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1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARAacute
CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA
MESTRADO ACADEcircMICO EM FILOSOFIA
JADERSON GONCcedilALVES NOBRE
SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A
TEacuteCNICA E A ARTE
Fortaleza ndash CE
2015
2
JADERSON GONCcedilALVES NOBRE
SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A
TEacuteCNICA E A ARTE
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de
Mestrado Acadecircmico em Filosofia do
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da
Universidade Estadual do Cearaacute como
requisito parcial aacute obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Filosofia
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica
Orientador Prof Dr Eduardo Triandopolis
Fortaleza ndash CE
2015
3
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo
Universidade Estadual do Cearaacute
Sistemas de Biblioteca
M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves
Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015
1 CD-ROM 4 frac34 pol
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)
Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica
Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis
1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo
CDD 3709144
4
5
6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
REFEREcircNCIAS
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Rio de Janeiro Zahar Editores 1973
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Ediccedilotildees Loyola 2002
2
JADERSON GONCcedilALVES NOBRE
SERENIDADE EM HEIDEGGER UM DIAacuteLOGO ENTRE A
TEacuteCNICA E A ARTE
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Curso de
Mestrado Acadecircmico em Filosofia do
Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da
Universidade Estadual do Cearaacute como
requisito parcial aacute obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Filosofia
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica
Orientador Prof Dr Eduardo Triandopolis
Fortaleza ndash CE
2015
3
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo
Universidade Estadual do Cearaacute
Sistemas de Biblioteca
M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves
Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015
1 CD-ROM 4 frac34 pol
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)
Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica
Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis
1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo
CDD 3709144
4
5
6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
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PLATAtildeO O Banquete In Diaacutelogos ndash Platatildeo Coleccedilatildeo Os pensadores Joseacute
Cavalcante de Souza Trad br Edison Bini Satildeo Paulo Abril cultural 1972
_______ Iacuteon Trad pt Victor Jabouille Lisboa Editorial inqueacuterito 1988
_______ A Repuacuteblica Trad pt Maria Helena da Rocha Pereira 9 ed Lisboa
Fundaccedilatildeo Caloute Gulbenkian
_______ O Sofista In Diaacutelogos I ndash Platatildeo Trad br Edison Bini Satildeo Paulo
Edipro 2007
_______ Mecircnon Trad br Maura Igleacutesias Rio de JaneiroPUC-RIO Ediccedilotildees
Loyola 2005
SCHILLER Friedrich Cartas Sobre a Educaccedilatildeo Esteacutetica da Humanidade
[1795] Trad port Roberto Schwarz Satildeo Paulo EPU 1991
SPENGLER Oswald A decadecircncia do ocidente Trad br Herbert Caro 2ed
Rio de Janeiro Zahar Editores 1973
VAZ Lima Escritos de filosofia VII Raiacutezes da modernidade Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Loyola 2002
3
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo
Universidade Estadual do Cearaacute
Sistemas de Biblioteca
M488d Nobre Jaderson Gonccedilalves
Serenidade em Heidegger Um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte [recurso eletrocircnico] Jaderson Gonccedilalves Nobre ndash 2015
1 CD-ROM 4 frac34 pol
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadecircmico com 98 folhas acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)
Dissertaccedilatildeo (mestrado acadecircmico) ndash Universidade Estadual do Cearaacute Centro de Humanidades Mestrado Acadecircmico em Filosofia Fortaleza 2015
Aacuterea de Concentraccedilatildeo Eacutetica e Esteacutetica
Orientaccedilatildeo Prof Dr Eduardo Triandopolis
1 Serenidade 2 Misteacuterio 3 Teacutecnica 4 Arte 5 Verdade I Tiacutetulo
CDD 3709144
4
5
6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
REFEREcircNCIAS
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4
5
6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
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5
6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
REFEREcircNCIAS
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6
A minha irmatilde Jessica pela
sinceridade com que leva a vida
Quando algueacutem nos admira eacute como
se tiveacutessemos um guardiatildeo que a
cada passo nos relembra nos res-
guarda em nosso caminho
A minha mulher Irlana que com seu
sorriso alegre me faz acreditar que eacute
sim possiacutevel
7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
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7
AGRADECIMENTO
Agradeccedilo antes de tudo a minha famiacutelia que esteve estaacute e com certeza
estaraacute presente em todos os momentos alegres e tristes de minha vida Que
ao me dizer que eu poderia ir muito longe me fez perceber que o meu caminho
eacute no sentido de ir cada vez mais para perto Amo vocecircs
A minha mulher Irlana que aleacutem da presenccedila do dia-a-dia acreditou e amou
junto comigo no que aqui venho a dizer Aleacutem de me proporcionar uma nova
famiacutelia
Aos meus amigos que por caminharem juntos sempre me alimentaram de um
bom acircnimo para seguir lutando pelo que acredito
Ao meu orientador Prof Eduardo Triandopolis que por me deixar caminhar
com minhas pernas com meu espiacuterito possibilitou que brotasse aquilo que
realmente estava em meu acircmago
Agrave banca examinadora agrave Professora Cristiane Marinho agrave Professora Tereza
Callado que ao lerem e comentarem o meu trabalho compuseram comigo a
essecircncia do diaacute-logo
Agradeccedilo tambeacutem em especial a todos os que um dia vierem a ler esta
pesquisa Que ela lhes animem tanto quanto me animou ao escrevecirc-la
Agrave natureza com seus bichinhos e plantas em uma harmonia tatildeo profunda e
contagiante que me revelou a essecircncia mais originaacuteria do que eacute a vida O estar
em comunhatildeo com o que nos cerca e nos compotildee
8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
REFEREcircNCIAS
Obras de Heidegger
HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [1935-36] Trad br Idalina
Azevedo e Manuel Antonio de Castro Satildeo Paulo Ediccedilotildees 70 2010
______________ A origem da obra de arte In Caminhos de floresta Trad
port Irene Borges-Duarte e Filipa Pedroso 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 2012
______________ A origem da obra de arte Trad port Maria da conceiccedilatildeo
CostaLisboa Ediccedilotildees 70
______________ El origen de la obra de arte In Arte y Poesiacutea Trad esp
Samuel Ramos Buenos Aires Fondo de cultura econoacutemica 1958
______________ A questatildeo da teacutecnica [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Vozes 2008
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Barauacutena Satildeo Paulo Editora Nova Cultural 2004
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8
ldquoTodas as obras dos poetas mimeacuteticos se me afiguram ser a destruiccedilatildeo da
inteligecircncia dos ouvintes de quantos natildeo tiverem o antiacutedoto e o conhecimento
de sua verdadeira naturezardquo
(Platatildeo Repuacuteblica)
ldquoA arte como o uacutenico antiacutedoto superior contra toda e qualquer vontade de
negaccedilatildeo da vidardquo
(Nietzsche Vontade de poder)
9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
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9
RESUMO
Em que sentido a Serenidade como um diaacute-logo entre o pensamento que
calcula e o pensamento que medita um diaacute-logo entre a teacutecnica e a poesia em
conjunto com a abertura ao misteacuterio fonte originaacuterio de todos os vigentes se
apresentam como uma possibilidade um caminho de enfrentamento ao perigo
adveniente da crise resultante da dominaccedilatildeo global da teacutecnica nos acircmbitos
mais essenciais da vida Esse enfrentamento parece se dar no acircmbito da
linguagem e do pensar enquanto a morada do ser O homem como o guardiatildeo
dessa morada do ser eacute aquele que se abrindo ao misteacuterio do a ser destinado
pode arriscando-se ao saltar no abismo do que natildeo vige permitir ou melhor
ser permitido nessa outra possibilidade Aguardando correspondendo ao seu
destino o homem pode ser a medranccedila do que salva Para tal pesquisa
colocam-se aqui em diaacute-logo trecircs ensaios heideggerianos A questatildeo da
teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade Buscamos uma relaccedilatildeo destes
ensaios com outros ensaios centrais de Heidegger assim como sua relaccedilatildeo
com os filoacutesofos que lhe foram fundamentais para que ele chegasse onde
chegou Portanto buscamos pensar as questotildees presentes a partir de suas
origens enquanto questotildees eacuteticas esteacuteticas e metafiacutesicas Aleacutem de re-colocar
questotildees fundamentais agrave filosofia como a questatildeo do ser da verdade e da
linguagem Trata-se aqui de um debate contemporacircneo com a tradiccedilatildeo que
busca res-guardar algo originaacuterio que caiu no esquecimento
PALAVRAS-CHAVE Serenidade Misteacuterio Teacutecnica Arte Verdade
10
ABSTRACT
Think in what sense the Serenity as a con-versation between thinking that
calculates and thought that meditates a con-versation between technique and
poetry together with openness to the mystery source originating in all existing
present as a possibility one danger facing path arising the resulting crisis of
global technical domination over all the most essential areas of human A
confrontation so that occurs in the context of language and thinking while the
same namely the abode of being Man as the guardian of this home of being is
one that opening up the mystery of themselves for can risking to jump into the
abyss than not prevails allow or rather be allowed that another possibility
Waiting corresponding to its destination the man may be the possibility than
saved For such research put into day-logo Heideggerians three tests The
question of technique The origin of the artwork and Serenity Seeking a list of
these tests with the central test Heidegger as well as their relationship with the
philosophers that this was essential for this came near unto arrived So its a
research that seeks to think the issues present from its origins Debating issues
Ethics Aesthetics and Metaphysics In addition to re-raising fundamental
questions of philosophy and of being of truth and language A contemporary
debate in confrontation with the tradition and re-save something original search
that fell by the wayside
KEYWORDS SERENITY MYSTERY TECHNICAL ART TRUTH
11
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO O silencioso chamado O caminho que urge 11
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA 14
21 DA PERGUNTA PELA TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ESSEcircNCIA SOBRE A
QUESTAtildeO DO SER
14
22 A LIVRE RELACcedilAtildeO COM A TEacuteCNICA DA CORRETUDE Agrave VERDADE 21
23 TEacuteCNICA GREGA E MODERNA DA POIacuteESIS Agrave EXPLORACcedilAtildeO 26
24 DIS-PONIBILIDADE E COM-POSICcedilAtildeO ACERCA DO DESVELAMENTO
EXPLORADOR DA TEacuteCNICA MODERNA
31
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA
ARTE
38
31 ldquoONDE MORA O PERIGO CRESCE O QUE SALVArdquo DA PERGUNTA PELA
TEacuteCNICA Agrave PERGUNTA PELA ARTE
38
32 O ORIGINAacuteRIO DA OBRA DE ARTE O POcircR-EM-OBRA DA VERDADE 44
33 PENSAMENTO POEacuteTICO UM DIZER SILENCIOSO 54
34 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES UM SALTO NA VEREDA 63
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO MISTEacuteRIO 71
41 DA DESTRUICcedilAtildeO Agrave SUPERACcedilAtildeO DA METAFIacuteSICA ACERCA DA
IDENTIDADE E DIFERENCcedilA
71
42 SERENIDADE O DIZER SIM E NAtildeO Agrave TEacuteCNICA 76
43 DA ABERTURA OU MISTEacuteRIO O DEMORAR-SE NO ENTRE 80
44 DA ABERTURA AO AGUARDAR O CAMINHAR SERENO NA VEREDA 85
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS ndash A-CERCA DO ENTENDIMENTO HUMANO O
SALTO NA VEREDA
91
REFEREcircNCIAS 94
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
O silencioso chamado O caminho que urge
A presente pesquisa tem como proposta pensar a problemaacutetica apontada
por Heidegger no acircmbito da dominaccedilatildeo da teacutecnica no presente momento da
humanidade Adentrando esta problemaacutetica buscaremos ir ao fundo das
questotildees para demonstrarmos quatildeo dominado encontra-se o homem e assim
pensar em que sentido eacute possiacutevel reconhecer essa crise e qual o meio que
devemos proceder para efetivar esse reconhecimento Ao fazermos uma
imersatildeo nos textos de Heidegger buscaremos a partir do que foi por ele
pensado enfrentar essas questotildees Destacaram-se para esta pesquisa trecircs
conferecircncias em especial A questatildeo da teacutecnica (1953) A origem da obra de
arte (1936) e Serenidade (1955)
Neste primeiro ensaio Heidegger pensa a crise de seu tempo como uma
crise que tem por base o modo como se encara a teacutecnica o saber a linguagem
e o ser Esse modo de pensar e dizer vem se desenvolvendo a partir do seu
olhar nos primoacuterdios da Filosofia ateacute o periacuteodo claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles
Esse saber encontra-se naquilo que ele chama de seu ldquoestaacutegio de
acabamentordquo onde a teacutecnica passa a reger e a dominar quase que
completamente todos os acircmbitos do humano ameaccedilando-o em sua essecircncia
Assim ao sermos remetidos a uma leitura mais aprofundada deste ensaio nos
confrontamos com os escritos de outros filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles e
tambeacutem Tomaacutes de Aquino Descartes Kant Hegel e Nietzsche Contudo em
cada um destes pensadores teremos um olhar voltado agraves questotildees
heideggerianas que aqui buscamos pensar
Pensada a problemaacutetica e identificado o caminho que se mostrou como
alternativa agrave dominaccedilatildeo da teacutecnica sobre o homem passaremos ao segundo
momento de nossa pesquisa Um debate acerca de um ensaio anterior na
ordem do tempo ao ensaio da teacutecnica mas na nossa pesquisa
metodologicamente discutido em um momento posterior
13
A origem da obra de arte eacute o resultado de trecircs conferecircncias que se puseram
a tratar da questatildeo da arte e de sua essecircncia Na busca pela essecircncia da arte
enfrentaremos com Heidegger aleacutem da sempre presente questatildeo do ser e da
verdade questotildees esteacuteticas e outras acerca do estatuto do que venha a ser a
Esteacutetica como um campo do saber filosoacutefico Nessa busca de um retorno ao
que seja o originaacuterio na arte teremos em vista o que haacute na essecircncia da arte
que possa vir a se apresentar como aquela possibilidade de confronto agrave crise
identificada no primeiro ensaio portanto algumas questotildees concernentes a
esse ensaio que diante o nosso olhar natildeo estatildeo propriamente ligadas ao que
aqui se busca natildeo seratildeo tratadas com a profundidade com a qual trataremos
as que propriamente se colocam em nosso caminho Outros ensaios
heideggerianos acerca da arte do poeacutetico da linguagem assim como do
pensamento de Nietzsche sobre a arte faratildeo parte deste segundo momento de
nossa pesquisa contudo novamente como no primeiro ensaio a estes nos
reportaremos na medida em que isso se mostrar apropriado ao curso do nosso
caminhar
Tendo sido feita a leitura destes dois ensaios iniciais onde o primeiro
apresenta a problemaacutetica e o segundo nos mostra uma outra possibilidade de
confronto adentraremos o ensaio que nos permitiraacute pensar que tipo de
confronto ocorre entre a teacutecnica e a arte pensada por Heidegger
Com o ensaio Serenidade ensaio norteador deste trilhar como um todo
pensaremos em questotildees como inversatildeo retorno diaacute-logo siacutentese identidade
e diferenccedila poreacutem para que estas questotildees natildeo nos sejam apresentadas de
fora o que nos transporia a um acircmbito completamente diferente do que aqui se
intenta adentrar percorreremos lentamente cuidadosamente e
insistentemente passo a passo ou seja no interior das questotildees ateacute que
estas se apresentem a noacutes no que elas satildeo
Para tanto como eacute caracteriacutestico na leitura dos escritos heideggerianos
duas questotildees que lhes satildeo centrais e que o acompanham por todo o seu
pensar devem ser devidamente tratadas para que assim esse caminhar
parta desde os primeiros passos de dentro de sua filosofia Satildeo estas as
questotildees da verdade e do ser Estas questotildees seratildeo tratadas a partir de uma
trilogia pensada pelo proacuteprio autor como inter-ligadas onde uma natildeo pode
devidamente ser pensada sem a outra Essa trilogia eacute composta assim pelas
14
conferecircncias O que eacute metafiacutesica (1929) A essecircncia da verdade (1930) e A
questatildeo do fundamento (1929)
Assim percorrido o caminho desta pesquisa buscaremos com o devido
cuidado e responsabilidade para com o leitor apresentar o resultado de um
profundo esforccedilo de pesquisa sobre o essencial ao homem sua situaccedilatildeo
presente e sobre uma possibilidade de enfrentamento de alguns dos problemas
que se apresentam como os mais ameaccediladores e perigosos para sua
existecircncia
A serenidade como uma revoluccedilatildeo radical eacute nossa meta neste trabalho
pois busca as raiacutezes de onde se radica uma vasta gama de problemaacuteticas
Uma disposiccedilatildeo que soacute se mostraraacute livre de diversos preconceitos que a ela
possam ser atribuiacutedos apoacutes essa leitura interior Aqui como interior tem-se a
necessidade de um ultrapassar da razatildeo no sentido de uma escuta ao coraccedilatildeo
e ao caminho proposto Soacute por esse olhar interior a serenidade se mostraraacute
natildeo como uma mera passividade que se ausenta daquilo que no presente
momento histoacuterico urge mas se mostraraacute como aquela accedilatildeo mais radical de
confronto agrave crise a qual vem passando toda a humanidade
Eacute portanto com o maior vigor da seriedade e responsabilidade que
devemos ter sobre o nosso presente momento e lugar que se faz aqui esse
convite agrave leitura das palavras que se seguem Palavras que pretendem ser uma
conversa entre o que a partir deste caminhar junto poderemos chamar de
amigos
15
2 O PERIGO QUE AMEACcedilA UM OLHAR Agrave ESSEcircNCIA DA TEacuteCNICA
Neste capiacutetulo seratildeo tratadas as questotildees acerca da teacutecnica e de sua
essecircncia com isso seraacute possiacutevel refletir o sentido da crise apontada por
Heidegger agrave sociedade atual Diante do sentido desta crise seraacute buscada
junto ao filoacutesofo uma indicaccedilatildeo de um caminho de fuga de confronto de
superaccedilatildeo Para tal investigaccedilatildeo se daraacute de iniacutecio uma breve introduccedilatildeo ao
pensar heideggeriano concernente ao ser e agrave verdade pontos centrais em toda
sua obra filosoacutefica Em seguida abordaremos os questionamentos presentes no
ensaio A questatildeo da teacutecnica (1953) relacionados com o caminho que aqui
buscamos traccedilar
21 Da pergunta pela teacutecnica agrave pergunta pela essecircncia A questatildeo do ser
A pergunta pela teacutecnica seraacute desenvolvida no sentido de indicar uma
situaccedilatildeo criacutetica da humanidade atual e do modo como esse homem se
relaciona com o ambiente que o cerca Uma situaccedilatildeo que segundo o filoacutesofo
Martin Heidegger (1889-1976) tem na concepccedilatildeo teacutecnica loacutegico-cientiacutefica e
metafiacutesico-filosoacutefica o centro da problemaacutetica contudo natildeo se trata aqui de
negar ou afirmar cegamente a teacutecnica mas de desenvolver um questionamento
que abra nossa presenccedila para uma livre relaccedilatildeo com esta pois soacute em uma
relaccedilatildeo livre pode-se saber o que eacute verdadeiramente a teacutecnica pode-se
A infacircncia da palavra jaacute vem com o primitivismo
das origens
Nossas palavras se juntavam uma na outra por
amor e natildeo por sintaxe
Manoel de Barros Menino do mato
ldquo pois eacute evidente que haacute muito sabeis o que
propriamente quereis designar quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes
julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo
Platatildeo O sofista
Ningueacutem de noacutes na verdade tinha forccedila de fonte
Ningueacutem era iniacutecio de nada
Manoel de Barros Poemas rupestres
16
experienciar sua essecircncia Para esta caminhada Heidegger iniciaria com a
pergunta Qual a essecircncia da teacutecnica
Natildeo podemos considerar Heidegger um filoacutesofo sistemaacutetico pelo contraacuterio
seus questionamentos se entrelaccedilam em todo o conjunto de sua obra Pode-se
ler as questotildees do ser e da verdade estas que lhes satildeo fundamentais em
seus diversos escritos e conferecircncias e eacute assim que se daacute com a teacutecnica
Diversos satildeo os escritos onde podemos ler algo relacionado com a questatildeo
poreacutem eacute no ensaio A questatildeo da teacutecnica que se encontra em uma coletacircnea
de textos intitulada pelo proacuteprio autor de Ensaios e conferecircncias que podemos
encontrar este tema com um maior vigor de desenvolvimento Daiacute tomarmos
esse ensaio como base central para esta investigaccedilatildeo mas sempre buscando
relacionaacute-lo com outros textos e autores
Qual a essecircncia da teacutecnica Heidegger nos indica duas respostas dadas
pela tradiccedilatildeo respostas estas que se concatenam em uma Diz i) ldquoA teacutecnica eacute
um meio para um fimrdquo ii) ldquoA teacutecnica eacute uma atividade do homemrdquo Estas
determinaccedilotildees correntes da teacutecnica Heidegger chama de ldquodeterminaccedilatildeo
instrumental e antropoloacutegica da teacutecnicardquo 1 mas para que atividade do homem
eacute a teacutecnica um instrumento e meio Como se desenvolveu o interesse por seu
domiacutenio Surgiu para suprir nossas necessidades baacutesicas para que o homem
pudesse dominar e se assegurar das incertezas advindas das diversidades do
ambiente que o circunda bastando para isso que o homem domine a teacutecnica
com todo seu empenho Eacute nesse sentido que diz Heidegger
A concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica guia todo esforccedilo para colocar o
homem num relacionamento direto com a teacutecnica Tudo depende de se manipular a teacutecnica enquanto meio e instrumento da maneira devida Pretende-se como se costuma dizer ldquomanusear com espiacuterito
a teacutecnicardquo Pretende-se dominar a teacutecnica Este querer dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar ao
controle do homem 2
O instrumento que lhe levaria a seguranccedila pelo domiacutenio da natureza
ameaccedila-lhe fugir ao controle Eacute essa ameaccedila que desperta no filoacutesofo a
necessidade de uma real investigaccedilatildeo de sua essecircncia portanto
recoloquemos a questatildeo com um maior cuidado evitando apresentar
1 HEIDEGGER Martin A questatildeo da teacutecnica [1959] In Ensaios e conferecircncias Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo
Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 P12 2 Idem
17
apressadamente as respostas dadas pela tradiccedilatildeo sobre sua essecircncia Vamos
demorar com maior cuidado na pergunta em si escutando o que a pergunta
mesma nos encaminha Qual a essecircncia da teacutecnica Ao perguntar assim soa
outro questionamento o que eacute isto a teacutecnica Esta forma de questionamento
que se coloca deste modo - o que eacute isto - eacute a forma de questionar da proacutepria
Filosofia Este modo de questionamento jaacute se encontra presente em Platatildeo e
Aristoacuteteles Eacute o modo grego de questionar o vigente Assim diz Heidegger
Com a questatildeo agora posta avanccedilamos para a proximidade do ηη
εζηηλ grego Eacute aquela forma de questionar desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles Estes perguntavam por exemplo Que eacute isto ndash o
belo Que eacute isto ndash o conhecimento Que eacute isto ndash a natureza Que eacute isto ndash o movimento
3
E do mesmo modo podemos fazer a pergunta O que eacute isto ndash o ente
Heidegger indica que neste questionamento encontra-se a questatildeo diretriz de
toda histoacuteria da FilosofiaMetafiacutesica ocidental esta que se assemelha com a
histoacuteria do esquecimento do ser Comeccedilamos com a pergunta pela essecircncia da
teacutecnica e agora nos encontramos diante da pergunta pelo ente e de sua
diferenccedila diante da pergunta pelo ser Comeccedilamos em um ponto para agora
chegarmos a sua origem Aqui torna-se necessaacuterio um esclarecimento sobre o
que seja o comeccedilo e sua diferenccedila fundamental com o que seja a origem
(Ursprung) ou melhor com o que seja o originaacuterio o principial O comeccedilo natildeo
eacute ainda o princiacutepio a origem ou dizendo ainda de forma mais condizente com
o pensar heideggeriano o comeccedilo natildeo eacute ainda o originaacuterio Em seu escrito
Hinos de Houmllderlin [19351935] Heidegger distingue bem essa diferenccedila entre
comeccedilo e princiacutepio Diz
Princiacutepio natildeo eacute o mesmo que comeccedilo () O comeccedilo eacute aquilo com que algo se inicia o princiacutepio eacute aquilo de onde isso vem () O comeccedilo eacute cedo deixado para traacutes desaparecendo na continuaccedilatildeo
dos acontecimentos O princiacutepio a origem pelo contraacuterio evidencia-se primeiramente entre os acontecimentos e soacute no fim destes estaacute
plenamente presente () Noacutes humanos nunca podemos principiar com o princiacutepio ndash disso soacute um deus eacute capaz ndash pelo contraacuterio temos
de comeccedilar isto eacute partir de um iniacutecio que soacute conduz agrave origem ou a indica
4
Aqui temos algumas palavras essenciais para o pensar inovador de
Heidegger Ur-sprungUrsprungliche e An-fangAnfaumlngliche Ur-
3 HEIDEGGER Martin O que eacute isto ndash a Filosofia In Conferecircncia e escritos filosoacuteficos Trad br Ernildo Stein Satildeo
Paulo Editora Nova Cultural 1996 P30 4 HEIDEGGER Martin Hinos de Houmllderlin [193435] Trad pt Lumir Nahodil Lisboa Instituto Piaget 1979 pp 11-12
18
sprungUrsprungliche pode ser traduzido na forma de substantivo e na forma
de adjetivo substantivado por origem e originaacuterio O mesmo se daacute com An-
fangAnfaumlngliche que nos surge como princiacutepio e como principial Nestas
traduccedilotildees5 somos remetidos a um ponto de partida a um solo a um comeccedilo Eacute
de encontro a esse sentido de ponto de partida que o pensar de Heidegger se
daacute No seu ensaio A origem da obra de arte os termos Ursprung e Anfang se
apresentam com todo seu vigor como palavras essenciais no sentido de
originaacuterio e principial ldquoA palavra origem (Ursprung) no sentido de originaacuterio
(Ursprungliche) significa fazer eclodir algo trazer algo ao ser num salto
fundador a partir da proveniecircncia da essecircnciardquo6 Em outro momento diz ldquoO
autecircntico princiacutepio (Anfang) nunca tem o caraacuteter de comeccedilo do primitivordquo ldquoeacute
sempre como um salto-preacuteviordquo7
Para adentrarmos um pouco mais na questatildeo seraacute feita uma breve
introduccedilatildeo agrave questatildeo do ser e sua relaccedilatildeo essencial com o ente Aqui temos
como destino de nossa investigaccedilatildeo uma questatildeo diferente a da pergunta pela
crise da sociedade atual denominada por Heidegger de sociedade da era
atocircmica e de sua tentativa de indicaccedilatildeo de um caminho de confronto Assim
esclareceremos em que sentido entendemos nas palavras originaacuterio e
principial uma referecircncia ao sentido do ser em contraposiccedilatildeo ao sentido de
origem e comeccedilo e sua proximidade ao ente
O ente eacute tudo que estaacute presente eacute o carro a cadeira a aacutervore satildeo os
animais os homens eacute tambeacutem deus a teacutecnica e a arte ou seja eacute qualquer
coisa Satildeo as meras coisas as coisas de uso e tambeacutem as coisas supremas
que enquanto coisas estatildeo sendo Ente (Seiende) ηὸ ὄλ eacute o particiacutepio neutro
grego o que para nossa liacutengua portuguesa podemos dizer como o geruacutendio do
ηὸ εἶλαη o infinitivo presente do verbo ser Portanto poderiacuteamos traduzir o ηὸ ὄλ
por sendo Assim ficaria o ser em contraposiccedilatildeo ao sendo A pergunta inicial
da filosofia se deu como dissemos anteriormente no modo O que eacute isto ndash o
ente O que no momento de esplendor no momento originaacuterio perguntava
pelo ser pelo ηὸ εἶλαη tornou-se a pergunta pelo ente pelo ηὸ ὄλ Assim eacute que
5 Nas notas de traduccedilatildeo do ensaio A origem da obra de arte Idalina Azevedo desenvolve com fortes argumentos o
sentido da traduccedilatildeo 6 HEIDEGGER Martin A origem da obra de arte [193536] Trad br Idalina Azevedo e Manuel Antocircnio de Castro Satildeo
PauloEdiccedilotildees 70 2010 p 199 7 Idem p195
19
Aristoacuteteles o grande sistematizador desenvolve sua argumentaccedilatildeo acerca da
ciecircncia primeira Pois se o ente em cada caso especiacutefico eacute o objeto de uma
determinada ciecircncia a natureza da Fiacutesica o homem da Psiquiatria o
acontecimento da Historiografia a linguagem da Filologia O ente aquilo que
estaacute sendo em cada coisa em geral eacute o objeto da filosofia ou como chama
Aristoacuteteles da θηιοζοθία πρώηε (filosofia primeira) da πρώηε ἐπηζηήκε
(ciecircncia primeira) Seu objeto eacute o ente e nada mais
Poreacutem o princiacutepio a proveniecircncia de cada ente deste em particular ou
mesmo do ente enquanto tal natildeo eacute possiacutevel de ser questionada ou justificada
em suas proacuteprias ciecircncias Diz Heidegger em um ensaio com o tiacutetulo Ciecircncia e
pensamento do sentido [1953] escrito na forma de uma preparaccedilatildeo ao ensaio
A questatildeo da teacutecnica apresentado alguns meses depois
A natureza o homem o acontecer histoacuterico a linguagem para as
respectivas ciecircncias o incontornaacutevel jaacute vigente nas suas objetividades Dele cada uma delas depende mas a representaccedilatildeo
nenhuma delas poderaacute abraccedilaacute-lo em sua plenitude essencial () O incontornaacutevel assim caracterizado rege e reina na essecircncia de toda
ciecircncia8
Sendo a Filosofia θηιοζοθία πρώηε a ciecircncia do ente enquanto ente nela
esse incontornaacutevel se apresenta ainda mais incontornaacutevel Seria em certo
sentido esse incontornaacutevel essa proveniecircncia originaacuteria do ente que
poderiacuteamos chamar de ser Natildeo sendo poreacutem nada do que estaacute aiacute mas fonte
principial de tudo que adveacutem Esse ser natildeo sendo coisa alguma natildeo sendo
natildeo pode ser objeto de investigaccedilatildeo da Filosofia Daiacute Heidegger nos dizer que
a morada do ser eacute na linguagem do pensador e do poeta9 ficando ao filoacutesofo o
ente e nada mais Pois se o ser natildeo eacute nenhum destes sendo natildeo eacute ente
algum se eacute natildeo-ente se assim o pensar nos permite expressarmos seria
entatildeo cometer uma infraccedilatildeo agrave regra primeira e fundamental do pensar loacutegico
sobre o qual eacute impossiacutevel errar a saber o princiacutepio da contradiccedilatildeo Este
princiacutepio que segundo Aristoacuteteles eacute o que rege todo o pensar filosoacutefico natildeo
permite falar do natildeo-ente sem tornaacute-lo ente jaacute que o falar filosoacutefico eacute aquele
8 HEIDEGGER Martin Ciecircncia e pensamento do sentido [1953] In Ensaios e conferecircncias
Trad br Emmanuel Carneiro Leatildeo Rio de Janeiro Editora Vozes 2002 pp 54-55 9 HEIDEGGER Martin Carta sobre o humanismo In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 326
20
que diz o que eacute isto ndash o ente Assim Aristoacuteteles se expressa sobre o princiacutepio
da contradiccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com a Filosofia
Quem possui o conhecimento dos seres enquanto seres devem poder dizer quais satildeo os princiacutepios mais seguros de todos os seres Este eacute
o filoacutesofo E o princiacutepio mais seguro de todos eacute aquele sobre o qual eacute impossiacutevel errar () eacute impossiacutevel que a mesma coisa ao mesmo tempo pertenccedila e natildeo pertenccedila a uma mesma coisa segundo o
mesmo aspecto () Essa noccedilatildeo uacuteltima por sua natureza constitui o princiacutepio de todos os outros axiomas
10
Eacute esse incontornaacutevel aporeacutetico essa vereda que Parmecircnides chamou de o
terceiro caminho ou o natildeo-caminho αηαρπωλ (caminho no qual natildeo se vecirc o
caminho de retorno por onde se veio) do qual nos proiacutebe seguir em seu poema
Sobre a natureza Proibindo por meio das palavras da Deusa Ἀληθεία
Aletheiacutea o jovem justo de seguir ficando ao errante poeta e pensador o risco
de dizer o sentido do ser risco no qual Heidegger se potildee a enveredar Nota-se
isso jaacute em sua primeira grande obra Ser e tempo [1927] onde na primeira
paacutegina ao citar uma passagem do Sofista de Platatildeo diz
ldquo Pois eacute evidente que de haacute muito sabeis o que propriamente
quereis dizer quando empregais a expressatildeo bdquoente‟ Outrora tambeacutem noacutes julgaacutevamos saber agora poreacutem caiacutemos em aporiardquo Seraacute que
hoje temos uma resposta para a pergunta sobre o que queremos dizer com a palavra ldquoenterdquo de forma alguma Assim cabe colocar
novamente a questatildeo sobre o sentido do ser Seraacute que hoje estamos em aporia por natildeo compreendermos a expressatildeo ldquoserrdquo De forma alguma Assim trata-se de redespertar uma compreensatildeo para o
sentido desta questatildeo11
Seraacute que encontramos nas ciecircncias seja ela uma ciecircncia especiacutefica ou
seja ela a ciecircncia primeira esse caraacuteter aporeacutetico Ou eacute justamente deste
aporeacutetico incontornaacutevel que a ciecircncia busca fugir Se perguntar pela essecircncia
de uma coisa eacute perguntar por sua fonte originaacuteria pelo que eacute pelo
incontornaacutevel que se potildee como fonte principial entatildeo por meio da teacutecnica da
ciecircncia natildeo chegaremos a experienciar ou ao menos nos aproximar do que
seja essa essecircncia Diz Heidegger
10
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Trad br Marcelo Perine da ediccedilatildeo Italiana de Giovanni Reale
Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2005 pp 143-145 11
HEIDEGGER Martin Ser e tempo [1927] Trad br Macia de Saacute Cavalcante Schuback
Petroacutepolis Vozes 2008 p 34
21
A essecircncia da teacutecnica natildeo eacute de forma alguma nada de teacutecnico Por isso nunca faremos a experiecircncia de nosso relacionamento com a
essecircncia da teacutecnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que eacute teacutecnico enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos () De acordo com uma antiga liccedilatildeo a essecircncia de
alguma coisa eacute aquilo que ela eacute Questionar a teacutecnica significa portanto perguntar o que ela eacute
12
Soacute um caminho natildeo teacutecnico-loacutegico-cientiacutefico pode nos enviar a uma
experiecircncia originaacuteria com a essecircncia da teacutecnica Esse caminho eacute um caminho
do pensamento pois se nos mantivermos no acircmbito da teacutecnica como
poderiacuteamos ainda querer questionar algo a respeito dela e possuir uma
definiccedilatildeo correta Essa definiccedilatildeo haacute muito tempo nos diz que a teacutecnica eacute um
meio e uma atividade do homem Ela nos diz que a teacutecnica eacute um instrumento
do homem para atingir os seus fins
Quem ousaria negar que ela eacute correta () Com certeza O correto
constata sempre algo exato e acertado naquilo que se daacute e estaacute em frente (dele) Para ser correta a constataccedilatildeo do certo e exato natildeo precisa descobrir a essecircncia do que se daacute e apresenta Ora somente
onde se der esse descobridor da essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedade Assim o simplesmente correto ainda natildeo eacute o
verdadeiro E somente este nos leva a uma atitude livre com aqui que a partir da sua proacutepria essecircncia nos concerne
13
Potildee-se em nosso caminho a questatildeo da verdade Eacute com esta explanaccedilatildeo
que passaremos ao proacuteximo passo do caminho que aqui estamos a trilhar
Ainda de forma introdutoacuteria o proacuteximo passo seraacute pensar a questatildeo da
verdade e sua contraposiccedilatildeo ao que seja o correto ao que seja a adequaccedilatildeo
Portanto contrapor o sentido de verdade para Heidegger como ἀιεζεία
aletheacuteia e des-velamento aos conceitos de ὁκοίωζης omoiosis (corretude) e
adequatio (adequaccedilatildeo) eacute entender um processo de sucessivas transformaccedilotildees
np decorrer da tradiccedilatildeo filosoacutefica no que se entende por verdade do seu
nascimento originaacuterio aos dias atuais
22 A livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Sobre a corretude e a verdade
12
A questatildeo da teacutecnica p 11 13
Idem pp 11-12
22
Estamos buscando desenvolver um questionamento que nos transponha
para uma livre relaccedilatildeo com a teacutecnica Tal relaccedilatildeo soacute se daacute verdadeiramente
diante de sua essecircncia diante do que seria a teacutecnica A tradiccedilatildeo nos diz que a
teacutecnica eacute um meio e uma atividade do homem definiccedilatildeo que Heidegger chama
de concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Quem negaria a sua corretude Poreacutem
diante do ateacute aqui exposto algumas interrogaccedilotildees se fazem necessaacuterias Eacute o
correto jaacute o verdadeiro O que eacute corretude e qual o seu acircmbito A verdade foi
desde sempre pensada como corretude Como a verdade foi pensada em seu
momento originaacuterio Qual a relaccedilatildeo entre verdade corretude e teacutecnica
Precisamos percorrer cada um desses passos como num caminhar na busca
de desenvolver algo no sentido desse livre relacionar-se com a teacutecnica que
aqui buscamos
O correto jaacute eacute o verdadeiro Heidegger constantemente nos leva a um
questionamento do habitual e recorrente e nesse habitual nossa concepccedilatildeo
de verdade se apresenta como a mera corretude A verdade no pensamento
calculista se apresenta como exatidatildeo contudo o correto natildeo atinge a
profundidade do verdadeiro Permanece na superficialidade do presente e
habitual mas em que sentido o filoacutesofo diferencia corretude de verdade Onde
cada um destes sentidos atua O pensar heideggeriano acerca do ser e do
ente seraacute relacionado ao que foi apresentado pelas seguintes palavras de
Heidegger ldquoO correto constata sempre algo de exato e acertado naquilo que se
daacute e estaacute em frente (dele)rdquo14
O correto se relaciona com aquilo que se daacute e estaacute em frente dele Seu
acircmbito eacute o do vigente dado posto Seu acircmbito eacute o do ente Acertado e exato eacute
seu relacionamento com o ente com o jaacute desvelado contudo nada sabe sobre
o ser Natildeo desvela sua essecircncia mas movimenta-se no jaacute desvelado no posto
dado ordinaacuterio e habitual sendo que ldquosomente onde se der esse descobrir da
essecircncia acontece o verdadeiro em sua propriedaderdquo15
Enquanto o correto diz
sobre o posto o verdadeiro abre-o ao seu aparecer O verdadeiro deixa viger o
que eacute destinado do ser ao ente do ainda natildeo vigente ao vigente Eacute nesse
descobrir que se mostra o relacionar-se com o ser Abrindo uma clareira ou
como clareira que se permite o vir agrave vigecircncia algo do ser eacute que se daacute um
14
Ibidem 15
A questatildeo da teacutecnica p13
23
acontecer do ser Entatildeo se o correto tem o seu acircmbito no ente a verdade
encontra-se em relaccedilatildeo com o ser Sendo somente esta verdade capaz de
permitir a livre relaccedilatildeo com o essencial com o ser Mas de onde Heidegger
apreende essa distinccedilatildeo entre verdade e corretude que aqui foi apenas posta
mas natildeo foi trilhada Onde encontra o pensador solo para este caminhar
Onde inicia o seu caminhar acerca da verdade da abertura Para essa
pergunta nos remetemos agraves suas palavras
Este aberto foi concebido pelo pensamento ocidental desde o seu iniacutecio como ηὰ ἀιήζεα o desvelado Se traduzimos a palavra ἀιήζεα por bdquodesvelamento‟ em lugar de bdquoverdade‟ essa traduccedilatildeo natildeo eacute
somente mais bdquoliteral‟ mas ela compreende a indicaccedilatildeo de pensar mais originariamente a noccedilatildeo corrente de verdade como
conformidade do enunciado16
Somos entatildeo encaminhados pelas fendas de nossa investigaccedilatildeo aos
gregos e seu modo de pensar O que os gregos entendiam por ἀιήζεα
desvelamento A questatildeo da verdade para Heidegger juntamente com a
questatildeo do ser torna-se o cerne do seu pensar Assim tatildeo fundamental como
a questatildeo do ser eacute a questatildeo da verdade em seu pensar como um todo Eacute
necessaacuterio que mantenhamos ambas como um soacute pensar caminhando juntas
Um ensaio fundamental no que concerne a discussatildeo sobre a verdade eacute o
ensaio A essecircncia da verdade [1930] Este em conjunto com o O que eacute
metafiacutesica [1929] satildeo considerados os textos da virada (Kehre) do
pensamento heideggeriano O proacuteprio filoacutesofo chama este momento de viragem
de seu pensar17
Onde o ser passa a ser buscado diretamente por meio de seu
acontecer poeacutetico-apropriante (Ereignis) Diferentemente de sua busca anterior
a partir do ente privilegiado homem a partir do Da-sein em ambas as fases de
seu filosofar se assim realmente se pode dizer a essecircncia da verdade como
ἀιεζεία des-velamento se potildee como uma questatildeo central
Verdade se disse primeiramente no mundo grego como ἀιεζεία
desvelamento Heidegger inaugura ou recupera em seu sentido originaacuterio uma
leitura a essa palavra essencial ldquoEssa palavra bdquoverdade‟ tatildeo sublime e ao
mesmo tempo tatildeo gasta e embotada designa o que constitui o verdadeiro
16
HEIDEGGER Martin A essecircncia da verdade [1930] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 200 17
Cf Cartas sobre o humanismo pp 339-341
24
enquanto verdadeiro (fazer pro-duzir deixar vir agrave clareira)rdquo18
Na palavra
ἀιεζεία o pensador escuta para muito aleacutem da mera corretude adequaccedilatildeo
certeza objetividade realidade Nela ressoa o originaacuterio ressoa o
desvelamento que abre Uma abertura que deixa advir o destinado do misteacuterio
do oculto ἀιήζεηα eacute composta pelo α privativo mais o radical ιήζε que
podemos traduzir por velado oculto esquecido Daiacute a traduccedilatildeo heideggeriana
de ἀιήζεiα por des-velamento des-ocultaccedilatildeo des-esquecimento Aquilo que
deixa o fechado do velamento vir ao vigor do vigente como o des-velado que
passa do natildeo-dado ao dado ao doado dizendo portanto algo completamente
distinto de exatidatildeo corretude ou adequaccedilatildeo Verdade dizia sobre um
acontecimento essencial do ser
Onde este sentido mais originaacuterio de verdade se perdeu Foi deixado de
lado e com isso esquecido Onde se deu tatildeo grande desvio de pensamento
Heidegger identifica o iniacutecio desta mudanccedila do sentido de verdade e junto com
ela a mudanccedila de sentido do ser com os gregos em sua fase tardia que se
inicia apoacutes a plenitude daquele pensar originaacuterio que se deu com Anaximandro
Pitaacutegoras Heraacuteclito e Parmecircnides Esse periacuteodo tardio que como Nietzsche19
Heidegger identifica como o periacuteodo de decadecircncia do pensar grego e iniacutecio da
decadecircncia do pensar ocidental Esse eacute o periacuteodo dos grandes ldquofiloacutesofosrdquo
Soacutecrates Platatildeo e Aristoacuteteles A mudanccedila no sentido da verdade assim como
a histoacuteria do esquecimento do ser pelo ente tem seu iniacutecio jaacute em Platatildeo
sofrendo novamente uma mudanccedila de paradigma com Aristoacuteteles nos escritos
de loacutegica e de metafiacutesica e com os latinos em suas traduccedilotildees e interpretaccedilotildees
da filosofia grega aquilo que de forma latente ainda pensava o sentido anterior
de verdade e ser eacute transformado em outro pensar e assim esquecido Assim
o que era fundamental ao pensamento grego a questatildeo do ser e da verdade
decai na questatildeo do ente e da adequaccedilatildeo Vejamos essa passagem do Ser e
Tempo onde Heidegger nos diz sobre esse decair do filosofar grego
Embora nosso tempo se arrogue o progresso de afirmar novamente a
bdquometafiacutesica‟ a questatildeo aqui evocada caiu no esquecimento () A questatildeo referida natildeo eacute na verdade uma questatildeo qualquer Foi ela que deu focirclego agraves pesquisas de Platatildeo e Aristoacuteteles para depois
18
A essecircncia da verdade pp 190-191 19
Cf NIETZSCHE Friedrich A filosofia na eacutepoca traacutegica dos gregos In Coleccedilatildeo os pensadores vol XXXII ndash Obras incompletas Trad br Rodrigo Torres Filho Satildeo Paulo Abril
Cultural 1974 pp 37-51
25
emudecer como questatildeo temaacutetica de uma real investigaccedilatildeo () Ε o que outrora se arrancou num supremo esforccedilo de pensamento ainda
que de modo fragmentado e tateante aos fenocircmenos encontra-se de haacute muito trivializado
20
Vejamos como Heidegger lecirc essa histoacuteria do esquecimento e das
seguidas mudanccedilas de sentido da questatildeo da verdade Heidegger em seu
polecircmico ensaio A teoria platocircnica da verdade [19311932 1940] propotildee que o
desvio de sentido jaacute se deu com Platatildeo ao introduzir a noccedilatildeo de ὀρζόηες de
um bdquoolhar reto‟ Para natildeo adentrar em uma discussatildeo mais aprofundada acerca
do ensaio citado e do polecircmico posicionamento heideggeriano sobre o pensar
platocircnico da verdade ressaltaremos aqui apenas aquilo que o autor indica
como o iniacutecio da transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Leiamos uma
passagem deste ensaio
Se no geral em toda e qualquer postura frente ao ente estaacute em questatildeo o ἰδεῑλ da ἰδέα a visualizaccedilatildeo do bdquoaspecto‟ entatildeo todo
esforccedilo deve concentrar-se antes de tudo em procurar possibilitar uma tal visualizaccedilatildeo Para isso eacute necessaacuterio um olhar reto () em
consequecircncia dessa adequaccedilatildeo do notar como um ἰδεῑλ agrave ἰδέα daacute-se uma ὁκοίωζης uma concordacircncia do conhecimento com a coisa mesma Assim da primazia da ἰδέα e do ἰδεῑλ frente a ἀιήζεiα daacute-se
uma transformaccedilatildeo da essecircncia da verdade Verdade torna-se ὀρζόηες retidatildeo do notar e enunciar
21
Apresenta-se aiacute o primeiro passo da transformaccedilatildeo da essecircncia da
verdade uma transformaccedilatildeo que para noacutes parece ocorrer de forma tatildeo sucinta
que torna difiacutecil a compreensatildeo do polecircmico texto de Heidegger
Ο que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se deu como passagem segundo
Heidegger ali onde o pensamento grego ainda era vigoroso mesmo que jaacute
tornado sistemaacutetico escolar foi abandonado e por conseguinte esquecido
pela tradiccedilatildeo Segundo Heidegger a leitura latina do pensar grego diluiu o vigor
desse filosofar Na traduccedilatildeo de ἀιήζεiα para veritas como uma adequatio daacute-
se o passo decisivo do que vinha mudando de sentido Nessa mudanccedila de
sentido podemos perceber os passos da transformaccedilatildeo do conceito de
verdade Da verdade do ser (ontoloacutegica) a verdade do ente (ocircntica) e por fim
20
Ser e Tempo p 37 21
HEIDEGGER Martin A teoria platocircnica da verdade In Marcas do caminho Trad br Ernildo
Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes 2008 p 242
26
a verdade da proposiccedilatildeo (proposicional) Cada vez de forma mais decadente
mais superficial Cada vez menos originaacuteria a verdade vai se transformando no
exato no correto
Assim na Escolaacutestica podemos ver fortemente os ecos determinantes
da filosofia aristoteacutelica De um pensar loacutegico e argumentativo palavras e
expressotildees usadas por Aristoacuteteles referentes agrave questatildeo da verdade natildeo
apresentam mais o vigor do mundo grego e seu pensar natildeo pulsa mais o
modo grego de pocircr-se no mundo O mundo grego se desvaneceu Soacute restaram
traduccedilotildees e reflexos do que outrora se pensou
Assim pelo exposto podemos vislumbrar o desvio ou mesmo o envio
do sentido originaacuterio de verdade entendida como ἀιήζεiα des-velamento
passando pela ὀρζόηες o olhar reto ὁκοίωζης a semelhanccedila e a adequatio
entendida como base da filosofia escolaacutestica por adequaccedilatildeo da coisa a
proposiccedilatildeo tornando-se assim simplesmente em veritas verdade ao
entendimento atual de adequaccedilatildeo
ldquoOnde nos perdemosrdquo Questionamos a teacutecnica e agora encontramo-nos
diante da verdade e suas variadas determinaccedilotildees e sentidos O que tem a ver
a essecircncia da teacutecnica com a essecircncia da verdade A resposta que Heidegger
nos daacute eacute ldquoTudordquo A essecircncia da teacutecnica e da verdade tem tudo a ver Teacutecnica
em grego se dizia ηέτλε o mesmo termo era usado tambeacutem para a arte
Teacutecnica e arte eram modos de deixar viger o ainda natildeo vigente Deixa-viger
aqueles que diferente dos entes da θύζης natildeo possuiacuteam o eclodir em si
mesmos E como um deixar viger ambos estariam intrinsecamente
relacionados com a verdade pensados como ἀιήζεiα desvelamento Ambas
satildeo pro-duccedilatildeo e como podemos ler na passagem citada por Heidegger do
diaacutelogo Banquete de Platatildeo ldquoTodo deixar-viger o que passa e procede do natildeo
vigente para a vigecircncia eacute ποίεζης eacute pro-duccedilatildeordquo22
A teacutecnica eacute pro-duccedilatildeo e
enquanto pro-duccedilatildeo eacute ποίεζης poiacuteesis eacute desvelamento Pensando assim a
teacutecnica natildeo se resume a um simples meio sua essecircncia estaacute para aleacutem disso
Ela eacute um modo de verdade de desvelamento Mas seraacute que esse modo de
pensar a teacutecnica eacute vaacutelido tambeacutem para a teacutecnica moderna Ou ela pertence
apenas ao acircmbito do pensamento grego Seraacute que a teacutecnica das usinas
22
A questatildeo da teacutecnica p 16
27
induacutestrias da fiacutesica moderna eacute tambeacutem pro-duccedilatildeo ποίεζης Heidegger levanta
essa indagaccedilatildeo da seguinte forma
Teacutecnica eacute uma forma de desencobrimento A teacutecnica vige e vigora no acircmbito onde se daacute descobrimento e decircs-encobrimento onde
acontece ἀιήζεiα verdade Contra essa determinaccedilatildeo do acircmbito da essecircncia da teacutecnica pode-se objetar e dizer que ela vale para o
pensamento grego e no melhor dos casos pode servir para a teacutecnica artesanal mas natildeo alcanccedila a teacutecnica moderna caracterizada pela maacutequina e aparelhagens E eacute justamente esta e somente esta que
constitui o sufoco que nos leva a questionar bdquoa‟ teacutecnica23
Eacute diante esta indagaccedilatildeo que somos levados ao caminho do pensar a
teacutecnica grega em confronto com a teacutecnica moderna Portanto como pensar a
ηέτλε grega e sua relaccedilatildeo com a ποίεζης e sua transformaccedilatildeo na teacutecnica
moderna Eacute a teacutecnica moderna tambeacutem um modo de ἀιήζεiα desvelamento
Caso seja eacute do tipo poieacutetico no sentido de uma pro-duccedilatildeo que deixa-viger Ou
o que lhe caracteriza o que lhe domina eacute outro tipo de desvelamento Satildeo
esses traccedilos que seratildeo investigados nos passos seguintes
23 Teacutecnica grega e moderna Da poiacuteesis agrave exploraccedilatildeo
Em que sentido podemos pensar com Heidegger sua indicaccedilatildeo de que o
que preocupa eacute exatamente o sentido de pro-duccedilatildeo enquanto ποίεζης natildeo
poder mais ser aplicado agrave teacutecnica moderna Que sentido tem essa pro-duccedilatildeo
para os gregos Se natildeo eacute mais a poiacuteesis que determina a teacutecnica moderna o
que eacute Por que esta outra determinaccedilatildeo a saber a exploraccedilatildeo e o
armazenamento ameaccedilam tanto o homem atual Seratildeo estas indagaccedilotildees e as
que surgirem no caminho nas quais nos deteremos com o cuidado
necessaacuterio para que passo por passo trilhemos o caminho no qual
adentramos
Se pensarmos em um antigo moinho de vento grego e em uma usina
hidroeleacutetrica moderna podemos dizer que ambos satildeo um meio de produccedilatildeo de
energia Se pensarmos no agricultor ao lavrar sua terra ou em uma induacutestria de
23
Idem p18
28
agronegoacutecio podemos novamente dizer que ambas tecircm como finalidade a
produccedilatildeo de alimentos O que os diferenciam Natildeo satildeo ambos meio e
finalidade de produccedilatildeo Sim e natildeo Os dois extraem algo da terra poreacutem o
primeiro em cada um dos casos com cuidado deixa que a terra lhe doe o que
lhe eacute necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo de sua vida enquanto que no segundo de
forma abrupta retira da terra como de um reservatoacuterio mais do que o
necessaacuterio com o fim de estocar e armazenar e depois disso fazer um
negoacutecio O primeiro recebe uma doaccedilatildeo como presente ao seu presente O
segundo arranca mateacuteria-prima que ficaraacute disponiacutevel para um uso posterior A
relaccedilatildeo esta proximidade que o antigo tem com a Terra aquela que ele chama
de Matildee ldquoTerra de amplo seio de todos sede irresvalaacutevel semprerdquo24
Γάηα
multinutriz como nos conta nos bdquocanta‟ Hesiacuteodo transforma-se para o
segundo em uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo forccedilando a terra a fornecer mateacuteria-
prima natildeo mais como uma vaca que pro-duz leite para alimentar a cria Mas
como uma vaca leiteira que em uma induacutestria eacute forccedilada recebendo
hormocircnios agrave produccedilatildeo de muitos litros de leite por dia que seratildeo tratados
transformados encaixotados armazenados para estarem disponiacuteveis agrave venda
Leiamos as palavras de Heidegger
O subsolo passa a se desencobrir como reservatoacuterio de carvatildeo o chatildeo como jazidas de mineacuterio Era diferente o campo que o camponecircs outrora lavrava quando lavrar ainda significava cuidar e
tratar O trabalho camponecircs natildeo provocava e desafiava o solo agriacutecola () A terra se desencobre nesse caso depoacutesito de carvatildeo
e o solo jazida de minerais25
Eacute draacutestica a mudanccedila no relacionar-se com a natureza entre os antigos e
os modernos A pro-duccedilatildeo grega eacute outra completamente diferente dessa
exploraccedilatildeo moderna mas para percebermos esta draacutestica mudanccedila iremos
nos deter ainda mais no que seja essa pro-duccedilatildeo que entre os gregos tinham
esse sentido de ποίεζης Apoacutes esta investigaccedilatildeo estaremos em melhores
condiccedilotildees de adentrar ainda mais na teacutecnica moderna em busca de sua
essecircncia pois soacute em uma verdadeira relaccedilatildeo com essa essecircncia poderemos
buscar um caminho de enfrentamento a essa situaccedilatildeo criacutetica da qual o homem
24
HESIacuteODO Teogonia a origem dos deuses Trad br Jaa Torrano Satildeo Paulo Editora Ilumiuras 1995 p 91 25
A questatildeo da teacutecnica p 19
29
atual se encontra imerso submerso ldquoTudo agora depende de se pensar a pro-
duccedilatildeo e o pro-duzir em toda sua amplitude e ao mesmo tempo no sentido dos
gregosrdquo26
Como na passagem citada do Banquete de Platatildeo pro-duccedilatildeo no sentido
de ποίεζης eacute todo deixar-viger O que leva da natildeo-vigecircncia a vigecircncia eacute todo o
pocircr no sentido de um deixar emergir A proacutepria θύζης nesse sentido eacute uma
ποίεζης uma pro-duccedilatildeo Ela eacute ateacute a maacutexima ποίεζης aquela que se daacute a partir
de si mesma Aqueles que natildeo se pro-duzem por si mesmos satildeo os ποηούκελα
os artefatos os entes criados produzidos pela arte pela ηέτλε Estes se
contrapotildeem e nesse sentido se aproximam dos seres da natureza da θύζης
daqueles que se potildeem por si mesmos dos θύζεη ὅληα Enquanto os primeiros
tecircm sua forccedila de eclosatildeo em outro ἐλ αιιωη os seres da natureza possuem o
eclodir em si mesmos ἐλ ἑασηωη Contudo ambos enquanto um vir agrave vigecircncia
satildeo ποίεζης Os artefatos que natildeo possuem o eclodir em si dependem dos
ἀρτηηέθηωλ dos arquitetos natildeo no sentido atual de arquiteto mas como
aqueles que tecircm a ηέτλε como ἀρτή E assim diz Heidegger
Nos artefatos portanto a ἀρτή de sua mobilidade e assim de seu repouso de estar pronto e estar terminado natildeo estaacute neles mesmos
mas em um outro no ἀρτηηέθηωλ naquele que dispotildee da ηέτλε enquanto ἀρτή Com isso teria sido feito a distinccedilatildeo frente aos θύζεη
ὅληα que se chamam desse modo precisamente porque natildeo tem a ἀρτή de sua mobilidade em um outro ente mas no ente que ele proacuteprios satildeo (e enquanto satildeo esse ente)
27
Leiamos uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles do livro Β 1 analisada
na citaccedilatildeo anterior com a qual Heidegger iraacute confrontar seu conceito de θύζης
ao conceito aristoteacutelico e grego de um modo mais geral
Algumas coisas satildeo por natureza outras por outras causas Por natureza os animais e suas partes as plantas e os corpos simples como a terra o fogo o ar e a aacutegua ndash pois dizemos que estas e outras
coisas semelhantes satildeo por natureza Todas estas coisas parecem diferenciar-se das coisas que natildeo estatildeo constituiacutedas por natureza
porque cada uma delas tem em si mesmo um princiacutepio de movimento e de repouso seja com respeito ao lugar ao aumento ou agrave
diminuiccedilatildeo ou agrave alteraccedilatildeo Pelo contraacuterio uma cama uma roupa ou qualquer outra coisa de gecircnero semelhante como as significamos em
26
Idem p16 27
HEIDEGGER Martin A essecircncia e o conceito de Φύζης em Aristoacuteteles ndash Fiacutesica Β 1 [1939] In Marcas do caminho Trad br Ernildo Stein e Enio Paulo Giachini Petroacutepolis Editora Vozes
2008 p 264
30
cada caso por seu nome e enquanto isso satildeo produtos da arte (ηέτλε) natildeo tem em si mesmas nenhuma tendecircncia natural agrave
mudanccedila28
Estes entes que natildeo tecircm o eclodir em si necessitam de outro ente para
chegar agrave vigecircncia contudo este vir agrave vigecircncia natildeo adveacutem pela atividade
manual do artista mas por meio de seu saber Arte e teacutecnica satildeo ditas pelos
gregos com a mesma palavra ηέτλε Natildeo por ambas terem em comum o fazer
a atividade manual mas por ambas terem em comum o pro-duzir no sentido de
ποίεζης como um deixar vir agrave vigecircncia em seu aspecto Como um
conhecimento algo relacionado agrave verdade Τέτλε aparece em Aristoacuteteles e
Platatildeo ao lado de επηζηήκε epistecircme Enquanto a επηζηήκε eacute o saber que se
relaciona com os θύζεη ὅληα aqueles que emergem por si os entes naturais a
ηέτλε eacute o saber a respeito dos ποηούκελα dos que natildeo adveacutem por si mesmos
os artefatos Assim diz Aristoacuteteles em sua obra acerca da Eacutetica em um
momento de uma ldquomeditaccedilatildeo especialrdquo ao tratar dos diversos tipos de
conhecimento
Satildeo cinco as disposiccedilotildees em virtude das quais a alma alcanccedila a
verdade (ἀιήζεiα) por meio da afirmaccedilatildeo ou da negaccedilatildeo a arte a ciecircncia o discernimento a sabedoria filosoacutefica e a inteligecircncia () O
objeto do conhecimento cientiacutefico portanto existe necessariamente Ele eacute consequentemente eterno pois todas as coisas cuja existecircncia eacute absolutamente necessaacuteria satildeo eternos () Toda arte se relaciona
com a criaccedilatildeo e dedicar-se a uma arte eacute estudar uma maneira de fazer uma coisa que pode existir ou natildeo e cuja origem estaacute em quem
faz e natildeo na coisa feita de fato a arte natildeo trata de coisas que existem ou passam a existir necessariamente nem de coisas que
existem ou passam a existir de conformidade com a natureza (estas coisas tecircm origens nelas mesmas) Jaacute que haacute diferenccedila entre fazer e agir a arte deve relacionar-se com a criaccedilatildeo e natildeo com a accedilatildeo
29
Com base no exposto Heidegger nos diz ser a teacutecnica no pensamento
grego um saber um modo de desvelar uma verdade criaccedilatildeo em oposiccedilatildeo a
um fazer manual Um saber que permite cuida e protege Protege o enviado o
destinado pelo ser do ocultamento ao des-ocultamento Destinado ao cuidado
e guarda na linguagem do pensador do artista Bem diferente eacute a teacutecnica
moderna onde o a-guardar foi substituiacutedo pela pressa do arrancar onde o criar
28
ARISTOacuteTELES Fiacutesica Traduccedilatildeo proacutepria feita da traduccedilatildeo espanhola de Guillermor R de
Echandia Madrid Editorial Gredos SA 1995 p 45 29
ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicoacutemacos Trad Br Maacuterio de Gama Kury Brasiacutelia Editora UNB
1992 pp 115-116
31
foi substituiacutedo pelo en-formar onde a co-pertenccedila de identidade e diferenccedila em
uma harmonia originaacuteria foi substituiacutedo pela mesmidade pela uni-formizaccedilatildeo
industrial pelo negoacutecio Aquele saber que na plenitude do mundo grego do
pensamento originaacuterio era a aproximaccedilatildeo do homem agrave natureza decaiu em
um afastamento sugador explorador O misteacuterio do aguardar foi apagado pela
exatidatildeo do calcular O filho que naquela bdquomanhatilde de sol‟ brincava livremente
com sua matildee natureza tornou-se na bdquonoite do mundo‟ o ldquosenhor da terrardquo
escravizado por seu proacuteprio trabalho e conceitos Esses ldquosenhoresrdquo tornaram-
se cada vez mais escravos de seus instrumentos Indigentes cada vez mais
imersos na cotidianidade dos entes explorando armazenando e negociando
como diz Heidegger
Eacute justamente esse homem assim ameaccedilado que se alardeia na figura de senhor da terra Cresce a aparecircncia de que tudo que nos vecircm ao
encontro soacute existe agrave medida que eacute um feito do homem Esta aparecircncia faz prosperar uma derradeira ilusatildeo segundo a qual em
toda parte o homem soacute se encontra consigo mesmo () Entretanto hoje em dia na verdade o homem jaacute natildeo se encontra em parte
alguma consigo mesmo isto eacute com a sua essecircncia30
Eacute esse desvelamento explorador que de forma alguma eacute um deixar-que-
advenha que nada tem de ποίεζης Eacute essa exploraccedilatildeo que assusta Pois qual
o sentido desse explorar e armazenar sem fim Eacute pensando no sentido de
suprir o necessaacuterio Natildeo essa exploraccedilatildeo e armazenamento tecircm a finalidade
do estar disponiacutevel Eacute essa dis-ponibilidade (Bestand) que preocupa Nela o
proacuteprio fruto ou melhor dizendo acerca da modernidade a proacutepria coisa o
proacuteprio objeto esvai-se ldquoEm toda parte se dispotildee a estar a postos e assim
estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-poniacutevel para ulterior dis-posiccedilatildeo31
rdquo Cada
coisa passa a ser um dis-poniacutevel que estando ali armazenado espera por uma
negociaccedilatildeo que o trans-ponha daqui para ali
Uma nova meditaccedilatildeo se potildee em nosso caminhar ldquoQue desencobrimento
se apropria do que surge e aparece no pocircr da exploraccedilatildeordquo32
Como podemos
pensar mais propriamente sobre esta disponibilidade Qual a essecircncia da
teacutecnica moderna que leva o homem a um desvelar explorador onde tudo se
30
A questatildeo da teacutecnica pp 29-30 31
Idem p20 32
Ibidem
32
apresenta como mera disponibilidade De onde proveacutem essa essecircncia da
teacutecnica moderna Daacute-se por conta da negligecircncia do homem ou eacute mera
fatalidade do periacuteodo ou ainda eacute outra a situaccedilatildeo Sobre estes
questionamentos nos deteremos nos proacuteximos passos
24 Dis-ponibilidade e Com-posiccedilatildeo Acerca do desvelamento explorador
da teacutecnica moderna
A disponibilidade (Bestand) se potildee em nosso caminho Essa palavra
assume aqui um sentido muito mais essencial do que mera provisatildeo ldquoa palavra
disponibilidade se faz agora o nome de uma categoriardquo ldquodesigna o modo em
que vige e vigora tudo o que o descobrimento explorador atingiurdquo33
Chegamos
com este passo ao ponto alto aquele que surge diante do profundo do que
agora buscamos proximidade desse nosso percurso Estamos para
experienciar o originaacuterio que adveacutem das profundezas da essecircncia da teacutecnica
moderna Esse extra-ordinaacuterio que permite que nos elevemos agravequela relaccedilatildeo
livre entre nossa presenccedila (Dasein) e a essecircncia da teacutecnica portanto nesse
caminho in-habitual nos faz recuar lentamente alguns passos como quem se
prepara para pegar o impulso necessaacuterio ao salto-mortal no abismo (Abgrund)
Retornemos entatildeo alguns passos
Como pensarmos essa disponibilidade que nos passos anteriores vimos
como o preocupante acerca da teacutecnica moderna O que rege como apelo
essa disponibilidade Ela eacute regida por uma inadimplecircncia do homem por fruto
da ganacircncia de sua vontade ou ela eacute regida por algo mais originaacuterio ldquoSe a
teacutecnica moderna natildeo se resume a um mero fazer do homem () temos de
encarar em sua propriedade o desafio que potildee o homem a dispor do real
como dis-ponibilidaderdquo34
Heidegger como quem lanccedila o olhar ao outro lado do
abismo sobre o qual se prepara para saltar chama a esse ldquoapelo de
exploraccedilatildeo que reuacutene o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-
ponibilidaderdquo35
de Ge-stell com-posiccedilatildeo Sobre o uso inusitado dessa palavra
33
Ibidem 34
Idem pp22-23 35
Idem p23
33
sobre seu sentido e lugar nesse percurso nos deteremos mais agrave frente Aqui o
indicamos apenas como um caminho a ser percorrido
Questionamos a teacutecnica ao nos depararmos com o perigo desta escapar ao
nosso domiacutenio Criamos teorias e conceitos com o fim de assegurar domiacutenio
Construiacutemos escolas com o intuito de dominar o saber e agora vemos as
criaccedilotildees fazendo um papel oposto ao intuito pensado em uma cadeia de
eventos onde o ser foi perdendo lugar ao domiacutenio do ente
A usina hidroeleacutetrica instalada no Reno como nos fala o filoacutesofo natildeo estaacute
mais aiacute como o velho moinho de vento Ela estaacute ali ou podemos ateacute dizer o
contraacuterio o rio estaacute ali instalado na usina a fim de se explorar a forccedila de
movimento das correntes de suas aacuteguas a dispor energia Esta energia seraacute
armazenada para em seguida estar agrave disposiccedilatildeo de uma induacutestria que usaraacute
este disponiacutevel para gerar instrumentos de trabalho ao homem que tambeacutem
estaraacute ali agrave disposiccedilatildeo para algum serviccedilo para ser meio de alguma finalidade
Se eacute que podemos ainda chamar isso de finalidade essa cadeia de disposiccedilatildeo
onde cada qual destes constituintes natildeo tem sentido algum pelo que eacute Usina
rio induacutestria homem negoacutecio natureza o tempo estatildeo todos aiacute apenas como
disposiccedilatildeo Caiu com isso tudo na indiferenccedila na mesmidade da
disponibilidade Vejamos uma passagem em Heidegger acerca do que
dissemos
A energia escondida na natureza eacute extraiacuteda o extraiacutedo vecirc-se transformado o transformado estocado o estocado distribuiacutedo o distribuiacutedo reprocessado Extrair transformar estocar distribuir
reprocessar satildeo todos modos de desencobrimento Todavia este desencobrimento natildeo se daacute simplesmente Tampouco perde-se no
indeterminado () por toda parte assegura-se o controle Pois o controle e seguranccedila constituem ateacute marcas fundamentais do descobrimento explorador
36
O proacuteprio homem encontra-se preso sem-saiacuteda nessa cadeia de
disponibilidade Ele encontra-se conectado a essa amarraccedilatildeo a esse
esqueleto a essa teia nessa com-posiccedilatildeo que a tudo abarca Eacute nesse sentido
de amarraccedilatildeo palavra que em alematildeo se diz por Gestell que Heidegger usa o
termo essencial com-posiccedilatildeo Em Ge-Stell o Ge tem o sentido de ldquoforccedila
originaacuteria de reuniatildeordquo e Stell com o sentido de pocircr de colocar junto de lugar
36
Idem p20
34
Assim por meio de uma escuta cuidadosa Ge-Stell eacute pensado como com-
posiccedilatildeo forccedila originaacuteria que reuacutene em um ponto em um lugar Como no termo
siacutentese onde sin tem o sentido de reuniatildeo e tese com o sentido de posiccedilatildeo
posto junto a siacuten-tese eacute entatildeo o iniacutecio da histoacuteria do desenvolvimento dessa
essecircncia da teacutecnica moderna Siacuten-tese eacute esta cadeia de amarraccedilatildeo que reuacutene
todo o disposto em uma cadeia sem-escape Siacuten-tese eacute Ge-stell eacute com-
posiccedilatildeo Bestand e Gestell como disponibilidade e composiccedilatildeo usados para
indicar o extra-ordinaacuterio do pensar heideggeriano podem ao leitor menos
atento parecer um abuso de linguagem poreacutem eacute sempre como extravagacircncia
que se potildee o pensar em profundidade Extravagante como o salto mortal
Assim Heidegger defende o uso destes termos dizendo o seguinte
Seraacute possiacutevel extravagacircncia maior ainda Certamente que natildeo Soacute que esta extravagacircncia eacute um antigo costume do pensamento E os
grandes pensadores tornaram-se extravagantes precisamente quando tecircm de pensar o mais elevado () o fato de Platatildeo usar a
palavra εἶδος para dizer a essecircncia de tudo e de cada coisa Pois na linguagem de todo dia εἶδος diz a visatildeo que uma coisa visiacutevel nos
apresenta agrave percepccedilatildeo sensiacutevel37
Contudo perguntamos esta Ge-stell com-posiccedilatildeo que teve seu
nascimento no pensar grego como siacuten-tese este pocircr-junto-em-relaccedilatildeo-a se
deu por negligecircncia do pensar do homem Deu-se por um descuido um des-
vio Eacute fruto da liberdade do homem de seu arbiacutetrio Heidegger nos diz que
natildeo A com-posiccedilatildeo enquanto um modo essencial de des-velamento natildeo eacute um
des-vio mas sim um envio do ser um destino do desencobrimento pelo ser
portanto um acontecimento-histoacuterico Entatildeo ao contraacuterio do que haviacuteamos
questionado a com-posiccedilatildeo como destino natildeo adveacutem da liberdade do homem
mas de um escravo da fatalidade do destino de um escravo de seu tempo
Tambeacutem natildeo o que se daacute eacute algo diverso Sendo fruto do destino a
composiccedilatildeo acontece pela liberdade Parece que nos encontramos em uma
confusatildeo em um emaranhado onde palavras contraditoacuterias se imbricam Esta
confusatildeo se instaura se pensarmos destino e liberdade como entende a
tradiccedilatildeo O que Heidegger pensa com essas palavras Algo bem diferente da
37
Idem p23
35
fatalidade e do arbiacutetrio Destino eacute pensado como um pocircr a caminho um envio
da silenciosa fonte originaacuteria Em suas palavras
Pocircr a caminho significa destinar Por isso denominamos de destino a forccedila de reuniatildeo encaminhadora que potildee o homem a caminho de
um desencobrimento Eacute pelo destino que se determina a essecircncia de toda histoacuteria A histoacuteria natildeo eacute um mero elemento da historiografia
nem somente o exerciacutecio da atividade humana A accedilatildeo humana soacute eacute histoacuterica quando enviada por um destino
38
No caso da liberdade Heidegger natildeo a pensa como vontade como
arbiacutetrio ou como uma liberdade de movimento mas sim como um deixar-ser
Como um permitir uma escuta onde o ente se des-vela pelo envio do ser Este
deixar-ser se daacute como um entregar-se ao ente ente Como um acolhimento
do e pelo ente como cuidado e proteccedilatildeo Entretanto este deixar-ser poderia
ser pensado no sentido negativo de ldquodesviar a atenccedilatildeo de algordquo ou de uma
renuacutencia agrave onde se ldquoexprime uma indiferenccedila ou uma omissatildeordquo mas como foi
dito este deixar-ser tem um sentido contraacuterio ao de omissatildeo sendo ateacute a
maacutexima atenccedilatildeo e presenccedila diante o vigente como escuta e abrigo esta
liberdade acontece em seu parentesco com a verdade pensada como ἀιήζεiα
Pois eacute ao que se desvela que deixa-ser o ente que se eacute O que pelo misteacuterio
como misteacuterio eacute enviado ao desvelamento eacute abrigado mesmo ao se esconder
por este deixar-ser da liberdade Verdade misteacuterio e liberdade se emaranham
em sua co-pertenccedila ao acontecer poeacutetico-apropriante do ser (Ereignis)
Misteacuterio aqui eacute pensado como este que libera ldquoO encoberto que sempre se
encobre e cobrerdquo o fechado que abriga o eclodir
Este entregar-se ao caraacuteter de desvelado do ente como nos diz
Heidegger natildeo eacute um ldquoperder-se nele mas um recuo diante do ente afim que
este se manifeste naquilo que eacute e como eacuterdquo39
Pensando deste modo eacute que
podemos ver a copertenccedila entre destino e liberdade onde estes natildeo vatildeo de
encontro um ao outro mas pelo contraacuterio vatildeo ao encontro um do outro O que
o destino envia a liberdade permite O que eacute doado pelo misteacuterio eacute protegido
no des-velo pelo livre deixar-ser Leiamos o que diz Heidegger acerca desta
relaccedilatildeo entre destino e liberdade
38
Idem p27 39
A essecircncia da verdade p201
36
O destino do desencobrimento sempre rege o homem em todo o seu ser mas nunca eacute a fatalidade de uma coaccedilatildeo Pois o homem soacute se
torna livre num envio fazendo-se ouvinte e natildeo escravo do destino A essecircncia da liberdade natildeo pertence originariamente agrave vontade e nem tatildeo pouco se reduz agrave causalidade do querer humano
A liberdade rege o aberto no sentido do aclarado isto eacute do des-encoberto () A liberdade eacute o reino do destino que potildee o
desencobrimento em seu proacuteprio caminho40
Assim respondemos ao questionamento sobre o acontecimento
histoacuterico da teacutecnica como com-posiccedilatildeo se ele eacute fruto de uma inadvertecircncia ou
se eacute ele uma fatalidade de nossa eacutepoca Natildeo sendo nem um nem outro mas o
fruto de um envio proveniente do misteacuterio do ser Ao pensarmos assim nos
mantemos no espaccedilo livre com a essecircncia da teacutecnica ao qual buscamos estar
nesse percurso de nosso trilhar o pensamento heideggeriano Abre-se com
este pensar caminhos novos de enfrentamento agrave situaccedilatildeo de crise que se
apresenta sobre o modo da teacutecnica Nesse extra-ordinaacuterio onde se abre para a
essecircncia da teacutecnica somos tomados por um ldquoapelo de libertaccedilatildeordquo Diz
Heidegger
A essecircncia da teacutecnica moderna repousa na com-posiccedilatildeo A com-
posiccedilatildeo pertence ao destino do descobrimento Estas afirmaccedilotildees dizem algo muito diferente do que a frase tantas vezes repetida a
teacutecnica eacute a fatalidade de nossa eacutepoca onde fatalidade significa o inevitaacutevel de um processo inexoraacutevel e incontornaacutevel () quando
pensamos poreacutem a essecircncia da teacutecnica fazemos a experiecircncia da com-posiccedilatildeo como destino de um desencobrimento Assim jaacute nos mantemos no espaccedilo livre do destino Este natildeo nos tranca numa
coaccedilatildeo obtusa que nos forccedilaria uma entrega cega agrave teacutecnica ou o que daacute no mesmo a arremeter desesperadamente contra a teacutecnica e
condenaacute-la como obra do diabo Ao contraacuterio abrindo-nos para a essecircncia da teacutecnica encontramo-nos de repente tomados por um apelo de libertaccedilatildeo
41
Eacute nesse passo que se encontra o perigo Pois se a liberdade eacute
entendida como um deixar-ser o que nos eacute destinado ldquoo homem histoacuterico
tambeacutem pode deixando que o ente seja natildeo deixaacute-lo-ser naquilo que ele eacute e
assim como eacute O ente entatildeo encobre-se e eacute dissimuladordquo42
Este natildeo-deixar-ser
naquilo que eacute se apresenta no homem moderno como esse pensamento que
calcula nesta com-posiccedilatildeo dominante que tudo explora e torna disponiacutevel
Neste sistema operativo e calculaacutevel que potildee em fuga toda outra forma de
40
A questatildeo da teacutecnica pp 27-28 41
Idem p 28 42
A essecircncia da verdade p 203
37
pensar Eacute aqui que mora o perigo Nesse esforccedilo de dominar bdquocom espiacuterito‟ a
teacutecnica nessa produccedilatildeo exploradora esquece-se o misteacuterio e com isso tem-se
a fuga da possibilidade de um desvelar mais originaacuterio O pensamento
meditativo poeacutetico a pro-duccedilatildeo como ποίεζης eacute ameaccedilada de ser encoberta
por completo ldquoO predomiacutenio da com-posiccedilatildeo arrasta consigo a possibilidade
ameaccediladora de se poder vetar ao homem voltar-se para um desencobrimento
mais originaacuterio e fazer assim a experiecircncia de uma verdade mais inauguralrdquo43
O grande perigo natildeo se encontra portanto no perigo das armas na
superficialidade dos novos meios de comunicaccedilatildeo virtuais na intoxicaccedilatildeo por
remeacutedios nos transgecircnicos agrotoacutexicos ou qualquer outro elemento teacutecnico
Seu perigo extremo estaacute na fuga desta outra possibilidade no completo
domiacutenio da com-posiccedilatildeo sobre a essecircncia do pensar do homem
Entretanto ldquodificilmente abandona o que mora na proximidade do
originaacuterio o lugarrdquo Com essas palavras do poema A peregrinaccedilatildeo de Houmllderlin
palavras finais do ensaio A origem da obra de arte eacute feita a passagem do
perigo ao que salva CITACcedilAcircO A essecircncia mais essencial eacute res-guardada
pela forccedila originaacuteria do misteacuterio ldquoO domiacutenio da composiccedilatildeo natildeo poderaacute
deturpar todo o brilho da verdaderdquo44
Ao se afastar de sua morada essencial o
homem eacute tomado por um apelo de retorno O pensamento loacutegico calculador
potildee o homem cada vez mais diante aos entes em sua mera cotidianidade
Decai assim na mesmidade do apenas dado O homem histoacuterico eacute tomado por
um teacutedio profundo que manifesta o ente em sua totalidade onde tudo se
apresenta como indiferenccedila Outro humor entatildeo arrebata o homem a
anguacutestia Nesta o ente se potildee em fuga o nada se manifesta como um apelo
da morada essencial a experienciaccedilatildeo do nada abre o pensar a outra
possibilidade Para outro modo de ser se abre como fonte Abre como questatildeo
e misteacuterio para um pensar que natildeo seja mais um mero com-pocircr mas um pocircr
poeacutetico inaugural Permitindo pela escuta cuidadosa que venha agrave vigecircncia
como doaccedilatildeo deste nada originaacuterio Esta questatildeo sobre o nada e os humores
de teacutedio e anguacutestia seraacute tratada mais adiante com um maior aprofundamento
Aqui trata-se apenas de pensar o apelo silencioso
43
A questatildeo da teacutecnica pp30-31 44
Idem p31
38
Pensar a essecircncia da teacutecnica eacute escutar a voz o canto do destino que
adveacutem da fonte principial eacute colocar-se na histoacuteria de maneira autecircntica Esta
escuta potildee Heidegger a se deter na voz do poeta Houmllderlin ldquopoeta dos poetasrdquo
doa em seu dizer muitas palavras que abrem o seu pensar Diante deste
poeta o filoacutesofo-pensador se deteacutem em muitos momentos com muito cuidado
Assim diz o poeta ldquoOra onde mora o perigo eacute laacute que tambeacutem cresce o que
salvardquo Eacute portanto no domiacutenio da com-posiccedilatildeo como essecircncia da teacutecnica
moderna que se mostra a outra possibilidade de um desocultar mais originaacuterio
Mas qual o sentido deste salvar Que outra possibilidade de pensar se
presenteia nesse extra-ordinaacuterio que se deu no confronto com o pensar
teacutecnico Eacute esse outro pensar a salvaccedilatildeo da ameaccedila da crise Esses satildeo os
questionamentos derradeiros desta fase de nossa investigaccedilatildeo Satildeo sobre
estas questotildees que nos deteremos agora como passo preparatoacuterio para uma
nova questatildeo ou seja a questatildeo do confronto
39
3 POETAS EM TEMPOS INDIGENTES ACERCA DA ESSEcircNCIA DA ARTE
Neste capiacutetulo pensaremos a questatildeo da arte buscando avizinhaacute-la do
originaacuterio (Ursprung) e da essecircncia (Wesen) no sentido de encontrar aiacute outra
possibilidade capaz de um confronto agrave crise apontada pelo des-velar
explorador da teacutecnica moderna Deixaremos que a essecircncia da arte se
apresente ao pensar Nossa busca eacute portanto a de saber se na arte guarda-se
a medranccedila daquilo que pode nos salvar deste tempo de indigecircncia desta
noite do mundo Para tal busca faremos um momento que nos serviraacute de
passagem da questatildeo anterior da teacutecnica para a questatildeo da arte que agora se
iniciaraacute Apoacutes esse momento de passagem adentraremos a questatildeo da arte e
buscaremos pensar como a sua essecircncia se apresentou ao filoacutesofo Daqui
seremos levados a pensar em conjunto a essecircncia da arte e a questatildeo da crise
atual do entendimento teacutecnico
31 ldquoOnde mora o perigo cresce o que salvardquo Da pergunta pela Teacutecnica agrave
pergunta pela Arte
Chegamos num ponto crucial de nossa investigaccedilatildeo passo derradeiro
acerca da pergunta pela teacutecnica natildeo eacute contudo conclusivo eacute apenas um
preparo para um olhar em outro sentido O tiacutetulo deste ponto jaacute nos indica para
onde vamos seguir Passaremos da questatildeo da teacutecnica agrave questatildeo da arte
Poreacutem eacute preciso ainda alguns passos para que essa mudanccedila natildeo se decirc de
forma brusca Em que sentido se daraacute essa mudanccedila Aleacutem desta indicaccedilatildeo
A ciecircncia pode classificar e nomear os oacutergatildeos
de um sabiaacute Mas natildeo pode medir seus encantos
A ciecircncia natildeo pode calcular quantos cavalos de forccedila existem nos encantos de um sabiaacute
Quem acumula muita informaccedilatildeo perde o
condatildeo de adivinhar divinare Os sabiaacutes divinam
Manoel de Barros Livro sobre nada
Do fundo abismo nascem as altas montanhas
Maacutercia de Saacute
O escuro me ilumina Manoel de Barros
40
de mudanccedila de olhar o tiacutetulo tambeacutem nos diz outra coisa ldquoOnde mora o perigo
eacute laacute tambeacutem que cresce o que salvardquo Nessas palavras de Houmllderlin Heidegger
nos indica o fio condutor desta mudanccedila Contudo precisamos esclarecer o
que se entende aqui por salvar Como relacionar este salvar que agora se pocircs
no caminho com a pergunta inicial acerca da essecircncia da teacutecnica Como a
arte se relaciona com a teacutecnica diante da pergunta pela essecircncia Iremos nos
deter nestes questionamentos nos passos seguintes
Haviacuteamos dito que a essecircncia da teacutecnica moderna se apresentou apoacutes
nosso questionar como com-posiccedilatildeo O desvelar explorador que arrancou da
terra tudo como mera dis-ponibilidade eacute regido por essa com-posiccedilatildeo Na
dominaccedilatildeo deste explorar com-positor o perigo que ameaccedila eacute o de se trancar
ao homem a possibilidade de um outro desvelar mais originaacuterio a saber o
desvelar poeacutetico Este que enquanto ποίεζης deixa que o ente seja a cada
vez o ente que eacute Sendo regida assim pela liberdade como um deixar-ser essa
ποίεζης deixa-pocircr Esta ameaccedila contudo natildeo se deu por conta de uma
negligecircncia do homem nem por um capricho ou por uma veleidade Ela eacute fruto
de um destino de uma doaccedilatildeo Sendo destino adveacutem de um acontecer
histoacuterico do ser Soacute ao se perceber este sentido da essecircncia da teacutecnica
moderna o homem pode receber essa doaccedilatildeo aos cuidados e proteccedilatildeo de sua
guarda na linguagem Sua guarda se daacute aos que escutam o apelo da silenciosa
fonte originaacuteria Pensar sua essecircncia eacute escutar esse apelo Soacute onde se daacute esse
pensar cuidadoso e esse poetar permissor eacute que se pode dizer com vigor
essas palavras do poeta ldquoonde mora o perigo eacute laacute tambeacutem que cresce o que
salvardquo Portanto natildeo nos apressemos em dar respostas Tentemos com maior
esforccedilo nos manter nessa bdquofesta do pensar‟ frente agrave abertura do misteacuterio frente
agrave vereda O que Heidegger pensa em con-sonacircncia com o poeta por salvar Eacute
ele um salvar a tempo de uma destruiccedilatildeo iminente ou nos diz outra coisa a
voz do poeta Continuemos no nosso lento caminhar
Pensando com Houmllderlin Heidegger nos diz
O que significa salvar Geralmente achamos que significa apenas retirar a tempo da destruiccedilatildeo o que se acha ameaccedilado em continuar
41
a ser o que vinha sendo Ora ldquosalvarrdquo diz muito mais ldquoSalvarrdquo diz chegar agrave essecircncia a fim de fazecirc-la aparecer em seu proacuteprio brilho
45
Chegar agrave essecircncia eacute o sentido do salvar Na ameaccedila cresce o que salva
pois eacute nessa ameaccedila que o apelo por um retorno ao lar se potildee fortemente de
forma mais decisiva Pensemos a essecircncia natildeo de modo tradicional como
essentia como aquilo que diz o que uma coisa eacute como quid Essecircncia deve
ser pensada como colocamos de iniacutecio logo nos primeiros passos do percurso
Pensemos a essecircncia como o originaacuterio como fonte doadora principial Natildeo
como iniacutecio daquilo que logo que se potildee a caminhar eacute deixado para traacutes mas
como principial que dura e vigora a cada passo que mesmo no afastar-se eacute o
que sustem e envia Da qual natildeo eacute permitido um abandono ou um natildeo ouvir
seu apelo Eacute assim que Heidegger nos diz
Eacute do verbo bdquowesen‟ viger que proveacutem o substantivo vigecircncia Wesen
essecircncia em sentido verbal de vigecircncia eacute o mesmo que bdquowaumlhren‟ durar () Goethe chegou a usar no lugar de bdquofortwaumlhren‟ perdurar a palavra misteriosa bdquofortgewaumlhren‟ continuar a conceder Sua escuta
ouve nessa palavra uma harmonia impliacutecita de continuidade entre
bdquowaumlhren‟ durar e bdquogewaumlhren‟ conceder46
Como um carvalho que diante do perigo ao crescer fortifica suas raiacutezes
nas profundezas da Terra ldquocrescer significa abrir-se agrave amplitude do ceacuteu e ao
mesmo tempo estar arraigado na obscuridade da Terrardquo47
pois satildeo as raiacutezes
que salvam Estas como fontes doadoras de alimento recebem da Matildee Terra
multinutriz a forccedila de salvaguardar o caminho a forccedila de sustentaccedilatildeo e de
contra-posiccedilatildeo ao perigo da crise que ameaccedila ldquoEm silecircncio e em seu tempordquo
se apresenta outra possibilidade Juntamente com as palavras do poeta outras
palavras satildeo ditas ldquomas eacute poeticamente que o homem habita esta Terrardquo
Como podemos sustentar as palavras do poeta se eacute exatamente o perigo do
pensar loacutegico calculador cientiacutefico que ameaccedila o homem Se o agir desse
homem reflete o seu pensar ou sua fuga de pensar logo eacute cientificamente que
este constroacutei suas casas que este trabalha e que se coloca no mundo Se o
que lhe rege eacute a com-posiccedilatildeo o explorar e a dis-posiccedilatildeo Heidegger diz
45
A questatildeo da teacutecnica p31 46
Idem p 33 47
HEIDEGGER Martin O caminho do campo In La prensa Traduccedilatildeo pessoal a partir da
traduccedilatildeo espanhola de Sobine Langenheim e Abel Posse 1976 p 2
42
A composiccedilatildeo eacute um modo destinado de desencobrimento a saber o des-cobrimento da exploraccedilatildeo e do desafio Um e outro modo
destinado eacute o desencobrimento da pro-duccedilatildeo da ποίεζης Esses modos natildeo satildeo poreacutem espeacutecies que justapostas fossem subsumidas no conceito de desencobrimento O desencobrimento eacute o
destino que cada vez de cofre e inexplicavelmente para o pensamento se parte ora num des-encobrir-se pro-dutor ora num
des-encobri-se ex-plorador e assim se reparte ao homem48
Eacute o misteacuterio que rege essa proximidade e esse repartir Estar atento a
este misteacuterio eacute o grande passo no sentido da superaccedilatildeo da ameaccedila Eacute o passo
capaz de impulsionar o salto mortal no abismo Eacute este misteacuterio que concede
Sem ele natildeo a arvore que se sustente que dure e para viger eacute preciso durar
ldquoSomente dura aquilo que foi concedido Dura o que se concede e doa com
forccedila inaugural a partir das origensrdquo49
Em um ensaio acerca da essecircncia da
poesia (Houmllderlin e a essecircncia da poesia) Heidegger se deteacutem em algumas
palavras de Houmllderlin dentre elas a seguinte ldquoMas o que dura instauram os
poetasrdquo O que dura eacute instaurado pelos poetas Ao falar do teacutecnico e de sua
essecircncia constantemente surge o poeacutetico Como podemos nos perder nesses
dois modos de pensar tatildeo distintos Ou seraacute que a rota de duas estrelas que
passam ao longe uma da outra guarda em si uma vizinhanccedila essencial
Escutemos estas palavras de Heidegger antes de continuarmos nosso
caminhar
Outrora natildeo apenas a teacutecnica trazia o nome de ηέτλε
Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε o desencobrimento que levava a verdade a fulgurar em seu proacuteprio brilho Outrora chamava-se tambeacutem de ηέτλε a pro-duccedilatildeo da verdade na
beleza Τέτλε designava tambeacutem a ποίεζης das belas-artes50
Seraacute que na arte poderemos encontrar o caminho do que salva Se o
perigo que ameaccedila diz respeito ao modo de des-velar do real ou seja diz
respeito a verdade pode a arte estando em sua essecircncia relacionada com o
belo dizer algo sobre esta Ou o que se daacute eacute o contraacuterio a essecircncia da arte
estaacute mais proacutexima da verdade como ἀιήζεiα do que do belo ldquoA essecircncia da
arte seria esta o pocircr-se em obra da verdade do sendo mas ateacute agora a arte soacute
48
A questatildeo da teacutecnica p 32 49
Idem p 34 50
Idem p 36
43
tinha a ver com o belo e a beleza e natildeo com a verdaderdquo51
ldquoEacute o poeacutetico que leva
a verdade ao esplendor superlativo () O poeacutetico atravessa com seu vigor
toda arte todo desencobrimento que vige na belezardquo52
A arte se apresenta
aqui relacionada com a verdade Aqui o que estaacute sendo dito se daacute na forma
de indicaccedilatildeo de uma mudanccedila no sentido do caminho
Seraacute entatildeo que a arte eacute a possibilidade que silenciosamente cresce na
Terra para a salvaccedilatildeo da ameaccedila que se consuma na crise aqui indicada
Deixemos Heidegger nos perguntar o mesmo
Seraacute que as belas-artes satildeo convocadas ao des-encobrir poeacutetico Seraacute que o desencobrimento haacute de reivindicaacute-las mais
originariamente para que fomentem por sua parte o crescimento do que salva para que despertem e instaurem em nova forma a visatildeo e
a confianccedila no que se concede e outorga Ningueacutem poderaacute saber se estaacute reservada agrave arte a suprema
possibilidade de sua essecircncia no meio do perigo extremo53
Se natildeo podemos saber se eacute na arte que se reserva a possibilidade do
que salva deveremos ainda nos encaminhar nessa arriscada aventura que eacute a
da busca por sua essecircncia ldquoEncaminhar na direccedilatildeo do que eacute digno de ser
questionado natildeo eacute uma aventura mas um retorno ao larrdquo ldquoAinda natildeo
pensamos o sentido quando estamos apenas na consciecircncia Pensar o sentido
eacute muito mais Eacute a serenidade em face do que eacute digno de ser questionadordquo54
Como os pensadores e poetas serenamente nos arriscaremos nessa vereda
Nos arriscaremos no sentido de termos em vista que no fim dessa nova
caminhada possamos nos deparar diante uma aporia Buscamos a essecircncia da
teacutecnica para abrir nossa presenccedila a um livre relacionamento com sua essecircncia
Esta se apresenta como um modo de des-velamento o explorador que potildee
tudo como dis-posiccedilatildeo a uma com-posiccedilatildeo Essa busca nos levou por fim agrave
questatildeo da arte Diz Heidegger
Natildeo sendo nada de teacutecnico a essecircncia da teacutecnica a consideraccedilatildeo essencial do sentido da teacutecnica e a discussatildeo decisiva com ela tecircm de dar-se no espaccedilo que de um lado seja consanguiacuteneo da essecircncia
da teacutecnica e de outro lado lhe seja fundamentalmente estranho
51
A origem da obra de arte p 87 52
A questatildeo da teacutecnica p 37 53
Ibidem 54
Ciecircncia e pensamento do sentido p 58
44
A arte nos proporciona um espaccedilo assim Mas somente se a consideraccedilatildeo do sentido da arte natildeo se fechar agrave constelaccedilatildeo da
verdade que noacutes estamos a questionar55
Nossas consideraccedilotildees acerca da teacutecnica apontaram para a ποίεζης
poiacuteesis como um modo de des-velar de verdade como a essecircncia da teacutecnica
grega e para a Ge-stell com-posiccedilatildeo tambeacutem como um modo de verdade
como a essecircncia da teacutecnica moderna Ambas seriam modos de verdade de
des-velamento Assim a essecircncia da teacutecnica se apresentou como verdade
Poreacutem a razatildeo de que em um dado momento se apresenta como des-
velamento e em outro se apresenta de um outro modo para noacutes permanece
um misteacuterio O misteacuterio se instaurou Esse mesmo que oculto em sua
essecircncia clareou agrave noacutes a possibilidade de um outro caminho O outro como
diferenccedila se apresentou como inaugural diante a identidade a habitual do
mesmo A arte tem em seu nascimento a aproximaccedilatildeo com a teacutecnica eacute-lhe
consanguiacutenea Houmllderlin pensando com Heraacuteclito escreve em seu Hipeacuterion ldquoA
palavra grandiosa ἔλ δηαθέρολ ἑασηῶη de Heraacuteclito soacute poderia ser encontrada
por um grego pois essa eacute a essecircncia da beleza e antes de encontraacute-la natildeo
havia filosofia algumardquo56
pois para ele a beleza eacute o ser e para Heraacuteclito o ser eacute
esse ldquoἔλ δηαθέρολ ἑασηῶηrdquo o uno em si mesmo diverso Heraacuteclito e Houmllderlin
satildeo enquanto pensador e poeta constantemente considerados por Heidegger
O poeacutetico aqui eacute relacionado para aleacutem do belo diz acerca do ser e da
verdade eacute o ηό ἐθθαλέζηαηολ de Platatildeo que sai a brilhar de forma superlativa
Constantemente somos levados a pensar a arte em consideraccedilatildeo com a
verdade
Investigaremos a arte na busca da sua essecircncia considerando
continuamente a questatildeo da verdade Contudo como foi dito a questatildeo da
verdade e a questatildeo do ser no pensamento heideggeriano andam de matildeos
dadas Assim como se deu nesse percurso a seguir re-colocaremos a questatildeo
do ser e da verdade Soacute assim seremos capazes de dizer algo a respeito da
arte se tem ela a medranccedila do que salva se ela nos indica ainda outra
possibilidade outro caminho ou se por fim devemos abandonar
definitivamente essa busca de um pensar em confronto agrave crise
55
A essecircncia da teacutecnica p 37 56
HOacuteLDERLIN Friedrich Hipeacuterion ou o eremita na Greacutecia Trad br Maacutercia de Saacute Cavalcante
Rio de Janeiro Vozes 1993 p 99
45
32 O originaacuterio da obra de arte O pocircr-em-obra da verdade
Nos passos anteriores vimos como Heidegger passou da questatildeo da
teacutecnica entendida em sua essecircncia como um des-encobrimento agrave questatildeo da
arte tambeacutem como um saber que des-encobre Em sua origem grega ambos
eram pensados pela palavra ηέθλε Teacutecne foi pensada desde Homero como
um saber Arte e saber pertenciam a um mesmo acircmbito Um saber que permitia
ao ser ao divino o seu advento ao que era por si proacuteprio Arte era um saber
um modo de verdade α-ιήζεηα poreacutem mesmo ao pensar grego esta relaccedilatildeo
entre arte e verdade se deu apenas extrinsecamente Sua relaccedilatildeo mais iacutentima
se mostrou desde o comeccedilo da tradiccedilatildeo com a questatildeo do belo passando por
toda a tradiccedilatildeo com este mesmo sentido mesmo que de diferente modo em
cada etapa do desenvolvimento do pensar Arte e belo e natildeo arte e verdade
era a relaccedilatildeo que se mantinha Soacute em Heidegger segundo o proacuteprio pensador
essa relaccedilatildeo passa ao seu vigor essencial Pois soacute neste filoacutesofo a verdade eacute
pensada como α-ιήζεηα des-encobrimento Soacute nele ela eacute pensada em sua
profundidade essencial pois mesmo ali no pensar grego essa essecircncia da α-
ιήζεηα se deu de forma oculta57
O olhar da ciecircncia esteacutetica surgido na modernidade ao artiacutestico ao
poeacutetico era um olhar sob impeacuterio da loacutegica Este olhar pensou desde seu
nascimento a arte em relaccedilatildeo ao belo ao gosto aos sentidos A mudanccedila de
paradigma que se deu com o pensar vigoroso de Heidegger em relaccedilatildeo ao
ser exigia outra linguagem uma nova forma de se pocircr diante do artiacutestico A
loacutegica como vimos anteriormente natildeo abarcava mais este pensar do ser pois
natildeo sendo mais ente o ser natildeo cabia mais no domiacutenio de seus objetos A
loacutegica seria aquela que sabe dos entes e nada mais A arte como um saber
que permitiria o advir do destinado passou a dizer a respeito do ser Para a
57
Cf HEIDEGGER Martin Parmecircnides Trad br Seacutergio Maacuterio Wrublevski Petroacutepolis Editora
Vozes 2008 P 29
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo
Manoel de Barros Menino do mato
46
loacutegica tratar do brotar de um natildeo-adveniente ao vigente do natildeo-ente sem
tornaacute-lo ente natildeo era uma possibilidade e pensar o natildeo-ente como um ente era
entrar em contradiccedilatildeo ferindo o fundamento supremo o princiacutepio da
contradiccedilatildeo Uma desconstruccedilatildeo torna-se necessaacuteria
O que em Ser e tempo se apresentou como a destruiccedilatildeo Destruktion da
ldquohistoacuteria da ontologiardquo58
e com ela como o ldquoenrijecimento de uma tradiccedilatildeo
petrificadardquo ou seja da tradiccedilatildeo loacutegicametafiacutesica eacute na verdade uma
desconstruccedilatildeo59
Esta desconstruccedilatildeo da histoacuteria da ontologia que em outros
momentos eacute chamada de superaccedilatildeo da metafiacutesica eacute uma superaccedilatildeo da
linguagem e do pensar loacutegico Uma histoacuteria que chega a sua consumaccedilatildeo com
o nascimento da Esteacutetica da loacutegica do sensitivo Assim a desconstruccedilatildeo da
Metafiacutesica na tradiccedilatildeo seraacute entendida como a histoacuteria da ontologia cujo
momento final seraacute a desconstruccedilatildeo da histoacuteria da Aesthetica
O meacutetodo indicado por Heidegger em Ser e tempo eacute o meacutetodo
Fenomenoloacutegico Em um certo sentido em consonacircncia com o que defendia
Husserl como um deixar-que apareccedila o que adveacutem da fonte o que adveacutem de
si mesmo Como Heidegger observa
O meacutetodo de tratar essa questatildeo eacute fenomenoloacutegico Isso poreacutem natildeo
significa que o tratado prescreva bdquoum ponto de vista‟ ou uma bdquocorrente‟ () fenomenologia diz entatildeo ἀποθαίωεζζαη ηὰ θαηλόκελα
ndash deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a partir de si mesmo Eacute este o sentido formal da pesquisa que
traz o nome de fenomenologia Com isso poreacutem natildeo se faz outra coisa do que exprimir a maacutexima formulada anteriormente ndash bdquopara as coisas elas mesmas‟
60
Em seu ensaio A origem da obra de arte Heidegger lanccedila um profundo
e cuidadoso olhar ao acontecer da arte natildeo mais um olhar esteacutetico ou loacutegico
que se manteacutem na superficialidade do fundamento do fundo mas um olhar
permissivo esse olhar fenomenoloacutegico Potildee-se a pensar como uma escuta e
natildeo mais a refletir e buscar conclusotildees Qual o originaacuterio (Ursprung) da obra de
arte Aqui antes de adentrarmos os passos seguintes re-coloquemos a
58
Ser e tempo sect 6 59
Conferir o estudo de Stein acerca da questatildeo da desconstruccedilatildeo da metafiacutesica STEIN Ernildo Diferenccedila e metafiacutesica ensaios sobre a desconstruccedilatildeo Ijuiacute UNIJUIacute 2008 60
Ser e tempo pp66- 74
47
questatildeo do termo Ursprung que estaacute no tiacutetulo do ensaio heideggeriano
Traduzindo para o portuguecircs a palavra alematilde Ursprung pode-se tanto dizer (a)
origem como por meio de substantivaccedilatildeo (o) originaacuterio Ao decompormos Ur-
sprung temos o prefixo Ur primordial e a palavra Sprung advida do verbo
springen saltar Eacute como um bdquosalto fundador‟ como um bdquofazer eclodir‟ como
podemos ler em seu ensaio que Heidegger pensa esta expressatildeo61
Ao
traduzir-se por origem somos levados a pensar em algo pontual em um iniacutecio
temporal e espacial um fundo alicerce sobre o qual possamos construir o
nosso edifiacutecio Como origem somos remetidos de volta para o interior da
tradiccedilatildeo metafiacutesica da loacutegica e seu pensar dominante Origem eacute fundamento
eacute chatildeo conceito E o que eacute do acircmbito do pensar acircmbito no qual Heidegger
busca re-instaurar eacute o do abismo (Abgrund) do sem chatildeo Eacute aquele poccedilo no
qual o pensador ao levar o seu pensar ao misteacuterio da fonte principial (Anfang)
cai em seu caminhar
Com origem com solo alicerce se constroacutei impeacuterio Eacute levar com
seriedade o des-envolvimento o progresso do saber Eacute caminhar sempre para
frente em linha reta eacute o reto pensar ὀρζόηες ortoacutetes bdquoretidatildeo do olhar‟ Eacute
seguir como trem comeacutercio induacutestria poder eacute dar resposta eacute uma re-
afirmaccedilatildeo da tradiccedilatildeo Em originaacuterio algo outro se passa Cai-se em um poccedilo
para dentro do que estava apenas na superfiacutecie Cai-se em ἀπορία Sendo
pelo ldquoentendimento escolado da loacutegicardquo62
motivo de riso pois sem chatildeo natildeo se
vai a lugar nenhum natildeo se responde nada Esse ldquocair no poccedilordquo que sempre foi
ldquomotivo de risordquo ldquonatildeo levando a lugar nenhumrdquo eacute o que Heidegger chama a
tarefa do pensar Eacute ldquoao menos uma vez chegar ao lugar em que jaacute estamosrdquo63
Eacute a abertura ao misteacuterio oculto da fenda do ser Caindo nas aacuteguas de um rio eacute
permitir-se ser levado ao destino caminhando com o fluxo do que adveacutem da
fonte principial
61
A origem da obra de arte p 199 Aleacutem do dito pelo proacuteprio filoacutesofo conferir a nota de traduccedilatildeo de Idalina acerca da expressatildeo Ursprung em sua traduccedilatildeo ao ensaio citado pp 224-
228 62
A linguagem p 8 63
Idem
48
Eacute neste sentido como originaacuterio que lemos a palavra Ursprung Daiacute o
tiacutetulo do ensaio ser tambeacutem pensado como O originaacuterio da obra de arte64
Perguntar pelo originaacuterio da obra de arte eacute perguntar pela proveniecircncia de sua
essecircncia Esta essecircncia natildeo seria aquela pensada como solo como a essentia
da tradiccedilatildeo metafiacutesica mas como abertura sem fundo como Abgrund aquele
aberto que recebe o proveniente do misteacuterio do ser Segundo a opiniatildeo
corrente a proveniecircncia da obra de arte eacute a atividade do artista mas o que diz
se um artista eacute um artista eacute a sua obra de arte
O artista eacute a origem da obra A obra eacute a origem do artista Nenhum eacute sem o outro Do mesmo modo nenhum dos dois porta sozinho o
outro Artista e obra satildeo em-si e em sua muacutetua referecircncia atraveacutes de um terceiro que eacute o primeiro ou seja atraveacutes daquilo a partir de onde artista e obra de arte tecircm seu nome atraveacutes da arte
65
A pergunta pela obra de arte eacute encaminhada a pergunta pela arte
mesma Qual a essecircncia da arte para que ela possa ser originaacuteria de algo
Heidegger inicia sua busca por essa essecircncia pelo que foi dito na tradiccedilatildeo
Buscaraacute sua essecircncia a partir de sua realidade efetiva Procurando sua
essecircncia na obra de arte existente A obra de arte eacute uma coisa como as
demais Eacute uma coisa como a pedra e tambeacutem como o utensiacutelio sapato Poreacutem
a obra de arte eacute uma coisa acrescida de algo mais algo de mais elevado que
uma mera coisa Eacute algo de produzido pelo homem mas os instrumentos os
utensiacutelios como a panela o martelo o carro tambeacutem satildeo coisas produzidas
pelas matildeos do homem Mas obra de arte eacute tambeacutem mais elevada que o
utensiacutelio pois aleacutem se ser uma coisa produzida ela nos diz algo de outro Ela eacute
alegoria eacute siacutembolo
A obra de arte aleacutem do caraacuteter de coisa eacute ainda um outro algo Este outro algo que estaacute nela constitui o artiacutestico () Alegoria e siacutembolo
fornecem o enquadramento representacional em cuja perspectiva desde haacute muito tempo se move a caracterizaccedilatildeo da obra de arte
66
64
A origem da obra de arte p 225 65
Idem p 37 66
Idem p43
49
Na busca pela essecircncia da arte a partir de sua realidade efetiva nos
deparamos com a coisa e com o utensiacutelio Sendo antes de tudo uma coisa
desvia-se o caminho da essecircncia da arte para o da essecircncia do que seja uma
coisa da coisidade da coisa Assim observa-se se a arte eacute uma coisa
acrescida de algo mais ou se eacute algo de outro A pergunta torna-se entatildeo Qual
a essecircncia da coisa Seguindo o fio condutor da investigaccedilatildeo da tradiccedilatildeo
filosoacutefica acerca da coisa Heidegger nos indica trecircs principais definiccedilotildees A
coisa eacute i) ldquoA substacircncia com os seus acidentesrdquo67
ii) ldquoA unidade de uma
multiplicidade dada nos sentidosrdquo68
e iii) ldquoa coisa eacute uma mateacuteria enformadardquo69
Esse eacute o esquema conceitual da esteacutetica desde seus primeiros acenos Das
definiccedilotildees citadas a terceira mateacuteria enformada eacute a que mais se adequa a
esse esquema conceitual
A distinccedilatildeo entre mateacuteria e forma eacute e na verdade nas mais diferentes variedades pura e simplesmente o esquema conceitual usado em todas as teorias da arte e da Esteacutetica () Quando se liga a forma
ao racional e a mateacuteria ao irracional considera-se o racional como o loacutegico e o irracional como o iloacutegico e quando se acopla ao par conceitual forma-mateacuteria ainda a relaccedilatildeo sujeito-objeto entatildeo o
representar dispotildee de uma mecacircnica conceitual agrave qual nada se pode opor
70
Para Heidegger esta definiccedilatildeo da coisidade da coisa poreacutem natildeo se
aplica apenas para as meras coisas Um par de sapatos e um quadro de van
Gogh satildeo tambeacutem mateacuteria enformada Uma pedra possui uma mateacuteria em uma
determinada forma contudo aiacute a forma eacute apenas uma mera distribuiccedilatildeo
espacial de um determinado conteuacutedo Jaacute no par de sapatos a forma eacute de tal
modo fundamental por conta de sua utilidade que influencia ateacute na escolha do
material a ser usado no momento de sua produccedilatildeo Flexiacutevel e macia para uma
roupa resistente e dura para um martelo e assim se daacute com os outros
utensiacutelios Pensando assim Heidegger aponta para o produzido para este algo
uacutetil proacuteximo ao dia a dia do homem que vem primeiramente para esta
definiccedilatildeo de mateacuteria-forma e daiacute passa a coisidade da coisa O homem
67
Idem p 53 68
Idem p 59 69
Idem p 61 70
Idem p 63
50
transfere do utensiacutelio para a coisa a sua definiccedilatildeo e isto por meio do esquema
esteacutetico e sua relaccedilatildeo com a arte e os artefatos
Por conseguinte mateacuteria e forma enquanto determinaccedilotildees do sendo satildeo naturais agrave essecircncia do utensiacutelio Propriamente este nome
nomeia o elaborado em vista de sua utilidade e uso Mateacuteria e forma natildeo satildeo de modo algum determinaccedilotildees originaacuterias da coisidade da proacutepria coisa
71
Somos assim novamente enviados a outro acircmbito A busca pela
essecircncia da coisa nos levou a questatildeo do utensiacutelio Qual a sua essecircncia O
que lhe difere da mera coisa lhe pondo a meio caminho entre coisa e arte Ou
seraacute o utensiacutelio ainda algo outro Com estas indagaccedilotildees chegamos com
Heidegger ao produzido em vista de uma utilidade o utensiacutelio tem na serventia
o traccedilo fundamental a partir do qual este sendo nos olha Eles satildeo tatildeo
melhores quanto menos pensarmos neles em sua constituiccedilatildeo em sua forma
ou mateacuteria Seja o sapato ou o martelo eacute na serventia que se encontra o seu
valor e natildeo em sua constituiccedilatildeo Portanto como Heidegger nos diz na
confiabilidade da serventia ela se torna uacutetil Quando apenas usamos o
utensiacutelio por conta da confiabilidade a ele cedida sua essecircncia nunca nos
chega como o que este utensiacutelio eacute No contato diaacuterio e habitual com o utensiacutelio
sua essecircncia natildeo se apresenta junto agrave relaccedilatildeo que ele que manteacutem
Para Heidegger um homem diante de um quadro de Van Gogh onde
figura um par de sapatos pintados e nada mais ao pensar algo de outro
acontece
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos trilhados olha firmemente No peso denso e firme dos sapatos se
acumula a tenacidade do lento caminhar atraveacutes dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo sobre qual sopra continuo um vento aacutespero No couro estaacute a umidade e a fartura do solo Sob as
solas insinua-se a solidatildeo do caminho do campo em meio agrave noite que vem caindo Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra sua calma
doaccedilatildeo do gratildeo amadurecente e o natildeo esclarecido recusar-se do ermo terreno natildeo-cultivado do campo invernal Atraveacutes do utensiacutelio perpassa a afliccedilatildeo sem queixa pela certeza do patildeo a alegria sem
palavras da renovada superaccedilatildeo da necessidade o temor diante do anuacutencio do nascimento e o calafrio diante da ameaccedila da morte Agrave
Terra pertence este utensiacutelio e no Mundo da camponesa estaacute ele
71
Idem p 67
51
abrigado A partir deste pertencer que abriga o proacuteprio utensiacutelio surge para seu repousar-em-si
72
A obra de arte trouxe ao desvelado aquilo que o utensiacutelio enquanto um
sendo eacute Natildeo poreacutem da forma habitual como mera serventia como
confiabilidade A obra inaugura Terra e Mundo Terra como aquilo de onde
este sendo proveacutem e mundo como o aberto do qual aquele sendo faz parte A
obra de arte potildee-em-obra a verdade do sendo do ente Eacute como um pocircr-em-
obra da verdade que Heidegger pensa a essecircncia da arte Por meio da arte
cada sendo vem a vigecircncia de forma extra-ordinaacuteria como um sendo um ente
que irrompe do seu ser Brota pela abertura que acontece na arte da Terra ao
Mundo Esse pocircr-se-em-obra da verdade eacute ποίεζης poiacuteesis Este pocircr
enquanto obra adveniente do ser eacute pensado como um deixar-que atraveacutes da
escuta cuidadosa ao misteacuterio do ser brote do fechado da Terra ao desvelado
do Mundo
Terra e Mundo satildeo palavras-chave para a compreensatildeo do pensar
heideggeriano acerca da arte Terra natildeo eacute o conjunto maciccedilo de areia ou um
planeta Como Γε Gaia Terra os gregos natildeo diziam nada disso Terra tambeacutem
natildeo eacute simplesmente o fechado o velado em oposiccedilatildeo ao Mundo como o
aberto o desvelado Terra como aquela que abriga natildeo pode ser um riacutegido
fechar-se em si eacute de uma forma completamente diferente um res-guardar-se
que acolhe que nutre Ela eacute Gaia Matildee ldquode amplo seio de todos sede
irresvalaacutevel semprerdquo73
ldquomulti-nutrizrdquo74
Eacute entatildeo proteccedilatildeo e natildeo simplesmente
dissimulaccedilatildeo Terra eacute o misteacuterio cuidadoso do essencial Assim tambeacutem Mundo
natildeo eacute apenas o aberto Eacute no Mundo que vige ldquoas decisotildees mais essenciais de
nossa histoacuteriardquo75
Mundo eacute para onde o ser se destina natildeo como um espaccedilo
um lugar mas como acircmbito do acontecimento Eacute a morada do vigente Mundo
eacute sempre o inobjetaacutevel
72
Idem p81 73
Teogonia p 91 74
Podemos ver em muitas passagens da Iacuteliada assim como da Odisseia Homero se referindo agrave Γε Gaia Terra como a Matildee multi-nutriz 75
Origem da obra de arte p 109
52
Eacute na disputa entre Terra e Mundo que se daacute o ldquoacontecer poeacutetico-
aproprianterdquo (Ereignis) como Heidegger passou a chamar o acontecimento do
ser
Para onde a obra se retira e o que ela deixa surgir nesse retirar-se noacutes denominamos Terra Ela eacute a que faz surgir e que abriga A Terra
eacute a que natildeo sendo forccedilada a nada eacute sem esforccedilo e infatigaacutevel Sobre a Terra e nela o homem histoacuterico funda o seu morar no Mundo No
que a obra instala um Mundo ela elabora a Terra76
Arte eacute entatildeo abertura Enquanto no utensiacutelio haacute um gastar-se com o uso
com sua serventia na obra de arte enquanto a disputa originaacuteria de Terra e
Mundo se manteacutem em seu vigor enquanto permanece como obra daacute-se
abertura O artista natildeo gasta a tinta ao criar um quadro como gasta o pintor no
seu trabalho de pintar um muro de uma casa Na pintura criadora do artista eacute
que as cores vecircm a ser as cores que satildeo O verde vem na arvore pintada a
ser o verde da natureza o azul revela o ceacuteu Jaacute no utensiacutelio a lata de tinta eacute
tanto melhor quanto mais some ao ser usada como revestimento Na obra de
arte haacute um permanecer uma instauraccedilatildeo Eacute na poesia que a palavra chega ao
dizer na muacutesica que o som chega ao soar na escultura que a pedra chega ao
resistir
Na obra de arte daacute-se essa clareira na arte daacute-se o acontecimento
como obra da verdade A verdade eacute posta em obra Aqui uma pergunta se potildee
como necessaacuteria o que eacute a verdade para que possamos dizer que ela eacute pela
obra de arte posta em obra Re-coloquemos entatildeo a questatildeo da verdade que
no primeiro capiacutetulo apenas indicamos para que esta advenha em seu sentido
mais profundo Ou seja pensemos um pouco mais acerca da verdade para
adentrarmos de forma mais cuidadosa na vereda do pensar heideggeriano
Pensar verdade α-ιήζεηα como des-encobrimento nos remete a outro
acircmbito do pensar Um acircmbito do ainda-natildeo da adveniecircncia Somos
transpostos da rigidez conceitual do definido do dado agrave fluidez do vir-a-ser da
abertura do misteacuterio Ao pensar a verdade como o desvelado o velado passa
a se mostrar como mais originaacuterio como fonte originaacuteria deste desvelado
Mostra-se como mais essencial Este velado pode entatildeo ser pensado como o
76
Idem p115
53
natildeo-desvelado como a natildeo-verdade Sendo mais essencial importa a noacutes
mais essa natildeo-verdade do que a verdade Eacute assim que Heidegger no ensaio A
essecircncia da verdade faz a virada da questatildeo da verdade para a natildeo-verdade
De uma busca pela verdade somos transpostos a uma busca pela natildeo-
verdade
Poreacutem para Heidegger essa passagem da verdade para a natildeo-
verdade natildeo deve ser pensada pura e simplesmente como uma inversatildeo mas
como abertura de outro acircmbito do pensamento Pensar a verdade como a natildeo-
verdade achando com isso estar saindo do acircmbito do definido do dado da
identidade para o acircmbito do indefinido da diferenccedila seria um equiacutevoco
Tomar simplesmente a natildeo-verdade por verdade eacute apenas outro acircmbito da
rigidez do conceito Heidegger nos propotildee em seus ensaios uma mudanccedila no
acircmbito do pensamento natildeo uma mera inversatildeo mas algo de outro Esse
acircmbito por ele proposto mais originaacuterio e mais profundo natildeo pode ser
atingido com a operaccedilatildeo loacutegica da inversatildeo e suas enunciaccedilotildees predicativas
Soacute um pensamento como abertura um pensamento do sentido e natildeo mais um
meramente conceitual pode adentrar essa profundidade Soacute assim pode-se
pretender um avizinhar ao ser Verdade eacute pensada como clareira Natildeo sendo
nem o aberto desvelado nem o fechado velado mas sim abertura
possibilidade de adveniecircncia de acontecimento poeacutetico-apropriativo Assim
diria Heidegger acerca da clareira
Um tal aparecer acontece necessariamente em uma certa claridade Somente atraveacutes dela pode mostrar-se aquilo que aparece isto eacute brilha A claridade por sua vez poreacutem repousa numa dimensatildeo de
abertura e de liberdade que aqui e acolaacute de vez em quando pode clarear-se A claridade acontece no aberto e aiacute luta com a sombra
() Somente esta abertura garante tambeacutem agrave marcha do pensamento especulativo sua passagem atraveacutes daquilo que pensa
Designamos esta abertura que garante a possibilidade de um aparecer e de um mostrar-se com a clareira (die Lichtung)
77
Outra questatildeo referente agrave verdade que aqui seraacute de crucial importacircncia
eacute a da verdade como erracircncia O homem enquanto um ente no Mundo que
caminha pelo aberto eacute um jogado na erracircncia do Mundo O homem se
77
O fim da filosofia e a tarefa do pensamento p 102
54
relaciona insistentemente com os entes com o aberto Neste relacionar-se com
o dado o homem afasta-se do misteacuterio Afastando-se assim do essencial do
ser do misteacuterio originaacuterio daacute-se o errar ldquoEste vaiveacutem do homem no qual ele
se afasta do misteacuterio e se dirige para a realidade corrente sai de um objeto da
vida cotidiana para outro desviando-se do misteacuterio ele eacute o errar78
rdquo O homem
um ek-sistente um lanccedilado para fora de si no mundo insistentemente Com
isso eacute o homem des-guardado no aiacute do aberto Como errante ele eacute lanccedilado
para fora no aberto do cotidiano e se relaciona com os outros entes com o
Mundo Diz Heidegger
O homem erra O homem natildeo cai na erracircncia em um momento dado
() erracircncia se revela como o espaccedilo aberto para tudo que se opotildee agrave verdade essencial () aquilo que o haacutebito e as doutrinas filosoacuteficas chamam de erro isto eacute a natildeo-conformidade do juiacutezo e a falsidade do
conhecimento eacute apenas um modo e ainda o mais superficial de errar () A erracircncia domina o homem enquanto o leva a se desgarrar Pelo
desgarramento poreacutem a erracircncia tambeacutem contribui para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistecircncia e que
consiste em natildeo se deixar levar pelo desgarramento O homem natildeo sucumbe no desgarramento se ele mesmo eacute capaz de provar a erracircncia enquanto tal e de natildeo desconhecer o misteacuterio do ser-aiacute
79
Eacute da essecircncia do homem enquanto ek-sistente a erracircncia Tanto mais
errante como tambeacutem mais aberto ao misteacuterio do ser mais homem ele eacute
Provando da erracircncia corre o homem o risco de aiacute perder-se no
desgarramento Evitando esta erracircncia nega ele sua essecircncia Eacute necessaacuterio
entatildeo um enfrentamento onde o homem como o que se arrisca mais ponha-
se diante dessa possibilidade de perder-se Eacute soacute na peossibilidade de perder-
se que pode este se encontrar Assim para Heidegger o homem arrisca-se na
erracircncia com a constante abertura ao misteacuterio mas o misteacuterio eacute aquele que se
potildee em fuga diante de toda investigaccedilatildeo Daiacuteo pensar para Heidegger que se
pretende aberto ao misteacuterio natildeo poder ser do tipo investigativo do tipo que
forccedila abertura que rasga Pois no oculto do misteacuterio eacute como se estiveacutessemos
em matildeos uma pedra e quebrando-a ao meio quiseacutessemos saber o que haacute em
seu interior Ao quebrar o dentro se potildee em fuga ocultando-se dentro dos dois
pedaccedilos resultantes da quebra Nessa quebra violenta soacute nos deparamos com
o fora o superficial o sempre aberto O interior sempre se resguarda Assim eacute
78
A essecircncia da verdade p208 79
Idem p 209
55
o misteacuterio Quanto mais forccedilamos sua adveniecircncia mais em fuga ele se potildee
Na arte natildeo haacute um forccedilar abertura mas um permitir um aguardar paciente
Diante esse ser que se resguarda no misteacuterio ora doando-se ora
pondo-se em fuga poetas e pensadores como guardiatildees desse saber que
abre satildeo os caminhantes desse Holzwege Caminho de Floresta dessa
vereda deste terceiro caminho que Parmecircnides em seu poema Da Natureza
indica como aquele descaminho que leva ao nada ao que se potildee em fuga Eacute
nessa vereda nesse Αηραπός nesse caminho de floresta que se daacute o
avizinhanccedilar-se do ser Para adentrar em tal vereda contudo eacute necessaacuterio
arriscar-se frente agrave possibilidade de perder-se no caminhar de cair em um
poccedilo Soacute aiacute eacute possiacutevel avizinhaccedilar-se da fonte principial Poetas e pensadores
satildeo capazes de nomear nesse calar-se Sua linguagem eacute silenciosa Qual o
modo desse silecircncio De que modo eacute o dizer da arte um dizer silencioso Satildeo
nessas questotildees que nos deteremos nos passos seguintes
33 Pensamento poeacutetico Um dizer silencioso
Vimos que a essecircncia da arte em Heidegger se apresentou como um
pocircr-em-obra o acontecimento da verdade onde essa verdade eacute pensada como
clareira abertura A arte potildee-em-obra a verdade do ente Enquanto obra a arte
eacute abertura eacute adveniecircncia do ser ao ente do que eacute para o que estaacute sendo do
natildeo-vigente agrave vigecircncia Poderia ser dito poreacutem com a possibilidade de maacutes
interpretaccedilotildees o que nos adverte o proacuteprio filoacutesofo80
que a arte eacute uma
passagem do nada ao ente Este nada natildeo deve ser aqui pensado como o
nada do niilismo O nada aqui eacute pensado como o natildeo-ente o natildeo-presente
que apesar de natildeo ser um ente eacute sua fonte principial eacute originaacuterio Ser e nada
80
Α origem da obra de arte pp 181-183
ldquoEscrever o que natildeo acontece eacute tarefa da
poesiardquo Manoel de Barros Menino do mato
ldquoSobre o que natildeo se pode calar devemos
silenciarrdquo Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-Philosophicus
56
se pensados com cuidado de natildeo os identificar diretamente podem ser
pensados juntos em sua proximidade
E a verdade surge do nada De fato se pensado com o nada do mero natildeo sendo e se nisso o sendo eacute representado como aquele
existente habitual que depois atraveacutes do entre-permanecer da obra vem agrave luz como o que apenas pretensamente eacute o verdadeiro sendo e assim fica abalado A verdade nunca eacute colhida do existente e do
habitual Abertura do aberto e a clareira do sendo acontecem muito mais somente no que a abertura adveniente se delineia na
projeccedilatildeo81
Toda passagem do natildeo-vigente ao vigente todo brotar da θύζης (fiacutesis) eacute
ποίεζης (poiacuteesis) ou seja todo acontecimento da verdade (Ereignis) toda
abertura como clareira eacute poesia Assim tanto o desencobrimento da teacutecnica
seja ela claacutessica ou moderna como o des-encobrimento da obra-de-arte satildeo
poiacuteesis poreacutem enquanto na teacutecnica moderna o que eacute posto eacute produzido como
algo acabado como pronto no pocircr-em-obra da arte assim como na teacutecnica
claacutessica enquanto ηέτλε o que adveacutem eacute encaminhado como princiacutepio
(Anfang) como inaugural movimento
Na teacutecnica moderna o posto adveacutem por meio de uma com-posiccedilatildeo (Ge-
stell ζσλ-ζέζης) como disponibilidade Na obra de arte o que pela obra eacute
posto em obra adveacutem como disputa confronto Na forma do conceito o com-
posto eacute identitaacuterio unidade eacute ponto final Jaacute na disputa originaacuteria a cada
momento se da diferenccedila A multiplicidade de sentido que eacute dada natildeo permite
um ponto final mas sempre uma reticecircncia eacute abertura de possibilidades Nas
palavras de Heidegger
Encarada em sua essecircncia a arte eacute uma sagraccedilatildeo e um refuacutegio a saber a sagraccedilatildeo e o refuacutegio em que cada vez de maneira nova o
real presenteia o homem com o esplendor ateacute entatildeo encoberto de seu brilho a fim de que nesta claridade possa ver como maior
pureza e escutar com maior transparecircncia o apelo de sua essecircncia
Como a arte a ciecircncia tampouco eacute apenas um desempenho da
cultura do homem Eacute um modo decisivo de se apresentar tudo que eacute e estaacute sendo
82
()
Em oposiccedilatildeo a isso a ciecircncia natildeo eacute nenhum acontecer originaacuterio da
verdade mas sempre a ampliaccedilatildeo de um acircmbito de verdade jaacute aberto e de certo atraveacutes do compreender e fundamentar do que se mostra
na sua esfera como o correto possiacutevel e necessaacuterio Quando e na
81
Idem 82
Ciecircncia e pensamento do sentido p 39
57
medida em que uma ciecircncia vai mais aleacutem do correto para uma verdade isto eacute para o desencobrimento essencial do sendo como tal
entatildeo ela eacute filosofia83
Esse natildeo habitual natildeo-vigente que vem a ser pela poiacuteesis foi a muito
rechaccedilado pela tradiccedilatildeo metafiacutesica enquanto loacutegica O ser foi pensado nesta
tradiccedilatildeo como o ente e este como o vigente o presente o dado e da mesma
forma o natildeo-vigente o ausente foi pensado como o nada e seguindo o
raciociacutenio o aparente foi dado como o erro imagem como o que natildeo se
adeacutequa ao ente Nada ser (ente) e aparecircncia seriam as trecircs vias de
conhecimento a qual o homem poderia movimentar-se As trecircs vias que
segundo Parmecircnides se relacionavam com a verdade Destas trecircs vias uma
necessariamente logicamente deveria ser abandonada pois natildeo era
verdadeiramente uma via mas um αηραπός um natildeo-caminho uma vereda
Holzwege (caminho de floresta) Sendo assim natildeo levaria o homem justo a
lugar nenhum Esta vereda era a via que dizia respeito ao nada ao natildeo-ser
Falar sobre este nada seria a ruiacutena deste justo seria a ruiacutena do conhecimento
loacutegico A loacutegica do pensar reto seria desfeita nessa empreitada
Aiacute em Parmecircnides daacute-se o primeiro momento de rechaccedilamento desta
terceira possibilidade Em Aristoacuteteles aparece na expressatildeo do terceiro
excluiacutedo84
Todo ente ou eacute de certa forma ou o seu oposto Qualquer outra
possibilidade fica entatildeo excluiacuteda Pensar em uma terceira possibilidade eacute ferir o
segundo princiacutepio supremo do pensar loacutegico Podemos ver tanto no princiacutepio
da contradiccedilatildeo como no do terceiro excluiacutedo um abandono do pensar acerca
do nada A linguagem que diz respeito ao homem eacute a linguagem loacutegica Ela
proiacutebe o dizer sobre o nada Contudo mesmo que Parmecircnides e Aristoacuteteles
venham a proibir a reflexatildeo sobre o nada essa proibiccedilatildeo jaacute se apresenta como
um pensar Aiacute ouve um pensar cuidadoso temeraacuterio frente agrave vereda que seria
pensar sobre este nada Natildeo haacute ainda um abandono desta questatildeo mesmo
que com a reflexatildeo sobre ela seja isso que foi proposto Este afastamento
com o desenvolvimento da Ciecircncia da Loacutegica e da Metafiacutesica torna-se um
esquecimento O nada eacute esquecido e com ele a possibilidade de pensar o ser
83
Origem da obra de arte p 157 84
Metafiacutesica pp179-181 Γ 7 ndash 1011b 23-1012a 28
58
como essa outra possibilidade como esse natildeo-vigente Funda-se o impeacuterio da
loacutegica e do ente Eacute nos moldes desse impeacuterio que a Metafiacutesica desenvolve sua
dominaccedilatildeo a todo o pensar da tradiccedilatildeo ocidental numa ldquomecacircnica conceitualrdquo
blindada a qualquer tentativa de des-construccedilatildeo
Soacute com o desmoronamento interno deu-se iniacutecio a queda deste impeacuterio
A proacutepria reflexatildeo loacutegica sob a ameaccedila de autodestruir-se urge pela
necessidade de outra possibilidade de pensamento por outro modo de
linguagem Escuta-se como a voz de um fantasma pois haacute muito tempo
abandonado e esquecido o apelo do ser deste nada que havia sido
rechaccedilado Essa necessidade de outra linguagem eacute interna a proacutepria loacutegica ao
pensar em seus fundamentos pois na proacutepria delimitaccedilatildeo de seu objeto de
pesquisa esta se remete a algo que lhe eacute externo remete-se a esse nada
Trata a loacutegica do ente e nada mais85
e como dizem Platatildeo86
e Aristoacuteteles87
a
sabedoria a ciecircncia de algo eacute tambeacutem a ciecircncia de seu contraacuterio Quem
conhece a boa poesia eacute justamente quem conhece a maacute poesia Quem sabe o
que faz bem agrave sauacutede sabe o que natildeo lhe faz bem Quem busca o saber das
causas primeiras das coisas primeiras dos entes em si pura e simplesmente
conhece o natildeo-ente
Poreacutem acerca deste natildeo-ente neste terceiro caminho soacute o silecircncio eacute
proacuteprio Nesse sentido encontramos a defesa do pensar heideggeriano acerca
do poeacutetico Contudo para tal dizer genuinamente poeacutetico eacute preciso libertar a
linguagem da gramaacutetica assim como eacute preciso libertar a filosofia das
disciplinas acadecircmicas como eacute necessaacuterio libertar a arte das concepccedilotildees
esteacuteticas Haacute outro acircmbito da linguagem o da nomeaccedilatildeo do pocircr-vir Assim diz
Heidegger
A linguagem eacute a morada do ser Na habitaccedilatildeo da linguagem mora o
homem Os pensadores e os poetas satildeo os guardiotildees dessa morada ()Libertar a linguagem da gramaacutetica conduzindo-a para uma
85
O que eacute metafiacutesica p 115-116 86
No Ion Socrates ao interrogar Iacuteon acerca de Homero o faz dizer que aquele que conhece o que eacute bom para uma ciecircncia eacute o mesmo que conhece o que eacute mal Por exemplo eacute o meacutedico
aquele que conhece o que traz sauacutede e tambeacutem o que tira a sauacutede 87
Assim diz Aristoacuteteles ldquoA mesma ciecircncia compete o estudo dos contraacuteriosrdquo Metafiacutesica p135
Γ2 1004a 9-10
59
estrutura essencial mais originaacuteria eacute uma tarefa reservada ao pensar e poetar
88
Eacute na linguagem artiacutestica onde o embate vigoroso entre Terra e Mundo
se daacute na co-pertenccedila de ambos em tal equiliacutebrio que nenhum se sobressai
sobre o outro que se entende esse silecircncio poeacutetico Desse embate primordial
pela forccedila do que se potildee com o que se res-guarda acontece um aquietar-se
um repouso Silecircncio e repouso natildeo satildeo de forma nenhum algo como uma
ausecircncia Satildeo na verdade pura atividade Da disputa daacute-se a co-pertenccedila na
diferenccedila de ambos entre Terra e Mundo entre coisa e mundo O dizer
poeacutetico
Evoca originariamente a partir da simplicidade de um chamado
iacutentimo esse que evoca a diferenccedila sem dizecirc-la () A linguagem fala deixando vir o chamado coisa-mundo e mundo-coisa no entre da
diferenccedila ()Quieto natildeo eacute de maneira nenhuma o que natildeo soa Natildeo soar eacute somente natildeo estar na movimentaccedilatildeo de entoar e soar () A
falta de movimentaccedilatildeo eacute somente o outro lado do repouso () O repouso movimenta-se muito mais do que um movimento e tem muito mais movimentaccedilatildeo do que qualquer moccedilatildeo () quando coisa e
mundo estatildeo quietos no seu proacuteprio a diferenccedila convoca mundo e coisa para o meio de sua intimidade
89
Percebe-se entatildeo que silenciar-se natildeo eacute pensado como um calar-se
como se deu pela tradiccedilatildeo metafiacutesica-loacutegica-cientiacutefica Pois num mero calar-
se o que haacute eacute um abandono No silecircncio em oposiccedilatildeo ao abandono haacute uma
aproximaccedilatildeo uma busca da intimidade do co-responder daacute-se um modo
primordial da linguagem Uma escuta que permite a colheita do destinado pelo
ser Aquela escuta dada na pausa na reticecircncia de um dizer aquele suspiro
Um repouso que natildeo eacute estagnaccedilatildeo mais o autecircntico movimento Soacute quem
silencia eacute quem diz e pensa autenticamente Silenciar-se eacute da essecircncia do
falar Quem natildeo tem linguagem natildeo silencia assim como quem natildeo possui
movimento natildeo pode repousar
Diante da vereda que eacute este terceiro caminho o caminhante cuidadoso
se vecirc em ἀπορία aporia Percebe que precisa respirar e escutar um pouco do
que lhe circula Entatildeo repousa escuta e mira ao redor para o dentro e o fora e
88
Cartas sobre o humanismo p 326 89
A linguagem pp 22-23
60
ainda para aleacutem do ente do presente Aqui ldquomirar significa adentrar o
silecircnciordquo90
ldquoEle escuta agrave medida que pertence ao chamado da quietuderdquo91
Esse eacute modo o do dizer artiacutestico do nomear poeacutetico do falar essencial do
homem
Os mortais falam a partir da diferenccedila no sentido da diferenccedila como
um corresponder O falar dos mortais deve antes de tudo escutar o chamado pois eacute como chamado que o quieto da diferenccedila evoca o
rasgo de coisa e mundo Cada palavra falada pelos mortais fala desde essa escuta como essa escuta Os mortais falam agrave medida que escutam
92
Falamos diversas vezes em arte e poesia mas seraacute que estas satildeo uma
mesma coisa Pensemos um pouco nesse questionamento buscando
semelhanccedilas e diferenccedilas antes de prosseguirmos com o percurso A arte eacute
poiacuteesis poreacutem a θύζης tambeacutem o eacute O poieacutetico eacute bem mais amplo que o
artiacutestico Poesia natildeo eacute pensada aqui estritamente como a escrita do poema
Poiacuteesis eacute tudo que eacute do acircmbito da eclosatildeo do vir-a-ser do brotar adveniecircncia
Eacute fala inaugural Poiacuteesis eacute linguagem quando esta natildeo eacute pensada como mera
expressatildeo modo de comunicaccedilatildeo por letras ou sons Eacute linguagem no sentido
de um narrar inaugural fundador como abertura e morada do ser Assim diz
Heidegger nos paraacutegrafos finais do ensaio A origem da obra de arte
A poiacuteesis eacute a fala inaugurante do desvelar do sendo () poiacuteesis eacute aqui pensada em um sentido tatildeo amplo e ao mesmo tempo numa
unidade essencial tatildeo iacutentima com a linguagem e a palavra que precisa ser deixado em aberto a questatildeo se a arte em verdade em
todos os seus modos - da arquitetura ateacute a poesia esgota a essecircncia da poiacuteesis A proacutepria linguagem eacute poiacuteesis em sentido original
93
Com esse indagar fomos levados da questatildeo da arte como inaugural ao
acircmbito mais amplo da poiacuteesis e da linguagem Seguindo entatildeo o fio condutor
do caminho que estaacute sendo aberto ao se caminhar pensemos acerca da
poiacuteesis do poeta e de sua linguagem Pelo visto poetar eacute entatildeo linguagem em
sentido amplo e originaacuterio poreacutem natildeo soacute o poeta eacute o guardiatildeo dessa morada
do ser Satildeo os pensadores e poetas seus guardiotildees e em sua profunda
conexatildeo com a linguagem estaacute o seu parentesco sua proximidade uma
90
A linguagem na poesia p 35 91
A linguagem p 26 92
Idem p25 93
A origem da obra de arte p 189
61
linguagem que tem na disputa a sua essecircncia O que na linguagem dos
poetas e pensadores vem-a-ser vem como disputa Bem diferente eacute a
linguagem da loacutegica que conceitua e define limitando em algo pronto No
poetar e pensar o nomeado eacute constante adveniecircncia do novo eacute brotar
principial
A questatildeo da linguagem em Heidegger eacute ao lado das questotildees do ser
e da verdade a questatildeo do seu pensar Assim diz Gadamer acerca da filosofia
heideggeriana ldquoSe quisermos colocar em discussatildeo a significaccedilatildeo da filosofia
de Martin Heidegger natildeo podemos fazer outra coisa senatildeo a partir da
experiecircncia fundamental () de uma nova experiecircncia da linguagem da
filosofiardquo94
Ao pensar ser e verdade como adveniecircncia abertura constante de
uma disputa originaacuteria torna-se necessaacuterio uma nova experiecircncia com a
linguagem Como se deu com Aristoacuteteles e seu pensar do ser Onde o que
estava antes de qualquer coisa era o ente a substacircncia Necessitou-se aiacute uma
nova experiecircncia com a linguagem que vigora ateacute o presente como linguagem
loacutegica Com uma mudanccedila no sentido do ser daacute-se em conjunto com esta
uma mudanccedila fundamental na linguagem Eacute na linguagem dos poetas que esta
nova linguagem encontra sua guarda Eacute tarefa dos pensadores e dos poetas
levar a linguagem para o que estaacute aleacutem do presente no sentido de um
encaminhar para o misteacuterio
Em seu pequeno ensaio Houmllderlin e a essecircncia da poesia escrito como
que um complemento ao A origem da obra de arte Heidegger faz a passagem
da questatildeo da arte para a questatildeo mais ampla que eacute a do poetar Escrito em
um mesmo periacuteodo os dois escritos satildeo como que um uacutenico corpo acerca da
arte e do poeacutetico Neste ensaio o pensador parte de cinco palavras-guias do
poeta Houmllderlin o qual nutre grande apreccedilo para desenvolver seu pensar
sobre a essecircncia da poesia O ensaio se apresenta entatildeo como um diaacutelogo
entre pensador e poeta um diaacutelogo do pensamento Buscando por meio
destas palavras-guias pensar sobre a essecircncia da poesia Inicia o ensaio
justificando sua escolha por Houmllderlin para o caminho que entatildeo seraacute traccedilado
Diz
94
Heidegger e a linguagem p23
62
Por que foi escolhida a obra de Houmllderlin com o propoacutesito de mostrar a essecircncia da poesia Por que natildeo Homero ou Soacutefocles por que
natildeo Virgilio ou Dante por que natildeo Shakespeare ou Goethe Nas obras desses poetas foi realizada a essecircncia da poesia tatildeo ricamente ou ainda mais do que na criaccedilatildeo de Houmllderlin tatildeo imatura e
bruscamente interrompida () unicamente porque estaacute carregada com a determinaccedilatildeo poeacutetica de poetizar a proacutepria essecircncia da poesia
Houmllderlin eacute para noacutes em sentido extraordinaacuterio o poeta dos poetas95
Para Heidegger eacute com Houmllderlin que se tem o poetar sobre o poetar Daiacute
sua escolha entre tantos poetas Houmllderlin nomeia a essecircncia da poesia da
poiacuteesis Cria com seu dito uma clareira para a disputa originaacuteria entre Terra e
Mundo Podemos ver por este ensaio a forccedila do poetar no expressar-se por
uma linguagem natildeo conceitual que se apresenta ateacute como contraditoacuteria ao
permitir o que pela linguagem loacutegica seria de iniacutecio reprimido Citemos entatildeo
as cinco palavras-guias para que possamos acompanhar o pensar
heideggeriano sobre o poetar de Houmllderlin
i) Poetizar ldquoa mais inocente de todas as ocupaccedilotildeesrdquo (III 377)
ii)rdquoe foi dado ao homem o mais perigoso dos bens a linguagem Para que testemunhe o que eacuterdquo (IV 246)
iii) ldquoO homem tem experimentado muito Nomeado a muitos celestes Desde que somos um diaacutelogo
E podemos ouvir uns aos outrosrdquo (IV 343) iv) ldquoMas o que permanece instauram os poetasrdquo (IV 63)
v) ldquoPleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita esta terrardquo (VI 25)
96
Eacute a poesia a mais inocente e aleacutem disso o mais perigoso dos bens do
homem Eacute por meio dela que testemunhamos quem somos Em oposiccedilatildeo ao
expressar-se loacutegico formal intencional produtivo o dizer poeacutetico eacute pura
inocecircncia eacute a simples abertura do coraccedilatildeo ao destinado pelo ser Eacute a
inocecircncia frente agrave intenccedilatildeo mas eacute tambeacutem o bem mais perigoso pois se eacute pela
linguagem que o homem testemunha quem eacute eacute tambeacutem por ela que pode dar-
se sua decadecircncia Eacute no natildeo cuidado com o dizer que mora o maior perigo
Pensando com o que foi dito anteriormente o homem encontra-se ameaccedilado
pela teacutecnica moderna O maior perigo poreacutem natildeo proveacutem de suas armas e
bombas entre tantos outros perigos O maior perigo estaacute no seu dizer Um
dizer que se mostrou apenas como siacuten-tese com-posiccedilatildeo Um dizer que forccedila
explorando a terra a se dispor produzir energia Nesse dizer moderno que
95
Holderlin e a essecircncia da poesia Traduccedilatildeo livre feita por mim p 1-2 DE ONDE 96
Idem p1
63
podemos bem pensar quase como que outra coisa menos um dizer genuiacuteno
como mera repeticcedilatildeo do acircmbito do jaacute aberto eacute que mora o maior perigo pois eacute
o abandono da outra possibilidade qualquer outra possibilidade Eacute natildeo
abertura a proveniecircncia do misteacuterio do ser O enrijecimento no posto no
habitual Eacute portanto a linguagem enquanto loacutegica o maior perigo ao homem
atual pois eacute pela linguagem que o homem vem a ser homem e eacute por ela que
se daacute a morte essencial deste mesmo homem
Para pensar no perigo que eacute esse bem doado ao homem faccedilamos uma
aproximaccedilatildeo deste ensaio com a conferecircncia Cartas sobre o humanismo para
que se ponha de forma mais vigorosa a questatildeo da linguagem e a ameaccedila que
acompanha o seu des-cuidado Nesta conferecircncia Heidegger pensando no
humanismo como uma reflexatildeo acerca da essecircncia do homem desenvolve
partindo do que eacute dito pela tradiccedilatildeo acerca dessa essecircncia sua concepccedilatildeo de
homem O homem eacute um δῳολ ιόγολ ἒτολ97
traduzida pelo pensar latino como
o homem eacute um animal racional Para a tradiccedilatildeo a essecircncia do homem estaacute na
faculdade da razatildeo E razatildeo nesta tradiccedilatildeo eacute o pensar loacutegico reto e natildeo
contraditoacuterio que exclui qualquer terceira possibilidade Logo o homem eacute um
ser loacutegico Pensando com o dito aristoteacutelico ιόγολ eacute dizer eacute linguagem
Estariacuteamos mais proacuteximo do que aiacute foi dito pensando que o homem eacute um
anima um ser vivo que fala que possui linguagem Eacute a linguagem que daacute
origem ao homem
A soberania da linguagem loacutegica rechaccedilou a outra possibilidade de fala
a do dizer poeacutetico O homem tornou-se o efetivo o loacutegico Aquele que produz e
domina todo o concreto inabalaacutevel pelo menos ateacute sentir que o que lhe dava o
poder o domiacutenio ameaccedila lhe dominar O seu maior bem se mostra agora
como sua maior ameaccedila As grades que eram vistas como seguranccedila ao
adverso torna-se sua prisatildeo Urge entatildeo o diaacutelogo com este outro pensar
Nesta noite do mundo daacute-se a necessidade de uma linguagem que seja
clareira Na seguranccedila de cada um isolado em suas casas em seus
monoacutelogos o diaacutelogo se apresenta crucial pois ldquodesde que somos diaacutelogo e
97
Carta sobre o humanismo p 335
64
podemos ouvir uns aos outrosrdquo este isolamento eacute sempre soacute a perdiccedilatildeo Nossa
indigecircncia realiza-se no abandono do outro
Enquanto mortais o ciclo de nascimento e morte nos eacute essencial A
histoacuteria eacute diaacutelogo ldquoSer um diaacutelogo e ser histoacuterico satildeo ambos igualmente
antigos se pertencem um ao outro e satildeo o mesmordquo 98
e o que nessa histoacuteria
permanece eacute instaurado pelos poetas ldquoA poesia eacute a instauraccedilatildeo do ser com a
palavrardquo99
Sendo adveniecircncia poiacuteesis eacute instauraccedilatildeo eacute obra Os poetas
instauram o ser como clareira como luta entre velado e desvelado Eacute na
linguagem poeacutetica que habita o homem Assim diz a quinta palavra-guia do
ensaio ldquopleno de meacuteritos mas eacute poeticamente que o homem habita essa
terrardquo Eacute nesse diaacutelogo poeacutetico de um com o outro que se abre a clareira de seu
habitar e natildeo no isolamento residencial do morar protegido do misteacuterio do que
possa advir Eacute pois poeticamente que o homem habita Diante disto podemos
ver no periacuteodo atual o quatildeo in-essencial o quatildeo indigente encontra-se a
humanidade
Diante essa indigecircncia perguntamos anteriormente Como enfrentarmos
esta ameaccedila que se apresenta Eacute possiacutevel que a arte ou de forma mais
ampla que a poesia possa confrontar esse perigo Eacute essa outra possibilidade
suficiente como fuga da crise E aleacutem do questionado eacute ainda possiacutevel que
diante de tanta teacutecnica se instaure outra forma de se viver de habitar essa
terra Para pormo-nos diante esses questionamentos adentraremos em um
escrito heideggeriano chamado Para que poetas
34 Poetas em tempos indigentes Um salto na vereda
Diante a crise que ameaccedila o homem em sua essecircncia pensemos na
tarefa destinada aos poetas e com eles os pensadores Pensar portanto se e
como eacute a tarefa destes poetas e pensadores diante este modo teacutecnico de viver
e de pensar Viver teacutecnico este em oposiccedilatildeo ao viver entendido por Heidegger
como aquele brotar sempre novo na disputa da clareira poderia ser pensado
quase como um natildeo-viver Uma teacutecnica exploradora onde todos os entes e o
98
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 6 99
Idem p 7
65
proacuteprio homem deixam de ser o que satildeo essencialmente enquanto θὺζεης
ὄληα seres da fiacutesis para decaiacuterem em meros artefatos seres produzidos Seja
para o comeacutercio o trabalho o poder ou seja como mera disponibilidade
Diante uma aproximaccedilatildeo do ensaio Para que poetas (1946) texto pertencente
ao mesmo conjunto de ensaios de A origem da obra de arte com o todo ateacute
aqui caminhado buscaremos um confronto do caminhado com o questionado
Este conjunto de textos do qual esses ensaios fazem parte tem como tiacutetulo a
palavra essencial Holzwege A versatildeo portuguesa traduziu-a seguindo a
indicaccedilatildeo dada pelo proacuteprio autor no iniacutecio da obra por Caminhos de floresta
Aiacute Heidegger diz assim
Holz [madeira lenha] eacute um nome antigo para Wald [floresta] Na floresta [Holz] haacute caminhos que o mais das vezes sinuosos terminam perdendo-se subitamente no natildeo-trinhado
Chamam-se caminhos de floresta [Holzwege]
Cada um segue separado mas na mesma floresta [Wald] Parece muitas vezes que um eacute igual ao outro Poreacutem apenas parece ser assim
Lenhadores e guardas-florestais conhecem os caminhos Sabem o que significa estar metido num caminho de floresta
100
Holzwege eacute esse sinuoso caminho sempre ainda natildeo-trilhado no qual o
caminhante ao percorrecirc-lo inaugura uma trilha Abrindo para outros
posteriores caminhantes uma trilha Este extra-ordinaacuterio caminho inaugurado eacute
um caminho do pensamento da linguagem da poiacuteesis do ser Sendo antes
de ser percorrido um caminho fechado eacute ainda um natildeo-caminho Parmecircnides
o chama de αηραπός e por um lado proiacutebe ao justo por ele se arriscar a
caminhar por outro lado ao pensar acerca deste caminho no natildeo-dito nos diz
para por ele nos enveredarmos com o maior cuidado possiacutevel Eacute nesse
caminho fechado da floresta eacute portanto nessa vereda que desde o iniacutecio
desta pesquisa cuidadosamente buscamos adentrar Se caminhamos
lentamente eacute porque diferente de se seguir uma trilha jaacute pronta jaacute aberta aqui
estamos nos enveredando em uma constante disputa com o misteacuterio do
adveniente por um Holzwege
100
Caminhos de floresta p3
66
Esta reflexatildeo se deu a princiacutepio sobre a questatildeo da crise atual Uma
crise que ameaccedila o homem ao ameaccedilar sua linguagem e seu pensar no que
neste haacute de mais essencial O que nos levou a pensarmos na teacutecnica que por
sua vez nos fez pensar na teacutecnica moderna Vimos que esta teacutecnica tem em
sua essecircncia tudo a ver com a questatildeo da verdade com a αιήζεηα pois esta
teacutecnica eacute um modo de des-encobrimento Verdade em Heidegger eacute uma
questatildeo inseparaacutevel da questatildeo do ser Com isso adentramos ao cerne do
pensar heideggeriano A questatildeo do ser e da verdade se pocircs em evidecircncia
Verdade como disputa entre des-encobrimento e encobrimento e ser pensado
como acontecimento-poeacutetico apropriativo Ereignis que adveacutem do misteacuterio do
natildeo-vigente nos transpuseram ao acircmbito da ποίεζης poiacuteesis Seguindo entatildeo
a proacutepria indicaccedilatildeo heideggeriana apresentada no final do seu ensaio sobre a
questatildeo da teacutecnica que nos mostra que em seu primoacuterdio teacutecnica como ηέτλε
e arte satildeo consanguumliacuteneos enquanto poiacuteesis satildeo dois modos de des-
encobrimento de verdade de acontecimento do ser Assim passamos ao
acircmbito da arte Pensamos esta em sua essecircncia como pocircr-em-obra o
acontecimento da verdade do ente Como obra que da disputa constante entre
o que se desvela e o que se oculta se mostrou como clareira como
inauguraccedilatildeo
Foi assim que do acircmbito da arte passamos ao do poeacutetico Este acircmbito
foi pensado em sua maior amplitude ou seja como tudo aquilo que adveacutem do
natildeo-vigente ao vigente Essa adveniecircncia daacute-se na linguagem Linguagem eacute a
morada do ser eacute abertura clareira Entatildeo ser verdade e linguagem de forma
entrelaccedilada se puseram como a vereda da qual adentrariacuteamos Temas centrais
heideggerianos da qual qualquer reflexatildeo que envolva o seu pensar natildeo pode
escapar Eacute diante essa vereda que nos questionamos eacute a linguagem poeacutetica
essa outra possibilidade que guarda a medranccedila do que salva Se ela eacute essa
possibilidade como se daraacute o enfrentamento agrave crise Devemos entatildeo substituir
a linguagem loacutegica fonte dessa crise atual pela linguagem poeacutetica como
resposta a crise atual Se natildeo qual o outro caminho ainda a se seguir Ou natildeo
haacute possibilidade alguma que venha a salvar o homem da ameaccedila que lhe
pesa
67
Para o homem essa linguagem eacute o bem mais perigoso que lhe foi
doado Bem pois eacute ela que lhe doa a sua essecircncia O homem eacute um ente que
fala eacute um δῳολ ιόγολ contudo este que lhe doa a essecircncia eacute tambeacutem o que
o levar a correr o risco de perder-se como eacute o caso da crise identificada por
Heidegger O homem enquanto Da-sein enquanto presenccedila que estaacute aiacute no
mundo em relaccedilatildeo com como um lanccedilado para fora um Ek-sistente corre
este risco Como guardiatildeo da linguagem morada do ser eacute este o ente que se
encontra jogado mais agrave vizinhanccedila deste ser Sendo livre contudo para
corresponder ou natildeo ao destinado por este ser podendo portanto correr o
risco o que o leva a sua atual decadecircncia de natildeo corresponder a este
destinado Sua linguagem que em seu pleno vigor eacute um originaacuterio que nomeia
enquanto disputa enquanto diferenccedila pode decair como se daacute no homem
atual no mero expressar-se comum na linguagem formal do comercio de
opiniotildees
Re-pensar a linguagem eacute re-pensar o homem Arriscar-se na linguagem
eacute arriscar-se enquanto homem em oposiccedilatildeo agrave falsa seguranccedila da linguagem
pronta da loacutegica da gramaacutetica da academia Eacute arriscar-se a perder o solo o
fundamento do que lhe assegura Eacute preciso ir aleacutem da superfiacutecie do solo Eacute
preciso arriscar-se a cair no poccedilo em direccedilatildeo ao misteacuterio originaacuterio do ser Eacute
como esse que ousa cair que ousa saltar nesse poccedilo nesse abismo (Ab-
grund) que podem poetas e pensadores se relacionarem com a linguagem
Os pensadores sempre foram chamados de extravagantes ao ousarem dar
sentidos completamente in-habituais agraves palavras para dizerem o mais vigoroso
de seu pensar Assim foi Platatildeo e o εηδος Anaximandro e o seu ἄπεηρολ o
ιόγος de Heraacuteclito a Ge-stell heideggeriana Assim tambeacutem se daacute com a
ousadia inocente do poeta que canta Arriscando-se mais no caminho da
erracircncia permitem quando suportam a adveniecircncia do inaugural
acontecimento do ser
Neste mundo decadente do entendimento predicativo teacutecnico
comercial o ser como o que silenciosamente envia ausenta-se Falta o pensar
sobre o ser Assim diz Heidegger no ensaio Para que poetas
Com esta falta fica fora do mundo o fundo como aquilo que
fundamenta Originariamente abismo [Abgrund] significa o solo e o
68
fundo em direccedilatildeo ao qual tende encosta abaixo algo que estaacute pendurado Contudo o Ab seraacute pensado doravante como a
ausecircncia completa de fundo O fundo eacute o solo de um enraizar e de um erguer-se A era do mundo que carece de fundamento encontra-se suspensa no abismo Supondo que se encontra ainda reservada
uma viragem para este tempo indigente ela apenas poderaacute surgir se o mundo virar radicalmente ou seja dito de uma forma mais precisa
se ele virar a partir do abismo Na era da noite do mundo tem que se experimentar e suportar o abismo do mundo Mas para tal seraacute
necessaacuterio que haja quem consiga chegar ateacute ao abismo 101
Essa era atual do domiacutenio do entendimento teacutecnico loacutegico eacute a noite do
mundo Em seu periacuteodo matutino poetas e pensadores se jogaram no abismo
Como quem cai para o alto em direccedilatildeo ao divino e aiacute com um esforccedilo
tremendo disseram o originaacuterio Pensadores dizendo o ser e poetas o divino
contudo com o desenvolvimento da ciecircncia da loacutegica decai essa possibilidade
da linguagem O ser pondo-se em fuga eacute encoberto pelo ente Soacute resta
ausecircncia Ausecircncia de ser do divino do pensar ausecircncia do homem da
linguagem
Olhar verdadeiramente para este mundo eacute encarar o abismo Eacute natildeo fugir
na ilusatildeo da seguranccedila de um falso solo firme Eacute necessaacuterio encarar esse
abismo e suportaacute-lo ldquoSer poeta em tempo indigente significa cantar tendo em
atenccedilatildeo o vestiacutegio dos deuses foragidos Eacute por isso que no tempo da noite do
mundo o poeta diz o sagradordquo 102
Dizer o sagrado e pensar o ser eacute aiacute onde
cresce o perigo em sua unidade aquilo que guarda a medranccedila do que salva
Co-responder a este destino eacute a tarefa do poeta Co-responder ao destino natildeo
eacute um mero deixar-se levar pensado como uma apatia como ausecircncia mas eacute o
mais longe que cada um pode chegar ldquoCada um chega o mais longe possiacutevel
quando natildeo ultrapassa os limites do caminho que lhe foi destinadordquo 103
Em tempos de indigecircncia falta a coragem do permitir Na superficialidade
do correto da adequatio o homem atual se esconde Haacute aiacute um esconder-se
bem diferente do guardar-se que se daacute com o misteacuterio do ser da Terra como
aquela que abriga pois esconder-se eacute fugir jaacute o guardar-se eacute da proteccedilatildeo eacute
101
Para que poetas pp309-310 102
Idem p312 103
Idem p313
69
corresponder agrave luta necessaacuteria Eacute enfrentamento da outra possibilidade da
erracircncia
Quem eacute que hoje em dia se atreve a considerar-se familiarizado com a essecircncia da poesia bem como com a essecircncia do pensamento e
acha-se ainda suficientemente forte para conduzir ambas as essecircncias agrave mais extrema das discoacuterdias assim estabelecendo a sua concoacuterdia
104
O ser larga o ente ao risco como uma matildee que o solta para seu
desenvolvimento essencial portanto eacute como arriscado que este deve
corresponder agrave sua essecircncia Como enfrentamento como risco erracircncia como
disputa originaacuteria Correndo o risco de com isso termos de suportarmos
desiacutegnios mais pesados do que pensamos ser capazes de suportar Como diz
Houmllderlin por uma carta ao seu amigo
Oh amigo O mundo estaacute ante a mim mais claro que da outra vez e mais seacuterio Eu gosto como vai eu gosto como quando no veratildeo eu
vejo o pai sagrado com matildeo tranquila sacode a nuvem avermelhada com relacircmpagos de becircnccedilatildeo Pois entre tudo o que posso ver de
Deus eacute este sinal que se fez predileto Antes saltava de juacutebilo por uma nova verdade uma visatildeo melhor do que este sobre noacutes e ao nosso redor agora temo que me suceda no final o que ao velho
Tacircntalo que recebeu dos deuses mais do que poderia digerir 105
O poeta como mensageiro que se expotildee aos raios do divino que se ex-
potildee ao destinado do ser Traduzindo esse destinado em linguagem nomeando
de forma inaugural aos homens Sai da seguranccedila do habitual do meramente
dis-poniacutevel ao risco de ser esse mensageiro Assim Heidegger apresenta o
poeta como aquele que inverte ldquoa imanecircncia da consciecircncia calculadora para o
espaccedilo interior do coraccedilatildeordquo 106
Cantando o poeta transmigra do comerciante
ao anjo αγγειος mensageiro do divino do ser aos mortais
A ilusatildeo de seguranccedila dada pela loacutegica e seu inabalaacutevel sistema se
apresentou como a maior ameaccedila Entretanto a quem se arisca mais natildeo daacute-
se um esquecimento um abandono da fonte principial Haacute nesse arriscar-se
o contraacuterio Uma inversatildeo que do desamparo surge o abrigo No que se arrisca
104
Idem p317 105
Houmllderlin e a essecircncia da poesia p 9 106
Para que poetas p352
70
ao abandono surge agrave libertaccedilatildeo do habitual como um caminho puro
extraordinaacuterio a fonte inaudita do ser
O homem que se impotildee vive das apostas do seu querer Vive essencialmente arriscando o seu ser no acircmbito da vibraccedilatildeo do
dinheiro e do valer dos valores Sendo constantemente esse cambista e mediador o homem eacute o ldquocomercianterdquo Pesa e pondera sem parar embora natildeo conheccedila o verdadeiro peso das coisas () Mas ao
mesmo tempo o homem eacute capaz de criar ldquoum estar segurordquo fora da proteccedilatildeo virando o desamparo como tal para o aberto fazendo-se
integrar-se no espaccedilo cordial do invisiacutevel Se isso acontece entatildeo o insaciado do desamparo passa para laacute onde na uniatildeo equilibrada do espaccedilo interior do mundo surge o ser [Wesen] que traz agrave aparecircncia o
modo com o qual essa uniatildeo une representificando dessa forma o ser [Sein] Entatildeo a balanccedila do perigo passa do acircmbito do querer
calculante para o anjo 107
Assim denominamos aqui pensando com Heidegger esse arriscar-se
mais como a tarefa destinada aos poetas e pensadores Arriscar-se esse que
se daacute na forma de um salto (Ur-sprung) na vereda (Holzwege) Este salto na
vereda eacute o caminho por noacutes encontrado ateacute agora como o confronto a essa
crise que ameaccedila a essecircncia do homem poreacutem esse salto natildeo eacute ainda o
momento final deste nosso percurso pois nesse salto o poeta colhe do
misteacuterio do ser o novo inaugurante e em seguida retorna aos entes habituais
e cotidianos Retorna do salto ao mundo e aiacute cercado do habitual necessita
relacionar-se com o circundante
Portanto natildeo podemos pensar que a inversatildeo do pensar loacutegico no
pensar poeacutetico seria o derradeiro passo de nossa caminhada de enfrentamento
a crise Em uma inversatildeo do pensamento loacutegico que calcula ao pensamento
poeacutetico que medita natildeo haacute diaacutelogo carinhoso A inversatildeo da identidade para a
diferenccedila eacute manter-se no acircmbito da identidade Eacute a outra face da decadecircncia
da queda Tornar a diferenccedila a uacutenica possibilidade eacute abandonar de outra
forma a possibilidade de algo outro Eacute retorno a rigidez da imposiccedilatildeo Eacute outra
forma de ilusatildeo onde a diferenccedila eacute agora o fundamento Eacute como se
achaacutessemos que chegamos ao misteacuterio do oculto clareando-o Como jaacute vimos
teriacuteamos assim apenas outro modo do aberto mas de forma nenhuma o oculto
do misteacuterio
107
Idem p360
71
A destruiccedilatildeo da metafiacutesica natildeo eacute um abandono deste saber sobre os
entes Pois se eacute o homem um ente entre os outros entes a destruiccedilatildeo desta
forma de entendimento seria a destruiccedilatildeo do seu mundo Assim essa
destruiccedilatildeo deve tornar-se uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo No sentido de
um abrir-se para outra possibilidade de saber de linguagem
A superaccedilatildeo eacute um reconhecimento do acircmbito deste entendimento
metafiacutesico Eacute um reconhecimento do acircmbito no qual deve manter-se essa
linguagem loacutegica natildeo um abandono Reconhece-se aqui que seu acircmbito eacute o
do habitual do aberto do disponiacutevel presente O poeacutetico deve ser pensado
como a outra possibilidade Natildeo como abandono mas como diaacutelogo Assim
necessitamos ainda de outro passo O poeacutetico como inauguraccedilatildeo que abre
como disputa uma possibilidade de desprendimento do habitual apresentou-
se como o meio de enfrentamento agrave crise Ela guarda a medranccedila do que
salva mas natildeo isolado como uacutenica possibilidade Natildeo eacute suficiente essa
inversatildeo Como meio o poeacutetico prepara para o passo seguinte
Adentraremos a seguir nesse derradeiro passo desta nossa
caminhada Confrontaremos por fim o ensaio Serenidade com os dois
primeiros ensaios que nos norteou ateacute aqui Entatildeo com esses trecircs diaacutelogos A
questatildeo da teacutecnica A origem da obra de arte e Serenidade dialogaremos com
o que aqui se pensou acerca da crise atual e de como enfrentarmos essa crise
Neste ultimo ensaio bastante tardio em seu pensar Heidegger nos indica uma
trilha por onde possamos nos enveredar Nele Heidegger nos fala sobre a
disposiccedilatildeo do homem a serenidade como uma disposiccedilatildeo capaz de
possibilitar um diaacutelogo entre a teacutecnica e a arte Um diaacutelogo que res-guarda a
essecircncia do misteacuterio ao inveacutes de lhe agredir Dialoguemos entatildeo com esse
ensaio cuidadoso e carinhosamente
72
4 O CAMINHAR SERENO UM AGUARDAR NA PROXIMIDADE DO
MISTEacuteRIO
Neste capiacutetulo pensaremos o ensaio Serenidade de Heidegger e
confrontaremos o aiacute pensado com o aqui questionado Partindo inicialmente da
questatildeo de ser o homem um ente entre os outros entes que portanto tem
como necessidade essencial este estar aiacute no Mundo em relaccedilatildeo contudo um
ente que tambeacutem estaacute aberto ao misteacuterio da Terra sendo ele fruto desta
disputa entre Terra e Mundo tem a necessidade para co-responder ao seu
destino de se arriscar nessa disputa geradora do que se apresenta e o que se
oculta Com isso pensaremos como da proposta de uma destruiccedilatildeo daacute-se o
pensar de uma desconstruccedilatildeo uma superaccedilatildeo da metafiacutesica do pensar loacutegico
da linguagem predicativa Passaremos desta reflexatildeo ao posicionamento que
por ele eacute desenvolvido no ensaio o da necessidade de uma co-pertenccedila entre
o pensamento que calcula com o pensamento que medita Entre a linguagem
loacutegica e a poeacutetica Pensando em seguida a questatildeo do misteacuterio do ser da
fonte principial Pensaremos por fim diante todo o percorrido na outra
possibilidade esta capaz de um confronto com a crise indicada no iniacutecio da
caminhada
41 Da Destruiccedilatildeo agrave Superaccedilatildeo da Metafiacutesica Acerca da Identidade e
Diferenccedila
No caminho ateacute aqui trilhado nos deparamos primeiramente com a
problemaacutetica acerca da teacutecnica como um modo de pensar dizer e portar-se
Ir-agrave-proximidade Parece-me agora que a
palavra poderia ser antes o nome para nosso passeio de hoje na vereda
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque
aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo
natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a noite permanece a
aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
Heidegger Serenidade
73
diante o mundo como um modo de pocircr o mundo no qual em uacuteltima instacircncia
tudo se apresenta como mera dis-ponibilidade (Be-stand) resultado de uma
exploraccedilatildeo que apenas Com-potildee (Ge-stell) o aiacute jaacute dado Diante deste estaacutegio
da humanidade o Homem encontra-se ameaccedilado ao extremo em sua
essecircncia ameaccedilado a resumir-se ao caacutelculo agrave com-posiccedilatildeo ao comeacutercio ao
trabalho ameaccedilado a tornar-se escravo completo daquilo que surgiu para ele
como instrumento de auxiacutelio na dominaccedilatildeo das coisas que estatildeo sendo
Escravo da teacutecnica desse pensamento calculista o homem guardiatildeo do ser
guardiatildeo da linguagem eacute convocado a partir de um apelo silencioso pelo
destinado da fonte principial a outra possibilidade de estar-no mundo de
colocar o mundo Nesta noite do mundo ao pensar e natildeo apenas calcular
acerca da essecircncia da teacutecnica a arte a poesia e o pensamento que medita se
potildeem como essa outra possibilidade de um confronto a essa crise a essa
ameaccedila a qual ele se encontra
Ao pensar no que seja a arte e o pensamento em seu acircmago em suas
essecircncias a noacutes essas se apresentaram como um pocircr-em-obra como uma
inauguraccedilatildeo a adveniecircncia do natildeo-vigente ao vigente Enquanto na teacutecnica e
com ela a Metafiacutesica a loacutegica a Ciecircncia a filosofia enquanto conceituaccedilatildeo do
ente movimenta-se no acircmbito da com-posiccedilatildeo do que estaacute dado movimenta-se
como uma transformaccedilatildeo um sin-tese na poesia o que se daacute eacute um
nascimento daacute-se um brotar Daiacute surgem alguns questionamentos Eacute essa
outra possibilidade esse pensar poeacutetico jaacute a medranccedila do que salva Pode o
ente homem um ser-no-mundo um ser-com ser isto que eacute habitando nesta
outra possibilidade Seraacute essa mudanccedila essa inversatildeo do pensamento que
calcula representador para o pensamento poeacutetico inaugurador que medita jaacute
o caminho que diante o ateacute aqui trilhado se potildee como o que urge Qual a
trilha que ainda devemos ao caminhar dar abertura nessa vereda que nos
leve dos bdquofrios veacuteus da noite escura‟ ao bdquocalor dos dedos rosa da aurora‟ Em
que disposiccedilatildeo se daraacute essa nova manhatilde que do sereno nos doa gotas de
orvalho seiva de um novo brotar Enveredemos ainda um pouco mais por
estas sendas do pensamento e nos deixemos ser envolvidos pelo que a noacutes for
destinado neste caminhar
Para Heidegger o homem o Dasein eacute aquele ente privilegiado que se
encontra que cria ao co-responder que eacute aceito no entre na abertura na
74
clareira do ser Eacute aquele que estaacute entre o natildeo-vigente e o vigente entre o
fechado e o aberto poreacutem estes abertos e fechados vigentes e natildeo-vigentes
natildeo devem ser aqui pensados com opostas mas como co-generes co-
respondentes O homem eacute aquele ente ao qual eacute destinado pela fonte
principial que eacute o ser ao dar nascimento Nascimento este que se daacute na
poesia ποηεζης e no pensamento pela linguagem autecircntica nomeadora
inaugural mas tambeacutem eacute aquele aiacute no-mundo que se relaciona com os entes
com os vigentes Seria entatildeo negar a essecircncia do homem o negar-lhe a
Metafiacutesica o negar-lhe a loacutegica o caacutelculo o representar o uacutetil o trabalho
Como tambeacutem o eacute anti-natural anti-essencial negar-lhe esta outra
possibilidade que eacute a de dar nascimento esta que natildeo estaacute no campo da
representaccedilatildeo mas na possibilidade de fazer brotar O loacutegico e o poeacutetico lhe
pertencem lhe permitem ser o homem que eacute Se no oculto que res-guarda o
misteacuterio da adveniecircncia ele eacute aceito para ali habitar poeticamente eacute no aberto
do dado este lado do misteacuterio aberto para noacutes onde este se relaciona com os
outros que neste aberto encontram moradas
Diversas vezes Heidegger nos adverte sobre o cuidado primordial de
nos colocarmos diante a questatildeo da destruiccedilatildeo da Metafiacutesica natildeo como um
mero abandono ou uma mera inversatildeo ao pensamento poeacutetico Onde esta
destruiccedilatildeo deveria ser pensada como uma abertura a esta outra possibilidade
como uma abertura ao sentido da diferenccedila entre ser e ente pois se eacute na
linguagem poeacutetica no pensamento que encontramos habitaccedilatildeo para nos
confrontar com as questotildees mais profundas eacute no entendimento loacutegico-
Metafiacutesico que nos relacionamos com o que nos cerca com o que estaacute na
superfiacutecie onde estamos presentes com o cotidiano no qual moramos Eacute nesse
sentido que a Destruiccedilatildeo foi pensada como uma Desconstruccedilatildeo como uma
Superaccedilatildeo como Abertura a essa outra possibilidade Assim tambeacutem eacute
apresentado o Fim da filosofia natildeo como um abandono deste modo de
pensamento mas como uma abertura ao seu alcance ao seu acircmbito pois se a
filosofia e essa aqui eacute entendida como Metafiacutesica eacute aquela que como a
ciecircncia primeira busca o ente e nada mais aquilo que estaacute lanccedilado no A-
bismo no seu fundo lhe eacute estranho estaacute para aleacutem de seu alcance e interesse
Este A-bismo eacute Tarefa do pensamento contudo eacute tarefa do homem tanto a
relaccedilatildeo com os entes como a abertura ao ser Eacute tarefa do homem enquanto
75
aquele que possui logos aquele que estaacute-com o diaacute-logo Por em diaacutelogo
loacutegica e arte eacute sua tarefa
A mera inversatildeo da loacutegica para o poeacutetico do entendimento
representativo para o pensamento como obra da identidade para a diferenccedila
seria ainda um manter-se no apenas aberto da unilateralidade e natildeo jaacute uma
abertura ao dialogo daquilo que nos ldquoaparece como inconciliaacutevelrdquo 108
Sair da
teacutecnica da identidade e ir de forma unilateral para a diferenccedila para o poeacutetico
ainda natildeo eacute o caminho no qual enveredamos Eacute permanecer ainda no mesmo
no fechar-se ao outro A inversatildeo da identidade para a diferenccedila eacute apenas a
extrema possibilidade da identidade eacute sua uacuteltima consequecircncia seu
acabamento eacute natildeo ter ainda atingido ou ter sido atingido pela diferenccedila
enquanto diferenccedila mesma enquanto o entre a clareira a abertura Eacute para
dar um exemplo o que Heidegger entende do movimento realizado por
Nietzsche aquele platonismo ao avesso que sendo o avesso eacute apenas o outro
lado do platonismo eacute ainda o mesmo Eacute levar o que estava na ideia para a
vida eacute uma inversatildeo do solo do fundamento eacute ainda chatildeo firme Entretanto o
que se mostra ao pensar heideggeriano como o originaacuterio como superaccedilatildeo eacute
aquele pensamento sem-fundo eacute o abismo eacute a perca de chatildeo portanto eacute
nesse sentido que pensamos aqui a diferenccedila como aquele entre que natildeo estaacute
nem no nascimento nem no dado de forma unilateral mas um entre pensado
como diaacute-logo
Diaacutelogo aqui pensado como aquele acontecimento aquela disposiccedilatildeo
que caminha (dia δηα atraveacutes indo na direccedilatildeo de um para o outro) que
transita pelo logos (ιογος) Aqui natildeo eacute mais possiacutevel pois natildeo estamos mais
nesse acircmbito uma representaccedilatildeo do que seja essa diferenccedila esse entre como
dialogo O entendimento representativo ao se apropriar desta diferenccedila a
representa como identidade Aqui toda reduccedilatildeo em poucas palavras eacute um
perigo Daacute-se aqui necessariamente como um apelo uma mudanccedila na
linguagem de significativa para uma de sentido Natildeo ficar preso a conceitos ou
definiccedilotildees eacute o caminho necessaacuterio para essa co-respondencia com o entre
com a diferenccedila Eacute preciso harmonizar-se θηιεηλ entrar em acordo com o que
a noacutes se apresenta como aquele amor que Heidegger entende ser o amor
108
HEIDEGGER Serenidade p 23
76
pensado por Heraacuteclito ao nomear o filosofo como θηιοζοθος assim escreve
Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia
Um anegraver philoacutesophos eacute aquele hograves philei tograve sophoacuten philein que ama a sophoacuten significa aqui no sentido de Heraacuteclito homologein
falar assim como o Loacutegos fala quer dizer corresponder ao Loacutegos Este corresponder estaacute de acordo com o sophoacuten Acordo eacute harmoniacutea
O elemento especiacutefico de philein do amor pensado por Heraacuteclito eacute a harmonia que se revela na reciacuteproca integraccedilatildeo de dois seres nos laccedilos que unem originariamente numa disponibilidade de um para
com o outro 109
Assim natildeo se pode aqui pensar nesse diaacutelogo como uma dialeacutetica que
se torna o que eacute em uma siacutentese O que se daacute aqui natildeo eacute uma siacuten-tese da
loacutegica com a arte da representaccedilatildeo com a inauguraccedilatildeo O que se daacute aqui eacute
uma luta uma disputa110
um amor um diaacute-logo uma obra (εργολ) Um entre
que natildeo para nem aqui nem ali nem muito menos como uma siacutentese com-
posiccedilatildeo de um com o outro Essa siacutentese que corremos o risco de entender de
forma errada o que aqui se apresenta como diaacutelogo foi o que se apresentou a
noacutes como a essecircncia da teacutecnica moderna como Ge-stell Aqui daacute-se um vai e
vem inquietante que eacute pura quietude Eacute aquele terceiro caminho excluiacutedo a
muito do pensar filosoacutefico que natildeo eacute nem um sim nem um natildeo mas que eacute
uma escuta de ambos simultaneamente os pondo em diaacutelogo eacute abertura
clareira do destinado pelo misteacuterio
Diante deste pensar que pode levar a nos questionarmos se natildeo
estamos pairando no ar num modo de pensamento muito distante de noacutes
algumas questotildees se apresentam natildeo seria esse entre uma indecisatildeo que nos
imobilizaria Natildeo seria esse diaacutelogo um subterfuacutegio de fuga da
responsabilidade do que diante a noacutes se apresenta como urgente Natildeo reinaria
aiacute a mais elevada ausecircncia-de-pensamento Uma passividade diante um
tempo que urge por uma atitude Um mero deixa ser levado pelo acaso Uma
ausecircncia de um querer que determina Essas satildeo algumas das questotildees que
109
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p 32 110
Hesiacuteodo no iniacutecio de seu escrito Os trabalhos e os dias fala de duas Ερης de duas disputas Uma eacute aquela geradora da guerra entre os homens que por ganacircncia de poder e
riqueza entram nessa disputa essa eacute por ele considerada a disputa ruim A outra eacute aquela disputa essencial entre o homem e a Terra aquela disputa com a adveniecircncia do dia-a-dia a
luta diaacuteria com a vida Essa eacute por ele chamada de a luta boa geradora de todo o bem que temos Enquanto a primeira destroacutei a segunda concebe Aqui quando falamos de disputa
pensamos nessa segunda disputa desse amor gerador
77
se potildeem diante desse diaacutelogo pensado com um entre Como quem preacute-sente a
proximidade da brisa do sereno adveniente da fonte aproveitemos um pouco
mais este caminhar que se aproxima daquilo do qual a muito estamos sendo
chamado que a muito aguardamos e continuemos um pouco mais neste trilhar
42 Serenidade O dizer sim e natildeo agrave teacutecnica
Vivemos em um mundo cercado pela teacutecnica Para onde nos dirigimos e
nos deparamos sempre com seus aparelhos e instrumentos Internet celular
carros induacutestrias e comeacutercios energia eleacutetrica e atocircmica Heidegger viveu em
um tempo diferente do tempo atual Um tempo no qual o que lhe causou
espanto foi a comunicaccedilatildeo por raacutedio e pela televisatildeo O que diria ele dos dias
atuais Espantar-lhe-ia mais a internet do que o raacutedio Seraacute que no essencial
vivemos em um tempo tatildeo diferente Eacute possiacutevel que natildeo O essencial da
teacutecnica natildeo estaacute em seus produtos Natildeo eacute o carro a televisatildeo o raacutedio ou a
internet o que eacute mais proacuteprio a sua essecircncia O que lhe assustou e que hoje
continuaria a assustar e que tambeacutem o assustaria se tivesse nascido antes eacute
o modo teacutecnico de pensar de dizer de agir Natildeo estou imerso na teacutecnica
somente quando uso o celular mais novo que saiu no mercado estou
profundamente imerso na teacutecnica quando o que me faz escolher a educaccedilatildeo
mais apropriada ao meu filho satildeo caacutelculos que me diratildeo qual o melhor negoacutecio
para o seu futuro Estou nessa situaccedilatildeo a qual inquietou tanto Heidegger
quando as decisotildees mais essenciais a nossa existecircncia satildeo decididas por
meros caacutelculos O que mais o assustou foi a possibilidade cada vez mais
crescente de esse olhar com-positor loacutegico calculista representador em
resumo esse olhar teacutecnico ser o uacutenico olhar que domine todas as nossas
decisotildees Essa sim eacute a grande ameaccedila ao homem
Seria uma ameaccedila talvez ainda maior a busca de um completo
abandono das coisas e pensar teacutecnico O homem necessita destes
Houvesse no pensar jaacute antagonistas e natildeo
simples adversaacuterios entatildeo a coisa do
pensar seria mais favoraacutevel
Heidegger Da experiecircncia do pensar
78
instrumentos e linguagem Necessita necessitou e necessitaraacute destes
instrumentos e linguagem teacutecnica como um ente no-mundo um ente-com
outros no qual se relaciona O homem tem sim que dizer bdquosim‟ a estes
instrumentos mas pode deve necessita simultaneamente dizer bdquonatildeo‟ a eles
Essa abertura ao entre agrave diferenccedila enquanto diferenccedila ao diaacute-logo a esse
acordo a essa harmonia originaacuteria exige do homem essa postura de dizer sim
e natildeo simultaneamente aos objetos teacutecnicos nos exige uma tomada de
decisatildeo que natildeo seja unilateral que natildeo seja absorvida nem pelos objetos
nem por seu abandono Exige de noacutes que nos ocupemos disto que ao olhar
representador parece inconciliaacutevel Assim diz Heidegger sobre esse dizer sim e
natildeo simultacircneo as coisas teacutecnicas
O pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a
correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que a
primeira vista parece inconciliaacutevel () Podemos dizer sim agrave utilizaccedilatildeo inevitaacutevel dos objetos teacutecnicos e podemos ao mesmo
tempo dizer natildeo impedindo que nos absorvam e desse modo verguem confundam e por fim esgotem a nossa natureza (Wesen) 111
Esse pensamento que medita (sinnende) eacute justamente esse que se
contra-potildee potildee-se de frente e assim dialoga com esse pensamento que
calcula Eacute aquele pensamento que natildeo se detecircm no correto adequado no
fundamento mas que se encaminha no sentido da verdade como α-ιήζεηα
como decircs-velamento como clareira como sem-fund(ament)o Eacute portanto o
pensamento inaugural que atento ao destinado da fonte silenciosa do ser daacute
nascimento Eacute deste modo por dar nascimento que eacute esse pensamento que
medita irmatildeo da poesia no pocircr ambos encontram a sua essecircncia Assim
escreve Heidegger em sua obra poeacutetica intitulada de Da experiecircncia do pensar
(1960) onde pensar e poetar satildeo pensados como poiacuteesis como o dar-se da
verdade a partir do ser Leiamos suas palavras
Cantar e pensar satildeo os troncos
vizinhos do poetar
Eles crescem do Ser e alcanccedilam sua
111
HEIDEGGER Serenidade pp 23-24
79
verdade
Sua relaccedilatildeo daacute a pensar que Houmllderlin Canta das aacutervores da floresta
ldquoE desconhecidos uns aos outros eles
Ficam o tempo que eles permanecem em peacute
os troncos vizinhosrdquo 112
Eacute esse pensamento poeacutetico meditativo que nos exige que digamos sim
e natildeo simultaneamente agrave teacutecnica O que nos permite viver em meio a ela com
ela sem dela ser escravo e isso natildeo de um modo vacilante oscilante mas de
forma tranquila ou como nomeia Heidegger de modo sereno Com a mais
elevada serenidade (Gelassenheit) Esse dizer sim e natildeo agrave teacutecnica enquanto
diaacute-logo que se demora no entre eacute o que Heidegger nomeia por Serenidade
Em uma conferecircncia intitulada por Serenidade apresentada como um
discurso comemorativo do compositor de oacutepera Conradin Krutzer em 1955
Heidegger nos doa um belo discurso acerca do que seja essa Serenidade que
aqui eacute desde os primeiros passos aguardada Tema que por ele jaacute tinha sido
abordado em uma conversa nos anos de 194445 Nesta conversa tem-se uma
caracteriacutestica de uma linguagem bem mais solta e tambeacutem bem mais profunda
Um excelente exemplo de uma linguagem que busca libertar-se da
representaccedilatildeo da conceituaccedilatildeo Nessa conversa dar-se um deixa ser
conduzido pelo pensamento de amigos que caminhando satildeo aceitos nas
proximidades do misteacuterio do ser e que contudo natildeo perde em profundidade
mas que por esse deixar ao contrario eacute admitido por esta Jaacute o discurso
comemorativo tem uma sistemaacutetica e uma linguagem bem mais proacutexima jaacute que
eacute dirigida a um puacuteblico mais abrangente do que se costuma usar
habitualmente Neste discurso pondo-se a pensar sobre o que seja um ato
comemorativo Heidegger nos leva pelo discurso a pensar que comemorar eacute
pensar acerca de algo eacute pensar sobre o motivo do qual a comemoraccedilatildeo
presta-se a homenagear Diz-nos que ali se escutam as obras do compositor
sua biografia que ali satildeo proferidas anaacutelises criacuteticas de suas criaccedilotildees mas
seraacute que jaacute aiacute se realiza um pensar acerca de algo Relatar enumerar
112
HEIDEGER Da experiecircncia do pensar p 49
80
descrever narrar ainda natildeo eacute um pensar um meditar sobre algo sobre a
abertura que em uma obra de arte daacute-se
Heidegger passa daiacute a pensar sobre o que seja o pensamento Este se
apresenta na sociedade atual em-fuga ldquoTodos noacutes mesmo aqueles que
pensam por dever profissional somos muitas vezes pobres-em-pensamento
ficamos sem-pensamento com demasiada facilidaderdquo 113
E o que potildee em-fuga
o pensamento meditativo eacute esse dominante pensamento que calcula Esse
caacutelculo nos absorve como escravos das coisas que chegamos ao ponto de
darmos mais atenccedilatildeo aos produtos que agraves obras (εργολ) Pensamos muito
mais vezes nos presentes do que nas homenagens e homenageados
Pensamos e aqui jaacute nem podemos mais dizer pensar noacutes queremos
calculamos muito mais os resultados do que o processo o ponto de chegada
do que o caminhar agrave-proximidade-de e assim nos escravizamos pelos objetos
do desejo mais do que nos permitimos livres ao a-caso Eacute em relaccedilatildeo ao que
acabamos de dizer que a serenidade para com as coisas se apresenta como
aquela medranccedila do que salva Permite-nos sermos poeacuteticos em meio a um
mundo dominado pelo teacutecnico Daacute-nos a perspectiva de um novo enraizamento
jaacute que como diz Heidegger a partir de uma citaccedilatildeo do poeta Johann Peter
Hebel ldquoNoacutes somos plantas que ndash quer nos agrade confessar quer natildeo-
apoiadas nas raiacutezes tecircm de romper o solo a fim de poder florescer no Eacuteter e
dar frutosrdquo 114
Heidegger distingue essa disposiccedilatildeo nomeada por ele de Serenidade de
outros modos de conceber a palavra jaacute usada na tradiccedilatildeo por outros filoacutesofos
como eacute o caso da leitura de Meister Eckhart onde a serenidade eacute entendida
como ldquoa rejeiccedilatildeo do egoiacutesmo pecaminoso nem o abandono da vontade proacutepria
em prol da vontade divinardquo 115
Serenidade eacute essa aproximaccedilatildeo iacutentima da Matildee Terra eacute a escuta
cuidadosa do silecircncio do misteacuterio eacute o demorar-se insistente diante a abertura
que enquanto mostra-se simultaneamente se oculta Que se abre apenas para
nos envolver ainda mais no acircmago do misteacuterio Falamos de Serenidade e
constantemente nomes como misteacuterio aguardar cuidado insistecircncia se
113
HEIDEGGER Serenidade p11 114
Idem p27 115
Idem p 35
81
colocam em nosso caminho Falamos de serenidade diante essa ameaccedila na
qual o pensamento que calcula nos absorve O que nos leva a perguntar
Como conseguir essa serenidade O que eacute esse misteacuterio e esse aguardar que
sempre acompanham o pensar acerca da serenidade Estaacute nas matildeos dos
homens atingirem em meio a essa tumultuosa noite que nos cai essa
serenidade ou eacute apenas concernente ao destino do ser esta outra
possibilidade O que devemos fazer para criarmos permitindo o matutino
sereno de uma nova manhatilde Mantenhamo-nos um pouco mais nessa
vizinhanccedila da fonte que haacute muito nos convoca a ali em sua proximidade
demorarmo-nos Essa fonte que haacute muito chama em seu canto o filho ao
retorno aconchegante de seu habitar
43 Abertura ao misteacuterio O demorar-se no entre
O homem do presente eacute o homem da presenccedila Em um sentido filosoacutefico
Heidegger entende essa presenccedila como a marca fundamental do pensamento
metafiacutesico ocidental O ser do ente como a presenccedila eacute re-presentado pela
linguagem loacutegica como o ente Este ser enquanto presenccedila jaacute vem sendo
assim pensado para Heidegger desde os gregos principalmente para o que
ele chama de periacuteodo de decadecircncia do pensar claacutessico com Platatildeo e
Aristoacuteteles Estando este modo de pensar apenas no seu acabamento e este
modo de pensar vigente em quase todos os acircmbitos de decisotildees de accedilotildees e
de reflexotildees esta presenccedila pensada metafisicamente aparece agora tambeacutem
no habitual no dia-a-dia no cotidiano O que eacute de acordo com o bom senso eacute
o que estaacute agrave matildeo que posso tocar que posso decidir e natildeo a indecisatildeo Eacute o
que serve para algo O que vale eacute o agora o que se mostra aqui no presente A
histoacuteria eacute esquecida o esperar natildeo tem vez Vivemos no presente E
estranhamente esse viver no presente se revela uma ausecircncia aterrorizadora
A tecnologia que aproxima os homens os lugares os tempos as distacircncias em
uma intensidade gigantesca tambeacutem os afasta ldquohoje se toma conhecimento de
Eacute capinzal noturno
Escuro denso protetor Vocecirc eacute mata virgem
Pela qual ningueacutem passou
Raul Seixas Mata Virgem
82
tudo pelo caminho mais raacutepido e mais econocircmico e no mesmo instante e com
a mesma rapidez tudo se esquecerdquo 116
O raacutedio ou a internet aproximam tanto
a comunicaccedilatildeo os homens que natildeo eacute mais nem preciso estar ali Minha
presenccedila em todos os lugares por meio dos aparelhos tecnoloacutegicos de
comunicaccedilatildeo reflete minha ausecircncia Presente estaacute a tecnologia mas o
homem mesmo enquanto homem em sua autenticidade encontra-se ausente
Em uma multidatildeo de pessoas que dia-a-dia transitam pelas ruas das grandes
cidades sem nem um simples bdquooi‟ ser dado nos potildee a pensar no grego
Dioacutegenes o ciacutenico que com sua lamparina se pocircs a andar pelas ruas de sua
polis em pleno claro do dia a procurar por um homem sequer Onde
encontramos o homem nesse esquecimento do solo de onde brotam os
nutrientes de seu ser
A busca da certeza move demasiadamente mais do que a verdade Na
velocidade rapidez na pressa atual natildeo haacute tempo haacute perder com indecisotildees
natildeo a tempo para o proacuteprio homem Precisa-se de uma resposta certa mesmo
que para tal tenha-se que se descuidar da busca mais demorada pela verdade
do que no emaranhado do que eacute se oculta Certeza como corretude
adequaccedilatildeo como fundamento firme onde se pode erguer preacutedios para
gigantescos negoacutecios Verdade como decircs-velamento α-ιήζεηα como o cuidado
com o que adveacutem do velado do misteacuterio Esse misteacuterio destruidor da certeza
imediata riacutegida assusta causa espanto ao apressado homem da atualidade
Aquele espanto ηασκαηα que desde os tempos primordiais moveu os primeiros
pensadores cede lugar agrave certeza agrave decisatildeo necessaacuteria ao pesquisar que pela
imposiccedilatildeo da pressa de uma grande quantidade de produccedilatildeo natildeo pode se
demorar neste espanto
Diante desse caminhar ao qual nos enveredamos somos convocados a
serenidade A um estar aberto agrave abertura da adveniecircncia Um estar aberto agrave
abertura do misteacuterio Esse misteacuterio que espanta que afasta a certeza levando
ao risco daquele cair no poccedilo do qual haacute muito tempo se rir Esse misteacuterio que
nos tira da seguranccedila do fundamento do solo e nos envolve com o risco do
abismo Ao homem da decisatildeo esse misteacuterio eacute o que mais o assusta eacute o que
mais ele quer manter distacircncia Mas seraacute que assim como esse homem da
116
Idem p11
83
presenccedila se revelou como um homem da ausecircncia esse mesmo homem da
seguranccedila natildeo se revelaria a noacutes como o homem do medo que vive no mais
inseguro dos modos de existecircncia Seraacute que esta decisatildeo tatildeo adorada por
esse homem natildeo se revelaria a um pensar mais profundo medo de enfrentar o
risco deste entre adveniente do misteacuterio Seraacute que a decisatildeo que urge natildeo eacute a
de um demorar-se nesse misteacuterio Tenhamos entatildeo coragem e enfrentemos
mais estas questotildees
Diante o misteacuterio do que estaacute para aleacutem do que o que se mostra para
aleacutem do que aparece o homem se espanta O homem grego assim espantou-
se e aiacute se demorou Ser nada a fala o dizer o nomear o permanente
imoacutevel o movimento tudo isso o espantou e ele aiacute se demorou O espanto que
a princiacutepio o potildee em fuga simultaneamente o atraiu A curiosidade estando em
seu acircmago o fez olhar para traacutes durante essa fuga Como Orfeu que ao ir ao
Αδες Hades para resgatar a amada tinha apenas que por fim seguir adiante
sem olhar para traz mas que de seu acircmago uma inquietante curiosidade o faz
virar-se para vez se a bem amada consigo seguia Pondo-se em fuga do
misteacuterio do espanto eacute pela curiosidade atraiacutedo a um olhar de aproximaccedilatildeo
Uma curiosidade que vira amor θηιεηλ Um amor ao saber do que se mostrava
mesmo que em seu ocultamento Heraacuteclito nomeou como vimos um pouco
acima a este amante disto que tudo rege de θσιοζοθος filoacutesofo Amor para
ele eacute o harmonizar-se e saber eacute logos Logos esse que eacute misteacuterio aos homens
tanto antes de terem ouvido como depois como se estivessem dormindo 117
Amante desse misteacuterio o pensador nada podia dizer com certeza pois
amante do misteacuterio em harmonia com ele estava sempre num entre O que
para o pensador mais profundo era o mais espantoso era tambeacutem o seu maior
amor Este mais espantoso torna-se ao homem ordinaacuterio apenas ouvinte de
sua linguagem mas que a ela natildeo co-responde enquanto pensador do
profundo do ιογος o mais assustador gerando nesse homem medo Esse
espanto torna-se uma aporia απορηα um sem-saiacuteda da qual natildeo era possiacutevel
num confronto sincero harmonioso fuga Eacute nesse acircmbito do incerto onde o
117
Acerca deste modo de conceber o logos e a sua relaccedilatildeo com os homens consultar o fragmento 1 na organizaccedilatildeo de Diels de Heraacuteclito Este concebia o logos como o regente de
tudo o que haacute Entretanto os homens natildeo se apercebiam disso mesmo depois de serem acerca deste logos instruiacutedo Pois logos eacute ao homem que natildeo o enfrente ateacute os limites de sua
obscuridade misteacuterio
84
homem ordinaacuterio encontra-se meio acuado e o pensador profundo encontra-se
em pleno amor que surge o sofista como aquele que tinham as respostas
Aquele que se apresentava como sabedor dos misteacuterios e do modo de ldquoa esse
dominarrdquo Livrava-se rapidamente desta aporia dessa indecisatildeo por uma
tomada de posiccedilatildeo unilateral de um dos caminhos Com seu amplo domiacutenio de
retoacuterica e da linguagem como instrumento de dominaccedilatildeo dissimulaccedilatildeo essa
tomada de posiccedilatildeo unilateral passava como a mais elevada sabedoria Estes
sofistas despertavam as aporias nos seus ouvintes apenas com o intuito de se
apresentar como um conhecedor dos mais enigmaacuteticos problemas118
que ao
homem poderiam se apresentar para em seguida rapidamente os resolver
Assim diz Heidegger em sua conferecircncia O que eacute isto ndash a filosofia acerca
desses sofistas e de sua entrada neste momento oportuno em que o saber se
demorava ante esse entre do misteacuterio
O ente no ser isto se tornou para os gregos o mais espantador Entretanto mesmo os gregos tiveram que salvar e proteger o poder
do espanto deste mais espantoso ndash contra o ataque do entendimento sofista que dispunha logo de uma explicaccedilatildeo compreensiacutevel para qualquer um para tudo e a difundia A salvaccedilatildeo do mais espantoso ndash
ente no ser ndash se deu pelo fato de que alguns se fizeram a caminho na sua direccedilatildeo quer dizer do sophoacuten Estes tornaram-se por isso
aqueles que tendiam para o sophoacuten e que atraveacutes de sua proacutepria aspiraccedilatildeo despertavam nos outros homens o anseio pelo sophoacuten e o
mantinham aceso O philein to sophoacuten aquele acordo com o sophoacuten de que falamos acima a harmonia transformou-se em oacuterecsis num aspirar pelo sophoacuten O sophoacuten ndash o ente no ser ndash eacute agora
propriamente procurado Pelo fato de o philein natildeo ser mais um acordo originaacuterio com o sophoacuten mas um singular aspirar pelo
sophoacuten o philein to sophoacuten torna-se ldquophilosophiacuteardquo Essa aspiraccedilatildeo eacute determinada pelo Eacuteros
119
A de-cisatildeo120
de demorar-se na abertura na cisatildeo entre o que se oculta
cada vez mais que se mostrava teve para se proteger deste ataque dos
118
Sobre essa postura sofistica ante as aporias e tambeacutem acerca de seu domiacutenio da linguagem conferir a Metafiacutesica de Aristoacuteteles onde ente ao tratar dos problemas dos
contraacuterios enfrenta tanto os dialeacuteticos como os sofista dizendo que aos primeiros era preciso uma argumentaccedilatildeo da problemaacutetica ela mesma para que se revelasse onde estavam se
equivocando jaacute aos segundos era necessaacuterio um constrangimento loacutegico pois esses natildeo buscavam a verdade mas falavam apenas pelo prazer de falar seu falar era meramente dominado pela intenccedilatildeo de um benefiacutecio proacuteprio 119
HEIDEGGER O que eacute isto ndash a filosofia p32 120
Pensamos que no expressatildeo de-cisatildeo guardamos a marca da abertura da cisatildeo do
misteacuterio ao aberto do decircs-velamento De-cidir eacute manter-se nesse entre do dia-logo eacute demorar-se na clareira Jaacute na expressatildeo posiccedilatildeo escutamos o eco daquela palavra que aqui se revelou
como a essecircncia do entendimento teacutecnico Posiccedilatildeo a noacutes remete diretamente aquele sin-tese
85
sofistas que se transformar num posicionamento Numa tomada de
posicionamento unilateral Diante isso eacute que neste percurso por noacutes aqui
trilhado somos levados a pensar que deixar-se ser guiado pelo acordo
harmonioso com o misteacuterio eacute uma de-cisatildeo bem mais vigorosa do que a
decisatildeo no sentido de um posicionar-se Diante as απορηας aporias primordiais
que na intenccedilatildeo de se beneficiar dos sofistas tanto Platatildeo como Aristoacuteteles
necessitaram salvar o espanto por amor ao saber tiveram que decidir por uma
αρθε um princiacutepio ideia ousia e de acordo com essa decisatildeo que a eles se
impocircs como o destinado pelo ser estabeleceram uma linguagem um logos
proposicional em confronto com o risco que se corria com a linguagem poeacutetica
desde primeiros e mais profundos pensadores
Poreacutem o que em Platatildeo e Aristoacuteteles ainda se mantinha como uma de-
cisatildeo adveniente do destinado pelo ser eacute esquecida ofuscada re-configurada
pelo modo outro de pensar latino que o segue Eacute nessa passagem do pensar
grego para o latino que Heidegger indica o ponto crucial do afastamento do
misteacuterio como o mais essencial agrave essecircncia da verdade enquanto decircs-
velamento do esquecimento da cisatildeo que mantendo o pensador no espanto do
entre o protegia o res-guardava da decadecircncia da unilateralidade Por uma
vontade de progresso de decircs-envolvimento essa decisatildeo agora jaacute entendida
como tomada de posiccedilatildeo passa a controlar a razatildeo o pensar torna-se
entendimento o ιογος torna-se loacutegica A αιήζεηα torna-se veritas adequatio
corretude verdade Seguindo sempre adiante sem tempo para parar e olhar
para a proveniecircncia de onde haacute muito eacute enviado o que nos eacute destinado segue
esse decircs-envolvimento A linguagem o pensar que se davam como obra
como poiacuteesis torna-se uma linguagem predicativa proposicional torna-se re-
presentaccedilatildeo passando a dominar praticamente todos os acircmbitos do humano
A de-cisatildeo enquanto com-fronto disputa originaacuteria enquanto a απορηα que
levou o homem a imobilidade retorna na era da teacutecnica pela presenccedila uacutenica da
exigecircncia de um posicionamento A falta de aporia pela certeza imposta pela
pressa dos negoacutecios do desenvolvimento da teacutecnica eacute que agora imobiliza a
capacidade do homem a um confronto verdadeiro radical com o poder de
dominaccedilatildeo que se impotildee sobre ele
onde o sin eacute o por junto e o tese eacute em uma posiccedilatildeo Sin-tese em grego Ge-stell em alematildeo eacute
marca caracteriacutestica da unilateralidade da representaccedilatildeo
86
Diante essa nova imobilidade Heidegger por meio do pensar do poetar
busca redespertar esta aporia perdida aquele acordo originaacuterio aquela
harmonia essencial com o ser Urge uma nova tomada de de-cisatildeo ante a
pressa que impede qualquer parar meditativo-poeacutetico qualquer esperar
escutar Torna-se necessaacuterio o risco de se lanccedilar o olhar agraves profundezas das
alturas e aiacute cair no poccedilo outra vez Potildee-se o arriscar-se a ir-agrave-proximidade do
misteacuterio e se permitir ser entorpecido ldquona boca e na almardquo121
por esse demorar-
se no entre nesta abertura na clareira do ser Mas como pode o homem da
era da teacutecnica do entendimento representativo atingir a profundidade do
misteacuterio Como atingir essa serenidade que guarda a medranccedila do que salva
Trilhemos mais essas questotildees que se potildeem antes de nos demorarmos onde a
muito somos convocados
44 Da procura ao Aguardar o silencioso caminhar na vereda
Pensamos na serenidade como a disposiccedilatildeo que guarda em seu seio a
medranccedila do que salva Estaacute que enquanto um dizer sim e natildeo a teacutecnica nos
liberta da servidatildeo aos objetos e pensamento teacutecnico bem em seu seio Que
como este demorar-se no entre do aberto do misteacuterio da cisatildeo proveniente do
ser ao homem o devolve o conduz a um retorno ao habitar que lhe fora
confiado doado Pensamos essa serenidade em meio a um intenso domiacutenio da
teacutecnica sobre praticamente todos os acircmbitos do humano mas como se tornaraacute
possiacutevel quebrar essas algemas do entendimento representativo loacutegico e
aceder a esta serenidade Qual o procedimento o meacutetodo a forma de
aquisiccedilatildeo desta serenidade Como re-significar a linguagem proposicional
predicativa abrindo a ela a possibilidade do diaacutelogo com a linguagem poeacutetica
Essas perguntas de forma alguma nos conduziratildeo a esta serenidade a essa
121
Faz-se aqui uma alusatildeo ao estado que Mecircnon ao dialogar com Soacutecrates eacute levado pelo seu discurso Um entorpecimento que Platatildeo potildee como o movimento necessaacuterio a rememoraccedilatildeo
fonte de saber Conferir Mecircnon 80 b
E de que modo procuraraacutes Soacutecrates aquilo que natildeo sabes absolutamente o que eacute
Platatildeo Mecircnon
87
proximidade pois satildeo ainda perguntas loacutegicas do acircmbito da representaccedilatildeo
Procedimento meacutetodo adquirir re-significar satildeo todas expressotildees da re-
presentaccedilatildeo Aqui outra relaccedilatildeo com o que se potildee neste aberto do entre se
coloca
Platatildeo em um diaacutelogo no qual se investiga de qual o modo o homem
pode possuir a virtude ἀρεηή faz Mecircnon apoacutes ser levado a uma profunda
aporia sobre o que seja a justiccedila ela mesma ao estilo sofiacutestico perguntar a
Soacutecrates se eacute realmente possiacutevel aprender aquilo que absolutamente natildeo se
conhece Como eacute possiacutevel pela investigaccedilatildeo adquirir aquilo que mesmo ao
dar-se se fecha em si mesmo Como podemos conhecer esse misteacuterio atingir
essa serenidade Quem investiga busca por algo que previamente conta de
antematildeo conta previamente com algum resultado parte de uma instacircncia por
um determinado meacutetodo em alguma direccedilatildeo Mas como investigar algo que
absolutamente ainda natildeo haacute que informaccedilatildeo alguma tem-se dele Essas
perguntas jaacute estatildeo presentes no nascimento da Metafiacutesica tanto com Platatildeo
como com Aristoacuteteles Soacute que a pressa as potildee sempre de lado e nos decircs-via
ao desenvolvimento do que jaacute temos em matildeo do mais faacutecil de produzir do uacutetil
Leiamos algumas palavras de Heidegger acerca desse meacutetodo investigativo
A sua particularidade consiste no fato de que quando concebemos um plano investigamos ou organizamos uma empresa contamos sempre com condiccedilotildees preacutevias que consideramos em funccedilatildeo do
objetivo que pretendemos atingir Contamos antecipadamente com determinados resultados Este caacutelculo caracteriza todo o pensamento
planificador () o pensamento que calcula faz caacutelculos Faz sempre caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O
pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade 122
A serenidade que aguardamos natildeo chega a nossa proximidade por uma
investigaccedilatildeo meacutetodo ou atividade pelo contraacuterio eacute por ela afastada Entatildeo ao
homem natildeo resta nada a natildeo ser esperar ficar na passividade esperando que
algo ocorra e que lhe desperte essa serenidade Heidegger nomeia por
aguardar (warten) essa disposiccedilatildeo que em confronto com a investigaccedilatildeo eacute
mais apropriada agrave serenidade Um aguardar que natildeo eacute um mero espera que
natildeo eacute nunca um ficar na expectativa (erwaten) Aguardar natildeo eacute aqui um mero
122
HEIDEGGER Serenidade p 13
88
ficar na passividade esperando que algo ocorra Nem tambeacutem eacute a atividade da
investigaccedilatildeo que quer que algo chegue a determinado resultado Natildeo eacute
passividade nem atividade Eacute um trabalhar-se um obrar-se no sentido de uma
atenccedilatildeo um cuidado ao silecircncio do que se oculta do que nesse ocultar-se se
re-colhe se res-guarda Eacute aquela disposiccedilatildeo daquele caminhante que
trilhando um caminho ainda natildeo aberto que caminhando em uma mata virgem
aguarda pelo que advenha como o caminho pelo qual deve continuar seguindo
Eacute entatildeo aquele respeito aquele carinho amor philein pelo que lhe envolve
Naquela ocasiatildeo que o repouso se mostra o movimento mais apropriado diante
a aporia que se apresenta que lhe envolve ldquoDificilmente podemos alcanccedilar a
serenidade de uma forma mais adequada do que por meio de uma ocasiatildeo
para nos envolvermosrdquo 123
O querer eacute sempre um querer algo Eacute jaacute estar na expectativa A serenidade
como esse aguardar natildeo espera natildeo quer algo O que concerne a esse
aguardar natildeo eacute algo natildeo eacute um ente mas eacute a abertura eacute a clareira Eacute um
recebimento com gratidatildeo ao que brota para si do seio do ser da θσζης da
natureza Essa passagem do querer ao aguardar sereno eacute o caminho a se
seguir na ida agrave proximidade do que guarda a medranccedila do que salva Grato
com o que lhe eacute destinado o caminhante sereno lhe co-responde Liberto de
anseios e vontade o homem recebe a tarefa de guardiatildeo da clareira do brotar
guardiatildeo do diaacutelogo se apresenta como a outra possibilidade ante o perigo que
ameaccedila
Mantendo-se insistentemente nesse entre nessa abertura da cisatildeo do
misteacuterio lhe eacute destinado o Acontecimento-poeacutetico-apropriativo Ereignes da
histoacuteria do homem pois ldquoaquilo que permanece funda os poetasrdquo nas palavras
de Houmllderlin ou o que podemos escutar no eco da palavra por Goethe usada
onde ao inveacutes de usar para dar sentido a perdurar a palavra alematilde fortwaumlhrenI
usa a palavra misteriosa fortgewaumlhren como um continuar a conceder 124
O
que aiacute eacute entatildeo colhido com gratidatildeo como esse que insistentemente se demora
nisso que continua a conceder eacute levado ao homem por esse mensageiro
αγγειος como uma possibilidade de uma nova manhatilde de um novo momento
da histoacuteria Essa possibilidade que pela exploraccedilatildeo de tudo que estaacute dado potildee
123
Idem p45 124
HEIDEGGER A questatildeo da teacutecnica p 33
89
em fuga a possibilidade do inaugural que eacute confiado apenas agravequeles que se
demoram insistentemente no aguardar Aqueles que adentram na floresta natildeo
com intenccedilatildeo de uma exploraccedilatildeo de mais um mercado que lhe renderaacute um
oacutetimo negoacutecio ao comeacutercio mas agravequele que como protetor adentra na floresta
para lhe escutar e lhe res-guardar em seu cuidado
Esta natildeo eacute uma tarefa faacutecil pois aiacute trilha-se natildeo por uma estrada aberta e
segura mas trilha-se por uma vereda que insistentemente lhe potildee o fechado a
frente lhe envolvendo no risco do que absolutamente natildeo se conhece Assim
co-respondendo ao que lhe eacute confiado este caminhante deve insistentemente
demorar-se nessa aguardar do inaugural Qual o sentido dessa insistecircncia que
diversas vezes se apresentou em nosso trilhar Na conversa que eacute colhida de
um passeio do campo Heidegger nos escreve uns versos escutado de um
amigo sobre o que poderia ser pensado como o sentido dessa insistecircncia
Receber a salvo Para longa constacircncia
A verdade que estaacute a ser Nunca soacute algo verdadeiro Que o coraccedilatildeo pensante peccedila
Agrave singela paciecircncia A generosidade uacutenica
Do nobre recordar 125
Se Platatildeo como resposta a aporia acerca da possibilidade de se
aprender o que absolutamente natildeo se conhece fala de uma ἀλάκλεζης
anaminesis rememoraccedilatildeo de um recordar aqui tambeacutem o recordar se
apresenta ldquoA generosidade uacutenica do nobre recordarrdquo Recordando aquele
habitar na proximidade agrave fonte escuta-se o chamado a um novo momento da
histoacuteria a ser trilhado O nobre caminhante se depara no silecircncio da aporia do
entre com o canto de sua Matildee Este eacute convocado ao envolver-se em seu ser
Na disposiccedilatildeo da serenidade a nobreza natildeo eacute mais aquele tiacutetulo que indica um
possuidor de terras ou uma rica famiacutelia detentora de poder financeiro Nobreza
aqui eacute aquilo que tem proveniecircncia O caminhante nobre natildeo eacute dono da terra
na qual habita mas eacute filho dela eacute por ela aceito em seu seio ldquoA nobreza de
caraacuteter seria a essecircncia do pensamento (Denkens) e com isso do
125
HEIDEGGER Serenidade p 59
90
agradecimento (Dankens) Desse agradecimento que natildeo apenas agradece por
algo mas que apenas agradece por agradecerrdquo 126
Nesse nobre caminhar natildeo chegamos a um ponto final onde atingimos a
serenidade ante o misteacuterio e o misteacuterio natildeo eacute por noacutes adquirido O que se daacute eacute
aquele ir-agrave-proximidade eacute um adentrar a vizinhanccedila Com Heraacuteclito Heidegger
pensa esse ir-agrave-proximidade como uma traduccedilatildeo apropriada a esta conversa
do fragmento 122 de Heraacuteclito o menor dos fragmentos que possui uma soacute
palavra Ἀγτηβαζίε aproximar-se ir proacuteximo ser-admitido-no-sei-da-
proximidade Nosso trilhar poderia ser pensado entatildeo como esse ir-agrave-
proximidade Assim escreve Heidegger nas uacuteltimas linhas da conversa acerca
da serenidade
Que nos guiou pela noite dentro cujo brilho eacute cada vez mais
deslumbrante e supera em maravilha as estrelas porque aproxima entre si suas distacircncias no ceacuteu pelo menos para o observador ingecircnuo natildeo para o investigador exato Para a crianccedila no Homem a
noite permanece a aproximadoracostureira das estrelas Ela junta sem costura bainha nem linha
127
Assim natildeo se deve buscar aceder agrave serenidade com a intenccedilatildeo de lhe
atingir e lhe ter em posse A tarefa que fica ao homem em meio ao perigo da
dominaccedilatildeo da teacutecnica eacute algo diferente do querer do atingir do ter em posse A
tarefa que urge eacute a de um aguardar grato insistente no entre da serenidade
como esse demorar-se na proximidade na vizinhanccedila do misteacuterio Eacute pocircr no
sentido de um deixar-que em diaacute-logo esse pensamento que calcula com esse
pensamento poeacutetico que medita Cuidar de si do que lhe eacute essencial ou seja
cuidar da guarda dos misteacuterios da natureza que a si foi concedido Cuidar da
linguagem para que essa natildeo venha a decair completamente em um mero
falatoacuterio em mera proposiccedilatildeo e representaccedilatildeo mas que ela retorne ao que lhe
eacute mais proacuteprio que eacute o inaugurar o nomear o pocircr-em-obra Sua tarefa eacute cuidar
do pensamento pelo pensar ele mesmo salvando-o do ordinaacuterio e habitual
entendimento que calcula da loacutegica assim o res-guardando a possibilidade a
si mais autecircntica do meditar de poetar ante o misteacuterio Res-guardar as
relaccedilotildees dos homens entre si e entre as coisas de uma fraacutegil relaccedilatildeo sujeito-
objeto uma relaccedilatildeo egoica fundada no eu e tu e nesse resguardar permitir
126
Idem p 63 127
Idem pp68-69
91
uma outra relaccedilatildeo onde o diaacute-logo estaacute em seu seio onde a co-pertenccedila
permeia o todo Proteger a verdade como αιεζεηα decircs-encobrimento da
verdade como adequatio veritas corretude Eacute esse o sentido do que seja a
serenidade como a medranccedila do que salva Eacute a essa vizinhanccedila que fomos
levados por esse caminhar por esse caminho da floresta Holzwege por estas
sendas do pensamento por esta vereda Escutemos por fim estas uacuteltimas
palavras as quais por Heidegger foram usadas nas linhas finais de sua obra
acerca da arte A origem da obra de arte palavra de Houmllderlin um poeta que
para ele era os poetas dos poetasldquoDificilmente abandona O que mora na
proximidade do originaacuterio o lugarrdquo 128
128
HEIDEGGER A origem da obra de arte p201
92
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A-cerca do entendimento humano O salto na vereda
Pensamos neste caminhar sobre o homem o seu tempo atual sua
essecircncia e o que a este se apresenta como uma ameaccedila Pensamos na
teacutecnica na arte na serenidade Pensamos no ser na verdade e na linguagem
Adentramos estas questotildees com a proposta de dar um retorno agrave leitura que
fazemos do presente
O homem encontra-se em um estaacutegio de sua histoacuteria em que o
entendimento eacute apresentado como seu grande poder Um entendimento em
maior parte dominado pelo cientiacutefico pelo teacutecnico pelo comercial A razatildeo eacute
um grande negoacutecio para o capital principalmente quando o desenvolvimento
desta razatildeo eacute diretamente ligado agrave produccedilatildeo de um novo produto investido pelo
capital e para o capital Assim encontra-se em grande parte a razatildeo do homem
no presente Uma razatildeo que lhe foi de grande utilidade para lhe proteger das
ameaccedilas do incerto para lhe proteger do espanto do dando-lhe a seguranccedila e
conforto almejados Uma razatildeo que surge como instrumento de dominaccedilatildeo
ameaccedila fugir-lhe do seu controle para passar assim ao domiacutenio
Eacute assim que pensamos a-cerca do entendimento humano como essa cerca
que o aprisiona na dominaccedilatildeo do que seja entendido como o proacuteprio
entendimento O entendimento humano torna-se assim a cerca do humano
Uma cerca sem porta de saiacuteda onde o uacutenico caminho de uma fuga de
uma libertaccedilatildeo se apresenta como um salto Saltando sobre essa cerca para o
que estaacute aleacutem do que por ele foi aberto e dominado por sua razatildeo Este campo
aberto produzido para a sua seguranccedila o amedronta no presente momento de
sua histoacuteria com o perigo de uma escassez do adveniente do misteacuterio do que o
cerca Uma escassez de outra possibilidade que possa lhe salvaguardar da
iminente dominaccedilatildeo que a teacutecnica impotildee como ameaccedila
Urge ao homem saltar essa cerca e corajosamente mesmo que nos
primeiros passos ainda bem desajeitados pela falta de costume com esse novo
ambiente adentrar a vereda do que fora desta cerca se mostra como fonte Eacute
preciso arriscar-se por essa mata virgem em ir-agrave-proximidade do misteacuterio da
93
fonte de onde brota a seiva que alimenta sua essecircncia antes que essa
enfraquecida pela falta de seus nutrientes essenciais padeccedila ante a ameaccedila
que lhe cerca Essa seiva que na cerca eacute o pensamento calculista natildeo eacute
possiacutevel encontraacute-la em lugar algum Devemos nos aproximar dessa silenciosa
fonte originaacuteria que haacute muito canta o homem pelo retorno ao seu habitat
essencial haacute muito o convoca ao salto no a-bismo
Urge o arriscar-se a cair novamente no poccedilo ficando assim exposto a
possibilidade do riso Eacute preciso jogar-se no poccedilo e retornar com a aacutegua fonte
de tudo que em seu acircmago nutre a essecircncia do homem Retornando assim
esse que poeticamente se arrisca mais carregaraacute consigo a possibilidade de
transmitir aos outros homens o que do seio da Matildee Terra recebeu como o
destino dos homens Guardaraacute consigo a possibilidade de doar o que lhe foi
doado Em seu retorno da vereda restar-lhe-aacute a tarefa ainda mais difiacutecil do
que aquele caminhar no fechado a de dia-logar com os que moram dentro da
cerca a tarefa de pocircr em dialogo em si mesmo e em relaccedilatildeo aos outros
poesia e loacutegica metafiacutesica e pensamento caacutelculo e meditaccedilatildeo identidade e
diferenccedila
Nesse trabalho que agora podemos chamar de diaacute-logo a demora nos
primeiros passos foi uma necessidade de enfrentar tanto o enrijecimento da
tradiccedilatildeo como a proacutepria linguagem habitual da qual nos servimos nesse
confronto com a tradiccedilatildeo Se os passos finais se apresentaram em menor
quantidade de palavras eacute porque nele o caminhar cuidadoso exigiu mais
silecircncio do que dizer mais escuta do que fala Encontramo-nos apenas a
caminho de um verdadeiro e real enfrentamento com o aqui pensado Um
enfrentamento que se daraacute em nossas vidas relaccedilotildees pensamentos
linguagem com o misteacuterio do que nos convoca a sua proximidade Uma
aproximaccedilatildeo na qual a cada passo que adentramos nossa linguagem habitual
torna-se cada vez mais perigosa de levar-nos a um des(en)vio no sentido de
um novo afastamento
Esse acircmbito ao qual chegamos nessa nossa con-versa eacute um acircmbito natildeo de
respostas mas onde deve brotar as essenciais perguntas tarefa de todo
pensador que nos seratildeo destinadas ao diaacutelogo com o presente no qual
94
existimos Agradeccedilo portanto a companhia nessa caminhada pela vereda
companhia essa que sem ela nenhum caminhar eacute propriamente um caminhar
verdadeiro
95
REFEREcircNCIAS
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