the great gatsby, filme e livro
Post on 11-Dec-2015
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THE GREAT GATSBY — livro e filme
Carolina Simionato
Podemos começar concordando com duas coisas: 1. os filmes nunca são como os livros
dos quais são adaptação e 2. ninguém mais aguenta ouvir que o filme não é tão bom quanto o
livro. Tendo dito isso, a adaptação de 2013 de O Grande Gatsby não é boa como o livro. (Já
adianto que se você continuar lendo estará exposto a spoilers, tanto do filme quanto do livro —
esteja avisado.)
Se você já leu ou já ouviu falar de The Great Gatsby (1925), de F.
Scott Fitzgerald, sabe que não é um livro qualquer: é um
daqueles livros que competem pelo posto de “Great American
Novel” (Grande Romance Americano) por capturarem bem o
sentimento de viver em uma determinada época nos EUA. No
caso de The Great Gatsby, estes temas relacionados à vida
americana incluem a ideia de sonho americano e a Era do Jazz
(a história se passa nos anos 20), a rápida ascensão do capital
depois da guerra e a vida boêmia característica desta ascensão.
Acompanhamos toda a história pela narração em primeira
pessoa de Nick Carraway, um graduado de Yale, veterano da
Primeira Guerra Mundial vindo do Meio-Oeste e que passa a trabalhar como vendedor de
títulos em New York.
O começo do livro indica que a narração acontece após o fim da história que será
contada, ou seja, o narrador já tem conhecimento de tudo o que aconteceu e apenas se dispõe a
contar-nos. Ele começa por sua mudança para West Egg (que fica em uma baía do lado oposto
de East Egg), onde mora em uma pequena e simples casa cercada por mansões de milionários:
um destes milionários é Jay Gatsby, seu vizinho. Gatsby é um homem muito rico mas
reservado, apesar das grandiosas festas que constantemente acontecem em sua mansão: poucos
sabem quem ele realmente é (inclusive os que participam de suas festas) e ninguém sabe
exatamente de onde ele veio ou qualquer coisa de seu passado, levando ao surgimento de vários
boatos. Seu interesse por Nick é instantâneo, não só pela possibilidade de ter um amigo que o
entendesse mas principalmente por sua relação com Daisy Buchanan. Também somos logo
apresentados a outras três personagens importantes para a trama: Daisy Buchanan, prima de
segundo grau de Nick e Tom Buchanan, seu marido, que vivem em East Egg e também são
apresentados como muito ricos; e Jordan Baker, amiga de Daisy cuja relação com Nick
transparece como romântica mas confusa na maior parte do livro. Outras duas personagens que
ainda aparecerão com relevância são Myrtle Wilson, amante de Tom Buchanan e esposa de
George Wilson, um mecânico dono de uma oficina mecânica.
Um dos conflitos centrais (e o mais óbvio, pois é tratado diretamente) do livro é o amor
e o desejo de Gatsby por Daisy — com quem se envolveu romanticamente antes de ela se casar
— e as tentativas de reaproximar-se dela. Estas tentativas incluem sua mudança para West Egg,
suas festas estrondosas em que sempre ficava à espera da presença de Daisy e até mesmo sua
ascensão econômica: Daisy era de uma família tradicional e rica e Gatsby nunca se sentiu a par
com esta condição, levando-o a imaginar que ao enriquecer suas chances seriam maiores. Assim
que consegue fazer com que Daisy o reconheça (com a ajuda de Nick), soma-se a este conflito
outro: Daisy não sabe a quem escolher. Não sabe se mantém sua vida com o marido e a filha
(filha que, aliás, raramente aparece nas interações e que parece receber pouca atenção dos pais)
ou se deixa tudo para viver o amor juvenil interrompido com Gatsby. Há muito simbolismo
envolvido na narração: os grandes olhos azuis de um optometrista em um outdoor perto da
mecânica de George Wilson e da estrada que leva a Manhattan, olhos desconectados de corpo
que olham a cidade (e, depois, olhos que vêem uma morte), ou então, mais importante ainda, a
luz verde que é emitida desde East Egg, da doca da propriedade dos Buchanan, até West Egg,
onde Gatsby a assistia como um sinal de Daisy e da esperança que mantinha de tê-la
novamente.
Não me alongarei em detalhes da trama — acredito que seja muito mais proveitoso que
se leia o livro para isso, e por isso omito alguns dos acontecimentos mais importantes —, mas
acredito que esta primeira ambientação com a história já sirva para que prossigamos.
No filme, há uma primeira grande diferença: a história é narrada de acordo com
lembranças de Nick em um sanatório, onde seu médico lhe aconselhou que escrevesse a
história. Nick também aparece como um aspirante a escritor, coisa que o Nick original não
aspirava ser. A relação entre Jordan e ele também não é tão explorada quanto no livro, o que
rouba um tanto da agência de Nick por excluir cenas como, por exemplo, a em que ele beija
Jordan. Além disso, não há nem resquícios das sugestões de homossexualidade/bissexualidade
por parte de Nick deixadas através do livro: exclui-se a cena em que Nick e o Sr. McKee (um
fotógrafo previamente descrito por Nick como “a pale feminine man”) estão juntos no elevador,
cujo desfecho misterioso abre a possibilidade para essa interpretação:
‘Come to lunch some day,’ he suggested, as we groaned down in the elevator. ‘Where?’‘Anywhere . ’ ‘Keep your hands off the lever,’ snapped the elevator boy.‘I beg your pardon,’ said Mr. McKee with dignity, ‘I didn’t know I was touching it.’‘All right,’ I agreed, ‘I’ll be glad to.’… I was standing beside his bed and he was sitting up between the sheets, clad in his underwear, with a great portfolio in his hands.
Estes detalhes não só alteram a história original — o que é comum e esperado —, como
também alteram a forma como o público vê Nick. O Nick de Tobey Maguire, apesar da atuação
cuidadosa, é um sujeito menos independente do que o Nick do livro. Todas as personagens têm
sua personalidade alterada a partir de omissões e mutações do texto original quando adaptado,
mas acredito que poucas são tão marcantes quanto a de Nick. As personagens perdem muito de
sua tridimensionalidade não só pela perda da narrativa escrita, que nos ajuda a acompanhar e
entender o comportamento de uma personagem muito melhor, mas por dispositivos do filme
que me parecem estar ali somente para gerar mais interesse, ainda que não se encaixem bem na
trama. Daisy não mostra tantos sinais de hesitação no filme, enquanto no livro pode-se
perceber que para ela a ideia de deixar sua vida para estar com Gatsby não é uma ideia
cristalizada ou totalmente real. No livro, o confronto entre Gatsby e Tom — com Daisy sendo
pressionada pelos dois — não é fisicamente violento e impressionante; há muita tensão entre
Nick Carraway loucasso escrevendo a história do (grande) Gastby como se não houvesse amanhã (http://www.stevenbenedict.ie/wp-content/uploads/Gatsby.png)
“Venha almoçar um dia desses”, ele sugeriu, enquanto descíamos de elevador.
“Onde?”
“Em qualquer lugar.”
“Mantenha as mãos fora da alavanca”, reclamou o ascensorista.
“Me perdoe”, disse o Sr. McKee com dignidade, “Eu não sabia que a estava tocando.”
“Certo”, concordei, “Será um prazer.”
… Eu estava parado ao lado de sua cama e ele estava sentado em meio aos lençóis, vestido de sua cueca, com um grande portfolio em suas mãos.
todos os presentes, mas ameaças físicas não chegam a ser feitas e tudo termina como uma
maneira de evitar que se alongasse, quando Daisy e Gatsby saem juntos. Tom, um personagem
certamente detestável, é transformado em um vilão caricaturesco que acaba por apagar as suas
nuances: entre elas, a de que ele e Daisy não
são assim tão diferentes, tentando manter
aparências em seus pedestais de nobreza
econômica e soc ia l . Tom se acha
completamente superior a Gatsby e um dos
principais motivos é que a fortuna do último é
o que se chama de “new money”, ou seja,
milionários que enriqueceram com a ascensão
econômica e não por suas famílias terem sido
historicamente ricas. Para Tom, é como se isso
o distinguisse como burguesia, e não parte da
realeza como ele acreditava ser; no filme não se
toca no ponto de que as fortunas familiares
também não foram construídas honestamente.
Há muito para ser dito sobre esse filme, mas algo que não posso deixar de comentar e
que deixei por último justamente pelo incômodo que me causou é a trilha sonora. Se você já
assistiu outros filmes de Luhrmann (como Romeo + Juliet ou Moulin Rouge!), deve saber que o que
se pode dizer de suas representações do passado é que não são “padrão”. Luhrmann tende a
adaptar histórias em outras eras para uma realidade mais contemporânea à nossa e muitas vezes
o faz através da música. Não tenho comentários sobre Moulin Rouge! ou Romeo + Juliet e, se os
tivesse, não seria o momento de fazê-los, mas o que posso dizer é que em The Great Gatsby esta
“inovação” não se provou tão eficaz. Me parece muito anacrônico que tudo se passe nos anos
20 mas que as festas sejam ao som de hip-hop. As músicas são boas e realmente compactuam
com um ritmo de festa, mas parecem descoladas daquela realidade, e o parecem porque são.
Num livro tão icônico sobre a Era do Jazz, somente seria de se esperar que a música embalando
o filme fosse, justamente, o jazz. A ideia de que o hip-hop seria o jazz contemporâneo — que é
a ideia que parece que Luhrmann está tentando nos passar — não é ruim, mas quando posta
como fundo de uma cena que pertence claramente à outra época causa um estranhamento que
não eleva a capacidade do filme, mas a diminui. The Great Gatsby não precisa ser modificado
Desde o pôster, Tom já tem essa cara de playboy babaca elitista. Qual é a revelação quando ele acaba por ser mesmo?
para ser contemporâneo e, se precisasse, certamente exigiria mais do que a modernização da
trilha sonora. Veja, não é a ideia em si de misturar referências culturais e artísticas de épocas
diferentes, mas de fazê-lo de uma maneira pouco convincente. O resultado é uma clara bagunça
que não ajuda o filme a fazer o público entender as críticas principais que Fitzgerald pretendia
quando escreveu o livro. Entre todo o glamour e as festas (que mais parecem festas à fantasia
atuais cujo tema seria “anos 20”) e os cenários estonteantes (isso há de ser dito: os figurinos e
cenários são esplendorosos), será que ao final entende-se todo o drama por detrás destas vidas e
desta era, toda a carga daquela época do que acontecia naquela época? É claro que cada um de
nós terá uma leitura diferente, mas a história acaba sendo adaptada de uma maneira mais
estética e superficial do que merecia. De duas coisas, uma: ou ainda estamos por ver uma
excelente adaptação de The Great Gatsby para o cinema ou ela jamais existirá porque não há
como.
Para finalizar, é preciso deixar claro que não se pode esperar que um filme vá ser
totalmente fiel à obra literária que lhe serviu de inspiração. São duas linguagens que se
apresentam em mídias muito diferentes, apesar de convergentes, e esperar que o conteúdo de
uma seja passada sem prejuízos para a outra é ingênuo e prejudicial: daí vêm todas aquelas
reclamações de que “o livro é muito melhor”. Com isso em mente, há dois caminhos muito
divergentes para o diretor (e, é claro, entre estes dois há muitos outros, por vezes até mais
utilizados): ou se tenta seguir o máximo possível a obra, ou se abre os horizontes tendo a obra
de partida apenas como inspiração e apoio e sem a intenção de serem totalmente semelhantes.
Independente da intenção da obra, esta intenção deve ficar clara para o espectador e as pessoas
envolvidas no processo de criação devem caminhar para que esta intenção seja realizada. Até
agora não entendi qual foi a intenção de Luhrmann e, portanto, não posso dizer que ele a
realizou e nem que não a realizou. O que posso dizer, com toda a certeza, é que o filme me
deixou com um gosto estranho, agridoce e desconhecido que não me agradou.
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