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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
REPRESENTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS: paisagem e arte
TERRA, CARLOS G.
Escola de Belas Artes/UFRJ Rua Marquês de Olinda, 64 – apt. 702 Bloco B – 22.251-040
Botafogo – Rio de Janeiro, RJ terracg@gmail.com
RESUMO
As grandes transformações que ocorreram no século XX estruturaram uma cidade dentro de novos
conceitos do urbanismo, embora as teorias que apareceram desde o início do século nem sempre se
materializaram efetivamente nos diferentes momentos da arquitetura. Por outro lado, acentua-se a
preocupação com a natureza e a sua incorporação a essa nova cidade que cria forma. Novas
tecnologias foram utilizadas na arte de cultivar os jardins, criando paisagens onde a máquina
influencia toda a sua estrutura desde o projeto até a sua manutenção, com o controle da
luminosidade, da umidade e da temperatura entre outros elementos. É a informática auxiliando o
paisagista. Do ponto de vista formal a elaboração da paisagem acompanha os movimentos artísticos,
isto é, a natureza construída encontrou na arte a base para a sua materialização. Os espaços verdes
se apresentam com as características do cubismo, do abstracionismo, do art deco, do surrealismo, do
tachismo e do chamado movimento pós-moderno entre outros. Seus exemplos seguem as diversas
vanguardas artísticas do século. Em alguns momentos as formas e os objetos que compõem a
paisagem retornam do passado e se mesclam com os novos modelos que surgem. Os espaços
verdes são integrados à arquitetura e à rapidez da vida moderna, com a demanda de uma vegetação
que necessite de poucos cuidados, onde os gramados e árvores de grande porte dividem esses
espaços com as obras de arte em alguns dos jardins contemporâneos. Por esses motivos surgem os
novos modelos como, por exemplo, o jardim de esculturas, o jardim selvagem, jardim do deserto e o
jardim vertical, que se tornam partes integrantes de uma paisagem nova, que baseia a sua
implantação nos conceitos artísticos, sociais e culturais atuais. Dessa maneira, fica evidente que os
séculos XX e XXI na sua continuação, utilizaram na tecnologia unida à teoria e ao homem para
conquistar um jardim mais elaborado e prazeroso.
Palavras-Chave: Paisagem; Arte; Jardins
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Continuamos inventando a paisagem, uma invenção que hoje, como em toda a história da arte, não se pode obter exclusivamente das artes, nem somente com as artes, e que requer a intervenção da arte nos mesmos processos de pesquisa e de transformação (Àlex Nogué, 2008, p. 166).
Ao analisarmos e estudarmos a paisagem é necessário ter em mente que a cada dia ela se
torna mais complexa devidos aos diversos sentidos que a ela atribuímos. Diversos campos
de investigação como a geografia, a história da arte, a história da cultura, a literatura, a
ecologia, entre muitos outros, se servem da paisagem com conceitos próprios, mas
mantendo a raiz de sua estrutura. Autores como Alain Roger trabalharam bastante bem com
a distinção léxica em relação a palavra. Roger também se interessou nas relações entre a
paisagem e a pintura, já que a sua representação teve uma longa duração e seu conceito se
estruturou a partir do século XVI.
Liz Maximiano nos lembra que “a noção de paisagem está presente na memória do ser
humano antes mesmo da elaboração do conceito” e ainda Milton Santos nos faz recordar
que a paisagem é tudo o que nós vemos, o que nossa visão alcança e que é formada por
volumes, cores, movimentos, odores, sons etc.
Nas últimas décadas agregado a ideia de Patrimônio surgiu um novo conceito que será
fundamental para a contemporaneidade – a Paisagem Cultural. A paisagem tem sido alvo
de estudos aprofundados por diversos autores, como foi comentado, e ao buscarmos defini-
la nas palavras de Maderuelo poderíamos dizer que “a paisagem depende da percepção e
da visão do meio rural e por extensão do meio urbano (Maderuelo, 2005, p. 36). Na década
de 20 iniciou-se uma reflexão mais profunda do que é “paisagem cultural” e Carl Sauer
definiu como “sendo a transformação de uma paisagem natural por um grupo cultural”.
Obviamente que essa definição foi repensada nos anos seguintes chegando-se a conclusão
de que as “paisagens” são sempre culturais pois há, de certa maneira, a integração entre o
homem e a natureza.
Para Augustin Berque a noção de paisagem é uma elaboração cultural “não existe sempre e
em todo lugar”, “houve civilizações não paisagísticas – civilizações em que não se sabia o
que é a paisagem”. O autor formula quatro critérios para identificar se uma civilização é (ou
não) paisagística: a) uso de diversas palavras para definir “paisagem”; b) uma literatura (oral
ou escrita) que descreva paisagens ou cante sua beleza; c) ter representações artísticas de
suas paisagens e; d) possuir jardins para fruir e deleitar-se com suas belezas (Berque, 1994.
p. 123).
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É essa relação que este trabalho pretende desenvolver, ao trazer a integração da arte na
paisagem e o modo como o homem a transforma, sobretudo, com a inserção de obras que
tanto nos faz refletir sobre os novos espaços criados que os nossos olhos abarcam.
A elaboração da paisagem segue os movimentos artísticos se adaptando aos diversos
seguimentos da arte moderna e contemporânea. Os espaços verdes se integram à
arquitetura e a rapidez da vida moderna, onde estão presentes obras de arte.
No século XX a cidade se estrutura dentro de novos conceitos do urbanismo, embora as
teorias que apareceram desde o início do século nem sempre se materializaram
efetivamente nos diferentes momentos na organização do espaço urbano. Por outro lado,
acentua-se a preocupação com a natureza e a sua incorporação a essa nova cidade que
cria forma. Novas tecnologias são utilizadas na arte de cultivar os jardins, criando paisagens
onde a máquina influencia toda a sua estrutura desde o projeto até a sua manutenção, com
o controle da luminosidade, da umidade e da temperatura entre outros elementos.
Do ponto de vista formal a elaboração da paisagem segue as diversas vanguardas artísticas
do século. Em alguns momentos as formas e os objetos que compõem a paisagem retornam
do passado e se mesclam com os novos modelos que surgem. Os jardins se apresentam
com as definições numa sequência idêntica ao mundo das artes plásticas. O cubismo, o
abstracionismo geométrico, o art deco, o surrealismo, o tachismo, minimalismo,
neorrealismo, o pós-modernismo e mesmo o que ainda não é bem definido na atualidade,
fazem parte dessa nova percepção paisagística. Os espaços verdes se integram à
arquitetura e a rapidez da vida moderna demanda uma vegetação que necessite de poucos
cuidados, onde os gramados e árvores de grande porte dividem esses espaços com as
obras de arte em alguns dos jardins contemporâneos.
Os jardins são bons exemplos para analisarmos e compreendermos a paisagem nos
diferentes momentos da história. Muitos também foram representados em pinturas e/ou
gravuras. Esses registros iconográficos nos permitem reconstruir a memória, daqueles
jardins que se perderam por diferentes motivos – destruição, substituição por um novo
modelo, abandono etc.
Devido às mudanças tecnológicas, culturais, sociais e paisagísticas a arte de criar
paisagens começou a se adequar as novas necessidades e também a se adaptar a
momentos universais, onde as diferentes culturas são integradas criando um novo corpus
nessa área.
Por esses motivos surgem os novos modelos como, por exemplo, o jardim de esculturas, o
jardim selvagem, o jardim do deserto e o jardim vertical, que se tornam partes integrantes de
uma paisagem nova, baseando a sua implantação nos conceitos emergentes.
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O jardim de esculturas é um espaço criado para servir de local para a exposição de
esculturas ao ar livre, podendo ser público ou privado. A forma mais pura desse jardim é
quando o jardim e a escultura foram planejados juntos em conceito integrado. Pode-se
destacar o complexo de Vigeland, jardim com as esculturas de Gustav Vigeland, em Oslo,
Noruega ou o jardim de esculturas de Carl Milles, escultor sueco que criou em Estocolmo,
Suécia, uma estruturada organização para distribuir suas obras – The Millesgården.
Il. 1. Millesgården, Estocolmo, Suécia.
FONTE: Fotografia do autor.
O jardim selvagem, natural ou em movimento, é aquele onde o paisagista interfere o mínimo
possível e as plantas crescem livremente. As alterações sofridas resumem-se àquelas
absolutamente necessárias para facilitar a sua utilização como um local de fruição. Seu
conceito se forma no final do século XIX com William Robinson, mas é no século XX que ele
realmente vai se afirmar. Jens Jensen, arquiteto paisagista, acreditava que “criar jardins era
uma habilidade nascida da combinação da arte e natureza, onde paisagens naturais
poderiam ser apreciadas pelo que eram e onde plantadas deveriam refletir as plantas
nativas da região” (Waymark, 2005, p. 49). O jardim de Ninfa, na Itália, é um bom exemplo,
embora muitas espécies tenham sido transplantadas para lá, vindas de outras regiões.
O jardim do deserto é aquele formado por plantas cujo habitat é o deserto. Suas
características e elementos estão associados ao clima desértico. Sua vegetação é
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constituída, principalmente, de cactos e rochas. Richard Neutra na sua Casa Kaufmann em
Palm Springs, Califórnia, USA, elabora um jardim com esses elementos, ao criar uma
composição que se integra a sua arquitetura.
O conceito do jardim vertical foi desenvolvido pelo botânico francês Patrick Blanc. Ele
permite uma perfeita integração da natureza à arquitetura produzindo espaços integrados
excepcionais. Os jardins verticais são leves e podem ser instalados em qualquer parede
tendo a rega e a fertilização automáticos. Proporcionam conforto térmico, redução da
poluição e do ruído externo. As plantas são escolhidas pela sua capacidade de crescer
neste tipo de ambiente e de acordo com a luz disponível. Tem produzido um resultado
inovador e que causa impacto nos transeuntes dos diferentes lugares do mundo, em
edifícios públicos e privados, em grande ou pequena escala. O jardim vertical da Caixa
Forum, em Madri, Espanha, é bem significativo, pois também nos remete a uma pintura
mural.
Il. 2. Caixa Forum, Madri, Espanha.
FONTE: Fotografia do autor.
Não sabemos mais se a arte vai se mesclando à natureza ou se a natureza mistura-se à
arte ao criar um organismo único, vivo e impactante. As representações contemporâneas
vão se emaranhando no desenho da paisagem, criando uma nova maneira de ver o entorno
no qual estamos inseridos.
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Dessa maneira, fica evidente que os séculos XX e XXI buscaram na tecnologia, unida à
teoria e ao homem, um jardim mais funcional e prazeroso.
Um movimento que integrou muito bem arte à natureza foi a Land Art, termo utilizado para
esculturas realizadas nos Estados Unidos no final da década de 60. O conceito foi bem
aceito e utilizado em uma variedade de formas e escala nas construção de paisagens e na
elaboração de jardins. Algumas obras foram temporárias outras permaneceram como
elementos significativos da construção do espaço. Interessante destacar o arquiteto Charles
Jencks que explorou a relação entre arquitetura e linguagem, sobretudo naqueles que
envolvem a relação com o universo. Entre suas diversas obras O Jardim da Especulação
Cósmica foi criada na Escócia em 1988 em conjunto com Maggie Keswick. Nela está inscrito
as forças de energia do universo já que sua espiral e seus lagos serpenteados representam
a energia cósmica.
No Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, todo o século XX foi palco para grandes
transformações que então começaram a ocorrer. No início, ainda um pouco tímidas, as
reformas contaram com projetos para embelezar a cidade.
O século XX é uma continuidade do anterior. No seu início, com a reforma empreendida
pelo Prefeito Pereira Passos, o Rio de Janeiro contou com a contribuição de Paul Villon nos
projetos. Entre eles estão o projeto da Praia de Botafogo, de 1903; o projeto de arborização
do Largo da Lapa, de 1903; e o projeto de ajardinamento da praça da Glória, de 1904.
Com a arquitetura moderna, espaços maiores começaram a ser pensados e construídos,
modificando o cotidiano da população brasileira que começou, aos poucos, a usufruir dos
espaços arborizados.
Diferentemente dos países que buscaram os movimentos de vanguarda para também
reproduzir o modelo no jardim, no Brasil isso deixou a desejar. Na França o cubismo foi
projetado nos jardins, como se pode ver na Villa Noailles, Hyères; na Inglaterra o
surrealismo está presente no Jardim na Mente em Stansted Park, Hampshire, onde se
encontra a obra de Ivan Hicks denominada “Five Go Mad at Henley”. Muitos movimentos
foram projetados em outros espaços.
Na década de 1920 esse pensar começa a se modificar com a arquitetura moderna e,
sobretudo, com a vinda de Gregory Warchavchik, já que suas casas modernas possuem os
jardins de Mina Klabin Warchavchik que alteram a estrutura tradicional até então imposta na
natureza que cercava as residências.
Quando Roberto Burle Marx começou a despontar com seus jardins residenciais, a
paisagem se modificou com os elementos que ele começou a inserir no jardim. Além das
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plantas autóctones divide o espaço com esculturas integrando no mesmo obras de artistas
de sua época.
Na década de 1950 ocorreu a grande virada da nossa arquitetura e, consequentemente, dos
jardins, com as grandes áreas construídas – urbanizadas e ajardinadas. Em termos formais,
a organização do jardim esteve muito ligada às soluções das artes plásticas como, por
exemplo, as do movimento tachista, pois as manchas coloridas empregadas por Burle Marx
foram uma constante em seus trabalhos, tanto nos jardins das residências particulares como
nos grandes espaços.
O Parque do Ibirapuera, em São Paulo, foi criado em 1951, e possui uma área de 1,8 milhão
de m2, um dos mais procurados pela população paulistana. É resultado de um dos grandes
projetos liderados pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer e pelo paisagista Burle Marx.
Como lembra Rosa Kliass, o Parque do Ibirapuera tem "sua concepção, muito mais
arquitetônica do que paisagística, [e isso] dotou o parque de um conjunto de edificações,
interligados por marquise" (KLIASS, 1993). No parque estão instalados, atualmente, o prédio
da Bienal e da Companhia de Processamento de Dados do Município de São Paulo, além
do Planetário, do Obelisco, do Monumento às Bandeiras, do Museu do Folclore e da Oca.
Rosa Kliass comenta ainda que o uso da "maioria dessas edificações tem sido utilizada por
repartições públicas, o que exige uma dinâmica de circulação e estacionamento na área
conflituosa com a função de parque urbano" (Id., p. 165). O parque é entrecortado por ruas
pavimentadas e reúne quatro lagos interligados por canais, quadras poliesportivas,
playgrounds e áreas de recreação infantil. Em alguns recantos as obras de arte
complementam a paisagem com seus jardins de esculturas ou esculturas que se integram à
arquitetura, à vegetação ou à cidade no seu entorno.
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Il. 3. Escultura de Miragem, Vicent Sobrinho, Ibirapuera, São Paulo, SP.
FONTE: Fotografia do autor.
A partir de 1954, no Rio de Janeiro, é estruturado o Parque do Flamengo, um dos maiores
parques urbanos do mundo, projeto elaborado pelo pintor-paisagista Burle Marx. Com
1.400.000 m2, o espaço possui um extraordinário potencial cultural, onde milhares de
pessoas utilizam semanalmente as diversas áreas destinadas às práticas esportivas e de
lazer, como ocorre em vários outros lugares do mundo como no Central Park, em Nova
Iorque, ou no Hyde Park, em Londres. O projeto inicial visava criar um grande parque ao
longo da Avenida Beira-Mar – que abrigaria múltiplas atividades, para oferecer aos usuários
uma rica variedade de utilizações. Encontram-se locais para eventos e realização de shows
e festas, além de áreas para os esportes, playgrounds, teatros e outras atividades. A arte
em suas diversas expressões se insere nesse grande espaço e ajudar a criar paisagens
variadas para aqueles que se utilizam e se deleitam dele.
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Il. 4. Parque do Flamengo, Rio de Janeiro, RJ.
FONTE: Fotografia do autor.
A utilização de espécies de plantas brasileiras foi muito importante para Burle Marx, mas as
estrangeiras não foram excluídas. Uma seleção foi ordenada de maneira que muitas plantas
da mesma espécie fossem utilizadas e, sobretudo em relação às árvores, elas pudessem
florescer durante todo o ano, e a beleza paisagística fosse realçada permanentemente. Ao
utilizar espécies que possuíssem formas especiais procurou criar um efeito de elemento
arquitetônico, como ocorre com as palmeiras. Filas marcam um ritmo e delimitam espaços,
com a intenção de ampliar a visão vertical ao longo dos seus troncos. A grande quantidade,
de diferentes tipos, valoriza o conjunto. Pedras e rochas, muros e esculturas, além de
bancos que fazem um bonito contraste com a vegetação.
Mario Pedrosa quando se refere ao paisagista lembra que:
Burle Marx não se interessa pela individualidade botânica de cada planta, nem por sua origem ecológica. O que vê nelas é a riqueza cromática, são as qualidades decorativas, a beleza formal e o poder de adaptação. E em vez de espalhar as plantas de cores quentes e brilhantes no centro de gramados contornados de alamedas simétricas, ele as reúne em manchas de uma só cor, das mais variadas formas, como numa tela fauvista (Amaral, 1981, p. 333).
E que o paisagista “faz sobressair os tons, joga com a intensidade ou com o esmaecimento
de uma gama muito rica em amarelos e azuis, verdes e vermelhos”. Também destaca que
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“nos projetos dos últimos tempos, Burle Marx tende a uma composição abstrata mais pura;
procura então a monumentalidade pela utilização, por blocos geométricos, das formas
vegetais mais plásticas em si mesmas, como por exemplo, a palmeira, que retorna assim de
longo exílio” (Ibidem).
A presença de Burle Marx em Brasília é feita de maneira magistral. Seu trabalho teve
ligação estreita com Oscar Niemeyer cuja obra arquitetônica está estritamente ligada aos
jardins, com a presença da água e da vegetação. Esses jardins com suas formas e
disposições variadas mostram, às vezes, uma regularidade que se associa aos prédios
monumentais da cidade. Em outros momentos a irregularidade se faz presente nos espaços
abertos onde a referência continua sendo algum prédio grandioso. A água está sempre
presente, algumas vezes de forma mais intensa, como no Palácio do Itamaraty, onde ela, a
vegetação e a terra se integram.
As décadas subsequentes colocam o Brasil numa escala mundial que interliga a arquitetura
e o paisagismo. Roberto Burle Marx é o nome mais importante e divide a realização de
outros espaços, particulares e públicos, com nomes que também obtiveram destaque de
uma ou outra maneira: Carlos Perry, Adina Mera e Otavio Teixeira Mendes. Outros
paisagistas começam a se projetar no cenário brasileiro e mundial – Ana Rosa Kliass, Silvio
Soares Macedo, Fernando Chacel, Décio Tozzi, José Tabacow e muitos outros.
No cenário internacional, arquitetos, paisagistas, e outros artistas plásticos articulam os
conteúdos urbanos e sociológicos criando novos sistemas espaciais de interesse para os
usuários dos espaços agora completamente integrados à cidade.
Existem outros exemplos desse novo pensamento, que vincula a estética moderna da
arquitetura à presença dos jardins, como fez Burle Marx. Entre eles temos a obra dos
arquitetos: o austríaco Carlos Scarpa, o mexicano Luis Barragán, o norte-americano Louis
Kahn e o dinamarquês Arne Jacobsen.
As obras de Carlos Scarpa, apresentam um detalhamento bastante grande, que se alia aos
aspectos metafísicos e simbólicos. Ele usou a água, como Burle Marx, provavelmente
inspirado nos jardins muçulmanos, buscando efeitos de reflexo da paisagem na superfície
dos espelhos de água, representados por canais, fontes, lagos ou tanques.
Luis Barragán viveu no México e construiu sua própria casa e o jardim alterando-o de
tempos em tempos. Sua consciência de nacionalidade esteve muito presente em suas
obras, sobretudo quando pensava em criar algo novo. Nas mãos de Barragán paisagens
minimalistas mexicanas emergiram da arquitetura. Seus temas se destacam pela cor, pela
estrutura e pela luz, apresentando elementos claramente definidos e baseados numa
geometria simples. Produziu uma série de obras importantes e entre elas os estábulos de
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Cuadra San Cristóbal, 1968, instalados em redor de um lago, inseridos dentro do contexto
minimalista. Muitas obras estão inseridas nos contexto urbano como as Torres Satélites, na
cidade do México. Suas paisagens construídas nos remetem as suas palavras: “nos jardins
e casas desenhadas por mim, tentei sempre introduzir o plácido murmúrio do silêncio e, nas
minhas fontes, o silêncio canta” (Taschen, 2010, p. 42, v. 1).
Louis Kahn, também tem sua obra inspirada na arte muçulmana. A elaboração de seu jardim
é uma continuação do projeto arquitetônico que se integra num conjunto harmônico com os
mesmos espelhos d’água dos canais, que cruzam o espaço entre a vegetação e se estrutura
em rigor geométrico entre a água e as pedras.
Arne Jacobsen, conjuga arquitetura e paisagem: utiliza a arte topiária para definir espaços
organizados juntamente com a água, que é colocada em tanques, ao criar a ideia dos
espelhos que reforçam a presença do monumento arquitetônico.
Como outros paisagistas, Burle Marx utilizou uma linguagem que buscou uma afinidade com
as outras formas de expressão das artes plásticas, como a pintura, a escultura, a arquitetura
e as artes decorativas. A partir delas construiu seus projetos paisagísticos. Ele também
buscou inspiração em outras culturas, se apropriou do “brasileiro”, usou a forma
bidimensional num arco-íris de cores e criou esplêndidos espaços que o mundo consagra.
Os jardins construídos no século XXI trazem no conceito a ideia de experimentação, ao criar
espaços inusitados e intimamente ligados à natureza e ao tempo contemporâneo. Trazem
questões que se desenvolveram durante o século XX e expressam os movimentos da arte
que vivemos.
Produz-se uma visão ecológica do ambiente natural construído pelo homem – o habitat, as
condições climáticas, as plantas adaptadas. Outro componente que se encontra é o
contexto ao qual ele está inserido, adaptando-se as diferentes interpretações de seus
autores e buscando, dessa maneira, uma comunicação social, cultural, cientifica ou até
mesmo filosófica.
Um exemplo que se integra a natureza como se fosse uma obra de arte é o Flower Tower,
criado em Paris, em 2004, por Edouard François, arquiteto francês. Edifício de 10 andares
que contem 380 vasos grandes e brancos colocados em suas varandas e plantados com
bambus de crescimento rápido. A vegetação proporciona sombra natural, filtra a luz,
proporciona um constante barulho do vento nas folhas que ameniza ruídos externos e ainda
permite privacidade aos moradores.
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Il. 5. Flower Tower, Paris, França.
FONTE: Fotografia do autor.
Os jardins agora não são mais locais ou regionais, mas falam uma linguagem universal.
Interpretações de outras culturas, distantes ou próximas no tempo e no espaço, são às
vezes negligenciadas, dificultando a compreensão daquele espaço. A tecnologia passa a ser
utilizada sem conflitos, mas tirando partido da natureza. Observa-se que a paisagem é a
primeira imagem que inspira o jardim, já que o conhecimento do mundo natural não ocorre
mais por meios das expedições científicas e/ou coleções botânicas como acontecia em
séculos anteriores. Uma profunda atenção se volta à paisagem e integra arte, natureza e
homem num espaço prazeroso e contemplativo.
Na contemporaneidade o jardim assume uma nova característica fugindo de tipologias pré-
definidas em séculos anteriores. Novos materiais e formas são utilizados, plantas
autóctones se mesclam às locais, a arte se insere no espaço brincando com os materiais
tradicionais, os diferentes momentos dos estilos artísticos se sobrepõem. As cores se
destacam: as mais vibrantes se sobressaem na paisagem verde ao fazer nosso olhar se
direcionar para pontos com obras de arte, criando efeitos óticos de vários tipos.
A paisagem construída tende a ser um espaço puramente ornamental onde elementos
conceituais, cósmicos, são revisitados por conceitos próprios ou por elementos utilizados no
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passado. Os materiais contemporâneos estão presentes se mesclando aos tradicionais e
usados anteriormente. Um espelho de água pode ser de plástico, a arquitetura pode ser
toda de espelhos para se mesclar ao meio ambiente, parecendo um único ser. O jardim
pode ter características românticas mas na verdade apresentará uma nova leitura ligada
mais ao conceito, a organização, a vegetação que ali estão presente, sobretudo porque
dependerá em muitos casos da leitura do paisagista, suas referências históricas, sua
poiesis, dos fatores culturais.
O jardim é uma obra de arte, uma obra tridimensional onde o paisagista se preocupa em
atender as demandas da nossa sociedade. Nessa paisagem construída a arte é
fundamental, mas nem por isso menos importante a preocupação com o meio ambiente,
com a educação ambiental e principalmente com a preservação das espécies.
As transformações que ocorreram no Rio de Janeiro no início do século XX de certa forma
se repetem no início do século XXI. O Rio contemporâneo cria uma nova paisagem para as
Olimpíadas. Uma paisagem que mexe com a percepção dos seus habitantes bem como na
daqueles que para cá se deslocam. Uma paisagem que contém poucas árvores, mas que
possibilita uma diversidade de olhares pelas obras de arte que são expostas e distribuídas
ao longo de seu percurso. Da Praça XV ao Boulevard Olímpico o espaço foi transformado.
Uma nova era, uma nova cidade, uma nova paisagem. A arte se integra pelos grandes
murais, pelas esculturas, pelos símbolos olímpicos, pela água, pelo mar e ainda por espaços
arquitetônicos de arte – o Museu de Arte do Rio e o Museu do Amanhã.
Como vimos as representações modernas e contemporâneas da organização da natureza
criam um conjunto único onde arte e paisagem convivem interligadas para que o homem
possa fruir e se integrar a uma paisagem que o cerca, que o torna humano em um espaço
ameaçado cada vez mais pela cidade emparedada pelo concreto.
REFERÊNCIAS
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KLIASS, Rosa Glena. Parques urbanos de São Paulo. São Paulo: Pini, 1993.
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