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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
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Saúde Mental e Interdisciplinaridade
Carla Regina Cumiotto Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) – carlacumiotto@yahoo.com.br
Samira Raquel de Farias Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil – samirafarias@hotmail.com
Marcia de Freitas Oliveira Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB) – marciapediatria@hotmail.com
Andréa Jordani ESF Jovino Cardoso 2 – esf.jovinocardoso2@blumenau.sc.gov.br
Andréa Luciana Poerner Deschamps Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas – andrea.deschamps@terra.com.br
Eileen Valery Dietrichkeit Serviço de Avaliação em Saúde Mental – eileenvalery.dietr@gmail.com
Rita Deggau Schmidt ESF Pedro Krauss – ritadeggaus@yahoo.com.br
Sandra Mara Duarte Silveira
Centro de Atenção Psicossocial – samara@terra.com.br
Eixo temático: Conhecimento interdisciplinar
Palavras-chave: interdisciplinaridade, diagnóstico, saúde mental.
1. Introdução
O conceito de saúde tem apresentado diversos entendimentos e formulações ao longo dos anos. No
Brasil, o Movimento da Reforma Sanitária, que aconteceu no final da década de 70, impulsionado pelo
“descontentamento em relação ao Sistema Previdenciário que vigorava durante o período ditatorial”
contribuiu para a luta da democracia na saúde, conforme SILVA (2008). Com a intensificação dos
movimentos sociais pela redemocratização do País e pela melhoria das condições da saúde da população,
ocorrido no final da década de 80, houve um crescimento do movimento, tendo como marco fundamental a
8ª Conferência Nacional de Saúde em 1986 que contou, pela primeira vez, com a participação de diversos
setores da sociedade. Fruto deste momento histórico, o Relatório Final desta Conferência caracterizou a
Saúde como Direito, “resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente,
trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde”
(BRASIL, 1986).
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Com a continuidade destes debates, foi criada uma Comissão Nacional de Reforma Sanitária para
sugerir e encaminhar sua proposta à Assembleia Nacional Constituinte, visando a reestruturação do sistema
de saúde brasileiro. Após o processo de discussão, diversos interesses foram defendidos, o texto sofreu
algumas modificações, sendo aprovado. Conforme a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 196, a
saúde é apresentada como: “Um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).
A Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90 regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), concebendo-o
como um “conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”, e
que a “iniciativa privada poderá participar em caráter complementar”. Define seu modelo operacional,
propondo sua forma de organização e funcionamento e seus princípios doutrinários como sendo a
universalidade, equidade e a integralidade da atenção em saúde e como princípios organizativos a
regionalização, hierarquização e a descentralização política administrativa, com direção única em cada
esfera do governo. Também estabelece que os recursos destinados ao SUS sejam provenientes do orçamento
da Seguridade Social (Lei 8.080, 1990).
A participação social foi operacionalizada a partir da Lei nº. 8.142 de 1990, que dispõe sobre a
participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros, orientando a formação dos Conselhos de Saúde em todas as esferas do governo (federal,
estadual e municipal), adotando como estratégia organizativa a descentralização, convocando a cada quatro
anos as conferências de saúde, configurando-se um sistema de saúde participativo e com controle social (Lei
8.142, 1990).
A implantação do SUS, enquanto política social, funcionando como estrutura organizada, apresenta
desafios estruturais e conjunturais marcados pela grande desigualdade social do País, pela lógica da atenção
tradicional, baseada num modelo médico-assistencialista, de produção e de desprecarização das relações e
dos processos de trabalho. Avanços ainda são necessários, buscando a equidade na alocação de recursos
públicos, igualdade de acesso, integralidade na atenção, ênfase em todos os níveis de atenção e na
participação dos sujeitos nos processos de gestão.
Desta forma, o conceito ampliado de saúde, advindo da 8ª Conferência Nacional, expressa um
conjunto de determinantes e condicionantes do processo saúde-doença, considerando-se as condições de
vida da população e a maneira como nossa sociedade está organizada, onde os fatores sociais, econômicos,
culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais, influenciam as condições de vida da população e
a ocorrência de problemas de saúde. As situações de vulnerabilidades, de desigualdades sociais e
econômicas também produzem impacto sobre a saúde, e os sujeitos tem de lidar constantemente com
situações cada vez mais adversas.
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Assim, a atual concepção de saúde tem passado por mudanças que direcionam a ênfase ao cuidado
integral a partir da consideração dos aspectos biopsicossocioculturais que permeiam a existência dos
sujeitos. Com isso, a saúde é entendida em articulação com os determinantes sociais, necessitando do
envolvimento de múltiplos atores para o manejo adequado das demandas (LANCETTI, 2000). Este
redirecionamento possibilita que se ultrapasse a lógica biologicista, biomédica, voltada para a medicalização
da vida, para ações assistenciais e curativas com enfoque reducionista. No entanto, se considera que ter
saúde é ter ausência de doença, percebendo somente como o bom funcionamento do corpo físico, sem
relacioná-la ao contexto sociocultural, contribui-se para a fragmentação de tal conceito, desconsiderando as
singularidades e a história dos sujeitos.
Em relação ao campo da saúde mental, a assistência era baseada em hospitais, com caráter
manicomial, e a “doença mental” era tratada em macroestruturas asilares. Com a Reforma Psiquiátrica, que
está alicerçada aos princípios e diretrizes do SUS, aconteceram conquistas no campo da atenção
psicossocial, com alteração do modelo hospitalocêntrico, para uma proposta substitutiva a este modelo, com
implementação de estratégias de desinstitucionalização.
Seguindo esta proposta, a estruturação da rede de atenção em saúde mental foi fundamental no
processo de inclusão do usuário. O objetivo norteador da Reforma Psiquiátrica foi alcançado, evidenciado
pelo resgate da cidadania do indivíduo com transtorno psíquico. A autora descreveu a importância da
organização e da articulação da rede de atenção em saúde mental, promovendo a vida comunitária e
autonomia dos usuários dos serviços de saúde mental, incluindo os indivíduos a partir do seu território e
subjetividade (SCHNEIDER, 2009).
A partir destes princípios, criou-se o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Prof. Luiz da
Rocha Cerqueira) aconteceu em março de 1987, na cidade de São Paulo. Surgindo após, outros serviços
baseados na concepção de território, cuidado, acolhimento e inclusão. Desta forma, foram criados os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), a partir das portarias GM 189/91 e GM 224/92, constituindo-se a principal
estratégia da Reforma Psiquiátrica, incorporando ações de saúde não hospitalar ao custeio da rede de
cuidados e da regulamentação do funcionamento dos hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2004). Tais serviços
substitutivos consolidam a rede de atenção psicossocial, tendo como missão acolher e atender pessoas com
sofrimento psíquico grave e seu modelo baseado em uma rede diversificada de serviços na comunidade,
atuando de forma integrada, descentralizada e intersetorial.
Conforme SCHENEIDER (2008), as redes possuem relações complexas e resistentes. Entretanto, é
essencial que não se perca a dimensão da importância que constituem suas interações entre os diferentes
setores biopsicosociais. A autora acrescentou que é necessário compreender o sofrimento psíquico,
acolhendo o usuário e promovendo seu melhor encaminhamento, norteia uma relação importante e
estratégica na articulação dessa rede, tanto no cumprimento das funções de assistência direta como na
regularização da rede de serviços de saúde.
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Conforme instrutivo divulgado pela Coordenação de Saúde Mental, do Ministério da Saúde, pela
ocasião da publicação da portaria GM 336/02, o CAPS:
“Deve garantir relações entre trabalhadores e usuários centradas no acolhimento, vínculo e na
definição precisa de responsabilidade de cada membro da equipe. A atenção deve incluir ações
dirigidas aos familiares e comprometer-se com a construção dos projetos de inserção social,
respeitando as possibilidades individuais e princípios de cidadania que minimizem o estigma e
promovam a melhor qualidade de vida e inclusão social possíveis” (BRASIL, 2004).
Esta proposta de atenção psicossocial baseada no acolhimento, cuidado, vínculo, trabalho em rede,
exige dos profissionais uma clínica ampliada, que visam todo o contexto, com a participação de todas as
pessoas envolvidas.
Em 2006, GATTÁS e FUREGATO descreveram que o estudo da interdisciplinaridade ainda era
incipiente, não oferecendo segurança teórica e metodológica para aqueles que se sentem atraídos em
desenvolver um trabalho dessa envergadura. Acrescentaram que havia unanimidade quanto à falta de
compreensão do tema, de abordagem difícil de ser entendida e aplicada envolvendo variáveis que fogem ao
controle, porque são dependentes de construção de trabalho coletivo. A justificativa para tal afirmação é de
que a interdisciplinaridade não está relacionada apenas aos saberes de cada ciência, mas também às
intersubjetividades dos profissionais envolvidos no nível das relações interpessoais.
Considera-se um avanço da reforma psiquiátrica a construção dos centros de atenção psicossocial
para saúde mental. Porém percebe-se um hiato nessa transição no que se refere à clínica. Entendendo como
clínica o ato de debruçar-se sobre o sujeito. A clínica psicanalítica na saúde mental tem uma importância
decisiva na criação do conceito operatório de “construção do caso clínico” em saúde mental; … “que nos
permite pensar a clínica a partir de elementos e interrogações que emanam de outras disciplinas, como, por
exemplo, no encontro com terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, assistentes sociais, artistas, entre outros...” (TREVISAN, 2012).
Utilizando esse operador, o que o paciente diz sobre ele, as hipóteses que ele tem sobre o que o
acomete é a referência para o diagnóstico, monitoramento e avaliação de sua condição. E é a partir do que
causa enigma na clínica, tomando-a como clínica ampliada, que a equipe vai se reunir e construir algo em
torno desse enigma. Ou seja, a referência é o que o paciente diz dele e a hiânsia, o não saber dos
profissionais que o atendem é que motiva e convoca o trabalho interdisciplinar; “em lugar de operar com um
saber prévio a ser aplicado ao paciente do lugar de mestria, a psicanálise dá voz a um saber antes ignorado,
desqualificado, alienado” (TREVISAN, 2012).
“Entendemos a interdisciplinaridade na prática feita por vários como incidência de uma disciplina
sobre a outra, a partir do furo de qualquer saber” (GUERRA, 2012). Assim, se aposta não na
complementação entre os saberes, mas nas intervenções suplementares que se estabelecem de uns sobre os
outros.
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Verifica-se que uma das dificuldades em exercer o trabalho em saúde mental de forma
interdisciplinar está justamente em suportar não saber tudo sobre o usuário e ou família em questão, devido
ao próprio modelo de formação acadêmica que hegemonicamente é ensinado de forma isolada e
reducionista. Mas também, a dificuldade é de ordem subjetiva à medida que se reconhecer faltante no seu
saber causa mal estar.
Uma das maneiras de reconhecimento e enfrentamento do mal estar entre os vários saberes está em
tomar como ponto de referência o saber do usuário e a partir deste articular os conhecimentos específicos de
cada profissão, em relação à saúde mental, assim como, se deixar afetar pelo saber que cada profissão tece
sobre o sujeito e sobre o serviço de saúde mental. Entende-se que esta é a principal diferença entre um
trabalho multidisciplinar e interdisciplinar.
A visão trazida pela interdisciplinaridade propõe uma prática estrutural que permite reciprocidade, o
enriquecimento mútuo e tende a relações profissionais horizontais. A prática interdisciplinar exige um
pensar com, um pensar junto sobre um tema que instigue o fazer institucional e o fazer clínico e que sejam
elaborados todo um corpo de estratégias teóricas, clínicas e políticas sobre as ações e seus efeitos, pois a
prática interdisciplinar é um posicionamento ético, e, portanto, contínuo. Marcada assim, por uma
fecundação e aprendizagens mútuas “que não se efetua por simples adição ou mistura, mas por uma
recombinação de elementos internos” (VASCONCELOS, 2002).
No PROPET/Saúde Mental, uma das práticas interdisciplinares recorrentes se dá nos tensionamentos
que surgem entre o diagnóstico hegemonicamente dado pelo saber médico, respaldado pelos manuais de
classificação diagnóstica, especialmente o CID-10 e do DSM e entre as demais disciplinas que compõe a
equipe deste trabalho (Fisioterapia, Psicologia, Educação Física, Enfermagem, Serviço Social,
Fonoaudiologia, Farmácia, Odontologia e Medicina.) Verifica-se nestas discussões que o diagnóstico
psiquiátrico, enquanto um instrumento técnico, não dá conta de abranger a complexidade que envolve a
saúde mental, seja por trabalhar com a idéia nosográfica de sinais e sintomas e também oferecer um
tratamento muitas vezes apenas medicamentoso. Tais classificações predominantes nesta área levam a
pensar na contribuição das diferentes áreas do saber para a realização do diagnóstico, enquanto processo de
intervenção profissional. Isto porque, estas outras áreas trabalham com uma visão da psicopatologia que não
apenas nosográfica ou descritiva, mas sim, de inclusão do sujeito no seu sofrimento, a partir da sua história,
da relação com seu corpo, com sua linguagem e com a cidade onde mora.
O PROPET (Programa de Educação para o Trabalho em Saúde), linha Saúde Mental, teve como
eixo de trabalho o tema Diagnóstico, Monitoramento e Avaliação em Saúde Mental. Entre as atividades
realizadas houve um estudo dirigido sobre como cada área profissional elabora, propõe, formula o
diagnóstico.
Sendo assim o objetivo deste artigo é demonstrar o quanto esta discussão entre várias
disciplinas/profissões produziu um conhecimento e uma prática interdisciplinar entre a própria equipe e na
condução da mesma num caso clínico.
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2. Procedimentos metodológicos
O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-Saúde, regulamentado pelas portarias
interministeriais 421 e 422 de 03 de março de 2010, articulado ao Programa Nacional de Reorientação da
Formação Profissional em Saúde – PRÓ-Saúde, disponibiliza bolsas para tutores, preceptores e estudantes
de graduação na área da saúde e propõe o desenvolvimento de práticas em unidades de saúde pública,
visando elevar a qualificação técnica, científica, tecnológica e acadêmica dos futuros profissionais, com
atuação pautada pelo espírito crítico, pela cidadania e pela função social da educação superior, orientados
pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
O programa prioriza desenvolver atividades acadêmicas mediante grupos de aprendizagem tutorial
de natureza coletiva e interdisciplinar; contribuir para a implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais dos cursos de graduação da área da saúde; contribuir para a formação de profissionais de saúde
com perfil adequado às necessidades e às políticas de saúde do País; sensibilizar e preparar profissionais de
saúde para o adequado enfrentamento das diferentes realidades de vida e de saúde da população brasileira;
induzir o provimento e favorecer a fixação de profissionais de saúde capazes de promover a qualificação da
atenção à saúde em todo o território nacional; fomentar a articulação ensino-serviço-comunidade na área da
saúde e fortalecer as redes de atenção à saúde.
Em Blumenau, foi aprovada pelo Ministério da Saúde e da Educação e está em execução a proposta
apresentada pela parceria entre a Universidade Regional de Blumenau (FURB) e a Secretaria Municipal de
Saúde (SEMUS), com quatro subprojetos. A linha PRÓPET/Saúde Mental está inserida em seis cenários de
prática: no Centro de Atenção Psicossocial II (CAPSII), no Centro de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil
(CAPSi), no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad), no Serviço de Avaliação em Saúde
Mental (SAS), na Estratégia de Saúde da Família Jovino Cardoso I e II e na Estratégia de Saúde da Família
Pedro Krauss.
Na linha de Saúde Mental, o PRÓPET valoriza a interdisciplinaridade como condição para novas
práticas de trabalho e conta com profissionais e acadêmicos de diversas áreas – Psicologia, Enfermagem,
Odontologia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Serviço Social, Farmácia e Bioquímica, Educação Física e
Medicina – inseridos nos cenários para construírem práticas humanizadas de atenção e cuidado a partir de
diferentes saberes e fazeres.
O PRÓPET/Saúde Mental propõe a discussão da forma como atualmente são trabalhados o
diagnóstico, o monitoramento e a avaliação em saúde mental e, a partir da visão e da prática interdisciplinar,
objetiva estudar, avaliar e ampliar estes conceitos no trabalho com usuários dos serviços públicos de saúde
de Blumenau.
A partir do tema aprovado, os participantes do PRÓ-PET Saúde Mental optaram por realizar um
estudo sobre diagnóstico nas diferentes áreas de atuação.
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O processo de estudo iniciou com reuniões do grupo – tutora, preceptores, pesquisadora e
acadêmicos – e profissionais e estudantes de cada área participante do programa apresentaram aos demais
como é feito o diagnóstico na Saúde Mental na sua formação acadêmica.
Foram amplamente discutidos conceitos, contextualização, relevância, ética e legislação, bem como
o objeto de cada disciplina, resultando na socialização e troca do conhecimento das atividades e abrangência
de cada profissional, além de relatos de casos clínicos institucionais. Foi possibilitado um espaço aberto para
apresentações e questionamentos de cada área, tendo como suporte a leitura de referencial teórico específico
dos saberes em questão. Foi tomado o cuidado de se estabelecer uma relação igualitária entre os diversos
saberes e poderes, relativizando o modelo tradicional no qual o diagnóstico médico é hegemônico e evitando
reduzir o diagnóstico à sua própria área.
Na medida em que cada apresentação se realizava, a interface com os outros saberes ia se
construindo. Constatou-se, isso com a pergunta da preceptora de um dos cenários de prática do PROPET,
que é enfermeira, que após um estudo sobre Oficina de Literatura com Adolescentes perguntou: “Uma
enfermeira pode contar histórias?” Numa prática interdisciplinar pode e deve.
Cada área de saúde ao apresentar o conceito atual de diagnóstico referiu-se ao processo de
construção do diagnóstico dentro da sua especificidade, mas transformando esse conceito de algo rígido para
uma prática que aceita uma ação interdisciplinar. A partir dessa discussão, a atenção básica percebeu a
importância da troca com profissionais que não estão no seu cenário, porém essa troca é possível e deve
acontecer entre os serviços e é concretizada no trabalho em rede.
Deste encontro ocorreu uma mudança individual nos participantes que refletiu no serviço, no cuidado
com o usuário, qualificando e ampliando no processo de trabalho institucional. Este trabalho promoveu uma
melhor articulação entre a atenção primária, secundária e terciária estreitando o relacionamento nos cenários
de prática.
Outra prática interdisciplinar, vivenciada pela equipe do PRÓPET/Saúde Mental, ocorreu a partir de
um acolhimento realizado na atenção terciária por uma acadêmica bolsista da Saúde Mental; que ao atender
uma adolescente e seus familiares constatou que para além do sintoma de anorexia, havia um sofrimento
psíquico intenso na dinâmica familiar. Realizou o atendimento pautada em seu saber disciplinar médico, mas
já perpassada pelos demais saberes do PROPET/Saúde Mental, indicou o tratamento medicamentoso e
continuidade do acolhimento para a adolescente e sua família. Ao levar este recorte para discussão em
equipe decidiu-se, em conjunto, a necessidade de encaminhar a adolescente para outro cenário de prática, o
CAPSi.
Conforme FIGUEIREDO (2004), a construção do caso pode conter elementos discursivos de
familiares, assim como foi proposto pela acadêmica, mas não pode perder o fio de meada que é a referência
ao sujeito em questão. A autora discorreu sobre os binônios que servem como indicadores, como
ferramentas da construção para serem aplicados no trabalho em equipe, e em rede, como neste caso
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apresentado. Acrescentou que, diferentemente de um trabalho de análise, é necessário que contenha os
elementos “possíveis” a partir das referências de cada sujeito, citando da história ao caso, da supervisão à
construção, dos conceitos às distinções.
Embora a adolescente tenha iniciado o acompanhamento com uma acadêmica bolsista de outra
formação disciplinar (Psicologia) e com a preceptoria da Fonoaudiologia, a acadêmica do curso de Medicina
que a encaminhou não apenas passou o caso para a colega, mas seguiu se sentindo responsável pelo mesmo.
Este exemplo reflete a ideia de que a paciente é da rede e não de um profissional, de um saber, ou de
um cenário de prática. Embora os cenários e as formações profissionais fossem distintos, a proposição de
condução de tratamento era permeada por uma mesma ética, a de escutar a usuária e familiares para além
dos sinais e sintomas. Afirma-se que esta experiência é um testemunho de prática interdisciplinar, à medida
que o saber de três áreas distintas se deixou afetar, se alterar. Quando o clínico não tem pressa "de
diagnosticar ou reduzir o sujeito a sua doença, não descartando o diagnóstico, pois precisamos dele para
clinicar, mas a partir desse diagnóstico produzir vida." CUMIOTTO, RAULINO e RENAUX (2011).
Nesse momento, a adolescente além de ter tido uma melhora significativa no seu quadro
sintomático, vem como sujeito se apresentando nos atendimentos mais realizada com sua vida e mais
distanciada da dinâmica familiar. Entende-se que este resultado é justamente efeito de um diagnóstico
realizado de forma mais abrangente, de um acolhimento preciso e resolutivo a partir dos vários saberes e
principalmente pela responsabilização dos profissionais e acadêmicos envolvidos com a adolescente.
3. Justificativa do eixo escolhido
Este trabalho foi enquadrado no Eixo temático 2 - Conhecimento interdisciplinar, por se tratar da
experiência de uma prática interdisciplinar direcionada à formação de acadêmicos e profissionais e às
melhorias do sistema de saúde, visando ampliação do conceito diagnóstico das diversas formações que
compõem este projeto PRÓPET/Saúde Mental. Além disso, houve motivação para discussão da
interdisciplinaridade, pois o modelo hegemônico ainda é multidisciplinar.
A interdisciplinaridade tem sido considerada uma alternativa para facilitar a aplicação de inovações
propostas pelo novo modo de atenção à saúde, o qual requer profissionais capazes de articular conhecimento
específico com os demais saberes da área de Saúde Mental. Assim, a interdisciplinaridade está sempre no
centro das questões e é inegável que cada vez mais a tendência das graduações e projetos envolvidos com as
mesmas seja de integração, soma e grandes avanços na assistência. Com a interdisciplinaridade, pretende-se
integrar conhecimentos e instaurar um campo de múltiplos saberes, pluralista e heterogêneo (MEIRELLES,
2005) e principalmente capaz de alterar e criar um saber entre as disciplinas, que não está dado em nenhum
campo específico, mas na relação entre elas
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Esta prática interdisciplinar se dá principalmente sobre a formulação diagnóstica, entendida como
temporária, dinâmica e contextualizada, sobre o que cada disciplina construiu na relação com o usuário, mas
principalmente sobre o que o próprio usuário diz sobre sua condição, recolhido através de narrativas, visitas
domiciliares, atividades em grupo, entre outras.
O desafio do trabalho realizado foi compilar as várias leituras de diferentes diagnósticos firmados nas
mais variadas disciplinas envolvidas neste projeto, e assim permitir que diferentes categorias reconheçam e
respeitem as formas de fazer diagnósticos de cada área específica, para juntar-se a um todo e se preciso for,
alterar o diagnóstico final da situação institucional ou o diagnóstico de um usuário ou até mesmo rever os
diagnósticos propostos por cada disciplina, à medida que o saber de uma vai fazendo interface com o saber
da outra.
O desenvolvimento destas ações constitui-se de uma habilidade a ser exercitada, ser construída
diariamente nas relações entre os profissionais a partir de suas práticas; pois como citou FAZENDA em sua
obra “Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia (1979, p.8)”... “a
interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se...”. Assim, a prática
interdisciplinar requer profissionais capazes de construir um trabalho pautado no enfrentamento criativo dos
problemas cotidianos que devem ser enfrentados em equipe (TAVARES, 2005).
Sempre que se fala em integrar cursos, acima de tudo, discute-se sobre o foco central da saúde
coletiva atual, que é o trabalho em equipe. É inegável que o campo específico é importante e os
conhecimentos por área são necessários, mas é preciso enfrentar a hegemonia centralizadora e trabalhar com
ações interdisciplinares.
4. Considerações Finais
Considerando os níveis de atenção à saúde, o trabalho interdisciplinar realizado entre a atenção
básica e a atenção especializada alcançou uma abordagem integral da saúde. Houve um visível
deslocamento do apego da sua própria formação disciplinar/profissional para as demais áreas de atuação na
saúde mental e o rompimento da prática multiprofissional provocando a exclusão do reducionismo.
A descentralização de um único saber contribuiu para o processo de desinstitucionalização dos
sujeitos em sofrimento psíquico, porque ao relativizar os saberes e o diagnóstico retomam o projeto
terapêutico singular desses usuários e com isso provocam que o próprio usuário seja autor do seu
diagnóstico, evitando tratamentos apenas medicamentos e/ou internações e reincidências das mesmas.
Dessa forma, segundo SCHNEIDER et al. (2009) entende-se que o trabalho interdisciplinar em saúde
mental é uma importante estratégia para que o processo de desinstitucionalização seja efetivo. Com isto,
busca-se a superação do modelo asilar por meio da constituição de uma rede de serviços substitutivos. E essa
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superação só se efetiva se para além da rede de serviços se produz uma ideia de rede de cuidado. Ou ainda, o
usuário (na rede) como o exemplo já aqui mencionado.
Considera-se que o trabalho interdisciplinar envolve discussões, compartilhamento de saberes,
opiniões, experiências e percepções entre os membros da equipe. Uma das formas de se concretizar o
trabalho interdisciplinar no CAPS é por meio das interconsultas para a construção do plano terapêutico.
Além disso, o trabalho interdisciplinar promove apoio entre os profissionais nos momentos de dificuldades
no cotidiano do CAPS, especialmente em momentos de desgaste emocional e no sofrimento no trabalho.
Ressalta-se que cada especialidade precisa ultrapassar sua área de formação e competência,
respeitando seus próprios limites e buscando a contribuição de outras áreas, compreendendo o território de
cada campo de conhecimento e, ainda, distinguindo os pontos convergentes e divergentes. Esta é a condição
necessária para detectar as áreas em que possam estabelecer as conexões possíveis, de acordo com NECKEL
et al. (2009).
O diagnóstico centrado no saber psiquiátrico é ordenado em termos epistemológicos, técnicos e
éticos, ou seja, relativizado no entendimento em que o sofrimento psíquico grave é de origem orgânica,
genética ou neuronal, como os manuais estatísticos de classificação diagnóstica propõem. ESPERANZA
(2011) alertou que os termos desordem, transtorno e desvio propostos nestes manuais, embora
pretensamente científico, conduzem a uma norma ideal de saúde ampliada numa objetivação estatística e
neutra do experimentador, quando justamente expressa a normalidade, juízo de realidade e ideologia do
avaliador. A autora reitera a aplicação que expõem o sujeito, o usuário da saúde mental ao controle social.
Embora esse ainda seja a referencia de diagnóstico nos serviços de saúde mental de nosso país, com o
conhecimento interdisciplinar realizado entre as várias profissões conseguiu-se relativizá-los.
5. Referências
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Nacional de Saúde, Brasília: MS, 1986.
_________. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988.
_________. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e o financiamento dos serviços correspondentes e da outras
providências. Diário Oficial da União. Brasília DF, 19 de setembro de 1990.
__________. Lei 8142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos
financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília DF, de 31de
dezembro de 1990.
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______. Ministério da Saúde. Portaria nº 189, de 11 de dezembro de 1991. Dispõe sobre o
atendimento à Saúde Mental no Brasil. Diário Oficial Da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11
dez. 1991. Seção 1, p. 28495.
________. Ministério da Saúde. Portaria n. 224 de 29 de janeiro de 1992. Estabelece diretrizes e
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29 jan. 1992. Seção 1.
________.Ministério da Saúde. Portaria n. 336 de 19 de fevereiro de 2002. Estabelece CAPS I,
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________. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde mental no SUS: os Centros de
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CUMIOTTO, CR; RAULINO, BW; RENAUX, E. O testemunho no trabalho com grupos: a narrativa
como efeito de transformação no laço social. In: ANDRADE MRS, SILVA CRLD, SILVA A, FINCO M.
Formação em Saúde: Experiências e Pesquisas nos Cenários de Prática, Orientação Teórica e Pedagógica.
Ed. EDIFURB, Blumenau, p.125-140, 2011.
ESPERANZA, G. Medicalizar a vida. In: FENDRIK, S.; JERUSALINSKY, A. O livro negro da
psicopatologia contemporânea. 2ª Edição. São Paulo: Via Lettera, p. 53-59, 2011.
FAZENDA, ICA. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia.
Edições Loyola Jesuítas São Paulo, 107p., 1979.
FIGUEIREDO, AC. A construção do caso clínico: uma contribuição da psicanálise à psicopatologia
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