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Quando o mundo estiver unidona busca do conhecimento, e

não mais lutando por dinheiro epoder, então nossa sociedade

poderá enfim evoluir a um novonível.

Tradução Ricardo Giassetti

Para meu filho Jack

Prefácio - AO LEITORDESTE TRABALHO

Ao oferecer a você o

estranho manuscrito doCapitão Carter em forma delivro, acredito que algumaspoucas palavras relativas aessa marcante personalidadesejam de interesse.

Minha primeiralembrança do Capitão Cartervem de sua estada de alguns

meses na casa de meu pai, naVirgínia, imediatamenteantes do começo da GuerraCivil. Na época, eu era umacriança de uns cinco anos,mas continuo me lembrandobem do homem alto, atlético,moreno, de rosto brilhante, aquem eu chamava de TioJack.

Ele parecia estar sempresorrindo, e entrava nasbrincadeiras das crianças coma mesma camaradagemsincera que demonstrava

àqueles passatempos aosquais os homens e mulheresde sua idade se dedicavam.Ou, então, ele se sentava poruma hora inteira entretendominha velha avó comhistórias de sua vida estranhae perigosa inundo afora.Todos o amavam, e nossosescravos praticamenteveneravam o chão no qual elepisava.

Ele era um esplêndidoexemplo de masculinidade,chegando a quase um metro e

noventa de altura, de ombroslargos e quadril estreito, como porte de um lutador bemtreinado. Suas feições eramregulares e bem definidas,seu cabelo preto cortadorente, enquanto seus olhoseram de um cinza-aço,refletindo uma personalidadeforte e leal, cheia de fulgor einiciativa. S eus modos eramperfeitos e sua cortesia era amesma de um típicocavalheiro do sul da mais altaestirpe.

S eu estilo ao cavalgar,especialmente na caça àraposa, maravilhava eimpressionava, mesmonaquele recanto demagníficos cavaleiros. Ouvicom freqüência meu paiadverti-lo quanto a suaousadia desenfreada, mas eleapenas ria e dizia que a quedaque o mataria seria causadapor um cavalo que ainda nãohavia nascido. Quando aguerra começou, ele partiu enão o vi novamente pelos

próximos quinze ou dezesseisanos. Quando retornou, foisem aviso, e fiquei bastantesurpreso ao perceber que elenão havia envelhecido sequerum segundo, que suas feiçõesnão haviam mudado. Quandoestava na companhia deoutros, ele era o mesmocamarada genial e feliz queconhecíamos há tempos; masquando ficava a sós com seuspensamentos, eu o via sentar-se por horas a fio, olhando onada, seu rosto assumindo

um ar de espera melancólicae completa desolação. E ànoite, ele se sentava olhandopara o céu; procurando o quê,eu não sabia até ler estemanuscrito anos depois. Elenos disse que haviaprospectado e minerado noArizona durante uma partedo tempo desde a guerra, eque havia sido bem-sucedidoera evidente dada a quantiailimitada de dinheiro quepossuía. Quanto aos detalhesde sua vida durante esses

anos, ele era reticente. Naverdade, ele não falava sobreisso, em absoluto.

Ele ficou conosco porcerca de um ano e então foipara Nova York, onde haviaadquirido um recanto àsmargens do Hudson. Passei avisitá-lo uma vez por anoquando viajava para NovaYork - onde, na época, meupai e eu comprávamossuprimentos para abastecernossa rede de lojas dedepartamentos no Estado da

Virgínia. O Capitão Cartertinha uma pequena, mas belacasa em uma escarpadebruçada sobre o rio. E emuma das minhas últimasvisitas, no inverno de 1885,observei que ele estava muitoocupado escrevendo,presumo agora, estemanuscrito.

Ele me pediu na épocaque, caso algo acontecesse aele, eu me encarregasse deseus bens. D eu-me uma cópiada chave para um

compartimento do cofre queficava em seu estúdio,dizendo que ali euencontraria seu testamento,além de algumas instruçõespessoais às quais me fezprometer obedecer comabsoluto rigor. D epois queme retirei para dormir, pudevê-lo de minha janela, em pésob o luar e na beira dopenhasco sobre o Hudsoncom os braços para o alto,como que em um apelo.Pensei que estivesse rezando,

apesar de nunca terimaginado que ele fosse umhomem religioso, no sentidoestrito da palavra.

Vários meses depois deretornar para casa apósminha última visita - creioque por volta do dia 1° demarço de 1886 -, recebi umtelegrama dele me pedindoque voltasse imediatamente.Sempre fui seu favorito entrea geração mais nova dosCarters, então me apresseiem cumprir seu pedido.

D esembarquei napequena estação a cerca deum quilômetro e meio desuas terras na manhã de 4 demarço de 1886. E quando pediao cocheiro que me levasseaté o Capitão Carter, elerespondeu que, caso eu fossealgum amigo do Capitão,teria notícias muito ruins adar. O Capitão foraencontrado morto pelo vigiade uma propriedade vizinhalogo após o amanhecerdaquele dia.

Por alguma razão suaspalavras não mesurpreenderam, masapressei-me para o local omais rápido possível parapoder cuidar do corpo e dosserviços. Encontrei o vigiaque o havia descoberto juntoa um policial local e a várioscidadãos reunidos em seupequeno estúdio. O vigiarelatou os poucos detalhesligados ao corpo que,segundo ele, ainda estavaquente quando o achou.

Estava deitado, disse ele,estirado na neve, na direçãoda escarpa, com os braçosabertos sobre sua cabeça.Quando ele me mostrou olugar, lembrei-me de que erao mesmo ponto onde eu ohavia visto naquelas outrasnoites, com seus braços parao alto, suplicando aos céus.

Não havia marcas deviolência em seu corpo, e coma ajuda de um médico local osinvestigadores chegaram àconclusão de que a causa da

morte fora um ataquecardíaco. S ozinho no estúdio,abri o cofre e retirei oconteúdo da gaveta onde elehavia dito que eu encontrariaas minhas instruções. Eram,em parte, realmentepeculiares, mas as segui commáxima dedicação até osúltimos detalhes.

Ele me orientava a levarseu corpo para a Virgínia semembalsamá-lo, e que fossecolocado em um caixão abertodentro de uma tumba que ele

mesmo havia construídopreviamente. A tumba, comoeu saberia posteriormente,era muito bem ventilada. Asinstruções me obrigavam asupervisionar pessoalmenteos servi- ços, tal como forapedido, mesmo que em sigilo,se necessário.

S ua propriedade foimantida de tal forma que eurecebesse os lucros durantevinte e cinco anos, após osquais o imóvel se tornariameu. S uas próximas

instruções eram relacionadasa este manuscrito, que eudeveria manter lacrado e emsegredo, do modo como ohavia encontrado, por onzeanos. E não deveria divulgarseu conteúdo antes que vintee um anos se passassem desua morte.

Um detalhe estranhosobre a tumba na qual seucorpo ainda repousa: apesada porta, equipada comuma única grande fechadurafolheada a ouro, só pode ser

aberta de dentro para fora.

Sinceramente,Edgar Rice Burroughs

Capítulo 01 - NASCOLINAS DO

ARIZONA

S ou um homem muito velho.O quanto, eu não sei. Épossível que eu tenha cemanos, talvez mais, mas nãoposso calcular porque nuncaenvelheci como os outros, ousequer lembro de minhainfância. Por mais que tenteme lembrar, sempre fui umhomem, um homem de uns

trinta anos. Minha aparênciahoje é a mesma de quarentaanos atrás, talvez mais;mesmo assim, sinto que nãoviverei para sempre, quealgum dia morrerei averdadeira morte da qual nãohá ressurreição. Não sei porque eu deveria temer a morte.Eu, que morri duas vezes econtinuo vivo. Mas continuotendo o mesmo medo dealguém que, como você,nunca morreu antes. E é porcausa desse terror pela morte

que, acredito, continuo tãoconvencido de minhamortalidade. Por causa dessaconvicção, decidi escrever ahistória dos períodosinteressantes da minha vida emorte. Não posso explicar talfenômeno, mas apenasregistrar aqui, com aspalavras de um simplessoldado, a crônica dosestranhos eventos que seabateram sobre mim duranteos dez anos em que meucadáver descansou em

segredo em uma caverna doArizona.

Nunca contei esta históriaantes e homem algum develer este manuscrito antes queeu tenha partido para aeternidade. S ei que, demaneira geral, a mentehumana não acreditará noque não pode captar, etambém não pretendo serridicularizado pelo público,pelos oradores e pelaimprensa, ser apregoadocomo um grande mentiroso

quando não estou dizendonada além da pura verdadeque algum dia a ciênciacomprovará. É provável queas informações que arrecadeisobre Marte e oconhecimento que transcrevonestas crônicas ajudem emum primeiro entendimentodos mistérios de nossoplaneta parente. Mistériospara você, não mais paramim.

Meu nome é J ohn Carter,mais conhecido como Capitão

J ack Carter, da Virgínia. Nofinal da Guerra Civil minhasposses somavam muitascentenas de milhares dedólares (confederados) e oposto de capitãocomissionado da cavalaria deum exército que não maisexistia. Eu era o servo de umEstado que havia evaporadojunto com as esperanças doSul. S em a quem responder,sem dinheiro e com meusmeios de sobrevivência edefesa perdidos, decidi partir

para o sudoeste e tentarrecuperar minhas riquezasbuscando por ouro.

Passei quase um anoprospectando na companhiade outro oficial confederado,o Capitão J ames K. Powell, deRichmond. Tivemos muitasorte quando, no final doinverno de 1865, após muitoesforço e privação,localizamos o mais notávelveio de ouro que nem nossossonhos mais deliranteshaviam ousado. Powell,

engenheiro de minas porformação, afirmou quehavíamos descoberto mais deum milhão de dólares domineral a serem extraídos emmeros três meses. Nossosequipamentos eram tãorústicos que decidimos queum de nós voltaria àcivilização, compraria omaquinário necessário eretornaria com um númerosuficiente de homens aptospara trabalhar na mina. PorPowell conhecer melhor a

região e também serfamiliarizado com osrequerimentos técnicos paramineração, decidimos que eleseria a melhor escolha parafazer a viagem. Concordamosque seria eu a defender nossaposse na remotapossibilidade de umexplorador errante tentartomá-la.

No dia 3 de março de1866, Powell e eu amarramossuas provisões em dois denossos burros e nos

despedimos quando montouno cavalo e começou a descera colina na direção do vale,rumo à primeira etapa de suaviagem.

A manhã da partida dePowell estava clara e bela,assim como quase todas asmanhãs no Arizona. Eu podiavê- lo e a seus animais em suarota montanha abaixo.D urante toda a manhã, eu osavistava no topo de algumaencosta ou planalto. Vi Powellpela última vez por volta das

três da tarde, quando eleadentrou as sombras dasmontanhas do outro lado dovale. Cerca de meia horadepois, ao olhar casualmentesobre o vale, notei, surpreso,três pequenos pontos pertodo mesmo lugar onde haviavisto meu amigo e seus doisanimais de carga pela últimavez. Não sou dado a mepreocupar à toa, mas quantomais tentava acreditar quetudo estava bem com Powell -que aqueles pontos que vi em

sua trilha eram antílopes oucavalos selvagens -, menosconseguia me convencer.

D esde que entramos noterritório, não avistamossequer um índio hostil. E,também, nos tornamosextremamente descuidados.Costumávamos ridicularizaras histórias que ouvimossobre os inúmeros assaltantesque patrulhavam as trilhas,cobrando seu pedágio naforma de vidas e tortura aqualquer grupo de brancos

que aparecesse em seucaminho.

Eu sabia que Powell estavabem armado e, além disso,tinha experiência emenfrentar índios. Mas eutambém havia sobrevivido elutado anos a fio entre ossioux no

Norte e sabia que suaschances seriam pequenascontra um grupo deastuciosos apaches em seuencalço. Finalmente, nãopude mais suportar o

suspense e, armado commeus dois revólveres Colt euma carabina, ajustei doiscintos de cartuchos sobremim, montei em meu cavaloarreado e desci pela mesmatrilha de Powell.

Assim que cheguei àplanície, incitei meu cavalo ameia-marcha, quando erapraticável, até que perto docrepúsculo encontrei o pontoonde outros rastros sejuntavam aos de Powell. Eramrastros de pôneis desferrados,

três deles, e vieram a galope.S egui as pegadasrapidamente até a escuridãototal, sendo forçado a esperara lua nascente, tempo em quetive a oportunidade deespecular se minhaperseguição era sábia. Éprovável que eu tenhacogitado perigos impossíveiscomo alguma dona de casapreocupada e que, quando eualcançasse Powell, daríamosgargalhadas de meusofrimento. Porém, não sou

inclinado a sensibilidade.S eguir o chamado do dever,onde quer que me leve,sempre foi uma espécie defetiche durante toda a minhavida, o que deve ser o motivodas honras recebidas pormim por três repúblicas,condecorações e a amizade deum velho e poderosoimperador e outros tantosreis menores a serviço dosquais minha espada semanchou de vermelho muitasvezes.

Por volta das nove horas, alua estava suficientementeclara para que euprosseguisse meu caminhosem maiores dificuldades emrastrear a trilha a passoslargos e, em alguns pontos, atrote ligeiro. Por volta dameia- noite alcancei o poçoonde Powell deveria acampar.Cheguei ao localcautelosamente, mas estavadeserto e sem sinais recentesde acampamento. Fiqueisurpreso ao ver que os rastros

dos perseguidores - poisagora sabia que realmente oeram - continuaram seguindoPowell após uma breveparada no poço. E mantinhama mesma velocidade que adele. Eu estava convencido deque os perseguidores eramapaches e que queriamcapturar Powell vivo peloprazer maquiavélico datortura. Aticei meu cavaloadiante, em galope aindamais perigoso, na esperançade alcançá-los antes que os

covardes o atacassem. Outrasconjeturas foramsubitamente suspensas pelosom ao longe de dois tiros àminha frente. Eu sabia quePowell precisava de mimnaquele derradeiro momentoe, imediatamente, esporeimeu cavalo subindo o maisrápido possível pela trilhaestreita e difícil montanhaacima.

Eu havia percorrido cercade um quilômetro e meio oumais sem ouvir outros sons

quando a trilha subitamentedesembocou em umapequena clareira perto dotopo do caminho. Eu haviapassado por um desfiladeiroalto e estreito antes de chegarà clareira, e a visão com a qualme deparei encheu meusolhos de confusão e terror.

A pequena extensão deterra plana estava branca detantas tendas, e haviaprovavelmente cinqüentaguerreiros índios amontoadosem volta de um objeto no

centro do acampamento. S uaatenção estava tão fixada noobjeto em questão que sequerme notaram, e eu poderia terfacilmente recuado para assombras do desfiladeiro eescapado em perfeitasegurança. O fato de essepensamento não ter meocorrido até o dia seguinteanula qualquer direito dereclamar heroísmo de minhaparte, coisa que a narraçãodeste episódio poderia fazercair sobre mim.

Não acho que eu seja feitodo material que sãoconstruídos os heróis porque,em todas as vezes que meusatos voluntários mecolocaram face a face com amorte, não me lembro denenhuma em que pensei emoutra alternativa até algumashoras depois. Minha mente éevidentemente constituída deforma a me forçar aochamado do dever sem queseja preciso um cansativoprocesso mental. Mas, de

qualquer maneira, nunca mearrependi por não ter acovardia como opção. S endoassim, eu estava certo de quePowell era o centro daatenção, mas se pensei ou agiprimeiro, não sei. No mesmoinstante em que a cena sedesdobrou diante de mim, eujá havia sacado meusrevólveres e estavadisparando contra o exércitode guerreiros inimigos,atirando rápido e gritando aplenos pulmões. S ozinho, eu

não poderia ter escolhidomelhor tática, uma vez que osvermelhos, convencidos pelasurpresa de que nada menosque todo um regimentoestava sobre eles, correramem todas as direções embusca de seus arcos, flechas erifles.

A sensação que essa fugadesabalada me apresentou foide apreensão e raiva. S ob osraios claros do luar doArizona, jazia Powell, seucorpo crispado pelas flechas

hostis dos índios. Eu estavacompletamente convencidode que ele já estava morto,mas mesmo assim salvariaseu corpo da mutilação pelasmãos dos apaches tão rápidoquanto o salvaria de umamorte certa. Cavalguei paraperto dele e desci da sela.S egurando-o pelo cinturão decartuchos, coloquei-o nascostas de minha debilitadamontaria. Um breve olharpara trás me convenceu deque retornar pelo mesmo

caminho por onde tinhavindo seria mais perigoso doque continuar através doplatô. Então, esporando meupobre animal, acelerei nadireção da abertura dapassagem que eu conseguiadistinguir do outro lado daplanície.

A essa altura os índios jáhaviam descoberto que euestava sozinho e fuiperseguido por imprecações,flechas e tiros de rifles. Comoapenas imprecações são

fáceis de se mirar sob a luz dalua, e em razão de estaremirritados com o modo súbitocom que cheguei e de eu serum alvo em movimento,consegui me salvar de váriosprojéteis mortais inimigos atéalcançar as sombras dos picosao redor antes que meusperseguidores pudessem seorganizar. Meu animalcavalgava praticamente semser guiado porque eu sabiaque, provavelmente, eu tinhamenos noção da localização

da trilha para a passagem doque ele. Assim, ocorreu queele adentrou um desfiladeiroque levava ao topo dasmontanhas e não à passagempela qual eu ansiava me levarao vale e à segurança. Éprovável, porém, que eu devaminha vida a este fato e àsmarcantes experiências eaventuras que recaíram sobremim pelos próximos dezanos. O primeiro aviso de queeu estava na trilha errada veioquando ouvi os gritos dos

perseguidores selvagensrapidamente se tornandomais e mais distantes do meulado esquerdo.

Eu sabia que eles haviampassado pela esquerda daformação de rochas pontudasna beira do platô, à direita daqual meu cavalo havia noscarregado, a mim e o corpo dePowell.

I nterrompi meu avançoem um pequeno promontórioplano com vista para a trilhaabaixo e à esquerda, e vi o

grupo de selvagensperseguidores desaparecendoem uma área próxima ao picovizinho.

Eu sabia que os índioslogo descobririam queestavam na trilha errada eque a busca por mim seriaretomada na direção corretaassim que localizassemminhas pegadas.

Eu havia percorridoapenas uma pequenadistância quando o quepareceu ser uma excelente

trilha abriu-se perto da facede um alto penhasco. A trilhaera plana, bastante ampla eseguia para cima na direçãoem que eu desejava seguir. Openhasco erguia-se porcentenas de metros à minhadireita e, à minha esquerda,havia uma queda similar equase perpendicular para ofundo de uma ravina rochosa.

S egui por essa trilha portalvez uns cem metrosquando uma curva acentuadapara a direita levou-me até a

boca de uma grande caverna.A abertura tinhaaproximadamente um metroe vinte de altura e cerca deoutro metro de largura. Aliacabava a trilha. J á era manhãe, com a costumeira ausênciade alvorada - umasurpreendente característicado Arizona o dia haviasurgido quase sem aviso.

Desmontei, estendi Powellno chão, mas um exame maisdetalhado não revelou amenor centelha de vida. Verti

água de meu cantil por entreseus lábios mortos, banheisua face e esfreguei suasmãos, tentei reanimá- loincessantemente por quaseuma hora, mesmo sabendoque ele já estava morto.

Eu tinha muito apreço porPowell, que era um homemcompleto em todos osaspectos, um refinadocavalheiro sulista, um amigoleal e verdadeiro, e foi comum sentimento do maisprofundo pesar que

finalmente desisti de minhasgrosseiras tentativas deressuscitá-lo. D eixando ocorpo de Powell depositadona borda, rastejei para ointerior da caverna para umreconhecimento do terreno.

Encontrei uma grandecâmara com possivelmentetrinta metros de diâmetro edez ou doze metros de altura,um piso liso e bastantedesgastado, e muitas outrasevidências de que a cavernahavia, em algum período

remoto, sido habitada. Ofundo da caverna estava tãoperdido na densa escuridãoque não pude distinguir sehavia aberturas para outrosaposentos ou não.

Enquanto continuava meuexame, comecei a ser tomadopor uma agradávelsonolência, a qual atribuí àfadiga de minha longa eárdua cavalgada e à excitaçãoda luta e da perseguição.S enti-me relativamenteseguro em minha posição

atual, já que sabia que umhomem só seria capaz dedefender a trilha para acaverna contra todo umexército.

Logo fiquei tão sonolentoque quase não pude resistirao forte desejo de me jogarno chão da caverna paradescansar por algunsmomentos, mas eu sabia queesta não era uma opção, jáque significaria a morte certanas mãos de meus amigos depele vermelha, que poderiam

atacar a qualquer momento.Com esforço, comecei a medirigir para a abertura dacaverna apenas paracambalear, como queembriagado, contra umaparede lateral, e daí deslizarde bruços para o chão.

Capítulo 02 - A FUGADA MORTE

Uma sensação de deliciosalanguidez se abateu sobremim, meus músculosrelaxaram e estava a ponto deme entregar ao desejo dedormir quando o som decavalos se aproximandochegou aos meus ouvidos.Tentei me erguer, mas fiqueihorrorizado em descobrir quemeus músculos se recusavam

a responder aos meuscomandos. Eu continuavacompletamente desperto,mas incapaz de mover ummúsculo sequer, como setivesse me transformado empedra. Foi então, pelaprimeira vez, que notei umleve vapor preenchendo acaverna. Era extremamentetênue e só podia ser notadocontra a abertura que levava àluz do dia. Também chegouàs minhas narinas um odorligeiramente acre, e pude

apenas supor que eu haviasido abatido por algum gásvenenoso. Mas, comomantinha a consciência eainda assim estavaincapacitado de me mover,era algo que não conseguiacompreender.

Eu havia me deitadovoltado para a abertura dacaverna, de onde podia verum pequeno trecho da trilhaque se encontrava entre acaverna e a curva dopenhasco ao redor do qual a

trilha passava. O barulho decavalos se aproximando haviacessado e julguei que osíndios estivessem rastejandofurtivamente em minhadireção ao longo da pequenasaliência que levava à minhatumba em vida. Lembro-mede ter desejado queacabassem comigorapidamente, já que não tinhanenhum apreço especial pelaidéia das incontáveis coisasque poderiam fazer comigocaso lhes aprouvesse. Não

precisei esperar muito atéque um som furtivo meinformasse de suaproximidade e, em seguida,um rosto encoberto por umchapéu e com listras pintadasesticou-se cuidadosamentepróximo da borda dopenhasco. E olhos selvagensencontraram os meus. Tinhacerteza de que ele podia mever na mortiça luz da caverna,uma vez que toda a luz do solnascente projetava-se sobremim pela abertura. O índio,

em vez de se aproximar,simplesmente parou eencarou-me. S eus olhossaltando das órbitas e seuqueixo caído. E então outrorosto selvagem apareceu, eum terceiro e um quarto e umquinto, erguendo seuspescoços sobre os ombrosdos companheiros que nãoousavam ultrapassar aestreita fenda. Cada rostoconstituía uma imagem deassombro e medo, mas porqual razão não pude atinar,

nem vim a descobrir antesque se passassem dez anos.Era aparente que havia maisguerreiros por trás dos queme observavam, já que osprimeiros transmitiampalavras sussurrantes para osque se encontravam para trás.

D e repente, um lamentobaixo, porém distinto, foiemitido nas profundezas dacaverna atrás de mim.Quando os índios o ouviram,viraram-se e correramaterrorizados, assolados pelo

pânico. Tão furiosos foramseus esforços em escapar doser invisível atrás de mim queum dos guerreiros foiimpetuosamentearremessado do penhascopara as rochas abaixo. Seusgritos desesperados ecoarampelo desfiladeiro por umcurto período de tempo, emais uma vez tudo ficou emsilêncio.

O som que os haviaaterrorizado não se repetiu,mas foi suficiente para que eu

começasse a especular arespeito do possível horroroculto nas sombras às minhascostas. O medo é umsentimento relativo, de modoque só posso medir minhasimpressões naquele momentopor meio das situações deperigo que vivi em períodosanteriores àquele, ou pormeio das experiências quepassei desde então; masposso afirmar sem nenhumavergonha que, se as sensaçõesque suportei durante os

minutos seguintes foram demedo, que D eus ajude ocovarde, pois a covardia é,sem sombra de dúvidas, suaprópria punição.

Estar paralisado de costaspara um perigo tão horrível edesconhecido, de cujo som osferozes guerreiros apachesfogem desenfreadamentecomo um rebanho de ovelhasfugiria de uma matilha delobos, me parece a últimapalavra em situaçõesapavorantes para um homem

que sempre esteveacostumado a lutar por suavida com todas as forças desua poderosa constituição.D iversas vezes pensei terouvido sons débeis atrás demim, como se alguémestivesse se movendo comcuidado, mas finalmente atéesses sons cessaram e fuideixado só, para contemplarminha própria situação. Podiaapenas conjeturar vagamentea causa de minha paralisia eminha única esperança era a

de que passasse de forma tãorepentina quanto se abateusobre mim. No final da tarde,meu cavalo, que ficara paradocom as rédeas soltas dianteda caverna, começou a descerlentamente a trilha -evidentemente em busca decomida e água -, e fiquei sócom o misterioso edesconhecido companheiro ecom o corpo sem vida de meuamigo, que, dentro de meucampo de visão, jazia nasaliência em que o havia

colocado no início da manhã.D e lá até possivelmente a

meia-noite, tudo era silêncio,o silêncio da morte. Então,repentinamente, o pavorosolamento da manhã abateu-sesobre meus alarmadosouvidos, e novamente dassombras escuras veio o somde algo se movendo e umfraco murmúrio, como o defolhas mortas. O choque parao meu já extenuado sistemanervoso foi terrível aoextremo e, com um esforço

sobre-humano, esforcei-mepara quebrar meus terríveisgrilhões. Foi um esforço damente, da vontade, dosnervos; não muscular, poisnão era capaz de mover nemmeu dedo mínimo, mas nãomenos poderoso apesar detudo. E então algo cedeu,houve uma momentâneasensação de náusea, umbarulho agudo como o estalarde um fio de aço, e me pusem pé de costas contra aparede da caverna, encarando

meu inimigo desconhecido.A luz da lua inundou a

caverna e, diante de mim,estava meu próprio corpo, namesma posição em que estevedeitado durante todasaquelas horas, com os olhosencarando a borda externa eas mãos pousadasfrouxamente sobre o chão.Primeiro observei meu corposem vida sobre o chão dacaverna e, em seguida, olheipara mim mesmo em totalperplexidade, pois ali eu jazia

vestido, e, todavia, estava empé, nu como no momento demeu nascimento.

A transição foi tãorepentina e tão inesperadaque por um momento meesqueci de tudo, exceto minhaestranha metamorfose. Meuprimeiro pensamento foi:"Então isso é a morte!Realmente passei parasempre para aquela outravida!" Mas não podiaacreditar nisso, uma vez quesentia meu coração batendo

contra minhas costelas emvirtude do vigor de meuesforço em me libertar dotorpor que me haviaacometido. Minha respiraçãosaía em arfadas rápidas ecurtas, um suor frio saía decada poro de meu corpo e aantiga prática do beliscãorevelou o fato de que eu nãoera nada além de umespectro.

Minha atenção foi nova erepentinamente chamada devolta para os meus arredores

por uma repetição doestranho lamento vindo dasprofundezas da caverna.Minhas armas estavam atadasao meu corpo sem vida que,por alguma razão insondável,me era impossível tocá-lo.Minha carabina estava em seucoldre, amarrada à minhasela, e como meu cavalo haviafugido, fui deixado sem meiosde defesa. Minha únicaalternativa parecia ser a fuga,e minha decisão se cristalizoucom a recorrência do ruído

daquilo que agora parecia, naescuridão da caverna e paraminha imaginação distorcida,estar rastejando furtivamenteem minha direção.

I ncapaz de resistir pormais tempo à tentação defugir daquele lugar terrível,pulei rapidamente através daabertura para a luz dasestrelas de uma noite clara doArizona. O ar fresco erevigorante das montanhasfora da caverna agiu como umtônico imediato e senti uma

vivacidade e coragemrenovadas fluindo através demeu corpo. Parando naextremidade da abertura,repreendi- me pelo que,agora, parecia ser umaapreensão totalmenteinjustificada. Conjeturei quehavia permanecido deitado eindefeso durante muitashoras dentro da caverna, quenada me havia molestado, emeu bom senso, quandocapaz de seguir um raciocínioclaro e lógico, convenceu-me

de que os ruídos que ouvideveriam ser resultado decausas puramente naturais einofensivas. Provavelmente, aconfiguração da caverna eratal que uma leve brisapoderia causar os sons queouvi.

D ecidi investigar, masprimeiro ergui a cabeça paraencher meus pulmões com opuro e revigorante ar noturnodas montanhas.

Ao fazer isso, viestendendo-se muito abaixo

de mim a bela vista dodesfiladeiro rochoso e umaplanície pontilhada de cactos,transformada pela luz do luarem um milagre de doceesplendor e impressionanteencanto.

Poucas maravilhas nooeste são mais inspiradorasque as belezas de umapaisagem banhada pelo luarno Arizona. As montanhasprateadas na distância, asestranhas luzes e sombrassobre as encostas escarpadas,

os riachos e os detalhesinusitados dos rígidos e beloscactos formam uma imagemao mesmo tempo mágica einspiradora, como seestivéssemos captando pelaprimeira vez o vislumbre dealgum mundo morto eesquecido, tão diferente dequalquer outro recanto sobrea terra.

Assim, parado emmeditação, desviei meu olharda paisagem para os céus, noqual uma miríade de estrelas

formava uma abóbada para asmaravilhas da cena terrestre.Minha atenção foirapidamente desviada poruma grande estrela vermelhapróxima do horizontedistante. Ao mirá-la, sentiuma esmagadora fascinação -era Marte, o deus da guerraque, para mim, homemlutador, sempre teve o poderde irresistível sedução. Aoolhar para ele naquelalongínqua noite, o astroparecia me chamar através do

inconcebível vazio,seduzindo- me, atraindo-mecomo o ímã atrai umapartícula de ferro.

Meu desejo ultrapassavaqualquer obstáculo. Fechei osolhos, estiquei meus braçosem direção ao deus de minhavocação e senti-me atraído,com a rapidez dopensamento, através daincomensurável imensidão doespaço. Houve um instante defrio extremo e absolutaescuridão.

Capítulo 03 - MINHACHEGADA A MARTE

Abri meus olhos para umaestranha e bizarra paisagem.S abia que estava em Marte enem uma vez questioneiminha sanidade ou se estavaacordado. Não estavadormindo, não havianecessidade de me beliscardessa vez. Minha consciênciadisse claramente que euestava em Marte da mesma

forma que sua mente lhe dizque você está na Terra. Vocênão questiona o fato, e eu nãoo questionei.

Eu estava deitado debruços sobre uma camaamarelada, forrada com umavegetação parecida commusgo que se esticava ao meuredor em todas as direçõespor intermináveisquilômetros. Eu parecia estardeitado num vale profundo ecircular, ao longo da bordaexterna, cujas irregularidades

das colinas baixas pudedistinguir.

Era meio-dia, o solbrilhava com toda força sobremim e o calor era intensosobre meu corpo nu, aindaque não mais forte do queteria sido em condiçõessimilares em um deserto doArizona.

Aqui e ali havia levesafloramentos de pedras comquar o que cintilavam à luzdo sol. Um pouco à minhaesquerda, talvez a uns cem

metros, havia uma construçãobaixa e murada, com cercaum metro e meio de altura.Não havia água ou outravegetação a vista que não omusgo e, como estava comsede, resolvi fazer umapequena exploração.

Ao dar impulso com meuspés tive minha primeirasurpresa marciana. O esforço,que na Terra teria mecolocado em pé, me fez subircerca de três metros no armarciano. No entanto, pousei

suavemente no solo, semchoque ou batida dignos denota. Nesse momento teveinício uma série de evoluçõesque mesmo na épocapareceram ridículas aoextremo. D escobri quedeveria aprender a andarnovamente, uma vez que oesforço muscular que mefazia caminhar de maneirafácil e segura na Terra mepregava uma estranha peçaem Marte.

Em vez de avançar de

forma digna e equilibrada,minhas tentativas decaminhar resultaram em umavariedade de saltos que mearremessavam para longe dochão cerca de meio metro acada passo e terminavamcomigo de cara ou de costasno chão a cada dois ou trêssaltos. Meus músculos,perfeitamente ajustados eacostumados à força dagravidade na Terra,brincavam de forma maldosaem minha primeira tentativa

de me ajustar à gravidade e àpressão atmosférica menoresde Marte.

Contudo, eu estavadeterminado a explorar aestrutura baixa que constituíaa única evidência dehabitação à vista, de formaque me deparei por acasocom o plano singular dereverter ao primeiro princípioda locomoção, engatinhar.S ai-me suficientemente bemnisso, e em instantes haviaatingido o muro baixo e

circular da estrutura.A construção parecia não

ter portas ou janelas nalateral mais próxima a mim,mas como o muro tinhapouco mais de um metro dealtura, me coloqueicuidadosamente em pé eolhei sobre a parede para avisão mais estranha quejamais havia visto. O teto daestrutura era feito de vidrosólido com cerca de dezcentímetros de espessura e,abaixo dele, havia várias

centenas de grandes ovosperfeitamente redondos ebrancos como neve. Eles eramquase uniformes emtamanho, com cerca desessenta centímetros dealtura e um pouco menos dediâmetro.

Cinco ou seis ovos jáhaviam chocado, e asgrotescas caricaturas que sesentavam piscando sob a luzdo sol foram suficientes parame fazer duvidar de minhasanidade. Pareciam ser

constituídas principalmentede uma cabeça, corpopequeno e esquelético,pescoço comprido e seispernas, ou, como aprendimais tarde, duas pernas edois braços, com um par demembros intermediários quepodiam ser utilizados comobraços ou pernas, de acordocom a vontade. Os olhosestavam posicionados empontos extremos das lateraisda cabeça, um pouco acimado centro, e se projetavam de

tal forma que poderiam olharpara a frente ou para trás deforma independente um dooutro, permitindo assim queo estranho animal olhasse emqualquer direção, ou em duasdireções ao mesmo tempo,sem a necessidade de virar acabeça.

As orelhas, um poucoacima dos olhos e próximasuma da outra, eram comopequenas antenas côncavasprojetando-se não mais doque uma polegada nesses

jovens espécimes. S eusnarizes não passavam defendas longitudinais no meiode suas faces, entre suasbocas e orelhas.

Não havia penas em seuscorpos, que apresentavam umleve tom amarelo-esverdeado.Nos adultos, como viria aaprender logo, essa corescurece até chegar a umverde-oliva e é mais escuranos machos que nas fêmeas.Além disso, as cabeças dosadultos não são tão

desproporcionais aos corposcomo no caso dos jovens.

As íris eram vermelho-sangue, como nos albinos,enquanto a pupila era escura.O globo ocular em si erabastante branco, assim comoos dentes. Esses últimosatribuíam uma aparênciaferoz a uma fisionomia que jáseria apavorante e terrível,uma vez que os pontiagudoscaninos faziam uma curvapara cima, terminando pertode onde os olhos dos seres

humanos se localizam. Obranco dos dentes não separecia com o do marfim,mas com a mais branca ebrilhante porcelana. Contra ofundo escuro de suas pelescor de oliva, seus caninos sesobressaíam de formaimpressionante, fazendo comque essas armas tivessemuma aparência formidável.Notei a maioria dessesdetalhes mais tarde, já quetive pouco tempo paraespecular sobre as maravilhas

de minha nova descoberta. Eutinha observado que os ovosestavam em processo deeclosão e, enquanto fiqueiassistindo aos abomináveispequenos monstrosquebrarem as cascas, deixeide notar a aproximação decerca de vinte marcianosadultos às minhas costas.Vieram através do musgomacio e abafado que cobrepraticamente toda asuperfície de Marte, comexceção das áreas congeladas

nos pólos e das regiõescultivadas dispersas, epoderiam ter-me capturadocom facilidade, porém suasintenções eram bem maissinistras. Foi o barulho dosapetrechos do guerreiro maisà frente que me chamou aatenção.

Minha vida estava por umfio, e muitas vezes me admiroter escapado tão facilmente.Caso o rifle do líder dessegrupo não balançasse de seucoldre ao lado da sela, de tal

modo que batia a coronhacontra a sua grande lança demetal, eu teria sido mortosem imaginar sequer que amorte estava próxima. Mas opequeno som fez com que eume virasse e ali, sobre mim, amenos de dez passos dedistância do meu peito,estava a ponta da grandelança de doze metros decomprimento com aextremidade revestida demetal reluzente, mantidabaixa na lateral de uma

versão montada dospequenos demônios que euobservava. Quão fracos einofensivos eles pareciamagora, ao lado dessasenormes e terríveisencarnações do ódio, davingança e da morte. Opróprio homem, pois assimposso o chamar, tinha pelomenos quatro metros e meiode altura e, na Terra, teriapesado em torno de cento eoitenta quilos. Estava sentadoem sua montaria como nós

nos sentamos em um cavalo,segurando o torso do animalcom seus membrosinferiores, enquanto as mãosde seus dois braços direitosseguravam sua imensa lançaao lado de sua montaria. S eusdois braços esquerdosestavam estendidoslateralmente para ajudar apreservar seu equilíbrio, acoisa por ele montada nãoapresentava estribo ou rédeasde qualquer espécie paracondução.

E sua montaria! Comopodem palavras humanasdescrevê-la! Atingia trêsmetros na altura do ombro,tinha quatro pernas de cadalado, um rabo achatado elargo - maior na ponta que naraiz, o qual mantinha reto epara trás enquanto corria -, euma boca escancarada quedividia sua cabeça do focinhoaté o pescoço longo evolumoso.

Como seu mestre, eratotalmente desprovido de

cabelo, mas possuía uma corde ardósia escura, sendoextremamente liso ebrilhante. Sua barriga erabranca, e suas pernasmudavam da cor de ardósiade seus ombros e quadrispara um amarelo vivo nospés. Os pés em si eramfortemente acolchoados esem unhas, fato este quetambém contribuiu para suaaproximação silenciosa e que,assim como a multiplicidadede pernas, constitui um traço

característico da fauna deMarte. Apenas o tipo maisevoluído de homem e umoutro animal, o únicomamífero existente em Marte,possuem unhas bemformadas, e não existeabsolutamente nenhumanimal com casco lá.S eguindo esse primeiroatacante demoníacoenfileiravam-se dezenoveoutros, similares em todos osaspectos mas, como aprendimais tarde, apresentando

características que lhes sãopeculiares, exatamente comonão há dois de nós idênticos,embora sejamos todosforjados em um moldesemelhante. Essa imagem ou,melhor dizendo, pesadelomaterializado, que descrevidetalhadamente, causou-meapenas uma impressãoterrível e imediata conformegirei para me deparar comela.

D esarmado e desnudocomo estava, a primeira lei da

natureza manifestou-se naúnica solução possível parameu problema imediato, queera sair da área de alcance daponta da lança posicionadapara o ataque.

Conseqüentemente, deium salto bastante mundano,e ao mesmo tempo sobre-humano, para atingir o topoda incubadora marciana, poisdeterminei que se tratavadesse tipo de estrutura.

Meu esforço foi coroadocom um sucesso que me

chocou não menos do quepareceu surpreender osguerreiros marcianos. Fuielevado dez metros no ar eaterrissei a cerca de trintametros de meusperseguidores, do ladooposto da estrutura. D esci nomusgo macio de forma fácil esem problemas, e, virando-me, vi meus inimigosalinharem-se ao longo daparede adiante. Alguns meinspecionavam comexpressões que,

posteriormente, descobriserem de extrema surpresa, eos outros estavamevidentemente satisfeitos poreu não ter molestado suaprole. Estavam conversandoem tom baixo, gesticulando eapontando em minha direção.S ua descoberta de que eu nãohavia machucado ospequenos marcianos e queestava desarmado deve terfeito com que me encarassemcom menos ferocidade. Mas,como descobri depois, o que

mais pesou a meu favor foi ademonstração de minhashabilidades em saltarobstáculos.

Embora os marcianossejam imensos, seus ossossão muito grandes e suamusculatura é desenvolvidaapenas na proporção dagravidade que devemsuportar. O resultado é queeles são infinitamente menoságeis e menos poderosos, emproporção à seu peso, que umhomem terrestre, e duvido

que qualquer um deles, casofosse de repente transportadopara a Terra, conseguisseerguer o próprio peso do chão- de fato, estou convencido deque seriam incapazes de fazê-lo. Meu feito era tãomaravilhoso em Marte comoo teria sido na Terra e, assim,abandonando o desejo de meaniquilar, passaram a meencarar como uma magníficadescoberta a ser capturada eexibida entre seuscompanheiros.

A vantagem que minhainesperada agilidade meproporcionou permitiu queeu formulasse planos para ofuturo imediato e que notassecom mais atenção a aparênciados guerreiros, pois emminha mente não pudedesassociar essa gente dosguerreiros que, apenas umdia antes, haviam meperseguido. Notei que cadaum deles estava armado comvárias outras armas além daenorme lança que descrevi. A

arma que fez com que medecidisse contra umatentativa de fuga por vôo foi aque evidentementecorrespondia a algum tipo derifle e em cujo manuseiosenti, por alguma razão,serem eles bastanteeficientes. Esses rifles eramde um metal branco comcoronha de madeira que,aprendi mais tarde, ser deuma planta muito leve eimensamente dura, muitoapreciada em Marte e

completamente desconhecidapara nós, habitantes da Terra.O metal do cano era uma ligacomposta principalmente poralumínio e aço, queaprenderam a temperar atéatingir uma dureza queexcede em muito a dureza doaço com que estamosfamiliarizados. O peso dessesrifles é comparativamenteleve e, com os projéteisexplosivos de rádio de baixocalibre que utilizam - e ogrande comprimento do cano

- são extremamente mortais adistâncias que seriaminconcebíveis na Terra. O raiode alcance efetivo teóricodesse rifle é de quasequinhentos metros, mas omelhor que podem realmentefazer em serviço quandoequipados com seuslocalizadores sem fio e mirasé de um pouco mais detrezentos metros. I sso foimais que suficiente para meimbuir de grande respeitopelas armas de fogo

marcianas, e alguma forçatelepática deve ter meadvertido contra umatentativa de fuga em plenaluz do dia bem debaixo dosfocinhos de vinte destasmáquinas da morte.

Os marcianos, depois deconversarem por algumtempo, viraram-se e partiramna direção de onde vieram,deixando um de seus homenssozinho ao lado daconstrução. Quando jáhaviam se afastado cerca de

duzentos metros, sedetiveram e, virando suasmontarias em nossa direção,sentaram-se e ficaramobservando o guerreiroparado ao lado da construção.O guerreiro em questão eraaquele cuja lança quase haviame perfurado e eraevidentemente o líder dogrupo, já que notei que elespareceram ter tomado suasposições atuais segundo suasordens. Quando sua brigadaestancou, ele desmontou,

jogou sua lança ao chão,baixou seus braços pequenose deu a volta na extremidadeda incubadora vindo emminha direção,completamente desarmado etão desnudo quanto eu, comexceção dos ornamentosamarrados em sua cabeça,membros e peito.

Quando estava a cerca dequinze metros de mim, eleretirou um enorme braceletede metal e, segurando-a emminha direção na palma

aberta de sua mão, dirigiu- sea mim com uma voz clara eressonante, mas em umidioma que, desnecessáriodizer, não pude entender. Elepermaneceu parado comoque esperando uma resposta,estirando suas orelhas emforma de antenas e mantendoseus olhos de aparênciaestranha fixos na minhadireção.

Como o silêncio se tornouincômodo, decidi arriscar umpouco de conversa de minha

parte, já que acreditei que eleestivesse fazendo umaproposta de paz. O baixar desuas armas e a retirada de suatropa antes de seu avanço emminha direção teriamsignificado uma missãopacífica em qualquer lugar naTerra, então, por que não emMarte?

Colocando minha mãosobre meu coração, fiz umareverência ao marciano eexpliquei que, embora nãotivesse entendido seu idioma,

suas ações demonstravam apaz e amizade que, nomomento atual, me erammais caras ao coração. Claroque daria no mesmo se eufosse um riacho murmurante,dado o entendimento quemeu discurso causou nacriatura, mas elecompreendeu a ação queimediatamente se seguiu àsminhas palavras. Esticandominha mão em sua direção,avancei e tomei o bracelete desua palma aberta, prendendo-

o sobre meu braço acima docotovelo. S orri para ele efiquei esperando. Sua bocalarga estendeu-se em umsorriso de resposta e,prendendo um de seus braçosintermediários no meu, ele sevirou e dirigiu-se para suamontaria. Ao mesmo tempo,gesticulou aos seusseguidores que avançassem.Eles começaram a caminharem nossa direção em umacorrida selvagem, mas foramdetidos por um sinal dele.

Evidentemente ele temeu queeu, caso me assustassenovamente, desta vez saltassetotalmente para fora de seualcance. Ele trocou algumaspalavras com seus homens,gesticulou para mim quemontasse na garupa de umdeles e, em seguida, montouem seu animal. O indivíduoescolhido baixou duas ou trêsmãos e me colocou atrás desi, na lustrosa traseira de suamontaria, onde me segurei damelhor forma possível pelas

faixas e correias queprendiam as armas eornamentos do marciano.

Assim, toda a procissão sevirou e galopou na direção dacadeia de colinas ao longe.

Capítulo 04 - UMPRISIONEIRO

Havíamos percorrido talvezdez milhas quando o terrenocomeçou a se elevar de formamuito rápida. Nós estávamos,como vim à saber depois, nosaproximando da margem deum dos mares de Marte,todos mortos há muitotempo, no fundo do qualocorreu meu encontro com osmarcianos. Em pouco tempo

chegamos aos pés dasmontanhas e, depois deatravessar uma estreitaravina, saímos em um valeaberto, na extremidaderemota do qual havia umplanalto, sobre o qualcontemplei uma enormecidade. Galopamos em suadireção, entrando através doque parecia ser uma estradaabandonada que levava parafora da cidade, mas chegavaapenas até a borda doplanalto, onde acabava

abruptamente em um lancede escada de degraus amplos.

Mediante atentaobservação notei, conformepassava pelos edifícios, queeles estavam desertos e,embora não estivessem muitodeteriorados, tinham aaparência de não seremocupados há anos,possivelmente há eras. Nadireção do centro da cidadehavia uma grande praça, ondenela e nos edifíciosimediatamente ao seu redor

estavam acampadas algo emtorno de novecentas a milcriaturas da mesma raça demeus captores, pois assimpassara a considerá-los,apesar da maneira suave comque fui aprisionado.

Com exceção de seusornamentos, todos estavamnus. As mulheresapresentavam uma aparênciaum pouco diferente da doshomens, exceto pelo fato deque suas presas eram muitomaiores em relação à sua

altura, em alguns casoscurvando-se quase até asorelhas posicionadas no altoda cabeça. Os corpos erammenores e mais claros, e osdedos de seus pésostentavam unhasrudimentares, totalmenteausentes entre os machos. Aaltura das fêmeas adultasvariava entre três e trêsmetros e meio.

As crianças eram de cormais clara, mais clara até queas mulheres, e todos

pareciam idênticos à meusolhos, a não ser pelo fato deque alguns eram mais altosdo que outros. Por seremmais velhos, presumi. Não visinais de idade avançadaentre eles, nem haviaqualquer diferença notávelem sua aparência desde amaturidade, cerca dequarenta anos, atéaproximadamente os milanos, quandovoluntariamente saem em suaúltima e estranha

peregrinação até o rio I ss, oqual nenhum marciano vivosabe aonde vai e de ondenenhum marciano jamaisvoltou; caso retornasse depoisde embarcar uma vez em suasfrias e escuras águas, nãoteria permissão de viver.Estima-se que apenas ummarciano em mil morre dedoença ou enfermidade, e quepor volta de vinte fazem aperegrinação voluntária. Osoutros novecentos e setenta enove morrem de forma

violenta em duelos, caçadas,na aviação e na guerra. Mastalvez a maior perda de vidasocorra, de longe, durante ainfância, quando um vastonúmero de pequenosmarcianos cai vítima dosgrandes macacos albinos deMarte. A expectativa médiade vida de um marciano apósa idade madura é de cerca detrezentos anos, mas essenúmero seria próximo damarca dos mil anos, nãofossem os vários caminhos

que levam a uma morteviolenta. D evido aos escassosrecursos do planeta,evidentemente tornou-senecessário contrabalançar acrescente longevidadedecorrente de suas notáveishabilidades em medicina ecirurgia, de modo que a vidahumana em Marte passou aser considerada de formaleviana, como evidenciadopor seus perigosos esportes eguerras quase contínuas entreas diversas comunidades.

Há outras causas naturaisque contribuem para atendência de diminuição dapopulação, mas nadacolabora de forma maisintensa para esse fim do queo fato de nunca um marciano,macho ou fêmea, estarvoluntariamente desprovidode uma arma de destruição.

Ao nos aproximarmos dapraça e minha presença serdescoberta, fomosimediatamente rodeados porcentenas de criaturas que

pareciam ansiosas em mepuxar de meu assento atrásde meu guarda. Uma palavrado líder do grupo calou seuclamor e trotamos através dapraça até a entrada do edifíciomais magnífico que olhosmortais já puderamvislumbrar. O edifício erabaixo, mas cobria umaenorme área. Havia sidoconstruído em mármorebranco reluzente incrustadocom pedras douradas ebrilhantes que ofuscavam e

cintilavam sob a luz do sol. Aentrada principal tinha cercade trinta metros de largura eprojetava-se do edifícioformando uma enormeabóbada sobre o hall deentrada. Não haviaescadarias, somente uma leverampa para o primeiro andardo edifício se abria para umaenorme câmara rodeada porgalerias.

No piso dessa câmara,repleta de mesas e cadeirasaltamente trabalhadas,

estavam reunidos cerca dequarenta ou cinqüentamarcianos machos ao redordos degraus de uma tribuna.Na plataforma, perfeitamenteagachado, encontrava-se umenorme guerreiropesadamente carregado comparamentos metálicos, penasde cores alegres e adornosbelamente elaborados emcouro engenhosamentecravejados de pedraspreciosas. D e seus ombrospendia uma capa curta de

pele branca alinhadarevestida com seda escarlatebrilhante.

O que mais meimpressionou em relação àassembléia e ao hall no qualestavam reunidos foi o fatode as criaturas seremtotalmente desproporcionaisem relação às mesas, cadeirase outros móveis, quepossuíam um tamanhoadequado ao dos sereshumanos como eu; emcontrapartida, a grande

quantidade de marcianos malpermitia que eles seespremessem nas cadeirasnem deixava espaço para suaslongas pernas sob as mesas.Assim, ficou evidente quehavia mais cidadãos emMarte além das selvagens egrotescas criaturas nas mãosdas quais eu havia caído, masas provas de extremaantigüidade exibidas em todaa minha volta indicavam queessas construções deveriamter pertencido a alguma raça

há muito extinta e esquecidana vaga antigüidade deMarte. Nosso grupo haviaparado na entrada do edifícioe, a um sinal do líder, fuicolocado no chão. Novamentetravando seu braço no meu,seguimos para a câmara deaudiências. Havia algumasformalidades a seremobservadas ao abordar seusuperior. Meu captorcaminhou a passos largos nadireção da tribuna, os outrosse afastavam para que ele

avançasse. O líder principalse levantou e pronunciou onome de meu acompanhanteque, por sua vez, parou erepetiu o nome dogovernante, seguido por seutítulo. Naquele momento,essa cerimônia e as palavrasproferidas nada significavampara mim, masposteriormente vim à saberque esta era a saudaçãocostumeira entre marcianosverdes. Caso fossemestranhos entre si e, portanto,

incapazes de se saudarem,teriam trocado presentessilenciosamente se suasmissões fossem de paz - docontrário, teriam trocado tirosou terminado asapresentações com algumaoutra de suas diversas armas.Meu captor, cujo nome eraTars Tarkas, era virtualmenteo vice-líder da comunidade eum homem de grandeshabilidades como estadista eguerreiro. Evidentemente, eleexplicou em poucas palavras

os incidentes ligados à suaexpedição, incluindo minhacaptura e, quando terminou,seu líder despendeu algumaatenção a mim.

Respondi em nosso bom evelho inglês apenas paraconvencê-lo de que nenhumde nós poderia entender ooutro, mas notei que, quandosorri levemente durante aconclusão, ele fez o mesmo.Esse episódio e a ocorrênciade um feito similar duranteminha primeira conversa com

Tars Tarkas convenceu-me deque ao menos tínhamosalguma coisa em comum: acapacidade de sorrir. Mas euaprenderia que o sorrisomarciano é meramentemecânico e que a risadamarciana é algo que faz comque homens fortes fiquembrancos de horror.

A idéia de humor entre oshomens verdes de Marte éamplamente divergente dasnossas concepções deestímulo da alegria. A agonia

da morte de um outro serprovoca, para essas estranhascriaturas, a mais loucahilaridade, enquanto aprincipal forma da maissimples diversão é matar seusprisioneiros de guerra deformas diversas ehorripilantes.

Os guerreiros reunidosexaminaram-me com atenção,sentindo meus músculos e atextura de minha pele. Entãoo principal líderevidentemente expressou o

desejo de ver minhaapresentação e, gesticulandopara que eu o seguisse,entrou com Tars Tarkas napraça a céu aberto.

Até agora, eu não haviafeito nenhuma tentativa decaminhar, desde meuprimeiro sinal de fracasso,exceto ao agarrar firmementeo braço de Tars Tarkas, deforma que agora ia pulando eesvoaçando entre as mesas ecadeiras como um gafanhotomonstruoso. D epois de me

machucar seriamente, paragrande diversão dosmarcianos, novamente recorriao engatinhar, mas isso nãoestava de acordo com seusplanos, pois fui rudementecolocado em pé por umsujeito enorme que riu com omais puro entusiasmo deminha desgraça.

Ao me colocar em péviolentamente, seu rosto seinclinou próximo ao meu e fiza única coisa que umcavalheiro pode fazer sob

circunstâncias de brutalidade,grosseria e falta deconsideração para com osdireitos de um estranho.Enfiei meu punhodiretamente em suamandíbula e ele caiu comoum boi no abate. Enquantoele caía ao chão, volteiminhas costas na direção damesa mais próxima,esperando ser subjugado pelavingança de seuscompanheiros; estava, porém,determinado a proporcionar-

lhes uma luta tão boa quantopossível, dadas as chancesdesiguais, antes de abrir mãoda minha vida.

No entanto, meus medosforam infundados, poisoutros marcianos, emprincípio mudos de espanto,finalmente romperam em umselvagem estrondo de risadase aplausos. Não reconheci osaplausos como tal, mas,posteriormente, quandotomei conhecimento de seuscostumes, aprendi que havia

conquistado o que elesraramente concedem, umamanifestação de aprovação. Osujeito que atingipermaneceu onde caiu enenhum de seuscompanheiros se aproximoudele. Tars Tarkas avançou emminha direção, estendendoum de seus braços, e assimprosseguimos até a praça semmais contratempos. É claroque eu não conhecia a razãopara termos saído para oexterior, mas logo vim à

saber. Primeiro, elesrepetiram a palavra "sak"inúmeras vezes, e então TarsTarkas deu vários pulos,repetindo a mesma palavraantes de cada salto. Virando-se para mim, disse "sak"!Entendi o que queriam e,recompondo-me, "sakei" comtão impressionante sucessoque me afastei bons quarentae cinco metros e, dessa vez,não perdi meu equilíbrio epousei em pé sem cair. Então,voltei para o pequeno grupo

de guerreiros com saltosfáceis de sete ou oito metros.Minha exibição foitestemunhada por váriascentenas de marcianoscomuns e eles imediatamenteexigiram uma repetição, que olíder ordenou que eu fizesse.Mas eu estava com fome esede e decidi naquela horaque minha única forma desalvação seria exigirconsideração dessas criaturasque, evidentemente, nãoconcederiam de forma

voluntária. Portanto, ignoreios repetidos comandos para"sakar" e cada vez que erampronunciados, gesticulava emdireção à minha boca eesfregava meu estômago.

Tars Tarkas e o lídertrocaram algumas palavras eo último, chamando umajovem fêmea entre amultidão, lhe passou algumasinstruções e gesticulou paraque eu a acompanhasse.Agarrei seu braço estendido ejuntos cruzamos a praça em

direção de um grande prédiono lado mais afastado.

Minha acompanhantetinha cerca de dois metros emeio de altura, tendoacabado de chegar àmaturidade, mas ainda semter atingido o máximo de suaaltura. Ela era de uma corverde-oliva claro, com couroliso e lustroso. S eu nome,soube mais tarde, era S ola, eela fazia parte da comitiva deTars Tarkas. Ela me conduziuaté uma espaçosa câmara em

um dos edifícios na frente dapraça, o que, pela confusão desedas e peles sobre o chão,entendi ser o dormitório devários dos nativos.

O quarto era bemiluminado por várias janelasamplas e estava belamentedecorado com pinturasmurais e mosaicos, mas sobretodos eles parecia repousaraquele indefinível toque deantigüidade que meconvenceu de que osarquitetos e construtores

dessas criações assombrosasnada tinham em comum comos rudes meio brutos queagora os ocupavam. S olaindicou que eu sentasse sobreuma pilha de sedas próximaao centro da sala e, virando-se, fez um peculiar somsibilante, como se sinalizassepara alguém no aposento aolado. Em resposta ao seuchamado, tive minhaprimeira visão de uma novamaravilha marciana quesacolejou sobre suas dez

pernas curtas e agachou-sediante da garota como umfilhote obediente. A coisatinha o tamanho de um pôneishetland, mas sua cabeçaostentava uma ligeirasemelhança com a cabeça deum sapo, exceto que asmandíbulas eram equipadascom três fileiras de presaslongas e afiadas.

Capítulo 05 -ENGANANDO MEUCÃO DE GUARDA

S ola encarou os olhosperversos do bruto,murmurou uma palavra ouduas de comando, apontoupara mim e saiu do aposento.Tudo que pude fazer foiconsiderar o que aquelamonstruosidade de aparênciaferoz poderia fazer quandodeixado a sós com um pedaço

relativamente tenro de carne.Mas meus medos não tinhamfundamento, pois a fera,depois de me inspecionar deforma intensa por ummomento, cruzou a sala até aúnica saída que levava à rua edeitou-se atravessado nasoleira.

Essa foi minha primeiraexperiência com um cão deguarda marciano, mas nãoestava destinada a ser aúltima. Esse companheiro meprotegeria cuidadosamente

durante o tempo em quepermaneceria cativo entreesses homens verdes; duasvezes salvou minha vida enunca se afastou de mimvoluntariamente por ummomento sequer.

Enquanto Sola estava fora,aproveitei para examinarmais detalhadamente oquarto no qual estava preso.As pinturas nos muraisretratavam cenas de rara eestonteante beleza.Montanhas, rios, lagos,

oceanos, pradarias, árvores eflores, estradasserpenteantes, jardinsbeijados pelo sol - cenas quepoderiam retratar vistasterrestres, exceto pelacoloração da vegetação. Otrabalho tinha evidentementesido executado pela mão deum mestre, tão sutil era aatmosfera, tão perfeita atécnica. Ainda assim, emnenhum lugar havia arepresentação de um animalvivo, homem ou bicho, pela

qual eu pudesse conjeturar aaparência desses outros etalvez extintos cidadãos deMarte. Enquanto permitia queminha imaginação corresseamotinada em loucasconjeturas sobre a possívelexplicação para as estranhasanomalias que até agora tinhaencontrado em Marte, Solaretornou com comida ebebida. Ela as depositou nochão ao meu lado e,sentando-se a uma curtadistância, me encarou

atentamente. A comidaconsistia em quase meio quilode alguma substância sólidacom consistência de queijo esem muito gosto, enquanto olíquido era aparentementeleite de algum animal. Nãoera desagradável ao paladar,embora levemente ácido, eem pouco tempo aprendi avalorizá-lo enormemente. Eleprovinha, como descobri maistarde, não de um animal -uma vez que existia apenasum mamífero em Marte e

esse mamífero era, semdúvida, bastante raro -, masde uma grande planta quecresce praticamente semágua, mas parece destilar seuabundante estoque de leite apartir dos produtos do solo,da umidade do ar e dos raiosdo sol. Uma única plantadessa espécie pode forneceroito ou dez litros de leite pordia. D epois de comer senti-me bastante revigorado, mas,sentindo a necessidade dedescansar, me estirei sobre as

sedas e logo dormi. D evo terdormido várias horas, poisestava escuro quando acordeie sentia muito frio. Notei quealguém havia jogado umapele sobre mim, mas elaestava parcialmente malcolocada e no escuro nãoconsegui arrumá-la.S ubitamente, uma mão seesticou e puxou a cobertapara cima de mim,adicionando outra logo emseguida.

Presumi que minha zelosa

guardiã fosse Sola, e nãoestava errado. Apenas essagarota, entre todos osmarcianos verdes com osquais tive contato, reveloucaracterísticas de simpatia,gentileza e afeição. S uaatenção às minhasnecessidades físicas foiinfalível e seu cuidadosolícito me poupou muitosofrimento e provações.

Como eu aprenderia, asnoites marcianas sãoextremamente frias, e como

praticamente não hácrepúsculo ou aurora, asmudanças de temperaturasão súbitas e muitodesconfortáveis, como astransições entre a luz do dia ea escuridão. As noites sãoiluminadas por uma luzbrilhante ou são então muitoescuras, pois se nenhuma dasduas luas de Marte calha deestar no céu, a escuridãoresultante é quase total, jáque a falta de atmosfera ou,melhor dizendo, a escassa

atmosfera não conseguedifundir a luz das estrelas deforma muito ampla. Por outrolado, se ambas as luas estãono céu à noite, a superfície dosolo é vivamente iluminada.

As duas luas de Marte seencontram muito mais pertodo planeta do que a nossa luaestá da Terra. A lua maispróxima está a cerca de oitomil quilômetros de distância,enquanto a mais afastada estáa pouco mais de vinte de doismil quilômetros de distância,

em comparação aos mais dequatrocentos mil quilômetrosque nos separam da nossalua. A lua mais próxima deMarte completa sua evoluçãoao redor do planeta em poucomais de sete horas e meia, deforma que pode ser vistaatravessando o céu como umgigantesco meteoro duas outrês vezes por noite,revelando todas as suas fasesa cada passagem pelos céus.

A lua mais distante giraem torno de Marte em cerca

de trinta e uma horas equinze minutos, e, com seusatélite irmão, torna apaisagem noturna uma cenade estranha e esplêndidagrandeza. E é bom que anatureza tenha iluminado anoite marciana de forma tãograciosa e abundante, pois oshomens verdes de Marte,sendo uma raça nômade semgrande desenvolvimentointelectual, possuem apenasmeios primitivos deiluminação artificial,

dependendo principalmentede tochas, um tipo de vela euma lâmpada a óleo que geragás e queima sem pavio. Esseúltimo dispositivo produzuma luz branca brilhante delongo alcance, mas como oóleo natural exigido paraalimentá-la só pode serobtido através da mineraçãoem um dos vários locaisremotos e longínquos, éutilizada poucas vezes poressas criaturas cujo únicopensamento é o hoje e cujo

ódio ao trabalho manual ostêm mantido em um estadosemibárbaro por incontáveiseras.

D epois que Sola arrumouminhas cobertas, dorminovamente, acordandoapenas quando já era dia. Osoutros ocupantes do quarto,cinco no total, eram todasmulheres e ainda estavamdormindo, amontoadas comuma diversificada gama desedas e peles. Atravessado nasoleira, permanecia esticado o

primitivo guardião insone, namesma posição em que ohavia visto no dia anterior.Aparentemente, ele não haviamovido um músculo. S eusolhos estavam diretamentefixados em mim e comecei ame perguntar exatamente oque me aconteceria caso eutentasse fugir.

S empre estive propenso abuscar aventuras e ainvestigar e experimentar emsituações em que homensmais sábios teriam deixado ao

acaso. Ocorria-me agora que amaneira mais certa dedescobrir qual seriaexatamente a atitude dessafera em relação a mim eratentar sair do aposento.Estava bastante seguro emminha crença de que poderiaescapar caso fosse perseguidopelo animal se estivesse forado prédio, pois começava aficar bastante orgulhoso deminhas habilidades comosaltador. Além disso, pudededuzir, pelo comprimento

diminuto de suas pernas, queo animal em questão não eraum saltador e,provavelmente, nemcorredor. Assim, devagar ecom cuidado, me coloquei empé, apenas para ver se meuobservador fazia o mesmo.Cautelosamente, avancei emsua direção, descobrindo queme movendo em uma marchaarrastada era capaz deconservar meu equilíbrio efazer um progressorazoavelmente rápido.

Conforme me aproximei doanimal, ele cautelosamente seafastou de mim e, quandocheguei ao exterior, ele semoveu para o lado parapermitir minha passagem. Eleentão se postou atrás de mime seguiu-me a uma distânciade cerca de dez passosconforme eu avançava pelarua deserta. Evidentementesua missão era apenas meproteger, pensei, mas quandoatingi o limite da cidade, elesubitamente pulou a minha

frente, produzindo sonsestranhos e expondo suashorrendas e ferozes presas.

Pensando em me divertirum pouco às suas custas,corri em sua direção e,quando estava quase em cimadele, saltei no ar, aterrissandomuito além e afastando-meda cidade. Ele se virou edisparou em minha direçãocom a velocidade maispavorosa que já havia visto.Havia pensado que suaspernas fossem um obstáculo

para a rapidez, mas se eleestivesse correndo comgalgos ingleses, esses últimosteriam parecido tão lentosquando um capacho. Comoeu viria à saber, esse era oanimal mais veloz de Marte e,devido à sua inteligência,lealdade e ferocidade, erausado na caça, na guerra ecomo protetor dos homensmarcianos. Rapidamentepercebi que teria dificuldadeem escapar das presas da feraem um percurso reto, de

modo que respondi à suadisparada voltando por ondetinha vindo e saltando sobreele quando estava quase mealcançando. Essa manobra medeu uma vantagemconsiderável e fui capaz dechegar à cidade bastante asua frente. Como ele vinhauivando atrás de mim, puleipara uma janela a cerca dedez metros do chão na frentede um dos prédios com vistapara o vale. Agarrando opeitoril, me icei e sentei sem

olhar para o interior doedifício e fitei para odesconsertado animal abaixode mim. Porém minhaexultação foi curta. Mal haviame sentado em segurançasobre o peitoril quando umamão enorme me agarrou portrás pelo pescoço e mearrastou violentamente para ointerior da sala. Ali, fuijogado de costas e vi em pé aminha frente uma colossalcriatura-macaco, branca esem pelos, exceto por uma

enorme rajada de cabelosespetados sobre sua cabeça.

Capítulo 06 - UMALUTA QUE

CONQUISTOUAMIGOS

A coisa, que se parecia maiscom o homem terrestre doque os marcianos que euhavia visto, me prendeu nochão com um pé gigante,enquanto matraqueava egesticulava para algumacriatura que respondia atrás

de mim. Esse outro, queevidentemente era seucompanheiro, logo veio emnossa direção, segurandouma pesada clava de pedracom a qual evidentementetencionava me partir acabeça.

As criaturas mediam entretrês e quatro metros de alturaem posição ereta e tinham,como os marcianos verdes,um conjunto intermediáriode braços ou pernas a meiocaminho entre seus membros

superiores e inferiores. S eusolhos eram bem juntos e nãoprotuberantes, suas orelhasficavam no alto da cabeça,enquanto seus focinhos edentes eramassombrosamente parecidoscom os de nossos gorilasafricanos. No geral, eles nãoeram desagradáveis quandoobservados em comparaçãoaos marcianos verdes.

A clava balançou em umarco que acaboucompletando- se sobre meu

rosto enquanto eu olhavapara cima. Foi quando umraio de horror cheio depernas se jogou através daporta com carga total sobre opeito de meu executor. Comum guincho de medo, omacaco que me seguravasaltou pela janela aberta, masseu companheiro entrou emuma intensa luta mortal commeu protetor, que não eranada menos que minha fielcoisa de guarda. Nãoconseguia me obrigar a

chamar uma criatura tãohedionda de cachorro. Fiqueiem pé o mais rápido queconsegui e, apoiando- mecontra a parede, testemunheiuma batalha que poucos serestiveram a oportunidade depresenciar. A força, agilidadee ferocidade cega dessas duascriaturas não têm paralelosconhecidos na Terra. Minhafera teve uma vantagem emsua primeira investida,enterrando suas poderosaspresas profundamente no

peito de seu adversário, masos grandes braços e patas domacaco, aliados a músculosque transcendem em muitoos dos homens marcianos quehavia visto, havia agarrado agarganta de meu guardião elentamente o sufocava,dobrando para trás suacabeça e pescoço sobre seucorpo. Por um momento,esperei ver o primeiro cairsem forças com seu pescoçoquebrado. Ao fazer isso, omacaco estava despedaçando

toda a parte frontal de seupeito, que estava preso noaperto de alicate daspoderosas mandíbulas. Para afrente e para trás os doisrolavam no chão, nenhumdeles emitindo um som demedo ou dor. Naquelemomento vi os olhos deminha fera saltaremtotalmente para fora de suasórbitas e o sangue fluir desuas narinas. Era evidenteque ele estava perdendo asforças, mas o mesmo ocorria

com o macaco, cujos esforçosmomentaneamentediminuíram.

Subitamente voltei a mime, com o estranho instintoque sempre parece mechamar ao dever, agarrei aclava e, brandindo-a comtodas as forças de meusbraços humanos, golpeei emcheio a cabeça do macaco,esmagando seu crânio comose fosse a casca de um ovo.Mal eu acabara de desferir ogolpe quando fui confrontado

por um novo perigo. Ocompanheiro do macaco,recuperado de seu primeirochoque de terror, haviavoltado à cena do encontropor dentro do edifício. Eu ovislumbrei um pouco antesde ele atingir a porta e devoconfessar que sua visão, agorarugindo ao perceber seucompanheiro sem vidaestirado no chão, eespumando pela boca, noauge de sua fúria, me encheude terríveis pressentimentos.

S empre estou disposto a ficare lutar quando as chances nãoestão esmagadoramentecontra mim, mas nesse casonão antecipei nem glória nemlucro em empregar minharelativamente insignificanteforça contra os músculos deaço e a ferocidade brutaldesse enfurecido habitante deum planeta desconhecido. Narealidade, o único resultadode um encontro como esse,até onde eu podia prever,parecia ser a morte súbita. Eu

estava em pé perto da janela esabia que, uma vez na rua,poderia ganhar a praça e asegurança antes que acriatura pudesse me dominar.Ao menos havia uma chancede segurança na fuga contra amorte quase certa caso euficasse e lutasse, nãoimportando com quedesespero.

É verdade que eu seguravaa clava, mas que serventia elateria contra quatro enormesbraços? Mesmo que eu

conseguisse quebrar umdeles com meu primeirogolpe, pois imaginei que omacaco tentaria repelir obastão, ele poderia mealcançar e aniquilar com osoutros antes que eu pudesseme recuperar para desferirum segundo ataque.

No instante em que essespensamentos me passarampela cabeça eu havia mevirado para alcançar a janela,mas a visão da forma de meuoutrora guardião fez sumir no

ar todos os pensamentos defuga. Ele estava deitadoarfando sobre o piso doaposento com seus grandesolhos fincados em mim noque parecia ser umlamentável apelo porproteção. Eu não seria capazde suportar aquele olhar nem,pensando bem, abandonarmeu salvador sem ao menoslutar por ele tanto quanto elehavia lutado por mim.

S em mais demora,portanto, me virei para

enfrentar o ataque doenfurecido macaco macho.Ele agora estava muito pertode mim para que a clavativesse qualquer utilidadeefetiva; portanto,simplesmente joguei-a com amaior força possível contraseu corpanzil que avançava. 0instrumento o atingiu logoabaixo dos joelhos,produzindo um uivo de dor efúria e, assim,desequilibrando-o e fazendocom que se lançasse sobre

mim com toda a força, com osbraços completamenteabertos para amortecer suaqueda.

Novamente, como no diaanterior, recorri a táticasterrestres e, golpeando meupunho direito com toda aforça contra seu queixo, enfieium golpe de esquerda nofundo de seu estômago. Oefeito foi maravilhoso. Depoisde dar um pequeno passopara o lado, após o segundogolpe, ele se ajoelhou e caiu

no chão nocauteado pela dore resfolegando. S altandosobre seu corpo prostrado,apanhei a clava e dei cabo domonstro antes que pudesse selevantar.

Quando eu desferia ogolpe, uma risada baixa soouatrás de mim e, virando-me,vi Tars Tarkas, S ola e outrostrês ou quatro em pé na portado aposento. Quando meusolhos encontraram os delesfui, pela segunda vez, odestinatário de seus aplausos,

reservados com tanto zelo.Minha ausência havia sido

notada por S ola ao acordar eela rapidamente informou aTars Tarkas, queimediatamente saiu a minhaprocura com um punhado deguerreiros. Ao seaproximarem dos limites dacidade, testemunharam asações do macaco machoquando este disparou nadireção do edifício,espumando de raiva.

Eles o seguiram

prontamente, pensando serpouco provável que suasações pudessem ser umapista de meu paradeiro, eassistiram nossa breve,porém, decisiva batalha. Esseencontro, juntamente commeu ajuste de contas com oguerreiro marciano no diaanterior e meus feitos na artedo salto, colocaram-me emuma posição privilegiada aseus olhos. Evidentementedesprovidos de todos osnobres sentimentos de

amizade, amor ou afeto, essaspessoas veneram com fervor adestreza física e a bravura, enada é bom o bastante para oobjeto de sua adoraçãocontanto que este mantenhasua posição por meio derepetidos exemplos deperícia, força e coragem. S ola,que havia acompanhado ogrupo de buscas por vontadeprópria, foi a única entre osmarcianos cuja face não haviase contorcido em risadasenquanto eu lutava por

minha vida. Ela, ao contrário,manteve-se séria comaparente solicitude e, assimque dei cabo do monstro,correu para mim ecuidadosamente examinoumeu corpo à procura depossíveis ferimentos oumachucados. S atisfeita por euter saído ileso, sorriusilenciosamente e, pegandoem minha mão, começou acaminhar na direção da portado aposento. Tars Tarkas e osoutros guerreiros haviam

entrado e estavam paradosdiante da fera - agorarapidamente recuperada - quehavia salvado minha vida ecuja vida eu, em troca, haviasalvado. Eles pareciamperdidos em uma discussão e,finalmente, um deles dirigiu-se a mim, mas lembrandomeu desconhecimento de sualíngua, voltou-se novamentepara Tars Tarkas que, comuma palavra e gesto, deualguma ordem aocompanheiro e virou-se para

nos seguir para fora. Haviaalgo de ameaçador em suasatitudes para com a minhafera e hesitei em sair atésaber do resultado. Foi umaidéia muito boa, pois oguerreiro sacou uma pistolade aparência demoníaca deseu coldre e estava a ponto dedar fim à criatura quandosaltei para a frente e ergui seubraço. A bala atingiu obatente de madeira da janelae explodiu, atravessando porcompleto a madeira e a

alvenaria.Então, me ajoelhei ao lado

daquele ser de aspectotemível e, colocando-o em pé,gesticulei para que meseguisse. Os olhares desurpresa que minhas açõesprovocaram nos marcianosforam absurdos. Eles eramincapazes de entender, excetode uma maneira débil einfantil, atributos comogratidão e compaixão. Oguerreiro cuja arma eu haviaempurrado lançou um olhar

inquisitivo para Tars Tarkas,mas este último gesticuloupara que eu fosse deixado ameu próprio gosto. Assim,voltamos para a praça comminha grande fera seguindomeus calcanhares e S ola mesegurando firmemente pelobraço.

Agora eu tinha pelomenos dois amigos em Marte;uma jovem mulher quecuidava de mim comsolicitude maternal e umafera muda que, como mais

tarde viria à saber, carregavaem sua feia e pobre carcaçamais amor, mais lealdade,mais gratidão do que sepoderia encontrar em toda apopulação de cinco milhõesde marcianos verdes quevagavam pelas cidadesdesertas e pelos leitos dosmares mortos de Marte.

Capítulo 07 -CRIANDO FILHOS

EM MARTE

D epois de um café da manhã,que foi uma réplica exata darefeição do dia anterior e umindício de praticamente todarefeição que se seguiuenquanto estive com oshomens verdes de Marte, Solame acompanhou até a praça,onde encontrei toda acomunidade engajada em

cuidar ou ajudar a arrear asenormes feras mastodônticasàs grandes carruagens de trêsrodas. Havia cerca deduzentos e cinqüenta dessesveículos, cada qual puxadopor um único animal, sendoque qualquer um deles, pelaaparência, poderia facilmentepuxar todo o comboio,mesmo que totalmentecarregado.

As carruagens eramgrandes, confortáveis ericamente decoradas. Em

cada uma estava sentada umafêmea marciana carregada deornamentos de metal, comjóias, sedas e peles. Sobre osdorsos de cada uma dasbestas que puxavam ascarruagens ficavaempoleirado um jovemcondutor marciano. Como osanimais sobre os quais osguerreiros estavammontados, os pesadosanimais de carga nãoutilizavam cabresto ou sela,pois eram totalmente guiados

por meios telepáticos. Essepoder é maravilhosamentedesenvolvido em todos osmarcianos, sendo responsávelem grande parte pelasimplicidade de seu idioma epelas relativamente poucaspalavras trocadas, mesmo emlongas conversas. É alinguagem universal deMarte, por meio da qual asformas de vida mais e menosdesenvolvidas desse mundode paradoxos são capazes dese comunicar em um grau

maior ou menor, dependendoda esfera intelectual dasespécies e dodesenvolvimento doindivíduo.

Conforme a procissãoassumia a linha de marchaem uma fila única, Sola mearrastou para uma dascarruagens vazias eacompanhamos a procissãona direção do ponto atravésdo qual eu havia entrado nacidade no dia anterior. Nacabeceira da caravana

cavalgavam algo em torno deduzentos guerreiros, cinco decada lado, e um númerosemelhante acompanhava atraseira, enquanto vinte ecinco ou trinta batedores nosflanqueavam em ambos oslados.

Todos, homens, mulherese crianças - menos eu -,estavam pesadamentearmados, e na traseira decada carruagem trotava umcão de caça marciano, minhaprópria fera seguia de perto a

nossa. Na verdade, a fielcriatura nunca me abandonouvoluntariamente durante osdez anos que estive em Marte.Nosso caminho passavaatravés do pequeno vale antesda cidade, pelas colinas até ofundo do mar morto, quecruzei em minha jornada daincubadora até a praça. Aincubadora, como ficouprovado, era o ponto final denossa jornada nesse dia e,como toda a procissãodisparou em um galope

enlouquecido assim queatingiu o espaço plano dofundo do mar, logo nossoobjetivo estava em nossocampo de visão.

Ao atingir seu destino, ascarruagens foramestacionadas com precisãomilitar nos quatro lados daestrutura e metade dosguerreiros, comandados peloenorme líder, desmontou eavançou em sua direção.

Pude ver Tars Tarkasexplicando algo para o líder

principal cujo nome, aliás,era, até onde pude traduzirpara o inglês, LorquasPtomel, jed; sendo jed seutítulo. Logo fui informadosobre o objeto de suaconversa já que, chamandoS ola, Tars Tarkas gesticuloupara que ela me levasse atéele. Nessa ocasião, eu já haviadominado as dificuldades deandar sob condiçõesmarcianas e, respondendorapidamente ao seu comando,avancei para o lado da

incubadora no qual estavamos guerreiros.

Ao chegar ao seu lado, umbreve olhar mostrou-me quetodos, exceto alguns poucos,haviam chocado, e aincubadora estava realmentecheia com os pequenos ehorrendos demônios. S uaaltura variava entre noventa ecento e vinte centímetros, e semoviam sem descanso pelaestrutura como queprocurando por comida.Quando parei à sua frente,

Tars Tarkas apontou para aincubadora e disse "sak". Vique ele queria que eurepetisse minha apresentaçãodo dia anterior para instruçãode Lorquas Ptomel e, já quedevo confessar que minhaproeza me proporcionou umbocado de satisfação, atendirapidamente, saltando sobreas carruagens estacionadasno lado mais afastado daincubadora. Quando retornei,Lorquas Ptomel rosnou algoem minha direção e,

voltando-se para seusguerreiros, emitiu algumaspalavras de comandorelativas à incubadora. Elesnão prestaram mais atençãoem mim e me foi concedidapermissão para permanecerperto e assistir às suasoperações, que consistiam emproduzir uma abertura naparede da incubadora grandeo suficiente para permitir asaída dos jovens marcianos.Em ambos os lados dessaabertura as mulheres e os

marcianos mais jovens,fêmeas e machos, formavamduas filas, sólidas comoparedes, que passavam porentre as carruagens e cobriamgrande parte da planície. Ospequenos marcianos,selvagens como gazelas,corriam entre essas filasseguindo por toda a extensãodo corredor, onde eramcapturados um por vez pelasmulheres e crianças maisvelhas. O último da filaapanhava o primeiro pequeno

a atingir o final da passagem;quem estivesse à sua frentecapturava o segundo e assimpor diante, até que todas aspequenas criaturas tivessemsaído da incubadora e sidopegas por algum jovem oufêmea. Conforme pegavam ascrianças, as fêmeas saíam dafila e voltavam para suasrespectivas carruagens, aopasso que aqueles que caíramnas mãos dos homens jovenseram posteriormenteentregues a alguma mulher.

Eu vi que a cerimônia, se éque poderia ser digna dessenome, estava acabada e,procurando por Sola, aencontrei em nossacarruagem com umacriaturinha horrendaapertada em seus braços.

O trabalho de criar jovensmarcianos verdes consisteapenas em ensiná-los a falar ea utilizar as armas de guerraque lhes são entregues desdeo primeiro ano de sua vida.S aídos dos ovos nos quais

repousaram por cinco anos,seu período de incubação,davam o primeiro passo nomundo perfeitamentedesenvolvidos, exceto pelotamanho. Não conheceriamsuas mães, que, por sua vez,teriam dificuldade emapontar os pais com qualquergrau de precisão; eles são ascrianças da comunidade e suaeducação recai sobre asfêmeas que por acaso oscapturaram conforme saíamda incubadora.

S uas mães adotivas nãopodem sequer ter um ovo naincubadora, como era o casode S ola - que ainda não haviacomeçado a botar -, atémenos de um ano antes de setornar a mãe da prole deoutra mulher. Mas isso poucoconta entre os marcianosverdes, já que amor entre paise filhos lhes é tãodesconhecido quanto écomum entre nós. Acreditoque esse horrível sistema, quevem sendo levado adiante há

eras, é a causa direta da perdade todos os sentimentosrefinados e instintoshumanitários superioresentre essas pobres criaturas.D esde o nascimento, nãoconhecem o amor paternal oumaternal, não sabem osignificado da palavra lar. S ãoensinados que deverãosuportar o sofrimento da vidaaté que possam demonstrar,por meio de seu físico eferocidade, que estão aptos asobreviver. Ao se mostrarem

deformados ou imperfeitosem qualquer instância, sãoimediatamente eliminados. Enão devem derramar sequeruma lágrima pelas cruéisprovações às quais serãosubmetidos desde a maistenra infância. Não estouquerendo dizer que osmarcianos adultos sejamdesnecessária ouintencionalmente cruéis aosmais jovens, mas em sua durae impiedosa luta pelasobrevivência neste planeta

em curso de morte, osrecursos naturais sereduziram a tal ponto quemanter qualquer vidaadicional significa um tributoa mais à comunidade que asustenta.

Por meio de seleçãocuidadosa, dão suporteapenas aos espécimes maispreparados de cada espécie e,com previsão quasesobrenatural, regulam a taxade nascimentos para apenascontrabalançar as mortes.

Cada fêmea adulta marcianadeposita cerca de treze ovospor ano. Aqueles que atingemo tamanho, peso e que sejamaprovados em testesespecíficos de gravidade, sãoescondidos nos recônditos dealguma gruta subterrâneaonde a temperatura é baixademais para a incubação.Todo ano esses ovos sãocuidadosamente examinadospor um conselho de vintelíderes, e todos, exceto cemdos mais perfeitos, são

destruídos entre a produçãode um ano inteiro. Ao final decinco anos, foram escolhidosquinhentos ovos dos maisperfeitos entre milhares deovos botados. Estes, então,são colocados emincubadoras praticamente àvácuo para serem chocadospelos raios do sol duranteoutros cinco anos. A eclosãoque testemunhamos hoje foium bom exemplo desseevento. Menos de um porcento dos ovos eclode no

espaço de dois dias. S e osovos atrasados eclodiram,nada se sabe do destinodesses pequenos. Eles nãosão queridos porque seusdescendentes podem herdar etransmitir a tendência deincubação prolongada eassim desorganizar o sistemaque tem se mantido por eras,permitindo que os marcianosadultos calculem o tempoadequado para retornarem àsincubadoras, com precisão dehoras. As incubadoras são

construídas nos mais remotosrincões, onde há pouca ounenhuma chance de seremdescobertas por outras tribos.O resultado de tal catástrofesignificaria a ausência decrianças na comunidade poroutros cinco anos.Posteriormente eupresenciaria os resultados dadescoberta de umaincubadora alheia.

A comunidade dosmarcianos verdes da qualmeu grupo fazia parte era

composta por trinta milalmas. Eles cruzaram umaimensa extensão de terrasáridas e semi- áridas entre aslatitudes oitenta e quarentagraus sul, e se dirigiram paraleste e oeste por dois outrosterrenos enormes cultivados.S eu quartel-general repousano canto sudoeste dessaregião, próximo aocruzamento de dois doschamados canais marcianos.Como a incubadora ficalocalizada no longínquo norte

de seu próprio território, emuma área supostamentedesabitada e erma, tínhamosà nossa frente uma tremendajornada da qual eu,obviamente, não fazia amenor idéia.

Após nosso retorno àcidade fantasma, passeivários dias relativamenteocioso. No dia seguinte aonosso retorno, todos osguerreiros haviam cavalgadopara longe e ainda nãohaviam voltado até pouco

antes do cair da noite. Comodepois aprendi, eles haviamido às grutas subterrâneasonde os ovos eram guardadose os haviam transportadopara a incubadora - a qualeles novamente lacraram comnovas paredes por outroscinco anos e que, combastante probabilidade, nãoseriam visitadas novamentedurante esse período. Asgrutas nas quais escondiamos ovos até que estivessemprontos para incubação

estavam localizadas hámuitos quilômetros ao sul daincubadora e seriam visitadasanualmente pelo conselho devinte líderes. O porquê denão construírem suas grutas eincubadoras perto de suascidades sempre foi ummistério para mim e, comomuitos outros mistériosmarcianos, continuarão semresposta para os costumes e oraciocínio terráqueos.

As tarefas de S ola agorahaviam dobrado, uma vez que

estava encarregada de cuidardo jovem marciano e de mim,mas nenhum de nós requeriamuita atenção. Ambosestávamos praticamente nomesmo nível de educaçãoquanto aos costumesmarcianos e S ola ficouresponsável por treinar osdois juntos. S eu prêmioconsistia em um machomuito forte e fisicamenteperfeito, com cerca de ummetro e trinta de altura. Eletambém aprendia rápido e

nos divertimosconsideravelmente - pelomenos, eu sim - com arivalidade entre irmãos quedemonstrávamos. Alinguagem marciana, como jácitei, é extremamente simplese em uma semana eu podiacomunicar todas as minhasnecessidades e entenderpraticamente tudo o quediziam para mim. D a mesmaforma, sob a tutela de S ola,desenvolvi poderestelepáticos que me permitiam

sentir praticamente tudo oque ocorria ao meu redor.

O que mais surpreendeuS ola foi que enquanto eupodia captar facilmente asmensagens de outros -algumas, até, que nem eramendereçadas a mim -,ninguém podia ouvir um piode minha mente sobquaisquer circunstâncias. Aprincípio, isso meatormentou, mas depoisfiquei muito feliz, por me daruma indubitável vantagem

sobre os marcianos.

Capítulo 08 - UMABELA CATIVA VINDA

DO CÉU

No terceiro dia após acerimônia da incubadora, noscolocamos a caminho de casa,mas mal a ponta do cortejohavia desembocado no campoaberto diante da cidade,foram dadas ordens para umretorno imediato. Mesmotreinados por anos atravésdessa evolução singular, os

marcianos verdes derreteramcomo bruma nas amplaspassagens perto dos edifíciosaté que, em menos de trêsminutos, toda a caravana decarruagens, mastodontes eguerreiros montados haviasumido de vista.

Sola e eu entramos em umedifício na frente da cidade.Na verdade, era o mesmo noqual eu havia tido meuencontro com os macacos e,desejando entender o quecausara tão repentina

retirada, subi a um andarmais alto e espreitei pelajanela sobre o vale e colinas àfrente. E então vi a causa desua pressa em se esconder.Uma grande embarcaçãolonga, próxima ao solo epintada de cinza, balançavasobre o topo da colina maispróxima. Seguindo-a, vinhaoutra, e outra, e outra, até quevinte delas, guinando baixosobre o solo, navegavamvagarosa e majestosamenteem nossa direção.

Cada uma trazia umaestranha bandeiratremulando da roda da proa àpopa, acima das estruturas doconvés, e sobre a proa de cadauma delas estava pintado umbizarro desenho que brilhavasob a luz do sol e podia servisto com bastante clareza nadistância que nos separavadas embarcações. Eu podiaver figuras infestando osconveses posteriores e nasestruturas das naves. Eu nãosaberia dizer se eles haviam

nos descoberto ou se apenasolhavam para a cidadedeserta, mas, de qualquermaneira, receberam umarecepção hostil.Repentinamente e sem aviso,os guerreiros verdesmarcianos dispararam umasalva de artilharia das janelasdos edifícios que encaravam opequeno vale através do qualos grandes navios avançavampacificamente.

I nstantaneamente a cenamudou, como que por

mágica. A embarcação mais àfrente pendeu de través emnossa direção e, ativando suasarmas, retornou nosso fogoao mesmo tempo em que semovia paralelamente à nossadianteira por algum tempo, eentão nos deu as costas naevidente intenção decompletar um grande círculoque a traria novamente a umaposição mais avessa à nossalinha de fogo. As outrasnaves seguiram sua trilha,cada uma disparando sobre

nós enquanto se punham emposição. Nosso próprio fogonão diminuiu, e creio quenem um quarto de nossostiros erravam os alvos. Eununca havia visto mira tãoprecisa e mortal. Parecia queuma pequena figura nosnavios caía a cada explosão denossa munição, enquanto asbandeiras e estruturas doconvés se dissolviam em jatosflamejantes sob os projéteisinexoráveis de nossosguerreiros que as

esfacelavam.O fogo vindo dos navios

era ineficiente devido, depoisvim à saber, à inesperada erepentina rajada inicial, quepegou a tripulação daembarcação despreparada eos aparatos de mira dasarmas desprotegidos daprecisão mortal de nossosguerreiros.

Parece que cada guerreiroverde tem certos pontosespecíficos para mirar seusdisparos sob circunstâncias

similares de combate. Porexemplo, parte deles, sempreos melhores atiradores deelite, concentram seu fogointeiramente noslocalizadores sem fio ou nosdispositivos de mira dasgrandes armas de uma forçanaval hostil; outros atiradoresdedicam-se aos oponentescom armas menores; outrosescolhem os canhoneiros; eoutros, ainda, os oficiais,enquanto diversosdestacamentos concentram

sua atenção sobre os demaismembros da tripulação, sobreas estruturas do convés esobre o mecanismo dos lemese dos propulsores.

Vinte minutos depois daprimeira saraivada, a grandefrota desviou sua rota para adireção de onde havia vindoanteriormente. Vários dosveículos estavam claramenteavariados, parecendo estarparcamente sob o controle desuas tripulaçõesdepauperadas. Sua artilharia

havia cessado completamentee todas as suas energiaspareciam concentradas nafuga. Nossos guerreiros,então, se apressaram para aslajes dos edifícios queocupavam e seguiram aarmada batendo em retiradacom uma fuzilaria de fogomortal. Um a um, contudo, osnavios conseguiram seesconder além do topo dascolinas a distância até quesomente uma última naveavariada podia ser vista. Esta

havia recebido a forçaprincipal de nosso ataque eparecia estar completamenteà deriva, uma vez quenenhuma figura viva estavavisível em seu convés.Lentamente ela se desviou deseu curso, fazendo a volta emnossa direção de maneiraerrática e patética.I nstantaneamente, osguerreiros cessaram fogo,pois era evidente que aembarcação estavacompletamente indefesa e,

longe de representarqualquer perigo a nós, nãopodia sequer controlar-se osuficiente para escapar. Àmedida que ela se aproximavada cidade, os guerreiroscorreram ao seu encontro naplanície, mas era claro que elaainda estava alta demais paraque pudessem alcançar seusdeques. Eu tinha um ponto devisão privilegiado de minhajanela e podia ver os corposda tripulação espalhados,embora não pudesse deduzir

que tipo de criaturas eram.S equer um sinal de vida semanifestou sobre elaenquanto flutuavalentamente pela brisa emdireção sudeste.

Ela flutuava aaproximadamente quinzemetros acima do chão,seguida por cerca de cemguerreiros que foramordenados a voltar às lajespara cobrir um eventualretorno da frota ou de seusreforços. Logo ficou evidente

que ela se chocaria contra asconstruções a mais ou menosum quilômetro e meio ao sulde nossa posição e, enquantoeu observava o progresso daaproximação, vi uma porçãode guerreiros a galope maisadiante, desmontando eentrando na construção queparecia destinada ao choque.

Enquanto a nave seaproximava do edifício - elogo antes do golpe -, osguerreiros marcianospreencheram as janelas e

suavizaram o choque dacolisão com suas grandeslanças. Em questão demomentos, eles já haviamatirado ganchos, prendendo ogrande barco que erarebocado para o chão porseus companheiros no solo.

Após terem-nafirmemente presa, subirampelas laterais da nave evasculharam de proa a popa.Eu podia vê-los examinandoos marinheiros mortos,procurando por sinais de

vida, até que um grupo surgiudos porões trazendo umapequena figura entre eles. Acriatura eraconsideravelmente mais baixaque a metade da altura dosguerreiros verdes marcianos,e da sacada onde estava pudever que caminhava eretasobre duas pernas. D eduzique seria uma nova eestranha monstruosidademarciana com a qual eu aindairia me familiarizar.

Eles levaram seu

prisioneiro ao chão ecomeçaram a pilharsistematicamente aembarcação. Essa operaçãodemandou várias horas,durante as quais um grandenúmero de carruagens foirequisitado para transportar osaque que consistia de armas,munição, sedas, peles, jóias,barcos estranhamenteesculpidos em rocha e umaquantidade de comidassólidas e líquidas, incluindomuitos barris de água - os

primeiros que vi desde quecheguei em Marte.

Após o últimocarregamento ser removido,os guerreiros fizeramamarrações pela nave e arebocaram para longe no vale,na direção sudoeste. Algunspoucos deles entraram abordo e se empenharam comdedicação, ao que parecia deminha distante posição, aesvaziar garrafões de ácidosobre os corpos dosmarinheiros nos conveses e

estruturas da embarcação.Com essa operação concluída,escalaram apressadamentepelos lados, descendo peloscabos até o chão. O últimoguerreiro a deixar o dequevoltou-se e arremessou algopara trás, sobre o convés,esperando por um instante oresultado de seu ato. Quandouma tímida labareda brotoudo local de onde seu objetofoi arremessado, ele saltoupela amurada e rapidamentepousou no chão. Logo após

ele ter iniciado o incêndio, oscabos foram soltossimultaneamente e a grandebelonave, mais leve após aremoção dos espólios, foialçada majestosamente para oar com seus deques eestruturas do convés envoltosem uma massa de chamasuivantes.

Vagarosamente ela vagoupara sudeste, subindo cadavez mais e mais alto enquantoas chamas consumiam suaspeças de madeira e

diminuíam ainda mais seupeso. S ubindo à laje doedifício, observei por horas afio até que finalmente ela seperdeu de vista na distância.A visão foi impressionante aoextremo enquanto secontemplava essa imensa pirafunerária flutuando, levadapela corrente sem rumo esem controle pelas solitáriasvastidões dos céus marcianos,um navio abandonado demorte e destruiçãorepresentando a história de

vida dessas estranhas eferozes criaturas carregadaspelas inamistosas mãos dodestino.

Bastante deprimido poraquela cena, para mim,incompreensível, descivagarosamente até a rua. Osatos que eu haviatestemunhado pareciammarcar mais a derrota e aaniquilação das forças de umpovo irmão do que o embatede nossos guerreiros verdescontra uma horda de

criaturas similares, ainda quehostis. Eu não podiacompreender a aparentealucinação nem mesmo melivrar dela, mas, em algumlugar nas profundezas deminha alma senti umestranho anseio em relação aesses inimigosdesconhecidos; uma forteesperança surgiu em mimdizendo que a frota voltaria eexigiria um acerto de contascom os guerreiros verdes quehaviam atacado-a de forma

tão desenfreada e cruel. Pertode meu calcanhar, agora seulugar habitual, vinha Woola,o cão. Quando apareci na rua,S ola correu em minha direçãocomo se eu fosse o objeto desua busca. A cavalaria estavaretornando à praça central enossa marcha para casa seriaprotelada para o dia seguinte.Na verdade, a marcha nãorecomeçaria por mais de umasemana devido ao temor deum contra-ataque da forçaaérea.

Lorquas Ptomel era umvelho guerreiro muito astutopara ser pego de surpresa nosdescampados com suacaravana de carruagens ecrianças, e assimpermanecemos na cidadedeserta até que o perigoaparentementedesaparecesse.

Enquanto S ola e euentrávamos na praça, meusolhos se depararam com umavisão que preencheu todo omeu ser com uma grande e

confusa explosão deesperança, medo, exultação edepressão, ainda que a maiorparte dessa mistura fosse umsutil senso de alívio e alegria,uma vez que quando nosaproximamos da multidão demarcianos, vislumbrei oprisioneiro da batalha aéreaque havia sido rudementearrastado para dentro de umaconstrução próxima por umadupla de fêmeas marcianasverdes.

E a visão que meus olhos

captaram era a de uma figuraesguia, feminina, similar emtodos os detalhes às mulheresterráqueas de minha vidaanterior. Ela não me viu depronto, mas quando estavadesaparecendo através doportal do edifício que seriasua prisão, ela se voltou eseus olhos encontraram osmeus. S eu rosto era oval elindo ao extremo, suas feiçõeseram desenhadas comdelicadeza e perfeição, seusolhos eram grandes e

brilhantes e sua cabeça eraencimada por uma massa decabelos ondulantes e negroscomo carvão, presosfrouxamente em um estranhopenteado. S ua pele era deuma tonalidade vermelho-cobre suave contra a qual obrilho escarlate de suasbochechas e o tom rubiáceode seus lábios belamentemoldados ampliavam sua luz,causando um curioso efeito.

Ela estava despida deroupas enquanto as

marcianas verdes aacompanhavam. Na verdade,exceto por seus ornamentosricamente detalhados, elaestava completamente nua,mas nenhum outro aparatopoderia aumentar ainda maisa beleza de sua figura perfeitae simétrica.

Enquanto seu olharrepousava em meus olhosarregalados de surpresa, elafez um pequeno sinal comsua mão livre. Um sinal que,obviamente, eu não podia

entender. Nossos olhares secruzaram por apenas ummomento, e então osemblante de esperança ecoragem renovada que haviailuminado sua face quandome descobriu desapareceuem pura tristeza aliada a ódioe desprezo. Percebi que nãohavia respondido ao seu sinale, ignorante como era aoscostumes marcianos, sentiintuitivamente que ela haviafeito um apelo de ajuda eproteção que minha

desgraçada estupidez meprivou de atender. E então,arrastada para longe deminha vista, ela foi para asprofundezas do edifíciodeserto.

Capítulo 09 - EUAPRENDO O

IDIOMA

Quando me recuperei, olheipara Sola, que haviatestemunhado o encontro, efiquei surpreso ao notar aestranha expressão em seusemblante normalmenteinexpressivo. O que ela estavaa pensar, eu não saberia dizerpor ainda ter aprendidomuito pouco do idioma

marciano - apenas osuficiente para satisfazerminhas necessidades diárias.

Ao alcançar o portal doedifício, uma estranhasurpresa me esperava. Umguerreiro se aproximoucarregando armas,ornamentos e equipamentoscomo os seus. Ele os ofereceua mim com algumas palavrasininteligíveis e uma atitudeao mesmo tempo respeitosa eameaçadora.

Mais tarde, Sola, com a

ajuda de várias outrasmulheres, remodelou osornamentos para queservissem minhas proporçõesmenores e, após completaremo trabalho, pude sair vestidocom todo o meu arsenal paraa guerra.

A partir de então, Sola meinstruiu nos mistérios dasdiversas armas, e passeivárias horas, todos os dias,praticando na praça com osjovens marcianos. Eu aindanão era proficiente em todas

elas, mas minha grandefamiliaridade com as armasda Terra tornou-me umpupilo mais apto que ocomum, progredindo de umamaneira muito satisfatória.

Meu treinamento e o dosjovens marcianos eraconduzido exclusivamentepelas mulheres, que nãoapenas cuidavam da educaçãonas artes da defesa e doataque pessoais, mas tambémeram responsáveis peloartesanato que produz todos

os artigos manufaturadosusados pelos marcianosverdes. Elas fazem a pólvora,os cartuchos, as armas defogo. Na verdade, tudo o quecarrega algum valor éproduzido pelas fêmeas. Nostempos de guerra, elasformam parte da reserva e,quando a necessidadeaparece, lutam cominteligência e ferocidade atésuperior às dos homens. Oshomens são treinados nosramos mais altos da arte da

guerra, em estratégia emanobras de grandesnúmeros de tropas. Elesfazem leis quandonecessárias, uma nova a cadaemergência. Eles são livres deprecedentes para a aplicaçãoda justiça. Costumestornaram-se tradições apóseras de repetições, mas apunição por ignorar umcostume é motivo detratamento diferenciado pelojúri formado pelos pares doacusado - e devo dizer que a

justiça raramente erra o alvo,mas parece reger em razãoinversa perante a ascensão dalei. Pelo menos em umaspecto os marcianos são umpovo mais feliz: eles não têmadvogados.

Não vi a prisioneiranovamente por vários diasapós nosso primeiroencontro, até avistá-la derelance enquanto eraconduzida para a grandecâmara de audiências na qualeu havia tido minha primeira

entrevista com LorquasPtomel. Não pude deixar denotar a grosseria e abrutalidade desnecessáriacom que suas guardas atratavam, tão diferente dabondade quase maternal queS ola demonstrou por mim, ea atitude respeitosa dospoucos marcianos verdes quese importaram em notarminha existência. Percebi nasduas ocasiões em que a haviavisto que a prisioneira trocavapalavras com suas guardas, e

isso me convenceu de queelas conversavam, ou pelomenos conseguiam se fazerentender por algumalinguagem em comum. Comesse incentivo extra,enlouqueci S ola com meuspedidos para que apressasseminha educação e, emquestão de dias, eu haviadominado o idioma marcianosuficientemente bem a pontode manter uma conversaaceitável e de compreendercompletamente quase tudo o

que ouvia.Nesse período, nossos

dormitórios foram ocupadospor três ou quatro fêmeas eum casal de jovensrecentemente saídos do ovo,além de S ola e seu jovemprotegido, eu e Woola, o cão.Após terem se recolhido paraa noite, era costume dosadultos levar uma conversadescontraída antes de caíremno sono, e agora que eu podiaentender sua língua, erasempre um afiado ouvinte,

embora nunca proferisseminhas próprias observações.

Na noite seguinte à visitada prisioneira à câmara deaudiência, a conversaçãofinalmente recaiu sobre esseassunto. Na hora, fiquei todoouvidos. Eu temia perguntara Sola sobre a bela cativa,pois não podia me furtar àmemória da estranhaexpressão que notei em seurosto quando de meuprimeiro encontro com ela.Eu não saberia dizer se ela

denotava ciúmes, masjulgando as coisas porpadrões mundanos, comoainda fazia, achei mais segurofingir indiferença sobre oassunto até que eu pudessedefinir com mais certeza aatitude de S ola em relação aomeu objeto de solicitude.S arkoja, uma das mulheresmais velhas que dividia nossodomicílio, estivera presentena audiência como uma dasguardas da cativa, e foi paraela que a pergunta foi

dirigida.Quando vamos nos

deliciar com o derradeirosofrimento da vermelha? -perguntou uma dasmulheres. - Ou será queLorquas Ptomel, jed,pretende mantê-la comorefém?

Eles decidiram levá-laconosco de volta a Thark eexibi-la agonizar nos grandesjogos perante Tal Hajus -respondeu Sarkoja.

Qual seria um meio de

libertá-la? - perguntou S ola. -Ela é tão pequena, tão linda.Eu esperava que fossemmantê-la como refém.

S arkoja e as outrasmulheres rosnaramenraivecidas diante dessaevidência de fraqueza daparte de Sola.

É triste, S ola, que você nãotenha nascido um milhão deanos atrás - disparou Sarkoja -, quando todos os espaçosocos da terra eram cheios deágua e as pessoas eram tão

leves quanto o material sobreo qual velejavam. Hoje, nósprogredimos a um ponto emque tais sentimentos indicamfraqueza e atavismo. Não serábom permitir que Tars Tarkassaiba que você guarda taissentimentos degeneradosporque temo que assim elenão confiaria a alguém comovocê as sériasresponsabilidades damaternidade.

- Não vejo nada de erradocom minha expressão de

interesse por essa mulhervermelha - retorquiu S ola. -Ela nunca nos machucou ounos machucaria, casocaíssemos em suas mãos. S ãosomente os homens de suaespécie que guerreiamconosco, e sempre achei queessa atitude deles nada maisé do que o reflexo das nossaspara com eles. Eles vivem empaz com todos os seus, excetoquando recai sobre eles odever da guerra, enquantonão estamos em paz com

ninguém. Guerreandoinfinitamente entre nossaprópria espécie, assim comocom os homens vermelhos.Mesmo em nossascomunidades, os indivíduoslutam entre si. Oh, vivemosum período contínuo deterrível carnificina desde omomento em que quebramosa casca até abraçarmosalegremente o seio do rio domistério, o escuro e ancestralI ss, que nos leva a umaexistência desconhecida, mas

não mais esta, assustadora eterrível! Bem-aventurado éaquele que encontra seu fimna morte precoce. D iga o quequiser a Tars Tarkas, pois nãopoderá me dar pior destinodo que a continuação daabominável existência quesomos forçados a ter nestavida.

A repentina explosão porparte de S ola surpreendeu echocou bastante as outrasmulheres. Tanto que, apósalgumas poucas palavras de

censura geral, elas sesilenciaram e logo estavamadormecidas. S e o episódiohavia servido para algumacoisa, no mínimo meassegurou da simpatia deS ola para com a pobre garota,além de me convencer de queeu havia sido extremamenteafortunado ao cair em suasmãos, e não nas das outrasfêmeas. Eu sabia que S ola seafeiçoara a mim, e agora quehavia descoberto sua aversãoà crueldade e à barbárie,

estava confiante de que podiacontar com sua ajuda paraque eu e a cativaescapássemos, caso talpossibilidade estivesse ao seualcance.

Eu sequer sabia que haviaum lugar melhor para o qualescapar, mas estava dispostoa arriscar minhas chancesentre pessoas com formasmais parecidas com asminhas do que continuarmais tempo entre osrepugnantes e sanguinários

homens verdes de Marte. Maspara onde ou como ir era umaincógnita para mim, assimcomo a antiga busca pelafonte da vida eterna o erapara os terráqueos desde aaurora do tempo. D ecidi quena primeira oportunidade euconfidenciaria meus planos aS ola e pediria abertamenteque me ajudasse. Com essadecisão fortemente tomada,me virei sobre minhas sedas epeles e dormi o sono pesado erevigorante de Marte.

Capítulo 10- CAMPEÃO E CHEFE

No dia seguinte, logo cedo,eu já estava totalmentedisposto. Uma liberdadeconsiderável me foiconcedida, uma vez que Solame informou que, contantoque eu não tentasse deixar acidade, estaria livre para ir evir à vontade. Ela meadvertiu, porém, sobre meaventurar desarmado, porque

esta cidade, assim como todasas outras metrópolesabandonadas de civilizaçõesmarcianas antigas, erapovoada pelos grandesmacacos albinos do meusegundo dia de aventura. Aome informar que eu nãodeveria deixar os limites dacidade, Sola havia explicadoque Woola me impediria dequalquer maneira se eutentasse, e me aconselhou emtom grave para que eu nãodespertasse sua natureza

feroz ao ignorar seus avisoscaso eu me aventurasse pertodemais dos territóriosproibidos. Sua natureza eratal, disse ela, que ele metraria de volta à cidade vivoou morto se eu insistisse emdesobedecer à ordem. "D epreferência, morto",adicionou.

Nessa manhã eu haviaescolhido uma nova rua paraexplorar quando de repenteme encontrei nos limites dacidade. A minha frente

estavam colinas baixascravadas por ravinas estreitase convidativas. Eu desejeiexplorar o campo diante demim e, como membro dalinhagem desbravadora daqual me originei, vislumbrara paisagem que se mostraria amim de sobre os cumes, alémdas colinas que agoraimpediam minha visão.Também me ocorreu que estaseria uma excelenteoportunidade para testar asqualidades de Woola. Eu

estava convencido de que oanimal me amava. Eu haviavisto mais evidências de afetonele do que em qualqueroutro animal marciano,homem ou fera, e estava certode que a gratidão pelos atosque por duas vezes salvaramsua vida suplantaria sualealdade ao dever impostosobre ele por seus mestrescruéis e desalmados. Ao meaproximar da linhafronteiriça, Woola correuafobado à minha frente e

lançou seu corpo contraminhas pernas. S ua expressãoera mais um pedido do queuma ameaça. Ele nãoarreganhou suas presas ouarticulou seus temíveis sonsguturais. Privado da amizadee do companheirismo deminha raça, desenvolvi umaconsiderável afeição porWoola e S ola, porque um serhumano normal precisa deuma válvula de escape parasuas afeições naturais e entãodecidi por impulso me

afeiçoar a esse grande animal,certo de que não medesapontaria.

Eu nunca havia acariciadoou demonstrado afeto paracom ele, mas agora estavasentado sobre o solo e,passando meus braços porseu largo pescoço, afaguei-ocom paciência, falando comminha recentementeadquirida habilidade nalíngua marciana, como teriafeito com meu cão em minhacasa, como eu teria falado

com qualquer outro amigoentre animais inferiores. S uaresposta à minhamanifestação de carinho foiextraordinária. Ele abriu suagrande boca até o limite,desvelando a completa arcadasuperior de presas eenrugando seu focinho atéque seus grandes olhosfossem praticamente cobertospelas dobras de pele. Sealguma vez você viu um colliesorrindo, talvez tenha umaidéia da distorção facial de

Woola. Ele se deitou de costasno chão e começou a seesfregar graciosamente aosmeus pés. Levantou-se, saltousobre mim, jogando-me aochão sobre seu grande peso,se sacudiu e se contorceu àminha volta como umfilhotinho que oferece o dorsopedindo para ser acariciado.Eu não pude resistir aoabsurdo do espetáculo e mejoguei para a frente e paratrás na primeira gargalhada asair de meus lábios depois de

todos esses dias. A primeira,de fato, desde a manhã emque Powell partiu doacampamento com seu cavaloque, desacostumado de sermontado, pinoteou e oderrubou inesperada ediretamente sobre umapanela de feijões.

Minha gargalhadaassustou Woola, fazendo-oparar suas travessuras paravir rastejandolastimosamente em minhadireção, empurrando sua

cabeça ameaçadora em meucolo. E então me lembrei oque uma gargalhadasignificava em Marte: tortura,sofrimento, morte.Aquietando-me, cocei acabeça do pobre animal paraa frente e para trás, falei comele por alguns minutos e,então, em um tom decomando autoritário, ordeneique me seguisse. Levantando-me, parti na direção dascolinas.

Não houve

questionamento deautoridade entre nós apósisso. Woola era meu escravofiel daquele momento emdiante, e eu, seu único eindiscutível mestre. Minhacaminhada às colinas duroupoucos minutos, pois nãoencontrei nada querecompensasse meusinteresses particulares.I númeras flores silvestres,brilhantemente coloridas edas mais estranhas formaspontilhavam as ravinas. D o

topo da primeira colina viainda várias outras seestendendo na distância parao norte, cada vez mais altas,um nível sobre as outras, atése perderem em montanhasde dimensões bastanterespeitáveis - apesar deposteriormente eu descobrirque somente alguns poucospicos em Marteultrapassavam mil e duzentosmetros de altura. A sugestãode magnitude era meramenterelativa. Minha caminhada

matutina havia sido degrande importância paramim, pois havia resultado emum perfeito entendimentocom Woola, sobre quem TarsTarkas havia depositadominha salvaguarda. Agora eusabia que, mesmo sendoteoricamente um prisioneiro,eu era virtualmente livre, eme apressei em voltar aosdomínios da cidade antes quea falha de Woola pudesse serdescoberta por seus antigosdonos. A aventura me fez

decidir que eu não deixaria oslimites da cidade que meforam impostos até queestivesse preparado para meaventurar adiante, até o fim, oque fatalmente acarretariatanto na redução de minhasliberdades quanto noprovável sacrifício de Woola,caso fôssemos descobertos.

Ao adentrar novamente àpraça, tive meu terceirorelance da garota cativa. Elaestava parada com suasguardas em frente à câmara

de audiência e, enquanto eume aproximava, lançou-meum olhar arrogante e virou ascostas completamente paramim. O ato foi tão próprio dosexo feminino, sãoterraqueamente femininoque, mesmo ferindo meuorgulho, também aqueceumeu coração com umsentimento decompanheirismo. Era bomsaber que alguém mais emMarte além de mim mesmotinha instintos humanos

civilizados, mesmo que amanifestação fosse tãodolorosa e mortificante.

Caso uma mulhermarciana verde quisessedemonstrar desprezo oudesrespeito, é muito provávelque o teria feito com umgolpe de espada ou com ummovimento de seu dedo nogatilho. Mas já que seussentimentos eramextremamente atrofiados,seria preciso um ferimentograve para despertar tamanha

reação nelas. S ola, precisopontuar, era uma exceção. Eununca a vi cometer atos cruéisou grosseiros, ou mesmofalhar em sua naturezauniforme de gentileza ebondade. Ela era, na verdade,como seus camaradasmarcianos diziam, umatavismo: uma cara e preciosareversão a umaancestralidade que sabiaamar e receber amor.Observando que a prisioneiraparecia ser o centro das

atenções, parei para ver o queacontecia. Não tive de esperarmuito até que LorquasPtomel e sua comitiva delíderes se aproximassem doedifício e, sinalizando paraque as guardas os seguissemcom a prisioneira, entrassemna câmara de audiência.Ciente de que eu era umafigura protegida, econvencido de que osguerreiros não sabiam deminha proficiência em seuidioma, pois havia pedido a

S ola que mantivesse segredodisso - por não querer serforçado a falar com oshomens até que houvessedominado perfeitamente alíngua marciana arrisqueientrar na câmara deaudiências e acompanhar oprocesso. O conselho estavaalojado sobre os degraus datribuna enquanto abaixodeles ficava a prisioneira esuas duas guardas. Pude verque uma das mulheres eraS arkoja e então deduzi como

ela havia estado presente naaudiência do dia anterior, oque permitiu que reportasseos acontecimentos aosocupantes de nossodormitório na noite passada.S ua atitude para com a cativaera rude e brutal. Quando elaa segurava, afundava suasunhas rudimentares na peleda pobre garota, ou torcia seubraço da maneira maisdolorosa. Quando eranecessário mover-se de umponto para outro, ela a

sacudia grosseiramente ou aempurrava com força à suafrente. Ela parecia estardescarregando todo o ódio,crueldade, ferocidade emaldade de seus novecentosanos de vida sobre essa pobrecriatura indefesa, carregandoconsigo incontáveis eras daviolência e da brutalidade deseus ancestrais. A outramulher era menos cruel pelofato de ser totalmenteindiferente. S e a prisioneirafosse confiada

exclusivamente a ela - efelizmente era, durante anoite não receberiatratamento rude ou, seguindoo mesmo raciocínio, sequerteria recebido qualquer tipode atenção.

Quando Lorquas Ptomellevantou seus olhos para fitara prisioneira, eles recaíramsobre mim. Ele voltou-se paraTars Tarkas proferindo umapalavra e um gesto deimpaciência. Tars Tarkas lhedeu algum tipo de resposta

que não pude assimilar, masque fez Lorquas Ptomel sorrire não prestar mais atençãoem mim.

Qual é o seu nome? -perguntou Lorquas Ptomel àprisioneira.

D ejah Thoris, filha deMors Kajak de Helium.

Qual é a natureza de suaexpedição? - ele continuou.

Éramos um grupocomposto exclusivamente porpesquisadores científicosenviados pelo pai de meu pai,

o jeddak de Helium, pararemapear as correntes de ar epara fazer testes dedensidade atmosférica -respondeu a prisioneira emum tom de voz equilibrado ebaixo.

Estávamos despreparadospara a batalha - ela continuou- porque viajávamos em umamissão pacífica, conformeindicavam as bandeiras ecores de nossas naves. Otrabalho que fazíamos eratanto de seu interesse quanto

do nosso, uma vez que ésabido que não fossemnossos esforços e os frutos denossas operações científicasnão haveria ar ou águasuficientes em Marte paracomportar uma vida humanasequer. Por gerações temosmantido o suprimento de ar eágua praticamente constantesem maiores perdas. E temosfeito isso mesmo diante dainterferência brutal e ignóbilde seus homens verdes.

Por que, diga-me, não

podem aprender a viver emharmonia com seus iguais emvez de continuar no caminhoda extinção, sempre umdegrau acima das feras que osservem? Um povo semidioma escrito, sem arte, semlares, sem amor, vítima demilênios de um terrível idealde comunidade? Possuir tudoem comum, até mesmomulheres e crianças, resultouem possuir absolutamentenada em comum. Vocês seodeiam uns aos outros assim

como odeiam tudo o maisalém de vocês próprios.Voltem ao modo de vida denossos ancestrais comuns,voltem à luz da gentileza e dacamaradagem. O caminhoestá aberto diante de vocês,onde encontrarão as mãosdos homens vermelhosestendidas para ajudá-los.J untos, podemos fazer aindamais para recuperar nossoplaneta moribundo. A netado maior e mais poderoso dosjeddaks vermelhos lhes

pergunta: vocês virão?Lorquas Ptomel e seus

guerreiros permaneceramsentados em silêncio,olhando seriamente porvários segundos para a jovemmulher depois que elaconcluiu sua fala. O que sepassava em suas mentes,nenhum homem poderiadizer, mas acredito piamenteque haviam sido tocados eque se ao menos um dentreeles fosse forte o bastantepara se colocar acima dos

costumes, aquele momentoteria marcado uma nova eimportante era para Marte.

Eu vi Tars Tarkas levantar-se para falar e, em sua face,havia expressões que eununca tinha visto nosemblante de outro guerreiroverde marciano. Elasdenunciavam uma grandebatalha interior contra simesmo, contra suahereditariedade, contra osantigos costumes. Quandoabriu sua boca para falar, um

toque quase bondoso, quaseafável, acendeumomentaneamente seu rostoferoz e terrível. As palavrasque estavam fadadas a sairpor seus lábios nunca foramproferidas porque, no exatomomento, um jovemguerreiro, evidentementepressentindo o rumo dospensamentos entre os maisvelhos, saltou dos degraus datribuna e, acertando a frágilcativa com um golpe na face -que a derrubou ao chão -,

colocou seu pé sobre suaforma prostrada. Voltando-separa o conselho reunido,disparou uma horrenda emelancólica gargalhada.

Por um instante penseique Tars Tarkas o fulminaria.O aspecto de Lorquas Ptomeltambém não se anunciavamuito favorável ao bruto, masa tensão passou, suas antigaspersonalidades reafirmaramsua ascendência e todossorriram. Foi um augúrio,porém, o fato de que não

gargalharam sonoramente,porque o ato do brutoconstituía uma açãoespirituosa e engraçada deacordo com a ética que regia ohumor verde marciano. Ofato de eu ter levado algumtempo para descrever umaparte do que ocorreu depoisque o golpe foi desferido nãosignifica que permaneciinativo todo esse tempo.Acredito que pressenti algodo que estava por vir, porquepercebi que eu estava

agachado, pronto para saltar,enquanto o golpe estava acaminho de sua face bela esuplicante a olhar para cima.Antes que a mão recaíssesobre ela, eu já haviapercorrido metade do salão.

Mal a perturbadora risadado guerreiro havia ecoadopela primeira vez, eu já estavasobre ele. O bruto tinha trêsmetros e meio de altura eestava armado até os dentes,mas acredito que eu podia terdado cabo de todos naquela

sala, dada a terrívelintensidade de minha raiva.S altando adiante, eu o atingiem cheio no rosto enquantose virava na direção de meugrito de aviso. Enquanto elesacava sua espada curta,saquei a minha e me abatinovamente sobre seu peito,enganchei uma perna sobre acoronha de sua pistola esegurei uma de suas grandespresas com minha mãoesquerda enquanto desferiagolpe após golpe sobre sua

enorme caixa torácica.Ele não podia usar a

espada curta em seu favorporque eu estava próximodemais. Também não podiasacar sua pistola, coisa quetentou fazer em oposiçãodireta a um costumemarciano que diz que não sepode duelar com umguerreiro semelhante comoutra arma que não seja amesma com a qual foiatacado. Na verdade, ele nãopodia ir além de uma

desesperada e inútil tentativade se livrar de mim. Comtodo o seu imenso corpanzil,ele era pouco mais forte doque eu e não demoraria umsegundo ou dois até que elesucumbisse, sangrando e semvida no chão.

D ejah Thoris havia selevantado sobre um cotoveloe observava a batalha com osolhos arregalados esurpresos. Quando conseguificar em pé, peguei-a emmeus braços e a carreguei até

um dos bancos na lateral dasala.

D esta vez, nenhummarciano se interpôs a mim e,rasgando um pedaço de sedade minha capa, tenteiestancar o fluxo de sangueque saía de seu nariz. Minhaatitude foi bem-sucedida,uma vez que seus ferimentosnão passavam muito de umsangramento nasal comum e,quando ela pôde falar,pousou sua mão sobre o meubraço e, olhando-me nos

olhos, disse:Por que você fez isso?

Você, que se recusou atémesmo a uma aproximaçãoamigável quando precisei daprimeira vez! E agora arriscasua vida e assassina um deseus companheiros porminha causa. Não consigoentender. Que homem demodos estranhos é você, quese associa com homensverdes embora sua forma sejaa mesma de minha raça,enquanto sua cor é pouca

coisa mais escura que a dosmacacos albinos? D iga-me seé humano ou se é mais quehumano.

É uma história estranha -respondi. - Longa demaispara contá-la agora e tambémda qual eu mesmo tenhotantas dúvidas que temo queoutros não acreditarão nela.Basta dizer, por enquanto,que sou seu amigo e,enquanto nossos captorespermitirem, também seuprotetor e servo.

Então você também é umprisioneiro? Mas por que,então, usa essas armas evestes de um chefetharkiano? Qual o seu nome?Qual o seu país?

S im, D ejah Thoris, sou umprisioneiro. Meu nome é J ohnCarter e chamo a Virgínia, umdos Estados Unidos daAmérica, Terra, de meu lar.Mas o motivo de mepermitirem usar armas eunão sei, nem estava ciente deque minha regalia era a

mesma dos chefes. Fomosinterrompidos nessemomento pela aproximaçãode um dos guerreiros quecarregava armas,equipamentos e ornamentos.Em um lampejo, uma de suasquestões foi respondida e mefoi esclarecido um enigma. Vique o corpo de meuantagonista morto havia sidodespido e percebi, pelaatitude ameaçadora, porémrespeitosa, daquele que metrazia esses espólios a mesma

deferência mostrada peloguerreiro que me trouxera oequipamento original. Agora,pela primeira vez, percebiaque meu golpe, na ocasião doprimeiro embate na câmarade audiência, havia resultadona morte posterior doadversário.

A razão para essa atitudedemonstrada para comigoagora me era aparente. Euhavia ganhado minhasesporas, por assim dizer, pormeio da justiça cruel que

sempre marca as negociaçõesentre os marcianos e que,entre outras coisas, me fezchamar este lugar de "planetados paradoxos". Concederam-me as honras de umconquistador, osequipamentos e a posição dohomem que eu haviaassassinado. Na verdade, euera um líder marciano e,depois aprendi, era a causa deminha grande liberdade etolerância na câmara deaudiência.

Ao me voltar para receberos bens do guerreiro morto,notei que Tars Tarkas e váriosoutros haviam se deslocadoem nossa direção e que osolhos do primeirorepousavam sobre mim demaneira inquiridora.Finalmente, dirigiu-se a mim:

-Você fala a língua deBarsoom com perfeição paraalguém que, há poucos dias,era surdo e mudo para nós.Onde a aprendeu, J ohnCarter?

-Você mesmo foi oresponsável, Tars Tarkas -respondi ao me fornecer umainstrutora de habilidadeadmirável. D evo agradecer aSola o meu aprendizado.

Ela trabalhou bem - elerespondeu, mas sua educaçãoem outras instâncias precisade considerávelaprimoramento. Você sabe oque sua ousadia inaudita terialhe custado caso não tivessematado algum dos doislíderes cujo metal você veste

agora?Presumo que aquele que

eu tivesse falhado em matarteria me matado - respondisorrindo.

Não, você está errado.S omente na mais extremalegítima defesa um guerreiromarciano mataria umprisioneiro. Gostamos deguardá-los para outrospropósitos - e sua faceevidenciou possibilidadesque não eram aprazíveis de sesupor.

Mas há algo que podesalvá-lo agora - ele continuou.- Em reconhecimento ao seunotável valor, agressividade edestreza, você poderia serconsiderado por Tal Hajus tãohonrado a ponto de serintegrado à comunidade etornar-se um tharkianocompleto. Até chegarmos aoquartel-general de Tal Hajus,é o desejo de Lorquas Ptomelque você seja tratado com orespeito devido aos seus atos.Você será tratado por nós

como um líder tharkiano, masnão deve se esquecer de quetodo chefe superior a vocêtem como responsabilidadeentregá-lo em segurança anosso poderoso e cruelsoberano. Tenho dito.

- Entendido, Tars Tarkas -respondi. - Como sabe, nãosou de Barsoom, seuscostumes não são como osmeus e somente posso agirno futuro como agi nopassado, de acordo com o quedita minha consciência e pelo

que dizem os padrões do meupovo. S e você me libertar, ireiem paz. Caso contrário, queos indivíduos barsoomianoscom os quais terei de conviverrespeitem meus direitos deestrangeiro entre seu povo,ou que sofram asconseqüências que seseguirão. E deixemos claroque quaisquer que sejam suasintenções para com estadesafortunada jovem, aqueleque tentar machucá- la ouinsultá-la no futuro deve

saber que terá de prestarcontas a mim. Entendo quemenosprezem todos ossentimentos de generosidadee gentileza, mas não eu. Epoderei convencer seus maisbravos guerreiros de queessas características não sãoincompatíveis com ahabilidade de lutar.

Normalmente não soudado a longos discursos, enunca antes utilizei talênfase, mas confiei que essaoratória encontraria eco nos

peitos dos marcianos verdes.E não me enganei, pois minhaprolixidade evidentementetocou-os a fundo, tornando,posteriormente, sua atitudepara comigo alvo de aindamais respeito. O próprio TarsTarkas pareceu satisfeito comminha resposta, mas seuúnico comentário foi algomais ou menos enigmático: -E eu acho que conheço TalHajus, jeddak de Thark. Euagora havia desviado minhaatenção para D ejah Thoris e a

auxiliava a se manter em péenquanto a guiava para asaída, ignorando as harpiasguardiãs planando em volta,assim como os olharescuriosos dos líderes. Afinal,eu agora também era umlíder! E, bem, agora assumiriaas responsabilidades cabíveis.Eles não nos incomodaram e,assim, D ejah Thoris, princesade Helium, ejohn Carter,cavalheiro da Virgínia,seguidos pelo fiel Woola,passaram pelo completo

silêncio da câmara deaudiência de Lorquas Ptomel,jed entre os tharks deBarsoom.

Capítulo 11 - COMDEJAH THORIS

Quando chegamos em campoaberto, as duas guardasfêmeas que haviam sidoinstruídas a vigiar D ejahThoris se apressaram etentaram recuperar suacustódia, novamente. A pobrecriança se encolheu contramim e senti suas duaspequenas mãos apertandomeu braço com força.

Afugentando-as, informei-asque Sola cuidaria da cativa deagora em diante e em seguidaadverti Sarkoja de quequaisquer outras atençõescruéis que se abatessemsobre D ejah Thorisresultariam em repentino edoloroso fim.

Minha ameaça mostrou-seinfeliz e resultou em maisdanos que benefícios a D ejahThoris porque, como

aprendi depois, homensnão matam mulheres em

Marte, nem mulheres,homens. Então, Sarkojasimplesmente nos desferiuum olhar ameaçador e se foipara arquitetar suasmaldades contra nós. Logoencontrei Sola e expliquei aela meu desejo de quecuidasse de D ejah Thorisassim como cuidava de mim,e que queria que elaencontrasse outrosalojamentos onde Sarkoja nãoas molestaria e, finalmente,informei- a de que eu mesmo

iria me alojar entre oshomens. Sola espiou osequipamentos que eucarregava nas mãos ependurados em meusombros.

Você é um grande líderagora, John Carter - ela disse.

E devo cumprir o que mepede, apesar de que o faria damesma forma sob quaisquercircunstâncias. O homemcujo metal você carrega erajovem, mas era um grandeguerreiro e havia, por meio de

suas promoções e mortes,conseguido um postopróximo ao de Tars Tarkasque, como você sabe, estáabaixo somente de LorquasPtomel. Você é o décimoprimeiro, havendo apenasoutros dez líderes acima devocê em valentia nestacomunidade.

E se eu matasse LorquasPtomel? - perguntei.

-Você seria o primeiro,J ohn Carter. Mas você sópode obter esta honraria se o

conselho inteiro decidir queLorquas Ptomel deveenfrentá-lo num duelo; ou,caso seja atacado por ele, sevocê matá-lo em legítimadefesa, conquistando assim oprimeiro lugar.

Eu gargalhei e mudei deassunto. Eu não tinhanenhum desejo de matarLorquas Ptomel e menosainda de ser um jed entre ostharks.

Acompanhei S ola e D ejahThoris na busca de novos

alojamentos, os quaisencontramos em umaconstrução próxima à câmarade audiência e de arquiteturamuito mais pretensiosa doque nossa antiga habitação.Também encontramos nesseprédio verdadeirosapartamentos-dormitóriocom camas antigas e altas demetal fundido penduradas noalto, balançando por enormescorrentes de ouro presas nostetos de mármore. Adecoração das paredes era

extremamente elaborada e, aocontrário dos afrescos nosoutros edifícios que eu haviavisto, retratavam váriasfiguras humanas em suascomposições. Eram pessoascomo eu e de cor muito maisclara do que a de D ejahThoris. Eles vestiam túnicasgraciosas e soltas, altamenteornamentadas com metais ejóias, e seus cabelosluxuriantes eram de um lindodourado e de um bronzeavermelhado. Os homens

estavam barbeados e apenasalguns carregavam armas. Aspinturas representavam, emgrande parte, um povo depele e cabelos delicados ematividade.

D ejah Thoris entrelaçousuas mãos em umaexclamação de êxtaseenquanto olhava para asmagníficas obras de arte,criadas por um povo há muitoextinto, enquanto Sola, poroutro lado, parecia sequernotá-los. D ecidimos usar esse

quarto, localizado no segundoandar e voltado para a praça,para abrigar D ejah Thoris eS ola. Em seus fundos, outrocômodo adjacente serviriacomo cozinha e despensa.D epois disso, despachei S olapara trazer roupas de cama,alimentos e utensílios de queela poderia precisar, dizendoque eu guardaria D ejahThoris até que ela voltasse.Enquanto S ola partia, D ejahThoris voltou-se para mimcom um sorriso tímido.

E para onde, então, suaprisioneira escaparia se vocêa deixasse, além deacompanhá-lo por onde for,procurar sua proteção epedir-lhe perdão pelospensamentos cruéis quecultivou contra você nessesúltimos dias?

Você está certa - respondi.- Não há fuga possível paranenhum de nós dois, excetojuntos.

Ouvi seu desafio à criaturaque você chama de Tars

Tarkas e acho que entendi suaposição entre esse povo, maso que não consigocompreender é suadeclaração de que não é deBarsoom.

Então, em nome de meuprimeiro ancestral - elacontinuou -, de onde maisvocê poderia ser? Você éparecido com meu povo e,ainda assim, tão diferente.Você fala minha língua e,mesmo assim, ouço vocêdizer a Tars Tarkas que a

aprendeu recentemente.Todos os barsoomianos falama mesma língua, da calotaglacial sul à calota glacialnorte, embora suas escritassejam diferentes. S omente novale D or, onde o rio I ssdesemboca no mar perdidode Korus, supõe-se que umaoutra língua seja falada e,exceto nas lendas de nossosancestrais, não há registro dealgum barsoomiano terretornado do rio I ss ou daspraias do Korus, no vale

D or. Não me diga quevocê retornou de lá! Eles omatariam da forma maisterrível em qualquer lugar dasuperfície de Barsoom se issofor verdade. Por favor, digaque não!

S eus olhos sepreencheram com uma luzestranha. S ua voz erasuplicante e suas pequenasmãos se estenderam até meupeito, onde me pressionaramcomo se quisessem arrancaruma negativa de meu próprio

coração.- Eu não conheço seus

costumes, D ejah Thoris, masem minha Virgínia umcavalheiro não mente para sesalvar. Eu não sou de D or.Nunca estive no misteriosoI ss e o mar perdido de Koruscontinua perdido, até onde eusei. Acredita em mim?

E então me impressioneiao perceber que eu ansiavaque ela acreditasse em mim.Não que temesse osresultados que se seguiriam

caso todos acreditassem queeu havia retornado do céu oudo inferno barsoomianos, oucoisa que o valha. Por que,então? Por que eu meimportaria com o que elapensava? Olhei para ela, suabela face inclinada para mime seus maravilhosos olhosrevelavam as profundezas desua alma. E, quando meusolhos encontraram os dela, eusoube o porquê e... estremeci.

Uma onda de sentimentosimilar pareceu se agitar

dentro dela. Ela se afastou demim com um suspiro e comseu rosto lindo e ardenteinclinado para mim,sussurrou:

Acredito em você, J ohnCarter. Não sei o que é um"cavalheiro", nem nunca ouvifalar da Virgínia, mas emBarsoom os homens nãomentem. S e ele não desejafalar a verdade, elepermanece em silêncio. Ondeé essa Virgínia, seu país, J ohnCarter? - ela perguntou. E me

pareceu que o lindo nome deminha amada terra nuncahavia soado tão belo comoquando proferido por seuslábios perfeitos naquele diaagora tão distante.

Eu vim de outro mundo -respondi -, do grande planetaTerra, que gira em tornodesse mesmo sol e ocupa apróxima órbita após Barsoom,que chamamos de Marte.Como cheguei aqui, nãoposso dizer, porque não sei.Mas aqui estou e, uma vez

que minha presença mepermite servir a D ejah Thoris,fico feliz por isso. Ela mefitou com seus olhos confusoslonga e interrogativamente.Eu sabia muito bem que eradifícil para ela acreditar emminhas palavras e não podiaesperar que acreditasse,embora eu suplicasse por suaconfiança e respeito. Eudeveria não ter dito nadasobre meus antecedentes,mas nenhum homem poderiaolhar dentro daqueles olhos e

se negar aos seus maisínfimos pedidos.

Finalmente ela sorriu e,levantando-se, disse:

Eu devo acreditar mesmoque não consiga entender.Vejo claramente que você nãoé um homem da Barsoomatual. Você é como nós, masdiferente..., mas por que eudeveria ocupar minha cabeçacom tal problema quandomeu coração me diz queacredito porque queroacreditar?

Era uma boa lógica. Boa,terráquea, feminina e, se asatisfazia, eu certamente nãopoderia encontrar nenhumafalha nela. Na verdade, erapraticamente o único tipo delógica que poderia admitir omeu problema. Caímos emuma conversa genérica,perguntando e respondendovárias questões de ambos oslados. Ela estava curiosa emaprender os costumes de meupovo e demonstrava umnotável conhecimento dos

eventos na Terra. Quando aquestionei maisprofundamente sobre essaaparente familiaridade comas coisas terráqueas, elagargalhou e gritou: - Ora,todo aluno em Barsoomconhece a geografia ebastante sobre a fauna e aflora, assim como a históriado seu planeta, quase tãobem quanto do nosso. Poracaso não podemos ver tudoo que acontece sobre a Terra,como você a chama? Afinal,

ela não está pairando noscéus bem à nossa vista?Aquilo me deixouembasbacado, devo admitir,tanto quanto meus relatos ahaviam confundido,confessei. Ela então meexplicou de forma geral osinstrumentos que seu povousava, aperfeiçoados por eras,e que lhes permitiam jogarsobre uma tela uma imagemperfeita do que estavaacontecendo sobre qualquerplaneta e em várias estrelas.

Essas imagens eram tãodetalhadas que, quandofotografadas e ampliadas,objetos do tamanho de umafolha de grama podiam serreconhecidos com clareza.D epois, já em Helium, pudever diversas dessas imagens,assim como os instrumentosque as produziam.

Então, se você é tãofamiliar com as coisas daTerra - perguntei -, por quenão me reconheceu como umdos habitantes daquele

planeta?Ela sorriu novamente, com

a mesma complacênciaaborrecida dispensada àpergunta de uma criança:

Porque, J ohn Carter - elarespondeu -, quase todoplaneta e estrelas que tenhamcondições atmosféricasparecidas com as de Barsoomapresentam formas de vidaanimal, quase idênticas a vocêe eu. Além do mais, oshomens da Terra, quase semexceção, cobrem seus corpos

com estranhos pedaços detecido e suas cabeças comaparelhos ridículos queimpedem uma melhor visão ecujos motivos não somoscapazes de entender.Enquanto você, quandoencontrado pelos guerreirostharkianos, estava seminterferências e adornos. Ofato de você estar semadornos é uma forte prova deque sua origem não ébarsoomiana, ao passo que aausência de vestes grotescas

pode gerar a dúvida de quevocê seja um terráqueo.

Foi então que narrei osdetalhes da minha partida daTerra, explicando que meucorpo jazia completamentevestido com todos os mesmos- para ela - estranhos trajesdos habitantes comuns.Nesse momento, S olaretornou com nossas escassasposses e seu jovem protegidomarciano que, obviamente,teria de dividir os dormitórioscom elas.

S ola nos perguntou setivemos algum visitantedurante sua ausência epareceu muito surpresaquando respondemosnegativamente. Pareceu quequando ela subia rumo aosandares superiores ondenossos dormitórios selocalizavam, haviaencontrado S arkoja descendo.D ecidimos que ela devia estarbisbilhotando, mas como nãonos lembramos de nada deimportância ter ocorrido,

descartamos o assunto,embora nos prometendomutuamente que nosmanteríamos em alto grau dealerta no futuro.

D ejah Thoris e eu nosconcentramos em examinar aarquitetura e as decoraçõesdas belas salas do edifício queocupávamos. Ela me disseque tudo indicava que essepovo havia florescido mais decem mil anos atrás. Eles eramos remotos progenitores desua raça, mas haviam se

misturado com a outra raçade antigos marcianos, queeram muito escuros, quasenegros, e também com a raçaamarelo-avermelhada quehavia florescido naqueletempo.

Essas três grandesdivisões dos marcianossuperiores haviam sidoforçadas a uma poderosaaliança enquanto os mares doplaneta secavam,compelindo-os a buscar ascomparativamente poucas - e

em constante redução - áreasférteis e a se defenderem sobas novas condições de vida econtra as hordas selvagens dehomens verdes. Eras derelacionamento próximo ecasamentos entre siresultaram na primeira raçade homens vermelhos, dosquais D ejah Thoris era umaencantadora e beladescendente. D urante osmilênios de trabalho árduo eincessante combate contrasuas várias raças, assim como

contra os homens verdes, eantes que tivessem seadaptado às mudançasambientais, muitas dascivilizações superiores emuitas das artes dosmarcianos de cabelos clarosse perderam. Mas a raçavermelha de hoje chegou aum ponto em que acredita tercompensado, com novasdescobertas e em umacivilização mais pragmática,todo o conhecimentoirrecuperavelmente perdido

com os antigos barsoomianossob as incontáveis geraçõesque se interpõem entre eles.

Esses antigos marcianosformavam uma raçaaltamente culta e letrada, masdurante as vicissitudesdaqueles séculos deadaptação às novascondições, não somente seusavanços industriais cessaram,mas também todos os seusarquivos, documentos eliteratura se perderam. D ejahThoris relatou muitos fatos

interessantes e lendas sobreessa raça perdida deindivíduos nobres e gentis.Ela disse que a cidade ondeestávamos acampados eraonde hipoteticamente sesituara o centro comercial ecultural conhecido comoKorad. Havia sido construídasobre um lindo refúgionatural, incrustada entremagníficas colinas. Opequeno vale na frente oesteda cidade, ela explicou, eratudo o que restava do porto,

enquanto a passagem entre ascolinas até o fundo do velhomar era o canal através doqual passavam asmercadorias até os portões dacidade. As praias dos maresantigos eram pontilhadas porcidades como esta e poroutras menores, cada vezmais escassas e que podiamser encontradas convergindopara o centro dos oceanos,uma vez que as pessoasdescobriram ser necessárioseguir as águas que recuavam

cada vez mais até que aurgência levou-as à suaúltima chance de salvação, oschamados canais marcianos.Tínhamos nos entretido tantona exploração do edifício eem nossa conversa que o finalda tarde já havia chegado semque percebêssemos. Fomostrazidos de volta ã realidadede nossa condição atual porum mensageiro que traziauma convocação de LorquasPtomel, requerendo minhapresença diante dele

imediatamente. D espedindo-me de D ejah Thoris e S ola, eordenando Woola a ficar deguarda, apressei-me à câmarade audiência, onde encontreiLorquas Ptomel e Tars Tarkassentados sobre a tribuna.

Capítulo 12 - UMPRISIONEIRO COM

PODER

Quando entrei e saudei,Lorquas Ptomel acenou paraque eu avançasse e, fixandoseus grandes e detestáveisolhos sobre mim, dirigiu-mea palavra assim:

Você está conosco háalguns dias e durante essetempo ganhou, por meio desuas habilidades, uma alta

posição entre nós. Aindaassim, você não é um de nós.E não nos deve obediência.

Sua posição é bastantepeculiar - ele continuou. -Você é um prisioneiro e aindaassim dá ordens que devemser cumpridas. Você é umalienígena e mesmo assim éum líder tharkiano. Você éum anão e ainda assim podematar um poderoso guerreirocom um golpe de seu punho.E agora é dito que você esteveplanejando escapar com outra

prisioneira de outra raça, umaprisioneira que, ela mesmasugere, tende a acreditar quevocê retornou do vale de D or.Qualquer dessas acusações,se provada, daria basesuficiente para sua execução,mas somos pessoas justas evocê deverá ser julgadoquando voltarmos a Thark, seTal Hajus assim ordenar.

Mas - ele continuou emseus tons guturais bárbaros -,se você fugir com a garotavermelha, serei eu a ter de me

relatar a Tal Hajus. S erei eu aencarar Tars Tarkas ecomprovar meu direito aocomando, ou o metal deminha carcaça morta irá paraum homem mais apto,porque esse é o costume dostharks.

Não tenho contendas comTars Tarkas. J untos, regemosde forma soberana a maiordas comunidades inferioresentre os homens verdes. Nãodesejamos lutar entre nós, e,portanto, J ohn Carter, se você

estivesse morto, eu estariamais feliz. Contudo, apenassob duas condições vocêpoderia ser morto por nóssem ordens de Tal Hajus: emcombate pessoal e emlegítima defesa, caso ataqueum de nós; ou se fosse presoem uma tentativa de fuga.

Por questão de justiça,devo adverti-lo de que apenasesperamos uma dessas duasdesculpas para nos livrardessa enormeresponsabilidade. A entrega

da garota vermelha emsegurança a Tal Hajus é damaior importância. Nem emmil anos os tharks fizeram talcaptura. Ela é a neta do maiordos jeddaks vermelhos, quetambém é nosso mais amargoinimigo. Tenho dito. A garotavermelha nos disse queéramos desprovidos dossentimentos mais delicadosde humanidade, mas somosuma raça justa e honesta.Pode ir. Voltei-me e deixei acâmara de audiência. Então

este era o começo daperseguição de Sarkoja! Eusabia que ninguém maispoderia ser responsável poresse relato que chegou aosouvidos de Lorquas Ptomeltão rapidamente, e agora eume lembrava as partes denossa conversa que haviammencionado a fuga e minhaorigem.

Sarkoja era a fêmea maisidosa e respeitada de TarsTarkas. Assim sendo, elatinha grande poder nos

bastidores do trono, porquenenhum guerreiro gozava demaior grau de confiança deLorquas Ptomel que seutenente mais hábil, TarsTarkas.

Contudo, em vez de fazercom que eu abandonassemeus planos de uma possívelfuga, minha audiência comLorquas Ptomel apenasajudou a focalizar toda aminha atenção nesse objetivo.Agora, mais do que nunca, anecessidade absoluta de

escapar, como Dejah Thoris jásabia, me pressionava, poiseu estava convencido de queum destino terrível esperavapor ela no quartel-general deTal Hajus.

Conforme S ola haviadescrito, esse monstro era apersonificação exagerada detodas as eras de crueldade,ferocidade e brutalidade dasquais ele descendia. Frio,astuto, calculista. Ele tambémera, em marcante contraste atodos os seus semelhantes,

um escravo daquela paixãobruta cuja minguantedemanda por procriação emseu planeta moribundo haviaquase estagnado no peitomarciano.

A idéia de que a divinaD ejah Thoris poderia cair nasgarras de tal atavismoabismai fez com que eusuasse frio. S eria melhorguardarmos munição amigapara nós mesmos num últimomomento, como faziam asvalentes mulheres das

fronteiras de minha terradistante, que preferiam darcabo de suas próprias vidas acair nas mãos dos índiosselvagens. Enquanto euvagava pela praça, perdidoem meus sombriospressentimentos, Tars Tarkasse aproximou de mim em seucaminho para a câmara deaudiência. Seucomportamento para comigopermanecia inalterado e mesaudou como se nãotivéssemos nos separado

apenas alguns momentosantes.

Onde ficam suasacomodações, J ohn Carter? -ele perguntou.

-Ainda não escolhinenhuma - respondi. -Pareceu-me melhor que eume alojasse sozinho ou comos outros guerreiros, masestava esperando umaoportunidade de lhe pedirum conselho.

Como sabe - sorri nãoestou familiarizado com

todos os costumes dos tharks.-Venha comigo - ele

indicou. E juntosatravessamos a praça emdireção a uma construção queme alegrou por ser vizinhaàquela ocupada por S ola eseus protegidos.

Meus alojamentosocupam o primeiro andardeste edifício - ele disse -, e osegundo também estáocupado pelos guerreiros,mas o terceiro andar e todosacima estão livres. Pode

escolher qualquer um. -Entendo que você abriu mãode sua mulher para ficar coma prisioneira - ele continuou. -Bem, como você disse, seushábitos não são os mesmosque os nossos, mas você lutabem o bastante para agircomo quiser e, portanto, seprefere desistir de suamulher pela cativa, oproblema é seu. Mas comolíder você deve ter seusserviçais, e de acordo com oscostumes, você pode escolher

qualquer uma das fêmeas dacomitiva dos líderes cujosmetais você agora veste. Euagradeci, mas assegurei-o deque poderia cuidar muitobem de mim mesmo, excetopara preparar comida. Eleprometeu, então, enviar umamulher para cozinhar, paracuidar de minhas armas eforjar minha munição, o queele acreditava ser essencial.S ugeri que talvez pudessemme trazer também algumasdas cobertas de seda e peles

que conquistara comoespólios do combate, pois asnoites eram frias e eu nãotrazia nenhuma comigo.

Ele prometeu fazê-lo eentão partiu. S ozinho, subi ocorredor espiralado até osandares superiores em buscade dormitórios adequados.As belezas daquele outroedifício se repetiam neste e,como de costume, logo meperdi em um passeio deinvestigação e descobertas.Finalmente, escolhi um

quarto frontal no terceiroandar, porque me deixavamais próximo de D ejahThoris, cujo apartamento selocalizava no segundo andardo edifício vizinho. Penseique seria possível criar algunsmeios de comunicação pelosquais ela poderia me chamarcaso precisasse de meusserviços ou proteção.

Ao lado de meuapartamento-dormitório,havia banheiras, closets eoutros quartos e salas de

estar. Ao todo, havia cerca dedez cômodos nesse andar. Asjanelas dos quartos dosfundos davam para um pátioenorme que formava o centrodo quadrado feito pelosedifícios defronte às quatroruas contíguas, e que agoraserviam de alojamento paraos vários animais quepertenciam aos guerreirosque ocupavam os edifíciosvizinhos.

Embora o pátio estivessetomado pela vegetação

amarela e musgosa quecobria quase toda a superfíciede Marte, havia tambémnumerosas fontes, estátuas,bancos e armações em estilopérgula que deviam tertestemunhado a beleza queesse pátio devia terapresentado em tempospassados, quandoembelezado pelo povosorridente e de cabelos clarosa quem as inalteráveis eseveras leis cósmicas haviamnão somente expulsado de

seus lares, mas de tudo omais exceto das vagas lendasde seus descendentes. Erapossível facilmente imaginara belíssima folhagem daluxuriante vegetaçãomarciana que um dia cobriuessa cena com vida e cor; asfiguras graciosas de lindasmulheres, os homenselegantes e bonitos, osalegres grupos de crianças...toda a luz do sol, felicidade epaz. Era difícil aceitar quetodos haviam desaparecido,

sugados por eras de trevas,crueldade e ignorância, atéque seus instintoshereditários humanitários esua cultura se elevassem umavez mais na composição finaldaquela que agora é a raçadominante sobre Marte. Meuspensamentos foraminterrompidos pela chegadade várias jovens fêmeascarregando montes de armas,sedas, peles, jóias, utensíliosde cozinha e barris de comidae bebida, incluindo uma

considerável quantidade depilhagem da nave voadora.Tudo isso, parecia, era depropriedade dos dois líderesque eu havia matado e, agora,pelos costumes dos tharks,me pertenciam. S ob meuscomandos elas colocaram osobjetos em um dos quartosdos fundos e partiram,somente para retornar comum segundo carregamento, oqual me informaramconstituir o restante de meusbens. Na segunda viagem,

vieram acompanhadas poroutras dez ou quinzemulheres e jovens quepareciam ser as comitivas dosdois líderes.

Elas não eram suasfamílias, nem suas esposas ouservas. O relacionamento erapeculiar e tão diferente detudo que conhecemos que ébastante difícil descrever.Toda propriedade entre osmarcianos verdes pertence atodos da comunidade, excetoas armas pessoais,

ornamentos e cobertas deseda e peles de cada um.S omente sobre essas possesalguém pode reclamar seusdireitos, mas não se podeacumular mais desses objetosdo que o necessário para suasreais necessidades. Osexcedentes são guardadosapenas sob custódia e sãopassados adiante aosmembros mais jovens dacomunidade conforme se faznecessário.

As mulheres e crianças da

comitiva de um homempodem ser comparados à umaunidade militar da qual ele éresponsável de váriasmaneiras, incluindo questõescomo instrução, disciplina,sustento e exigências para suacontínua marcha e seuseternos conflitos com outrascomunidades e com osmarcianos vermelhos. S uasmulheres não são esposas. Osmarcianos verdes não têm umtermo que corresponda aosignificado da palavra

terráquea. S eu acasalamentoé uma questão restrita aosinteresses da comunidade e égerenciado sem que seconsulte a seleção natural. Oconselho dos líderes de cadacomunidade controla aquestão com tanta atençãoquanto o dono de cavalos decorrida de Kentucky gerenciaa produção científica de seusanimais para aprimorar todoo conjunto. A teoria podesoar bem, como é comumquando se trata de teorias,

mas os resultados de séculosdessa prática antinatural,aliados à decisão dacomunidade de que o rebentoseja mantido distante de umafigura materna, se personificanas frias e cruéis criaturas, eem sua existência soturna,desalmada e melancólica. Éverdade que os marcianosverdes são absolutamentevirtuosos, tanto homensquando mulheres, comexceção feita a degeneradoscomo Tal Hajus. Mas seria

preferível um equilíbrio maisdelicado de característicashumanas, mesmo ao custo deuma ocasional e pequenaperda de castidade. S abendodisso, era meu dever assumirresponsabilidade por essascriaturas, quer eu quisesse ounão, e fiz o melhor que pude,indicando a elas seus quartosnos andares superiores,reservando o terceiro andarpara mim. Encarreguei umadas garotas com os afazeresde uma simples refeição e dei

ordens às demais queretomassem as outrasatividades que constituíamsuas vocações primárias.Após isso, raramente as via, epouco me importava.

Capítulo 13 -DESCOBRINDO OAMOR EM MARTE

Após a batalha com as navesvoadoras, a comunidadepermaneceu na cidade porvários dias, abandonando amarcha para casa até quepudesse se sentirrazoavelmente segura de queos navios não retornariam.S er pego em campo abertocom uma caravana de

carruagens e crianças estavalonge de ser desejável,mesmo para um povo tãobelicoso como os marcianosverdes.

D urante nosso período deinatividade, Tars Tarkas haviame instruído em muitos doscostumes e artes da guerrainerentes aos tharks,incluindo lições de comocavalgar e guiar as grandesbestas que levavam osguerreiros. Essas criaturas,conhecidas como thoats, são

tão perigosas e traiçoeirasquanto seus mestres, masquando domadas tornam-sesuficientemente tratáveispara os propósitos dosmarcianos verdes.

D ois desses animaishaviam caído em minhasmãos, vindos dos guerreiroscujo metal agora eu vestia e,em um curto período detempo, eu lidava com elasquase tão bem quanto osguerreiros nativos. O métodonão era nem um pouco

complicado. S e os thoats nãorespondiam com rapidezsuficiente às instruçõestelepáticas de seus cavaleiros,sofriam um terrível golpeentre as orelhas com acoronha de uma pistola e, secontinuassem arredios, essetratamento era continuadoaté que as feras sesubmetessem ouderrubassem seu ginete.

No último caso, era umadisputa de vida e morte entreo homem e o animal. Se o

primeiro fosse rápido obastante com sua pistola, elepoderia viver para cavalgarnovamente, mas em outroanimal. S e não, seu corpodespedaçado e mutilado erarecolhido por suas mulherese queimado de acordo com oscostumes tharkianos.

Minha experiência comWoola me incentivou aexperimentar a gentileza notratamento de meus thoats.Primeiro, ensinei-os que nãopoderiam me derrubar e até

mesmo bati com força entresuas orelhas para imprimirsobre eles minha autoridadee poder. Então, em etapas,ganhei sua confiança damesma maneira que conseguiinúmeras vezes com minhasmuitas outras montarias maismundanas. Sempre tive muitahabilidade com animais e,por inclinação, assim comoisso me trazia resultadosmais duradouros esatisfatórios, sempre fuiafável e humano no trato com

os de ordens inferiores. Eupoderia, se necessário, tiraruma vida humana com muitomenos remorso do que fariacom a de um pobre animalirracional e irresponsável.

No decorrer de algunsdias, meus thoats eram amaravilha de toda umacomunidade. Eles meseguiam feito cães, roçandoseus grandes focinhos contrameu corpo em umadesajeitada demonstração deafeto. Respondiam a todos os

meus comandos com umadiligência e docilidade quefaziam com que os guerreirosmarcianos me atribuíssemum poder especial terráqueodesconhecido em Marte.

Como você os enfeitiçou? -perguntou Tars Tarkas numatarde, quando me viu colocarmeu braço entre as grandesmandíbulas de um de meusthoats, que havia prendidoum pedaço de pedra entredois de seus dentes quandoestava pastando a vegetação

musgosa de nosso pátio.Sendo gentil - respondi. -

S abe, Tars Tarkas, ossentimentos mais delicadostêm seu valor até mesmo paraum guerreiro. No calor deuma batalha, assim comodurante uma marcha, sei quemeus thoats obedecerão acada comando meu e,portanto, minha eficiência emcombate será maior. E sereium guerreiro melhor porquesou um senhor gentil. Seusoutros guerreiros tirariam

vantagem, assim como acomunidade toda, seadotassem meus métodosnesse assunto. Apenas algunsdias atrás, você mesmo medisse que essas grandes feras,pela instabilidade de seutemperamento, eramresponsáveis por transformarvitórias em derrotas, uma vezque, em um momento crucial,podiam decidir derrubar edestroçar seus cavaleiros.

- Mostre-me comoconseguiu esses resultados -

foi a única resposta de TarsTarkas.

Então expliquei tãocuidadosamente quantopossível todo o método detreinamento adotado commeus animais e, depois, eleme fez repetir tudo diante deLorquas Ptomel e dosguerreiros reunidos. Aquelemomento marcou o começode uma nova existência paraos pobres thoats e, antes queeu deixasse a comunidade deLorquas Ptomel, tive a

satisfação de presenciar umregimento de montarias tãotratáveis e dóceis quantopossível. O efeito da precisãoe rapidez nos movimentosmilitares era tão eloqüenteque Lorquas Ptomel mepresenteou com umagigantesca tornozeleira desua própria indumentária emsinal de apreço por meuserviço à sua horda. Nosétimo dia após a batalhacom as naves voadoras,retomamos a marcha em

direção a Thark. Qualquerpossibilidade de outro ataquefoi considerada remota porLorquas Ptomel.

D urante os diasimediatamente anteriores ànossa partida, vi D ejah Thorispoucas vezes, por estarsempre muito ocupado comTars Tarkas tomando liçõessobre a arte marciana daguerra, assim como treinandomeus thoats. Nas poucasvezes em que visitei seusalojamentos, ela não estava,

caminhando pelas ruas comS ola ou investigando asconstruções nos arredores dapraça. Eu as havia avisadoquanto aos perigos de seaventurar para longe dapraça, temendo os grandesmacacos albinos com cujaferocidade eu estava pordemais familiarizado.Contudo, uma vez que Woolaas acompanhava em todas assuas excursões, e que S olaestava bem armada, haviarelativamente pouco motivo

para preocupação.Na noite anterior à nossa

partida, eu as vi seaproximando por uma dasgrandes avenidas quelevavam à praça pelo leste.Adiantei-me para encontrá-las, comunicando a S ola queagora eu me responsabilizariapela guarda de Dejah Thoris epedi que retornasse aos seusaposentos para algumastarefas triviais. Eu gostava econfiava em S ola, mas, poralguma razão, eu queria ficar

sozinho com D ejah Thoris,que representava para mimtoda a companhia prazerosa eagradável que eu haviadeixado na Terra. Esses laçospareciam ser recíprocos, tãopoderosos como setivéssemos nascido sob omesmo teto em vez deplanetas diferentes,separados por setenta e setemilhões de quilômetros dedistância. Eu tinha certeza deque ela compartilhava essessentimentos comigo porque,

quando me aproximei, seuolhar de desalentoabandonou seu semblantepara ser substituído por umsorriso jovial de boas-vindasenquanto ela colocava suapequenina mão direita emmeu ombro esquerdo, emuma típica saudação dosmarcianos vermelhos.

S arkoja disse a S ola quevocê se tornou um legítimothark - ela disse. - E que agoraeu não o veria mais do quevejo os outros guerreiros.

S arkoja é uma mentirosade primeira grandeza, que vaicontra a alegação dos tharksde que são absolutamenteverdadeiros - respondi.

Dejah Thoris riu.Eu sabia que mesmo que

se tornasse um membro dacomunidade, você nãodeixaria de ser meu amigo."Um guerreiro pode trocarseu metal, mas não seucoração", é o que dizem emBarsoom.

Acho que estão tentando

nos manter separados - elacontinuou -, pois sempre quevocê estava de folga, uma dasmulheres mais velhas dacomitiva de Tars Tarkasarranjava alguma desculpapara mandar S ola e eu paralonge dali. Elas medespachavam para os fossossubterrâneos dos prédiospara ajudá-las a misturar seudetestável pó de rádio e fazerseus terríveis projéteis. S abiaque eles têm de serfabricados sob iluminação

artificial porque a luz do solfaz com que eles explodam?J á percebeu que suas balassempre explodem quandoatingem um objeto? S uacobertura externa opaca sequebra no impacto expondoum cilindro de vidro, quasemaciço, na ponta da frente,onde há uma pequenapartícula de pó de rádio. Nomomento em que a luz,mesmo que difusa, atinge opó, elas explodem com umaviolência arrasadora. S e um

dia você testemunhar umabatalha noturna, perceberá aausência dessas explosões,mas a manhã seguinte àbatalha será preenchida pelosom das detonações dosprojéteis explosivos lançadosna noite anterior. Por via deregra utilizam-se projéteissem explosivos à noite.Mesmo estando muitointeressado na explicação deD ejah Thoris sobre esseacessório do arsenalmarciano, eu estava mais

preocupado com o problemaimediato do tratamento quedispensavam a ela. O fato deestarem-na mantendo longede mim não era surpresa, maso fato de que a estavamsujeitando a um trabalhoperigoso e árduo meenfureceu.

-Você foi sujeitada porelas à crueldade e afronta,D ejah Thoris? - pergunteisentindo o sangue quente demeus ancestrais pulsar emminhas veias enquanto

aguardava sua resposta.- Apenas um pouco, J ohn

Carter - ela respondeu. - Nadapode me ferir além de meuorgulho. Elas sabem que soufilha de dez mil jeddaks, queminha linha ancestralretrocede diretamente e semfalhas ao construtor doprimeiro aqueduto e elas, quesequer conheceram suaspróprias mães, me invejam.No fundo, odeiam suas sinashorríveis e então descarregamseu pobre despeito sobre

mim, que significo tudo o queelas não possuem, tudo o quealmejam, mas que não podemalcançar. Tenhamosmisericórdia delas, meu líder,porque mesmo se morrermosem suas mãos, podemoslastimá-las, já que somosmaiores que eles. E elessabem.

Tivesse eu sabido aimportância dessas palavras,"meu líder", quandoconferidas por uma mulhermarciana vermelha a um

homem, teria tido a maiorsurpresa de minha vida. Masnaquele momento eu nãosabia, e nem saberia pormeses a fio. S im, eu aindatinha muito a aprender sobreBarsoom.

Presumo ser mais sábionos curvarmos perante nossodestino com tanta graçaquanto possível, D ejahThoris. Mas espero, noentanto, que eu estejapresente na próxima vez quequalquer marciano, seja

verde, vermelho, rosa ouvioleta, ouse ao menos franziras sobrancelhas para você,minha princesa.

D ejah Thoris perdeu ofôlego com minhas últimaspalavras e me fitou com olhosdilatados e respiraçãoacelerada. Então, com umsorrisinho estranho quemarcou suas provocantescovinhas nos cantos de suaboca, ela balançou a cabeça egritou:

Que criancinha! Um

grande guerreiro, mas, aindaassim, nem aprendeu a andar.

O que foi que eu fiz agora?- perguntei bastante perplexo.

-Algum dia vocêdescobrirá, J ohn Carter, sesobrevivermos.

Mas não serei eu a contar.E eu, filha de Mors Kajak,filho de Tardos Mors, ouvisem raiva - disse para simesma ao concluir.

Então ela voltou mais umavez a um de seus alegres,felizes e sorridentes humores,

brincando comigo sobreminha destreza como umguerreiro thark em contrastecom meu coração puro eminha cordialidade natural.

Presumo que se vocêferisse um inimigoacidentalmente você o levariapara casa e cuidaria dele atéque sarasse - ela riu.

E exatamente isso quefazemos na Terra - respondi. -Pelo menos entre os homenscivilizados.

I sso a fez sorrir

novamente. Ela não podiaentender porque, mesmo comtoda sua ternura e doçurafeminina, ainda era umamarciana e, para ummarciano, o único bominimigo é o inimigo morto,porque cada adversário mortosignifica muito mais a serrepartido entre aqueles quevivem. Eu estava bastantecurioso para saber o que euhavia dito ou feito paracausar tanta perturbaçãomomentos antes, e continuei

a importuná-la para queexplicasse.

Não! - ela exclamou. -J ábasta o que você disse e o queeu ouvi. E quando vocêaprender, J ohn Carter, e se euestiver morta, como éprovável que aconteça antesque a lua mais distante tenhaorbitado Barsoom mais dozevezes, lembre que eu ouvi aisso e que eu... sorri. Tudoaquilo era grego para mim,mas quanto mais euimplorava para que ela

explicasse, mais assertivas setornavam suas recusas aomeu pedido e, assim, emgrande desesperança, desisti.

O dia agora havia dadolugar à noite, e enquantovagávamos pela grandeavenida iluminada pelas duasluas de Barsoom, e com aTerra nos olhando através deseu brilhante olho verde,parecia que não estávamossozinhos no universo, e eu,pelo menos, estava contentede que assim fosse.

O frio da noite marcianacaiu sobre nós e, tirandominhas sedas, joguei-as sobreos ombros de D ejah Thoris.Enquanto meu braçorepousou por um instantesobre ela, senti um arrepiopassar por cada fibra de meuser, algo que nenhum contatocom qualquer outro serhumano jamais havia mecausado. E me pareceu queela se curvou levemente emminha direção, mas disso nãotenho certeza. A única coisa

que eu sei é que meu braçodescansou sobre seus ombrosmais tempo do que onecessário, e ela não seesquivou nem falou. E assim,em silêncio, caminhamos pelasuperfície de um mundoagonizante, mas ao menos nopeito de pelo menos um denós havia nascido o maisantigo sentimento, ainda quesempre novo.

Eu amava D ejah Thoris. Otoque de meu braço sobre seuombro nu havia me dito em

palavras inconfundíveis, e eusoube que já a amava desde oprimeiro momento em quemeus olhos encontraram osdela, naquela primeira vez napraça da cidade abandonadade Korad.

Capítulo 14 - UMDUELO ATÉ A

MORTE

Meu primeiro impulso foicontar a ela sobre meu amore, então, pensei em suaposição de cativadesamparada da qualsomente eu poderia aliviar osfardos e protegê- la com meusparcos meios contra osmilhares de inimigoshereditários que ela teria de

encarar em sua chegada aThark. Eu não podia permitirque o acaso lhe desse aindamais dor e sofrimento aodeclarar meu amor ao qual,com quase absoluta certeza,ela não corresponderia. Se eufosse inconveniente a talponto, sua posição seria aindamais insuportável que a atual,e pensei que ela poderiaachar que eu estava meaproveitando de seudesamparo para influenciarsua decisão. E assim esse

argumento final selou meuslábios.

Por que está tão quieta,D ejah Thoris? - perguntei. -Talvez queira retornar a Solae ao seu alojamento?

Não - ela murmurou. -Estou feliz aqui. Não sei porque eu deveria estar semprefeliz e contente enquantovocê, J ohn Carter, umestranho, está comigo. Emmomentos como este pareceque estou segura e que, comvocê, devo retornar logo à

corte de meu pai e sentir seusfortes braços em minha volta,e as lágrimas e beijos deminha mãe em minha face.

Então as pessoas sebeijam em Barsoom? -perguntei quando elaexplicou a palavra que usou,respondendo à minhapergunta sobre o significado.

S im. Pais, irmãos e irmãs.E... - ela adicionou em umtom baixo e pensativo -amantes.

E você, D ejah Thoris, tem

pais, irmãos e irmãs?Sim.E um... amante?Ela ficou calada e eu não

podia me arriscar a repetir apergunta.

Os homens de Barsoom -finalmente ela respondeu -não fazem perguntas pessoaisàs mulheres, exceto à suasmães e à mulher pela qual elelutou e venceu.

Mas eu lutei... - comecei eentão desejei que minhalíngua tivesse sido arrancada

de minha boca, porque ela sevirou mesmo quando mecontive e, retirando minhassedas de seu ombro, asestendeu de volta para mim.Sem dizer nenhuma palavra emantendo a cabeça altiva, foi-se na direção da praça e doportal de seu dormitório coma postura da rainha quepersonificava. Não tenteisegui-la e, em vez de mecertificar de que haviachegado ao edifício emsegurança, ordenei que

Woola a acompanhasse.Voltei-me, desconsolado, eentrei em minha casa. S enteipor horas com as pernascruzadas sobre minhas sedas,com os sentimentos confusos,meditando sobre as estranhaspeças que o destino nosprega, pobres e malditosmortais.

Então, isso era o amor! Euhavia escapado dele atravésdos anos em que vaguei peloscinco continentes e os maresque os cercam. Apesar das

belíssimas mulheres e deoportunidades insistentes,apesar de desejarparcialmente pelo amor eprocurar constantementemeu ideal, foi-me reservadome apaixonar furiosa eirremediavelmente por umacriatura de outro mundo, deuma espécie similar, porémdiferente da minha. Umamulher que nascera de umovo e cuja vida talvezchegasse a mil anos, cujopovo tinha costumes e idéias

estranhos. Uma mulher cujasesperanças, cujos prazeres,cujos padrões de virtude - ede certo e errado - variavamtanto quanto os meus, assimcomo os dos marcianosverdes.

S im, fui um tolo, masestava apaixonado e, mesmopassando pelo maiorsofrimento que já haviaconhecido, não a trocaria nempor todas as riquezas deBarsoom. Assim é o amor eassim são os amantes em

qualquer lugar onde o amor éconhecido. Para mim, D ejahThoris era toda perfeita:virtuosa, bela, nobre ebondosa. Acreditava nisso dofundo de meu coração, dasprofundezas de minha alma.Pensava nisso naquela noiteem Korad, enquanto mesentava de pernas cruzadassobre minhas sedas e a luamais próxima de Barsoom seapressava pelo céu, vinda dooeste em direção aohorizonte, refulgindo o ouro,

o mármore e os mosaicos deminha câmara imemorial.Acredito nisso ainda hoje,sentado à mesa em meupequeno estúdio com vistapara o Hudson. Vinte anos sepassaram; dez deles lutandopor D ejah Thoris e por seupovo, e outros dez vivendodas memórias que tenho dela.

A manhã de nossa partidapara Thark se abriu clara equente, como todas asmanhãs marcianas, excetopelas seis semanas quando a

neve derrete nos pólos.Procurei por D ejah Thoris namultidão de carruagenspartindo, mas ela me ignoroue pude ver o sangue vermelhocorar suas faces. Com ainconsistência tola do amor,mantive o controle quandopodia ter alegado ignorânciaquanto à natureza de minhaofensa, ou pelo menos de suagravidade, e então terconseguido, pelo menos,alguma conciliação.

Meu dever ordenava que

eu cuidasse para que elaestivesse confortável. Passeiem vistoria por suacarruagem e rearranjei suassedas e peles. Ao fazer isso,notei com pavor que ela haviasido acorrentada fortementeao lado do veículo por seutornozelo.

O que significa isto? -gritei virando-me para Sola.

S arkoja achou melhor - elarespondeu, seu rostosinalizando sua desaprovaçãoao procedimento.

Ao examinar os grilhões,vi que estavam presos por umpesado cadeado.

Onde está a chave, S ola?Por favor, me entregue.

Está com Sarkoja, J ohnCarter - ela respondeu. Voltei-me sem dizer palavra e fui embusca de Tars Tarkas, a quemme opus com veemênciapelas humilhações ecrueldades desnecessárias -pelo menos aos meus olhosapaixonados - impostas sobreDejah Thoris.

J ohn Carter - elerespondeu -, se você e D ejahThoris terão alguma chancede fuga, será nessa jornada.S abemos que você não irásem ela. Você se mostrou umpoderoso lutador e nãodesejamos acorrentá-lo,portanto seguramos ambosdo modo mais fácil que nosgarantirá segurança. Tenhodito.

S enti a força de suaretórica rapidamente, e sabiaser inútil apelar de sua

decisão. Mas pedi que a chavefosse retirada de S arkoja eque ordenassem que deixassea prisioneira em paz nofuturo.

I sso, Tars Tarkas, vocêdeve me retribuir pelaamizade que, devo confessar,sinto por você.

Amizade? - ele replicou. -I sso não existe, J ohn Carter,mas concederei seu pedido.Ordenarei que S arkoja parede aborrecer a garota e eumesmo tomarei a chave sob

minha custódia.Exceto se quiser que eu

assuma a responsabilidade -eu disse sorrindo.

Ele me olhou longa eseriamente antes de falar:

S e você me der suapalavra de que nem você,nem D ejah Thoris tentarãoescapar até que tenhamoschegado em segurança à cortede Tal Hajus, pode ficar coma chave e jogar as correntesno rio Iss.

S eria melhor você guardar

a chave, Tars Tarkas -respondi.

Ele sorriu e não faloumais, mas naquela noite,quando estávamos montandoo acampamento, eu o videsacorrentando D ejahThoris.

Com toda sua cruelferocidade e frieza, haviaalguma influência oculta emTars Tarkas que ele pareciaestar sempre tentandosubjugar. S eria isso umvestígio de algum instinto

humano recorrente de algumantigo ancestral que oassombra com o horror doscostumes de seu povo?

Quando estava meaproximando da carruagemde D ejah Thoris, passei porS arkoja e o olhar negro eperverso que me dispensoufoi o bálsamo mais doce queeu havia sentido nas últimashoras. S enhor, ela me odiava!O ódio emanava dela deforma tão palpável que quaseera possível cortá-lo com uma

espada.Alguns momentos depois

eu a vi em atenta conversacom um guerreiro chamadoZad, um grande, maciço epoderoso bruto, mas quenunca havia matado nenhumde seus líderes e, portanto,não tinha um segundo nome.Era esse costume que haviame conferido os nomes doschefes que eu havia matado.Na verdade, algunsguerreiros se dirigiam a mimcomo D otar S ojat, uma

combinação dos sobrenomesdos dois líderes guerreiroscujo metal eu havia tomadoou, em outras palavras, queeu havia derrotado em lutajusta. Enquanto S arkojafalava com Zad, ele dirigiaolhares ocasionais em minhadireção, e parecia que ela oincitava com veemência aexecutar algum ato. Nãoprestei muita atenção a issonaquela hora, mas no diaseguinte eu teria boas razõespara me lembrar das

circunstâncias e, ao mesmotempo, ter um brevevislumbre do quanto ódioS arkoja guardava - e o quãolonge ela seria capaz dechegar - para liberar suamalévola vingança sobremim.

D ejah Thoris não seimportou mais comigo portoda a tarde e, mesmoquando eu dizia seu nome,ela não respondia nemdemonstrava mais que umtremor de sua pálpebra

quando notava minhaexistência. D e minha parte,fiz o que a maioria dosapaixonados faria: sabercomo ela estava por meio dealguém próximo. Por essarazão, interceptei S ola emoutra parte.

Qual é o problema comD ejah Thoris? - desabafei. -Ela não quer falar comigo?

S ola pareceu ficar confusatambém, pois essas estranhasações por parte de doishumanos realmente estavam

além de sua compreensão,pobre coitada.

Ela disse que você aenfureceu, e isso é tudo.Exceto que ela é filha de umjed e neta de um jeddak e quefoi humilhada por umacriatura que não é digna depolir os dentes do sorak desua avó.

Ponderei sobre o relatopor algum tempo, finalmenteperguntando:

E o que seria um sorak,Sola?

Um pequeno animalvermelho, do tamanho deminha mão, que as mulheresmarcianas têm comoestimação - explicou Sola.

I ndigno de polir os dentesdo gato da sua avó! "D evoestar muito mal colocado nalista de considerações deD ejah Thoris", pensei, masnão pude deixar de gargalharperante uma figura delinguagem tão estranha, tãodomiciliar e, por isso mesmo,tão terrena. I sso me deixou

com saudades de casa,porque soou muito como "nãoé digno de polir seussapatos". A partir disso,embarquei em um raciocínionovo para mim. Comecei ame perguntar o que aspessoas estariam fazendo emcasa. Eu já não as via há anos.Havia a família dos Carters,na Virgínia, que diziam terparentesco próximo comigo,dos quais eu supostamenteera um tio-avô ou algumabesteira do tipo. Eu podia me

passar por alguém de vinte ecinco ou trinta anos e ser umtio-avô sempre me pareceumuito incongruente, porquemeus pensamentos esentimentos eram os mesmosde um garoto. Havia duaspequenas crianças na famíliaCarter que eu amava e quepensavam não haver ninguémparecido com o Tio J ack naface da Terra. Eu podia vê-losclaramente enquanto paradosob o céu enluarado deBarsoom, e sentia sua falta

como nunca senti de mortalalgum antes. Errante pornatureza, nunca haviaconhecido o real significadoda palavra "lar", mas ocasarão dos Carters sempresignificou tudo o que aquelapalavra me dizia, e agora meucoração estava voltado paraela, em fuga das pessoashostis entre as quais eu haviasido arremessado. Pois agora,até mesmo D ejah Thoris medesprezava! Eu era umacriatura inferior, tão baixa

que não servia sequer parapolir os dentes do gato de suaavó. Então, meu senso dehumor veio para me salvar.Ri, me cobri com minhassedas e peles e dormi, sobre ochão assolado pela lua, o sonopesado e revigorante de umguerreiro. D esfizemos oacampamento logo nasprimeiras horas do diaseguinte e marchamos atéescurecer fazendo apenasuma parada. D ois incidentesquebraram a tranqüilidade da

marcha. Perto do meio-dia,enxergamos a boa distância oque era evidentemente umaincubadora e Lorquas Ptomelordenou que Tars Tarkasinvestigasse. Este últimoreuniu uma dúzia deguerreiros, eu incluído, ecavalgamos pelo carpeteaveludado de musgo até apequena área cercada. Era defato uma incubadora, mas osovos eram muito pequenosem comparação com aquelesque vi eclodindo da primeira

vez, quando de minhachegada a Marte. Tars Tarkasdesmontou e examinoudetidamente o cercado poralguns minutos até anunciarque era de propriedade doshomens verdes de Warhoon,e que o cimento ainda estavaum pouco fresco onde haviamlevantado as paredes.

Não podem estar a maisde um dia à nossa frente -exclamou com as faíscas dabatalha saltando de seu rosto.

O trabalho na incubadora

foi rápido. Os guerreirosderrubaram a entrada paraque um par deles, rastejandopara dentro, destruísse todosos ovos com suas espadascurtas. Após montarmosnovamente, nos apressamospara alcançar a caravana.D urante a cavalgadaaproveitei a ocasião eperguntei a Tars Tarkas seesses warhoons cujos ovoshavíamos destruído eram umpovo menor que os tharks.

Notei que os ovos são

muito menores dos que vieclodindo em sua incubadora- adicionei.

Ele explicou que os ovoshaviam acabado de ser postosali, mas que, como todos osovos de marcianos verdes,eles cresceriam durante seuperíodo de cinco anos deincubação até que obtivessemo tamanho dos que eu viquando de minha chegada aBarsoom. I sso era realmenteuma informação interessanteporque sempre me parecera

notável que as mulheresmarcianas, mesmo sendo tãograndes, pudessem produzirovos enormes dos quais eu vios infantes de mais de ummetro de altura emergindo.Na verdade, o ovo recém-botado é pouco maior que umovo de ganso comum. D essaforma, eles não começam acrescer até que sejamexpostos à luz do sol,facilitando o transporte devárias centenas deles de umasó vez quando os líderes os

levam das cavernas até asincubadoras.

Pouco depois do incidentecom os ovos dos warhoons,paramos para descansar osanimais. E foi durante essaparada que o segundo dosepisódios interessantesdaquele dia ocorreu. Euestava ocupado em trocar demontaria para poupar um demeus thoats quando Zad seaproximou e, sem dizernenhuma palavra, desferiuum terrível golpe com sua

espada longa em meu animal.Não precisei de um

manual de etiqueta dosmarcianos verdes para sabercomo responder. Na verdade,estava tão cego de raiva quetive de me controlar para nãosacar minha pistola e abatê-lopor sua imensa brutalidade.Mas ele ficou esperando coma espada longa em punho,deixando-me, como únicaescolha, desembainhar minhaespada e enfrentá-lo em lutafranca com a arma de sua

escolha ou outra inferior.Essa última alternativa é

sempre permitida, portantoeu podia usar minha espadacurta, minha adaga, minhamachadinha ou meuspunhos, se quisesse,continuando assimcompletamente dentro domeu direito. Mas eu nãopoderia usar armas de fogoou uma lança enquanto elebrandia apenas sua espadalonga.

Escolhi a mesma arma que

Zad havia sacado, pois sabiaque ele se orgulhava de suahabilidade em manejá-la.Queria derrotá-lo com suaprópria arma. A luta que seseguiu foi longa e atrasou amarcha por uma hora. Toda acomunidade nos cercou,reservando um espaço livrede trinta metros de diâmetropara nossa batalha.

Primeiro, Zad tentou mederrubar como um boi fazcom um lobo, mas eu erarápido demais para ele e,

cada vez que eu me desviavade suas investidas, elepassava reto por mim apenaspara receber um corte deminha espada em seu braçoou costas. Logo ele estavaescorrendo sangue pela meiadúzia de seus ferimentos,mas eu não conseguia umachance de desferir um golpeefetivo. Então ele mudou suatática e, lutandocuidadosamente e comextrema habilidade, tentoupela ciência o que lhe era

impossível pela força bruta.D evo admitir que ele era ummagnífico espadachim e que,não fosse por minha granderesistência e notável agilidadedevido à menor gravidadeque Marte me emprestava,talvez eu não fosse capaz deenfrentá-lo da forma louvávelcomo fiz.

Nos cercamos por algumtempo, sem muitos danospara ambos os lados. Asespadas longas, retas e finascomo agulhas brilhavam sob

o sol e ressoavam pelosilêncio quando colidiam acada defesa correta.Finalmente, Zad, percebendoque estava se cansando maisque eu, tomou a decisãoevidente de se aproximar eencerrar o combate,clamando para si os louros davitória. Exatamente quandoele se lançou sobre mim, umraio de luz atingiu meusolhos, fazendo com que eunão enxergasse suaaproximação e não pudesse

fazer nada além de saltar àscegas para um dos lados, emuma tentativa de escapar dapoderosa lâmina que eu jáparecia sentir em meusórgãos. Fui apenasparcialmente feliz natentativa, pois senti uma doraguda em meu ombroesquerdo e, quando varri àminha volta com os olhos,tentando localizar meuadversário, minha vistaencontrou uma cenasurpreendente que

compensou o ferimento que acegueira temporária havia mecausado.

Longe, sobre a carruagemde D ejah Thoris, havia trêsfiguras em pé, com opropósito claro de assistir aoembate acima das cabeçasdos tharks que seinterpunham no caminho. Aliestavam D ejah Thoris, S ola eS arkoja, e quando meu olharligeiramente passou por elas,uma pequena placa sedestacou, um objeto que

ficará gravado em minhamemória até o dia de minhamorte. Quando olhei, D ejahThoris se voltou para S arkojacom a fúria de uma jovemtigresa e atingiu algo em suamão levantada. Algo quebrilhou ao sol enquantorodopiava em direção aochão. Então descobri o quehavia me cegado no momentocrucial da luta e como S arkojahavia encontrado um meio deme matar sem que ela mesmadesferisse a estocada fatal.

Outra coisa que percebi e quequase me fez perder a vida,porque desviou minha mentepor uma fração de segundode meu antagonista, foi, logoapós D ejah Thoris derrubar opequeno espelho de sua mão,S arkoja, com a face lívida deódio e raivosa frustração,brandir sua adaga e mirar umterrível golpe em D ejahThoris. A última coisa que vifoi a grande faca descendosobre seu protetor peitoral.Meu inimigo havia se

recuperado de sua investida eestava tornando as coisascomplicadas para mim, entãorelutantemente desviei minhaatenção para a tarefa, mesmocom minha mente fora dabatalha.

Nos atacamosfuriosamente vez após outraaté que, repentinamente,sentindo a ponta de sualâmina afiada em meu peitocom um golpe impossível dedesviar ou escapar, joguei-mesobre ele com a espada

estendida e todo o peso domeu corpo, determinandoque eu não morreria sozinhose pudesse evitar. S enti o açorasgar meu peito e tudo fez-se negro à minha frente.Minha cabeça rodopiava,zonza, e senti meus joelhosdobrarem.

Capítulo 15 - SOLAME CONTA SUA

HISTÓRIA

Quando recobrei aconsciência, logo descobrique havia ficado desmaiadoapenas por um momento.Levantei-me rapidamentecom um salto procurando porminha espada, que encontreienterrada até o cabo no peitoverde de Zad, que jazia durocomo pedra sobre o musgo

ocre do antigo fundo do mar.Conforme recobrei meussentidos, encontrei sua armatrespassada do lado esquerdode meu peito, masatravessava somente a pele eos músculos que cobremminhas costelas, entrandoperto do centro do peito esaindo logo abaixo do ombro.Quando me arremessei, torci-me tanto que sua espadasomente passou por sob osmúsculos, infligindo umdoloroso, porém inofensivo,

ferimento. Retirando a lâminade meu corpo, me recompus edei as costas para aquelahorrível carcaça. Eu estavafatigado, dolorido e nauseadoenquanto ia na direção dascarruagens que carregavamminha comitiva e meuspertences. Um murmúrio deaplausos marcianos mesaudou, mas não me importeicom aquilo.

S angrando e fraco,alcancei minhas fêmeas que,acostumadas com tais

ocorrências, fizeram meuscurativos aplicando incríveisagentes medicinais eremédios que só não curamos golpes mais fatais. D ê achance a uma mulhermarciana e a morte terá deesperar sentada. Logo, elasme enfaixaram e, assim,excetuando a fraquezacausada pela perda de sanguee um pouco de dor na regiãodo ferimento, não sofri maioragonia em virtude dessegolpe que, sob tratamento

terráqueo, sem dúvida medeixaria de cama por dias.Assim que haviam terminadoseu serviço em mim, apressei-me à carruagem de D ejahThoris, onde encontrei apobre S ola com seu peitoenvolvido em bandagens,mas aparentemente era umdano mínimo provocado porseu encontro com Sarkoja,cuja adaga pareceu teratingido a borda de um dosornamentos peitorais demetal e, ao desviar, causado

apenas um leve ferimento. Aome aproximar, encontreiD ejah Thoris deitada debruços sobre suas sedas epeles, sua forma flexíveltremendo pelo choro. Ela nãonotou minha presença, ousequer me ouviu falando comSola, que estava parada a umacurta distância do veículo.

Ela está ferida? - pergunteia Sola, indicando D ejahThoris com uma inclinação deminha cabeça.

Não - ela respondeu. - Ela

acha que você está morto.E que agora o gato de sua

avó não tem mais ninguémpara polir seus dentes? -indaguei com um sorriso.

Acho que você está sendoinjusto com ela, J ohn Carter -disse S ola. - Não entendo osmodos de nenhum de vocês,mas tenho certeza de que aneta de dez mil jeddaks nãolamentaria dessa maneira poralguém que não estivesse emum alto posto entre seusafetos. Eles são uma raça

orgulhosa, mas são justos,assim como todos osbarsoomianos, e você deve tê-la ferido ou injustiçadoagudamente para que ela nãoadmitisse que vocêcontinuasse vivo, emboralamente sua morte.

Lágrimas são uma visãorara em Barsoom - elacontinuou -, e para mim édifícil interpretá-las. Viapenas duas pessoaschorando em minha vida,além de D ejah Thoris. Uma

chorou de tristeza. Outra, porraiva descontrolada. Aprimeira foi minha mãe,alguns anos antes que amatassem. A outra foiS arkoja, quando tiraram aadaga de suas mãos hoje.

Sua mãe! - exclamei. - Mas,S ola, você não podia terconhecido sua mãe, garota!

Mas conheci. E à meu paitambém - ela completou. -Caso queira ouvir uma rarahistória nada barsoomiana,venha à minha carruagem

hoje à noite, J ohn Carter, econtarei a você aquilo quenunca contei a ninguém emtoda a minha vida. E agora osinal foi dado para queretomemos a marcha. Vocêdeve ir.

Virei à noite, S ola -prometi. - Não esqueça dedizer a D ejah Thoris queestou vivo e bem. Não vouimportuná-la agora, mascertifique-se de que não fiquesabendo que vi suas lágrimas.S e ela quiser falar comigo,

nada me resta senão esperarpor seu desejo.

S ola subiu na carruagem,que já estava semovimentando para seu lugarna fila, e eu me apressei parao thoat que me esperava egalopei até meu posto junto aTars Tarkas, na retaguarda dacoluna.

Criamos um espetáculodos mais majestosos eimponentes ao nosespalharmos pela paisagemamarela. As duzentas e

cinqüenta carruagens ornadase de colorido brilhante,precedidas por uma guardaavançada de cerca deduzentos guerreiros e líderes,cavalgando em linhas decinco distantesaproximadamente cemmetros entre si, seguidos poroutros tantos na mesmaformação em grupos de vinteou mais compondo as alaslaterais. Os cinqüentamastodontes adicionais,bestas de tração pesada

conhecidas como zitidars, eos quinhentos ou seiscentosthoats sobressalentes corriamlivres dentro do quadradovazio desenhado pelosguerreiros em formação. Ometal resplandecente e asjóias dos belíssimosornamentos de homens emulheres, duplicados nosparamentos dos zitidars ethoats, entremeados pelosbrilhos das cores dasmagníficas sedas, peles epenas, emprestavam tal

esplendor à caravana queteria feito um marajá do lesteda índia ficar verde de inveja.

As enormes e largas rodasdas carruagens e as patasestofadas dos animais nãoproduziam som ao tocar ofundo do mar recoberto demusgo. E assim nosmovíamos, em extremosilêncio, como umagigantesca assombração,exceto quando a quietude eraquebrada pelo grunhidogutural de um zitidar incitado

ou pelos berros de thoatsbrigando. Os marcianosverdes conversam muitopouco e, quase sempre, com avoz baixa em monossílabos, oque cria algo parecido comum leve e distante trovoar.

Cruzamos uma vastidãode musgo virgem que, após securvar sob a pressão dasrodas largas ou das patasestofadas, se levantavanovamente atrás de nós, nãodeixando sinal algum de quehavíamos passado. Na

verdade, éramos comoespectros caminhando sobreo mar morto daquele planeta,deixando para trás nenhumsom ou pegadas de nossapassagem. Era a primeiramarcha de uma grandequantidade de homens eanimais que eu presenciava eque não levantava pó oudeixava rastros. Não hápoeira sobre Marte, excetonas regiões cultivadasdurante os meses do invernoe, mesmo assim, a ausência

de ventos fortes a tornapraticamente imperceptível.

Naquela noite acampamosno sopé das colinas quehavíamos avistado há doisdias e que marcavam afronteira ao sul do mar quecitei. Nossos animais estavamhá dois dias sem beber - esem água já há quase doismeses, logo após teremdeixado Thark. Mas, comoTars Tarkas me explicou, elesprecisam de poucos recursose podem viver quase

indefinidamente apenasalimentando-se com o musgoque cobre Barsoom e queguarda em seus finos caulesumidade suficiente paraatender às limitadasdemandas dos animais. Apósparticipar de uma refeiçãonoturna feita de uma comidaparecida com queijo e leitevegetal, procurei por S ola, aquem encontrei trabalhandoem ornamentos para TarsTarkas sob a luz de umatocha. Ela olhou para cima em

minha direção e sua face seiluminou de prazer, dando-me boas-vindas.

- Fico feliz que tenhavindo - ela disse. - D ejahThoris dorme e eu estousozinha. Meu próprio povonão se importa comigo, J ohnCarter, pois sou muitodiferente deles. É uma tristesina, uma vez que devo viverminha vida entre eles; àsvezes queria ser uma genuínamulher marciana verde,desprovida de amor ou

esperança. Mas conheci oamor, e por isso estouperdida.

Prometo lhe contar minhahistória, ou melhor, a históriade meus pais - S olaprosseguiu. - Pelo queaprendi sobre você e oscostumes de seu povo, estoucerta de que essa narrativanão lhe parecerá estranha,mas entre os marcianosverdes não existe nada similarnem na memória dos maisidosos indivíduos de Thark,

nem nossas lendas têmnarrativas similares...

Minha mãe era bempequena. Na verdade,pequena demais para que lhepermitissem asresponsabilidades damaternidade, uma vez quenossos líderes procriamprincipalmente pelotamanho. Ela também eramenos fria e cruel que amaioria das outras mulheresmarcianas e importava-sepouco com a companhia

delas. Eventualmente, vagavapelas avenidas desertas deThark sozinha ou sentava-seentre as flores silvestres queenfeitam as colinas próximas,pensando pensamentos edesejando desejos que,acredito, sou a única dentreas mulheres de Thark quepode entendê-los. Afinal, nãosou filha de minha mãe?

E ali, entre as colinas, elaencontrou um jovemguerreiro cuja tarefa eraguardar os zitidars e thoats

enquanto pastavam, para quenão fossem para além dasmontanhas. Elesconversavam, a princípio,somente sobre as coisas queinteressavam à comunidadedos tharks, masgradualmente, conformeforam se encontrando maisvezes - depois tornou- seevidente que tais encontrosnão eram mais obra do acasopassaram a falar de simesmos, seus gostos, suasambições e esperanças. Ela

confiou nele e confessou agrande repugnância quesentia pelas crueldades desua espécie por causa dasvidas abomináveis e semamor que eram obrigados aviver. E assim esperou queuma tempestade delatora sedespejasse dos lábios frios erudes dele. Mas, em vezdisso, ele a tomou nos braçose a beijou.

Eles mantiveram seu amorem segredo por seis longosanos. Ela, minha mãe, fazia

parte do séquito de Tal Hajus,ao passo que seu amante eraum simples guerreiro, vestidoapenas com seu própriometal. Caso seu desafio àstradições dos tharks fossedescoberto, ambos pagariampor sua falha na grandearena, perante Tal Hajus esuas hordas.

O ovo do qual nasci foiescondido sob uma vasilha devidro sobre a mais alta einacessível das torresparcialmente em ruínas da

antiga Thark. Uma vez a cadaano, por cinco longos anos,minha mãe visitava o ovo emprocesso de incubação. Elanão ousava ser maisconstante porque, com aculpa pesando em suaconsciência, achava que cadamovimento seu estava sendoobservado. D urante esseperíodo, meu pai ganhougrande distinção comoguerreiro e havia tomado osmetais de vários líderes. S euamor por minha mãe nunca

diminuiu, e seu objetivo devida era poder conquistar ometal do próprio Tal Hajuspara se tornar o governantedos tharks, livre para tomá-lacomo sua e, por meio de seupoder, proteger a criança que,de outro modo, seria morta sea verdade viesse à tona.

Conquistar o metal de TalHajus era um devaneioinsano em parcos cinco anos,mas seu avanço era rápido elogo ele tinha uma altaposição nos conselhos de

Thark. Mas, um dia, a chancese perdeu para sempre, antesque ele pudesse salvar seusentes queridos. Ele foienviado para longe, em umalonga expedição para a calotaártica ao sul, para guerrearcontra os nativos e saquearsuas peles. Porque este é omodo como agem osbarsoomianos verdes: elesnão trabalham para produziro que podem tomar de outrosem batalha.

Ele ficou fora por quatro

anos e, quando retornou,tudo já estava acabado hátrês. Um ano após sua partidae pouco antes do retorno deuma expedição que haviapartido para a colheita defrutos em uma incubadora dacomunidade, o ovo eclodiu.D aí por diante, minha mãecontinuou a me manter navelha torre, visitando-me acada noite e me banhandocom o amor de que a vida emcomunidade nos privaria. Elaesperava que, quando a

expedição à incubadoravoltasse, seria possível memisturar com os outrosjovens destinados aosalojamentos de Tal Hajus.Assim, escaparia do destinoque certamente se seguiriaapós a descoberta de seupecado contra as antigastradições dos homens verdes.

Ela rapidamente meensinou a língua e oscostumes de minha espécie, euma noite me contou ahistória que contei a você até

este ponto, e me pressionousobre a necessidade de sigiloabsoluto e do grande cuidadoque eu teria de ter depois queela me colocasse entre asoutras jovens tharks. Eu nãopoderia permitir queninguém desconfiasse queminha educação era maisavançada que a das outras, oudar sinais que denunciassemminha afeição a ela napresença de outros, ou que eutinha conhecimento de minhafiliação. E, me puxando para

perto de si, sussurrou emmeu ouvido o nome de meupai.

Então, uma luz se acendeusobre nós na escuridão dacâmara da torre e ali estavaSarkoja, seus olhos brilhantescheios de ódio estancados emum frenesi de raiva edesprezo sobre minha mãe. Atorrente de ira e insultos queSarkoja despejou sobreminha mãe deixou meucoração gelado de terror.Aparentemente ela havia

ouvido toda a história. E suapresença, naquela noitefatídica, era o resultado desua suspeita das longasausências noturnas de minhamãe dos alojamentos.

Mas uma coisa ela nãoouviu ou sabia: o nomesussurrado de meu pai. I ssoera óbvio, devido às repetidasexigências para que minhamãe revelasse o nome de seuparceiro em pecado, masnenhuma quantidade deinsultos ou ameaças poderia

obrigá-la a dizer e, para mesalvar de torturasdesnecessárias, ela mentiu,dizendo a Sarkoja que elamesma não sabia e nãopoderia ter contado a mim.

Proferindo suas últimasmaledicências, S arkoja se foiapressada para reportar a TalHajus sua descoberta.Enquanto ela partia, minhamãe, embrulhando-me comas sedas e peles de suascobertas noturnas para queeu ficasse quase

irreconhecível, desceu às ruase correu desesperadamentena direção das cercanias dacidade, indo para o sul, àprocura do homem a quemela não poderia pedirproteção, mas de quemdesejava ver o rosto uma vezmais antes de morrer.

Quando nosaproximávamos daextremidade sul, um somchegou até nós vindo daplanície musgosa, da direçãoda única passagem entre as

colinas que levava aosportões. A passagem pelaqual as caravanas vindastanto do norte quanto do sulentravam na cidade. Os sonsque ouvimos eram berros dethoats e grunhidos de zitidarscom um ocasional clangor dearmas que anunciavam aaproximação de um grupo desoldados. O pensamento quemais dominava sua mente erao de que meu pai estavavoltando de sua expedição,mas sua astúcia thark a

impediu de precipitar-se emuma corrida para saudá-lo.

Recuando para as sombrasde um portal, esperou acaravana adentrar a avenida eocupar a passagem de paredea parede, quebrando suaformação e amontoando-sepela via. Quando a parteposterior da procissão passoupor nós, a lua mais baixa selivrou dos telhados mais altose iluminou a cena com todo obrilho de sua luzimpressionante. Minha mãe

se encolheu ainda maiscontra as sombras protetorase, de seu esconderijo, viu quea expedição não era a de meupai, mas a caravana queretornava trazendo os jovenstharks. I nstantaneamente seuplano estava arquitetado e,quando uma grandecarruagem chacoalhou pertode nosso refúgio, ela deslizousorrateiramente sobre seuestribo posterior, agachando-se na penumbra formadapelos flancos e pressionando-

me contra seu seio em umdelírio de amor.

Ela sabia, mas eu não, quenunca mais, depois daquelanoite, me seguraria contraseu peito, e que talvez sequernos víssemos uma outra vez.Na confusão da praça, ela mecolocou entre as outrascrianças e misturei-me a elas,cujos guardiões que asvigiaram durante a jornadaagora estavam livres para sealiviar de suaresponsabilidade. Fomos

encaminhadas juntas até umgrande pavilhão ealimentadas por mulheresque não haviamacompanhado a expedição.

No dia seguinte, fomosdivididas entre as comitivasdos líderes.

Nunca mais vi minha mãedepois daquela noite. Ela foiaprisionada por Tal Hajus etodos os esforços, mesmo asmais horríveis e vergonhosastorturas, foram usados paraforçar seus lábios a dizerem o

nome de meu pai. Mas elapermaneceu inabalada e leal,morrendo, enfim, entre asgargalhadas de Tal Hajus eseus líderes durante umaterrível sessão de tortura.

D epois descobri que elahavia dito a Tal Hajus quehavia me matado para mesalvar do mesmo destino emsuas mãos, e que havia jogadomeu corpo aos macacosalbinos. Apenas S arkoja nãoacreditou nela e, até hoje,creio, ela suspeite de minha

verdadeira origem, mas nãoousa me expor agora,aconteça o que acontecer,porque também suspeita,estou certa disso, daidentidade de meu pai.

Quando ele retornou daexpedição e soube da históriaque sucedera a minha mãe,foi Tal Hajus quem o contou.E eu estava presente. Masnunca, sequer um tremor emseus músculos, denunciou amais leve emoção. Ele apenasnão riu, como fez Tal Hajus

em regozijo enquantodescrevia seus espasmos demorte. A partir daquelemomento, ele foi o mais cruelentre os cruéis e eu espero odia em que ele atinja suaambição e derrube a carcaçade Tal Hajus a seus pés.Tenho certeza de que eleapenas espera a oportunidadede executar sua terrívelvingança e que seu grandeamor continua tão forte emseu peito quanto era daprimeira vez, quando

transformou sua almaquarenta anos atrás. Estou tãocerta disso quanto do fato deestarmos no alto da beira deum oceano antiqüíssimoenquanto pessoas de bemdormem, John Carter.

E seu pai, S ola, estáconosco agora? - perguntei.

S im - ela respondeu -, masaté onde sei, ele não meconhece nem sabe quemdelatou minha mãe a TalHajus. S omente eu sei onome de meu pai e somente

eu, Tal Hajus e S arkojasabemos que foi ela amensageira da história quetrouxe morte e tortura sobreaquela que ele amava.

Nos sentamos em silênciopor alguns momentos. Ela,envolta em pensamentosobscuros, e eu, em compaixãopelas pobres criaturas a quemos cruéis e insanos costumesde sua raça haviamcondenado a vidas sem amor,de crueldade e ódio. Namesma hora, ela disse:

-J ohn Carter, se um diaum homem de verdade andousobre a face fria e morta deBarsoom, esse alguém é você.Eu sei que posso confiar emvocê, e porque essainformação pode algum diaajudá-lo, ajudar a meu pai, aD ejah Thoris ou a mimmesma, direi a você o nomedele e não vou imporrestrições ou condições sobreguardar ou não segredo.Quando chegar a hora, fale averdade se isso parecer o

melhor a ser feito. Acreditoem você porque sei que não éamaldiçoado com o terríveltraço da absoluta e rígidaverdade, sei que poderiamentir como outroscavalheiros da Virgínia seuma mentira pudesse evitarque a desgraça e o sofrimentose abatessem sobre outros. Onome de meu pai é TarsTarkas.

Capítulo 16 -PLANEJAMOS A

FUGA

O restante da jornada atéThark não reservou outrosacontecimentos. J á estávamoshá vinte dias viajando,cruzando dois fundos demares e passando através, ourodeando, mais cidades emruínas - a maioria menoresque Korad. D uas vezesatravessamos as famosas

hidrovias marcianas, oucanais, como as chamamnossos astrônomos na Terra.Quando nos aproximávamosdesses locais, um guerreiroera enviado à frente portandoum poderoso binóculo e, senão houvesse nenhumagrande quantidade de tropasde marcianos vermelhos àvista, avançávamos o máximopossível sem nos deixarexpostos e acampávamos atéo anoitecer. Então,vagarosamente nos

aproximávamos do campocultivado e localizávamosuma das numerosas e largasestradas que cruzam essasáreas em intervalos regulares.Nos esgueirávamos silenciosae sorrateiramente, cruzandoaté as terras áridas do outrolado. Foram necessárias cincohoras para fazer uma dessastravessias sem nenhumaparada. A outra levou a noitetoda, de forma que estávamossaindo do confinamento doscampos cercados pelas altas

paredes quando o sol nasceusobre nós. Atravessar naescuridão, como fazíamos,tornava impossível que euenxergasse bem, excetoquando a lua mais próxima,com seus extravagantes eincessantes movimentospelos céus barsoomianos,iluminava pequenos retalhosda paisagem de vez emquando, revelando camposmurados e construções baixase irregulares que lembravammuito as fazendas terráqueas.

Havia muitas árvoresdispostas metodicamente,algumas delas de alturaincrível. Existiam animais emalguns cercados queanunciavam suas presençascom berros apavorados egrunhidos quando sentiam oodor de nossas estranhas erudes bestas, e ainda mais ocheiro dos estranhos sereshumanos.

Apenas uma vez avisteium ser humano, naintersecção de nossa

passagem com a vasta e alvabarreira que cortalongitudinalmente cada umadas regiões cultivadasexatamente no centro. Oindivíduo devia estardormindo na beira da estradaporque, quando meaproximei, ele se apoiousobre um cotovelo e, após umrelance sobre a caravana quese aproximava, levantou-secom um salto e fugiugritando desordenadamenteestrada abaixo, escalando um

muro próximo com aagilidade de um gatoassustado. Os tharks não lhedispensaram a menoratenção, pois não estavam embusca de combate. O únicosinal que tive de que ohaviam visto foi umaaceleração na marcha dacaravana enquanto nosaproximávamos da borda dodeserto que marcava aentrada nos domínios de TalHajus. Eu não haviaconversado com D ejah

Thoris, uma vez que ela nãoenviou nenhuma palavra deque eu era bem-vindo em suacarruagem. E meu orgulhotolo me impediu de fazerqualquer tentativa. Acreditopiamente que o jeito de umhomem para com asmulheres é inversamenteproporcional à sua destrezaentre os homens. A fraquezae a tolice às vezes são mostrade grande atrativo ao sexofrágil, ao passo que umlutador que enfrenta

destemidamente umamiríade de perigos reais seesconde nas sombras comouma criança medrosa.

Exatamente trinta diasapós minha chegada aBarsoom, adentramos a velhacidade de Thark, da qual seupovo há muito esquecido teveaté mesmo seu nomeroubado pela horda doshomens verdes. As hordas deThark somam algo entretrinta mil almas e sãodivididas em vinte e cinco

comunidades. Cadacomunidade tem seu própriojed e líderes inferiores, mastodos estão sob o jugo de TalHajus, jeddak de Thark.Cinco comunidades fazem dacidade de Thark seu quartel-general e o restante ficaespalhado por outras cidadesdesertas da Marte ancestral,por toda a região reivindicadapor Tal Hajus.

Fizemos nossa entradapela grande praça central nocomeço da tarde. Não houve

saudações amigáveisentusiasmadas pelo retornoda expedição. Aqueles quepor acaso estavam por alifalavam os nomes dosguerreiros e mulheres comquem eles tinham contatodireto, fazendo a saudaçãoformal de sua espécie. Mas apresença de dois prisioneirosdespertou um grandeinteresse, transformandoD ejah Thoris e eu no centrodas atenções dos grupos decuriosos. Logo fomos

conduzidos à nossos novosalojamentos e o restante dodia foi dedicado a nosassentarmos às novascondições. Meu lar ficavasobre a avenida sul quelevava à praça, a artériaprincipal pela qualmarchamos vindos dosportões da cidade. Eu ficavano final do quarteirão e tinhatodo o edifício à minhadisposição. A mesmagrandeza arquitetônica tãoevidente em Korad também

se evidenciava aqui, embora,se isso fosse possível, emuma escala maior e mais rica.Meus dormitórios seriamadequados para abrigar omaior dos imperadores daTerra, mas para essasestranhas criaturas apenas otamanho e o gigantismo doscômodos lhes era importante.Quanto maior a construção,melhor, e dessa maneira TalHajus ocupava o que devia tersido um enorme prédiopúblico. O segundo em

tamanho era reservado aLorquas Ptomel e o próximo aum jed de posto inferior, eassim por diante até o finalda lista de cinco jeds. Osguerreiros ocupavam osprédios com os líderes desuas comitivas ou, sepreferissem, buscavam abrigoentre qualquer dos milharesde edifícios vagos nosquarteirões da cidade. Cadacomunidade era designada auma determinada parte dacidade. A escolha das

construções era feita deacordo com essas divisões,exceto quando se tratava dosjeds, que ocupavam osedifícios em frente à praça.

Quando finalmente deixeiminha casa em ordem - oumelhor, averigüei se a haviamarrumado -, era quasecrepúsculo e me apressei alocalizar S ola e seusprotegidos, porque estavadecidido a falar com D ejahThoris e tentar convencê-la danecessidade de pelo menos

acordarmos uma trégua atéque eu pudesse encontrar ummeio de ajudá-la a fugir.Procurei em vão até que otopo do grande sol vermelhoestava desaparecendo nohorizonte, e então avistei afeia cabeça de Woolaespreitando de uma janela dosegundo andar, do ladooposto da mesma avenidaonde eu estava alojado,embora mais próximo dapraça. S em aguardar peloconvite, subi pelos corredores

tortuosos como uma flechaaté o segundo andar e, aochegar à grande câmara deentrada, fui saudado pelofrenesi de Woola, que jogouseu corpanzil sobre mim,quase me atirando ao chão.

O animal estava tão felizem me ver que pensei que iriame devorar, sua cabeçadividida de orelha a orelha,expondo três fileiras depresas em um sorrisodemoníaco. Acalmando-ocom uma palavra de comando

e carinho, olhei rapidamentepela escuridão em busca deum sinal de D ejah Thoris eentão, não a vendo, chameiseu nome. Houve ummurmúrio em resposta vindodo canto mais distante doapartamento. Com um par depassos largos, coloquei-me aoseu lado, onde estavaencolhida entre suas sedas epeles sobre uma antigapoltrona entalhada emmadeira. Permaneci alienquanto ela se levantou

altiva, olhou-me diretamentenos olhos e disse:

O que poderia quererD otar S ojat, um thark, com aprisioneira Dejah Thoris?

D ejah Thoris, não sei porque a deixei raivosa. S empreesteve longe de meus desejosmachucar ou ofender você, aquem espero poder protegere confortar. Não se obrigue àminha presença, caso nãoqueira, mas você deve meajudar a realizar sua fuga, setal coisa for possível. E isso

não é um pedido, e sim umcomando. Quando vocêestiver novamente livre nacorte de seu pai, poderá fazerde mim o que desejar, mas deagora em diante e até essedia, serei seu senhor e deveráme obedecer e ajudar.

Ela me olhou longa eseriamente e achei que estavaabrandando seus sentimentospara comigo.

Entendo suas palavras,D otar S ojat - ela respondeu -,mas você não entende. Você é

uma mistura confusa decriança e homem, de rudeza enobreza. Quisera eu poderentender seu coração.

Olhe para seus pés, D ejahThoris. Ele continua nomesmo lugar que naquelaoutra noite em Korad, econtinuará assim, batendosozinho até que a morte ocale para sempre. Ela deu umpequeno passo em minhadireção, suas belas mãos seestenderam em um gesto deestranho tatear.

O que quer dizer, J ohnCarter? - ela murmurou. - Oque está me dizendo?

Estou dizendo aquilo queprometi a mim mesmo quenão diria a você, pelo menosenquanto você continuasseprisioneira dos homensverdes, aquilo que sua atitudenos últimos vintes diasdespertou em mim. Estoudizendo, D ejah Thoris, quesou seu, de corpo e alma, paraservi-la, protegê-la e morrerpor você. Só lhe peço uma

coisa em troca: que você medê um sinal, seja decondenação ou aprovação, atéque esteja a salvo entre osseus; e que quaisquersentimentos que você guardepor mim não sejaminfluenciados ou maculadospela gratidão. O que quer queeu faça para servi-la, será pormotivos puramente egoístas,uma vez que me dá maisprazer servi-la do que deixá-la.

Respeitarei seus desejos,

J ohn Carter, porque entendoseus motivos para isso eaceito seu serviço com amesma aprovação que tenhopor sua autoridade. S uapalavra será minha lei. Porduas vezes o condeneiinjustamente em pensamentoe mais uma vez lhe peçoperdão.

Uma conversa de cunhomais pessoal foi impedidapela entrada de S ola, queestava muito agitada,destoando de sua calma e

controle costumeiros.-Aquela horrenda S arkoja

foi ter com Tal Hajus - elagritou -, e pelo que ouvi napraça, há pouca esperançapara vocês dois.

O que disseram? -perguntou Dejah Thoris.

Que vocês serão jogadospara os calots [cães]selvagens na grande arenalogo que as hordas se reúnampara os jogos anuais.

Sola - eu disse -, você éuma thark, mas odeia e

despreza os costumes de seupovo assim como nós. Vocênão nos acompanharia emum esforço supremo de fuga?Estou certo de que D ejahThoris poderia lhe oferecerum lar e proteção entre seupovo. S eu futuro não pode serpior do que o que a esperaaqui.

S im - clamou D ejah Thorisvenha conosco, S ola. Vocêestará melhor entre oshomens vermelhos deHelium do que ficando aqui.

E eu lhe prometo não apenasum lar para nós, mas o amore a afeição que sua naturezaanseia e que lhe será semprenegada pelos costumes desua própria raça. Venhaconosco, S ola. Nós podemospartir sem você, mas seudestino será terrível seacharem que foi conivente emnos ajudar. S ei que mesmoesse perigo não a impediriade interferir em nossa fuga,mas nós a queremos junto,queremos que você venha

para a terra do sol e dafelicidade entre pessoas queentendem o significado doamor, da simpatia e dagratidão. D iga que virá, S ola,por favor, diga.

A grande hidrovia queleva a Helium fica a cerca deoitenta quilômetros ao sul -murmurou S ola, para simesma -, um thoat ligeirochega lá em três horas. D alipara Helium são oito milquilômetros, a maior partedeles passa por regiões

parcamente habitadas. Elesdescobririam e nosperseguiriam. Podemos nosesconder entre as grandesárvores por algum tempo,mas as chances reais de fugasão realmente pequenas. Elesnos seguiriam até os portõesde Helium e matariam tudoem seu caminho. Vocês osconhecem.

Não há outro modo dechegarmos a Helium? -perguntei. - Conseguiriarascunhar um mapa do

território que devemosatravessar, Dejah Thoris?

S im - ela respondeu. Etomando um grandediamante de seus cabelos,desenhou sobre o mármoredo chão o primeiro mapa deum território barsoomianoque vi na minha vida. Ele erariscado em todas as direçõespor linhas retas, algumascorrendo em paralelo eeventualmente convergindopara um grande círculo. Aslinhas, ela disse, eram

hidrovias. Os círculos,cidades. E um deles, bem aonoroeste, ela apontouindicando Helium. Haviaoutras cidades próximas, masela disse que as temia, poisnão eram aliadas de Helium.

Finalmente, após estudaro mapa cuidadosamente sobo luar que agora preenchia asala, apontei para umahidrovia ao nosso extremonorte que também parecialevar a Helium.

Esta aqui cruza o território

de seu avô? - perguntei.S im - ela respondeu -, mas

fica trezentos quilômetros aonorte de onde estamos. Éuma das hidrovias queatravessamos em nossaviagem a Thark.

Eles nunca suspeitariamque escolheríamos a hidroviamais distante - declarei -, e épor isso que esta é a melhorrota para nossa fuga.

S ola concordou comigo eficou decidido quedeveríamos deixar Thark

naquela mesma noite. Naverdade, tão rápido quanto eupudesse encontrar e prepararmeus thoats. S ola montariaum e D ejah Thoris e eu ooutro. Cada um de nóscarregaria comida e bebidasuficientes para durar doisdias, já que não se podiaforçar a cavalgada dosanimais por uma distânciatão grande.

Mandei que Sola fossecom D ejah Thoris por umaavenida menos movimentada

até a fronteira ao sul dacidade, onde eu asencontraria com meus thoatso mais rápido possível. Então,deixando-as para juntaremcomida, sedas e peles de queprecisaríamos, me esgueireisilenciosamente para osfundos do primeiro andar eadentrei o pátio onde nossosanimais se movimentavamincessantemente, como é seuhábito, antes de seacomodarem para dormir. Ogrande rebanho de thoats e

zitidars se movia pelassombras dos edifícios e peloesplendor das luas marcianas.Esses últimos grunhiam seusgraves sons guturais e osprimeiros emitiamocasionalmente um berroagudo que denotava o quasehabitual estado de raiva noqual essas criaturas passamsua existência. Eles estavammais calmos agora, devido àausência de pessoas, masassim que me farejaram,tornaram-se mais irritadiços e

seus repugnantes barulhosaumentaram. Essa minhaentrada em um cercado dethoats, sozinho e à noite, eraum negócio bem arriscado.Primeiro, porque seu barulhocrescente poderia alertaralgum guerreiro próximo deque algo estava errado, etambém porque, por qualquerdescuido - ou descuidonenhum, na verdade -, umthoat macho podia seencarregar de me atropelarem uma investida.

Não tendo desejo dedespertar seus maus humoresem uma noite como aquela,quando tantas coisasdependiam de discrição eesperteza, lancei-me nassombras dos prédios prontopara, a qualquer instante,saltar para a segurança deuma porta ou janela vizinha.Assim, caminheisilenciosamente até osgrandes portões que davampara a rua atrás da praça e, aome aproximar da saída,

chamei suavemente meusdois animais. Agradeci muitoa gentil Providência que haviame iluminado com a idéia deganhar o amor e a confiançadesses brutos estúpidos,porque agora, vindas do outrolado do pátio, vi duasenormes formas forçando suapassagem em minha direçãopor entre montanhas de carneondulante.

Eles vieram até mim,roçando seus focinhos contrameu corpo e farejando os

pedaços de comida que euusava como recompensa paratreiná-los. Abrindo osportões, ordenei os doisgrandes animais a saírem eme esgueirei silenciosamenteatrás deles, fechando osportões às minhas costas.

Eu não selei ou montei osanimais ali. Em vez disso,caminhei em silêncio até asombra dos edifíciospróximos a uma avenidapouco freqüentada que levavaaté o ponto combinado para

meu encontro com D ejahThoris e S ola. Tão silenciososquanto espíritosdesencarnados, nos movemosfurtivamente pelas ruasdesertas, mas só voltei arespirar normalmentequando as planícies ao redorda cidade preencheramminha visão. Eu tinha certezade que

S ola e D ejah Thoris nãoteriam dificuldades emchegar ao nosso ponto deencontro, ilesas. Por outro

lado, acompanhado por meusgrandes thoats, eu não podiater certeza sobre mimmesmo, pois eraextremamente raro queguerreiros saíssem da cidadeapós anoitecer. Na verdade,não havia lugar algum porperto que não exigisse umalonga viagem.

Cheguei ao localcombinado em segurança,mas, como D e- jah Thoris eS ola não estavam lá, guieimeus animais até a frente de

um dos grandes prédios.Presumi que alguma outramulher tivesse ido até aresidência de S ola paraconversar, o que teriaatrasado sua partida. Não tivenenhuma preocupaçãoindevida até que quase umahora havia se passado semsinal delas. E após outra meiahora ter se arrastado, comeceia ser tomado por uma graveansiedade. Então, atranqüilidade da noite foiquebrada por um grupo se

aproximando, cujo barulhonão podia ser o de fugitivosse esgueirandosorrateiramente por sualiberdade. Logo, o grupoestava perto de mim e percebidas sombras negras de ondeme escondia cerca de vinteguerreiros montados que, aopassar, deixaram escaparpalavras que fizeram meucoração pular direto para otopo de minha cabeça.

- Ele provavelmentecombinou de encontrá-las

fora da cidade e então... - enão ouvi mais nada enquantopassavam. Mas já era obastante. Nosso plano haviasido descoberto e, de agoraem diante e até o amargo fim,as chances de fuga eramrealmente pequenas. Minhaúnica preocupação era voltardesapercebido até osalojamentos de D ejah Thorise descobrir o que haviaacontecido a ela. Mas o queeu faria com esses doismonstruosos thoats que tinha

em mãos? Agora que a cidadeestava provavelmenteexcitada ao saber de minhafuga, esse problema haviatomado grandes proporções.

D e repente, uma idéia meocorreu e, usando meuconhecimento sobre asconstruções dos prédiosdessas antigas cidadesmarcianas, lembrei dos pátiosvazios no centro de cadaquarteirão. Tateei meucaminho às cegas através dassalas escuras, chamando os

grandes thoats a meseguirem. Eles tiveramdificuldades em lidar comalgumas das portas, mascomo os edifícios queformavam a fachada principalda cidade eram todosdesenhados em uma escalamagnífica, conseguiramcontorcer-se sem acabarempresos nelas. E, assim,finalmente chegamos ao pátiointerno onde encontrei,conforme o esperado, o usualcarpete de vegetação

musgosa que providenciariacomida e bebida a eles atéque eu pudesse devolvê-losao seu cercado. Eu estavaconfiante de que ficariam tãoquietos e contentes ali quantoem qualquer outro lugar, enão havia sequer a menorpossibilidade de que fossemdescobertos, porque oshomens verdes não apreciammuito entrar nesses edifíciosremotos que são habitadospela única coisa, acredito, quelhes causa a sensação de

medo: os grandes macacosalbinos de Barsoom.

Removi os ornamentos dasela e os escondi dentro deuma porta por onde havíamosentrado no pátio e, libertandoas feras, rapidamente cruzei-onovamente para os fundos doedifício, pelo lado maisdistante e, dali, para além daavenida. Esperei no umbralaté me certificar de queninguém se aproximava, corriaté o lado oposto e passeipelo portal que levava ao

próximo pátio. Assim, pátioapós pátio, com pouca chancede ser detectado por meexpor pouco nas avenidas,criei minha rota emsegurança até o quintal nosfundos dos alojamentos deD ejah Thoris. Ali,obviamente, encontrei osanimais dos guerreiros quehabitavam as construçõesadjacentes - e os própriosguerreiros deveriam estar naparte interna, caso euentrasse. Mas, para minha

sorte, eu tinha ainda umoutro método de alcançar oandar superior onde D ejahThoris deveria estar. D epoisde deduzir qual dos edifíciosela ocupava, porque nunca ohavia visto deste ângulo,tomei vantagem de meupoder e agilidaderelativamente grandes e salteipara o alto até me agarrar aopeitoril da janela do segundoandar, que eu achava ser amesma dos fundos de seuapartamento. Colocando-me

para dentro do quarto, movi-me discretamente na direçãoda frente do prédio, e antesque eu alcançasse a porta deseu quarto, ouvi as vozes quevinham de dentro dele.

Não ousei ir mais adiantepara me assegurar se era avoz de D ejah Thoris e assimaventurar-me com maissegurança. D e fato, essaprecaução foi bastante sábia,porque a conversa que ouvitinha o tom gutural grave doshomens e suas palavras me

deram um aviso oportuno. Oorador era um líder que davaordens a quatro de seusguerreiros. - E quando eleretornar à este cômodo - eledizia porque certamenteretornará quando não asencontrar nas fronteiras dacidade, vocês quatro saltarãosobre ele e o desarmarão.S erá necessária a forçacombinada de todos vocês, seos relatos que trazem deKorad forem verdadeiros.Quando ele estiver

firmemente imobilizado,levem-no às grutas inferioresdo quartel jeddak e oacorrentem para que fique àdisposição de Tal Hajus. Nãopermitam que ele fale comninguém ou que qualqueroutra pessoa entre nesteapartamento antes que elechegue. Não há perigo de agarota retornar, pois a estahora já deve estar nos braçosde Tal Hajus, e que todos osseus ancestrais tenham penadela, porque Tal Hajus não

terá. A grande S arkoja fez umótimo trabalho esta noite.Partirei e, caso falhem emcapturá-lo quando ele chegar,eu entregarei suas carcaças aoseio gélido do Iss.

Capítulo 17 - UMACUSTOSA

RECAPTURA

Quando o orador se voltoupara deixar o apartamentopela porta onde eu estava àespreita, eu já não precisavaesperar mais. Eu havia ouvidoo suficiente para encherminha alma de terror e,saindo furtivamente, retorneiao pátio pelo caminho poronde havia vindo. Meu plano

de ação se formou em uminstante. Cruzei o quarteirãoe a avenida que circundava olado oposto. Logo eu estavano quintal de Tal Hajus.

Os apartamentosbrilhantemente iluminadosdo primeiro andar meindicaram onde olharprimeiro e, avançando até asjanelas, espreitei seu interior.Logo descobri que minhaaproximação não seria tãofácil quanto eu esperava,porque os quartos dos fundos

que ladeavam o pátio estavamrepletos de guerreiros emulheres. Olhei para osandares acima e descobri queo terceiro estavaaparentemente apagado,decidindo fazer minhaentrada no edifício por ali.Bastou o espaço de ummomento para que eualcançasse as janelas ao alto,e logo eu me lançava paradentro das sombrasacolhedoras do andarapagado. Felizmente o quarto

que escolhi estava vazio.Rastejando silenciosamentepelo corredor adiante,vislumbrei uma luz nosapartamentos à minha frente.Chegando ao que parecia serum portal, descobri que nadamais era do que uma aberturasobre uma imensa câmarainterna que encimava oprimeiro andar - dois andaresabaixo de mim - até o telhadoem forma de domo do prédio,bem acima de minha cabeça.O andar desse grande hall

circular estava abarrotado delíderes, guerreiros emulheres. Em um dos cantosestava uma grandeplataforma elevada sobre aqual habitava a fera maishorrenda que meus olhosjamais viram. Ele tinha asmesmas feições frias, cruéis,duras e terríveis que as dosguerreiros verdes, masacentuadas e degradadas pelafúria animal à qual seentregara por longos anos.Não havia uma marca de

dignidade ou orgulho em seusemblante bestial, enquantoseu corpanzil se espalhavapara além da plataformasobre a qual estava agachadacomo um grande peixe-demônio. S eus seis membrosacentuavam a similaridade deuma forma horrível eassombrosa. Mas a visão queme congelou em apreensãofoi ver D ejah Thoris e S olaparadas em frente a ele, sobseu olhar doentio e aflitivo,seus olhos lascivos e saltados

que lambiam as curvas de suabela figura. Ela estavafalando, mas eu não podiaouvir o que dizia, ou sequer olamento rouco de suaresposta. Ela estava ereta àsua frente, sua cabeça altiva e,mesmo a distância que meseparava deles, eu podia ler odesprezo e o nojo em sua faceenquanto seu olhar soberanonão demonstrava sinais detemor a ele. Ela era realmentea filha orgulhosa de miljeddaks, cada centímetro de

seu corpo tão belo e precioso.Tão pequeno, tão frágilcomparado aos dosimponentes guerreiros à suavolta, mas cuja majestade osreduzia à insignificância. Elaera a figura mais poderosaentre eles e eu acreditavamuito que eles podiam sentiro mesmo.

I mediatamente Tal Hajusfez um sinal para que acâmara fosse evacuada e queas prisioneiras fossemdeixadas sozinhas com ele.

Vagarosamente os líderes,guerreiros e mulheres sedispersaram nas sombras dascâmaras vizinhas para deixarD ejah Thoris e S ola sozinhasdiante do jeddak dos tharks.

Apenas um líder hesitouantes de partir. Eu o vi paradonas sombras de uma largacoluna, sua figuranervosamente revolvendosobre o punho de sua grandeespada e seus olhos cruéispousados com um ódioimplacável sobre Tal Hajus.

Era Tars Tarkas, e eu podialer seus pensamentos porqueestavam estampados na fúriadespudorada em sua face. Eleestava pensando naquelaoutra mulher que, háquarenta anos, também ficoudiante desse animal. S e eupudesse dizer uma palavraem seu ouvido naquela hora,o reinado de Tal Hajus estariaterminado. Mas elefinalmente marchou para forada sala, sem saber que haviadeixado sua própria filha à

mercê da criatura que elemais desprezava. Tal Hajuslevantou-se e eu, entretemeroso e preparado parasuas intenções, corri para ocorredor circular que levavaaos andares abaixo. Não havianinguém por perto para meimpedir e cheguei ao andarprincipal onde estava acâmara sem ser notado,tomando minha posição nasombra da mesma coluna queTars Tarkas havia acabado dedeixar. Quando cheguei, Tal

Hajus estava falando: -Princesa de Helium, eupoderia abocanhar umresgate absurdo de seu povose a devolvesse intacta, masprefiro mil vezes observar seulindo rosto contorcido pelaagonia da tortura. Garantoque será bem longa, emboradez dias de prazer sejammuito pouco para que eudemonstre todo o amor quesinto por sua raça. Os terroresde sua morte deverãoassombrar o sono dos

homens vermelhos pelaspróximas eras. Eles terãoarrepios à noite quando seuspais lhes contarem sobre aimplacável vingança doshomens verdes, do poder, daforça, do ódio e da crueldadede Tal Hajus. Mas, antes datortura, você deve ser minhapor uma pequena hora. E vougarantir que seu avô, TardosMors, jeddak de Helium,tome conhecimento dessefato para que rasteje pelochão em agonia por sua

infelicidade. Amanhãcomeçará sua tortura. Estanoite, serás de Tal Hajus.Venha! Ele pulou de suaplataforma e a tomourudemente pelo braço, masele mal a havia tocado e salteientre eles. Minha espadacurta, afiada e brilhante,estava em minha mão direita.Eu poderia tê-la mergulhadoem seu coração pútrido antesmesmo que ele percebesseminha presença, mas quandolevantei meu braço para

desferir o golpe, pensei emTars Tarkas e, mesmo comtoda a minha raiva, com todoo meu ódio, eu não poderiatirar dele o doce momentopelo qual ele viveu e esperoutodos esses extenuantes anos.Em vez disso, disparei meubom punho direito em cheiona ponta de seu queixo. Sememitir som, ele desabou nochão como se estivesse morto.No mesmo silêncio sepulcral,peguei Dejah Thoris pela mãoe, com um gesto para que

S ola nos seguisse, corremosem silêncio da câmara para oandar superior. S em sermosvistos, chegamos à janela dosfundos. Usando as faixas ecouros de meusequipamentos, baixei-as -primeiro S ola, depois D ejahThoris - até o chão, e depoiscaí suavemente, conduzindo-as com urgência ao redor dopátio pelas sombras dasconstruções, e retornamospelo mesmo caminho peloqual eu havia seguido desde

as fronteiras da cidade.Finalmente, demos com meusthoats no pátio onde os haviadeixado e, colocando osarreios sobre eles, nosapressamos através do prédioaté a avenida do lado de fora.Montados - S ola sobre umanimal e D ejah Thoris atrásde mim sobre o outro -,cavalgamos para longe dacidade pelas colinas do sul.

Em vez de dar a volta aoredor da cidade para onoroeste, na direção da

hidrovia mais próxima, queestava a uma curta distânciade nós, desviamos paranordeste e nos abatemossobre a vastidão musgosaatravés da qual, apósduzentas perigosas ecansativas milhas, nosesperava outra artériaprincipal que levava aHelium.

Não proferimos nenhumapalavra até termos deixado acidade na distância, mas eupodia ouvir o choro mudo de

D ejah Thoris que se seguravaem mim com sua delicadacabeça repousando sobremeu ombro.

- S e conseguirmos, meulíder, o débito de Helium serágigantesco. Maior do quejamais poderiamrecompensá-lo. E, se nãoconseguirmos - ela continuou-, o débito não será menor,mas Helium nunca saberáque você salvou a última denossa linhagem de algo piorque a morte. Eu não respondi,

apenas movi minha mão parao lado e pressionei ospequenos dedos de minhaamada enquanto eles meapertavam em sinal de apoio.Assim, mantendo o silêncio,aceleramos sobre o musgoamarelo enluarado, cada umde nós ocupado com seuspróprios pensamentos. D eminha parte, eu só podiaestar feliz por ter tentado.Com o corpo tépido de D ejahThoris junto ao meu e comtodo o perigo recém-passado,

meu coração cantavaalegremente, como seestivéssemos adentrando osportões de Helium. Nossosplanos anteriores foramdesfeitos tãodesastrosamente que agoranos encontrávamos semcomida ou água. E apenas euestava armado. Portanto,fustigamos nossos animais auma velocidade queprovavelmente se traduziriaem dor para eles antes queavistássemos o final do

primeiro estágio de nossajornada.

Cavalgamos a noite toda eo dia seguinte com poucas ebreves paradas. Na segundanoite, tanto nós quanto osanimais estávamoscompletamente esgotados enos deitamos sobre o musgopara um sono de cinco ou seishoras, voltando à jornadaoutra vez antes do alvorecer.Cavalgamos o dia seguintetodo e quando, no final datarde, ainda não tínhamos

avistado árvores distantes - osinal das grandes hidroviaspor toda a Barsoom -, aterrível verdade desabousobre nós: estávamosperdidos.

Era evidente quehavíamos andado emcírculos, mas era difícil dizerpara qual lado. Também nãoparecia possível usar o solpara nos guiar durante o dia eas luas e estrelas à noite. S obqualquer alternativa, nãohavia hidrovia à vista e todo o

grupo estava prestes asucumbir de fome, sede ecansaço. Ao longe, e umpouco à direita, era possíveldistinguir os contornos demontanhas baixas, as quaisdecidimos tentar escalar naesperança de quepudéssemos avistar algumindício da hidrovia queprocurávamos. A noite caiusobre nós antes de atingirmosnosso objetivo, e quasedesmaiando de cansaço efraqueza, nos deitamos e

dormimos.Acordei cedo pela manhã

com um grande corpoencostado perto do meu. Abrimeus olhos e contemplei meuabençoado Woola seaninhando junto a mim. Afera fiel havia nos seguidopela vastidão desolada paracompartilhar nosso destino,qualquer que fosse. Passandomeus braços sobre seupescoço, pressionei minhabochecha contra a dele - e nãome envergonho de tê-lo feito,

nem das lágrimas que vieramaos meus olhos quandopensei em seu amor por mim.Logo após isso, D ejah Thorise S ola acordaram e ficoudecidido que nosempenharíamosimediatamente em umesforço para chegar àscolinas.

Havíamos andado menosde um quilômetro quandonotei que meu thoat estavacomeçando a cambalear erefugar de um modo

entristecedor, apesar determos tentado não forçá-losalém da velocidade demarcha desde o meio do diaanterior. Repentinamente, elecambaleou para um lado edesabou violentamentecontra o chão. D ejah Thoris eeu fomos jogados da sela ecaímos sobre o musgo maciosofrendo pouco mais que umtombo, mas o pobre animalestava em condiçãodeplorável, sendo incapaz atémesmo de se levantar, apesar

de aliviado de nosso peso.Sola me disse que quandocaísse o frescor da noite,junto com o descanso, elereviveria. Então decidi nãomatá-lo, como era minhaprimeira intenção, porqueachei cruel abandoná-lo alipara morrer de fome e sede.Retirando seus arreios ecolocando- os ao seu lado,partimos, deixando o pobreparceiro ao sabor do destino econtinuamos da melhorforma possível com apenas

um thoat. S ola e eucaminhamos, fazendo D ejahThoris cavalgar mesmo contrasua vontade. Nessascondições, havíamosprogredido cerca de outroquilômetro na direção dascolinas que buscávamosalcançar quando D ejahThoris, de seu vantajosoposto de observação sobre othoat, gritou que havia vistoum grande grupo de homensmontados em formaçãodescendo de uma passagem

das colinas váriosquilômetros adiante. S ola eeu olhamos juntos para adireção indicada e ali,claramente, estavam váriascentenas de guerreirosmontados. Eles pareciam sedirigir para sudoeste, o queos levaria para longe de nós.S em dúvida eram guerreirosde Thark enviados para noscapturar, e respiramos commuito alívio por estaremviajando na direção oposta ànossa. Retirando D ejah

Thoris rapidamente do thoat,comandei para que o animalse deitasse e nós três fizemoso mesmo, tentando passardespercebidos ao máximocom medo de chamar aatenção dos guerreiros paranossa direção.

Pudemos vê-los seenfileirando pela passagempor apenas um instante antesque se perdessem de vista portrás da milagrosa cordilheira.Para nós, era uma cordilheiraprovidencial, já que não

deixou que ficassem à vistapor mais tempo, o que oslevaria a nos descobrir.Aquele que parecia ser oúltimo guerreiro ainda podiaser visto na passagem. Eleparou e, para nossadesolação, elevou seupequeno, mas poderoso,binóculo aos olhos evasculhou o fundo do mar emtodas as direções. Ele era,evidentemente, um líder,pois, situava-se na extremaretaguarda da coluna, posição

que, em certas formações demarcha dos homens verdes,cabe a um líder. Quando seubinóculo desviou em nossadireção, nossos coraçõespararam em nossos peitos epude sentir um suor frio emtodos os poros de meu corpo.Quando estava observandodiretamente sobre nós, ele...parou. A tensão em nossosnervos estava próxima doponto de ruptura e acreditoque nenhum de nós respiroudurante os momentos em que

ele nos manteve na linha devisão de seu instrumento.Então, ele baixou seubinóculo e pudemos vê-logritando uma ordem aosguerreiros que já haviamsumido de nossa vista portrás do topo. Ele não esperouque o alcançassem e fustigouseu thoat, vindo desabaladoem nossa direção.

Havia uma pequenachance que devíamosaproveitar rapidamente.Levando meu estranho rifle

marciano ao ombro, mirei etoquei o botão que controlavao gatilho.

Houve uma pequenaexplosão quando o projétilatingiu seu alvo, fazendo comque o líder em carga fossearremessado no ar para trásde sua montaria.

Levantando-me desupetão, ordenei que meuthoat se erguesse e instruíque S ola e D ejah Thorismontassem nele e fizessemseu melhor para alcançar as

colinas antes que osmarcianos verdes estivessemsobre nós. Eu sabia que elaspoderiam encontrar refúgiotemporário nas ravinas evalas e, mesmo quemorressem de fome ou sede,seria melhor do que caíremnas mãos dos tharks.Entregando a elas meus doisrevólveres, uma tentativadébil de proteção e, emúltimo caso, de ajuda paraque escapassem da horrendamorte que uma recaptura

significaria, levantei D ejahThoris e a coloquei sobre othoat na garupa de S ola, quejá havia montado ao meucomando.

Adeus, minha princesa -sussurrei -, ainda podemosnos encontrar em Helium. J áescapei de apuros piores queeste - forcei um sorrisoenquanto mentia.

O quê? - ela gritou. - Vocênão virá conosco?

E como poderia, D ejahThoris? Alguém precisa

retardar esses indivíduos poralgum tempo e posso escapardeles mais facilmentesozinho do que com nós trêsjuntos.

Ela pulou rapidamente dothoat, passou seus preciososbraços em volta de meupescoço, virou-se para S ola edisse em uma dignidadetranqüila:

Fuja, S ola! D ejah Thorisficará para morrer com ohomem que ama.

Essas palavras ainda estão

gravadas em meu coração.Oh, eu abriria mão de minhavida com alegria mil vezes sepudesse ouvi-la dizendo issooutra vez. Mas eu não podiadesperdiçar sequer umsegundo com oarrebatamento de seu doceabraço. Pressionei meuslábios contra os dela pelaprimeira vez, peguei-a no coloe a atirei sobre seu assentoatrás de S ola novamente.Ordenei em tom categóricoque S ola a prendesse à força

e, após bater sobre o flancodo thoat, observei-as começara jornada. D ejah Thorisesforçava-se ao máximo parase libertar dos braços de S ola.Ao me voltar, enxerguei osmarcianos verdes sobre ocume procurando por seulíder. Eles o viram em ummomento e, então, viram amim. Mal haviam notadominha presença quando,deitando-me de bruços sobreo musgo, comecei a dispararcontra eles. Eu tinha um

cartucho completo de cemtiros no pente do rifle eoutros cem no cinturão àsminhas costas. D isparei umarajada contínua até que todosos guerreiros que haviamsurgido do outro lado damontanha estivessem mortosou tentando se abrigar.Contudo, meu intervalo foicurto, porque logo um grupointeiro, somando cerca de milhomens, reapareceu vindo àcarga, correndo furiosamenteem minha direção. Atirei até

meu rifle esvaziar e o inimigoestar quase sobre mim. Comum relance, vi que D ejahThoris e S ola já haviamdesaparecido por entre ascolinas; saltei, desfazendo-mede minha arma inútil econtinuei na direção opostaàquela tomada por S ola e suaprotegida.

S e os marcianos nuncahaviam presenciado umaexibição de salto, entãoassistiram a uma, surpresos,naquele agora longínquo dia.

Foi assim que os desviei, aomesmo tempo levando- ospara longe de D ejah Thorissem deixar escapar suaatenção da tentativa de mecapturar. Eles meperseguiramdesesperadamente até quemeu pé atingiu um pedaçoprotuberante de quar o esofri uma bela queda sobre omusgo. Quando olhei paracima, já estavam sobre mim e,apesar de tentar sacar minhaespada longa na tentativa de

vender o mais caro possívelminha vida, logo tudo estavaacabado. Eu cambaleei sobseus golpes, que recaíamsobre mim em perfeitacoordenação. Minha cabeçagirou, tudo escureceu esucumbi sob eles para oesquecimento.

Capítulo18 - ACORRENTADO

EM WARHOON

D evem ter se passado váriashoras até que eu recobrasse aconsciência, e bem melembro do sentimento desurpresa que me varreuquando percebi que nãoestava morto. Eu estavadeitado sobre uma pilha decobertas de seda e peles nocanto de um pequeno quarto

no qual havia váriosguerreiros verdes e umafêmea idosa e feia sedebruçava sobre mim.

Ao abrir meus olhos, elase virou para um dosguerreiros dizendo:

Ele viverá, oh jed.Muito bem - respondeu

aquele a quem ela tinha sedirigido, levantando-se e seaproximando de meu leito. -Ele daria uma rara peleja nosgrandes jogos.

Agora que meus olhos

repousavam sobre ele, vi quenão era thark, porque osornamentos de metais nãoeram daquela horda. Ele eraum indivíduo grande,terrivelmente coberto porcicatrizes no rosto e no peito,um canino quebrado e umaorelha faltando. Em cada ladode seu peito havia crânioshumanos, dos quais pendiamalgumas mãos humanasressecadas.

Sua referência aos grandesjogos dos quais eu tanto

ouvira falar enquanto estiveentre os tharks me convenceude que eu havia pulado dopurgatório para o Geena(Geena ou Vale de Hironaparece em textos religiososcomo o Vale da Morte ou opróprio inferno. Era um lugarao sul de J erusalém onde olixo era queimado). D epois demais algumas palavras com afêmea, com as quais ela oassegurou de que agora euseria capaz de viajar, o jedordenou que montássemos e

cavalgássemos na retaguardada coluna principal.

Fui amarrado emsegurança no thoat maisselvagem e indomável quejamais vi e, com um guerreiromontado de cada lado paraevitar que a fera disparasse,cavalgamos a passo furiosopara alcançar a coluna. Meusferimentos não doíam muitodevido à presteza e rapidezcom que os bálsamos einjeções ministrados pelafêmea exerciam seus poderes

terapêuticos, e pela destrezacom que ela havia enfaixado eemplastrado minhas feridas.Pouco antes do anoiteceralcançamos o corpo principalde soldados, que já haviamontado acampamento paraa noite. Fui levadoimediatamente para diantedo líder, que provou ser ojeddak das hordas deWarhoon.

Assim como o jed quehavia me trazido, ele eraterrivelmente marcado por

cicatrizes e também decoravaseu protetor peitoral com oscrânios humanos e as mãossecas que pareciam distinguirsua medonha ferocidade, quetranscendia em muito atémesmo a dos tharks. Ojeddak, Bar Comas, que eracomparativamente jovem, eraobjeto do ódio feroz einvejoso de seu antigotenente, D ak Kova, o jed quehavia me capturado. E nãopude deixar de notar osesforços quase premeditados

que D ak Kova fez paraafrontar seu superior.

Ele omitiu completamentea saudação formal habitualquando surgiu na presençado jeddak, e ao me empurrarrudemente diante do regente,exclamou em uma voz alta eameaçadora:

Trouxe a estranha criaturaque veste o metal de umthark e a quem terei o prazerde pôr em combate contra umthoat selvagem nos grandesjogos.

Ele morrerá conforme BarComas, seu jeddak, acharconveniente. Se é que acharei- respondeu o jovem regentecom ênfase e dignidade.

Se achar? - rugiu D akKova. - Pelas mãos mortas emmeu pescoço, ele devemorrer, Bar Comas.Nenhuma fraquezasentimental de sua partepoderá salvá-lo. Oh, quiseraeu que Warhoon fosse regidapor um verdadeiro jeddak aum fracote de coração aguado

de quem até mesmo o velhoD ak Kova poderia arrancarseu metal com as mãos nuas!

Bar Comas encarou o líderdesafiador e insubordinadopor um instante com umaexpressão arrogante,destemidamente desdenhosae odiosa, e então, sem sacaruma arma ou pronunciarpalavra, arremeteu contra agarganta de seu difamador.

Eu nunca haviapresenciado dois guerreirosverdes marcianos em

combate franco. A exibição deferocidade animal que seseguiu foi tão medonha quesequer a imaginação maisensandecida poderia criar.Eles buscavam os olhos eorelhas do adversário comsuas mãos e suas presasreluzentes. Rasgavam eperfuravam até que ambosestavam praticamente emretalhos da cabeça aos pés.Bar Comas saiu-se melhor nabatalha por ser mais jovem,rápido e inteligente. Logo

pareceu que o embate estavavencido, exceto na investidafinal, quando Bar Comasescorregou ao se libertar deum agarrão. Era aoportunidade que D ak Kovaprecisava. Arremessando-sesobre o corpo do adversário,enterrou sua única epoderosa presa na virilha deBar Comas e, com um últimoe potente esforço, abriu ocorpo do jovem jeddak emdois, com seu grande caninocravado entre os ossos da

mandíbula de Bar Comas.Vencedor e vencidocambalearam sem forças ouvida sobre o musgo, umagrande massa de carneretalhada e ensangüentadasobre o chão.

Bar Comas estava morto esomente os esforços maishercúleos por parte dasfêmeas de D ak Kova osalvariam do destino quemerecia. Três dias depois, noentanto, ele caminhou semajuda até o corpo de Bar

Comas que, seguindo ocostume, não havia sidoremovido de onde caíra.Colocando seu pé sobre opescoço de seu outroraregente, assumiu o título dejeddak de Warhoon.

As mãos e a cabeça dojeddak morto foramremovidas para se somaremaos ornamentos de seuconquistador. D epois, asmulheres queimaram o querestou entre gargalhadasselvagens e terríveis.

Os ferimentos de D akKova haviam atrasado tanto amarcha que decidiramdesistir da expedição, que setratava de um ataque a umapequena comunidade tharkem retaliação pela destruiçãode uma incubadora. Avingança esperaria até depoisdos grandes jogos e todo ogrupo de dez mil guerreirosvolveu novamente na direçãode Warhoon. Minha primeiraimpressão desse povo cruel esanguinário nada mais foi do

que uma prévia daquilo quepresenciaria quasediariamente entre eles. Erauma horda menor que a dostharks, mas muito mais feroz.Não houve sequer um dia quepassasse sem que alguns dosmembros das váriascomunidades de Warhoon sedigladiassem mortalmente.Cheguei a ver um total deoito duelos mortais em umúnico dia.

Chegamos à cidade deWarhoon após três dias de

marcha e fui imediatamentejogado em uma masmorra,sendo fortementeacorrentado ao chão e àsparedes. A comida era trazidaem intervalos, mas devido àcompleta escuridão do localeu não saberia dizer se fiqueiali por dias, meses ou anos.Foi a mais terrível experiênciade toda a minha vida esempre me pareceu ummilagre que minha mente nãotenha cedido aos terroresdaquela negritude total. O

lugar era repleto de coisasrastejantes. Corpos frios esinuosos passavam sobremim enquanto eu estavadeitado. Na escuridão, eutinha vislumbres ocasionaisde olhos brilhantes eexaltados fixados emincessante atenção sobremim. Nenhum som chegou amim do mundo acima enenhuma palavra eradesferida por meu carcereiroquando me trazia comida,embora no início eu o

bombardeasse comperguntas.

Finalmente, toda a minharepulsa e ódio maníaco poressas deploráveis criaturasque me haviam confinadonaquele lugar horrendoforam canalizados por minhaconsciência cambaleantesobre esse único emissárioque representava, para mim,toda a horda de warhoons.

Eu havia notado que eleavançava com sua tochatremeluzente até onde

pudesse colocar a comida aomeu alcance e, quando paravapara colocá-la no chão, suacabeça ficava praticamente naaltura do meu peito. Então,com a astúcia de um louco,fiquei no canto mais ao fundode minha cela na vez seguinteque o ouvi se aproximando.Reuni o pedaço de correnteque sobrava dos grilhões queme prendiam e aguardeiagachado como uma ferapredadora. Quando ele paroupara colocar minha comida

sobre o chão, girei a correntesobre minha cabeça e atingiseu crânio com os elos comtoda a minha força. S ememitir som, ele escorregoupara o chão, morto.Gargalhando e falando comoo idiota em que eu estava metransformando, caí sobre suaforma prostrada. Meus dedosprocuravam sua gargantainerte. Em seguida, elestatearam uma pequenacorrente em cuja extremidadeestavam penduradas algumas

chaves. 0 toque de meusdedos nessas chaves metrouxe de volta ã razão em umpiscar de olhos.

Eu não era mais um idiotasaltitante, mas um homemsão, sensato, com os meiospara a fuga em suas própriasmãos. Enquanto eu tateavapara remover a corrente dopescoço de minha vítima,olhei para cima na escuridãopara ver seis pares de olhosbrilhantes e estáticos sobremim. Lentamente se

aproximaram e eu lentamenteme encolhi para mais longedaquela terrível visão. D evolta ao meu canto, meagachei, mantendo minhasmãos espalmadas diante demim. S orrateiramente osolhos medonhos seaproximaram até chegar aocadáver à minha frente.Então, vagarosamenterecuaram, mas desta vezacompanhados por um somáspero, e desapareceram emalgum dos negros e distantes

recantos de minha masmorra.

Capítulo19 - COMBATENDO

NA ARENA

Vagarosamente, recupereiminha compostura efinalmente ensaiei uma novatentativa de remover aschaves do cadáver de meuantigo carcereiro. Masquando tentei encontrá-lotateando na escuridão,percebi para minha surpresaque ele havia sumido. Então,

a verdade brilhou sobre mim;os donos dos olhos brilhanteshaviam arrastado meuprêmio para ser devorado emseu lar logo ao lado. Haviamesperado por dias, semanasou meses, por toda essadetestável eternidade do meuaprisionamento para arrastarmeu corpo sem vida para seubanquete.

Por dois dias não metrouxeram nenhuma comida,mas então um novomensageiro apareceu e minha

prisão retomou seu cursoanterior, mas desta vez nãopermiti que a razãosubmergisse diante do horrorde minha situação. Logo apósesse episódio, um outroprisioneiro foi trazido eacorrentado próximo a mim.Pela luz trêmula da tochapude ver que era ummarciano vermelho, e malpodia esperar que seusguardas se fossem para medirigir a ele. Enquanto ospassos se distanciavam cada

vez mais, pronuncieicuidadosamente a palavramarciana de saudação, "kaor".

Quem é você que fala daescuridão? - ele respondeu. -J ohn Carter, amigo doshomens vermelhos deHelium.

Eu venho de Helium -disse ele -, mas não lembro deseu nome.

E então lhe contei minhahistória assim como a escrevoaqui, omitindo apenasqualquer referência ao meu

amor por D ejah Thoris. Eleestava bastante excitado pelasnotícias sobre a princesa deHelium e parecia muitoconfiante de que ela e Solaconseguiriam chegarfacilmente a um local seguroa partir do ponto ondehavíamos nos separado. Eledisse que conhecia bem olugar porque o desfiladeiropelo qual os guerreiroswarhoons haviam passadoquando nos descobriram erao único usado por eles

quando marchavam para osul.

D o ponto onde D ejahThoris e Sola entraram nasmontanhas, estavam a menosde oito quilômetros de umagrande hidrovia, eprovavelmente estão a salvoagora - ele me assegurou.

Meu companheiro de celaera Kantos Kan, um padwar(tenente) da armada deHelium. Ele tinha participadoda infeliz expedição que haviacaído nas mãos dos tharks

quando D ejah Thoris foracapturada. Ele relatoubrevemente os eventos que seseguiram à derrota dasbelonaves.

Gravemente feridos e commuitos desfalques natripulação, os guerreirosavançavam com dificuldadede volta a Helium, masquando passaram próximos àcidade de Zodanga, a capitaldos inimigos hereditários deHelium entre os homensvermelhos de Barsoom, foram

atacados por um grandenúmero de navios de guerra etoda a frota, exceto a nave àqual Kantos Kan pertencia,foi destruída ou capturada.S eu navio foi perseguidodurante dias por três navesde guerra, mas finalmenteescaparam na escuridão deuma noite sem lua.

Trinta dias depois dacaptura de D ejah Thoris,parcialmente ao mesmotempo em que chegamos aThark, seu navio havia

chegado a Helium com cercade dez sobreviventes datripulação original desetecentos oficiais e homens.I mediatamente, sete grandesfrotas, cada uma de cempoderosos navios de guerra,foram despachadas em buscade D ejah Thoris e,acompanhando esses navios,outros duzentos barcosmenores se mantinham embusca incessante e inútil pelaprincesa desaparecida. D uascomunidades de marcianos

verdes haviam sido varridasda face de Barsoom por essasfrotas vingadoras, masnenhum traço de D ejahThoris foi encontrado. Elesestavam procurando entre ashordas do norte, e somentealguns dias atrás estenderamsua busca para o sul.

Kantos Kan havia sidodesignado para um dessesplanadores menores, deapenas um piloto, e teve adesventura de ser descobertopelos warhoons quando

explorava sua cidade. Abravura e ousadia dessehomem ganhou meu maisprofundo respeito eadmiração. S ozinho, ele haviapousado nos arrabaldes dacidade e, a pé, penetrado nosedifícios em volta da praça.Por dois dias e duas noites eleexplorou seus alojamentos emasmorras em busca de suaamada princesa apenas paracair nas mãos de um grupo dewarhoons quando estavaprestes a partir, depois de se

certificar de que D ejah Thorisnão estava aprisionada ali.D urante o período de nossoencarceramento, Kantos Kane eu nos tornamos camaradase criamos uma terna amizade.Apenas alguns dias sepassaram, contudo, atésermos arrastados para forade nossa masmorra para osgrandes jogos. Fomosconduzidos logo pela manhãaté um enorme anfiteatroque, em vez de ser construídosobre o solo, havia sido

escavado abaixo da superfície.O lugar estava parcialmentecoberto por entulho, o quedificultava um cálculo sobreseu real tamanho original. Emsua presente condição,comportava a totalidade dashordas reunidas de vinte milwarhoons.

A arena era imensa, masextremamente acidentada edesnivelada. Ao seu redor oswarhoons haviam empilhadoblocos de construção dealguns dos edifícios em

ruínas da cidade velha paraevitar que os animais eprisioneiros escapassem paraa platéia. Em cada uma dasextremidades haviam sidoconstruídas jaulas para osmanterem presos até quefosse sua vez de encontrar amorte hedionda sobre aarena.

Kantos Kan e eu fomosconfinados juntos em umadas jaulas. Nas outras haviacalots selvagens, thoats,zitidars ensandecidos,

guerreiros verdes e mulheresde outras hordas, além demuitos outros estranhos eferozes animais de Barsoomque eu nunca havia vistoantes. O barulho de seusrugidos, grunhidos e berrosera suficiente para fazer ocoração mais vigoroso sentirintenso mau agouro. KantosKan explicou-me que no finaldo dia um desses prisioneirosganharia a liberdadeenquanto os outros estariamtodos mortos sobre a arena.

Os vencedores das váriasdisputas do dia seriamcolocados um contra o outroaté que somente umsobrevivesse. O vitorioso doúltimo embate serialibertado, fosse animal ouhomem. Na manhã seguinteas jaulas seriam preenchidascom um novo

contingente de vítimas eassim por diante pelos dezdias dos j°g°s.

Logo após termos sidoencarcerados, o anfiteatro

começou a lotar e, dentro deuma hora, absolutamentetodos os assentos foramocupados. D ak Kova, comseus jeds e líderes, estavasentado no centro de um ladoda arena sobre uma grandeplataforma elevada.

A um sinal de D ak Kovaas portas de duas gaiolasforam abertas e uma dezenade fêmeas marcianas foramguiadas ao centro da arena.Cada uma levava uma adagaconsigo. D o outro lado, um

bando de doze calots - oucães selvagens - foram soltossobre elas.

Enquanto as feras,rosnando e espumando,dispararam sobre asmulheres virtualmenteindefesas, virei minha cabeça,evitando a visão medonhaque se seguiria. Os gritos egargalhadas da horda verdeforam testemunhas daexcelente qualidade doesporte e, quando me volteipara a arena, após Kantos

Kan dizer que tudo havia seacabado, vi três calotsvitoriosos, rugindo erosnando sobre os corpos desuas presas. As mulherestinham dado um bomtrabalho a eles. A seguir, umzitidar ensandecido foi soltoentre os cães, e assim foidurante todo aquele longo,quente e horripilante dia.

No decorrer do dia, fuicolocado primeiro contrahomens, depois feras, mascomo estava armado com

uma espada longa e sempresuplantei meus adversáriosem agilidade - e geralmenteem força -, aquilo foibrincadeira de criança paramim. Uma vez após outramereci o aplauso da multidãosedenta por sangue e, pertodo final, havia gritos quediziam para eu ser retirado daarena e ser feito membro dashordas de Warhoon.

Finalmente, havia apenastrês de nós: um grandeguerreiro verde de alguma

horda do norte longínquo,Kantos Kan e eu.

Os outros dois deviam seenfrentar, e então eu lutariacontra o ganhador pelaliberdade que premiava oúltimo vitorioso.

Kantos Kan havia lutadodiversas vezes durante o diae, assim como eu, haviasempre saído vencedor,embora ocasionalmente poruma pequena vantagem,especialmente quandocolocado contra guerreiros

verdes. Eu tinha poucasesperanças de que elepudesse derrotar essegigantesco adversário quehavia moído a todos nodecorrer do dia. O indivíduochegava a quase cinco metrosde altura enquanto KantosKan estava algunscentímetros abaixo de um eoitenta. Ao avançarem parase encontrar, vi pela primeiravez um truque dosespadachins marcianos queconcentrava toda a esperança

de vitória e da vida de KantosKan em um lance de sorte. Aochegar a cerca de seis metrosde distância do gigante, elependeu o braço queempunhava sua espada paratrás, sobre seu ombro, e comum movimento de pênduloarremessou sua arma comgrande força, mirando oguerreiro verde adiante. Elavoou reta como uma flecha e,atingindo o coração do pobrediabo, derrubou-o mortosobre o chão da arena.

Agora, Kantos Kan e eudeveríamos nos enfrentar,mas quando nosaproximamos para oencontro, sussurrei a ele queprolongasse o combate atéperto do cair da noite naesperança de encontrarmosalguma forma de escapar. Ahorda evidentementepercebeu que não estávamosno espírito de lutar contra ooutro e nos vaiavam comraiva porque nenhum de nósdisparava golpes fatais.

Quando vi a escuridãorepentina chegando,murmurei a Kantos Kan parasimular um golpe entre meubraço esquerdo e meu corpo.Quando ele o fez, cambaleeipara trás prendendo a espadafirmemente com meu braço eentão caí ao chão com suaarma aparentemente seprojetando de meu peito.Kantos Kan percebeu meutruque e rapidamente secolocou ao meu ladopousando seu pé sobre meu

pescoço e recolheu suaespada de meu corpo paradar o golpe de misericórdia,cortando minha veia jugular.Mas nessa hora a lâmina friaatingiu inofensivamente aareia da arena. Na escuridãoque agora nos cobria,ninguém podia dizer que elenão havia dado cabo deminha vida. S ussurrei a eleque fosse reclamar sualiberdade e que meprocurasse nas colinas aoleste da cidade. E assim ele se

foi.Quando o anfiteatro foi

esvaziado, rastejeifurtivamente até o alto e,como a grande escavaçãoficava distante da praça, emum local ermo da grandecidade abandonada, alcanceias colinas ao longe semmaiores problemas.

Capítulo 20 - NAFÁBRICA DEATMOSFERA

Por dois dias esperei ali porKantos Kan, mas como elenão apareceu, comecei acaminhar para o noroeste, emdireção ao ponto onde elehavia dito que se localizava ahidrovia mais próxima. Minhaúnica alimentação se baseavano leite vegetal das plantas,que forneciam tão

generosamente esse fluidovalioso.

Por duas longas semanaserrei, cambaleando pelasnoites, guiado somente pelasestrelas e escondendo-medurante os dias atrás dealguma saliência de rocha ouentre as colinas ocasionaisque cruzava. Várias vezes fuiatacado por feras selvagens.Monstruosidades estranhas egrotescas pulavam sobre mimno escuro, forçando-me acarregar minha espada longa

constantemente em punho,sempre preparado a enfrentá-las. Normalmente, meuestranho e recentementeadquirido poder telepáticome avisava com temposuficiente, mas uma vez me vicom presas odiosas em minhajugular e uma cara peludacontra a minha antes que eusequer soubesse que estavaem perigo.

Que tipo de coisa estavasobre mim, não sei dizer, masque era grande, pesada e com

muitas pernas, isso eu pudesentir. Minhas mãos estavamem sua garganta antes que aspresas tivessem chance de seenterrar em meu pescoço.Vagarosamente, forcei suacara peluda para longe demim e cerrei meus dedoscomo um alicate sobre suatraqueia. Sem emitir somenquanto estávamos no chão,a fera empregou toda a suaforça para me alcançar comsuas terríveis presasenquanto eu me desdobrava

para continuar meu aperto,sufocando-a à medida quetentava mantê-la longe deminha garganta.Vagarosamente, meus braçoscederam devido ao embatedesigual e, polegada apóspolegada, os olhos faiscantese os caninos reluzentes demeu antagonista chegavamcada vez mais perto de mim.Em determinado ponto,quando sua cara peluda tocounovamente a minha, percebique tudo estava acabado.

Nesse momento, uma massaviva de destruição saltou daescuridão em volta e caiusobre a criatura que memantinha preso ao chão. Osdois rolaram rosnando sobreo musgo, rasgando edilacerando um ao outro deuma maneira amedrontadora,mas em pouco tempo tudoestava acabado, e meusalvador se postou com acabeça abaixada sobre agarganta da coisa morta quedesejava me matar.

A lua mais próxima,surgindo repentinamentesobre o horizonte eiluminando o cenáriobarsoomiano, mostrou quemeu guardião era Woola, masde onde havia vindo ou comohavia me encontrado, eu nãosabia dizer. D esnecessáriocitar que eu estava alegre porseu companheirismo, masmeu prazer em vê-lo semisturava à ansiedade por tê-lo deixado com D ejah Thoris.Eu tinha certeza de que

somente sua morte explicariao distanciamento de Wooladela, tão leal que era emobedecer meus comandos.

Agora, sob a luz das luasfulgurantes, vi que ele eraapenas uma sombra de suaantiga forma. E quando ele sedesviou de meus afagos ecomeçou a devoraravidamente a carcaça aosmeus pés, entendi que opobre companheiro estavamais que faminto. Eu mesmoestava apenas um pouco

menos apurado, mas nãoconsegui me forçar a comer acarne crua e não possuíameios de acender um fogo.Quando Woola terminou suarefeição, retomei minhacansativa e aparentementeinfinita caminhada em buscada suposta hidrovia.

Ao alvorecer do décimoquinto dia de minha jornada,fiquei radiante ao avistar asaltas árvores que anunciavamo objeto de minha busca. Porvolta do meio-dia me arrastei

dolorosamente aos portais deuma grande construção quetalvez cobrisse seisquilômetros quadrados etinha uma altura de sessentametros. Não apresentavanenhuma abertura em suaspoderosas paredes, excetouma pequena porta perto daqual me esparramei, exausto.Não havia sinal de vidaalguma à vista.

Não pude encontrar umacampainha ou outro meio defazer que minha presença

fosse percebida peloshabitantes daquele lugar, anão ser que uma pequenaabertura na parede próxima àporta servisse a essepropósito. Era quase tãopequena quanto um lápiscomum. D eduzi que aquilodevia ser algum tipo de bocale levei minha boca até ele.Quando estava pronto parafalar em seu interior, uma vozveio dali perguntando quemeu era, de onde e qual anatureza de minha jornada.

Expliquei que haviaescapado dos warhoons e queestava morrendo de fome eexaustão.

Você veste o metal de umguerreiro, está sendo seguidopor um calot e ainda assimtem a aparência de umhomem vermelho. S ua cornão é nem verde nemvermelha. Em nome do nonodia, que tipo de criatura évocê?

S ou um amigo doshomens vermelhos de

Barsoom e estou faminto. Emnome da humanidade, porfavor, abra - respondi.

Na mesma hora a portacomeçou a se afastar diantede mim e foi se afundandopara dentro da parede porcerca de quinze metros paraentão deslizar suavementepara a esquerda, expondo umcorredor curto e estreito feitode concreto. D o outro ladodele havia uma outra porta,parecida em todos osaspectos com a primeira que

eu havia acabado de passar.Não havia ninguém à vista,mas imediatamente apóspassarmos pela porta, eladeslizou mansamente devolta ao seu lugar atrás denós e se afastou rapidamenteaté sua posição original, naparede frontal da construção.Conforme a porta deslizoupara o lado, notei sua grandeespessura, que chegavafacilmente a cinco metros. Equando ela voltou ao seulugar após se fechar atrás de

nós, grandes cilindros de açohaviam se soltado do tetoatrás dela e se encaixado emsuas extremidades inferiores,em largas aberturas no piso.

S eus testemunhos sãobastante extraordinários -disse a voz após terminar seuinterrogatório. - Mas vocêevidentemente fala a verdade,assim como é evidente quenão é de Barsoom. Posso verisso observando a formaçãode seu cérebro, a estranhalocalização de seus órgãos

internos e a forma e otamanho de seu coração.

Consegue ver através demim? - exclamei.

S im, consigo ver tudoexceto seus pensamentos. S evocê fosse um barsoomiano,eu poderia lê-los.

Então, a porta se abriu dooutro lado da câmara e umhomem estranho e ressecadocomo uma múmia veio emminha direção. Ele vestiasomente um único artigo devestuário ou enfeite, um

pequeno colar de ouro doqual pendia sobre seu peitoum grande ornamento, dotamanho de um prato dejantar incrustado comgrandes diamantes em toda avolta, reservando o centroexato para uma pedraestranha, de dois centímetrose meio de diâmetro, quecintilava nove raiosdiferentes. Eram as sete coresde nosso prisma terreno edois outros lindos raios que,para mim, eram novos e

ainda sem nome. Não consigodescrevê-los muito além decomo se descreve o vermelhoa um cego. S omente sei quesão belos ao extremo.

O velho sentou-se e faloucomigo por horas. A partemais esquisita de nossoencontro foi que eu era capazde ler todos os seuspensamentos, enquanto elenão podia vislumbrar sequeruma fração dos meus, excetose eu falasse.

Eu não podia informá-lo

de minha habilidade de sentirsuas operações mentais, e,portanto, aprendi muito comele - o que seria de grandevalia para mimposteriormente. Eram coisasque eu nunca saberia se elesuspeitasse de meu poderalienígena, porque osmarcianos têm perfeitocontrole do funcionamentode suas mentes, sendocapazes de direcionar seuspensamentos com absolutaprecisão. A construção na

qual eu me encontravacontinha o maquinário queproduz a atmosfera artificialque sustenta Marte. 0 segredode todo o processo é focadono uso do nono raio, uma dasgrandes cintilações que noteiemanando da grande pedrano diadema de meu anfitrião.Esse raio é separado dosoutros raios do sol ao passarpor instrumentoscuidadosamente ajustados ecolocados no telhado dagrande construção. Três

quartos dela são reservatóriosnos quais o nono raio éarmazenado. Esse produto étratado eletricamente, ouseja, certas porções dasrefinadas vibrações elétricassão incorporadas a ele, e emseguida o produto ébombeado para os cincoprincipais centros de ar doplaneta onde, quandoliberado, entra em contatocom o éter espacial e setransforma em atmosfera. Hásempre uma reserva

suficiente do nono raioestocada na grandeconstrução para manter aatual atmosfera marciana pormil anos. O único temor,como meu velho amigocontou, era o de que algumacidente se abatesse sobre osaparelhos de bombeamento.

Ele me levou até umacâmara interna onde pude vera bateria de vinte bombas derádio, cada qual destinada àtarefa de prover Marte inteirocom o composto atmosférico.

Por oitocentos anos, disse ovelho, ele havia vigiado essasbombas, que eram usadas emalternância a cada período -equivalente a pouco mais devinte e quatro horas e meia dacontagem terrestre. Ele tinhaum assistente com quemdividia os turnos. Cada umdesses homens passava meioano marciano, algo perto detrezentos e quarenta e quatrode nossos dias, sozinho nessaedificação isolada. Todomarciano vermelho é

ensinado, já nos primeirosanos da infância, a fabricaratmosfera, mas somente doispor vez detêm o segredo deingressar no grande edifícioque, construído com suasmuralhas de quarenta e cincometros de espessura, éabsolutamente inexpugnável.S eu teto é protegido deataques aéreos por umacobertura de vidro de ummetro de meio de espessura.

O único temor queguardam é pelo ataque de

marcianos verdes ou dealgum homem vermelhoensandecido, porque todos osbarsoomianos sabem que aprópria existência de vida emMarte depende dofuncionamento ininterruptodesta fábrica.

Um fato curioso quedescobri enquanto observavaseus pensamentos é que asportas externas sãomanipuladas por meiotelepático. As trancas são tãoperfeitamente ajustadas que

as portas são movidas pelaação de uma certacombinação de ondasmentais. Para experimentarmeu novo brinquedo, penseiem surpreendê-lo revelandosua combinação, e assimperguntei como ele haviafeito para abrir portas tãoimensas de dentro dascâmaras internas da fortaleza.Rápido como um raio, ele fezsaltar de sua mente nove sonsmarcianos, mas estesdesapareceram rapidamente

quando me respondeu que setratava de um segredo quenão podia divulgar.

D ali em diante, mudouseu tratamento para comigocomo se temesse ter sidosurpreendido divulgando seugrande segredo. Lidesconfiança e medo em seuolhar e pensamento, apesarde suas palavras continuaremsimpáticas.

Antes de me recolher paradormir, prometeu que medaria uma carta para um

produtor de uma plantaçãopróxima que me ajudaria achegar a Zodanga que,segundo disse, era a cidademarciana mais próxima.

Mas certifique-se de nãodeixá-los saber que está indopara Helium, porque estãoem guerra com aquele país.Meu assistente e eu nãosomos de país algum,pertencemos a toda aBarsoom e esse talismã queusamos nos protege em todasas terras, mesmo entre os

homens verdes. Mas, mesmoassim, não confiamos muitoneles e os evitamos - eleadicionou.

Portanto, boa noite, meuamigo - ele continuou. -D esejo- lhe uma noite longa erevigorante de sono. S im, umlongo sono.

E mesmo sorrindoprazerosamente, vi em seuspensamentos que eledesejava que nunca tivesseme deixado entrar. Emseguida, vi uma imagem dele

parado sobre mim durante anoite, e um golpe rápido deuma longa adaga e aspalavras obtusas seformaram: "D esculpe, masisto é pelo bem de Barsoom".

Quando fechou a porta deminha câmara atrás de si,seus pensamentos foramdesligados de mim, assimcomo sua presença, o que mepareceu estranho por meuparco conhecimento sobretransferência mental. O queeu devia fazer? Como poderia

escapar por aquelaspoderosas paredes? Eupoderia matá-lo facilmenteagora que estava ciente, mas,uma vez morto, eu nãopoderia escapar e, com asmáquinas paradas na grandefábrica, eu morreria juntocom todos os outroshabitantes do planeta. Todos,até mesmo D ejah Thoris, seainda não estivesse morta.Para os outros, eu não dava amínima, mas a lembrança deD ejah Thoris levou para

longe de minhas idéias odesejo de matar meu anfitriãodesprevenido.

Cautelosamente, abri aporta do meu apartamento esaí, seguido por Woola. Umplano ousado me ocorreu derepente: tentaria forçar asgrandes travas com as noveondas mentais que havia lidona mente de meu hospedeiro.Rastejando furtivamentecorredor após corredor, eagora por corredoresserpenteantes que guinavam

para lá e para cá, finalmentealcancei o grande hall no qualhavia quebrado meu longojejum naquela manhã. Nãotive sinal de meu anfitriãonem sabia para onde ele seretirava durante a noite.

Eu estava a ponto deentrar bravamente na salaquando um leve barulho atrásde mim me fez continuar nassombras de uma reentrânciano corredor. ArrastandoWoola comigo, fiqueiagachado na escuridão.

Na mesma hora, o velhohomem passou perto de mimenquanto entrava na mesmasala fracamente iluminadaque eu estava prestes aatravessar. Vi que ele levavauma longa e fina adaga emsua mão e que estava afiandosua ponta em uma pedra. Emsua mente havia a decisão deinspecionar as bombas derádio, o que lhe tomaria cercade trinta minutos e, emseguida, retornaria à minhacâmara e daria cabo de mim.

Quando ele passou pelogrande hall e desapareceucorredor abaixo na direção dasala de bombas, deixeisorrateiramente meuesconderijo e cruzei a grandeporta, a mais interna das trêsque me separavam daliberdade.

Concentrando minhamente na fechadura maciça,disparei as nove ondas depensamento contra ela. Emexpectativa sufocante, espereiaté quando a grande porta se

moveu suavemente em minhadireção e deslizou em silênciopara um dos lados. Um apóso outro, os grandes portais seabriram ao meu comando, eWoola e eu saímos para aescuridão, livres, mas não emmelhores condições do queestávamos antes - exceto poragora estarmos de estômagocheio.

Apressando-me paralonge das sombras dosformidáveis blocos, chegueiaté a primeira encruzilhada,

pretendendo atingir aprimeira estrada o maisrápido possível. Cheguei a elaperto do amanhecer.Adentrando a primeira áreadelimitada que encontrei,procurei por evidências dealguma habitação.

Havia ali prédios deconcreto de formato irregularlacrados por portasintransponíveis e pesadas, àsquais nenhuma quantidadede batidas ou chamadoslogrou resposta. Cansado e

esgotado pela falta de sono,joguei-me sobre o chãoordenando que Woola ficassede guarda.

Algum tempo depois fuiacordado por umamedrontador rosnado e abrimeus olhos para ver trêsmarcianos vermelhos paradosa uma curta distância, seusrifles mirados contra nós.

- Estou desarmado e nãosou inimigo - apressei-me emexplicar. - Fui prisioneiro doshomens verdes e estou a

caminho de Zodanga. Tudo oque peço é comida e descansopara mim e meu calot, e asindicações corretas paraatingir meu destino.

Eles baixaram seus rifles eavançaram com satisfação atémim, pousando suas mãosdireitas sobre meu ombroesquerdo - sua maneirahabitual de saudação -enquanto faziam muitasperguntas sobre mim eminhas jornadas errantes. Emseguida, me levaram até a

casa de um deles, que ficavapróxima.

As construções às quaisvisitei boa parte da manhãeram ocupadas apenas pelogado e produtos da fazenda.A aconchegante casa ficavaem um bosque de árvoresenormes e, como todos oslares dos marcianosvermelhos, durante a noiteerguia-se do chão entre dozee quinze metros sobre umpilar de metal que corria paracima e para baixo dentro de

uma luva enterrada no solo,operada por um pequenomotor de rádio na entrada dohall da construção. Em vez dese incomodarem com barras eparafusos para suashabitações, os marcianosvermelhos simplesmente aselevavam para longe dosperigos da noite. Elestambém tinham meiospróprios de descer ou seelevar do chão se quisessemsair dos domicílios.

Esses irmãos, com suas

esposas e filhos, ocupavamtrês casas similares nafazenda. Eles próprios nãotrabalhavam, por seremoficiais a serviço do governo.O esforço físico era realizadopor condenados, prisioneirosde guerra, delinqüentessociais e solteiros inveteradospobres demais para pagar aalta taxa celibatária que todosos governos de marcianosvermelhos impunham.

Os irmãos eram apersonificação da

cordialidade e hospitalidade.Passei vários dias ali,repousando e merecuperando de minhaslongas e árduas experiências.Quando já haviam ouvidominha história - da qual omitiqualquer referência a D ejahThoris e ao velho da fábricade atmosfera - meaconselharam a pintar ocorpo com uma cor quelembrasse mais os de sua raçapara então tentar umemprego em Zodanga, fosse

no exército ou na armada. -As chances de acreditaremem seu relato antes que vocêprove ser confiável e façaamigos entre a alta nobrezada corte são remotas. E issovocê pode conseguirfacilmente por meio doserviço militar, porque somosum povo bélico de Barsoom -explicou um deles - eguardamos nossos maioresfavores para os grandeslutadores. Quando eu estavapronto para partir, me

forneceram um pequenomacho thoat domesticado,que é usado como montariapor todos os marcianosvermelhos. O animal tem otamanho aproximado de umcavalo, é muito gentil, mas éuma réplica exata em cores eforma de seus primosenormes e ferozes nanatureza.

Os irmãos haviam medado também um óleoavermelhado com o qualuntei meu corpo todo. Um

deles cortou meus cabelos,que haviam crescido muito nodecorrer do tempo. Quadradoatrás e com uma franja nafrente, para que assim eutransitasse por toda aBarsoom como um legítimomarciano vermelho. Meusmetais e ornamentos tambémtiveram seu estilo renovadopara o de um cavalheirozodangano membro da casade Ptor, que era o nome defamília de meus benfeitores.

Eles encheram minha

bolsa lateral com dinheirozodangano. O sistemamonetário em Marte éparecido com o nosso, excetopelo fato de as moedas seremovais. Cédulas de dinheirosão emitidas pelos própriosindivíduos conforme suasnecessidades e compensadasuma vez ao ano. S e umhomem emite mais do quepode saldar, o governo pagaseus credores completamentee o endividado quita seudébito nas fazendas ou nas

minas, que são todas depropriedade do governo. Éum bom modelo, exceto paraos endividados, por ser difícilencontrar trabalhadoresvoluntários suficientes paraas grandes fazendas isoladasde Marte, que se estendemem estreitas faixas de pólo apólo, passando por vastidõespovoadas por animaisselvagens e homens maisselvagens ainda.

Quando mencionei aimpossibilidade de minha

recíproca à sua gentileza, measseguraram de que eu teriaamplas oportunidades paraisso - se eu vivesse bastantetempo em Barsoom.Acenaram seu adeus até queeu sumisse de vista sobre aestrada larga e branca.

Capítulo 21 - UMPATRULHEIRO

AÉREO DEZODANGA

Em minha jornada rumo aZodanga muitas visõesestranhas e interessanteschamaram minha atenção, enas diversas casas de fazendaonde fiz parada, aprendidiversas coisas novas einstrutivas relativas aos

métodos e costumes deBarsoom.

A água que irriga asfazendas de Marte é coletadaem imensos reservatóriossubterrâneos que recolhem ogelo derretido das calotas nosdois pólos e o bombeiam porlongas tubulações aos várioscentros povoados. Margeandoessas tubulações, por toda asua extensão, estão as regiõescultivadas, as quais sãodivididas em lotes demetragens similares, cada

qual sob supervisão de um oumais oficiais a serviço.

Em vez de inundar asuperfície dos campos -perdendo quantidadesimensas através daevaporação -, o preciosolíquido é levado pelo subsolopor uma vasta rede deencanamentos menoresdiretamente às raízes davegetação. As plantaçõessobre Marte são sempreuniformes por não haversecas, chuvas, ventanias,

insetos nem aves daninhas.Nessa viagem provei oprimeiro pedaço de carnedesde que havia deixado aTerra, em forma de filéssuculentos e cortes dosanimais domésticos bemtratados da fazenda. Tambémprovei as lascivas frutas evegetais, mas nenhumcomponente dessa culináriaera exatamente igual aqualquer coisa da Terra. Todaplanta, flor, vegetal e animalvem sendo refinados por eras

de cuidadoso cultivo e criaçãocientíficos que, secomparados, reduzem os daTerra a pálidas, nubladas ecomuns tentativas.

Na segunda paradaencontrei algumas pessoasaltamente cultas e de classenobre e, enquantoconversávamos, o assunto sevoltou para Helium. Um doshomens mais velhos haviaestado lá em diversas missõesdiplomáticas alguns anosatrás e falou com

arrependimento dascondições que pareciammanter a eterna guerra dessesdois países.

Helium - ele disse -certamente ostenta asmulheres mais belas deBarsoom, e de todos os seustesouros, a maravilhosa filhade Mors Kajak, D ejah Thoris,é sua flor mais perfeita.

Ora - ele adicionou o povorealmente venera o chão emque ela pisa e, desde suaperda em uma expedição

desafortunada, toda a Heliumse reveste em lamentação.

O fato de nosso regenteter atacado e desmantelado afrota enquanto esta retornavaa Helium foi nada mais queoutra gafe terrível que, temo,mais cedo ou mais tardecompelirá Zodanga a elevarum homem mais sábio a seulugar.

Mesmo agora, emboranossos exércitos estejamcercando Helium, o povo deZodanga está manifestando

seu descontentamento,porque a guerra não temapoio, uma vez que não ébaseada em direitos oujustiça. Nossas forças tomamvantagem da ausência daprincipal frota de Helium,que busca a princesa, e assimpoderão facilmente reduzir acidade a um lastimável fim.D izem que ela cairá naspróximas passagens da luamais próxima.

E o que acha que deve teracontecido à princesa D ejah

Thoris? - perguntei tãocasualmente quanto possível.

Ela está morta -respondeu. - I sso foi reveladopor um guerreiro verderecentemente capturado pornossas forças ao sul. Elaescapou das hordas de Tharkcom uma estranha criatura deoutro mundo, apenas paracair nas mãos dos warhoons.S eus thoats foramencontrados vagando sobre ofundo do mar e evidências deum combate sangrento foram

descobertas nos arredores.Ao mesmo tempo em que

essa informação não eraanimadora, também não eraprova conclusiva da morte deD ejah Thoris. Assim, decidifazer todo esforço possívelpara chegar a Helium o maisrápido possível e levar aTardos Mors todas asinformações que eu possuíasobre a possível situação desua neta.

D ez dias depois de deixaros três irmãos Ptor, cheguei a

Zodanga. A partir domomento em que entrei emcontato com os habitantesvermelhos de Marte, noteique Woola chamava umaatenção indesejada sobremim, uma vez que o brutopertencia a uma espécie quenunca fora domesticada peloshomens vermelhos. S ealguém passeasse pelaBroadway com um leãonúmida ao seu lado, o efeitoseria parecido ao que eucausaria se entrasse em

Zodanga com Woola.A idéia de me separar de

meu fiel companheirocausava remorso tão grande etristeza tão genuína queprotelei o fato até momentosantes de chegarmos aosportões da cidade. Mas ali,finalmente, tornou-seimperativo que nosseparássemos. Não fossemminha segurança e objetivosestarem em jogo, nenhummotivo seria suficiente parame fazer deixar a única

criatura de Barsoom quenunca havia falhado em suasdemonstrações de afeição elealdade. Mas enquantoestava disposto a oferecerminha vida a serviço daquelaque eu procurava, e pela qualestava prestes a desafiar osperigos ocultos desta aindamisteriosa cidade, eu nãopoderia permitir sequer que avida de Woola ameaçasse osucesso de minha tentativa,muito menos sua felicidademomentânea, porque

duvidada que ele meesquecesse logo. E assimacenei meu afetuoso adeus àpobre fera, prometendo a ele,contudo, que se eusobrevivesse à minhaaventura, encontraria osmeios de procurar por ele. Elepareceu entender tudo, equando apontei para adireção de Thark, ele voltou-se angustiadamente e sequerpude suportar observar suapartida. Resolutamente volteimeu rosto na direção de

Zodanga e, com o coraçãoapertado, avancei para asmuralhas carrancudas.

A carta que eu trazia megarantiu entrada imediata navasta e fortificada cidade. Eramuito cedo ainda e as ruasestavam praticamentedesertas. As residências seelevavam altas sobre suascolunas de metal, lembrandograndes casas de pássaros,enquanto os próprios pilarestinham a aparência detroncos de árvores feitos de

metal. As lojas, por regra, nãoeram elevadas do chão e nãotinham suas portas trancadasou obstruídas, porque o furtoera uma atividadepraticamente desconhecidaem Barsoom. Assassinato éum medo constante paratodos os barsoomianos, e poressa razão seus lares sãocolocados longe do chão ànoite ou em tempos deperigo.

Os irmãos Ptor haviam medado instruções específicas

para chegar ao ponto dacidade onde encontrariaacomodações próximas aosescritórios dos agentes dogoverno aos quais eu tinhacartas endereçadas. Meucaminho me levou aoquarteirão central da praça,uma característica de todas ascidades marcianas.

A Praça de Zodanga cobreum quilômetro quadrado emeio e é delimitada pelospalácios do jeddak, dos jeds ede outros membros da

realeza e nobreza deZodanga, assim como osprincipais prédios públicos,cafés e lojas. Ao atravessar ogrande quarteirão, admiradoe surpreso pelas magníficasarquiteturas e a belíssimavegetação vermelha queacarpetava os largosgramados, descobri ummarciano vermelhocaminhando ligeiro emminha direção, vindo de umadas avenidas. Ele não prestoua menor atenção em mim,

mas chegou perto o bastantepara que eu o reconhecesse.Virei-me e coloquei minhamão em seu ombrochamando:

Kaor, Kantos Kan!Ele se virou como um

relâmpago e, antes que eupudesse baixar minha mão, aponta de sua espada já estavaem meu peito:

Quem é você? - ele rosnouenquanto eu dava um passopara trás que me levaria acinco metros de sua espada.

Ele baixou a arma para o chãoe exclamou, rindo:

Não preciso de respostamelhor, pois há somente umhomem em toda a Barsoomque pode quicar como umabola de borracha. Pela mãe dalua próxima, J ohn Carter,como chegou aqui e, diga,você virou um D arseen paraconseguir mudar de corquando quiser?

Por um minuto você medeu um susto, meu amigo -ele continuou após eu fazer

um breve resumo de minhasaventuras desde que nosseparamos na arena deWarhoon. - S e meu nome ecidade forem revelados aoszodanganos, eu logo estareinos bancos do mar perdidode Korus com meusrespeitados e falecidosancestrais. Estou aqui pelosinteresses de Tardos Mors,jeddak de Helium, paradescobrir o paradeiro denossa princesa. S ab Than,príncipe de Zodanga, a

mantém escondida na cidadee apaixonou-se perdidamentepor ela. S eu pai, Than Kosis,jeddak de Zodanga, arranjouum casamento voluntáriopara seu filho pelo preço dapaz entre nossos países, masTardos Mors não cederá àsexigências e enviou amensagem de que seu povopreferiria olhar o rosto mortode sua princesa a casá-lacontra sua vontade, e que elepessoalmente prefere serenvolvido pelas cinzas de

uma Helium derrotada eincendiada do que unir ometal de sua casa com o deThan Kosis. S ua resposta foi amais imperdoável afronta quepoderia dar a Than Kosis eaos zodanganos, mas seupovo o ama por isso e seupoder em Helium é maiorhoje do que nunca.

Estou aqui há três dias -continuou Kantos Kan -, masainda não consegui encontraro lugar onde D ejah Thorisestá aprisionada. Hoje me

juntarei à armada comopatrulheiro aéreo. Esperoassim conseguir a confiançado príncipe S ab Than, quecomanda essa divisão, eassim encontrá-la. Estou felizque esteja aqui, J ohn Carter,porque sei de sua lealdade àprincesa e, se trabalharmosjuntos, poderemos ser maisbem-sucedidos.

A praça agora começava aser preenchida por pessoasindo e vindo em suasatividades diárias. As lojas

estavam sendo abertas e oscafés se enchiam com osprimeiros clientes da manhã.Kantos Kan me levou a umdesses maravilhososrestaurantes onde fomosservidos inteiramente poraparatos mecânicos.Nenhuma mão havia tocado acomida desde que haviaentrado no prédio em seuestado natural até queemergisse, quente e deliciosa,sobre as mesas diante dosconsumidores em resposta

aos pequenos botões queapertavam indicando seuspedidos.

Após nossa refeição,Kantos Kan levou-me aoquartel- general do esquadrãode patrulha aérea e,introduzindo-me ao seusuperior, pediu que eu fossealistado como membro daunidade. D e acordo com oscostumes, um exame se feznecessário, mas Kantos Kanme avisou para nada temersobre esse obstáculo porque

cuidaria do assunto. Eleconseguiu isso entregandomeu pedido de exame para ooficial de revista e seapresentando como J ohnCarter. - Esse ardil serádescoberto depois - explicouanimadamente -quandoforem checar minha altura,medidas e outras informaçõesde cunho pessoal, mas levarámeses até que isso aconteça, eaté lá nossa missão estarácompletada, ou teremosfalhado muito tempo antes

disso. Os próximos dias sepassaram com Kantos Kanme ensinando osfundamentos de vôo e dareparação dos delicadospequenos aparelhos que osmarcianos usam para essepropósito. O tamanho dessanave de um lugar é de cercade cinco metros decomprimento, sessentacentímetros de largura e dezcentímetros de espessura,estreitando-se nas duaspontas. O piloto senta-se

sobre esse avião em umassento construído logoacima de um pequeno esilencioso motor de rádio queo propulsiona. O meio daforça de ascensão fica contidodentro de finas paredes demetal presas à fuselagem econsiste de oito raiosbarsoomianos, ou raios depropulsão, assim designadosem face de suaspropriedades.

Esse raio, como o nonoraio, é desconhecido na Terra,

mas os marcianosdescobriram que se trata deuma propriedade inerente atoda luz, não importando deque fonte emane. Elesaprenderam que é o oitavoraio do sol que propele sualuz aos vários planetas, e queé o oitavo raio de cada umdos planetas que "reflete" oupropulsiona a luz obtida devolta novamente ao espaço. Ooitavo raio solar seriaabsorvido pela superfície deBarsoom, mas o oitavo raio

barsoomiano, que tende apropagar a luz de Marte noespaço, está constantementevertendo para fora doplaneta, constituindo umaforça repulsora de gravidadeque, quando confinada, écapaz de levantar enormesvolumes de peso do solo. Foiesse raio que permitiu oaperfeiçoamento da aviação,fazendo com que navios deguerra, muito mais pesadosque qualquer coisa conhecidasobre a Terra, navegassem

com graça e leveza pelo arrarefeito de Barsoom comobalões de gás na pesadaatmosfera da Terra.

Durante os primeiros anosda descoberta desse raio,muitos acidentes estranhosaconteceram, ocorridos antesque os marcianosaprendessem a medir econtrolar esse maravilhosopoder que descobriram. Porexemplo, por volta denovecentos anos atrás, aprimeira belonave a ser

construída com reservatóriospara o oitavo raio foiabastecida com umaquantidade grande demais enavegou verticalmente sobreHelium levando quinhentosoficiais e homens para nuncamais retornar.

S eu poder de repulsão doplaneta era tão grande que abelonave foi levada para oespaço exterior, onde aindapode ser vista hoje, com aajuda de poderosostelescópios, velejando pelos

céus a mais de quinze milquilômetros de distância deMarte. Um pequenino satéliteque orbitará Barsoom até ofinal dos tempos.

Fiz meu primeiro vôo noquarto dia após minhachegada a Zodanga. Comoresultado, recebi umapromoção que incluíaacomodações no palácio deThan Kosis. Quando meelevei sobre a cidade, voei emcírculos várias vezes comohavia visto Kantos Kan fazer.

D epois, arremessei meuaparelho à velocidademáxima, acelerando cada vezmais em direção ao sul,seguindo uma das hidroviasque chegam a Zodanga poresse lado da cidade. Eu jáhavia percorrido, talvez,trezentos quilômetros empouco mais de uma horaquando enxerguei ao longeum bando de três guerreirosverdes marcianos correndoensandecidamente na direçãode uma pequena figura a pé

que parecia estar tentandoalcançar os limites de um doscampos murados.

I nclinando minhamáquina rapidamente em suadireção e fazendo um círculopela retaguarda dosguerreiros, logo vi que oobjeto de sua perseguição eraum marciano vermelhovestindo o metal doesquadrão de patrulha aoqual eu estava servindo. Auma pequena distância além,jazia seu pequeno aparelho

de vôo, cercado pelasferramentas queevidentemente estava usandopara realizar o reparo dealgum dano quando foisurpreendido pelosguerreiros verdes.

Nesse ponto, já estavampraticamente sobre ele; suasmontarias levantavam poeiraem extrema velocidade deataque, buscando a figurarelativamente pequenaenquanto os guerreiros seinclinavam, abaixando-se

para o lado direito, com suasgrandes lanças revestidas demetal. Cada um parecia estarcompetindo para ser oprimeiro a empalar o pobrezodangano e o próximomomento poderia ter sido seuúltimo, não fosse minhachegada providencial.Guiando minha ligeiraaeronave a toda velocidadepor trás dos guerreiros, logoos ultrapassei e, semdesacelerar, lancei a proa demeu pequeno aeroplano entre

os ombros do guerreiro maispróximo. O impacto,suficiente para rasgar várioscentímetros de metal sólido,arremessou o corpodecapitado do indivíduosobre a cabeça de seu thoat,que caiu estendido sobre omusgo.

As montarias dos outrosdois guerreiros se viraram,berrando de terror, edispararam em direçõesopostas. Reduzindo minhavelocidade, circulei e pousei

aos pés do surpresozodangano. Ele foi calorosoem seus agradecimentos porminha ajuda oportuna eprometeu que o trabalhorealizado me traria arecompensa merecida,porque a vida que eu haviasalvado tratava-se denenhuma outra além doprimo do jeddak de Zodanga.

Não perdemos maistempo falando, pois sabíamosque os guerreiros certamenteretornariam assim que

recuperassem o controle desuas montarias. Precipitando-nos até sua máquina avariada,concentramos todos osnossos esforços para realizaros reparos necessários. J áhavíamos quase terminadoquando vimos os doismonstros verdes retornando atoda velocidade vindos dedireções opostas às nossas.Quando eles estavam amenos de cem metros dedistância, novamente seusthoats começaram a refugar e

se recusavam absolutamentea chegar mais perto daaeronave que os haviaassustado.

Os guerreiros finalmentedesmontaram e, amarrandoseus animais, avançaram emnossas direções a pé,brandindo suas espadaslongas.

Avancei para encontrar omaior deles, dizendo aozodan- gano que desse o seumelhor contra o outro.Eliminando meu homem com

quase nenhum esforço -porque agora, após muitaprática, isso havia se tornadohabitual para mim -, corri devolta ao meu novo conhecidoa quem encontreiverdadeiramente em umasituação difícil. Ele estavaferido e caído com o enormepé de seu antagonista sobresua garganta e com a espadaerguida para desferir o golpefatal. Com um salto, cobri osquinze metros que nosseparavam e com a ponta

estendida de minha espadaatravessei completamente ocorpo do guerreiro verde. S uaespada caiu ao chão,inofensiva, e ele desaboudesajeitadamente sobre aforma prostrada dozodangano. Um examesuperficial em meucompanheiro não revelouferimentos graves e, depoisde um breve repouso, eleafirmou estar se sentindobem o bastante para tentar aviagem de volta. Ele teria de

pilotar sua própria nave, poisesses frágeis veículos nãoforam projetados para levarmais de uma pessoa.

Rapidamente, apósterminarmos os reparos,subimos juntos aos céuscalmos e sem nuvens deMarte e, a grande velocidadee sem novos incidentes,retornamos a Zodanga. Aonos aproximarmos da cidade,descobrimos uma grandeconfluência de pessoas etropas reunidas sobre o

campo diante da cidade. Océu estava negro de veículosnavais, naves particulares epúblicas de lazer, ostentandolongas bandeiras de seda comcores alegres e flâmulas deformatos estranhos epitorescos.

Meu companheirosinalizou para que eureduzisse a marcha.Aproximando sua máquinada minha, sugeriu que nosaproximássemos paraobservar a cerimônia que,

segundo ele, tinha opropósito de conferir honrasaos oficiais e homens porbravura e outros serviços derelevância. Ele entãodesenrolou uma bandeira denavegação que denotava quesua nave levara um membroda família real de Zodanga, ejuntos abrimos caminho pelaconfusão de veículosplanando próximos ao soloaté que paramos diretamenteacima do jeddak de Zodangae seu estado-maior. Todos

estavam montados nospequenos thoats machosdomesticados pelosmarcianos vermelhos, e seusenfeites e ornamentoscontinham uma quantidadede penas coloridas tãomaravilhosas que minhareação não podia ser outraalém de encantamento com aimpressionante semelhançaque a multidão apresentavacom uma tribo de índiosvermelhos da minha Terra.

Um dos componentes do

estado-maior chamou aatenção de Than Kosis para apresença de meucompanheiro sobre eles e oregente sinalizou para quepousasse. Enquantoesperavam que tropas secolocassem em posição àfrente do jeddak, os dois sefalavam animadamente, como jeddak e seus subordinadosolhando ocasionalmente emminha direção. Eu não podiaouvir sua conversa, que logoterminou, e todos

desmontaram enquanto oúltimo batalhão das tropas sepunha em posição peranteseu imperador. Um membrodo estado-maior se adiantouna direção das divisões e,chamando o nome de umsoldado, ordenou queavançasse. O oficial entãorecitou a natureza heróica doato que havia ganhado aaprovação do jeddak e este seadiantou e colocou umornamento de metal sobre obraço esquerdo daquele

homem de sorte.D ez homens foram

condecorados dessa formaquando um

assistente gritou:-J ohn Carter, patrulheiro

aéreo!Nunca fiquei tão surpreso

em toda a minha vida, mas ohábito da disciplina militar éforte dentro de mim. S olteiminha pequena máquinasuavemente ao chão paraavançar a pé como havia vistoos outros fazerem. Quando

parei diante do oficial, ele sedirigiu a mim com uma vozque podia ser ouvida por todoo agrupamento das tropas eespectadores.

- Em reconhecimento,J ohn Carter - disse ele -, porsua notável coragem ehabilidade em defender oprimo do jeddak Than Kosise, sem ajuda, subjugar trêsguerreiros verdes. É umprazer para nosso jeddakconferir a você a marca denossa gratidão.

Than Kosis então sedirigiu até mim e, colocandoum ornamento sobre meucorpo, disse:

- Meu primo narrou osdetalhes de seu maravilhosofeito, que me parece bempróximo ao que chamaria demilagroso e, se pôde defendertão bem um primo do jeddak,quão bem poderia defender apessoa do próprio jeddak? D eagora em diante você énomeado um padwar dentre aguarda e ficará alojado em

meu palácio.Eu o agradeci e, seguindo

sua indicação, me juntei aoseu estado-maior. Após acerimônia, devolvi minhamáquina à sua garagem nalaje dos galpões do esquadrãode patrulha aérea e, com umservente da corte para meguiar, fui ter com o oficialencarregado do palácio.

Capítulo 22 - MEUENCONTRO COM

DEJAH

O mordomo a quem mereportei havia recebidoinstruções para me posicionarperto do jeddak porque, emtempos de guerra, sempre háo risco de assassinato. Aregra de que na guerra tudovale parece resumir todo ovalor ético dos conflitosmarcianos.

Assim, ele meacompanhou ao apartamentoocupado por Than Kosisnaquele momento. O regenteestava tendo uma conversacom seu filho, Sab Than, evários cortesãos de sua casa, enão notou minha presença.

As paredes doapartamento eramcompletamente cobertas poresplêndidas tapeçarias queescondiam quaisquer janelasou portas que pudessem estarpor trás delas. O cômodo era

iluminado por raios de solaprisionados entre o telhadopropriamente dito e o queaparentava ser um teto falsode vidro opaco, algunscentímetros abaixo. Meu guiaafastou uma das tapeçariaspara o lado, revelando umapassagem que circundava ocômodo entre os itenspendurados e as paredes dacâmara. Eu deveria ficardentro dessa passagem, disseele, enquanto Than Kosisestivesse no apartamento.

Quando ele saísse, eu deveriasegui-lo. Minha única tarefaera guardar o regente e memanter escondido o máximopossível. Eu seria rendidoapós um período de quatrohoras. Após isso, o mordomose foi. As tapeçarias eram deuma trama estranha que lhesdavam a aparência de umapesada solidez de um lado,mas de onde eu me escondia,podia observar tudo o queacontecia no quarto como senão houvesse nenhuma

barreira se interpondo.Mal eu havia tomado meu

posto e a tapeçaria do ladooposto da câmara se abriu,dando passagem a quatrosoldados da guarda quecercavam uma figurafeminina. Ao se aproximaremde Than Kosis, os soldados sesepararam para os lados e ali,parada diante do jeddak - e amenos de três metros de mim-, estava a face sorridente eradiante de Dejah Thoris.

S ab Than, príncipe de

Zodanga, se adiantou paraencontrá- la e, de mãos dadas,vieram para perto do jeddak.Than Kosis olhou para cima,surpreso e, levantando-se, asaudou.

A que estranha anomaliadevo esta visita da princesade Helium que, há dois dias,em uma rara consideração àminha vaidade, me assegurouque preferiria Tal Hajus, othark verde, a meu filho?

D ejah Thoris apenassorriu e, com suas covinhas

ardilosas ladeando os cantosde sua boca, lhe dirigiu suaresposta:

Em Barsoom, desde oinício dos tempos, tem sidouma prerrogativa femininamudar de idéia e fingir sobreos assuntos do coração. Porisso deve me perdoar, ThanKosis, como seu filho o fez.D ois dias atrás eu não tinhacerteza de seu amor por mim,mas agora tenho e venhoimplorar que esqueça minhasduras palavras. Aceite a

promessa da princesa deHelium de que, quando forchegada a hora, ela se casarácom S ab Than, príncipe deZodanga.

Fico feliz que tenhadecidido assim - replicouThan Kosis.

Está longe de meusdesejos guerrear contra opovo de Helium. Suapromessa deve ser registradae uma proclamação ao meupovo deve ser anunciadaimediatamente.

Seria melhor, Than Kosis -interrompeu D ejah Thoris -,que a proclamação esperasseaté o fim dessa guerra. S oariamuito estranho para o meupovo e o seu se a princesa deHelium se entregasse aoinimigo de seu país em meioàs hostilidades.

E não se pode terminar aguerra agora? - disse S abThan.

É preciso somente apalavra de Than Kosis paraque seja feita a paz. D iga,

meu pai, diga a palavra queme trará alegria e um fimpara esse conflito quedescontenta o povo.

-Veremos como o povo deHelium lidará com a paz -replicou Than Kosis. -Garanto que oferecerei isso aeles. D ejah Thoris, apósalgumas poucas palavras,voltou-se e deixou oapartamento, ainda seguidapor seus guardas. Então,como um castelo de areia,meu breve sonho de

felicidade desmoronou,arrebatado pela onda darealidade. A mulher pela qualeu havia oferecido minhavida, e de cujos lábios ouvirarecentemente uma declaraçãode amor, facilmente seesquecera de minhaexistência e, sorridente, haviase entregado ao filho doinimigo mais odiado por seupovo.

Embora eu mesmo tivesseouvido tudo isso, eraimpossível acreditar.

Precisava encontrar seusaposentos e, a sós, forçá- la arepetir a verdade cruel paraque eu me convencesse.Assim, desertei meu posto ecorri pela passagem por trásdas tapeçarias em direção àporta pela qual ela haviadeixado a câmara. D eslizandosilenciosamente por entreessa abertura, descobri umlabirinto de corredorestortuosos se bifurcando e seespalhando em todas asdireções.

Correndo rapidamentepor um deles, e depois poroutro, logo me videsesperadamente perdido.Ao ouvir vozes perto de mim,parei ofegante contra umaparede lateral.Aparentemente, elas estavamvindo do lado oposto dadivisória contra a qual eu meapoiava e, imediatamente,reconheci a voz de D ejahThoris. Eu não podiaentender as palavras, massabia que não estava

enganado quanto à sua voz.Alguns passos adiante,

encontrei outra passagem nofinal da qual havia uma porta.Andando decididamente atéela, adentrei o recinto e me viem uma pequena antecâmarana qual estavam os quatroguardas que aacompanhavam. Um deles selevantou instantaneamente eme interpelou, perguntando opropósito de minha presença.

Venho em nome de ThanKosis - respondi e desejo falar

em particular com D ejahThoris, princesa de Helium.

Qual é a sua ordem? -perguntou o indivíduo.

Eu não sabia do que eleestava falando, mas respondique era membro da guarda e,sem esperar sua resposta,andei a passos largos nadireção da porta oposta daantecâmara, por trás da qualpodia ouvir D ejah Thorisconversando. Mas minhaentrada não seria realizadafacilmente. O guarda se

colocou em meu caminhodizendo:

Ninguém vem em nomede Than Kosis sem trazeruma ordem ou uma senha.Você deve informar uma ououtra antes que possaprosseguir.

A única ordem quepreciso para entrar ondedesejo, amigo, está ao meulado - respondi apontandominha espada longa.

Vai me deixar entrar empaz ou não?

Em resposta, ele sacou suaespada decididamente,chamando seuscompanheiros para juntarem-se a ele. Os quatro seposicionaram, com suasarmas desembainhadas,barrando minha passagem.

Você não está aqui porordem de Than Kosis - gritouo primeiro que havia sedirigido a mim. - E nãosomente você não entrará nosaposentos da princesa deHelium como também será

escoltado de volta a ThanKosis para explicar suaousadia injustificada. Larguesua arma, você não podevencer a nós quatro - eleadicionou com um sorrisosombrio.

Minha resposta foi umgolpe que me deixou comapenas três antagonistas, eposso assegurar que elesestavam à altura de meumetal. Eles me encurralaramcontra a parede rapidamente,fazendo-me lutar por minha

vida. Lentamente, conseguichegar a um canto da salaonde pude forçá-los a meenfrentar individualmente eassim combatemos por cercade vinte minutos. O clangordo aço contra o aço produziuuma verdadeira cacofonia napequena sala.

O barulho trouxe D ejahThoris à porta de seuapartamento e ali ela ficouparada durante toda a luta,com S ola logo atrás espiandosobre seu ombro. S ua face

não demonstrava emoção eeu sabia que ela não mereconhecia, tampouco Sola.

Finalmente, um golpe desorte derrubou o segundoguarda e então, com apenasdois oponentes, mudei minhatática e os coloquei sob acarga do estilo de luta quesempre me reservou tantasvitórias. O terceiro caiu emmenos de dez segundos apóso segundo, e o último estavamorto sobre o chão sangrentoalguns momentos depois.

Eram homens valentes elutadores nobres, e meangustiei por ter sido forçadoa matá-los, mas eudespovoaria alegrementetoda a Barsoom se nãohouvesse alternativa paraestar ao lado de minha D ejahThoris.

Embainhando minhalâmina ensangüentada,avancei na direção de minhaprincesa marciana, quecontinuava parada e mudaolhando para mim sem sinal

de reconhecimento:Quem é você, zodangano?

- ela murmurou. - Outroinimigo para me perturbarem minha miséria?

S ou amigo - respondi. -Um amigo que antes eraestimado.

Nenhum amigo daprincesa de Helium veste essemetal - ela respondeu -, masessa voz! J á a ouvi antes. Nãoé... não pode ser... não,porque ele está morto.

Mas é, minha princesa,

nenhum outro além de J ohnCarter

eu disse. - Não reconhece,mesmo por trás desta tinta edo metal estranho, o coraçãode seu líder?

Ao me aproximar dela, elase inclinou em minha direçãocom os braços estendidos,mas quando fui para alcançá-la e tomá-la em meus braços,ela recuou com um calafrio eum pequeno gemido detristeza:

Tarde demais, tarde

demais - ela lamuriou. - Oh,meu antigo líder que penseiestar morto, se tivesseretornado apenas uma horaantes..., mas agora é tardedemais, tarde demais.

D o que está falando,D ejah Thoris? - gritei. - Quenão teria se comprometidocom o príncipe zodangano sesoubesse que estou vivo?

Acha mesmo, J ohn Carter,que eu teria entregado meuamor a você ontem e a outrohoje? Achei que meu coração

estava enterrado com suascinzas nos fossos de Warhoone, por isso, hoje prometi oresto de meu corpo a outropara salvar meu povo damaldição de um exércitozodangano vitorioso.

Mas eu não estou morto,minha princesa. Vim parareclamá-la e nem toda aZodanga poderá me impedir.

É tarde demais, J ohnCarter, minha promessa foifeita e, em Barsoom, não hávolta. As cerimônias que se

seguirão nada mais são doque formalidades banais, talcomo o cortejo fúnebre nãomarca a morte do jeddak. Eujá estou casada, J ohn Carter.Você não pode mais mechamar de sua princesa. Vocênão é mais meu líder.

Conheço pouco dos seuscostumes aqui em Barsoom,D ejah Thoris, mas sei queamo você, e se você realmenteacredita nas últimas palavrasque disse para mim naqueledia em que as hordas de

Warhoon estavam avançandosobre nós, nenhum outrohomem jamais poderá tomá-la como noiva. Você as dissenaquele dia, minha princesa,e ainda acredita nelas! D igaque é verdade.

Eu quis dizê-las, J ohnCarter - ela murmurou. - Masnão posso mais repeti-lasagora porque me entreguei aoutro. Oh, se você apenassoubesse, meu amigo - elacontinuou, meio que falandosozinha -, minha promessa

teria sido sua há muitosmeses, e você poderia ter medesposado antes de todos osoutros. I sso poderia significara queda de Helium, mas euentregaria meu império aomeu líder tharkiano. Então,ela disse em voz alta:

Lembra-se da noite emque me ofendeu? Você mechamou de sua princesa semhaver pedido minha mão, eentão se vangloriou de terlutado por mim. Você nãoconhecia nossos costumes e,

agora vejo, eu não devia terme ofendido. Mas não havianinguém para explicar o queeu não poderia dizer. EmBarsoom, há dois tipos demulheres nas cidades doshomens vermelhos: aquelaspelas quais eles lutam paradepois pedir sua mão, eoutras por quem tambémlutam, mas nunca as pedemem casamento. Quando umhomem conquista umamulher, ele pode se dirigir aela como sua princesa ou usar

qualquer outra expressão quesignifique posse. Você havialutado por mim, mas nuncame pediu em casamento.Portanto, quando me chamoude sua princesa, entenda - elavacilou -, fiquei magoada.Mas mesmo assim, J ohnCarter, não repeli você comodeveria ter feito, até que vocêagravou a situação ao zombarde mim, dizendo que haviame conquistado em combate.

Não preciso mais pedirseu perdão agora, D ejah

Thoris - gritei. -Você devesaber que minha falha sedeve à minha ignorância deseus costumes barsoomianos.O que falhei em fazer, apesarde minha crença implícita deque meu pedido serápresunçoso e inoportuno,farei agora, D ejah Thoris.Peço que seja minha esposa e,por todo o sangue guerreiroda Virgínia que corre emminhas veias, você será.

Não, J ohn Carter, é inútil -ela gritou desesperadamente.

- J amais serei sua enquantoSab Than viver.

Você selou a sentença demorte de S ab Than, minhaprincesa. Ele morrerá.

I sso também não pode ser- apressou-se em explicar. -Não devo me casar com ohomem que assassinar meumarido, mesmo em legítimadefesa. É o costume. S omosregidos pelos costumes deBarsoom. É inútil, meuamigo. Você deve suportar aangústia comigo. Pelo menos

isso teremos em comum. I ssoe a memória dos breves diasentre os tharks. Você devepartir agora e nunca mais meprocurar. Adeus, meu antigolíder.

Abatido e triste, retirei-meda sala, mas não estavatotalmente desencorajado. Etambém não admitiria perderD ejah Thoris até que acerimônia realmente serealizasse. Vagando peloscorredores, eu estava tãoabsolutamente perdido na

confusão de passagenstortuosas quanto estava antesde descobrir os alojamentosde D ejah Thoris. Eu sabia queminha única chancerepousava em fugir da cidadede Zodanga, porque a mortedos quatro guardas teria deser explicada e eu nuncaconseguiria voltar ao meuposto original sem um guia.As suspeitas certamenterecairiam sobre mim tão logoeu fosse descoberto vagandoperdido pelo palácio.

Nessa hora me depareicom uma rampa em espirallevando aos andaresinferiores e desci por ela porvários andares até chegar aoportal de um grandeapartamento onde haviaalguns guardas. As paredesdesse aposento eramrecobertas por tapeçariastransparentes por trás dasquais me escondi sem serpercebido.

A conversa entre osguardas era trivial e não

despertou meu interesse atéum oficial entrar na sala eordenar que quatro homensrendessem o corpo de guardada princesa de Helium.Agora, eu sabia, meusproblemas começariamseriamente e, em poucotempo, estariam à minhacaça. Pareceu-me que bastouum breve momento para queum dos guardas que acabarade sair da sala voltasserepentinamente e, semfôlego, berrasse que haviam

encontrado seus quatrocamaradas exterminados naantecâmara.

Em um segundo todo opalácio ficou em polvorosa.Guardas, oficiais, cortesãos,servos e escravos corriam emcompleta confusão peloscorredores e apartamentoslevando mensagens e ordens,e procurando pistas doassassino. Essa era a minhaoportunidade e, por maisínfima que parecesse, meagarrei a ela. Quando um

grupo de soldados passouapressado pelo meuesconderijo, juntei-me à suaretaguarda e os segui pelolabirinto do palácio até quepassassem pelo grande hall,onde vi a abençoada luz dodia entrando através de umasérie de janelas maiores. Ali,abandonei meus guias e,pulando pela janela maispróxima, procurei umaavenida para escapar. Asjanelas eram voltadas parauma grande sacada que ficava

acima de uma das largasavenidas de Zodanga. O chãoestava cerca de dez metrosabaixo e, a mesma distânciado edifício, havia ainda outraparede de seis metros dealtura construída de vidropolido de trinta centímetrosde espessura. S eriaimpossível para um marcianovermelho escapar por essarota, mas para mim, com meupoder e agilidade terráqueas,aquilo parecia muito fácil.Meu único medo era ser visto

antes que a escuridão caísse,porque não poderia dar osalto em plena luz do diaenquanto o pátio abaixo e aavenida mais adianteestivessem apinhados dezodanganos. Por esse motivo,procurei um lugar para meesconder e finalmenteencontrei um, por acidente,dentro de um enormeornamento dependurado noteto do hall e a quase trêsmetros do chão. Saltei comfacilidade para dentro do

espaçoso vaso em formatoredondo e mal havia meacomodado dentro dele, ouvialgumas pessoas entrando norecinto. O grupo parou sobmeu esconderijo e eu podiaouvir claramente cada uma desuas palavras.

É obra dos heliumitas -disse um dos homens.

Sim, oh, jeddak, mas comoeles tiveram acesso aopalácio? Eu poderia acreditarque, mesmo com o cuidadodiligente de seus guardas, um

inimigo pudesse chegar àscâmaras internas, mas comouma força de seis ou oitocombatentes poderia fazer omesmo sem ser detectadaestá além de minha razão.Logo devemos saber,contudo, porque estáchegando o psicólogo real.

Agora, outro homem sejuntava ao grupo e, depois defazer sua saudação formal aoregente, disse:

-Oh, poderoso jeddak, leiouma história estranha nas

mentes mortas de seus leaisguardas. Eles foram ceifadosnão por um grupo decombatentes, mas por apenasum oponente.

Ele fez uma pausa paraque todo o peso de seupronunciamentoimpressionasse seusouvintes, e essa afirmaçãodifícil de ser aceita foievidenciada pela exclamaçãoimpaciente de incredulidadeque escapou dos lábios deThan Kosis:

Que tipo de históriaestranha me contará, Notan? -ele gritou.

É verdade, meu jeddak -retrucou o psicólogo. - Naverdade, as impressões foramfortemente marcadas nocérebro de cada um dosquatro guardas. S euantagonista era um homemmuito alto, vestindo o metalde um de seus própriosguardas, e sua habilidade deluta beirava o incrível porquelutava francamente contra

todos os quatro e os derrotouusando sua habilidade, podersobre-humano e resistência.Embora ele vestisse o metalde Zodanga, meu jeddak, talhomem nunca fora vistoantes neste ou em qualqueroutro país em toda aBarsoom.

A mente da princesa deHelium, a qual examinei einvestiguei, estava vazia paramim. Ela tem perfeitocontrole e não pude lerabsolutamente nada. Ela

disse que testemunhou umaparte do encontro e que,quando vislumbrou a cena,havia apenas um homem queela nunca havia visto antes.

Onde está aquele que mesalvou? - disse uma outra voz,que reconheci como sendo ado primo de Than Kosis, queeu havia resgatado dosguerreiros verdes. - Pelometal de meu primeiroancestral - continuou -, suadescrição coincideexatamente com ele,

especialmente sobre suahabilidade de luta.

Onde está esse homem? -gritou Than Kosis. - Tragam-no até mim imediatamente. Oque sabe dele, primo? Pareceestranho, agora que pensonisso, que houvesse umlutador como ele em Zodangae que não soubéssemos seunome até hoje. E esse nome,J ohn Carter; quem jamaisouviu um nome desses emtoda a Barsoom?

Logo chegou a notícia de

que eu não pude serencontrado no palácio ou emmeus antigos alojamentosnos galpões do esquadrão depatrulha aérea. Kantos Kanfoi encontrado e interrogado,mas não sabia nada sobremeu paradeiro ou sobre meupassado. Ele disse que sabiapouco de mim, já quehavíamos nos conhecidorecentemente, quando fomosaprisionados pelos warhoons.

Fique de olho neste aqui -comandou Than Kosis. - Ele

também é um estranho eprovavelmente ambos sãoservos de Helium. Ondeestiver um, logoencontraremos o outro.Quadrupliquem a patrulhaaérea e que todo homem quedeixar a cidade por ar ou porterra seja colocado sobintenso escrutínio.

Outro mensageiro entrouna sala com a notícia de queeu ainda estava dentro dopalácio:

A aparência de todas as

pessoas que entraram ousaíram das dependências dopalácio hoje foicuidadosamente examinada -informou o indivíduo enenhuma se aproxima dadescrição desse novo padwardos guardas além daregistrada quando ele foiapresentado pela primeiravez.

Então ele será capturadoem breve - comentou ThanKosis com satisfação. - E,enquanto isso, iremos aos

aposentos da princesa deHelium e a interrogaremossobre o fato. Ela deve sabermais do que se importou aconfessar a você, Notan.Venham.

Eles deixaram o hall e,quando a escuridão caiu, meesgueirei suavemente de meuesconderijo e me apresseipara a sacada. Poucosestavam à vista e, escolhendoo momento no qual ninguémparecia estar atento, salteirapidamente para o topo da

parede de vidro e dali para aavenida que levava para longedas dependências do palácio.

Capítulo23 - PERDIDO NO

CÉU

S em dificuldades para meesconder, apressei-me para ascercanias de nossosalojamentos, onde eu tinhacerteza de que encontrariaKantos Kan. Ao meaproximar da construção,tornei-me mais cuidadosoporque julguei -acertadamente - que o lugar

estaria sendo vigiado.D iversos homens em metaiscivis vadiavam perto daentrada central e o mesmoacontecia nos fundos. Meuúnico meio de alcançar oúltimo andar onde ficavamnossos alojamentos eraatravés do edifício adjacentee, depois de uma manobraconsiderável, consegui chegarao telhado de uma loja váriasportas adiante.

Saltando de telhado emtelhado, logo alcancei uma

janela aberta no edifício ondeesperava encontrar oheliumita. No momentoseguinte eu estava parado àsua frente, dentro do cômodo.Ele estava sozinho e nãodemonstrou surpresa comminha chegada, dizendo queestava me esperando, poismeu turno já devia teracabado há algum tempo.Percebi que ele não sabia doseventos do dia no palácio e,quando o coloquei a par, ficoucompletamente excitado. A

notícia de que D ejah Thorishavia prometido sua mão aSab Than o preencheu depavor.

- Não pode ser - exclamou.- É impossível! Ora, qualquerhomem em toda a Heliumpreferiria morrer a entregarnossa amada princesa àdinastia de Zodanga. Ela deveter enlouquecido para terconcordado com umabarganha tão atroz. Você, queagora sabe o quanto nós deHelium amamos nossa

dinastia, não pode imaginarcom que horror contemploessa aliança maldita.

O que pode ser feito, J ohnCarter? - ele continuou. - Vocêé um homem de recursos.Não consegue pensar em ummeio de salvar Helium dadesgraça?

S e eu puder chegar a umadistância de S ab Than queminha espada alcance -respondi -, posso resolver adificuldade que preocupaHelium. Mas, por razões

pessoais, preferiria que outrodesferisse o golpe quelibertará D ejah Thoris.Kantos Kan me observouatentamente antes de falar:

Você a ama! - ele disse. -Ela sabe disso?

Ela sabe, Kantos Kan, eme repele simplesmente porcausa de sua promessa a S abThan.

A esplêndida figuralevantou-se num salto e, mepuxando pelo ombro, ergueusua espada para o alto,

exclamando:Se a decisão dependesse

de mim, não teria escolhidoum companheiro maisadequado para a primeiraprincesa de Barsoom. Eis aquiminha mão em seu ombro,J ohn Carter, e minha palavrade que S ab Than sucumbirápela ponta de minha espada,pelo amor que guardo porHelium, por D ejah Thoris epor você. Nesta mesma noitetentarei chegar até seusaposentos no palácio.

Como? - perguntei. - Eleestá fortemente guardado euma força quádrupla patrulhaos céus.

Ele pendeu sua cabeça,pensativo por um momento, eentão a levantou em sinal deconfiança:

Preciso apenas passarpelos guardas para fazê-lo -disse finalmente. - Conheçouma entrada secreta para opalácio através do pináculoda torre mais alta. D escobriessa passagem por acaso,

quando estava em turno depatrulha voando sobre opalácio. Nesse trabalho épreciso que investiguemosqualquer ocorrência fora docomum, e um rosto espiandodo pináculo mais alto era,para mim, fora do comum.Assim, me aproximei edescobri que o dono daquelerosto era ninguém menos queS ab Than. Ele ficou irritadopor ter sido visto e ordenouque eu guardasse o fatosomente para mim,

explicando que aquelapassagem da torre levavadiretamente aos seusaposentos, e que somente elesabia de sua existência. S e euconseguir chegar ao telhadodo quartel e pegar meuaeroplano, estarei no quartode S ab Than em cincominutos. Mas como possoescapar deste prédio se estátão vigiado como você diz?

Quão bem guardados sãoos hangares das máquinas? -perguntei.

Normalmente há apenasum homem em serviçodurante a noite.

-Vá para o telhado desteprédio, Kantos Kan, e meespere lá. S em parar paraexplicar meus planos, refizmeu caminho para a rua e meapressei para os galpões. Nãoousei entrar no prédio, cheiocomo estava de membros doesquadrão de patrulha aéreaque, assim como toda aZodanga, procuravam pormim.

O prédio era enorme, naretaguarda de um soberbopico que se elevava trintametros para o céu. Poucasconstruções em Zodangaeram mais altas que esseshangares, apesar de outrasserem algumas dezenas demetros mais altas. Osatracadouros das grandesbelonaves enfileiradasficavam a quarenta e cincometros do chão, ao passo queas estações de cargas epassageiros das esquadras

mercantes se erguiam quasetão alto.

Era uma longa escaladapela face lateral do prédio, erepleta de perigos. Mas nãohavia outro meio, e assimensaiei a tarefa. O fato de aarquitetura barsoomiana serextremamente ornamentadafez a missão ser muito maissimples do que o esperado,com suas reentrâncias eprojeções enfeitadasformando uma escadaperfeita por todo o caminho

até o beiral do telhado doprédio. Ali, encontrei meuprimeiro obstáculo real. Abeira se projetava quase seismetros para além da paredena qual eu me segurava, eembora eu tivesse circulado ogrande edifício, não encontreinenhuma abertura atravésdela.

A cobertura estava acesa eforrada de soldadosentretidos em seuspassatempos. Portanto, eunão podia chegar ao telhado

pelo edifício.Havia uma pequena e

desesperada chance, a qualdecidi arriscar; e qualquerhomem que já viveu arriscariamil mortes por alguém comoD ejah Thoris. Agarrando-meà parede com os pés e umamão, soltei uma das longastiras de couro de meusparamentos. Em suaextremidade pendia umgrande gancho usado pelosmarinheiros para se pendurarnas laterais e no casco de suas

naves quando reparos eramnecessários e com os quais osgrupos de aterrissagemdescem das naves até o chão.Girei o ganchocuidadosamente e lancei-o atéo telhado por várias vezes atéque ele encontrasse umencaixe. Gentilmente o puxeipara que ficasse mais bemfixado, mas eu não podiasaber se agüentaria o peso demeu corpo. O gancho poderiaestar preso em falso eescorregar, lançando- me para

o pavimento trinta metrosabaixo.

Hesitei por um instante edepois, soltando-me doornamento na parede, lancei-me no espaço segurando aponta da tira. Muito abaixo demim repousavam as ruaslindamente iluminadas, osduros pavimentos e a morte.Houve um pequeno solavancono topo onde o gancho seprendia e um traiçoeiroescorregão, com um rangidoáspero que me congelou em

apreensão. Então, o gancho sefirmou e eu estava a salvo.

Escalando rapidamenteaté o topo, agarrei-me nobeiral e me projetei para asuperfície do telhado acima.Assim que fiquei em pé, fuiconfrontado pelo sentinelaem serviço, o qual encontreiao encarar o cano de seurevólver.

Quem é você e de ondeveio? - gritou.

S ou um patrulheiro aéreo,amigo, e por muito pouco não

estou morto também. Escapeipor pura obra do acaso decair na avenida lá embaixo -respondi.

Mas como você chegou atéo telhado, homem? Ninguématerrissou ou decolou doprédio na última hora.Vamos, explique- -se ouchamarei a guarda.

-Venha olhar aqui,sentinela, e verá comocheguei e o quão pouco faltoupara que eu não chegasse -respondi virando- me para a

beira do telhado onde, seismetros abaixo, na ponta deminha tira, estavamamarradas todas as minhasarmas.

O camarada, agindo peloimpulso da curiosidade, deuum passo para o meu lado eoutro para sua desgraça.Quando ele se inclinou paraespiar por sobre o beiral,agarrei-o pela garganta e pelobraço da pistola,arremessando-o pesadamentesobre o telhado.

A arma soltou-se de suamão e meus dedos abafaramsua tentativa de gritar porajuda. Eu o amordacei eamarrei para depois pendurá-lo na mesma beirada dotelhado onde eu estavapendurado momentos antes.Eu sabia que o descobririamsomente pela manhã, e todotempo que eu pudesse ganharseria precioso.

Vestindo meusparamentos e armas,apressei-me para os galpões e

logo havia trazido para foraminha máquina e a de KantosKan. Amarrando a dele atrásda minha, liguei meu motor eplanei sobre a borda dotelhado para mergulhar sobreas ruas da cidade bem abaixoda altitude habitual dapatrulha do ar. Em menos deum minuto pousava emsegurança sobre o telhado denosso apartamento diante deum Kantos Kan estupefato.

Não perdi tempo comexplicações e me pus

rapidamente a discutir nossosplanos para o futuroimediato. Ficou decidido queeu tentaria chegar a Heliumenquanto Kantos Kan entrariano palácio para dar cabo deS ab Than. S e fosse bem-sucedido, ele deveria seguirmeus passos. Ele ajustou aminha bússola, umengenhoso e pequenoapetrecho que indicapermanentemente umdeterminado ponto fixo emtoda a superfície de Barsoom.

D espedimo-nos e alçamosvôo juntos, acelerando nadireção do palácio que ficavana rota que eu deveria tomarpara chegar a Helium. Ao nosaproximarmos da alta torre, apatrulha atirou em nós decima para baixo, jogando aluz de seu ferino holofote emcheio sobre minha aeronave.Uma voz rugiu um comandode parada, seguido por umtiro pelo fato de eu ignorar oaviso. Kantos Kan mergulhourapidamente para a escuridão

enquanto eu subiaconstantemente a umaincrível velocidade rasgandoos céus marcianos,perseguido por uma dúzia denaves de patrulha aérea unidaem minha perseguição. Logoem seguida, um cruzadorligeiro levando cem homens elima bateria de armas de fogorápido se juntou a eles.Ziguezagueando minhapequena máquina, ora paracima, ora para baixo, conseguidespistar seus holofotes na

maior parte do tempo, mastambém estava perdendoterreno com essa tática, eassim decidi arriscar tudo emum curso direto, deixando oresultado nas mãos dodestino e da velocidade deminha máquina.

Kantos Kan havia meensinado um truque com atransmissão de marchas,conhecido apenas pelaarmada de Helium, queaumentava em muito avelocidade de nossas naves.

Assim, me senti seguro empoder me distanciar de meusperseguidores se conseguissedesviar dos projéteis por maisalguns momentos.

Ao acelerar através do ar,o zumbido das balas ao meuredor me convenceu de quesomente um milagre me fariaescapar, mas a sorte já estavalançada. Coloquei a nave atoda velocidade e risquei umalinha reta em minha rota nadireção a Helium.Gradualmente, deixei meus

perseguidores mais e maispara trás, e já estavacomemorando sozinho minhafuga quando um tiro certeirodo cruzador explodiu na proade minha pequena nave. Oimpacto quase a fezemborcar, mas com umatordoante mergulho elacomeçou a cair pela escuridãoda noite.

O quanto eu caí antes deretomar o controle doaeroplano não saberia dizer,mas devia estar bem próximo

ao chão quando comecei asubir novamente, porquepude ouvir claramente osruídos dos animais logoabaixo. Novamente em rotaascendente, vasculhei os céusem busca de meusperseguidores e finalmentedivisei suas luzes muito atrásde mim. Vi que estavampousando, evidentemente àminha procura.

Não arrisquei acender apequena lâmpada de minhabússola antes que suas luzes

não pudessem mais servistas. Para minhaconsternação, um fragmentodo projétil havia danificadocompletamente meu únicoguia, assim como meuvelocímetro. Era verdade queeu podia seguir as estrelas nadireção de Helium, mas semsaber a exata localização dacidade ou a velocidade comque estava viajando, minhaschances de achá-la eramínfimas. Helium fica a mil eseiscentos quilômetros a

sudoeste de Zodanga, e com abússola intacta eu teriachances de completar ajornada, exceto por algumacidente, dentro de quatro oucinco horas. D a forma comoas coisas aconteceram, amanhã me encontrou voandosobre a vastidão de um fundode mar morto depois de seishoras de vôo contínuo agrande velocidade. Nessemomento, uma grande cidadeapareceu sob mim, mas nãoera Helium, porque somente

ela - de todas as metrópolesbarsoomianas - possui duasimensas cidades circulares emuradas, separadas por centoe vinte quilômetros, o queseria fácil para mimdistinguir da altura na qualvoava.

Acreditando que eu haviaido longe demais para o nortee para o oeste, dei meia-voltana direção sudeste, passandono decorrer da manhã porvárias grandes cidades, masnenhuma que lembrasse a

descrição que Kantos Kanhavia feito de Helium. Alémda formação de cidade-gêmea, Helium tem outracaracterística marcante, quesão suas duas imensas torres:uma, de um vermelho vivido,ergue-se quase umquilômetro e meio para oscéus, bem do centro de umadas cidades; a outra, de umamarelo brilhante e damesma altura, simboliza suairmã.

Capítulo 24 - TARSTARKAS ENCONTRA

UM ALIADO

Por volta do meio-dia, passeivoando baixo sobre umagrande cidade em ruínas daantiga Marte. Enquanto eudeslizava sobre a planície àminha frente, dei de encontrocom alguns milhares deguerreiros verdes engajadosem uma tremenda batalha.Mal eu os havia avistado e

uma rajada de tiros veio emminha direção. Com suaquase infalível acuidade demira, minha pequena nave foiinstantaneamentetransformada em ruínas,caindo erraticamente para ochão. Caí praticamente nocentro do combate selvagem,entre guerreiros que nãohaviam visto minhaaproximação - tão ocupadosestavam em sua luta de vidaou morte. Os homenslutavam a pé, com espadas

longas, enquanto, na periferiado conflito, o disparoocasional de um atirador deelite derrubava guerreirosque tentassem por alguminstante se separar da massaconfusa.

Conforme minha máquinadesapareceu entre eles,percebi que era lutar oumorrer, com grandes chancesde morrer de qualquermaneira. E assim atingi ochão desembainhando minhaespada longa pronto para me

defender da melhor maneira.Caí perto de um grande

monstro que estava emcombate com trêsantagonistas. Quando olheide soslaio sua face brutal,iluminada pela luz dabatalha, reconheci TarsTarkas. Ele não me viu, poiseu estava um pouco atrásdele. Nesse momento os trêsguerreiros inimigos - quereconheci como warhoons -atacaram simultaneamente. Opoderoso ser agiu rápido

contra um deles, mas ao darum passo para tráspreparando outro golpe, caiusobre um dos mortos e ficouà mercê de seus opositorespor um instante. Rápidoscomo raios, eles se abateramsobre o thark, e os pedaços deTars Tarkas teriam de serrecolhidos posteriormente seeu não tivesse saltado à frentede sua forma prostrada paracombater seus adversários.Eu já havia dado cabo de umdeles quando o poderoso

thark recobrou seu equilíbrioe rapidamente exterminou ooutro.

Ele me lançou um olhar eum leve sorriso se formou emseus lábios macabros.Tocando meu ombro, disse: -Eu mal poderia reconhecê-lo,J ohn Carter, mas nenhumoutro mortal sobre Barsoomfaria o que você fez por mim.Acho que aprendi que existe atal coisa chamada amizade,meu amigo.

Ele não disse mais nada -

ou sequer teria aoportunidade para isso -,porque os warhoons estavamse aproximando de nós.J untos, lutamos ombro aombro durante toda aquelalonga e quente tarde até que amaré da batalha mudasse eque os remanescentes daferoz horda warhoonrecuassem montando seusthoats e fugissem naescuridão que se formava.

D ez mil homens haviamse envolvido nessa batalha

titânica, e sobre o campo dabatalha havia três mil mortos.Nenhum lado pediu,ofereceu, ou mesmo tentou,fazer prisioneiros. Em nossoretorno ã cidade após abatalha, seguimosdiretamente para osalojamentos de Tars Tarkas,onde fui deixado a sósenquanto o líder atendia àcostumeira reunião doconselho que se segueimediatamente após umconflito. Enquanto esperava

sentado o retorno doguerreiro verde, ouvi algo semovendo no apartamento aolado e, quando fui ver o queera, uma grande e odiosacriatura disparou em minhadireção, jogando-me contrauma pilha de sedas e pelessobre a qual eu estava deitadomomentos antes. Era Woola...fiel e querido Woola. Elehavia encontrado o caminhode volta a Thark, como TarsTarkas me contaria depois, eido imediatamente aos meus

antigos aposentos, ondeiniciou uma patética eaparentemente infrutíferavigília esperando meuretorno.

Tal Hajus sabe que estáaqui, J ohn Carter - disse TarsTarkas quando retornou dasdependências do jeddak. -S arkoja o viu e o reconheceuquando voltávamos. TalHajus ordenou que eu olevasse até ele esta noite. Eutenho dez thoats, John Carter.Você pode ter uma chance

com eles, e eu oacompanharei até a hidroviamais próxima que leva aHelium. Tars Tarkas pode serum guerreiro verde cruel,mas também pode ser amigo.Venha, não percamos tempo.

E quando você retornar,Tars Tarkas? - perguntei.

Os calots selvagens,talvez. Ou pior - elerespondeu. - Exceto se eutiver a oportunidade queespero há tanto tempo deenfrentar Tal Hajus em

combate.Nós ficaremos, Tars

Tarkas, e veremos Tal Hajusesta noite. Você não precisase sacrificar e talvez seja estaa noite que guarda a chanceque tanto espera.

Ele discordouenergicamente, dizendo queTal Hajus ainda era assoladopor uma fúria selvagemapenas por lembrar do murroque eu havia lhe acertado, eque se tivesse a chance decolocar as mãos em mim, eu

seria sujeitado às maisterríveis torturas.

Enquanto comíamos,repeti a Tars Tarkas a históriaque S ola havia me contadonaquela noite no fundo domar, durante a marcha paraThark.

Ele falou pouco, mas osmúsculos de sua face serevolveram em paixão eagonia pela lembrança doshorrores que haviam seabatido sobre a única coisaque ele jamais amou em sua

fria, cruel e terrível existência.Assim, não mais avesso à

minha sugestão de irmos tercom Tal Hajus, me disseapenas que antes gostaria defalar com S arkoja. Atendendoseu pedido, acompanhei-o atéos aposentos dela e o olhar deódio perverso que ela lançousobre mim foi a recompensamais gratificante paraqualquer desventura futuraque esse retorno acidental aThark poderia me trazer.

S arkoja - disse Tars Tarkas

-, quarenta anos atrás vocêserviu de instrumento para atortura e morte de umamulher chamada Kozava.Acabei de descobrir que oguerreiro que amava aquelamulher agora sabe de seupapel na trama.

Talvez ele não mate você,S arkoja, pois este não é nossocostume, mas não há nadaque o impeça de amarrar aponta de uma correia em seupescoço e a outra em umthoat selvagem,

simplesmente para testar suacapacidade de sobrevivência eassim ajudar a perpetuarnossa raça. Ao ouvir isso, elejurou que realizaria tal feitopela manhã, e achei corretoavisá-la, porque sou umhomem justo. O rio I ss fica auma pequena peregrinaçãode distância, S arkoja. Venha,John Carter.

Na manhã seguinte,S arkoja havia partido e nuncamais foi vista.

Em silêncio, caminhamos

rapidamente ao palácio dojeddak, onde fomos levadosimediatamente à suapresença. Na verdade, ele malpodia esperar para me ver eestava em pé sobre suaplataforma olhandofixamente para a porta deentrada quando chegamos.

Amarre-o naquele pilar -ele guinchou. - Vamos verquem ousou agredir opoderoso Tal Hajus.Aqueçam os ferros. Comminhas próprias mãos

queimarei seus olhos aindaem sua cabeça para que seuolhar não enoje minhapessoa.

Líderes de Thark - eubradei, voltando-me para aassembléia do conselho eignorando Tal Hajus. - S ouum líder como vocês e hojelutei lado a lado com seumaior guerreiro. Vocês medevem, ao menos, umaaudiência. Fiz por merecerpor meus atos de hoje. Vocêclamam ser apenas pessoas...

S ilêncio - rugiu Tal Hajus.- Amordacem a criatura eprendam-na como ordenei.

J ustiça, Tal Hajus -exclamou Lorquas Ptomel. -Quem é você para colocar delado os costumes ancestraisdos tharks?

S im, justiça! - ecoou outradúzia de vozes e, assim,enquanto Tal Hajus fumegavae espumava, continuei:

Vocês são um povovalente e amam a bravura,mas onde estava seu

poderoso jeddak durante abatalha de hoje? Eu não o vino calor do confronto, poisele não estava lá. Ele mutilamulheres indefesas e criançasem seu lar, mas qual foi aúltima vez que o viramlutando com homens? Ora,até mesmo eu, um anão pertodele, derrubei-o com umúnico golpe de meu punho.Não é assim que os tharksescolhem seus jeddaks? Aquiao meu lado está um grandethark, um poderoso guerreiro

e um homem nobre. Líderes,como soa "Tars Tarkas,jeddak de Thark"?

Um clamor deconcordância ressoousaudando essa sugestão.

Permanece a este conselhoo comando, e Tal Hajus deveprovar sua capacidade dereinar. S e fosse um homemvalente, desafiaria TarsTarkas ao combate, mas elenão o fará, porque Tal Hajustem medo. Tal Hajus, seujeddak, é um covarde. Eu

poderia tê-lo matado comminhas próprias mãos, e elesabe disso.

D epois que terminei,houve um silêncio nervoso,enquanto todos os olhos devoltavam sobre Tal Hajus. Elenão falou ou se moveu, mas overde malhado de seusemblante ficou lívido e aespuma congelou em seuslábios.

Tal Hajus - disse LorquasPtomel com uma voz fria edura nunca em toda a minha

vida presenciei um jeddakdos

tharks ser tão humilhado.S ó pode haver uma respostapara essa acusação.Esperamos por ela.

Mesmo assim, Tal Hajuscontinuou estático,petrificado.

Líderes - continuouLorquas Ptomel -, deve ojeddak Tal Hajus provar paraTars Tarkas sua capacidadede governar? Havia vintelíderes sobre a tribuna, e

vinte espadas brilharam noalto em concordância.

Não havia alternativa. Adecisão era definitiva e assimTal Hajus desembainhou suaespada longa e avançou paraencontrar Tars Tarkas.

O combate logo estavaterminado e, com seu pésobre o pescoço do monstromorto, Tars Tarkas tornou-seo jeddak dos tharks.

S eu primeiro ato foi fazerde mim um líder completo,com a patente que eu havia

conquistado por meuscombates nas primeirassemanas de cativeiro entreeles. Vendo a disposiçãofavorável dos guerreiros emrelação a Tars Tarkas, assimcomo em relação a mim,aproveitei a oportunidadepara engajá-los à minha causacontra Zodanga. Contei a TarsTarkas a história de minhasaventuras e, em poucaspalavras, expliquei a ele o quese passava em minha mente.

J ohn Carter sugere que a

resgatemos e a devolvamos aHelium. O saque a Zodangaserá magnífico, eeventualmente tenhopensado que se tivéssemosuma aliança com o povo deHelium, poderíamos obtersegurança e sustentabilidadesuficientes para permitir umaumento do volume efreqüência de nossasninhadas e, assim, tornarmo-nos inquestionavelmentesoberanos entre os homensverdes de toda a Barsoom. O

que me dizem?Era uma chance de lutar,

uma oportunidade desaquear, e eles morderam aisca como um rato corre paraa ratoeira. Para tharks, eleseram extremamenteentusiasmados e, antes queoutra meia hora se passasse,vinte mensageiros montadosjá estavam cavalgando pelosfundos dos mares mortospara anunciar a reunião dashordas para a expedição. Emtrês dias estávamos em

marcha rumo a Zodanga.Éramos cem mil bravosdepois de Tars Tarkas terrecrutado os serviços de trêshordas menores com apromessa da grandepilhagem a Zodanga.

Eu cavalgava na dianteirada coluna ao lado do grandethark enquanto, aos pés deminha montaria, meu amadoWoola nos acompanhava.

Viajamos sempre à noite,calculando nossa marcha paraque acampássemos durante o

dia nas cidades desertas nasquais, inclusive as feras,ficávamos o tempo todo naparte interna das construções.D urante a marcha, TarsTarkas fez uso de suaconsiderável habilidade comogovernante e recrutou outroscinqüenta mil guerreiros devárias hordas. Assim, dezdias após termos partido,paramos à meia-noite do ladode fora da grande cidadefortificada de Zodanga. Centoe cinqüenta mil bravos.

A força de combate e aeficiência dessas hordas deferozes monstros verdes eramequivalentes a dez vezes omesmo número de homensvermelhos. Tars Tarkas medisse que nunca na históriade Barsoom uma força deguerreiros verdes como essahavia marchado para a guerrajuntos. Era uma tarefacolossal manter qualquer tipode harmonia entre eles, e éinacreditável para mim queele tenha levado todos até a

cidade sem que um grandemotim irrompesse entre eles.

Mas ao nos aproximarmosde Zodanga, suas disputaspessoais haviam sucumbidoperante ao ódio maior quesentiam pelos homensvermelhos e, em especial, aoszodanganos, que por anoshaviam empreendido umacampanha brutal pelacompleta exterminação doshomens verdes, dirigindoatenção especial à destruiçãode suas incubadoras. Agora

que Zodanga estava diante denós, a tarefa de obter ummeio de entrar na cidade foidelegada a mim.Aconselhando Tars Tarkas amanter suas forças divididasem duas frentes fora doalcance das sentinelas dacidade - cada uma alinhada acada um dos grandes portões-, reuni vinte guerreirosdesmontados e me aproximeide um dos pequenos portõesque pontilhavam as muralhasem pequenos intervalos.

Esses portões não têmguardas fixos, mas sãocobertos por sentinelas quepatrulham a avenida quecircunda a cidade beirando osmuros assim como nossaspolícias metropolitanaspatrulham suas jurisdições.As muralhas de Zodanga têmvinte e dois metros de alturae quinze de espessura. S ãoconstruídas de enormesblocos de carboneto de silício,e a missão de adentrar acidade parecia, aos guerreiros

verdes que meacompanhavam, impossível.Os indivíduos que haviamsido instruídos a me seguireram de uma das hordasmenores e, portanto, não meconheciam. Colocando trêsdeles voltados para o muro,seus braços enganchados unsnos outros, ordenei que doisoutros montassem em seusombros e, a um sexto, ordeneique escalasse os ombros dosdois acima. A cabeça doguerreiro no ápice ficava a

doze metros do chão.D essa forma, com dez

guerreiros, construí uma sériede três degraus do solo até osombros do guerreiro do topo.Guardando uma pequenadistância atrás deles, tomeiimpulso correndo, subindode uma fileira para a próximae, com um salto final dosombros largos do últimodeles, me agarrei firmementeao topo da grande muralha esilenciosamente me projeteipara o vasto plano que a

encimava. Eu arrastava atrásde mim seis tiras de couroamarradas, emprestadas deseis guerreiros. Essas tirashaviam sido previamentepresas umas às outras e,passando a ponta de umapara o guerreiro maispróximo do topo, desci aoutra ponta cuidadosamentesobre o lado oposto do muro,na direção da avenida abaixo.Não havia ninguém à vista, eassim desci até a ponta dacorda de couro e saltei os dez

metros restantes até opavimento.

Kantos Kan havia meensinado o segredo para abriresses portões. No momentoseguinte, vinte grandesguerreiros estavam dentro dacidade condenada deZodanga. D escobri, paraminha alegria, que eu haviaentrado na periferia maisbaixa do enorme terreno dopalácio. A construção seapresentava ao longe comuma luz de brilho glorioso e,

na mesma hora, enviei umdestacamento de guerreirosdiretamente para o interiordo palácio enquanto orestante da valente hordaatacava as barracas dossoldados. D espachei um demeus homens para pedir aTars Tarkas uma unidade decinqüenta tharks, anunciandominhas intenções. Ordeneique dez guerreiros tomasseme abrissem um dos portõesmaiores enquanto eu e osoutros nove remanescentes

abriríamos o outro.Precisávamos fazer nossotrabalho em silêncio enenhum tiro deveria serdisparado, nenhum avançoem grupo deveria ser feito atéque eu tivesse chegado aopalácio com meus cinqüentatharks. Nosso planofuncionou perfeitamente. Asduas sentinelas queencontramos foramencomendadas aos seusdeuses sobre os bancos domar perdido de Korus, e os

guardas de ambos os portõesos seguiram em silêncio.

Capítulo 25 - OSAQUE A ZODANGA

Quando o grande portãoonde eu estava se abriu, meuscinqüenta tharks, lideradospelo próprio Tars Tarkas,adentraram montados emseus poderosos thoats. Eu osguiei para os muros dopalácio, os quais não tiveproblemas em transpor. Umavez dentro, contudo, o portãome deu um trabalho

considerável, mas finalmentefui recompensado ao vê-lo semover em suas enormesdobradiças e logo minhaescolta cavalgava por sobre osjardins do jeddak deZodanga. Ao nosaproximarmos do palácio, erapossível ver a câmara deaudiência brilhantementeiluminada de Than Kosisatravés das grandes janelasdo primeiro andar. O imensohall estava repleto de nobrese suas esposas, como se algo

muito importante estivesseacontecendo. Não haviaguardas por ali, devido,presumi, ao fato de asmuralhas da cidade e dopalácio serem consideradasinexpugnáveis. Assim,cheguei mais perto paraespionar.

Em um canto da câmara,sobre tronos de ourocravejados de diamantes,sentavam Than Kosis e suaconsorte, rodeados de oficiaise dignitários do governo.

D iante deles se dispunha umlongo corredor formado porsoldados de ambos os lados.Enquanto eu observava, aponta de uma procissãoavançou, vinda do outro ladodo hall, e adentrou o corredorem direção aos pés dostronos. À frente marchavamquatro oficiais da guarda dojeddak trazendo uma grandebandeja sobre a qualrepousava, em uma almofadade seda escarlate, uma grandecorrente dourada com um

cadeado em cadaextremidade. Logo atrásdesses oficiais, outros quatrotraziam uma bandeja similarque carregava os magníficosornamentos dignos dopríncipe e da princesa da casareal de Zodanga.

Aos pés do trono essesdois grupos se separaram epararam, frente a frente, cadaum de um lado do corredor.D epois disso vieram maisdignitários e os oficiais dopalácio e do exército e,

finalmente, duas figurasinteiramente cobertas emseda escarlate - das quaisnenhuma feição eradiscernível. Esses doispararam aos pés do trono, àfrente de Than Kosis. Quandoo resto da procissão já haviaentrado e assumido seuslugares, Than Kosis se dirigiuao casal perante ele. Eu nãopodia ouvir as palavras, masnaquele momento doisoficiais avançaram eremoveram as vestes

escarlates de uma dessasfiguras, e assim vi que KantosKan havia falhado em suamissão, porque era S ab Than,príncipe de Zodanga, quemapareceu diante de meusolhos.

Than Kosis tomou umconjunto de ornamentos deuma das bandejas e colocouum dos colares de ouro aoredor do pescoço de seu filho,fechando a trava do cadeado.D epois de algumas palavrasproferidas a Sab Than, ele se

voltou para a outra figura, daqual os oficiais removeram assedas que a envolviam. Assimme foi revelada D ejah Thoris,princesa de Helium.

O objetivo da cerimôniaestava claro para mim. Emalguns instantes D ejah Thorisseria unida para sempre aopríncipe de Zodanga. Erauma cerimôniaimpressionante e bela,presumo, mas para mimparecia a visão maisaterrorizante que jamais

havia testemunhado.Enquanto os ornamentoseram ajustados sobre sualinda figura e seu colar deouro permanecia aberto nasmãos Than Kosis, eleveiminha espada longa acima deminha cabeça e, com umapesada coronhada, estilhaceio vidro da grande janela,saltando no meio de umaassembléia surpresa. Comum pulo, eu estava nosdegraus da plataformapróxima a Than Kosis, e

enquanto ele estavaparalisado de surpresa, desciminha espada longa sobre acorrente de ouro que teriaunido Dejah Thoris a outro.

No segundo seguinte tudoera confusão. Mil espadas meameaçavam de todas asdireções e S ab Than saltousobre mim com uma adagaadornada que havia sacado deseus ornamentos nupciais. Eupoderia tê-lo matadofacilmente como a umamosca, mas o antigo costume

de Barsoom impediu meumovimento e, segurando seupunho enquanto a adagavoava na direção de meucoração, lancei-a para o outrolado da sala com minhaespada.

- Zodanga caiu - gritei. -Vejam!

Todos os olhares sevoltaram para a direção queapontei, e ali estavam,forçando sua entrada pelasportas de acesso, Tars Tarkase seus cinqüenta guerreiros

cavalgando seus thoats.Um grito de alarme e

assombro tomou a multidão,mas não houve nenhumapalavra de medo. Em umsegundo os soldados e nobresde Zodanga estavam seabatendo sobre os tharksinvasores.

Empurrando S ab Than decima da plataforma, puxeiD ejah Thoris para o meulado. Atrás do trono haviauma estreita passagem eThan Kosis a bloqueava, me

encarando, com sua espadalonga em riste. Em ummomento estávamos nosenfrentando, mas nãoencontrei um antagonista àaltura. Enquantocircundávamos a largaplataforma, vi S ab Thancorrendo em auxílio de seupai, mas, ao levantar sua mãopara desferir o golpe, D ejahThoris saltou à sua frente eentão minha espadaencontrou o espaço para fazerde S ab Than jeddak de

Zodanga. Enquanto seu pairolava morto sobre o chão, onovo jeddak se livrou dosbraços de D ejah Thoris enovamente ficamos frente afrente. Rapidamente umgrupo de quatro oficiais seuniu a ele e, com minhascostas voltadas para o tronodourado, lutei mais uma vezpor D ejah Thoris. Eu estavaobrigado a me defender e nãoatingir S ab Than, casocontrário, perderia minhaúltima chance de conquistar a

mulher que amava. Minhalâmina riscava o ar com arapidez de um relâmpago,defendendo- me dos golpesde meus oponentes.Desarmei dois e derrubei

um, quando vários outrosvieram em auxílio de seunovo regente, buscandovingança pela morte doanterior. Enquantoavançavam, gritavam: "Amulher! A mulher! Matem amulher! Ela planejou tudo!Matem! Matem a mulher!"

Chamando D ejah Thorispara ficar atrás de mim, abricaminho na direção de umapequena passagem por trásdo trono, mas os oficiaisentenderam minhasintenções e três delessaltaram às minhas costas,impedindo minhas chancesde chegar a uma posição naqual eu poderia defenderD ejah Thoris contra qualquerexército de espadachins. Ostharks estavamcompletamente ocupados no

centro da sala, e comecei aentender que nada menosque um milagre poderiasalvar Dejah Thoris ou a mim,quando vi Tars Tarkassurgindo do enxame depigmeus que pululava sobreele. Com uma parábola desua poderosa espada, eleceifou uma dúzia de corposaos seus pés e assim abriu ocaminho à sua frente atéchegar sobre a plataforma, aomeu lado, distribuindo mortee destruição para todos os

lados. A bravura doszodanganos era contagiante.Nenhum tentou escapar, equando a luta cessou foiporque apenas os tharkshaviam sobrevivido nogrande hall além de D ejahThoris e eu.

S ab Than jazia morto aolado de seu pai e os corpos daalta nobreza e dos cavalheiroszodanganos cobriam o chãodaquele matadourosangrento.

Meu primeiro pensamento

após a batalha foi paraKantos Kan. D eixando D ejahThoris sob a responsabilidadede Tars Tarkas, destaqueiuma dúzia de guerreiros ecorri para os calabouços dopalácio. Os carcereiroshaviam desertado para sejuntar à luta na sala do trono,e vasculhamos a prisãolabiríntica sem oposição.

Chamei alto pelo nome deKantos Kan em cada corredor,cada compartimento, efinalmente fui recompensado

ao ouvir uma débil resposta.Guiados pelo som, logo oencontramos indefeso emuma cela escura. Ele estavaexultante em me ver, ecurioso em saber a razão daluta cujos ecos distanteshaviam chegado até suaprisão. Ele me disse que apatrulha aérea o haviacapturado antes que chegasseà torre alta do palácio, e que,portanto, sequer havia seaproximado de Sab Than.

D escobrimos que seria

inútil tentar cortar as barras ecorrentes que o mantinhamaprisionado e, assim,seguindo sua sugestão, subinovamente para procurar noscorpos do andar acima pelaschaves dos cadeados de suacela e grilhões.

Felizmente, um dosprimeiros que examinei eraseu carcereiro, e logo KantosKan se juntava a nós na salado trono.

Os sons de artilhariapesada, misturados a gritos e

berros, chegavam das ruas dacidade, e Tars Tarkas logo seapressou em comandar seussoldados. Kantos Kan oacompanhou para servir deguia enquanto os guerreirosverdes começavam umabusca mais detalhada aopalácio, procurando poroutros zodanganos e porvalores a saquear. D ejahThoris e eu fomos deixados asós. Ela havia desabado emum dos tronos dourados, equando me virei para ela,

devolveu-me um sorrisoexausto:

Nunca houve um homemassim! - ela exclamou. - S eique Barsoom nunca viu umhomem como você antes. Seráque todos os homens da Terrasão como você? Mesmosolitário, estrangeiro, caçado,ameaçado, perseguido, vocêfez em alguns poucos meseso que nenhum homem fezpor eras em Barsoom: uniu ashordas selvagens dos fundosdos mares e as trouxe para

lutar como aliadas de umpovo de marcianosvermelhos.

A resposta é simples,D ejah Thoris - repliqueisorrindo. - Não fui eu quemfez isso, foi o amor. O amorpor D ejah Thoris, um poderque pode realizar milagresainda maiores do que este.

Um belo rubor seespalhou por sua face e elarespondeu:

Agora você pode dizerisso, J ohn Carter, e eu posso

ouvi- lo, porque estou livre.E devo dizer mais, embora

seja tarde mais uma vez -retruquei. - Fiz muitas coisasestranhas em minha vida,coisas que homens maissábios não teriam ousado,mas nunca, nem em meussonhos mais selvagens,imaginei conquistar alguémcomo você, D ejah Thoris...porque nunca sonhei que emtodo universo existisse umamulher como a princesa deHelium. O fato de você ser

uma princesa não meperturba, mas você me fazduvidar de minha sanidadeao lhe perguntar, minhaprincesa, se deseja ser minha.

Aquele que sabe tão bema resposta ao pedido que feznão precisa ficar perturbado -ela respondeu levantando-see colocando suas doces mãossobre meus ombros. Então,tomei-a em meus braços e abeijei.

E assim, em meio aogrande conflito na cidade

preenchida por sirenes deguerra, com a morte e adestruição ceifando suaterrível colheita à sua volta,D ejah Thoris, princesa deHelium, uma verdadeira filhade Marte, o deus da guerra,prometeu se casar com J ohnCarter, cavalheiro da Virgínia.

Capítulo 26 - DACARNIFICINA À

ALEGRIA

Algum tempo depois, TarsTarkas e Kantos Kanretornaram para anunciar queZodanga estavacompletamente subjugada.S uas forças haviam sidototalmente destruídas oucapturadas, não restandomais nenhuma resistênciaposterior. D iversas belonaves

escaparam, mas haviamilhares de navios de guerrae mercantes sob a guarda dosguerreiros thark.

As hordas menoreshaviam começado a pilhageme, conseqüentemente, asdisputas entre eles. Ficoudecidido que reuniríamosquantos guerreirospudéssemos, tripulássemosquantos navios fosse possívelcom prisioneiros zodanganose partíssemos sem demorapara Helium.

Cinco horas depois,navegávamos a partir dostelhados das docas com umaarmada de duzentos ecinqüenta navios de guerra,levando quase cem milguerreiros e seguidos poruma frota de cargueiros paranossos thoats. D eixamos paratrás uma cidade em retalhos,dominada por cinqüenta milguerreiros verdes, ferozes ebrutais, das hordas inferiores.Eles estavam pilhando,assassinando e lutando entre

si. Em centenas de lugareseles haviam feito uso de suastochas, e colunas de fumaçadensa se erguiam sobre acidade como que para ocultardos olhos do céu as terríveiscenas abaixo.

No meio da tardeavistamos as torres vermelhae amarela de Helium. E,pouco tempo depois, umagrande armada de belonaveszodanganas se levantou doscampos em redor da cidade,avançando de encontro.

As flâmulas de Heliumhaviam sido estendidas deproa a popa em cada uma denossas poderosas naves, masos zodanganos nãoprecisavam ver esse sinalpara saber que éramosinimigos, pois nossosguerreiros marcianos haviamaberto fogo sobre elespraticamente no momentoem que decolaram. Com suafabulosa mira, varreram afrota inimiga com rajada apósrajada.

As cidades gêmeas deHelium, percebendo queéramos amigos, enviaramcentenas de embarcações emnosso auxílio, e então teveinício a primeira batalhaaérea de verdade que meusolhos já viram.

Os navios que carregavamnossos guerreiros verdesforam mantidos circulando asfrotas em combate de Heliume Zodanga, uma vez que suasbaterias eram inúteis nasmãos dos tharks que, por não

possuírem armada, nãotinham habilidade com oequipamento naval. S uasarmas de mão, contudo, erambastante efetivas, e oresultado final da batalha foiextremamente influenciado -se não determinado - pela suapresença.

Primeiro, as duas forçascirculavam à mesma altitude,disparando sua artilharia decostado a costado uns nosoutros. Nesse momento, umgrande buraco se abriu no

casco de uma das imensasnaves de guerra do ladozodangano. Com umaguinada, ela giroucompletamente, despejando asua tripulação, que caiurodopiando em espirais nadireção do solo trezentosmetros abaixo. Então, a umavelocidade alucinante, a navemergulhou atrás deles,enterrando-se quase quecompletamente na greda dofundo do mar antigo.

Um clamor selvagem de

exultação se elevou doesquadrão heliumita e, comferocidade redobrada, selançaram sobre a frotazodangana. Por meio de umabela manobra, dois dosnavios de Helium ganharamuma posição acima de seusadversários e dali fizeramchover de suas bateriaslaterais uma torrente perfeitade bombas.

Então, uma a uma, asbelonaves de Helium tiveramêxito em se posicionar sobre

os zodanganos e, em poucotempo, várias de suasembarcações militarescercadas eram apenas ruínasflutuando à deriva na direçãoda grande torre escarlate deHelium. Muitas outrastentaram escapar, mas logoforam rodeadas por milharesde pequenas aeronavesindividuais acima das quaispendia outra monstruosanave de Helium pronta paralançar grupos de abordagemsobre seu convés.

Pouco mais de uma horadepois que o esquadrãozodangano havia decolado docampo de cerco em nossadireção, a batalha estavaterminada. As embarcaçõesremanescentes dos vencidosse encaminhavam para ascidades de Helium sob ocomando de suas valorosastripulações.

Havia um ladoextremamente patético narendição dessas poderosasaeronaves, resultado de um

costume atávico quedemandava que a capitulaçãodo derrotado fosse sinalizadapelo mergulho voluntário docomandante do navio vencidoem direção à terra. Um apósoutro, os bravos indivíduos,segurando suas cores sobresuas cabeças, saltavam dosaltos mastros de suasportentosas naves em direçãoa uma morte terrível.

Até que o comandante detoda a frota não saltasse paraa morte, indicando assim a

rendição dos navios restantes,a luta não cessaria e osacrifício inútil de valenteshomens continuaria.

Nesse momento,sinalizamos para a naucapitania das forças armadasde Helium se aproximar e,quando se colocaram a umadistância suficiente, aviseique tínhamos a princesaD ejah Thoris à bordo, e quegostaríamos de transferi-lapara sua embarcação e assimser levada imediatamente

para a cidade.Quando minha

proclamação chegou até eles,um grande brado se elevoudos conveses do navio líder.No momento seguinte, ascores da princesa de Heliumdesabrocharam de umacentena de pontos dasconstruções superiores.Quando outros navios doesquadrão entenderam osignificado da ação, seuniram ao clamor edesenrolaram as cores da

princesa em plena luzbrilhante do sol. A capitaniadesceu para perto, flutuougraciosamente até tocar nossoflanco e uma dúzia de oficiaissaltou para os nossos deques.Quando seus olharessurpresos recaíram sobrecentenas de guerreirosverdes, que agora saíam dosabrigos de combate, elesestancaram, mas ao veremKantos Kan, que se adiantoupara encontrá-los,continuaram e o cercaram

para cumprimentá-lo.D ejah Thoris e eu

avançamos, eles não tinhamolhos para outra pessoa quenão sua princesa. Ela osrecebeu com graça,chamando-os pelo nome,porque eram homens da maisalta estima e a serviço de seuavô, os quais ela conhecia hámuito tempo.

- Pousem suas mãos sobreos ombros de J ohn Carter -ela disse a eles, voltando-separa mim -, o homem a quem

Helium deve sua princesaassim como sua vitória dehoje. Trataram-me com muitacortesia e me dispensarammuitos cumprimentos egentilezas, embora o queparecia impressioná-los maisfosse o fato de eu terconseguido a ajuda dosferozes tharks em minhacampanha pela liberação deDejah Thoris e de Helium.

-Vocês devem seusagradecimentos mais a outrohomem do que a mim - eu

disse e aqui está ele.Conheçam um dos maioressoldados e governantes deBarsoom, Tars Tarkas, jeddakde Thark.

Com a mesma cortesiarefinada que haviamdispensado a mim,estenderam suas saudaçõesao grande thark que, paraminha surpresa, não ficoumuito atrás comparando-se oaltruísmo e a escolha daspalavras. Apesar de nãoserem uma raça de muitas

palavras, os tharks sãoextremamente formais e seusmodos lhes emprestammaneiras imensamentedignas e nobres.

D ejah Thoris subiu abordo da capitania e ficouirritada quando eu disse quenão a seguiria, porque, comoexpliquei, a batalha estavaapenas parcialmente vencida.Ainda tínhamos que cuidardas forças terrestreszodanganas que mantinhamo cerco, e eu não poderia

deixar Tars Tarkas antes queisso fosse resolvido.

O comandante das forçasnavais de Helium prometeuorganizar seus exércitos paraum ataque conjunto vindo dointerior da cidade e por terra.Após isso, as embarcações sesepararam e D ejah Thorisvoava triunfante de volta àcorte de seu avô, TardosMors, jeddak de Helium. Aolonge - onde permanecerampor toda a batalha -, estavanossa frota de cargueiros,

levando os thoats dosguerreiros verdes. S empontes de desembarque, atarefa de descarregar essasferas em campo aberto nãoseria fácil, mas não haviaalternativa, e assim nosdeslocamos para um ponto acerca de quinze quilômetrosdistante da cidade ecomeçamos o trabalho.

Era preciso baixar osanimais até o chão com alças,e essa missão ocupou todo orestante do dia, assim como

metade da noite. Fomosatacados duas vezes pordestacamentos da cavalariazodangana, mas tivemospoucas baixas. D e qualquerforma, quando a escuridãocaiu, eles recuaram. Assimque o último thoat foidesembarcado, Tars Tarkasdeu comando de avanço e, emtrês divisões, esgueiramo-nossobre o acampamentozodangano para o norte, o sule o leste.

Cerca de uma milha antes

do acampamento principal,encontramos seus postosavançados e, como estavacombinado, esse era o sinalpara o ataque. Com gritosferozes e selvagens,entremeados pelos berrosdesagradáveis de thoatsenervados para a batalha, nosabatemos sobre oszodanganos.

Não os pegamosdesprevenidos, mas simentrincheirados, prontos paranos enfrentar. Uma vez após

a outra fomos repelidos atéque, perto do meio-dia,comecei a temer o resultadodo confronto.

S omados de pólo a pólo,os soldados zodanganos eramcerca de um milhão,espalhados sobre suas faixasterritoriais próximas àshidrovias, ao passo quecontra eles havia menos deuma centena de milhar deguerreiros verdes. As forças aserem enviadas por Heliumainda não haviam chegado, e

nenhuma notícia delas foiouvida.

Exatamente ao meio-diaouvimos uma pesadaartilharia ao longo da linhaentre os zodanganos e ascidades, e sabíamos quenossos tão necessáriosreforços haviam chegado.Novamente Tars Tarkasordenou o ataque, e outra vezos poderosos thoats levaramseus terríveis cavaleiroscontra as linhas de defesainimigas. Ao mesmo tempo, a

linha de frente de Heliumsurgiu sobre a barricadaoposta dos zodanganos que,no próximo momento,estavam sendo esmagadoscontra duas forçasinexoráveis. Eles lutaram comnobreza, mas em vão.

A planície em frente àcidade tornou-se umverdadeiro matadouro antesque o último zodangano serendesse, mas finalmente acarnificina cessou. Osprisioneiros foram

encaminhados de volta aHelium e entramos pelosgrandes portões como umagrande e triunfante procissãode heróis conquistadores.

As largas avenidasestavam ladeadas pormulheres e crianças e, entreelas, os poucos homens cujastarefas necessitavam quepermanecessem dentro dacidade durante a batalha.Fomos saudados com umcoro infinito de aplausos ebanhados com ornamentos

de ouro, platina, prata epedras preciosas. A cidadeestava enlouquecida dealegria. Meus brutais tharkscausaram extremoentusiasmo e excitação.Nunca uma tropa armada deguerreiros verdes haviaentrado pelos portões deHelium, e o fato de agoraentrarem como amigos ealiados enchia os homensvermelhos de regozijo.

Que meus parcos serviçosprestados à D ejah Thoris já

eram conhecidos pelosheliumitas, era evidente pelosaltos brados chamando meunome e pelos punhados deornamentos que eramcolocados sobre mim e meugrande thoat enquantopassávamos pela avenida emdireção ao palácio, porquemesmo diante da aparênciaselvagem de Woola, opopulacho se prensava muitopróximo a mim. Ao nosaproximarmos daquelamagnífica construção, fomos

recebidos por um grupo deoficiais que nos saudoucalorosamente e pediu queTars Tarkas, junto com seusjeds, os jeddaks e jeds deseus aliados bárbaros e eu,desmontássemos e osacompanhássemos parareceber de Tardos Mors todaa sua gratidão por nossosserviços. No alto da gradeescadaria que se elevava aosportões principais do palácio,a corte real nos esperava, equando começamos a galgar

os degraus mais baixos, umdeles começou a descer aonosso encontro.

Ele era um espécimemasculino quase perfeito.Alto, reto como uma flecha,soberbamente musculoso ecom a postura e atitude deum verdadeiro monarca. Nãofoi necessário que ninguémme dissesse que aquele eraTardos Mors, jeddak deHelium.

O primeiro membro denosso grupo a quem se

dirigiu foi Tars Tarkas, e suasprimeiras palavras selarampara sempre uma novaamizade entre as duas raças:

Que Tardos Mors - disseele sinceramente - conheça omaior guerreiro vivo deBarsoom é uma honrainestimável, mas que eleponha sua mão sobre oombro de um amigo e aliadoé uma bênção ainda maior.

-J eddak de Helium -respondeu Tars Tarkas -, foipreciso que um homem de

outro mundo ensinasse aosguerreiros verdes de Barsoomo significado da palavraamizade. A ele devemos ofato de que as hordas tharksagora podem ouvi- lo,apreciar e dar em trocasentimentos tãobondosamente expressados.

Tardos Mors saudou cadaum dos jeddaks e jeds verdese a cada um proferiu palavrasde amizade e apreço. Ao seaproximar de mim, pousouambas as mãos sobre meus

ombros:S eja bem-vindo, meu filho

- ele disse que mereceu, commuita felicidade e semnenhuma palavra emcontrário, a mais preciosa jóiade toda Helium, sim, de todaa Barsoom, e por isso tambémmerece minha estima.

Em seguida fomosapresentados a Mors Kajak,jed da Helium inferior e paide D ejah Thoris. Ele haviaacompanhado

Tardos Mors e parecia

ainda mais afetado peloencontro do que seu pai.

Ele tentou diversas vezesexpressar sua gratidão a mim,mas, com a voz embargadapela emoção, não conseguiafalar, embora sua reputaçãocomo lutador bravo edestemido fosse destacadamesmo no ambientehabitualmente militar deBarsoom. Assim como toda aHelium, ele venerava suafilha e não podia deixar de seemocionar profundamente ao

imaginar de quais agruras elahavia escapado.

Capítulo 27 - DAALEGRIA À MORTE

Por dez dias as hordas deThark e seus aliadosselvagens se fartaram e seentretiveram e, então,carregados de caros presentese escoltados por dez milsoldados de Heliumcomandados por Mors Kajak,iniciaram sua jornada deretorno a suas terras. O jed daHelium inferior,

acompanhado por umapequena comitiva de nobres,os acompanhou por todo ocaminho até Thark para selarcom mais propriedade oslaços de paz e amizade. Solatambém acompanhou TarsTarkas, seu pai, que areconheceu como filhaperante todos os líderes. Trêssemanas depois, Mors Kajak eseus oficiais, acompanhadospor Tars Tarkas e Sola,retornaram em uma belonaveque havia sido despachada à

Thark para trazê-los a tempoda cerimônia que fez deDejah Thoris ejohn Carter umsó.

Por nove anos eu servi nosconselhos e lutei nosexércitos de Helium comopríncipe da casa de TardosMors. O povo parecia nuncase cansar de me cobrir dehonrarias, e nenhum dia sepassou sem que uma novaprova de amor fosse entregueà minha princesa, aincomparável Dejah Thoris.

Em uma incubadora deouro sobre o telhado de nossopalácio repousa um ovobranco como a neve. Porquase cinco anos dezsoldados da guarda do jeddakcuidaram de sua vigília, enenhum dia se passouenquanto estive na cidadesem que D ejah Thoris e euficássemos de mãos dadasdiante de nosso pequenosantuário planejando ofuturo, quando a delicadacasca se rompesse.

Vivida em minha memóriapermanece essa imagem daúltima noite em que nossentamos, falando em vozbaixa sobre o estranhoromance que entrelaçounossas vidas e sobre essamaravilha que estavachegando para ampliar nossafelicidade e cumprir nossasesperanças. Ao longe, vimos aluz branca brilhante de umaaeronave se aproximando,mas não dispensamosatenção especial a uma visão

tão comum. Como umrelâmpago, ela voou emdireção a Helium até que suaprópria velocidade adenunciou.

Piscando os sinais que aidentificavam comoportadora de uma mensagemao jeddak, ela circundouimpacientemente à espera damorosa nave de patrulha quedeveria escoltá-la até as docasdo palácio.

D ez minutos depois queela pousou no palácio, uma

mensagem me convocavapara a câmara do conselho,que já estava se preenchendocom os membros daquelegrupo. Tardos Mors estava naplataforma elevada do trono,andando para a frente e paratrás com um rosto marcadopela tensão. Quando todosestavam em seus assentos, elese voltou para nós.

Hoje de manhã - ele disse-, chegou a notícia a váriosgovernos de Barsoom de quea fábrica de atmosfera não faz

contato via rádio há dois dias,e tampouco as quaseincansáveis chamadasdirigidas a ela por váriascapitais lograram um sinal deresposta.

Os embaixadores dasoutras nações pediram quetomássemos aresponsabilidade sobre oassunto e enviássemos semdemora o zelador-assistenteda fábrica. D urante o diatodo, mil cruzadoresprocuraram por ele até que

neste momento um delesretornou trazendo seucadáver, encontrado nosfossos sob sua casa,terrivelmente mutilado poralgum assassino.

Não preciso dizer a vocêso que isso significa paraBarsoom. Levaria meses parapenetrar suas poderosasmuralhas, embora, de fato, otrabalho já tenha começado.Haveria pouco a temer se osmotores da estação debombeamento estivessem

funcionando normalmente,como o fez por milhares deanos até agora. Mas tememosque o pior tenha acontecido.Os instrumentos mostramuma queda rápida da pressãodo ar em todas as partes deBarsoom. O motor parou.

Meus cavalheiros - eleconcluiu -, temos no máximotrês dias de vida.

Um absoluto silêncio sefez por vários minutos atéque um jovem nobre selevantou e, com sua espada

fora da bainha, segurou-a altosobre sua cabeça e se dirigiua Tardos Mors.

Os homens de Helium seorgulham de sempre teremmostrado a Barsoom comouma nação de homensvermelhos deve viver. Agoraé nossa oportunidade demostrar como se deve morrer.Vamos continuar nossastarefas como se outros milanos de atividade produtivanos esperassem.

A câmara rugiu em

aplausos e não havia nadamelhor a ser feito do queamainar os temores do povodando-lhes o exemplo. Eassim seguimos nossoscaminhos com sorrisos emnossos rostos e a tristezaaguilhoando nossos corações.Quando retornei ao meupalácio, descobri que o rumorjá havia chegado até D ejahThoris e contei a ela tudo oque havia ouvido.

Nós fomos felizes, J ohnCarter - ela disse -, e agradeço

qualquer destino que se abatasobre nós desde que nospermita morrer juntos.

Os próximos dois dias nãotrouxeram nenhumamudança significativa nosuprimento de ar, mas namanhã do terceiro dia tornou-se difícil respirar em locaismais altos, como os telhadosdos prédios. Todas asatividades cessaram. A maiorparte das pessoas encaroubravamente sua morteanunciada. Aqui e ali,

contudo, homens e mulheresse renderam a um pesarsilencioso.

Perto da metade do dia,muitos dos mais fracoscomeçaram a sucumbir edentro de uma hora o povo deBarsoom caía aos milhares nainconsciência que precede amorte por asfixia.

D ejah Thoris e eu, juntoaos membros da família real,havíamos nos reunido em umjardim rebaixado em um dospátios interiores do palácio.

Conversamos em voz baixa -isso nos poucos momentosem que conversamos -enquanto o terror da amargasombra da morte rastejavasobre nós. Até mesmo Woolapareceu sentir o peso dacalamidade iminente, porquese aconchegou perto de DejahThoris e de mim, chorandocopiosamente.

A pequena incubadora foitrazida do telhado de nossopalácio a pedido de D ejahThoris, e agora ela fitava

detidamente a pequeninavida desconhecida que elanunca conheceria.

Conforme a dificuldade derespirar foi ficando maisperceptível, Tardos Mors selevantou e disse: - Vamos nosdar o último adeus. Os diasde grandeza de Barsoom seacabaram. O sol da próximamanhã irá iluminar ummundo morto que, por toda aeternidade, revolverá peloscéus despido até mesmo denossas lembranças. Este é o

fim.Ele se inclinou e beijou as

mulheres de sua família, epousou sua pesada mão sobreos ombros dos homens. Aome voltar tristemente, meusolhos encontraram D ejahThoris. S ua cabeça pendiasobre seu peito e pareciaestar totalmente sem vida.Com um grito, saltei até ela ea ergui em meus braços.

S eus olhos se abriram eolharam para mim:

Beije-me, J ohn Carter - ela

murmurou. - Eu te amo! Eu teamo! É cruel termos de nosseparar, agora quecomeçávamos uma vida deamor e felicidade.

Ao pressionar seuspreciosos lábios contra osmeus, o velho sentimento depoder e autoridade invencívelardeu dentro de mim. Osangue lutador da Virgíniareviveu em minhas veias.

Não será assim, minhaprincesa - eu gritei. - Há, devehaver, um outro meio e J ohn

Carter, que lutou em ummundo estrangeiro por seuamor, irá encontrá-lo.

E após minhas palavrasuma série de nove sons hámuito esquecida rastejoupara o limiar de minhaconsciência. Como um raio naescuridão, seu significadocompleto alvoreceu sobremim... a chave para as trêsgrandes portas da fábrica deatmosfera!

Virando repentinamentepara Tardos Mors enquanto

ainda segurava meu amoragonizante contra meu peito,gritei:

Uma nave, jeddak!Rápido! Ordene que suamáquina voadora mais velozesteja no topo do palácio.Ainda posso salvar Barsoom.

Ele não perdeu tempoquestionando, e em uminstante um guarda corriapara a doca mais próxima.Mesmo com o ar rarefeito equase inexistente no terraço,conseguiram lançar a mais

rápida máquina individual depatrulha aérea que ahabilidade de Barsoom jáhavia construído. BeijandoD ejah Thoris uma dezena devezes e ordenando Woola,que caso contrário teria meseguido, a ficar e montarguarda, parti com minhavelha agilidade e força paraos altos muros do palácio. Nopróximo momento, eu estavaa caminho do objeto dasesperanças de toda aBarsoom.

Eu precisava voar baixo afim de ter ar suficiente pararespirar. Assim, tomei umarota direta ao longo do fundode um velho mar para entãome elevar somente algunsmetros acima do solo.

Viajei a uma velocidadealucinante porque minhamissão era uma corridacontra o tempo e contra amorte. O rosto de D ejahThoris me acompanhava. Aome virar para um últimoolhar enquanto deixava o

jardim do palácio, pude vê-laenfraquecida e caída ao ladoda pequena incubadora. Eusabia bem que ela haviamergulhado no últimoestágio do coma que a levariaà morte, caso o suprimentode ar não fosse renovado.Assim, despindo-me dequalquer precaução, livrei-mede todos os apetrechos excetoo próprio motor e a bússola,até mesmo de meusornamentos. D eitei-me debruços no convés, uma mão

no volante e a outra forçandoo acelerador até o limitemáximo, e rasguei o arrarefeito de um planetamoribundo com a rapidez deum meteoro. Uma hora antesdo anoitecer, as grandesmuralhas da fábrica deatmosfera agigantaram-serepentinamente à minhafrente, e com um baquenauseante, mergulhei para ochão diante da pequena portaque guardava a fagulha devida dos habitantes de todo

um planeta.Ao lado da porta, uma

equipe de homens haviatrabalhado na perfuração daparede, mas eles mal haviamarranhado a superfície desílex. Agora, a maioria delesrepousava em seu últimosono, do qual nem mesmo oar poderia despertá-los.

As condições pareciammuito piores ali do que emHelium, e eu respirava comextrema dificuldade. Haviamalguns poucos homens

conscientes e nenhum dissepalavra.

S eu eu puder abrir essasportas, há algum homemcapaz de ligar os motores? -perguntei.

Eu posso - um delesrespondeu se você agirrápido. Tenho apenas maisalguns momentos de vida.Mas é inútil, porque ambos oszeladores estão mortos eninguém mais sobre Barsoomconhece o segredo dessasmalditas trancas. Por três dias

homens ensandecidos pelomedo se arremessaram contraesse portal em tentativas vãsde resolver o mistério. Eu nãotinha tempo para conversa.Estava ficando muito fraco ejá tinha dificuldade emcontrolar minha mente. Mas,em um esforço final, dobrei-me fraco sobre meus joelhose lancei as nove ondasmentais contra aquela coisamaldita à minha frente. Omarciano havia rastejado parao meu lado e com seus olhos

cheios de terror fixados emum único painel diante denós, esperava a morte emsilêncio. Vagarosamente agigantesca porta se afastouperante nós. Tentei melevantar e continuar, masestava fraco demais:

Vá em frente - gritei aomeu companheiro e se vocêchegar à sala debombeamento, abra todas asbombas. É a única chance queBarsoom tem de sobreviver aeste dia!

D e onde eu jazia, abri asegunda porta e depois aterceira, e ao ver a esperançade Barsoom rastejandodebilmente sobre suas mãose joelhos através do últimoportal, desabei inconscientesobre o solo.

Capítulo 28 - ACAVERNA NO

ARIZONA

Estava escuro quando abrimeus olhos. Vestimentasestranhas e rígidas estavamsobre meu corpo. Roupas quese estalavam e soltavam póenquanto eu me colocavasentado. Senti meu corpovestido da cabeça aos pés edos pés à cabeça, apesar deque quando caí inconsciente

na pequena entrada, euestava nu. D iante de mim umpequeno pedaço de céuenluarado se mostravaatravés de uma aberturairregular.

Minhas mãos correrammeu corpo até encontrarembolsos, e dentro de um deleshavia um pequeno pacote defósforos embrulhados empapel oleado. Risquei umdesses fósforos e sua chamafrágil iluminou o que pareciaser uma grande caverna. No

fundo dela, descobri umafigura estranha e estáticacontraída sobre um pequenobanco. Ao me aproximar, vique se tratava dos restos deuma pequena mulhermumificada com longoscabelos negros. Ela estavacurvada sobre um pequenobraseiro no qual repousavauma tigela redonda de cobrecontendo uma pequenaquantidade de pó verde.

Atrás dela, pendendo doteto por correias de couro e se

estendendo por toda acaverna, estava uma fileira deesqueletos humanos. D acorreia de cada um deleshavia outra tira atada à mãomorta da pequena mulher.Ao tocar a corda, osesqueletos balançaram com omovimento e fez-se um somde folhas secas ao vento.

Era uma cena grotesca eterrível, e me apressei parafora em busca de ar fresco,feliz em escapar de um lugartão bizarro.

A visão que encontroumeus olhos, quando pus ospés para fora sobre umapequena saliência que ficavadiante da entrada da caverna,me encheu de consternação.Um novo céu e uma novapaisagem encheram meusolhos. As montanhasprateadas ao longe, a luaquase estacionária penduradano céu e o vale pontilhado decactos abaixo de mim nãoeram de Marte. Eu mal podiaacreditar em meus olhos, mas

a verdade lentamente forçouespaço dentro de mim... Euestava olhando para oArizona, da mesma beira naqual, dez anos antes, eu haviaolhado com anseio paraMarte.

Afundando minha cabeçaem minhas mãos, voltei-me,cansado e angustiado,descendo a trilha para acaverna. S obre mim brilhavao olho vermelho de Marteguardando seu macabrosegredo, oitenta mil

quilômetros distante. Teria omarciano chegado à sala demáquinas? Teria o arrevitalizador chegado àspessoas daquele distanteplaneta a tempo? Estariaminha D ejah Thoris viva ouseu lindo corpo, frio e morto,jazeria ao lado da pequenaincubadora dourada nojardim subterrâneo do pátiointerno do palácio de TardosMors, jeddak de Helium?

Por dez anos tenhoesperado e rezado por uma

resposta às minhasperguntas. Por dez anostenho esperado e rezado paraser levado de volta ao mundode meu amor perdido. Eupreferiria estar morto ao seulado do que viver na Terra,com milhões de malditosquilômetros entre nós. Avelha mina, que acheiintocada, me deu umafabulosa riqueza, mas que meimportava o dinheiro?

Ao sentar-me aqui emmeu estúdio com vista para o

Hudson, apenas vinte anos sepassaram desde que abrimeus olhos em Marte.

Eu posso vê-lo brilhandono céu através da pequenajanela em frente à minhamesa, e hoje ele parece estarme chamando novamentecomo nunca chamou desdeaquela noite há muito. E achoque posso ver, do outro ladodesse infame abismoespacial, uma linda mulherde cabelos negros no jardimde um palácio. Ao seu lado,

um pequeno garoto que põeseu braço à sua volta,enquanto ela aponta para océu na direção da Terra. Aosseus pés, uma grande emedonha criatura com umcoração de ouro. Acredito queestão a esperar por mim. Ealgo me diz que logo saberei.

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