ramon sena
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
RAMON SENA DE JESUS DOS SANTOS
TAE-KWON-DO COMO PRÁTICA EXTENSIONISTA NA
FORMAÇÃO SÓCIO- EDUCATIVA DE CRIANÇAS DA
COMUNIDADE RIACHO DO MEL EM ALAGOINHAS-BA.
ALAGOINHAS
2010
RAMON SENA DE JESUS DOS SANTOS
TAE-KWON-DO COMO PRÁTICA EXTENSIONISTA NA
FORMAÇÃO SÓCIO- EDUCATIVA DE CRIANÇAS DA
COMUNIDADE RIACHO DO MEL EM ALAGOINHAS-BA.
Trabalho monográfico para conclusão de curso apresentado como exigência parcial para obtenção do Grau de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus II, sob a orientação do Professor Ms. Ubiratan Menezes
ALAGOINHAS
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Santos, Ramon Sena de Jesus dos
Tae-Kwon-Do Como Prática Extensionista na Formação Sócio- Educativa de Crianças da Comunidade Riacho do Mel em Alagoinhas-Ba/Ramon Sena de Jesus dos Santos - Alagoinhas: Universidade do Estado da Bahia, 2010. 59f. Orientador: Ubiratan Menezes Monografia (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. 1. Tae-Kwon-Do 2. Educação 3. Comunidade 4. Universidade
AGRADECIMENTOS
Obrigado Senhor Jesus, pelo Dom da Vida. Obrigado Senhor, por tua
presença a me guiar em todos os momentos, até chegar neste, que representa
a conclusão de um sonho. Obrigado Senhor, pois bem sei que nos momentos
de dificuldades, em que as coisas pareciam não ter saída, o teu Braço forte
realizava prodígios em minha vida. Obrigado Senhor pelo Amor de minha
família, pela saúde, e pela Fé. Obrigado Senhor, por todos os amigos que
contribuíram para que este sonho pudesse se tornar realidade. Obrigado
Senhor por encontrar também nesta caminhada minha Anninha, meu grande
amor. Obrigado ó virgem Santa, Mãe de Jesus, por sua proteção em nossas
vidas. Obrigado aos Anjos e Santos, a quem sempre recorro em minhas
orações. Obrigado Senhor!
DEDICATÓRIA
À Comunidade Riacho do Mel.
“A Educação é a arma mais poderosa que você
pode usar para mudar o mundo”.
Nélson Mandela
RESUMO
A presente pesquisa nasceu da experiência na monitoria de ensino do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, realizado no ano de 2009, por meio do curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus II, Alagoinhas-Ba. Trata-se de um estudo que focou o Tae-kwon-do como prático extensionista na formação sócio-educativa de crianças da comunidade Riacho do Mel, situada na zona rural da cidade de Alagoinhas, agreste baiano. O universo da investigação compreende o grupo de 25 crianças com faixa etária entre 05 e 12 anos, de ambos os sexos. Os procedimentos técnicos de pesquisa qualificam esta enquanto pequisa-ação, de natureza qualitativa. Utilizou-se da observação participante e entrevista coletiva como instrumentos para coleta e análise de dados. O Tae-Kwon-Do legitimou-se como prática sócio-educativa de grande importância no processo de formação das crianças emergidas no estudo, já que seus ensinamentos filosóficos possibilitaram dentre outras, ações em sua comunidade de origem. A falta de gerenciamento e mobilização dos recursos destinados para a concretização do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, por parte da estrutura da universidade em pauta, caracterizaram suas limitações. Para o fortalecimento das inter-relações entre universidade e comunidade, torna-se imprescindível uma reavaliação tanto dos setores administrativos, bem como dos recursos destinados para tal finalidade. Entretanto, estes empecilhos foram superados por meio dos esforços de docentes, discentes e principalmente por parte dos sujeitos sociais da Comunidade em evidência. Palavras- Chave: Tae-Kwon-Do, Educação, Universidade, Comunidade.
ABSTRACT
This research was born out of experience in monitoring teaching Extension Project in UNEB Body Culture, held in 2009, through the Bachelor of Physical Education, State University of Bahia - UNEB, Campus II, Ba - Alagoinhas. This is a study that focused on the Tae-kwon-do and practical training extensionist socio-educational children's community of Honey Brook, located in the rural town of Alagoinhas, Bahia harsh. The research universe consists of the group of 25 children aged between 05 and 12 years, of both sexes. The technical procedures of this research qualify as action research, qualitative in nature. We used participant observation and press conference as tools for collecting and analyzing data. The Tae-Kwon-Do legitimized itself as a socio-educational practice of great importance in the formation of children emerged in the study, as their philosophical teachings allowed among others, shares in their home community. The lack of management and mobilization of resources for the realization of extension project in UNEB Body Culture by the structure of university staff, marked his limitations. The strengthening of inter-relationships between university and community, it is essential both a reassessment of administrative sectors, as well as resources for this purpose. However, these obstacles were overcome through the efforts of teachers, students, and especially by the social subjects of the Community in evidence. Keywords: Tae-Kwon-Do, Education, University, Community.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
2 UNIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL...................................... 4
2.1 Práticas Extensionistas e Comunidade: A Cultura como modelo de Educação. ......................................................................................................... 5
3 ARTE MARCIAL ........................................................................................... 13
3.1 Tae-Kwon-Do: Da Arte e Cultura Marcial Coreana à Esporte Olímpico15
4 ESPORTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO.................................................... 22
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................................... 29
5.1 Lócus Da Pesquisa................................................................................... 30
6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ........................................ 32
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 45
REFERÊNCIAS................................................................................................ 47 APÊNDICE
1
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, gostaria de compartilhar a emoção de estar discutindo um
tema o qual considero relevante à prática da docência consciente de seu papel
social, e que perpassa barreiras impostas por um modelo tradicional de ensino,
cujo objetivo também deve ser o de expandir para além dos muros das
instituições de ensino, atentando-se, sobretudo para a dimensão da Cultura,
Esporte e Lazer, como modelos de educação dotados de um potencial
crescente, e em evidência.
Despertei meus interesses no campo da pesquisa relacionada à prática
social a partir da caminhada na Universidade do Estado da Bahia - UNEB,
quando, no ano de 2007 iniciei os estudos no curso de Licenciatura em
Educação Física, na cidade de Alagoinhas, interior do Estado da Bahia. Venho
da cidade de Feira de Santana, localizada a 120 km da capital Baiana, e a 85
de Alagoinhas, onde está situado o campus II da UNEB.
Nos primeiros semestres de vida acadêmica, me deslocava diariamente
de Feira de Santana para Alagoinhas, e foi neste trajeto de idas e vindas, que
pude perceber mais de perto as enormes disparidades que nos cercam nos
contexto sócio-econômico, e político. Faço referência não somente de uma
política partidária, mas também e principalmente, dentro de uma perspectiva
organizacional por parte dos próprios indivíduos sociais. Para chegar até a
universidade, percorria um trajeto de dois quilômetros a pé por uma
comunidade rural circunvizinha à UNEB, a qual me foi apresentada por amigos
do curso como Riacho do Mel.
Passados meses de andanças diárias, acabei por estabelecer contatos
com algumas pessoas, que curiosas com minha “presença” todos os dias em
sua comunidade, perguntaram-me o que tanto fazia com aquela mochila nas
costas para lá e para cá, sempre nos mesmos horários? No primeiro momento,
foi um susto para mim, pensei que estavam pouco amigáveis. Mas logo
percebi que havia me equivocado. Na verdade aquela atitude refletia o
comportamento daqueles que se conheciam uns aos outros e não podiam
deixar de saber a respeito de minha pessoa, já que de certa forma, passava a
fazer parte do cotidiano da comunidade. Nascia naquele momento uma relação
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amistosa, e de respeitabilidade mútua, que embora ainda não me tivesse sido
revelado, tratava-se de um importante capítulo de minha caminhada.
A partir de então, passei a refletir mais intensamente sobre meu papel
como cidadão e educador. Todos os dias em que caminhava pelo Riacho do
Mel, tentava buscar uma forma de estar contribuindo para com aquela
comunidade. Algo que propiciasse uma melhoria da qualidade de vida
daquelas pessoas era algo que precisava fazer. Carregava sempre comigo a
convicção de que ainda que uma ação tomada neste sentido pudesse ser
minimamente percebida, seria certamente o início de uma mudança positiva
para todos.
Ao amadurecer as discussões na área da Educação Física, considerada
como de intervenção social, passei a visualizar a Cultura Corporal
representada também nas modalidades esportivas, como possibilidade de se
estabelecer um diálogo entre universidade e comunidade. Em meio àquela
comunidade repleta de crianças, o Esporte encarado como instrumento
pedagógico, poderia estar atuando como elemento construtor de sonhos e de
mudanças, iniciadas, sobretudo, por meio do processo de inclusão social.
Em 2008, o Colegiado de Educação Física, sob a coordenação professor
Ubiratan Menezes, propôs a realização de um curso de extensão, o qual visava
a construção e desenvolvimento de atividades tanto para a comunidade
acadêmica, quanto para com a comunidade externa. Inicialmente este projeto
consistiu no oferecimento de modalidades esportivas e culturais a serem
ministradas por discentes do curso de Licenciatura em Educação Física do
Campus II da UNEB.
Logo me veio ao pensamento a possibilidade concreta de estar
inserindo a comunidade Riacho o mel em meio ao projeto. De imediato me
disponibilizei a pessoalmente levar a proposta de participação das crianças
daquela comunidade à pais, mães e responsáveis, como forma de inseri-las no
projeto por meio das modalidades oferecidas, e em particular, por meio do Tae-
Kwon-Do, modalidade olímpica.
Minha relação com os esportes iniciou-se desde quando criança. Cresci
vivenciando a prática do Tae-Kwon-Do na expressão do meu pai, o professor
faixa preta 3º Dan de Tae-Kwon-Do, Romão Roberto dos Santos.
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Atualmente sou faixa-preta 1º Dan de Tae-Kwon-Do, e não pude deixar
de pensar na possibilidade de trabalhar com esta prática junto às crianças da
comunidade Riacho do Mel, já que faz parte de minha própria formação
enquanto ser humano.
No primeiro semestre do ano de 2009, o projeto tomou forma e partiu
para sua realização. No mês de Maio daquele ano, iniciamos as atividades do
projeto o qual foi intitulado Cultura Corporal na UNEB. Este veio a oferecer
dentre suas modalidades, a oficina de Tae-Kwon-Do para crianças de 05 a 12
anos da comunidade Riacho do Mel, e contou com o apoio de pais e mães das
crianças, além da cooperação em dado momento, por parte da escola da
comunidade. As atividades se estenderam até dezembro do mesmo ano,
concluindo um ciclo de 08 meses de ações na comunidade referida.
Nestas perspectivas, a presente pesquisa se dirige ao encontro de
esclarecimentos a respeito da possibilidade de pedagogizar o Tae-Kwon-Do e
sua relação na educação de crianças da comunidade Riacho do Mel, sobretudo
com objetivo maior de analisar de participação do Tae-Kwon-Do na formação
sócio-educativa das crianças acompanhadas no estudo.
Torna-se relevante também, por angariar pontos chaves para
compreensão a cerca do contexto de aplicação das práticas extensionistas e
sua relação com a comunidade, viabilizando neste sentido o entendimento do
processo de formação destas práticas e sua legitimidade em meio ao processo
de educação.
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2 UNIVERSIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL
A Educação compreende uma temática bastante ampla e relevante para
se discutir e compreender o processo de formação do homem ao longo de sua
trajetória de vida, e certamente que devido ao seu grau de abrangência, esta
se coloca ou é quase sempre colocada, como objeto de estudo das ”linhas”
auto-intituladas pensantes.
É nas instituições de ensino, sendo mais comumente nas escolas e
universidades, que encontramos o espaço defendido como sendo de
apresentação e desenvolvimento dos vários conhecimentos que circundam a
existência humana. Apresentemos então, de forma mais específica, a
universidade, seus protagonistas, e colaboradores.
Em meio ao modelo de educação encontradas nas inúmeras unidades
de ensino superior brasileiras, nos deparamos com a face de uma realidade
que perpassa obstáculos diversos para alcance da sonhada consolidação de
um cenário onde se encontre o acolhimento das diversidades. Na maioria das
vezes, estes obstáculos são observados em ótica política, econômica, e ou
organizacional. Contudo, têm a possibilidade de serem minimizados a partir de
uma revisão de consciências a respeito do papel de cada sujeito que compõe a
sociedade. De acordo com Silva e Silva (2006):
Quem trabalha na universidade pública – professores, estudantes, funcionários - têm a consciência que a universidade pertence ao estado democrático de direito e deve obedecer as normas de convívio estabelecidas na constituição política. A universidade pública se define pelo seu âmbito estatal ou nada significa. No estado de direito, a vida das pessoas é regulada por leis, e não pelo arbítrio deste ou daquele dirigente político, setor social ou partido. Seu alvo é o de buscar o bem, a verdade, a beleza, em todos os aspectos da vida humana. Com as ciências, as artes, os serviços sociais, ela cumpre o papel de ajudar povo brasileiro na busca de uma vida digna, ética, bonita (SILVA E SILVA 2006, p.18).
Em consonância com a citação acima compreendemos que o núcleo da
universidade esta em conhecer o conhecimento, conhecer por que se quer
conhecer. Assim sendo, podemos chamar atenção pra juntos refletirmos o que
se pretende alcançar na esfera acadêmica, quando enfatizamos a formação de
5
professores tendo em vista seu processo de formação como educadores.
Espera-se minimamente que após, e por que não pensar mesmo durante sua
graduação, estes indivíduos possam estar condizendo efetivamente com as
perspectivas as quais se propuseram a realizar na continuidade de suas vidas.
Falo então da responsabilidade e do amadurecimento de preceitos sociais que
os impulsionem cada vez mais, a busca de uma abordagem crítica sobre as
realidades em seu estorno, colocando-os prontamente na condição de sujeitos
capazes de intermediar e realizar mudanças para melhoria da qualidade de
vida das pessoas, sobretudo, conscientes que esta ação passa pela amplitude
da educação em sua dimensão macro. Para Santin (2003), se faz necessário
ultrapassar a retórica criticista e alcançar um patamar onde à universidade,
enfim, detenha claramente de sua posição dentro dos quadros do paradigma
social da comunidade, tornando-se necessário a reflexão de uma práxis eficaz.
2.1 Práticas Extensionistas e Comunidade: A Cultura como modelo de Educação.
A universidade se apresenta a partir da conseqüência natural de
contribuições dos elementos que compõe a sociedade. Logo, atender às
demandas da comunidade representa algo que a universidade deve contemplar
imparcialmente na formulação de suas ações, mesmo porque, caso se
portasse de maneira adversa assim, não estaria legitimando sua base de
existência: ensino, pesquisa e extensão.
Certamente que seria redundante mencionar a prática do ensino e da
pesquisa como de extrema relevância aos mecanismos que movem a
sociedade acadêmica, e de igual forma podemos sinalizar para as atividades
ligadas às praticas extensionistas. O fato é que nem sempre é creditada a
devida importância pra chamada extensão universitária, o que me leva a
indagar este conceito de união das diversidades por via do tripé de ensino,
pesquisa e extensão, visto que dentro do próprio ambiente acadêmico estes
valores são por hora esquecidos, não valorizados, ou mesmo colocados em
detrimento de outros.
Comungo as idéias de Santin (2003) quando este relata:
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É sobre o prisma da extensão como um esforço de reaproximação da universidade com a sociedade, que vamos encontrar a possibilidade de atuação no tempo livre, no lazer ou na recreação das pessoas. É certo que a universidade tem razão de ser no seu enraizamento com a comunidade. Os grandes avanços científicos e tecnológicos distanciaram a universidade das situações existenciais dos indivíduos e das comunidades. A extensão pode ser essa ponte que tenta reaproximá-las (SANTIN, 2003, p.159).
Neste sentido, creio que pensar a educação nas comunidades a partir de
práticas extensionistas, apresenta-se como ponto relevante em meio às
discussões que circundam a universidade e seu papel social, principalmente na
medida em que a podemos entendê-la como ativa na formação de pessoas e
conseqüentemente, influente em suas posturas e ações diante de suas
respectivas comunidade e da sociedade como um todo. Para Silva e Silva
(2006): A universidade forma indivíduos para as mais diversas áreas de pensamento. O universo humano é o seu horizonte. Ela serve às comunidades locais, no mesmo impulso que serve a comunidade nacional e internacional, e vice-versa. Toda universidade digna deste nome não se limita ao espaço de tempo e imediatez. Ela permite a passagem do singular ao universal e permite aos cidadãos de uma cidade perceberem seus problemas e esperança em nível cósmico (SILVA E SILVA, 2006, p.20).
Tenho razões para acreditar que uma das formas de se pensar esta ou
aquela situação, suas possibilidades e forma de acontecer, pode estar junto a
uma das mais simples e instigantes formas de se buscar respostas: a
curiosidade.
Junto ao desenvolvimento de práticas direcionadas a busca pelo
conhecimento, sejam estas embasadas em uma plataforma formal ou menos
conservadora a respeito do que é o Saber, algo se faz unânime quando se
discute os caminhos para tanto: é preciso não somente saber, isso não
impulsionaria o desenvolvimento de novas abordagens metodológicas, de
novas pedagogias, de métodos variados de ensino condizentes com
necessidades diversas de aprendizado. Para Freire (1996):
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvendamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que
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sugere alerta faz parte do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos (FREIRE, 1996, p.20).
No Brasil, as desigualdades sociais estão expressas nas mais diversas
realidades e segmentos, o que nos aponta para um dado alarmante do ponto
de vista do desenvolvimento humano, principalmente quando precedidos de
ações assistencialistas encaradas como remédios capazes de “minimizá-las”,
tratando-as como se fossem patologias.
As Comunidades ditas em vulnerabilidade, realidade que infelizmente se
faz presente na maioria das grandes cidades brasileiras há décadas, refletem
seguramente uma parcela dos efeitos vividos por “todos” em nível de território
Nacional. Segundo Barreto (2003):
O tema da comunidade é recorrente no discurso governamental brasileiro desde a década de 1940, manifestando-se concretamente na política nacional através da adoção de campanhas de educação, como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), as quais se voltavam dentre outros objetivos, para integração da população ao desenvolvimento econômico, através da educação das comunidades. (BARRETO, 2003, p. 21).
Podemos perceber então, que há algum tempo, uma onda de
interferências mediadas por sujeitos às margens das realidades as quais se
propuseram a interferir, vislumbra a adequação daquilo que não parece
“atrativo aos olhos”, para uma forma mais conveniente de se tratar as
problemáticas sociais, como se estas não pudessem enveredar para um
caminho outro, independente daquele ao qual as querem remeter.
Isto significa dizer que para além da necessidade de se promover ações
e intervenção junto às realidades diversas, é de vital importância que o
desenvolvimento deste processo contemple a integridade cultural construída
nesta ou naquela comunidade em foco, entendendo que se pode construir junto
e não simplesmente para. Reconhecer a dimensão dos limites existentes nas
comunidades de fato se faz preciso, e de forma ainda mais contundente, sente-
se a importância de se evidenciar e reconhecer o grau de representatividade de
suas culturas e capacidade de auto-superação.
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Podemos prosseguir com esta linha de pensamentos com a convicção
de que independentemente de uma tipologia específica, percebe-se a presença
de dado fenômeno que perpassa a vida das pessoas, e ele o faz em
simultaneidade. Suas possíveis interferências na expressão corporal são
acordadas concomitantemente às “transformações” por ele acarretadas no
corpo interiorizado, ou seja, em sua forma menos visível e igualmente relatada,
aquela constituída também por pensamentos, sentimentos, e crenças. Surge
então o termo Cultura.
De acordo com o pensamento de Neira e Nunes (2006), uma das
problemáticas que se encontra para a atribuição da terminologia cultura neste
ou naquele processo fenomenológico, se dá justamente em seu paradoxo. Ao
passo em que as ciências sociais almejam o fortalecimento de uma discussão
crítica acerca do tema, o mesmo é também evidenciado nos demais universos
com as mais distintas conotações, estas que vão desde uma concepção de
cultura voltada para as produções intelectuais e artísticas, até ao modo de vida
dos variados meios sociais, o que tende a propiciar discordâncias entre o uso
restrito, e uma definição científica mais sólida.Para Santin (2003):
A história da cultura nos mostra que o ser humano deve ser observado na ordem cultural, pois elas são construções históricas. A comunidade emerge a partir de um processo criativo, que é ao mesmo tempo autocriativo. Cada indivíduo traça sua fisionomia pela instauração de um sistema de significações, por meio do qual se constitui a compreensão de todas as coisas. É a partir deste sistema de significações que uma comunidade confere uma imagem a si mesma como um todo e, ao mesmo tempo, constrói um instrumento de compreensão e interpretação do mundo que a envolve (SANTIN 2003, p.150).
Evidencia-se a cultura também com base em uma perspectiva voltada
para o fortalecimento das expressões de dado grupo social em virtude do
acúmulo de suas experiências ao longo de seu processo de desenvolvimento.
Tal ocorrência reflete às semelhanças e divergências de olhares e significações
a cerca dos diversos acontecimentos em seu contexto social. Para Neira e
Nunes (2006):
9
De certo modo, somente pela noção de cultura poderemos pensar a humanidade em sua diversidade além dos termos biológicos. Se toda a espécie humana possui a mesma estrutura biologia básica – ossos, músculos, articulações, enfim, os diversos sistemas de funcionamento do corpo humano -, as diferenças que ocorrem entre as pessoas são proporcionadas pelas suas opções culturais, pelo modo que cada indivíduo ou grupo social enfrentou e resolveu historicamente seus problemas. Por conseguinte, a discussão sobre o tema cultura passa a ser então, uma possibilidade para argumentar sobre o comportamento humano (NEIRA E NUNES 2006, p.20).
Este pensamento tende por fortalecer a idéia de que o posicionamento
do homem frente a suas necessidades e disparidades precede de uma
formação, de uma base incentivadora que o impulsione a optar por este ou
aquele método de resolução, que o possibilite melhoras, seja lá em qual for a
situação em que se encontra.
Logo, podemos conceber este processo de formação, também através
da cultura - legitimada por meio também da expressão corporal - como um
modelo de educação em potencial, visto o alcance de suas atribuições. Segue
então a proposta de um modelo de educar embasado na então chamada
cultura corporal do movimento.
Certamente que ao nos depararmos com uma abordagem “nova” para
com o exercício da prática educativa, devemos inicialmente delinear estratégias
metodológicas de como fazer esta acontecer de fato.
Para Freire e Scaglia (2003), a busca pelo conhecimento e suas formas
de representação, pode ser interpretada a partir da “decodificação” a cerca do
corpo humano. Segundo estes, ao passo que pode significar um montante
expressivo na elaboração e desenvolvimento de uma didática embasada na
cultura corporal do movimento, o corpo passa a ganhar uma conotação
educativa.
Para além destas, se faz imprescindível o direcionarmos de olhares
também para o meio natural, para o “mundo”, visto que não existam
conhecimentos que sejam adquiridos de outra forma a não ser pela dialética
entre o sujeito e o lócus onde atua, assim, corpo e meio ambiente passam a
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conter, e estarem contidos, um ao outro, fazendo com que a sistematização
teórico-prática da abordagem educativa, alcance ares de unicidade.
2.2 O corpo, suas significações e resignificações
Para além da materialização de um organismo vivo, o corpo traz consigo
a capacidade de decodificação das variáveis impostas aos indivíduos sociais
por circunstâncias diversas, e realiza isso através de uma linguagem não
verbalizada, o que também podemos chamar de expressão corporal, ainda que
a encontremos por vezes de forma proposital ou mesmo inconsciente. Para
Soares (2004): As múltiplas faces das dobras visíveis do tempo são reveladas materialmente na arquitetura, no urbanismo, nos utensílios, no maquinário, na alimentação, no vestuário, nos objetos, mas, sobretudo no corpo. Ele é inscrição que se move e cada gesto aprendido e internalizado, revela trechos da história da sociedade a que pertence. Sua materialidade concentra e expõe códigos, práticas, instrumentos, repressões e liberdades (SOARES, 2004, p.109).
As faces que o tempo cria e que por vezes recebem interpretações
diversas no meio social perpassam aos acontecimentos históricos, e ou marcos
socais, antes são carregados na expressão de cada individuo ou grupo social
que se faz emergido neste tempo, e de forma (in) ou consciente o exterioriza
através de seus próprios corpos.
Ainda segundo esta autora, podemos atribuir às diversas formas de
representações sociais existentes - as quais por ventura se fazem por meio da
expressão corporal - às influências de fatores externos e ativos no cotidiano de
seus respectivos corpos, os quais se relacionam em conectividade com
elementos culturais que se identificam. Neste sentido, a participação de
agentes externos na construção e desenvolvimento de uma formação
identitária por entre indivíduos de um mesmo grupo, assim como de grupos
sociais distintos, tem se tornado uma prática por vezes pouco perceptível,
porém comumente ativas junto às comunidades.
Para Sant’Anna in Zabalza (2004):
11
As cidades revelam os corpos de seus moradores. Mais do que isso elas afetam os corpos que as constroem e guardam, em seu modo de ser e de aparecer os traços dessa afecção. Há um trânsito ininterrupto entre os corpos e o espaço urbano, há um prolongamento infinito e, em via dupla, entre o gesto humano e a marca “em concreto” de suas ambições e de seus receios (ZABALZA, 2004, p.110).
Considerando a reflexão acima, ao nos remetermos a uma sociedade
onde os corpos e as formas comportamentais são influenciados por diversos
fatores e especial de convívio citadino, podemos também entender que em
proporções menores, como em uma comunidade, por exemplo, estas
ocorrências se fazem presentes e intervenientes de maneira semelhante,
aproximando-se singularmente do ponto agora em questão: o corpo como
marca de culturas e transformações.
É neste sentido que chamo atenção para a legitimação das práticas
corporais como elementos potencializadores junto ao processo de educação
em comunidades, sendo que majoritariamente se preserva a identidade desta,
acrescentando-lhe, todavia, novos olhares e perspectivas de interferência e
sintonias com o mundo natural, geográfico, com o outro, e consigo próprio.
Em relação às interferências externas as quais foram apontadas, me
parece conveniente atribuí-las uma nomenclatura, um código pelo qual
podemos pensar o valor de sua presença na formação interna do sujeito e
expressão externa de seu corpo, penso que a estas podemos chamar Cultura.
O processo educacional acontece de forma simples e espontânea
quando gerida de igual forma. Mas, se acaso, apresentar-se moldada por uma
ou outra intervenção fundada em propósitos particulares, apenas desconstrói,
faz retroagir. Entretanto, aquilo que um dia fora “posto de pé”, por meio de um
mecanismo coeso e fidedigno aos preceitos de uma verdadeira educação, não
se dar por satisfeito quando a ele se apresenta preceitos estáticos, este não se
acomoda, antes segue seu rumo natural, o novo. Para Brandão (1986):
A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras intervenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras de trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo
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precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a cada um de seus sujeitos, através de trocas com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social, onde a própria educação habita, e desde onde ajudar a explicar de geração em geração, a necessidade da existência, de sua ordem (BRANDÃO, 1986, p.10).
Ao ser evidenciada em suas múltiplas faces, a educação apresenta-se
com nitidez na formação de pensamentos, idéias e anseios na sociedade. Logo
deve merecidamente ser reconhecida como parte imprescindível do processo
de construção do homem em meio à diversidade de suas representações.
Ainda de acordo com Brandão (1986):
Vista em seu vôo mais livre, a educação é uma fração da experiência endoculturativa. Ela aparece sempre que há relações entre pessoas e intenções de ensinar-aprender. Intenções, por exemplo, de aos poucos “modelar” a criança para conduzi-la a ser o “modelo” social de adolescentes, e ao adolescente, para torná-lo mais adiante um jovem, e, depois um adulto. Todos os povos sempre traduzem de alguma maneira esta lenta transformação que a aquisição do saber deve operar. Ajudar a crescer orientar a maturação, transformar em, tornar capaz, trabalhar sobre, domar, polir, criar, como um sujeito social, a obra, de que o homem natural é a matéria-prima (BRANDÃO, 1986, p.24).
Assim, pode-se afirmar que muito se vêm atentando pra um modelo
educacional que em partes transcende para com o método tradicional de se
conceber Educação. Ao invés de apenas lápis, cadernos e borrachas –
reconhecendo aqui a importância de suas presenças no processo educativo –
não se pode negar a relevância de elementos “vivos” na e da realidade
humana. Estes, que no momento nos vem à “luz” da cultura, que aliás tem se
mostrado um elemento relevante no processo de compreensão formativa de
cada indivíduo nas distintas fases de seu amadurecimento, estando
expressados das mais distintas formas, e singularmente por meio do corpo, e
logo por que não dizer, da cultura corporal, devem ser reconhecidos enquanto
protagonistas conjuntos da ação educativa.
13
3 ARTE MARCIAL
Neste momento, aponto para pontos os quais considero relevantes para
que tenhamos uma melhor compreensão acerca das artes marciais, tais como
os primórdios de sua criação, as diferentes conotações atribuídas para estas
levando-se em consideração suas raízes culturais, sua filosofia e princípios,
atentando-me de maneira particular para o Tae-Kwon-Do, arte marcial focada
neste estudo.
As artes marciais encontram-se emergidas na história da humanidade
desde sua gênesis. Inicialmente, ainda que de forma primária, estas já se
faziam presentes unicamente como meio de autodefesa. A afirmação de tais
práticas podem vir a ser comprovadas ao longo dos tempos através de
descobertas de sítios arqueológicos espalhados nas mais diversas zonas
geográficas.
Para Cardia (2007), a essência de criação das artes marciais vem da
necessidade do homem em potencializar seu poder de caça, seguida logo, pela
conquista de território que possibilitasse condições melhores de sobrevivência,
como aqueles com proximidades às nascentes de água, e ou com maior
potencial agrícola, além de outros.
Nos colocando em meio a Grécia Antiga, podemos perceber a
exteriorização de uma “nova” concepção de “arte marcial”. Se anteriormente se
buscava a sobrevivência, sendo que pra isto se fazia uso do corpo e artefatos
outros, agora se pensa em promoção e combates totalmente as margens dos
propósitos das artes marciais quando em seu início, desta vez se prioriza o que
fora então chamado de Espetáculo, e procedia em meio ao Coliseu, o primeiro
anfiteatro romano.
Nesta passagem histórica, fica logo evidente uma mudança de conceitos
e ideais referentes à utilização do corpo enquanto instrumento capaz de
suscitar golpes contra um suposto oponente. Agora, àqueles que lutavam entre
si, nos espetáculos acontecidos no coliseu, era atribuído a denominação de
Gladiadores. Segundo Cardia (2007):
Os gladiadores eram na maioria prisioneiros de guerra, escravos, ladrões, cristãos, e todos aqueles que se opunham contra as leis do império. Havia escolas especiais para seu
14
treinamento, onde eram constantemente vigiados e exercitados na arte de matar. Usavam como armas: tridentes, escudos, capacetes, gládios, e pesadas redes para envolver o inimigo. As maiores atrações eram as lutas corpo-a-corpo entre pessoas e animais ferozes, além das corridas de carros, puxados por cavalos e um auringa (condutor), que dirigia de pé (CARDIA, 2007, p.14).
A utilização de movimentos das artes marciais em sua pluralidade de
golpes de ataque e defesa por sua vez, nunca foram antes mencionadas de
forma antagônica aos ideais filosóficos de suas respectivas culturas. Quem
prática alguma modalidade de arte marcial não a faz de maneira
indiscriminada, antes, sobretudo, lança mão da filosofia de sua arte como meio
de vencer uma luta interior, onde o mais difícil a ser vencido é o próprio “eu”.
Além disto, quando é retratada na citação anterior a lutas com animais, da
forma como eram realizadas, apenas fortalecem uma idéia de agressão à vida
selvagem. As maiorias dos movimentos encontrados nas artes marciais surgem
da observação do homem para com a Natureza, e esta relação, ao menos para
os verdadeiros praticantes, deve sempre se valer de forma harmoniosa e
equilibrada.
Para Cardia (2007), a arte marcial pode ser relacionada com o caminho
para o mundo interior, sendo este o trajeto que seu praticante deverá percorrer
para encontrar o equilíbrio mental e espiritual que busca, sendo possível o seu
alcance apenas por meio da harmonização com a Natureza e o meio Social.
Por se tratar de uma prática que objetiva também o desenvolvimento de
habilidades técnicas para o combate, não se pode negar aqui, a inquestionável
busca por aprimoramentos técnicos. Contudo, é na presença e aplicação da
filosofia, implícita no “mundo” das artes marciais, que podemos apontar um
diferencial inigualável do ponto de vista dos preceitos que fizeram emergir tais
técnicas. Não basta saber, é preciso saber quando aplicar. Passamos então a
desmitificar que mera representação corporal que apresente golpes de artes
marciais, venha à representá-la de forma satisfatória.
É com base nestas perspectivas que relata Cardia (2007):
Então, arte marcial, nunca poderia ser somente uma arte de luta com socos e pontapés como escutamos corriqueiramente.
15
É, na verdade, a transformação do indivíduo através de uma prática de combate que contem princípios filosóficos e religiosos, a qual conduz o praticante em direção à sabedoria e à consciência plena de seus atos, ocupando o seu real espaço social, onde os direitos e deveres de cada um devem ser preservados (CARDIA, 2007, p.37).
O praticante de artes marciais, no decorrer de seus aprendizados a
cerca da arte que pratica o que na verdade acontece de forma contínua ao
longo de sua existência, passa a interiorizar muitos dos preceitos defendidos
em sua filosofia. A partir do sumo conseqüente de suas reflexões ao longo da
vida, lhe é ofertada uma base que o possibilita dialogar com o mundo externo
de maneira singular, onde os movimentos e técnicas assimiladas devem
resignificar o modelo de vida compreendido anteriormente ao início de sua
caminhada marcial.
3.1 Tae-Kwon-Do: Da Arte e Cultura Marcial Coreana à Esporte Olímpico
De origem coreana, o Tae-Kwon-Do acompanha a história do povo
coreano há mais de 2.000 anos, quando ainda a coréia estava dividida em três
reinos: Koguryo, Paekche, Silla. Tae (Pés), Kwon (mãos) e Do (caminho). A
palavra significa literalmente, o caminho dos pés e das mãos através da mente.
De acordo com Cardia (2007), muito antes de surgir o primeiro reino
coreano, os homens já destinavam práticas de movimentos corporais e mentais
como forma de autodefesa, sejam contra seus adversários, ou mesmo animais
selvagens. Com o desenvolvimento da tecnologia e todo o aparato de guerra,
as técnicas de combate corporal não podiam deixar de serem repassadas. Este
comportamento propiciou o aparecimento de inúmeras formas de artes
marciais, como também foi o caso do Tae-Kwon-Do,
Silla, então um dos três reinos da Coréia, e por sua vez o menor e mais
vulnerável, vinha sendo constantemente invadido por seus adversários, o que
provocou um movimento de revolta por entre seus moradores, e este foi
literalmente o pontapé inicial para o começo de uma cultura que perpassaria
gerações ao redor do mundo, o Tae-Kwon-Do. Segundo Cardia (2007):
Certo dia, Chinghung Wang, vigésimo quarto rei de Silla, convocou integrantes de berço nobre esmerada educação
16
familiar para formarem uma tropa de elite e defender seu povo e suas terras, chegando a atingir jovens de até 14 anos. Criou-se então um corpo de oficiais de elite denominado Hwarang (irmão maior), que seria responsável pela defesa e proteção do reino. Concentrando-se arduamente na tarefa de defender Silla, e unificar a península, essa tropa guerreira, além do treinamento militar normal, recebia complemento com manejo de lança, arco e flecha, espada, faca, bastão, e estudavam os textos da “Arte da Guerra” escritos por Sun Tzu. Seus treinamentos consistiam na dura pena de nadar em meses frios nos rios turbulentos e escalar montanhas escarpadas. Todo este sacrifício com fim de aprimorar o físico e o mental (CARDIA, 2007, p.49).
Ainda segundo este autor, os Hwarangs, além de dominarem com
maestria vários tipos de armas da época, direcionavam treinamentos
específicos à luta corpo-a-corpo. Este grupo defendia o código de honra regido
por cinco itens: Obediência ao Rei, Respeito para com os pais, Lealdade para
com os amigos, Nunca recuar ante o inimigo, e Somente matar quando não
houver alternativa. Este código também abriu precedente para a criação do
juramento do Tae-Kwon-Do, que todo Taekwondoin deve interiorizar e aplicá-
los em sua vida, a saber: Observar as regras do Tae-Kwon-Do; Respeitar o
instrutor e seus superiores; Nunca fazer mau uso do Tae-Kwon-Do; Construir
um mundo mais pacífico; Ser campeão da liberdade e da Justiça.
Ainda que emergidos em um contexto de guerra, este grupo defendia
ideais de amor e respeito, apresentando desta forma o propósito extremo de
sua formação, a qual se fez voltada para os padrões éticos e morais da
sociedade, na medida que valores humanos foram ressaltados como forma de
não banalização da violência. Segundo Cárdia(2007), seu código de honra era
definido como “O caminho da Honra e do Bem”, baseando-se no zen budismo,
e no confucionismo proporcionados pelo monge budista Wong Wang.
O grande destaque para este acontecimento na história da Coréia
surge tanto do intuito do rei para com seu povo, como também do povo pra si
próprio. O que se fez acontecer em Silla naquele momento de sua história,
revela a realidade de muitos “reinos” na atualidade, que, se vendo
constantemente “invadidos”, não tem ou ao menos não buscam recorrer de
suas forças enquanto sociedade civil para no enfrentamento das mais adversas
realidades. O mais intrigante, é que nem se precisa de adversários externos
17
pra isso, em alguns casos, os maiores responsáveis pelo não desenvolvimento
do “reino” são os próprios reinados.
Outro ponto tão relevante quanto, e que necessita de ser abordado,
acontece quando podemos perceber a cultura local como sendo uma das
formas encontradas por seu povo para lutar e defender seus ideais deforma
sistemática e organizada. As bases de uma sociedade devem estar embasadas
em seu povo, em sua gente, naqueles que as constroem, e reconstroem ao
longo dos tempos. A cultura simbolizada em Silla através do Tae-Kwon-Do
reflete a parcela significativa de força em uma nação quando se põe em
evidência sua tradição, sua cultura, enfim, suas raízes formadoras, que por vez
não podem se fazer tímidas nem tão pouco passivas. É ela quem faz renovar a
face de uma sociedade oprimida, marginalizada, e em muitas vezes - e me
parece não ser difícil pensar - esquecidas pelo poder público.
Podemos observar um pouco da importância de se preservar as raízes
culturais de um segmento social, seja para qual for a especificidade, quando
analisamos aquilo que nos mostra Cardia (2007):
É fato que a Coréia, tendo sido invadida e ocupada pela Japão no período de 1909 a 1945, teve sua cultura totalmente paralisada e todas as formas de treinamento com fins marciais foram proibidas, mas felizmente Mestre como Song do Ki e Han Il Dong decidiram-se manter a arte viva, ariscando-se ao ensinar secretamente o TaeKkyon nesses trinta e seis anos de lamento.Os Monges da seita Do Ro também fizeram a sua parte ensinando as pessoas nas montanhas (CARDIA (2007,p. 50).
Logo, pode-se afirmar a importância da preservação da cultura local,
assim como também a de proporcionar sua passagem de geração à geração,
fazendo com que a identidade cultural esteja interiorizada nos diferentes
segmentos sociais, sejam eles de caráter político, e ou ideológico, e mesmo
religiosos. Justamente por se defender a concepção de uma cultura
verdadeiramente “enraizada”, é que as tradições tornam-se preceitos
largamente valorosos.
Atualmente o Tae-Kwon-Do também possui uma linha esportiva,
situação esta que lhe confere o reconhecimento como um dos esportes
18
olímpicos de combate mais praticados no mundo, já se fazendo presente em
mais de 150 Países. Para Cardia (2007): Competições, principalmente as de Kyorugi (luta), ganham mais enfoque no esporte, talvez por ser mais próximo da realidade. Lutadores testam seu verdadeiro potencial competitivo colocam em prática o que aprenderam em aula, na necessariamente tudo, mas uma pequena parte, pois as regras são bastante limitadas (CARDIA, 2007, p.126).
Estas competições também fazem que alguns princípios filosóficos
encontrados no Tae-Kwon-Do possam ser expressos, o que de fato nem
sempre acontece. Isso se faz por conta de um modelo de competição que
perpassa alguns valores das artes marciais. No universo marcial não é preciso
ser melhor que o outro, mas, precisa-se do outro para ser melhor. O resultado
de uma prática de treinamento somente se faz possível de acontecer, a partir
de quando “eu” posso lançar mão da campainha de alguém pra treinar as
habilidades marciais, caso contrário, não existe aprimoramento técnico, seja de
ataque, ou, e principalmente de defesa.
No entanto, o fato de competir não quer dizer que não se esteja
contemplando a filosofia das artes marciais, mas, se faz imprescindível
estabelecer em meio as competidores, um grau de consciência referente à sua
postura diante das competições, de forma a fazer que estes se reconheçam na
condição de praticantes de uma filosofia, o que na verdade simboliza com
maior propriedade o conceito das artes marciais em geral. O próprio Espírito do
Tae-Kwon-Do, que de acordo com Cárdia (2007) defende ideais como
Cortesia, Integridade, Perseverança, Autocontrole, e Espírito Indomável, trata
de educar o seu praticante neste sentido.
As duas principais práticas de competição para o Tae-Kwon-do
envolvem o Kyorugi, e o Poomsae. De acordo com Cardia (2007), o Kyorugi,
que se estabelece no combate corpo-a-corpo tradicional, e se constitui em uma
prática relevante para o competidor aplicar sua habilidade contra um oponente,
aparentemente com seu mesmo nível técnico. O tempo destinado à luta e as
quantidades de rounds estão de acordo com a graduação, idade, e sexo dos
competidores.
19
Enquanto ao poonsae, este representa uma luta contra um adversário
imaginário. Os movimentos devem demonstrar técnica e um controle de
aplicação de tempo e força em sua aplicação. Comumente utilizados para o
aprimoramento técnico em aulas em academias.
Certamente que existe uma diferença significativa entre esporte e arte
marcial. Estas diferenças podem vir a ser minimizadas, desde quando
orientadas por um professor formado nas tradições marciais, o que não
permitirá tal distanciamento.
Para ser um bom competidor, antes de tudo é preciso ser um artista
marcial, empenhado no cumprimento dos ensinamentos que lhe foram
passados, sendo que a base desta importância consiste na criação de atletas
conscientes de suas ações, e respeitosos para com o outro, principalmente no
que diz respeito à sua integridade física, afinal estamos falando de deferir
golpes em seres humanos, onde certamente é necessário que se tenha a
responsabilidade para com que intensidade aplicá-los, sem, contudo causa-
lhes grandes transtornos.
A aplicação consciente da técnica, independente de qual situação
encontra-se o Taekwondoin (praticante de Tae-Kwon-do), é que revela os
verdadeiros preceitos desta arte.Para Cardia (2007):
Para a maioria, o Tae-Kwon-Do é apenas um esporte, mas para nós, ele ultrapassa esse velho rótulo. É um caminho que nos faz acreditar no ser humano; é perceber que somos tão importantes quanto qualquer outra forma de vida e que viver em sociedade é saber respeitar pra ser respeitado, acreditando que com essa filosofia teremos um futuro bem melhor. (CARDIA, 2007, p.136).
Quando abordamos o esporte com vista à competição, ao rendimento,
algumas problemáticas surgem em meio a este processo. Independente da
modalidade, algo parece ser unânime por entre os competidores: todos querem
ganhar. Contudo, os mesmos preceitos podem ganhar uma conotação outra,
na medida em que a competição abre espaço para valores como respeito,
disciplina, lealdade, e cooperação, ocasionando assim um modelo de prática
competitiva que direciona o praticante à busca de auto-superação como vitória
prima.
20
Por tratarem de representações de elementos da cultura oriental, e que
trazem consigo enquanto herança cultural uma aproximação com uma
perspectiva de vida fortalecida na filosofia, as artes marciais, naturalmente
quando bem instruídas, tem o poder de oferecer aos seus praticantes uma
perspectiva diferenciada do que é competir.
No Tae-Kwon-Do esportivo, também se encontra um juramento feito por
seus competidores como forma de elevar os princípios éticos de competição
defendidos pela arte, que segundo Cárdia (2007) expressa: Eu prometo:
Respeitar o regulamento da competição; Respeitar meus adversários;
Respeitar árbitros e meus superiores; Competir com lealdade; Ser humilde na
vitória e paciente na derrota.
Parece então que é preciso um equilíbrio interior para se alcançar com
eficácia os preceitos destas artes no esporte. A prática e uma arte marcial, que
possui em sua extensão uma versão esportiva de sua aplicação na vida de
seus praticantes, ao menos àqueles que optam em competir, pode sim ser
equilibrada, e isso pode ser feito por meio de uma disciplina de consciências e
fortalecimentos filosóficos. Esta busca advém principalmente da interiorização
marcial feita por seus estudantes, compreendendo o valor sua energia interior,
o Kihap, na filosofia oriental.
Para Cardia (2007), um dos modelos de atingir tal meta á por meio da
mediação, pois esta regula o fluxo do Kihap no organismo, equilibrando todo o
sistema de uma forma tranqüila e correta, tendo como objetivo atingir o
equilíbrio interior, reduzir a ansiedade, equilibrar a respiração, obter clareza
mental, paciência, além do descanso físico e emocional, repondo desta forma
as energias do corpo, tornando seu praticante mais forte, e com a mente mais
objetiva.
Entre os conhecimentos depreendidos entre pelo Tae-Kwon-Do com
perspectivas de arte marcial, assim como de esporte olímpico, podemos
entender com base nas abordagens apresentadas, que embora sua prática se
apresente possível de ser direcionada a duas linhas distintas - a marcial e
esportiva - se percebe claramente a valorização dos conhecimentos de base e
filosofia marcial em suas ações, o que pode ser entendido aqui como forma de
exteriorização de um modelo cultural que perpassa gerações e visões diversas,
21
sem, contudo, perder de vista seu caráter e responsabilidade para com a
preservação de suas raízes culturais.
22
4 ESPORTE E CULTURA NA EDUCAÇÃO
Atualmente, os esportes encontram-se disseminados nos vários
contextos sociais da sociedade globalizada. Certamente que o conhecimento
de dados preceitos podem nos conferir algumas visões acerca deste fenômeno
no dia-a-dia, sendo que, mesmo quando não praticantes desta ou daquela
modalidade esportiva em específico, nos vemos por hora emergidos neste
frenético sistema, sobretudo, por meio dos vários veículos de comunicação e
mídia.
Ao considerarmos a história do Esporte, nos remetemos à cultura Grega,
a qual fez popularizar as práticas deste fenômeno em todo o cenário mundial.
O povo Grego transpôs séculos na defesa e preceitos de formulações as quais
vislumbravam desde aspectos de cunho sócio, político e religioso, ao
movimento de afirmação e superação das valências corporais, da beleza, da
conquista da força física, assim como do desenvolvimento das habilidades
mentais.
Com base nestes resgates podemos entender a estética e o intelecto
como pontos chave para este seguimento cultural - ao menos no começo de
suas reflexões e os conceitos a cerca do movimento corporal sistematizado -
ao qual atualmente denomina-se dentre outros, Esporte.
Para Bracht (2002), ao se abster de uma visão de esporte de acordo
com os parâmetros atuais, pode-se entender que, em todas as culturas ele
sempre existiu, atualizando-se aos diferentes contextos e momentos históricos
caracterizados nas respectivas realidades ao longo de sua existência. É neste
sentido que direcionar forças para entender a representação do esporte em
nosso modelo de sociedade atual, vem a representar um ponto investigativo
relevante para seu valor na sociedade.
De acordo com Tubino (1999), o termo esporte, como o conhecemos,
nasceu no século XV, quando então marinheiros utilizavam as expressões
“fazer esporte”, desportar-se, ou “sair do porto”, para assim explicar as
atividades que desenvolviam nos momentos livres, como forma de
passatempos.
Em sua fase de desenvolvimento e disseminação global, a visão
encarada pelos críticos, expressava o empareamento do Esporte com a
23
população de uma forma geral. Na verdade, esta questão precedia às
indagações a respeito de como o esporte - algo com dimensões inimagináveis
pra época - poderia vir a contribuir para com o modelo de sociedade idealizado
pela maioria populacional.
Até este momento, o esporte se apresentava na grande maioria das
vezes como modelo de uma prática competitiva, sendo praticado por indivíduos
que apresentavam um corpo avantajado para o desenvolvimento de certas
modalidades, onde a força limitava a participação de muitos, ou que
desfrutasse de uma habilidade técnica que lhe possibilitasse um título.
Passadas algumas reformulações de conceitualização dos esportes na
sociedade, aqui entendido como sinônimo de expressão corporal, torna-se
perceptível o aumento das discussões propostas como formas de se legitimar
seu alcance a todas as parcelas populacionais, não se fazendo específico para
quem detém desta ou aquela qualidade, ou não qualidade, e sim, acessível,
pura e simplesmente à todos.
Para se analisar as implicações sociais sinalizada pelo esporte, as quais
devem ser interpretadas historicamente como modelos construídos em dada
cultura, e em sociedades diversas, é preciso levar em consideração em que
base foram erguidas as identidades de cada segmento populacional.
Podemos estender o alcance desta mesma afirmação enquanto
instrumento relevante para que abordemos as significações e contradições
encontradas em nossas discussões a respeito do esporte, principalmente na
medida em que podemos considerar este como produto de realidades na qual
se encontra, passando a ser entendido enquanto elemento de sua própria
Cultura.
Segundo Tubino (1999), a Cultura é uma expressão que advêm do latim
(colere), significando cultivar, e que somente posteriormente os romanos
creditaram outra conotação, a qual veio a ser relacionada com a educação
voltada para as artes, filosofia, e às ciências.
Independente da atmosfera onde este termo possa ter sido idealizado, o
fato é que o Esporte passou por uma série de profundas transformações
sociais até aos dias atuais, representando um dos temas mais relevantes para
a história da humanidade. Podemos afirmar que centenas de povos espalhados
por todo o mundo, passaram por momentos sublimes de sua formação, onde
24
um movimento em comum, embora analisados sob óticas diferentes, se fez
presente e responsável por parte dos encaminhamentos dados à consolidação
deste ou daquele povo. Podemos conceber também, que a cultura contribui
significativamente para a estruturação de comunidades em suas diversidades,
embora coexistam em regiões geograficamente próximas, ou distantes
demasiadamente.
Toda e qualquer comunidade detém de uma identidade própria, e esta
não pode se deixar fazer despercebida diante de sua sociedade, assim como
os indivíduos que nelas se inserem devem possuir o mínimo de consciência
sobre suas origens, sobre a base cultural singular emergida de seu espaço de
convivência, e da importância de sua preservação e respeitabilidade. Para
entender como o esporte se inseriu e como se dá sua prática considerando
suas dimensões sociais, é necessário entendê-la do ponto de vista da
comunidade onde esta se faz atuante. Para Tubino (1999): Um estudo que se propõe a abordar um em fenômeno qualquer numa perspectiva cultural tem que necessariamente considerar a história da civilização no seu conteúdo, pois desta forma não estará desprezando o homem na sua evolução, na qual foi capaz de criar esta civilização (TUBINO, 1999, p. 67).
É também neste sentido que Tubino (2001) destaca o esporte como
sendo possibilitador de discussões que se encerram socialmente relevantes, se
fazendo assim dignos de estudos sociológicos direcionados ao seu grau de
participação na construção social, visto o grau de relevância ao estar sendo
apontado como um dos fenômenos marcante no final do século XX, e
promessa de crescimentos e resignificações sócio-políticas em meio ao
presente século.
Com este embasamento é que foram então idealizados alguns modelos
de lhe dar com o esporte dentro de uma concepção que não vislumbrasse
apenas o desempenho técnico, mas, que abrangesse a sociedade de forma
mais significativa, lhe conferindo melhorias do ponto de vista social.
Com base nestas perspectivas, buscou-se então a criação de uma
política de expansão do esporte, algo que o mediasse de forma mais
contemplativa à sociedade.
25
Assim, agora a partir de uma nova formulação, o esporte passa a ser
ampliado também para aqueles sujeitos que por um ou outro motivo não
querem se remeter à disputa por medalhas unicamente, visam apenas
temáticas referentes ao bem estar social, a diversão, o lazer. Surgem então
manifestações que passam a ser compreendidas como as dimensões sociais
do esporte, a saber: o esporte educação, esporte participação, e esporte
desempenho, com vista à democratização de acesso deste elemento da cultura
e expressão corporal.
Em conformidade com a discussão aqui apresentada, sinalizamos para o
Esporte em uma perspectiva macro, onde sua inserção na vida societal, suas
problemáticas e resoluções tornem-se perceptíveis. Também com base nestes
aspectos, são realizadas abordagens referentes à democratização dos
esportes e das práticas esportivas à sociedade, e em uniformidade. Para Proni
e Lucena (2002):
O problema da democratização do esporte, hoje, deve ser compreendido em sua ambigüidade. A massificação do esporte não implica necessariamente sua democratização. Não são poucos os regimes autoritários, ou mesmo ditatoriais que têm massificado a prática esportiva, isso sem, contudo democratizar, no sentido de possibilitar às minorias (idosos, deficientes, etc.) efetiva participação. (PRONI; LUCENA 2002, p.13)
A partir do momento em que determinada prática esportiva passa a ser
incorporada pelas vivências de um grupo social, esta tende a ser resignificada
pelos mesmos, tornando-se inclusive como inesgotável fonte de expressão
corporal. Ainda que por meio de uma linguagem não verbalizada, tal prática
tende a propiciar mudanças de olhares e posturas nos próprios indivíduos
sociais, seja com relação à reorganização do espaço em seu entorno, e das
suas formas de relacionar-se consigo mesmo, e com seus semelhantes, o que
parece valer substancialmente o processo de mudanças sociais.
O fato de abordarmos uma política de bem estar social, e que para tanto
lança mão do esporte em suas várias representações, nos permite identificar
situações que em hora parece apresentar-se favorável, noutras nem tanto. O
esporte por si mesmo não basta como solução às mazelas sociais existentes,
26
antes é preciso dialogar com os universos variados, considerando as causas e
conseqüências de maior e ou menor impacto.
Para Tubino (2001), aí se encontra uma das evidências equivocadas de
como se pensar o esporte. Certamente, em momento algum se deve entender
o esporte como um fenômeno às margens das questões sócio, políticas e
culturais que envolvem a sociedade como um todo. Logo, para este:
A ação do estado, no sentido do bem estar social, utilizando o esporte como meio, deve compreender programas relacionados à educação, saúde, seguro-desemprego, terceira idade, infância em situação de carência e abandono, e outras áreas de problemas sociais agravados, devendo sempre atuar nas causas, conseqüências e segurança (TUBINO, 2001, p. 24).
De acordo com a possibilidade das melhorias sociais levantadas, e ao
se apontar o esporte com elemento capaz de promovê-las, também se faz
necessária a oferta de uma prática esportiva livre de preceitos e estereótipos
conservadoristas.
A partir da prerrogativa de democratização do esporte, fazendo valer
todo o sentido desta palavra, é que deveremos encaminhar a sociedade à
consciência de sua autonomia a cerca da prática esportiva, conquistando como
conseqüência deste processo o experimento ampliado das infindas
possibilidades de se conceber tais práticas, o que conseqüentemente
possibilitaria a abertura de diálogos às novas problemáticas, novos
pensamentos. Neste sentido nos apoiamos em Tubino (2001) que diz: Democratizar o esporte é assegurar a igualdade de acesso à prática esportiva para todas as pessoas. Desse modo, percebe-se que a utilização do esporte como meio de democratização, será sempre uma conseqüência da amplitude da prática esportiva. Por essas afirmações é possível explicar que as ações na área social do esporte, para que estejam contemplados com preceitos democráticos, terão que passar pelo esporte-participação (TUBINO, 2001, p.24).
Ao comungar sobre a heterogeneidade de indivíduos, assim como de
suas necessidades para com as atividades incluídas no chamado “mundo” dos
esportes, logo nos é ressaltado que: Se tenho possibilidades de lhe dar com
uma mesma esfera de forma diferente, que eu tenha o direito de experimentar
27
todas, ou a sua grande maioria de possibilidades. Esta talvez seja uma das
possibilidades de se estabelecer a democracia falada parágrafos atrás,
prontamente à aqueles que assim se predispõem a fazê-la.
Surge então a terminologia esporte-educação, o qual se atenta de
maneira mais expressiva para formação humana. Este se apresenta de acordo
com Freire (1999), como sendo uma das vertentes na qual podemos perceber
de maneira mais visível a apresentação de um conteúdo sócio-educativo,
justamente por este se basear em princípios educacionais como participação,
cooperação, co-educação, integração, e responsabilidade. De forma
semelhante, porém distinta, encontra-se em meio às possibilidades de
democratização do esporte, algo não poderia deixar de ser cogitado: o
segmento “participativo”. Para este autor:
O esporte participação, ou esporte popular, por sua vez, se apóia no princípio do prazer lúdico, no lazer e na utilização construtiva do tempo livre. Esta manifestação esportiva não tem compromisso com regras institucionais ou de qualquer tipo e tem na participação seu sentido maior, podendo promover por meio dela o bem estar dos seus praticantes, que é a sua verdadeira finalidade (Freire, 1999, p.34).
Ao pensarmos um modelo de esporte onde se priorize a participação do
sujeito de forma a promover o bem estar, quer dizer também convidar o próprio
individuo à construção daquilo que por vez poderá lhe acrescentar tal estado
de humor e qualidade de vida. Diante do que o próprio termo nos sinaliza, a
participação da comunidade torna-se imprescindível, contudo, esta participação
deve ser concreta, sendo preciso para além de simples momentos de lazer,
possibilidades de encaminhamento para a construção de uma sociedade mais
humanizada, mais participativa também das problemáticas que envolvem suas
respectivas formas de Ser.
Para Freire (2003) por conta do grau de envolvimento estabelecido entre
as pessoas para com as atividades, as quais por livre e espontânea vontade se
propunham a desenvolver, torna-se possível a percepção e desenvolvimento
de um espírito comunitário, e de integração social, o que vem a propiciar o
fortalecimento de parcerias e inter-relações pessoais.
28
Pode-se inferir que a reflexão de práticas esportivas voltadas para a
cultura de movimento do corpo, de maneira espontânea e livre de restrições
impostas ao movimento, possibilita à sociedade vivenciá-lo em sua forma mais
criativa e dinâmica. Ao mesmo passo em que atores sociais não se apresentam
meramente condicionados, e tão pouco como responsáveis pela “criação”, e
descoberta de talentos, o esporte ganha fôlego para estruturar um caráter mais
democrático e abrangente. Tal representação e perspectivas tornam-se
passíveis de serem entendidas como sendo de grande relevância para
concretude de uma realidade social onde as pessoas possam viver de forma
mais autônoma e humanizada, uma vez que todos tenham o direito de
encontrar-se com a diversidade, e lançar mão daquilo que lhes cabe, sobretudo
respeitando o direito de seu semelhantes.
29
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No que se refere aos procedimentos metodológicos dirigidos neste
estudo, o que de acordo com Barreto e Honorato (1998) constitui o conjunto de
ações dinamizadas no sentido de atingir os objetivos propostos, esta pesquisa
se faz de caráter qualitativo.
Os procedimentos técnicos de pesquisa qualificam esta enquanto
pequisa-ação, um modelo no qual as ações empregadas na resolução de uma
problemática social em evidência, procedem da interação entre pesquisadores
e participantes da pesquisa de forma cooperativa ou participativa, como
sinaliza Thiollent (1985). A fase exploratória desta pesquisa, segundo Gil
(2002) objetiva determinar o campo de investigação, as expectativas dos
interessados, bem como o tipo de auxílio que estes poderão conferir ao longo
da pesquisa. Desenvolveu-se a partir do contato direto com a realidade
investigada, e também por diálogos com a comunidade. O grupo com o qual
foram desenvolvidas as atividades do Tae-Kwon-Do foi composto por 25
crianças com idade entre 05 e 12 anos, e ambos os sexos, todos pertencentes
à comunidade. A maioria deles freqüentava a escola da comunidade, outros,
no entanto, ou freqüentavam escolas no centro da cidade por conta de já
estarem no ensino fundamental II ou não estavam matriculados em uma
unidade de ensino regular.
A seleção do grupo se deu a partir da perspectiva de inclusão de
crianças da comunidade em atividades de caráter educativo, oportunizados
neste caso pela Universidade do Estado da Bahia no exercer de suas práticas
extensionistas mediadas pelas aulas de Tae-Kwon- Do.
A técnica utilizada para a coleta de dados foi realizada por meio da
observação participante e entrevistas coletivas, enquanto que a análise e
interpretação dos mesmos aconteceram por meio da interpretação aferida em
dados constatados empiricamente e em paralelo com bases teóricas, onde de
acordo com Gil (2002) somente por meio deste procedimento os dados obtidos
na pesquisa podem expressar significados concretos.
30
5.1 Lócus Da Pesquisa
Inicialmente, como forma de entender as necessidades e entendimentos
reais para com a cultura corporal, as atividades foram desenvolvidas na
comunidade Riacho do Mel, local que garantiu o projeto em primeiro momento,
sendo que posteriormente estas foram estendidas para o Campus Universitário
da UNEB, em Alagoinhas, ambas as realidades se fazem localizadas às
margens da BR 101, km 03, Salvador-Alagoinhas.
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu efetivamente no Campus II da
Universidade do Estado da Bahia, como ação realizada no intuito de aproximar
comunidade e universidade, possibilitando à primeira, a utilização da infra-
estrutura disponível para uma vivência mais proveitosa da prática do Tae-
Kwon-Do, sendo que a universidade dispunha de espaços e materiais para o
desenvolvimento da oficina. Este faces pensamento foi legitimado quando nos
deparamos com o depoimento da Mãe “A” ao desabafar: “Até que fim esta
universidade vai fazer alguma coisa pela gente”.
De forma ainda mais concisa, a vivência da comunidade no Campus
Universitário objetivou também, realizar um trabalho de conscientização no
sentido de sinalizar para aquelas pessoas sobre a importância da utilização de
um espaço que por direito, também as pertence.
A comunidade esta situada em meio a área rural da cidade de
Alagoinhas, sendo que apresenta em sua realidade necessidades básicas
ligadas a moradia como a exemplo de pavimentação, transporte, saneamento
básico, e disposição de espaços públicos que possibilitem práticas esportivas e
de lazer. É assistida por uma única escola de ensino fundamental I, a Escola
Municipal Joana Angélica, que segundo relato de mães envolvidas na pesquisa
não atende à demanda da comunidade, onde mesmo as práticas corporais e
esportivas são totalmente esquecidas. “Óia que eu estudei na mesma escola
de meu menino tem mais de 20 anos e naquele tempo já num tinha essas
coisas não”.
A escola tem em seu quadro de professores três funcionários com
formação em magistério, e atende a cerca de 30 crianças no turno matutino e
vespertino. Possui infra-estrutura mínima à prática de ensino-aprendizagem,
31
onde muito dos pontos apontados como necessitados de melhoras pela própria
comunidade, remontam desde muito tempo.
A partir destas constatações iniciais, chamamos atenção em primeiro
instante para uma concepção de universidade compenetrada com a construção
de políticas que efetivamente perpassem todos os segmentos sociais de forma
a acolhê-los e compreendê-los numa perspectiva de legitimação do processo
de educação, onde se valoriza aspectos da cultura corporal de um dado grupo
como sendo fonte detentora de conhecimentos passíveis de serem refletidos e
aplicados ao processo de formação humana, onde a reciprocidade valorativa
entre comunidade acadêmica e comunidade externa deve sempre se fazer
presente e atuante.
32
6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Em meio ao desenvolvimento da fase inicial da pesquisa, um ponto já se
apresentava como de grande relevância para que esta pudesse ser efetivada: o
deslocamento comunidade – universidade. Este que a princípio ficou a cargo
da UNEB com a disponibilização de um veículo para transportar as crianças, foi
interrompido pela instituição, a qual alegou não ter recurso para abastecimento
do veículo, para este fim. Este fato obrigou o deslocamento a pé das crianças,
que passaram a ser trazidas por algumas mães que se revezavam no sentido
de possibilitar a continuidade das às aulas para seus filhos. Embora diante da
boa vontade daquelas mães em fazê-lo, o tráfego às margens da BR 101, na
companhia de 25 crianças era algo preocupante. Estas mães se deram em
número de 3, apresentando faixa etária entre 30 e 38 anos, casadas, e com
nível de escolaridade fundamental e médio incompletos.
É neste sentido que podemos evidenciar o que diz Santin (2003),
quando alerta para o posicionamento eficaz por parte da universidade no
desempenho de suas ações junto à comunidade. Segundo este autor, para
que se fortaleçam os laços entre comunidade e universidade, para além da
criação de políticas diversas, se faz preciso sustentar tais práticas, na medida
em que estas são evidenciadas. Embora condizente com a elaboração e
desenvolvimentos de práticas extensionistas, a UNEB não se ateve para com a
responsabilidade de possibilitar o funcionamento pleno dos mecanismos
necessários para manutenção destas mesmas atividades.
Ao primeiro encontro com a turma, a abordagem se deu em uma
perspectiva histórico-filosófica, apresentando às crianças o caráter cultural da
arte em evidência. Lançou-se mão para isso da utilização de aulas teóricas
com apresentação de slides, mostrando o processo de construção do Tae-
Kwon-Do enquanto arte marcial e sua significação cultural para a Coréia, seu
país de origem. O entendimento a cerca das artes marciais perpassam mitos e
imaginações conferidas por meio da mídia e fontes outras formadoras de
opinião, e se faz importante na medida em que buscamos o desenvolvimento
de atividades em que estas estejam inseridas. A mãe “C” expressou a respeito
de seu entendimento sobre as artes marciais dizendo: “Pra mim também é um
jeito de se defender. Agora tem gente que aprende pra saí dano murro nos
33
outros, isso ai pra mim já é briga de rua, e violência, só gera violência.”, Esta
visão equivale aquilo que diz Cárdia (2007) quando afirma que arte marcial foi
criada para defesa, sendo o ataque utilizado apenas em ações extremas. Tal
relato por parte da Mãe “C” expressa a concepção de arte marcial às margem
de sistemas violentos e banalização de golpes marciais.
Ficou por parte das crianças, a curiosidade em saber mais sobre a
criação do Tae-Kwon-Do e como este tinha chegado ao nosso país. Para Freire
(1996), esta inquietação é o que gera o processo de educação. A busca por
respostas abrem caminhos nos quais a fase do descobrir e redescobrir remete-
nos para o conhecimento em sua forma plena e dinamizada. A curiosidade
despertada nas crianças no início das atividades tornava as aulas mais
proveitosas e discursivas.
Uma das atividades que certamente mostrava-se um tanto quanto
desafiadora para o cumprimento de uma tradição marcial junto ao grupo, seria
aquela que contemplava momentos destinados à prática da meditação. Para
Cárdia (2007) em meio ao aprendizado do Tae-Kwon-Do, a prática de
exercícios mentais é tão importante quanto a assimilação dos gestos motores.
De acordo com as tradições marciais, a meditação representa o estado de
mente “aberta” e com uma percepção plena de todo o conjunto formador do
indivíduo, sendo justamente este estado que o capacitará a desenvolver
habilidades corporais as quais desejam.
No momento da aula acima representado, as crianças não apresentaram
resistência alguma, muito pelo contrário, acredito ter sido também nos
momentos de meditação, de encontraram um tempo “delas”, e pra elas, sem
pré-determinações, sem questionamentos, sem certo nem errado, que o
caráter educativo tornou-se mais uma vez evidente. O fato de se manterem
calmas diante da dinâmica sinalizou um resultado bastante significativo,
principalmente do ponto de vista educacional. Foi possível a partir desta
realidade, constatar o que relata Cardia (2007) quando afirma que a meditação
regula o fluxo de energias no organismo, equilibrando todo o sistema de uma
forma tranqüila e correta. Esta metodologia foi aplicada às aulas de Tae-Kwon-
Do, como forma de atingir o equilíbrio interior por parte das crianças.
Por se tratar de uma atividade que aborda também as variáveis físicas,
as aulas de Tae-Kwon-Do requerem uma preparação dos membros e
34
articulações como forma de preparação e prevenção de contusões. Assim
sendo, as aulas começavam sempre a partir de alongamentos e aquecimentos,
tendo-se uma preocupação em especial com a cervical, ombros, quadril,
lombar, joelhos e tornozelos como forma de aquecimento, sendo estes
pautados sempre em uma perspectiva lúdica fundamentada em jogos e
brincadeiras. Em seguida eram passados os planos traçados a serem
realizados para aquele dia de aula. Como crianças cheias de idéias pro
mundo, e principalmente para o mundo da ludicidade, na maioria das vezes
sinalizavam para mudanças que poderiam de alguma forma “melhorar” a
dinâmica da aula, e quando pertinentes estas eram prontamente atendidas.
Como referido no parágrafo anterior, apesar de aulas teóricas e diálogos
por vezes demorados, fatores que se fazem totalmente relevante na
abordagem educacional, em muito se davam também por meio da ludicidade.
Os aquecimentos sempre se fizeram por meio de jogos que consistiam
corridas, saltos, rolamentos, enfim, uma complexidade de percepções de
tempo- espaço, coordenação motora, e equilíbrio, que ao final apresentava um
resultado mais significativo que em muitos modelos de aquecimentos ditos
tradicionais, o que de forma alguma poderia vir a se encaixar no perfil do
trabalho desenvolvido.
Por entender o Tae-Kwon-Do como uma realidade de corpo e
movimento por hora “às margens” da compreensão do grupo, o fomento de seu
entendimento, aprendizado e praticidade, possibilitaram o avivamento e
resignificação da concepção de expressão corporal advinda do “berço” sócio-
cultural do qual provinham às crianças.
As bases técnicas iniciais do Tae-Kwon-Do, como exemplo da Jun Tun
Sogui Tirigui (base do cavalo), citam o nome de vários animais como resultado
de observações da vida selvagem na disposição de seus ataques e defesas.
Utilizei desta conotação como instrumento pedagógico para aproximar o grupo
tanto das nomenclaturas, quanto da execução das técnicas marciais
compreendidas na arte.
Por pertencerem a uma comunidade rural, onde a presença de animais é
mais perceptível que em zona urbana, analisamos que a metodologia utilizada
criou uma maior identidade entre as crianças e a arte e conseqüentemente um
melhor aprendizado a cerca das nomenclaturas de bases e golpes do Tae-
35
Kwon-Do. De acordo com Brandão (1986) o processo de construção de
aspectos sócio-educativos deve iniciar-se sobre tudo, a partir do
reconhecimento e aceitação dos sujeitos em sua realidade, sendo este ponto
foi nitidamente expresso na pesquisa. A necessidade de se legitimar as
diversas expressões como formas educativas, resultou no entendimento do
grupo em relação aos diversos significados que estas poderiam tratar.
Segundo Cárdia (2007) os antigos Mestres tiravam proveito sabiamente
das lutas entre animais, observando quais movimentos eram utilizados por eles
como forma de atacar e defender-se. O fato das crianças se adaptarem melhor
a tais nomenclaturas legitimou a utilização filosófica de observação da vida
animal na criação das várias artes marciais, inclusive no Tae-Kwon-Do.
Em dada fase de andamento do projeto, passamos à realização das
práticas de “rolamentos”, que consiste em mais um exercício que garante uma
compreensão a cerca da autodefesa na arte marcial. Para além deste, levando-
se em conta o propósito pedagógico do Tae-Kwon-Do, os rolamentos nos
permitiram realizar leituras que possibilitaram o entendimento a cerca do grau
de auto-confiança por parte dos alunos na execução de sua prática. A grande
maioria das crianças apresentou dificuldades na execução desta “técnica”, e
até mesmo em se permitir o contato físico com o tatame, o que se pode
facilmente compreender, devido a pouca familiaridade pra com o equipamento.
Entretanto, mesmo após vários encontros direcionados pra este
propósito, - o de promover maior familiaridade no tatame, para assim
preconizar os rolamentos - algumas “resistiam”. Tal postura pode ser
compreendida como uma insegurança proveniente não somente do contato
com o novo, mas principalmente por conta da privação de atividades que
apresentassem características semelhantes junto ao cotidiano das crianças.
Para a Mãe “A”, uma das entrevistadas na pesquisa, quando indagada a
respeito de sua vivência a cerca dos esportes esta nos relata: ”Professor
Ramon, a única modalidade que eu conheço é a inchada, desde menina. E óia
que eu estudei na mesma escola de meu menino, e naquele tempo já num
tinha essas coisas não, agente tinha era que trabalha pra ajudar em casa”.
Este pressuposto é legitimado quando Cárdia (2007) observou que o
meio social em que uma pessoa se faz inserida, apresenta naturalmente suas
particularidades, e por conta disto reflete na formação do aluno. Podemos
36
entender que é das experiências diárias que são formados os meios de
exteriorização da linguagem corporal. É possível encontrar estes movimentos,
na maioria das vezes, em simples brincadeiras da infância, mas, devido às
atividades as quais vivenciavam em sua comunidade, as crianças
apresentaram ações que nos permitem dizer, influenciou em sua capacidade
de criação de movimentos, o que não pode ser encarado aqui como algo
negativo, apenas limitante, no ponto de vista é claro, da diversidade de
movimento.
Por meio de diálogos e vivências, as crianças passaram a se sentir mais
a vontade no tatame, principalmente a partir de quando passamos a
desenvolver dinâmicas, tais como jogos e brincadeiras, onde as “regras” lhes
permitiram a ação “se jogar” ao tatame, o que gradativamente veio a aproximá-
los das técnicas de rolamento propriamente dita.
A partir daí, a insegurança antes apresentada, abre espaço pra uma
ação de caráter lúdico e expressa nas ações executadas, momentos
prazerosos, de alegria e espontaneidade no ato de “rolar”, significando o
transpor de uma barreira, tornando-se um referencial de superação em
atividades outras.
Passado este momento, buscamos evidenciar o poder de equilíbrio das
crianças. No Tae-Kwon-Do, esta variável se faz de grande importância, embora
não seja apenas aos que tem um bom equilíbrio o desenvolvimento das
técnicas, mesmo por que, este passa a ser conseqüência de uma rotina de
treinamentos.
Buscando uma forma de trabalho em grupo, algo que tendesse ainda
mais, para o fortalecimento das inter-relações, propôs a execução de
movimentos corporais que requeriam o equilíbrio, e como meio de realização
das mesmas, estas deveriam ser desenvolvidas em duplas e ou tril. Lancei
então o “desafio”: Deveriam estar na base Jun Tung So Gui, e contraporem a
palma das mãos, com seus respectivos parceiros. A idéia era de provocar o
desequilíbrio do outro, que por sua vez, deveria fazer o máximo para se manter
na base, em equilíbrio. Percebi então uma atmosfera de competição, o que não
era a intenção. Contudo penso ter sido este um acontecimento positivo na
medida em que percebemos a fluidez das ações em meio às aulas. Logo fiz
uma intermediação, não como forma de dizer que tal prática era certa ou
37
errada, mas sim de conscientizá-los que aquele não era o momento para
competir, sendo prontamente atendido.
Se por um lado ficou evidente a insegurança em realizar os rolamentos
no tatame, mais evidente se tornou a facilidade para se executar saltos por
parte das crianças. De acordo com Cárdia (2007), o Tae-Kwon-Do em sua
gênesis, fora conhecido como arte dos homens voadores devido a abrangência
e plasticidade de seus saltos e chutes no ar, e em dado momento da pesquisa,
embora com outro contexto, este conceito me foi relembrado.
Junto ao campus universitário, temos uma quadra de areia com medidas
oficiais á prática dos esportes de areia. Certamente o lugar mais apropriado pra
se ensinar saltos de artes marciais para um grupo de 25 crianças, cheias de
energia e adrenalina pra gastar. Iniciamos uma brincadeira chamada pelos
meninos como “cama de gato”, que consistia no saltar o corpo do outro, que
estaria agachado, sendo progressivamente aumentado a grau de dificuldade
com o aumento de sua posição em relação ao salto. Tornou-se uma
abordagem lúdica e de grande valia quando falamos em percepção tempo-
espaço, e controle energético para efetivação da ação, no caso, a de saltar.
Este pensamento metodológico se fez relevante, principalmente se analisarmos
a partir da ótica de que pra se chegar ao conhecimento de determinada cultura,
não necessariamente precisa-se abdicar de sua própria forma de lhe dar com o
mundo, mas, as crianças aprenderam a praticar saltos de artes marciais por
intermédio das brincadeiras que já realizavam em sua comunidade.
A utilização do universo de brincadeiras comuns no cotidiano das
crianças constituiu em um resultado significativo de compreensão da prática de
saltar vivenciada na arte em evidência. Ratifico esta compreensão quando
afirma Santin (2003), que cada indivíduo traça sua fisionomia pela instauração
de um sistema de significações, por meio do qual se constitui a compreensão
de todas as coisas, tornando ao mesmo tempo algo criativo, em auto-criativo.
As atividades que anteriormente eram realizadas com grau de
dificuldade maior, como foram as técnicas de rolamentos, passou a ser
incorporada pelo grupo de forma natural. Percebi então estar a cada dia
preparando aquelas crianças para uma aproximação gradativa com as raízes
do Tae-Kwon-Do, no entanto, sem privá-los de se expressarem naturalmente
38
enquanto crianças. E o mais importante é que ainda que inconscientemente,
elas expressavam tal realidade em suas atitudes.
O Tae-Kwon-Do tem como característica marcante, o predomínio de uso
das pernas nas lutas, sendo uma das modalidades de esporte de combate que
mais faz uso dos membros inferiores. Neste sentido, agora com uma vivência
mais significativa de movimentos da arte, começamos a adentrar no universo
de apresentação, ensinamentos, desenvolvimento e aplicação de técnicas de
chutes característicos do Tae-Kwon-Do com o grupo.
O ensino das técnicas de chutes, por se fazerem práticas que objetivam
a aplicação de força em determinado ponto, precisou ser bastante cauteloso, e
de maneira ainda mais específica por estarmos considerando um grupo com
idade de 05 a 12 anos.
As aulas para esta finalidade se davam da seguinte forma: como
costume marcial, iniciava-se com as saudações á bandeira da Coréia, devido
esta ser o país de origem da arte, e a bandeira do Brasil, reafirmando nosso
patriotismo.
Primeiro se trabalhava com os menores, de 05 a 07 anos. Iniciávamos
com o Ap Chagui, o chute frontal. A priori não se buscava o uso da força, e sim
a vivência e conseqüente consciência de aplicabilidade do movimento, sendo
este momento “livre” de técnicas. Estes movimentos eram estimulados por
meio de um comando de voz efetuado por minha pessoa na qualidade de
professor, sendo que ao final da aplicação de cada movimento, as crianças
efetivavam o Kirap. Do ponto de vista da fisiologia, a partir do momento em que
deferimos um grito, automaticamente, aumentamos nosso poder de contração
muscular, o que na prática marcial é vital. Além deste fator, de acordo com a
filosofia Marcial, o Kirap (grito) fortalece o espírito.
As crianças deste primeiro grupo se mostraram bem adaptadas às
atividades, sendo que atendiam aos comandos no tempo previamente pedido,
e com um diferencial em relação aos maiores, se divertiam bastante com o
movimento do chutar, e de maneira particular com relação aos gritos. Este
“treinamento” aconteceu na quadra poliesportiva do campus universitário, e o
eco proporcionado pelos gritos ganhava força no ginásio, tudo que os
pequeninos queriam.
39
Considerando a idade pela qual estavam passando, achei mais que justo
permitir um pouco de todo aquele “barulho”, afinal se a proposta era também
mexer com entusiasmos daqueles, sem sombras de dúvidas, este estava
sendo alcançado, diria até para além do esperado. Analisando mais
cuidadosamente as ações e reações acontecidas neste primeiro momento, foi
perceptível naquelas crianças a necessidade de extravasar, de se expressarem
emocionalmente, de literalmente gritar pro mundo.
Em Cárdia (2007) verificamos que a execução do Kihap, oportuniza aos
lutadores autonomia e confiança nos movimentos a serem executados, além de
estabilizar a energia encontrada em todas as partes do corpo. Em nossos
pequenos “lutadores” este processo se apresentou de igual forma.
Enquanto isto acontecia, o segundo grupo, agora formado por uma
turma com idade entre 08 e 12 anos, mal esperava a hora de também poder
estar a realizar aquelas atividades. Na grande maioria das vezes, as atividades
aconteciam com todo o grupo e em conjunto, mas, neste caso preferi ter um
pouco mais de cuidado, afinal, são crianças e necessitam de alguns cuidados
básicos.
A atividade recomeçou com a mesma energia com que havia terminado
anteriormente. Agora, se tratando de crianças mais desenvolvidas fisicamente,
o emprego da força passou a ser maior, e mesmo o controle na aplicabilidade
do movimento, fator relativamente compreendido pelos menores, deu lugar à
imaginação “fertilizada” por “Homens-aranhas”, “Superman’s”, “Batmam’s”, “He-
man’s”, “Power Rangers”, enfim, um batalhão inteiro de Super-heróis.
Como forma de não perder de vista o enfoque do trabalho, a atividade foi
paralisada, e posteriormente feita uma roda de conversação no sentido de
“controlar” os ânimos. Tudo bem são crianças e precisam expressar-se,
contudo, direcioná-las a uma adequação de normas e condutas à serem
seguidas, estando consciente da sociedade que nos cerca, no momento
pareceu ser a coisa certa a fazer. Em Cardia (2007), é expressa a idéia de que
embora emergidos em uma esfera de conhecimentos diferentes, o que por
vezes proporciona ao praticante um estado de agitação, o respeito pelo
professor torna-se algo imprescindível à relação professor e aluno, e sua
compreensão.
40
Após conversar com as crianças, retomamos as atividades, agora de
forma mais organizada. Entre uma série de chutes e outra, direcionava
algumas palavras aos menores que estavam sentados ao redor da área de
“treinamento”, e foi exatamente em um destes momentos que pude perceber
uma ação desmedida por parte de duas crianças em particular. Mesmo no
momento em que deveriam estar atentos aos ensinamentos teóricos
verbalizados a cerca da prática de chutes, estes estavam a ponto de deferir
chutes um ao outro, o que culminaria em uma agressão, algo que jamais havia
acontecido antes na oficina.
Quando questionados a cerca daquela postura no andamento da aula,
ficaram em silêncio e não emitiram resposta alguma. Neste momento pedi que
todos fizessem um grande circulo, e de tratei fazer uma serie de levantamentos
a cerca do bom comportamento diante das aulas, imprescindível para que
pudéssemos dar continuidade, e que aquele tipo de comportamento poderia
machucar alguém e este não era nosso objetivo. A idéia certamente era de não
preencher momentos da aula com estas problemáticas, mas, que bom que elas
existiram e aconteceram junto ao grupo, assim, tivemos a possibilidade de
problematizá-las.
Pedi que eles pudessem falar algo sobre o acontecido, e permaneceram
sem palavras. Uma atitude destas, aparentemente inocente, pode estar sendo
influenciado por uma série de fatores de ordem psicosocial, e que, se não
tratado com a devida medida, pode perpetuar um exemplo que não seria
interessante pra vida futura daqueles meninos. Como eles não souberam, ou
ao menos optaram em não falar sobre o que acabara de ocorrer, ficamos todos
em silêncio, sem que ninguém falasse uma palavra se quer, por vários minutos.
Percebi então que ainda que não falasse sobre, o posicionamento de todos em
ficarem ali, em roda e sentados, mantendo-se em silêncio, significo uma atitude
respeito. Quando menos esperava, um dos meninos disse: “fale logo o que
aconteceu se não o professor não vai dar mais a aula!” Tratava-se do irmão de
um dos meninos envolvidos no acontecido. Como não foi atendido, e ansioso
para recomeçar a aula, visto que o tempo corria, exclamou: “professor estes
dois aí tão brigados, não tão se falando mais!” Logo todos interviram tentando
explicar o que havia ocorrido entre os dois meninos.
41
A partir deste momento pedi que se mantivessem em silêncio, chamei-os
em particular e tentei mediar à situação. Foram pra casa após um aperto de
mãos “amarelo”. Bem, foi um começo. A postura adotada pelo grupo para falar
sobre o acontecido caracteriza os preceitos defendidos nas artes marciais, sem
dúvidas, influenciados pelo Tae-Kwon-Do. Para Cárdia (2007), o espaço
preenchido em sala de aula por professores e alunos vai além de um simples
entendimento da luta como um conceito, onde a disciplina, a metodologia e
resolução de problemas, apresentam-se como freqüentes, já que são de
extrema importância para a Educação. Tal situação esteve presente na
pesquisa, tornando-a verdadeira aos preceitos marciais defendidos em meio às
inter-relações humanas.
Na aula seguinte propus uma atividade em dupla que tinha mais uma
vez como fundamento o equilíbrio. Agora, justamente a dupla mencionada no
episódio acima, se puseram juntos na tentativa de realização da atividade
proposta. Minha conclusão foi nítida! Apesar de divergências, aquelas crianças
não apresentaram um comportamento violento, não queriam machucar um ao
outro. Estavam aprendendo a aplicar chute de artes marciais, e este fato não
os tornou indivíduos agressivos, mas de maneira adversa, os aproximou.
Quando conversei com as mães de alguns meninos - algumas das que
iam buscar seus filhos ao término da oficina - sobre o acontecido, deparei-me
com uma alarmante situação em comum que refletia a ação realizada por
aqueles garotos: eram filhos de pai viciados em álcool, e já haviam sido
espancados por pessoas da família antes. Em relação a estes fatos as mães
presentes no estudo se faziam unânimes, todas eram contra a qualquer tipo de
violência às crianças. Enquanto à participação de seus filhos no Tae-Kwon-Do,
demonstraram estar conscientes do dimensionamento desta atividade, como
destacou a Mãe “C”: “Pra mim também é um jeito de se defender, agora tem
gente que aprende pra saí dano murro nos outros, isso ai pra mim já é briga de
rua, e violência só gera violência”.
Neste momento da pesquisa, embora consciente de até onde adentrar
às questões referentes à comunidade, foi necessário abrir um “leque” de
conversações junto às mães das crianças como maneira de entender um
pouco mais da verdadeira realidade na qual aquelas crianças estavam
inseridas. Que era uma realidade nada fácil, isto estava implícito, contudo, se
42
fazia necessário familiarizar-me um pouco mais com as problemáticas que nem
sempre se percebe pela observação, e sim pelo bom e velho diálogo, que para
Neira e Nunes (2006), pode ser estimado enquanto forma de elemento cultural
em seus dimensionamentos, possibilitando o conhecimento prévio sobre o
comportamento humano.
Então, após conversarmos - eu e as mães – foi constatado uma
realidade tal, que não a abordaria como triste, e sim, preocupante. Os relatos
se deram de forma mais marcantes em casos de drogas, assaltos, e
homicídios. Nada diretamente ligado aos meninos é claro, até por que são
crianças bem pequenas, mas, constatou-se a ocorrência de casos relapsos nas
famílias e que assim sendo, os atingem de forma direta, sem dúvidas.
Ainda que em meio à uma realidade instável, do ponto de vista de como
os acontecimentos poderiam interferir na comunidade e conseqüentemente nas
abordagens realizadas na oficina de Tae-Kwon-Do , as aulas perseguiram,
contudo, com uma ênfase ainda maior para com o cuidado no trato com
aquelas crianças.
O primeiro passo foi buscar por meio do diálogo uma aproximação maior
com as famílias, apresentando para elas as abordagens planejadas e
executadas nas aulas de Tae-Kwon-Do, cogitando a possibilidade das mães
também proporem algumas atividades ou sugestões de como estar dando
continuidade ao projeto. Assim foi sinalizado pelas mães que seria importante
que as atividades fossem oportunizadas também no interior da escola da
comunidade, e nos horários de aula, o que segundo a Mãe “A”, “fariam os
meninos tomarem gosto pela escola”. Entendendo a proposta deferida pelas
mães, com possível forma de estreitar os laços escola-comunidade partindo da
revisão de conceitos da representatividade da escola como parte relevante e
atuante na construção e manutenção das práticas educacionais propícias ao
desenvolvimento das pessoas de sua comunidade, aulas também foram
ministradas naquele espaço escolar. Este pensamento também foi legitimado
pela Mãe “B” ao se posicionar a respeito das aulas de Tae-Kwon-Do e sua
participação na educação das crianças, contribuindo para um dos momentos
mais marcantes da pesquisa, quando relatou: “Esses negoço acaba afastando
as crianças e os jovens de um caminho errado, que é as drogas, da violência,
da cachaça, então eu acho que acaba ajudando. Já perdi um filho pras drogas
43
e não quero perder outro. Esses daqui eu levo e trago da escola todos os dias,
não quero mais correr o risco, só eu sei o que passei”. Neste momento tornou-
se ainda mais compreensivo o quanto aquelas mães queriam estar próximas
das atividades desenvolvidas com as crianças, o sentimento de proteção
materna as impulsionavam a estar sempre presente nas aulas. Considerando
estas ações, pode-se afirmar que as aulas de Tae-Kwon-Do contribuíram
também como elemento de aproximação entre mães e filhos.
Por não apresentar uma área interna propícia ao desenvolvimento das
atividades de Tae-Kwon-Do, foi utilizada a área externa da escola, que por
conter uma vegetação comum à região, contendo espinhos, necessitou ser
limpa por meio da “capinação”, que logo tratou de ser feita pelos próprios
moradores. Compreendemos esta ação a partir daquilo que nos traz Santin
(2003), ao afirmar que a comunidade confere uma imagem de si mesma e
como um todo, realizando neste processo a construção e interpretação do
mundo que a envolve.
Assim, os moradores encontraram aparentemente de forma
inconsciente, uma solução ao menos emergencial para a problemática de
transporte até a universidade, visto que para este ponto e neste momento da
pesquisa não mais estava cumprindo com seu papel no projeto. Torna-se
evidente a necessidade não apenas do desenvolvimento de políticas de caráter
diversos, mas, de igual maneira que se pense formas de continuidade das
mesmas, e esta realidade em algum momento foi sentida na pesquisa.
No desenvolvimento das aulas junto à escola da comunidade,
percebemos uma motivação generalizada. Como a área da escola em que
estávamos, oferecia uma visibilidade ao grupo externo, notei que algumas
crianças, ainda com idade pré-escolar, começaram a ajuntar-se para assistir às
aulas. Percebi o interesse destas em participar das atividades e as convidei,
todos já eram conhecidos, moravam bem próximos uns dos outros, o que não
acarretaria empecilho algum, e assim foi constatado.
As crianças que faziam parte do grupo em que se realizava a pesquisa
as acolheram de forma bastante receptiva, o que acredito que para além das
vivências em sua comunidade, esta ação refletiu também das aulas de Tae-
Kwon-Do na medida em que foi expressa a importância do trabalho em grupo,
e de promoção da cooperatividade, legitimando o Espírito do Tae-Kwon-Do,
44
que segundo Cárdia (2007), se expressa por meio da Cortesia, Integridade,
Perseverança, Auto-Controle, e Espírito Indomável.
A abordagem que se iniciou com propósito de atender às crianças, havia
incluído mães de alunos, e agora ganhava notoriedade também por parte das
educadoras da escola da comunidade. Este fato pode ser interpretado como de
grande relevância na medida em que se conquista o reconhecimento de como
educar através também de outras formas de ensino, senão a conceituada
tradicional, no qual também se pode creditar a aproximação dos pequenos
moradores. Aqueles que antes não tinham a possibilidades de estarem
desenvolvendo atividades junto cm o grupo que freqüentava as aulas na escola
da comunidade, por conta da pouca idade, agora já se aproximaram pela
primeira vez de uma atividade realizada naquela escola, o que me pareceu
fazer com que estas começassem a desenvolver uma atração por aquele
universo, entendendo aquele espaço como espaço “aberto” a todos.
A respeito da integração Universidade - Escola e Comunidade, A mãe
“B” interpretou que as atividades na escola aproximaram mais as crianças das
atividades escolares. “Agora os meninos tem até mais ânimo para se arrumar e
ir para a aula” relatou.
As aulas foram continuadas com a mesma perspectiva que as realizadas
no Campus universitário. Como as aulas na escola eram ministradas 2 vezes
na semana, obviamente no decorrer dos dias que não tínhamos as atividades
com o Tae-Kwon-Do, não me fazia presente, mas, certo dia, ao passar de
ônibus pela frente da escola, percebi que algo estava diferente: As crianças
haviam aproveitado a parte limpa de capim, para ali instalarem uma trave de
futebol. Bem, entendi que as aulas de Tae-Kwon-Do, por possibilitarem uma
iniciação das atividades esportivas na realidade da comunidade, para aquele
grupo, tenham despertado nos pequenos o sentimento de que ali também é um
espaço de expressar-se corporalmente, de fazer dos momentos extra-classe,
momentos também proveitosos, de atividades lúdicas, e de socialização do
tempo livre. Um espaço de ser educado, e educar-se.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino universitário, na pluralidade de suas formas e conceitos,
compreende possibilidades diversas para o levantamento de abordagens
pedagógicas relevantes à legitimação de seu papel perante a sociedade. Neste
sentido, as práticas extensionistas sinalizam para a possibilidade de atribuir
novas perspectivas para a formação de educadores nas distintas áreas do
conhecimento. A pesquisa em foco, Tae-Kwon-Do como prática extensionista
na formação sócio-educativa de crianças da comunidade Riacho do Mel em
Alagoinhas, BA, contribuiu de maneira ímpar para o fortalecimento das
relações entre universidade e comunidade externa, apresentando-se diante dos
30 anos da presença da universidade na comunidade Alagoinhense, como
pioneira no estabelecimento de uma ponte entre a UNEB e o Riacho do Mel.
Com base nos resultados apresentados nesta pesquisa, pode-se afirmar
que a inserção do Tae-Kwon-Do na realidade investigada consistiu na
construção de uma proposta sócio – educativa que contemplou a face de um
modelo educacional fundamentado e expresso por meio da cultura, aqui
entendido como o sumo educacional.
A falta de gerenciamento e mobilização dos recursos destinados para a
otimização do Projeto de Extensão Cultura Corporal na UNEB, por parte da
estrutura da universidade em pauta, caracterizaram suas limitações. Umas das
problemáticas de maior representação, referente ao deslocamento das crianças
da comunidade para a universidade, impossibilitou um maior contato destas
com a universidade, algo que poderia ser tranquilamente solucionado, caso
houvesse um comprometimento maior da UNEB com sua Política de Extensão
Universitária, o que para tanto, requer ampla discussão e revisão de posturas
internas. Entretanto, estes empecilhos foram superados por meio dos esforços
de docentes, discentes e principalmente por parte dos sujeitos sociais da
Comunidade em evidência, o que chama atenção para o potencial de ação
desprendido pela comunidade externa, fator que lhe confere o status de
parceira incondicional para a realização efetiva das práticas extensionistas.
A realização desta experiência fomentou o Esporte, representado
através da modalidade de Tae-Kwon-Do, enquanto elemento valoroso na
conceitualização de uma nova perspectiva de abordagem educativa e de
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inclusão social, possibilitando à comunidade investigada uma aproximação com
o modelo educacional que perpassou o modo tradicional de promover
educação, além de potencializar perspectivas a respeito do papel social do
Educador.
O Tae-Kwon-Do atuou como elemento de construção e afirmação de
um modelo sócio-educativo inovador para as crianças participantes do estudo,
uma vez percebida sua flexibilidade pedagógica e adaptativa para a realidade
especificada, aproximando-se da comunidade como parte da mesma,
intervindo como meio propiciador de reflexões e resoluções de problemáticas
ali existentes, e contribuindo significativamente para a edificação e legitimação
de transformações sociais, as quais se aperfeiçoam na medida em que
universidade e comunidade se completam, sendo o amanhã daquelas crianças,
o resultado desta união.
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REFERÊNCIAS
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CARDIA, Roberto Nascimento. Tae-Kwon-Do. Arte Marcial e Cultura Coreana. Rio de Janeiro, R.N, 2007.
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NEIRA, Marcos Garcia. NUNES, Mário Luiz. Pedagogia da cultura corporal: práticas alternativas. São Paulo: Phorte editora, 2006.
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THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa ação. São Paulo: Cortez, 1985.
APÊNDICE
ENTREVISTA COLETIVA REALIZADA EM 09 DE SETEMBRO DE 2009 COM MÃES DE CRIANÇAS PARTICIPANTES DAS ATIVIDADES DE TAE-KWON-DO DESENVOLVIDAS NO PROJETO CULTURA CORPORAL NA UNEB.
O que é cultura?
Mãe A - A cultura é uma coisa que todo mundo conhece né? Que nem a cultura de plantar milho no tempo certo, feijão, de roçar, essas coisas.
Mãe B - É aquilo que as pessoa gostam de fazer. Umas gostam de futebol, outras gostam de jogar capoeira, e ai vai!
Mãe C - As festas são cultura, os jogos, as músicas típicas de São João, que só passa mais nessa época..., e tudo que as meninas já falaram antes.
Fale um pouco do que você conhece sobre Esporte
Mãe A- Acho que correr, saltar, pular, são jogos que disputam medalhas
Mãe B - É botar o corpo pra se mexer, fazer caminhada, fazer ginástica, eu mermo sempre.. sempre... tô fazendo minhas caminhada aqui pela pista mermo, vou e volto até a universidade umas três vezes.
Mãe C - É quando os jogos tem disputa de medalha pra ver quem fica com a de ouro, ou de bronze, ou então de prata. Tem os time, treinador, que nem na seleção, só muda de futebol pra vôlei, pra basquete, se tiver jogo e tiver medalhas, que dizer que aquilo é esporte.
Já praticou alguma modalidade esportiva?
Mãe A - Professor Ramon, a única modalidade que eu conheço é na inchada, desde menina, e óia que eu estudei na mesma escola de meu menino e naquele tempo já num tinha essas coisas não, agente tinha era que trabalha pra ajudar em casa.
Mãe B - Eu tinha o costume de brincar na escola, mas na hora de fazer o time... essas coisas, aí eu não fazia parte não.
Mãe C - Não, mas sempre gostei de assistir os jogos na televisão e pra mim sempre gostei, até hoje se tiver passando alguma coisa na televisão, campeonato ou coisa assim se eu tiver com tempo, eu para pra ver.
O que você entende sobre Lutas?
Mãe A - É uma coisa que as pessoas “usa” pra se defender na rua, pra não apanhar.
Mãe B - Pra mim é que nem aqueles povo que fica lutando na televisão. Tem luta que diferente uma da outra, tipo o boxe, e outras que nem no Tae-Kwon-Do.
Mãe C - Pra mim também é um jeito de se defender. Agora tem gente que aprende pra saí dano murro nos outros, isso ai pra mim já é briga de rua, e violência só gera violência.
Em sua opinião, as aulas de Tae-Kwon-Do podem ajudar na educação das crianças?
Mãe A - Eu acho que pode, se a criança for bem educada pra num tá brigando com os outros na rua, ai sim.
Mãe B – Eu também acho que sim..sabe porque? Esses negoço acaba afastando as crianças e os jovens de um caminho errado, que é as drogas, da violência, da cachaça, então eu acho que acaba ajudando. Já perdi um filho pras drogas e não quero perder outro. Esses daqui eu levo e trago da escola todos os dias, não quero mais correr o risco, só eu sei o que passei.
Mãe C - Creio eu que sim, se no esporte as pessoas tem que ter disciplina pra aprender as coisas, nas lutas deve ser da mesma forma, só muda mesmo o esporte, mais os conhecimento a pessoa leva pra vida toda.
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