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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE ECONOMIA
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: A
EXPERIÊNCIA DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO
MUNICÍPIO DE QUEIMADAS
DANILO RAIMUNDO DE ARRUDA
CAMPINA GRANDE – PB
MARÇO – 2008
DANILO RAIMUNDO DE ARRUDA
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: A
EXPERIÊNCIA DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO
MUNICÍPIO DE QUEIMADAS
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Federal de Campina Grande, em cumprimento às exigências para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Econômicas.
Prof. Dr. Severino José de Lima ORIENTADOR
CAMPINA GRANDE – PB MARÇO – 2008
ARRUDA, Danilo Raimundo de. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO E DESENVOLVIMENTO
LOCAL SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA DO PLANO DIRETOR
PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE QUEIMADAS Danilo Raimundo de Arruda. Campina Grande, 2008.
180p.
Inclui Bibliografia
Orientador: Prof. Dr. Severino José de Lima
1. Participação. 2. Capita Humano. 3. Capital Social. 4. Desenvolvimento Sustentável. I. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA DO PLANO
DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE QUEIMADAS UFCG
CDU
DANILO RAIMUNDO DE ARRUDA
PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARTICIPATIVO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE
QUEIMADAS
____________________________________________
PROF. DR. SEVERINO JOSÉ DE LIMA
ORIENTADOR
____________________________________________
PROFª. DRª. GELFA DE MARIA COSTA AGUIAR
EXAMINADORA
____________________________________________
PROF.ª Ms. LUIZA ALVES MARINHO DANTAS
EXAMINADORA
DEDICO ESTE ESTUDO:
À meu avô Olímpio Arruda (in memoriam). Às professoras Educadoras:
Dona Dulce e, Dona Lourdes (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
A DEUS, PRIMEIRAMENTE E A TODOS AQUELES QUE PARTICIPARAM DIRETA OU
INDIRETAMENTE PARA A CONSTRUÇÃO DO PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DE QUEIMADAS.
AOS MEUS FAMILIARES PAIS E EM ESPECIAL A JOSÉ RAIMUNDO SOBRINHO E MARIA
ESTELA RAIMUNDO ARRUDA.
AO PROFESSOR-EDUCADOR SEVERINO JOSÉ DE LIMA (XANGAI), A MINHA ETERNA
GRATIDÃO PELA ATENÇÃO E DEDICAÇÃO.
AOS PROFESSORES E AOS COLEGAS, AMIGOS E COMPANHEIROS DO CURSO DE
ECONOMIA.
AOS INTEGRANTES E AMIGOS DO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL /PET-ECONOMIA E
EM ESPECIAL A PROFESSORA GELFA DE MARIA AGUIAR. A VOCÊS TODO MEU CARINHO.
AOS PROFESSORES EXAMINADORES: LUIZA MARINHO DANTAS E GELFA DE MARIA
AGUIAR.
AO PREFEITO DE QUEIMADAS SAULO ERNESTO E AOS COMPANHEIROS DA SECRETARIA DE
CULTURA, JOSÉ MARCIANO E JOSÉ EZEQUIEL POR TER PROPOCIONADO O TEMPO NECESSÁRIO PARA
A REALIZAÇÃO DESTE TRABALHO.
i
RESUMO
O objetivo deste estudo é identificar e analisar os limites e possibilidades de construção e execução do Plano Diretor Participativo de Queimadas (PB). Este plano se constitui num instrumento de planejamento estratégico participativo do desenvolvimento local sustentável, tendo como eixo o ordenamento da ocupação do espaço urbano e rural. Tais limites são identificados, justamente, na fragilidade do capital humano, na escassez do capital social e numa cultura política balizada em valores antidemocráticos. Esses são fatores impeditivos a participação cidadã e, por conseqüência, são identificados como os principais limites para a construção e execução de um Plano Diretor Participativo. Ao mesmo tempo, esses fatores, também são visto como alavancadores do progresso econômico e social, ou seja, estabelecem as possibilidades de construção e execução de um Plano Diretor Participativo; se os mesmos forem potencializados. Conclui-se, então, que a natureza de um Plano Diretor Participativo só será alcançada plenamente em uma sociedade onde o capital humano e o capital social favoreçam o movimento participativo de aprendizagem social; participação essa entendida enquanto ato de decidir sobre o seu futuro. Portanto, esses elementos são pressupostos e supostos para a existência de um ambiente favorável ao desenvolvimento local sustentável.
Palavras Chave: Participação; Capital Humano; Capital Social; Desenvolvimento Sustentável.
ii
ABSTRACT
The objective of this study is to identify and analyze the limits and possibilities of building and running the Participation Master Plan of Fires (PB). This plan is an instrument of participatory strategic planning of local development, with its central planning of urban space and rural. These limits are identified precisely the fragility of human capital, shortage of capital and a political culture marked out in anti-democratic values. These are impediments to citizen participation and, consequently, are identified as the main limitations in the construction and execution of a Participation Master Plan. At the same time, these factors are also seen as levers of economic and social progress, or provide opportunities for building and running a Participation Master Plan, if they are leveraged. It follows, then, that the nature of a Participation Master Plan will only be achieved fully in a society where human capital and social capital favor the movement of participatory social learning, participation understood as the act of deciding on their future. Therefore, these elements are supposed to assumptions and the existence of an enabling environment for local development.
Word-key: Participation; Human capital; Social capital; Maintainable development.
iii
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: As Várias Contribuições Conceituais a Respeito do Capital Social 53
Quadro 02: Plano de Metas: o Planejado e o Executado 72
Quadro 03: Distribuição da População 99
Quadro 04: Nível Educacional da População Jovem – 1991 a 2000 104
Quadro 05: Dificuldades Administrativas Identificadas pelos Entrevistados 154
Quadro 06: Informantes-chaves à Execução do Plano Diretor 163
Quadro 07: Cidadãos Comuns e Outros: Conhecimento do Processo de Construção do Plano. 164
Quadro 08: Cidadãos Comuns e Outros: Perspectivas sobre o Plano dos mais Interessados. 166
Quadro 09: Cidadãos Comuns e Outros: o Que Está Acontecendo em Termos de Plano Diretor. 167
iv
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Organograma do Sistema de Planejamento da Cidade do Recife 25
Figura 02: Organograma da Proposta de Planejamento da Cidade do Recife 27
Figura 03: Localização do Município de Queimadas 96
Figura 04: Serviços de Esgotamento Sanitário em Queimadas 103
Figura 05: Total de Entrevistados por Sexo 130
Figura 06: Escolaridade dos Entrevistados 130
v
LISTA DE ABREVIATURAS
CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CELB –CINEP Companhia Energética da Borborema
CINEP Companhia de Desenvolvimento da Paraíba
DLIS Desenvolvimento Local Integrado Sustentável
EMATER Empresa de Assistência Técnica E Extensão Rural
DLIS Desenvolvimento Local Integrado Sustentável
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEME Instituto de Desenvolvimento Municipal e Estadual
MEC Ministério da Educação e Cultura
PDPQ Plano Diretor Participativo de Queimadas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SEBRAE Sistema Brasileiro de Apoio a Pequena Empresa
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
CEB Comunidades Eclesiais de Base
PROGER Programa de Geração de Emprego e Renda no Meio Urbano
SUMÁRIO
RESUMO i
ABSTRACT ii
LISTA DE QUADROS iii
LISTA DE FIGURAS iv
LISTA DE ABREVIATURAS v
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEORICO E METODOLÓGICO 13
1.1. Uma Revisão da Literatura 13
CAPÍTULO II – QUADRO CATEGORIAL DE ANÁLISE 47
2.1. Participação 48
2.2. Capital Humano e Capital Social 51
2.3. Governança Local 56
CAPÍTULO III - ESTADO E PLANEJAMENTO NO BRASIL: DA FORMA TECNOBUROCRÁTICA CENTRALIZADORA À FORMA PARTICIPATIVA 60
3.1. A Origem do Plano no Brasil 60
3.2. O Planejamento no Brasil: Final da Segunda Guerra a 1964 67
3.3 O Modelo Intervencionista e Modernizador do Regime Militar 76
3.4. Fim da Ditadura Militar: Crise e Deslegitimação do Modelo Centralizador e Autoritário do Planejamento 79
3.5. A Constituição de 1988 e o Planejamento Participativo 85
3.6. Desenvolvimento Sustentável e Participação nos Anos 90: A Vez dos Planos Diretores 88
CAPÍTULO IV – LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO GERAL DO MUNICÍPIO DE QUEIMADAS
98
4.1. Histórico 98
4.2. Localização do Município 98
4.3 Aspectos Populacionais 99
4.4. Aspecto Climatológico e Hidrográfico 100
4.5. Aspecto Físico-Territorial 100
4.6. Economia do Município 101
4.7. Aspecto Sócio-Cultural 102
4.7.1. Saúde e Saneamento Ambiental 102
4.7.2. Educação 104
4.7.3. Cultura 105
4.8. Quadro Político-Institucional e Capital Social 106
4.8.1. O Capital Social 108
CAPÍTULO V – PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO: PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E METODOLOGIA
112
5.1. O Que Diz o Ministério das Cidades 112
5.2. A Construção do Plano Diretor Participativo de Queimadas 119
5.2.1. Fase Inicial de Sensibilização, Mobilização Social e Institucionalização do Projeto de Elaboração do Plano 119
5.2.2. Mobilização da Zona Urbana Levantamento Análise e Sistematização das Informações 124
5.2.3. Sistematização Final, Pactuação com a Sociedade e Aprovação da Lei do Plano Diretor 126
5.3. Alcances e Limites do Plano Diretor na Visão dos Participantes de Sua Construção 129
5.3.1. Participantes do Conselho Gestor 131
5.3.2. O Plano Diretor na Visão de Lideranças, Personalidades Públicas, Intelectuais e Empresários 151
5.3.3 O Plano Diretor na Visão dos Informantes-Chaves 158
5.3.4. O Plano Diretor na Visão do Povo em Geral 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS 168
REFERÊNCIAS 172
ANEXOS 176
8
Introdução
Este trabalho tem como objetivo identificar e analisar os limites e possibilidades de
construção e execução do Plano Diretor Participativo de Queimadas (PB). Este plano se
constitui num instrumento de planejamento estratégico participativo do desenvolvimento local
sustentável, tendo como eixo o ordenamento da ocupação do espaço urbano e rural.
A experiência de construção do Plano Diretor Participativo de Queimadas e os debates
públicos e comunitários que suscitou merece ser refletida, para em seguida ser identificados e
analisados os possíveis entraves, também à sua execução. Trata-se de uma experiência única
na Paraíba: primeiro, porque foi o único que procurou seguiu todos os passos de elaboração
participativa recomendada pelo Ministério das Cidades, enquanto que na maioria das cidades
deste Estado, este instrumento foi “fabricado” enquanto uma mera formalidade para atender
um imperativo de Lei (Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001 e Constituição Federal).
Provavelmente, por temores quanto à criação de uma situação de inadimplência para com esta
responsabilidade constitucional e possíveis sanções por parte do Governo Federal. Sem este
imperativo de Lei, tal formalidade não teria sido cumprida.
Segundo, a experiência de Queimadas diz respeito a própria expectativa do Ministério
das Cidades que espera que haja uma “safra” de Planos Diretores Participativos que abranjam
procedimentos e intencionalidades que corrijam os planos feitos em momentos anteriores ao
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Não só porque foram arquitetados por um
planejamento centralizador-burocrático e autoritário, mas porque tornaram-se na maioria dos
casos meras formalidades a serem engavetadas e esquecidas pelos gestores públicos,
representantes políticos e outros atores sociais interessados em encobrir os diferentes
problemas e sequelas sociais resultantes dos problemas de produção e reprodução capitalista
das cidades.
Terceiro, é importante estudar a experiência de Queimadas (PB) por se tratar de um
pequeno município localizado no Semi-Árido nordestino. O que isso significa?. Quando se
trata de grandes cidades e metrópoles, as quais apresentam problemas econômicos,
ambientais, sociais e espaciais ingovernáveis e acumuladas experiências de organização
econômico e social, reivindicadoras de reforma urbana, a idéia de um Plano Diretor, e ainda
por cima, participativo, aparece como algo óbvio e extremamente necessário. No entanto,
quando se trata de um município com cerca de 38 mil habitantes (estimativa/IBGE, 2005),
como mais de a metade da população morando na zona rural e sobrevivendo quase que
exclusivamente dos recursos transferidos unilateralmente pelo Governo Federal, um Plano
9
Diretor Participativo aparece, no mínimo, como algo inusitado e como grande novidade preste
a não ser entendido como necessário pelos próprios gestores locais e, em geral, personas
principais de uma cultura política local matizada pelo clientelismo e outras formas autoritárias
de lidar com recursos públicos. Porém, ao se identificar esses entraves políticos se tem,
também, que sublinhar que eles não são algo só inerente aos pequenos municípios, como
Queimadas, embora padrões de relações econômico-sociais institucionalizados como o
clientelismo, ainda que, façam parte da tradição secular do Nordeste e do Brasil, neles
aparecem com maior evidência, pelo próprio fisiologismo e patrimonialismo que expressam.
Portanto, onde essa cultura política se expressa e com maior intensidade nos
municípios interioranos, é de se esperar uma ambiência adversa ao planejamento
participativo. Adverso pelo próprio fato, de suscitar a importância da organização da
sociedade e, sobretudo, das camadas mais pobres da população as quais desde que
organizadas, deveriam se constituir nos principais sujeitos do tal processo.
Além de tais problemas, o município de Queimadas, como os demais típicos da região
Semi-Árida do Nordeste, vem a quase 30 anos sofrendo as consequências de uma crise de sua
principal base econômica fundada na atividade agro-exportadora (o esgotamento da atividade
algodão - pecuária – como aponta o diagnóstico do Plano Diretor de Queimadas). Portanto,
em municípios deprimidos economicamente, não basta um plano estratégico participativo de
desenvolvimento que possa induzir uma nova dinâmica econômica. Isto é, não bastam
instrumentos em infra-estrutura econômica e social; crédito barato e adequado para alavancar
economias locais e potencialidades alternativas.
Não se obterá o desenvolvimento entendido como mudança social, ou seja, que incide
na elevação das condições de vida da maior parcela da população do município; se não se
levar em consideração os empecilhos em termos de desenvolvimento do Capital Humano e do
Capital Social. Portanto, por mais que seja participativo um plano diretor, isto é, envolvendo a
população na discussão de seus principais problemas e se constituindo num processo de
aprendizagem social, a sua implementação pode ter limites para além da cultura política
tradicional guiada por valores antidemocráticos. Seu principal limite pode estar no
desenvolvimento do Capital Humano e do Capital Social e na cultura política local adversa a
esse tipo de investimento.
Assim, politicamente, sem investimentos nestes fatores produtivos e participativos,
não haveria possibilidade de implementação de instrumento de tal magnitude e natureza – ou
seja, não estaria ao alcance da população o vislumbramento da dimensão do Plano e de seus
benefícios – se obtendo, na verdade um simulacro não só de planejamento participativo, como
10
também, do plano diretor, não se atingindo os processos, procedimentos e resultados
esperados.
É aqui que se insere o interesse de um trabalho científico da área de economia. Dado a
incipiência do Capital Humano e do Capital Social, como pressuposto e suposto, de
construção e execução de um Plano Diretor Estratégico e Participativo; como foi possível
construir esse instrumento de desenvolvimento local sustentável e de ordenamento espacial
em Queimadas? Quais entraves foram enfrentados na sua construção? Em que consistiu de
fato a participação da população, já que participar é antes de tudo o direito de decidir, de
tomar parte ativa nas decisões no que dizem respeito às camadas populares e atores sociais
organizados e empoderados? Superados esses entraves e construído o Plano Diretor
Participativo, quais são os limites e possibilidades de sua implementação, uma vez que ele
pressupõe não só investimento no desenvolvimento do Capital Humano e do Capital Social,
mas que já requer certo acúmulo destes fatores participativos e produtivos locais? Este
trabalho procura discutir estas questões, identificando limites e possibilidades de construção e
implementação de um Plano Estratégico de Ordenamento Espacial e Desenvolvimento Local
à luz da experiência de Queimadas (Paraíba).
Certamente que Queimadas, como a maioria dos municípios do Brasil sofreu as
repercussões das mobilizações populares que levaram o país ao Estado de Direito
democrático, e que imprimiram na Constituição Brasileira, entre outros avanços, os institutos
de soberania popular (plebiscito, referendo, impeachment, iniciativa popular de projetos lei,
participação no planejamento e controle social de políticas e fundos públicos). E, também, o
próprio imperativo de reforma urbana.
Certamente que, as próprias políticas do Governo Federal têm apresentado os
princípios e obrigatoriedade de que sejam nos municípios construídos os conselhos gestores
de participação e controle social de políticas e fundos públicos, por sua vez, governados por
valores democráticos. Também, há de se convir que os municípios, por mais pequenos e
isolados que possam parecer, conta, proporcionalmente, com uma certa base social
organizada, em geral, os sindicatos dos trabalhadores rurais, as associações comunitárias
urbanas e rurais; organizações civis e corporativas; pastorais sociais ligadas a Igreja Católica;
clubes sociais e de serviços, entre outros. Em geral, há atuação das chamadas organizações
não governamentais (ONGs), além das organizações governamentais (OGs) e dos partidos
políticos. Queimadas não tem sido diferente. Além disso, faz parte da região polarizada pela
segunda maior cidade da Paraíba, Campina Grande. Certamente, essas organizações por mais
frágeis que sejam constituem em ferramentas de organização da população, tendo em vista a
11
formatação do Plano Diretor do município. Esta base social pode ser constatada e evidenciada
no corpo deste trabalho.
É claro que a construção de um Plano Diretor, ou de qualquer outra experiência de
planejamento participativo não é um processo uniforme e linear. E cada grupo social participa
segundo a sua própria capacidade de entendimento e de mobilização. Muitos se mobilizam em
função de seus interesses imediatos, outros em conseqüência de um contexto de intensa
emulação político-ideológica, levada a efeito pelo otimismo das lideranças e certas
organizações e partidos políticos. Nesse clima, certos grupos sociais participam
circunstancialmente, voltando depois ao seu cotidiano habitual. Por outro lado, o processo de
planejamento e a sua posterior execução exigem no mínimo um governo local sensível aos
reclames e à participação social. Exige um governo local que estimula a participação para
obter certa legitimação e reconhecimento popular dos êxitos de sua administração. Sabe-se
que uma boa governança exige co-responsabilidade, não só no sentido de transparência e
fiscalização, mas também enquanto dever de cuidar dos bens públicos que as comunidades e
seus membros usufruem. Neste sentido, o empoderamento popular como expressão do Capital
Social acumulado deve apontar para uma experiência de governança.
Este trabalho foi construído mediante um esforço de reflexão teórica com base em
informações obtidas através da observação participante, entrevistas com lideranças e gestores
públicos que participaram diretamente do processo de construção do Plano Diretor e nos
documentos elaborados e que fazem parte do acervo da Secretaria de Desenvolvimento do
Município. Esses dados formam analisados tendo como referência os próprios propósitos do
Estatuto da Cidade e do Ministério das Cidades que elaborou o guia de construção do Plano
Diretor Participativo. Essas orientações foram replicadas no projeto de construção do Plano
Diretor Participativo de Queimadas.
Além disso, se fez uma revisão bibliográfica sobre o tema específico, buscando-se
verificar a identificação e análise de limites e possibilidades de planos diretores urbanos
abordadas pela literatura acadêmica. Ainda, se fez uma revisão de literatura sobre
planejamento, mais especificamente no país, de forma a identificar mudanças e continuidades
entre os modelos anteriores de planejamento e o procedimento participativo de planejamento
adotado na atualidade.
Procurou-se, a partir dessa revisão bibliográfica, observar como os modelos de
desenvolvimento estão implicados em cada forma particular de planejamento, associando-os
às exigências contemporâneas de legitimação do Estado e as incertezas suscitadas pelo
contexto de crise e as sequelas sociais que esta crise provocou. Tal necessidade de legitimação
12
esta associada na chamada nova concepção de desenvolvimento que colocam a
imprescindibilidade do Capital Humano e do Capital Social para que haja desenvolvimento
econômico-social nos marcos da sustentabilidade e que pressupõe inclusão social em um
contexto de globalização.
Este trabalho consta de 5 capítulos, além da introdução e das considerações finais. No
primeiro capítulo é feita uma revisão da literatura sobre planos diretores no País, analisando-
se as experiências de São Paulo, Recife e Joinvile. O segundo capítulo trata da análise das
categorias: capital humano, capital social, participação e governança local. O terceiro capítulo
faz uma revisão da literatura sobre planejamento no Brasil, buscando identificar mudanças e
continuidades, além de procurar mostra como surgiu o planejamento participativo no País. O
Quarto capítulo trata dos aspectos do município de Queimadas: caracterização geral do
município; sua base econômica e social; a política institucional; e, mais especificamente, seu
capital humano e seu capital social. O quinto capítulo trata dos princípios, diretrizes e
metodologia para a construção de planos diretores colocados pelo Ministério das Cidades,
mostrando como se deu a construção do Plano Diretor Participativo de Queimadas e a visão
dos diferentes atores sociais e participantes do processo de Sua construção.
13
CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEORICO E METODOLÓGICO
1.1. Uma Revisão da Literatura
O que a produção teórica, científica e técnica dizem sobre Planos Diretores? Que
limites, possibilidades e alcances podem ser identificados? Sem querer fazer uma revisão
exaustiva sobre o tema foram selecionados trabalhos com abordagem bastante polêmica para
em seguida se apresentar aqueles mais otimistas, terminando-se com a própria cartilha
(brochura) do Ministério das Cidades. Neste documento estão apresentados as principais
categorias que definem as orientações participativas e sustentáveis dos planos a serem feitos
e, segundo o próprio Estatuto da Cidade o qual regulamenta o Capítulo II da Constituição
Federal e que trata da Política Urbana.
Ao se deparar com trabalho do tipo “As Ilusões do Plano Diretor” de Flávio Villaça
(2005), sobre a experiência de São Paulo e ou do tipo “Fetiche da Participação popular: novas
práticas de planejamento, gestão e governança democrática no Recife – Brasil - de Suely Leal
(2003) ou, mesmo quando a gente ler a obra de Chico de Oliveira (1997) sobre a experiência
da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE há mais ou menos meio
século atrás, há de se perguntar por que se insiste tanto nesse instrumento de definição e
elaboração da política de desenvolvimento, da Política Urbana? Afinal, a quem ele serve, já
que os fracassos estariam sempre ao sabor das “correlações de forças” presentes na sociedade
num determinado momento de definição importante dos rumos do país, dos destinos de nossas
cidades? Quais, então, seriam seus limites e seus alcances, principalmente, porque continua
em “moda” a “participação popular”, em determinado momento como “remédio”, em outros
como solução para se garantir que o planejamento seja exeqüível segundo a realização dos
objetivos e metas preconizados no Plano?
Assim, em a “Ilusão do Plano Diretor” Flávio Villaça (2005) discute a experiência de
elaboração do Plano Diretor da cidade de São Paulo. Segundo o autor trata-se de uma
experiência em que a análise assume certa universalidade e que embora seja única no país a
sua análise aplica-se aos processos de elaboração de planos diretores de todas as cidades
grandes e médias do País. O autor não fala por que a experiência paulista é única, mas dá a
entender que ela é única pela grande quantidade de audiências e debates públicos, sejam
aqueles realizados por iniciativa do Executivo Municipal, sejam aquelas levadas a efeito pelo
Legislativo municipal. Ora, numa perspectiva metodológica se um plano diretor numa cidade
como São Paulo, pelo próprio acúmulo de experiências e lutas operárias e populares; pelas
amplas lutas e movimentos sociais urbanos que terminaram por influenciar lutas do gênero em
14
todo país; apresentou-se uma ilusão; o que dizer de pequenas e médias cidades, onde
predominam uma cultura política ainda clientelista e uma sociedade civil frágil, disforme ou
gelatinosa (COUTINHO, 1988).
A contribuição de Villaça, para efeito deste trabalho aqui apresentado, é muito
importante por isso, até porque numa perspectiva marxiana a análise do típico, ou seja, do tipo
mais desenvolvido das espécie em análise ou em estudo permite um alcance bem maior em
termos de identificação de contradições, limites, alcances e tendências, sob quais
provavelmente as espécies menos desenvolvidas ou menos complexas tenderiam ou
colocariam como horizonte de um movimento permanente e que imprime no espaço e no
tempo a sua própria marca e a historicidade de fenômeno social. Além disso, a análise de caso
típico permite maior alcance em termos dos diferentes aspectos, ângulos, conexões e
contradições de uma totalidade com diferentes dimensões e significados (LÖWY, 1979).
O autor identifica que a idéia de Plano Diretor existe no Brasil pelo menos desde 1930.
Neste ano foi publicado, em francês, o Plano Agache, é quando aparece pela primeira vez
entre nós a palavra plan directeur. Elaborado para a cidade do Rio de Janeiro pelo urbanista
francês Alfred Agache. O autor constata, ainda, a feitura do Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo de 1971, portanto, da época da
Ditadura Militar, para diferenciar a idéia de Zoneamento Urbano da noção de plano diretor
que seria mais abrangente. Único aprovado por Lei, até então, abrange a concepção
dominante da elite do país (engenheiros, arquitetos, economistas, tecnocratas, governantes) e
que vai muito além do zoneamento. Este, o zoneamento, se refere mais ao controle do uso do
solo, já o plano diretor abrange todos os problemas fundamentais da cidade a médio e longo
prazo.
Nesse sentido, segundo Ferrari (2007) citando o jurista Hely Lopes Meireles, essa
concepção mais abrangente de plano diretor abrange “o complexo de normas legais e
diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do município sob os aspectos
físico, social, econômico e administrativo desejado pela comunidade local”. Este autor
enfatiza que “desejado pela comunidade local”, o próprio plano sugere que pelo menos os
protagonistas da cidade sejam consultados, ou seja, que a grande parcela da população que
constrói e vivencia permanentemente a cidade, que nela vive e trabalha, seja levado em
consideração.
O autor faz uma análise crítica dessa idéia abrangente de plano diretor, que é
dominante e atribui a esse instrumento a função imprescindível de desenvolvimento e
ordenamento do espaço urbano num período de médio e longo prazos. Critica a visão das
15
elites da sociedade brasileira a qual atribui a um Plano Diretor miraculosos poderes a exemplo
de uma matéria veiculada no jornal do Brasil de 3/11/2002 sobre o projeto de implantação de
um novo Plano Diretor do Rio de Janeiro e apresentando como uma espécie de guardião do
futuro da cidade. Noticia que a peça fundamental para planejar o futuro da cidade nos
próximos dez anos, o projeto para a implantação de um novo Plano Diretor do Rio está parado
na Câmara de Vereadores.
Segundo identificou Villaça (2005); a manchete era bem sugestiva: “o futuro da cidade
parou na gaveta”. Também em São Paulo, na mesma época a Folha de São Paulo, de
02/07/2000, em matéria de uma página inteira, paga pela Prefeitura e sob o título “Quem
ganha e Quem perde com o Plano Diretor”, entre outras, atribui “poderes miraculosos”
(termos do autor). Diz que: “... os vales dos córregos se transformarão em parques lineares, o
lixo será reciclado e a drenagem prevista para evitar enchentes”. Ainda segundo Villaça
(2005):
Os dois únicos Planos Diretores que vigoraram na cidade de São Paulo foram tão ilegítimos quanto inúteis: o já mencionado plano aprovado pela lei 7.688 de 31/12/1971 e o aprovado pela lei 10.676 de 7/11/1988 (administração Jânio Quadros). A ilegitimidade do primeiro deve-se ao fato de ter sido aprovado no auge da ditadura, por uma Câmara Municipal da qual vários vereadores haviam sido cassados. A do segundo, pelo fato de ter sido aprovado por decurso de prazo, mecanismo do chamado “entulho autoritário” ainda em vigor na época. Sua validade foi contestada na justiça e ele passou muitos anos sub-judice.
Essa avaliação pessimista do autor sobre os Planos Diretores prossegue só que agora
avaliando a distância entre a teoria e propostas “miraculosas” dos planos e a prática concreta.
E nesta perspectiva o autor toma a Edição Especial 2004 da Revista Cidades Vivas, lançada
pelo Partido dos Trabalhadores. Segundo o autor não se trata de discursos de democratas e
nem de membros de administração e gabinetes; mas de pontos de vista sobre a prática
concreta, incluindo o próprio município de São Paulo. Assim, nessa edição especial de Cidade
Vivas é avaliada as administrações municipais das principais cidades administradas pelo
partido. Um “mutirão” de jornalistas viajou por 26 cidades entre elas: São Paulo, Belém,
Recife, Porto Alegre, Santo André, Goiânia, Ribeirão Preto, Aracajú, Pelotas, e outras.
A matéria publicada é fruto, por seu turno, de mais de 200 entrevistas feitas durante os
meses de abril a maio de 2004 e não só com prefeitos e gestores públicos municipais, com
empresários e com líderes de entidades da sociedade civil e de movimentos populares.
Também e principalmente (grifos do autor) com cidadãos comuns representantes de várias
faixas e extratos da população (classes e camadas sociais, idades, sexo e outras variáveis
diferentes).
16
A novidade encontrada pelo citado autor: os “depoimentos mostraram as políticas, do
PT nos municípios a partir do olhar da própria sociedade e não do ponto de vista dos
gabinetes”. Mas, “nenhuma, absolutamente nenhuma das 26 cidades (...) menciona uma vez
sequer, nem uma vez sequer suas realizações como sendo fruto de um Plano Diretor”.
Nenhuma delas sequer menciona a expressão: “o Plano Diretor, nem mesmo Porto Alegre que
tem Plano Diretor há anos (Lei Complementar nº 434 de dezembro de 1999) elaborado e
aprovado por administração petista!” (VILLAÇA, 2005).
O autor prossegue a avaliação, só que agora com olhar pessimista sobre o próprio
Zoneamento:
É fundamental destacar que a matéria paga não fala de zoneamento. Fala de programas de obras, de realizações concretas. Ninguém ousa afirmar que o zoneamento trará benefícios aos moradores de favelas ou cortiços (nem as ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social – conseguirão isso) nem trará “a segurança do cidadão e futuro do jovem”, nem transformará os nauseabundos fundos de vale dos córregos da periferia, em paradisíacas áreas verdes. Esse mágico poder jamais foi atribuído ao Zoneamento, nem pelos mais audaciosos devaneios.
Sem maiores delongas, o autor reafirma a sua assertiva de que a valorização indevida
do Plano Diretor faz parte de um discurso antigo e nada teria a ver com a administração do
PT. Esse partido, segundo Villaça (2005) será uma das vítimas (mas também compreensível)
das ilusões do Plano Diretor. Existiria, portanto, na visão do autor uma distância abismal que
separa o discurso tecnocrático da classe dominante (do qual nem o PT escapou) e a prática
viva de administrações efetivamente populares. No entanto, o autor parece minimizar sua
visão crítica, quando delimita-a para o “nível de abrangência”:
Desde que a idéia de Plano Diretor surgiu no Brasil a sete décadas, não se tem notícia de uma cidade brasileira, uma administração municipal sequer que tenha sido minimamente pautada, mesmo que por poucos anos por um Plano Diretor com nível de abrangência, ambições e objetivos que ultrapassem significativamente os do Zoneamento: (...) não há na bibliografia, pelo menos brasileira ou latino-americana, nenhuma obra que proceda uma análise crítica da atuação de administrações municipais que, por vários anos, tenham sido guiadas por um Plano Diretor” (VILLAÇA, 2005).
Prossegue o autor:
Das Referências Bibliográficas da Tese de Doutorado do Prof. Luiz Carlos Costa, um dos mais destacados trabalhos brasileiros sobre Plano Diretor, contam 118 títulos (vários de obras americanas e francesas), mas nenhum se refere a qualquer obra que proceda a uma análise crítica da aplicação de um Plano Diretor em qualquer cidade do Brasil ou do exterior (sic!).
O fato é que o autor termina por colocar em xeque a validade do Plano Diretor como
instrumento do planejamento estratégico de um município urbano e das próprias Zonas
17
Especiais de Interesse Social (ZEIS) que foram institucionalizadas após longos anos de lutas,
sendo emblemáticas as lutas populares na cidade do Recife com relação a este instrumento
legal de aplicação do direito à cidade e de inclusão social.
Ora, se o autor, para além de matérias jornalísticas e de discursos de administrações
municipais, mesmo as petistas, entrasse na análise sobre as proezas visíveis dos êxitos
demonstrados através de obras, certamente teria uma outra avaliação. Se Villaça pelos menos
tivesse levado em consideração que plano diretor é um instrumento, é uma forma de resolução
de conflitos sociais (OLIVEIRA, 1977) ou de mediação de interesse, certamente, teria uma
avaliação diferente e, provavelmente, não esqueceria que também o discurso mesmo o
tecnocrático faz parte de um campo de forças políticas e, particularmente, político-
ideológicas, de disputas políticas e ideológicas de ocupação e apropriação do espaço urbano.
Nesse sentido, por mais que um plano diretor seja uma pura peça retórica, teria que se
perguntar, por que um instrumento com tantas “tolices” e “endeusamento” por parte da
tecnocracia “nacional” é recorrentemente revisado, retomado, revisionado e,
institucionalizado por constituições federais e estaduais. Haveria de se perguntar: por que,
então, tantas lutas em torno de uma “coisa”? Por que a população brasileira e,
particularmente, as suas camadas mais pobres insistem, através pelos menos, de suas
lideranças e porta-vozes, desde os anos que remontam ao período antes da Ditadura Militar?
Porque clamam por uma Reforma Urbana, finalmente contemplada na Constituição de 1988 e
regulamentada pelo Estatuto da Cidade 13 anos após a promulgação desta Constituição
Federal? São Questões pertinentes e merecem ser pensadas.
O autor ainda identifica o prazo de 5 (cinco) anos fixado pelo Estatuto da Cidade para
os municípios brasileiros com mais de 20 mil habitantes elaborarem ou revisarem conforme o
caso, os seus planos diretores. Diz ele que foi uma “tolice” ou algo inviável ou “sem efeito”,
já que foi tentado no passado. O autor reforça a tendência de que a maioria dos municípios
não cumprirá tal dispositivo de Lei, até porque o plano diretor nunca foi “sentido” como
importante para a maioria dos prefeitos brasileiros (VILLAÇA, 2005). Ora, resta, então, se
perguntar: se os planos diretores, instrumentos de políticas urbanas do Estatuto da Cidade não
funcionou e não funciona em São Paulo e nem em Porto Alegre, principais laboratório do
“jeito petista de governar”, imagine em uma pequena cidade do interior do Nordeste (no
miolo do Semi-Árido nordestino) como é o caso de Queimadas?
O citado autor identifica, no caso de São Paulo, uma mudança contemplada pela Lei
Orgânica, ao reconhecer que manter um processo de planejamento é mais importante do que
ter um plano, coisa que, segundo ele, os tecnocratas do Estatuto da Cidade parecem não ter
18
aprendido. Por partes, se pode refutar tal argumentação, se indagando até que ponto o Estatuto
da Cidade é fruto, apenas, de burocratas. Desconhecer décadas de lutas populares por
Reforma Urbana, cujo instrumento legal conquistado é o Estatuto da Cidade, parece ser muito
mais uma opção política do que um resultado de uma análise que se pretenda crítica e,
científica. Por outro lado, achar que exista sistema ou “processo de planejamento” como diz o
autor, sem produto, sem arquitetura de um projeto, de um programa, de um plano, de um
sonho possível e das definições de objetivos, metas, estratégias e instrumentos para realizá-lo,
é desconhecer que planejamento se materializa inclusive nos dispositivos legais como são o
Estatuto da Cidade; as ZEIS; a Constituição Brasileira atual no seu Capítulo II - Da Política
Urbana. Também no plano diretor, no zoneamento ambiental, nas diretrizes orçamentárias e
no orçamento anual; nos instrumentos de tributação e financeiros e nos institutos jurídicos e
políticos: desapropriação com pagamento em títulos, usucapião especial, o parcelamento,
edificação ou utilização do solo, o IPTU progressivo no tempo, direito a superfície e Direito a
Preempção, entre outros.
Se tais instrumentos de aplicação do Plano Diretor não servem para nada, pelo menos
para as camadas populares devem servir para alguma coisa: tornar as suas lutas legais e
estabelecer um patamar mínimo de objetivos pelo qual se deva lutar e para tornar os direitos
básicos à vida na cidade algo exeqüível.
Para além da “ilusão do plano de obras”, para além de “ilusão do Zoneamento” e da
própria “ilusão da participação popular”, o autor depois que questiona a própria participação
no Plano Diretor, quando analisa a matéria “Quem perde com o novo Plano Diretor de São
Paulo”, publicada pela Folha de São Paulo de 02/07/2002. Este autor não questiona
primeiramente a quem serve a folha de São Paulo e a própria matéria vinculada.
Provavelmente, não é a favor da prefeita Luiza Erundina e da administração petista que
conduziu a elaboração do Plano Diretor. É de se estranhar que a matéria fala textualmente que
“o trabalhador perde”. A matéria é paga e assumida pela frente de cidadania, formada por
associações e entidades dos empresários de administradoras de imóveis e condomínios, pela
Associação Comercial de São Paulo; pela Associação Brasileira de Shopping Center; pela
Câmara de Valores Imobiliários; pela FIESP; pelos Sindicatos Patronais ligados ao setor
mobiliário urbano. Enfim, pelo empresariado paulistano diretamente atingido pelo Plano
Diretor. Por fim, as conclusões do autor parece ser bastante simpáticas a esta frente de
cidadania paulistana quando chama de devaneio:
O conjunto de medidas propostas pelo Plano buscou reverter a tendência a concentração dos benefícios nas mãos de poucos, por meio da adoção de políticas
19
públicas que tenham por objetivo a inclusão social daqueles deixados à margem do processo recente (sic) (VILLAÇA, 2005).
Embora tratando a participação como “fetiche” Leal (2003) é menos pessimista e mais
rigorosa, metodologicamente, do que Villaça (2005). Em comparação, como se trata também
de uma das maiores e mais importantes cidades brasileiras que é a cidade de Recife, se tem
aqui outro caso emblemático quando se trata de planos diretores e da temática da participação
e planejamento. Embora não seja um trabalho especificamente sobre Plano Diretor, Leal
(2003) o aborda dentro de uma temática mais geral que é “novas práticas de planejamento
gestão e governança democrática no Recife”. Basicamente aborda-o em dois períodos
marcados por duas administrações de Jarbas Vasconcelos: 1986-88 e 1993-96. Períodos esses
antecedidos por administrações mais conservadoras, senão antidemocráticas ou sem perfil
democrático-popular. Nesse segundo período em que ocorre a construção do Plano Diretor de
Desenvolvimento da Cidade do Recife é que nos interessa mais. Assim, este estudo de Leal
(2003) nos interessa por vários motivos:
a) Primeiramente, porque trata da participação popular e as novas práticas de
planejamento e gestão. E neste horizonte trata o Plano Diretor do Recife dentro
dessas perspectivas contemporâneas da gestão municipal e governança democrática
na resolução dos problemas das nossas sociedades que hoje são urbanas e
merecedoras da atenção de programas internacionais de cooperação. Como
reconhece o próprio Gernán Solinís, Diretor do Programa Gestão das
Transformações Sociais (MOST) da UNESCO, numa das últimas conferências
internacionais, dentro de uma série de conferências organizadas pelas Nações Unidas
no fim do século passado e que teve início com a ECO Rio de Janeiro, em 1992, e
consagrou a cidade em Istambul, em 1996: a Conferência das Nações Unidas sobres
Estabelecimentos Humanos (Habitat II). Essas conferências entre outras coisas
contribuíram para legitimar novos atores no seio das administrações e poderes
municipais no panorama da cooperação. Nessa perspectiva, o trabalho de Leal (2003)
se debruça sobre a dimensão política da participação, sobre as novas articulações
sociais que são forjadas entre o Estado e a Sociedade, sobre maneiras de governar a
cidade e sobre práticas do poder econômico e políticas das coletividades locais. Leal
(2003) examina, no caso particular de Recife, como a municipalidade enquanto
sujeito e objeto de sua própria evolução representa o primeiro escalão da vida cívica
e, ao mesmo tempo, um terreno de negociações e espaços de exercício da democracia
(LEAL, 2003).
20
b) Segundo, o Trabalho da autora nos interessa aqui por questões metodológicas.
O seu objetivo, a semelhança do nosso, é avaliar os limites e avanços das práticas de
participação. Ao contrário do trabalho anterior (VILLAÇA, 2005), Leal (2003) prima
pelo rigor metodológico e se apóia em sólidas bases empírica, inclusive como atenta
observadora participante. Assim, analisa a participação das classes populares
examinando os fenômenos conforme a própria complexidade do tema, sem deplorá-
la e nem enaltecê-la, apóia-se numa idéia de poder local que funciona como
articulador dos interesses da sociedade numa perspectiva de negociação e
concertações entre os principais atores implicado na gestão da coisa pública.
c) Em terceiro lugar, o estudo da autora nos interessa por se tratar de Recife, uma
cidade que desde os anos 50 e, apesar do intermezzo da Ditadura Militar, tornou-se
um território de pobreza urbana, mas também de lutas populares (LEAL, 2003).
Essas lutas que remontam os anos 50 constituíram-se não só num capital cultural
enquanto memória histórica e tradição de lutas; mas em capital cultural no sentido de
Bourdieu (1998): incorporado nas entidades e lideranças populares que sobreviveram à
Ditadura Militar e que passaram a retomar as lutas, já nos meados dos anos 70. A capacidade
de articular apoios, de organizar-se, de solidarizar-se, de articular forças segundo o jargão da
esquerda constituiu-se, por outro lado, em capital social; capital social esse que articulado e
acumulado pelo protagonismo das bases da sociedade a autora chama de ativismo
democrático (LEAL, 2003).
Com interrupções, se tem um processo organizativo que se constituiu em
aprendizagem, hoje considerado um fator-chave nos processos de desenvolvimento
econômico e social, portanto, de mudança social. Tal processo de aprendizagem no sentido
amplo envolve fatores cognitivos, mudanças comportamentais, disposições empreendedoras,
capacidade de diálogo, compartilhamento de linguagem, encontro e troca de diferentes
saberes. Portanto, tal processo potencializa e desenvolve tanto ao capital humano como ao
capital social. E, claro, que os intelectuais e técnicos que a autora chama de “elites técnicas e
intelectuais de esquerda” comprometidas com as mudanças sociais são fatores vitais nesse
processo de aprendizagem, já que o próprio desenvolvimento local corresponde à construção
de capacidades locais com base na articulação entre diferentes agentes (SILVEIRA, 2001).
Sem um certo capital humano e capital social na teria se constituído o que Leal (2003) chama
de “novas práticas de ativismo democrático e de participação popular” e que toma forças nas
novas experiências vivenciadas nas gestões de Pelópidas (1955) e Arraes (1959); nos
21
movimentos de luta pela terra que foram intensificados nos anos setenta com o apoio da Igreja
Católica e na década de 80 durante e após o processo de redemocratização do país.
Nos anos 80, além das administrações de cunho mais democrático-popular 1986/88 e
1993/96 intensificou-se a luta pela regularização fundiária dos espaços habitados pelos mais
pobres. Em 1989 foi instituído o Plano de Regularização das Áreas de Interesse Social. Hoje
são 66 áreas consideradas ZEIS, perfazendo 15% da área total do território (área total) e 25%
da área ocupada. Nestas áreas moram nada menos que 40% dos habitantes da cidade do
Recife (cerca de 533.687 habitantes), o que a consagra como território de pobreza e de lutas
populares desde os anos 50.
Se as novas práticas de planejamento e de gestão da cidade nos anos 80 e 90 se
constituíram em processo de aprendizagem da democracia ou num ativismo democrático, ele
se materializou, além das ZEIS, nos Conselhos Setoriais de gestão de políticas públicas, no
Fórum da Cidade do Recife, no Programa Prefeitura nos Bairros (1968/88) e no Orçamento
Participativo (a partir da gestão 1993/96). Todos esses formatos de planejamento participativo
e de gestão constituíram-se em instrumentos de ativismo democrático.
No entanto, já nos anos 80, a diversidade de mecanismos participativos como
Programa de Contenção de Encostas e o Programa SOS Saneamento; a experiência co-
gestionária do Projeto Pina; o Modelo de Gestão Democrática de Educação com a inclusão
orçamentária da rede alternativa de escolhas comunitárias e com a criação dos conselhos de
escola constituem-se no reconhecimento das práticas antigestionárias das comunidades e na
possibilidade de superação das relações anteriores de dependência política e clientelismo e,
também, de uma máquina administrativa centralizadora e conservadora.
Mas, as bases dessa sociedade local empoderada em “movimentos descentralizadores
e participativos” (grifos da autora)? A autora registra que a retórica da participação popular
“vem fazendo parte do discurso dos setores políticos da cidade do Recife em diversos
momentos da sua história e a presença desses “movimentos” frente a um padrão forte e
centralizado de intervenção estatal, pode ser atribuída a essa formação histórica e à cultura
política local. Assim, é no governo de Pelópidas Silveira (1955) que é imaginada a idéia de
participação ativa nas ações da prefeitura. São inauguradas as assembléias e audiências
populares.
Eleito prefeito em 1959, Miguel Arraes adotou o ideário político de Pelópidas Silveira,
mobilizando a população através das associações de bairros e do Movimento de Cultura
Popular (MPC). O MPC estimulou a organização popular e, ao mesmo tempo assimilou
lideranças populares na administração. Haveria problemas quanto a autonomia dos
22
movimentos, mas houve investimentos em participação popular e na descentralização das
ações da Prefeitura.
Em 1963, Pelópidas foi reeleito prefeito de Recife. Novamente a participação e a
organização popular foi a tônica de sua administração. Essa participação nas decisões
políticas teve como instrumento o Conselho das Associações de Bairros. Com o golpe militar
esse prefeito é cassado, abre-se o período até 1978 dos prefeitos biônicos, ou seja, nomeados
pelo Governo Federal. Foi um período de investimentos em grandes obras; de baixos
investimentos em equipamentos sociais; a política habitacional foi “higienista”, isto é, a
remoção e expulsão da população pobre para as periferias da cidade. Desta forma,
beneficiavam-se os especuladores imobiliários, enquanto ampliavam-se a miséria na periferia
(LEAL, 2003).
Mas a tradição política local e que teve a marca da polarização entre setores da
“direita” os setores da esquerda, a primeira identificada como os interesses das elites locais e
a segunda alçada à condição de defensiva dos pobres será retomada aos poucos nos anos 70.
Com o apoio de instituições como a Igreja Católica, os movimentos de bairros expressavam-
se através da atuação de grupos de mulheres; de saúde; de jovens e de comissões voltadas
para problemas específicos da população. Em 1975, emerge o Movimento Terra de Ninguém:
18.000 moradores lutando pela posse da terra, agredidos. e ameaçados há mais de 45 anos
pela imobiliária Rosa Borges. Em 1978, surge a Pró-Federação da Casa Amarela (FEACA),
transformada em federação em 1982. Esta entidade buscou a unificação de propostas e de
lutas de 400.000 moradores do bairro.
Neste período começa a crise de legitimação da Ditadura. O General Geisel propõe um
projeto nacional de “Desenvolvimento com Participação”. No mesmo período é nomeado
prefeito de Recife Gustavo Krause para o período de 1979/1982. Sua administração de cunho
populista teve como slogan “participação com compromisso com as camadas populares”. O
seu Plano de Desenvolvimento do Recife teve como proposta a participação popular como
forma de democratização das decisões do governo. Entrou em cena o planejamento
participativo. Sob esse enfoque Krause criou dois instrumentos: o Sistema de Ação
Comunitário (SAC) e o Grupo de Ação Comunitário (GRACO).
O SAC dirigia-se às comunidades chamadas de baixa renda implantando os núcleos de
planejamento comunitário e que foram popularmente chamadas de “barracões”. Através
desses “barracões” foram feitas ações de assistência à população que iam desde a emissão de
documentos até assistência médico-odontológico. Também, funcionavam como balcões de
empregos e como elo de articulação direta entre as associações de bairro e a prefeitura
23
recolhiam-se e encaminhavam-se reivindicações e amorteciam-se as propostas e conflitos
possíveis. Já o GRACO era responsável pela articulação direta entre as associações e a
prefeitura e eram constituídas por lideranças comunitárias.
Em resposta a essas ações populistas e considerada pelo movimento popular como
mecanismo de cooptação de lideranças e amortecimentos da pressão popular numa conjuntura
de ascensão das lutas sociais e pela redemocratização do País, foram criadas entre 1983 e
1985 muitas entidades de bairro, cerca de 36% das hoje existentes. Seguiu-se a administração
Joaquim Francisco. Esse governo ao contrário do antecessor privilegiou uma sistemática de
participação da classe empresarial e da classe política (LEAL, 2003).
Conforme a citada autora, durante essas diversas administrações Recife conheceu uma
enorme mobilização e restituiu-se contra a política do governo local. Destacaram-se o FEACA
do bairro de Casa Amarela; o Conselho de Moradores de Brasília Teimosa; a Assembléia dos
Bairros (criada em 1980); a Reunião dos Conselhos e Associações de Moradores do Setor Sul
(criada em 1980); a Comissão de Luta do IBURA (1982); a Federação das Associações de
Moradores dos Núcleos Habitacionais da COHAB – FEMO COHAB (criada em 1980) e a
Federação Comunitária de Pernambuco (criada em 1983). Em 1985 o Movimento de Defesa
dos Favelados realiza, em Recife, seu congresso nacional. Em 1984, a Assembléia de Bairros
coordena a maior passeata de protesto contra o aumento do preço das passagens dos
transportes coletivos.
Neste momento, o Movimento Popular de Recife, já havia se legitimado frente ao
conjunto de forças políticas sociais. Certamente, o seu protagonismo foi vital para vitória da
Frente popular do Recife que pôs fim ao período dos prefeitos biônicos com eleição para
prefeitos das capitais. Além dessa densidade organizativa do Movimento Popular, fez parte do
cenário onde são experimentadas as novas práticas de planejamento, gestão e governança
entidades de educação e assessorias popular tais como: ETAPAS, FASE CEAS, GOSOP,
Comissão de Justiça e Paz, ASPE e outras (LEAL, 2003).
Mas, e o Plano Diretor? A construção do Plano Diretor foi se realizado após todos
esses acúmulos de forças e experiências populares e na gestão de Jarbas Vasconcelos entre
1993/1996. No entanto, conforme Leal (2003): a conjuntura política tanto nacional quanto
local era outra. De um lado, com o restabelecimento do Estado de Direito e do processo
democrático, os partidos de esquerda, como o PT, também se firmando no cenário político
nacional. De outro lado, se sedimentavam as raízes do projeto neoliberal levado a cabo pelo
Governo Collor de Melo. Apesar da fragmentação da esquerda e da dispersão de votos em
24
torno de várias candidaturas, pelo menos de três do espectro da esquerda, Jarbas saiu
vitorioso.
Em contrastes com o perfil político da primeira administração Jarbas Vasconcelos,
nesta segunda administração os setores populares tiveram pouca influência na equipe de
governo. Ainda assim, a área social contou com representantes dos setores dos movimentos
sociais e da Igreja: Secretarias de Educação e Políticas Sociais. As secretarias de
Planejamento e de Saúde foram integradas por segmentos das elites técnicas. A de Infra-
Estrutura ficou com o PSDB e o restante com a fração do PMDB e setores sociais próximos do
prefeito. Portanto, a composição do governo expressou interesses mais amplos. E, tanto, que o
documento “Fala Recife”, lançado na campanha eleitoral enfatiza que:
Somente a mudança política, a redefinição do papel do Município e o compromisso com a sociedade – dos empresários, das instituições, das organizações populares e dos cidadãos em geral – poderá promover a equidade social, a redução das disparidades e o atendimento pleno das necessidades vitais da população (Grupo de Trabalho do Movimento de Oposição Popular, apud LEAL, 2003).
A década de 90 tanto para Recife como para o resto do país foram experimentados
inovações nos modelos de descentralização. Essas inovações, conforme Leal (2003) foram
evidenciadas na ampliação da tendência de democratização do poder local. Assim,
fundamentados nos modelos de “Ativismo Democrático” da década de setenta, os novos
modos de gestão compartilhada e os canais conseqüentes de interlocução Governo x
Sociedade passaram a ser alargados incorporando, além dos setores populares, agentes
econômicos sob a idéia de cooperação, negociação e parceria. Desta forma, nos anos noventa,
o governo local é visto como empreendedor, aglutinador e articulador de forças; a cidade é
vista como negócio e “locus” da cidadania e da democracia, e as novas formas de interação
entre o governo local e a sociedade são marcados pela negociação, pela interação que é
estabelecida através da participação e pela divisão compartilhada de responsabilidades
(HARVY; CASTELLS e BORJA, apud LEAL, 2003).
Esse novo tipo de “governance” e esta tendência denominada de empreendedorismo
urbano certamente ventilaram até o Recife. Mas, mesmos o segundo governo de Jarbas, como
enfatiza Leal (2003), foi um misto de continuidade das ações programáticas iniciada na
primeira gestão e implementação de novos investimentos. Assim, na área social coube a
Secretaria de Políticas Sociais a condução do Programa Prefeitura nos Bairros; retomado e
depois transformado em Orçamento Participativo. Na Secretaria de Educação ocupou sua
direção a secretária da gestão anterior. Na Saúde, a ênfase se voltou para a necessidade de
municipalização do Sistema de Saúde, por exigência das próprias normas constitucionais. A
25
URB-RE assumiu uma função empreendedora e voltada para as grandes obras de infra-
estrutura. E a SEPLAN passou a exercer o papel de articuladora das grandes linhas de
planejamento estratégico buscando a construção e institucionalização de um modelo global de
gestão: Plano Diretor da Cidade do Recife e o Programa Estruturador. O a Figura 01 mostra o
organograma do sistema de planejamento da cidade do Recife. Ver que a instância Núcleo de
Divisão Política é puramente executiva, aparecendo ao lado do poder Legislativo.
Os setores populares ou a chamada sociedade cível está representada no organograma
a partir do Núcleo de Coordenação do Planejamento e, através dos canais institucionais de
participação: Fórum da Cidade do Recife e o Conselho de Desenvolvimento Urbano. Já a área
das unidades de apoio (Secretarias e Gabinete do Prefeito e Empresas de Processamento)
apresenta como canais de participação a plenária Prefeitura nos Bairros. As unidades
executivas e que têm seus núcleos setoriais de planejamento (secretarias, empresas,
fundações) apresentam canais participativos e descentralizadores expressos pelos Conselhos
Setoriais (LEAL, 2003).
Figura 01: Organograma do Sistema de Planejamento da Cidade do Recife
Fonte: Adaptado de Prefeitura de Recife apud LEAL, 2003.
26
Nessa engenharia de planejamento participativo o principal objetivo do Plano Diretor
foi pensar a cidade no “contexto de suas dificuldades emergenciais e projetar uma dinâmica
de desenvolvimento que modifique as condições atuais. Visa instituir um processo de
planejamento que, ao pensar o futuro da cidade venha orientar a ação cotidiana do poder
público e dos diversos agentes sociais” (Secretaria de Planejamento de Recife, apud LEAL,
2003). Por sua vez, o Plano abrange as seguintes diretrizes básicas: desenvolvimento
econômico, turístico e cultural; desenvolvimento da segurança humana e democratização da
gestão.
No Figura 02 está a Proposta de Planejamento do Desenvolvimento da Cidade de
Recife, onde o Plano Diretor aparece com suas diretrizes e estratégias. Ver que
Desenvolvimento da Segurança Humana está voltado basicamente para áreas onde se
concentra a pobreza do Recife. Coroado por essas diretrizes estratégicas e ações vem o
Programa Estruturador visando preparar e induzir a cidade para uma nova economia urbana,
para revalorizar os ambientes naturais e elevar a qualidade de vida da população,
principalmente, a de baixa renda.
Como identifica Leal (2003), há uma confluência no modelo de um ideário de
planejamento estratégico com uma visão empresarial de cidade e com uma estratégia de
descentralização política através de canais institucionalizados de participação.
Na avaliação da autora “parcerias, participação e obras estruturadoras podem fazer
parte de um universo contraditório, na medida em que requerem a conciliação dos diversos
interesses que configuram o poder econômico, poder político e poder social; dimensões que
esta autora chama de poder local. Assim, o setor privado, as classes populares e os setores
médios passaram a ser acionados para em “comunhão” (grifos da autora) com o poder público
local exercerem a tarefa do desenvolvimento e do empreendimento urbano.
27
Figura 02: Organograma da Proposta de Planejamento da Cidade do Recife
Fonte: Prefeitura de Recife apud LEAL, 2003.
Apesar dessas contradições Leal (2003) percebe avanços no modelo: a ampliação dos
laços de articulação entre poder público e a sociedade civil, incorporando aspirações dos
demais grupos sociais e não somente os das classes populares em face da crise de legitimidade
de experiências anteriores. No entanto, a autora identifica que os setores populares passam a
ter uma influência restrita na agenda municipal, sendo o seu principal canal o Programa
Prefeitura nos Bairros/Orçamento Participativo. As novas alianças; as grandes obras; as
parcerias com o setor privado tendo a Secretaria de Turismo o papel principal de articuladora
de um lado, e do outro o desprestígio da Secretaria de Educação e de Políticas Sociais eram
28
reflexos da redução cada vez maior dos espaços ocupados pelos segmentos de esquerda e dos
setores populares.
Apesar da virtude do empreendedorismo urbano ter marcado a segunda gestão, Leal vê
avanços com relação à institucionalização de mecanismos de gestão democrática: os
Conselhos Setoriais; o Fórum da Cidade do Recife; a continuidade das PREZEIS e o Programa
Prefeitura nos Bairros/Orçamento Participativo, o Conselho de Desenvolvimento Urbano e o
Conselho de Política Financeira. São sinais de avanço, principalmente, o Fórum da Cidade de
Recife voltado para gestão do Plano Diretor. Para esta autora, em síntese, foi visível o espaço
de resistência criado pela presença e continuidade daquelas ações e mecanismos que se
pautavam no que chamou de “Ativismo Democrático” (LEAL, 2003).
Com relação ao Plano Diretor coube a Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU,
órgão paritário composto de 20 membros, sendo 10 da sociedade civil e 10 da prefeitura
escrever as funções de controle, acompanhamento e avaliação de execução do Plano Diretor
da Cidade do Recife – PDCR e da Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS. Além de fiscalizar
a aplicação e a gerência do Fundo de Desenvolvimento Urbano e supervisionar o
financiamento do Fórum da Cidade do Recife. Como se vê, ao contrário do Plano Diretor da
Cidade de São Paulo, visto anteriormente sob a ótica de Villaça (2005); o da cidade de Recife
sob a análise de Leal (2003) é algo exeqüível e participativo.
A participação popular na segunda gestão Jarbas Vasconcelos, então, parece ser algo
mais que Leal (2003) vê como “fetiche” da participação sob o slogan “Alto Astral”. Na
verdade, se na primeira o fetiche pareceu ser comprovado pela crise de legitimidade e pelo
fato de o povo ter consagrado nas urnas nas eleições de 1988 um projeto conservador; na
segunda gestão parece que o “fetiche” virou contra o feiticeiro e o seu slogan “Alto Astral”: a
“resistência pela presença e continuidade daquelas ações e mecanismos que se pautaram pelo
ideário do ‘Ativismo Democrático’” (LEAL, 2003). Certamente a cultura política local
favorável à esquerda entendido como aqueles setores sociais, elites técnicas e lideranças
identificadas com os pobres foram potencializadas e acumuladas pela própria expressão que
foi assumindo a sociedade civil local, mais densa, mais robusta, mas empoderada. Desse
modo, o fetiche materializou-se em capital social, porque nas palavras da própria autora, no
sentido marxista do termo:
O fetiche da participação transmuta-se em valor mercadoria, na arena política da disputa entre diversos interesses hegemônicos, ela passa a configurar, hoje, no quadro da democracia brasileira, em um valor fundamental à conquista de cidadania e dos direitos democráticos (LEAL, 2003)
29
Certamente essa cultura política local e esse capital social acumulado tendem a ser
reforçados nas duas últimas administrações petistas da cidade do Recife (2001 – 2008) e na
medida em que houve fortalecimento organizativo das camadas populares e trabalhadores e,
através das experiências e saberes acumulado, estendendo uma rede cada vez maior de
relações de pertencimento e de solidariedade.
O poder social é maior quanto maior for a capilaridade das redes sociais que possam
ser construídas de forma durável e útil, inclusive no sentido de potencializar e mobilizar o
capital econômico e o simbólico (cultural, político) dos agentes individuais, sejam pessoas ou
entidades pertencentes às redes de inter-conhecimento e de inter-reconhecimento
(BOURDIEU, 1998). É neste sentido, que o processo participativo de um plano diretor pode
ser útil: mobilizar o capital social pré-existente e potencializá-lo na medida em que o poder da
solidariedade possa captar e desenvolver sinergias favoráveis à mudança social que se quer
alcançar.
Nesse sentido, o Plano Diretor enquanto um processo político supõe uma
aprendizagem contínua e disseminada de gestão do território municipal, ao mesmo tempo em
que entende esse território como campo de forças e de lutas, impregnada de conhecimentos e
saberes vivos que podem ser trocados, compartilhados e conectáveis, e, sendo assim, podem
ser capazes de se desenvolver.
Este território pode ser traduzido em questões bastante concretas e específicas como
canais e serviços potencializadores e oportunidades. Implicam essas fontes em aspectos
instrumentais tais como elaborar um projeto, acessar e processar informações, inclusive de
mercado; utilizar dispositivos técnicos e científicos na qualificação do ambiente e do habitat,
das atividades produtivas, da organização e da sociabilidade política dos cidadãos. Nesse
sentido, o processo político de construção e execução de um plano diretor supõe sujeitos em
relação e com a capacidade de desenhar futuros e gerir adaptativamente seus roteiros e
caminhos. Não significa, porém, que todos os envolvidos apreendem sobre tudo; significa na
verdade, a geração de ambientes intensivos de difusões e troca de informação, de
comunicação, de cooperação e de criatividade e que passam a ser organizados em várias
frentes de construção social do município como território sustentável (SILVEIRA, 2001).
Nesta perspectiva, a construção de planos diretores como processo participativo de
planejamento e gestão urbana constrói ou ativa a esfera pública; ma medida em que
potencializa e amplia a capacidade de organização e construção da gestão democrática das
cidades do País. Se a forma da Lei não corresponde ao conteúdo, ao que deve ser e ocorrer,
transformando-se em mero instrumento legal, pelo menos se teria um patamar a partir do qual
30
os movimentos sociais e outras expressões organizadas da sociedade civil podem cobrar
responsabilidades e orquestrar suas críticas, propostas e reivindicações.
Mais que isso, segundo Fáccio (2006) o Estatuto da Cidade coloca o seguinte desafio:
é possível desenvolver um planejamento democrático no Brasil? A autora constata que o
Estatuto apresenta contribuições singulares para a construção de alternativas, buscando
formular um urbanismo crítico e democrático e desconstruindo idéias e práticas dominantes.
Entre tais contribuições cita as de Maricato (2001). Esta autora propõe que as alternativas aos
modelos tradicionais de planejamento urbano devem buscar a inter-relação entre plano e
gestão. Para esta autora, a distância entre estas instâncias tem se prestado ao papel ideológico
de encobrir com palavras e conceitos modernos (e pós-modernos) e práticas arcaicas.
Nesta direção, não interessaria apenas um plano normativo e que se esgota na
aprovação de uma lei; mas que ele seja comprometido com um processo e uma esfera de
gestão democrática capazes de sociabilizar os diferentes agentes sociais, constituído-se, assim,
em um processo de aprendizagem social. Esta perspectiva é trabalhada por vários autores.
Podem ser citados Fáccio (2006) e Aumond e Pagnoncelli (2004), os quais versaram sobre as
experiências no Estado de Santa Catarina. Fáccio (2006) inicia com uma abordagem histórica
para situar a criação do Estatuto da Cidade; para depois estabelecer uma relação entre este
Estatuto e os processos participativos de planejamento e gestão urbana. Nesses processos
verifica as possibilidades de construção do espaço público entendido como a dimensão
pública da vida em sociedade. A autora alerta para o fato que Leal (2003), no caso de Recife,
chamou de empreendedorismo urbano e que, de certa forma, reduziu, apesar das resistências,
o protagonismo popular e o seu pode de influenciar a agenda da segunda gestão de Jarbas
Vasconcelos.
Neste sentido, Fáccio sublinha que apesar das conquistas dos movimentos sociais no
processo constituinte; a política adotada nos anos 90 acentuou de sobremaneira as
desigualdades sociais já existentes; agravou-se os problemas urbanos pelo aumento do
desemprego que, por sua vez, somaram-se as demandas históricas jamais satisfeitas de
habitação, saúde, educação, e outras. Em contraposição, sublinha a autora que são reduzidos
os espaços institucionais e a importância dada aos planos diretores.
Somam-se aos tais limites, o refluxo dos movimentos sociais decorrente da
reconstrução de uma nova aliança conservadora em nível nacional associada às forças
hegemônicas da globalização e o neoliberalismo que, entre outras coisas, sob o governo de
FHC, dar continuidade do desmantelamento do Estado e a privatização de empresas e serviços
públicos que atingem diretamente as camadas mais pobres da população. Relacionado a esses
31
“ventos” políticos e ideológicos desfavoráveis aos planos diretores, enquanto processo
político participativo de planejamento e gestão urbana está os impactos da própria crise
institucional do planejamento urbano funcionalista. Sobre “participação popular e cidade à
venda”; “cidade democrática e cidade mercado”.
Nessa ótica, o surgimento do planejamento estratégico, entre outros modelos, segundo
Fáccio (2006), sendo oriundo do planejamento empresarial, entende que as cidades estão
submetidas às mesmas condições e desafios das empresas. O fato é que tal concepção elege
como novas questões urbanas a competitividade (ARANTES, apud FÁCCIO, 2006). Assim,
essa concepção de cidade reconhece apenas a “cidade formal”, ignorando os espaços urbanos
irregulares e carentes em todos os sentidos. Longe de dar solução aos problemas urbanos de
cidades que se constituem e se agravam como territórios de pobreza e de lutas sociais pelos
direitos à própria moradia, tal concepção de planejamento abrangente de tal visão de cidade só
vem reforçar ainda mais as desigualdades sociais e territoriais urbanas.
Nessa perspectiva, conforme Arantes (2000), citado pela autora, um número crescente
de cidades, em especial do Brasil e da América Latina têm contratado os serviços de
urbanistas europeus, visando capacitá-las e planejá-las para sua inserção competitiva no
mercado globalizado. Entre as ações empreendedoras estão: a reestruturação urbana com
vista à atratividade; a construção do patrimônio da cidade e, sobretudo, da credibilidade e da
confiança por parte de potenciais investidores. Ainda: a construção da imagem da cidade; a
elaboração e implementação de projetos de revitalização de área especiais; a realização de
operações urbanísticas de renovação ambiental, obras de arquitetura espetacular, entre outros
investimentos que transformem a cidade em mercadoria.
Fáccio (2006) lembra que os Planos Diretores têm expressado, historicamente, uma
prática tecnicista com base numa concepção de planejamento físico-territorial e com atuação
permanentemente institucional. E, lembra, ainda, que Villaça (2005), com quem dialogamos
anteriormente, alerta que nas últimas décadas, os planos diretores urbanos têm cumprido, mas
uma função ideológica do que a de um instrumento de orientação da gestão e dos
investimentos. Nesta direção, Fáccio (2006) sublinha que a ação do planejamento urbano tem
sido um instrumento de poder e de obtenção de privilégios.
Então, colocados tais limites, que possibilidades teriam os planos diretores de ativar a
esfera pública, de tematizar os graves problemas urbanos e que atingem a maioria dos que
moram e trabalham nos espaços territoriais urbanos? A autora admite que a Constituição de
1988, provocou avanços no sentido de aumentar a responsabilidade e a autonomia dos
poderes municipais, possibilitando a sua maior atuação na implementação de mudanças
32
locais. Entre essas possibilidades, estaria o planejamento urbano e a obrigatoriedade de
elaboração de Plano Diretor em cidades de mais de 20 mil habitantes. Então, apesar das
adversidades anteriormente elencadas, a Constituição Brasileira e o Estatuto da Cidade
valorizaram a possibilidade do Plano Diretor Participativo como instrumento de promoção da
Reforma Urbana. Estes dispositivos de Lei consagraram a participação popular nos processos
de planejamento e gestão dos municípios como um dos elementos mais importantes (se não o
mais importante) para colocá-los em operação e corrigir seus rumos, com ações e
investimentos definidos e, fiscalização.
Nesta linha de argumentação, o planejamento deveria ser includente e, a política de
inclusão urbanística deveria ter como eixo o direito à moradia vinculada ao direito à cidade, já
que a moradia exige um “pedaço da cidade” e não um “pedaço de terra”, o que implica que
“por terra urbana” entende-se a infra-estrutura e serviços (rede de água, rede de esgoto, rede
de drenagem), transporte, coleta de lixo, iluminação pública, além de equipamentos de
educação, saúde, e outros serviços (MARICATO, apud FÁCCIO, 2006). Segundo a autora,
mas do que nunca o desafio é reforçado por tais assertivas e concepções: o planejamento
democrático no país, participativo, inclusivo da população mais carente, mais pobre é
possível?
Fáccio (2006) responde que a participação da população é o elemento novo e capaz de
produzir mudanças significativas nas cidades. Mas, admite que a participação pode ter
dificuldades para se concretizar, já que não acontece por decreto ou por força de Lei. Admite
que o processo participativo depende do nível de amadurecimento dos movimentos sociais e
do envolvimento da população, até para avançar as mudanças para além do Estatuto da
Cidade. Ou seja, o individuo dever ser o agente de mudança (SEN, 2000). A autora passa a
destacar os limites para esse avanço na própria Lei com base em Alessandri (2005):
a) concepção simplificada de direito à cidade entendido como “direito à moradia e aos
serviços”, deixando de lado o tema habitar em sua dimensão plena. Preso ao que o Estado
estaria disposto a ceder para a gestão da cidade; habitar vai além do espaço privado. O ato de
habitar envolve relação com os espaços públicos com lugares de encontro, reunião,
reivindicação, sociabilidade. Nesse lugar, portanto, os indivíduos se colocam em relação com
outros, com a cidade e suas possibilidades.
b) Outro limite, e que por mais participação popular que tenha no processo de
construção e implementação de um plano diretor, é a enorme dificuldade de se fugir da
implicação de racionalização estatal capitalista. Exemplo disso é a noção de direito à cidade
33
que conforme o Estatuto da Cidade realiza-se através da “função social da propriedade” e não
da sua negação como fundamento da cidade segregada.
c) Politicamente, as possibilidades e os limites dos planos diretores, em vários
municípios, observa a autora, tem dependido das correlações de forças de características e
condicionantes presentes em cada município, do contexto político e social local.
Bem, o exemplo de Recife visto, anteriormente, parece ter sido exemplar nesse
sentido. Mas o que a autora aponta? No município de São José e que faz parte da área
metropolitana de Florianópolis (SC) a autora observa que o processo participativo de
elaboração de Plano Diretor foi limitado ao movimento de leitura comunitária. Foram
organizadas muitas reuniões com a participação da comunidade. Nestas reuniões a população
foi orientada a apresentar seus problemas, ao passo que foram limitadas as apresentações de
idéias e soluções.
Assim, a participação da população esteve limitada a reivindicação a partir de suas
vivências cotidianas. A população não teve acesso, conforme a autora, ao levantamento das
informações sobre o município elaboradas pelos técnicos. Não participou da leitura técnica da
cidade. Assim sendo, associar democratização da informação com a percepção da população
sobre o lugar onde vive, segundo a autora; “parece ser ainda o grande desafio para qualificar o
processo de participação” (FÁCCIO, 2006). Parece ser muito pouco chamar isso de
participação. Um processo participativo de construção de planos diretores enquanto processo
de aprendizagem parece ser muito mais que isso: se os resultados de certa forma dependem
dos processos e suas intencionalidades, quem iria depois cobrar tais resultados e a sua
implementação?
A autora analisa outro município catarinense, o município litorâneo de Itajaí. Informa
que este município procurou fazer um investimento maior que o anterior na etapa de leitura
comunitária. O envolvimento maior da população, segundo Fáccio (2006) se deu através de
um trabalho preparatório envolvendo estudantes das escolas da rede pública municipal,
mesmo assim informa que houve muitas dificuldades no processo. Provavelmente,
dificuldades de concepção de planejamento da própria equipe técnica. No depoimento de um
técnico sobre a importância da Leitura Comunitária, Fáccio (2006) percebeu que este possuía
uma abordagem racional e totalizadora do ordenamento do espaço. Este técnico informa a sua
preocupação com os fluxos no contexto urbano e afirma que a leitura comunitária traz
informações e um olhar diferente do técnico; um olhar de quem vivencia o lugar que está
sendo pensado.
34
Fáccio (2006) termina a sua contribuição teórica indagando, entre outras questões, o
que existiria de “velho” e de “novo” no contexto atual de pensar e planejar as cidades.
Adverte para o risco de se criar a crença de que um Plano Diretor Participativo teria
capacidade de resolver problemas sociais nos espaços urbanos contemporâneos segregados e
segregadores. Adverte, ainda, para a crença antiga no poder que a arquitetura e o urbanismo
teriam no ordenamento do espaço urbano e transformação dos comportamentos das camadas
sociais pobres da cidade. Mas, identifica um elemento novo na maneira de se pensar e fazer a
cidade que seria o resgate do sujeito na abertura de um campo de possibilidades de
planejamento e gestão urbana e de constituição dos espaços públicos e de urbanidade.
O urbanismo moderno tem baseado na racionalidade disciplinadora e marcado pela
negação do sujeito de pensar e fazer a cidade, do sujeito que daria sentido aos espaços
públicos e que os constitui como espaços de vida pública. Com base na afirmação de Bermam
(1990), Fáccio (2006) termina a sua contribuição afirmando que o resgate do sujeito e
restabelecimento da relação, carregada de tensões, entre razão e sujeito parece ser o grande
desafio que está sendo colocado, mas não só para o planejamento e gestão urbana, mas para a
humanidade inteira como possibilidade de futuro, passado e presente (FÁCCIO, 2006).
Como se pode perceber, os planos diretores em cidades catarinenses, como São José e
Itajaí, não se constituíram como era de se esperar, em um processo coletivo amplo de
planejamento participativo. A cidadania, certamente perdeu essa oportunidade de implantar
melhorias em suas comunidades sob sua responsabilidade (BITOUN, 2003). Certamente a
debilidade da sociedade civil e a cultura política local são expressas pela predominância de
relações sociais própria de uma tradição cultural autoritária onde as questões públicas tendem
a ser vistas como de responsabilidade exclusiva das elites, dos notabili; portanto fora da
alçada dos cidadãos comuns (PUTNAM, 1996).
Certamente a fragilidade da sociedade civil local, em cidades assim, está associada à
fatores culturais como: a debilidade de espírito participativo e comunitário; a pouca
participação ativa em clubes de serviços e associações desportivas civis e culturais que
ajudem a preservar os cidadãos e cidadãs , fortalecendo os laços entre eles, fomentando
identidades e pertenças coletivas. Provavelmente, o que Gramsci chama de “sociedade civil
frágil e gelatinosa” teria a ver com a inexistência de redes sociais e movimentos sociais
capazes de empoderar os diferentes grupos sociais em defesa de interesses comuns e na
obtenção de vantagens e resultados favoráveis a todos o que lhes sejam comuns. Estaria,
especialmente, associada à inexistência de rede de relações interpessoais e de sentimentos de
35
confiança mútua entre os indivíduos que compõem as comunidades e suas expressões e
formatos organizativos por mais frágeis que sejam.
Ter-se-ia, portanto, ausência de traços culturais da sociedade local que fazem parte do
capital social e que tornam os seus membros pouco propensos a colaborar para enfrentar
problemas que lhes são comuns. Certamente, não houve ai campo fértil para a articulação e
sensibilização de grupos sociais, entidades, grupos de interesses, partidos políticos, poderes
executivo e legislativo favoráveis à constituição de um amplo processo de planejamento
participativo e de gestão urbanos como requer o Plano Diretor e o próprio Estatuto da Cidade.
Mas, há experiências de Planos Diretores que se apresentam mais exitosas, mesmo em
Santa Catarina, como é o caso de Joinville. Este caso mereceu uma cuidadosa análise de
Pagnoncelli e Aumond (2004) e se constitui em um dos casos que se pode chamar de
emblemático, já que denota que é possível articular e transformar tal processo amplo e
participativo de planejamento local em algo mais duradouro e democrático e, portanto, de
promover as mudanças sociais e culturais requeridas e desejadas pelos coletivos empoderados
e participantes de uma esfera pública atuante ou permanentemente ativada. Para esses autores,
Joinville foi uma oportunidade de desenvolvimento de aprendizado e que eles buscaram
partilhá-lo com outros cidadãos e cidadãs e com outras cidades.
Os autores começam “Cidades, Capital Social, Planejamento Estratégico: o caso de
Joinville, mostrando como a relação entre o crescimento das cidades (e que não param de
crescer e nem de reduzir o ritmo desse crescimento) e a participação da população urbana.
Alias, a depender do que se entende por participação, o fenômeno da solidariedade orgânica já
foi analisado por Emile Dukheim, como resultado da divisão social do trabalho (e por ventura,
da urbanização) já no século XIX. Ao lado, dos graves problemas infra-estruturais e sociais,
os autores ressaltam os traços decisivo da economia do conhecimento do século XXI: a
concentração nas cidades da atividade educacionais, culturais e de interação social.
Certamente, é aqui que os autores sugerem a relação entre crescimento urbano e
participação social. Em seguida, os autores descrevem o processo de planejamento: seus
objetivos; os fatores condicionantes, entre eles a participação da população; a dinâmica do
planejamento estratégico e nela as premissas de promoção da organização comunitária a
descentralização, a participação, a continuidade das ações em termos administrativos e o
desenvolvimento sustentável. Como se pode ver há um realce da participação na formulação
de vocação, visões e cenários de futuro, princípios, macroobjetivos e estratégias e, sobretudo,
na implantação, acompanhamento e atualização contínua (PAGNONCELLI e AUMOND,
2004).
36
Propõe-se, então, elevar as comunidades de objetos a sujeitos e protagonistas de:
Sua história, pois acredita que é ela quem constrói o tecido social, através da participação na formação dos futuros possíveis, da descrição de visões de futuro, dos princípios e macroobjetivos para a construção de seu futuro. O capital social assim acumulado garante a continuidade das ações estratégicas e sua sustentabilidade” (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004).
Assim:
Para dar sinergia a esse processo objetivando canalizar essas forças e interesses, desenvolvendo uma faixa mínima de convergência de objetivos comuns, o planejamento estratégico assume a comunidade como sujeito âncora. Tenta-se assim, superar o estilo tecnoburocrática do planejamento, criando outras formas de participação do sujeito da cidade: os seus cidadãos.
Segundo os citados autores essa função de participação não visa substituir o sistema
representativo, ao contrário, fortalecem-no, legitimando o seu poder de intermediação e os
interesses que atuam no nível local; e compatibilizando suas ações em função dos interesses
comuns. A maior ambição seria, portanto, construir oportunidades para que os cidadãos e as
cidadãs tornem-se sujeitos do processo de planejamento e de gestão construindo propostas,
compatibilizando e negociando interesses; integrando e harmonizando ações convergentes;
catalisando esforços dos diferentes setores e níveis de interesses e intervenção. Esta ação do
sujeito das cidades, os seus cidadãos e cidadãs, os atores acima traduzem como expressão
política do capital social.
Assim, o planejamento estratégico é “um processo que mobiliza a comunidade para
escolher e construir o seu futuro” e, a melhor maneira de controlar o futuro é construí-lo
fazendo com que a maioria concentre energias numa mesma direção e num mesmo ritmo de
forma equilibrada. Ainda assim, deve haver um consenso sobre uma agenda mínima. Esta
agenda mínima, no entanto, não é um plano de governo, pois sua abrangência temporal
ultrapassa o mandato do governo; não é um plano de prefeitura, porque abrange a sociedade
como um todo, não é um plano diretor urbanístico ou de ordenamento físico territorial, até por
que objetiva, antes de tudo, estabelecer a visão, os princípios; os macroobjetivos, as
estratégias do município-cidade. É uma proposta da sociedade, construída e assumida por ela.
Assim:
É um Plano político, para construir o futuro da “polis”, portanto, suprapartidário. Tem a ambição de garantir um mínimo de continuidade no processo de desenvolvimento da cidade, a partir de uma visão compartilhada de seu futuro.
37
(...) é uma proposta da sociedade para a sociedade. É “uma proposta de responsabilidade e comprometimento da geração atual com as gerações futuras” (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004).
Esta dimensão ética de um Plano Diretor Participativo do município-cidade, no
entanto, parece encontrar seus próprios limites enquanto processo que mobiliza a comunidade
para escolher e construir o seu futuro. Segundo os atores as condições de seu sucesso são:
(...) o firme compromisso das instituições promotoras; máxima participação cidadã; colaboração do setor público/privado é uma articulação real de interesses: uma análise real, global e consensual do entorno; formação realista das propostas, priorização de ações e projetos; concentração de energia e continuidade no processo de implantação dos projetos (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004).
Ora, uma visão global da cidade como um espaço em processo de transformação
permanente, administrando recursos escassos e superando problemas de magnitude crescente;
ao mesmo tempo superando desperdícios e improvisação e assegurando o progresso não só
socioeconômico das pessoas, mais também político, encontra seus limites na própria cultura
política vigente no nível local, como já se viu em outras experiências. No limite se teria a
própria imagem que os citados autores lançam mão: a do cabo-de-guerra de muitas pontas.
Prevaleceria a Lei de Gerson. No mínimo se teria um estado ou cenário inercial que acaba
favorecendo a reprodução do status quo.
Então, a melhor maneira de controlar o futuro nessa situação é dispensar e amortecer
as forças vivas e emergentes no município-cidade, destruindo o seu futuro. Um povo que não
tem identidade e nem laços de pertenças coletivas e solidariedades, em geral, não sabe para
onde vai, não tem futuro nem passado e nem presente. Quem não sonha, não planeja.
Assim, o capital social é fundado em forças intangíveis como confiança, solidariedade,
alteridade, integridade, abertura para o diálogo, para a inovação, para a cooperação, para
aprendizagem contínua em redes sociais e comunicativas diante dos desafios colocados pelo
presente sobre o qual se pode desenhar e construir o futuro. Nesse sentido, a âncora do
planejamento estratégico e participativo como requer o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001)
é a participação. E não existe participação sem capital social. E não existe capital social sem
capital humano. Daí porque para Pagnoncelli e Aumond (2004) o capital social é a âncora do
planejamento estratégico.
No entanto, em cidades como é o caso estudado neste trabalho – Queimadas – PB,
colocar, assim tal pressuposto, não se corre o risco de se ficar no campo do dever ser, ou seja,
do idealismo? Os Autores sugerem que não; ao definirem como processo de planejamento a
38
própria mobilização da sociedade para elaboração e validação do planejamento estratégico e,
por conseqüência o que vem depois: execução, acompanhamento, controle e atualização
contínua. Nesse processo, a participação da sociedade organizada na formulação e validação
do planejamento estratégico e participativo torna-se exercício que eleva os níveis de coesão e
solidariedade, de partilha de poder e ação política.
Desta forma, o exercício reforça aquilo que diferencia os seres humanos de outros
seres da criação: a capacidade de transcender, de ir além de si e de seu presente, de mobilizar
forças tangíveis e intangíveis capazes de favorecer mudanças elaboradas a partir de situações
indesejadas do presente. Como destacam os autores “projetar o futuro é uma das melhores
maneiras de otimizar as decisões no presente”.
Não se desenha um futuro de uma cidade quando a maioria de seus habitantes apenas
sob a cidade (sob aqueles que mandam, que governam, que dominam) e na cidade (ou seja,
como clientes, menos beneficiários de ação pública como meros expectadores). Ao contrário
dos outros animais, os humanos devem estar no tempo e com o tempo e ao temporalizar-se
constituem cidade, tecendo as relações e exercitando certos valores tidos como universais e,
por isso, tematizados nos espaços públicos; público porque de todos, pertencentes a todos.
Esta capacidade de organizar-se e aprender juntos; de trocar experiências e saberes; de
construir projetos comuns e cujos resultados e efeitos sociais e políticos só podem ser obtidos
porque são frutos de processos coletivos do planejamento operacionaliza e potencializa o
capital social pré-existente, tangível ou não, atual ou potencial, através da ação coletiva e da
cooperação; da democratização e disseminação do uso da informação e da comunicação. Por
seu turno, o desenvolvimento dessa forma de capital é estimulado pelos processos
participativos e os espaços públicos construídos na elaboração e implementação da proposta
tais como grupos de trabalho, reuniões, assembléias, conferências, comitês, conselhos. Não se
trata, portanto, para os autores de descrever o futuro ou o dever ser, mas de criá-lo:
A descrição do futuro e, em especial, a sua construção requerem comprometimento, confiança, audácia, sonho, ambição. Implica como pressuposto número um, combinar as forças de sociedade para construir um futuro, pela tessitura do tecido social (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004)
Assim, a premissa subjacente ao processo de planejamento estratégico e participativo é
a de que as redes sociais que:
Formam o capital social constitui um valor coletivo na crença objetiva de que essas redes fazem algo para a coletividade, para a vida em comum na cidade. As ações
39
coletivas dependem das redes sociais e, por sua vez, a ação coletiva promove novas redes. As redes sociais facilitam identidades mais amplas e a cooperação transforma a mentalidade do “eu” em “nós”, criando identidade” (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004)
Dessa forma, ao construir espaços e processos interativos contínuos, o planejamento
estratégico e participativo, socializa pessoas e interconecta indivíduos, entidades, equipes,
personalidades, grupos sociais em espaços públicos como o Conselho da Cidade e outros, os
quais espelham o tecido social, “o capital social e sua multiplicidade e contradições”. Assim,
este Conselho é:
constituído pela rede de conexões entre indivíduos e grupos na comunidade e representa o valor coletivo de todas essas redes sociais e a propensão que surte delas de trabalharem numa linha de convergências para uma visão do futuro, princípios e macroobjetivos comuns (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004)
Dessa forma:
O capital social torna as cidades mais conscientes e alertas dos vários caminhos para o futuro comum. As redes que constituem o capital social servem de canal para fluxo de informações úteis que facilitam o alcance de seus objetivos, alimentam o diálogo e tolerância, substituindo o rumor pela comunicação facilitando a resolução dos problemas coletivos (PAGNONCELLI e AUMOND, 2004)
Assim, se o planejamento pode ser este fator propulsor de aprendizagem social e se
não existe sociedade que não tenha em maior ou menor proporção este potencial de
aprendizagem coletiva; que não tenha em maior ou menor grau “recursos atuais ou potenciais,
não redutíveis ao individual e que são fundantes de certas relações sociais e ligações
permanentes e úteis” (BOURDIEU, 1998); então, é preciso se ver até que ponto o caso de
Joinville (SC) relatado pelos atores se constituiu ou se constituem num laboratório ou
experiência existente de planejamento participativo.
Os autores ao descreverem o processo de elaboração do planejamento estratégico de
Joinville sugerem que se vise muito mais que plano diretor urbano ou de ordenamento físico-
territorial urbano. A semelhança da Agenda 21 de Vitória (ES) trata-se do plano de Joinville
(2000), o qual incorpora a atualização do plano diretor físico-territorial de Joinville, como um
de seus programas estratégicos. Todavia, conforme as orientações do Estatuto da Cidade
40
tratam-se de um plano estratégico com visão de médio e longo prazos e que toma o município
como um todo.
O plano estratégico de Joinville surgiu de uma proposta do Desenville (Conselho de
Desenvolvimento de Joinville), por sua vez, composto pelo prefeito e por um grupo de
empresários. Essa sua origem identifica-se com o próprio empreendedorismo que atravessa
toda a sua concepção, planejamento e a própria idéia de capital social que lhe é subjacente.
Retornar-se-á esse tema posteriormente. De qualquer forma, a origem em si da proposta não
desqualifica a importância ou o êxito da experiência.
Conforme identificam, os autores no diagnóstico, os cidadãos participaram como
fontes de informação (entrevistas, consultas) e nos grupos de trabalho. Já na segunda fase
concernente as vocações, visões, princípios e macroobjetivos, através de representantes no
Conselho da Cidade e grupos de trabalhos. Por seu turno as estratégias e propostas foram
validada pelo Conselho da Cidade. Esta foi a terceira etapa. Na etapa de implementação
institucional do plano, a participação dos cidadãos e cidadãs é expressa pela existência dos
grupos de trabalho que elaboraram os projetos estratégicos; pela divulgação junto à sociedade
organizada e, entende os autores que a sociedade organizada são instituições; entidades e
empresas. Por sua vez, informaram que os “fatores críticos de desempenho do plano,
indicadores de desempenho, projetos estratégicos, proposta de institucionalização (...);
priorização com cronograma de implementação de programas e projetos” foram validados
pelo Conselho da Cidade.
Mas quem faz o Conselho da Cidade e que os autores sugerem que são expressão, ou
melhor, espelho do tecido social, do capital social? Segundo Pagnoncelli e Aumond (2004), o
Conselho da Cidade é o órgão máximo de participação, representante das instituições
socioeconômicas e políticas da cidade. Mas existe um Conselho Diretor e os grupos técnicos
de trabalho, destes últimos participaram técnicos especializados. Onde ficariam os cidadãos
comuns no desenho da gestão? Ora coube ao Comitê Executivo a responsabilidade pela
coordenação e execução do planejamento e cujo trabalho se pretendem legítimo (pela efetiva
participação e aprovação da comunidade), além da acuricidade (rigor científico) e o respeito
ao prazo (eficiência). Este Comitê ouviu mais de três mil pessoas e segundo a cartilha do
planejamento estratégico de Joinville; ouviu “respeitando seus pensamentos, posicionamentos
e contribuições de forma sistemática, isenta e com assertividade”.
Este Comitê foi composto por técnicos da Secretaria de Qualidade da Prefeitura e por
profissionais terceirizados, com a missão de executar e coordenar a elaboração do plano. Já o
Conselho Diretor, foi composto de “pensadores” da cidade, ou seja, de notáveis de várias
41
correntes de oposição, sua missão foi orientar o Comitê e consolidar o trabalho. Seus
membros foram nomeados pelo executivo, tal como, os membros do Comitê. Já o Conselho
da Cidade foi composto por 75 entidades, consideradas as mais representativas do município,
com objetivo de analisar e validar o plano. Seus membros foram escolhidos por suas entidades
as quais, por sua vez, foram identificadas e convidadas a participar do Conselho.
Responderam a um questionário, necessário para o diagnostico.
Assim, que entidades representaram os trabalhadores e o povo? Pela relação no final
da cartilha; os grupos de interesses ou entidades tradicionais do sistema político: apenas uma
associação comunitária (desenvolvimentista), a da Vila Nova e o Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. A grande maioria: empresas; associações corporativas (profissionais liberais,
empresariais); conselhos setoriais; fundações; ONG’s ambientalistas; sindicados patronais;
imprensa; secretarias municipais e empresas de serviços públicos; legislativo municipal;
universidades. Desse modo, em outras palavras, participaram do planejamento de Joinville o
poder econômico (empresas, corporações e sindicatos patronais); o poder político (o
executivo e o legislativo e judiciário); o poder social, o poder da solidariedade, aparece
através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e, já é sabido os limites de sindicatos enquanto
grupos de interesses. Também, sindicatos de trabalhadores em Educação de Rede Pública.
Mas, Pagnoncelli e Aumond (2004) sublinharam que a necessidade de planejamento
de Joinville foi ganhando corpo nos últimos anos através dos incentivos de diversas empresas,
instituições e lideranças e culminando com o movimento “pensando Joinville”. O consenso
sobre os problemas mais graves da cidade passou a congregar as representações dessas
entidades e empresas em torno da idéia de elaborar o plano estratégico de Joinville. E depois?
Realizou-se o planejamento conforme descrito. Por exemplo, no mapeamento estratégico foi
utilizado para suprir a falta de integração, definindo e criando prioridades, buscando numa
linguagem comum entre os diversos processos, tanto no setor público quanto no privado.
Assim, por exemplo, o método de mapeamento estratégico foi aplicado às instituições sem
fins lucrativos mediante um encontro de 63 entidades, dirigida pela Associação Joinvillense
de Obra Sociais (AJOS) e patrocinada por empresas locais.
Reuniram-se entidades ligadas à preservação ambiental, de assistência aos idosos e de
prevenção do câncer; entidades ligadas as atividades desportivas, culturais e educacionais.
Durante um dia, essas entidades foram treinadas para formulação do diagnóstico do ambiente
de sua atuação: identificação e análise de oportunidades e ameaças (ambiente externo); de
forças e fraquezas (ambiente interno); visão, missão, macro-objetivos, estratégias e plano de
ação. Tal encontro proporcionou o reconhecimento do potencial de desenvolvimento do setor,
42
troca de experiências e aprendizado. Nasceu entre elas, certa consciência de se
interconectarem para trocar informações e conhecimentos; realizarem trabalhos e ações
comuns; e ainda construírem visões compartilhadas sobre problemas comuns.
Nas conclusões, os autores indicam que tal experiência foi possível porque as
lideranças empresariais de Joinville viram a idéia de planejamento da cidade para além de um
instrumento técnico. Viram-no, portanto, como um processo de gestão das mudanças.
Disseminou-se o sentimento de que “era preciso fazer alguma coisa”. As forças sociais para
fazer algo: as instituições, as empresas, a sociedade organizada de Joinville. O que fazer: o
desenvolvimento sustentável e a inclusão social, eixo social crucial das decisões em relação
ao dilema do futuro. Os desafios, as escolhas, respostas: os meios de degradação ambiental e
social não são inevitáveis, podem ser, então, revertidos.
Os desafios, as respostas para tais problemas não podem ser limitadas e redutíveis
apenas ao governo local, ou de uma instituições ou empresa, mas a toda sociedade organizada
de Joinville: as respostas só podem ser efetivadas pelo capital social. Portanto, a ação coletiva,
a informação, a comunicação, coesão social aqui tem peso decisivo.
Finalmente, os autores sugerem que, embora imprescindível, não basta, do ponto de
vista prático, traduzir, num primeiro momento, a visão do planejamento estratégico para
instituições, empresas e entidades. Haveria num segundo momento todo um processo
educativo: levar o processo para as instituições, entidades e empresas, para nelas internalizar a
visão de futuro desejado, através da comunicação e da educação, colocando os objetivos da
cidade. Este processo educativo visa à construção de “uma firme coalizão para a mudança em
torno dos eixos cruciais do futuro desenvolvimento local sustentável e a inclusão social.
Espera-se que, instituições entidades e empresas comecem, a partir de dentro, a
colocar em prática os objetivos que alinhe iniciativas estratégicas, elenque recursos,
estabelecendo meios e metas. Tais comunidades devem propiciar feedback e aprendizagem
para toda a sociedade. Os autores indicam que faz parte da tradição de Joinville o
empreendedorismo e que já ocorrem iniciativas em termos dessa coalizão. No entanto, na
emergência de uma sociedade de redes e do conhecimento, o papel da Prefeitura municipal é
fundamental. Ela própria, segundo Pagnoncelli e Aumond (2004), se transforma em centro de
referência na utilização e difusão de novas tecnologias da informação, inclusive promovendo
a inclusão digital e a formação de redes de cidadã em torno do futuro prognosticado no plano
estratégico.
Deve-se, assim, realizar uma gestão “baseada na informação, com qualidade,
velocidade e transparência, sendo fiel à sua capacidade de conectividade em suas redes”.
43
Assim, “os grupos sociais se valerão de redes para se informarem, comunicarem e
constituírem coesão social em torno de objetivos comuns (PAGNONCELLI e AUMOND,
2004)
Como se pode ver, a experiência relatada apresenta sinais visíveis que a grande
maioria da população não participou da experiência de planejamento estratégico e que por
definição teria que ser participativo. Houve o peso das corporações empresariais, as elites
técnicas e políticas das classes médias, de entidades ligadas ao meio ambiente e
assistencialista. O poder social, a solidariedade das camadas mais pobres provavelmente,
aparece apenas na representação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do Sindicado dos
Trabalhadores do Ensino Público.
Participantes do Conselho da Cidade: este ao que parece teve o papel apenas de
validar, de legitimar o plano, se a sua ação não foi passiva, pelo menos foi plebiscitária, como
entendem as elites por participação democrática. A participação se não é limitada segundo tal
concepção, é apenas retórica, como retórica é a noção de capital social empregada, até porque
em autores como Bourdieu, a noção de capital social pode ser empregada apenas como
recursos afetivos e potenciais de certos grupos, camadas ou classes sociais. Até porque o
capital social jamais é desvinculado de capital econômico e do capital cultural ou outra
espécie de capital simbólico possuídos pelo agente individual. Pelo contrário, o capital social
exerce o papel de potencializar essas espécies de capital.
Assim, os lucros que o pertencimento a um determinado grupo proporciona está na
base da solidariedade que os torna possível e acesso a lucros proporcionados por
pertencimento a um clube seleto ou pela participação num grupo prestigioso ou de notáveis
pode proporcionar lucros materiais como todas as espécies de serviços assegurados por
relações úteis e duradouras, bem como lucros simbólicos como status, respeito e honra. É,
portanto, legitimo que os empresários de Joinville busquem mobilizar e ampliar o seu capital
social e buscar saídas para a crise econômica e própria degradação social e ambiental que
colocam em risco seus próprios empreendimentos.
Algumas críticas precisam ser tecidas as propostas subjacentes à experiência relatada,
a primeira é quanto ao papel fundamental da Prefeitura na promoção da interconexão dos
cidadãos na promoção das redes. Há uma confusão entre a instalação de um governo
eletrônico ou de publicização das ações do governo através da democratização da informação
e pela via das chamadas novas tecnologias de informação com redes sociais. Certamente a
idéia de inclusão digital e do uso da informação para democratização a informação, para
tornar os serviços públicos mais ágeis e o governo mais transparente é uma proposta avançada
44
e imprescindível à promoção da cidadania e a aproximação entre os cidadãos e cidadãs e entre
o governo e a cidade.
Mais uma rede eletrônica não é uma rede social, ela pode ser um instrumento
importante de uma rede social, mas não a própria rede. Os autores falam que a Prefeitura de
Joinville está transformando os munícipes em cidadãos-clientes. A transformação dos
cidadãos em clientes é própria do poder político. Transformá-lo em mero beneficiário de
serviços públicos, pode negar-lhe a participação política, o seu poder de decidir aquilo que é
feito em seu nome, o protagonismo popular. A redução do cidadão a condição de mero cliente
é transformá-lo em mero instrumento de uma racionalização tecnoburocrática que ao contrário
do que se pretende só vai erodir as bases da integração social: a solidariedade, a cooperação;
os sentimentos de pertenças e identidades coletivas.
Isto pode até ser muito bom para a classe empresarial que teve a iniciativa de planejar
Joinville, mas não para os trabalhadores e o povo. Só que a desintegração social que já se faz
sentir no próprio relato de Pagnoncelli e Aumond (2004) mediante ao que se chamou de sinais
de degradação social, termina por ser uma ameaças ao próprio sistema (poder político e poder
econômico).
Além disso, os limites do plano estratégico de Joinville são os próprios consultados de
tal plano e de sua visão empresarial, ou seja, no modelo de cidade mercado que é construído
pelo planejamento. Este modelo está acentuada na otimização, na eficiência e na constituição
de territórios de oportunidades para os negócios urbanos. Largamente apropriados nas
políticas de gestão local, como forma de inserção das cidades nos mercados globais, não
resultam a priori, em uma maior universalização e qualidade social e sim na conexão das
partes do tecido urbano como oportunidades econômicas territorializadas (LEAL, 2003).
Se a não há inclusão social, ela também não é obra das elites locais; qual seria, então,
o lugar dos setores populares de Joinville nas decisões estratégicas e no controle social do
governo municipal. Até que ponto Joinville é um território de oportunidades para além de
meros clientes de serviços públicos municipais; por exemplo, o direito à moradia, ao habitat,
que inclui rede de água, rede de drenagem, rede de esgotamento sanitário, calçamento, energia
elétrica; serviços de educação, de saúde, de assistência social e outros; casa habitável,
transporte e etc.? A questão principal é o reconhecimento da condição que tem cada cidadão e
cidadã de “agente de mudança” da realidade em que vive na construção da cidade ou não. E a
gestão participativa entendida como participação popular parece ser de fundamental
importância para esse reconhecimento.
45
Nessa perspectiva Leal (2004) mostra claramente, como na segunda gestão de Jarbas
Vasconcelos, na cidade do Recife (Gestão “Alto Astral: 1993/96) a concepção, a vertente
empreendedora da gestão fundada nos princípios de parcerias entre o setor público e o privado
no gerenciamento empresarial promocional da cidade – foi implantado num momento em que
a decadência e a exclusão social traziam repercussões à imagem da cidade. A própria
degradação social e ambiental passou inclusive, a ser motivo de muitas críticas e alvo da
mobilização de movimentos sociais. Neste momento, os indicadores econômicos e de
qualidade de vida, mostram-se incompatíveis com iniciativas de geração de oportunidades
para que as potencialidades locais pudessem se inserir ou mesmo estimular os mercados ou
nichos de mercados regionais.
Nesse sentido, Joinville, pela própria descrição de Pagnoncelli e Aumond estava
passando por uma situação assim. No entanto, durante a gestão Alto Astral 93/96; a
implementação do “modelo de empreendedorismo urbano”, o “Programa Estruturador”, como
principal instrumento foi viabilizado por um governo em que o movimento organizado teve
uma participação limitada no processo eleitoral e na própria composição do perfil político da
administração. Os grupos de capital mobiliário, comercial e de serviços e as elites econômicas
e as políticas encasteladas basicamente no PSDB e no PMDB tiveram a hegemonia e
imprimiram a dinâmica do governo conforme o ideário empreendedor: a melhoria da infra-
estrutura (drenagem e transporte); a valorização da imagem da cidade (revitalização de áreas
como centro histórico e outras áreas; revitalização de praças e parques); potencialização de
áreas produtivas (Recife cultural, pólo tecnológico e de serviços modernos).
Estes e outros programas e ações denotam a tônica empreendedorista através da
parceria público-privada. Por outro lado, esta gestão “Alto Astral” 93/96 se realizou num
momento de refluxo e baixa mobilização popular. Provavelmente, tal como pode estar a
ocorrer em Joinville, a gestão Alto Astral de Recife e o seu “Plano Diretor” e “Programa
Estruturador”, dissociou-se do conjunto da sociedade, não abrangendo ou incorporando mais
amplamente os vários setores da sociedade tornando-se “estreito e menos participativo e, ao
mesmo tempo, tendo pouco alcance e escassa ressonância junto à população” (LEAL, 2003).
Por fim, também proveniente de Santa Catarina é o artigo de Cordini e Lima (2000);
da UFCS, sobre a necessidade de um Plano Diretor nos 3.218 pequenos municípios brasileiro.
Isto é, com menos de 20 mil habitantes e desobrigados, pela Constituição Brasileira e pelo
Estatuto da Cidade de fazê-lo. A importância principal do trabalho destes autores é chamar a
atenção não só para as possibilidades de ordenamento físico-territorial e de desenvolvimento
urbano, inclusive da gestão ambiental e da inclusão social que sofreu severas críticas com
46
relação ao caso do Plano Diretor da Cidade de São Paulo. Chamam a atenção para os dos seus
instrumentos considerados imprescindível para organizar e gerir a coisa pública, como é o
caso de um Cadastro Técnico Multifinalitário, urbano e rural.
O próprio “conhecimento do espaço geográfico, tendo em vista o ordenamento
territorial só seria possível na visão dos referidos autores através de mapeamento de todas as
parcelas imobiliárias, visando a implantação de cadastro e efetivando o funcionamento de
outros instrumentos como o Código de Postura, a Lei de Uso e Ocupação do Solo; a
Legislação Ambiental, a delimitação de zonas especiais de interesse social, ecológica,
histórico e cultural, entre outras.
Isto está também relacionado à economia municipal em termos de racionalização e
utilização dos recursos financeiros. Assim, a própria legislação, como o aspecto jurídico do
Cadastro, garante os direitos de posse e de uso das parcelas imobiliárias do direito à cidade.
Portanto, este é também um aspecto importante relacionado não só a gestão territorial e
ambiental, mas também a gestão da receitas próprias do município.
Como se viu, pelo menos em três casos exemplares, a participação de um Plano
Diretor Participativo apresentou dificuldades. Mesmo em cidades com uma história de lutas e
experiências de participação popular como Recife e São Paulo, com o uma sociedade civil
robusta e organizada e que expressa certo nível de desenvolvimento e acúmulo de seu capital
social, foram encontradas dificuldades para este Plano ser construído e implementado. E,
mesmo que este Plano faça parte de um planejamento estratégico e que vai além de um Plano
Diretor físico-territorial, a participação social teve limites que foram desde a composição de
um governo de perfil político adverso à participação popular, passando pela tradição
autoritária e centralizadora do Estado e da própria intervenção política na sociedade local.
Ficou clara a existência de uma cultura política adversa à participação, à cooperação, ao
diálogo e a solidariedade; à formação de redes sociais e espaços públicos de tematização e
orquestração de problemas que atinjam a todos. O que se dirá de Queimadas/PB, parte mesma
de uma tradição política autoritária e dilapidadora dos recursos e bens públicos? E, que, além
disso, apresenta um capital social incipiente.
47
CAPÍTULO II – QUADRO CATEGORIAL DE ANÁLISE
O Ministério das Cidades (2004), em “Plano Diretor Participativo: Guia para
Elaboração pelos Municípios e Cidades” sugere o planejamento participativo como o caminho
para se constituir cidades melhores e mais justas. Nesse sentido, diz a cartilha do Ministério:
Todos os cidadãos estão habilitados a participar do planejamento de sua cidade e podem intervir na realidade de seu município. Para que essa capacidade saia do plano virtual ou potencial e concretize-se na forma de ação participativa, os processos de elaborar planos e projetos têm de prever métodos e passos que todos os cidadãos compreendam com clareza, em todos os municípios (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004)
E, diz ainda, que:
Garantir – de fato, possibilitar – que os diferentes segmentos da sociedade participem nas atividades de planejar e gerir as políticas urbanas e territoriais é um grande desafio (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004).
Até por que:
Democratizar as decisões é fundamental para transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os cidadãos e assumido pelos cidadãos, bem como para assegurar que todos se comprometam sintam-se responsáveis e responsabilizados, no processo de construir e implementar o Plano Diretor” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2004)
Como pode ser visto, parte-se do pressuposto que todos os cidadãos e cidadãs estão
habilitados, aptos a participarem do planejamento de sua cidade. Depois essa capacidade
parece ser relativizada. Primeiro porque está a depender de métodos e passos adequados e,
segundo, sugere que garantir de fato esta participação é o grande desafio. Desafio esse que
estaria a depender da democratização das decisões. E aqui está o maior desafio: como e quem
vai democratizar tais decisões. Qual é o sujeito desse processo?
Já foi visto no texto de Fáccio (2006) que uma das novidades do Estatuto da Cidade é
o resgate do sujeito no pensar e fazer a cidade e, é esse resgate e fortalecimento desse sujeito
que dá sentido aos espaços públicos enquanto espaço da vida pública é o grande desafio.
Trata-se, certamente de incorporar nesse processo de pensar e fazer a cidade (processo de
planejamento) a grande maioria excluída. Dessa forma, se pode fazer da cidade um local não
só de reprodução ampliada do Capital, mas também de reprodução dos cidadãos e cidadãs que
48
nela vivem e a constroem. Se o planejamento participativo não for inclusivo não pode ser
considerado participativo. O planejamento continuará a ser como afirma Chico de Oliveira,
uma mera forma de amenizar os conflitos sociais.
2.1. Participação
Então, novamente, o desafio da participação depende de vários fatores, como já se viu
anteriormente e que informa a nossas próprias hipóteses de trabalho: a participação não
acontece por decreto ou por força de Lei. A participação enquanto pressuposto e suposto do
planejamento precisa de ambiência democrática e sabe-se que a ambiência é, em geral,
adversa. Portanto, a participação enquanto elemento novo do planejamento e gestão dos
municípios-cidades depende da existência de movimentos sociais e do envolvimento da
população empoderada em suas entidades representativas; depende da correlação de forças em
cada município e de outras variáveis determinantes como a história e a sua cultura política
local.
Acrescenta-se a isso, fatores culturais como o analfabetismo e a pouca escolaridade da
população, associados a fatores de qualidade de vida e acesso a certos bens e serviços,
incluindo a informação e, principalmente, o capital social, entendido como uma série de
fatores objetivos e subjetivos, atuais e potenciais que favorecem a organização, a cooperação;
a solidariedade e a formação de redes e sentimentos de pertencimentos e identidades
coletivas; incluindo também, a história e as experiências associativas e cooperativas.
Nesse sentido, o capital social e o capital humano são elementos imprescindíveis para
que planejamento participativo possa se construir em processo de regate e de fortalecimento
de um sujeito que se impõe no ato de pensar e planejar a cidade e, por conseguinte
transformá-la. Sem a participação popular, provavelmente a participação estará restrita
àqueles que sempre governaram e decidiram sobre a vida da cidade.
Assim, por participação se entende antes de tudo o direito de decidir, de assumir o
controle de seu próprio destino e não de ser controlado por outrem. Segundo Bordenave
(1994) a participação pode ser aprendida e aperfeiçoada pela prática e pela reflexão. A sua
qualidade eleva-se quando os participantes de um processo, como o de planejamento da
cidade, aprendem a conhecer a sua realidade; aprendem a refletir e analisar problemas e
contradições reais ou aparentes e buscam construir alternativas de superação; aprendem a
identificar premissas subjacentes e a antecipar conseqüências; aprende a distinguir os efeitos e
49
as causas, observação de inferências e fatos de planejamento no processo de saber mais para
transformar a realidade.
A qualidade da participação aumenta quando as pessoas aprendem a manejar conflitos,
a clarificar e refletir sentimentos e comportamentos, a tolerar divergências e diferenças, a
respeitar opiniões e adiar gratificação. A qualidade da participação, segundo o autor, aumenta
ainda quando os participantes de tal processo de aprendizagem social aprender a organizar, a
coordenar encontros, assembléias, mutirões; comissões de grupos de trabalho; quando
aprendem também a pesquisar problemas e elaborar relatórios, a usar meios e técnicas de
comunicação. Assim:
Na aprendizagem da participação, o aprendiz fica sabendo como detectar tentativas de manipulação, sintomas de dirigismo e de paternalismo; a superar a improvisação, o espontaneísmo e a demagogia; a distinguir a verdadeira participação da simples consulta ao povo (BORDENAVE, 1994).
Como se vê a participação é um processo de desenvolvimento do capital humano e,
sobretudo, de socialização política dos indivíduos, tendo em vista a democracia. Por sua vez,
“a democracia não é para o autor apenas um método de governo onde existem eleições.
Democracia é um estado de espírito e um modo de relacionamento entre pessoas. Democracia
é um estado de participação” (BORDENAVE, 1994).
No entanto, participação para Bordenave (1994), não é uma destreza que se aprende
pelo mero treinamento; ela é uma vivência coletiva e não individual, de modo que só se pode
aprender na práxis coletiva. Sendo assim, participação é a expressão do capital social. Veja-
se, então, o que significa primeiro participação popular, para em seguida se apresentar os
conceitos de socialização política de que se falou anteriormente e para em seguida
precisarmos mais os conceitos de Capital Humano e de Capital Social.
Existem vários níveis de participação (na escola, na comunidade, no sindicato, no
partido político) existem micro e macroparticipação; como existem qualidades diferentes de
participação (fazer parte, tomar parte e ser parte); mas também, se participação é um direito,
ela é algo a ser conquistado. Portanto, para as camadas populares participação é conquista ou
algo a ser conquistado, ampliado, um direito a ser preservado e ampliado.
Então, se pode falar de participação popular. Participação diz respeito às ações
coletivas das camadas populares e, quando se fala “em movimento popular, estamos diante de
uma categoria reconhecidamente latino-americana (...)” (DOIMO, 1995) e que é utilizada para
designar ações coletivas. A ação coletiva dessas camadas populares, ou seja, dos setores mais
50
pobres e excluídos da população, ou estigmatizadas por questão de cor, de sexo, de geração;
de crença, de deficiência físicas ou outro atributo, tem sido denominado de movimento
popular. E através dessas ações coletivas que a participação popular acontece e tem
acontecido. Assim, utiliza-se de forma empírica o termo movimento popular ou movimentos
sociais populares para caracterizar as forças sociais atuantes e que se manifestam pela via da
organização e de grupos de diversas naturezas amplitudes e vigor (SOUZA, apud EQUIP,
2001).
Para melhor entender a noção de popular e melhor qualificação o que se entende por
movimento popular e participação popular; Gramsci teórico italiano da ciência política e de
origem de esquerda classificou o popular por sua posição em relação às classes hegemônicas
ou dominantes político e economicamente na sociedade. Seriam as camadas subalternas da
sociedade. Esta subalternidade seria relativizada na medida em que os próprios subalternos se
reconhecem como tal e, ao mesmo tempo começam a negar essa condição arbitrária de
subalternidade através do exercício da própria organização e do poder ou de capacidade de
lutar contra tal posição ou condição social. Assim, o popular se refere a um atributo e ao
mesmo tempo, ao reconhecimento de uma desigualdade de poder na sociedade e da
capacidade de exercitá-lo em função de seus interesses (EQUIP, 2001). E, desse modo, a
participação se dá através de movimentos sociais subalternos ou populares, e transforma as
camadas mais pobres e excluídas em sujeitos coletivos.
Esta capacidade de solidarizar-se, de organizar-se, de formular e lutar por interesses
comuns parecem ser expressão do capital social. Por sua vez, a noção de sujeito e que tem
origem na proposta pedagógica de Paulo Freire, expressa essa capacidade de interferir nos
processos históricos, de produzir a ação crítica e criar novos modo de vida e emancipar-se. Já
o sujeito coletivo vem da sociologia (HALL, apud EQUIP, 2001) e é próprio da
complexificação das sociedades contemporâneas.
Então, os movimentos populares seriam sujeitos coletivos internos ao processo
histórico, constroem ou contribuem para a construção de uma cultura política que, por sua
vez, socializa ou ressocializa os indivíduos com base na solidariedade, na cooperação e nos
processos forjadores ou formadores de opiniões e vontades coletivas (LIMA, apud EQUIP,
2001). Esses movimentos são portadores de uma identidade coletiva; uma identidade que se
forja a partir de interações compartilhadas entre os indivíduos e que pressupõe uma
preocupação com as orientações para a ação e preocupação com o cenário no qual se
movimentam gestando oportunidades e desafios (MELLUCI, 1989).
51
A participação é, então, uma idéia força, uma utopia que se materializa na forma
movimento social popular e o papel da dimensão utópica é revitalizar a prática social e
política que alimenta, por sua vez, o sonho e o desejo de mudança (EQUIP, 2001).
Segundo Oppo (1995) a socialização política indica o conjunto de experiências que, no
decorrer do processo de promoção da identidade social do indivíduo, contribuem para plasmar
a imagem que ele tem de si mesmo em confronto com o sistema político e em relação às
instituições. Tendências, emoções, atitudes perante vários objetos da política; aptidões
cognitivas e expressivas, necessárias ao agir político. Todas essas características, portanto, são
resultados de um processo da formação – aprendizagem social. Assim:
Se a relação indivíduo-instituições políticas é importante em qualquer tipo de formação política e em qualquer situação histórica, ela se torna fundamental nos sistemas democrático-representativos, cujo funcionamento regular exige a ativa participação das cidadãos no processo político (...). Por isso, nestes sistemas, a socialização política não é apenas um problema de maior relevância que em outras formas de governo historicamente existentes, mas também um fenômeno mais complexo, levados em conta pelo menos dois aspectos que, embora conexos, se podem considerar analiticamente distinto: o da aceitação ou não aceitação de sistema, ou seja, o problema da sua legitimidade, e o da formação de indivíduos-sujeitos políticos, capazes e dispostos a participar nos processo político democrático (OPPO, 1995)
Desse modo, os movimentos e organizações populares como processo de
aprendizagem (e de socialização política) como quer o guia para elaboração do Plano Diretor
Participativo, feito pelo Ministério das Cidades, é também um processo que habilita os seus
componentes a planejarem de forma participativa as suas ações. Aprendem a estabelecer
antecipadamente, as escolhas objetivas e a prever atingí-las. Pensam não só o futuro da
Organização, mas também o da comunidade, definindo o que fazer, como, quando, e com que
recursos. Graças a esses movimentos que emergiram e se expandiram no País na década de
80, é que foi institucionalizada a própria participação popular no planejamento público, na
Constituição Brasileira. Este tema será discutido mais adiante.
2.2. Capital Humano e Capital Social
Já se viu que os movimentos sociais constituem em processo de aprendizagem social e
como tal relaciona-se com o desenvolvimento do capital humano e do capital social. Sem eles,
provavelmente não haveria participação popular na construção do planejamento estratégico e
na gestão urbanas. O capital humano diz respeito ao capital cultural no sentido de Bourdieu
52
(1998) na forma de títulos escolares, conhecimentos, saberes, experiências, bens e obras
culturais e outras habilidades redutíveis ao indivíduo e por ele possuídas. Já o capital social
não pode ser redutível ao indivíduo, mas ao coletivo, ao grupo social. Outro autor que trata do
conceito de capital humano é Franco (2001) para este o “capital humano é a capacidade das
pessoas fazer coisas novas, exercitando a sua imaginação criadora – o seu desejo, sonho e
visão – e se mobilizando para adquirir os conhecimentos necessários, capazes de permitir a
materialização do desejo, a realização do sonho e a viabilização da visão”. Dessa forma, para
Franco, o capital humano é um capital empreendedor.
Nesse sentido, para que esse capital proporcione o desenvolvimento é necessário que
se tenha um ambiente favorável a inovação e vai depender da liberdade para criar e da ousadia
de inventar; ou seja, é fundamental se ter uma cultura empreendedora da sociedade
(FRANCO, 2001). Assim, as idéias de Franco se aproximam das de Schultz (1973) e das de
Sen (2000). Vejamos como diferentes autores e a literatura define capital social e logo em
seguida o conceito de governança local.
Planejar é sonhar e desenhar a mudança que se quer alcançar. Executar o planejamento
é operar o desenvolvimento e só será inclusivo dos setores populares e dos excluídos da
sociedade se for também por eles protagonizados. Mas, isto requer capital humano e capital
social. Requer estas espécies de capital e, antes de tudo, mobilizar o mínimo pré-existente e
potencializá-lo, isto é, acumular, desenvolver essas diferentes espécies de capital enquanto
recursos atuais e potenciais que um indivíduo possui (capital humano) ou que estão ligados à
uma rede durável de inter-conhecimento e de inter-reconhecimento, ou ligados à um grupo de
indivíduos unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998).
Assim, o capital humano diz respeito a conjunto de habilidades, conhecimentos,
competências e aptidões das populações. E quanto maior for o acúmulo de capital humano
melhores são as condições de planejar e realizar o desenvolvimento enquanto mudança.
Investir em capital humano é antes de tudo investir em educação, mas também em outros
fatores relacionados à pesquisa e a inovação (SCHULTZ, 1973) e à qualidade de vida (saúde,
alimentação, habitação, saneamento, transportes, segurança) (PAULA, 2000).
Ora, sem educação esses outros fatores por si só não conseguiriam chegar a se realizar
a contento ou aos seus objetivos. Economicamente, baixos índices de capital humano
significam menos condições de competitividade e, portanto, menores chances de crescimento.
E não existe mudança ou desenvolvimento, sem crescimento econômico. Crescimento esse
que pode gerar emprego e renda e que, por sua vez, estão relacionados ao próprio
desenvolvimento humano. Por isto, que planejamento estratégico e gestão urbana ou um
53
processo de construção de um Plano Diretor Participativo, tema em apreço, ao mesmo tempo
em que requer esta espécie de capital também é dinamizador de seu desenvolvimento.
Portanto, é uma variável fundamental do desenvolvimento e para nova economia. É uma
variável fundamental do processo de planejamento, execução, acompanhamento, controle e
avaliação de Planos Diretores, principalmente quando se quer que este seja participativo;
estando também relacionado ao desenvolvimento do capital social.
O capital social é outra variável fundamental do desenvolvimento das sociedades
contemporâneas que emergem enquanto sociedades em redes e do conhecimento
(CASTELLS, 1996). Conforme Fukuyana (2000), assim como o capital físico (terra, edifícios,
máquinas) e o humano (aptidões e conhecimento que temos em nossas cabeças), o capital
social produz também riqueza e tem valor para uma economia nacional. E, também, é um pré-
requisito para todas as formas de empreendimento em grupo que têm lugar uma sociedade
moderna. Fukuyana (2000) define capital social como: “um conjunto de valores ou normas
informais comuns aos membros de um grupo que permite a cooperação entre eles”.
Este autor ainda considera que o capital social tem benefícios que vão muito além da
esfera econômica. Ele é, portanto, para o altor, produto essencial para a criação de uma
sociedade civil saudável, isto é, o domínio de grupos e associações que estarão entre a família
e o Estado. A palavra saudável expressa uma definição positivista, senão bastante
conservadora de capital social. Desse modo, este autor identifica o capital social com a
própria trama do tecido social. Assim, estão na base das relações de troca que suportam o
mercado. Portanto, sem capital social não haveria possibilidade de crescimento econômico,
equidade social e preservação ambiental, ou seja, desenvolvimento sustentável. Como
Fukuyana (2000), também Putman (1996) afirma que o capital social diz respeito a
características de organização social, como confiança, normas e sistemas que contribuem para
aumentar a eficiência da sociedade. Dessa forma, o capital social facilita a cooperação
espontânea. Ainda segundo Augusto Franco para o qual a idéia de capital social é um termo
original da política e, primeiramente, teorizado por Tocqueville (1985) e que passa a ser
incorporada a economia:
Fala-se então de “acumulação de Capital social” para expressar a quantidade, o volume ou frequência, de certas características extra-econômicas, de forma não-financeiras de poupança, em sentido metafórico, que deve possuir uma sociedade para alcançar a prosperidade econômica, ou seja, para atingir o que boa parte dos economistas querem entender por desenvolvimento (FRANCO, 2001).
54
Desta forma, o capital social segundo o autor é fundamental para o desenvolvimento, à
prosperidade econômica, entendendo-se, ainda, que esse tipo de capital é uma das variáveis
extra-econômicas inerentes ao de desenvolvimento local sustentável. Ainda, de acordo com
Franco (2001) pela ótica do capital social três fatores criam um ambiente favorável ao
desenvolvimento: a cooperação entre os indivíduos; essa cooperação dá origem ao que
chama-se de rede de relações; e, essa rede de relações estabelecida entre os indivíduo dá
origem, por conseguinte, a um processo democrático. Dessa forma, esses três fatores que se
inter-relacionam são imprescindíveis a um ambiente favorável ao desenvolvimento local
sustentável.
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O Quadro 01 apresenta a definição as diferentes definições de capital social utilizadas por diferentes autores da atualidade estão
resumidos e organizados, de forma a permitir uma maior visualização de seus conteúdos.
AUTOR CONCEITO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Tocqueville
Ressalta a importância da associação, da soberania popular, da liberdade das pessoas de participarem da visa político-econômico-social de sua comunidade determinando os destinos da coisa pública. Além disso, o autor destaca os costumes, as tradições, a constituição da própria sociedade como elementos fundamentais de sua prosperidade.
TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
Pierre Bourdieu
Conjunto de recursos atuais e potenciais que os indivíduos possuem e estão ligados à uma rede durável de inter-conhecimento e de inter-reconhecimento, ou ligados à um grupo de indivíduos unidos por ligações permanentes e úteis. Para o autor o capital social é atributo coletivo.
Boudieu, Pierre. Escritos sobre educação.
Robet Putnam
O capital social diz respeito a características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade. É uma espécie de capital que facilita a cooperação espontânea. Cria um ambiente de associativismo cívico.
PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.
James Coleman
O capital social é um capital produtivo, possibilitando a realização de certos objetivos que seriam inalcançáveis se ele não existisse. A base é a confiança e a reciprocidade. Por exemplo, cita o autor: numa comunidade rural (...) onde um agricultor ajuda o outro a enfadar o seu feno e onde os implementos agrícolas são reciprocamente emprestados, o capital social permite a cada agricultor realizar o seu trabalho com menos capital físico sob a forma de utensílios e equipamento.
Coleman, Foundations. p. 302, 304, 307.
Mark Granovetter
As ações econômicas dos agentes estão inseridas em redes de relações sociais (embeddedness). As redes sociais são potencialmente criadoras de capital social, podendo contribuir na redução de comportamentos oportunistas e na promoção da confiança mútua e da reciprocidade entre os agentes econômicos.
GRANOVETTER, Marx. (1973), The Strength of Weak Ties. In American Journal of Sociology, volume 78, número 6, pp. 1360-1380.
John Durston
Diz respeito ao conteúdo de certas relações sociais – aquelas que combinam atitudes de confiança com condutas de reciprocidade e cooperação – que proporciona maiores benefícios àqueles que o possuem. As bases do capital social são: a confiança a reciprocidade e a cooperação.
DURSTON, John. (2003), Capital social: parte de problema, parte de lá solución, su papel em La persitencia y em La superación de La pobreza em América Latina y el Caribe. In Atria,
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Raúl et alii. Capital social y reducción de La pobreza em América Latina y El Caribe: em busca de um nuevo paradigma. CEPAL, Michigan State University, PP. 147-202.
David Robinson
Refere-se a um conjunto de recursos acessíveis a indivíduos ou grupos enquanto membros de uma rede de conhecimento mútuo. Esta rede é uma estrutura social e tem aspectos (relações, normas e confiança) que ajudam a desenvolver a coordenação e a cooperação e a produzir benefícios comuns. É um capital cumulativo e amplia-se de acordo com o ambiente político.
ROBINSON, David (org.). (2002), Building Social Capital. Wellington (Nova Zelândia): Institute of Policy Studies, Voctoria University of Wellington, p. 85.
Banco Mundial
Refere-se a instituições, relações e normas que consubstanciam a qualidade e a quantidade de interações sociais de uma sociedade. É a união estabelecida no interior da sociedade. Suas fontes são: a família, a sociedade civil, as comunidades, a etnia, o setor público.
www.wordbank.org/poverty/scapital
OCDE Para esta: o capital social está relacionado ao conjunto de redes, normas, valores e pensamentos comuns dos indivíduos e que facilitam a cooperação dentro grupo social e entre os grupos sociais existentes.
Publicação inicial The Well-Being of the Nations: The Role of Human and Social Capital, em que são referências principais Coleman, Putnam e Fukuyama.
CEPAL: Divisão de Desenvolvimento Social
Capacidade efetiva de mobilizar, produtivamente em prol de grupo social, recursos associativos que se encontram em redes sociais às quais têm acesso indivíduos desse grupo. O seu foco é estabelecido nas relações do capital social com pobreza urbana, políticas públicas, gênero e sustentabilidade rural.
Publicação Capital social y redución de La pobreza em América Latina El Caribe: em busca de um nuevo paradigma (2003). São referências importantes John Durston e Lindon Robison.
Quadro 01 – As Várias Contribuições Conceituais a Respeito do Capital Social. Fonte: Adaptado de: Capital social, participação política e desenvolvimento local: atores da sociedade civil e políticas de desenvolvimento local na Bahia
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Nesse caso, observa-se que os conceitos acima relacionados identificam o capital social como
bem coletivo, sendo de todos e pertencente a todos os indivíduos que compartilham de um
mesmo objetivo. As bases que sustentam esse capital são estabelecidas nos laços de
confiança, de solidariedade, de reciprocidade, de cooperação, de associativismo, de respeito
mútuo, de reciprocidade. Além disso, destacam-se as normas, os valores, os costumes e
tradições com imprescindíveis para a constituição do capital social enquanto organização
social. E, nesse sentido, o capital social é potencializador de outro capital – o econômico.
Além do mais, o capital social formado e amparado em suas bases legais é fundamental para o
estabelecimento de uma relação sinérgica entre a sociedade, o estado e o mercado; enfim do
processo de desenvolvimento local sustentável.
Uma vez tratado os conceitos de participação, de capital humano e de capital social
enquanto elementos fundamentais para o desenvolvimento local sustentável. Apresenta-se o
conceito de governança local. Este conceito como os outros constitui o quadro categorial de
análise deste nosso trabalho.
2.3. Governança Local
O pensamento político e social atual coloca a participação cidadão como fundamento
de um projeto que aponta e conclama todos e todas a assumirem um compromisso com a
democracia e com uma agenda de desenvolvimento que possa abrir novas oportunidades e, ao
mesmo tempo, garantir a inclusão social, o equilíbrio ambiental e o crescimento econômico.
Daí que a participação enquanto ato de decidir é um das condições para uma boa
governança. Isto é, estabelecer um novo modelo descentralizado de gestão da coisa pública
em que a sociedade e o poder público local passem a estabelecer um diálogo em torno da
gerência da coisa pública. Essa nova tendência passa a se configurar no Brasil a partir dos
anos 90 e são balizadas pela constituição democrática de 1988.
Essa forma de descentralização do poder e de gestão democrática é um valor gerado e
não redutível ao indivíduo, mas a força coletiva, organizada com base na confiança e na
cooperação; na solidariedade; na reciprocidade; e, principalmente na co-responsabilidade.
Nesse caso, a governança tem sua base potencializadora no capital humano e no capital social.
E, implica na participação dos cidadãos e cidadãs na autogestão da cidade. Nesse sentido, a
boa governança é fundamental para o desenvolvimento local sustentável.
Assim quando se está diante de um processo de democratização do poder local,
quando se está aprofundando o processo de democracia participativa; promovendo o
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empoderamento de pessoas, grupos sociais e comunidade; reforçando redes sociais e formas
organizativas pré-existentes; quando se desenvolve e se constrói novos espaços públicos de
participação, de tematização de problemas e tomada de decisão; quando se regata memórias e
experiência organizativas e se reforça certos valores democráticos presente na cultura política
local; quando se promove, exercita e se abre novos canais de participação, novas
institucionalidades e novos arranjos de gestão entre sociedade e governo se estar
maximizando o capital social pré-existente e criando novo valor social para revalorizar e
ampliar esse capital social. Esse capital é imprescindível para uma boa governança e por
conseqüência para alavancar o desenvolvimento local sustentável.
Esse capital social é, portanto, pré-condição e, ao mesmo tempo suposto ou resultado
de processos de aprendizagem social através do qual governo e sociedade assumem
cooperativamente o protagonismo e a responsabilidade quanto aos rumos e o destino do seu
futuro.
Nesse sentido, governança local esta relacionada a uma nova arquitetura pública de
co-gestão que estimula o protagonismo da população organizada e dos cidadãos e das cidadãs
como indivíduos que reforçam o controle social, ao mesmo tempo em que junto com a
sociedade e os seus diferentes grupos sociais tecem as relações mais horizontalizadas num
ambiente de diálogo colaboração, pluralidade e alteridade.
A boa governança está relacionada com a capacidade gerencial da administração pública, com a capacidade da sociedade de construir canais de participação na gestão estatal, com os níveis de representatividade, legitimidade e confiança dos governos, com sua capacidade de prestar contas, com a transparência e a permeabilidade do Estado em relação ao controle social (accontability) (PAULA, 2000).
A governança, portanto, ao reforçar o controle social sobre o Estado, pretende também
o compartilhamento de responsabilidade e não só de direitos. Cada direito corresponde a uma
responsabilidade. Controle social aqui é entendido como a capacidade que tem a sociedade
organizada de intervir nas políticas públicas, interagindo com o Estado na definição de
prioridades e na elaboração planejamento estratégico participativo.
Os conselhos e outros formatos organizativos e de caráter colegiado e paritário tem
sido a forma democrática de controle social. Porém, a tarefa de fazer valer esses canais de
participação é tarefa de cada cidadão. Neles são estimuladas organizações e redes sociais de
espaços de convivência capazes de potencializar (ou de desenvolver) uma cultura política de
participação e de cooperação entre governo e sociedade; mas, a sua essência é o protagonismo
delegado ao cidadão gestor e da cidadã gestora, os quais se capacitam e empoderam-se cada
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vez mais para decidir e compartilhar direitos e responsabilidades. Sendo a participação, antes
de tudo, o poder de decidir.
Então, governança pode ser entendido como articulação e agregação de força e de
saberes, de fortalecimento de espírito de solidariedade e cooperação, de empoderamento de
lideranças e comunidades; de co-gestão, tendo como finalidade a potencialização da
capacidade de resolução de problemas. Ainda segundo Paula (2000) o bom governo depende
em grande medida das qualidades e compromissos dos governantes, mas depende sobretudo
da capacidade de escolha, participação e controle da sociedade civil.
No processo de governança não basta à organização do planejamento, da gestão e do
aparato político-institucional. As condições de governança como se viu se baseiam na estreita
parceria entre o Estado, a sociedade e o mercado, requerendo grandes acordos e/ou pactos
sociais a partir de consensos sobre a base das políticas e fundos públicos existentes. Para que
tais acordos sociais materializados em projetos e objetivos comuns possam ser exeqüíveis, no
entanto, são necessárias duas condições fundamentais:
a) acúmulo de conhecimento, competências, saberes, o que nos remete ao conceito de
capital humano;
b) acúmulo de capita social.
Sem conhecimentos, investigação profunda sobre a realidade, sem massa crítica e sem
pessoas abertas às inovações, a cooperação e a comunicação voltada para o alcance do
entendimento não há possibilidade de cidadania ativa e protagonizadora da mudança social.
Sem capital social não haverá grandes chances de desenvolvimento do capital humano no
âmbito de uma proposta de governança assentada na confiança e na cooperação entre os
cidadãos e as cidadãs e que percebem o governo como parte da sociedade.
Portanto, qualquer proposta de desenvolvimento inclusiva teria que abranger um
investimento considerável e contínuo em capital humano e capital social necessários para uma
boa governança.
Quando se fala num processo de construção e implementação de um plano estratégico
de Desenvolvimento Local ou Regional, por exemplo, e nos moldes participativos é
necessário que se leve em consideração as iniciativas de governo aberta à inovação,
transparentes e estimuladoras do próprio controle social e das iniciativas de mobilização
institucional e comunitárias; além de se levar em consideração a cultura política e sua relação
com os laços sociais e as redes de cooperação entre os diferentes atores sociais.
Dessa forma, pode-se concluir esse capítulo dizendo que existe uma intima relação
entre a participação, o capital social e o capital humano e que um potencializa a existência do
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outro. Além disso, essas categorias são pressupostos e supostos de uma boa governança local
e por extensão, imprescindíveis ao planejamento e ao desenvolvimento econômico social que
se possa propor.
Por seu turno, estes conceitos serão utilizados neste trabalho como ferramentas
teóricas de valor heurísticos para se identificar e analisar entre outros aspectos, os limites e as
possibilidades de construção e de implementação de um plano diretor participativo num
pequeno município do Semi-Árido Nordestino caracterizado por uma cultura política que
pode ser qualificada como conservadora e autoritária, senão clientelista.
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