuma, já que dentro do programa
que desenvolvi, ele tem obrigatoriamente um dia de descanso para recuperação
muscular e evitar uma possível nova lesão.
“Quando estou correndo ou malhando me esqueço de tudo e me sinto mito
bem... hoje tenho certeza de que minha condição (soropositivo) não é mais um
problema tão sério para minha saúde, pois tenho uma excelente qualidade de vida”,
relata A.C. ao comentarmos sobre sua condição de saúde.
O consumo de cocaína, maconha, tabaco e álcool, resultam em alterações das
principais vias nervosas (Barbanti, 2006).
Para Meyer e Brooks (2000), o aumento da exigência metabólica resulta na
adaptação destas diversas vias nervosas, destacando-se como principais benefícios:
normalização dos níveis de áreas da atenção, memória e controle motor; controle da
ansiedade; diminuição da gordura corporal; aumento da força e resistência muscular;
flexibilidade, do tônus muscular, da agilidade; prevenção de várias doenças aumento
dos níveis de serotonina nas áreas de humor; síntese e liberação de endorfinas; aumento
da taxa basal e diminuição de depressão, compulsão e estresse.
RELATO 05
B. P., de trinta e nove anos, do sexo masculino e em abstinência há três anos e
meio, relatou que o esporte sempre fez parte de sua juventude. Chegou a disputar
campeonatos de judô e futebol amador, porém o uso contínuo de álcool e drogas reduziu
seu rendimento e interesse pelos esportes.
Hoje ele relata vir resgatando essa vivência junto ao trabalho de musculação,
realizado quatro vezes por semana, se sentindo mais disposto para as dificuldades do
dia-a-dia.
Para Barbanti et al afirma que (1993) “o esporte pode e deve fazer parte da
felicidade do homem, seja por características biológico-naturais ou pelas sócio-
culturais”.
O aluno relata estar adquirindo disciplina, pois mesmo em recuperação, não
conseguia dar continuidade a nenhuma atividade física, e hoje com quase um ano
continuo dentro deste trabalho, sente-se muito satisfeito com ele mesmo por ter
perseverado e diz que isto tem refletido em outras áreas de sua vida. Em concordância
Byiton (2006) diz que “o esporte pode ser uma forma de educar o corpo para obter
saúde, qualidade de vida e bem estar físico e mental”.
“Sinto-me muito confiante e tenho percebido o quanto sou persistente (por causa
da atividade física regular) e capaz de conquistar meus objetivos... venho consegui
estudar mais para o meu concurso, sinto-me mais concentrado e consigo estudar por
mais tempo sem começar a ficar ansioso ou inquieto.” (B.P.)
RELATO 06
Mais um caso de abandono aconteceu com o aluno J. V., de quarenta e três anos,
do sexo masculino e que não se encontrava em abstinência total, pois fazia o uso de
álcool.
Ele me procurou, pois estava fazendo atividade física e dieta por conta própria e
por ser amigo de um dos meus alunos, entrou em contato comigo. Já havia emagrecido
cerca de trinta quilogramas, fazendo caminhas na esteira de uma das academias na qual
eu ministrava minhas aulas. Fazia uma restrição alimentar e passava o dia inteiro em
jejum e ao final da tarde se alimentava de saladas e carne e a noite só sucos.
Não conseguia obter mais resultados, pois havia perdido muita massa magra e
seu metabolismo ficara muito lento. Orientei que procurasse uma nutricionista e
comecei um trabalho de musculação, para ganho de massa muscular e consecutivamente
aumento do seu metabolismo basal.
“Não consigo baixar meu peso e isso me deixa muito frustrado” J. V.
Porém o aluno retornou o uso de drogas, e abandonou o treinamento antes do
primeiro mês, inviabilizando quaisquer possibilidades de análise para esta pesquisa.
Numa das sessões seguintes a uma noitada ele revelou: “Estou me sentindo
péssimo, ontem tomei uma garrafa de whisky com um amigo e acabei na boca atrás de
pó.”
RELATO 07
Este é um caso de compulsão por atividade física. O aluno M. M., de quarenta e
quatro anos, do sexo masculino e com cinco anos e meio de abstinência, sempre foi
obeso. Durante seu processo de uso de drogas, ao entrar em recuperação, decidiu que
iria emagrecer.
M. M. fazia mais de duas horas diárias de academia por dia, não se permitia
faltar nenhum dia e quando isto acontecia se sentia frustrado e angustiado, ficando até
mesmo deprimido nos dias que faltava à academia.
Para Esch (2004), uma característica comum entre os dependentes químicos é a
baixa tolerância à frustração.
Afirma M. M.: “Não consigo ficar na cama e faltar na academia, mesmo quando
estou muito cansado, tenho que me levantar e ir.”
Começou a sentir-se mal com este comportamento e me procurou. Então lhe
orientei que fizéssemos um trabalho semanal quatro vezes na semana dentro da
academia, os outros dois dias ele poderia fazer corridas ou caminhadas ao ar livre e
obrigatoriamente tiraria um dia de descanso.
Como está tendo um acompanhamento profissional, começou a se sentir menos
culpado e parou de se cobrar tanto. Continuou a freqüentar a academia quatro vezes por
semana, porém nos outros dias, só fazia suas caminhadas se sentisse bem disposto e não
por causa da culpa.
“Agora me sinto feliz, pois não tenho culpa em não estar me exercitando...
consigo sentir prazer ao me exercitar, sem peso na consciência.” M. M.
RELATO 08
O jovem aluno R. M., de apenas dezesseis anos, do sexo masculino e com três
meses de abstinência, acabou por abandonar os treinamentos, devido ao seu uso
continuo de drogas durante o segundo mês das sessões.
Porém, ainda no primeiro mês, ele relatou já sentir uma melhora na qualidade de
seus estudos, sentindo-se mais disposto e com mais concentração, além de estar
dormindo melhor e se alimentando bem, em função dos exercícios físicos.
“Depois que chego da academia tomo um banho e janto, e logo consigo pegar
meus livros e estudar, sem ficar tenso com isso” R. M.
De acordo com Barbanti (2002), os atributos ligados à qualidade de vida e à
saúde devem incluir o bem estar ou capacidade de funcionamento razoável das funções
físicas, mentais, intelectuais, emocionais, disposição para participar em eventos sociais,
na família, no trabalho ou na comunidade.
RELATO 09
Este último relato é um dos que mais me intrigou, trata-se de um jovem de vinte
e cinco anos, do sexo masculino e denominado T. T., já em recuperação a mais de três
anos.
T. T. sempre incluiu o esporte em seu histórico, o que antecede o uso de drogas. Aos
nove anos, ele já corria de kart, praticava artes marciais e participava de campeonatos internos
de atletismo na escola.
Durante o seu uso de drogas ele se afastou destas praticas esportivas, mas
continuou praticando atividades físicas como: corridas, natação, musculação, surf,
ciclismo, futebol, entre outras.
No início de sua recuperação percebeu que seu rendimento nessas práticas
esportivas começavam a melhorar, principalmente no âmbito da musculação, pois seu
ganho de massa muscular havia aumentado muito.
Alimentava-se regularmente, o que não acontecia durante o uso de drogas. Tinha
noites tranquilas e seu sono era saudável, havia parado de fumar cigarros (tabaco) e com tudo
isso ganhou mais de vinte quilos de massa corporal.
Desenvolveu uma subordinação por musculação, que era praticada diariamente,
de domingo a domingo, mais de sete vezes na semana, o que gerou um quadro vigorexo
em sua vida.
Dessa maneira, podemos encarar o alcoolismo como parte de um complexo
patológico abrangente que envolve não só todas as outras drogas com também
quaisquer atividades-objetos de relação dependente e comportamento compulsivo
(Esch, 2004).
Ele relata necessitar desta atividade para poder ficar sóbrio, caso contrário fica
muito agitado, agressivo e estressado, o que para Castro (2008) é comum, já que o
futuro dependente já possui fatores intrínsecos que determinam essa necessidade de
alívio e a droga funciona apenas como suprimento.
Hoje, após três lesões no ombro, ele faz um acompanhamento personalizado
comigo, de quatro a cinco vezes por semana, e tem seu treinamento todo voltado para
competições de artes marciais.
“Quero ser campeão mundial de jiu-jitsu na minha categoria e sei que sem
drogas sou capaz.” (T. T.)
DISCUSSÃO
Dos objetivos propostos pelo estudo, utilizando-se da bibliografia existente, por
meio da metodologia estabelecida e com embasamento nos dados coletados na pesquisa,
consegui reunir e sistematizar informações sobre a importância da atividade física para a
melhoria da qualidade de vida e do processo de recuperação do adicto.
Observou-se entre os participantes efeitos objetivos da atividade física tais como
redução da gordura corporal, aumento da taxa de metabolismo basal, aumento da
resistência muscular, redução de ocorrências de gripes, resfriados e infecções
respiratórias em geral, melhoria da capacidade pulmonar, aumento da capacidade de
consumo de oxigênio, entre outras, tudo isso devido a pratica regular de atividade física
que vinham fazendo.
Já para registrar uma forma de abordar a atividade física junto aos grupos de
adictos, ficou claro, em um terço dos relatos, que a atividade física monitorada por um
profissional foi fundamental para que os adictos controlassem suas compulsões,
transferidas do uso abusivo de drogas para os exercícios físicos, de modo a evitar lesões
e frustrações referentes ao esporte.
Para a outra terça parte dos alunos que apenas objetivavam uma melhora na
saúde, através de emagrecimento e condicionamento, ficou também evidente que eles
obtiveram melhora em sua saúde, tanto física quanto mental, através da regularidade de
exercícios físicos, o que resultou em uma melhor qualidade de vida.
Mesmo para a terça parte dos alunos que não obtiveram êxito em continuar a se
exercitar e que acabaram reincidindo no uso compulsivo de drogas, a prática regular da
atividade física, que tiveram durante os meses de tratamento, foi vista por eles como
importante para uma significativa redução dos níveis de estresse e ansiedade, melhoras
em suas qualidades de vida, com uma mudança positiva na alimentação, sono,
disposição e concentração.
É importante ressaltar que o profissional de educação física deve elaborar
exercícios específicos às necessidades biológicas do paciente dependente.
Desde os processos químicos dos neurotransmissores, até a liberação de
hormônios provenientes da atividade física, o dependente químico também é
beneficiado pela diminuição dos níveis de ansiedade, comum nos adictos, assim como
melhorias no aspecto físico, saúde e qualidade de vida.
CONCLUSÃO
Considerando os dados, podemos concluir que a atividade física é vista pelos
adictos como um importante elemento de promoção de qualidade de vida e um
importante apoio ao processo de reabilitação.
Os dados apontam que a atividade física, através da produção de endorfinas,
redução de sintomas depressivos e ansiosos, pode proporcionar sensação de bem estar,
melhorar o humor e a autoestima, melhorar a qualidade de vida, com a diminuição do
estresse.
Da confirmação do profissional de Educação Física dentro do processo de
reabilitação de toxicômanos e/ou alcoolistas, como efeitos subjetivos da prática de
atividade física entre os adictos, observou-se que a regularidade da prática ajuda na
qualidade de vida e os dependentes químicos necessitam de uma vida saudável, social e
regrada, ficando evidente que os esportes e as atividades físicas podem ajudar neste
processo difícil e trabalhoso.
BIBLIOGRAFIA
BARBANTI, V. J. Dicionário de Educação Física e do Esporte. São Paulo, Ed. Manole Ltda., 2003.
BARBANTI, V. J.; GUISELINI, M. A. Fitness. Manual do Instrutor, Ed. Balieiro, 1993.
BARBANTI, V. J. Aptidão física: um convite à saúde. São Paulo, Ed. Manole Ltda., p 103-105; 1990;
BARBANTI, V. J. “Esporte e atividade física: interação entre rendimento e saúde”. Ed. Manole, 2002.
BARBANTI, V. J. Efeito da atividade física na qualidade de vida em pacientes com depressão e dependência química. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, v11, n 1, p. 37-45. 2006.
BRADLEY, J. Methodological issues and practices in qualitative research. Library Quarterly, v. 63, n. 4, p. 431-449, Oct. 1993.
BURTON, A. W. Confronting the interaction between perception and movement in adapted physical education. Adapted Physical Research Quarterly, 4, 257- 267 1987.
BYINGTON, C. A. B.“A riqueza do futebol”. Revista Psique Ciência & Vida, p22 – 33 2006.
CASTRO M. R. Curso de Capacitação em Dependência Química, ano 2008.
DIAS, C. Grupo focal: técnica de coleta de dados em pesquisas qualitativas. Nov. 1999.
DE VRIES, H. Tranquilizer effects of exercise: A critical review. The Physician and Sports Medicine, 9, p 46-55, 1981.
ESCH, R. “Você e o Alcoolismo” - Uma Proposta de Ação. Ed. Qualitymark, 1991.
FERREIRA, S. E.; TUFIK, S.; MELLO, M. T. Neuroadaptação: uma proposta alternativa de atividade física para usuários de drogas em recuperação. Rev. Bras. de Ciênc. e Mov. 9(1) , 2001.
FOLKINS, C. H.; SIME, W.E. Physical fitness training and mental health. American Psychologist, 36, p373-389, 1997.
GLAZIER, J. D. & POWELL, R. R. Qualitative research in information management. Englewood, CO: Libraries Unlimited, 1992. 238p.
KAPLAN, B. & DUCHON, D. Combining qualitative and quantitative methods in
information systems research: a case study. MIS Quarterly, v. 12, n. 4, p. 571-586, Dec.
1988.
LARANJO, T. H. M.; SANTOS, E. M. A.; AMORIM, B. V.; O esporte como parte do tratamento da dependência química em um CAPS ad 2: uma visão inclusiva. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, 2004.
LIEBSCHER, P. Quantity with quality? Teaching quantitative and qualitative methods in a LIS Master’s program. Library Trends, v. 46, n. 4, p. 668-680, Spring 1998.
MEYER T; BROOKS A. Therapeutic impact of exercise on psychiatric diseases: guidelines for exercise testing and prescription. Sports Med; 30 (4): 269-279, 2000.
MORGAN, W. P.; RAGLIN, S. E. Exercise and mental health. New York, 1997.
PATTON, M. Q. Qualitative evaluation methods. Beverly Hills, CA: Sage, 1980. 381p.
PETRUZZELO, W. The neurochemistry of behavior. Annual Review of Psychology, 1991.
REGIER, S. T. The best therapy. Physician and Sports Medicine. 14, p. 43, 1988.
ROOP, R. S. As Drogas e a Mente. Ed. Ibrasa nº2, São Paulo, 1976.
RUDGE, E. Entre a Biologia e a Espiritualidade. Texto datilografado, 1999.
VILLARINHO, L.; CORREIA, R. Benefícios possíveis da atividade física orientada para usuários de drogas em recuperação. Sprint Magazine, ano21, nº133, 2004.
top related