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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE DA FAMÍLIA
MESTRADO PROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA
ELENICE ARAÚJO ANDRADE
“A GENTE DÁ UMA PARADA E FAZ UMA REFLEXÃO”: PESQUISA-AÇÃO
COLABORATIVA SOBRE O CUIDADO ÀS PESSOAS EM USO DE DROGAS E O
SABER-FAZER DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE
FORTALEZA – CEARÁ
2020
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ELENICE ARAÚJO ANDRADE
“A GENTE DÁ UMA PARADA E FAZ UMA REFLEXÃO”: PESQUISA-AÇÃO
COLABORATIVA SOBRE O CUIDADO ÀS PESSOAS EM USO DE DROGAS E O
SABER-FAZER DO AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Profissional em Saúde da
Família do Programa de Pós-Graduação
em Saúde da Família do Centro de
Ciências da Saúde da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial
à obtenção do título de mestre em Saúde
da Família. Área de Concentração: Saúde
da Família.
Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Rocineide Ferreira da Silva.
FORTALEZA – CEARÁ
2020
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Por questões éticas, os nomes dos
colaboradores desse estudo foram
modificados, mas isso não os tornam
menos importantes. Sabemos a
importância de cada um nessa construção
rica de afetos positivos, onde foi possível
cuidar e ser cuidada. Compartilhamos
saberes e fazeres, dividimos experiências
e vivências, a fim de ressignificar nossas
práticas na Estratégia Saúde da Família.
Obrigada por terem acreditado na minha
proposta e terem sonhado comigo, pois
sabemos que é possível através do nosso
trabalho produzir um fazer solidário um
responsabiliza-se com o outro e pelo
outro.
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AGRADECIMENTOS
Com o coração cheio de memória e afeto positivo, sou muito grata a todos que
estiveram comigo nessa caminhada do mestrado que se revelou uma grande
caminhada de crescimento pessoal e profissional.
À minha orientadora Prof.ª Dr.ª Maria Rocineide Ferreira da Silva, pela acolhida e
confiança no meu trabalho, sentimento de gratidão.
Ao meu querido Prof. M.e Leilson Lira de Lima, meu co-orientador, pela acolhida,
disponibilidade, leveza, interesse e dedicação com que me orientou. Pelo respeito
e carinho que dispensou em todas as etapas deste trabalho, aprofundando os debates
e fazendo reflexões teóricas com a prática aqui desenvolvida. Por tornar esse trabalho
leve e cheio de amorosidade.
Ao Professor Dr. José Maria Ximenes Guimarães, pelas contribuições científicas,
pelos ensinamentos e apoio.
A todos os meus colegas do Mestrado Profissional em Saúde da Família da
Nucleadora (UECE), companheiros de jornada que foram importantíssimos nessa
caminhada.
À Sylvania Granjeiro e Viviane Amorim pela amizade construída, companheiras
inseparáveis.
Aos meus queridos, Claudinho, Ianna, José, Ana, Viviane, Glaucia e Eduardim, pelas
contribuições ético-filosóficas.
À Vitória pela amizade e carinho.
À minha família, minha mãe dona Socorro, minhas irmãs Milene, Carminha e
Claudiana e ao Josué, meu irmão, por acreditarem em mim.
Aos meus sobrinhos, Emille, Sara, Mirela, Kauany, Kelvin,Vitória, Maria Luiza. Kauan
(in. memória) meus amores, extensão de mim em outros lugares, pelo incentivo e
carinho que sempre tiveram comigo.
À minha filha Débora Andrade, meu presente de Deus, por você eu vivo todos os dias
lutando por uma vida e um mundo melhor.
Ao meu companheiro Fernando, pelo carinho e compreensão, pelas discussões
filosóficas e políticas afloradas. Meu maior incentivador. Estímulo para seguir em
frente.
À banca pelas contribuições importantíssimas dadas durante o percurso dessa
pesquisa.
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Aos funcionários do Mundo Verde.
A todos que de forma direta ou indireta contribuíram para realização deste trabalho.
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RESUMO
A questão do uso de álcool e outras drogas perpassa pelas mais diferentes
dimensões, socioculturais, biologistas, psicológicas, político-econômicas e
antropológicas. No que se refere ao trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde, a
prática ainda é alicerçada de preconceitos e estereótipos, o que mostra a necessidade
da formação dos ACS para oferecer suporte às pessoas em uso de álcool e outras
drogas. Diante disso, o objetivo deste estudo foi refletir e ressignificar as práticas e
concepções de cuidado dos agentes comunitários de saúde sobre as pessoas que
fazem uso de álcool e drogas. Trata-se de uma pesquisa-ação colaborativa, numa
perspectiva crítica reflexiva. O estudo foi realizado no município de Fortaleza, Ceará,
especificamente em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde. Foram eleitos como
colaboradores os nove ACS atuantes nas equipes da Estratégia Saúde da Família.
Como estratégia utilizada para coleta e produção dos dados, foram realizados
encontros reflexivos sobre drogas, os quais problematizaram conhecimentos, saberes
e práticas. O diário de campo foi utilizado na pesquisa para registrar de forma
sistemática todas as atividades realizadas. Foi realizada a análise de conteúdo
categorial temática na perspectiva crítica. Os resultados desta pesquisa foram
reunidos em três categorias de natureza temática. A primeira trata sobre as
percepções dos ACS sobre drogas, os motivos do uso e as problemáticas que
envolvem os usuários de álcool e outras drogas. A segunda diz respeito ao saber-
fazer dos ACS, suas relações e implicações com o cuidado às pessoas que sofrem
com o uso abusivo de álcool e outras drogas. Por último, a importância do processo
educativo a partir da pesquisa-ação colaborativa com os ACS. Torna-se, portanto,
urgente e necessária a construção de processos de educação permanente para esses
trabalhadores. Com as limitadas discussões sobre uso de drogas no cotidiano das
equipes de saúde da família, prevalece o senso comum, tendo suas práticas
fundamentadas no medo, nos estigmas e na criminalização do uso e dos usuários de
drogas.
Palavras-chave: Agentes Comunitários de Saúde. Cuidado em saúde. Estratégia
Saúde da Família. Uso de drogas. Educação.
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ABSTRACT
The issue of the use of alcohol and other drugs runs through the most different
dimensions, be it socio-cultural, biologist, psychological, political-economic and
anthropological. With regard to the work of Community Health Agents, the practice is
still grounded in prejudice and stereotype, which shows the need for the formation of
CHAs to support people using alcohol and other drugs. Therefore, the aim of this
study was to reflect and reframe the practices and conceptions of care by community
health agents about people who use alcohol and drugs. It is a collaborative research-
action, in a critical reflexive perspective. The study was carried out in the city of
Fortaleza, Ceará, specifically in a Primary Health Care Unit. The nine CHA working
on the Family Health Strategy teams were elected as collaborators. As a strategy
used for the collection and production of data, reflective meetings on drugs were
held, which problematized knowledge, knowledge and practices. The field diary was
used in the research to systematically record all activities performed. Thematic
categorical content analysis was carried out from a critical perspective. The results of
this research were gathered in three categories, of a thematic nature. The first deals
with the CHA's perceptions about drugs, the reasons for their use and the problems
involving users of alcohol and other drugs. The second concerns the CHAs' know-
how, their relationships and implications for the care of people who suffer from the
abusive use of alcohol and other drugs. Finally, the importance of the educational
process based on collaborative action research with the CHA. It is therefore urgent
and necessary to build permanent education processes for these workers. With the
limited discussions on drug use in the daily lives of family health teams, common
sense prevails, with its practices based on fear, stigmas and criminalization of drug
use and users.
Keywords: Community Health Agents. Health care. Family Health Strategy. Use of
drugs. Education.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS Agente(s) Comunitário(s) de Saúde
APS Atenção Primária à Saúde
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas
ESF Estratégia Saúde da Família
MS Ministério da Saúde
PAC Programa Agente de Saúde
PACS Programa Agente Comunitário de Saúde
PSF Programa Saúde da Família
UAPS Unidade de Atenção Primária à Saúde
OMS Organização Mundial de Saúde
RAS Rede de Atenção à Saúde
RAPS Rede de Atenção Psicossocial
SUS Sistema Único de Saúde
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 12
1.1 Das aproximações com o tema: trajetórias, territórios e
sentidos........................................................................................................ 12
1.2 Delineamento do objeto.............................................................................. 14
2 OBJETIVOS.................................................................................................. 20
2.1 Geral.............................................................................................................. 20
2.2 Específicos................................................................................................... 20
3 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................ 21
3.1 Breve histórico sobre o uso e as abordagens às
drogas........................................................................................................... 21
3.2 Atenção primária à saúde e as ações dos agentes comunitários de
saúde no uso de drogas.............................................................................. 26
4 MÉTODO....................................................................................................... 33
4.1 Tipo de estudo............................................................................................. 33
4.2 Cenários da pesquisa.................................................................................. 33
4.3 Os colaboradores e as interações............................................................. 35
4.4 Coprodução do conhecimento: as estratégias e os modos da
investigação................................................................................................. 36
4.5 Análises e interpretação das informações................................................ 40
4.6 Aspectos éticos e legais............................................................................. 41
5 ANÁLISES E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: ENCONTROS,
SABERES E PRÁTICAS E COPRODUÇÕES DE
CONHECIMENTO......................................................................................... 42
5.1 Encontros entre a pesquisa, sujeitos, cenários e
conhecimentos............................................................................................. 42
5.2 Uso de drogas: concepções, des(cuidado) e contextos na produção
de saberes e práticas.................................................................................. 47
5.3 Produção do cuidado ao usuário de álcool e outras drogas na
estratégia saúde da família: entre as andanças pelos territórios e o
saber-fazer do acs....................................................................................... 57
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5.4 Pesquisa-ação colaborativa e a ressignificação das práticas de
cuidado aos usuários de álcool e outras
drogas...........................................................................................................
64
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 71
REFERÊNCIAS............................................................................................. 74
APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO............................................................................................. 82
APÊNDICE B – ROTEIRO DAS OFICINAS COM OS ACS......................... 83
APÊNDICE C – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO COLABORATIVA.............. 84
APÊNDICE D – ROTEIRO DAS PERGUNTAS DISPARADORAS DAS
OFICINAS COM OS ACS.............................................................................. 85
ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA................ 86
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Das aproximações com o tema: trajetórias, territórios e sentidos
A aproximação com o objeto desta investigação surgiu na minha
trajetória, em contextos históricos diferentes, com significados e sentidos peculiares.
Minha prática profissional e minha formação acadêmica permitiram-me um
movimento de reflexão e questionamentos sobre o uso de drogas. Tais movimentos
de leitura, reflexão e discussões sobre a temática propuseram-me um transbordar
do ideário determinista de causa e efeito para uma concepção ampliada a respeito
do uso de drogas.
Foi na graduação que ocorreu o primeiro contanto com a temática.
Estagiei como estudante de Serviço Social em uma Comunidade Terapêutica no
município de Fortaleza, Ceará, local onde tive uma aproximação maior com
usuários de crack em tratamento, sob a perspectiva da lógica de abstinência total.
Na ocasião, desenvolvi minha pesquisa com este público e procurei compreender
as implicações dos usuários de crack no processo de reinserção social.
Em um segundo momento, na Residência Multiprofissional em Saúde da
Família e Comunidade, foi lançado um novo desafio: pesquisar as representações
sociais dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) em relação ao cuidado aos
usuários de substâncias psicoativas. Ambas as experiências me motivaram para dar
continuidade à pesquisa pela relevância e complexidade da temática.
Além disso, atuo há doze anos na Estratégia de Saúde da Família (ESF)
como ACS em um território situado na cidade de Fortaleza, em que há grande
vulnerabilidade social1 e elevado índice de uso abusivo de drogas2 Isso tem
implicações no cotidiano do trabalho e reflete nas ações do cuidar e não cuidar dos
sujeitos que fazem uso de substâncias psicoativas.
O bairro Dias Macedo, local onde atuo como ACS e cenário dessa
pesquisa, é um bairro da periferia que fica a 9 Km do centro de Fortaleza, localizado
_________________________________________
1 Conjunto de fatores inerente à sociedade capitalista, no qual os indivíduos têm acesso restrito ou nenhum acesso aos Direitos Sociais. (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). 2 Quando forem usados os termos: uso abusivo de álcool e outras drogas, uso de substância psicoativa, uso problemático e uso abusivo de drogas, são termos considerados equivalentes neste estudo.
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ao lado do Aeroporto Internacional Pinto Martins, tendo a Av. Carlos Jereissati
como um dos acessos. As outras maneiras de adentrar no bairro são pela Av.
Alberto Craveiro ou Av. Dedé Brasil. Ele é composto por alguns conjuntos
habitacionais, dentre eles o Conjunto Renascer, Conjunto Aqui Fico, Conjunto
Napoleão Viana e Conjunto Martins Soares Moreno. Além do Parque Sidrião,
localizado às margens da Av. Dedé Brasil, também cenário de algumas ocupações
habitacionais precárias.
O bairro tem uma grande diversidade em relação ao nível de
infraestrutura, nível de renda e escolaridade. Ao andar pelas ruas é possível
perceber a diversidade em relação à largura, algumas muito estreitas e com
pavimentação precária com esgoto a céu aberto, outras largas com residências de
padrão elevado.
As casas dos conjuntos habitacionais ao longo do tempo foram
reduzidas de uma para três a quatro casas para abrigar as famílias que foram
aumentando no decorrer do tempo. Existem vários comércios, lanchonetes, salões
de beleza e bares que movimentam a economia do bairro, além de uma feira que
acontece uma vez por semana. Muitos moradores têm como fonte de renda o
comércio informal, outros trabalham fora do bairro. Em média as famílias são
compostas por até cinco membros, muitos sobrevivem apenas do Programa Bolsa
Família.
É possível observar nas ruas do bairro, grande movimentação de
pessoas que utilizam as praças do Renascer, do Aqui Fico e do Dias Macedo, a
maioria homens que se encontram para jogar dama, conversar e fazer uso de
alguma substância psicoativa. Esses locais não são usados exclusivamente por
esses grupos nem para essa finalidade, no entanto, aponto aqui que existe esse
movimento nas praças e em outros locais específicos do bairro.
Diante dessa trajetória profissional, observo e vivencio que as equipes da
ESF, principalmente os ACS, se deparam cotidianamente com os mais complexos
desafios e que as vulnerabilidades sociais se apresentam das mais diversas
formas, dentre elas, o uso abusivo de substâncias psicoativas é um elemento muito
presente no contexto dos profissionais da Atenção Primária à saúde (APS3).
No entanto, percebo ainda a dificuldade dos profissionais da APS de
terem suas ações de cuidado direcionadas às pessoas que fazem uso de álcool e
outras drogas. As abordagens são consideradas mínimas e quando ocorrem se
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dão pelo viés moralista, policialesco e limitadas ao modelo biomédico,
desconsiderando as particularidades, os motivos e a questão social em torno do
uso de drogas.
Nesse sentido, a APS tem as ações fragilizadas e fragmentadas no que
se refere ao cuidado aos usuários de álcool e outras drogas. Vargas, Oliveira e Luiz
(2010) apontam alguns entraves recorrentes da gestão do cuidado direcionado a
esta população: dificuldade de estabelecimento de vínculos entre profissionais e
usuário, processo de trabalho não condizente com a realidade do território, falta de
capacitação relacionada à temática e preconceito estabelecido contra o usuário,
são alguns problemas apontados.
O objeto desta pesquisa vai, portanto, se delineando a partir da minha
experiência profissional, articulado as contribuições teóricas que fui adquirindo ao
longo desse caminhar. Diante desse novo desafio, o Mestrado Profissional em
Saúde da Família da Rede Nordeste de Formação em saúde da Família (RENASF),
na nucleadora Universidade Estadual do Ceará (UECE), me encontro com matrizes
também geradoras e provocadoras de mais inquietação e discussão. Desse modo,
busco, a partir desse lugar, compreender como estão sendo produzidas as práticas
de cuidado em saúde direcionadas aos usuários de álcool e outras drogas pelos
Agentes Comunitários de Saúde.
1.2 Delineamento do objeto
O consumo de drogas corresponde a “uma prática humana milenar e
universal” (BUCHER, 1992, p. 27). Não existe sociedade sem drogas, o que mudou
ao longo do tempo foi o motivo do uso, a quantidade, os efeitos das drogas, as
crenças e os mitos em torno do uso, além de outros fatores que têm impactos
profundos na saúde dos indivíduos.
A questão do uso de álcool e outras drogas perpassa pelas mais
diferentes dimensões, seja de cunho biologista, psicológico, sociocultural, político-
econômico e antropológico. Nesse sentido, a dependência se configura como uma
_________________________________________
3 Atenção Primária à Saúde, Atenção Básica e Estratégia Saúde da Família são termos considerados equivalentes neste estudo.
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complexidade que nega qualquer tentativa de explicação reducionista, ou seja, que
desconsidere suas múltiplas determinações, conforme apontam Seibel e Toscano
(2000) e Cruz (2006).
Os modelos de análise sobre o uso abusivo de álcool e outras drogas no
Brasil, e consequentemente a maneira como o indivíduo que faz o uso foi tratado ao
longo do tempo, configuram-se em raízes ontológicas distintas. Assim, a
abordagem perpassa pelo modelo jurídico-moral, biomédico, psicossocial e
sociocultural. Importa ainda considerar que cada modelo é atrelado a uma
concepção sobre o uso e dispõe de uma resposta para a problemática Trad, Bonfim
e Romaní, (p.35, 2013).
De acordo com Brites (2006), o uso de drogas relaciona-se com o
afloramento, na atual conjuntura capitalista, da desigualdade social, dada no
contexto de extrema massificação e alienação na sociedade burguesa. O autor
reforça que o uso frequente de drogas, atrelado ao modo de vida capitalista, ganha
dimensões e significados diferentes, tendo maior dano na sociedade do consumo.
Não tenho o intuito de apontar uso de álcool e outras drogas como a
grande questão, mas de fazer um movimento de compreender que ações de
cuidado estão sendo direcionadas a esses indivíduos. Muitos usuários chegam aos
serviços de saúde, em especial por meio da ESF, buscando soluções urgentes. As
demandas são corriqueiras e envolvem aspectos de várias dimensões: de caráter
emocional, como o sofrimento físico e psíquico, conflitos familiares, vulnerabilidades
sociais, envolvimento com questões legais, entre outros.
Machado e Mocinho (2003), entretanto, demonstram que os profissionais
da APS, estão enraizados de práticas conservadoras de cunho medicamentoso e
hospitalocêntrico tradicional. Já Consoli, Hirdes e Costa (2009) apontam a rasteira
inserção dos profissionais da APS em relação às práticas de saúde mental da
população.
No que se refere ao trabalho do ACS, em questão nesta proposta de
investigação, Oliveira (2010) descreve a prática do ACS como imbuída de
preconceito e estereótipo e, assim, Castanha e Araújo (2006) mostram a
necessidade da formação dos ACS para oferecer suporte às pessoas em uso
abusivo de álcool e outras drogas. Assim, eles assinalam a ausência e dificuldade
em desenvolver práticas de cuidado, ações pautadas por um modelo conservador
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atrelado pelo estigma e preconceito que não responde às necessidades dos
usuários de drogas.
Assim, seguindo a mesma direção, estudo realizado por Oliveira,
McCallum, Costa (2010), revela que os ACS reconhecem a problemática em
relação ao consumo de drogas na comunidade onde moram e atuam, no entanto
não existe nenhuma ação de cuidado direcionado para os indivíduos que sofrem
com o uso abusivo, o estudo ainda revela que esses profissionais reproduzem
estereótipos de preconceito em relação às drogas e às pessoas que as usam.
Estudo realizado por (Alonso, Béguin, Duarte,2017), revelou que os ACS
são importantes atores sociais, que fazem uso predominante de tecnologias leves,
tendo como principal instrumento de trabalho o conhecimento que esse profissional
obtém junto às famílias, sendo a visita domiciliar o palco para o desenvolvimento
desse contato. Dentre os aspectos positivos realizados por esses profissionais,
estariam o reconhecimento do trabalho pelas famílias, resolutividade, formação de
vínculo, trabalho junto aos pares e proximidade da residência.
Assim de acordo com a pesquisa realizada por Saffer, Barone (2017),
com objetivo de conhecer as estratégia de produção de cuidado utilizadas pelos
ACS, em relação à saúde mental, revela que é uma construção complexa e
artesanal, os modos de composição entre vida pessoal, saber comunitário e prática
profissional podem ter vários resultados, dentre eles ações culpabilizantes e
higienistas, sendo necessária atenção constante às direções éticas pelas quais se
constrói o trabalho.
Diante da complexidade apresentada e no intuito de efetivar novas
práticas em saúde, o Ministério da Saúde (MS) lançou no ano de 2003 a Política de
Atenção Integral ao Usuário de Álcool e outras Drogas (PAIUAD). Em consonância
com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Reforma Psiquiátrica, ela
visa articular um conjunto de dispositivos de cuidado em saúde mental direcionados
para os usuários de álcool e outras drogas e seus familiares (BRASIL, 2003).
Destaco que a (PAIUAD) deve se fazer presente em toda a Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS). Essa rede, implementada a partir do Decreto
7.598/2011 (BRASIL, 2011) e consolidada nas Portarias de Consolidação nº 3 e nº
6 (BRASIL, 2017), deixa claro a importância da ampliação e articulação dos
serviços de saúde para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas, no âmbito do SUS.
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Dentre os componentes da RAPS, a APS é cenário responsável por um
conjunto de ações de saúde, de âmbito individual e coletivo, que abrange a
promoção, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento e reabilitação, a
redução de danos e a manutenção da saúde. Com isso, é também lugar de
desenvolvimento, atenção integral e autonomia das pessoas em uso e consumo de
drogas, além de atuar no e para os determinantes e condicionantes de saúde das
coletividades (BRASIL, 2011; 2017).
A assistência deve, assim, perpassar não somente pelos dispositivos
extra hospitalares de atenção em saúde mental, como os Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD), mas também por uma rede de
serviços que inclui unidades de acolhimento, consultórios na rua, serviço hospitalar
de referência às pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas e pela APS – por meio da ESF4. (BRASIL, 2017).
Na ESF, o ACS é o ator social capaz de caminhar, articular, projetar e
produzir cuidados entre a comunidade e os demais atores da ESF. Por conseguinte,
é considerado por muitos o elemento importante à criação de vínculos e
reconhecimento das demandas e necessidades da população (BRAND, 2010).
Ele, desse modo, também é sujeito nos cuidados em saúde mental. Dalla
Vecchia e Martins (2009) apontam a importância do cuidado em saúde mental na
ESF, dando destaque para alguns dispositivos terapêuticos que a o ACS utiliza,
dentre eles a escuta qualificada. Em contraposição, Melo e Vecchiar (2016)
destacam que a práxis do ACS, ainda é centrada nas práticas prescritivas,
burocráticas, voltadas para intenção da cura de doenças e pautada pelo modelo
biomédico.
No que tange às práticas de cuidado do ACS, em relação às pessoas que fazem
uso de álcool e outras drogas Melo e Vecchiar (2016) mostram algumas
dificuldades desses profissionais em atuar junto a esses indivíduos: o medo, a
insegurança e a violência são elementos apontados como entraves para a garantia
de cuidado e consequentemente dificultam o acesso aos serviços de saúde.
________________________________________
4 A ESF é o modelo de atenção da APS no Brasil. Entre suas atribuições estão: a atenção centrada na família e na comunidade, em seu ambiente físico e social, ofertar serviços resolutivos, integrais e, sobretudo, humanizados, além de ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos. (TEMPORÃO, 2009; BRASIL, 2011; BRASIL, 2017). Com isso, tomo aqui nesta proposta de investigação a ESF como cenário de e para a APS e lugar de produção de evidências relacionadas ao cuidado das pessoas em uso de drogas.
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Dessa maneira, é clara a existência de barreiras que impedem que o
cuidado ocorra. A construção social do usuário de droga, em que sobressaem o
estigma e o preconceito, é fator socialmente responsável pela ausência de cuidado.
Silveira et al. (2013) salientam que os usuários de drogas sofrem constantemente
com os efeitos prejudiciais do processo de estigmatização, resultando em pouca
adesão ao tratamento, ínfima manifestação para buscar ajuda ou tratamento e
pouca disposição para desenvolver comportamentos saudáveis, o que os torna
mais vulneráveis aos agravos em decorrência do uso.
Parto, assim, do pressuposto de que as nuances em torno do uso
abusivo de drogas são multifatoriais. A percepção negativa em torno do usuário de
droga, o estigma, os rótulos e estereótipos construídos socialmente em torno
desses sujeitos são elementos que reafirmam um distanciamento e invisibilidade de
práticas de cuidados dos ACS a esses sujeitos.
É indispensável a superação da visão moralista e a culpabilização do
usuário de drogas. Contudo, é importante perceber o outro, na sua singularidade,
particularidade, entendendo que as pessoas são constituídas em contextos sociais
diferentes, e que elas vivenciam emoções de formas distintas culminando no modo
de ser e estar mundo.
Nesse sentido, tendo por base o conceito de cuidado em saúde em
desenvolvido por Ayres (2009), devo destacar que cuidar significa ultrapassar a
ideia de instrumentalidade científica da prática em saúde. O autor afirma que cuidar
deve ser compreendido como uma maneira “cuidadora”, que requer uma atitude
livre e solidária, elaborada a partir do encontro entre os sujeitos que decidem no e
pelo ato de cuidar, pelo “estar no mundo” e perceber o outro como possibilidade e
potencialidade de um encontro terapêutico.
Por conseguinte, a dimensão do cuidar do outro a partir do encontro e do
diálogo, significa ir além e perpassar esse movimento de estigma e preconceito
presente no cotidiano dos usuários de drogas na ESF. Desse modo, busco
compreender como estão sendo produzidas as práticas de cuidado em saúde
direcionadas aos usuários de álcool e outras drogas pelos ACS.
Nesse sentido, ressalto ainda a importância da gestão do cuidado
conforme aponta Cecilio (2011), do acolhimento, da clínica ampliada
Campos,(2007),, do projeto terapêutico singular, do vínculo e da
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corresponsabilidade dos ACS no cuidado às pessoas que fazem uso abusivo de
álcool e outras drogas.
Este estudo aponta, portanto, para a compreensão das práticas de
cuidado e as concepções sobre drogas, que os ACS possuem, o que poderá
direcionar para a problematização e desmistificação do imaginário social desses
atores. Isso pode, assim, proporcionar a superação da estigmatização do usuário
de drogas, a busca pela cura da “doença” e a perspectiva da abstinência total, que
se dará por meio da reflexão, a qual pela orientação metodológica aqui proposta é
produzida de modo coletivo sobre suas práticas.
Há ainda uma necessidade da produção de evidências sobre a prática
dos ACS no cuidado às pessoas que usam álcool e outras drogas e de estudos que
sejam também centrados na reflexão e transformação dessas práticas, pois a pouca
produção científica centra-se apenas nas percepções desses trabalhadores em
relação à droga e aos seus usuários.
Logo este estudo busca ampliar a produção científica sobre o assunto,
dando subsídio à configuração de ações em relação à prática cotidiana dos ACS,
proporcionando melhorias na atenção à saúde e influenciando diretamente nas
práticas de cuidados dos sujeitos que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas
a fim de (re)formular, (re)ressignificar e propor lugares, sentidos e territórios que
vislumbram a qualidade de vida e a produção do cuidado a essas pessoas que
fazem uso de álcool e outras drogas.
Diante dessas demandas, questiono aqui como esses sujeitos são
percebidos pelos Agentes Comunitários de Saúde ACS? Como esses profissionais
têm contribuído para efetivação de ações de cuidados a esse público? Como estão
sendo produzidas as concepções de cuidado em saúde direcionadas aos usuários
de álcool e outras drogas pelos Agentes Comunitários de Saúde? Quais mudanças
são possíveis no cuidado a esse público a partir do processo educativo?
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2 OBJETIVOS
2.1 Geral:
● Refletir e ressignificar as práticas e concepções de cuidado dos agentes
comunitários de saúde sobre as pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas
2.2 Específicos:
● Analisar as concepções dos ACS sobre o cuidado aos usuários de drogas;
● Identificar as práticas de cuidados dos ACS às pessoas em uso de álcool e
outras drogas;
● Elaborar o processo educativo para uma formação crítica sobre uso de álcool
e outras drogas juntos aos agentes comunitários de saúde.
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3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Breve histórico sobre o uso e as abordagens às drogas
A partir do referencial teórico, serão problematizados os processos e
práticas de produção de cuidado aos usuários abusivos de álcool e outras drogas
no contexto da Estratégia de Saúde da Família a partir dos Agentes Comunitários
de Saúde.
O uso de drogas é um fenômeno remoto, desde os primórdios da
civilização. Relatos apontam para os registros dos sumérios datados de 300 anos
a.C. que falam do uso medicinal da papoula conforme (MACRAE, 2007). Na idade
média, o uso do álcool, em especial o vinho, foi considerado uma dádiva dos
deuses e sempre esteve ligado ao encontro com o divino, relatam (INABA;
COHEN,1991).
Os estudos sobre o processo histórico relacionado ao uso e abuso de
drogas pela humanidade demonstram uma alteração significativa no padrão de uso
nos tempos atuais em relação ao início do século XX. Outrora tido como um
modelo ritualístico, raro e limitado a pequenos grupos, tornou-se um uso ilimitado,
chegando à maioria dos países e se difundindo em classes sociais distintas,
marcando um modo de vida peculiar das sociedades de consumo contemporâneas
(MACRAE, 2007).
Para Alves (2009), o isolamento de princípios ativos de substâncias
psicoativas e sua industrialização, a partir do século XIX, resultaram em formas de
algumas substâncias mais danosas, com a junção da crescente urbanização, em
especial nos grandes centros, e a expansão da substância já não tinha mais o
propósito recreativo ou terapêutico, mas ganhava outras finalidades, adentrando ao
campo social e de saúde dos indivíduos.
Com o enfraquecimento da perspectiva sociocultural, a temática em torno
da questão das drogas passou a ser objeto de domínio do campo da justiça ou da
medicina, tendo no Estado um legitimador de suas práticas. Dessa forma, a droga
foi aos poucos saindo do ideário místico para compreensão da medicina científica,
esta tida como instituição social e o Estado, como legitimador das ações
proibicionistas do uso de drogas (TRAD, 2011).
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De acordo com Alves (2009), existem dois principais posicionamentos
políticos para o enfrentamento de questões relacionadas ao consumo de álcool e
outras drogas: o proibicionismo e a abordagem de redução de danos, o primeiro diz
respeito ao modo de entender a problemática com investidura na diminuição da
oferta e consumo de drogas, viés de criminalização e moralização do uso,
entendendo como doença, desconsiderando qualquer outro viés, a perspectiva da
Redução de Danos tem uma abordagem na diminuição de danos à saúde, aos
riscos sociais e econômicos em torno do uso sem a pretensão da abstinência total.
Neste sentido, a perspectiva proibicionista cria dispositivo repressivo
que induz à criminalização, ao julgamento e ao encarceramento em massa de
indivíduos que usam drogas, porque a compreensão da problemática tem um viés
moral/criminal do problema, ou a considera como doença, desconsiderando a
subjetividade e cultura envolvida no uso de substâncias, o modelo proibicionista
visa a eliminação do consumo de drogas e propõe um modelo de atenção à saúde
considerado de “alta exigência” (SOUZA et al., 2017).
A ideologia proibicionista não pode ser dissociada de fatores históricos,
interesses econômicos e políticos efervescentes que permeiam e induzem a
racionalidade ideológica implantada no Brasil. Para (FIORE,2012), a radicalização
política do puritanismo norte-americano, o interesse da nascente indústria médico-
farmacêutica pela monopolização da produção de drogas, os novos conflitos
geopolíticos do Século XX e o clamor das elites assustadas com a desordem
urbana, foram elementos importantíssimo para elaboração de legislações de
repressão , tais quais foram implantadas no Brasil.
Portanto, as compreensões moralistas e higienistas da época buscaram
conter a oferta e o consumo das drogas legalmente ditas como ilícitas. Assim,
desenvolveu-se todo um aparato jurídico-constitucional com intervenções previstas
em lei para criminalizar e afligir os usuários dessas drogas.
Dessa forma, o Brasil manteve uma política de repressão ao uso de
drogas em consonância com o proibicionismo que ocorria nos EUA, mas o Estado
brasileiro passou a adotar duas maneiras de tratar sobre a questão das drogas,
adotando-as como lícitas e ilícitas. Assim, o álcool, o tabaco, os medicamentos
antidepressivos e calmantes tidos como lícitos não necessitavam de medidas
intervencionistas e punitivas, mas o mesmo não era dito para as drogas
consideradas ilícitas (TRAD, 2011).
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Assim, o aumento da atividade farmacêutica, o modelo médico com
status sociais importantes e uma dura legislação proibicionista a níveis
internacionais, foram suficientes para que o modelo adotado como médico-jurídico
tivesse grande destaque, sendo ainda até hoje referência para muitos trabalhadores
da saúde ancorarem suas práticas. Desta forma, esse modelo preconiza a
abstinência do uso de drogas, censura e recrimina os episódios de recaída ou
reincidência ao uso e torna as instituições de saúde espaços pouco acolhedores
para aqueles usuários (SOUZA et al., 2017).
Nesse sentido, para L’Aabate (2008) e Macrae et al. (2008), quem
ousasse usar drogas se deparararia com três possibilidades admissíveis: ser
marcado como criminoso, ser taxado como doente mental ou, por fim, estar dentro
dessas duas classificações concomitantes.
Portanto, para Medeiros (2014), esses dois modelos tidos como modelo
médico e jurídico-penal foram as únicas alternativas durante muito tempo para
determinar ações aos usuários. Assim, os feitos desses modelos eram centrados
por viés burocrático, com forte tensionamento de controle de caráter individual e
estigmatizando o usuário como anormal, sendo vinculado a um comportamento
delinquente ou classificado como doente mental.
Em decorrência do aumento das necessidades do capital, em exportar
produtos a outros países, em manter seus trabalhadores com máximo de eficiência
para não adoecer e ser improdutivo no mercado de trabalho, o Brasil passa a adotar
medidas higienistas e eugenistas, sobre os mais vulneráveis dentre eles: o negro, o
pobre, e os usuários de alguma substância psicoativa é o que apontam (VALE;
FILHO; COSTA, 2017).
As intervenções deram início à política de criminalizar os mais pobres.
Eles eram vistos como indivíduos primitivos e inferiores (BARROS, 2012). Foi na
metade no século XX que intervenções foram acertadas entre o legitimador da
ordem, o Estado e os donos das fábricas, com o objetivo de conseguir o máximo de
eficiência do trabalhador. Para isso, era necessário mantê-lo afastado das
festividades ligadas ao uso de álcool ou outras drogas.
Assim, o Estado sempre esteve atrelado a práticas de controle das ações
dos indivíduos, tendo na medicina psiquiátrica grande aliada para a efetivação
desse controle, que perpassa a vida pública confinando na vida particular desses
sujeitos imbricados no contexto social de extrema vulnerabilidade social. Segundo
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Trad (2011), o papel da medicina psiquiátrica era arraigado nos moldes europeus
que visava um domínio do corpo, da sexualidade e da violência. Essa instituição
estava a mando do Estado.
Portanto, as compreensões moralistas e higienistas da época buscaram
conter a oferta e o consumo das drogas legalmente ditas como ilícitas. Assim,
desenvolveu-se todo um aparato jurídico-constitucional com intervenções previstas
em lei para criminalizar e afligir os usuários de drogas.
Assim, em meados da década de 1970, já era visível o fracasso do
modelo proibicionista adotado no Brasil, com um mercado ilícito cada vez mais
forte, associado ao aumento da violência e da criminalidade, problemas Brites,
(2017), os riscos são crescentes e visíveis. É importante salientar que a estratégia
de Redução de Danos parte do princípio que as drogas surgem com o nascimento
do homem, que não se separam a história de ambos (Alves, 2009), assim é
necessário e urgente criar mecanismo de poder diminuir os riscos e agravos em
decorrência do uso.
Dessa forma, essa perspectiva é de “baixa exigência”, pois não
necessariamente busca a abstinência total para que sejam efetivadas ações
capazes de diminuir ou erradicar a problemática em torno do usuário, a Redução de
Danos visa a resolução das necessidades sociais de saúde inerente ao sujeito que
vivencia a problemática, de acordo com Alves (2009).
A partir do processo de democratização, setores da sociedade brasileira
começam a problematizar também o modelo proibicionista que a medicina
incorporou por muito tempo. Nesse sentido as ciências humanas e sociais, e
também uma parte das ciências médicas, começaram a tencionar formas de
abordar a questão do uso de drogas, dando início, neste cenário, à criação da
estratégia de Redução de Danos, discussão que já avança em contexto como
política a nível internacional, conforme assinala Trad (2011).
A Estratégia de Redução de Danos, surge no Brasil no final da década
de 80, na cidade de Santos, no Estado de São Paulo, tendo em vista, números
alarmantes de casos de HIV, decorrente do uso de drogas injetáveis, fora
implantado nesse momento o programa de troca de seringas, visando a diminuição
do aumento da proliferação da doença de acordo com Dantas, (2017).
O Ministério da Saúde, a partir da Portaria nº 1.028/0557, de 2005, passa
a adotar estratégia de redução de danos, como política que visa a redução de
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danos sociais e à saúde, que perpassa as ações exclusivas do programa adotado
anteriormente, mas foi ampliado e incorporado a conceitos de vulnerabilidades que
têm a ver com a maneira de entender e lidar com a problemática, a partir de outra
perspectiva, segundo, Machado e Boarin, (2013).
Assim, a compreensão no que diz respeito ao fenômeno das drogas, não
pode ser entendida apenas de maneira unilateral. Na dimensão individual, tendo em
vista um grupo de risco, é necessário considerar aspectos como social, econômico,
cultural e a política que são fatores influenciadores para o uso.
É importante salientar que a proposta da Política de Redução de Danos
(RD), é um conjunto de manifestações que tem como objetivo diminuir os riscos em
torno das pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, sem a
pretensão da abstinência total, se constituindo como estratégias de diminuição de
iniquidades, visando um cuidado a partir da oferta da clínica ampliada e do
acolhimento às pessoas em uso de drogas.
Em meados de 1998, o Brasil inicia a construção de uma política
nacional sobre o tema da redução da oferta e da demanda de drogas. Depois da
participação da XX Assembleia Geral Especial das Nações Unidas, o país adota
compromisso internacional sobre as ações referentes à prevenção do uso indevido
de drogas lícitas e ilícitas que causem dependência, bem como com o tratamento, a
recuperação, a redução de danos e a reinserção social das pessoas que fazem uso
abusivo - marco histórico no que se refere à abordagem da questão das drogas, no
entanto ainda distante de efetivação das ações na prática.
É importante citar que as legislações que tratam sobre drogas no Brasil
são três, conforme aponta (BRITES, 2017), a Política do Ministério da Saúde,
Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas (PAIUAD),
(Brasil, 2004), a Política de Drogas da Secretaria Nacional da Justiça (Brasil,2005)
e a Lei Federal 11.343 de 2006 (Brasil,2006) cria o Sisnad-Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas e normatiza procedimentos de prevenção,
reinserção, repressão e define crimes.
Em 2006, o Brasil avança na legislação com a Lei n.11.343/2006 tida
como Lei de drogas, com o reconhecimento da diferenciação do traficante para
usuário/dependente, entendendo que este deve receber atenção diferenciada de
tratamento e reinserção social.
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No que diz respeito à Lei Federal de N°11.343/2006, a Política Sobre
Drogas e a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas,
embora se diferenciam em relação à finalidade, trazem a mesma perspectiva de
redução de danos e defesa ao direito à saúde.
Nessa perspectiva ampliada sobre o uso de drogas, ambas as
legislações orientam a redução de danos como um caminho a ser percorrido,
considerando o humano, com as diversas possibilidades de lidar com as
singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são feitas pelos
indivíduos. No entanto, a Lei Federal de 2006 não rompe com o proibicionismo, o
que opera em lógica dúbia entre instituições de saúde e justiça.
Segundo Brites, (2017), existe um antagonismo entre o proibicionismo e
a saúde coletiva, pois o proibicionismo se embasa no mundo livre das drogas, não
considera a historicidade milenar dos homens com as diferentes substâncias
psicoativas e contribui para a reprodução no cotidiano de que o consumo de
psicoativo estaria na dimensão do desvio moral ou doença, reproduzido práticas de
violação de direito, o que se diferencia da abordagem da saúde coletiva que visa
uma concepção do ser social partindo do entendimento que o homem tem suas
construções históricas e que é possível apreender e interferir sobre os
determinantes sociais que se incidem sobre o processo saúde-doença, pautado
pelo viés democrático e de direitos sociais.
3.2 Atenção primária à saúde e as ações dos agentes comunitários de saúde
ofertadas às pessoas que usam drogas
Assim, a Política Nacional de Saúde Mental, embasada na Lei n°
10.216/01, busca consolidar um modelo de atenção à Saúde Mental aberto e de
base comunitária, cujas ações são organizadas em redes de cuidados territoriais e
com atuação transversal, com outras políticas específicas que tenham como meta o
estabelecimento do vínculo e do acolhimento (BRASIL, 2005; 2005b).
Neste sentido, embasada pelos pressupostos da Reforma psiquiátrica
em conformidade com as diretrizes da Política Nacional Sobre Drogas, a Atenção
Primária em Saúde (APS) ganha destaque como uma estratégia de cuidado integral
às pessoas na perspectiva de ampliação de um processo progressivo e singular
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que considera e inclui as especificidades locorregionais às dinâmicas do território
(BRASIL, 2017).
Um dos atributos da APS é o de coordenadora. Funciona como uma
gerenciadora, pois impulsiona e garante os cuidados continuados em distintos
serviços da rede, além de fazer uma articulação em distintos pontos do sistema
para um cuidado integral, tornando o caminhar do usuário na rede menos
enfadonho e com menos burocracia, assim as diferentes necessidades de saúde e
as possibilidades de resolução não podem ser alcançadas apenas pela equipe de
APS (STARFIELD, 2002), daí a importância de uma rede articulada e integrada
com os demais equipamentos sociais.
A Atenção Primária à Saúde (APS), especialmente a estratégia saúde da
família, tem sido colocada como ponto estratégico para a constituição de novas
práticas no campo da saúde, superando um modelo assistencial hegemônico, para
um modo de cuidar das pessoas a partir das necessidades do território na
perspectiva de um cuidado integral, pautada pelos princípios do SUS, visando a
promoção/prevenção e assistência às pessoas, compreendendo que as condições
de saúde das pessoas e coletividades passam por diversos fatores determinantes
que irão causar as condições de saúde, os quais grande parte podem ser
abordados na APS (BRASIL, 2017).
Nesse sentido, o aparato teórico expõe a importância da APS na Rede
de Atenção ao usuário de álcool e outras drogas como ponto estratégico para o
cuidado. Alguns estudos (VARGAS; OLIVEIRA; LUIZ, 2010; BONFIM; BASTOS;
TÓFOLI, 2012) ressaltam a importância da articulação entre a saúde mental e a
atenção primária, na perspectiva de transversalidade das políticas. No entanto,
sinalizam também a necessidade de construção de novos aportes teórico-práticos e
estudos de avaliação para o aprimoramento desses novos modos de trabalhar a
saúde.
Os achados de Schneider e Lima (2011) tratam que as concepções
sobre as drogas ainda estão sustentadas em modelos de análise dicotômicos e
deterministas, e que as equipes de Estratégia da Saúde da Família não são
preparadas para lidarem com a problemática da dependência de álcool e outras
drogas. Despreparo este que se apresenta como principal entrave para um cuidado
integral. Na mesma linha, Barros e Pillon (2006) concluíram que os profissionais da
Estratégia Saúde da Família abordam questões de saúde com a população, no
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entanto, quando se deparam com a temática sobre a questão do uso de drogas, as
ações são restritas ou quase inexistentes.
Em conformidade com Rosenstock e Neves (2010), que abordam a
carência na formação profissional dos enfermeiros em relação à dependência de
drogas e assim restringem suas ações ao encaminhamento dos usuários a serviços
mais especializados em saúde mental, Moutinho e Lopes (2008) concluíram que
existe defasagem no conhecimento dos enfermeiros, tendo em vista as novas
perspectivas conceituais sobre o tema do cuidar das pessoas que usam drogas.
Assim, em concordância com Schnneider, Roos e Wetzel (2013), há um
distanciamento da Estratégia Saúde da Família com a rede assistencial ao usuário
de drogas, além de evidenciar precárias estratégias direcionadas às pessoas que
fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.
Na busca de compreender o cuidado ofertado pela APS, Andrade (2014)
analisou as concepções e a produção do cuidado aos usuários abusivos de álcool e
crack no município cearense. O estudo revelou, através dos discursos dos
profissionais da APS, a fragilidade ou a inexistência das práticas de cuidado
voltadas para os usuários, o predomínio do modelo biomédico, a ausência na
corresponsabilização nas ações de cuidado e o desconhecimento do papel da APS
em relação às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas.
Um dos problemas relacionados ao usuário de drogas na APS é o fato de
que os atendimentos a esse público se referem ao tratamento dos sintomas por
meio de atendimentos rápidos, que visam apenas a estabilização do paciente, em
vez de garantir um cuidado continuado.
Logo, a APS, em consonância com as diretrizes da Política Nacional
Sobre Drogas, aponta para os desafios de superar compreensões simplistas, nas
quais, entre outras, há dicotomia e oposição entre a assistência e a promoção da
saúde.
Percebo, então, que a literatura aponta a fragilidade dos profissionais de
saúde da APS em não compreender a complexidade do fenômeno das drogas, a
formação deficitária, visão restrita, de caráter moralista e estigmatizante, de
exclusão, centrada no saber médico, além de apontar para o paradigma dos
profissionais perceberem as drogas como o grande mal da humanidade
desconsiderando os sujeitos e suas singularidades percebidos nos serviços de
saúde como marginais ou viciados, desconsiderando outros fatores sociais e
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políticos que se entrelaçam e permeiam a vida dos sujeitos que fazem uso de
drogas.
Diante do exposto, observa-se a necessidade e a urgência de abordar a
temática relacionada ao álcool e outras drogas no contexto da Estratégia Saúde da
Família (ESF), o desafio de construção de novas práticas, com a capacitação e
iniciativas de cunho educativo que provoque alteração de crenças e atitudes dos
profissionais em relação aos usuários do serviço conforme ressalta (RONZANI et
al., 2008).
Nesse sentido, é imprescindível reafirmarmos a APS como importante
balizadora do cuidado e lugar que necessita ser fortalecido para efetivar um cuidado
ao usuário de drogas. Ao abordamos sobre cuidado em saúde, implica em
considerar a ideia de um aporte que se configura em estratégias aprofundadas de
conceitos que transcendem a humanização, a integralidade, o vínculo, a
corresponsabilidade. É, portanto, um compromisso ético entre trabalhadores e
usuários do SUS de acordo com (AYRES, 2001).
A abordagem do problema do abuso de drogas na APS é fundamental
para o sucesso de intervenções voltadas a essa problemática, pois as ações nessa
área podem abranger a prevenção, o diagnóstico precoce, a redução de danos e o
cuidado aos agravos conforme aponta (RAMALHO, 2011).
A coordenação do cuidado é um atributo da APS e funciona como um
amálgama, pois potencializa e viabiliza os cuidados continuados, articula os
diferentes pontos do sistema para a integralidade e desburocratiza a função de
primeiro contato, ou seja, parte do reconhecimento que as diferentes necessidades
de saúde e as possibilidades de resolução não podem ser alcançadas apenas pela
equipe da APS (STARFIELD, 2002).
Apropriamo-nos da categoria cuidado, usada por Ayres (2001), que
assinala como uma conexão concomitante entre uma discussão filosófica e uma
atitude prática humanizada; assim o autor descreve o cuidado em saúde como
“uma interação entre dois ou mais sujeitos visando o alívio de um sofrimento ou o
alcance de um bem-estar, sempre mediada por saberes especificamente voltado
para essa finalidade” (AYRES, 2001).
O processo de cuidado aos usuários de drogas, conforme expõe Epele
(2012), é desenvolvido por práticas e saberes heteróclitos, isto é, com diferentes
procedências e condições sociais de formação flexíveis, portanto, é feito por
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distintos saberes e úteis para se adaptarem em diferentes contextos sociais. Logo,
esse modo de cuidar perpassa por uma dimensão da subjetividade, de implicação
com o outro, visando um estilo de vida melhor.
Assim, na perspectiva da lógica do cuidado, como prática de distintos
saberes, que visa autonomia, empoderamento, emancipação, corresponsabilização,
ampliação e consolidação da cidadania dos sujeitos que fazem uso abusivo de
álcool e outras drogas, conforme assinala Epele (2012). São tidos ainda como
sujeitos invisíveis distantes dos serviços de saúde, assim, constituem-se um desafio
para a APS garantir um cuidado integral voltado para as pessoas que usam drogas
de forma abusiva.
Desta forma, vale destacar a importância da ferramenta da educação
permanente para os trabalhadores do SUS, em especial aqueles que estão no
cotidiano, visitando famílias que apresentam grande vulnerabilidade social e que
deveriam ter uma compreensão da realidade social de forma diferenciada, não
apenas perceber o usuário de droga como um doente ou criminoso, mas percebê-lo
e empenhar-se com ele para um processo de cuidado que perpassa pela
desconstrução social do estigma e do preconceito para efetivação e garantia da
cidadania.
Tendo por norte o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS), que
se depara cotidianamente com os mais complexos desafios da realidade social, as
vulnerabilidades sociais se apresentam das mais diversas formas. Dentro desta
problemática está o uso abusivo de substâncias psicoativas, por parte de alguns
sujeitos, que ora, se apresentam com comprometimento da vida social, familiar e de
saúde.
Nesse sentido, o trabalho do ACS pode ser uma alternativa a ações de
cuidado direcionadas para aqueles indivíduos que sofrem em decorrência do uso
abusivo, tendo em vista a possibilidade deste profissional de conhecer cada usuário
na sua singularidade, por ter vínculos estabelecidos com o território e a família e por
ter uma relação diferenciada dentro da equipe com os demais membros.
A Atenção Primária à Saúde (APS) tem como foco o cuidado na família e
leva em consideração as dimensões sociais dos indivíduos. As ações preferenciais
da APS devem ser voltadas para práticas de promoção e prevenção, com intenções
que ultrapassem os métodos curativos. Para Aguiar (2007), surge aí à possibilidade
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31
de vínculos entre profissionais da Equipe Saúde da Família (ESF) e as famílias
atendidas pela equipe.
Nesse sentido, Gonçalves (2002) aponta uma relação positiva entre as
pessoas da comunidade e o ACS, pois este também reside na área pelos laços
construídos com a população, por conhecer todos os moradores da comunidade,
reconhecer os problemas do território e pela sua experiência entre o saber médico e
o saber popular. É aspecto tido como fundamental, exercendo muitas vezes papel
de liderança na comunidade.
Para Queiroz (2007), existe uma potencialidade do Programa de Saúde
da Família como espaço favorável ao incremento de ações de redução de danos,
ao mesmo tempo em que revelam a conservação de valores e práticas tradicionais,
fundamentadas no ideal de abstinência, o que acaba provocando uma
descaracterização da proposta de redução de danos em seus fundamentos
originais.
Os estudos evidenciam a Estratégia Saúde da Família como uma grande
potencializadora no cuidado aos usuários de drogas, entretanto, são apreendidas
algumas lacunas em relação ao cuidado, o que pode ser superado mediante um
investimento na capacitação e valorização dos profissionais da APS. Haja vista o
território ser, por excelência, o local para o cuidado, atenção, proteção, intervenção
e assistência ao usuário de álcool e outras drogas.
Assim, estudos de Melo, Assunção e Dalla Vecchia (2016) apontam a
necessidade e a importância da educação permanente junto aos ACS no que se
refere à compreensão da perspectiva da redução de danos para desenvolver
abordagem diferenciada junto às pessoas que fazem uso de drogas.
Dado este contexto, Santos e Ferla (2017) mostram que a educação
permanente em saúde, direcionada aos ACS no cuidado à saúde mental, é capaz
de gerar práticas transformadoras de cuidado e desmitificar a imagem de
preconceito em relação aos usuários de álcool e outras drogas.
Nessa mesma extensão, o aporte teórico de Cardoso e Hirdes (2014)
aponta o acolhimento promovido pelos agentes comunitários de saúde e a
proximidade geográfica da unidade de saúde como fatores de proteção às pessoas
que fazem uso abusivo de drogas por propiciarem o vínculo entre ambos. Além de
destacar a importância das equipes de saúde da família qualificadas para abordar
as pessoas que usam drogas, sobretudo os Agentes Comunitários de Saúde na
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32
efetivação de estabelecimento de vínculo, da escuta qualificada por meio de visitas
domiciliares e o fortalecimento de redes sociais saudáveis que atuam para
efetivação de um cuidado.
O aporte teórico envolvendo especificamente a atuação do ACS no
cuidado junto a usuários de álcool e outras drogas é ainda escasso. Contudo,
considera-se que os ACS são atores fundamentais na constituição de vínculos e
acompanhamento longitudinal na garantia integral dos direitos à saúde do usuário
de álcool e outras drogas, tal qual preconiza o SUS. Castanha e Araújo (2006)
reforçam a necessidade de intervenção no âmbito da atenção primária com o intuito
de diminuir as consequências advindas do uso abusivo do álcool na vida das
pessoas que fazem uso abusivo de drogas.
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4 MÉTODO
4.1 Tipo de estudo
Trata-se de uma pesquisa-ação colaborativa, numa perspectiva crítica
reflexiva. Com isso, é uma pesquisa social, de natureza qualitativa, a qual possui
por objetivo melhorar ou modificar a compreensão de determinada realidade e as
condições materiais na qual o trabalho é realizado (IBIAPINA, 2008).
A pesquisa colaborativa proporciona a produção de conhecimentos que
permitem a transformação da cultura e da prática, pois as investigações construídas
com base nessa perspectiva aliam a produção de conhecimentos à autorreflexão,
criando condições para o desenvolvimento profissional dos agentes sociais
envolvidos. Esses agentes sociais, que aqui são os ACS, constituem-se em
investigadores de suas práticas e em produtores de outras práticas diferentes das
utilizadas em seus cotidianos (IBIAPINA, 2016).
E é justamente o sentido da transformação da prática destacado por
Franco (2012) que se aplica a esta pesquisa. A autora afirma que a pesquisa-ação
colaborativa permite um esclarecimento sobre teorias (aqui estão as abordagens
sociocultural, moralista-religiosa e jurídico-política, o modelo biomédico, os
arcabouços político-institucionais do SUS e da ESF que norteiam a prática do ACS
no cuidado às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas) e a produção de
transformação das práticas por meio da reflexão e apropriação crítica da realidade.
4.2 Cenário da pesquisa
A pesquisa foi realizada no município de Fortaleza, capital do Estado do
Ceará, considerada a quinta capital mais populosa do Brasil, bem como a mais
habitada do Estado. Possui uma área territorial de 313,8km². Situada no Nordeste
brasileiro, a capital cearense tem a maior densidade demográfica do país, com
2.591.188 habitantes (IBGE, 2015).
A cidade de Fortaleza está dividida em sete regiões administrativas, as
Coordenadorias Regionais (CORES), com 119 bairros. A divisão em regionais
facilita a identificação das principais necessidades e demandas referentes à
população específica da área de abrangência, em consequência da
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34
multidiversidade da população de cada bairro da imensa Fortaleza (FORTALEZA,
2014).
Segundo os dados do Plano Municipal de Saúde (FORTALEZA, 2014).
Fortaleza teve um aumento significativo nos últimos anos em relação ao número de
equipes da Estratégia de Saúde da Família. O município possui 93 Unidades de
Atenção Primária à Saúde (UAPS). Com 52,30% de cobertura da ESF, estima-se
que 1.307.550 de pessoas têm atendimento garantido pelas suas respectivas
equipes.
Com população estimada de quase 560.000 habitantes, a Coordenadoria
Regional de Saúde VI (CORES VI) atende diretamente aos moradores de 29 bairros
(42% do território da cidade). O presente estudo, portanto, teve como cenário uma
UAPS situada no território da CORES VI.
Os equipamentos sociais da área da saúde presentes no território da
CORES VI são compostos pela Atenção Primária à Saúde (APS), com 29 UAPS,
duas Unidade de Pronto Atendimento à Saúde (UPA (UPA Dr. Fábio Landim e UPA
de Messejana), quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (um CAPS Geral,
um CAPS álcool e outras drogas e um CAPS Infantil). Em relação à atenção
secundária existem o Hospital Distrital Gonzaga Mota de Messejana, o Hospital
Frotinha de Messejana e a Atenção especializada estadual (Hospital Dr. Carlos
Alberto Studart Gomes, Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, Hospital
Sarah Kubitschek e o Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara).
O município dispõe de todos esses equipamentos de saúde para prestar
assistência à saúde das pessoas, seja no nível terceiro, secundário ou no nível de
atenção primária à saúde, no qual atuo como ACS. Assim, a inserção e
reconhecimento do território e da comunidade na qual trabalho, as demandas e
necessidades das pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas e a latente
necessidade de reflexão com a possibilidade de transformação das práticas de
cuidado a esses sujeitos legitimam a escolha da UAPS cenário desta investigação.
A UAPS em questão está localizada no bairro Dias Macedo e atende em
média a 13.000 pessoas. A unidade dispõe atualmente de quatro equipes de saúde
da família, tendo na sua composição cinco enfermeiros, dois médicos, quatro
cirurgiões-dentistas e nove ACS para atender a população adscrita. Conta ainda
com o apoio de uma equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF),
composto por duas psicólogas, uma fisioterapeuta e dois profissionais de Educação
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35
Física. A UAPS é campo de prática para a formação de acadêmicos dos cursos de
graduação em Enfermagem e Fisioterapia.
4.3 Os colaboradores e as interações
Na realização da pesquisa-ação, numa perspectiva colaborativa, os
participantes se constituem colaboradores de um processo de construção da ação e
da reflexão acerca da intervenção, abrangendo suas múltiplas interações,
coproduzindo as informações referentes ao objeto de análise da pesquisa Lacerda
(2010).
Dessa forma, convém assinalar que a composição do grupo de
colaboradores da pesquisa levou em consideração os pressupostos da pesquisa-
colaborativa, pois como afirma Lacerda (2010), essa investigação leva em conta os
conceitos dos participantes e pesquisador e a transformação das suas práticas,
seus saberes da experiência, reflexão crítica coletiva, emancipação dos sujeitos, o
que se propõe, pela sua especificidade metodológica, ser instrumento de formação
de profissionais reflexivos.
Nesse estudo, foram convidados a participar os nove Agentes
Comunitários de Saúde (ACS), atuantes nas quatro equipes da saúde da família
que abrangem o bairro Dias Macedo. Os colaboradores deste estudo acompanham
mensalmente de 700 a 900 famílias.
Um ponto relevante que precisa ser acentuado refere-se à
particularidade em relação à quantidade de ACS por equipe de saúde, seria
necessário um quantitativo de em média quinze ACS, no entanto conta apenas com
nove profissionais. A unidade no início da pesquisa era composta por cinco equipes
de saúde e tinha em média dois ACS por equipe. Com a nova reconfiguração, a
UAPS passou a ser composta por quatro equipes, sendo duas equipes compostas
com três ACS, uma com dois e uma equipe com apenas um ACS. Mesmo com a
nova reterritorialização, todas as equipes continuam com microáreas descobertas
de ACS, fato esse que ocorre desde 2006, ano em que aconteceu a última seleção
pública para preenchimento das vagas.
Outro componente importante é o fato desses trabalhadores serem
moradores da comunidade, com exceção de dois que atualmente não moram no
bairro, mas que viveram durante anos na área onde trabalham. Por essa razão de
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36
pertencimento do território e por serem (ou terem sido) moradores da área,
conhecem a maioria dos habitantes e têm um relacionamento de vínculos e
afinidades pessoais que vão além da responsabilidade sanitária.
Com efeito, esses trabalhadores têm para o desenvolvimento de seu
trabalho uma área de abrangência definida, microárea de atuação delimitada, mas
vivenciam cotidianamente o dilema de “terem” que se deslocar para outras
microáreas pertencentes à equipe, mas sem ACS, para desenvolverem algumas
demandas específicas, como: buscas ativas de pacientes com doenças graves,
visitas domiciliares de pacientes acamados, entregas de marcação de consultas
especializadas, dentre outras demandas.
Nesse processo relacional é percebido que a corresponsabilização pelo
sujeito é para além da delimitação de uma microárea. Ela perpassa pelos
moradores do bairro como um todo. Essa categoria profissional, da qual faço parte
desde de 2008, ano no qual cheguei nessa UAPS, empreende esforços para
direcionamentos de um cuidado integral às pessoas que moram no bairro, em
especial às que mais necessitam.
Consoante a isso, nós trabalhadores ACS estamos na maior parte dos
dias no horário matutino da UAPS em busca por demandas e por informações que
tratam dos processos de trabalho da UAPS, além de informações específicas da
equipe a qual estamos vinculados. No entanto, o nosso trabalho é desenvolvido na
maior parte do tempo fora da UAPS. Ele ocorre no acompanhamento às famílias,
indivíduos e grupos através das visitas domiciliares.
Destaco aqui, o envolvimento desses trabalhadores que vão além das
responsabilidades de saúde das pessoa. Eles se implicam com a falta de
saneamento básico, com questões de moradia, com necessidade de emprego e
renda, dentre outros. Consideramos também as particularidades de cada família, do
sujeito percebido no território no qual adentramos todos os dias.
4.4 Coprodução do conhecimento: as estratégias e os modos da investigação
Os encontros são tidos aqui como espaços de expressão e exercício
para tomada de decisão coletiva e se caracterizam como táticas facilitadoras da
conversa, socialização de ideias, liberdade de expressão e realce para tomada de
decisão sobre a vida cotidiana, conforme assinalam Araújo, Almeida e Santos
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37
(2005). O Apêndice B descreve as estratégias utilizadas e as fontes de coleta de
dados.
No caminhar para atingir os objetivos propostos neste estudo, o percurso
metodológico se deu através de diversos momentos, por meio de encontros inter-
relacionados com os sujeitos da pesquisa em um constante movimento de reflexão-
ação-reflexão.
A primeira etapa deste estudo foi feita mediante conversas prévias com
os colaboradores do estudo a respeito dos objetivos da pesquisa e da importância
dela para a vida profissional desses trabalhadores. Eles se mostraram motivados
para contribuir com o estudo, considerando que vivenciam/vivenciavam em seu
cotidiano a problemática apresentada no projeto desta investigação, o que também
percebi/percebo enquanto ACS.
O segundo momento foi de articulação com a coordenação para
disponibilizar o espaço da unidade necessário à realização dos encontros. Merece
destaque a forma como se deu a relação com os colaboradores da pesquisa. O
interesse, a riqueza das falas, a construção dos encontros, a apropriação das
temáticas, o envolvimento nas discussões, a interação com os colegas, a
participação e a contribuição de cada ACS foram elementos ímpares na elaboração
deste estudo.
Logo, para obtenção de tais propostas, foram realizados quatro
encontros presenciais, utilizando técnicas pedagógicas da pesquisa-ação
colaborativa. Divididos em momentos diferentes, os encontros reflexivos tiveram por
subtemas: “(des)construindo paradigmas: uma análise sobre as drogas”, “imersão
no território: o fazer do ACS”, “reflexões sobre as andanças pelo território” e
“provocações: uma proposta da pesquisa-ação colaborativa”.
O primeiro encontro aconteceu no dia vinte e cinco de maio de dois mil e
dezenove, teve início às oito e quarenta da manhã, com um coffee break, contando
com a presença de nove ACS, o tema do encontro foi: (des)construindo
paradigmas, tinha por finalidade apresentar os objetivos dos encontros e construir
coletivamente as temáticas a serem discutidas nos encontros seguintes.
O segundo encontro, aconteceu no dia três de junho de dois mil e
dezenove, teve início às oito e vinte da manhã, o objetivo principal era identificar
como esses trabalhadores dispensam ações de cuidados aos sujeitos que usam
álcool e outras drogas.
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O terceiro encontro aconteceu no dia dezessete de junho de dois mil e
dezenove, teve início às oito e trinta e cinco da manhã e o objetivo era fazer uma
reflexão sobre o processo de trabalho e as demandas que chegam até o ACS sobre
o cuidado às pessoas em uso de álcool e outras drogas.
O Quarto encontro foi realizado no dia primeiro de julho de dois mil e
dezenove, o objetivo era fazer uma discussão sobre o papel da educação
permanente e o empoderamento das suas ações de saúde frente às reais
necessidades dos usuários de drogas conforme o (ANEXO B).
Foram adotadas dinâmicas que respondessem às indagações e
aproximassem ainda mais o grupo a fim de que o objetivo final fosse garantido no
intuito de possibilitar a efetiva participação dos envolvidos e a construção coletiva
do saber-fazer.
Os encontros sobre drogas tomaram como referência a educação
transformadora proposta por Freire (2002), a qual advoga que os processos de
educação não são neutros, mas têm um caráter político e ideológico imbricados nas
relações dos sujeitos envolvidos. Para o autor, a educação libertadora apresenta-se
como processo mútuo e de horizontalidade do aprendizado, que embasa a reflexão
e a ação transformadora através do diálogo.
Na mesma direção, Saviani (2005) propõe um processo educativo
baseado no materialismo histórico dialético. Tomando por base o autor, para
criação dos encontros sobre drogas com os ACS, esta investigação reconhece a
visão superficial da realidade: abstrai a realidade que retrata a prática
problematizada, levando em consideração a multideterminação dos sujeitos
envolvidos, tendo em vista as necessidades levantadas para a apreensão da prática
social problematizada para compreender o que está dado na realidade para
elaboração e desenvolvimento de novas práticas sociais.
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Figura 1 – Local dos encontros de formação da pesquisa-ação colaborativa
com os Agentes Comunitários de Saúde. Fortaleza, Ceará, 2020
Fonte: Própria autora.
A cooperação implica intervenções para identificação de questões e
situações-problema, objetos de mudanças, transformações, soluções e sua análise.
É o desdobramento da pesquisa em que o papel do pesquisador é o de provocar
discussão sobre situações experienciadas por meio de roteiro (Apêndice D) que
facilite o foco da investigação.
Já a coprodução constitui-se em etapa da consolidação dos dados de
conclusões, de modificações, de novas compreensões e atitudes de um movimento
“inacabado” ou de contínua evolução por se tratar de sujeitos sociais em processos
educativos de aprendizagem (IBIAPINA, 2008; LACERDA, 2010).
A técnica utilizada para coleta foi a observação livre, durante os
encontros, todas as falas foram gravadas com auxílio de um gravador de voz e
posteriormente transcritas, o que facilitou o resgate de seus conteúdos. Com o
intuito de preservar o anonimato, os colaboradores tiveram os trechos de suas falas
identificados por nomes de planetas: Júpiter, Plutão, Saturno, Vênus, Marte,
Mercúrio, Netuno, Urano e Terra.
Os instrumentos utilizados na pesquisa para coleta foram o diário de
campo em que foram registradas, de forma sistemática, todas as atividades
realizadas. Para Minayo (2010), o diário de campo é pessoal e intransferível. Sobre
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ele o pesquisador se debruça no intuito de construir detalhes que no seu somatório
foi congregando os diferentes momentos da pesquisa. Seu uso sistemático
aconteceu desde o primeiro momento da ida ao campo até a fase final da
investigação. Rico em anotações, este diário foi o maior auxílio para descrever a
análise do objeto estudado.
4.5 Análises e interpretação das informações
As falas gravadas durante os encontros de formação foram transcritas.
Foi realizada a análise de conteúdo categorial temática de Bardin (2010) na
perspectiva crítica de Minayo (2014). Assim, busquei não somente o entendimento
e aprofundamento do conteúdo dos dados coletados, mas também os aspectos
políticos, históricos sociais que permeiam os contextos dos ACS. É o que Minayo
(2014) afirma: a fala para melhor ser compreendida deve ser situada nesses
aspectos e contexto.
Sendo assim, a interpretação das falas dos ACS foi para além dos
discursos e das observações dadas a priori, ou seja, para além dos recortes, da
codificação e da categorização dos dados. Ela se constituiu pela minha
aproximação com a realidade social a partir da minha experiência como ACS e
pesquisadora e pelas vivências dos participantes. Com isso, essa interpretação se
deu em dois momentos. O primeiro foi a partir das experiências, saberes e práticas
minhas e as dos participantes e a outra contemplou a relação dessas experiências
com as determinações culturais e socioeconômicas dos ACS e, por último, a
articulação do que emergiu dos dois primeiros momentos com os objetivos da
pesquisa e com o referencial teórico. As categorias, portanto, foram formuladas a
partir desses momentos.
Em resumo, é baseada em Minayo (2014) a análise dos achados dos
encontros de formação com os ACS e ocorreu da seguinte forma:
✔ Pela ordenação dos dados: levantamento de todos os dados obtidos
no nos encontros com os ACS. Aqui estão envolvidos, por exemplo, transcrição de
gravações, releitura do material, organização dos relatos e dos dados das minhas
observações.
✔ Posteriormente a classificação dos dados: construída a partir de um
questionamento sobre os dados organizados, com base numa fundamentação
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teórica. Através de uma leitura exaustiva e repetida das falas, estabeleci
interrogações para identificar o que havia de mais significativo (estruturas
relevantes para os ACS, que denominei de unidades de registro). Com base no que
era relevante elaborei as categorias temáticas: “Uso de drogas: concepções,
des(cuidado) e contextos na produção de saberes e práticas”, “Produção do
cuidado ao usuário álcool e outras drogas na Estratégia Saúde da Família: entre as
andanças pelos territórios e o saber-fazer do ACS” e “Pesquisa-ação colaborativa e
a ressignificação das práticas de cuidado aos usuários de álcool e outras drogas”
✔ E por fim pela análise final: forma as articulações entre os achados e
os referenciais teóricos da pesquisa, respondendo às questões da pesquisa com
base em seus objetivos. Assim, estabeleci relações entre o concreto e o abstrato, o
geral e o particular, a teoria e a prática.
4.6 Aspectos éticos e legais
Seguindo os preceitos da Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional
de Saúde e de forma a zelar pela ética no que se refere à garantia da privacidade,
do sigilo e do anonimato dos colaboradores (BRASIL, 2012), o projeto de pesquisa,
que serviu de base ao presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Assim, aos participantes da pesquisa foram garantidos o anonimato, o
livre consentimento e a opção de participar ou não da pesquisa, podendo, inclusive,
desistir a qualquer momento. Foram assegurados o sigilo das informações e a
privacidade dos participantes, protegendo suas imagens e respeitando os valores
sociais, culturais, religiosos e morais de cada participante.
Aos participantes do estudo foram informados os objetivos e a
justificativa da pesquisa e apresentado um termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice A). Destaco que o projeto foi aprovado pelo referido CEP sob
o Parecer nº 3.313.377 (Anexo A).
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5 O CUIDADO ÀS PESSOAS EM USO DE DROGAS: ENCONTROS, SABERES
E PRÁTICAS E COPRODUÇÕES DE CONHECIMENTO PELOS ACS
Os resultados desta pesquisa foram reunidos em três categorias de
natureza temática, oriundas do referencial teórico-metodológico. A primeira trata
sobre as percepções dos Agentes Comunitários de Saúde sobre drogas, os motivos
do uso e as problemáticas que envolvem os usuários de álcool e outras drogas. A
segunda diz respeito ao saber-fazer dos ACS, suas relações e implicações com o
cuidado às pessoas que sofrem com o uso abusivo de álcool e outras drogas. Por
último, a importância do processo educativo a partir da pesquisa-ação colaborativa
com os ACS.
Antes de trazer as discussões presentes nas categorias, considero
importante descrever como ocorreram os encontros de formação desta pesquisa-
ação colaborativa.
5.1 Encontros entre a pesquisa, sujeitos, cenários e conhecimentos
Em relação à caracterização dos sujeitos, esse estudo foi constituído por
nove ACSs, a maioria do sexo feminino, o que revela uma profissão exercida na
sua grande maioria por mulheres, esse perfil condiz com estudo de CABRAL, et.al.
2019. Em relação ao perfil etário, a idade variou entre 38 e 63 anos, Em relação à
escolaridade, seis sujeitos possuem ensino médio completo, dois sujeitos com nível
superior incompleto e um com nível superior completo. A escolarização é um dos
aspectos diversificados em relação a estes trabalhadores do SUS conforme estudo
de MOTA, et. al.2010
O tempo de serviço no PSF variou entre onze e vinte quatro anos, o que
nos leva a concluir que há uma grande permanência dos entrevistados no
Programa, essa permanência não foi linear, pois alguns casos específicos,
passaram alguns anos afastados das atividades, por questões de vínculos
empregatícios fragmentados, mas conseguiram retornar às atividades trabalhistas
através da seleção pública realizada em 2006.
O primeiro encontro idealizado ao longo desse percurso aconteceu em
maio de 2019 no auditório da UAPS cenário da pesquisa. Teve início às 8h40min,
contando com a presença de nove ACS. O tema do encontro foi: “(des)construindo
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paradigmas: uma análises sobre drogas”, cujo objetivo era apresentar a pesquisa,
debater conhecimentos prévios, preconceitos e mitos associados às drogas de
modo a problematizá-los e construir coletivamente os momentos posteriores dos
demais encontros.
A dinâmica proposta atingiu seu objetivo: trazer a importância das
qualidades dos sujeitos envolvidos no estudo. As
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