resumos sociologia - karl marx
Post on 12-Apr-2016
44 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
1
KARL MARX
INTRODUÇÃO
Este autor foi multifacetado pelo que se torna difícil catalogá-lo como
sociólogo, filósofo, economista ou historiador. Ele foi isso e muito mais
ainda: panfletarista, jornalista, político e revolucionário as suas ideias
obtiveram disseminação mundial e influenciaram decisivamente o nosso
século.
Marx Sociólogo
Um dos principais argumentos para rejeitar Marx com sociólogo é o
enviesamento ideológico das suas teorias.
Contudo como já vimos logo nas primeiras aulas, os sociólogos ao
teorizarem sobre a sociedade em que vivem não conseguem ser neutros.
Comte, Spencer e Durkheim também apontavam nas suas análises para
um tipo de sociedade que consideravam ideal.
A grande diferença é que Marx não pretende esconder esse facto, pelo
contrário afirma-o e faz dele a principal diferença para todos os
«cientistas sociais» que o precederam
Outro dos argumentos é o seu apelo ao derrube violento da sociedade
capitalista. Mas também este é um argumento que não colhe já que Marx
foi sobretudo um humanista magoado cm o sofrimento e a exploração
que o rodeavam e que foram admiravemente descritos por escritores
seus contemporâneos como o francês Émile Zola ou o inglês Charles
Dickens. Ao contrário do que a maioria pensa, para Marx o fim do
2
capitalismo não precisava de ser necessariamente sangrento – era
possível que a transição para o socialismo fosse pacífica.
Várias interpretações de Marx
Há hoje uma multiplicidade de interpretações dos escritos de Marx: umas
relevam da interpretação dos seus trabalhos iniciais incidentes sobretudo
sobre o potencial humano, enquanto que outras atendem mais aos seus
trabalhos posteriores que dão especial atenção às estruturas da
sociedade e à economia.
PRINCÍPIOS BÁSICOS
A DIALÉCTICA
Marx adopta a lógica dialéctica de Hegel mas enquanto que este a aplica
ao mundo das ideias aquele aplica-a ao mundo material. Esta
transformação do pensamento de Hegel permite-lhe passar a lógica
dialéctica do mundo da filosofia para o mundo das ciências sociais.
Está aqui uma das principais contribuições marxistas para a
Sociologia.Com efeito há dois elementos fundamentais na sua análise
dialéctica que contrastam com a maior parte dos pensadores
sociológicos, tanto os que o precederam como os que lhe sucederam:
1 O método dialéctico vai deixar de encarar o mundo social como
explicável através de uma relação de causa e efeito entre
variáveis independentes e variáveis dependentes. De facto para
3
um pensador dialéctico as influências sociais não ocorrem nunca
apenas num sentido. Por exemplo – a exploração capitalista dos
trabalhadores tenderá a tornar estes mais militantes. Ao mesmo
tempo esta militância tenderá a levar os capitalistas a pensar em
intensificar a exploração de novas formas. Não significa isto que o
pensador dialéctico não pense em relações causais mas apenas
que está sempre atento às relações recíprocas entre as variáveis e
à totalidade social em que estão inseridas.
2 Para a análise dialéctica os valores sociais não são separáveis dos
factos sociais. E não só não são separáveis como não é bom que o
sejam: a sociologia não deve ser desapaixonada porque isso torná-
la-á desumana ao mesmo tempo que não fornecerá às pessoas
solução para os problemas com que se confrontam. Para Marx
factos e valores estão indissociavelmente ligados e o resultado é
que o estudo dos factos sociais está assente em valores.
Desta visão marxista resultam ainda mais algumas características do
pensamento marxista:
3 Não há uma linha clara a dividir os fenómenos no mundo social: de
facto para Marx os vários componentes do mundo social vão-se
fundindo gradualmente uns nos outros – trabalhadores e
capitalistas não estão claramente separados: à medida vão tendo
sucesso há operários que se podem tornar capitalistas e vice-versa
– os capitalistas falidos pelas reviravoltas do mercado tornam-se
proletários.
4 Os marxistas têm uma visão relacional do mundo social focando a
sua atenção nas relações que se estabelecem entre os fenómenos
sociais. Como consequência os marxistas nunca analisam uma
4
parte da vida social ou um fenómeno ou agente social isolado do
contexto em que se insere.
5 Os marxistas interessam-se não apenas pelas relações entre os
fenómenos sociais no mundo contemporâneo mas também pelas
relações dessas realidades contemporâneas quer com os
fenómenos sociais passados e futuros.
Desta última característica decorrem por sua vez duas grandes
implicações:
a) Marx é mais um possibilista político do que um
determinista histórico. Dito de outro modo Marx considera
que o futuro pode ter a sua semente no presente; mas esta
tanto pode estiolar como desenvolver-se
b) O verdadeiro dialéctico está interessado no estudo das
relações reais e não no estudo das grandes abstracções. Ao
analisar o conflito entre capitalistas e trabalhadores, Marx
apesar de prever uma revolução e em última instância o
advento de um novo tipo de sociedade não a encara como
resultado inevitável. O proletariado teria que trabalhar e lutar
por essa nova sociedade; e mesmo isso não seria suficiente
para assegurar que lá chegariam – as sucessivas vitórias
que os trabalhadores foram obtendo na sua luta contra a
exploração capitalista mitigaram o seu fervor revolucionário e
o seu militantismo adiando a possibilidade de uma revolta
geral.
5
CONFLITO E CONTRADIÇÃO
A maior das contradições no seio do capitalismo reside na relação entre
a burguesia e o proletariado. Para Marx a burguesia produz o
proletariado e ao fazê-lo cava a sua própria sepultura.
Ao expandir-se o capitalismo, o número de trabalhadores explorados e o
grau de exploração aumentam. O aumento do grau de exploração leva
os trabalhadores a aumentarem a sua resistência. Esta resistência
conduz por sua vez a uma intensificação da exploração e da opressão. O
resultado desta escalada será um confronto final entre estas duas
classes que, Marx alvitra, será ganho pelo proletariado.
A SOCIEDADE COMUNISTA
Apesar do interesse que tinha para si Marx perdeu muito pouco tempo
com a descrição da sociedade comunista. Na realidade Marx foi sempre
crítico dos chamados «Socialistas utópicos», que escreveram livro atrás
de livro sobre os seus sonhos sobre uma sociedade futura, autêntico
paraíso na terra. Para Marx o mais importante era a análise crítica da
sociedade capitalista contemporânea. Acreditava que tal crítica ajudaria a
destruir o capitalismo e a criar condições para o nascimento de um novo
mundo socialista.
Havia tempo para construir o comunismo uma vez destruído o
capitalismo.
Para Marx o comunismo era basicamente uma sociedade sem classes.
6
O MODELO DIALÉCTICO
Os pensadores dialécticos interessam-se normalmente pelas estruturas
da sociedade e pelos agentes que actuam enquadrados por essas
estruturas, bem como pelas relações que se estabelecem entre esses
agentes e essas estruturas.
Ao considerar as circunstâncias passadas presentes e futuras e a forma
como se interrelacionam com os agentes sociais e a estruturas em que
se movem os marxistas chegam a um modelo complexo que pode ser
graficamente representado como segue
Estruturas no passado
Agentes no passado
Estruturas no presente
Agentes no presente
Estruturas no futuro
Agentes no futuro
Dos escritos de Marx resulta claramente que trabalhou com um modelo
deste tipo: as estruturas condicionam as pessoas mas estas contribuem
para alterar as estruturas. No dizer de Marx, que hoje ainda ouvimos na
boca de alguns dirigentes comunistas « as circunstâncias fazem o
homem tanto quanto o homem faz as circunstâncias».
Marx começa a dedicar grande parte da sua atenção à estruturas da
sociedade capitalista e constrói a sua análise crítica da estrutura da
sociedade capitalista baseada nas suas premissas acerca dos agentes,
da acção e da interacção.
7
O POTENCIAL HUMANO
A base das ideias de Marx reside nas suas ideias acerca do potencial
humano.
Acreditava que até ao seu tempo a humanidade não e tinha sequer
aproximado daquilo que poderia ser. A natureza das sociedades
anteriores à sociedade capitalista era demasiado rude para permitir ao
homem realizar o seu potencial. Os seres humanos estavam demasiado
ocupados em garantir a sua sobrevivência (arranjando alimentos ou
abrigo) para poderem desenvolver todo o seu potencial.
O capitalismo resolveu alguns destes problemas mas criou um ambiente
social demasiado opressivo para permitir o pleno desenvolvimento do
potencial humano.
Era convicção de Marx que será o comunismo que, aproveitando base
tecnológica do capitalismo, permitirá o pleno aproveitamento do potencial
humano.
FACULDADES HUMANAS E NECESSIDADES
As faculdades humanas são definidas para Marx de um ponto de vista
histórico – o que são actualmente resulta do que foram e do que poderão
ser em condições históricas alteradas.
As necessidades humanas são os desejos que as pessoas sentem por
coisas que não estão imediatamente disponíveis. Também estas
necessidades são historicamente definidas.
Nem estas faculdades nem as necessidades humanas podem ser
discutidas fora do contexto histórico-social em que as pessoas vivem.
8
CONSCIÊNCIA
Para Marx o ser humano é diferente do animal por possuir uma
consciência que consegue ligar às suas acções.
Esta ênfase na consciência está ligada ao relacionamento de Marx com a
filosofia Hegeliana.
Marx criticou Hegel por este discutir a consciência como se esta existisse
independentemente do homem inserido num mundo real. Para Marx,
Hegel constrói o homem a partir da auto-consciência em vez de construir
a consciência como a consciência do homem real, vivendo num mundo
objectivo e determinado por esse mundo. Assim Hegel vai construir um
mundo às avessas, assente sobre a sua cabeça.
Desta inversão resulta para Marx uma barreira intelectual à acção política
que considerava imperativa.
Para Marx, Hegel via o mundo de cabeça para baixo e, ao fazê-lo, erigia
uma barreira intelectual à acção política. Esta era, para Marx, imperativa
como forma de transformar o mundo e por isso a filosofia de Hegel era
conservadora.
Marx considerava que as principais diferenças que separavam o homem
do animal eram:
� os animais fazem. Os homens conseguem abstrair-se
daquilo que estão a fazer
� os homens conseguem escolher entre acção e inacção
precisamente pelo facto de se conseguirem abstrair
daquilo que estão a fazer
� os homens conseguem planear as suas acções
� os homens têm flexibilidade física e mental
9
� os homens conseguem concentrar-se no que estão a
fazer durante grandes períodos de tempo.
� A mente humana leva os homens a tornarem-se seres
gregários
� Só os homens têm consciência
Esta última característica torna-se fundamental para Marx. É que
segundo ele a consciência resulta da acção e interacção humanas. É por
isso um produto social. A consciência é para Marx uma consciência da
vida material do homem que se processa em sociedade através da
interacção dos indivíduos e destes com a natureza.
Na relação com a natureza Marx distingue:
� PERCEPÇÃO – é o contacto imediato que o homem
tem com a natureza
� ORIENTAÇÃO - organiza os padrões e impõe um
quadro de referência às várias concepções
(percepções) do mundo
� APROPRIAÇÃO – percebido o mundo e organizadas
as suas diferentes percepções está preparado para ser
apropriado
Temos então que, para Marx, a natureza das faculdades e necessidades
humanas condicionam a forma como o mundo é percebido (as diferentes
percepções do mundo); estas diferentes percepções são organizadas
umas relativamente às outras (uma são consideradas mais verdadeiras
do que outras, por exemplo). Esta organização das percepções é
socialmente determinada (serão as percepções dos mais fortes ou mais
poderosos que tenderão a serem consideradas verdadeiras) . Finalmente
a forma como a sociedade se vai apropriar da natureza vai resultar quer
10
da forma como o mundo é percebido quer da organização dessas
percepções. A forma de apropriação da natureza, ou seja aquilo que a
natureza é para o homem vai então resultar tanto da própria natureza,
como das faculdades e necessidades humanas quer da forma como
a interacção humana, na sua relação com a natureza, determina a
organização da percepção que os homens têm natureza.
MODO DE PRODUÇÃO
É a relação dialéctica que se estabelece entre um dado tipo relações
sociais de produção e um determinado nível de desenvolvimento das
forças produtivas.
Marx fala-mos do Modo de Produção Antigo, do Modo de Produção
Feudal, do Modo de Produção Capitalista e do Modo de Produção
Socialista/Comunista.
AS TRÊS ÉPOCAS BÁSICAS DE RELACIONAMENTO ENTRE O
POTENCIAL HUMANO E OS PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA
NATUREZA
A partir destas ideias Marx vai então distinguir 3 épocas básicas de
relacionamento entre o potencial humano e os processos de percepção,
orientação e apropriação da natureza:
� Sociedade primitiva
Nesta sociedade o homem usa apenas os recursos naturais
para produzir aquilo de que necessita (alimentação, abrigos,
armas)
Dado que poucas coisas são produzidas e a produção é
ineficiente o homem desenvolve pouco as suas capacidades
11
– passa a maior parte do seu tempo a produzir de forma
ineficaz aquilo de que necessita. As suas necessidades
permanecem a um nível básico – “nos estádios mais baixos
do desenvolvimento poucas necessidades foram já
desenvolvidas e por isso poucas necessidades têm de ser
satisfeitas”.
A capacidade humana de pensar pouco excede a do animal
nestes estádios iniciais de desenvolvimento.
� Capitalismo
É o sistema económico caracterizado por um domínio dos
meios de produção pela burguesia facto que obriga o
proletariado a vender a sua força de trabalho para
sobreviver.
É para Marx um sistema em que a capacidade humana
expressa no acto de apropriação da natureza é quase
virtualmente eliminada. A maior parte da humanidade vê-se
reduzida a querer ganhar dinheiro e a fazer seja o que for
necessário para isso. O objectivo humano deixa de ser a
expressão do potencial humano para passar a ser “possuir
algo”. Esta ideia é expressa por Marx ao dizer que “enquanto
o mundo primitivo “proporciona uma satisfação escassa” o
mundo moderno do capitalismo “nos deixa insatisfeitos”.
� Comunismo
É o sistema em que as forças estruturais que levam à
distorção da natureza humana são aniquiladas e o homem
pode finalmente exprimir todo o seu potencial. Para Marx:
12
� A sociedade primitiva limitava, pela sua
ineficácia económica, os desejos e
necessidades que podem ser expressos e
satisfeitos, limitando, assim, a expressão do
potencial humano.
� A sociedade capitalista vem com a sua eficácia
económica libertar o homem das suas limitações
primitivas – trata-se para Marx de uma etapa
importante do desenvolvimento humano na
medida em que desenvolve brutalmente as
forças produtivas que a sociedade comunista vai
poder utilizar para libertar o homem. Erige no
entanto e ao mesmo tempo inúmeras barreiras à
expressão de muitos desejos e necessidades,
nomeadamente através da substituição do
processo humano de apropriação da natureza
por uma sociedade em que as pessoas se
vendem para adquirirem mercadorias produzidas
por um sistema económico sem rosto.
� É a sociedade comunista que, libertando o
homem das limitações da sociedade primitiva e
acabando com as peias económicas e sociais
que agrilhoam os pés do homem na sociedade
capitalista, vai permitir a realização de todo o
potencial humano.
13
A ACTIVIDADE
Consiste nos meios através dos quais o homem se apropria da natureza.
Ao discutir a actividade Marx sai do reino objectivo da consciência e
passa para o reino objectivo.
Deve notar-se que em Marx, devido ao carácter dialéctico, é difícil
separar os vários aspectos da realidade social. Trabalho e consciência
são conceitos interdependentes. O trabalho é uma actividade consciente
e deliberada num processo produtivo. Surge assim como uma expressão
do potencial humano.
Marx não distinguiu claramente entre os conceitos de actividade,
criatividade e trabalho. Mas para ele cada um dos conceitos evidenciava
um aspecto das relações do homem com a natureza:
� Actividade
Refere-se a movimentos utilizados em
empreendimentos deliberados
� Trabalho
Refere-se ao processo de produção
� criatividade
refere-se à capacidade que as pessoas têm de
fazer produtos únicos
No capitalismo, o trabalho tende a estar separado da actividade e da
criatividade. Será o comunismo que permitirá que o trabalho e a
actividade venham a incorporar a criatividade humana. Ou seja, dito de
outro modo, na sociedade comunista aqueles que fazem o trabalho são
também aqueles que o planeiam realizando-se assim plenamente na sua
execução.
14
OBJECTIFICAÇÃO
No processo de apropriação do meio natural todo o homem se envolve
naquilo a que Marx chama a “Objectificação”, ou seja a produção de
objectos.
A relevância deste conceito para Marx deve-se a várias razões:
� reafirma a orientação materialista das suas teses
� é a verdadeira arena em que o ser humano
exprime as suas capacidades reais – o potencial
humano concretiza-se na objectificação de
produtos
Este processo de objectificação tem algumas características:
� deve envolver a consciência dos agentes
� os agentes devem poder exprimir as suas
capacidades
� os agentes devem poder exprimir o carácter
inerentemente social do processo de
objectificação
� o processo de objectificação não deve ser
apenas um meio para atingir um fim (o dinheiro
no modo de produção capitalista), deve pelo
contrário envolver as capacidades criativas dos
indivíduos;
15
AS CONSEQUÊNCIAS IMPREVISTAS
O homem dotado, com vimos, de todas as características que o
preparam para a liberdade acabou por gerar uma estrutura social como o
capitalismo que distorce completamente a sua natureza essencial. Só é
possível compreender isto através da noção de “consequências
imprevistas”
Em Marx é a dialéctica que opera este processo: o homem capaz de se
aperceber das consequências imediatas das suas acções falha
redondamente na previsão das consequências mediatas.
De um modo geral, podemos dizer que para Marx, o próprio capitalismo
foi uma consequência imprevista de um grande conjunto de acções: os
homens não pretendiam criar um sistema que lhes distorcesse a sua
própria natureza. Não obstante foi isso que fizeram.
Como tantas outras coisas na obra de Marx, esta ideia está ligada a um
contexto social que no caso do capitalismo tem a seguinte tradução:
O motor do capitalismo é a busca incessante do lucro máximo. Pensam
os seus agentes, os capitalistas, que esta procura incessante melhora as
condições de funcionamento do sistema, melhorando ao mesmo tempo a
vida de toda a gente. Para Marx o que acontece é exactamente o
contrário: ao erigir a busca do lucro como objectivo a perseguir os
sistema capitalista cria as condições da sua própria destruição ao criar
uma classe social que o aniquilará – o proletariado.
A ALIENAÇÃO
Nos seus primeiros escritos Marx chama ALIENAÇÃO às distorções da
natureza humana causadas pela dominação dos trabalhadores pela
vontade alheia do capitalismo.
16
Marx oferece-nos assim uma teoria da alienação baseada na estrutura
social. É a estrutura social do capitalismo que quebra as interacções que
caracterizam a natureza humana: o sistema de duas classes sociais em
que uma delas detém os meios de produção e por essa via obriga a outra
a vender a sua força de trabalho e a espolia do excedente criado corta as
interacções existentes entre trabalho, criatividade e actividade.
AS 4 COMPONENTES DA ALIENAÇÃO
A alienação tem para Marx 4 componentes básicas:
� Os trabalhadores encontram-se alienados da sua
actividade produtiva.
Não trabalham para si nem para satisfazer as suas
necessidades básicas. Trabalham para os fins que os
capitalistas detentores dos meios de produção lhes
determinam. Ao pagar-lhes um salário pela sua força de
trabalho os capitalistas tornam-se donos da actividade do
trabalhador.
� Os trabalhadores encontram-se alienados do próprio
objecto da actividade produtiva, ou seja do seu produto
Esta alienação tem um duplo significado:
� O produto da actividade dos trabalhadores não
lhes pertence para com ele satisfazerem as suas
necessidades básicas. Esse produto pertence
aos donos dos meios de produção – os
capitalistas.
17
� Com a divisão do trabalho os trabalhadores
deixam de conhecer os aspectos essenciais do
próprio processo de produção dos produtos.
Com a perda do controlo da sua actividade
passam a desempenhar tarefas muito
especializadas e perdem por isso a noção do
seu papel no processo de produção total.
Acabam assim por ficar com a noção de que é “a
fábrica” e não eles que fabrica os produtos.
Os trabalhadores encontram-se alienados dos seus
próprios colegas de profissão
Para Marx o homem é um ser gregário que trabalha em
cooperação para se apropriar da natureza no processo de
satisfação das suas necessidades. No capitalismo e ainda
como consequência do perda do domínio da actividade pelos
trabalhadores a cooperação é impedida e substituída por
uma competição sem tréguas. Os trabalhadores passam a
trabalhar ao lado uns dos outros como estranhos. A criação
de prémios de produtividade ou a simples ameaça de
despedimento aos que produzem menos quantidades,
coloca os trabalhadores uns contra os outros. O isolamento e
a hostilidade interpessoal tornam assim os trabalhadores
alienados de si próprios.
O trabalhador encontra-se alienado do seu próprio
potencial humano
Alienado da actividade, do produto e da criatividade que está
associada à sua concepção e alienado de si próprio e do seu
semelhante, o trabalhador no sistema capitalista trabalha
18
cada vez menos como um ser humano e cada vez mais
como um animal.
A consciência é adormecida e destruída à medida que as
relações com a natureza e com os outros homens são
diminuídas. O resultado é uma massa de pessoas incapaz
de exprimir as suas qualidades humanas essenciais, uma
MASSA DE ALIENADOS.
A EMANCIPAÇÃO
Como vimos já mais atrás Marx defendia o empenhamento político do
cientista social. Vemos agora porquê.
O capitalismo, como descrito nos parágrafos anteriores, quebra a
interconexão entre actividade, trabalho e criatividade, essencial à
natureza humana. A essa quebra chama Marx ALIENAÇÃO. A sociedade
comunista passa pelo restabelecimento dessa rede de ligações
essencial. Ao restabelecimento dessas ligações chama Marx
EMANCIPAÇÃO.
Vimos também que Marx é um possibilista político e que isso decorre da
aplicação do método dialéctico à explicação da história: significa isto que
do seu ponto de vista a emancipação, a dar-se, seria obra dos
trabalhadores.
A crítica que Marx faz à sociedade capitalista não deve por isso ser
encarada como um fim em si mesmo mas como uma tentativa de permitir
a emergência de uma sociedade que possibilite a realização plena do
potencial humano. O fim último da análise marxista da história e da
sociedade é a libertação humana daquilo que o autor considera a
escravatura da sociedade capitalista.
19
Este fim último levou Marx à crítica da sociedade capitalista e a um
programa político orientado no sentido de ultrapassar o capitalismo.
A transição da sociedade capitalista para a sociedade socialista far-se-ia
através da acção informada pela teoria – a Praxis. Este conceito significa
que para Marx, quem quer transformar a sociedade não se pode
contentar com filosofar acerca do capitalismo e os seus crimes e agruras,
mas antes criar uma instância intelectual que actue como catalisador da
acção necessária para o seu derrube. O capitalismo só pode ser
derrubado pela acção – o proletariado deve agir para derrubar
capitalismo.
20
ASPECTOS ECONÓMICOS DO CAPITALISMO
AS MERCADORIAS
Para Marx o a mercadoria constitui o problema central da sociedade
capitalista. Vejamos como ela é caracterizada por Marx:
Em contacto com a natureza o homem produz os bens de que necessita
– a objectificação é uma necessidade do homem para sobreviver. Os
objectos que o homem produz para sobreviver são sobretudo e antes de
mais valores de uso. São controlados pelos seus produtores e têm assim
uma existência independente.
Sob o capitalismo o processo de objectificação assume uma nova forma.
Em vez de produzir para si para os seus parceiros imediatos, o produtor
começa a produzir para terceiros. Isto acontece porque os produtos
passam a ter um valor de troca. Significa isto que os bens produzidos em
vez de serem consumidos podem ser trocados por outros.
Estes bens são as mercadorias e têm a propriedade de, através do
mercado se tornarem independentes do produtor, de terem de alguma
forma uma existência que lhes é exterior.
FEITICISMO E MERCADORIA
O processo de mercadorização começa com o desenvolvimento da
produção. Na base do processo de produção está o trabalho que é o que
dá valor às mercadorias.
21
Aquilo a que aqui chamamos feiticismo consiste na atribuição de valor às
coisas por si próprias. Explicitemos: o que dá valor aos objectos é o
trabalho que neles está incorporado, é o trabalho que é necessário à sua
produção – isto funciona assim enquanto os objectos são apenas valores
de uso e um indivíduo quer trocar um bem de que não precisa por outro
de que precisa para satisfazer as suas necessidades.
Mas quando os indivíduos começam a produzir bens para terceiros que
não conhecem – quando começam a produzir bens que são
predominantemente valores de troca então o que parece conferir valor ao
bem produzido é o mercado.
O mercado fica assim com o papel que só o trabalho e os trabalhadores
podem desempenhar – dar valor às mercadorias. Nas palavras de Marx,
“aquilo que não passa de uma relação social assume aos olhos dos
homens a forma de uma relação entre coisas”.
Eis o “feiticismo das mercadorias” que lhes atribui a elas e ao mercado
uma existência independente e objectiva que passa a coagir os agentes
sociais que nele acreditam.
A REIFICAÇÃO
É um processo semelhante ao do feiticismo mas aplicado a toda a
sociedade.
A reificação aparece como o processo de acreditar que coisas criadas
pelo homem são naturais, universais e absolutas o que leva
consequentemente as formas sociais reificadas a adquirirem
características também naturais, absolutas e universais.
Aplicado às estruturas sociais este conceito significa que as pessoas
pensam que a estruturas sociais estão para além do seu controlo e que
22
são imutáveis. Então as estruturas sociais adquirem de facto essas
características.
A base deste conceito de reificação encontra-se na própria discussão do
trabalho que Marx levou a cabo. Para ele, o trabalho como fenómeno
social, transforma-se numa mercadoria sob as circunstâncias particulares
do capitalismo. Isto acontece por que os detentores do trabalho aceitam
que seja normal vendê-lo como mercadoria. Admitida a possibilidade de
um fenómeno social poder ser reificado o mesmo se pode passar com
outros fenómenos sociais como, por exemplo, o estado.
O CAPITAL
O capital é a relação social entre os compradores e vendedores da força
de trabalho. O sistema capitalista é o sistema eu emerge dessa relação
social.
Como estrutura independente o capital explora os trabalhadores através
de agentes que actuam por sua conta (a burguesia) e que foram e são
responsáveis pela sua criação.
Também o capital é reificado acreditando os trabalhadores que é natural
que o capital lhes seja exterior e coercivo.
Os trabalhadores são assim explorados por um sistema que se
esquecem que foi criado por eles e que têm capacidade para modificar.
O exemplo máximo desta reificação é a forma como o trabalhador se vê
confrontado, durante o processo de trabalho, por instrumentos de
trabalho que assumem a forma de trabalho morto (imobilizado) que
dominam e exploram o trabalho vivo (os trabalhadores).
23
A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS
Para Marx a circulação de mercadorias é o ponto de partida do
Capitalismo. Analisou basicamente dois tipos de circulação de
mercadorias:
� A) C1 - M - C2
Este é o segundo tipo de circulação de mercadorias
que existiu na história humana. O primeiro era do tipo
C1 – C2.
Note-se que:
�C1 representa mercadoria 1
�C2 representa mercadoria 2
�M representa quantidade de moeda
A fórmula em epígrafe representa a troca de valores
de uso no mercado. A fórmula mais simples representa
a troca directa de valores de uso (troca de mercadoria
por mercadoria). Nenhum destes tipos de circulação
de mercadorias é típico do capitalismo.
� B) M1 - C - M2
Esta é uma circulação de mercadorias típica do
capitalismo.
�M1 representa uma quantidade inicial de
moeda
�M2 a quantidade final de moeda
24
�C representa mercadoria que foi utilizada
para transformar a quantidade de moeda inicial
M1 na quantidade final de moeda M2
A esta fórmula chamou Marx, comprar para vender – o
indivíduo compra mercadoria para a vender por mais
dinheiro e não para satisfazer as suas necessidades.
A fórmula B é caracterizada por duas fases antitéticas mas
complementares: num determinado momento a compra de um é a venda
de outro. A circulação de mercadorias no capitalismo começa com uma
compra e acaba com uma venda – o fim do circuito não é o consumo do
valor de uso mas a simples circulação de mercadorias com vista a obter
o aumento do dinheiro inicialmente investido. Resulta deste processo que
na circulação de mercadorias típica do capitalismo decresce o significado
da mercadoria real ao mesmo tempo que a essência do capital fica
reduzida a uma circulação abstracta de dinheiro. Este carácter mais
abstracto da circulação de mercadorias torna a reificação mais fácil.
A PROPRIEDADE PRIVADA
Ela é para Marx o produto necessário do trabalho alienado. Os
trabalhadores não o percebem e em vez de a controlarem são por ela
controlados. Uma vez criada, a propriedade privada vai exacerbar a
alienação impondo-se entre o homem e o processo produtivo – é a
propriedade privada dos meios de produção que leva os trabalhadores a
terem de vender a sua força de trabalho, que os leva a perder o controlo
da sua actividade, do processo produtivo e do próprio produto.
Percebe-se então porque é que para Marx, é necessário que a
propriedade privada acabe para que o homem realize o seu pleno
potencial: a propriedade privada é a chave do processo de alienação.
25
A DIVISÃO DO TRABALHO
Marx vai buscar o início da divisão social do trabalho à primitiva divisão
de tarefas entre homens e mulheres. Mas para ele a divisão de trabalho
fundamental é a que toma lugar entre burguesia e proletariado, ou seja
entre detentores dos meios de produção e aqueles que são obrigados a
vender a sua força de trabalho. É esta divisão de trabalho fundamntal
que impede o homem de realizar o seu potencial.
Eis algumas críticas de Marx à divisão do trabalho capitalista:
Separa o indivíduo da comunidade como um todo
as pessoas vivem para a sua especialidade, para a sua
empresa e esquecem as necessidades da comunidade como
um todo;
O processo de trabalho é quebrado desintegrando as sua
funções
as funções intelectuais são separadas do trabalho manual;
Os indivíduos são reduzidos a meros instrumentos
trabalho vivo (salários) e trabalho morto (imobilizado) são
colocados em pé de igualdade no processo produtivo;
Cada indivíduo apenas dá uma pequena contribuição para o
produto final
Os produtores perdem o controlo da sua actividade e do seu
produto.
Numa sociedade comunista ninguém teria de se especializar. Cada um
poderia realizar-se no ramo que desejasse. Seria a sociedade a regular a
26
produção geral e tornar-se-ia possível hoje fazer uma coisa e amanhã
outra.
CLASSE SOCIAL
As classes sociais eram para Marx relações sociais reificadas.
Para compreendermos esta definição temos de recorrer às seguintes
definições dadas atrás
� reificação como o processo de levar a sociedade a acreditar
que as coisas feitas pelo homem são naturais
� capital como uma relação social entre os compradores e
vendedores da força de trabalho
� feiticismo como atribuição de valor às coisas por elas
próprias
Só a partir destas definições podemos compreender o que quer
dizer Marx com a sua definição de classe social.
Na realidade o feiticismo das mercadorias atribui, como vimos, ao
mercado a capacidade de dar valor aos bens, assim transformados em
mercadorias. Aceite desta forma o mercado como entidade
independente, com existência por si sem vermos que ele é uma relação
entre pessoas antes de ser uma relação entre coisas, está dado o
primeiro passo para deixarmos de perceber de onde provém a existência
do capital. Ora este é uma relação social e escondida a sua origem é
uma relação social reificada, com o carácter natural, universal e imutável
que isso implica.
27
Definida desta forma e tendo um papel crucial em todo o marxismo deve
no entanto registar-se que Marx não lhe dedicou uma análise detalhada
como mais tarde faria Weber, por exemplo.
A ECONOMIA SEGUNDO KARL MARX
A economia marxista é talvez a melhor exemplificação da sociologia
marxista.
O conceito de partida para Marx é o de valor de uso e valor de troca. O
homem desde sempre criou valores de uso – produtos que servem para
lhe satisfazer directamente as suas necessidades. Um valor de uso é por
isso definido qualitativamente – é uma coisa que ou é útil ou é inútil. Por
outro lado um valor de troca é qualquer coisa que é definida
quantitativamente. Mais concretamente, é definido pela quantidade de
trabalho necessária para a apropriação de qualidades úteis. Enquanto
que os valores de uso são produzidos para satisfazer necessidades, os
valores de troca são produzidos para trocas por outros valores de uso.
Para Marx enquanto que a produção de valores de uso é natural no
homem, a produção de valores de troca coloca em marcha um processo
social que vai distorcer a humanidade – todo o edifício capitalista
incluindo mercadorias, o mercado, o dinheiro etc., é construído assente
nos valores de troca.
Para Marx a fonte última de todo o valor é a quantidade de trabalho
(medido em horas) socialmente necessária para produzir um bem nas
condições médias de produção e com a capacidade técnica média
prevalecente na sociedade. Esta é a conhecida teoria do VALOR
TRABALHO.
28
Embora seja relativamente claro que o trabalho é a fonte última de todo
valor este facto torna-se progressivamente menos claro à medida que
nos movemos para os valores de troca, para as mercadorias, para o
mercado e para o capitalismo. O valor torna-se então:
«um segredo, escondido sob as flutuações aparentes nos
valores relativos das mercadorias»
Significa isto que para Marx, sob o capitalismo, o trabalho enquanto fonte
de todo o valor é o segredo que permite que os capitalistas explorem os
trabalhadores.
Marx coloca assim no âmago da sua teoria sociológica o tema da
exploração. Os capitalistas pagam ao trabalhadores menos do que o
valor do que eles produzem e ficam com o resto para eles. Os
trabalhadores não sabem isto, tal como os capitalistas também não na
maior parte das vezes:
Os capitalistas atribuem este excedente de que se apropriam à sua
esperteza e sentido da oportunidade, ao prémio merecido pelo risco que
correm. É o próprio Marx que o diz:
« enquanto o comércio é lucrativo capitalista está
demasiado entretido em esgravatar tudo à procura de
mais um tostão para se aperceber que recebe trabalho
gratuito»
«O capitalista não sabe que o preço normal do trabalho
inclui uma quantidade definida de trabalho não pago que é
a fonte do seu ganho. Este trabalho não pago, chamado
mais valia, não existe para ele já que é incluída no dia
normal de trabalho, que ele pensa que pagou através do
salário»
29
Este conceito de mais valia é definido como a diferença entre o valor do
bem quando é vendido e o valor dos elementos consumidos na produção
desse bem. Apesar de no processo produtivo se consumirem, além do
trabalho humano, matérias primas e amortizações, é do trabalho humano
que provém a mais valia.
A taxa de mais valia é assim uma medida exacta do grau de exploração
a que o trabalhador está submetido.
Marx retira daqui uma metáfora que todos os trabalhadores do mundo
(unidos ou não) já utilizaram:
«o capital é trabalho morto, que qual vampiro, vive de
sugar o trabalho vivo e vive tanto mais quanto mais suga»
Esta mais valia é utilizada pelos capitalistas para pagarem encargos
como a renda fundiária e juros aos bancos. Mas a maior parte constitui
os lucros. Os capitalistas poderiam usá-los se quisessem em consumo
sumptuário mas esse tipo de aplicação não permitiria expandir o capital.
Em vez disso o que o capitalista faz é investir essa mai valia no aumento
da sua empresa por forma a que esta gere maiores volumes de mais
valia. A este desejo insano de mais lucro e mais mais valia com o
objectivo último de expansão contínua chamou Marx A LEI GERAL DA
ACUMULAÇÃO CAPITALISTA.
O capitalista procura explorar o trabalhador o mais possível aproximando
tanto quanto puder o custo do trabalho de zero.
Para Marx a estrutura e a moral capitalista levam os capitalistas na
direcção de uma acumulação progressivamente mais intensa de capital.
E para o fazer, dado que é a mais valia a fonte de todo o valor, os
capitalistas vão intensificando a exploração dos trabalhadores, do
proletariado.
30
Há no entanto um problema: é que uma exploração cada vez maior leva
a ganhos cada vez mais pequenos – há um limite à exploração. Além
disso à medida que a exploração se torna insuportável os próprios
governos dos países são obrigados a intervir. Restringindo a actuação
dos trabalhadores (por exemplo fixando limites à duração do trabalho).
Como resultado destas restrições os capitalistas procuram outras
maneiras e aumentar os seus ganhos – substituindo homens por
máquinas por exemplo. Esta substituição é fácil pois a maior parte dos
trabalhadores já não eram mais do que máquinas humanas,
desempenhando tarefas extremamente simples.
A produção capitalista torna-se assim predominantemente capital-
intensiva. Este facto provoca a queda da taxa de lucro que como vimos
era alimentada pelo trabalho vivo e respectiva mais valia.
À medida que a mecanização prossegue, cada vez mais pessoas vão
para o desemprego alimentar aquilo que Marx chama o exército
industrial de reserva.
Ao mesmo tempo a competição tecnológica leva à falência os capitalistas
mais fracos, ficando assim cada vez mais reduzida em número a classe
capitalista.
No fim Marx vê um mundo constituído por “meia dúzia” de grandes
capitalistas e uma massa enorme de proletários e membros do exército
industrial de reserva. Nestas circunstâncias a revolução seria
extremamente fácil e a queda do capitalismo uma questão de tempo. A
expropriação das massas seria substituída pela expropriação de meia
dúzia e usurpadores.
31
Contudo os capitalistas vão sempre procurando adiar a sua queda. Uma
das maneiras é patrocinar aventuras coloniais que ao desviar uma parte
significativa da exploração para o exterior alivia pelo menos
temporariamente, os conflitos sociais.
O ponto crucial nesta visão Marxista sociedade industrial é a lei geral da
acumulação capitalista e a forma como ela impele os agentes sociais,
tanto capitalistas como proletários a cumprirem os seus papéis e selarem
o seu destino.
Marx não culpa os capitalistas individuais pelas respectivas acções –
antes as encarava como sendo determinadas em grande medida pela
lógica de funcionamento do sistema.
Esta forma de ver as coisas era compatível com a sua opinião de que no
capitalismo os agentes não são dotados de independência criativa. Seria
o desenvolvimento do processo capitalista que criaria as condições
necessárias à emergência de uma acção criativa – a revolução – que
derrubaria a distorção da humanidade iniciada pelo predomínio dos
valores de troca.
É isto que é importante e Marx – não as suas teorias económicas, mas a
base do comportamento sociológico dos agentes que nelas está
implícito.
32
PARA ALÉM DA ECONOMIA
ASPECTOS CULTURAIS DA SOCIEDADE CAPITALISTA
Marx concentrou a sua atenção nas estruturas de grande escala da
sociedade capitalista e no seu impacto alienante nos seres humanos.
Não tinha muito para dizer acerca do domínio cultural mas não era
insensível à importância deste aspecto da realidade social. O
materialismo de Marx afastou-o da preocupação com a cultura que foi
muitas vezes releigada como associada às preocupações idealistas dos
hegelianos de direita.
Ouçamos estas palavras de Marx
«A totalidade destas relações de produção constitui a
estrutura económica da sociedade, a fundação real onde
assentam as superestruturas legal e política e às quais
correspondem formas definidas de consciência social. O
modo de produção da vida material condiciona os
processos gerais da vida social, política e intelectual. Não é
a consciência dos homens que determina a sua existência,
mas a sua existência social que determina as suas
consciências.»
Marx pode aqui ser interpretado como falando de consciência no sentido
cultural do termo e não no sentido dos processos mentais e da
construção social da realidade.
33
Dada esta interpretação Marx parece aqui estar a relegar a cultura para o
estatuto de um epifenómeno determinado pelas estruturas sociais e
económicas. Isto aprece ser confirmado por estas outras linhas em que
Marx parece reduzir toda a mudança à mudança da base material em
que se apoia a superestrutura cultural:
«Então começa uma era de revolução social. As
mudanças na infraestrutura económica levam mais cedo
ou mais tarde à transformação da imensa superestrutura.
Ao estudar estas transformações é sempre necessário
distinguir entre a transformação material das condições
económicas de produção que podem ser determinadas
com a precisão de uma ciência natural e as formas
ideológicas (leis, políticas, religiosas e artísticas) através
de que os homens tomam consciência deste conflito e o
resolvem. Tal como não podemos julgar um homem a
partir daquilo que ele pensa de si próprio também não
podemos julgar uma determinada época pela sua
consciência. Pelo contrário esta consciência é que deve
ser explicada pelas contradições da vida material.»
Neste parágrafo Marx parece uma vez mais reduzir os aspectos culturais
a um epifenómeno da infraestrutura económica.
Aqui uma vez mais apenas podemos contrapor o carácter dialéctico e
portanto antideterminístico das teorias marxistas que aponta para o
estudo das interrelações entre os fenómenos sociais.
Poder-se-á argumentar que a natureza do capitalismo conduz a
preeminência do nível estrutural, com o resultado de que os outros níveis
lhe fiquem subordinados.
34
CONSCIÊNCIA DE CLASSE E FALSA CONSCIÊNCIA
Para Marx, no capitalismo, ambas as classes têm percepções erradas
sobre o modo de funcionamento do sistema e do seu papel e interesse
nesse funcionamento (falsa consciência).
Na evolução para o comunismo há a possibilidade de que o proletariado
venha a desenvolver uma concepção exacta de como o capitalismo
funciona e o afecta enquanto classe – chame-se a isto a CONSCIÊNCIA DE
CLASSE.
O que é característico do capitalismo quer para o proletariado quer para
a burguesia é e FALSA CONSCIÊNCIA. Não nos surpreendemos que os
trabalhadores tenham falsa consciência mas por vezes é surpreendente
que o mesmo aconteça aos capitalistas. É que eles estão a explorar o
sistema e o proletariado. Mesmo assim LuKács apontou vários
elementos da falsa consciência da burguesia. Esta não tem consciência
da sua história e do seu papel na formação do capitalismo. Tampouco
reconhece as contradições irresolúveis que existem no seio do
capitalismo nem o seu papel na sua criação. E por isso subestima a
durabilidade do capitalismo. A burguesia tal como o proletariado não
compreende as consequências das suas acções. Os seus sistemas de
ideias estão cheios de ilusões acerca do seu controlo sobre o sistema
capitalista – nomeadamente ignoram que as suas acções como o
aumento da exploração dos trabalhadores contribuem em última análise
para a queda do capitalismo. O sistema de ideias do proletariado está
igualmente pejado destas ilusões acerca dos efeitos das suas acções.
Há contudo uma diferença fundamental entre os dois sistemas de ideias:
é que a burguesia nunca conseguirá transformar a sua falsa consciência
numa verdadeira consciência enquanto que isto é possível para o
proletariado. Do ponto de vista de Marx o proletariado ocupa um lugar
privilegiado porque o seu afastamento da propriedade é o modelo do
35
futuro em que não haverá propriedade de todo ou esta pertencerá à
colectividade. No auge do capitalismo o proletariado é já uma classe de
oposição ao capital mas não é ainda uma classe em si. Este se pretende
assumir o seu papel histórico tem que se transformar numa classe não
apenas contra o capital mas para si própria - ou seja a luta de classes
deve ser elevada do nível da necessidade económica para o nível do fim
consciente e da consciência de classe efectiva.
Ao falar de consciência de classe e de falsa consciência de classe, Marx
não falava de consciências individuais mas da consciência de uma
classe no seu todo. Além do mais os conceitos de consciência e falsa
consciência de classe são em Marx , conceitos dinâmicos que apenas
fazem sentido em termos de mudança e desenvolvimento social. O
conceito de falsa consciência de classe descreve a situação ao longo da
época capitalista enquanto a consciência de classe é a condição que
permitirá ao proletariado transformar a sociedade capitalista na
sociedade comunista.
IDEOLOGIA
Outra das principais dimensões económicas da obra de Marx é a
Ideologia. Uma ideologia pode ser definida como um sistema integrado
de ideis que são exteriores e coercivas relativamente aos agentes
sociais.
Marx referiu-se também na maior parte das vezes a este conjunto de
ideias da mesma forma que se referiu à consciência de classe e à falsa
consciência ou seja como meros reflexos da sua base material. Aqui é no
entanto mais claro que as ideologias aparecem por vezes na sua obra
com uma existência independente.
Eis um exemplo da abordagem mais determinística de Marx sobre as
ideologias:
36
«As ideias da classe dominante são em cada época as
ideias dominantes , isto é a classe a classe que é a força
material dominante da sociedade é ao mesmo tempo a
força intelectualmente dominante. A classe que tem os
meios de produção à sua disposição controla ao mesmo
tempo os meios da produção mental e daí resulta que as
ideias daqueles que se encontram privados dos meios de
produção também se lhes encontram subordinadas. As
ideias dominantes não são mais do que a expressão
intelectual, ideal, do domínio das relações materiais, não
são mais do que as relações materiais dominantes
percebidos sob a forma de ideias»
Há 3 ideias básicas interrelacionadas na concepção que Marx faz das
ideologias:
� As ideologias representam os interesses da classe
dominante o que não significa que estas ideias não tenham
um impacto recíproco nos interesses materiais propriamente
ditos.
� As ideologias são um reflexo truncado (parcial) e invertido da
realidade
As ideologias têm uma existência própria que coage as
pessoas.
O papel das ideologias será assim, para Marx, assegurar o assentimento
dos explorados e oprimidos. As ideologias apresentam o mundo a estes
últimos de forma a que estes se sintam em paz com ele, de forma que o
aceitem e até achem justo e necessário.
37
Um sistema ideológico funciona de forma a alterar os pensamentos e
acções dos membros da classe oprimida abrigando desta forma a
exploração do proletariado.
As ideologias não funcionam no vácuo – operam através de agentes.
Desta forma as ideologias afectam também as acções dos agentes da
classe dominante, que por seu turno afectam os pensamentos e acções
do proletariado.
top related