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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAMPOS FUNCIONAIS WALLONIANOS E ARTETERAPIA:
PERFEITA SIMBIOSE
Deli Alves Santana
Orientador
Profª. Fabiane Muniz da Silva
Brasília/DF
2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAMPOS FUNCIONAIS WALLONIANOS E ARTETERAPIA:
PERFEITA SIMBIOSE
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de Especialista em Arteterapia em Educação e
Saúde.
Por: Deli Alves Santana
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, a
minha família, e às orientadoras Fabiane
Muniz da Silva e Narcisa Castilho de
Melo.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a meu marido e filha
pelo amor, apoio e compreensão nas
muitas horas de ausência...
5
“Tenho ensinado no ginásio, por dezenas de anos. Durante este tempo, eu lecionei, entre outros, a um assassino, a um evangelista, a um pugilista, a um ladrão e a um imbecil.
O assassino era um meninozinho que se sentava no lugar da
frente e me olhava com os seus olhos azuis. O evangelista era o mais popular da escola, era o líder dos jogos entre os mais velhos. O pugilista ficava parado perto da janela, e, de vez em quando, soltava uma gargalhada abafada, que até fazia tremer os gerânios. O ladrão era um coração alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em seus lábios. O imbecil, um pequenino animal, de olhar macio, dócil, procurando as sombras...
...O assassino espera a morte numa penitenciária do estado. O
evangelista está enterrado, há um ano, no cemitério da vila. O pugilista perdeu um olho numa briga em Hong Kong. O ladrão, nas pontas dos pés, pode ver as janelas do meu quarto. O imbecil, de olhar macio, dócil, bate com a cabeça na parede de uma cela, no asilo municipal.
Todos eles se sentaram um dia, na minha aula: sentaram e
olharam para mim, gravemente, das suas carteiras escuras e usadas. Eu devo ter sido uma grande ajuda para estes alunos. Eu lhes ensinei porque se evapora a água, os nomes das rochas, das plantas e de uma porção de coisas que eu próprio nunca vi e nem valorizei”.
John White
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RESUMO
O presente trabalho monográfico visa, através da articulação entre a teoria de Henri Wallon (especialmente os Campos Funcionais) e a Arteterapia, identificar e agregar contribuições positivas para a educação nos anos iniciais do Ensino Fundamental. No atual contexto pedagógico brasileiro grande parte dos professores, pais e alunos encontram-se desmotivados e sem perspectivas, assim utilizar os conhecimentos relacionados aos Campos Funcionais wallonianos (a pessoa, a afetividade, a cognição e o movimento) a Arteterapia bem como a Filosofia, é uma alternativa promissora para minimizar esse quadro. Dessa forma educador e educando adquirem capacidade para conhecer a si mesmos, desenvolver as próprias potencialidades, apurar a sensibilidade, promover o equilíbrio psicofísico, descobrir seu próprio espaço e o do outro, observar e questionar a realidade e a interferir nela de forma positiva. Aquisições essas de suma importância no mundo globalizado em que nos encontramos.
.
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METODOLOGIA
O objetivo maior do presente trabalho foi a reflexão, estudo e
compreensão dos Campos Funcionais wallonianos (a pessoa, as emoções, o
movimento e a inteligência) e sua união com a Arteterapia como uma
enriquecedora contribuição para o ensino nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nesse intento fizemos uso de biografias, resenhas, dicionários,
nonografias, sites da Internet, artigos de jornais e revistas, módulos do curso de
Arteterapia, entre outros. Também foram realizadas amplas releituras, no
contexto da escola, do curso de Arteterapia, e da vida como um todo.
Nesta interface utilizamos como referencial teórico autores como Abigail
Alvarenga Mahoney, Alejandro Reisin, Alfredo N. Jerusalinsky, Álvaro Sebastião
Teixeira Ribeiro, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Augusto Cury, Cláudio J.
P. Saltini, Edgar Morin, Fernando César O. Costa, George F. Kneller, F.
Ostrower, Francisco Pérez, Heloysa Dantas, Irene Gaeta Arcuri, Isabelle Flliozat,
Jorge Visca, Izabel Galvão, Gutiérrez, Lydia F. Coriat, Marcelo Caixeta, Marcelo
Michel Hanna, Laurinda Ramalho de Almeida, Luís Carlos Restrepo, Maria
Cristina Kupfer, Maria Cristina Urrutigaray, Neuza Maria Deconto, Neidson
Rodrigues, Nise da Silveira, Paulo Freire, Rubem Alves, Selma Ciornai, Steve
Biddulph, Sylvia Schmolkes, Walter Omar Kohan, Vanessa Coutinho, entre
outros.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - Henri Wallon: o homem, o cientista e o educador 14
CAPÍTULO II - Construindo pontes: Educação e Arteterapia 24
CAPÍTULO III - Arte e Filosofia na formação da “pessoa” de Henri Wallon 32
CAPÍTULO IV - Emoção e Cognição: algumas travessias 37
CAPÍTULO V - Corpo e Movimento: um olhar 55
CONCLUSÃO 67
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 70
ÍNDICE 76
FOLHA DE AVALIAÇÃO 77
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INTRODUÇÃO
“Todo início contém um evento mágico, um encontro de amor, um deslumbramento no olhar... É assim que surgem as grandes paixões, a dedicação às causas, a disciplina que dá asas à imaginação e faz o corpo voar... Não importa entender... É preciso transformar...”
Rubem Alves
A educação permeia toda a nossa vida, ela não está presente apenas
nas escolas e universidades, mas em todos os lugares: no cinema, no templo,
no clube, no teatro, no trabalho, nos lar, na praça, na rua, no museu, etc. Ela
não se dá de uma única maneira, nem em um único sentido. Educação é
vivência, aprendizado, convivência. Assim educar exige, antes de tudo,
aceitação, compreensão e respeito, tanto em relação a si mesmo como em
relação ao outro. Quem educa não mostra apenas um caminho, mas um
universo de possibilidades para que o outro possa ter a opção de escolha de
acordo com suas crenças, seus valores, suas determinações interiores. Educar
não é apenas uma troca de conhecimentos e experiências, mas um somatório
multiplicador. É uma relação que se estabelece formando componentes não só
cognitivo, mas também afetivos e sociais. O papel da educação é tão importante
que Augusto Cury (2003)1 nesse sentido faz uma advertência muito pertinente:
“Quanto pior for a qualidade da educação, mais importante será o papel da
Psiquiatria neste século”.
O mundo mudou, a estrutura familiar também, e embora estejamos
todos envolvidos em rápidas e radicais transformações, temos que atinar para o
fato de que as crianças e sua necessidades emocionais não mudaram,
continuam as mesmas. E a prática educativa necessita também de modificações
para acompanhar qualitativamente essas crianças oferecendo-lhes apoio e
bases mais seguras para seu desenvolvimento. Elas sentem-se sós, perdidas
1 CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
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diante das guerras, dos padrões de consumo e beleza estabelecidos, do sexo
desenfreado, da desumanidade, da falta de ética e humanidade, da violência
etc., sem ter quem as oriente. Estão carentes de cuidado, segurança,
compreensão e afeto.
Nesse sentido de visão ampla da educação e no constante
enriquecimento da mesma, é que se apresenta o foco do presente trabalho que
é a união entre a teoria de Henri Wallon e a Arteterapia. Para atingir essa meta
faremos a articulação entre o conhecimento dos Campos Funcionais
Wallonianos (ou seja, os domínios entre os quais se distribui a atividade da
criança: a pessoa, a inteligência, as emoções e o movimento) e a Arteterapia
como uma enriquecedora contribuição para a Educação nos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Porém, antes de explicitar o motivo dessa escolha faz-se
necessário algumas elucidações com relação ao Curso de Arteterapia em
Educação.
Este Curso de pós-graduação oferece a vantagem ao cursista, que
também é professor atuante, de ter por campo de pesquisa o próprio local de
trabalho (escola), relacionando teoria e prática ao mesmo tempo em que realiza
seus estudos. Dessa forma o educador estará continuamente repensando e
articulando o trabalho pedagógico no sentido de se tornar um agente
transformador no meio em que se encontra.
Diante da complexidade dos processos social, educativo e pedagógico
pode-se perceber claramente a importância desse tipo de iniciativa no processo
de formação de professores, por ser esse tipo de trabalho importante para a
transformação do quadro atual da educação no Brasil onde encontramos grande
parte dos professores, pais e alunos desmotivados e sem perspectivas.
Na história da Educação existiram inúmeras personalidades como
Althusser, Bordieu, Comênio, Condorcet, Dewey, Decroly, Emilia, Ferreiro,
Freinet, Foucault, Froebel, Gardner, Gramsci, Makarenko, Marx, Montaigne,
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Montessori, Pestalozzi, Paulo Freire, Perrenoud, Piaget, Platão, Rousseau,
Sócrates, Vygotsky, Wallon, entre outros, que muito estudaram, trabalharam e
criaram importantes teorias pedagógicas de acordo com os pressupostos e visão
de mundo de cada um. Dentre eles, embora cada um tenha sua relevância,
optamos por Wallon para embasar o presente trabalho.
Por que Wallon e não outro teórico? Primeiramente pela sua maneira
ímpar de conceber e fazer educação. Seu pensamento foi filosófico, sociológico,
humanista, libertador e por isso mesmo desafiador e revolucionário, tanto para
sua época como para os dias atuais. Ele quebrou paradigmas mudando a forma
como a criança era vista e tratada. Mostrou-a como pessoa completa, ser
humano integral, dotada tanto de inteligência (cognição), como de sentimento
(emoção) e movimento (motricidade), elementos básicos que se interelacionam
durante toda a vida. Ressaltou também a grande influência que ela sofre do
meio e da biologia na sua formação.
Quando se conhece Wallon e o trabalho que realizou, encontram-se
elementos que enriquecem e até modificam a visão educativa e,
conseqüentemente a práxis pedagógica. Fatores como a pouca divulgação de
sua teoria, sua história de vida - permeada pelo estudo, compromisso social e
engajamento político – e o seu espírito investigativo e questionador, fazem com
que haja uma identificação com ele e, conseqüentemente, um aprofundamento
em seu estudo.
A escolha de fusão com a área de Arteterapia deve-se ao fato de ela
atuar como elemento facilitador para o autoconhecimento e o desenvolvimento
das próprias potencialidades do ser humano. Através dela ele entra em contato
com seus sentimentos, apura sua sensibilidade, promove seu equilíbrio
psicofísico, descobre seu próprio espaço e o espaço do outro e a razão de ser e
estar no mundo. E estas habilidades incorporam-se perfeitamente aos domínios
(Campos Funcionais) tratados por Henri Wallon formando um todo unificado
que possuem uma interdependência.
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O objetivo maior deste trabalho é então a reflexão, estudo e
compreensão dos Campos Funcionais wallonianos (a pessoa, as emoções, o
movimento e a inteligência) sob a perspectiva da Arteterapia com o objetivo de
aplicação desses saberes em sala de aula, no dia-a-dia dos professores dos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Nesse intento faremos uso de recursos
como biografias, Internet, artigos de jornais e revistas, bibliografias, entre outros.
Nesta interface necessitaremos também de amplas releituras, não só no
contexto da escola e do curso de Arteterapia, mas da vida como um todo. Serão
elas que oferecerão subsídios consideráveis para encontrarmos novos rumos,
esclarecendo dúvidas, evidenciando aspectos antes despercebidos ou
subestimados, buscando respostas, apurando nossa consciência crítica e
propiciando novos e melhores elementos de compreensão da prática
pedagógica; redundando todo esse processo numa maior e melhor interação
entre educador e educando.
O presente ensaio, para efeito de organização, está estruturado em
cinco partes. A primeira trata da vida e obra de Henri Wallon bem como o
conhecimento dos Campos Funcionais; a segunda versa sobre Educação e
elementos gerais em Arteterapia: história, fundamentação, finalidade e
aplicação; a terceira ocupa-se da formação da “Pessoa” de Henri Wallon sob a
influência da Arte e da Filosofia; a quarta parte lida com a emoção (afetividade)
e conseqüentemente com a cognição (inteligência), campos de extrema
importância em todos os setores da vida humana e que necessitam ser mais
bem tratados (e integrados) pela escola; e a última aborda o corpo e o
movimento, elementos importantíssimos que a escola não tem valorizado.
Ressaltamos ainda que a Arteterapia e flashes do perfil walloniano estarão
presentes nas cinco partes do presente trabalho por serem carros-chefes no
campo de reflexão a que nos propusemos.
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Este estudo é enfim um convite para conhecermos e encontrarmos
caminhos através dos quais possamos melhorar as escolas, desenvolver os
seres humanos que nela trabalham e estudam e propiciar qualidade de vida para
a sociedade.
“Há vários momentos na vida em que o nascimento se repete. No
primeiro, a vida nos é dada como uma oferenda, um presente. Mas,
deste momento em diante, nós é que temos que lutar pelo nosso
renascimento-crescimento. Onde viver é lutar contra as mortes
invisíveis, onde viver é conquistar constantemente a vida. Não se está
vivo simplesmente porque se vive... Acredito que cada educador tem
como desafio gerar o renascimento-crescimento de cada um. Cada
educador deve viver esse seu todo com cada educando. Porque o que
vale é a relação amorosa que o liga a cada um. E cada um é um, com
nome, com uma história, sofrendo tristezas e esperanças. Não existe
educador fora desse ato de amor. Ato de amor a nós mesmos, quando
nos assumimos com nossos sonhos, nossos limites; ato de amor pelos
outros, quando os escolhemos com seus sonhos e limites. O grande
desafio é manter-se acordado, vivo; para poder ser assim, acordar os
outros. Viver com os outros. Que vida poderei viver com meus alunos,
se não estou com a minha vida nas mãos? Se não estou sendo eu
mesmo, na minha totalidade?Educar (conhecer) não é dividir em
pedacinhos, é viver a totalidade. Mas o amor e a paixão são os
“temperos” do sentido da vida. E não existe verdadeira educação sem
companheirismo, sem compromisso com os menos favorecidos sem
profissionalismo e sem esses “temperos” que condimentam o sentido
da vida da educação”.
Madalena Freire
14
CAPÍTULO I
HENRI WALLON: O HOMEM, O CIENTISTA E O
EDUCADOR
“(...) por mais deprimente e chocante o desamparo em que me encontrava, ele era sob certo aspecto benéfico ao meu fim. Obrigava-me a ser tudo em tudo para minhas crianças. De manhã até a noite, eu estava quase sempre sozinho no meio delas. Tudo que lhes chegava de bom, para o corpo e para a alma, vinha de minhas mãos. Toda ajuda, toda mão estendida às suas necessidades, todo o ensinamento recebido, vinha sempre de mim. Minha mão se juntava às suas mãos; meus olhos descansavam nos seus olhos. Minhas lágrimas se derramavam com as delas e meu riso acompanhava o delas. (...) Não era de modo algum a partir do aspecto administrativo, ou de qualquer outro aspecto externo, que eu poderia e deveria iniciar o processo de subtrair as crianças da lama e da crueza de seu meio e da corrupção e rebaixamento do seu próprio estado íntimo”.
Johann H. Pestalozzi1
Caminhando pelos jardins da memória de Marcelo Caixeta, Fernando
César Costa e Marcelo Hanna (2007)2, entramos em contato com a vida, a obra
e a mente de Henri Wallon.
Henri Paul Hyacinthe Wallon nasceu em Paris (França) em 15 de junho
de 1879. Foi o terceiro de sete filhos. O pai Paul Alexandre Joseph Wallon era
arquiteto e a mãe do lar. Foi criado em uma família republicana de tradição
democrática. Pertencia à classe média alta parisiense e morava próximo ao
Jardim de Luxemburgo, centro de Paris. O ambiente em que cresceu era
politizado, democrático, intelectual, gentil e justo. Sua mãe era afetuosa, meiga e
prestativa. Em todo local em que trabalhava Wallon mantinha uma foto dela. Ele
parecia-se moralmente com a mãe. Cresceu preocupando-se com as causas
sociais dos menos favorecidos. Seu avô Henri-Alexandre Wallon foi um famoso 1 Trecho da “Carta de Stans” na qual é narrada a experiência vivida por Pestalozzi – educador que em Stans (Suíça) cuidou sozinho de 80 crianças órfãs da guerra civil deflagrada pela revolução Helvética. 2 Capítulo baseado na obra: CAIXETA, Marcelo; COSTA, Fernando César O.; HANNA, Marcelo Michel. A Mente de Wallon. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna Ltda. 2007.
15
historiador, professor e político republicano (antimonarquista). Wallon durante
toda sua vida teve como melhor amigo Henri Piéron (grande referência da
Psicologia Experimental francesa), que o ajudou abrindo-lhe importantes portas
na vida acadêmica e profissional.
Desde criança já mostrava uma tendência para a Psicologia e para as
Humanidades em geral. Gostava da “lógica verbal”, do trabalho apurado com as
palavras. Vivia anotando palavras desconhecidas ou com sentido diferente em
uma caderneta para posteriormente pesquisar seu sentido na biblioteca do avô,
seu grande influenciador intelectual e político.
Estudou na Escola Normal Superior (1899 a 1902) formando-se em
Filosofia. Tornou-se, com vinte e três anos (através de concurso público -
Agregation), professor do Liceu Bar-le-Duc (situado na periferia de Paris), muito
entusiasmado pela Filosofia. Para ele o sentido da vida e da felicidade era doá-
la em benefício do Outro, assim se doava a causas nobres, aos alunos
interessados, a projetos humanitários, mesmo estando ocupado, sempre
arrumava tempo e disposição para fazê-lo. Talvez por isso tenha tido uma
produção científica parca se comparado a outros autores. Deu aula por apenas
um ano pois se desiludiu com o trabalho repetitivo de professor.
Incitado pelo amigo de infância Piéron matriculou-se no curso de
Medicina da Faculdade de Paris, em 1903. Dada sua formação filosófica e seu
pensamento psicológico, se interessou pela Psicopatologia. Foi assistente nos
hospitais Bicêtre e depois no Salpêtrière (1908-1931). Em 1909 se torna Doutor
em Medicina com a tese “Delírio de Perseguição – O Delírio Crônico com base
na Interpretação”. Nela trabalhou com afinco nos aspectos da inter-relação que
se estabelece na criança entre seu desenvolvimento psicológico e biológico, pois
já era muito interessado pelas complexas correlações entre psicologia e biologia,
hereditariedade e meio, doença e personalidade. Em sua tese se preocupou
com uma “psicopatologia genética”, ou seja, como os sintomas surgiam na
criança, como desenvolviam-se até a fase adulta e como era a psicogênese de
16
um sintoma mesmo tendo suas raízes pretensamente no temperamento e na
personalidade. Como nenhum outro na sua época ele já se ocupava de uma
elaboração teórico-genética de seus achados.
De 1908 a 1914 foi médico do exército francês na Segunda Guerra
Mundial, onde era ao mesmo tempo neurocirurgião, neurologista e
psicopatologista, trabalhando em inúmeros casos de traumatismo crânio-
encefálico. Experiência essa que o ajudou em sua tese de Doutorado em
Psicologia. De 1920 a 1937 ministrou aulas de Psicologia da Criança na
Universidade Sorbonne, onde conseguiu ingressar sob a influência do amigo
Piéron. Em 1925 se torna Doutor em Psicologia com a tese “A Infância
Turbulenta”. Fundou a Sociedade Francesa de Psicologia Escolar em 1927 e foi
presidente da Sociedade Francesa de Pedagogia em 1937. Aos 72 anos dirigia
a mais antiga e prestigiada associação psicopatológica francesa: Sociétè
Médico-psychologique. Estava sempre envolvido com a reforma dos currículos
escolares; do ensino superior; da oferta de oportunidade de acesso às escolas
pelas classes trabalhadoras; da assistência à infância deficiente.
Filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1935, ano em que visitou o
Brasil. Foi professor do Collège de France na cadeira de Psicologia e Educação
da Criança (denominação criada por ele) de 1939 a 1949. Participou ativamente
na Resistência Francesa e na Chefia do Front Nacional Universitário contra a
ocupação alemã de 1939 a 1945. Foi Secretário-Geral do Ministério da
Educação Francês em 1944, introduzindo a Psicologia Escolar. Foi deputado na
Assembléia Constituinte em 1946. Apresentou em 1947, em co-autoria com o
físico Paul Langevin, um Projeto de Reforma do Ensino (denominado Langevin-
Wallon) que favorecia as camadas mais pobres da população. Mesmo se
aposentando oficialmente em 1949, continuou suas atividades em seu
laboratório até 1953 e depois em sua casa, devido a um acidente que o deixou
imobilizado aos 74 anos de idade. Foi presidente da Sociedade Psicopatológica
de Paris em 1951. Morreu em 1º de dezembro de 1962 com 83 anos, em Paris,
ainda fazendo consultoria médica-psicológica a crianças com problemas
17
neuropsicológicos, pedagógicos e distúrbios instrumentais (disfasias, disprasias,
discalculias, hiperatividade etc.).
Quando foi trabalhar no Hospital de Bicêtre, no subúrbio de Paris, este
era considerado mais um “depósito de doentes” do que propriamente um
hospital, - havia ali crianças deficientes e caricaturais (delinqüentes,
abandonados, condutopatas, infratores). Mesmo que houvesse muitas cérebro-
lesionadas, grande parte também tinha problemas psicológicos sérios em
decorrência da falta ou do abandono da família, institucionalização, do
hospitalismo, de maus-tratos, abusos, negligência etc. Henri Wallon tinha então
de ter muita exatidão para definir o que era devido à lesão e o que era devido às
distorções psicossociais nesta população. Ele descreve pacientes com autismo
(que só seria descrito na década de 1950 por Kanner), lesões frontais,
disfunções cerebelo-frontais (só descobertas atualmente), a mentalidade
projetiva, os estádios impulsivos e emotivos do desenvolvimento etc. Wallon
estudou os relatos de psicólogos do desenvolvimento infantil (Stern, Buhler,
Guillaume, Praetz etc.) para se familiarizar com o tema uma vez que não tinha
filhos na época. Teve-o só em idade mais avançada: Philippe Wallon também
psiquiatra infantil, redator de importantes trabalhos sobre grafomotricidade e
desenho infantil.
Na época de Wallon os únicos recursos existentes em psicopatologia
infantil eram a psicoterapia, a psicopedagogia e a institucionalização; esta última
ele abominava por ter passado muitos anos trabalhando dentro de asilos. Seus
interesses cognitivos e sociais o levaram logo para a pedagogia da criança,
principalmente as menos favorecidas (pobres e de bairros operários). Diante de
sua impotência em fazer alguma coisa de prático na época, foi aos poucos
abandonando a prática asilo-hospitalar em psicopatologia, pois se sentia mais
útil e capaz de ajudar no campo da escola, da psicologia escolar e da psicologia
cognitiva.
18
Wallon atendia crianças de toda região parisiense portadoras de
problemas pedagógicos, mas suas consultorias não eram atendimentos médicos
ambulatoriais banais. Ele criou a Psicologia Escolar na França, tanto na teoria
quanto na prática (criando postos em todas as escolas). Fundou a revista
Enfance em 1948, considerada a bíblia da educação, pois trazia novas idéias
nesse campo tanto para profissionais como para pesquisadores; a revista era a
porta-voz dos psicólogos escolares; estes enviavam-lhe os casos mais graves e
interessantes do ponto de vista científico. Sua metodologia de consulta era
completa e seu modelo de intervenção foi difundido pelo mundo todo. De acordo
com Caixeta; Costa; Hanna (2007:42 - 43):
Wallon era o primeiro a ver a criança. Realizava um completo exame médico, pediátrico, neurológico, psicopatológico, psicomotor, foniátrico. Anotava tudo em uma anamnese estruturada (padronizada). Depois, a criança passava por uma série de outros exames complementares com profissionais especializados: teste de linguagem, teste psicomotor (para dispraxias), teste de linguagem, protocolo de desenhos infantis (e responsabilidade da psicóloga Liliane Lurçat). Depois de todos esses exames, havia uma reunião de síntese, onde todos esses protocolos eram avaliados e sintetizados por Wallon. Havia uma discussão e chegava-se a um consenso, tanto diagnóstico quanto terapêutico. A família era convocada e lhe era dada uma devolução. Um relatório era encaminhado para a equipe de psicologia escolar que havia enviado a criança e um grupo do Laboratório de Psicobiologia da Criança acompanhava as estratégias terapêuticas aplicadas na escola ou em outra instituição especializada (hospital-dia, centro médico psicopedagógico, instituto médico-profissional etc.).
Munido apenas da clínica Wallon adiantou-se mais de setenta anos
sobre as modernas descobertas da neuropsicopatologia e neuropsicologia. Ele
demonstra também sua genialidade nas correlações que faz entre as lesões
cerebrais e o meio social (interação psicobiológica), redundando em
comportamentos patológicos peculiares.
No livro “As origens do Caráter” trata basicamente da emoção infantil.
Para ele a emoção está diretamente relacionada à psicomotricidade. Wallon
fazia perguntas às crianças (“O que é o vento?”, “A lua está perto de nós?”,
“Porque a água do rio corre?”), recolhia as respostas e as estudava valendo-se
de instrumentos sólidos que adquiriu na sua formação: filosofia, psicopatologia,
19
neurologia e psicologia. Utilizou-se também do pensamento de Descartes, Kant,
Kraepelin, Goldstein e Gelb, Piaget entre outros. Desde o início até o fim de sua
carreira teve o social como elemento primordial de seu pensamento.
O afeto (para Wallon sente-se antes de pensar) e o emocionalismo são
fundamentais tanto para a pósturo-motricidade quanto para a emergência das
funções semióticas, a linguagem, sobretudo. Wallon via agudamente a
contraposição e o “sofrimento” entre o orgânico e o social. Sem levar em conta o
emocionalismo, a pósturo-motricidade, a afetividade, a reciprocidade, o
mimetismo, a imitação afetiva, a linguagem, a função semiótica de base afetiva é
impossível ter um panorama teoricamente consistente do desenvolvimento
infantil. Na visão de Caixeta; Costa; Hanna (2007:171-172) Wallon:
(...) é um psicólogo “sui generis”, único entre seus pares, não tanto pelo volume de seu trabalho, penetração de suas idéias, mas, sobretudo por causa de sua originalidade e notadamente, sua metodologia. (...) Se pudéssemos resumir bastante seu traço diferencial, diríamos que é a sua capacidade de estabelecer a integração psicobiológica. Como vimos, Wallon tem uma formação universitária e prática única e vastíssima, indo desde a filosofia, passando pela medicina, neurologia, psicopatologia para depois atingir a psicologia e desta, a sociologia. Todos esses campos foram profundamente vivenciados por Wallon; não só “lidos”, “teorizados”, “escutados”, mas vividos. Wallon, ao examinar uma criança podia enxergá-la sob todos os ângulos: neurológico,, psicopatológico, psicológico, pedagógico, sociológico e esta prática forneceu-lhe um material empírico acessível a poucos.
Muitos filósofos e psicólogos estudaram a fundo a alma humana:
Nietzsche, Wittgenstein, Hume, Kant, Freud, Husserl, Spinosa, Skinner,
Descartes, entre outros; mas Henri Wallon foi mais longe pois:
No estudo desses autores, não há praticamente nada que correlacione o afeto, o desenvolvimento emocional, com a cognição; na inter-relação entre o mundo biológico, temperamentos, instintos, pulsões, tendências e o mundo social. Não eram psicólogos, eram muito mais cognitivos ou moralistas (CAIXETA; COSTA; HANNA, 2007:172).
20
Era lacônico; tinha oratória, presença de palco, didática, e contato ruim
com a platéia; falava pouco e falava mal. Sua gramática era complexa e
dialética. Era tenso, hipertônico (tensão excessiva), rígido e se ruborizava
facilmente. Era tímido, mas lutava contra sua timidez, queria conviver. E nunca
um tímido assumiu tantos cargos públicos, tantas participações populares. Ele
se dedicou à causa do Outro (seja essa institucional ou individual). Tinha uma
necessidade de “mudar o mundo”, sentimento talvez advindo da mãe e da
tradição política da família paterna.
Tinha personalidade introspectiva, sensível, tensa, mental, observadora
e pensativa. Apresentava duas tendências contraditórias, dialéticas, em relação
ao Outro: uma de repulsão (centrífuga) e outra de aproximação (centrípeta), e
isto estabelecia dentro dele uma dialética pulsátil em que o Outro chegava a
incomodá-lo, justo por causa da relativa arrogância, ineficiência e
superficialidade desse Outro. Assim, timidez, hiperestesia (sensibilidade
aumentada) e intelectualidade eram os três fatores que tendiam a afastá-lo do
Outro, a querer isolar-se. Mas vários fatores também o levavam de volta ao
Outro, a querer cuidar dele, sair de si mesmo e servi-lo: sua boa relação com a
mãe, sua dedicação e sacrifício para com ele e também as preocupações
políticas do pai com o povo. O pensamento republicano liberal, a luta pelos
direitos dos menos favorecidos, mostravam-lhe que há algo ético que temos de
ter com esse Outro. Daí o engajamento comunista, a necessidade de servir o
outro politicamente. É por isso que ele nos apresenta uma personalidade
multifacetada, ambígua, mas fascinante: a de um pensador muito introspectivo e
mental (sem a qual não conseguiria produzir a ciência que produziu) associada a
uma militância e interesse pelo Outro, aplicando a ciência em benefício da
comunidade. O ambiente social-histórico francês favoreceu também a eclosão
dessas características em Wallon, pois a França é um país que estimula tanto a
intelectualidade como o engajamento político em prol dos direitos fundamentais
do homem.
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Sofreu influência de Marx e Hegel, daí seu estilo e modo de pensar
serem contraditório-dialéticos. Dentro dele lutavam a necessidade da
sociabilidade gregária e as tendências pessoais ao isolamento, reflexão, estudo,
racionalidade aprofundada. Vivia em uma dialética interior que se jogava entre o
plano biológico e social.
Ao escrever ele é denso, enxuto; nada do que escreve se perde ou é
supérfluo. Seu estilo literário é difícil, em uma mesma frase coloca toda uma
dissertação dialética: tese, antítese e síntese. Seu raciocínio trabalha com
contrastes:
...nada está fora do lugar, cada vírgula tem sua significação, sua razão de ser. Sempre gostou muito de se utilizar de gravuras, esquemas, simbologia, abreviações e notação científica hermética. A palavra era sua pedra bruta, o pensamento, seu cinzel (CAIXETA; COSTA; HANNA, 2007:4).
Wallon só escrevia algo depois de ter amadurecido teoricamente o
assunto e após conhecê-lo muito bem na prática clínica. Seus temas abordados
eram muito complexos. Talvez por esse motivo tenha se formado em medicina
só aos 29 anos, e só aos 46 anos publicado um trabalho verdadeiramente
importante. Mesmo não sendo um experimentador do ponto de vista científico,
seu pensamento por si só já se configurava um texto científico; seria ciência por
satisfazer as características de cientificidade popperiana – um pensamento que,
ainda no nascedouro, tenta se contradizer e testar a si mesmo.
São obras de sua autoria: Délire de persécution. Le délire chronique à
base d'interprétation., 1909; La conscience et la vie subconsciente em G.
Dumas, Nouveau traité de psychologie, 1920-1921; L'enfant turbulent, 1984;
Les origines du caractère chez l'enfant. Les préludes du sentiment de
pesonnalité, 973; La vie mentale, 1938; L'évolution psychologique de l'enfant,
1941; De l'acte à la pensée, 942; Les origines de la pensée chez l'enfant, 1945.
Foram traduzidas para o português: Evolução psicológica da criança, Psicologia
e educação da infância, Objetivos e métodos da psicologia, Origens do
pensamento na criança.
22
Vários fatores psicossociais influenciaram suas obras: A)
Temperamento: era tímido, tinha uma psicomotricidade tônica, um
emocionalismo vivo, mas introjetado. Gostava do convívio social, mas evitava
multidões. Ele introjetava aquilo que a pessoa estava sentindo e isso repercutia
forte dentro dele. Tinha dificuldade de falar o que se passava dentro de si.
Acumulava emocionalismo e não tinha como extravasá-lo. Assim o
emocionalismo do Outro doía dentro dele fazendo-o sentir a necessidade de
aliviar o sofrimento do Outro. Resolvendo o problema do Outro era uma forma
de evitar o próprio sofrimento. Ele demorava a assimilar determinados
conteúdos, mas uma vez que o fazia, este se solidificava em sua mente e ele
conseguia fazer um uso sólido e firme desse material. Era esse um processo
lento, pesado, mas sólido, permanente. B) Influências familiares – aspecto
afetivo: as maiores influências sobre a psicologia da personalidade advieram da
mãe, pessoa ética, carinhosa, preocupada com o Outro. C) Influências familiares
– aspecto político: sua família, seu avô e seu pai tinham tendências
republicanas, liberais, antimonarquistas; ser republicano na época era se
preocupar fortemente com a sociedade, com os mais desvalidos, lutar contra os
privilégios da nobreza. Wallon transferiu essas preocupações para o terreno do
comunismo. D) Sociologia política: Wallon já simpatizava com a filosofia pró-
proletária do marxismo, mas aderiu mais fortemente ao Partido Comunista
Francês após o sacrifício dos comunistas, onde muitos perderam a vida em
benefício da causa da resistência contra os nazistas. Ele perdeu grandes amigos
como Emile Meyerson, Georges Politzer, Phillipe Paumelle, Dide etc. Os
maiores heróis nacionais eram justamente os de formação marxista e isso o
influenciou sobremaneira. E) Influência da esposa: Germaine era psicóloga
capacitada, escreveu vários trabalhos e um livro sobre o desenvolvimento moral
da criança. Era mulher enérgica, ativa, militante, advogava a causa do
anarquismo, depois do anarcossindicalismo e assim acabou influenciando muito
a escolha política comunista de Wallon. Era extrovertida e falante enquanto
Wallon era tímido e temperamentalmente passivo. Como era mais complacente
e retraído, este se dava bem com a energia e assertividade dela.
23
Wallon foi um homem que estava muito além do seu tempo, tanto
emocionalmente quanto cognitivamente. Ele foi, além do homem, o político, o
médico, o psicólogo, o filósofo, o cientista, o educador integral, e como bem
exemplificam Caixeta; Costa; Hanna (2007:48 - 49):
A obra de Wallon “As origens do Pensamento na criança” é, com certeza, um marco na Psicologia mundial ainda não descoberto. Seabra-Diniz, psiquiatra infantil e prefaciador do “Do Ato ao Pensamento”, chega a dizer que é a principal obra de psicologia do século XX. Eu diria, sem medo de errar, que a obra de Wallon, como um todo, é o principal monumento da Psicologia, tanto normal quanto patológica, em nosso século. Não vejo outro gênio da envergadura de Wallon, não tanto por sua produtividade, pois esta foi pequena (...), mas, sobretudo pelo seu modo de pensar e praticar a psicologia: é talvez o único autor que vislumbrou e praticou com mestria a inevitável imbricação psicobiológica da alma humana. Sua Genialidade “endógena”, assim como sua larga formação biológica e psicológica, permitiram-lhe isto como ninguém. Wallon, acima de tudo, ensina a “pensar” a psicologia. Depois de lermos seu material, nunca mais iremos examinar uma criança, normal ou patológica, do mesmo modo. Com Wallon, passa-se a vislumbrar as entranhas da imbricação entre o biológico e o social. (...) Wallon, antes de ser uma obra, é um método.
24
CAPÍTULO II
CONSTRUINDO PONTES: EDUCAÇÃO E ARTETERAPIA
Quando uma pessoa é aberta à vida, sem preconceitos, e receptiva às novas experiências, quando ela é capaz de diferenciar-se e reintegrar-se, de amadurecer e crescer espiritualmente, ela terá condições para criar. [...] o fazer criativo sempre se desdobra numa simultânea exteriorização e interiorização da experiência de vida, numa compreensão maior de si próprio e numa constante abertura de novas perspectivas do ser. Reflete o sentido do desenvolvimento da personalidade como um todo, da pessoa vivendo mais plenamente sua vida.
Ostrower1
O homem primitivo já fazia uso da arte, mas somente no século XIX ela
começa a ser pesquisada e utilizada como terapia2.
Pessoas como Max Simon em 1876, Morselli em 1840, Júlio Dantas e
Fusac em 1900, já demonstravam interesse na relação entre a arte e as
respectivas patologias que os doentes apresentavam, observando suas
expressões artísticas.
Mohr em 1906 fez um estudo comparativo entre trabalhos artísticos
realizados tanto por pessoas doentes, como saudáveis e artistas. Nos trabalhos
desse trio notou que estavam retratados perfis de suas vidas e inclusive seus
conflitos internos.
Freud, em 1910, analisando as obras de grandes artistas como
Leonardo da Vinci e Michelangelo observou que através de suas obras o
inconsciente se manifestava. Essa manifestação funcionava como uma catarse3.
1 OSTROWER, F. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p.251. 2 Baseado no texto da professora Otília Rosângela Silva de Sousa: Breve histórico da Arteterapia. Disponível no site da AMART - Associação Mineira de Arteterapia. <http://www.amart.com.br/arte_historico.htm>.
25
Jung em 1920 foi pioneiro ao usar a expressão artística em consultório.
Na sua visão é na arte que se dá a simbolização do inconsciente individual e
coletivo. As obras de arte criadas pelo homem estão repletas de conteúdos
psíquicos, ou seja, são documentos mentais.
Segundo Arcuri (2006)4, Margareth Naumburg, em 1941, começou a
desenvolver sua teoria a partir do âmbito educacional e fez algumas relações
com trabalhos realizados de forma espontânea. Suas técnicas de Arteterapia
eram baseadas na pressuposição de que todo indivíduo pode projetar seus
conflitos em formas visuais. Com abordagem psicanalítica, fazia uso, em seu
consultório, da associação livre no trabalho de arte espontâneo, e este era
compreendido como uma projeção do inconsciente. Foi a responsável pela
sistematização da Arteterapia, inclusive ministrando cursos em 1968.
Denominava seu trabalho como “Arteterapia de orientação dinâmica”.
Hanna Yaka Kitkowska em 1953, em Maryland, realiza um trabalho
arteterapêutico envolvendo famílias e grupos.
Edith Kramer, em 1958, aplica a psicanálise freudiana na arteterapia em
Viena. Em seu trabalho enfatizava a relação transferencial e valorizava mais o
processo do que o produto final.
Françoise Douto em 1972, com abordagem lacaniana5, fez uso da arte
para se comunicar com crianças (inclusive mudas) através de gestos, mímicas,
desenhos, esculturas etc., procurando desenvolver seus aspectos cognitivos,
afetivos e motores.
3 Catarse (Psicologia): é o método de tratamento que visa eliminar certos sintomas por meio da exteriorização, pelo paciente, de traumatismos recalcados (LUFT: 2005). 4 ARCURI, Irene Gaeta (org.). Arteterapia: um novo campo do conhecimento. São Paulo: Vetor, 2006. 5 Relativo ao francês Jacques Lacan (1901-1980). Formou-se em medicina, atuando como neurologista e psiquiatra (considerava-se um psicanalista freudiano). Para ele a psicanálise é uma prática, onde através do método da livre associação chegaremos ao núcleo do seu ser.
26
Posteriormente Janie Rhyne, em 1973, uniu a teoria gestáltica ao
trabalho com arte onde o processo criativo acontece na medida em que as
pessoas expressam suas emoções, confiando e usando suas percepções
sensoriais. Fez relatos ressaltando as transformações ocorridas com seus
pacientes.
A Arteterapia foi caracterizada como profissão em 1969, com a
fundação da American Art Therapy Association nos Estados Unidos.
Natalie Rogers, em 1974, fez uso de recursos como pintura,
modelagem, teatro, poesia, dança, música e expressão corporal em um trabalho
que chamava de “Conexão Criativa”, onde a expressividade era verbalizada e
compreendida pelo próprio sujeito no decorrer do processo criativo.
No Brasil, em 1925, Osório César começou a utilizar a Arteterapia no
Juqueri5 seguindo a psicanálise freudiana e inclusive trocando experiências com
Freud.
Posteriormente, a psiquiatra alagoana Nise da Silveira6, em 1946,
começou a desenvolver um trabalho arteterapêutico no Centro Psiquiátrico
Pedro II7 no atendimento de esquizofrênicos. Revolucionou a Psiquiatria na
época ao criar, para os doentes mentais, ateliês de pintura e modelagem,
procurando compreender as imagens produzidas à luz da teoria de Jung (com
quem mantinha contato). Criou em 1952 o Museu de Imagens do Inconsciente e
em 1951 escreveu o livro Imagens do Inconsciente.
5 O Hospital Psiquiátrico do Juqueri é uma das mais antigas e maiores colônias psiquiátricas do Brasil, localizada em Franco da Rocha (antigo município de Juqueri), na região metropolitana de São Paulo. Inaugurado em 1898 pelo psiquiatra paulista Francisco Franco da Rocha, chegou a ter mais de 14 mil internados em 1958. Já em 1998, havia 1.411 internos. 6 Que ao contrário da palavra “Arteterapia” prefere utilizar a expressão Emoção de Lidar. 7 De acordo com a Wikipédia o Hospício Pedro II, inaugurado no Rio de Janeiro em 1852, foi o primeiro hospital psiquiátrico do Brasil e da América Latina. Foi rebatizado como Hospital Pedro II, depois Centro Psiquiátrico Pedro II e hoje tem o nome de Instituto Municipal Nise da Silveira, em homenagem à renomada psiquiatra.
27
Atualmente a Arteterapia vem crescendo no Brasil, existindo vários
cursos distribuídos por todo o país.
A Arteterapia faz uso da arte no processo terapêutico. Sua finalidade de
acordo com Maria Cristina Urrutigaray (2004)8 consiste em possibilitar a
emergência de uma imagem imaginada transposta em imagem criada, a partir
da utilização de materiais plásticos, que cedem sua flexibilidade e maleabilidade
a quem os utiliza, para expressar seus conteúdos íntimos (dinâmica psíquica). O
“fazer arte” num sentido literal envolve vários níveis humanos como o sensório-
motor, o emocional, o cognitivo e o intuitivo. E será através das oficinas de
criatividade que os alunos, livres de julgamentos e críticas poderão vivenciar
suas reações e emoções por meio das dinâmicas trabalhadas. Na manipulação
do material plástico unirão o aspecto cognitivo ao afetivo, desenvolverão a
percepção, ordenarão o pensamento, trabalharão seu potencial criador, sua
sensibilidade, adquirindo experiências libertadoras e autoconhecimento,
transformando a si mesmos e conseqüentemente sua realidade. O ato de criar
desbloqueia a inibição à produção, sinal de liberdade afetiva e emocional,
gerador de segurança para enfrentamento das dificuldades frente às situações
da vida. Dessa forma a prática da Arteterapia torna-se educativa por excelência.
De acordo ainda com Urrutigaray (2004), a Arteterapia não é restrita
apenas à parte psicoterápica ou clínica, ela atua também na área educacional.
Uma vez que a conquista da autonomia do pensamento e da ação passa por
processos pedagógicos que estimulem o aprender a aprender, a produtividade e
a criatividade como fim dessa aprendizagem irá requerer ações pedagógicas
transcendentes à pura e simples memorização. Por meio da Arteterapia pode-se
criar ambientes propícios à aprendizagem bem como intervir para a minimização
dos problemas relacionados a ela.
8 URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 2 ed. Rio de Janeiro: Wak editora, 2004.
28
Além das matérias de arte e psicologia necessárias, a formação em
Arteterapia compreende também um corpo teórico e metodológico próprios, que
abrange conhecimentos da história da Arteterapia e dos autores de maior
proeminência na área; conhecimento dos processos psicológicos gerados tanto
no decorrer da atividade artística como na observação de trabalhos de arte;
conhecimento das relações entre processos criativos, terapêuticos e de cura;
conhecimento das propriedades terapêuticas dos diferentes materiais e técnicas;
conhecimento dos fundamentos teóricos e metodológicos de abordagem; estudo
de pesquisas e trabalhos já realizados por arteterapeutas e vivência pessoal e
prática supervisionada por profissionais com experiência na área (CIORNAI) 9.
Selma Ciornai esclarece ainda que a Arteterapia pode ser desenvolvida
em diferentes contextos terapêuticos, com orientações teóricas (Psicologia
Analítica de Jung, Gestalt Terapia, Psicanálise etc.) e modos de trabalhar
diversos, e por envolver vários campos de atuação, permite a participação de
profissionais com diferentes formações na área de relações de ajuda: psiquiatria,
psicoterapia, psicopedagogia, fonoaudiologia, arte-educação etc. (CIORNAI,
2004).
Para uma maior clareza e compreensão com relação ao tema, Alejandro
Reisin (2007:23) 10 situa o que não é Arteterapia:
§ Não é arte: a arte tem seu fim em si mesma e move-se com
legalidades simbólicas que se desprendem do sujeito criador,
encontrando, então, uma força objetiva que o leva a lugares e tempos
em contextos diversos, sem a necessidade da presença do autor.
§ Não é para melhorar o ser artista: o artista, criador, é um sujeito, e sua
produção pode ser independente de seu sofrimento subjetivo. O
melhorar pode redundar em sua produtividade, não necessariamente
em sua subjetividade.
9 CIORNAI, Selma (org.). Percursos em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus editorial, 2004. 10 REISIN, Alejandro. Arteterapia: semânticas e morfologias. São Paulo: Vetor, 2006, p.23.
29
§ Não é um ateliê de aprendizagem de arte: não é necessária nenhuma
experiência artística prévia, nem um conhecimento da linguagem
artística em questão.
§ Não é uma psicoterapia verbal: embora não se desqualifique a
importância da expressão verbal, a Arteterapia privilegia a linguagem
não-verbal e a simbólica que aparece em sua expressão.
A educação verdadeira no entender de Gutiérrez (1998:43)11 é aquela
que trabalha em função de uma sociedade onde toda a comunidade escolar
(alunos, pais e profissionais que trabalham na escola) participa ativamente na
descoberta e criação dos conhecimentos e valores culturais, através de suas
experiências e de seu trabalho. Uma vez que a Arte na visão de Urrutigaray
(2004:38) possibilita o “desabrochar do imaginário e neste se concentrar a
origem do pensamento ou da idéia, cabe ao sistema educativo expandir e
desenvolver este sistema simbólico através das práticas expressivas que
oportunizem a integração do aprendizado emocional ao aprendizado intelectual”.
Hoje em dia são problemas rotineiros nas escolas: a repetência, a
superlotação das turmas, a evasão escolar, as dificuldades de aprendizagem, a
indisciplina, o escasso vínculo entre a escola e a comunidade, as dificuldades de
relacionamento interpessoal, a falta de ética, a deficiência nas instalações, a
falta de materiais, a desvalorização dos profissionais, entre outros. Diante dessa
problemática não é o propósito desse trabalho procurar vilões para culpar, mas
procurar alternativas para que haja qualidade e alegria no processo educativo.
Assim acreditamos que o problema da qualidade na educação, mesmo que
tenha origem no sistema, sua solução passa necessariamente pelos
profissionais que atuam nas escolas, principalmente diretores, especialistas e
professores.
11 GUTIÉRREZ, Francisco Pérez. Linguagem Total: uma pedagogia dos meios de comunicação. São Paulo: Summus editorial, 1998, p.43.
30
Rodrigues (1997:65-66)12 chama a atenção para o fato de que:
Há no interior da escola, uma relação básica, fundamental, trata-se da relação educador/educando, e das relações sociais dela decorrentes, como a primeira a existir no âmbito da atividade educacional. É essa a relação que deve determinar as demais no interior da escola. A passagem do conteúdo educativo (...) não pode ser arbitrária e autoritária, nem a base do laissez-faire, nem de maneira desconectada e desorganizada – há de se ter direção, condução, proposta.
Na busca pela qualidade nas escolas é necessário segundo Schmolkes
(1994:98)13: “a compreensão e o respeito às diferenças, aprender a fazer e
receber críticas, colocar em prática as idéias alheias, a preocupação em
oferecer uma aprendizagem relevante”. E a Arteterapia vem de encontro a
esses anseios uma vez que auxilia o sujeito a enxergar e reconhecer seus
medos, sentimentos, desejos e também a trabalhar seus pensamentos
limitadores.
Uma vez que as relações mais importantes em uma escola são as
relações entre as pessoas, as relações na sala de aula (envolvendo professores
e alunos) e a relação com a comunidade, esse relacionamento é então um fator
essencial para que a qualidade seja alcançada. Nesse sentido Rodrigues chama
a atenção ainda para uma problemática que vivenciamos rotineiramente no
interior da escola (1997:78 - 79):
“A competição (que se instala no interior da escola) afeta profundamente e, às vezes, irreversivelmente, a prática pedagógica. Ela se revela não apenas no âmbito da sala de aula, mas também, na verdadeira guerra que os professores e os vários especialistas travam no interior da escola para demarcação de suas áreas de poder. Lutam entre si orientadores e professores, professores e supervisores, supervisores e orientadores, e todos contra diretores e inspetores. Se, ao invés da competição entre proprietários privados de uma parcela do saber, estas especialidades e competências fossem colocadas ao serviço coletivo e cooperativo da atividade educacional, elas tenderiam a se transformar em frente real do poder. No dia em que orientadores, supervisores, inspetores, diretores, professores, pais de
12 RODRIGUES, Neidson. Por uma nova escola – o transitório e o permanente na educação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 1997. 13 SCHMOLKES, Sylvia. Buscando uma melhor qualidade para nossas escolas. in Cadernos Educação Básica, Série Atualidades Pedagógicas, Volume 10. Brasília: MEC/SEF, 1994.
31
alunos puderem sentar-se à mesma mesa, não para multiplicar as acusações mútuas de ‘interferência em minha área’, mas para colocar as diversas competências a favor da renovação da escola, da melhoria do ensino, da análise apaixonada e crítica das deficiências e das necessidades dos alunos, então assistiremos ao nascimento de uma nova escola que ensinará o valor real da vida social, a importância da atividade política, a necessidade de união, para transformações operadas não só através de discursos e textos, mas através da sua prática, fazendo brotar nova teoria de educação dessa mesma prática.”
Em qualquer projeto englobando pessoas é importante que exista uma
intercomunicação efetiva, uma participação real e consciente dos envolvidos,
pois é impossível que haja interesse sem se estar, de certo modo, afetado
emocionalmente. A participação está condicionada à emoção. Problemas
relacionados com a afetividade, e conseqüentemente ao espaço, interferem
diretamente no envolvimento e comprometimento das pessoas no âmbito
educativo. Na visão de Arcuri (2006:23) muitas emoções que “não encontram
uma maneira socialmente aceita de expressão, (...) se introvertem, criando
fendas nas profundidades do psiquismo, e deformando suas estruturas básicas”.
A estruturação do espaço em Arteterapia é primordial para que o ser humano
viva de forma salutar, evitando doenças como a depressão, por exemplo. O
sofrimento muitas vezes nada mais é do que “o estreitamento do espaço vivido,
do enraizamento das coisas no corpo” (ARCURI, 2006:23).
Vivemos em dois mundos, na visão de Minkowski, o de percepção de
coisas internas (imagens do inconsciente) e o de coisas externas (sentidos)
(apud ARCURI, 2006:23). Dessa forma espaço imaginário e real se
interrelacionam, onde a “(...) reconstrução do espaço físico acompanha a
reconstrução do ego” (SILVEIRA apud ARCURI, 2006:23).
A arteterapia é geradora de qualidade de vida, uma vez que propicia o
desenvolvimento da pessoa e o autoconhecimento, ampliando sua consciência,
descortinando novos horizontes, resolvendo conflitos emocionais e produzindo
mudanças psíquicas. É por excelência libertadora da alma.
32
CAPÍTULO III
ARTE E FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DA “PESSOA” DE
HENRI WALLON
“Ser ele próprio, num mundo que se esforça dia e noite para transformá-lo em outra pessoa, é a batalha mais árdua que o ser humano pode enfrentar”.
Edward E. Cummings
Ao entrar em contato com a biografia de Henri Paul Hyacinthe Wallon
vem-nos à mente o perfil de um homem com inúmeros adjetivos: questionador,
provocador, inteligente, justo, coerente, humanista, politizado, lutador,
democrático, contraditório, sensível, ético e verdadeiro. Características
cultivadas em um meio permeado por conflitos sociais, econômicos e políticos
(duas guerras mundiais, o fascismo, o nazismo e revoluções socialistas), mas
criado num ambiente familiar acolhedor, intelectualizado e cultivador de virtudes.
Através de suas vivências Wallon conseguiu obter o difícil equilíbrio entre
racionalidade e emotividade, indo mais além: em um mundo dominado histórica
e culturalmente pela cognição (inteligência) conseguiu fundamentar as bases de
uma educação afetiva.
Um dos acontecimentos que marcaram a infância de Wallon, segundo
ele próprio, e que é um exemplo de como era sua vida familiar, foi a morte do
poeta e escritor Victor Hugo. Antes de irem para o velório do mesmo, seu pai
Paul Alexandre Joseph Wallon, durante o jantar leu trechos de poesias do
escritor para os filhos. Quando Wallon lhe pergunta quem foi Victor Hugo o pai
responde: “– Um poeta, um escritor, mas também um homem que lutou pela
33
liberdade, pelo bem contra o mal, pela defesa dos pobres. É preciso fazer como
ele quando você crescer” 1.
Wallon se interessava pela Arte e a valorizava. Para ele Arte e
Ciência tinham uma profunda relação, tanto que mantinha amizade com
intelectuais da época e com inúmeros pintores, entre eles Renoir e Matisse;
comprava e apreciava suas obras. E enquanto a Filosofia (sob a visão de Kant a
Hegel) o ajudou a desenvolver seu lado racional, atuando de forma significativa
na formação de seu caráter e se refletindo no seu trabalho, a Arte lhe trouxe a
sensibilidade. Ele próprio afirmava que
Há um grande parentesco entre o artista e o cientista. O cientista tem necessidade de mais imaginação do que costuma-se supor. Ele precisa remanejar a realidade para compreendê-la. O artista precisa desarticulá-la para reafirmá-la à sua maneira. (apud GALVÃO, 1995:20)2
Durante sua trajetória de vida o homem vai, sem perceber, se
sujeitando aos desejos e vontades das pessoas, sistemas e organizações. Sofre
os mais variados tipos de pressão e acaba, muitas vezes, por ceder a elas, sem
maiores questionamentos. Aos poucos sua alma vai sendo aprisionada. Desta
forma o processo terapêutico, em Arteterapia, procura justamente aumentar a
consciência do homem a respeito de si mesmo, e da sua forma de atuação na
vida. Através desse autoconhecimento ele terá mais segurança e autonomia e,
em conseqüência maior liberdade. Kneller (1984:87-88)3 tratou filosoficamente
dessa temática quando escreveu sobre a escolha:
1 Informação encontrada na página: http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:1HvZJnbHK4UJ:ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/article/viewFile/11382/7928+mãe+nome+henri+wallon&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESimGr1ljBWAh0-N5Ed64xRLN4_QmNVQiLfD1gHkPphRU0wAxvSKHJNd3y8K9DODZGcqeUjXwUVat35GOIdPt2hILpsppJOYclP4UMLjiZgbtj1zdulq4hEcWbDfCt6g2Is1qPwU&sig=AFQjCNFc5pJfeAP2b2GYfwFhV4cFsM5zLw 2 GALVÃO, Izabel. Henri Wallon – uma concepção dialética do desenvolvimento infantil, 12 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. 3 KNELLER, George F. Introdução à Filosofia da Educação. 8 ed. Rio de Janeiro: Zoar editores, 1984, p.87-88.
34
Em si mesma, a liberdade não é uma meta nem um ideal. É o potencial para ação. Sou o que faço. Meu caráter é a soma de minhas próprias ações e, por conseguinte, é autocriado. Meu caráter pode mudar porque posso atuar sempre de modo diferente. Meu destino é somente meu. A liberdade, portanto, é “aterradora”, pois eu sou responsável pelo que vier a ser. O alcoólatra, o neurótico, o toxicômano, o tarado sexual e o homem no limite extremo de suas forças, você e eu, todos nós nos fizemos e podemos refazer-nos. Sou livre, logo faço-me. Quando escolho, projeto-me no futuro, faço-me outro separado do que sou. Eu “ex-isto”. Dou existência àquilo que não passava de mera possibilidade. O momento para a escolha é importante. Posso perder a calma e escolher errado, ou posso não ver a oportunidade e deixar assim que as circunstâncias tomem seu curso. Devo escolher – e devo escolher no momento adequado. A maior parte das escolhas que fazemos é reconhecidamente trivial e inconseqüente – a escolha de uma gravata, de um restaurante, de um filme. Uma escolha séria é feita entre ações que envolvem valores fundamentais. Exige profunda concentração, uma intensa exploração interior. Entretanto, não devo contentar-me em aplicar apenas um princípio moral abstrato. Isso constitui uma escolha fraca, em que confio mais numa regra do que em mim próprio. Devo escolher o curso de ação que parece incomparavelmente correto nessa situação específica. Não devo procurar o caminho, mas meu caminho.
Wallon também, em sua época, manteve contato com os mais variados
tipos de pessoas e estruturas, mas não se prendeu a elas. Ele respeitou suas
determinações interiores e soube, nos momentos necessários, dar as costas
para o mundo e seguir seu próprio caminho, em busca do que julgava melhor
para si mesmo. Como filósofo que era, analisava a realidade com o propósito de
questioná-la e intervir sobre ela. Acontecimentos que a maioria das pessoas
aceitava sem exame, para ele não passavam despercebidos. Este homem foi
tido como modelo inegável de contradição e resistência numa época marcada
por inúmeros conflitos; e paralelamente, a história da Filosofia também foi
pintada com nuances de desacordos e resistência à dominação.
O mundo é repleto de contradições e, ao mesmo tempo de
fragmentações. Não fomos historicamente ensinados a olhar com totalidade,
vendo o homem como ser integral. E é a escola a grande responsável por essa
fragmentação uma vez que com seu cientificismo e positivismo acaba por matar
na criança a ludicidade, a autonomia, a criatividade, a espontaneidade, a alegria,
a capacidade de contestação e questionamento; não respeitando sua maneira
de ser e estar no mundo. E o que podemos priorizar enquanto educadores é a
compreensão do mundo e do homem na sua completude e a “busca amorosa de
35
um saber inteiro” (RIOS, 2002:44)4. O aluno não é formado apenas de órgãos e
sistemas, mas também de sentimentos (amor, ódio, saudade, medo, alegria,
paixão, etc.).
Essa busca pelo Ser integral deve ocorrer de fora para dentro e vice-
versa. Ao mudarmos a nós mesmos conseqüentemente mudaremos também o
meio. Nesse sentido a Filosofia é uma poderosa aliada, pois está onde o homem
está, sempre abrindo espaço para o questionamento dos valores e ações
adotados e praticados pela sociedade. O mais importante para a Filosofia, e
também para a Arteterapia, é auxiliar o Outro (o aluno) na sua busca individual.
Não pretendem oferecer respostas prontas “mas ter uma atitude de compartilhar,
com os outros um espaço de interrogação” (KOHAN; RIBEIRO, 2001:172).5
Rodrigues (1997:66)6 afirma que entre a escola e as pessoas que nela
convivem deve existir uma articulação dinâmica. Assim em sala de aula o
docente pode privilegiar três tipos de relações: “relações com o ser e o sentir,
relações com o saber e relações com o fazer” (CUNHA apud RIOS, 2002:24). E
o trabalho com Filosofia e Arteterapia perpassa todas essas relações. Através
delas, os alunos começam a analisar a si mesmos, a observar e questionar a
realidade que os cerca e também a interferir nela. Portanto, é na reflexão e na
crítica constante que se deve embasar o trabalho docente, pois de acordo com o
pensamento de Coutinho (2007:37-38)7 “A consciência dá ao sujeito o poder de
transformar e responsabilizar-se por seu destino, integrando-se de forma mais
plena e saudável à vida, tornando-se um elemento transformador”.
É necessária a abertura na sala-de-aula de um espaço para o
questionamento e para a autonomia uma vez que muitas crianças não têm a
4 RIOS, Terezinha Azerêdo, Compreender e Ensinar – por uma docência da melhor qualidade. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 5 KOHAN, Walter Omar e RIBEIRO, Álvaro Sebastião Teixeira. Filosofia e Práxis Pedagógica, Módulo II, Vol. 2 do PIE – Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização – FE, UnB/SEEDF, 2001. 6 RODRIGUES, Neidson. Por uma nova escola – o transitório e o permanente na educação. 6 ed. São Paulo: Cortez Editora, 1997. 7 COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com crianças. Rio de Janeiro: Wak editora, 2007.
36
possibilidade de pensarem por si mesmas, nem de dialogar filosoficamente. No
mundo globalizado em que vivemos não se pode deixar de tratar na sala de aula
temas como cidadania, democracia, ética, autonomia, ideologia, liberdade,
sexualidade, estética, política, valores, entre outros. O diálogo é a chave que
permite o entendimento, a aceitação do outro, o compartilhar do mundo; ele
nega qualquer tipo de preconceito ou exclusão.
A Filosofia não existe apenas para os filósofos. Nossas perguntas, com
relação ao estado das coisas, não podem ser simplesmente perguntas-
problemas e sim perguntas-questões. Para se penetrar no campo das reflexões
filosóficas o professor não deve dar respostas prontas nem valores pré-
estabelecidos, mas incentivar a observar, refletir, investigar, problematizar e
debater sobre questões importantes e do interesse de todos, vivenciadas ou
não. Este tipo de iniciativa é importante porque não só em Filosofia, como em
qualquer área, a atividade do professor deve se caracterizar “por uma
reflexividade atenta, solícita e propiciadora da dúvida, inquietação, curiosidade,
criatividade, descoberta, ensaio, busca e investigação” (LEAL apud KOHAN;
RIBEIRO, 2001:236).
É importante ter em mente que no espaço escolar se encontram tanto a
amizade, a solidariedade, o desejo e a alegria como também o conflito, a disputa
e a incompreensão, por isso a necessidade de se trabalhar a Filosofia e a
Arteterapia na sala de aula. Aos poucos esta se torna um lugar onde mesmo em
meio à diferença e à adversidade ocorre o encontro.
“As crianças ficam maravilhadas com o mundo, e esse maravilhamento é tão profundo que, quando ocorre com um adulto, dizemos que é religioso. As crianças ficam maravilhadas, e são curiosas. Elas têm um insaciável desejo por razões. Quando perguntam ‘Como isso pode ser assim?’, é como se quisessem que alguém justificasse o mundo para elas”.
Lipman8
8 LIPMAN, Matthew. Filosofia para crianças, na prática escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1970. p.1.
37
CAPÍTULO IV
EMOÇÃO E COGNIÇÃO: ALGUMAS TRAVESSIAS
“Há, dentro de cada um de nós, um ‘jardim secreto’, fechado, que precisa ser aberto. O terapeuta, serviçal, é o jardineiro. Tem a obrigação de cuidar do jardim. Arrancar os matos e pragas, por causa das flores. Terapia é isso: visitar o jardim secreto, até que se encontre a chave perdida”.
Rubem Alves
Ao entrar em contato com o pensamento walloniano (com auxílio das
autoras Abigail Alvarenga, Laurinda Ramalho, Izabel Galvão e Heloysa Dantas) 1
percebe-se o quanto ele valorizou a criança, tanto que durante toda a sua vida
se dedicou à sua observação e estudo. Para ele em qualquer fase do
desenvolvimento a pessoa é sempre uma pessoa completa, um ser humano
integral, mesmo estando ainda no período da infância. Sua teoria Psicologia da
Pessoa Completa visa a produção de um saber que leva em consideração a
totalidade da Pessoa (consciência, eu, emoções, representações, etc.) em suas
condições concretas de existência. Ao estudar o psiquismo humano, o dividiu
em grandes blocos, os quais chamou de Campos Funcionais [a inteligência, o
movimento, as emoções (afetividade) e a pessoa], ou seja, a formação do eu
como um todo. Estes Campos são os domínios onde a atividade da criança está
distribuída. A pessoa é também um Campo Funcional por estar fazendo parte de
todos os outros e ser coordenadora dos mesmos. Ela tem a função de
desenvolver a consciência e a identidade do eu. Estes quatro elementos
básicos, que se comunicam todo o tempo, vão sofrendo transformações no
âmago de si mesmos e, ao mesmo tempo, vão se diferenciando uns dos outros
no decorrer do desenvolvimento da criança.
1 Baseado nas seguintes bibliografias: DANTAS, Heloysa. A Infância da razão, São Paulo: Manole, 1990. GALVÃO, Izabel. Henri Wallon – uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 12 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. MAHONEY, Abigail Alvarenga e ALMEIDA, Laurinda Ramalho de (orgs.). Henri Wallon – Psicologia e Educação. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000.
38
Quando uma criança chega à escola esta deveria vê-la como um ser
integral e que passou por diversas e complexas etapas no decorrer do seu
desenvolvimento até chegar ali. A grosso modo, no entender de Wallon, no início
a consciência da criança era uma nebulosa. Com o decorrer do tempo ela foi,
numa primeira etapa, interagindo com o meio social, e através das sensações
moldou seu eu corporal. Depois houve uma complementação das sensações
que ela já possuía à sua imagem. Foi na formação do seu eu corporal que se
formou o eu psíquico. Ela passou por muitos conflitos interpessoais (eu/outro) e
por crises; mas todos esses estados tiveram o objetivo maior de formar e
sedimentar o seu eu, e segundo o próprio Wallon (apud GALVÃO, 2003:56) “O
outro é um parceiro perpétuo do eu na vida psíquica”.
Por meio da filosofia walloniana percebe-se que o aluno é uma criança
concreta (e completa), que possui necessidades cognitivas, afetivas e motoras,
tendo todas o mesmo grau de importância; e é papel da família e da escola,
promover o seu desenvolvimento em todos estes aspectos. No que se relaciona
ao aspecto cognitivo, deve-se dar mais importância à linguagem, pois ela é a
propulsora da evolução do pensamento na criança; ela é que diferencia o ser
humano do animal. Quando a criança começa a falar acontece uma mudança
radical na sua vida; muda totalmente a sua forma de se relacionar com o mundo.
Assim o professor deve procurar fazer uso, em sala de aula, de atividades que
reforcem o uso da linguagem: leituras em voz alta de poesias, crônicas, contos,
etc.; jogos, dramatizações, jograis, apresentações de trabalhos orais, etc. Seja
dramatizando,
...produzindo uma imagem, desenhando, pintando, esculpindo, o sujeito está fornecendo uma oportunidade para conhecermos mais a seu respeito. E não apenas observando o resultado final, mas também acompanhando o seu processo de criação. De que forma se relaciona com os materiais e com a possibilidade de se expressar. E também de que forma se relaciona com aquilo que cria (COUTINHO, 2007:46)2.
2 COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com crianças. Rio de Janeiro: Wak editora, 2007.
39
O desenvolvimento da inteligência varia de criança para criança, pois
cada uma vê e sente o mundo de forma diferente. É através dos conflitos e
confrontos que ela evolui seu pensamento, o que não é fácil pois ela vive entre
dois mundos: o exterior (que é o real, onde existem símbolos, valores culturais e
códigos) e o interior (repleto de fantasias e sonhos). Será o pensamento, aliado
ao conhecimento e à cultura, que a auxiliará a fazer suas diferenciações com o
meio.
A psicologia walloniana dá destaque à simbiose conhecimento/intelecto
no sentido de que “os recursos intelectuais enriquecem as possibilidades do eu,
ampliando-o e flexibilizando-o” (GALVÃO, 2003:98), assim os saberes têm um
papel importantíssimo na formação da criança, mas não devem assumir um
papel meramente conteúdista, fazendo-a receber passivamente as informações,
pois educar não é somente desenvolver a inteligência, mas principalmente, a
consciência, o ser como um todo. Vanessa Coutinho (2007:54) nos faz um alerta
nesse sentido:
Nas escolas, os métodos de ensino e a avaliação privilegiam à mera repetição de conceitos, sem espaço para a reflexão. Esse padrão é, de tal forma, introjetado pelos atores do sistema educacional que, mesmo nas universidades, onde se poderia supor que houvesse maior espaço e desejo de produzir (e não apenas reproduzir) conhecimento, por vezes os mestres, por vezes os próprios alunos, exigem aquele velho modelo de aula, na qual o professor fala, escreve, explana, e os alunos copiam, arquivam e decoram pontos a serem, literalmente, repetidos nas avaliações. A criatividade vai sendo inibida com o passar dos anos e, como preço (alto) pagamos com o fato de, muitas vezes, não nos reconhecermos, pois não sabemos mais do que gostamos ou não.
Mas não é somente a inteligência (racionalidade) que compõe a
complexa estrutura humana, somos também corpo e afetividade. É a afetividade
que dá cor à nossa vida. Ela se expressa através dos sonhos, das vontades, das
palavras, das ações, etc. É parte integrante de nossa subjetividade. Muitas
vezes são os afetos (e não o pensamento) que determinam nossa maneira de
agir, daí a afirmação sempre atual de Marx3 “que o homem se define no mundo
3 MARX, Marx. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo: Ed. Abril, 2007. p.149-50.
40
objetivo não somente em pensamento, senão com todos os sentidos (...).
Sentidos que se afirmam, como forças essenciais humanas (...). Não só os cinco
sentidos, mas os sentidos espirituais (amor, vontade...)”.
Por várias décadas qualquer criança que apresentasse problemas de
aprendizagem era simplesmente medicada. O diagnóstico clínico não
considerava os componentes sociais, culturais e afetivos, muito menos a relação
da criança com seus professores, como fatores importantes no quadro da não-
aprendizagem. E foi Henri Wallon em sua teoria psicogenética, tendo a
dimensão afetiva como ponto fundamental, que revolucionou esse modo de se
ver e tratar a criança. A Arteterapia vem se unir a Wallon (ARCURI, 2006:139)4:
Trabalhar com crianças é ajudá-las a se separarem daquilo que não é delas e que lhes atrapalha, ajudá-las a tomar consciência de si mesmas, reforçando aquilo que elas têm de mais saudável e criativo, ajudá-las a desenvolver seu processo criativo e a aceitar, cuidar ou transformar as suas limitações.
Procurando o significado da palavra afetividade5 encontramos:
“Conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções,
sentimentos e paixões, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer,
de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza”.
Quanto à palavra emoção ela significa, originariamente, "E" (do latim ex) = para
fora, "moção" = movimento. "A emoção é o movimento da vida em cada um de
nós. Trata-se do movimento que brota no interior e se expressa no exterior; é o
movimento de minha vida que me diz - e que diz às pessoas à minha volta -
quem eu sou." (FILLIOZAT, 2000, p.61)6.
Segundo a Psicologia a emoção é a afetividade exteriorizada, é um
estado agudo e passageiro (exemplo: ira, medo, nojo, tristeza, alegria, paixão,
desprezo, surpresa, etc.) acompanhado de reações do organismo (diarréia,
4 ARCURI, Irene Gaeta (org.). Arteterapia: um novo campo do conhecimento. São Paulo: Vetor, 2006. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniarélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 6 FILLIOZAT, Isabelle. Entendendo o coração das crianças, Rio de Janeiro: Campus, 2000.
41
sudorese, tremor, aumento dos batimentos cardíacos, etc.); o sentimento é um
estado mais atenuado e durável (exemplo: lealdade, ternura, amizade, gratidão,
etc.). A afetividade é mais abrangente e contém vários tipos de manifestações,
sendo duas as principais: ódio e amor. Não podemos nos compreender sem os
sentimentos, as emoções e os desejos, eles são manifestações da vida afetiva;
são eles que alimentam o nosso psiquismo. O afeto então possui várias
dimensões: aspectos expressivos: lágrimas, sorrisos, gritos, etc., e sentimentos
subjetivos: depressão, raiva, ira, amor, etc. Ele influencia o desenvolvimento e
pode inclusive influir na área de concentração e atuação da cognição. Os
vínculos afetivos formados forjarão o caráter do indivíduo. A forma de cada um
ser e estar no mundo: (manias, gestos, personalidade) tem como base a
construção afetiva. Foi através da emoção que as crianças quando bebês se
relacionaram com o mundo, e no decorrer de seu crescimento ela foi dando
lugar aos sentimentos, até chegar às atividades cognitivas.
No tocante à construção afetiva do sujeito, a Arteterapia entende que
(ARCURI, 2006:128):
Decepções, depressões, raivas, ansiedades, culpa, medos, mágoas, inseguranças e obsessões podem ocupar espaços tão gigantescos dentro das pessoas que elas deixam de escutar e reconhecer as pérolas, que também existem dentro delas. E como é lindo e inspirador o momento em que elas resolvem escutar-se e olhar-se com mais amor e respeito, deixando de lado o orgulho que as escraviza, na tentativa insana e perversa do compromisso com a coerência, a linearidade e a aceitação.
Para Wallon, a afetividade, além de ser uma das dimensões da pessoa,
é uma das fases mais antigas do desenvolvimento, pois o homem logo que
deixou de ser puramente orgânico passou a ser afetivo e, da afetividade,
lentamente passou à vida racional. “(...) A afetividade depende, para evoluir, de
conquistas realizadas no plano da inteligência, e vice-versa” (DANTAS, 1992)7.
Ou seja, a afetividade e a cognição se misturam, mesmo que a afetividade
predomine e mesmo existindo uma diferenciação entre ambas, haverá sempre
7 DANTAS, Heloysa. A Infância da razão, São Paulo: Manole, 1990.
42
uma reciprocidade entre elas. A emoção, com o passar do tempo e com o
amadurecimento, será a matéria-prima onde a cognição trabalhará.
A função afetiva é que permite a construção do eu, a percepção do
corpo, das sensações e das emoções que o constitui. Nesse processo a
Arteterapia “pode ser um caminho revelador e inspirador que nos ajuda a entrar
em contato com a possibilidade abundante e generosa de acreditar, desafiar,
reconstruir, criar e expressar as emoções, sentimentos e imagens que trazemos
dentro de nós” (ARCURI, 2006:129). O desenvolvimento da pessoa se inicia
com a sensibilidade interna, primeiramente visceral que passa a ser afetiva,
através da expressão das emoções. Na perspectiva de Winnicott (2006) 8 “o
primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, sobretudo o seu olhar.
Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o bebê vê a si mesmo (...). Quando
olho, sou visto, logo existo. Posso agora me permitir olhar e ver”.
A afetividade (afeto, do latim AFFECTUR: afetar, tocar) é um elemento
básico e tão importante no ser humano que é ela que exerce forte influência não
só sobre o pensamento, ativando a atividade intelectual, como também sobre
sua conduta no meio social; ou seja, ela interfere na sua forma de se relacionar
e de perceber o mundo ao seu redor. É um fator psíquico intrínseco da natureza
humana que se mostra presente não só no âmbito da educação formal, mas na
vida de relação como um todo. Ela faz parte da natureza humana de tal forma
que, tanto o nosso caráter e comportamento bem como nossas ações, por ela
são pautados. Por outro lado, precisamos também da razão e do corpo para
estar em equilíbrio, um componente não pode existir em detrimento do outro,
eles devem estar sempre em harmonia.
A afetividade é quem determina a atitude geral da pessoa diante de qualquer experiência vivencial, promove os impulsos motivadores e inibidores, percebe os fatos de maneira agradável ou sofrível, confere uma disposição indiferente ou entusiasmada e determina sentimentos que oscilam entre dois pólos, a depressão e a euforia9.
8 WINNICOTT, Donald Woods. Os bebês e suas mães. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 9 Retirado do site: http://www.psiqweb.med.br/cursos/afet.html
43
Na teoria walloniana a emoção (comandada pelo sistema nervoso
central) tem um papel importantíssimo na evolução da consciência, ela é
responsável por fazer a ponte entre o mundo orgânico e o social, entre o
fisiologismo e o psiquismo. Ou seja, a consciência de si surge, inicialmente por
meio da emoção. Wallon critica as teorias clássicas (lineares e mecanicistas)
que abordam as emoções apenas como desagregadoras10 (defendida por
Lapicque e Kantor) ou como ativadoras11 (defendida por Cannon).
O ser humano nasce da emoção, prova disso são o seu choro (no
momento em que nasce) e seu riso. Ao passar por diversas situações e
experiências ao longo da vida, necessitará do afeto, da razão e da
aprendizagem para sua sobrevivência e crescimento. Ou seja, mesmo dotados
de potencialidades e capacidades, são as experiências, iniciadas ainda no
ventre materno, que revelarão o real conteúdo que somos. Assim, “existem três
constituintes de um todo que possuem uma interdependência estrutural:
emoção, cognição e ação. Isolar cada um é estudar os planos de um cristal
separadamente, perdendo de vista o cristal que lhes dá a vida” (CAIXETA;
COSTA; HANNA, 2007:118)12.
Damos o nome de aprendizagem às diferentes interações das fontes de
formação humana, ou seja, instintos e elementos orgânicos e psíquicos. Estas
interações são formadas a partir das diversas apreensões, associações e
articulações da realidade que cerca a criança; possibilitadas pelo pensar ou pelo
simples contato com essa realidade. Aprendizagem e afetividade estão então
10 Um exemplo do efeito desagregador é quando um pai, vendo sua filha com más companhias, e após um dia massacrante de trabalho, grita com ela; e a mesma na fase da adolescência, não aceitando ser chamada a atenção perante o grupo, grita também com ele que, tomado pela raiva, a agride publicamente. 11 Um exemplo do efeito ativador da emoção é quando, numa corrida competitiva, o segundo colocado vendo que outro competidor irá ganhar a corrida, começa a aumentar sua velocidade até ultrapassar o primeiro colocado e se tornar o vencedor. O medo que sentiu funcionou como reação positiva fazendo com que aumentasse sua energia, o que não conseguiria em estado normal. 12 CAIXETA, Marcelo; COSTA, Fernando César O.; HANNA, Marcelo Michel. A mente de Wallon. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2007.
44
ligadas desde a sua gênese, bem como o contexto físico-sócio-cultural no qual a
criança está inserida.
O professor ao entender o mecanismo freudiano da transferência
compreenderá melhor a importância da afetividade no ambiente da sala de aula.
Segundo Freud a Transferência13 é o mecanismo inconsciente que a criança faz
do seu professor baseada nas experiências com seus pais. Um exemplo desse
mecanismo do inconsciente humano é quando um aluno vê em sua professora
sua própria mãe. Pode, por ato falho, até chamá-la de mãe vez ou outra e ter por
ela um afeto especial, ou seja, pela pessoa que ela representa em seu
inconsciente, que é a mãe.
A criança pode se identificar com o professor na maneira dele se vestir,
falar, gesticular, olhar; tudo pode vir a adquirir uma ressonância particular. Assim
sua maneira de ser e ensinar ficarão gravados no inconsciente da criança, e sua
aprendizagem futura dependerá dos estímulos positivos ou negativos que
recebeu. Educar passa a ser então uma relação de afeto e não uma relação
técnica, puramente cognitiva. Segundo Rubem Alves (2003)14 na relação
transferencial que envolve o saber existe um detalhe importante: “Quando se
admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender coisas que
o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma forma de estar com ele.
Aprendo porque amo; aprendo porque admiro”.
Na ausência do pai ou da mãe a criança também fará a transferência de
papéis e o professor representará a autoridade afetiva idealizada pela criança
dos próprios pais. Se for entendido e respeitado em seus anseios essa relação
professor-aluno transcenderá o caráter formal da educação. Kupfer (2005)15
ressalta:
13 FAIAD VAZ DE OLIVEIRA, Andrevna. Um olhar sobre a aprendizagem e afetividade. 2005.34f. Monografia (Pós-graduação “lato sensu” em Psicopedagogia) - Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro. 14 ALVES, Rubem. Conversas sobre educação. 3 ed. Campinas: Verus, 2003. 15 KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 2005.
45
Ao caminhar a seu lado, pelo processo da aprendizagem, representa-se ali uma autoridade que não é a do conhecimento que se possui, mas do sentimento que lhe atribui o aluno pela representação inconsciente dos papéis de pai e mãe na figura do educador.
Numa sala de aula a afetividade se desenvolve de maneira diferente em
cada discente e docente, variando de acordo com a maturidade e com a forma
dele se expressar; ela tem relação com o meio em que ele vive, com a maneira
como interage com os colegas e com a cultura adquirida. No decorrer da vida da
criança, quando ela briga com um colega ou quando uma pessoa que lhe é
querida sofre um acidente, ou quando seus pais se separam ela está diante do
domínio afetivo; existe aí a elaboração do eu. Quando ela está fazendo cálculos
para comprar algo ou estudando para um teste de sondagem de Matemática,
por exemplo, há o predomínio do aspecto cognitivo; existe a elaboração do real.
A isso Wallon chamou de “Alternâncias Funcionais”, ou seja, a evolução da
afetividade depende das construções realizadas no plano da inteligência e vice-
versa. Assim, por toda a vida, razão e emoção vão se alternando, num mesmo
organismo, numa relação de filiação ou de oposição. Uma se opõe à outra, mas
necessita dela para existir. Esse paradoxo foi muito bem sintetizado por Heloysa
Dantas (2003:67): “A razão nasce da emoção e vive da sua morte”.
Nossa cultura estimula algumas reações emocionais, mas reprime
outras, a famosa frase de que “homem não chora” exemplifica bem essa
afirmação; a qual reforçamos impensadamente na sala de aula. Todos podem e
devem chorar, inclusive a criança, pois o choro é uma das manifestações da sua
vida afetiva, é a força de adaptação de um organismo. A fluidez emocional é o
que lhe fornecerá saúde psíquica, e segundo Filliozat (2000) apesar da má
reputação, as emoções são úteis pois nos dão a consciência do Ser. Exemplo
claro disso é a criança em fase de adaptação na pré-escola. Ela chora algumas
vezes até se acostumar com o ambiente e com as pessoas que lhe são
totalmente estranhas. E a forma como o professor lidará com esta situação será
determinante para a visão que ela formará e incorporará da escola.
46
Quando o educador desenvolve com a criança o vínculo afetivo,
conseqüentemente ela se tornará mais satisfeita consigo mesma, se sentirá
mais valorizada, elevará sua auto-estima, terá facilidade e interesse pela
aprendizagem, e autocontrole, melhorando problemas em sala de aula, como a
indisciplina, faltas, desinteresse, entre outros. Diante disso terá um melhor
relacionamento com o Outro, pois estará inconscientemente investindo o afeto
que recebeu. O papel do educador não está circunscrito apenas à sala de aula,
mas se configura muito além desta: na vida de cada aluno. Segundo Caixeta;
Costa; Hanna (2007:119 - 120):
O que caracteriza, basicamente, a cognição propriamente humana é a capacidade auto-reflexiva, ou seja, pensar sobre o que se está pensando, pensar sobre o que está sentindo, pensar sobre o que fizemos, o que sofremos, o que já sentimos etc. E este “olhar para dentro de si mesmo”, olhar para os próprios processos cognitivo-afetivo-conativos (conação diz respeito à vontade), é altamente dependente do olhar que a criança tem para com o Outro.
Observa-se que no decorrer da História, principalmente na Ciência, a
razão tem sido privilegiada em detrimento da afetividade, esta é vista como
deformadora do conhecimento objetivo; e nisso resultou a fragmentação do
homem. Muitos filósofos e pensadores fizeram esta dicotomia entre razão e
emoção: Platão, Descartes (“Penso, logo existo”) e Immanuel Kant são alguns
deles. Em contrapartida nomes como Jean Piaget, Lev Semenovich Vygotsky,
Henri Wallon e mais recentemente, Antonio R. Damásio, Joseph LeDoux e
Greeberg (Neurologistas), Howard Gardner, Daniel Goleman e Nico Fridja são
adeptos da integração inteligência/afetividade. O autor Luis Carlos Restrepo16
(1998:19) faz uma severa crítica com relação à falta de ternura que existe no
mundo ocidental, oriunda de um empobrecimento histórico que nos levou a um
analfabetismo afetivo nunca antes visto. Urrutigaray (2004:15)17 chama a
atenção para o fato de que: “Neste ‘Universo’ instituído pelo paradigma racional
os fatores como as emoções, as fantasias, os sonhos e as intuições, como
16 RESTREPO, Luís Carlos. O direito à ternura, 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. 17 URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak editora, 2004.
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aspectos também constituintes de uma subjetividade, ficaram desconsideradas,
por não poderem ser mensuradas e portanto não passíveis de controle”.
Neste contexto, ao analisar a trajetória da escola como instituição social
percebe-se que a emoção é quase que inexistente ali. A escola dá muita ênfase
ao aspecto cognitivo, ou seja, aos conteúdos e serviços burocráticos; privilegia a
razão em detrimento da emoção, e esse modo de agir contribui para que exista
o fracasso na educação. Na construção do conhecimento deve existir uma inter-
relação entre sentimento e escola pois este em nada atrapalha a nossa
inteligência, ao contrário, ele nos dá lucidez, compreensão e alegria para viver.
É mais importante o aluno ter compreensão e afetividade do que possuir apenas
uma inteligência mecânica. A criança só se empenhará em aprender se algo lhe
despertar o interesse; só através do desejo ela colocará a mente para raciocinar.
E o educador deve ter em mente que (ARCURI, 2006:129):
Viemos a este mundo para tentar dar uma voz criativa aos pedidos e necessidades de nossa alma com sensibilidade e inspiração – inspiração no sentido de contribuir no plantio de sementes, que possam fertilizar relacionamentos melhores com nós mesmos e com o mundo ao nosso redor.
A escola, com sua frieza e rigidez, não combina com a energia e fluidez
da criança. Freire (1997)18 no livro “Professora sim, Tia não” trata da importância
da afetividade e da intuição na construção do conhecimento
“...é necessário que evitemos outros medos que o cientificismo nos inoculou. O medo, por exemplo, de nossos sentimentos, de nossas emoções, de nossos desejos, o medo de que ponham a perder nossa cientificidade. O que eu sei, sei com o meu corpo inteiro: com minha mente crítica mas também com os meus sentimentos, com minhas intuições, com minhas emoções. O que eu não posso é parar satisfeito ao nível dos sentimentos, das emoções, das intuições. Devo submeter os objetos de minhas intuições a um tratamento sério, rigoroso, mas nunca desprezá-los”.
18 FREIRE, Paulo. Professora sim, Tia não: Cartas a quem ousa ensinar, São Paulo: Olho d`Água, 1997.
48
É importante o professor ter consciência de que quando trabalha de
forma puramente tradicionalista, dando importância apenas ao currículo e
privilegiando apenas a parte cognitiva do aluno, prejudica sua parte afetiva. A
criança nos primeiros anos de escolaridade tem uma imensa facilidade em
desenvolver o campo intelectual, e a afetividade impulsionará tal processo uma
vez que os desejos, razões e necesidades da criança serão os norteadores que
a levarão a conhecer e conquistar o mundo exterior a ela. O que é corroborado
pelo psicanalista Jerusalinsky (1997)19: “...a organização do seu pensamento e a
construção de sua inteligência será baseada na “fenda da inscrição que o desejo
ali abriu”. E também poelo psicólogo Biddulph (2003)20: “Se não é dada a
permissão ao desejo de se completar, de se investigar, de se pertencer,
logicamente esse desejo se desloca enquanto energia, e se perde ali o ensejo
de promover-se a aprendizagem”. Criticamos determinadas atitudes de alunos
que erroneamente adjetivamos de forma negativa (alienados, preguiçosos,
desmotivados, apáticos, etc), desconhecendo completamente suas vidas, mas
não refletimos sobre o que foi feito do desejo de aprender que um dia
possuíram. Essa energia talvez tenha se perdido justamente na escola, que
deveria resgatar sua vontade e energia e não, fazê-la perder-se... Na visão de
Cláudio Saltini (1997),
“As escolas deveriam entender mais de seres humanos e de amor do que de conteúdos e técnicas educativas. Elas têm contribuído em demasia para a construção de neuróticos por não entenderem de amor, de sonhos, de fantasias, de símbolos e de dores”21.
Cabe aqui um interessante questionamento: “Muitas coisas ruins que
acontecem no mundo são causadas apenas pelo desconhecimento das matérias
escolares (cognição) ou pela incapacidade de se resolver os problemas
emocionais?”. O essencial não é que o aluno vá à escola apenas para “passar
de ano”, mas também que adquira “saberes” relacionados à afetividade através
da interação educador-educando, o que o auxiliará na construção de qualquer
19 CORIAT, Lydia F. e JERUSALINSKY, Alfredo N. Aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento in Escritos da Criança nº4. 2. ed. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 2001. 20 BIDDULPH, Steve. O Segredo das Crianças Felizes. São Paulo: Fundamento, 2003. 21 SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade e inteligência. Rio de Janeiro: DPA, 1997.
49
conhecimento, inclusive a leitura e a escrita, bem como a enfrentar os problemas
pessoais e sociais com sabedoria e tranqüilidade. Acreditamos que, por meio da
resolução de conflitos, atingiremos um objetivo maior que é preparar os alunos
para a vida, ao mesmo tempo em que unimos inteligência e emoção.
Segundo a Psicopedagogia o fracasso escolar pode ter quatro fatores
básicos: causas do intelecto, causas da afetividade; causas do organismo e
causas corporais. Os maiores índices se relacionam à afetividade, uma vez que
a emoção mobiliza tão fortemente o ser humano que dentre os sintomas
manifestados encontra-se o mau desempenho escolar. A arteterapia vem
agregar conhecimento à educação no sentido de (ANDRADE apud ARCURI,
2006:112):
Ao dar livre curso às expressões das imagens internas, o indivíduo, ao mesmo tempo em que as modela, transforma a si mesmo. Ao reconhecer aspectos próprios se recria, se educa e, sobretudo, pode experimentar inserir-se na realidade de uma maneira nova. A pintura, o desenho e toda expressão gráfica ou plástica, bem como a música, a dança, a expressão corporal e dramática formam um instrumental valioso para o indivíduo reorganizar sua ordem interna, e ao mesmo tempo reconstruir a realidade.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental é essencial valorizar o
aspecto afetivo, na tentativa de trazer a emoção para dentro da escola, tão
permeada pela rigidez, pelo tradicionalismo, pela superficialidade e pela
cognição, pois por intermédio da emoção o discente terá sucesso no aspecto
intelectual, preocupando-se mais em formar do que em informar.
Muitos alunos conseguem adquirir estabilidade emocional para lidar
com a aprendizagem somente através do vínculo afetivo que o educador cria. É
ele que despertará nela a curiosidade, o interesse e o desejo de aprender, mas
para atingir esses objetivos deverá antes procurar atendê-la em suas
necessidades de ser aceita, acolhida, ouvida, compreendida e amada. Segundo
50
Visca (1991)22 “A aprendizagem é como uma construção que depende de
aspectos energéticos e estruturais e que implica em uma tematização”.
É através da educação, baseada na afetividade, que cada um
conseguirá percorrer o caminho que leva ao autoconhecimento e à
autocompreensão, de si e do outro, pois “... o que nos resta depois de muitos
anos de formação escolar ou universitária, de convivências na rua ou na família,
não são tanto as cadeias de argumentos ou blocos de informação, mas a
lembrança do clima afetivo e interpessoal que pudemos respirar” (RESTREPO,
1998:15).
O lidar com a criança na escola deve passar pelo desenvolvimento de
competências emocionais (conceito desenvolvido por Goleman), uma vez que
no mundo capitalista, globalizado, informatizado e competitivo de hoje é
importante ter equilíbrio emocional e não se deixar escravizar pela exigência da
cognição, tendo sempre em mente que “a rigidez imobiliza e não deixa espaço
para a sensibilidade, que é sinônimo de movimento, de flexibilidade” (RIOS,
2002:131)23. Atitudes como autocontrole, intencionalidade, autoconhecimento,
empreendedorismo, serenidade, liderança, empatia, curiosidade, confiança,
cooperação, criatividade e capacidade de se relacionar, e de se comunicar são
valiosas na nossa sociedade pós-moderna. E é na infância que essas virtudes
são inicialmente trabalhadas.
A auto-estima, decorrente da constituição subjetiva de cada indivíduo,
não pode ser ensinada, mas é formada ainda na primeira infância: nos gestos e
expressões de afeto e atenção dos pais. A criança sente a atenção e o amor que
lhe são dados e sente-se confiante e valorizada. À medida que vai crescendo, e
através da educação, vai tendo que controlar suas vontades, impulsos, desejos
e necessidades. Essa auto-estima (formada nos primeiros anos de vida) serve-
lhe como importante base para tolerar as pequenas frustrações e restrições que
22 VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. 23 RIOS, Terezinha Azerêdo, Compreender e Ensinar – por uma docência da melhor qualidade, 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
51
a vida em sociedade, requer e impõe, para que se possa conviver
harmoniosamente. Dessa forma a Arteterapia baseia-se na crença de que
(CIORNAI, 2004:8)24:
...o processo criativo envolvido na atividade artística é terapêutico e enriquecedor da qualidade de vida das pessoas. Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas ou dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua auto-estima, lidar melhor com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico.
Mesmo que o meio familiar não tenha proporcionado a uma criança a
base para sua auto-estima, por motivo de omissão ou insensibilidade, através do
reconhecimento afetivo social no contato com outras pessoas, ela poderá vir a
tornar-se autoconfiante por meio do reconhecimento e valorização de terceiros,
a quem ela se afeiçoe e respeite. Por essa razão é necessário ao educador
reconhecer a importância da construção de laços afetivos com o educando para
formação positiva (ou reforço) da auto-imagem deste. Importante frisar também
que existe uma relação onde essas duas subjetividades (educador-educando) se
retroalimentarem no dia-a-dia em sala de aula: o professor à medida que
trabalha a auto-estima do aluno, tem a sua também reforçada por este. Como
tão apropriadamente escreveu Cláudio Saltini (1997):
A serenidade e a paciência do educador, mesmo em situações difíceis faz parte da paz que a criança necessita. Observar a ansiedade, a perda de controle e a instabilidade de humor, vai assegurar à criança ser o continente de seus próprios conflitos e raivas, sem explodir, elaborando-os sozinha ou em conjunto com o educador. A serenidade faz parte do conjunto de sensações e percepções que garantem a elaboração de nossas raivas e conflitos. Ela conduz ao conhecimento do si - mesmo, tanto do educador quanto da criança.
Atividades prazerosas como dramatizações, jograis, pintura, desenho,
escultura em argila, jogos, brincadeiras, etc. são muito ricas no trabalho da auto-
24 CIORNAI, Selma (org.). Percursos em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004.
52
estima uma vez que ela é alimentada e modificada nas relações interpessoais,
além da vantagem de fazer com que a criança aprenda a lidar com o êxito e a
derrota. Arcuri afirma (2006:45):
Os resultados das atividades de produção com diferentes meios expressivos (desenho, modelagem, produção de história, dança, pintura, poesia, colagem, dramatização, etc.) permitem, quando trabalhados clinicamente, a ressignificação e atualização de conteúdos inconscientes, que podem promover um viver mais criativo e estruturado por escolhas mais conscientes e harmonizadas com o ser e o self.
O psiquiatra Augusto Cury (2003)25 ressalta algumas atitudes que o
educador poderá adquirir para promover um encontro com a afetividade,
desenvolvendo assim a auto-estima de seus alunos:
1) Conhecem o funcionamento da mente;
2) Possuem sensibilidade;
3) Educam a emoção;
4) Usam a memória na arte de pensar;
5) São mestres inesquecíveis;
6) Resolvem conflitos em sala de aula;
7) Educam para a vida.
A compreensão da realidade, pelo aluno, deve ser feita gradativamente,
baseada no afeto, na compreensão, na reflexão e na sensibilidade. O ser
humano é preso a muitas crenças e padrões e a Arteterapia vem em seu auxílio
no sentido de fazê-lo conhecer a si mesmo, através da reflexão, mas sem
críticas e julgamentos, para, a partir daí, poder modificá-las. Ela acredita que
toda pessoa possui núcleos saudáveis a serem ativados, abrindo espaço para a
transformação pessoal. Quantas vezes, em sala-de-aula, não se perde a
oportunidade de propiciar às crianças novas formas de pensar, imaginar, sonhar
e sentir o mundo! É pertinente aqui a reflexão de OSTROWER (apud
COUTINHO, 2007:53):
25 CURY, Augusto. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
53
Crescer, saber de si, descobrir seu potencial e realizá-lo: é uma necessidade interna. É algo tão profundo, tão nas entranhas do ser, que a pessoa nem saberia explicar o que é, mas sente que existe nela e está buscando-o o tempo todo e das mais variadas maneiras, a fim de poder identificar-se na identificação de suas potencialidades. No entanto, é só ao longo do viver que estas potencialidades se dão a conhecer. (...) Então, é preciso viver para poder criar. Cabe repeti-lo: ‘não há atalhos para a vida’ – e tampouco os há para a criação.
Snyders ressalta a importância da afetividade ao afirmar poeticamente
que (1986)26: “Quando se ama, esse amor ilumina o mundo e ajuda a revelá-lo,
a descobri-lo”. O ser humano tem uma capacidade afetiva infinita, daí
acreditarmos que a sensibilidade antecede a inteligência, e nada melhor do que
a Arteterapia para trabalhar com a educação do sentimento. Segundo o próprio
Wallon a escola deve promover a interdisciplinaridade entre a Ciência e a Arte,
de forma a estar auxiliando a criança a construir o seu eu. Assim a prática
pedagógica deve desenvolver tanto as dimensões subjetivas como objetivas, ou
seja, deve se voltar para a valorização da expressividade do aluno, mas também
para a dimensão estética da realidade (GALVÃO, 2003:99). Para que isso
aconteça é necessário privilegiar ações que resgatem a dança; a dramatização;
as brincadeiras; os jogos; as visitas a cinemas, museus, teatros, parques etc.; as
dinâmicas que possibilitem a interação entre o eu e o Outro e o resgate da auto-
estima.
Para isso o docente deve refletir e ressignificar o seu papel, ver-se
como ser humano, também imperfeito, esvaziar-se do saber, ter a humildade e a
alegria de aprender sempre, a e sensibilidade de partilhar, vendo a educação
como um meio e não um fim em si mesmo. Este pensamento é compartilhado
por Arcuri (2006:138) ao inter-relacionar educação, consciência e arte:
Educação e consciência caminham juntas, e a arte é um instrumento riquíssimo e importantíssimo no sentido de ajudar na exploração, expressão e elaboração de seus próprios medos, desejos e sonhos, assim como o de suas crianças e famílias, facilitando o relacionamento, a comunicação e a transformação de todos.
26 SNYDERS.G. (1986), retirado do site: http://74.125.93.132/search?q=cache:oCkJ7TvvR3sJ:www.anped.org.br/reunioes/25/excedentes25/jucimararojast07.rtf+%22Quando+se+ama,+esse+amor+ilumina+o+mundo+e+ajuda+a+revel%C3%A1-lo,+a+descobri-lo%22&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&lr=lang_pt
54
Uma das muitas funções da Arteterapia consiste justamente na
conciliação entre razão e emoção. Ela aperfeiçoa nossa maneira de sentir a
realidade e auxilia no equilíbrio das oposições que existem no mundo:
razão/sentimento, liberdade/necessidade, arte/ciência, aprender/brincar,
seriedade/ludicidade. A criança se assemelha ao artista pois ambos conseguem
ver o essencial, inaugurando a vida todos os dias. Lidando com crianças
aprendemos com elas a olhar para o mundo como se fosse a primeira vez,
desvelando novos sentidos para o nosso olhar cotidiano, cansado e
domesticado (DECONTO, 2002:71)27.
Em seu trabalho o educador pode buscar constantemente a união entre
amorosidade e cognição, deixando de lado valores cartesianos estabelecidos
que não têm mais razão de ser; do contrário corre-se o risco de estar
contribuindo para a consolidação do "analfabetismo emocional" dos alunos,
situação esta tão malfazeja à sociedade. Sociedade esta que, em nome do
cientificismo, desumanizou o homem fazendo com que ele perdesse a felicidade,
a alegria, a sensibilidade, a fé, a paz, a imaginação criadora, o prazer, a
ludicidade, a unidade, enfim sua humanidade.
“O educador serve de continente para a criança. Poderíamos dizer portanto, que o continente é o espaço onde podemos depositar nossas pequenas construções e onde elas tomam um sentido, um peso e um respeito, enfim, onde elas são acolhidas e valorizadas, tal qual um útero acolhe um embrião”.
Cláudio Saltini
27 DECONTO, Neuza Maria. Educação, arte e movimento II, Módulo IV, Vol. 1 do PIE – Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização – FE, UnB/SEEDF, 2002.
55
CAPÍTULO V
CORPO E MOVIMENTO: UM OLHAR
“A Igreja diz: O corpo é uma culpa. A Ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz: O corpo é um negócio. O corpo diz: Eu sou uma festa”.
Galeano
A escola que historicamente detém o status legitimado de desenvolver
modelos de pensamento específico deve tornar acessível o conhecimento
formalmente organizado e promover o acesso da criança aos objetos enquanto
significado cultural. Esse acesso se dá através de relações concretas, onde o
movimento, a afetividade e a cognição, estão presentes numa complexa rede.
Nesse contexto a Arteterapia é um veículo que oferece inúmeras e positivas
oportunidades de vivenciar e privilegiar essas relações.
Com o intuito de melhor refletir sobre o tratamento que a escola dá ao
corpo (e conseqüentemente ao movimento) vamos conhecer a história1 do
mesmo.
Observa-se que no decorrer do tempo, cada cultura lida com o corpo de
uma determinada forma. Na Pré-História o homem desenhava animais nas
cavernas, mas nesses desenhos quase não existia a figura humana. Já na
Grécia, Platão considerava o corpo como servo do espírito, então para a
ascensão da alma era necessário o cuidado com o corpo. A alma era a porção
divina e o corpo a parte desprezível, daí vem a dicotomia entre corpo-mente.
Embora houvesse a necessidade da ginástica como atividade de higiene, existia
também outra visão grega com relação ao corpo, a estética, onde ele era
1 Baseada na seção 1 do fascículo de Educação, arte e movimento I de Neuza Maria Deconto, Módulo II, Vol. 2 do PIE – Curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início de Escolarização - FE, UnB/SEEDF, 2001.
56
sinônimo de beleza. Essa valorização se estendia desde as práticas esportivas
até as Artes.
Na Idade Média, quando a Igreja se institucionalizou e o cristianismo se
expandiu, os exercícios físicos deixaram de ter a mesma influência nos
costumes dos povos. A Igreja os via apenas como entretenimento. Predominava
as idéias de Platão onde somente a alma tinha validade e, além dele, Santo
Agostinho (século IV), São Thomaz de Aquino (século XIII) e São Francisco de
Assis viam o corpo também sob essa ótica.
No século XIV na Itália, desenvolveu-se a educação física onde o
interesse predominante era a formação militar e a ginástica escolar (jogos). Foi
apenas no século XV que surgiram novas visões com relação ao corpo.
Descartes (criador da máxima: "penso, logo existo") pregava que algo antes de
chegar ao intelecto, necessita passar pelos sentidos, visão esta que foi a base
da ciência moderna. O corpo deveria então se libertar da teologia para se unir ao
conhecimento, pois agora ele não estava mais a serviço da Igreja, mas da
Ciência. Depois veio a lógica newtoniano-cartesiana (mecanicismo) que tirou o
corpo da morada da animalidade e dos vícios e o colocou como simples objeto.
Em meados do século XVII, quando a moda francesa dominou a
Europa, existiam três tipos de ginástica: a médica, a corretiva (ortopédica) e a
educativa. Daí se originou o esporte que depois se democratizou por todo o
mundo.
Observa que no decorrer da História, o homem além de transformar o
corpo, como forma de alcançar estados de consciência, sempre buscou também
o conforto; exemplo disso é a criação do banheiro (século XVI), do bidê e da
banheira (século XVIII). Com o século XIX vieram as revoluções, a mecanização
e o capitalismo, que transformaram radicalmente a sociedade. O corpo tornou-se
sinônimo de produtividade comparando-se a uma máquina; era um corpo
massacrado num homem alienado. O homem não era mais dono do seu corpo,
57
pois este pertence aos patrões. O corpo pensado era mais importante que o
corpo vivido.
No século XX o corpo se molda ao esporte submetendo-se ao máximo
de esforço para esculturação ou hipertrofia (ginástica rítmica). Neste século
também houve o aumento da população mundial e das cidades, e
conseqüentemente as pessoas são vítimas do estresse provocado pelo excesso
de trabalho e pela violência; advindo daí a depressão e várias doenças. O
homem mantém assim novas formas de relação com o meio onde vive, com o
tempo, com a cultura e com a corporeidade. Há uma busca fremente e
descontrolada pelo bem-estar, o que traz desequilíbrios tanto para o corpo como
para a mente.
Somente na segunda metade do século passado o homem começou a
estudar o corpo, um dos pioneiros foi o psicólogo Wilhelm Reich. Ele deu ao
homem a visão de totalidade (sem a dicotomia corpo/mente), e a idéia do corpo
como inconsciente, ou seja, muitas vezes não se percebe o que o corpo sente e
faz. Só aí é que o corpo passa a ter significado.
Trazendo essa historicidade corporal para a nossa realidade,
percebemos no Brasil Colonial e Imperial que quase não havia atividade física
uma vez que o cristianismo era contra o culto ao corpo. Foi somente com a
vinda da família real portuguesa que se criou a Academia Real Militar, mas
baseada na ginástica alemã. O esporte era uma prática exclusiva masculina, até
que em 1882 Rui Barbosa, como deputado, tornou obrigatória a ginástica nas
escolas tanto para meninas como meninos. Até o início do século XX o modelo
das atividades físicas era determinado pelos militares e médicos, pois havia o
interesse de proporcionar um físico saudável para a burguesia de raça branca.
Depois nos anos 20, o objetivo era a defesa do país contra as guerras, assim a
ginástica francesa, com caráter ainda mais militar, assumiu o lugar da alemã. No
Estado Novo procurou-se formar o corpo para o progresso econômico, uma vez
que as indústrias estavam adentrando no país. Nesse mesmo contexto, nos
58
anos 30, a mulher brasileira aderiu ao padrão estético de Hollywood e embora
moderna, progressista e batalhadora continuava com a função de esposa e mãe.
Ao final do Estado Novo buscou-se preparar o corpo para a mão-de-
obra; esta idéia atingiu seu ápice com o governo de Juscelino Kubitschek e
depois com o golpe militar em 1964; o modelo liberal americano se torna
referencial na educação formal. O capitalismo então invade nossa sociedade, e
conseqüentemente a escola. Como a meta era a produtividade, a formação
passou então a ser dominada pelo tecnicismo. O homem é então fragmentado,
sem consciência de si mesmo e de sua história, e seu corpo robotizado. O
modelo de educação física, nas escolas, se baseava na lógica olímpica
americana: alienada e com repetição de exercícios. Neste contexto os esportes
físicos foram exaustivamente explorados na propaganda política, houve grande
investimento em maquinários relativos ao esporte e as academias se
proliferaram, principalmente a partir dos anos 80.
Hoje no século XXI estamos na era do imaginário, em nenhuma outra
época o corpo e a imagem foram tão supervalorizados. O corpo adquiriu um alto
padrão de beleza, dificílimo de ser atingido, tornando-se um veículo puramente
comercial. A indústria da beleza nessa sociedade capitalista, extremamente
consumista, fatura milhões, e tudo à custa do corpo. Ele transformou-se em uma
mera mercadoria. Será que valeu a pena?
Diante das diferentes idéias construídas pelo homem com relação ao
corpo no decorrer da História, chega-se à conclusão de que ele já foi por demais
vilipendiado; e muito do que já se escreveu a seu respeito é ainda insuficiente
para sua verdadeira compreensão. Assim, a escola (que como o corpo serviu a
muitos senhores) deve abrir caminho para uma nova e verdadeira visão com
relação a ele, ou seja, deve começar a tratá-lo como extensão do ser: com ética,
amorosidade e sensibilidade. Ele não pode continuar sendo visto simplesmente
como um veículo da alma, da ciência, do capitalismo ou da classe dominante,
ele está muito além: é a manifestação da vida em nós. E somente através da
59
união corpo/mente compreenderemos a nós mesmos, ao outro e ao mundo, só
assim viveremos em equilíbrio. Nesse sentido a Arteterapia assume importância
relevante, pois vem além de “recuperar atividades esquecidas, fazer renascer
habilidades sepultadas pela (...) tecnologia. Como o psiquismo passa pelo corpo
inteiro, inclusive pelos braços e mãos, cumpre libertar as energias”
(URRUTIGARAY, 2004:9)2.
Para Henri Wallon o movimento tem papel de destaque tanto na nossa
relação com o mundo físico como na afetividade e na cognição. O movimento
antes de atuar no meio físico atua no meio humano, e no desenvolvimento da
criança sua função inicial é afetiva; somente depois o gesto vem proceder à
palavra.
A corporeidade auxilia na estruturação da inteligência, principalmente
nos processos verbais. Quantas vezes não observamos os alunos da Educação
Infantil tentando construir uma idéia através de gestos? São nessas brincadeiras
infantis que se delineiam, com mais clareza, a origem corporal das
representações; exemplo disso é quando fingem dirigir um carro fictício, ou
quando fazem o gesto de galopar um cavalo invisível. Todos são gestos
simbólicos que Wallon, em sua teoria, denomina de simulacro3. Pode-se
observar que, à medida que as crianças se desenvolvem intelectualmente a
ação do movimento delas diminui. Dessa forma vão adquirindo mais autonomia
e dependendo cada vez menos dos adultos.
A subjetividade é também uma característica predominante na
motricidade delas, pois a estruturação corporal de suas mentes é fundamental
para o desenvolvimento dos seus corpos como organismos físicos. Muitos dos 2 URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak editora, 2004. 3 Na gênese da representação, que emerge da imitação motora-gestual ou motricidade emocional, as ações da criança não mais precisarão ter origem na ação do outro, ela vai “desprender-se” do outro, podendo voltar-se para a imitação de cenas e acontecimentos, tornando-se habilitada à representação da realidade. Este salto qualitativo da passagem do ato imitativo concreto e a representação é chamado de simulacro. No simulacro, que é a imitação em ato, forma-se uma ponte entre formas concretas de significar e representar e níveis semióticos de representação (GALVÃO, 2003).
60
gestos e movimentos que não fazem parte do meio e prática social da criança
tendem a desaparecer, pois ela repete o gesto praticado pelo adulto. O
professor que em sala de aula exige uma disciplina muito grande no sentido da
criança ter que ficar parada ou concentrada por longos períodos de tempo,
pratica uma atitude desumana, uma vez que só gradativamente a consolidação
da disciplina mental da criança irá ocorrer, e dependerá não só de condições
neurológicas como também sociais.
Tanto adultos como crianças usam o corpo para poder se manifestar no
mundo e interagir nele, a esse processo dá-se o nome de corporeidade. Somos
seres de relação social e a corporeidade é uma característica essencial em
nossa vida, muitas crianças que não puderam se relacionar corporalmente com
o mundo, tiveram seu desenvolvimento físico retardado. Uma forma de favorecer
o desenvolvimento da corporeidade é através da Arte, como destaca muito
apropriadamente Urrutigaray (2004:28 - 29):
Aquele que tem acesso à arte ou ao “fazer artístico” está tendo oportunidade de desenvolver ou de configurar habilidades, as quais são, por sua vez, reveladoras da estrutura intelectiva ou cognitiva de quem as realiza, assim como também de seus sentimentos e valores ideais. Pois uma imagem projetada no papel ou numa escultura, ou num movimento do corpo, reflete a maneira pessoal de cada um relacionar-se, posicionar-se, de estar no mundo.
O significado da palavra corpo4 conforme o dicionário é simples à
primeira vista: “a substância física de cada homem ou animal”, mas na realidade
sua real significação é muito mais importante. Quando se tem a compreensão do
próprio corpo e a união deste com a mente, se adquire sabedoria, sensibilidade
e inteligência. Ter um corpo é conhecê-lo, senti-lo. Ele nos reflete e somos
refletidos por ele.
Uma vez que nem toda criança comunica-se verbalmente de maneira
clara, o corpo da criança é um espelho para o professor que sabe lê-lo. Quando
ela está triste ou feliz seu corpo e seus movimentos demonstram isso 4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniarélio Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
61
claramente. Em vista disso ele pode, através da Arteterapia, oferecer-lhe
inúmeros e variados recursos para que ela possa expressar o que está sentindo:
argila, giz de cera, tinta, papel, caneta hidrocor, massa plástica, máscaras,
fantoches, sons, entre outros. Esses materiais possibilitam a revelação pela
criança de um código mais rico até do que as palavras.
No mundo globalizado em que vivemos a mídia vulgarizou o corpo,
reduzindo-o a simples objeto de lucro e a serviço de qualquer ideologia. Ele é
totalmente manipulado, domesticado e vilipendiado tanto no mundo da moda, do
trabalho, do esporte bem como da prostituição. E os que se prestam a esse
papel se assemelham a seres alienados, que não compreendem a dimensão e
importância do próprio ser. Na escola vemos, com pesar, alguns alunos (ainda
na Educação Infantil) se envolverem em relacionamentos até mais íntimos com
outros colegas; apreciarem e dançarem músicas extremamente eróticas; as
meninas se maquiarem e usarem roupas com apelos sensuais, sem ter a
consciência do que isso significa. O mais grave é que muitos pais e
professores, aplaudem e até incentivam essas atitudes. O corpo que antes era
escravo da produção, agora o é do consumo e do erotismo. A Arteterapia vem
de encontro a essa problemática justamente no sentido de ser uma de suas
metas:
Tornar o sujeito consciente de sua forma de lidar consigo mesmo e com o mundo, e, a partir daí, refletir se esta é a forma mais adequada ou se há algo que pode ser modificado. O terapeuta não busca ensinar ninguém a viver conforme seus parâmetros, e sim auxiliar o sujeito a procurar a direção mais harmônica para sua vida (COUTINHO, 2003:28 - 29)5.
Observa-se paradoxalmente que o corpo tanto no passado, como
atualmente, continua velado e negado e, infelizmente, a escola sustenta essa
visão e dicotomiza ainda mais corpo/mente. Não fomos educados para a
totalidade e continuamos a tratar nossos alunos como seres fragmentados.
Exigimos deles uma disciplina cartesiana, castrando sua capacidade lúdico-
criativa. Os educandos são tratados como simples corpos na sala de aula que 5 COUTINHO, Vanessa. Arteterapia com crianças. Rio de Janeiro: Wak editora, 2007.
62
não podem conversar e muito menos brincar. São corpos-objeto, sem vida, sem
vontade, cujos movimentos só podem ser realizados nas aulas de Educação
Física. Essa dicotomia fabricará seres alienados, submissos, que não sabem
refletir, pensar, questionar, opinar, decidir, experimentar, vivenciar, mas que se
prestam à manipulação, ao pensamento dirigido e a executar e assimilar o que
for mandado; enfim corpos sem autocontrole e sem autoconfiança.
A fragmentação corpo/mente precisa ser banida da escola e isso só se
tornará viável quando o educador começar a sentir a si mesmo como ser integral
e total, e se permitir viver mais sua essência e interagir com o meio, ao ritmo da
afetividade, da alegria e da leveza do ser. Para esse propósito a Arteterapia é
uma grande e forte aliada pela riqueza de recursos e entendimento que ela
proporciona no sentido de
...auxiliar o ser humano a lidar com relações de modo mais criativo (...), ampliando a consciência sobre suas potencialidades e possibilidades de atuação no mundo em que vive. No caminho do artiterapeuta não existe uma melhor ou pior escolha, mas sim possibilidades... (ARCURI, 2006:11)6.
É triste presenciar algum professor exigindo silêncio dos alunos,
colocando as certeiras enfileiradas para que não se comuniquem pois
atrapalharão a aula, sendo inclusive algumas vezes ameaçados, caso não se
comportem, de serem levados à Direção para que recebam advertência. O
intuito maior do professor ainda é trabalhar os conteúdos (destituídos de
significado e contexto), supervalorizando o aspecto cognitivo e deixando de dar
espaço à criatividade, à espontaneidade e à liberdade de movimentos dos
alunos. As conseqüências desse tipo de postura são desanimadoras como bem
esclarece Bello (apud COUTINHO, 2005:50 - 51):
As cidades crescem até se tornarem metrópoles. A humanidade, cada vez mais se desliga da natureza. Começamos a destruí-la por causa da riqueza material. De Descartes em diante, o mundo ocidental, cada vez mais, superenfatizou a percepção intelectual racional em prejuízo da expressão intuitiva e emocional. Nos tornamos as vítimas de uma
6 ARCURI, Irene Gaeta (org.). Arteterapia: um novo campo do conhecimento. São Paulo: Vetor, 2006.
63
cultura tecnológica. Uma das principais doenças no mundo moderno é o estresse que o organismo humano sente, que se acelera de acordo com a velocidade da pulsação do mundo tecnológico. Ele nos orienta para a acumulação e, com isso, se mantém, se perpetua. No meio disso, tentamos manter-nos íntegros, vamos ao trabalho, pagamos as contas, compramos a comida, voltamos para casa, assistimos a televisão etc., como se fôssemos robôs...
Se observarmos bem, na escola não se usam os cinco sentidos em
uníssono com o restante do corpo; apenas os olhos, ouvidos e mãos são
realmente necessários. Será que assim formaremos seres capazes de atuar na
sociedade pós-moderna? Muitos dos alunos que educamos de forma
tradicionalista, que obrigamos a decorar conteúdos, regras e conceitos sem a
mínima utilidade na vida fora dos muros escolares, poderão se tornar adultos de
repetição, previsíveis, infelizes nos aspectos pessoal, social e profissional. Ao
brincar, cantar, dançar, pintar, modelar, representar, desenhar, dramatizar, a
criança tem diante de si inúmeras possibilidades criativas e enriquecedoras que,
além de combinar todos os sentidos, também os aguçam e despertam, inclusive
para a aprendizagem.
Acerca do importante papel do corpo Paulo Freire salienta no livro “A
Educação na Cidade” (FREIRE, 1995)7: “... Para mim é impossível conhecer
rigorosamente com desprezo a intuição, aos sentimentos, aos sonhos, aos
desejos. É o meu corpo inteiro que, socialmente, conhece. Não posso, em nome
da exatidão e do rigor, negar meu corpo, minhas emoções, meus sentimentos. É
o meu corpo inteiro que, socialmente, conhece”.
Através da Arteterapia pode-se transformar a prática pedagógica. Ela é
o veículo que faz com que se adquira consciência da importância do movimento
e da expressividade na vida da criança. Através dela procuraremos fazer a
integração corpo/mente, dando espaço ao corpo na sala de aula, ousando
percorrer caminhos desconhecidos, buscando novos horizontes. A criança
necessita estar efetivamente no mundo, sentir o outro e ser sentida, dar vazão
às várias formas de manifestações corporais: brincar, representar, correr,
7 FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1995.
64
dançar, etc. Assim estará buscando o autoconhecimento e a compreensão de si
mesma e do mundo. Com o auxílio da Arteterapia construiremos com elas uma
educação mais humana, afetiva, baseada em novos conceitos, vivências e
possibilidades.
Quando o professor trabalha apenas o corpo, de forma tradicionalista e
cartesiana (exigindo dos alunos movimentos iguais, ritmados e metódicos) não
desperta na criança o desejo de se movimentar, e se elas o fazem é por simples
obrigação. Nem a chamada recreação dirigida, lhes agrada plenamente, pois aí
também não há liberdade, fazem o que é determinado. Pode-se observar que ao
término da recreação muitas perguntam “– Professor, agora eu posso brincar?!”
– e o professor encara essa pergunta como absurda, pois no seu limitado
entender presume que o que elas fizeram foi brincar!
A recreação verdadeira deve se tornar um dos momentos mais
prazerosos na escola, pois ela representa o brincar pelo brincar, sem cobranças,
é um tempo só da criança. O que muitos professores e pais devem compreender
é que o benefício do brincar, além de salutar para a criança, pode segundo
Coutinho (2005:44) “atingir níveis afetivos profundos, e provocar que venham à
tona emoções guardadas, tornando-as conscientes, conhecidas, para que
possamos com elas dialogar, compreendendo aspectos (...) antes ocultos,
mascarados”.
As crianças ao dançar, brincar, cantar, dramatizar, têm seus corpos
movimentando-se livremente, com energia, alegria e expressividade; interagindo
com o meio e com o Outro. Atividades como essas promovem uma melhoria
considerável tanto na aprendizagem como na auto-estima e na socialização;
afirmação esta ratificada por Urrutigaray (2004:50 - 51):
O fazer arte é terapêutico, porque proporciona integração de uma
personalidade, mediante a aplicação de técnicas e práticas
expressivas, que tanto facilitam a materialização de formas, doadas
por conteúdos projetados, bem como permitem a identificação
65
funcional das mesmas, já que possibilitam a sua integração, restituindo
à personalidade os sentimentos acerca de si que estavam faltosos.
Dando ao sujeito que a utiliza como prática o deleite de desfrutar de si
mesmo. As modalidades expressivas são geradas pelo uso de
materiais plásticos, que por sua característica peculiar de flexibilidade,
promovem habilitações simbólicas dos processos intrapsíquicos. A
aquisição de maleabilidade, de permuta ou modelagem, quebra
lentamente com posturas comportamentais rígidas, formais e
repetitivas. A própria apreciação do sujeito de seu desenvolvimento
efetuado, durante o seu processo de trabalho, como a constatação de
suas destrezas motoras e cognitivas frente às tarefas realizadas, o
capacitam internamente na promoção e valorização de sua estima.
O trabalho com o corpo pode ser feito também através de experiências
concretas e que tenham significado para o aluno, não importando a quantidade,
mas a qualidade. As atividades devem ser naturais e envolver também
movimentos como: andar, correr, saltar, saltitar, equilibrar, rodopiar, girar, rolar,
subir, pendurar, puxar, empurrar, deslizar, rastejar, lançar, etc. Conjuntamente
estarão sendo desenvolvidas as noções relativas a tamanho, forma,
agrupamento e distribuição.
Atuando em parceria com a filosofia walloniana e a Arteterapia o
educador contribuirá positivamente para que os educandos tenham domínio
sobre o próprio corpo, adquiram maior possibilidade de movimentação,
descubram novos espaços e formas, superem suas limitações e tenham
condições de enfrentar novos desafios, tanto nos aspectos motores, quanto
sociais, afetivos e cognitivos. Seu "estar no mundo" se dará de maneira
saudável, natural, prazerosa, lúdica, alegre e criativa, pois de acordo com
Bergson (apud ARCURI, 2006:55):
Nosso corpo, com as sensações que recebe de um lado e os movimentos que é capaz de executar de outro, é portanto aquilo que efetivamente fixa nosso espírito, o que lhe proporciona base e equilíbrio. [...] A atividade do espírito o ultrapassa infinitamente a massa das lembranças acumuladas, assim como nossa massa de lembranças ultrapassa as sensações e os movimentos do momento presente.
66
Onde estarão no espaço escolar hoje, as brincadeiras de roda, as
cirandas, as danças, as peças teatrais, as pinturas, as dobraduras, a
modelagem, a mímica, tão valorizadas na Arteterapia? Por que a ludicidade e o
movimento espontâneo só ocorrem nas datas comemorativas?
Deixemos que a vida e o movimento adentrem os muros da escola,
presenteando nossas crianças diariamente com a liberdade de expressão e de
ação; permitindo que elas se humanizem novamente. Só assim terão uma vida
rica de significados que extrapolará os muros da escola.
“A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da linguagem. a escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecimento e o mundo. O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética”.
Rubem Alves
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CONCLUSÃO “Sobre isso eu construí. Que o meu coração estava preso às crianças, que a sua felicidade era a minha felicidade, a sua alegria a minha alegria - elas deviam ler isso na minha fronte, perceber isso nos meus lábios, desde manhã cedinho até tarde da noite, a cada instante do dia. (...) É preciso que a natureza da coisa seja boa em si e pareça boa aos olhos da criança”.
Johann H. Pestalozzi1
A vida acontece em ciclos, um após o outro, numa evolução que é
infinita. De maneira semelhante ocorre com esse trabalho, que não se encontra
de maneira alguma concluído, fechado, ele sinaliza apenas o início de uma nova
caminhada.
A história de vida de Wallon e a Arteterapia faz com que nos sintamos
gratificados por termos adquirido inúmeros conhecimentos que redundam numa
alegria de ser e estar no mundo. Iniciativas como esta já são sinalizadoras das
profundas transformações que ocorrerão na educação. A Arteterapia não
oferece respostas prontas, mas abre um espaço de investigação que possibilita
uma reflexão, avaliação e transformação qualitativa da prática pedagógica.
Há um aforismo de Neidson Rodrigues (1992:39)2 muito profundo: “A
educação é do tamanho da vida. Não há começo. não há fim; só há travessia”. É
assim que nos sentimos ao final deste ensaio, recomeçando, com força,
afetividade, sabedoria e alegria para recomeçar; pois foi o processo permeado
de incertezas, desafios e contradições, mas também de esperança que nos fez
chegar até aqui.
Em educação, como na vida, não existe nada pronto e acabado, nada é
absoluto, tudo está interligado de forma sistêmica, o fim volta a ser o começo, 1 Trecho da “Carta de Stans” na qual é narrada a experiência vivida por Pestalozzi – educador que em Stans (Suíça) cuidou sozinho de 80 crianças órfãs da guerra civil deflagrada pela revolução Helvética. 2 RODRIGUES, Neidson. Estado, educação e desenvolvimento econômico. São Paulo: Cortez, 1992.
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mas de forma diferente. O desenvolvimento da ciência ilustra perfeitamente este
pensamento nas palavras de Edgar Morim (1984: 106)3: “... nunca se encontra o
que se procura, encontra-se eventualmente o contrário daquilo que se procura.
Pensasse encontrar a chave, pensasse encontrar o elemento simples e há
qualquer coisa que relança ou inverte o problema”.
Grande parte do tempo dos educadores e alunos é dedicada à escola,
assim pode-se afirmar que de diferentes maneiras professores e alunos
constroem dia a dia sua história. E foi pensando no enriquecimento da
experiência desses educadores que optamos em refletir e escrever sobre a
Arteterapia aliada aos Campos Funcionais wallonianos (a pessoa, as emoções,
o movimento e a inteligência) uma vez que os levando para a sala de aula,
acreditamos que eles apresentam uma possibilidade maior de formar, ao mesmo
tempo, crianças sensíveis e críticas que atuarão no mundo. Para realizar esta
empreitada abrimos mão do porto seguro em que nos encontrávamos e
lançamo-nos ao novo, ao surpreendente, pois não necessitamos de outros
subterfúgios para sermos profissionais competentes e realizados.
Conhecendo a teoria de Henri Wallon aliada à Arteterapia observa-se
como elas são próximas e se inter-relacionam. Embora tais conhecimentos
sejam ainda pouco divulgados no meio educacional, eles muito podem
acrescentar à prática pedagógica uma vez que esta exige conhecimentos e
habilidades variadas.
Através deste ensaio pôde-se (no campo a que nos propusemos)
analisar detidamente a maneira de se olhar, pensar e trabalhar em sala de aula.
Ela é um espaço a ser moldado, tanto pela alegria e pelo prazer, como pela
tristeza e pelo pesar, isso dependerá exclusivamente do professor. E nós,
mesmo em meio às inúmeras dificuldades (proletarização da profissão, carência
de recursos, etc.), é importante considerar o trabalho pedagógico um prazer, não
só pelo amor a profissão, mas pela riqueza de aprendizado que ele proporciona. 3 MORIM, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Portugal: Publicações Europa-América, 1984.
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Com Wallon, aliado à Arteterapia, aprende-se a olhar a criança além da
superficialidade, como pessoa completa e integrada: com inteligência,
movimento e emoção, em constante interação com o seu meio físico e social.
Desempenhando o docente, nesse sentido, um papel relevante que é o de ser
mediador entre ela e o meio e também criador de habilidades para sua inserção
plena e feliz no mundo.
A interação é um conceito primordial em sala de aula, pois é condição
necessária para construção do conhecimento. Será na interação com o meio
que o aluno desenvolverá sua autonomia e criticidade, mas elas de nada valerão
se não tiverem como aliadas a criatividade e a sensibilidade. Este foi o objetivo
deste trabalho (ensaio): fazer a inter-relação entre sentimento, pensamento,
conhecimento, movimento e ação na prática docente, por acreditar que estes
são elementos indissociáveis no ser humano. Sentimo-nos renovados e felizes
com a sua realização, pois além de atingir a meta desejada, reencantamos a
práxis pedagógica de muitos profissionais e adquirimos a capacidade de
dialogar melhor com a vida.
Este ensaio iniciou-se pelo histórico de vida de Wallon; depois pela
Educação e a Arteterapia; passou pela formação da Pessoa envolvendo Wallon,
a Arte e a Filosofia; pela Inteligência e pela Emoção até chegar ao Corpo e
Movimento, destacando a importância de cada um não só na realidade escolar,
mas na vida. A meta agora é buscar novos conhecimentos, novos paradigmas
que resgatem o prazer em aprender e ensinar, construindo todos os dias
horizontes novos e prazerosos no pequeno, mas infinito espaço, que é a sala de
aula.
“Eu sou o elemento decisivo na sala de aula. É minha relação pessoal que cria o ambiente. É meu humor diário que gera o clima. Como professor, possuo tremendo poder para fazer a vida de uma criança miserável ou alegre. Posso ser a ferramenta da tortura ou o instrumento de inspiração. Posso humilhar ou alegrar, ferir ou curar... Em todas as situações, é minha resposta que decidirá se uma crise poderá ser vencida ou vencedora, e se uma criança poderá ser humanizada ou desumanizada”.
Haim G. Ginott
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76
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
EPÍGRAFE 5
RESUMO 6
METODOLOGIA 7
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I
HENRI WALLON: O HOMEM, O CIENTISTA E O EDUCADOR 14
CAPÍTULO II
CONSTRUINDO PONTES: A EDUCAÇÃO E ARTETERAPIA 24
CAPÍTULO III
ARTE E FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DA “PESSOA” DE HENRI WALLON 32
CAPÍTULO IV
EMOÇÃO E COGNIÇÃO: ALGUMAS TRAVESSIAS 37
CAPÍTULO V
CORPO E MOVIMENTO: UM OLHAR 55
CONCLUSÃO 67
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 71
ÍNDICE 76
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