ronaldo fiani cooperação e conflito
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Cooperaoe Conflito
Instituies e Desenvolvimento Econmico
Ronaldo Fiani
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Cip-Brasil. Catalogao-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
F464c
11-1730. CDD: 338.9 CDU: 338.1
Fiani, Rona ldo, 1961-
Cooperao e conito : instituies e desenvolvimento econmico /
Ronaldo Fiani. - R io de Janeiro : Elsev ier, 2011.
Inclui bibliograa e ndice
ISBN 978-85-352-1433-8
1. Desenvolvimento econmico. 2. Administrao comercial. 3. Planejamentoempresarial. 4. Planejamento estratgico. 5. Concorrncia. 6. Poltica econmica.6. Conito - Administrao. I. Ttulo.
2011, Elsevier Editora Ltda.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no9.610, de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorizao prvia por escrito da editora, poder ser reproduzida ou transmitida, sejam
quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrcos, gravao ou quaisquer outros.
Copidesque: Bruno de Pontes Barrio
Reviso: Emdia Maria de Brito
Editorao Eletrnica: Tony Rodrigues
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ISBN: 978-85-352-1433-8
Nota:Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitao, impresso
ou dvida conceitual. Em qualquer das hipteses, solicitamos a comunicao nossa Central de Atendimento, para que
possamos esclarecer ou encaminhar a questo.
Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados
do uso desta publicao.
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Carla, Eleonora e Roberta, pelo nosso reencontro.
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VII
Apresentao
E STE LIVRO TR ATA do papel das instituies no desenvolvimento eco-nmico. Aps anos lecionando na graduao e ps-graduao, ficouevidente para o autor que faltava no Brasil uma obra que consolidasse o
debate atual sobre o papel das instituies no funcionamento da econo-
mia e no desenvolvimento. Este livro visa a tentar reduzir essa lacuna.
Assim, destina-se ao curso de Desenvolvimento Econmico, embora seja
til tambm em cursos de Economia Institucionalista, Sistemas Econmicos
e Economia Poltica.
Em funo disso, muitas vezes optou-se por apresentar conceitos que,
embora no estejam diretamente ligados ao papel das instituies no desen-
volvimento, so fundamentais para a compreenso do material estudado.
Isso deve ser especialmente evidente no tratamento dado Teoria dos Jogos
no Captulo 5 deste livro.
Essa opo pelo estudante tambm fez com que algumas discusses mais
tcnicas fossem evitadas, em favor dos argumentos centrais. Tal medida
foi necessria, especialmente ao serem abordados temas como a Teoria do
Equilbrio Geral (nos Captulos 1 e 2 deste livro) e a aplicao da Teoria
dos Jogos s convenes e normas sociais (Captulos 5 e 6), por estas serem
questes que algumas vezes envolvem aspectos tcnicos nem sempre simples
e acessveis, mesmo para economistas j formados, j que muitos no esto
familiarizados com esses assuntos.
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VII I
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Mas importante destacar que essa escolha por deixar de lado, sempre que
possvel, os aspectos tcnicos mais complexos e secundrios em favor das ideias
principais no se deve apenas necessidade de tornar o livro mais acessvel ao
estudante. Ela se deve tambm e em alguns momentos at prioritariamente
crena do autor de que, na teoria econmica moderna, no raras vezes (infelizmente),
teses importantes acabam soterradas por questes formais, desviando o debate para
aspectos que nem sempre so os mais produtivos.
Escolhemos tambm apresentar definies mais ou menos consensuais, de forma
a no se desviar da discusso do problema do desenvolvimento. Abrimos espao
para questes de definio de conceitos apenas quando as diferenas entre autores
pudessem ter algum tipo de implicao mais sria para o tema.
Tambm por ser o objetivo deste livro apresentar aos estudantes assim como
a todos os leitores interessados no assunto um panorama do debate acerca do
papel das instituies no desenvolvimento econmico, foram adotados alguns
critrios simplificadores na prpria apresentao do texto.
Em primeiro lugar, optou-se por utilizar como referncia as tradues de obras
estrangeiras (quando disponveis), em vez dos originais. A razo disso simples:
indicar ao leitor a existncia de uma traduo publicada no pas. Isso porque uma
das principais tarefas do professor induzir o estudante a formar a sua biblioteca.
Faz parte do esforo educacional no apenas informar acerca das teorias e de seus
autores, mas estimular o estudante a l-los. Assim, a utilizao de tradues visa
a facilitar a identificao, por parte do estudante, de que existe uma edio em
portugus qual ele pode ter acesso. Reconhecemos que nem todos os estudantes
tm os recursos, ou o domnio da lngua inglesa, para abordar diretamente os
originais, da esse esforo de identificao de tradues disponveis.
Na ausncia de uma obra traduzida disponvel, todas as transcries de trechos
de originais estrangeiros foram feitas pelo prprio autor. Nesse caso, no se seguiu
o procedimento padro de reproduzir o trecho do original estrangeiro em notas
de rodap, para evitar sobrecarregar o texto. Em uma obra na qual se discutemdiferentes teorias, optou-se por manter o texto o mais leve possvel: uma vez que
o contedo j traz um volume significativo de informaes, no h necessidade de
tornar a forma tambm enfadonha.
Pela mesma razo, com alguma frequncia se emprega a segunda pessoa
do plural. Evitou-se sempre que possvel uma excessiva impessoalidade. Uma
leitura do papel das instituies no desenvolvimento, especialmente em um
texto, em grande medida, orientado para o estudante, no precisa soar fria e
indiferente.
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IX
Apresentao |
Tambm para proporcionar mais leveza, o livro recorreu a quadros com informa-
o complementar ao texto, de forma a no tornar a leitura excessivamente densa;
o que no apenas poderia dificultar o acesso a um debate por si s complexo, mas,
o que seria ainda mais grave, acabaria por desviar a ateno das ideias centrais que
norteiam a discusso acerca do papel das instituies no desenvolvimento.
Por ltimo, caso o autor mencionado j tenha falecido, o leitor encontrar o
perodo em que o autor viveu entre parnteses, quando o seu nome for mencio-
nado pela primeira vez. O objetivo aqui no meramente informativo, mas o de
permitir ao leitor identificar a sequncia em que esses autores produziram suas
contribuies, o que pode ser importante na discusso do desenvolvimento, em
que algumas ideias so periodicamente retomadas e atualizadas.
No entanto, o leitor vai perceber que este livro foge a uma abordagem que vem
se tornando comum, em que as vrias teorias so apresentadas indiferentemente,
sem maiores comentrios ou observaes crticas, independentemente de quo
dspares sejam suas anlises e resultados.
Este livro no compartilha desse tipo de abordagem. Isso est relacionado,
em primeiro lugar, ao fato de que boa parte das teorias do papel das institui-
es no funcionamento do sistema econmico ainda se encontra em processo de
desenvolvimento e h controvrsias frequentemente. Desse modo, apresentar as
vrias teorias sem uma perspectiva crtica significaria ensin-las de uma forma
equivocada, sugerindo implicitamente um amadurecimento terico que muitas
delas ainda no tm.
Em segundo lugar, um esforo foi feito ao longo deste livro com o objetivo de
oferecer uma interpretao articulada dos vrios aspectos da atuao das institui-
es no funcionamento do sistema econmico e no desenvolvimento. A vantagem
desse esforo evitar a composio de um mosaico de teorias, uma coleo
desconexa e fragmentada de princpios e teorias sem relao aparente.
A apresentao de mosaicos de teorias no apenas desestimula o leitor, por
resultar em um aprendizado incoerente, como no faz justia preocupaofundamental de todo terico de instituies, que a de compreender como elas
afetam o sistema econmicoe, desse modo, como podem favorecer ou prejudicar o
desenvolvimento. Com sua natureza sistmica, a prpria preocupao que motiva
a estudar o papel das instituies no desenvolvimento demanda uma abordagem
mais integrada.
Contudo, impossvel uma apresentao integrada sem uma crtica sobre
os limites e a coerncia entre as vrias abordagens econmicas das instituies.
As teorias nesse campo nem sempre dialogam efetivamente entre si e ainda esto
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em desenvolvimento. Mais uma vez, propor que a anlise institucionalista se apre-
senta integrada de forma completa em suas diferentes formulaes seria falsear a
realidade. Veremos que essa integrao ainda um projeto a ser realizado.
Por ltimo, vale advertir que o exerccio da crtica, assim como as opes
do autor em relao s diferentes abordagens tericas, no significa desprezo ou
marginalizao intencional de qualquer corrente terica. Buscou-se apresentar as
principais correntes tericas do estudo das instituies no desenvolvimento, ainda
que sujeitas a crticas. Omitir teorias seria desleal com o estudante. Por outro lado,
ser indiferente em relao a todas elas seria desonestidade intelectual. Tentou-se,
o quanto se pode, evitar esses dois riscos.
Este livro foi elaborado tendo em vista um curso de um semestre. Sempre que
possvel, cada conceito introduzido definido no texto, de forma a permitir ao
leitor uma leitura contnua e ininterrupta.
Por ltimo, mas no com menos importncia, o autor quer manifestar o seu
agradecimento queles que colaboraram com esse livro. Inicialmente, a Ricardo
Redisch, que primeiro apoiou este projeto. Ao meu editor Andr Gerhard Wolff,
que suportou pacientemente os infindveis atrasos no cronograma. professora
Ana Clia Castro, com quem tive discusses extremamente frteis acerca das teses
institucionalistas. Sua crtica perspicaz me obrigou a aprimorar algumas ideias, as
quais se mostraram fundamentais para a consecuo deste livro.
Alessandra Veloso Duarte leu pacientemente e comentou algumas partes das
primeiras verses dos captulos, o que foi extremamente importante para tornar
mais acessveis as ideias dos autores que tratam de instituies. Ela tambm aju-
dou muito na elaborao do ttulo, pelo que sou agradecido. Elson Cedro Mira
me chamou a ateno para um ponto importante no que diz respeito s institui-
es informais, que incorporei a este trabalho. A pesquisa de Nicole Reis Barreto
Martins auxiliou na discusso das teses de Peter Evans. Por sinal, a parte sobre
Peter Evans tambm se beneficiou da ajuda do professor Paulo Tigre.
Por fim, tambm com grande considerao, aos muitos alunos da graduao em
Economia e do Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas, Estratgias e
Desenvolvimento do Instituto de Economia da UFRJ, que discutiram nas aulas ver-
ses preliminares deste livro utilizadas como textos didticos, meu muito obrigado.
Obviamente, eventuais omisses e equvocos so de total responsabilidade
do autor.
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Introduo
Por que estudar as instituiese o seu papel na economia?
ESTUDAR O PAPEL das instituies no desenvolvimento exige, inicial-
mente, estudar seu papel nofuncionamentodo sistema econmico.
A forma como o sistema econmico funciona, e como as institui-
es ajudam a organiz-lo, indica como esse sistema pode se desenvolver.
Assim, o estudo das instituies e de seu papel no sistema econmico se
desdobra no estudo do papel das instituies no desenvolvimento. Ao longo
deste livro, estudaremos as instituies na economia, e como elas afetam a
questo do desenvolvimento.
Essa abordagem, que estuda o problema do desenvolvimento a partir
da forma como o sistema econmico se organiza, no nova. Na verdade,
o que at mesmo a teoria econmica convencional tem feito at aqui,
exceto pelo fato de que essa teoria admite somente uma forma de organizar
o sistema econmico: por meio de mercados. De forma mais restritiva, a
teoria econmica convencional focaliza sua ateno em um tipo particular
de mercados: os mercados perfeitamente competitivos.
No que ela no admita outros tipos de mercados, ou seja, mercados
imperfeitamente competitivos. Mas quando se trata de estudar o sistema
econmico como um todo, a sua maior construo terica a Teoria do
Equilbrio Geral supe que h mercados para todos os produtos (hiptese
de mercados completos) e que eles so perfeitamente competitivos. Isso
fica claro quando se emprega o Primeiro e o Segundo Teorema do Bem-
Estar para discutir as propriedades de bem-estar em um sistema econmico
organizado por meio de mercados.
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Assim, nosso ponto de partida tem de ser uma avaliao da abordagem domi-
nante do estudo do sistema econmico, que aquela baseada na Teoria do Equilbrio
Geral. Por conseguinte, no primeiro captulo revemos as caractersticas de um sis-
tema econmico organizado exclusivamente por meio de mercados perfeitamente
competitivos. No segundo captulo, discutimos as fragilidades tericas que so
srias dessa abordagem do sistema econmico moderno.
Teremos a oportunidade de verificar que, longe de ser uma aproximao terica
de um sistema econmico concreto, a Teoria do Equilbrio Geral distorce a forma
pela qual um sistema econmico moderno enfrenta o seu problema bsico, o qual
nos fornece a perspectiva para o estudo das instituies e seu papel na organizao
do sistema econmico e no desenvolvimento. Mas que problema bsico seria esse?
As instituies e o sistema econmico
Consideraremos inicialmente que todo sistema econmico, seja de um pas
desenvolvido, seja de um pas em desenvolvimento, enfrenta o mesmo problema
bsico: como coordenar as atividades que empregam os recursos disponveis, de
forma a aumentar o bem-estar social, reduzindo os conf litos naturalmente gerados
pela atividade econmica?
visando a promover a cooperao e reduzir os conflitos, de forma a aumentar
a coordenao entre as atividades econmicas e reduzir o desperdcio, que as socie-
dades elaboram regras suas instituies. Esse o tema central de uma abordagem
da teoria econmica que coloca as instituies no centro do funcionamento do
sistema econmico e, portanto, de sua anlise: explicar como as regras de uma
determinada sociedade ajudam ou dificultam a cooperao no funcionamento do
sistema econmico, reduzindo ou aumentando os conflitos.
A importncia das instituies para a regulao dos conflitos e das possibilidades
de coordenao foi enfatizada por A. Allan Schmid (2004, p. 2):
(...) as pessoas so interdependentes. Seu bem-estar afetado pelas aes dos
outros. Elas tm interesses e experincias diferentes, e assim h a possibilidade
de conflito. A coordenao de atividades influencia o resultado econmico e no
interesse em cooperar. As instituies fornecem ordem e previsibilidade s tran-
saes humanas.
Com efeito, os recursos econmicos (recursos naturais, capital e mo de obra,
denominados no jargo econmico convencional fatores de produo) no se
combinam sozinhos: so as instituies que fornecem as regras pelas quais esses
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fatores de produo so organizados, gerando bens e servios que aumentam o
bem-estar da sociedade.
Essas instituies podem favorecer a cooperao e reduzir os conflitos de inte-
resse que ameaam limitar, ou at mesmo inviabilizar, as transaes necessrias
para que esses fatores de produo sejam combinados. Embora esses problemas
de coordenao e ameaas s transaes estejam presentes em todas as economias,
inclusive as mais desenvolvidas, os problemas de coordenao e as ameaas de
conflito se encontram frequentemente associados s mudanas e incertezas que
o desenvolvimento produz. Isso torna o estudo das instituies especialmente
importante para o desenvolvimento econmico.
Mas essa anlise exige que tenhamos clareza do que so instituies. Eis algumas
definies, por alguns autores institucionalistas importantes:
1) As instituies so as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formal-
mente, so as restries elaboradas pelos homens que do forma interao
humana. Em consequncia, elas estruturam incentivos no intercmbio entre
os homens, quer seja ele poltico, social ou econmico (North, 1990, p. 3).
2) (...) uma instituio ser definida como um conjunto de regras formais e
informais, incluindo os arranjos que garantem a sua obedincia (Furubotn
e Richter, 1998, p. 6).
3) Instituies so relaes humanas que estruturam oportunidades por meio
de restries e capacitaes (Schmid, 2004, p. 1).
Cada uma das definies ilumina um aspecto diferente e importante das ins-
tituies. A definio de Douglass C. North, prmio Nobel de economia de 1993,
possui vrios aspectos importantes. Em primeiro lugar, enfatiza a importncia das
instituies como regras e como restries relativas ao que as pessoas podem fazer
nos seus relacionamentos em sociedade.
Na verdade, uma instituio ser sempre uma regra, e, sendo assim, contm
sempre carter restritivo, j que as regras estruturamo que as pessoas podem fazer
quando interagem entre si.
Eirik G. Furubotn e Rudolf Richter, por outro lado, enfatizam que as regras
que compem as instituies envolvem elementos formais (ou seja, regras for-
malizadas em documentos, frequentemente formuladas e aplicadas por alguma
organizao poltica, como o Estado) e elementos informais (regras de relaciona-
mento consolidadas pelo hbito e pela cultura de uma sociedade, em relao s
quais as pessoas que as empregam muitas vezes nem se do conta de que essas
regras existem).
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Por ltimo, a definio de A. Allan Schmid chama a ateno para o fato de
que as regras no representam apenas barreiras e restries, mas tambm oferecem
oportunidades para as pessoas. Essas oportunidades muito provavelmente no
existiriam na ausncia das instituies. Isso ocorre por dois motivos.
Em primeiro lugar, na medida em que indicam as circunstncias em que os indi-
vduos podem coordenar suas aes, as instituies os orientam sobre as condies
em que possvel realizar a coordenao, incentivando-os a adotarem solues
mutuamente coerentes. Em segundo lugar, as regras que compem as instituies
vrias vezes definem quais indivduos tm a possibilidade de impor sua vontade
para a soluo de situaes de conflito, o que lhes oferece a oportunidade de
exercerem poder.
Mas alm dessas diferentes caractersticas, importante reconhecer que h dois
nveis em que as instituies atuam, organizando o sistema econmico e promo-
vendo o desenvolvimento: um nvel mais geral o ambiente institucional, e um
nvel mais localizado o arranjo institucional. Esse ser o nosso prximo tema.
Arranjo institucional e ambiente institucional
Definidas assim as instituies, uma distino importante aquela entre arranjo
institucionale ambiente institucional. Na definio clssica de Douglass C. North
e Lance E. Davis (1971, p. 6), um ambiente institucional (institutional environ-
ment) o conjunto de regras fundamentais de natureza poltica, social e legal,
que estabelece a base para a produo, a troca e a distribuio. Englobam, por
exemplo, o regime poltico, o direito civil, a constituio nacional etc.
J um arranjo institucionalseria, ainda de acordo com Douglass North e Lance
E. Davis (1971, p. 7), (...) um arranjo entre unidades econmicas, que governa
a forma pela qual essas unidades podem cooperar e/ou competir. Um mercado,
com as suas regras especficas como um mercado de capitais seria um caso
de arranjo institucional.
Os arranjos institucionais definem, por conseguinte, a forma particular
como um sistema econmico coordena um conjunto especfico de atividades
econmicas. Dessa forma, o estudo dos arranjos institucionais nos permitir
compreender a maneira pela qual um sistema econmico moderno funciona. J
vimos que, para a teoria econmica convencional, a resposta questo da forma
pela qual um sistema econmico moderno se organiza e funciona simples:
exclusivamente por meio de mercados. Contudo, no Captulo 3, estudaremos um
conceito pouco considerado pela teoria econmica convencional, que colocar em
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xeque essa resposta da teoria econmica convencional: os custos de transao.
Aps termos estudado o conceito de custos de transao, veremos no Captulo
4 que mercados no so o nico tipo de arranjo institucional que organiza as ati-
vidades em um sistema econmico moderno. H outros arranjos institucionais, os
quais, dependendo das caractersticas das transaes necessrias para organizar um
conjunto particular de atividades, podem se revelar mais adequados do que um
mercado. Esses arranjos institucionais alternativos so outras estruturas de gover-
nana, sendo o mercado apenas mais uma delas. Esse ser o tema do Captulo 4.
Com isso, teremos estabelecido a base do estudo dos arranjos econmicos, ou
seja, do papel mais localizado das instituies na organizao do sistema econ-
mico. Estaremos prontos ento para o nvel seguinte, que o do ambiente institu-
cional. Faremos isso ao estudarmos as instituies formais e informais da economia.
Instituies formais e instituies informais
Um aspecto importante a ser destacado a distino entre instituies formais e
informais, mencionado por E. G. Furubotn e R. Richter na definio de instituio
que vimos anteriormente. Chris Mantzavinos (2001, pp. 84-5) nos oferece uma
caracterizao bastante sinttica das diferenas entre as instituies formais e as
instituies informais, baseada na forma pela qual elas constrangem os indivduos a
obedec-las: As instituies formais impem obedincia por meio da lei, enquanto
as instituies informais no necessitam do Estado para impor obedincia.
As instituies informais so assim as regras consolidadas pelo convvio social,
que se cristalizaram no hbito (e, portanto, so respeitadas sem que os indivduos
se deem conta disso), ou pela presso de um grupo social sobre os seus membros,
discriminando, ou mesmo punindo, quem quebra as regras (sem que haja a inter-
ferncia do Estado). Elas so compostas, por exemplo, pela etiqueta social que
define de que forma empresrios em uma dada comunidade devem fazer negcios.
Um exemplo desse tipo de etiqueta foi mencionado por Eric Posner (2000),
quando chamou a ateno para o fato de que, nos Estados Unidos, negcios so
fechados frequentemente em jantares de clubes ou outras atividades sociais, e no
em reunies nas prprias empresas.
As instituies formais e informais compem aquilo que definimos ante-
riormente como ambiente institucional, ou seja, o conjunto mais geral de regras
que organizam o sistema econmico, independentemente da transao espec-
fica. O restante do livro trata desse ambiente institucional e seus efeitos sobre o
desenvolvimento.
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Assim, os Captulos 5 e 6 tratam das instituies informais, a partir da pers-
pectiva de que elas constituiriam um ordenamento que se estabelece de forma no
deliberada: uma ordem espontnea. Os Captulos 7 a 9 tratam das instituies
formais, ou seja, da atuao no sistema econmico da organizao poltica mais
importante de uma sociedade: seu Estado. O Captulo 7 trata da Teoria de Busca
de Renda, o Captulo 8 discute a evoluo da anlise de Douglass North acerca do
papel do Estado no sistema econmico e o Captulo 9 discute as ideias de Peter
B. Evans e Ha-Joon Chang.
Essa articulao dos captulos deste livro, em que passamos da discusso dos
arranjos institucionais um nvel mais micro para a discusso do ambiente
institucional um nvel mais macro , foi inspirada em John Toye e sua anlise
do papel de uma teoria das instituies no desenvolvimento.
John Toye (1995) aponta dois papis distintos a serem desempenhados por
uma teoria das instituies na compreenso do desenvolvimento. Um deles o
papel micro, que permitir identificar o arranjo institucional mais adequado
para determinada transao ou setor econmico.
Por exemplo, o estudo das instituies no seu nvel micro permitiria identificar
se uma determinada atividade deveria ser realizada por agentes privados ou por
empresas pblicas. John Toye (1995, p. 56) aponta que, em questes micro, ou
seja, em questes ligadas a arranjos institucionais, a teoria das instituies mostra
ser preciso considerar sempre a situao concreta e evitar respostas genricas.
Segundo ele, a outra funo das instituies no desenvolvimento seria um papel
macro, ou de uma grande teoria, ao permitir discutir como surgem e evoluem
as instituies coordenadoras das interdependncias que organizam a sociedade,
especialmente no que diz respeito produo, distribuio e apropriao da riqueza
gerada (Toye, 1995, p. 60).
A discusso do surgimento e evoluo das instituies permite, no entender de
John Toye, compreender mais adequadamente o papel de agentes como o Estado
no processo de desenvolvimento, por intermdio das suas instituies formais.
Vamos comear ilustrando aquilo que Toye chama de papel macro das insti-
tuies o ambiente institucional. Considere, assim, um empresrio que deseja
abrir uma fbrica. Do ponto de vista das instituies formais que compem o
ambiente institucional onde a empresa atua, o valor de seu capital ser afetado, por
exemplo, pelo conjunto de leis que determinam as condies de acesso a crdito,
para executar as dvidas de terceiros e as suas prprias.
O valor de seu capital tambm determinado pela legislao do trabalho
que aplicada aos seus trabalhadores, os direitos que deve respeitar pelo uso de
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propriedade intelectual alheia (patentes, marcas etc.) etc. Todos esses elementos
fazem parte das instituies formais que compem o ambiente institucional em
que a empresa atua.
J do ponto de vista das instituies informais que tambm compem esse
ambiente, temos, por exemplo, as regras cristalizadas pelo hbito e pela cultura, que
podem afetar o grau em que so respeitados os compromissos em que a empresa
baseia os seus negcios. Isso tambm, sem dvida, acaba por ter importncia no
valor do seu capital.
No difcil perceber que, de acordo com o ambiente institucional, fatores
como o tamanho da unidade produtiva, o grau de atualizao tecnolgica do
equipamento, o volume de mo de obra empregado (assim como sua remune-
rao, rotatividade no trabalho, produtividade etc.), a qualidade e a quanti-
dade de bens ou servios que a empresa produz, o quanto capaz de investir
na pesquisa e desenvolvimento de inovaes tecnolgicas etc., podero variar
significativamente.
Como um determinante importante do desenvolvimento em uma dada socie-
dade, ns temos, por conseguinte, o ambiente institucional que esta mesma socie-
dade dispe para a combinao produtiva do capital, da mo de obra e da tecno-
logia. Isso pelo simples fato de que, conforme afirmamos anteriormente, capital,
fora de trabalho, recursos naturais e conhecimentos tecnolgicos no fazem a
economia funcionar sozinhos: eles precisam ser combinados, e essa combinao
exige cooperao com poucos conflitos, para funcionar adequadamente.
Com efeito, preciso que os indivduos dessa sociedade se relacionem uns com
os outros, promulguem leis, desenvolvam normas, obedeam a convenes etc.,
para que estes recursos resultem em bens e servios que determinaro o padro
de vida que ser possvel alcanar. Esse relacionamento mediado pelo ambiente
institucional de que cada sociedade dispe.
J de um ponto de vista mais micro ou seja, em termos de arranjos institu-
cionais preciso definir como a nossa hipottica empresa vai se relacionar, por
exemplo, com seus fornecedores. Sero feitos contratos exclusivos, ou a empresa ir
adquirir seus recursos procurando pela melhor oferta nos mercados que existem?
A empresa constituir uma cadeia de fornecedores, na qual eles atuaro articulada-
mente, ou se relacionar individualmente com cada um? A empresa formar uma
joint venturecom empresas concorrentes para promover pesquisa e desenvolvimento
de novos produtos e processos produtivos, ou vai pesquisar isoladamente?
Tudo isso deve ser definido, frequentemente, pelos prprios agentes envolvidos,
uma vez que nem sempre as regras formais e informais que regulam a vida social
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definem esses aspectos especficos, mas igualmente importantes para a cooperao
e reduo de conflitos necessrios coordenao da vida econmica.
Todavia, aqui h o risco de uma confuso. Discutimos empresas, que so orga-
nizaes, e regras, que so instituies. So definies diferentes, que nem sempre
so compreendidas como tal. Como a confuso entre instituies e organizaes
comum, vamos tratar desse ponto agora.
Instituies versusorganizaes
Outra distino fundamental a ser feita entre instituies e organizaes. Isso
porque, em linguagem corrente, no raro encontrar expresses do tipo a Igreja
Catlica uma instituio milenar, ou preciso fortalecer os partidos polticos
como instituies democrticas. Essas expresses confundem instituies com
organizaes. Enquanto instituies so regras gerais de interao social, orga-
nizaes so grupos de indivduos ligados por um conjunto de regras especficas
(suas prprias instituies), as quais visam ao coletiva do grupo em torno de
um objetivo comum.
Fazendo uma aplicao bem simples dessas definies, empresas so organi-
zaes, pois so grupos que possuem suas instituies especficas (seu cdigo de
tica, suas regras de governana corporativa etc.) e que atuam coletivamente para
um objetivo comum (o lucro e crescimento da empresa). No caso dos exemplos
que citamos anteriormente, enquanto a Igreja Catlica uma organizao, seu
direito cannico conjunto de regras que regem as relaes de seus membros
uma instituio. Um partido uma organizao, seu estatuto uma instituio.
Portanto, as instituies, ao definirem as regras do jogo na sociedade e nas
organizaes, tornam as relaes econmicas em grande medida previsveis, o
que facilita as escolhas dos tomadores de deciso, ainda que elas aconteam em
ambientes de grande incerteza e complexidade. Esse aspecto, Chris Mantzavinos
(2001) denominou aspecto cognitivo das instituies, pois est relacionado s
nossas limitaes na capacidade de conhecer situaes complexas e incertas. Mas
ser que as instituies fazem isso sempre da forma mais eficiente?
Instituies e eficincia
O problema reside no fato de que, como as instituies padronizam nossas
respostas em situaes complexas e incertas, em que no conseguimos analisar
racionalmente todas as informaes necessrias, no h garantia de que sero
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adotadas as instituies mais eficientes. Isso somente poderia ser garantido se
conhecssemos todos os aspectos da situao (mesmo os incertos) e os analiss-
semos racionalmente, de forma a encontrar a melhor resposta possvel.
Porm, se isso fosse possvel, no precisaramos de instituies! As instituies
existem exatamente porque os limites da nossa capacidade em um mundo com-
plexo e incerto no nos permitem escolher sempre o melhor e mais eficiente.
Da recorrermos a regras que padronizam nossas respostas e reduzem a incerteza,
sem o que no poderamos aproveitar a interdependncia nas relaes econmicas
para estabelecermos relacionamentos vantajosos. Mas essas regras no podem ser
consideradas automaticamente eficientes.
Na verdade, o problema, como se ver neste livro, que nem sempre as ins-
tituies, ao limitarem as possibilidades de escolha na economia e na sociedade,
induzem s melhores escolhas, especialmente quando o objetivo o desenvolvi-
mento; e h bons motivos para que as instituies, que surgem motivadas pelas
oportunidades de interdependncia entre os indivduos, no sejam necessariamente
as mais eficientes.
Segundo Douglass North, os limites na nossa capacidade para armazenar, pro-
cessar e transmitir informaes nos leva a desenvolver o que ele chama de mode-
los subjetivos, ou seja, teorias acerca do funcionamento das relaes sociais.
Formamos assim modelos subjetivos para explicar como o mundo funciona e,
frequentemente, justificar ostatus quo. A ideia, por exemplo, de que toda a ativi-
dade possvel deve ser deixada para a iniciativa privada, sem qualquer interferncia
do Estado, um modelo desse tipo.
Esses modelos so imperfeitos e incompletos, pois os indivduos tm raciona-
lidade limitada e assim elaboram modelos que no apenas no retratam de forma
adequada a realidade, como frequentemente no interpretam adequadamente o
feedbackque recebem da inadequao de seus modelos. Se a realidade no encaixa
com o modelo pelo qual enxergamos o mundo, muitas vezes tentamos racionalizar
esse descompasso justificando-o como um acidente, e no questionando o nosso
prprio modelo. Isso pode impedir que se perceba que determinadas instituies
no so as mais adequadas.
As instituies no apenas possibilitam a interao entre indivduos, pois sem
interaes nenhuma atividade social (seja econmica ou poltica) pode acontecer.
As instituies simultaneamente capacitam os indivduos a realizar em conjunto
aquilo que eles no conseguiriam fazer sozinhos e restringem as formas pelas quais
os indivduos poderiam atuar conjuntamente. Mas nada garante que o resultado
ser o melhor possvel.
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Instituies, cooperao e conflito
o limite oferecido pelas instituies, mais do que o limite de capital e mo de
obra especializada, o principal problema enfrentado pelos pases que j alcanaram
um patamar intermedirio de desenvolvimento. Como explica Joseph Stiglitz
(1989, p. 201), ao se referir s dificuldades do desenvolvimento: O que est em
jogo mais do que apenas diferenas nas dotaes dos fatores, mas sim aspectos
bsicos da organizao da economia, incluindo o funcionamento dos mercados.
Assim, as instituies teriam um papel-chave no desenvolvimento. Esse papel
se explica pela capacidade das instituies de administrarem a cooperao e o con-
flito, sobretudo em um contexto de forte insegurana e instabilidade, como aquele
tpico de processos de desenvolvimento. Portanto, seja no seu aspecto micro ou
macro, as instituies possuem uma funo muito importante nas sociedades, e
em particular as sociedades em desenvolvimento: determinar as possibilidades e
formas em que podem acontecer tanto a cooperao quanto o conflito.
Um dos autores que compreendeu de forma mais clara o papel da cooperao
e do conflito na sociedade moderna foi John Rawls (19212002). Rawls escreveu
com muita propriedade:
(...) embora a sociedade seja um empreendimento cooperativo que visa ao benefcio
mtuo, est marcada por um conflito, bem como uma identidade, de interesses. Hidentidade de interesses porque a cooperao social torna possvel uma vida melhor
para todos do que qualquer um teria se dependesse apenas dos prprios esforos.
H conflito de interesses porque ningum indiferente no que se refere a como
so distribudos os benefcios maiores produzidos por sua colaborao, pois, para
atingir seus fins, cada um prefere uma parcela maior a uma parcela menor desses
benefcios (Rawls, 2008, p. 5).
Trata-se, portanto, de uma permanente tenso entre os ganhos da cooperao e
o conflito (potencial ou declarado) na disputa pela apropriao desses ganhos. As
instituies podem ser os instrumentos de mudana que permitem aos indivduos e
grupos sociais mudarem a forma de escolherem e tornarem realidade suas decises,
que podero ser mais ou menos bem-sucedidas na promoo do desenvolvimento.
O sucesso das instituies na promoo do desenvolvimento, por sua vez,
depende da medida em que elas conseguem oferecer possibilidades de soluo
para os conflitos e incentivar a cooperao, sem que o desenvolvimento enfrente
grandes obstculos. Este ser o tema deste livro. Contudo, tivemos oportunidade
de mencionar o fato de que as instituies devem realizar a tarefa de promover a
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Introduo |Po r qu e e s t uda r a s i n s t i t u i e s e o s e u pap e l na e con om ia ?
cooperao e reduzir o conflito em um ambiente de desenvolvimento econmico,
que um ambiente de transformaes e mudanas profundas. Vamos falar um
pouco disso agora.
Instituies, desenvolvimento e mudana
O fato de que o desenvolvimento econmico a resultante de mudanas das
condies econmicas e das instituies foi reconhecido por economistas como
Simon Kuznets (1901-1985), prmio Nobel de 1971, que se dedicou a estudar
as transformaes estruturais da economia, as quais acompanham o processo de
crescimento e desenvolvimento econmico.
Ao discutir as diferentes pocas econmicas, isto , perodos longos da histria,
com caractersticas prprias, tais como a poca feudal, a poca do capitalismo
mercantil das grandes expanses martimas etc., perodos estes marcados por
inovaes que determinariam um crescimento sustentado para a economia por
longos perodos, S. Kuznets observou que: A dinmica do crescimento durante a
poca compreende, portanto, no somente os efeitos cumulativos de novos conhe-
cimentos, propiciados pela inovao caracterstica da poca, como tambm os efeitos
das novas instituies criadas por ela (Kuznets, 1986, p. 10, grifos nossos).
Um pouco mais adiante, Simon Kuznets ainda mais enftico acerca do papel
das instituies:
Mesmo que o impulso para o crescimento seja proporcionado por uma inovao
tecnolgica importante, as sociedades que o adotam precisam modificar sua estru-
tura institucional preexistente. Isto implica mudanas substanciais na organizao
da sociedade surgimento de novas instituies e diminuio da importncia das
antigas. Ocorrero mudanas na posio relativa de vrios grupos econmicos e
sociais (Kuznets, 1986, p. 10).
O autor destaca, em seguida, que a dificuldade que as sociedades podem encon-
trar para se adaptarem s mudanas tpicas das inovaes, que muitas vezes caracte-
rizam todo um perodo histrico, pode reduzir significativamente as possibilidades
de se concretizar as potencialidades dessas inovaes. possvel assim, a partir
da anlise de Simon Kuznets, afirmar que os conflitos gerados pelas mudanas do
progresso so determinantes no avano do desenvolvimento, juntamente com as
novas oportunidades de cooperao desenvolvidas.
As inovaes possuem um impacto significativo sobre o desenvolvimento, uma
vez que aumentam a produtividade, reduzindo custos e preos, ou geram produtos
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mais adequados s necessidades da populao. Mas a sua adoo muitas vezes exige
a mudana das regras que regem a economia e a vida social. Apenas para usar um
exemplo histrico bastante conhecido, sem a revogao da regra feudal que ligava o
campons ao lugar onde tinha nascido, o desenvolvimento da manufatura europeia
nos sculos XVII e XVIII teria sido impossvel, pela ausncia de mobilidade da
fora de trabalho.
Os conflitos que se seguiram foram, contudo, bastante srios, e demandaram
sculos para que o potencial das inovaes manufatureiras fosse plenamente apro-
veitado. a esses conflitos que Simon Kuznets se refere quando afirma que as
inovaes podem ter sua explorao retardada pelos deslocamentos que provocam
na sociedade.
Mais recentemente Douglass C. North, prmio Nobel em 1993, dedicou vrios
artigos e livros discusso especfica sobre o papel das instituies no crescimento
e desenvolvimento. Para North, as instituies so importantes no desenvolvi-
mento, no apenas por favorecerem a adoo de inovaes tecnolgicas, mas por
fornecerem incentivos quer ao conflito, quer cooperao.
O autor definiu de forma muito objetiva o efeito das instituies sobre o cres-
cimento: As instituies fornecem a estrutura de incentivos em uma economia;
medida que esta estrutura evolui, ela determina a direo da mudana econmica rumo
ao crescimento, ou estagnao, ou ao declnio (North, 1991, p. 97). As instituies
so, portanto, estruturas de incentivos, ou seja, so elas que definem os ganhos que
podem ser obtidos em funo das decises econmicas tomadas por indivduos e
organizaes, afetando, assim, as possibilidades de desenvolvimento econmico.
Em outra oportunidade, Douglass North ainda mais explcito acerca da natu-
reza das instituies, de seu efeito nos incentivos e, desse modo, no desenvolvi-
mento das sociedades:
As organizaes que so criadas refletiro as oportunidades oferecidas pela matriz
institucional. Isto , se a estrutura institucional recompensa a pirataria, ento sur-giro organizaes de piratas; e se a estrutura institucional recompensa atividades
produtivas, ento organizaes produtivas (firmas) surgiro e se engajaro em ati-
vidades produtivas (North, 1994, p. 361).
Na passagem anterior, Douglass North est colocando em destaque a questo
central das instituies: elas promovem o conflito (a pirataria martima), ou a
cooperao (empresas produtivas)? Teremos a oportunidade de discutir mais as
ideias desse autor (e tambm outros), acerca do papel das instituies no desen-
volvimento, mais adiante neste livro.
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Breve nota sobre o velho e o novoinstitucionalismo econmico
Convencionou-se distinguir entre duas escolas institucionalistas em economia: o
chamadoVelho Institucionalismo Econmico e o chamado Novo Institucionalismo
Econmico.O termo velho e o termo novo, quando aplicados s duas escolas no
devem ser entendidos como significando respectivamente obsoleto e moderno,
mas apenas dizem respeito ao fato de que o Velho Institucionalismo tem prece-
dncia histrica em relao ao Novo Institucionalismo.
Como comum nesse tipo de situao, nem sempre fcil traar os limites entre
as escolas. Embora o Velho Institucionalismo esteja claramente associado a nomes
como Thorstein Bunde Veblen (18571929), Wesley Clair Mitchell (18741948),
John Rogers Commons (18621945) e Clarence Edwin Ayres (18911972), apenas
para citar alguns dos mais destacados, e o Novo Institucionalismo esteja claramente
associado a nomes como Ronald Harry Coase, Oliver Eaton Williamson e Douglass
Cecil North, a questo acerca dos princpios unificadores de cada programa de
pesquisa no trivial nem bvia.
Com efeito, como explica Malcolm Rutherford em seu livro Institutions in
Economics: The Old and the New Institutionalism(Rutherford, 1994, p. 1), o Velho
Institucionalismo Econmico no representa um nico bem definido, ou unifi-
cado, corpo de pensamento, metodologia ou programa de pesquisa. Por outro
lado, provavelmente verdade que o NIE [Novo Institucionalismo Econmico]
simplesmente to incoerente quanto o velho (Rutherford, 1994, p. 2) e que, no
que diz respeito aos programas de pesquisa de seus membros, em alguns aspectos
esses programas complementam uns aos outros, mas diferenas e discordncias
efetivamente existem (Rutherford, 1994, p. 3).
Desse modo, algumas escolhas tiveram de ser feitas, ao discutirmos o papel das
instituies no desenvolvimento. Neste livro autores do Novo Institucionalismo
Econmico, em particular Ronald H. Coase, Oliver E. Williamson e Douglass C.
North tm grande destaque, por razes especficas. Entre elas, poderamos citar:
o fato destes autores terem sido agraciados com o prmio Nobel; as contribuies
analticas ricas e complexas que eles nos oferecem; e o fato de servirem como
referncia a organismos multilaterais. Tudo isso d a esses pensadores grande
destaque no debate sobre o papel das instituies no sistema econmico e no
desenvolvimento. Alm disso, eles tm influenciado mesmo autores que no podem
ser associados imediatamente ao Novo Institucionalismo Econmico. Da o espao
que receberam neste livro.
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Mas a avaliao de autores como Malcolm Rutherford sugere que a tentativa de
delimitar uma escola de pensamento, especialmente quando se trata de um tema
to complexo e multifacetado como so as instituies e seu papel na economia,
pode ser difcil, seno infrutfero. Seria sobrecarregar talvez inutilmente o
leitor que toma contato com as ideias desses autores pela primeira vez, impor-lhe
tambm uma discusso acerca da delimitao precisa de cada escola.
Por outro lado, este livro trata do papel das instituies na economia e no desen-
volvimento. Ele no visa a resenhar o Novo Institucionalismo. Pela sua prpria
proposta, ele no pode ser restritivo. Buscou-se, por conseguinte, dar espao a
autores que trataram das instituies na economia e no desenvolvimento, desde
que sua contribuio tenha alcanado destaque entre os economistas. O nosso
objetivo , assim, o de fornecer ao leitor um panorama das contribuies mais
importantes ao estudo do papel das instituies na economia e no desenvolvimento,
independentemente de sua filiao terica.
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Uma economia organizadaapenas por mercados
possvel imaginar ainda que apenas teoricamente uma economia que seja organizada apenas por mercadoscompetitivos? Quais seriam as suas consequnciasem termos de bem-estar para a sociedade?
Introduo. 1.1. A abordagem dos mercados. 1.2. Como a abordagem dos mercados
analisa o funcionamento da economia? 1.3. O Primeiro Teorema do Bem-Estar.
1.4. O Segundo Teorema do Bem-Estar. Concluso.
Introduo
EXISTE UMA CRENA bastante difundida entre a maioria dos eco-
nomistas de que mercados competitivos, deixados por si mesmos,
conduziriam naturalmente ao desenvolvimento econmico. Desse
modo, em vez de estudarmos o conjunto das instituies que afetam a eco-
nomia e os arranjos institucionais que promoveriam o desenvolvimento, tudo
que teramos de fazer seria estudar a anlise econmica convencional dos
mercados, em especial a parte que descreve o funcionamento de mercados
competitivos. Mas ser que assim mesmo? Neste captulo veremos em que
consiste essa anlise econmica convencional dos mercados, que serve de
base tese de que mercados competitivos promovem o desenvolvimento.
Consideraremos inicialmente autores que defendem a tese de que
as questes do desenvolvimento devem ser discutidas exclusivamente a
1Captulo
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partir da anlise econmica convencional dos mercados. Isto , apresentaremos
alguns dos principais autores que defendem a aplicao desta mesma anlise
a qual supe que o sistema econmico organizado exclusivamente por
meio de mercados que operam livremente ao problema do desenvolvimento
econmico. Com isso o leitor poder identificar as referncias mais importantes
dessa abordagem.
Em seguida, discutiremos o que a anlise econmica convencional dos mercados
afirma sobre o funcionamento da economia e os resultados que os mercados pro-
duzem nela. Investigaremos a base da Abordagem dos Mercados como promotores
do desenvolvimento, que a Teoria do Equilbrio Geral. Em seguida, discutiremos
o Primeiro e o Segundo Teorema do Bem-Estar, que estabelecem os resultados que
uma economia organizada apenas por meio de mercados competitivos apresentaria
em termos de bem-estar social. Uma breve seo de concluso resume alguns
aspectos importantes deste captulo.
1.1. A abordagem dos mercados
Segundo os economistas Michael P. Todaro e Stephen C. Smith, a vertente que
defende a aplicao da anlise econmica convencional dos mercados ao problema
do desenvolvimento surgiu com a ascenso de governos conservadores no incio
dos anos 1980. Nesse momento histrico aconteceu nos Estados Unidos a eleio
de Ronald Reagan (que assumiu a presidncia em 1981), no Reino Unido assu-
miu Margaret Thatcher (tornou-se primeira-ministra em 1979) e na Alemanha,
Helmut Kohl (tornou-se chanceler em 1982). A mudana poltica impulsionou
nos meios acadmicos a corrente que defende que o desenvolvimento aconteceria
espontaneamente, a partir do livre funcionamento dos mercados.
De acordo com essa corrente, bastaria ento aplicar a anlise econmica
convencional dos mercados aos problemas dos pases em desenvolvimento, para
solucion-los. Vamos chamar a essa corrente de Abordagem dos Mercados do
Desenvolvimentoou, mais simplesmente,Abordagem dos Mercados. Ela repre-
senta uma forma particular de se considerar o problema do desenvolvimento, que
parte da premissa a ser demonstrada que, em uma economia organizada
em mercados livres, o funcionamento dos mercados suficiente para levar ao
desenvolvimento econmico.
importante enfatizar que a Abordagem dos Mercados, em si mesma, no
uma teoria econmica. Ela representa uma tomada de posio no debate acerca
do desenvolvimento, posio esta que defende a superioridade dos mercados na
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Captulo 1 |Uma e c onomia o r gan i zada ap ena s p o r me r cado s
promoo do desenvolvimento em relao a qualquer outra forma de se organizar
o sistema econmico, em qualquer situao.
Mas a Abordagem dos Mercados precisa de uma teoria que justifique a sua
tomada de posio. Essa teoria no precisa necessariamente ser uma teoria do
desenvolvimento econmico. Basta que ela demonstre a eficincia dos mercados
para ser candidata base terica da Abordagem dos Mercados. Veremos mais
adiante que a Teoria do Equilbrio Geral (que no foi formulada com objetivo de
analisar processos de desenvolvimento econmico) desde meados do sculo XX
vem desempenhando o papel de base terica da Abordagem dos Mercados.
Retornando questo do ambiente poltico dos anos 1980, a defesa da
Abordagem dos Mercados, segundo Michael P. Todaro e Stephen C. Smith, foi o
reflexo na academia dessa mudana poltica (Todaro; Smith, 2003, p. 128). Desde
ento, essa corrente vem se mantendo hegemnica no pensamento acadmico e
na formulao de polticas pblicas. Como alguns dos principais economistas da
abordagem dos mercados do desenvolvimento, podemos citar: Peter Thomas Bauer
(1915-2002), ex-professor emrito da London School of Economics; Deepak Lal,
professor da Universidade de Califrnia (Los Angeles); Anne Osborn Krueger,
ex-economista-chefe do Banco Mundial e atualmente uma das diretoras do Fundo
Monetrio Internacional (FMI); Jagdish Bhagwati, ex-professor do MIT e Bella
Balassa (1928-1991), ex-professor da Johns Hopkins University e ex-consultor do
Banco Mundial.1
Portanto, se, como afirma a Abordagem dos Mercados, a anlise econmica
convencional do funcionamento dos mercados fosse suficiente para entendermos
o problema do desenvolvimento, no haveria necessidade de trat-lo de forma
diferente do que feito pela teoria econmica padro nos manuais. Bastaria apli-
carmos o que recomendam os princpios bsicos da anlise econmica convencional
para a promoo do desenvolvimento. Mais especificamente, seriam suficientes a
liberalizao e a generalizao dos mercados, que seriam de acordo com essa
vertente o nico tipo de instituio capaz de produzir o progresso econmico.
A concluso lgica fundamental dos autores vinculados Abordagem dos
Mercados quanto ao problema do desenvolvimento , por conseguinte, a de que
o subdesenvolvimento seria o resultado de uma alocao ineficiente de recursos,
que resultaria de entraves ao livre funcionamento dos mercados. Se os mercados
pudessem funcionar livremente, o subdesenvolvimento seria progressivamente
1. Essa vertente se tornou dominante nas agncias internacionais de desenvolvimento (Fundo Monetrio
Internacional e Banco Mundial), as quais passaram a ser influenciadas e a difundir as teses desseseconomistas.
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superado, com a expanso e a diversificao da oferta de bens e servios. Para
compreendermos essa abordagem, temos, inicialmente, de entender o significado
econmico de uma alocao de recursos e o que distingue uma alocao eficiente
de uma alocao ineficiente.
Uma determinada distribuio de recursos produtivos (mo de obra, mquinas,
equipamentos, recursos naturais etc.) entre as atividades econmicas de uma socie-
dade corresponde a uma alocao de recursos na economia. Diferentes alocaes
resultam em produes diferentes: mais recursos aplicados em uma atividade e,
portanto, menos recursos aplicados em outra atividade, significam uma maior
produo naquele setor da economia que recebeu um volume maior e uma menor
produo naquele setor que recebeu o volume menor de recursos.
Definido assim o significado de uma alocao econmica, h duas perguntas
importantes a serem feitas. A primeira delas : que critrios devem ser empre-
gados para escolhermos, entre as diferentes alocaes de recursos possveis na
economia, aquela que seria a mais desejvel? A segunda pergunta : uma vez que
tenhamos encontrado esses critrios, como fazer para que a alocao escolhida
seja realmente obtida?
A resposta primeira pergunta, por parte da anlise econmica convencional
dos mercados, simples: uma alocao eficiente aquela em que a produo de
cada bem ou servio na economia determinada pelo valor que as pessoas lhes
atribuem. Isso significa que as pessoas pagam pelas ltimas unidades de bens ou
servios a serem ofertadas exatamente o que elas custam.2
Se as pessoas pagarem pelas ltimas unidades menos do que elas custam, ento
a oferta seria excessiva (o seu custo maior do que o valor que as pessoas lhe atri-
buem) no ramo de atividade no qual isso ocorre. Os recursos aplicados na produo
desse produto poderiam ser mais bem aplicados se fossem deslocados desse setor
produtivo, no qual a oferta excessiva, para outros em que a oferta insuficiente.
J se as pessoas pagarem mais do que custam as ltimas unidades de um dado
produto, isso significaria que a oferta do produto insuficiente, dado o valor
atribudo pelas pessoas a esse produto (afinal, elas esto dispostas a pagar mais do
que ele custa). Os recursos aplicados na produo de outros produtos poderiam
ser mais bem aplicados se estivessem sendo utilizados nesse ramo produtivo em
que a oferta insuficiente.
Em ambos os casos (oferta insuficiente ou excessiva) temos uma alocao
ineficiente: os custos de produo para a sociedade diferem das preferncias dos
2. Em termos um pouco mais tcnicos: o preo dos bens igual ao seu custo marginal de longo prazo.
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Captulo 1 |Uma e c onomia o r gan i zada ap ena s p o r me r cado s
indivduos, expressas pelos preos que as pessoas esto dispostas a pagar por eles.3
Uma situao eficiente apenas quando o custo das ltimas unidades ofertadas
se equipara a quanto as pessoas esto dispostas a pagar por elas. Nesse caso, sero
produzidos bens e servios na quantidade que as pessoas desejam, dados os seus
custos para a sociedade. Como essa produo pode ser obtida somente a partir
de uma alocao inicial dos recursos em cada atividade, resulta ento que essa
situao corresponde a uma alocao eficiente dos recursos da sociedade.
Para os autores que analisam o problema do desenvolvimento a partir da
Abordagem dos Mercados, essa alocao ineficiente, por sua vez, seria a consequn-
cia da interveno dos governos dos pases em desenvolvimento no funcionamento
dos mercados. A interveno do Estado distorceria os preos e impediria que os
mercados sinalizassem adequadamente as necessidades da sociedade aos produtores
e investidores (Todaro; Smith, 2003, p. 128). Por exemplo, ao conceder subsdio
aos produtores em uma dada atividade econmica, o Estado permitiria que a
produo nessa atividade fosse maior do que aquilo que normalmente seria, caso
os produtores tivessem que arcar com os seus custos sozinhos. Assim a produo
ser excessiva e o volume de recursos aplicados na atividade subsidiada tambm
ser demasiado e ineficiente.
Assim, a recomendao de poltica para o desenvolvimento que se segue a
essa abordagem consiste, em geral, em privatizar as empresas estatais, liberar
os f luxos de comrcio e os f luxos financeiros internacionais (reduzindo tarifas e
regulamentaes que restrinjam o movimento internacional de bens e de capitais);
favorecer o investimento direto estrangeiro e reduzir ao mnimo necessrio todas
as regulamentaes que restrinjam o funcionamento dos mercados (veja Quadro
1.1). Tudo no sentido de permitir que todos os preos na economia que incluem
preos dos produtos domsticos e importados, taxas de cmbio, taxa de juros
etc. indiquem livremente onde os recursos disponveis so mais necessrios
para equilibrar ofertas e demandas.4
3. H algumas suposies por trs da tese de que o quanto as pessoas esto dispostas a pagar expressariaas preferncias que as pessoas possuem em relao aos bens ou servios ofertados. No vamos tratardestas e de outras questes mais tcnicas, se no forem fundamentais para a argumentao acerca darelao entre a Abordagem dos Mercados e os problemas do desenvolvimento.4. O leitor no deve perder de vista que se trata de liberar os recursos para flurem livremente entre todos
os mercados na economia, o que inclui o mercado de divisas (liberando seu preo, a taxa de cmbio), omercado de crdito (taxa de juros) etc.
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Q U A D R O 1 . 1
As recomendaes da abordagem dos mercados
Deepak Lal, ex-diretor de pesquisas do Banco Mundial, em seu livro The
Poverty of Development Economics(Lal, 2000, p. 149), apresenta um conjunto
de propostas, com nfase mais institucional, que pode ser considerado tpico
dos autores que adotam a teoria econmica convencional como abordagem do
problema do desenvolvimento.
O conjunto de propostas de Deepak Lal (2000) contempla: remoo de con-
troles de importaes (quotas) e reduo das tarifas de importao (ao valor
mais prximo de zero possvel); eliminao de controle de preos e de tratamento
privilegiado indstria; liberalizao dos mercados de capitais e retirada de
todo tipo de controle de crdito e juros; adoo de taxa de cmbio flexvel, que
flutue livremente de acordo com a oferta e a demanda de divisas; privatizao de
empresas estatais etc. A essas medidas de carter institucional, visando libe-
ralizao dos mercados, somar-se-ia a disciplina nas polticas fiscal e monetria.
Outro conjunto de propostas que possui uma srie de intersees com as
propostas de Deepak Lal (2000), mas apresenta uma nfase maior na poltica
macroeconmica, ficou conhecido como Consenso de Washington, e influenciou
uma srie de reformas em pases latino-americanos na dcada de 1990 (ver
Kuczynski e Williamson, 2004).
Desse modo, os autores que defendem a Abordagem dos Mercados como abor-
dagem do problema do desenvolvimento acreditam que os mercados funcionam de
forma eficaz ainda que no exatamente perfeita , sinalizando por meio dos
preos as decises mais adequadas s necessidades de uma sociedade em desen-
volvimento. Assim, o subdesenvolvimento nada mais seria do que o resultado
de distores no funcionamento dos mercados, com a consequente alocao de
recursos ineficiente.
Por conseguinte, a premissa fundamental das anlises desses economistas a
de que a anlise econmica convencional dos mercados j oferece as respostas para
o problema do desenvolvimento: basta reduzir a interveno do Estado na econo-
mia para que os tomadores de deciso privados faam as escolhas mais eficientes,
promovendo o crescimento e o desenvolvimento que os recursos da sociedade
permitem.
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Theodore William Schultz (1902-1998), Prmio Nobel de economia de 1979,5
e Deepak Lal, um dos mais importantes economistas dessa vertente, deixam claro
que seu objetivo questionar a base intelectual e emprica de uma teoria econmica
do desenvolvimento diferente da anlise econmica convencional dos mercados
(ver Quadro 1.2).
Q U A D R O 1 . 2
A defesa de Theodore Schultz e Deepak Lal da abordagem dos mercados
A tese de que o problema do desenvolvimento deve ser enfrentado a partir dos
instrumentos da teoria convencional com sua nfase na operao dos mercados
no nova. Essa tese j tinha sido defendida por economistas como Theodore W.
Schultz, o qual, na sua palestra ao ganhar o prmio Nobel em 1979, observou queo maior erro (entre outros) da teoria desenvolvimentista era a presuno de que
a teoria econmica padro inadequada para se entender os pases com baixo
nvel de renda e que uma teoria econmica separada necessria. Comemorava
em seguida o fato de que um nmero crescente de economistas est se dando
conta que a teoria econmica padro aplicvel tantos aos problemas de escas-
sez que confrontam pases de baixa renda, quanto aos problemas de escassez
dos pases ricos (Schultz, 1979).
Outros autores que sustentaram o mesmo argumento foram Gottfried Haberler
(1900-1995), Peter T. Bauer (1915-2002) e Alan A. Walters (1926-2009), entre
outros (ver Syed Naqvi (2002) para maiores detalhes). Mais recentemente, Deepak
Lal (2000) define com clareza o objetivo de se rejeitar a proposta de uma teoria
econmica do desenvolvimento como algo diferente da teoria convencional:
De fato, so os escritos na vertente dominante desse ramo da economia
aplicada que eu utilizo para questionar a base intelectual e emprica de uma
(apesar disso) escola influente que tem procurado criar uma economia do
desenvolvimento no ortodoxa e distinta (Lal, 2000, p. XVII).
Segundo Deepak Lal (2000), a abordagem dos mercados, com seu enfo-
que nos preos determinando a alocao de recursos, seria bem mais til para
os pases em desenvolvimento do que teorias alternativas de desenvolvimento
econmico, que resultariam em alguma forma de dirigismo econmico, isto ,
em alguma forma de interferncia externa ao funcionamento dos mercados. Esta
interferncia distorceria os verdadeiros custos e preos e induziria consumidores e
produtores a tomarem decises equivocadas, que impediriam o desenvolvimento.
5. Juntamente com Sir Arthur Lewis (19151991).
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Mas a Abordagem dos Mercados realmente permite que se estudem e compreen-
dam os problemas do desenvolvimento? Ou a questo do desenvolvimento exige os
outros instrumentos que Deepak Lal chamou de no ortodoxos? No prximo cap-
tulo, trataremos dessa questo. Mas para respondermos a isso, devemos entender um
pouco mais como a Abordagem dos Mercados trata o funcionamento da economia.
1.2. Como a abordagem dos mercados analisao funcionamento da economia?
A anlise da alocao de recursos na Abordagem dos Mercados tem como
fundamento terico a Teoria do Equilbrio Geral, formulada inicialmente em
1874 pelo economista francs Marie-spirit-Lon Walras (1834-1910), desenvol-
vida modernamente por Kenneth Joseph Arrow, prmio Nobel em 1972, e pelo
economista francs naturalizado norte-americano Grard Debreu (1921-2004),
prmio Nobel em 1983.
Alan Kirman (1989, p. 126) observa que a Abordagem dos Mercados, tal como
empregada por formuladores de polticas para justificar suas recomendaes eco-
nmicas, serve-se da Teoria do Equilbrio Geral como fundamento bsico (embora,
segundo Alan Kirman (1989), frequentemente com adies desnecessrias ou
injustificadas). Portanto, cada vez que um economista, um poltico ou adminis-
trador pblico defende uma medida econmica baseada no livre funcionamento
dos mercados como forma de se promover o desenvolvimento e o bem-estar da
sociedade, uma verso da Teoria do Equilbrio Geral que lhe d apoio terico
(mesmo que, no caso do poltico ou do administrador pblico, isso no ocorra
conscientemente: veja o Quadro 1.3 a seguir).
Q U A D R O 1 . 3
A importncia da Teor ia do Equi l b r io Geralpara a Abordagem dos Mercados
Frank Ackerman (2002) deixa claro que a Teoria do Equilbrio Geral no
apenas uma construo terica abstrata, mas possui um importante papel
quando os economistas mais ortodoxos exercem seu julgamento em relao a
uma situao ou poltica econmica. Isso porque a Teoria do Equilbrio Geral,
entre outras coisas, fornece a verso atual da parbola de Adam Smith (1723-
1790) sobre a mo invisvel do mercado, que faria com que a busca de ganho
por cada indivduo conduzisse ao bem-estar de todos. Como explica Ackerman:
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O equilbrio geral fundamental para a teoria econmica tambm em um
sentido mais normativo. A mo invisvel, uma histria contada por Adam
Smith, e os mritos dos mercados se disseminam por manuais introdutrios,
aulas e discursos polticos contemporneos. (p. 126)
Ross M. Starr, em seu livro General Equilibrium Theory (Starr, 2001), sinte-
tiza muito bem o significado da Teoria do Equilbrio Geral para as abordagens
mais convencionais do problema do desenvolvimento econmico: A anlise de
equilbrio geral tem se provado essencial na economia moderna, ao descrever a
eficincia e a estabilidade do mecanismo de mercado, na anlise macroeconmica,
e ao fornecer os fundamentos lgicos da anlise econmica (Starr, 2001, p. 4).
Assim, a Teoria do Equilbrio Geral, na compreenso de Ross Starr, no apenas
fornece uma base terica para o desenvolvimento da anlise econmica mais
convencional, mas tambm, talvez de uma forma crucial, fornece os argumentos a
favor da eficincia e da estabilidade dos mercados no funcionamento do sistema
econmico. Esse argumento a favor dos mercados ser a base da Abordagem
do Mercado em relao ao problema do desenvolvimento.
preciso discutir, assim, a base terica que a Teoria do Equilbrio Geral for-
neceria para a compreenso do funcionamento do sistema econmico. Antes de
prosseguirmos, porm, uma advertncia importante se faz necessria. Nem na sua
formulao original por Marie-spirit-Lon Walras, nem nos seus desenvolvimen-
tos mais modernos, a Teoria do Equilbrio Geral foi elaborada visando a estudar
questes de desenvolvimento econmico. Ela foi elaborada e desenvolvida com o
objetivo de analisar as propriedades ideais de um sistema econmico organizado
por meio de mercados. A Teoria do Equilbrio Geral no foi pensada para lidar
com as transformaes profundas e radicais que o desenvolvimento provoca.
Contudo, isso no impede os defensores da Abordagem dos Mercados de uti-
lizar os seus resultados para defender que os mercados so capazes, sem a ajuda
de outros elementos, de promover o desenvolvimento. Na verdade, no lhes resta
alternativa: a Teoria do Equilbrio Geral o que a teoria econmica ortodoxa tem
de mais sofisticado a dizer sobre o funcionamento dos mercados. Assim, somente
a ela que os defensores da Abordagem dos Mercados podem recorrer.
Na abordagem da Teoria do Equilbrio Geral, analisa-se o equilbrio entre oferta
e demanda de todos os mercados que compem a economia simultaneamente,
sejam mercados de produtos ou de insumos utilizados para a produo. A razo de
se analisar o equilbrio simultneo de todos os mercados o fato de que variaes
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nas quantidades transacionadas e nos preos em um mercado, em geral, afetam
outros mercados. Por exemplo, uma demanda maior por automveis, que resulte
em mais operrios empregados, aumenta tambm a demanda por alimentos por
parte desses operrios.
Do equilbrio simultneo entre a oferta e a demanda em todos os mercados
que compem a economia, resultariam, segundo a Teoria do Equilbrio Geral: (a)
preos especficos para cada mercado, que igualam oferta e demanda, os quais
representam os preos de equilbrio de cada mercado; e (b) uma distribuio dos
recursos produtivos entre as diferentes atividades na economia, assim como a
produo de bens e servios que da resulta (a alocao dos recursos na economia).
Para entendermos como se d esse equilbrio geral, vamos avanar por etapas,
considerando, inicialmente, como funciona ele isoladamente em um mercado, para
depois ento discutirmos o equilbrio simultneo de todos os mercados da econo-
mia. Como exerccio, vamos imaginar ento, de forma hipottica, uma situao
em que o custo das ltimas unidades produzidas de um bem ou servio supere o
preo de mercado, o que caracterstico de excesso de produo: a oferta de um
bem ou servio maior do que a sua demanda e, portanto, o custo incorrido pelas
empresas para obter as ltimas unidades ofertadas no seria compensado pelo valor
que os consumidores atribuem a essas ltimas unidades do bem ou servio, valor
este dado pelo preo que os consumidores estariam dispostos a pagar.
O mais racional para os produtores, ento, seria reduzir um pouco a produo,
deixando de fabricar essas ltimas unidades. A pequena reduo na quantidade
produzida seria suficiente para diminuir os custos de produo, pois uma hiptese
essencial da anlise econmica convencional dos mercados a de que os produtores
operam com custos crescentes: quanto mais eles produzem, maiores os seus custos
por unidade produzida.6Ao mesmo tempo, a pequena reduo na quantidade
ofertada elevaria o preo pago pelos consumidores, pois agora os consumidores
teriam de disputar no mercado uma quantidade um pouco menor. Se o preo de
mercado puder variar livremente, a anlise convencional dos mercados supe que
as quantidades produzidas e ofertadas convergiriam para aquela quantidade em
que o custo das ltimas unidades se igualaria ao preo de mercado.
6. Uma hiptese usual da teoria econmica convencional a de que as empresas, a partir de certo tama-nho, operam sob retornos decrescentes de escala. Ou seja, ao se dobrar a escala de produo (supondo-seque os custos variem em igual proporo), a produo obtida menos do que dobra, com o que o custopor unidade produzida aumenta. A justificativa que a teoria econmica convencional oferece para isso
que as empresas enfrentariam uma dificuldade crescente para coordenar suas atividades, medidaque seu tamanho aumenta.
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decidir quanto comprar. Essa a hiptese de grande nmero de vendedores e
compradores.
A quarta e ltima hiptese a caracterizar um mercado competitivo a hiptese
de produtos homogneos, a qual esclarece que os compradores somente estariam
preocupados com os preos dos bens que atendem as suas necessidades, e no com
a identidade dos fabricantes (isto , suas marcas comerciais). No haveria, portanto,
o efeito da reputao ou da marca do produtor sobre a deciso dos consumidores:
eles comprariam de quem vendesse mais barato, independentemente de quem seja.
Quando os consumidores no esto preocupados apenas com o preo do produto,
mas tambm com a identidade do fabricante, um produtor com boa reputao pode
cobrar um preo mais elevado do que os seus competidores (e provavelmente acima
do custo das ltimas unidades produzidas). Como resultado, o seu preo no vai se
reduzir at o custo das ltimas unidades produzidas. Isso possvel porque, dada
uma boa reputao do produtor, mesmo que aumente seus preos, parte dos seus
consumidores continuar comprando o produto, j que o seu prestgio tem tambm
importncia no momento da escolha da mercadoria (no apenas o preo do produto).
Com isso, o produtor que dispe de uma reputao privilegiada e que dife-
renciou o seu produto dos concorrentes pode cobrar um preo mais elevado que
seus competidores e assim aumentar seus lucros. Como o preo do produto no
se reduzir at o custo das ltimas unidades produzidas, a produo ser menor
que o nvel que atingiria se o produtor em questo fosse obrigado a enfrentar a
competio apenas com seus preos. Neste ltimo caso, ao vender ao menor preo
possvel, sua produo seria maior.
As quatro hipteses anteriores servem para caracterizar o que se deve entender
por um mercado competitivo, de acordo com a teoria econmica convencional.
Agora, para apresentarmos a Teoria do Equilbrio Geral que serve de base para
a Abordagem dos Mercados , precisamos considerar uma condio que d um
sentido mais preciso ao que entendemos por um sistema econmico organizado
por mercados: necessrio supor que h mercados para todos os bens e servios
desejados pelas pessoas, ou seja, existiria um mercado, preferencialmente operando
de acordo com as quatro hipteses acima, para qualquer produto que algum
desejasse. Essa a hiptese demercados completos.
A hiptese de mercados completos no to simples quanto poderia talvez
parecer a princpio. A sutileza aqui se encontra na caracterizao do que um
bem ou servio. Na Teoria do Equilbrio Geral, os bens e servios se distinguem
no apenas pelas suas caractersticas fsicas, ou pela funo a que servem: eles se
diferenciam tambm de acordo com a data e com as circunstncias do ambiente
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econmico em que so oferecidos aos seus compradores (essas circunstncias do
ambiente econmico so chamadas no jargo econmico de estados da natureza).
Por exemplo, uma tonelada de trigo entregue hoje a um moinho um bem
diferente de uma tonelada do mesmo trigo entregue ao mesmo moinho daqui a
seis meses. Nesse caso, o mesmo produto fsico (trigo) constitui bens diferentes
de acordo com o momento em que entregue ao comprador. Isso seria vlido para
todos os bens e servios: haveria bens diferentes de acordo com o momento em que
eles so entregues. Afirmar que os mercados so completos significa, portanto, que
haveria tantos mercados futuros quantos fossem os desejados por compradores e
vendedores, ou seja, existiriam mercados para negociar tudo aquilo que se desejasse
para entrega em qualquer data futura.
Da mesma forma, um livro entregue a uma livraria para ser vendido em um
vero chuvoso, quando as pessoas preferem ficar em casa lendo, seria ento dife-
rente do mesmo livro entregue na mesma livraria e data, caso seja um vero quente
e ensolarado, quando as pessoas preferem fazer programas ao ar livre. O mesmo
livro na mesma data seria um bem diferente para a mesma livraria, de acordo com
as circunstncias no momento da compra (o estado da natureza). Se os mercados
fossem completos, seria possvel condicionar o consumo dos bens e servios aos
estados da natureza. Mas condicionar o consumo de um bem ao estado da natureza
nada mais do que fazer um seguro, minimizando os efeitos da incerteza sobre a
atividade econmica. Nesse aspecto, ahiptese de mercados completos implica ser
possvel fazer tantos seguros quanto se queira contra eventos aleatrios, de forma
que a incerteza na forma de ignorncia do que o futuro reserva simplesmente
no existiria.
Desse modo, a hiptese de mercados completos nos informa no apenas que
seria possvel encontrar um mercado para tudo que se queira vender ou comprar,
mas que seria possvel superar todas as incertezas da economia por meio de mer-
cados futuros e de seguros.
Com essas hipteses, ou seja, com a hiptese de que os mercados so compe-
titivos mais a hiptese de que os mercados so completos, a Teoria do Equilbrio
Geral analisa da seguinte forma o funcionamento de uma economia baseada na
livre operao de mercados. Se houver excesso de oferta de um bem (ou servio)
em relao demanda porque um volume excessivo de recursos econmicos
estaria sendo aplicado na produo desse ramo de atividade, dadas as necessidades
que as pessoas tm do produto desse ramo e o consequente valor que lhe atribuem.
Com isso o preo das ltimas unidades oferecidas do bem (ou servio) cair abaixo
do seu custo, gerando prejuzos aos produtores, que reduziro a produo. Essa
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diminuio liberar recursos (mquinas, equipamentos, mo de obra e matrias-
primas) para buscarem aplicaes em setores mais rentveis.
Por outro lado, se algum ramo apresenta excesso de oferta em relao demanda
(pela aplicao de um volume excessivo de recursos produtivos em relao s
necessidades que as pessoas tm do produto em questo), isso significa que em
algum outro setor a produo se mostrou insuficiente em relao s necessidades
dos consumidores. Isso porque esse ltimo setor no teria tido sua disposio
os recursos que teriam sido empregados no setor de oferta excessiva. Assim, de
acordo com essa anlise, todo o problema seria que os recursos produtivos teriam
sido mal-alocados: recursos em demasia no setor onde a oferta foi excessiva em
relao demanda e falta de recursos onde a oferta foi menor que a demanda.7
Mas os recursos que foram liberados do setor em que a oferta foi excessiva
poderiam fluir livremente para o setor em que a oferta foi insuficiente para atender
demanda. Nesse ltimo, o excesso de demanda em relao oferta faria com que
os preos fossem superiores ao custo das ltimas unidades oferecidas, o que elevaria
a remunerao de todos os recursos nesse setor (lucros e salrios), incentivando a
expanso da produo.
Os movimentos de expanso de oferta no setor com excesso de demanda e
os movimentos de contrao de oferta no setor em que ela excessiva acabariam
por igualar os preos aos custos em ambos os setores. Quando isso finalmente
ocorresse, a alocao de recursos resultante seria eficiente: a produo de cada
bem ou servio seria aquilo que as pessoas desejam, dados os custos de produo.
Para chegar a esse resultado, considerando todos os mercados da economia, todas
as hipteses da Teoria do Equilbrio Geral tiveram de ser acionadas. Para que os
recursos se deslocassem rumo ao setor com excesso de demanda, foram necessrias
as hipteses de perfeita informao e livre mobilidade: todos os indivduos (empre-
srios e trabalhadores) teriam de conhecer as oportunidades lucrativas oferecidas
(hiptese de perfeita informao), e no deve haver entraves e custos adicionais para
que os recursos deixem o setor em que se encontram de oferta excessiva e se
dirijam ao setor de demanda excessiva (hiptese de livre mobilidade).
Note-se que, nessa anlise, os preos so perfeitamente flexveis e respondem
plenamente s diferenas entre oferta e demanda nos mercados graas s hipteses
de grande nmero de compradores e vendedores, e de produtos homogneos.
7. O fato de que ao excesso de recursos em um setor corresponde a falta de recursos em outro deriva dofato de que os indivduos so considerados pela teoria econmica convencional como sendo indivduos
racionais buscando o mximo de ganho. Isso, juntamente com a hiptese de que h mercados completospara tudo que se deseje (e, portanto, no h incerteza), resulta que nenhum recurso pode ficar ocioso.
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Ou seja, os preos so sensveis aos excessos de oferta e demanda, em primeiro
lugar, porque nenhum desses agentes (empresrios e trabalhadores) consegue,
individualmente, manipular os preos, j que os agentes so pequenos em relao
ao volume de transaes que ocorrem.
Em segundo lugar, se os consumidores considerarem o prestgio ou a reputao,
podem aceitar preos mais elevados de um produtor, e com isso o preo pode no
mais convergir para os custos. Adicionalmente, esses fatores podem reduzir a livre
mobilidade dos recursos econmicos, criando aquilo que os economistas chamam
de uma barreira entrada.
Por exemplo, um novo ofertante provavelmente ter um gasto extra com publi-
cidade (ou se ver na obrigao de cobrar um preo mais reduzido) para convencer
os consumidores de que seu produto to interessante quanto o do ofertante de
reputao elevada. Isso pode desestimular a sua entrada.
Por ltimo, como h mercados completos, o mecanismo de preos para a aloca-
o de recursos econmicos funcionaria alocando todos os recursos da economia
no presente e no futuro sem ser distorcido por incertezas com relao ao
estado da natureza que ser efetivamente verificado no futuro. Segundo essa anlise,
teramos uma situao eficiente em todas as atividades econmicas da sociedade.
Essa eficincia possuiria, entretanto, outra dimenso alm do fato de que o preo
pago pelas ltimas unidades produzidas corresponderia aos seus custos.
Essa outra dimenso diz respeito ao fato de que, nesse equilbrio com alocao
eficiente de recursos, seria impossvel melhorar a situao de qualquer indivduo,
sem piorar a de outro. De fato, qualquer interveno nos preos em um contexto
eficiente somente poderia melhorar a situao de alguns membros dessa sociedade
custa de outros. Para compreender isso, vamos considerar um exemplo hipottico
em que fosse fornecido a um ramo de atividade um subsdio ao custo de produo,
visando a que ela aumentasse sem que o preo se elevasse. Isso beneficiaria os
consumidores desse produto e seus produtores.
Contudo, o efeito previsto pela Teoria do Equilbrio Geral desse hipottico sub-
sdio seria que esse ramo absorveria mais recursos, reduzindo os meios disponveis
para a produo de outros bens e servios, encarecendo o preo destes ltimos e
prejudicando seus produtores e consumidores. Essa situao, em que impossvel
melhorar um agente sem piorar outro na economia, dita Pareto-eficiente.8Ela
a alocao eficiente qual vnhamos nos referindo.
8. Em homenagem ao seu formulador, o economista e socilogo franco-italiano Vilfredo F. D. Pareto(1848-1923). Uma situao Pareto-eficiente tambm conhecida como um timo de Pareto.
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Portanto, quando estivermos nos referindo a uma situao eficiente daqui por
diante, o leitor deve lembrar que ela tambm Pareto-eficiente. Invers
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