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Universidade de São Paulo – USP
Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – ESALQ
Proposição de um sistema de produção agrosilvicultural em área de várzea na
COOPERACRA, Americana, SP.
Orientador: Prof. Dr. Pedro H. S. Brancalion
Aluno: Bruno Boni Teixeira
N°. USP: 4157614
PIRACICABA
Junho 2017
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Introdução
A Agricultura Familiar, historicamente subjugada a condição incapaz de sustentar
uma produção que atendesse as necessidades de um grande mercado de consumo, a qual
foi incumbida a grande propriedade rural, passou a ser apenas lembrada como modelo ideal
para a subsistência e importante como mão-de-obra local de uso temporário para os
latifúndios nos períodos em que estes necessitassem, como afirmado por PICOLOTTO
(2014).
Muito debatida quanto ao seu significado, a Agricultura Familiar tornou-se o que é
atualmente pelas transformações que no decorrer da segunda metade do século XX com a
“revolução verde” no Brasil. Durante este período parte dos pequenos produtores é excluída
deste processo de modernização, mantendo suas características tradicionais de agricultura
como a base de seu conhecimento produtivo.
Os sistemas agrossilviculturais desenvolveram-se com o tempo para otimizar a
produção diversificada por área e, com o decorrer do tempo, foram recomendados para
pequenos produtores e aqueles que praticam a agricultura familiar.
Atualmente, associa-se ao seu significado a resistência ao processo de
distanciamento da relação produtor, consumidor e sítio de produção e ao agronegócio,
sendo assim, intimamente ligado à política, buscando a adaptação à demanda moderna de
encurtamento da distância entre o produtor rural e o consumidor urbano, além de quebrar o
mito de que a Agricultura Familiar tem aptidão apenas para a subsistência.
A maior participação do Estado e dos movimentos sindicais nos assuntos
relacionados à Agricultura Familiar culminou na criação do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) para auxiliar, ainda que não exclusivamente, e trazer nova perspectiva
potencial as propriedades rurais que se enquadram nesta categoria.
A partir do auxílio do MDA e com o apoio intensivo dos governos dos ex-presidentes
Lula e Dilma os movimentos sindicais e sociais ligados diretamente ao contexto das lutas
rurais, como a reforma agrária, foi possível aumentar a participação, o reconhecimento e a
influência da Agricultura Familiar no conjunto produtivo nacional com o desenvolvimento de
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programas como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o
Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), entre outros.
Objetivo
Sugerir um sistema de produção voltado à área de várzea que seja potencialmente
condizente com as condições edafoclimáticas locais e atenda às necessidades das famílias
que compõem a COOPERACRA.
A instituição
A COOPERACRA – Cooperativa da Agricultura Familiar e Agroecológica – é uma
entidade civil primeiramente conhecida por apenas ACRA, fundada em 12 de Outubro de
1987 por famílias vindas do Paraná e que em 11 de Novembro de 2008, com 20 produtores
associados de longa tradição na produção orgânica decidiram fundar uma cooperativa,
surgindo o seu nome atual.
Atualmente a Cooperativa usa cerca de 30 hectares do Instituto de Zootecnia de
Nova Odessa em acordo celebrado em conjunto com a prefeitura da cidade de Americana –
SP, cuja população possui contato direto com a sede física daqueles. Além disso, eles
comercializam seus produtos em feiras livres locais e engajam em educar a comunidade local
através da abertura de seu espaço para atividades e visitações.
Assim sendo, participam do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e da
Campanha Nacional de Abastecimento (Conab) em Americana e Santa Bárbara do Oeste,
além de fornecer merenda escolar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
nas duas cidades citadas e também em Nova Odessa. Além disso, fornecem seus produtos
para Piracicaba através da Rede Guandu, por meio do Instituto Terra Mater.
Não só possuem em sua missão compartilhar de suas experiências e conscientizar a
população local, mas também militam em prol de uma produção que funcionalmente atue
em consonância com o ecossistema, dá-se assim sentido a sua produção orgânica, a qual
acontece desde 1999 com assistência da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral
(CATI), a ESALQ e a Casa da Agricultura, e contam com a diversidade na produção, ao total
são 60 produtos diferentes, aproximadamente.
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Tendo isso em vista, fica claro que possuir o selo orgânico representa grande
importância para eles. A Certificadora Mokiti Okada foi a responsável por garantir até 2010 o
selo orgânico de produção da COOPERACRA, a qual atualmente é certificada pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
É interessante ressalvar que ainda mantém a tradição para a qual dão prioridade
sobre todos seus objetivos, esta é garantir a subsistência dos produtores que trabalham na
entidade.
Apresentação do problema
Da área total da COOPERACRA em torno de 34% estão localizados entre a unidade
produtiva e a área de preservação permanente (APP), próximo ao Ribeirão Quilombo,
caracterizando-se como uma área de inundação em períodos chuvosos.
Pela localização do terreno é sabido que se trata de um solo de mata de brejo e que,
de acordo com IVANAUSKAS et. al. (1997), é uma planície de inundação de terreno baixo,
plano a suavemente ondulado, em situação bem definida nas margens dos rios, onde
ocorrem solos hidromórficos, como os orgânicos, gleissolos, areias quartzosas hidromótficas,
plintossolos (Embrapa, 1999).
Assim como em teoria, na prática o acúmulo de água no solo gera uma limitação ao
seu uso, o que mostrou ser, até atualmente, motivo de dificuldade para que os produtores
concretizassem sistemas de cultivo capazes de suportar as características das condições
edafoclimáticas do local. No entanto, apesar da não recomendação por parte dos técnicos
que dão assistência a Cooperativa foram feitas algumas tentativas errôneas de uso da
várzea, como o cultivo de milho.
Assim sendo, é possível notar que os proprietários insistiram em dar uso produtivo a
tal local, tornando visível também a falta de informações que os auxiliassem a sobrepor esta
dificuldade e usufruir o potencial produtivo que a área representa para eles.
Tendo isto em vista surge, a partir da conversa entre os produtores, o Técnico
Especializado em Nível Superior Ademir de Lucas (ESALQ-USP) e o aluno Bruno B. Teixeira,
do curso de Engenharia Florestal da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), a necessidade
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de um estudo que permita a sugestão de uso potencialmente adequado da área de várzea
pelos produtores rurais da Cooperativa.
Método de resolução
A abordagem do problema deu-se em um sistema de tripé composto por uma
entrevista aberta para qualitativamente entender melhor a expectativa dos funcionários
sobre o sistema a ser sugerido e entender melhor do mercado ao qual estão inseridos e
quais produtos facilmente seriam adicionados ao mesmo e, por fim, a avaliação do ambiente
no qual o sistema produtivo seria implantado.
Primeiramente, coletas de solo da várzea foram feitas para posterior análise química
e física pelos Laboratórios do Departamento de Ciências do Solo, na Escola Superior de
Agricultura “Luiz de Queiroz”, USP. A coleta do solo teve como método as recomendações
disponibilizadas por este próprio Departamento em seu website, disponível em:
http://www.esalq.usp.br/departamentos/Iso/coleta.html.
Com a intenção de conhecer melhor a dinâmica de trabalho dos produtores da
Cooperativa, entrevistas não estruturadas e observações participativas foram realizadas no
período entre Setembro de 2016 e Fevereiro de 2017, com visitações semanais à mesma.
Esperava-se que com as conversações e as observações fossem obtidos dados referentes à
expectativa de uso da área de várzea, inserção de novos produtos nos mercados já
existentes.
As entrevistas foram majoritariamente realizadas de modo semelhante ao método
“Diálogo pela Floresta (DMF)”, de Waldhoff (2014), porém adaptadas ao contexto da
Cooperativa durante suas atividades rotineiras. Os funcionários foram abordados de modo a
propriciar uma visão de todo o corpo da instituição, da presidência/administração até ao
trabalho prático, sendo entrevistados Davi, David, José Aparecido, Fátima, Kelly, Maria de
Lourdes, Wenceslau.
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Resolução
Ao observar atentamente o lugar de estudo foi possível notar que apenas uma área
seria passível de uso do solo, a do Piquete 1 (5,04 hectares) como indicado na Figura 1, uma
vez que o acúmulo de água na área do Piquete 2 era tamanha que impediu o deslocamento
até a mesma. Além disso, conversando com os funcionários da Cooperativa foi possível
entender que esta área é de constante alagamento e mínima drenagem.
Figura 1: Localização dos Piquetes para a coleta do solo na área de várzea.
Fonte: Goole Maps (2016).
Após o processo de entrevista aberta foi possível melhor entender a visão deles
sobrea área em questão e sobre o que dela buscam, tendo uma necessidade de aproveitar
todas as áreas disponíveis para a obtenção ou a complementação da renda, com a melhor
otimização de trabalho por área possível.
Ainda com base nas conversações tornou-se claro o anseior deles por uma área de
produção de palmito, uma vez que em um futuro próximo terão acesso à uma estrutura de
manufatura de palmitos. Além disso, a introdução de espécies frutíferas na área em questão
seria bem vinda, uma vez que teria fácil inserção no mercado, principalmente na merenda
escolar a qual, segundo Wenceslau, é responsável pelo escoamento da maior parte de sua
produção.
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Proposição do sistema de produção
Pensando em seguir esta linha de melhor aproveitamento e diversificação produtiva,
deste modo surge a sugestão de usar a área de várzea para cultivar três produtos diferentes,
o fruto, a madeira e o palmito há o primeiro sistema proposto na figura .
Figura 2: Sistema de produção agrosilvipastoril proposto.
Fonte: O autor.
O espaçamento visa a produção de frutos e de palmito entre as árvores, deste modo
caso ocorra o sombreamento excessivo nos palmiteiros é recomendável a poda periódica
das mesmas. Também é possível a poda geral de todas as árvores no sentido de estimular o
crescimento daquelas que estavam sob a sombra. Além disso, é de grande importância que
o material podado seja deixado como cobertura no solo propiciando assim a reciclagem dos
nutrientes.
Tendo em vista a situação encontrada através das análises de solo reaizadas é
possível dizer que, em ambas as profundidades, trata-se de um solo de textura argilosa cujas
correções a serem feitas para as plantas nativas seguem na tabela 1. Já para a produção de
palmito é altamente recomendável uma adubação nitrogenada mais intensa como 22,5 9 18
Kg por palmiteiro, como detalhado no trabalho de Yuyama et al (2005).
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Tabela 1: Adubação sugerida para as espécies nativas.
Adubação (g/planta)
N P2O5 K2O
Base 10 0 10
Cobertura 20 0 20
Fonte: O autor (2016).
As espécies com uso potencial para o presente trabalho encontram-se na tabela 2.
Tabela 2: Relação de espécies com potencial de uso.
Nome científico Nome popular Classe
sucessional Usos
Eugenia uniflora Pitangueira Não Pioneira Frutos
comestíveis
Genipa americana Jenipapo Não Pioneira Frutos
comestíveis
Calophyllum brasiliense Guanandi Não Pioneira Madeira
Cedrela odorata Cedro-do-brejo Pioneira Madeira
Bactris gasipae Pupunheira Pioneira Palmito
Fonte: Adaptado da lista de espécies produzidas pelo viveiro Bioflora, Piracicaba-SP
(2016).
Conclusão
O sistema proposto potencialmente atende aos anseios dos produtores rurais da
Cooperacra, uma vez que apresenta fácil insersão no mercado já existente, faz uso de uma
área que ao longo dos anos mostrou-se problemática para eles e é condizente com o sistema
edafoclimático do local.
É possível desenvolver um sistema de manejo adaptado às condições de um
determinado local quando se há contato com fontes de informações que embaseiem as
decisões daqueles que a necessitam.
É possível ocupar uma área de várzea com uso bem-sucedido e que, mesmo em
época de cheias, possa manter-se produzindo.
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Referências bibliográficas
ABDO, M. T. V. N.; VALEN, S. V.; MARTINS, A. L. M. Sistemas agroflorestais e
agricultura familiar: uma parceria interessante. Revista Tecnologia e Inovação Agropecuária.
Campinas, Sp. p. 50-59, dez. de 2008.
EMBRAPA. 1999. Centro Nacional de Pesquisas de Solos. Sistema Nacional Brasileiro
de Classificação de Solo. Brasília. 412 p.
Histórico da Cooperativa da Agricultura Familiar e Agroecológica de Americana.
Disponível em: <http://acraamericana.blogspot.com.br/>. Acessado em 07 de Outubro de
2016.
IVANAUSKAS, N. M.; RODRIGUES, R. R. e NAVE, A. G. Aspectos ecológicos de um
trecho de floresta de brejo em Itatinga, Sp: florística, fitossociologia e seletividade de
espécies. Ver. Bras. Bot. Vol. 20, n°. 2. São Paulo, Dezembro de 1997.
PICOLOTTO, E. L. Os atores da construção da categoria agricultura familiar no Brasil.
Revista de Economia e Sociologia Rural, vol. 52, p. 63-84, 2014.
WALDHOFF, P. Resultados da avaliação do manejo florestal comunitário sobre os
meios de vida de seus protagonistas: destaque para conservação ambiental em detrimento a
produção e autonomia. 2015. 151p. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, SP.
Yuyama, K.; Chávez Flores, W.B.; Pereira, B.G. ; Silva, A.I. 2005. Efeito da densidade
de plantas e de adubação NPK na produção inicial de palmito. R. Bras. Ci. Solo, 29: 373-378.
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Anexos
Figura 3: Atividade de rotina da cooperativa, durante a qual era possível aplicar as
entrevistas abertas e as observações participativas.
Fonte: O autor (2016).
Figura 4: Atividade de capina no SAF já existente na cooperativa.
Fonte: O autor (2016).
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Figura 5: Resultados da análise de solos.
Fonte: Laboratório de Análise de Solos, Departamento Ciência do Solo, ESALQ/USP
(2016).
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Figura 6: Resultados da análise de solos.
Fonte: Laboratório de Análise de Solos, Departamento Ciência do Solo, ESALQ/USP
(2016).
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Figura 7: Resultados da análise de solos.
Fonte: Laboratório de Análise de Solos, Departamento Ciência do Solo, ESALQ/USP
(2016).
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