proposta de dissertaÇÃo de mestrado em sociologia
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Instituto Superior de Ciências Sociais e PolíticasUniversidade Técnica de Lisboa
AS CIDADES DIGITAIS E O REFORÇO DA CIDADANIA:
Uma abordagem sociológica do Gaia Global e do Aveiro Digital
Dissertação de Mestrado em SociologiaOrientador: Prof. Doutor João Abreu de Faria Bilhim
Candidata: Bárbara Andreia Barbosa Neves
Júri:
Presidente: Doutor João Abreu de Faria Bilhim, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;
Vogais: Doutor João Luís Bettencourt da Câmara, Professor Associado com Agregação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;
Doutor Joaquim José Borges Gouveia, Professor Catedrático da Universidade de Aveiro.
Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP)Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT)
Lisboa, 2006
“Vai até onde puderes, quando lá chegares poderás ver ainda mais longe”
Goethe
“Uma coisa que eu aprendi nesta longa vida: toda a ciência quando comparada à
realidade é primitiva e infantil, e no entanto, é a coisa mais preciosa que temos”
Einstein
“Julge um homem pelas suas perguntas e não pelas suas respostas”
Voltaire
1
ÍNDICE
Agradecimentos 8
Introdução 12
I. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL PRELIMINAR 18
A. Internet 18 1. Génese e Desenvolvimento da Internet 18
2. Ciberespaço e Realidade Virtual: Novas Dimensões de Tempo e Espaço
21
3. Comunicação Mediada por Computador (CMC) 234. Impacto Social da Internet 255. Dados Mundiais de Utilização da Internet 316. Dados Nacionais de Utilização da Internet e Índices de Mobilização para a Sociedade da Informação
34
7. A Info-Exclusão: Uma abordagem global 40
B. Sociedade da Informação 471. Aproximação e Evolução Conceptual: Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento e Sociedade em Rede
47
2. Iniciativas para a Sociedade da Informação 56a. As Políticas Europeias 56b. As Políticas Portuguesas 69
C. Governo Electrónico 861. Aproximação Conceptual 862. Potencialidades e Implicações do Governo Electrónico 873. Governo Electrónico Local 904. Governo Electrónico Global 925. Iniciativas Europeias para o Governo Electrónico 996. O Caso Português: Pressões Exógenas e Elementos
Endógenos 100
D. Comunidades Virtuais 109
II. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E TEMÁTICO PRINCIPAL: AS CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA 112
2
A. As Cidades e Regiões Digitais 1121. Cidades Digitais: Uma Aproximação Conceptual 112
a. Tipologias de Cidades Digitais 118 b. Regiões Digitais 121 c. Considerações Gerais 122
B. Cidadania 1241. Aproximação Conceptual 1242. Abordagem Sociológica da Cidadania 1263. Enquadramento Histórico: da Grécia Antiga à Pós-
Modernidade128
4. Cidadania na Era Global 1455. Cidadania na Era Digital 153
III. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO E TEÓRICO 158
A. Problemática, Objectivos e Hipóteses da Investigação 158
B. Opções Metodológicas 1611. O Estudo de Caso Múltiplo 1622. A Entrevista Semi-Estruturada 1643. Inquérito On-line 1674. A Matriz de Ishida 168
C. Contributos Teóricos 1691. Sociologia Urbana 169
a. A Cidade Contemporânea 1711. A crise das cidades contemporâneas 1712. A cidade na Era da Informação 174
a. Espaço de Fluxos e Espaço de Sítios 177 b. Teorias das Relações entre a Cidade e as
Tecnologias de Informação e Comunicação180
2. “Social Construction of Technology” (SCOT) 1843. Cibersociologia, Sociologia da Internet 187
IV. AS CIDADES DIGITAIS: AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E NACIONAIS
188
A. Paradigmas Internacionais 188
B. A Abordagem Portuguesa 198
3
1. Os Projectos Pioneiros 2022. Os Projectos em Execução 206
C. Vantagens e Limitações das Cidades Digitais 219
V. ESTUDO DE CASO COMPARATIVO: GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL
224
A. Gaia Global 2241. Vila Nova de Gaia 2242. A Cidade Digital de Vila Nova de Gaia 2263. Os utilizadores do Gaia Global: Resultados dos Questionários On-Line aplicados aos Utilizadores do Portal do Cidadão de Gaia
240
B. Aveiro Digital 2491. A Cidade/Região Física 2492. A Cidade Digital (1998-2000) 2513. A Região Digital (2003-2006) 257
C. Gaia Global e Aveiro Digital 267
VI. CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA 272
A. Resultados das Entrevistas 272
B. Resultados do Inquérito On-line aos Utilizadores do Gaia Global 285
Conclusão 291
Bibliografia 297
Anexos 307
4
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Cobertura do território do Continente por infra-estruturas de banda larga em 2004
36
Figura 2 – Distribuição geográfica das centrais com DSLAM com assinantes no 1º e 2º trimestre de 2006
37
Figura 3 – As Sete Dimensões da Sociedade do Conhecimento de Heinonen 52Figura 4 – AOL 189Figura 5 – Cidade Digital de Amesterdão 192Figura 6 – Helsínquia Virtual 194Figura 7 – Quioto Digital 196Figura 8 – Mapa do Concelho de Vila Nova de Gaia 225Figura 9 – Vila Nova de Gaia 225Figura 10 – Método NVAT 230Figura 11 – As três camadas do Gaia Global 231Figura 12 – A metáfora da cidade digital: as praças de uma cidade física simbolizam a interacção entre os cidadãos e os edifícios dessas praças constituem as aplicações e serviços existentes
233
Figura 13 – Portal do Cidadão de Gaia 234Figura 14 – Portal do Cidadão de Gaia 235Figura 15 – Portal Institucional Gaia Global/ Portal da Juventude Gaia Global 235Figura 16 – “Como avalia os serviços disponíveis no portal?”/ “Como avalia a eficácia dos serviços on-line disponíveis no portal?”/ “Como avalia a resposta on-line às suas solicitações?”
245
Figura 17 – Ria de Aveiro 250Figura 18 – Mapa da Área de Intervenção da AMRia 250Figura 19 – Distribuição Orçamental por Áreas de Intervenção 255Figura 20 – Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt) 262Figura 21 – Serviços Básicos do Aveiro Digital 264Figura 22 – “As Cidades Digitais identificam-se com a cultura da sua região?”/ “As Cidades Digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local?”
279
Figura 23 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”/ “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto das instituições e empresas locais?”
286
Figura 24 – “O Gaia Global permite-lhe resolver assuntos com o seu município mais rapidamente?”/ “O Gaia Global permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu município mais rapidamente?”
287
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Índice de Network Readiness e PIB em 2004 34Gráfico 2 – Evolução de alguns dos principais indicadores que caracterizam a utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação pelas famílias
38
5
Gráfico 3 – Cobertura de Banda Larga: O “tamanho” da info-exclusão 43Gráfico 4 – A info-exclusão nos 15 Estados Membros 43Gráfico 5 – “Está registado no Gaia Global?” 241Gráfico 6 – “Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?” 241Gráfico 7 – “Como teve conhecimento do Gaia Global?” 242Gráfico 8 – “Quando começou a utilizá-lo?” 242Gráfico 9 – “Com que frequência acede ao portal?” 243Gráfico 10 – “Que áreas mais acede no portal?” 243Gráfico 11 – “Que temas mais pesquisa no portal?” 244Gráfico 12 – “Como avalia o design e estética do portal?” 244Gráfico 13 – “Como avalia a organização do portal?” 245Gráfico 14 – “Como avalia os conteúdos disponíveis no portal?” 245Gráfico 15 – “Como avalia o desempenho global do portal?” 247Gráfico 16 – Sexo dos Inquiridos 248Gráfico 17 – Inquiridos por Faixas Etárias 248Gráfico 18 – Estado Civil dos Inquiridos 248Gráfico 19 – Habilitações Literárias 248Gráfico 20 – “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente algumas necessidades sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos seus cidadãos?”
272
Gráfico 21 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” 275Gráfico 22 – “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?” 277Gráfico 23 – “O Gaia Global permite-lhe aceder à informação, bens e serviços de Gaia?”
289
Gráfico 24 – “O Gaia Global permite-lhe aceder a serviços municipais on-line?” 287Gráfico 25 – “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?” 288Gráfico 26 – “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?” 288Gráfico 27 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais em contacto com o que se passa na sua região?
289
Gráfico 28 – “O Gaia Global permite-lhe ter uma melhor qualidade de vida?” 289Gráfico 29 – “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?” 289
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 – Utilização Mundial da Internet e Estatísticas da População por Continentes
33
Quadro 2 – Top 20 Países 33Quadro 3 – Percentagem de utilizadores de Internet e população, por escalão etário e nível de instrução em 2004
45
Quadro 4 – Linhas de Acção do “Rolling Action Plan” 59Quadro 5 – Estruturas de Acções para o Plano eEurope 2002 61Quadro 6 – Progressos Realizados no Decurso do eEurope 2002 62Quadro 7 – Medidas para o Espaço Único de Informação Europeu 66Quadro 8 – Medidas para o reforço da Inovação e do Investimento 67Quadro 9 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
83
Quadro 10 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
84
Quadro 11 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
85
Quadro 12 – Impacto do Governo Electrónico na Concretização dos Princípios de 896
Boa GovernaçãoQuadro 13 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2005 90Quadro 14 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2003 92Quadro 15 – Top 10 das Cidades na Categoria da Participação dos Cidadãos 2005 97Quadro 16 – Tipos Ideais das Concepções Densa e Espessa da Cidadania 98Quadro 17 – Cidadania na Grécia Antiga e no Estado Moderno 99Quadro 18 – Tácticas de Estudos de Caso Para Quatro Testes de Design da Investigação
129
Quadro 19 – Matriz de Ishida: Comparação de Quatro Cidade Digitais 163Quadro 20 – Indicadores Demográficos de Vila Nova de Gaia 224Quadro 21 – Avaliação do Portal www.gaiaglobal.pt 247Quadro 22 – Planeado e Realizado no PACD 1998-2000 256Quadro 23 – Matriz Ishida Aplicada ao Gaia Global e ao Aveiro Digital 267Quadro 24 – “Qual é o impacto do GG/AD para o desenvolvimento económico e social da cidade/região que representam?”
271
Quadro 25 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” 275
7
Agradecimentos
Por muito individual que seja a paixão por determinados temas, por muito particular que seja a
interpretação da realidade social e a sua redacção, a preparação e realização de qualquer estudo
é um acto colectivo. Indubitavelmente, não poderia ter desenvolvido esta tese de mestrado sem o
apoio, o suporte, os conselhos e a participação de inúmeras pessoas. Desta forma, gostaria de
expressar algumas palavras de estima, agradecimento e reconhecimento:
Ao meu orientador, Prof. Doutor João Bilhim por tudo: por me possibilitar alcançar uma
bolsa de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia; por todo o seu incentivo e apoio
incondicional; pela disciplina, método, estruturação e organização que me transmitiu; pela
procura, por vezes sobre-humana, de alguma disponibilidade para me motivar; pelas inúmeras
oportunidades que me proporcionou, e acima de tudo pelo carinho e alento que me fizeram
avançar. Pelo professor, companheiro e amigo que sempre demonstra ser.
À FCT, nomeadamente ao Prof. Doutor Ramôa Ribeiro, por ter acreditado neste projecto,
atribuindo-me uma bolsa de investigação em Ciência e Tecnologia, que me permitiu dedicar de
corpo e alma a este estudo.
Ao Prof. Doutor Fausto Amaro, pelo espantoso docente, investigador e cientista social; pela
inspiração, pelos importantes conselhos e orientações; por todo o apoio.
Ao Prof. Doutor Joaquim Borges Gouveia por toda a disponibilidade, apoio e colaboração.
Por ser a prova irrefutável que os grandes génios e pensadores descrevem de forma
inacreditavelmente simples, a complexa realidade. Por tudo que me ensinou e me fez reflectir.
Pelo delicioso e acutilante espírito crítico.
Ao Prof. Doutor Luís Borges Gouveia pelas profícuas indicações e pelo interesse. Pelo
desafio que me proporcionou. Pela brilhante mente e personalidade.
8
Ao Prof. Doutor José Rafael, membro da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD),
pela disponibilidade imediata e por toda a cooperação.
Ao Eng.º Ângelo Estrela, Gestor do Projecto do Gaia Global, pelo interesse demonstrado e
pelas úteis informações e sugestões que permitiram enriquecer a tese, não só a nível operacional,
como conceptual.
Ao Eng.º Jorge Xavier, por todas as indicações e pela assombrosa Dissertação de Mestrado
em Gestão da Ciência, tecnologia e Inovação sobre esta temática.
À Eng.ª Lusitana Fonseca, da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD), por todo o
suporte, colaboração e visão. Uma extraordinária mulher e profissional.
Ao Dr. João Ribeiro da Comissão de Execução do Aveiro Digital (CEAD) pela frutuosa
contribuição.
Ao Arq.º José Luiz Moutinho, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de
Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico, pela importante colaboração, ajuda e por todo o
trabalho e tempo despendidos para me proporcionar uma entrevista extremamente rica e
complexa.
Ao Prof. Doutor Flávio Nunes, do Departamento de Geografia da Universidade do Minho,
pela fabulosa entrevista.
Ao Prof. Doutor Alessandro Aurigi, da Universidade de Newcastle Upon Tyne, pela
cooperação, amparo e estímulo. Pelo fabuloso livro e entrevista.
À Dr.ª Julieta Leite e Prof. Doutor Sílvio Zancheti, do Centro de Conservação Integrada
Urbana e Territorial da Universidade Federal de Pernambuco, pela imediata colaboração,
constante apoio e interacção.
Ao Prof. Doutor Peter van den Besselaar, da Universidade de Amesterdão, pela inspiração,
contributo e pelo extraordinário livro que me enviou sem qualquer custo.
9
Ao Dr. Risto Linturi, da “Helsinki Arena 2000”, Helsínquia Virtual, pelas palavras de
motivação e pela interessante e-entrevista.
Ao Prof. Doutor Ken Friedman, da Escola Norueguesa de Gestão e Escola Dinamarquesa de
Design, pelo envio de interessantes artigos que não só complementaram o meu trabalho, como
me direccionaram para outros aspectos fundamentais.
Ao Prof. Doutor Marc Holzer e Tony Carrizales, da Universidade de New Jersey Rutgers,
pelo convite para integrar a sua equipa de investigação no projecto “100 City E-Government
Website Survey”. Pela grande oportunidade.
Ao Prof. Doutor Cees Hamelink, da Universidade Livre de Amesterdão, pela apaixonante
pessoa, filósofo e músico. Pelos vantajosos contactos que me deixou. Pela númen crítica.
Ao Prof. Jaime Fonseca pela disponibilidade, simpatia e pelo grande auxílio no SPSS.
À Mestre Romana Xerez pelas importantes indicações bibliográficas de Sociologia urbana.
À Prof. Doutora Carla Guapo Costa e à Mestre Elizabete Carvalho por todo o
encorajamento. Por serem as surpreendentes mulheres que são!
À Prof. Doutora Alice Trindade pela amizade, companheirismo e carinho constantes. Por
mais de que uma prodigiosa docente ser uma incondicional amiga. For being my role model!
Ao Prof. Doutor João Bettencourt pelo carisma que torna qualquer assunto, mesmo o mais
fastidioso, o tema mais fascinante de todo o universo.
A todos os investigadores e professores que conheci aquando da minha participação em
2005 nas conferências da ASPA/EGPA (American Association of Public
Administration/European Group of Public Administration) “First Transatlantic Dialogue” em
Leuven e da ESA (European Sociology Association), “Rethinking Inequalities” em Tórun; e em
2006 da ISA (International Sociology Association) “Quality of Existence in a Globalizing
World”, em Durban. Pelos interessantes comentários e entusiasmo demonstrado pelo meu
10
estudo. Marc Holzer, Margaret, Torben Beck Jorgensen, Eva Tsahuridu, Bouckaert,
Montgomery Van Wart, Isabelle Feroni, Anemone Smith, Luísa Oliveira, António Firmino da
Costa, John Abraham, Rachel Cane, Bernhard Wieser e Elvira Pereira. Thank you all!
À minha família, em especial à minha mãe, pelo apoio incondicional e por todo o seu
esforço para sempre me proporcionar uma educação e um conhecimento que me permitisse
evoluir como ser humano, como ser pensante. Enfim, por tudo…. Ao meu irmão Tiago,
verdadeira alma gémea, pelo incentivo contínuo, pelo interesse incessante e pela confiança que
sempre depositou em mim. Ao Victor, pela força que sempre me fizeram avançar. Por todos os
seus conhecimentos informáticos e técnicos. Ao Joey, pela alegria, ternura e luz com que
completou a minha vida. Por estar sempre ao meu lado, plácido e protector, quando redigia esta
dissertação de mestrado.
Aos amigos cujo encorajamento foi crucial, Carla Brás e Naimo, Marta Venera, Amável
Santos, Joana Barros, António Belém, Ernesto Festas e Sónia Garcia Flores.
11
INTRODUÇÃO
A Internet tem um impacto exponencialmente crescente na nossa vivência quotidiana,
reflectindo-se progressivamente em todas as actividades humanas. É o primeiro meio de
comunicação que permite a comunicação de muitos para muitos e que modifica a percepção de
tempo e espaço. Com efeito, “A Internet é o tecido das nossas vidas”1, na medida em que,
consiste presentemente na base tecnológica da forma organizacional que caracteriza a nova Era
da Informação.2 A Internet é transformada diariamente pela sua utilização, pelo seu uso para
concretizar diversas tarefas e pelos seus netizens (cidadãos da Internet).3 Neste sentido, Manuel
Castells entende que esta interacção origina um novo modelo sócio-técnico.4
Efectivamente, a Internet foi criada como tecnologia de comunicação livre, entre esforços
militares e académicos. Desde a sua existência, a Internet mudou notavelmente, conjugando
novas tecnologias, adaptando-se a diferentes necessidades e integrando diversos serviços.
Prossegue este processo de mutação, sendo agora associada a computadores portáteis e a outros
meios de comunicação portáteis, como telemóveis, pagers etc. que parecem apontar para um
novo paradigma de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC5) nómadas. Claramente,
uma das grandes interrogações sobre o futuro da Internet, não assenta na mudança da tecnologia,
que se efectua a uma vertiginosa velocidade, mas na gestão desse processo de mutação e
evolução.6 Os diversos estudos sobre o seu impacto social evidenciam maioritariamente uma
visão utópica ou distópica dos seus efeitos e respectiva influência social, apesar de ultimamente
as investigações pretenderem superar esta perspectiva maniqueísta.7 A Internet é apenas um
1 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 15.2 Ibidem. 3 Conceito que abordamos no capítulo da cidadania, mais concretamente no ponto relativo à cidadania virtual.4 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 15.5 “Tecnologias de Informação e Comunicação” são a partir deste ponto referidas como TIC. 6 Cfr. Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. “A Brief History of the Internet”, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml. 7 Katz e Rice, “Project Syntopia: Social Consequences of Internet Use”, IT&Society, volume 1, issue 1, Verão 2000, p. 166.
12
meio de comunicação e de expressão, que reflecte a contradição do próprio ser humano, é um
instrumento positivo, mas também pode ser usado negativamente. É claramente um produto
social. Apesar dos cépticos, a Internet pode ser uma potencial ferramenta de desenvolvimento,
progresso, democracia, cidadania, união e liberdade e parece ser o símbolo de uma nova era.
De facto, apesar das inúmeras nomenclaturas que pretendem designam a génese de uma nova
Era, assente na Internet e nos fluxos de informação, a Sociedade da Informação parece ser o
conceito vulgarmente aceite para a definir (expressão que surge no século XVII, aliás antes da
própria noção do conceito de informação).8 Contudo, crescentemente verifica-se o uso da
expressão Sociedade do Conhecimento. A este propósito, Manuel Castells enaltece a Sociedade
em Rede, pois embora as redes sejam modos remotos de organização humana, as TIC e
sobretudo a Internet, possibilitaram que as redes se flexibilizassem, dinamizassem, adaptassem e
evoluíssem.9 Assim, perante esta Sociedade da Informação, a sua gradual evolução tecnológica e
a crise e os desafios das cidades contemporâneas (fragmentação, falta de identidade, crise nos
espaços públicos, etc.), as cidades sentiram necessidade de se complementarem com uma
plataforma digital. Desta forma, usufruindo das especificidades da Comunicação Mediada por
Computador (CMC), de todas as vantagens da Internet e das TIC e das potencialidades do
ciberespaço, desenvolveram o que muitos autores consideram ser um novo modo de
agrupamento humano: a cidade digital.
A expressão “cidade digital” foi pela primeira vez utilizada em 1994, quando a DDS (De
Degitale Stad – cidade digital) foi criada pela comunidade virtual de Amesterdão. Utilizando
uma metáfora citadina, a DDS combinava características de uma rede comunitária, uma World
Wide Web local e uma plataforma para as comunidades virtuais. Desde então, esta expressão
tem sido usada para ilustrar uma grande variedade de TICs locais, sistemas e projectos.10 Assim,
surge a premente necessidade de se definir uma tipologia de cidades digitais, de modo a
determinar especificamente qual é o tipo de cidades digitais que estudamos e a prevenir a
análise de diferentes modelos como homogéneos. Portanto, optamos pela tipologia de Aurigi e
Graham, que distinguem as cidades digitais enraizadas das não enraizadas. As primeiras estão
vinculadas a espaços urbanos definidos, sendo actualmente desenvolvidas por agências locais
com o objectivo de promover a qualidade de vida nas cidades físicas. As precedentes utilizam
8 Cfr. Armand Mattelart, The Information Society: An Introduction, Sage Publications, 2003.9 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 16.10 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 4.
13
uma interface familiar às cidades, mas não têm nenhuma ligação com qualquer cidade, região ou
município particular.11 Desta forma, o nosso objecto de estudo são as cidades digitais enraizadas
cívicas, ou seja, espaços electrónicos públicos que disponibilizam informação e serviços para os
seus cidadãos.
Neste sentido, a cidade digital é representada, numa aproximação simplificada, por um sítio
electrónico ou um conjunto de sítios electrónicos que reproduzem a cidade física on-line,
agrupando numa plataforma digital, a sua informação, os seus acontecimentos, as suas relações
institucionais, estatais e comunitárias e promovendo a interacção entre os diversos actores locais
(cidadãos, empresas, município, entidades e associações). Contudo, a definição destes projectos
é indubitavelmente mais complexa, pois com recurso às TICs, englobam a modernização
autárquica (alteração de práticas, rotinas e modos de procedimentos; aumento de eficiência e
eficácia; redução de custos e melhor serviço aos cidadãos); a dinamização e inovação regional;
as infra-estruturas e acessibilidades digitais; a formação e a mobilização para a nova Era.
Consequentemente, as cidades digitais têm-se destacado como um dos elementos chave na
promoção da Sociedade da Informação.12 No nosso país, o Programa Cidades e Regiões
Digitais, que conta já com vinte e sete projectos, integra-se actualmente no Programa
Operacional Sociedade do Conhecimento e na estratégia europeia, nomeadamente no i2010, de
acordo com as orientações da designada agenda de Lisboa.13
As cidades digitais têm como objectivos basilares promover uma melhor qualidade de vida, o
desenvolvimento social e económico regional, um melhor exercício da cidadania e uma profícua
integração das TIC.14 Aliás, o programa de acção Ligar Portugal do XVII Governo
Constitucional sublinha como uma das suas metas, “Criar uma oferta pública de Internet de
Cidadania, garantindo o acesso livre e gratuito a serviços públicos e de interesse público
disponibilizados pela Internet, os quais deverão abranger a totalidade dos serviços básicos até ao
final da legislatura” 15. Com efeito, como sublinha Luís Vidigal, “As tecnologias também podem
ser utilizadas para que os cidadãos possam autodeterminar-se no seu modo de viver, desafiando
o actual processo decisório das instituições públicas e demonstrando a necessidade dos actuais
11 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.12 Com efeito, o prémio editorial Sociedade da Informação atribuído em 2005 pela APDSI, Associação Portuguesa para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação, galardoa uma jornalista da revista Media XXI pelos seus artigos sobre as cidades digitais. www.apdsi.pt 13 Projecto Cidades e Regiões Digitais, http://www.cidadesdigitais.pt/ 14 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=9&Itemid=51 15 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.
14
sistemas legais e políticos serem re-inventados para uma nova era de cidadania activa”16. No
entanto, Aurigi e Graham alertam para o facto da maioria dos sítios cívicos corresponderem
simplesmente a bancos de dados urbanos e, como tal, a característica mais vulgar destas cidades
é um fluxo de informação unidireccional e uma gritante falta de promoção do debate político.17
Neste enquadramento, a nossa temática de investigação traduz-se na análise das cidades digitais
e no seu papel no reforço da cidadania, isto é, “Contribuirão as Cidades Digitais para o reforço
da cidadania?” Para efectivar esta pesquisa seleccionamos duas cidades digitais portuguesas, o
Gaia Global e o Aveiro Digital, sendo esta última uma região digital. Esta escolha assenta não
só no facto do Gaia Global ter uma grande notoriedade, inclusivamente ao nível da academia e
do Aveiro Digital ser indicado como um emblemático caso de sucesso, mas também, porque
evidenciam modelos e abordagens diferentes. Este estudo de caso permite-nos observar e
comparar as suas funções, serviços disponíveis e o seu impacto junto dos cidadãos que as
utilizam, tal como, demonstrar potencialidades e propor futuros caminhos e direcções.
Assim, com esta investigação pretendemos verificar se o projecto da nova urbanidade contribui
para a complementaridade da cidadania, facultando elementos essenciais para o seu exercício,
como a disponibilidade da informação e serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da
participação e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da
Informação. Ambicionamos, então, observar se estas cidades constituem plataformas de
interacção social que unem habitantes que partilham interesses e uma cultura semelhante e se
são facilitadoras e impulsionadoras da participação, discussão e intervenção pública. Portanto,
não só abordamos a relação entre o cidadão e o Estado, como a interligação dos cibernautas
entre si e com a vida comunitária. É ainda pertinente referir, que esta pesquisa possibilita-nos
verificar que ferramentas estas cidades dispõem ou aspiram obter para combater a info-exclusão.
A exclusão da rede torna-se num novo hiato, não só entre aqueles que utilizam a Internet e os
que não utilizam, mas entre aqueles que sabem tirar proveito dela e os que não sabem. A info-
inclusão é fundamental para a própria manutenção e futuro das cidades digitais e daí a
pertinência da sua introdução na nossa análise.
É capital frisar que as cidades digitais são temáticas recentes, cujos modelos de análise
evidenciam ainda pouca maturidade. De igual modo, embora o estudo da tecnologia seja
abundante, o estudo do seu impacto social encontra-se num estádio inicial. Portanto, pela 16 Luís Vidigal, A cidadania Activa e as Novas comunidades Virtuais: o papel das TIC no relacionamento entre o Estado e o Cidadão, http://luisvidigal.no.sapo.pt/Trabalhos/A_Cidadania_Activa/a_cidadania_activa.html, 17 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.
15
potencialidade das cidades digitais, uma abordagem social impõe-se como prioritária e frutífera
para o seu próprio desenvolvimento. Devido a este facto, consideramos ser crucial optar por
uma triangulação metodológica, ou seja, por um conjunto de técnicas de investigação que nos
permitam qualitativamente e quantitativamente aproximar da realidade social. Neste
seguimento, realizamos a observação dos portais seleccionados, verificando os seus conteúdos e
serviços e monitorizando a manutenção/modificação dos mesmos. Complementarmente,
optamos pela entrevista semi-estruturada aplicada a especialistas nacionais e internacionais e
por um inquérito on-line realizado aos utilizadores do Gaia Global (como é clarificado
precedentemente, por um conjunto de razões, como corresponder a uma diferente abordagem do
que poderá ser uma cidade digital, não o pudemos aplicar ao Aveiro Digital). Por fim,
socorremo-nos ainda da matriz de Ishida, uma inovadora proposta de análise, que permite
avaliar uma série de elementos inerentes às plataformas digitais e posteriormente compará-los.
Desta forma, enunciando a estrutura desta dissertação, iniciamos com uma aproximação
conceptual preliminar, que aborda conceitos directamente relacionados com o objecto de estudo,
contextualizando-o. Começando pela Internet, evidenciamos uma pequena descrição histórica;
análise dos estudos sociológicos efectuados; referência e definição de expressões relacionadas
com o novo meio; indicação de índices de utilização da rede no mundo e em Portugal e uma
observação de dados sobre a info-exclusão. Em seguida, definimos “Sociedade da Informação”
e outras terminologias, como “Sociedade do Conhecimento” e “Sociedade em Rede”, analisando
a sua evolução e complementando com a enumeração de iniciativas europeias e nacionais neste
âmbito. Decorrentemente, delimitamos e caracterizamos os conceitos “governo electrónico” e
“governo electrónico local”, descrevendo as políticas europeias e portuguesas para a
implementação e desenvolvimento da governação electrónica. Continuamente discutimos a
emergente concepção de comunidades virtuais. Em seguida, introduzimos o enquadramento
temático e conceptual principal que operacionaliza e desenvolve os conceitos chave desta
investigação, nomeadamente as cidades e regiões digitais (definições e tipologias) e a cidadania
(aproximação conceptual, análise histórica e referência à sua vertente digital ou virtual). É
pertinente salientar que, acreditando na imprescindível necessidade da ligação e simbiose entre a
teoria e prática, incluímos na aproximação conceptual das cidades digitais, dados recolhidos do
estudo empírico, ou seja, das entrevistas, concretamente as definições propostas pelos
especialistas inquiridos.
16
Subsequentemente, incluímos um enquadramento metodológico e teórico que descreve as
técnicas de investigação utilizadas e contributos teóricos que sustentam toda a pesquisa. Neste
último ponto, introduzimos a sociologia urbana que nos permite compreender melhor o
fenómeno urbano (onde abordamos os pressupostos teóricos deste ramo; a
multidimensionalidade das cidades; a cidade na Era da Informação; a crise das cidades
contemporâneas e as teorias que relacionam as TIC e as cidades, não esquecendo a exploração
do pensamento Castelliano, que aponta para uma nova forma de organização espacial da
sociedade, nomeadamente o espaço de fluxos e o espaço de locais, conceitos basilares desta
investigação.); a “SCOT”, “Social Construction of Technology”, um paradigma fundamental
para o entendimento da tecnologia como construção social e, por fim, a Cibersociologia ou
Sociologia da Internet, ramo da sociologia ainda em formulação, mas que assenta no estudo
social da Internet, onde indubitavelmente nos inserimos.
Após estes enquadramentos, expomos quatro paradigmas de cidades digitais internacionais,
American On-Line, DDS (Cidade digital de Amesterdão), Helsínquia Virtual e Quioto Digital,
demonstrando os emblemáticos estudos de caso, frutíferos para a delimitação de distintas
abordagens, lições, indicações e reflexões. Efectuamos ainda uma análise da experiência
portuguesa, abordando os sete projectos pioneiros e as actuais vinte e sete cidades e regiões
digitais nacionais. Finalizamos com a especificação de vantagens e limitações das cidades
digitais, assente nos elementos retirados das entrevistas efectuadas. Em seguida, passamos para
o estudo de caso múltiplo, analisando e comparando especificamente a cidade digital e a região
digital seleccionada. Posteriormente, apresentamos um capítulo que relaciona a cidadania com
as cidades digitais, inscrevendo os resultados das entrevistas semi-estruturadas realizadas e do
inquérito on-line.18 Por fim, a conclusão, reúne as análises sistematizadas produzidas ao longo
dos capítulos, avalia heuristicamente as nossas hipóteses de trabalho e pressupostos teóricos,
expõe os desafios que se colocam às cidades digitais (introduzindo as opiniões dos
entrevistados) e destaca possibilidades de investigação futura.
18 Pela espantosa e vertiginosa mutação e transformação ocorrida no ciberespaço, nomeadamente no que diz respeito, ao endereço/conteúdos de sítios electrónicos consultados e analisados, é essencial frisar que, o estudo empírico, isto é, o inquérito on-line foi colocado no portal do Gaia Global de 15 de Setembro a 15 de Outubro de 200; as entrevistas e a observação das duas plataformas digitais apresentados foram executados em 2005 e 2006 e a redacção desta dissertação foi finalizada a 10 de Setembro de 2006, pelo que todos os sites e dados/indicadores estatísticos referenciados se encontravam disponíveis e actualizados nesta data, dispensando assim, a nota de “consultados em”.
17
Resta, por fim, indicar que esta dissertação de mestrado em sociologia insere-se no âmbito de
uma investigação financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), mais
concretamente através da atribuição de uma bolsa de investigação em ciência e tecnologia.
I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL PRELIMINAR
As cidades digitais estão intrinsecamente relacionadas com um conjunto de conceitos,
nomeadamente Internet, Sociedade da Informação, Governo Electrónico e Comunidades
Virtuais. Desta forma, as cidades digitais têm que ser, de modo abrangente e integrado,
contextualizadas com o suporte destes elementos. Assim, nesta primeira parte, realizamos uma
aproximação a estes conceitos, que são subsequentemente subdesenvolvidos em pontos-chave.
Com efeito, não obscurecendo a multidimensionalidade e interdisciplinaridade dos conceitos
que se propõem a atribuir significado a uma determinada realidade, não poderíamos
simplesmente denominar este enquadramento de definição, ou seja, de delimitação exacta, mas
apenas de aproximação. Aliás, muitas das expressões e delimitações usadas não reúnem
consenso entre os diversos especialistas. De facto, a complexidade social só nos possibilita uma
aproximação conceptual. Como frisa José Adelino Maltez “Quem, através deste processo de
construtivismo conceptual, tem a sensação de domínio do mundo, talvez não repare que vai
operando no vazio da falta de vida, até porque a tentativa de definirmos todos os nossos termos
leva a uma infinita regressão de definições.”19
A. Internet1. Génese e Desenvolvimento da Internet
A Internet consiste numa rede global de redes interligadas. A FNC, Federal Networking
Council, publicou em Outubro de 1995, uma resolução que define o termo Internet:
"Internet" refers to the global information system that :
(i) is logically linked together by a globally unique address space based on the Internet
Protocol (IP) or its subsequent extensions/follow-ons;
(ii) is able to support communications using the Transmission Control
Protocol/Internet Protocol (TCP/IP) suite or its subsequent extensions/follow-ons, and/or
other IP-compatible protocols;
19 José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política, ISCSP, 2º edição, p. 24.18
(iii) provides, uses or makes accessible, either publicly or privately, high level services
layered on the communications and related infrastructure described herein.”20
Ao que parece a primeira descrição das interacções sociais que poderiam ocorrer através de
uma rede, encontra-se num conjunto de memorandos escritos por Joseph Licklider do MIT, em
Agosto de 1962, onde discutia o seu conceito de “rede galáctica”. O autor visionava um grupo
de computadores interligados globalmente, que permitiria a qualquer pessoa aceder a
informação e dados de qualquer parte do mundo. Com efeito, esta ideia é bastante semelhante ao
que é hoje a Internet. O nascimento e desenvolvimento da Internet estão inevitavelmente ligados
à DARPA21, (uma agência de projectos de investigação do Departamento de Defesa Norte-
Americano (DOD)), e mais precisamente à ARPANET. A DARPA foi criada em 1958, com o
intuito de gerir maioritariamente os recursos procedentes do meio académico, cuja finalidade era
obter superioridade tecnológica militar sobre a União Soviética (que acabara de lançar o
Sputnik).22 Por sua vez, a ARPANET era um programa de menor importância de um
departamento desta agência, o designado IPTO (Information Processing Techniques Office).23
Licklider foi o primeiro director deste departamento que se iniciou em Outubro de 1962. Na
DARPA convenceu os seus sucessores e o investigador do MIT (Lawrence Roberts) para a
importância do conceito de rede.24
Assim, em 1965, liga-se o computador TX-2 em Massachusetts com o Q-32 na Califórnia
socorrendo-se de uma linha telefónica de baixa velocidade. Foi então criada a primeira área de
rede de computadores. Os resultados desta experiência demonstraram que os computadores
trabalhavam bem juntos, uma vez que, corriam correctamente os programas, facultando o bom
acesso a ficheiros e a troca dados. Contudo, o sistema de circuitos mostrou-se inadequado para
efectivar este projecto. A partir de então, desenvolveu-se o conceito de rede de computadores,
criando vários nós entre diversas universidades.25 A ideia de uma rede de arquitectura aberta
conduziu a uma emblemática aplicação: o correio electrónico, mais conhecido por e-mail. Em
Março, Ray Tomlinson escreveu o básico software de envio e recepção de mensagens, 20 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml21 A “Advanced Research Projects Agency” (ARPA) mudou o seu nome para “Defense Advanced Research Projects Agency” (DARPA) em 1971, em 1993 voltou a designar-se ARPA e em 1996 mudou novamente para DARPA. Assim, para evitar incongruências referimo-nos sempre a DARPA, a denominação actual.22 Manuel Castells, Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 26.23 Ibidem. 24 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml25 Ibidem.
19
impulsionado pela necessidade dos intervenientes da ARPANET de um mecanismo de fácil
coordenação. Em Julho desse mesmo ano, Roberts alargou a sua funcionalidade criando o
primeiro programa utilitário de e-mail que incluía funções como listar, seleccionar e-mail,
enviar ficheiros, reencaminhar e responder às mensagens. Desde então, o correio electrónico
evidenciou-se como a maior aplicação da rede, proporcionando uma forma rápida e
revolucionária de comunicação mundial.26 Entretanto, com o êxito do sistema, inúmeras
aplicações, tecnologias e protocolos foram elaborados e melhorados para a constituição da
Internet, como a conhecemos hoje.
Uma das causas do exponencial crescimento da Internet prende-se com o facto de esta ter sido
gratuita e de acesso aberto aos seus documentos basilares, sobretudo, no que diz respeito, às
especificações dos protocolos. Efectivamente, o nascimento da Internet no seio de uma
comunidade científica universitária promoveu a tradição académica da livre/aberta publicação
de ideias e resultados.27 Com o desenvolvimento da world wide web e a linguagem HTML
(“Hypertext Mark-up Language”) o uso da Internet passou a ser também comercial, o que a
transformou num meio praticamente planetário.28 Na década de 90, a Internet já estava
privatizada e facultava a ligação em rede através de qualquer parte do mundo.29 A
comercialização da Internet envolveu não só o desenvolvimento de uma rede de serviços
privados e competitivos, como incluiu o desenvolvimento de produtos comerciais de
implementação da tecnologia. De facto, a gestão da rede fornece um claro exemplo da
interacção entre a comunidade científica e a comercial.30
Neste sentido, Manuel Castells sublinha que “A criação e o desenvolvimento da Internet é uma
extraordinária aventura humana”31. A revolução que patenteou a Internet é visível quando
verificamos que foi adoptada por mais de 30% dos norte-americanos em menos de sete anos,
enquanto foram necessários 13 anos para os computadores, 17 anos para os televisores e 38 anos
para os telefones.32 Em todo o mundo, contabilizam-se mais 1.043.104.886 de cibernautas,
número que se encontra em elevada ascensão.33 O novo meio de comunicação representa 26 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml27 Ibidem.28 Ibidem.29 Ibidem.30 Ibidem.31 Manuel Castells, A Galáxia Internet: Reflexões sobre a Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 25.32 José Rafael Nascimento, “Nova Economia, Novo Consumidor”, in Revista de Comunicação e Marketing, nº1, Dezembro de 2000, Lisboa, ISCEM, p. 4.33 http://www.internetworldstats.com/stats.htm
20
efectivamente uma revolução que se reflecte a vários níveis, nomeadamente social, cultural,
económico e político. Desde a sua existência, a Internet mudou notavelmente, sobretudo nestas
duas últimas décadas. Agrupou novas tecnologias, adaptou-se a diferentes necessidades e
integrou diversos serviços. Continua este processo de mutação, sendo agora conjugada com
computadores portáteis e outros meios de comunicação móvel, como computadores portáteis,
telemóveis, pagers, etc. que tornam possível um novo paradigma de TIC nómadas. Com efeito,
uma das grandes questões sobre o futuro da Internet prende-se não com a mudança da
tecnologia, mas com a gestão do processo de mutação e evolução. De facto, “If the Internet
stumbles, it will not be because we lack for technology, vision, or motivation. It will be because
we cannot set a direction and march collectively into the future”34.
2. Ciberespaço e Realidade Virtual: Novas Dimensões de Tempo e Espaço
Com a Internet, novos conceitos emergem e as recorrentes noções sofrem mutações. Embora
fosse usual distinguir “tecnologias de informação” de “tecnologias de comunicação”, a
incorporação multimédia de quase todas as tecnologias de comunicação via computador tornou
esta diferença redundante. Assim, a recente terminologia de ciberespaço refere-se a ambos os
desenvolvimentos.35
O termo “ciberespaço” implica uma virtualização da realidade, uma designada migração do
mundo real para um espaço de interacções virtuais. É neste espaço que podemos observar uma
constante produção e reprodução das relações sociais espaciais. Estas relações no ciberespaço,
embora virtual, tendem a ter influência e, por vezes, a tornar-se concreta no mundo “real”. De
facto, o ciberespaço ultrapassa todos os paradigmas de representação da realidade. O território é
agora caracterizado pela subjectividade, porque os utilizadores da Internet estão inclinados a
simular neste espaço virtual, o que aprenderam na “objectiva” realidade do mundo. É crucial
especificar que o princípio da dimensão territorial do ciberespaço está associado à simbologia
global dos cibernautas. Por exemplo, quando pesquisamos na Internet algo sobre Lisboa,
encontramos um conjunto de sites que nos fornecem uma ideia representativa da cidade. O
utilizador terá ou experimentará a sensação de lá estar, mesmo sabendo que fisicamente está
noutro sítio.36
34 Barry Leiner (Research Institute for Advanced Computer Science) et al. A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml35 Gordon Marshall, Oxford Dictionary of Sociology, Oxford University Press, 1998, pp. 139-140. 36 Michéle Silva, A Territorialidade do Ciberespaço, Universidade Federal Fluminense, Niterói.
21
O interessante artigo de David Jacobson “On Theorizing Presence” aborda a temática da
presença no âmbito on-line. De acordo com Lombard e Ditton, citados pelo autor em questão, a
presença neste enquadramento corresponde à experiência de ser envolvido em representações do
mundo virtual. A maioria da pesquisa nesta área centra-se nas tecnologias que usam uma
variedade de inputs sensoriais para criar uma simulação do ambiente real, uma realidade virtual
que imite as percepções de um mundo físico. Num contexto de mundos virtuais baseados no
texto, como os Chats, IRCs, MUDs e MOOs (salas de conversação, fóruns, etc.) a presença é
geralmente descrita como um sentimento de se estar circundado pelas representações do texto,
ou seja, de ser envolvido, absorvido e cingido. Esta teorização da presença passa por uma
revisão de toda a literatura e leva David Jacobson a concluir que embora este objecto de estudo
possa ser encontrado em diferentes disciplinas, a convergência é pouco notada e daí as
debilidades das investigações e teorias.37
O termo “realidade virtual” é entendido como um sinónimo de ciberespaço, embora possa
abraçar diferentes variantes. Como sublinha Luís Borges Gouveia, a definição possível é
apresentada por Aukstakalnis e Blatner, ou seja, “A realidade virtual é uma forma dos seres
humanos visualizarem, manipularem e interagirem com computadores e dados extremamente
complexos”38. Existem, efectivamente, outras expressões para designar realidade virtual,
nomeadamente ciberespaço, realidade artificial, ambiente sintético, tecnologia de simulação,
realidade aumentada e realidade projectada.39
Na Sociedade da Informação, os conceitos “espaço” e “tempo” enfrentam uma nova dimensão.
De facto, estes são dois elementos centrais que sofrem grande transformação, quando
comparados com a sua percepção tradicional. A perspectiva mais confortável para o indivíduo
que tem que lidar com o excesso de informação é precisamente a reinvenção do espaço e do
tempo. Esta oportunidade é criada pelo design e concepção das novas cidades com um alter-ego
digital, urbanizado e definido para apoiar a interacção entre cidadãos, e entre estes e as
instituições. A cidade digital pode fornecer um novo espaço e tempo, num sentido
complementar.40 Além disto, o glocal, isto é, a mistura do global com o local, parece ser cada
vez mais uma premente realidade. Contudo, é essencial introduzir o paradoxo digital que se
baseia em premissas digitais, mais concretamente, a independência de território, a reutilização
37 Vide David Jacobson, “On Theorizing Presence”, http://www.brandeis.edu/pubs/jove/HTML/V6/presence.HTML38 Luís Borges Gouveia, “Realidade Virtual: novos mundos ou mundos alternativos”, CEREM, UFP, 1996.39 Idem. 40Luís Borges Gouveia, “Agregar o digital, o virtual e o real: reinventar o espaço e o tempo”, ExperimentaDesign, Bienal de Lisboa, 2003.
22
independente de uma área, a reinvenção e proximidade do espaço, a redefinição das distâncias e
a maior proximidade entre pessoas e serviços. Todavia, as pessoas estão associadas e localizadas
num território, vivem e trabalham em espaços tradicionalmente definidos e estáveis. Desta
forma, é fundamental agregar o virtual, o real e o digital, porque somente juntos poderão
alcançar uma maior potencialidade para satisfazer as necessidades dos cidadãos.41
O conceito ciberespaço conduz-nos ao termo “cibersociedade”, que consiste “in the mesh (space
or virtual reality) of electronically based communications created by the world-wide network of
computers users”42. De facto, a interacção social mediada por computadores tornou-se
proeminente na vida quotidiana. As implicações deste fenómeno são ainda controversas entre os
sociólogos e outros especialistas. Curiosamente, um dos mais provocativos argumentos acerca
das possíveis características de uma cibersociedade encontra-se na obra de “The Naked Sun”
escrita pelo prolífico autor de ficção científica Isaac Asimov e publicada, pela primeira vez, em
1956. A história descreve um mundo distante, onde as pessoas se vêm remotamente, via
“imagens tridimensionais” e onde o contacto físico é raro. Nesta novela as pessoas na terra, por
contraste, vivem debaixo do solo, em sobrepovoadas caves de aço, sofrendo de uma espécie de
agora fobia e medo do ar. Evidencia uma relevante linha de especulação acerca do papel dos
sociólogos nesta e noutras sociedades consideradas “anormais” e uma frase imortal, em resposta
à necessidade de se enviar um representante da terra a outros planetas para salvar a espécie
humana, ou seja, que o mais acertado é as autoridades enviarem um sociólogo.43
3. Comunicação Mediada por Computador (CMC)
A comunicação on-line assenta na CMC, isto é, na Comunicação Mediada por Computador, que
engloba redes de informação, o correio electrónico (e-mail), newsgroups, fóruns e salas de
conversação (relay chat lines e Multiple User Dugeons). A CMC existe desde 1969, quando a
criação da ARPANET produziu benefícios inesperados relativamente ao correio electrónico.
Efectivamente, mesmo aqueles que ajudaram a desenvolver a tecnologia não tinham a noção que
a comunicação seria o seu mais importante legado. Neste âmbito, D. Beckers salienta que a
CMC pode ter maiores consequências que o telefone e a televisão nas relações sociais e
culturais. Isto, na medida em que, possui características específicas, nomeadamente a notável
facilidade e capacidade de gerar e distribuir informação e dados e a ilimitação ao texto, pois
41 Luís Borges Gouveia, “O digital, a logística e o território”, Universidade de Aveiro, 2004. 42 Marshall, op. cit., p. 139. 43 Ibidem.
23
pode também transportar imagens, áudio e vídeo. É também o primeiro meio “muitos-para-
muitos” e pode ser usado sincrónica ou assincronamente.44
Com efeito, Strangelove frisava em 1994, “The Internet is not about technology, it is not about
information, it is about communication-people talking with each other, people exchanging e-
mail, people doing the low ASCII dance. The Internet is mass participation in fully bi-
directional, uncensored mass communication. Communication is the basis, the foundation... The
Internet is a community of chronic communicators”45. De facto, a temática da comunicação,
interacção e relacionamento via CMC tem vindo a ser explorada por vários investigadores. A
este propósito, Jill Smolowe reitera que a grande maioria dos indivíduos que navega e comunica
na Internet procuram interacção social e não apenas informação estéril. Demonstra ainda que
80% dos cibernautas pretende estabelecer contactos, pontos comuns, companheirismo e
comunidade. Por sua vez, Parks and Floyd observaram que as relações pessoais conduzidas por
CMC são comuns em mais de 60% dos indivíduos da sua amostra. Estes cibernautas reportaram
que estabeleceram uma “relação pessoal” com alguém que contactaram inicialmente através de
um “Usenet newsgroup”.46 Contudo, este objecto de estudo originou duas linhas opostas, os
cépticos e os entusiastas, deixando pouco espaço para os resultados moderados e mistos. Como
conclui Britney Chenault “The "virtual community" is not a mythic land of milk and honey, but
neither is it any more dangerous, hostile, or unwelcoming than "real life"”47.
Na revisão da literatura e análise do estado de arte deste tema, Michel Metz evidencia que a falta
de uma teoria concreta relativa à pesquisa sobre a CMC torna difícil elaborar questões de
pesquisa prospectivas, na medida em que, o que foi estudado tem reduzida ou nenhuma
continuidade. Reitera, no entanto, que isto poderá dever-se ao facto de todas as outras teorias
suportarem diferentes modelos de comunicação. Salienta que, desde 1970, os investigadores a
usam como uma ferramenta para verificar a sua efectividade dentro de contextos
organizacionais, interpessoais e dos meios de comunicação de massa. Desta forma, segundo o
autor supracitado, se os estudos futuros examinarem a CMC não como parte de um amplo
enquadramento teórico (como por exemplo na investigação sobre a comunicação
44 D. Beckers, “Research on Virtual Communities: an empirical approach”, Universidade de Amesterdão, http://www.swi.psy.uva.nl/usr/beckers/publications/seattle.html 45 Strangelove, “The Internet, electric gaia and the rise of the uncensored self”, Computer-Mediated Communication Magazine,1, 1994, http://sunsite.unc.edu/cmc/mag/1994/sep/self.html 46 Brittney Chenault, Developing Personal and Emotional Relationships Via CMC, http://socserv2.mcmaster.ca/soc/courses/soc4jj3_99/soc4jj3_99.htm47 Idem.
24
organizacional), mas no seu próprio contexto, um grande passo será dado na abordagem da
CMC.48
4. Impacto Social da Internet
Durante os últimos anos, a Internet tem sido objecto de estudo de um crescente número de
investigações, que evidenciam maioritariamente uma visão utópica ou distópica dos seus efeitos
e respectivo impacto social. Para superar esta dualidade, Katz e Rice iniciaram, em 1995, o
paradigmático “Syntopia Project”, uma pesquisa nacional norte-americana baseada num
representativo inquérito telefónico sobre o uso/não uso da Internet e os seus efeitos sociais,
aplicado em 1995, 1996, 1997 e 2000. Os grandes temas introduzidos nos questionários diziam
respeito ao acesso, envolvimento político/comunitário e interacção social.49
Esta investigação parece ter sido a primeira a utilizar inquéritos nacionais aleatórios por telefone
para monitorizar aspectos sociais e comunitários do uso da Internet; a comparar utilizadores e
não utilizadores; a identificar e analisar os utilizadores de Internet que desistiram de a aceder e a
reconhecer e observar aqueles que ainda não têm conhecimento/noção da Internet, distinguindo-
os daqueles que já tem conhecimento da Internet, mas não a utilizam.50
O termo que denomina o projecto foi escolhido cuidadosamente, uma vez que, junta as palavras
“syn” e “utopia”. Etimologicamente, oriundas do grego antigo, significam literalmente “espaço
junto”, que corresponde a um modo de ver a Internet e as associadas TIC, tal como, a sua
interacção com relações interpessoais e comunitárias. Desta forma, “syntopia” invoca a visão
utópica (“utopian”) e distópica (“dystopian”) do que a Internet faz e pode constituir.
Simultaneamente, o conceito aproxima estas duas perspectivas, aludindo ao lado negativo da
Internet, com o homófono “sin” (pecado). Outras ligações nominais são “synthetic” e
“syntheses”, conceitos apropriadamente evocativos do projecto.51
A Internet é um espaço para as pessoas interagirem, se expressarem e encontrarem amigos.
Antagonicamente é também um espaço onde as pessoas procuram enganar e explorar.
48 Michel Metz, Computer-Mediated Communication: Literature Review of a New Context, http://socserv2.mcmaster.ca/soc/courses/stpp4C03/stpp4C03_99.htm49 Katz e Rice, “Project Syntopia: Social Consequences of Internet Use”, IT&Society, volume 1, issue 1, Verão 2000, p. 166. 50 Idem, p. 168. 51 Idem, p. 169.
25
Efectivamente, a dualidade humana está sempre presente em qualquer contexto. A investigação
pretendia verificar o que estas actividades significam num âmbito de assuntos que vão do acesso
a recursos de informação, a capital humano, a envolvimento social e comunitário, a formação de
amizades e formas de expressão on-line. Aliás, “syntopian technologies are plastic, in that they
can be employed for help or harm, information or disinformation, as the persons participating
in the communication see fit”52.
No que concerne os resultados deste estudo, importa frisar que os relatórios iniciais, publicados
em 1997, patenteavam que a Internet não aumentava o isolamento social. Pelo contrário, era
uma fonte de envolvimento cívico e organizacional e formação de novas amizades. Os
utilizadores de Internet evidenciavam, significativamente, uma maior probabilidade de
pertencer, pelo menos, a uma associação e organização comunitária, do que os não utilizadores.
Este facto foi observado quer em 1995 (41% versus 37%), quer em 2000 (28% versus 15%). Em
1996, a pesquisa identificou quatro dimensões de actividade política off-line, nomeadamente:
1. Actividades políticas, tais como assistir a congressos, realizar telefonemas pelos candidatos e
contribuir monetariamente para causas políticas;
2. Leitura e a importância de jornais e revistas;
3. Importância de programas e entrevistas televisivas na campanha de 1996;
4. Votação na Campanha de 1996.
Todas estas premissas eram consideravelmente mais observáveis nos utilizadores de Internet, do
que nos não utilizadores. Não foram verificadas diferenças na actividade política entre grandes e
menores utilizadores e entre utilizadores a longo prazo e curto prazo. Foram ainda introduzidas
duas formas de actividade política on-line: navegação (browsing) e interacção. A navegação era
uma composição das leituras de “bulletin boards/discussion groups”; visitas de sítios com
informação política; seguimento da campanha e eleição pela leitura de notícias on-line;
seguimento da cobertura eleitoral pelo computador e a pesquisa de informação pelo computador
depois da eleição. Na amostra dos utilizadores de Internet, 46% participavam em pelo menos um
destes tópicos.53 A Interacção consistia em participação em discussões electrónicas com outras
pessoas acerca da eleição; recepção de e-mails acerca da campanha/eleição; envio/recepção de
e-mails de/para oficiais governamentais e envio de mensagens electrónicas para outros
abordando assuntos sobre a campanha/eleição. Na amostra de 1996, 28% dos utilizadores de
52 Ibidem.53 Idem, pp. 171-172.
26
Internet participaram, em pelo menos, uma das quatro actividades políticas on-line
mencionadas.54
Relativamente à interacção social e novas formas de expressão, a maioria das questões do
projecto sobre a interacção social originaram-se no inquérito de 1995, começando pela
exploração da extensão dos inquiridos que se encontraram com os amigos. Os resultados
comprovaram que os indivíduos que utilizavam a Internet à mais tempo foram os que mais se
encontraram (quatro ou mais vezes) na semana anterior ao inquérito com os amigos. Aqueles
que nem sequer tinham conhecimento da Internet eram também os que, pelo menos, se
encontravam com os amigos quatro ou mais vezes por semana. Desta forma, o uso a longo
termo da Internet parece estar claramente associado a uma maior e frequente sociabilidade. Foi
ainda perguntado aos participantes da amostra quantas das dez pessoas que habitavam ao redor
das suas casas eles conheciam. Concluiu-se que os utilizadores de Internet de longo prazo e os
mais recentes usuários são os que mais se encontram com os amigos, mas também os que mais
tendencialmente estão longe de casa e os que conhecem menos vizinhos.55
Quanto a outros indicadores de actividade social e doméstica, em 1995, os utilizadores
trabalhavam mais a tempo inteiro do que os não utilizadores (70% versus 54%), ou eram
estudantes (14% versus 6%) e viviam há menos anos na sua residência (6.4 anos versus 10.5
anos). As mesmas diferenças existiam em 1996, à excepção de que os utilizadores de Internet
tendiam a possuir mais a casa que habitavam. Em 2000, os usuários eram os que tinham mais
tendencialmente filhos, trabalhavam a tempo inteiro, ou eram estudantes e viviam há menos
tempo na sua casa. 56
Por fim, as conclusões do projecto não apoiam, na sua maioria, os argumentos acerca dos efeitos
negativos ou paradoxais da Internet, sobretudo no que diz respeito ao envolvimento político e
comunitário e a interacção social. É pertinente frisar que embora se evidencie que o novo meio
parece beneficiar substancialmente a sociedade, não se conclui que não existam efeitos
negativos do uso da Internet. No entanto, a utilização da Internet está associada a um aumento
do envolvimento político e comunitário e a um significativo acréscimo das interacções sociais
on-line e off-line.57
54 Ibidem.55 Idem, p. 17356 Idem, pp. 173-17457 Idem, p. 174.
27
Deste modo, a Internet emerge como um importante e multiplicativo recurso capital e social da
sociedade norte-americana. Aliás, de acordo com os autores, a Internet está a contribuir para
expandir um mundo “syntopian”, onde as pessoas interagem segundo os seus interesses, com
vários meios de comunicação e com diversos intuitos. De facto, os autores frisam que a Internet,
como qualquer outra forma de comunicação pode ser excepcionalmente útil ou perigosa,
dependendo de quem a usa ou de como é utilizada. Portanto, quanto às consequências sociais da
Internet, os resultados revelam que nem a perspectiva utópica, nem a distópica são suportadas
pelos dados da pesquisa. Com efeito, “the results support a more syntopian perspective: the
Internet has allowed individuals and groups to find common interests, engage in various types
of exchange and create bonds of concern, support and affection that can unite them—for both
good and ill”58.
Efectivamente, diversos autores reiteram que a Internet (considerando o seu uso para
comunicar) poderá ter efeitos sociais positivos importantes nos indivíduos59, grupos,
organizações60, comunidades61 e na sociedade em geral.62 O acesso social generalizado poderia
aumentar o envolvimento social das pessoas, tal como, alcançou o telefone. Poderia ainda
facilitar a formação de novas relações; a identidade social; o compromisso entre indivíduos mais
isolados; a participação em grupos e organizações distantes ou de membros marginais e a
mobilização política. No entanto, quer a Internet tenha impacto social negativo ou positivo, pode
depender da qualidade das actividades on-line e no que os indivíduos preterem pela Internet.
Globalmente, fortes laços sociais conduzem a melhores resultados sociais, que os laços mais
fracos.63
Contudo, muitos investigadores demonstraram grande preocupação com o facto da comunicação
via Internet poder encorajar as pessoas a despender mais tempo sozinhas, falando on-line com
estranhos ou facilitar a formação de relações superficiais, em detrimento dos relacionamentos
face a face com amigos e família.64 As numerosas investigações não conduziram ainda a um
58 Idem, p. 166.59 Katz e Aspden, “A Nation of Strangers?”, Communications of the ACM, 40(12), 1997, pp. 81-8660 Sproull e Kiesler, Connections: New Ways of Working in the Networked Organizations, MIT Press, Cambridge, 1991.61 Hampton e Wellman, “Net Effects: Social Support, Social Capital and Internet Use in the Wired Suburb and Beyond”, Conferência Anual da American Sociological Association, Washington D.C., 2000.62 Dertouzos, What Will Be: How the New World of Information Will Change Our Lives, Harper Edge, São Francisco, 1997.63 Sara Kiesler et al, “Internet Evolution and Social Impact”, IT&SOCIETY, VOLUME 1, ISSUE 1, Verão 2002, pp. 120-134, http://www.ITandSociety.org 64 Putnam, Bowling Alone, Simon and Schuster, Nova York, 2000.
28
consenso, quanto à natureza da interacção social on-line ou dos seus efeitos no envolvimento
social e no bem-estar pessoal. Um dos obstáculos basilares para esta falta de concordância, está
directamente relacionada com a questão da aplicação do estudo a diferentes amostras em
distintos anos, o que efectivamente, torna difícil encontrar tendências e analisar a sua evolução.
Uma outra emblemática investigação aborda os resultados das primeiras publicações da
HomeNet, que concluíram pequenos, mas consistentes efeitos negativos no uso da Internet,
considerando medidas de envolvimento social e bem-estar psicológico entre novos utilizadores
de Internet numa amostra de famílias de Pittsburgh em 1995-1996. Este estudo examinou dados
de 208 membros de 93 famílias de Pittsburgh, para quem um computador e acesso à Internet
foram disponibilizados em 1995 ou em 1996. As famílias foram recrutadas através de programas
de jornalismo de quatro escolas secundárias e de quatro organizações de desenvolvimento
comunitário de oito bairros de Pittsburgh. A amostra era demograficamente mais diversa do que
os utilizadores de Internet na época. Os efeitos indicados eram entendidos como paradoxais, na
medida em que, os membros desta amostra usavam a Internet sobretudo para comunicar, o que
classicamente tem efeitos positivos no bem-estar dos indivíduos. Contudo, numa replicação, três
anos após o estudo original (Fevereiro de 1998), que seguiu a mesma amostra, concluiu-se que
os efeitos negativos apontados, já não eram observáveis, à excepção da associação da Internet a
um acréscimo de stress.65
Ainda neste enquadramento, seguindo o design do estudo anterior, foi realizado uma nova
pesquisa longitudinal (1998-1999), que analisava um painel de novos compradores de televisão
e computadores que utilizavam a Internet como meio de comunicação e informação. Neste
estudo, a maioria do uso da Internet estava associada a resultados positivos, obtidos num
conjunto de variáveis dependentes que mediam o envolvimento social e o bem-estar
psicológico, nomeadamente, círculo social local e distante; comunicação face a face;
envolvimento comunitário; confiança nas pessoas; afecto positivo e capacidades informáticas.
Por outro lado, os grandes utilizadores de Internet, designados “heavier users”, estavam ainda
relacionados com um maior stress, menor conhecimento local e um menor desejo de ficar na
área local. De modo global ter mais recursos sociais, amplifica os benefícios do uso da
Internet.66
65 Sarah Kiesler, op. Cit., pp. 120-134.66 Ibidem.
29
Encontram-se diversas dissemelhanças entre a amostra original HomeNet e a elaborada para esta
segunda investigação. Por exemplo, a amostra original incluía uma grande proporção de
adolescentes, mas uma minoria de agregados familiares e de iniciados no mundo da informática
e da Internet. Assim, estas diferenças impossibilitam comparações directas entre os dois estudos.
Todavia, as semelhanças dos resultados alcançados com a replicação do estudo original e os
dados obtidos com esta pesquisa sugerem que as mudanças no ambiente da Internet podem ser
mais relevantes para compreender os efeitos verificados, do que propriamente as divergências
entre as duas amostras.67
Desta forma, de 1995 a 1998, o número de norte-americanos com acesso à Internet a partir de
casa quadruplicou. Como consequência da vasta expansão dos subscritores dos serviços de
Internet, muitos mais participantes adquiriram acesso doméstico. Igualmente, os serviços
disponíveis on-line modificaram-se ao longo deste período. Com efeito, serviços informativos,
financeiros, de saúde, de lazer, de trabalho, de consumo e novos modos de comunicação
sincrónica, como mensagens instantâneas e compras on-line tornaram-se largamente
disponíveis. Assim, estas alterações podem ter promovido uma melhor integração do
comportamento on-line dos inquiridos e da utilização da Internet nas suas vidas. Os indivíduos
que mais utilizavam a Internet na nova amostra, demonstravam tendência para usar
conjuntamente os serviços de comunicação e informação.68
As conclusões evidenciam ainda, que a Internet está a tornar-se mais fácil e acessível para o
indivíduo médio, concretamente incorporando-se na sua vida pessoal, laboral, familiar e
comunitária. Aliás, os dados comprovam que os extrovertidos e aqueles que possuem uma
sólida rede de suporte social beneficiam do uso da Internet. De facto, a Internet pode favorecer
os indivíduos, na medida em que, pode influenciar as suas oportunidades para melhorar as suas
vidas diárias. Aqueles que já usam eficazmente os seus recursos sociais e informativos, atestam
claramente uma predisposição para estarem bem posicionados e beneficiarem desta nova
poderosa tecnologia que é a Internet.69
No entanto, como referido anteriormente vários estudos apresentam premissas concludentes
díspares. O “Internet and Society: a Preliminary Report” anuncia um estudo que se socorre de
dados de uma amostra aleatória nacional de adultos norte-americanos. A investigação baseia-se
numa nova metodologia desenvolvida pela Knowledge Network para conduzir inquéritos on-
67 Ibidem.68 Ibidem.69 Ibidem.
30
line. Contrariamente aos inquéritos de utilizadores de Internet ou de lares, que segundo os
autores, sofrem distorções amostrais e limitam a generalização dos resultados, esta nova
abordagem assenta num painel de lares, recrutados como uma amostra aleatória por telefone,
genuína da população norte-americana. De forma a utilizar a Internet para uma eficiente recolha
de dados multi-canal, cada lar da amostra (com ou sem anterior ligação à Internet) é equipado
com uma WebTV, com acesso gratuito à Internet e a contas de correio electrónico. Os dados
foram recolhidos em Dezembro de 1999, a partir de uma amostra aleatória nacional de 4113
indivíduos em 26989 painéis de lares, como base para o programa de investigação contínuo. Os
questionários foram completados independentemente por cada membro de cada lar, utilizando
os comandos da sua televisão e da WebTV para responder às questões que apareciam no ecrã. 70
As conclusões demonstraram que, quanto mais tempo as pessoas despendem a utilizar Internet,
mais perdem contacto com o seu ambiente social. Este efeito é observável até quando é apenas
despendido duas a cinco horas por semana e aumenta substancialmente para aqueles que passam
mais de dez horas on-line. Para a maioria dos participantes, a Internet é uma actividade
individual. Ao contrário da televisão, que pode ser considerada como barulho de fundo, a
Internet requer um maior envolvimento e atenção.71
No seu ensaio crítico, Dominique Wolton sublinha que o sucesso das novas tecnologias se
baseiam em três conceitos essenciais, a autonomia, o domínio e a rapidez, e como tal, “A web
torna-se a figura de utopia de uma sociedade onde os homens são livres, capazes de se
emancipar por eles mesmos”72. De um modo global, Wolton demonstra que a tecnicidade não é
sinónimo de uma melhor comunicação e que a comunicação electrónica não suprime a
necessidade do homem de comunicação directa. Enuncia ainda que as tecnologias não podem
ser particularizadas, pois possuem uma história remota, fruto de constantes evoluções. Alerta
também para a alienação, a escravidão do “estar em rede”73.
5. Dados Mundiais de Utilização da Internet
De forma bastante sucinta e apenas com o intuito de mostrar um panorama global sobre esta
temática, introduzimos alguns dados mundiais de utilização da Internet. Segundo a consultora
comScore Networks, num relatório disponível em Maio de 2006, a Internet conta com 694
70 Norman Nie et al, “Internet and Society: A Preliminary Report”, IT&SOCIETY, Volume 1, Issue 1, Verão 2002, pp. 275-283, http://www.ITandSociety.org. 71 Idem. 72 Dominique Wolton, E depois da Internet?, Editora Difel, 2000, pp. 77-78.73 Ibidem.
31
milhões de utilizadores anuais com mais de quinze anos. Assim, 14% da população mundial que
se encontra nesta faixa etária utilizam a Internet. De qualquer forma, a grande maioria dos
utilizadores, cerca de 152 milhões, continuam a ser os norte-americanos, sendo actualmente um
quarto dos internautas mundiais (enquanto no início da Internet eram 70%). O estudo salienta a
China, o Japão e a Coreia do Sul que ocupam a segunda, terceira e quinta posição no ranking
elaborado. Em média, os internautas passaram 31,3 horas em linha, sendo os israelitas os que
mais tempo estão on-line, gastando em média 57,5 horas. Os utilizadores portugueses estão no
nono lugar, na medida em que, cada utilizador único está em média por mês 39,8 horas no
ciberespaço.74
A Internet World Statistics actualiza com grande regularidade os dados mundiais sobre a
utilização da Internet, dispondo esta informação por continentes. O quadro apresentado
corresponde à actualização de 30 de Junho de 2006, sendo os dados recolhidos da
Nielsen/NetRatings e da International Telecommunication Union. Assim, nesta data
contabilizaram-se 1.043.104.886 utilizadores, apresentando dados relativamente diferentes dos
apontados pela consultora citada anteriormente, nomeadamente quanto ao número de
utilizadores norte-americanos, que obtêm uma penetração de 68.6%. A Oceânia, Meio Oriente e
África demonstram os valores mais baixos de utilização da Internet, embora o Meio Oriente e
África evidenciem o maior crescimento na utilização da Internet entre 2000 e 2005, 454.2% e
423.9% respectivamente. No que concerne o ranking dos 20 países com o maior número de
utilizadores, a última actualização data de Março de 2006. No topo encontra-se os Estados
Unidos da América, China e Japão.75
74 comScore Networks, Internet Report, www.comscorenetworks.com 75 Internet World Stats, http://www.internetworldstats.com
32
Quadro 1Utilização Mundial da Internet e Estatísticas da População por Continentes
World Regions Population( 2006 Est.)
Population% of World
Internet Usage,Latest Data
% Population( Penetration )
Usage% of
World
Usage Growth
2000-2005
Africa 915,210,928 14.1 % 23,649,000 2.6 % 2.3 % 423.9 %
Asia 3,667,774,066 56.4 % 380,400,713 10.4 % 36.5 % 232.8 %
Europe 807,289,020 12.4 % 294,101,844 36.4 % 28.2 % 179.8 %
Middle East 190,084,161 2.9 % 18,203,500 9.6 % 1.7 % 454.2 %
North America 331,473,276 5.1 % 227,470,713 68.6 % 21.8 % 110.4 %
Latin America 553,908,632 8.5 % 79,962,809 14.7 % 7.8 % 350.5 %
Oceania 33,956,977 0.5 % 17,872,707 52.6 % 1.7 % 134.6 %
WORLD TOTAL 6,499,697,060 100.0 % 1,043,104,886 16.0 % 100.0 % 189.0 %
Fonte: http://www.internetworldstats.com/stats.htm
Quadro 2 – Top 20 Países
# Country or Region Internet Users,Latest Data
InternetPenetration
Source and Dateof Latest Data
% Usersof World
1 United States 205,326,680 68.6 % Nielsen//NR Jan/06 20.1 %
2 China 111,000,000 8.5 % CNNIC Dec/05 10.9 %
3 Japan 86,300,000 67.2 % eTForecasts Dec/05 8.4 %
4 India 50,600,000 4.5 % C.I.Almanac Mar/05 5.0 %
5 Germany 48,721,997 59.0 % Nielsen//NR Jan/06 4.8 %
6 United Kingdom 37,800,000 62.9 % ITU Oct/05 3.7 %
7 Korea (South) 33,900,000 67.0 % eTForecast Dec/05 3.3 %
8 Italy 28,870,000 48.8 % ITU Sept./05 2.8 %
33
9 France 26,214,173 43.0 % Nielsen//NR Jan/06 2.6 %
10 Brazil 25,900,000 14.1 % eTForcasts Dec/05 2.5 %
11 Russia 23,700,000 16.5 % eTForcasts Dec/05 2.3 %
12 Canada 21,900,000 67.9 % eTForcasts Dec/05 2.2 %
13 Indonesia 18,000,000 8.1 % eTForcasts Dec/05 1.8 %
14 Spain 17,142,198 38.7 % Nielsen//NR Jan/06 1.7 %
15 Mexico 16,995,400 16.2 % AMIPCI Nov/05 1.7 %
16 Australia 14,189,557 68.4 % Nielsen//NR Jan/06 1.4 %
17 Taiwan 13,800,000 60.3 % C.I.Almanac Mar/05 1.4 %
18 Netherlands 10,806,328 65.9 % Nielsen//NR June/04 1.1 %
19 Poland 10,600,000 27.8 % C.I.Almanac Mar./05 1.0 %
20 Turkey 10,220,000 13.7 % ITU Sept./05 1.0 %
TOP 20 Countries 811,986,333 20.0 % IWS - Mar.31/06 79.4 %
Fonte: http://www.internetworldstats.com/top20.htm
6. Dados Nacionais de Utilização da Internet e Índices de Mobilização para a Sociedade da
Informação
A iniciativa Ligar Portugal, um dos vectores estratégicos do “Plano Tecnológico” do XVII
Governo, reúne um completo conjunto de dados sobre o acesso à Internet em Portugal,
englobando informação de diferentes estudos e diversas entidades. Deste modo, a análise desta
temática, num contexto internacional, é realizada através do índice Network Readiness do World
Economic Forum que é elaborado em função do nível de riqueza de vários países. Como
demonstra o gráfico seguinte, Portugal possui valores superiores aos da Grécia e Itália e
ligeiramente inferiores aos da Espanha, contudo, ainda evidencia uma frágil capacidade de
penetração da Sociedade de Informação comparativamente aos países mais desenvolvidos da
Europa.76
76 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.
34
Gráfico 1 – Índice de Network Readiness e PIB em 2004
Fonte: OCDE, World Economic Fórum, 2004
No que diz respeito à ligação à Internet em banda larga, no final de 2004, Portugal alcançava
uma taxa de cerca de 8,2% no acesso de banda larga per capita, com 4,2% através de
tecnologias cabo e 4,0% através de ligações ADSL. Com efeito, embora a penetração de acesso
por cabo esteja ao nível da média dos países da OCDE, a penetração de acesso por ADSL é
significativamente inferior à respectiva média. No entanto, é pertinente frisar que dos países da
UE15 com uma penetração de banda larga inferior a 10% no final de 2004, Portugal é o único
em que a penetração de acessos de banda estreita, ou seja, via linha telefónica normal regrediu
de 2003 para 2004. Segundo os dados da ANACOM/ICP, no final do segundo trimestre de
2006, existiam cerca de 1,538 milhões de clientes do serviço de acesso à Internet em Portugal, o
que representa um crescimento de cerca de 1,4 por cento face ao trimestre anterior e uma subida
16,4 por cento face ao 2º trimestre de 2005. O número de clientes de banda larga atingiu os
1,331 milhões, mais 58 mil clientes que no trimestre anterior. Neste período, a taxa de
penetração da banda larga, em termos de total de clientes sobre a população total, situava-se nos
12,6 por cento, ou seja, 0,6 pontos percentuais acima da registada no trimestre anterior e
aproximadamente 2,8 pontos percentuais acima da registada no final do período homólogo77
Contudo, em vários países da UE15 a taxa de crescimento anual do acesso por banda larga tem
77 http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=201964 35
sido superior a 100%, tendo mesmo superado os 180% em países como o Luxemburgo, a
República Checa e a Eslováquia.78
Um outro indicador, considerado um obstáculo ao uso das TIC, é o do preço de ligação à
Internet. Efectivamente, no “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e
Comunicação na População Portuguesa”79 foi apontado como o obstáculo mais proeminente. Foi
ainda identificado como o terceiro mais relevante para não ter Internet em casa no inquérito à
população conduzido pela ANACOM.80 Neste inquérito, a falta de interesse pela Internet era
salientado como o obstáculo mais relevante. Como demonstra o relatório em análise, os preços
praticados em Portugal são competitivos somente para volumes de tráfego reduzidos, já que, as
ofertas mais utilizadas têm limites de tráfego internacional restritivos, ao contrário das melhores
práticas na Europa.81 Relativamente à banda larga, a figura 1 caracteriza a situação do acesso à
Internet em banda larga no continente português em 2004. Verificamos que os concelhos
realmente info-excluídos representavam valores inferiores a 10%. Todavia, importa frisar que a
capacidade real de aceder à tecnologia ADSL, pressupõe uma distância do utilizador ao
equipamento que o pode servir, inferior a cerca de quatro quilómetros. Da mesma forma, a
disponibilidade das ofertas de banda larga depende da existência de centrais da rede telefónica
pública comutada, nas quais estejam instalados DSLAM (digital subscriber line access
multiplexer) ou da existência de redes de distribuição de televisão por cabo preparadas para
disponibilizarem banda larga. A figura 2 demonstra a distribuição geográfica das centrais com
DSLAM com assinantes no 1º e 2º trimestre de 2006. Assim, a necessidade de progredir com o
esforço de garantir a cobertura nacional é proeminente.82
Figura 1 – Cobertura do Território do Continente por Infra-estruturas de Banda Larga 2004
78 Idem.79 Umic, “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação na População Portuguesa”, 2004.80 Anacom, 2004.81 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.82 Idem.
36
Os triângulos indicam a localização dos comutadores digitais da PT que estão equipados para poderem oferecer acesso ADSL.
Fonte: ANACOM
Figura 2 – Distribuição geográfica das centrais com DSLAM com assinantes no 1º e 2º
trimestre de 2006
37
Fonte: ANACOM
Portanto, de acordo com os dados da ANACOM, no final de Junho de 2006, existiam 1853
centrais e concentradores da PTC equipadas com DSLAM, o que corresponde à totalidade da
cobertura das áreas possíveis para o fornecimento de ADSL. Estas infra-estruturas concentram-
se nas regiões da Grande Lisboa e do Grande Porto, no litoral norte e no Algarve. No interior do
país, a densidade de centrais menor, à semelhança da densidade do povoamento do território. No
2º trimestre de 2006, o aumento de centrais PTC com assinantes DSLAM concentrou-se
sobretudo na região da península de Setúbal e na região da Grande Lisboa.83
A imagem subsequente evidencia, que em 2004, aproximadamente 25% dos portugueses
utilizavam regularmente a Internet, pelo menos uma vez por semana. Analogamente, a Suécia
tinha cerca de 75% de utilizadores regulares de Internet, ocupando a primeira posição do
ranking da utilização da Internet na União Europeia. Aliás, 17% dos agregados familiares
portugueses possuíam ligações à Internet em banda larga no final de 2004, enquanto apenas
12% desses agregados estavam ligados no 1.º trimestre de 2004.84
83 http://www.icp.pt/template12.jsp?categoryId=176882
84 Idem.38
Gráfico 2 – Evolução de alguns dos principais indicadores que caracterizam a utilização de
Tecnologias de Informação e Comunicação pelas famílias.
(O aumento das taxas de crescimento entre 2002 e 2003 pode estar associado à mudança de metodologia de inquirição, uma vez que, o “Inquérito à utilização de Tecnologias de Informação e da Comunicação pelas Famílias” passou de um módulo ad-hoc inscrito no Inquérito ao Emprego, para um Inquérito autónomo, deixando ainda de recorrer a entrevistas “proxy”).
Fontes: Ligar Portugal, INE, UMIC, ANACOM
De acordo com os resultados do Inquérito da UMIC, 39% dos portugueses utilizam a Internet;
77% desse universo são utilizadores frequentes; 75% envia e recebe mensagens de correio
electrónico; 49% joga ou descarrega (download) jogos, música e vídeos; 48% realiza
actividades profissionais; 47% realiza actividades de estudo ou formação; 39% lê jornais ou
revistas on-line; 37% dos inquiridos procura informação nos sítios da administração pública e
destes últimos, 47% procuram informação, 23% realizam o descarregamento de informação,
21% solicitam informações por correio electrónico, 17% executa o descarregamento de
formulários/declarações e 16% submete formulários/declarações.85
Relativamente ao comércio electrónico, outro dos factores potencialmente mobilizadores para a
Sociedade de Informação e Conhecimento, somente 7% da população referiu ter realizado
compras electronicamente. Este valor está claramente ligado à opção pelo comércio tradicional,
85 Umic, “Inquérito à Utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação na População Portuguesa”, 2004.39
mas também engloba questões de segurança e privacidade da informação.86 Por fim, a
penetração de computadores pessoais é também por si um grave obstáculo à generalização do
uso da Internet. Com efeito, a diferença entre a percentagem de agregados familiares que
dispunham de computador pessoal e de ligação à Internet nos últimos anos oscila em toda a
Europa entre 11 e 21 %. Em Portugal, apenas cerca de 41% dos agregados familiares tinham um
computador em 2004.87
Quanto ao consumo doméstico de Internet, segundo o estudo Netpanel da Marktest, durante o
ano de 2004, foram contabilizados 1 590 mil indivíduos de 4 e mais anos que acederam à
Internet em suas casas, um número que afigura um diminuto acréscimo de 0.5%, quando
comparado com o ano anterior. Este valor representa a 97.5% do universo.88 Em 2005, o tempo
que os portugueses dedicaram à Internet em casa aumentou 24.5% face a 2004. De Janeiro a
Junho de 2006, foram 1574 mil os residentes no Continente com 4 e mais anos que navegaram
na Internet a partir de casa.89
A primeira análise de 2006 do Bareme Internet da Marktest contabiliza 1 352 mil lares em
Portugal Continental onde existe ligação à Internet, um número que corresponde a 38.6% do
universo de lares em estudo. O número de lares onde existe ligação à Internet tem-se ampliado
sistematicamente nos últimos anos, sendo 2.2% em 1997 e 38.6% em 2006. Na análise deste
indicador, a classe social é a variável mais significativa, na medida em que, demonstra maiores
diferenças de comportamento entre os lares. A ligação à Internet em casa é realizada maioritária
junto dos lares das classes alta, ou seja, 85.0%. Na classe média alta e na classe média, os lares
conectados são igualmente maioritários, 71.1% e 54.1%, respectivamente. Pelo contrário,
apenas 32.2% dos lares da classe média baixa e 7.5% dos da classe baixa possuem ligação à
Internet em casa. 90
A idade média do agregado familiar e o número médio de pessoas no lar também mostram
divergências expressivas. Enquanto entre os lares com uma ou duas pessoas apenas 20.0%
possui ligação à Internet, a maioria dos de maior dimensão (54.5%) tem acesso à rede. As
dissemelhanças inferiores são encontradas na análise por região, embora os lares da Grande
Lisboa, Grande Porto e Litoral Centro apresentem valores acima da média do universo. Uma
86 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.87 Idem.88 Marktest, http://www.marktest.pt/produtos_servicos/Netpanel/default.asp?c=1292&n=1180 89 Marktest, http://www.marktest.com/wap/a/n/id~b3f.aspx90 Marktest, http://www.marktest.com/wap/a/n/id~c33.aspx
40
análise do perfil dos lares com ligação à Internet indica ainda que 45.4% deles se localizam nas
regiões da Grande Lisboa ou do Litoral Centro, 76.1% têm mais de duas pessoas, 81.2% têm
uma idade média até 45 anos e 56.8% pertencem às classes sociais média alta ou média.91
7. A Info-Exclusão: Uma abordagem global
Após a indicação e análise das audiências de Internet e índices de mobilização, torna-se
fundamental aludir à info-exclusão, não só porque fornece elementos essenciais para possibilitar
a definição de uma verdadeira estratégia de info-inclusão, como é premente para a temática das
cidades digitais, nomeadamente para a manutenção, crescimento, desenvolvimento e maturação
das mesmas. Desta forma, com esta investigação pretendemos também averiguar se as cidades
digitais seleccionadas dispõem ou pretendem determinar ferramentas e linhas de acção para
promover a info-inclusão.
A info-exclusão ou cisão/divisão digital (“digital divide”) são expressões que caracterizam a
mesma realidade. O conceito “Info-exclusão” está tipicamente ligado à iniquidade no acesso à
Internet, similarmente “the digital divide refers to the gap between individuals, households,
businesses and geographic areas at different socio-economic levels with regard to their
opportunities to access information and communication technologies and their use of the
Internet for a wide variety of activities”92. Efectivamente, a divisão digital representa um
conjunto de inúmeros tópicos, uma vez que, envolve comparações entre países; dentro de cada
país; entre empresas; pessoas; por sector de aplicação; de hardware/software e de capacidades.93
A centralidade da Internet em áreas de actividade social, económica e política torna-se marginal
para aqueles que não têm, ou têm acesso limitado à rede e aqueles que não conseguem tirar
vantagem dela. A disparidade entre aqueles que têm e aqueles que não têm Internet ou acesso a
ela amplifica a iniquidade e o hiato da exclusão social. Esta circunstância parece aumentar a
distância entre as promessas de liberdade, produtividade e comunicação da Era da Informação e
a crua realidade da maioria da população mundial.94 No entanto, como indica Sciadas, a relação
entre as TIC e o desenvolvimento continua a crescer. Assim, se o desenvolvimento afecta
directamente a pobreza, as TIC constituem um importante instrumento, embora a questão da
info-exclusão seja crítica.95
91 Ibidem.92 OCDE, Understanding the Digital Divide, 2001.93 Georges Sciadas, “ICT Forum Presentation”, OCDE, 2003.94 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 287.95 Sciadas, op. Cit., 2003.
41
A divisão digital considera não só o acesso à Internet, mas também infra-estruturas básicas de
telecomunicações. Para medir esta cisão são considerados indicadores como a existência de
infra-estruturas de comunicação, disponibilidade de computadores e potencialmente a
disponibilidade de acesso alternativo através da televisão ou telemóveis e, por fim, o acesso à
Internet. A info-exclusão nos agregados familiares parece depender exclusivamente do
rendimento e da educação. Outras variáveis, tais como, o tamanho e tipo de agregados
familiares; idade; género; etnia; língua e localização são também relevantes. As dissemelhanças
entre posse de computador e acesso à Internet por rendimento da família é extremamente
elevado e encontra-se em rápido crescimento, embora o acesso à Internet em grupos com mais
baixos rendimentos esteja em crescimento. Quanto mais elevado o nível de habilitações
literárias, mais provável é o acesso à Internet pelos indivíduos. Esta última constatação está
largamente relacionada com o seu efeito no nível de rendimentos. Outros índices significativos
dizem respeito à distinção entre o perfil dos países, indivíduos e empresas que usam e tiram o
melhor proveito da potencialidade divulgada pelas TIC e pela Internet.96
Numa abordagem global, dados actuais e precisos sobre a info-exclusão são geralmente
incompletos ou inexistentes. Contudo, a importância crescente desta temática conduz a uma
maior preocupação na medição desta cisão. Assim, em Setembro de 2000, de um total de 378
milhões de cibernautas (que representa apenas 6.2% da população mundial), 42.6% localizam-se
na América do Norte, 23.8% na Europa, 20.6% na Ásia, 4% na América Latina, 4.6% na Europa
de Leste, 1.6% no Médio Oriente e 0.6% em África. Desta forma, 93% da população mundial
encontra-se excluída da Sociedade da Informação. Consequentemente, as estimativas indicam
que a rápida difusão de acesso à Internet será sobretudo impulsionada por utilizadores dos países
em vias de desenvolvimento, na medida em que, aí se localizam cerca de 80% da população
mundial. 97
Quando a iniquidade tecnológica parece diminuir, outra forma de exclusão emerge. A nova
exclusão é denominada “tecno-exclusão”, assentando nas disparidades de acesso à banda larga.98
No caso da União Europeia, o “Digital Divide Forum Report: Broadband access and public
support in under-served areas” identifica elementos chave, concretamente que as regiões
96 OCDE, op. Cit., 2001.97 NUA Limited, NUA Internet Surveys, 2002; Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, pp. 288-289.98 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 297
42
remotas e rurais são as menos bem servidas. Em Janeiro de 2005, a banda larga estava
disponível para mais de 90% da população urbana da EU15/EEA e apenas para 60% da sua
população rural. O consumo de banda larga exclui actualmente cerca de 15% da população dos
EU15. Todavia, o progresso desta cobertura foi rápido em 2004, na medida em que, nas áreas
rurais aumentou 40%. O relatório frisa ainda que algumas áreas sofrerão atrasos ou serão
excluídas do rollout da banda larga. De facto, um estudo recente calcula que, pelo menos,
aproximadamente 4.7 milhões de potenciais utilizadores da banda larga serão excluídos do
rollout comercial em 2013 na União Europeia.99
O gráfico 3 permite-nos observar que relativamente a áreas menos populosas, a cobertura das
áreas rurais tem crescido rapidamente, no que concerne a ADSL, mas lentamente no que se
refere à cobertura por cabo. Com efeito, o cabo representa para áreas pouco populosas custos
elevados e, como tal, não se espera que possa evidenciar um impacto relevante. A imagem
seguinte ilustra a extensão da info-exclusão nos quinze países membros, através das
dissemelhanças entre a cobertura ADSL nacional e rural. A Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo e
a Holanda parecem alcançar 100% de cobertura, embora esta medida sobrestime a
disponibilidade da banda larga. 100
Gráfico 3 – Cobertura de Banda Larga: O “tamanho” da info-exclusão
99 U.E., Digital Divide Forum Report: Broadband access and public support in under-served areas, 2005.100 Idem.
43
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Percentage of population
Rural
Suburban
Urban
National
Rural
Suburban
Urban
National
Cab
leD
SL
DSL and cable modem coverage (January 2004-2005)
January 2005January 2004
Áreas Urbanas: com uma densidade populacional > 500 hab./Km2
Áreas Suburbanas: com uma densidade populacional > 100 hab./Km2 e < 500 hab./Km2 Áreas Rurais: com uma densidade populacional < 100 hab./Km2
Fonte : UE
Gráfico 4 – A info-exclusão nos 15 Estados Membros
DSL coverage (January 2005)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Belgium
Denmark
Luxe
mbourg
Netherl
ands
Sweden UK
Finlan
d
Icelan
d
Portug
al
France
German
y
Averag
eSpa
in
Austria Ita
ly
Norway
Irelan
d
Greece
Perc
enta
ge o
f pop
ulat
ion
National Rural
Fonte: UE
Consequentemente, como o relatório enfatiza nesta situação, a intervenção pública deve ser
considerada vantajosa ou necessária. Contudo, o elevado potencial de crescimento do mercado e 44
o seu forte carácter inovador propõem que a intervenção pública seja cautelosa. Efectivamente,
é fundamental ter atenção para que não se iniba incentivos de mercado e de inovação, nem se
distorça a competitividade. As diferenças de cobertura e a menor inclinação para usar banda
larga nas zonas rurais recomenda a importância de se estimular a sua utilização, socorrendo-se
de políticas de inclusão. Curiosamente, a implementação das estratégias de banda larga
nacionais oferece uma grande variedade de actividades, mesmo se a Comissão tenha
conhecimento de uma amostra bastante reduzida. Os casos de ajuda estatal aprovados pela
Comissão continuam a ser uma minoria para permitir uma definição das boas e más práticas. Por
exemplo, neste enquadramento, o estabelecimento de parcerias público-privadas é
extensivamente debatido na União Europeia.101
Os Estados Unidos da América realizam, desde 1995, estudos longitudinais e anuais sobre o uso
das TIC na sociedade norte-americana, abordando a questão da info-exclusão. Em 1999, o
relatório da National Telecommunications and Information Administration (NTIA), examina
quais são os agregados familiares que tem acesso a telefones, computadores e Internet e os que
não o possuem. De facto, “The "digital divide"-- the divide between those with access to new
technologies and those without -- is now one of America's leading economic and civil rights
issues”102. Os dados do inquérito evidenciavam que embora todos os norte-americanos
estivessem a ligar-se progressivamente on-line, a info-exclusão existia e parecia continuar a
espalhar-se. Minorias, pessoas com rendimentos baixos, com poucas habilitações literárias,
crianças de famílias monoparentais, principalmente as que vivem em áreas rurais ou suburbanas,
são os grupos com acesso deficiente a recursos de informação.103 O relatório “A Nation Online”,
publicado em 2002, conclui que existe um destacado segmento da população norte-americana
que não utiliza a Internet, que representava em Setembro de 2001, 46.1% de pessoas e 49.5% de
agregados familiares. A população off-line é claramente caracterizada: pessoas em agregados
com baixos rendimentos; adultos com baixos níveis de instrução, hispânicos (68.4% de todos os
hispânicos e 85.9% de agregados familiares hispânicos, onde o espanhol é a única língua falada)
e negros (60.2% de negros).104
O estudo de 2004, considera a era da banda larga, enfatizando que entre Setembro de 2001 e
Outubro de 2003, o número de agregados familiares com ligações à Internet cresceu 12.6%. Os
101 Idem.102National Telecommunications and Information Administration, Falling Through the Net: Defining the Digital Divide, 1999.103 Idem.104 National Telecommunications and Information Administration, A Nation On-line, 2002.
45
dados revelam ainda que o uso de ligações de alta velocidade aumentaram consideravelmente
entre 2001 e 2003. Porém, a info-exclusão continua a ser uma realidade bem saliente, por
exemplo, o uso da banda larga é mais baixo nas zonas rurais (24.7% nas zonas rurais em
contraste com 40.4% nas áreas urbanas).105
Quanto a Portugal, o quadro 3 quantifica a desagregação das taxas de utilização de Internet em
Portugal segundo os escalões etários e níveis de instrução da população em 2004. Portanto,
observamos que baixas taxas de penetração da Internet estão principalmente associadas a níveis
de info-exclusão expressivos na população com mais de 25 anos e com níveis de instrução
inferiores ao 9.º ano. Isto corresponde, a cerca de 5 milhões de portugueses entre 25 e 74 anos.
Efectivamente, torna-se capital “estimular a percepção dos portugueses com menores níveis de
instrução sobre a utilidade das TIC, promovendo sempre que necessário agentes de
intermediação para combater a info-exclusão.”106
Quadro 3 – Percentagem de utilizadores de Internet e população, por escalão etário e nível de
instrução em 2004.
Fonte: Ligar Portugal, INE, OSIC/UMIC
Apesar de tudo, as condições de desenvolvimento da Internet criam, na maioria dos países, uma
profunda info-exclusão. Os mais importantes centros urbanos, actividades globalizadas e grupos
com elevados níveis de habilitações literárias entram na rede, enquanto as restantes regiões e
pessoas continuam fora da linha. O uso diferenciado da Internet no mundo em vias de
desenvolvimento, baseia-se essencialmente, na enorme dissemelhança em termos de infra-
estruturas de telecomunicações, fornecedores e conteúdos de Internet (os servidores de Internet
105 US Department of Commerce, NTIA, A Nation Online: Entering the Broadband Age, 2004. 106 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.
46
e domínios dependem da esfera norte-americana e europeia, além de que a língua usada em 78%
dos sítios electrónicos é inglês) e estratégias definidas para diminuir esta discrepância. Deste
modo, como sublinha Manuel Castells, nas circunstâncias actuais, o novo sistema tecno-
económico contribui decisivamente para este desenvolvimento desproporcional. De facto,
conduz ao aumento da pobreza e da riqueza, da produtividade e da exclusão social. Como a
Internet se encontra no epicentro do novo modelo sócio-técnico de organização, este processo de
desenvolvimento global assimétrico, representa provavelmente a expressão mais dramática da
info-exclusão.107
Portanto, parece-nos que para abordar e analisar a info-exclusão é essencial, em primeiro lugar,
obter uma monitorização mais actual e rigorosa, estabelecer uma coerente avaliação do impacto
das presentes medidas e definir estratégias mais agressivas e específicas. Inúmeras questões
impõem-se, nomeadamente, “Como se pode calcular a info-exclusão? Quais são os seus efeitos
a curto e a longo prazo? Que pode ser feito para eliminá-la?” Não podemos, no entanto, ser
enganados pela “ilusão da transparência”, definida por Pierre Bourdieu. Com efeito, como frisa
Castells, relevantes dúvidas emergem, mais concretamente, será real que as pessoas e os países
são excluídos porque não estão ligados a redes baseadas na Internet? É esta a ligação que os
torna dependentes de economias e culturas, onde não conseguem encontrar o seu bem-estar e a
sua identidade cultural?108
A info-exclusão crucial não se mede pelo número de ligações à Internet, mas pelas
consequências que essa ligação e a sua falta provocam. Isto porque, a Internet é mais do que
uma tecnologia, é um instrumento tecnológico e o modo organizativo que distribui o poder da
informação, a criação de conhecimentos e a capacidade de ligar-se em rede em qualquer campo
de acção da actividade humana. Assim, os países em vias de desenvolvimento sofrem as
contradições da rede. Se por um lado, estarem desligados significa marginalização do sistema
global, estarem ligados pressupõe também marginalização devido à info-exclusão. De qualquer
modo, o desenvolvimento e a economia global já estão tão marcados pela Internet, que urge um
modelo que possa alargar infra-estruturas de comunicação e informação e promover uma
aprendizagem e integração na rede, pois paradigmas alternativos de desenvolvimento, isto é,
menos tecnológicos, parecem não ser já exequíveis.109
107 Manuel Castells, A Galáxia Internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, pp. 305-307. 108 Ibidem.109 Idem, pp. 311-313.
47
B. Sociedade da Informação1. Aproximação e Evolução Conceptual: Sociedade da Informação, Sociedade do
Conhecimento e Sociedade em Rede
A Internet originou indubitavelmente uma nova era, cuja terminologia ainda não é consensual.
Muitos designam-na de Sociedade da Informação, outros refutam esta denominação e propõem
Sociedade do Relacionamento, Sociedade do Conhecimento, Sociedade em Rede e ainda outros
inserem-na na Nova Economia, a Economia Digital. No entanto, apesar das diversas
designações, a Sociedade da Informação parece impor-se entre a maioria dos especialistas como
o conceito mais utilizado. Actualmente, tem-se progressivamente acrescentado à expressão
Sociedade da Informação, o vocábulo “conhecimento”, ficando assim, “Sociedade da
Informação e do Conhecimento” (SIC). Contudo, muitos autores clarificam que a Sociedade do
Conhecimento é um estado evolutivo da Sociedade da Informação, como iremos verificar
subsequentemente. Pela importância da nomenclatura proposta por Manuel Castells “Sociedade
em Rede”, apresentamos ainda uma súmula do seu pensamento.
Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio definem a Sociedade da Informação como “sociedade que
recorre predominantemente às tecnologias da informação e comunicação para a troca de
informação em formato digital, suportando a interacção entre indivíduos e entre estes e
instituições, recorrendo a práticas e métodos em construção permanente.”110 No entanto, o autor
frisa que não é a tecnologia que deve ser considerada o elemento primordial, mas sim o que esta
pode potenciar nas relações entre pessoas e pessoas e organizações.111 Com efeito, a Sociedade
da Informação é claramente um paradigma complexo. A este propósito, Mattelard sublinha que
a concepção de uma sociedade governada pela informação emergiu antes do próprio
entendimento actual do conceito de informação. A sua origem advém de um movimento social
do início do século XVII que se socorria de modelos matemáticos para determinar acções e
decisões. Assim, o pensamento baseado na razão, cálculo e medição tornou-se um arquétipo do
espírito e mente humana. Este facto foi solidificado pela Revolução Francesa, que pretendeu
concretizar a linguagem matemática, transpondo-a para a avaliação da qualidade dos cidadãos e
dos seus valores universais. A importância da estatística e dos algoritmos foi enaltecida pela
Revolução Industrial, que trouxe a noção da divisão do trabalho, a mecanização e os alvores da
gestão científica. Neste seguimento, as transformações sucederam-se assentando na crença de
110 Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio in Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.111 Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.
48
comunidade universal, salientando-se o progresso das redes de comunicação. Com a Segunda
Guerra Mundial, assistiu-se a um desenvolvimento exponencial dos computadores, triunfando as
Tecnologias de Informação.112
Quanto ao corrente conceito de Sociedade da Informação, este não é inédito, na medida em que,
evidenciava já raízes na sociologia do “pós-industrialismo”, que advogava nos anos 60 e 70, o
fim da época capitalista industrial e prenunciava uma sociedade de “serviços” e de “lazer”.113
Neste sentido, Daniel Bell reiterava o desenvolvimento da Sociedade da Informação num
contexto pós-industrial e sob um novo quadro de referência social assente nas
telecomunicações.114 Para este autor, o trabalho e o capital são superados pelo conhecimento e
informação que passam a ser variáveis centrais da economia. Contudo, opta pela expressão
“Sociedade Pós-Industrial”. Aliás, como nota Romana Xerez, “o conceito de Sociedade da
Informação derivou naturalmente dos argumentos da sociedade pós-industrial”115. Por sua vez,
Touraine abordava a moderna sociedade como uma visível oposição entre as classes dominadas
e as dominantes que detinham o conhecimento e controlavam a informação.116 Efectivamente,
como demonstra João Bilhim, o vocábulo em análise está ainda associado ao conceito pós-
fordismo, assimilado como forma de ruptura com os sistemas de produção em massa.117
Neste seguimento, Alvin Toffler alude à “Civilização da Terceira Vaga” que substitui a
Civilização Industrial de segunda vaga e que se dispersará e desconcentrará, na medida em que,
assenta numa sociedade fortemente descentralizada e reflexo da “adhocracia”.118 Masuda aborda
as TIC como grandes forças que modelam as relações sociais, económicas e políticas originando
a Sociedade da Informação.119 Assim, como constatamos, as abordagens encontradas são
visivelmente deterministas não perspectivando a importância da interacção entre tecnologias e
sociedade e a análise do seu contexto social. Com efeito, se atentarmos nesta interacção,
“podemos colocar a possibilidade de desenvolvimentos alternativos, ou seja, vários futuros
possíveis”120.
112 Armand Mattelart, The Information Society: An Introduction, Sage Publications, 2003.113 João Bilhim, Trabalho e Lazer na Sociedade da Informação, ISCSP, UI.114 Daniel Bell, The coming of the Post-Industrial Society: a Venture in Social Forecasting, Penguin, 1974, p.14.115 Romana Xerez, O Projecto “Vencer o Adamastor”. Uma perspectiva sociológica, Dissertação de Mestrado em Sociologia, ISCSP, 2002, p. 48.116 Alain Touraine, La Societé Post-industrielle, Paris, Editions Denoel, 1969, pp. 28-61.117 João Bilhim, Trabalho e Lazer na Sociedade da Informação, ISCSP, UI.118 Alvin Toffler, A Terceira Vaga, Ed. Livros do Brasil, 1980, p. 354.119 Yoeji Masusa, in Sociedade da Informação e Emprego, António Brandão Moniz e IIona Kovács, Colecção Cadernos de Emprego, nº28, FCT-UNL, 2001, p. 32.120 António Brandão Moniz e IIona Kovács, Sociedade da Informação e Emprego, Colecção Cadernos de Emprego, nº28, FCT-UNL, 2001, p.32.
49
Ainda nos anos setenta acendeu-se o debate internacional acerca do livre fluxo de informação,
que se deslocava assimetricamente de norte para sul. A UNESCO pretendia estabelecer um novo
equilíbrio, pressionada pelos países do sul que persistiam na necessidade de se estimular uma
Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação. Os vastos protestos contra o desequilíbrio
dos fluxos de informação e a doutrina americana neo-liberal conduziram à problematização do
espaço estratégico da Sociedade da Informação.121
O termo “Sociedade da Informação” foi pela primeira vez usado pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE).122 Três anos mais tarde, o Comité para
as Relações Externas do Senado Americano reunia-se sobre a Idade da Informação. O Comité,
presidido pelo senador George McGovern, ouviu representantes dos meios de comunicação,
responsáveis de grandes empresas, investigadores académicos, líderes de organizações do
comércio e membros fundadores da CIA. O fruto destas audições foi a definição da informação
como o novo recurso nacional e o relatório intitulado “A Nova Ordem Mundial da
Informação”.123 Em 1979, o Conselho de Ministros da Comunidade Europeia perfilhou o
conceito de Sociedade da Informação, sendo a palavra-chave do FAST (Forecasting and
Assessment in the Field of Science and Technology), um programa experimental de cinco anos.
No ano seguinte, o Conselho da Europa enumerou as linhas de orientação da privacidade e dos
fluxos de dados pessoais transfronteiriços. Ainda neste ano, a OCDE publicou um documento
semelhante. Em 1998, a directiva comunitária relativa à protecção dos dados pessoais opôs os
países europeus aos Estados Unidos da América. Isto uma vez que, estes últimos encaravam esta
directriz como oposta à finalidade da Sociedade da Informação. De facto, esta norma
comunitária era um obstáculo aos serviços de inteligência económica americana e às empresas
que dominavam o comércio electrónico (na sua maioria americanas). Em 1996, o vice-
presidente americano reconheceu que a Infra-estrutura Global de Informação estava a modificar
a forma como os cidadãos aprendem, trabalham e comunicam.124
De um modo global, a Sociedade da Informação é marcada pela complexificação,
especialização, individualização, inovação e sofisticação. Como demonstra Jorge Xavier, a
Sociedade da Informação é percepcionada “como algo irreversível e imparável, impulsionada
121 Armand Mattelart, op. Cit., p.14.122 www.ocde.org 123 Armand Mattelart, op. Cit., p.45.124 Jorge Xavier, O Impacto das Cidades Digitais na Sociedade da Informação. O Caso Português, Dissertação de Mestrado em Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação, Universidade de Aveiro, 2004, p. 24.
50
pelos movimentos de desregulamentação e pela acção dos operadores globais, pelo
desenvolvimento das auto-estradas da informação e pela importância crescente de inteligência
militar e da inteligência económica”125. Efectivamente, como características da Sociedade da
Informação, Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio apontam a utilização da informação como
recurso estratégico; a utilização intensiva das TIC; o facto da interacção entre indivíduos e
instituições ser predominantemente digital e de recorrer a formas diversas de “fazer as (mesmas
e novas) coisas”, baseadas no digital.126
Pelo seu interesse e contributo para o esclarecimento da terminologia em análise, é ainda
pertinente aludirmos às cinco dimensões da Sociedade da Informação, definidos por Frank
Webster, nomeadamente a tecnológica, a económica, a ocupacional, a espacial e a cultural.
Todas se encontram interligadas e três coexistem muito proximamente, concretamente a
tecnológica, a económica e a ocupacional:
Dimensão Tecnológica – O conceito tecnológico foi um dos que mais contribuiu para a
divulgação da Sociedade da Informação, embora inúmeras vezes de modo bastante
redutor.
Dimensão Económica – Corresponde às “Economias de Informação”, aquelas que estão
intrinsecamente ligadas à informação ou a sua produção e distribuição (Educação, Media
e Comunicação, Serviços de Informação e Outras Actividades de Informação (I&D)).127
Dimensão Ocupacional – O tipo predominante de ocupação profissional são as
designadas “profissões da informação”.
Dimensão Espacial – A Sociedade da Informação introduziu grandes mudanças na
organização do tempo e do espaço (diminuição das distâncias, aproximação).
Dimensão Cultural – Importância crescente das TICs na produção cultural.128
Quanto à “Sociedade do Conhecimento”, esta nomenclatura evidencia a importância crescente
do conhecimento na vida humana. O conceito remonta ao início dos anos 70, sendo um dos
primeiros autores a utilizar este vocábulo Robert Lane, que salientou o peso crescente do
conhecimento nos novos modos de organização social. Da mesma forma, Peter Drucker alude
ao poder do conhecimento na sua obra “The Age of Descontinuity”, embora prefira empregar a 125 Idem, p. 15.126 Luís Borges Gouveia e Sofia Gaio in Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 18.127 Cfr. Fritz Machlup, The Production and Distribution of Knowledge in the United States, Princeton University Press, New Jersey, 1962.128 Frank Webster, Theories of the Information Society, Routledge, Londres, 1995, p. 8.
51
designação de sociedade pós-capitalista.129 Aliás, Daniel Bell confessou a sua proximidade ao
conceito de “Sociedade do Conhecimento”, apesar de optar pela terminologia “Sociedade Pós-
Industrial”, uma vez que, entende que o conhecimento é um recurso fundamental da sociedade
pós-industrial, mas não é efectivamente o elemento mais importante para a definir.130
Por sua vez, Nico Stehr, frisa que “O crescimento do significado social da ciência na sociedade
moderna é a principal razão para analisar a estrutura do conhecimento”131. Stehr realiza uma
avaliação das fragilidades dos outros conceitos, sublinhando que, no que concerne a Sociedade
Pós-Industrial, é desajustado falar do pós-industrial numa época, em que, tal como, as
precedentes, a indústria permanece como forte presença. Quanto à Sociedade da Informação
refere que todas as sociedades transmitiram informação e daí o seu desacordo. Logo, para Stehr,
a expressão “Sociedade do Conhecimento” supera as lacunas das terminologias estimadas.
Como clarificam Robin Mansell e Uta Wehn, “Mais recentemente o termo Sociedade do
Conhecimento tem sido usado para transferir a ênfase das tecnologias de informação e
comunicação como “motores” de mudança para a perspectiva onde essas tecnologias são
encaradas como ferramentas que podem fornecer um novo potencial para combinar a
informação dos sistemas de TICs com o potencial criativo e conhecimento que reside nas
pessoas”132.
No entanto, tem-se verificado ultimamente a junção dos conceitos “informação” e
“conhecimento” para se criar a expressão “Sociedade da Informação e do Conhecimento”. Luís
Borges Gouveia frisa que, desta forma, se pretende corrigir a exacerbada conotação de
individualismo e de efemeridade que está ligado à informação.133 Contudo, é fundamental
reiterar que a Sociedade do Conhecimento é para muitos autores um desenvolvimento da
Sociedade da Informação. Com efeito, “A Sociedade do Conhecimento é um dos conceitos mais
utilizados para traduzir uma Sociedade da Informação desenvolvida em todo o seu potencial e
com um elevado grau de humanização”134. Assim, Heinonen frisa que a Sociedade do
Conhecimento corresponde a um estado superior da Sociedade da Informação, que ocorre
depois desta ter sido apurada e usada em larga escala para um desenvolvimento sustentável
129 Cfr. Peter Drucker, Post-Capitalist Society, Butterworth Heinemann, Oxford, 1993.130 Cfr. Romana Xerez, op. Cit., p. 46.131 Nico Stehr, Knowledge Societies, Sage Publications, 1993, p. 8.132 Robin Mansell e Uta Wehn, Knowledge Societies: Information Technology for Sustainable Development, Oxford University Press, New York, 1998, p. 12.133 Luís Borges Gouveia, Local e-government – A governação digital na autarquia, SPI, Porto, 2004, p. 17.134 Ângelo Estrela, A Sociedade da Informação e o Desenvolvimento Sustentável. O caso do GAIA GLOBAL enquanto plataforma para o desenvolvimento sustentável, Dissertação de Mestrado em Gestão da Ciência, Tecnologia e Inovação, Universidade de Aveiro, 2004, p. 58.
52
baseado nas TICs. Tal como Frank Webster, no que diz respeito à Sociedade da Informação,
também Heinonen define a Sociedade do Conhecimento segundo dimensões, equivalendo neste
caso, a sete. Desta forma, alcança-se a Sociedade do Conhecimento quando se satisfazem as
dimensões electrónica (TICs, infra-estruturas e sistemas desenvolvidos, diversificados, fáceis,
acessíveis a todos, grátis ou de baixo custo); ecológica (o impacto do funcionamento da
sociedade é o mais leve possível para facultar o desenvolvimento sustentável); ética (o balanço
digital é obtido, isto é, não existe divisão entre os que têm e os que não têm) e económica
(produtividade elevada, baixo desemprego e economia em rede).135
Figura 3 – As Sete Dimensões da Sociedade do Conhecimento de Heinonen
Fonte: Ângelo Estrela, op. cit., p.20.
Heinonen apresenta ainda uma proposta de um modelo de desenvolvimento onde se representam
vários cenários para a constituição da Sociedade do Conhecimento, introduzindo o conceito de
e-UTOPIA que pode ser alcançado com o equilíbrio das dimensões ecológicas e éticas.136 De
facto, as previsões da evolução da Sociedade da Informação são extremamente complexas, na
medida em que, o progresso célere das TIC conduz a efeitos imprevisíveis e consequentemente
a conjecturas maioritariamente especulativas. Muitos autores superam mesmo esta previsão
apontando estados de desenvolvimento pós Sociedade da Informação, como Chris Freeman, que
135 Heinonen, “Pitfalls and Upswings in Search of the Eco Knowledge Society”, Seminar on Scenario Building, Torku, 2001, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit, p. 58.136 Idem, p.57.
ECONÓMICA
ELECTRÓNICA ECOLÓGICA
ÉTICA E ESTILOS DE VIDA
SOCIEDADE DO CONHECIMENTO
PREVISÃO
AVALIAÇÃO
EVOLUÇÃO
53
fala da “economia tecnoecológica”137, Glenn que sublinha o “estado da tecnoconsciência”138 e
Heinonen que avança com a “sociedade do conhecimento electrónico”139.
O conceito de “Sociedade em Rede” tem sido largamente difundido por Manuel Castells,
sobretudo através da trilogia, “A Sociedade em Rede”; “O Poder da Identidade” e “O Fim do
Milénio”. O primeiro volume aborda a Rede, o segundo examina a formação do Self e a
interacção entre a Rede e o Self na crise da família patriarcal e do Estado-nação e o terceiro
baseia-se numa interpretação das transformações históricas actuais que resultam das dinâmicas
dos processos analisados nos dois volumes anteriores. Assim, em 1996, o sociólogo apresenta a
Sociedade em Rede, que caracteriza os novos modos organizacionais assentes no uso intensivo
de Tecnologias de Informação e Comunicação. Com efeito, evidencia que “Ao explorar os
domínios da actividade e da experiência humana nas estruturas sociais emergentes, chegámos a
uma conclusão que nos propõe uma nova leitura do mundo: as funções e os processos
dominantes, na Era da Informação, organizam-se, cada vez mais, em torno de redes e isto
representa o auge de uma tendência histórica”140. De facto, embora Castells se enquadre numa
orientação teórica prosseguida por Daniel Bell e Alain Touraine, afastou-se destas influências,
reivindicando a Sociedade em Rede.141 Deste modo, as redes estabelecem a nova anatomia das
sociedades e a propagação da sua lógica transforma claramente as operações e os resultados dos
processos de produção, experiência, poder e cultura. Apesar da organização social, sob a forma
de rede, tenha já subsistido na história humana, o novo modelo da tecnologia de informação
penetra progressivamente em toda a estrutura social.142
Neste seguimento, é essencial, aludirmos à definição do conceito de rede delimitado por
Castells. Assim, “A rede é um conjunto de nós interligados. Um nó é o ponto no qual uma curva
se intercepta”143. Este nó depende do tipo de redes, que podem ser, mercados das bolsas de
valores e respectivas centrais auxiliares; conselhos nacionais de ministros e comissários; estúdio
de televisão e equipas de informação, etc. A topologia de redes demonstra que a distância entre
dois pontos é menor se esses os pontos forem nós de uma mesma rede e que dentro de um certa 137 Freeman Chris, "The 'National System of Innovation' in Historical Perspective," Cambridge Journal of Economics, Oxford University Press, vol. 19(1), Fevereiro de 1995, pp. 5-24.138 Cf. Glenn, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit., p. 57.139 Heinonen, Cit. por Ângelo Estrela, op. Cit, p. 57.140 Manuel Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Volume I, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 605.141 “The One-Dimensional Network Society of Manuel Castells”, www.thechronicle.demon.co.uk/tomsite/castells.htm 142 Manuel Castells, A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede, Volume I, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 605.143 Idem, p. 606.
54
rede, os fluxos não têm distância ou têm a mesma distância entre os nós.144 É então salientado
que a inclusão ou exclusão das redes e a definição das relações entre elas, permitidas pelas TIC,
moldam os processos e funções dominantes nas nossas sociedades. Quanto às próprias redes,
estas são:
Estruturas abertas, dinâmicas e expansivas;
Instrumentos para a economia capitalista assente na inovação, globalização e
concentração desconcentrada;
Ferramentas para o trabalho baseado na flexibilidade e adaptabilidade;
Suportes para uma cultura, política e organização social flexíveis, que ultrapassam o
espaço e o tempo;
Fonte de reorganização das relações de poder (os conectores que ligam as redes são
agora os detentores do poder).145
Todas estas evoluções e modificações não pressupõem o fim do capitalismo. De facto, a
Sociedade em Rede é, por enquanto, visivelmente capitalista. No entanto, esta forma capitalista
consegue revolucionariamente configurar as relações sociais em todo o mundo, tendo agora
duas características fundamentais, é global e está estruturada significativamente em volta de
uma rede de fluxos financeiros.146 Como acentua Castells, “O capitalismo financeiro precisa de
se apoiar nas novas tecnologias para poder operar e competir em conhecimento e
informação”147. Neste contexto, as relações sociais entre capital e trabalho estão
verdadeiramente mudadas. Efectivamente, o capital é global, mas o trabalho continua a ser
local. “O informacionalismo, na sua realidade histórica, leva à concentração e globalização do
capital, precisamente pelo uso do poder descentralizador das redes. A mão-de-obra está
desagregada no desempenho, fragmentada na organização, diversificada na existência, dividida
na sua acção colectiva”148. Os trabalhadores tornam-se progressivamente mais individualizados.
Todavia, estes processos de mutação afectam também, de modo intenso, a cultura e o poder. Os
produtos culturais são difundidos, cada vez mais, por redes de comunicação electrónica. Pelo
peso crescente dos media, a política focaliza-se na conquista de um espaço mediático: “A
liderança personaliza-se e a produção de imagem é produção do poder”149.
144 Ibidem.145 Idem, pp. 607-608.146 Idem, p. 608.147 Idem., p. 609.148 Idem, p. 612.149 Idem, p. 613.
55
Considerando um estado mais penetrante, os próprios fundamentos materiais da sociedade, do
espaço e do tempo encontram-se em mutação, dispondo-se em volta do espaço de fluxos e de
um tempo intemporal. Com efeito, “as funções dominantes são organizadas em redes próprias
de um espaço de fluxos que as liga em todo o mundo, enquanto fragmenta funções subordinadas
e indivíduos, no espaço de múltiplos lugares, feitos de locais cada vez mais segregados e
desligados uns dos outros”150. Assim, a Sociedade em Rede corresponde a uma modificação
qualitativa da experiência humana, mas parece sucessivamente uma “metadesordem social à
maioria dos indivíduos”151. De facto, como precisa o autor, segundo a antiga tradição
sociológica, o social (numa análise elementar) podia ser compreendido como a transformação
do tipo de relações entre a natureza e a cultura. Nesta nova era, a natureza deixa de dominar a
cultura, a cultura sobrepõe-se. Portanto, conjugando a evolução histórica com a modificação
tecnológica, estamos perante um paradigma puramente cultural de interacção e organização
social. Isto ocorre, porque a informação é o elemento fulcral da nossa organização social e os
fluxos de mensagens entre redes representam a ligação basilar da nossa estrutura social.
Consequentemente, “a história está apenas a começar, se por história entendermos o momento
em que, após milénios de uma batalha pré-histórica com a natureza, a nossa espécie tenha
alcançado o nível de conhecimento e de organização que nos permitirá viver num mundo
predominantemente social”152. E este mundo pode ser animador ou desolador.
Manuel Castells avança ainda com uma premissa fundamental, a que a tecnologia e a sociedade
se transformam mutuamente. A Internet mudou o nosso modo de comunicar, tal como, os
indivíduos pela sua utilização modificaram a própria Internet. Desta forma, Jorge Xavier frisa a
relevância de se estudar não só o impacto da Internet na sociedade, como vice-versa, “(…) a
Internet não se confina a uma simples ferramenta, é um meio essencial para a Sociedade em
Rede disseminar a sua lógica. Este é um caso claro de co-evolução entre tecnologia e estruturas
sociais, cujos contornos e implicações importa aferir”153. Ainda, a propósito da Sociedade em
Rede, Wellman indica o que considera ser o fenómeno social emergente com maior importância,
ou seja, o individualismo em rede. Segundo este autor, as TIC modificam a forma de
relacionamento humano, isto é, a Internet (e mais recentemente a Internet sem fios e os
telemóveis) tornam-nos mais independentes do local e mais autónomos face ao grupo. Portanto,
“o indivíduo tornou-se o portal”154. O indivíduo alcança uma maior mobilidade, enquanto 150 Idem, p. 614.151 Ibidem. 152 Idem, p. 615.153 Jorge Xavier, op. Cit., p. 18.154 Barry Wellman, “Physical Place and Cyber-Place: The Rise of Networked Individualism”, International Journal for Urban and Regional Research, 25, 2001.
56
assume um papel de maior relevância no grupo, constituindo as suas próprias redes de
relacionamento. “Assim, o impacto das TIC tem contribuído para o aumento do individualismo
e para o aprofundar do relacionamento social. Não há aqui qualquer paradoxo. Trata-se apenas
de novas formas de relacionamento, numa rede mais complexa, mais capilar e capaz de
promover uma maior diversidade de comunidades”155. Simultaneamente, o território, o espaço
físico mantêm-se crucial, como poderemos verificar ao longo desta investigação.
2. Iniciativas para a Sociedade da Informação
a. As Políticas Europeias
É fundamental frisar que as iniciativas estruturais para a Sociedade da Informação são
claramente de cariz político. De facto, como refere Nuno Almeida Alves, “(…) entende-se a
construção da Sociedade da Informação e do Conhecimento, em Portugal como em qualquer
outro país, como um processo essencialmente político, de grande intensidade programática, que
procura implementar o procedimento de ajustamento estrutural decorrente da instalação do novo
“paradigma técnico-económico” induzido, enquanto “factor chave”, pelas Tecnologias de
Informação e de Comunicação”156. Portanto, em seguida, alude-se primeiramente às iniciativas e
programas da União Europeia e posteriormente às acções realizadas pelos diferentes governos
portugueses.
As primeiras orientações para o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação e a sua
primeira abordagem estratégica surgem, em Dezembro de 1993, no Livro Branco da Comissão
Europeia sobre o crescimento, competitividade e emprego. Este documento nasce da
necessidade de uma estratégia para o combate ao desemprego, já evidenciado no Conselho
Europeu de Copenhaga, enumerando as oportunidades criadas pelos avanços tecnológicos como
um dos indispensáveis elementos a considerar para um desenvolvimento sustentado europeu. De
facto, a última das cinco prioridades estipuladas é precisamente “preparar o futuro e estabelecer
as bases para a Sociedade da Informação”. Esta premissa e a anterior, ou seja, “Criar redes
transeuropeias” são percepcionadas como fulcrais para a competitividade e para o
aproveitamento do progresso tecnológico direccionado para o emprego e para a melhoria de
qualidade de vida dos cidadãos.157
155 Jorge Xavier, Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Gaia Global – O Cidadão como Umbigo da Cidade Digital”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, p. 140.156 Nuno Almeida Alves, A Construção de Sociedades da Informação e do Conhecimento no Âmbito do Processo de Mudança Estrutural das Sociedades Contemporâneas, Dissertação de Doutoramento em Sociologia, ISCTE, 2005, p. 227.157 Comissão Europeia, Livro Branco, 1993.
57
Após esta iniciativa, no Conselho Europeu de Bruxelas, realizado em Dezembro de 1993,
solicitou-se a constituição de um grupo de peritos para a elaboração de um relatório sobre a
Sociedade da Informação, documento de trabalho para ser analisado e discutido no Conselho
Europeu de Corfu (Julho 1994). Este grupo de especialistas era presidido pelo Comissário
Martin Bangemann e as suas conclusões foram coligidas no Europe and Global Information
Society – Bangemann Report Recommendations to the European Council. O documento
evidenciava que a revolução da informação era fundamental para a Europa, e embora esta
mudança já estivesse em curso e fosse uma necessidade concorrencial, a Comunidade Europeia
não dispunha ainda de uma estratégia para a Sociedade da Informação. Era visível a
interrogação acerca da capacidade da comunidade de elaborar políticas comuns neste âmbito. As
potencialidades da Sociedade da Informação são devidamente enaltecidas, nomeadamente o
fortalecimento da competitividade; a criação de emprego; novas formas organizacionais de
trabalho; a melhoria da qualidade de vida; a defesa do meio ambiente; o aumento da eficiência e
eficácia dos serviços públicos e a resposta às necessidades sociais, cada vez mais, prementes.
Este importante relatório vai ser a base da formulação de todas as políticas da Europa e dos
Estados Membros, com vista a uma Sociedade da Informação.158
O relatório demonstrava dez elementos-chave ou aplicações da nova era:
Tele-trabalho;
Ensino à distância;
Rede de universidades e centros de investigação;
Serviços telemáticos para as PME;
Gestão do tráfego rodoviário;
Controlo do tráfego aéreo;
Redes para os cuidados de saúde;
Informatização dos concursos públicos;
Rede transeuropeia de administrações públicas;
Auto-Estradas da informação nas cidades.
Assim, para se alcançar estes objectivos, é frisado o tipo de investimento requerido, ou seja, o
sector privado e as forças de mercado serão os elementos propulsores da Sociedade da
158 Bangemann et al., Europe and Global Information Society – Bangemann Report Recommendations to the European Council, 1994.
58
Informação na Europa, quanto ao investimento público, este intervirá na Sociedade da
Informação como adaptador de fundos e não como fonte de maior investimento.159 Se
efectivamente as aplicações enumeradas indicam áreas de actuação ainda cruciais
presentemente, significa que o relatório é actual passados onze anos, ou que a evolução prevista
encontrou obstáculos que atrasaram significativamente o processo. O investimento público,
opostamente ao definido, teve um papel preponderante, até porque, o mercado não estava
preparado para a única impulsão do sector privado. A este propósito, Ângelo Estrela coloca uma
questão capital, isto é, “(…) até que ponto uma estratégia que se pretende impulsionada pelo
mercado se enquadra nos objectivos definidos como prioritários pela Comissão Europeia”160.
Decorrente do Conselho Europeu de Corfu e do relatório Bangemann, a Comissão Europeia
apresenta ainda neste ano a Europe`s Way to the Information Society – An Action Plan, onde
destaca quatro áreas de intervenção, concretamente, o quadro legal e regulamentação; redes,
serviços básicos, aplicações e conteúdos; aspectos sociais e culturais e actividades de
promoção.161 O plano ressalta também a liberalização do mercado e o aumento e a melhoria das
infra-estruturas de comunicações. Dois anos mais tarde, cria-se o Conselho Europeu para a
Sociedade da Informação e um pacote de medidas que visa a liberalização do mercado de
telecomunicações até 1 de Janeiro de 1998. Desta forma, foram determinadas quatro premissas
que originaram o plano de acção Europe at the Forefront of the Global Information Society:
Rolling Action Plan.162
Quadro 4 – Linhas de Acção do “Rolling Action Plan”
Melhoria do Ambiente Empresarial
Baseada na liberalização total do mercado das telecomunicações, transparência de mercado, esforço para a integração das empresas na Sociedade da Informação.
Investir no Futuro Orientação de programas, planos e investigações para a Sociedade da Informação, constituição de políticas para o ensino.
Prioridade à Dimensão Humana
O cidadão é o âmago de todas as políticas tomadas para a Sociedade da Informação, a coesão social, as necessidades, interesses e expectativas dos cidadãos são centrais.
Enfrentar o Desafio Global Promover e garantir a cooperação extra-159 Idem.160 Ângelo Estrela, op. Cit, p. 20.161 Comissão Europeia, Europe`s Way to the Information Society – An Action Plan, 1994.162 Comissão Europeia, Europe at the Forefront of the Global Information Society: Rolling Action Plan, 1996.
59
comunitária.
Fonte: Comissão Europeia, Europe at the Forefront of the Global Information Society:
Rolling Action Plan, 1996.
A reformulação do plano de acção anterior passou pela elaboração de quatro documentos para o
Conselho Europeu de Dublin (1996), nomeadamente:
“As Implicações da Sociedade da Informação para as Políticas da União Europeia”;
“Viver e Trabalhar na Sociedade da Informação: Prioridade à Dimensão Humana”;
“A Normalização e a Sociedade da Informação”;
“Transparência da Regulação no Mercado Interno dos Serviços da Sociedade da
Informação”.
Em 1999, foi anunciada a comunicação eEurope – Sociedade da Informação para todos, sendo
apresentada no Conselho Europeu Especial de Lisboa, em Março de 2000. Este documento
representou uma adaptação das políticas europeias à realidade da união, em matéria de
Sociedade de Informação, retratando o atraso da evolução dos Estados-Membros neste âmbito.
A iniciativa eEurope foi lançada, consistindo na base da política da Comissão Europeia e de
todos os países membros, marcando a tendência de actuação até aos dias de hoje. No relatório
são indicados os factores que estariam a impedir a União Europeia de aderir rapidamente às
TIC, nomeadamente:
O acesso normalmente dispendioso, inseguro e lento à Internet e comércio electrónico;
Uma insuficiente população em linha e sem competências adequadas;
Falta de uma cultura suficientemente dinâmica, empresarial e orientada para os serviços;
Um serviço público que não tem um papel razoavelmente activo que possibilite o
desenvolvimento de novos serviços e aplicações. 163
Com efeito, estes elementos restritivos tinham já sido encontrados em 1994. Desde essa data até
1999, a inércia era a característica predominante na União. Assim, tal como patenteia o eEurope,
tornou-se necessário determinar uma estratégia de antecipação. Desta forma, os objectivos
delineados eram os seguintes:
163 Comissão Europeia, eEurope – Sociedade da Informação para todos, 1999.60
Colocar todos os cidadãos, todas as famílias e escolas, todas as empresas e todos os
órgãos da Administração Pública na era digital e em linha;
Criar uma Europa digitalmente instruída, apoiada por uma cultura empresarial pronta a
financiar e a desenvolver novas ideias;
Assegurar que todo o processo seja socialmente abrangente, ganhe a confiança dos
consumidores e reforce a coesão social.
Relativamente às acções propostas pela iniciativa em análise, enumeram-se:
Entrada da juventude europeia na era digital;
Acesso mais barato à Internet;
Acelerar o comércio electrónico;
Internet rápida para investigadores e estudantes;
Cartões inteligentes para acesso electrónico seguro;
Capital de risco para as PME´s de alta tecnologia;
eParticipação das pessoas com deficiência;
Cuidados de saúde em linha;
Transportes Inteligentes;
Governos em Linha.164
Desta iniciativa, resultou o plano de acção eEurope 2002, elaborado para o Conselho Europeu
da Feira, que decorreu em Junho de 2000. Este plano foi largamente influenciado pela designada
Estratégia de Lisboa, definida no Conselho Europeu Especial em Lisboa (Março de 2000) onde
se estabeleceu o objectivo de até 2010, se tornar a Europa a economia do conhecimento mais
competitiva e dinâmica do mundo, com melhoria no emprego e na coesão social. O plano
determina três objectivos prioritários para acelerar a Sociedade da Informação, sendo as dez
acções ajustadas às metas do Conselho de Lisboa. O quadro seguinte ilustra a sua estrutura:
Quadro 5 – Estruturas de Acções para o Plano eEurope 2002
OBJECTIVOS ACÇÕES eEUROPE
Uma Internet mais barata,
mais rápida e segura.
Acesso mais barato e mais rápido à Internet Acção 2
Internet mais rápida para investigadores e
estudantes
Acção 4
164 Idem.61
Redes seguras e cartões inteligentes Acção 5
Investir nas pessoas e nas
qualificações
Entrada da juventude europeia na era digital Acção1
Trabalhar na economia do conhecimento Nova
Participação de todos na economia do
conhecimento
Acção 7
Estimular a utilização da
Internet
Acelerar o comércio electrónico Acção 3
Administração em linha Acção 10
Cuidados de saúde em linha Acção 8
Conteúdos digitais europeus para as redes
mundiais
Nova
Sistemas de transporte inteligente Acção 9
Fonte: Ângelo Estrela, op. cit., p.24.
O plano de acção eEurope 2005: Uma Sociedade da Informação para Todos, preparado para o
Conselho Europeu de Sevilha (Junho 2002) substituiu o eEurope 2002. Embora, tenha sido
elaborado em consonância com os objectivos do programa anterior, o eEurope 2005 avaliou as
iniciativas efectuadas entre 2000 e 2002 e adequou novas acções à realidade europeia. As
grandes modificações ocorreram como consequência do aparecimento da banda larga e como
resposta à carência de criação de emprego e serviços.165 Com efeito, avaliando o eEurope 2002,
o documento eEurope 2005 demonstra que:
Quadro 6
165 Comissão Europeia, eEurope 2005: Uma Sociedade da Informação para Todos, 2002.62
Fonte: eEurope 2005
Efectivamente, embora a concretização dos objectivos do eEurope 2002 tenham sido, na sua
maioria, alcançados, a Sociedade de informação tem ainda muitas potencialidades por explorar,
que poderão aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
Potencialidades estas, que ascendem com os progressos tecnológicos do acesso
multiplataformas e em banda larga. Progressos esses, que criam novas oportunidades
económicas e sociais: novos serviços, aplicações, conteúdos, mercados, emprego e crescimento.
O plano de acção eEurope assenta em dois grupos de acções que se fortalecem reciprocamente.
Assim, por um lado, pretende estimular serviços, aplicações e conteúdos, abrangendo serviços
públicos em linha e negócios electrónicos; por outro, aborda as questões subjacentes da infra-
estrutura e banda larga e da segurança.166 Desta forma, em 2005, a Europa deveria ter:
I -Serviços públicos modernos em linha;
Administração Pública em linha;
166 Idem.63
Serviços de saúde em linha;
Serviços de educação em linha;
II – Um ambiente dinâmico de negócios electrónicos;
III – E como elementos determinantes para estes objectivos:
Disponibilidade generalizada de acesso em banda larga a preços competitivos;
Uma Infra-estrutura de Informação segura.
Para efectivar estes objectivos, o plano de acção contempla quatro ferramentas, nomeadamente:
1. Medidas Políticas;
2. Boas Práticas;
3. Avaliação de Desempenhos;
4. Coordenação Global das Políticas Existentes.
Inicialmente, tomam-se medidas políticas para rever e ajustar a legislação a nível nacional e
europeu, assegurando-se que a legislação não dificulta inutilmente os novos serviços, reforçando
a concorrência e a interoperabilidade, melhorando o acesso a uma diversidade de redes e
reiterando liderança política. O eEurope 2005 demonstra as áreas em que a tomada de medidas
políticas poderá obter valor acrescentado:
Ligação das administrações públicas, escolas e cuidados de saúde em banda larga;
Serviços públicos interactivos, acessíveis para todos e oferecidos em múltiplas
plataformas;
Oferta de serviços de saúde em linha;
Eliminação dos obstáculos à implantação de redes de banda larga;
Revisão da legislação que afecta os negócios electrónicos;
Criação de uma task force para a cibersegurança.
Com efeito, evidenciam-se sete acções prioritárias:
Banda Larga (Broadband);
Segurança (Security);
Inclusão (e-Inclusion);64
Administração Pública em linha (e-government);
Ensino em linha (e-learning);
Saúde em linha (e-health);
Negócios em linha (e-business).
Posteriormente, o eEurope facultaria o intercâmbio de experiências, de boas práticas e de
projectos de demonstração, passando também pela partilha dos ensinamentos oriundos dos
insucessos. Em terceiro lugar, as medidas políticas seriam conduzidas e orientadas através da
avaliação de desempenhos. Por fim, proceder-se-ia a uma coordenação global das políticas
existentes para se encontrar sinergias entre as acções propostas.167 Em Maio de 2004 é publicada
uma actualização do eEurope 2005, onde são enfatizados os grandes objectivos do plano, mas
são acrescentados complementarmente quinze acções. Estas acções propostas não modificam a
estrutura ou orgânica do plano de acção, na medida em que, são formulados para alcançar os
objectivos específicos do eEurope 2005 e para acelerar o seu progresso. Desta forma, enumera-
se:
1. Os novos Estados Membros devem adoptar estratégias nacionais de implementação de
banda larga até ao final de 2004.
2. Durante 2004, a Comissão irá organizar o “Digital Divide Fórum” e produzir um
primeiro relatório em meados de Setembro de 2004.
3. Durante 2004, a Comissão irá analisar o processo do IPv6 (Novo Protocolo de Internet) e
publicar o respectivo relatório.
4. Identificar, no final de 2005, uma lista detalhada das prioridades para uma ampla
utilização e exploração de soluções de TIC para os serviços públicos na Europa.
5. Aplicar um enquadramento de boas práticas para o governo electrónico a meio de 2005.
6. A compilação de uma lista das melhores práticas de interoperabilidade na e-saúde pelo
final de 2005.
167 Idem.65
7. Estabelecimento, no final de 2005, de um mapa das actividades para promover uma co-
operação mais estreita entre os accionistas de educação, formação, investigação e
industria e o sector público.
8. A Comissão irá apresentar um relatório analisando o processamento e os efeitos da
directiva sobre a assinatura electrónica, com o objectivo de promover a e-assinatura.
9. No final de 2005, será autorizada e certificada a impressão digital para pagamentos
móveis.
10. Durante 2004, o Alto Grupo de Gestão dos Direitos Digitais fornecerá uma visão global
dos desafios tecnológicos, económicos e legais dos direitos digitais e recomendações
estratégicas para se passar do diálogo para a acção.
11. Criar as condições apropriadas para um Centro de Interoperabilidade Empresarial
(Enterprise Interoperability Centre) e para o tornar operacional no final de 2005.
12. Estabelecer, no final de 2005, uma base de dados com as melhores práticas de PMEs no
que diz respeito ao e-negócio (e-business).168
Apesar de uma avaliação positiva do impacto do eEurope 2005, era necessário persistir nestes
objectivos, continuar e desenvolver medidas, reformular directivas e apresentar novas soluções.
Assim, em Junho de 2005, é publicada a versão final da comunicação i2010 – A European
Information Society for growth and employment169, iniciativa que se baseia nas directrizes do
Conselho Europeu da Primavera de 2005, que definiu o conhecimento e a inovação como
grandes motores do crescimento sustentado e considerou essencial o desenvolvimento da
Sociedade de Informação de forma inclusiva, baseada na utilização generalizada das
Tecnologias de Informação e Comunicação nos serviços públicos, nas empresas e nos agregados
familiares. Neste documento, a Comissão Europeia propõe então um novo enquadramento
estratégico, que promove uma economia digital aberta e competitiva e enfatiza as TIC como
motor de inclusão e de qualidade de vida. Funcionando como um elemento chave da renovada
168 Comunicação da Comissão Europeia, eEurope 2005 Action Plan: An Update, 9675/04, Telecom 104, 19 de Maio de 2004.169Comunicação da Comissão Europeia, i2010 – A European Information Society for growth and employment, COM (2005) 229 Final, 1 de Junho de 2005.
66
estratégia de Lisboa para o emprego e crescimento, o plano i2010 assenta numa abordagem
integrada da Sociedade da Informação e das políticas de media e audiovisual na União Europeia.
Baseando-se numa análise dos desafios da Sociedade da Informação e das anteriores iniciativas
e instrumentos, a Comissão propõe três prioridades:
1. Um Espaço Único de Informação Europeu, que promove um mercado interno aberto e
competitivo para a Sociedade da Informação e Media e oferece ligações de banda larga
seguras e acessíveis, com conteúdos ricos e diversos e serviços digitais (assente na
velocidade, conteúdos, interoperabilidade e segurança).
Assim, o i2010 para o Espaço Único de Informação Europeu irá acelerar os resultados
económicos de uma convergência digital, através das medidas:
Quadro 7 – Medidas para o Espaço Único de Informação Europeu
Fonte: i2010 – A European Information Society for growth and employment.
2. O reforço da Inovação e do Investimento na investigação e desenvolvimento das TIC,
de forma a promover o crescimento e mais e melhores empregos.
67
Rever o enquadramento regulador das comunicações electrónicas (2006), incluindo a definição de uma eficiente gestão estratégica (2005).
Criar um consistente enquadramento para o mercado interno da Sociedade da Informação e dos media através da:
Modernização do enquadramento legal para os serviços áudio – visuais, começando com a proposta da Comissão em 2005 para a revisão da directiva “Televisão Sem Fronteiras”;
Análise e Adaptação (se necessária) para a comunidade acquis que afecta a Sociedade da Informação e os serviços dos media;
Promoção activa, rápida e eficiente da implementação das existentes e actualizadas acquis que governam a Sociedade da Informação e os media.
Suporte continuado para a criação e circulação dos conteúdos europeus.
Definir e implementar uma estratégia para uma Sociedade da Informação Europeia segura (2006).
Identificar e promover acções direccionadas para a interoperabilidade, tendo em particular consideração a gestão dos direitos digitais (2006/2007).
Em suma, o lançamento da agenda i2010 para o crescimento do investimento em investigação e
inovação, a Comissão irá:
Quadro 8 – Medidas para o reforço da Inovação e do Investimento
Fonte: i2010 – A European Information Society for growth and employment.
3. Alcançar uma Sociedade da Informação Europeia Inclusiva, que promova o
crescimento e o emprego, de modo consistente com um desenvolvimento sustentável e
que dê prioridade a melhores serviços públicos e a uma melhor qualidade de vida.
Portanto, para lançar a agenda social i2010, a Comissão efectuará:
Orientação política dos assuntos sobre a e-acessibilidade e cobertura da banda larga
(2005);
68
Propor um aumento de 80% no apoio à comunidade de investigação das TIC até 2010 e convidar os estados-membros a realizar o mesmo.
Priorizar a investigação estratégica em TICs, sobretudo no que respeita os pilares tecnológicos chave do FP7. (7th Framework Programme, é o principal instrumento da U.E. para financiamento de investigação e desenvolvimento. O FP7 irá iniciar-se em Janeiro de 2007 e terminará em 2013, sendo o primeiro FP desde 1984 com sete anos de execução. Tem como grandes objectivos a formação de uma área de investigação europeia assente no desenvolvimento de uma economia e sociedade do conhecimento na União Europeia).
Lançar a pesquisa e o desenvolvimento de iniciativas para ultrapassar os obstáculos que requerem soluções simultaneamente tecnológicas e organizacionais (2006).
Definir complementarmente medidas para encorajar os investimentos privados em investigação e inovação em TIC (2006).
Realizar propostas específicas para uma Sociedade da Informação para todos segundo as Orientações Estratégicas Comunitárias para a Coesão (2007-2013).
Definir políticas para o e-negócio, com o intuito de remover as barreiras tecnológicas, organizacionais e legais para a adopção das TIC, com uma atenção específica nas PMEs.
Desenvolver ferramentas para apoiar os novos padrões de trabalho que
Proposta para uma iniciativa europeia sobre e-Inclusão (2008);
Adopção de um plano de acção para o governo electrónico e orientações estratégicas de
TIC para facilitar os serviços públicos (2006);
Lançamento de projectos-piloto para testar a escala operacional, tecnológica, legal e
organizacional e soluções para colocar os serviços públicos em linha (2007);
Definir três iniciativas modelo da “qualidade de vida” oferecida pelas TIC como passos
iniciais (2007).
O plano de acção i2010 apela inteiramente ao novo ciclo de governação de Lisboa. Com efeito,
a União Europeia deu um novo impulso à Estratégia de Lisboa, enfatizando a importância de
uma parceria para o crescimento e o emprego. Deste modo, o i2010 contribuirá para uma
Europa mais atractiva, em termos de investimento e bens e serviços baseados no conhecimento.
No entanto, cada actor tem um papel específico neste projecto, nomeadamente a Comissão
Europeia, através do Programa Comunitário de Lisboa e particularmente através do i2010, liderá
o desenvolvimento de propostas para actualizar os quadros reguladores para as comunicações
electrónicas, Sociedade da Informação e Media, de forma a explorar todas as potencialidades do
mercado interno; usará os instrumentos financeiros comunitários para estimular o investimento
na investigação estratégica e para superar os obstáculos para a difusão da inovação das TIC e,
por fim, apoiará políticas direccionadas para a e-inclusão e a qualidade de vida.170
Aos Estados-membros (através dos Programas de Reformas Nacionais a serem adoptados em
meados de Outubro de 2005) cabe definir as prioridades da Sociedade da Informação em
consonância com as orientações integradas para o crescimento e emprego, que evidenciam a
importância das infra-estruturas e capacidades das TIC e a importância das TIC para o emprego
e a educação. Estes programas poderão ajudar os países membros a assegurar uma rápida e
meticulosa transposição dos novos quadros reguladores de forma a afectar a convergência
digital com ênfase em mercados abertos e competitivos; a aumentar a investigação sobre as TIC
no orçamento nacional; a desenvolver modernas e interoperáveis TIC que facilitem os serviços
públicos; a usar o seu considerável poder de compra como força para a inovação em TIC e
adoptar metas ambiciosas para o desenvolvimento de uma Sociedade da Informação a nível
nacional. Outros accionistas devem envolver-se num diálogo aberto e construtivo com o
desígnio de apoiar uma inovadora Sociedade do Conhecimento. Uma mensagem especial é
dirigida aos parceiros industriais, que devem contribuir para aumentar os investimentos na
170 Idem.69
investigação e desenvolvimento das TIC, enquanto esforços construtivos devem ser efectuados
em áreas onde existem barreiras críticas ao desenvolvimento da economia digital.171
Assim, com o i2010, a Comissão lança uma nova aproximação a uma política integrada da
Sociedade da Informação. Totalmente em linha com o novo ciclo de governação da relançada
Estratégia de Lisboa, o i2010 contribuirá para o objectivo fulcral de Lisboa, ou seja, de um
crescimento e emprego sustentável.172
b. As Políticas Portuguesas
Portugal, como Estado-membro, seguiu as políticas europeias definidas, e como tal, tentou
respondeu às pressões da União Europeia, no que diz respeito, ao estabelecimento e
desenvolvimento da Sociedade da Informação. Assim, aplicou as directrizes e orientações dos
planos de acção eEurope, da Estratégia de Lisboa e da nova iniciativa i2010, de forma a
demonstrar a mobilização para a nova era. A primeira abordagem estruturada da Sociedade da
Informação em Portugal ocorre no âmbito do XIII Governo Constitucional (1995-1999).
Contudo, é pertinente sublinhar que, em 1987, nasceu a Fundação para a Computação Científica
Nacional (FCCN), instituição pública que desde a sua génese teve um papel fulcral na
construção da Sociedade da Informação. O XIII Governo Constitucional cria o Ministério da
Ciência e Tecnologia, que tem como responsabilidade o acompanhamento e a dinamização da
Sociedade da Informação. As Grandes Opções do Plano para 1996 determinavam quatro eixos
basilares de desenvolvimento da Sociedade da Informação no nosso país, nomeadamente o
reforço da infra-estrutura tecnológica; o desenvolvimento da oferta e utilização das tecnologias
de informação e comunicação; a utilização das TIC na Administração Pública e a formação.173
Por sua vez, o Ministério solidifica a sua estratégia na Iniciativa Nacional para a Sociedade da
Informação, organizada em torno de quatro grandes eixos de intervenção, o “Estado Aberto”, o
“Saber Disponível”, a “Escola Informada” e a “Empresa Flexível”. São identificadas três áreas
prioritárias, concretamente, a rede científica e académica nacional; a preparação da escola para a
Sociedade da Informação e as relações entre a administração e os cidadãos. O Ministério da
Ciência e Tecnologia institui também a “Missão para a Sociedade da Informação”, criada em
resolução do Conselho de Ministros.174 A Missão para a Sociedade da Informação representava a
primeira estrutura de apoio à Sociedade da Informação. Desta forma, conduziu a elaboração e
171 Idem.172 Ibidem.173 Lei da Assembleia da República, n.º 10-A/96, de 23 de Março.174 Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/96, de 21 de Março de 1996.
70
publicação, em 1997, do Livro Verde para a Sociedade da Informação. Neste documento,
realizou-se um primeiro balanço do estado da Sociedade da Informação na Administração
Pública portuguesa. Foi efectivamente o primeiro grande momento de tomada de consciência do
problema e da oportunidade.175
Entre 1996 e 1999, prosseguiram-se importantes iniciativas, nomeadamente, a criação da Rede
Ciência, Tecnologia e Sociedade (RCTS); o lançamento do Programa Cidades Digitais; a
aprovação de um regime de deduções fiscais para aquisição de computadores, software e acesso
à Internet em casa; a Iniciativa Nacional para o Comércio Electrónico; a aprovação de
legislação sobre a Assinatura Digital e a Factura Electrónica e a Iniciativa Nacional para os
Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade de Informação. A avaliação das acções do
XIII Governo não se afigura linear, nem rigorosa, uma vez que, muitas das medidas estavam
ainda em execução em 1999 e não se tinha definido a priori indicadores de realização. Contudo,
Nuno Almeida Alves, frisa que a Missão para a Sociedade da Informação evidenciou um papel
pouco interventivo e bastante discreto. Com efeito, apesar de algumas importantes
concretizações, “Do volume de papel impresso e de documentos electrónicos on-line e off-line
produzidos sobram poucas realizações concretas”176. Efectivamente, o Programa Internet na
Escola parece ter sido o que agregou maior índice de realização. No caso das cidades digitais,
destaca-se essencialmente o Aveiro Digital, que reiterou a importância da acção dos agentes
locais, concretamente a Universidade de Aveiro, a Portugal Telecom Inovação e a Câmara
Municipal de Aveiro, em detrimento da iniciativa do Estado Central. De facto, o governo
electrónico local tem um papel crucial no âmbito das cidades e regiões digitais. Neste período,
observava-se a existência de um número bastante diminuto de cidades digitais e respectivos
programas, o que conferiam pouco dinamismo, consistência e orgânica ao projecto.
Ainda durante 1998 e 1999, foi preparado o Livro Branco do Desenvolvimento Científico e
Tecnológico Português (1999-2006), onde se levantaram necessidades e oportunidades de
desenvolvimento científico e tecnológico, abrangendo os elementos relativos à Sociedade de
Informação. Esta iniciativa foi realizada por um vasto processo de participação que abarcou
inúmeros actores, nomeadamente a comunidade científica; profissionais de ciência e tecnologia;
universidades; organismos públicos e privados; empresas; associações empresariais e
profissionais; autoridades locais e regionais e contando particularmente com as contribuições
175 Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, 1997, Lisboa.176 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 242.
71
recebidas no “Fórum Permanente de Política Científica e Tecnológica” criado, em 1998, na
Internet.177
O XIV Governo Constitucional, que toma posse no último trimestre de 1999, mantém no
Ministério da Ciência e Tecnologia o mesmo Ministro do governo anterior, reforçando a
orientação política e programática iniciada precedentemente. Contudo, a diferenciação da acção
política do XIV Governo assenta na implementação de três programas, nomeadamente a
Iniciativa Internet, o Programa Operacional Sociedade da Informação (POSI) e o plano
europeu eEurope 2002. Estes programas influenciam decisivamente a estruturação da Sociedade
da Informação, assim como, influem nos planos legislativo e institucional. Foi criada a
“Comissão Interministerial para a Sociedade de Informação” e lançada a Iniciativa Internet, que
impulsionou a acção pública e a iniciativa privada, direccionando-se para a inclusão social e
para a dinamização da cooperação internacional. Em paralelo, foi criado um “Sistema de
Informação Estatística” para acompanhamento dos desenvolvimentos no domínio da Sociedade
de Informação. A equipa do Ministério da Ciência e Tecnologia preparou a implementação e
desenvolvimento do eEurope 2002 e a definição e negociação do POSI, que se inseriu no III
Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, aprovado em Julho de 2000.178 As Grandes Opções
do Plano para o ano de 2000 parecem ser a evidência de um novo alento nas políticas para a
Sociedade da Informação. O plano dividia-se em quadro grandes linhas de acção,
“Acessibilidades e Conteúdos”, “Estado Aberto: Modernizar a Administração Pública”,
“Portugal Digital” e “Desenvolver Competências”. 179
Enquadrado no POSI, lançou-se em 2001, o concurso público para a generalização do Programa
Cidades e Regiões Digitais e estabeleceu-se os primeiros Espaços Internet públicos, importantes
meios de acesso à Internet e de formação de competências básicas em TIC. Ainda em 2001 foi
aprovado o Decreto-Lei que criou o “Diploma de Competências Básicas em Tecnologias de
Informação” e a “Comissão Interministerial para a Sociedade de Informação” abriu concurso
para a avaliação dos sítios na Internet de organismos integrados na administração directa e
indirecta do Estado. De acordo, com dados publicados, no final de 2001, todas as escolas do país
estavam ligadas à Internet.180 Em Abril de 2002, o Primeiro – Ministro Eng.º António Guterres
demite-se, o Parlamento é dissolvido e convocam-se eleições legislativas antecipadas. Os dois
177Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.178 Idem.179 Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.180 Plano de Acção Ligar Portugal, www.ligarportugal.pt
72
anos de mandato deste governo e as acções tomadas no que respeita a Sociedade da Informação
evidenciam uma continuidade da orientação governamental anterior. A modificação essencial
diz respeito ao POSI, programa que se mostrou crucial para o desenvolvimento da Sociedade da
Informação no nosso país, e também, à Iniciativa Internet. No entanto, por exemplo, a regulação
dos serviços de telecomunicações e dos prestadores de serviços de Internet ficou por realizar.
Assim, o XV Governo Constitucional (2002-2004), composto pela coligação entre o Partido
Social-democrata e o Centro Democrático Social-Partido Popular, reitera uma modificação na
estratégia de desenvolvimento da Sociedade da Informação no nosso país. No entanto, como
patenteia Nuno Almeida Alves, “(…) é possível observar que as alterações processadas se
inscrevem mais na alteração do discurso e da estrutura de coordenação política do que no
conjunto das políticas efectivamente implementadas”181. Quanto, às Grandes Opções do Plano
para 2003, à semelhança do programa do governo são determinadas cinco linhas de acção,
nomeadamente o governo electrónico; o acesso generalizado à Internet; o desenvolvimento da
Economia Digital; o desenvolvimento das TIC e o desenvolvimento da segurança digital.182 A
tutela política sobre a Sociedade da Informação passa a ser da responsabilidade do Ministro-
Adjunto do Primeiro-ministro. Deste modo, em Novembro de 2002, é criada a “Unidade de
Missão Inovação e Conhecimento” (UMIC), na dependência directa do Ministro-adjunto do
Primeiro-ministro. Sendo a estrutura de apoio ao desenvolvimento da política governamental em
matéria de inovação, Sociedade da Informação e governo electrónico.183 No mesmo período é
instituída a “Comissão Interministerial para a Inovação e Conhecimento”, que integra
representantes de todos os ministérios a quem compete propor, de forma calendarizada,
estratégias e desenvolvimento integrado para a inovação, a Sociedade da Informação e o
governo electrónico. Têm ainda como competência acompanhar a execução do Plano de Acção
e-Europe 2005.
Em 2003, e através da acção da UMIC, são aprovados em Conselho de Ministros, um conjunto
de documentos que orientam as políticas do XV Governo para a Sociedade da Informação,
nomeadamente o Plano de Acção para a Sociedade da Informação; o Plano de Acção para o
Governo Electrónico; a Iniciativa Nacional para a Banda Larga; o Programa Nacional de
Compras Electrónicas e o Programa Nacional para a Participação dos Cidadãos com
Necessidades Especiais na Sociedade da Informação.184 Assim, o Plano de Acção para a 181 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 256.182 Lei da Assembleia da República n.º 32-A/2002 de 30 de Dezembro.183 Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de Novembro.184 Diário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).
73
Sociedade da Informação, representa a base de todos os outros programas, pretendendo alcançar
um conjunto de objectivos, tais como, aumentar a eficiência e a eficácia do sistema económico,
a competitividade e a produtividade do tecido empresarial; aumentar as habilitações,
competências e conhecimento dos portugueses, principais substratos da capacidade de
desenvolvimento sustentado do país; contribuir para a modernização, racionalização e
revitalização da Administração Pública e do aparelho de Estado; dinamizar a sociedade civil,
promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos.185
Este plano de acção apoia-se em sete pilares de actuação:
1. Uma Sociedade da Informação para todos;
2. Novas capacidades;
3. Qualidade e eficiência dos serviços públicos;
4. Melhor cidadania;
5. Saúde ao alcance de todos;
6. Novas formas de criar valor económico;
7. Conteúdos atractivos.
Cada pilar agrega um conjunto de medidas, que correspondem aos vários eixos de
implementação.186 Todavia, de acordo com Nuno Almeida Alves, “O conjunto de dimensões
referido não é substancialmente diferente no contido na Iniciativa Internet, aprovado em 2000,
pelo Governo antecedente”187.
Entre 2003 e 2004, destacam-se os seguintes projectos da UMIC:
Concepção e lançamento do Portal do Cidadão, que mobilizou cerca de 120 entidades
públicas;
Prossecução da estratégia definida para a área de Compras Públicas Electrónicas
(desenvolvimento de Projectos-Piloto em 8 ministérios, conceptualização da Unidade
Nacional de Compras e do Registo Nacional de Fornecedores, desenvolvimento do
Portal compras.gov.pt, estimativa de Poupanças por Categorias, entre outros);
185 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Uma Nova Dimensão de Oportunidades – Plano de Acção para a Sociedade da Informação, Oeiras, UMIC, 2003.186 Idem, p. 9.187 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 260.
74
Dinamização da Banda Larga em Portugal (ligação da rede escolar em banda larga,
apetrechamento das escolas pré-escolar com computadores e software educativo,
promoção da maior zona de Internet sem fios do mundo (Parque das Nações), criação de
novos Pontos de Acesso Público em Banda Larga e de um Mapa da Internet em Portugal,
arranque da iniciativa Redes Comunitárias, entre outros);
Realização de um projecto-piloto de voto electrónico nas Eleições para o Parlamento
Europeu em 9 freguesias, que contou aproximadamente com 9500 eleitores;
Criação e lançamento da Biblioteca do Conhecimento On-line (B-on), agregando mais
de 3500 revistas científicas;
Criação, lançamento e consolidação da iniciativa e-U/«Campus Virtuais», à qual
aderiram todas as instituições de ensino superior, naquela que é a maior iniciativa do
género a nível mundial;
Criação do Guia de Interoperabilidade da Administração Pública (AP) e Guia de
Racionalização das Comunicações;
Criação do Guia das Cidades e Regiões Digitais e aprovação e lançamento de novos
projectos de forma a assegurar a cobertura da maior parte do território do continente e
Regiões Autónomas;
Promoção da coesão digital nomeadamente através da elaboração e divulgação de um
anexo ao caderno de encargos para que todos os sites a concurso sejam acessíveis para
cidadãos com necessidades especiais e avaliação dos sites da AP;
Produção de indicadores estatísticos sobre a Sociedade da Informação em Portugal;
Reforço do Programa Operacional para a Sociedade da Informação, no âmbito da «mid
term review» do Terceiro Quadro Comunitário de Apoio.
Contudo, em Novembro de 2003, o estudo da “Associação Portuguesa para o Desenvolvimento
da Sociedade da Informação” (APDSI) faz o balanço da Administração Pública portuguesa na
Sociedade da Informação. Aponta obstáculos e acções essenciais para o governo electrónico,
aprofundadas precedentemente no capítulo referente ao governo electrónico.188
Em Junho de 2004, o Primeiro-ministro José Durão Barroso pede a demissão para aceitar o
convite para a Presidência da União Europeia, o que levou à queda do XV Governo
Constitucional, embora não tenham sido convocadas eleições antecipadas, e portanto, continue
no poder o Partido Social-democrata, agora com um novo representante. Relativamente, à
188 www.apdsi.pt 75
avaliação das actividades do XV Governo Constitucional, observa-se que as políticas para a
Sociedade da Informação foram iniciadas tarde, uma vez que, a criação da UMIC e da Comissão
Interministerial Inovação e Conhecimento, as estruturas de coordenação política e programática,
apenas se efectivaram seis meses após a tomada de posse. Apesar deste início tardio, a definição
de acções e programas foi bastante significativa, embora a taxa de execução dos projectos não
tenham alcançado os 10%. De facto, “O que há a dizer deste conjunto de planos programáticos é
que é notoriamente excessivo, as dezenas ou centenas de medidas e projectos propostos
ultrapassam, de longe, qualquer capacidade de realização, por muito generosos que sejam os
recursos materiais, muito disponíveis e capazes que sejam os recursos humanos, por perfeita que
seja a articulação com a administração pública central e local, o sector empresarial, o sistema de
ensino, o terceiro sector ou mesmo os cidadãos”189. Assim, apesar do exposto, iniciativas
importantes foram empreendidas, nomeadamente o Portal do Cidadão, os “Campus Virtuais” e a
Biblioteca Científica Digital. Contudo, o autor supracitado frisa uma pertinente interrogação
“Compensarão estes casos exemplares a ínfima taxa de realização do conjunto de projectos
(…)?”190.
No início de 2005, a “Unidade de Missão, Inovação e Conhecimento” (UMIC) mudou de nome
e de forma jurídica, passando a chamar-se “UMIC – Agência para a Sociedade do
Conhecimento”, depois de ter realizado um vasto conjunto de programas.191
O XVI Governo Constitucional (2004-2005) define no âmbito da Sociedade da Informação um
programa que assenta na continuidade das acções e orientações do governo anterior. Assim, na
medida “Investir na Qualificação dos Portugueses”, mais concretamente no ponto 5, é abordada
a Sociedade da Informação. Nesta circunstância é frisado que o desenvolvimento da Sociedade
da Informação e do Conhecimento, através do seu impacto estruturante na Sociedade
Portuguesa, actua como alavanca fundamental das capacidades nacionais. Desta forma,
determinam-se os seguintes objectivos:
1. Aumentar a eficácia e eficiência do sistema económico, a competitividade e a
produtividade do tecido empresarial;
2. Aumentar as habilitações, competências e conhecimento dos portugueses, principais
substratos da capacidade de desenvolvimento sustentado do país; 189 Nuno Alexandre de Almeida Alves, op. Cit., p. 265.190 Ibidem.191 Decreto-lei n.º 16/2005, de 18 de Janeiro.
76
3. Contribuir para a modernização, racionalização, responsabilização e revitalização da
Administração Pública;
4. Dinamizar a sociedade civil, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida dos
cidadãos.
Para alcançar estes objectivos, são mantidas e fortalecidas as medidas estratégicas determinadas
pelo XV Governo Constitucional. É reiterada a importância de se instituir preços acessíveis para
a generalização do acesso à Internet de banda larga, mas as acções enumeradas não se focalizam
na concretização deste facto. São também definidas acções para o governo electrónico. Com
efeito, nas Grandes Opções do Plano para 2005, são indicadas nove áreas de actuação que
concretizam a política governamental neste âmbito, mais concretamente:
1. Sociedade da Informação para Todos (massificação da Banda Larga, sensibilização da
sociedade para as TIC, desenvolver a concorrência, promover conteúdos em português,
e-learning, e-inclusão.)
2. Novas Capacidades (que assenta essencialmente na criação de condições para a
massificação, formação e certificação nas TIC, através do estabelecimento de um
Sistema Nacional de Certificação em TIC);
3. Serviços Públicos Orientados para o Cidadão e Administração Pública Moderna e
Eficiente (reforçar o Portal do Cidadão, Reengenharia de processos, Aposta no Governo
Electrónico);
4. Novas Capacidades Tecnológicas e Racionalização de Custos de Comunicação (definir a
Arquitectura tecnológica e de segurança da Administração Pública e uma Política
Nacional de Segurança Digital e criar um Plano de Segurança das Redes e da Informação
para a AP; lançar uma campanha para Divulgação de uma Cultura Nacional de
Segurança, racionalizar custos);
5. Gestão Eficiente de Compras (apoiar os projectos-piloto de Compras Electrónicas
Ministeriais, promover a sua generalização em todos os Ministérios e criar Unidades
Ministeriais de Compras);
6. Melhor Cidadania (propor a realização de um projecto-piloto vinculativo de Voto
Electrónico, acesso gratuito ao DR electrónico);
77
7. A Sociedade da Informação no Território (descentralização, projectos das cidades e
regiões digitais);
8. I&D e Inovação em TIC (apoiar projectos de inovação e de I&D, lançar um programa
nacional de incentivo ao empreendedorismo na área das TIC);
9. Institucionalizar a Área da Sociedade da Informação (reforçar a capacidade operacional
da UMIC e a sua evolução institucional).192
Pelas circunstâncias ocorridas, ou seja, pela destituição do governo pelo Presidente da República
e pela convocação de eleições antecipadas, este governo não teve tempo para executar as
medidas que propôs. Desta forma, a avaliação das acções concretas deste governo afigura-se
inexequível.193
Em Março de 2005, é aprovado o Programa do XVII Governo Constitucional. Este programa,
tal como, as Grandes Opções do Plano 2005-2009 evidenciam o lançamento do Plano
Tecnológico, responsável pela dinamização da Sociedade da Informação. Com efeito, neste
contexto, a questão da Sociedade da Informação ganha um extraordinário destaque político e
mediático. Tendo como título Mobilizar Portugal para a Sociedade da Informação, são
enquadrados neste programa, os objectivos e prioridades de desenvolvimento neste âmbito.
Assim, é demonstrado que a generalização do acesso à Internet e às TIC é um factor crítico do
projecto do Governo para o desenvolvimento da sociedade portuguesa. É ainda referido, que
juntamente com o apoio à inovação, a aposta nas TIC irá possibilitar a aproximação à fronteira
tecnológica dos países mais avançados. Aliás, é frisado que o atraso português em termos de
utilização de TIC reflecte-se negativamente no índice de competitividade geral. Desta forma,
acentuam-se os seguintes objectivos:
A generalização do uso efectivo da Internet nas actividades educativas;
A generalização a todo o território do acesso à banda larga, a preços idênticos aos dos
países mais desenvolvidos da União Europeia.194
192 Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A). 193 Programa do XVI Governo Constitucional, http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC16/Programa/programa_p033.htm
194 Programa do XVII Governo Constitucional, Grandes Opções do Plano 2005-2009, Lei da Assembleia da República, n.º 52/ 2005 de 31 de Agosto.
78
Perante o quadro de diminuta mobilização da sociedade portuguesa para a Era da Informação e
do Conhecimento, o programa supracitado salienta que é fundamental solidificar iniciativas em
curso (como, por exemplo, as transacções electrónicas, cidades e regiões digitais, conteúdos
digitais, campus virtuais), preencher lacunas (por exemplo, o acesso e utilização da Internet em
todas as escolas; partilha de conhecimento e adopção de licenças CC creative commons;
democracia electrónica; promoção de sistemas operativos não proprietários open source sempre
que apropriado; combate à fraude; reforço da privacidade, segurança e fiabilidade; planeamento
estratégico dos sistemas de informação na Administração Pública e nas PME) e impulsionar a
inovação e a criação de novas actividades em áreas de desenvolvimento estratégico
(nomeadamente em computação distribuída Grid, visualização de informação e redes P2P). É
ainda destacado a necessidade de estimular o investimento público e mobilizar o investimento
privado nesta área, abrindo os mercados públicos de telecomunicações e garantindo a
independência da entidade reguladora do sector.195
O programa em análise aponta para a necessidade de reorientar o esforço público de modo a
assegurar a mobilização de uma base social de apoio muito mais alargada que possibilite uma
mais rápida apropriação social e económica das TIC como vector de desenvolvimento do País.
Desta forma, a iniciativa Ligar Portugal, um dos planos estratégicos do Plano Tecnológico do
XVII Governo, insere-se nesta perspectiva e desafio, pretendendo atingir uma ampla
mobilização das pessoas e das organizações para o uso generalizado das Tecnologias de
Informação e Comunicação e para o desenvolvimento em Portugal da Sociedade de Informação
e da economia baseada no conhecimento. Neste programa, que alude a um novo ciclo de
mobilização, são determinadas metas para Portugal Digital 2010, nomeadamente,
Duplicar os utilizadores regulares da Internet, que deverão ultrapassar 60% da população
portuguesa, até 2010 (25% em Portugal e 41% na UE15, em 2004);
Triplicar o número de agregados familiares com acesso à Internet em banda larga para
mais de 50% até 2010 (17% no final de 2004);
Multiplicar o número de computadores nas escolas, de forma a atingir a proporção
média de um computador por cada 5 estudantes até 2010;
195 Idem.79
Assegurar que o preço do serviço de acesso permanente à Internet em banda larga
utilizado pela maioria da população portuguesa deverá situar-se entre os três mais baixos
da UE, em 2010, incluindo tráfego ilimitado e a assinatura de linha telefónica.
Aumentar o número de empregos do sector das Tecnologias de Informação e
Comunicação para 3% do total de emprego (representando cerca de 44.000 novos
empregos);
Aumentar a percentagem de trabalhadores que utilizam computadores ligados à Internet
no emprego para pelo menos 40% (19% em 2004);
Aumentar a utilização de comércio electrónico de forma regular para pelo menos 25% da
população (3% em 2004);
Assegurar a disponibilização on-line de todos os serviços públicos básicos.
No que concerne a educação, aprendizagem e formação são definidas as seguintes metas:
Aumentar o número de pessoas que participam em acções educacionais e de formação
regularmente em 2010 para pelo menos 13% na população com idades entre os 25 e 64
anos (4,8% em 2004);
Aumentar o número de novos graduados em áreas científicas e tecnológicas em 2010
para 12 por 1000 na população com idades entre 20 e 29 anos (8,2 em 2003);
Aumentar o número de novos doutoramentos em áreas científicas e tecnológicas em
2010 para 0,45 por 1000 na população com idades entre os 25 e 34 anos (0,3 em
Portugal e 0,55 na UE15, em 2001);
Triplicar o esforço privado em I&D (que hoje não ultrapassa 0,27% do PIB), criando as
condições de estímulo necessárias;
80
Duplicar o investimento público em I&D, de forma a atingir 1% do PIB (sendo hoje
cerca de 0,6% do PIB).196
No que diz respeito às acções a empreender, salientam-se:
1. Facilitar a utilização de computadores em casa por estudantes, designadamente
através dos seguintes mecanismos:
Reduzir para metade os custos de aquisição de computadores pelas
famílias com estudantes a cargo e que não se encontrem nos escalões de
rendimentos mais elevados, através de dedução fiscal específica à colecta
até 250 €;
Promover a disponibilização progressiva de computadores aos estudantes
mais carenciados, através dos serviços de acção social escolar;
2. Apoiar a massificação de ofertas integradas de computadores e ligação em banda
larga à Internet, especialmente para estudantes;
3. Promover o desenvolvimento do mercado de computadores em segunda mão com
garantia e de computadores usados recondicionados;
4. Assegurar a ligação em banda larga de todas as escolas do País, até ao final de
2005;
5. Duplicar a rede de “Espaços Internet” para acesso público gratuito em banda
larga, com acompanhamento por monitores especializados e condições para
utilizadores com necessidades especiais, estimulando o seu funcionamento como
Centros Comunitários;
6. Criar uma oferta pública de Internet de Cidadania, garantindo o acesso livre e
gratuito a serviços públicos e de interesse público disponibilizados pela Internet,
196 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt.
81
os quais deverão abranger a totalidade dos serviços básicos até ao final da
legislatura;
7. Implementar e operar, como rede pública com circuitos próprios, a dorsal da
RCTS (Rede Ciência Tecnologia e Sociedade) e estender as suas ligações às
redes internacionais (Geant2) através de Espanha, garantindo a redundância de
circuitos. Associar a este desenvolvimento a criação da rede nacional de
segurança de toda a administração pública;
8. Estimular a formação profissional a todos os níveis e a I&D em Tecnologias de
Informação e Comunicação, em empresas, instituições de ensino e laboratórios
de investigação, promovendo a concorrência, a emergência de mercados
demonstradores e a colaboração internacional;
9. Lançar a Iniciativa nacional GRID, a exemplo de outros países europeus, para a
investigação e desenvolvimento e para o aproveitamento das oportunidades
económicas induzidas pelo paradigma de computação distribuída;
10. Desenvolver uma política de segurança informática, dotada dos instrumentos
adequados.197
O Plano Ligar Portugal indica também que será criado o “Fórum para a Sociedade da
Informação”, órgão de consulta e concertação para o desenvolvimento das políticas públicas
para a Sociedade da Informação, que reúne os principais actores sociais, públicos e privados e é
aberto, de forma interactiva, à sociedade em geral.198 No estudo que mencionamos em seguida,
as políticas deste governo são avaliadas por um painel de especialistas e actores da área. Com
efeito, a APDSI em colaboração com o Expresso e a Eurosondagens apresentaram em Abril,
Julho e Novembro de 2005, um estudo de opinião sobre a Sociedade da Informação. Desta
forma, enviaram o questionário em anexo a 109 personalidades representativas de entidades e
instituições directamente ligadas ou interessadas no desenvolvimento da Sociedade da
Informação.
197 Idem.198 Ibidem
82
Deste modo, em Abril, dos 30 questionários respondidos, os dados obtidos evidenciam que na
primeira questão “Como avalia a evolução verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes
domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do governo e das entidades reguladoras no
estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de competitividade no mercado das TIC”;
“Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade, qualidade e custo)”; “Nível de literacia
base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento em TIC”; “Recurso preferencial à Internet
como fonte de informação e meio de comunicação” e por fim, “Adopção de canais electrónicos
e processos de comércio electrónico pelas organizações”, os inquiridos optaram
maioritariamente pela resposta “Aumentou marginalmente” (à excepção do segundo, terceiro e
quarto item, onde a opção “Não Houve Alteração” obteve o valor mais elevado).199
Quanto à segunda questão “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses, nos seguintes
domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção “Aumentar
(marginalmente) ” obtêm os valores mais elevados na maioria das respostas, menos no item 1,
ou seja, “Actuação do governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da
Informação”, onde os inquiridos consideram que vai “Aumentar (significativamente) ” (61,1%)
e no item 2, “Nível de competitividade no mercado das TIC”, que demonstra que a opção de
resposta “Não Haverá Alteração” é a mais cotada (43,3%).200
Comparando a evolução dos últimos seis meses e a evolução estimada pelos inquiridos dos
próximos seis meses, verificamos que as expectativas são positivas, já que, há mais respostas
“Vai Aumentar/Melhorar” e menos “Sem Alteração” e “Vai Diminuir/Degradar-se”.201
AS QUESTÕESÚLTIMOS
SEIS MESESPRÓXIMOS
SEIS MESES
DIFERENÇAS
Diminuiu/Degradou-se significativamente
6 0 -6
Diminuiu/Degradou-se marginalmente 16 1 -15Não houve alteração 81 55 -26Vai aumentar/Melhorar marginalmente
102 117 +15
Vai aumentar/Melhorar 5 37 +32
199 Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Abril 2005, www.apdsi.pt.200 Idem.201 Idem.
83
significativamenteTOTAL 210 210 0
Quadro 9 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos seis
meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Abril 2005, www.apdsi.pt
Em Julho de 2005, (envio e recepção dos questionários em Junho e Julho), dos 36 questionários
respondidos, os resultados demonstram que na primeira questão “Como avalia a evolução
verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do
governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de
competitividade no mercado das TIC”; “Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade,
qualidade e custo)”; “Nível de literacia base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento
em TIC”; “Recurso preferencial à Internet como fonte de informação e meio de comunicação” e
por fim, “Adopção de canais electrónicos e processos de comércio electrónico pelas
organizações” os inquiridos optaram maioritariamente pela resposta “Não houve alteração”, à
excepção do primeiro item, onde a opção “Aumentou marginalmente” obteve 33,3% (valor mais
elevado).202 Relativamente à segunda questão “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses,
nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção
“Aumentar (marginalmente)” obtem os valores mais elevados em todas as respostas, menos no
item 4, ou seja, “Nível de literacia base, em TIC, da população”, onde os inquiridos consideram
que não haverá alteração (61,1%). Este facto pode evidenciar algum cepticismo quanto aos
programas de combate à info-exclusão, mas também poderá significar que seis meses não são
suficientes para alterar a situação actual.203
Assim, comparando novamente a evolução dos últimos seis meses e a evolução estimada pelos
inquiridos dos próximos seis meses, observamos que as expectativas são positivas, na medida
em que, na maioria das respostas a opção “Aumentar (marginalmente)” totaliza os valores mais
significativos.204
Quadro 10 – “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos últimos
seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
202Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Julho 2005, www.apdsi.pt. 203 Idem.204 Idem.
84
Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Julho 2005, www.apdsi.pt
Em Novembro de 2005 (envio e recepção dos questionários em Outubro), dos 22 questionários
respondidos, os resultados comprovam que na primeira questão “Como avalia a evolução
verificada, nos últimos 6 meses, nos seguintes domínios?”, sendo esses domínios “Actuação do
governo e das entidades reguladoras no estímulo à Sociedade da Informação”; “Nível de
competitividade no mercado das TIC”; “Acessibilidade de bens e serviços TIC (disponibilidade,
qualidade e custo)”; “Nível de literacia base, em TIC, da população”; “Nível de Investimento
em TIC”; “Recurso preferencial à Internet como fonte de informação e meio de comunicação” e
por fim, “Adopção de canais electrónicos e processos de comércio electrónico pelas
organizações” os inquiridos optaram maioritariamente pela resposta “Não houve alteração”, à
excepção dos últimos três itens, onde a opção “Aumentou marginalmente” foi a mais
seleccionada.205
No que diz respeito à segunda questão, “Como estima a evolução, nos próximos 6 meses, nos
seguintes domínios?”, sendo esses domínios os itens já enumerados anteriormente, a opção
“Aumentar (marginalmente)” obtem os valores mais elevados em todas as respostas, menos no
item 4, ou seja, “Nível de literacia base, em TIC, da população”, onde os inquiridos consideram
que não haverá alteração (61,1%). Este facto pode evidenciar algum cepticismo quanto aos
programas de combate à info-exclusão, mas também poderá significar que seis meses não são
suficientes para alterar a situação actual.206Assim, comparando novamente a evolução dos
últimos seis meses e a evolução estimada pelos inquiridos dos próximos seis meses, observamos
205 Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Novembro 2005, www.apdsi.pt. 206 Idem.
AS QUESTÕES ÚLTIMOS SEIS
MESES
PRÓXIMOS SEIS
MESES
DIFERENÇAS
Diminuiu/Degradou-se significativamente
3 6 +3
Diminuiu/Degradou-se marginalmente
20 8 -12
Não houve alteração 130 5 -45
Vai aumentar/Melhorar marginalmente
88 132 +44
Vai aumentar/Melhorar significativamente
11 20 +9
TOTAL 252 252 0
85
que as expectativas são positivas, na medida em que, na maioria das respostas a opção
“Aumentar (marginalmente)” totaliza os valores mais significativos.207
Quadro 11 “Comparação das respostas obtidas na pergunta relativa à evolução dos
últimos seis meses e na pergunta relativa à evolução dos próximos seis meses”
AS QUESTÕES
ÚLTIMOS
SEIS MESES
PRÓXIMOS
SEIS MESES DIFERENÇAS
Diminuiu/Degradou-se significativamente 3 3 0
Diminuiu/Degradou-se marginalmente 14 7 -7
Não houve alteração 71 54 -17
Vai aumentar/Melhorar marginalmente 58 78 +20
Vai aumentar/Melhorar significativamente 8 12 +4
TOTAL 154 154 0
Fonte: Estudo de Opinião APDSI/Expresso/Eurosondagens, Novembro 2005
De qualquer forma, todos os dados ilustrados demonstram um cenário nacional com claras
fragilidades no que diz respeito à mobilização para a Sociedade da Informação. No painel
constituído pela APDSI, a terceira questão, que interroga os inquiridos sobre qual dos três temas
será mais importante para os próximos 3/6 meses (Choque tecnológico anunciado por José
Sócrates, Medidas de regulação da Anacom no sector das telecomunicações, Primeiras Medidas
do governo na área da Sociedade da Informação), demonstra em Abril de 2005, que a terceira
opção alcança 80%, enquanto o choque tecnológico obtêm 13,3% e as medidas da Anacom
6,7%; em Julho de 2005, a terceira resposta alcança 50%, enquanto o choque tecnológico obtêm
22,2% e as medidas da Anacom totalizam 27,8%. Em Novembro de 2005, as opções passam a
ser “Impacto das medidas do Orçamento de Estado 2006 (quebra da rubrica Sociedade de
Informação e reforço das verbas à disposição da UMIC)”; “O papel do “open source” na
contenção de despesas em TI na Administração Pública” e “O anúncio da estratégia nacional da
Agenda de Lisboa”, alcançando 68,2%, 13,6% e 18,2% respectivamente.208
C. Governo Electrónico209
207 Ibidem.208 Idem.209 Governo electrónico corresponde à tradução literal de “e-government”. Embora, muitos autores portugueses utilizem o anglicanismo, optamos por usar a expressão em português. No entanto, por exemplo, Luís Borges Gouveia frisa que esta tradução não corresponde totalmente à verdade, “De facto, o que se pretende englobar é mais do que o poder central, em especial o poder político. Desta forma, uma vez que se pretende incluir os serviços, regulação e demais órgãos da Administração Pública. A designação de Administração Pública electrónica parece ser a mais adequada.” Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A governação digital na autarquia, Sociedade
86
1. Aproximação Conceptual
O governo electrónico (“e-government”) pode ser delimitado como a utilização das TIC, para
melhorar os serviços e informação disponibilizados aos cidadãos, com o intuito de aumentar a
eficiência e a eficácia da gestão e administração pública, impulsionando a transparência do
sector público.210 De acordo com o projecto da OCDE sobre governo electrónico, “the term “e-
government” focuses on the use of new information and communication technologies (ICTs) by
governments as applied to the full range of government functions”211.
De facto, como evidenciam André Alves e José Moreira, a noção de governo electrónico emerge
efectivamente para “designar o processo de transformação nas estruturas e relações internas e
externas dos vários níveis do Estado e da Administração Pública, através da incorporação e da
potencialização das TIC”212. Contudo, segundo os mesmos autores, o conceito em análise inclui
ainda progressivamente, a satisfação das exigências de uma Administração Pública menos
burocrática e mais centrada nos cidadãos, “Governo electrónico: conceito que engloba o recurso
às TIC para a obtenção de ganhos de eficiência e eficácia nos vários níveis do Estado e da
Administração Pública, quer no plano das relações internas (G2G), quer no das relações
externas (G2B e G2C), assim como o modo de facultar serviços públicos menos burocratizados
e mais centrados nos cidadãos através da modernização das estruturas de governação”213.
Com efeito, para Luís Borges Gouveia o vocábulo em discussão corresponde à “Utilização das
TIC na Administração Pública, incluindo o impacto das transformações na organização e
prestação de serviços ao cidadão e a quem com ele se relacione, de maior qualidade, que
potencia a operacionalização de políticas públicas de um modo mais eficaz, eficiente e a menor
custo. Adicionalmente, também o poder político é suportado pelas facilidades associadas ao e-
government”214. Assim, no contexto do desenvolvimento exponencial da Internet e das TIC,
além do governo electrónico, conceitos como ciber-gestão e e-administração tornam-se
evidentes à medida que as agências progressivamente se colocam em linha.
2. Potencialidades e Implicações do Governo Electrónico
Portuguesa de Inovação, Porto, 2004, p. 20.210 Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (APDSI), Ponto de Situação do E-Government em Portugal, Convento da Arrábida, 14 de Novembro 2003, www.apdsi.pt . 211 OCDE/PUMA, E-Government: Analysis Framework and Methodology, 16/ANN/REV1, 2001.212 André Alves e José Moreira, Cidadania Digital e Democratização Electrónica, SPI, Porto, 2004, p. 8.213 Idem, p. 9. Nota: G2C (Government to Government) diz respeito às relações internas na Administração Pública, G2B (Government to Business) consiste nas relações externas que englobam a interacção com as empresas, e por fim, G2C (Government to Citizens) concerne as relações externas que envolvem a interacção com os cidadãos. Embora nesta definição, a interacção G2E (Government to Employee) não esteja presente, é largamente usada no contexto da temática em análise.214 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A governação digital na autarquia, p. 21.
Neste enquadramento, “Public Organizations and private-sector firms are reorganizing and
realigning themselves to take full advantage of new information technology and the promise of
the Internet as a medium for rapid communication retrieval and dissemination”215. O governo
electrónico demonstra grandes potencialidades, mas também sérios desafios, como a info-
exclusão e a adaptação e adequação de procedimentos. De facto, a própria Internet acarreta
factores positivos e negativos para a administração pública. Por exemplo, é necessário promover
o uso da Internet para os empregados e clientes, tendo em consideração, a simplificação de
procedimentos, tempos de decisão, qualidade, eficiência e eficácia do serviço público.
Simultaneamente, é imperativo estabelecer políticas para desencorajar o abuso da Internet e a
corrupção por funcionários e clientes. Assim, as tradicionais estratégias e hierarquias
organizacionais podem não ser bem sucedidas em espaços de tele-trabalho. Portanto, “In
particular, the networking potential offered by the Internet and related technologies has the
potential to transform the structures and operation of government”216. Deste modo, é capital
desenvolver orientações meticulosas sobre os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis na
World Wide Web.217
Alguns estudos, inclusivamente o realizado pela OCDE, frisam que o governo electrónico tem o
potencial para conduzir a boas práticas de governação. Com efeito, Salvador Parrado enfatiza
que “There is a strong belief (…) that implementation of information systems brings good
management per se”218. No entanto, a Internet implica outras ilações, explicitamente o seu
impacto no local de trabalho e relações que aí se estabelecem. Por um lado, através de correio
electrónico ou comunicação em rede, os funcionários podem seleccionar com quem querem
falar e podem negligenciar o trabalho de equipa, não partilhando informações ou conhecimentos
com os outros colegas de trabalho. Em suma, o individualismo e a despersonalização, tão
usualmente ligados à Internet, podem originar problemas no local de trabalho, por sua vez,
facilmente transparentes para o público. Por outro lado, a Internet pode fornecer um espaço mais
215 Donald Menzel, “www.ethics.ov: Issues and Challenges Facing Public Managers”, Public Administration Review, Vol.58, Iss.5, Set/Out., Washington, 1998, p. 445.216 OCDE/PUMA, E-Government: Analysis Framework and Methodology, 16/ANN/REV1, 2001.217 De facto, as grandes questões éticas são rapidamente definidas: “What can be the ethical or unethical implications of Internet? What will be the impact of e-government on public administration ethics? Who must have full access to websites? What kind of restrictions must be established? Can employees access Internet for their personal use? Can the public access the government data bases harmlessly? Can privacy be at risk? Who can be responsible for ICT errors? What policies must be implemented? What strategies must be followed? How can e-government facilitate reform?”, João Bilhim e Bárbara Neves, “New Ethical Challenges in a Changing Public Administration”, Comunicação na Conferência ASPA/EGPA, First Transatlantic Dialogue, Leuven, Junho 2005.
218 Salvador Parrado, “Transition Problems to E-Administration”, First International Conference: European Experience in e-Government Development, OCDE, Bulgária, 2002.
aberto, participativo e democrático.219 De facto, esta temática precisa de uma reflexão, discussão
e investigação mais profunda.
Focalizando especificamente o governo electrónico, este pode propiciar, se correctamente
aplicado, relevantes melhorias em várias linhas, nomeadamente um sector público mais aberto e
transparente, ao serviço de todos e mais produtivo (pressupondo menos tempo em filas de
espera, menos erros de funcionamento, mais tempo para a interacção com os seus clientes,
etc.).220 Segundo André Alves e José Moreira, os seus benefícios passam pela simplificação da
prestação de serviços aos cidadãos e empresas; maior rapidez e facilidade na obtenção de
informação e explicação de dúvidas; elevação dos padrões de eficiência e redução de custos da
Administração Pública; ampliação da capacidade de resposta da Administração Pública;
cooperação mais próxima entre os múltiplos níveis do Estado e serviços da Administração
Pública e facilitação da participação da sociedade civil.221
Convém frisar que não só o âmago do governo electrónico não deve ser as TIC (mas a sua
utilização conjunta com mudanças organizacionais e novas competências), como a aplicação das
TIC, por si só, não garante a realização dos objectivos enunciados anteriormente. Neste sentido,
a ONU refere a existência de três tipologias possíveis de desenvolvimento do governo
electrónico, mais concretamente, gerador de desperdícios (que consome recursos sem
optimização), inútil (pode optimizar a actuação operacional do Estado, mas não origina efeitos
expressivos sobre a prossecução dos objectivos prioritários) e significativo (optimizador da
acção estatal, potenciador das capacidades da sociedade civil, incrementador das possibilidades
de real participação política dos cidadãos e suporte de valores basilares).222 Assim, sendo apenas
o último tipo o desejável, é ainda crucial atentar que a implementação do governo electrónico
deve basear-se na aplicação dos princípios de boa governação. O quadro seguinte é elucidativo
desta relação.
219 Donald Menzel, op. Cit., pp. 445-452.220 Comissão Europeia, The Role of E-government for Europe’s Future, Bruxelas, 2003, 567.221 André Alves e José Moreira, op. Cit., p.10.222 ONU, World Public Sector Report 2003: E-Government at the Crossroads, Nova Iorque, 2003, p. 10.
Quadro 12 – Impacto do Governo Electrónico na Concretização dos Princípios de Boa
Governação
Fonte: André Alves e José Moreira, Cidadania Digital e Democratização Electrónica, 2004
Quanto às implicações do governo electrónico para a Administração Pública, este pressupõe
flexibilidade, autonomia e uma exigência de formação e qualificação dos agentes do Estado.
Assim, o elemento humano reveste-se de extrema importância, na medida em que, o papel dos
agentes é fundamental para a implementação, avaliação e funcionamento do governo
electrónico. Efectivamente, a extensão e a complexidade do sistema da Administração Pública
torna a implementação do governo electrónico peculiarmente difícil. Além do seu
estabelecimento representar indubitavelmente um desafio, é ainda necessário considerar as
resistências institucionais, os problemas de segurança, o esforço para a inovação tecnológica e a
questão da qualificação ou desqualificação dos recursos humanos.223
Desta forma, a gestão da informação e comunicação é capital. Neste âmbito, três premissas
impõem-se, nomeadamente a estandardização do tratamento de dados, o alargamento do uso dos
sistemas de informação como suporte à tomada de decisões e um novo enquadramento de
funções. Os autores citados alertam também para a importância de uma minuciosa análise de
risco. Neste contexto, têm que ser definidas estratégias de implementação, não esquecendo o
planeamento estratégico, que se baseiem numa perspectiva de orientação para os resultados
(assentando em objectivos realistas), num processo de simbiose de centralização e
descentralização e num suporte que possa garantir a adesão dos cidadãos. Neste ponto, o
exemplo das agências virtuais é crucial, pois assenta nas relações do governo electrónico com o
G2C, G2B e G2G.224 Com efeito, agência virtual é um “conceito que engloba todas as iniciativas
223 André Alves e José Moreira, op. Cit., pp. 12-28.224 Ibidem.
Princípios de Boa Governação Impacto do Governo ElectrónicoCoerência na concepção das políticas Facilita a coordenação de políticas
entre departamentos ministeriais, agências públicas e níveis da Administração
Democracia participativa ao nível das políticas públicas
Possibilita o envolvimento activo dos accionistas nas políticas públicas
Consistência, eficácia, eficiência na implementação das políticas “O Estado faz aquilo que diz”
Facilita a implementação cooperativa e em rede das políticas de forma mais rápida e económica
Transparência e abertura do processo político no seu conjunto “O Estado informa sobre o que faz”
Disponibiliza a informação de forma acessível e com baixo custo
de utilização da Internet e de tecnologias relacionadas por departamentos do Estado e serviços
da Administração Pública nas relações G2C, G2B, G2G. Cada agência virtual pode limitar-se a
um departamento ou serviço ou ser o resultado da cooperação de vários. Pode igualmente
limitar-se a funções de front-office ou pressupor uma integração mais ou menos significativa nos
processos de BackOffice.”225 Um dos emblemáticos exemplos de agências virtuais é
indubitavelmente o portal do cidadão.226
3. Governo Electrónico Local
O conceito governo electrónico local, normalmente designado “local e-government”227, apoia-se
em todas as premissas referidas para o governo electrónico, abarcando no entanto, uma maior
proximidade com o cidadão, ou seja, com o munícipe. Efectivamente, a proximidade territorial,
mas também a noção de comunidade em detrimento de sociedade são os factores
diferenciadores.228
Neste âmbito, os conceitos e-autarquia (autarquia digital) e as iniciativas das cidades e regiões
digitais assumem um papel preponderante, na medida em que, a sua existência é crucial para o
desenvolvimento estruturado do governo electrónico local. A autarquia digital concede ao poder
local e aos seus órgãos facilidades ligadas à utilização de Tecnologias de Informação e
Comunicação. “Estas facilidades permitem mediar com base digital as relações entre o cidadão,
ao nível da região, tanto na óptica do munícipe (município), como na do freguês (freguesia). O
cidadão também pode assumir o papel de utilizador ou cliente, mais associado aos equipamentos
e às facilidades públicas, geridos localmente e, por vezes, da responsabilidade das empresas
municipais, agências ou demais figuras no universo autárquico. Está assim em causa o recurso à
meditação de base electrónica com pessoas e organizações externas ao poder local, mas que com
ele interagem”229. Desta forma, a autarquia digital não deve estar somente focalizada na lógica
de integração da circulação de informação, mas no funcionamento da infra-estrutura de decisão
e acção do poder local.230
225 Idem, p. 20.226 www.portaldocidadao.pt 227 Esta é a designação anglo-saxónica, contudo, países como Japão, Nova Zelândia e Austrália usam o e-local government. 228 Luís Borges Gouveia (org.), Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, p. 189.229 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A Governação Digital na Autarquia, Sociedade Portuguesa de Inovação, 2004, p. 24.230 Idem, p. 25.
Assim, a responsabilidade da implementação e desenvolvimento do governo electrónico local
está a cargo das Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, já que, são estas entidades que
geram o território, as suas necessidades e a relação com as comunidades que aí vivem.
Efectivamente, esta tipologia de governo electrónico afigura-se como uma espécie de
complemento local do governo electrónico central. As iniciativas locais são percepcionadas por
muitos especialistas como oportunidades de dinamização da democracia local e de modificação
dos serviços realizados pela Administração Pública local. A conjunção do governo electrónico, e
da sua vertente local, assume grande relevância, uma vez que, garantem o envolvimento da
comunidade e subsequentemente da sociedade. Convém frisar que os objectivos do governo
electrónico local ultrapassam a simples colocação em linha, vão desde simples disponibilização
de serviços até serviços complexos. De facto, a tecnologia não corresponde apenas à
oportunidade de modernizar o BackOffice da Administração Pública local, mas também para
reinventar as suas funções face ao território que serve, nomeadamente, modificando serviços
(tornando-os mais acessíveis, fáceis de utilizar e ajustados à comunidade); renovando a
democracia local (através da promoção de discussão e participação de todos os cidadãos na
tomada de decisões) e promovendo a capacidade económica local (pela oferta de melhores infra-
estruturas tecnológicas, pelo investimento na sua manutenção e desenvolvimento, pelo fomento
de competências na área do digital, pela fixação de prestadores deste género de serviços, pelo
estímulo de um mercado de serviços ligado ao digital e pela interacção da comunidade e
autarquia assente no digital).231
No entanto, o governo electrónico local implica mais do que a autarquia digital. As cidades
digitais evidenciam justamente uma lógica de raciocínio que abrange não só a autarquia, mas
também as outras instituições e entidades do território ligados de forma a partilharem
informação e a envolver os indivíduos numa prática que faculte a livre circulação e criação de
informação de suporte à interacção.232 Assim, no enquadramento de uma perspectiva de cidades
digitais, desenvolve-se geralmente uma plataforma ou infra-estrutura comum que faculta a
integração e interoperabilidade entre poder local e Administração Pública local e o sector
privado. Portanto, estes projectos pretendem fomentar uma maior proximidade entre a
Administração Pública local; os munícipes; os grandes utilizadores dos serviços autárquicos; as
instituições de desenvolvimento regional; as associações culturais e desportivas; os
estabelecimentos de ensino; a indústria; o comércio e serviços; os prestadores e utilizadores do
231 Idem, pp. 26-28.232 Luís Borges Gouveia (org.), Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, p. 191.
serviço de saúde; os turistas e visitantes do concelho todos os que possam ser consumidores de
informação, estimulando simultaneamente a utilização das TIC.233
As funções do governo electrónico local diferem de acordo com as visões estratégicas
empreendidas. De um modo global, um determinado organismo da Administração Pública local
deve assegurar funções como publicar informação, interagir com o cidadão, realizar transacções
com o cidadão e restante Administração Pública local, integrar informação com a restante
Administração Pública local e transformar informação. As funções devem privilegiar uma
orientação baseada no recurso à informação e que percepcione o cidadão como cliente.234
4. Governo Electrónico Global
Antes de abordarmos o contexto europeu e o português na implementação e evolução do
governo electrónico, torna-se pertinente avançar com alguns dados a nível mundial, de forma a
percepcionarmos o real impacto do governo electrónico a nível global. O relatório das Nações
Unidas Global E-Government Readiness 2005: From E-Government to E-Inclusion, analisa
sítios electrónicos de cento e noventa e um países membros para avaliar o nível de preparação
dos governos mundiais face ao emprego das oportunidades oferecidas pelas TIC, as melhorias
de acesso e uso das TIC, fornecendo os serviços sociais básicos. Utilizando um modelo
estatístico de medição de serviços digitalizados, o estudo considera as iniciativas públicas de
governo electrónico dos países membros de acordo com um índice baseado na avaliação de
sítios electrónicos, infra-estruturas de telecomunicações e recursos humanos (capital humano).235
Os resultados demonstram que um grande número de países solidificou a sua presença on-line,
direccionando-se para áreas mais maduras de distribuição de e-serviço. Aliás, muitos
introduziram a e-participação, ou seja, opções de participação on-line para os seus cidadãos. O
número de países em linha aumentou para 179, ou seja, cerca de 94% dos Membros das Nações
Unidas. Comparando com 2004, dos treze que não estavam on-line na investigação anterior,
doze continuam off-line em 2005. Segundo, o ranking de preparação para o governo electrónico,
os Estados Unidos lideram, seguidos pela Dinamarca, Suécia e Reino Unido. Portugal encontra-
se no 30º lugar. Com efeito, o progresso na difusão das TIC, o desenvolvimento do capital
humano e dos sítios electrónicos dos governos dos Estados Membros entre 2002 e 2005
conduziu a um avanço na média mundial (0.4267 em 2005 comparando com os 0.4120 em 233 Idem, p. 191.234 Luís Borges Gouveia, Local E-Government – A Governação Digital na Autarquia, Sociedade Portuguesa de Inovação, 2004, p. 34.235 ONU, Global E-Government Readiness 2005: From E-Government to E-Inclusion, 2005.
2004). Observando a segmentação por região, a América do Norte atinge a mais elevada
posição, seguida pela Europa, Oceânia e África.236
Relativamente à e-participação, elemento essencial para o nosso objecto de estudo, embora
muitos países tenham expandido os seus serviços neste campo, alguns continuam limitados na
provisão de ferramentas relevantes e qualitativas para a resposta e interacção dos utilizadores.
De acordo com o Índice de E-Participação, o Reino Unido (tal como no ano anterior) atinge o
topo, seguido pela Singapura e Estados Unidos da América. Nos países em vias de
desenvolvimento, o México, o Chile e a Colômbia encontram-se nos lugares cimeiros.
Cinquenta e cinco (dos 179 países) que mantêm um sítio electrónico governamental,
encorajaram os seus cidadãos a participar na discussão de premissas chave, mas apenas trinta e
dois explicam o que é a e-consulta, a sua importância e onde os cidadãos poderão contribuir,
enquanto somente vinte e oito garantem que o governo toma as contribuições dos cidadãos para
a tomada de decisões. Sem surpresa, o estudo frisa que o governo electrónico parece ter uma
forte relação com o rendimento per capita. A disponibilidade de recursos emerge como factor
crítico inibindo iniciativas de governação electrónica em muitos países. Uma das razões para os
altos níveis de preparação da maioria dos países desenvolvidos assenta no investimento passado
e no desenvolvimento das infra-estruturas. 237
Apesar do perceptível progresso, as disparidades no acesso às TIC permanecem. De facto, existe
uma séria divisão de acessibilidade entre os países desenvolvidos e os em vias de
desenvolvimento. Preocupantes são efectivamente os países africanos e da Ásia central, pois
juntos representam um terço da humanidade. Contudo, a info-exclusão não se observa somente
entre países, é evidente entre as regiões de cada Estado, entre classe social, etnia e mesmo
género. Assim, o estudo reitera recomendações para se alcançar o paradigma da “Socially
Inclusive Governance for the Information Society” assente na e-inclusão. O primeiro imperativo
é reconhecer a importância em oferecer igual oportunidade para a participação na Sociedade da
Informação. Os governos precisam de entender o vasto potencial das TIC, como ferramenta,
benefício e oportunidade. Em segundo lugar, o compromisso e a liderança de uma agenda de
igualdade para um desenvolvimento baseado nas TIC são um pré-requisito fundamental. Em
terceiro, é necessário uma visão direccionada para uma estratégia de desenvolvimento
socialmente inclusiva, que possibilite o empowerment de cada um. Em quarto, os países
precisam de determinadamente definir ou reajustar políticas, programas e resoluções que
236 Ibidem.237 Ibidem.
estejam ligadas ao potencial da Sociedade da Informação. Por último, é crucial a formulação de
uma estratégia de desenvolvimento baseada numa efectiva e apropriada utilização das TIC, de
modo a que o mercado, o governo e o cidadão tenham um papel mutuamente benéfico,
equitativo e activo.238
Uma outra conhecida investigação de Darrell West, Global E-Government 2005 analisa e avalia
mil e setecentos e noventa e sete sítios electrónicos de cento e noventa e oito Estados. Os
indicadores apontam para um melhor desempenho do governo electrónico, no entanto, o avanço
é limitado em algumas áreas devido a orçamentos e forças burocráticas e institucionais que
limitam a incorporação da tecnologia no serviço público e na sua missão. Os resultados
evidenciam que apenas 19% dos sítios electrónicos governamentais oferecem serviços
totalmente executáveis on-line; 89% dos sites fornecem acesso a publicações e 53% a base de
dados; 18% possuem políticas de privacidade, enquanto 10% têm políticas de segurança; 19%
dos sítios electrónicos facultam alguma forma de acesso a pessoas com necessidades especiais
(invisuais, surdos, etc.) o que representa um acréscimo de 14% face ao ano anterior. Os países
variam enormemente quanto ao desempenho da governação electrónica. Os Estados melhor
classificados são Tailândia, Singapura, Estados Unidos da América, Hong Kong, China,
Canadá, Alemanha, Austrália e Irlanda. Quanto à observação por região, globalmente, os países
da América do Norte atingem o topo, seguidos pela Ásia, Europa Ocidental, Ilhas do Oceano
Pacífico, Médio Oriente, Europa de Leste, América do Sul, Ásia Central, América Central e
África.239
As diferenças entre este estudo e o da ONU relacionam-se não só com a metodologia, mas
também com os objectivos, na medida em que, a presente investigação avalia a qualidade,
funcionalidade, interactividade dos sítios electrónicos governamentais seleccionados
mundialmente, por sua vez, o estudo das Nações Unidas assenta num índice do grau de
preparação para a governação electrónica que abarca a análise de sites, mas também de infra-
estruturas e de capital humano.
Introduzimos, em seguida, o 100-City E-government Website Survey do E-Governance Institute,
National Center for Public Productivity Rutgers da State University of New Jersey, Campus at
Newark e do Global e-Policy e-Government Institute da Sungkyunkwan University, uma
importante análise longitudinal da governação digital. Este estudo, na qual integramos a equipa
de investigação em 2005, foi publicado no Digital Governance in Municipalities Worldwide: A
238 Ibidem.239 Darrell West, Global E-Government 2005, www.InsidePolitics.org/egovtdata.html.
Longitudinal Assessment of Municipal Websites Throughout the World. Esta investigação
replica um estudo realizado em 2003, embora ligeiramente melhorado (para não se colocar em
causa a exequibilidade e consistência de um estudo longitudinal). Deste modo, das 92 medidas
passou-se para 98 e verificou-se algumas mudanças nas cidades seleccionadas. A actual análise
avalia a prática da governação digital em municípios por todo o mundo. De forma simples, a
governação digital inclui o governo digital e a democracia digital. Especificamente, foram
analisados a segurança, a usabilidade, os conteúdos dos websites, o tipo de serviço on-line
oferecido e a resposta e participação dos cidadãos aos sítios electrónicos criados e mantidos
pelos governos.240
A selecção das cem cidades assentou na população total de cada cidade, no número total de
indivíduos que utilizam a Internet e na percentagem dos indivíduos que usam a Internet,
segundo os dados da International Telecommunication Union (ITU), uma organização afiliada
às Nações Unidas. Em 2003, obtiveram-se 98 cidades com mais de 100,000 habitantes on-line,
às quais se juntaram Hong Kong e Macau. Contudo, em 2005, os dados da ITU-UN
demonstravam 119 cidades com uma população on-line superior a 100,000 habitantes. Assim,
foi imposta uma nova marca, ou seja, foram seleccionados os países com mais de 160,000
habitantes on-line o que originou 98 países, adicionando-se novamente Hong Kong e Macau. O
estudo de 2003 avaliou os sítios electrónicos entre Junho e Outubro de 2003 e o de 2005, entre
Agosto e Novembro de 2005. O instrumento de avaliação consistia em cinco critérios: 1.
Segurança e Privacidade; 2. Usabilidade; 3. Conteúdos, 4. Serviços e 5. Participação do
Cidadão. Para cada um dos cinco componentes foram aplicados 28-20 medidas e cada medida
foi codificada numa escala de quatro pontos (0, 1, 2, 3) ou numa dicotomia de dois pontos (0, 3
ou 0, 1). As cinco categorias obtiveram o mesmo peso na análise, apesar do diferente número de
questões em cada uma delas. Para assegurar a confiança do inquérito, cada sítio electrónico foi
avaliado na sua língua original por dois investigadores e quando se observava uma variação
significativa (+ ou – 10%) um terceiro avaliador efectuava a análise.241
De acordo com os dados de 2005, demonstrados nos quadros seguintes, verifica-se uma
contínua cisão no que respeita à governação digital no mundo. A título exemplificativo, embora
a média da avaliação da governação digital nos municípios seja de 33,11 (em detrimento dos
28,49 de 2003), a média nos países da OCDE é mais elevada, 44,35, enquanto nos países fora da
240 Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide: A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance Institute, 2006, pp. 5-6.241 Idem, pp.6-10.
OCDE o resultado seja de 26,50. Apesar dos valores para os dois grupos terem aumentado, a
distância que os separa também se elevou. Assim, enquanto 25 das 30 cidades do países da
OCDE se encontram acima da média mundial, apenas 11 das 51 cidades fora da OCDE estão
acima desta média. Em adição, 71% das cidades seleccionadas em África, 22% na Ásia e 20%
na América do Norte não tinham estabelecido o seu sítio electrónico oficial. Todas as cidades da
Europa e da América do Sul seleccionadas para este estudo possuíam site oficial. Desta forma, é
urgente diminuir esta cisão através de compreensivas políticas que abranjam a capacidade de
criar dos municípios, incluindo infra-estruturas, conteúdos e aplicações e acesso para os
indivíduos.242
Quadro 13 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2005
242 Idem, pp.11-12.
Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.) Digital Governance in Municipalities Worldwide:
A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance
Institute, 2006.
Neste quadro que ilustra os dados de 2005, Seul ocupa o primeiro lugar desta tabela com uma
pontuação de 81.70, alcançando o primeiro lugar em todas as categorias (privacidade e
segurança, conteúdos, serviços e participação), à excepção da usabilidade que é ocupada pela
cidade de Nova Iorque, ficando Seul em terceiro lugar. Comparando os dois rankings, o de 2005
e o de 2003, observamos que Seul persiste no primeiro lugar, embora alcance em 2005 uma
melhor pontuação. Verificamos também que algumas das cidades que incluíam o ranking em
2003, não se encontram no top 20 de 2005, nomeadamente, Roma, Auckland, Jerusalém,
Helsínquia, Estocolmo, Talin, Copenhaga, Dubai e Jacarta.
Quadro 14 – Top 20 das Cidades da Governação Electrónica 2003
Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide:
A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance
Institute, 2006.
O próximo quadro evidencia as dez cidades cujos sítios electrónicos obtiveram a maior taxa de
participação dos cidadãos, uma categoria que nos interessa particularmente neste estudo. Deste
modo, Seul ocupa o primeiro lugar e Nova Iorque, que atinge a melhor taxa de usabilidade, não
integra este ranking. De facto, não basta um sítio ser fácil de aceder e utilizar para que seja
largamente participado, além de que acesso não significa necessariamente participação. A
surpresa é efectivamente Varsóvia e Bratislava que se encontram no segundo e terceiro lugar
respectivamente.
Quadro 15 – Top 10 das Cidades na Categoria da Participação dos Cidadãos 2005
Fonte: Marc Holzer e Seang-Tae Kim (org.), Digital Governance in Municipalities Worldwide:
A Longitudinal Assessment of Municipal Websites throughout the World, E-Governance
Institute, 2006.
5. Iniciativas Europeias para o Governo Electrónico
As iniciativas da União Europeia para a Sociedade Informação, que já enumeramos
anteriormente, nomeadamente os planos de acção eEurope 2002, eEurope 2005, a Estratégia de
Lisboa 2010 e o i2010 definem linhas e programas para a Administração Pública. Assim,
cronologicamente, em Novembro de 1999, a Comissão da União Europeia lança o eEurope,
sendo um dos seus objectivos basilares colocar em linha a Administração Pública. Em Março de
2000, o Conselho Europeu de Lisboa aprova a estratégia para a U.E. definida até 2010, onde
estabelece que os principais serviços públicos devem poder ser acedidos em linha até 2003. O
plano de acção eEurope 2002, aprovado em 2000, define como uma das três fundamentais metas
o estímulo ao uso da Internet, onde se enquadra o governo electrónico. Em Março de 2001, o
Conselho Europeu de Estocolmo reforça a necessidade das Administrações Públicas dos
Estados-membros usarem as TIC. Recomenda entre outras iniciativas, a criação dos portais de
compras para a Administração. Neste mesmo ano, a reunião dos Ministros da U.E., EFTA e
países candidatos insiste no desenvolvimento rápido do governo electrónico. Ainda neste
período, a União Europeia lança a iniciativa do “E-Government Awards”. Este prémio destina-se
a estimular o esforço das Administrações Públicas nacionais, regionais e locais na introdução do
mesmo.
A avaliação do eEurope 2002 e do subsequente Plano de Acção eEurope 2005: Uma Sociedade
da Informação para todos que visaram modernizar e colocar os serviços públicos em linha, foi
positiva, mas os desafios permanecem. O Plano de Acção i2010 tem como uma das suas três
prioridades uma Sociedade da Informação Europeia Inclusiva, que promova o crescimento e
o emprego, de modo consistente com um desenvolvimento sustentável e que dê prioridade a
melhores serviços públicos e a uma melhor qualidade de vida. Na agenda deste objectivo chave
encontra-se a adopção de um plano de acção para o governo electrónico e orientações
estratégicas de TIC para facilitar os serviços públicos até 2006, tal como, o lançamento de
projectos-piloto para testar, à escala operacional, tecnológica, legal e organizacional, soluções
para colocar os serviços públicos em linha até 2007. 243
6. O Caso Português: Pressões Exógenas e Elementos Endógenos
Em matéria de governo electrónico, Portugal sofreu as pressões exógenas da União Europeia, na
medida em que, teve que efectivamente aplicar e concretizar todos os planos de acção definidos.
Contudo, o nosso país também empreendeu iniciativas, demonstrando elementos endógenos de
mobilização. Deste modo, cronologicamente, em 1991, lançou o programa INFOCID (Sistema
Interdepartamental de Informação ao Cidadão), que permitiu a integração de mais de 50
departamentos governamentais.
Enquadrado no XIII Governo Constitucional (1995-1999), em 1996, é possibilitado aos
cidadãos entregarem as suas declarações de impostos (IRS) pela Internet (o que aconteceu pela
primeira vez em todo o mundo). Em 1997, nas Grandes Opções do Plano é identificado o plano
dos serviços públicos e da Administração Pública em linha, onde surge como eixo o “Estado
Aberto”, que diz respeito ao equipamento do sector, a uma utilização mais intensiva das TIC e a
uma melhoria das condições de prestação de serviços pela Administração Pública. 244 Ainda
neste ano, a “Missão para a Sociedade da Informação” apresenta o Livro Verde para a
Sociedade da Informação em Portugal. Neste primeiro relatório do estado da Sociedade da
Informação na Administração Pública portuguesa, foram apresentadas algumas metas e
objectivos a alcançar no âmbito da Sociedade da Informação e do governo electrónico.245
As Grandes Opções do Plano para 1998 demonstram a continuidade da estratégia do “Estado
Aberto”. A nível interno, através da qualificação dos recursos humanos e da globalização do
pagamento electrónico. A nível externo (numa perspectiva de interacção baseada no processo de
243 Comissão Europeia, i2010 – A European Information Society for growth and employment, 2005. 244 Lei da Assembleia da República n.º 52-B/96 de 27 de Dezembro.245 Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, 1997, Lisboa.
classificação da informação pública) de programas de informação ao cidadão e da criação de
endereços de correio electrónico para os serviços da Administração Pública.246
Nesta mesma orientação, o XIV Governo Constitucional (1999-2002) inclui no conjunto das
Grandes Opções do Plano para 2000 o “Estado Aberto”, estabelecendo como acções, a
generalização das TIC nos serviços públicos; a concretização do guichet único para cada acto
administrativo; a execução de 25% das transacções do Estado por meios electrónicos e a
disponibilização on-line de toda a informação das entidades públicas.247 Salienta-se, contudo,
dois fundamentais programas, a Iniciativa Internet e o Programa Operacional Sociedade da
Informação (POSI). O primeiro contempla numa das suas sete dimensões o uso de Internet pela
administração pública e pelos cidadãos nas suas relações com o Estado. O POSI, financiado pelo
Quadro Comunitário de Apoio 2000-2006, evidencia num dos seus três eixos prioritários, o
“Estado Aberto: Modernizar a Administração Pública” que se insere no eixo III.
Em termos legislativos, além de aprovada uma peça legislativa referente à adopção de medidas
dirigidas à generalização das práticas de aquisição de bens e serviços por via electrónica pela
Administração Pública,248 destaca-se em 2000, o estabelecimento, no contexto do Infocid (agora
no âmbito do Portal do Cidadão), do Serviço Público Directo, que permitia a solicitação de
emissão de certidões do registo civil, predial e comercial por via electrónica, através de
diferentes modalidades de pagamento electrónico.249 No entanto, como demonstra Nuno
Almeida Alves, foi “(…) criado um processo electrónico em adição ao procedimento habitual
(de visita à conservatória), sem substituição de processos e em que todos os procedimentos de
backoffice são exactamente os mesmos. Para rematar a excelência do procedimento, a prestação
do serviço em regime de solicitação electrónica é ainda mais dispendiosa do que a prestação
normal”250.
Em 2001, as Grandes Opções do Plano consistem praticamente nas iniciativas definidas pelo
POSI.251 No que concerne o governo electrónico, tomam-se três importantes passos,
nomeadamente, é impulsionada a avaliação externa dos sítios electrónicos de organismos da
administração directa e indirecta do Estado; é determinada a divulgação e discussão pública do
relatório sobre aquisição de bens por via electrónica pela administração pública e é estabelecida 246 Lei da Assembleia da República n.º 127-A/97 de 20 de Dezembro.247 Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.248 RCM 143/2000 de 27 de Setembro.249 Resolução do Conselho de Ministro n.º 156/2000 de 16 de Novembro.250 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p.249.251 Lei da Assembleia da República n.º 30-B/2000 de 29 de Dezembro.
a obrigatoriedade de as entidades empregadoras com dez ou mais trabalhadores efectuarem a
declaração dos ordenados dos mesmos em suporte digital ou pela Internet, nos serviços do
sistema de solidariedade social.252
No ano seguinte e no âmbito do governo electrónico, apenas se acrescenta às Grandes Opções
do Plano para 2002, a entrada de funcionamento faseada do aprovisionamento público
electrónico, tal como, determinado no Plano Nacional das Auto-Estradas da Informação
(aumento das condições de concorrência e de competitividade do mercado de banda larga em
Portugal).253 No entanto, esta medida não foi executada, culminando com a venda pelo Estado
da rede fixa de telecomunicações, o que acabou com qualquer poder de intervenção estatal neste
assunto.254 No plano legal, legislou-se sobre a adopção de planos de aquisição, uso e
actualização de programas de computador; a determinação da referenciação de sítios
electrónicos do Estado e a divulgação de publicidade estatal em outros sítios electrónicos; a
atribuição de relevância jurídica à disponibilização e submissão electrónica dos modelos dos
formulários dos organismos e serviços da administração pública e, por último, a aprovação do
regime de aquisição de bens via electrónica pelos organismos públicos.255
Apesar dos projectos e legislação aprovada, o estudo Processos Básicos de 2002 da APDSI
revela que Portugal baixa no ranking europeu do governo electrónico para o 8º lugar (estando
anteriormente no 5.º lugar), uma vez que, não demonstrou mais iniciativas para satisfazer outras
necessidades básicas dos cidadãos.256 Com efeito, a avaliação deste governo, concretamente da
iniciativa “Estado Aberto”, parece ficar aquém da sua real concretização, apesar dos inúmeros
projectos aprovados. Um dos obstáculos parece estar no facto de se desenhar o governo
electrónico de acordo com os processos da administração tradicional, o que não só impossibilita
a potencialidade das TIC neste âmbito, como emaranha tudo, deixando dúvidas, dicotomias e
contradições.
Em 2002, o XV Governo Constitucional propõe cinco grandes linhas de acção, nas quais se
salienta o governo electrónico, nomeadamente através da determinação de dois projectos, o
“Plano Estratégico Info 2005” e o “Plano Estratégico dos Serviços Públicos Electrónicos”. O
252 RCM 22/2001 de 1 de Março, RCM 32/2001 de 2 de Março e DL 106/2001 de 6 de Abril de 2001 respectivamente. 253 Lei da Assembleia da República nº. 109-A/2001 de 27 de Dezembro.254 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p. 254.255 RCM 21/2002 de 31 de Janeiro; RCM 22/2002 de 31 de Janeiro; DL51/2002 de 2 de Março e DL 104/2002 de 12 de Abril de 2002.256 APDSI, Processos Básicos, 2002.
primeiro, responsável pela realização de um diagnóstico, análise de ganhos e definição da
estratégia de digitalização da Administração Pública. O segundo baseia-se numa estratégia de
negócio electrónico (“ebusiness”) a ser seguida pelos diversos departamentos da administração
pública, através da estruturação de planos de negócio geridos por equipas qualificadas.257 Em
Novembro de 2002, como já referimos anteriormente, é criada a UMIC na dependência directa
do Ministro-adjunto do Primeiro-ministro. É, então, a estrutura de apoio ao desenvolvimento da
política governamental em matéria de inovação, Sociedade da Informação e governo
electrónico. A UMIC assume competências que estavam antes sob a tutela do “Secretariado para
a Modernização Administrativa” (SMA), concretamente quanto à implementação do governo
electrónico.258 É ainda criada a “Comissão Interministerial para a Inovação e Conhecimento”
que integra representantes de todos os ministérios a quem compete propor, de forma
calendarizada, estratégias e desenvolvimento integrado para a inovação, a Sociedade da
Informação e o governo electrónico. Tem como competências a monitorização da evolução de
cada ministério na implementação do governo electrónico.259
Neste enquadramento, a UMIC elabora e aprova em 2003, um conjunto de planos de acção,
nomeadamente a Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o
Governo Electrónico e o Programa Nacional de Compras Electrónicas, entre outros.260 O Plano
de Acção para o Governo Electrónico identifica sete componentes essenciais de actuação:
1. Serviços públicos orientados para o cidadão,
2. Administração Pública moderna e eficiente,
3. Nova capacidade tecnológica,
4. Racionalização de custos das comunicações,
5. Gestão eficiente das compras,
6. Serviços próximos dos cidadãos,
7. Adesão aos serviços públicos interactivos.261
Contudo, “O discurso é atraente, o verbo é fácil, mas a probabilidade de execução é
diminuta”262. Integrando-se neste Plano de Acção, o Programa Nacional de Compras
257 Programa do XV Governo Constitucional, 2002.258 Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de Novembro259 Diário da República da Resolução de CM n.º 135/2000.260 Diário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).261 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o Governo Electrónico, Oeiras, UMIC, 2003.262 Nuno Almeida Alves, op. Cit., p. 261.
Electrónicas evidencia como objectivos a “promoção da eficiência do processo aquisitivo
público, garantindo ganhos e poupanças estruturais, facilitando e alargando o acesso das
empresas ao mercado de compras públicas e aumentando a transparência e a qualidade do
serviço prestado” e a criação de “dinâmicas junto de agentes económicos, promovendo a sua
competitividade e produtividade e induzindo a adopção de novas práticas e comércio electrónico
a nível nacional”263. O plano define metas a alcançar em 2006, ou seja, a realização electrónica
de mais de 50% dos processos de compra; a redução dos custos unitários entre 2,5% e 5%
anualmente; a redução dos custos de transacção entre 10% e 20% anualmente e a
disponibilização de informação electrónica sobre 70% a 100% dos processos de compras
públicas.264
Ainda neste ano, entra em funcionamento o Portal do Cidadão, sítio electrónico que agrupa
informação e serviços disponibilizados por vários organismos e entidades da Administração
Pública e é lançada a rede de projecto-piloto de compras públicas electrónicas em oito
ministérios.265 No entanto, em Novembro de 2003, o estudo da “Associação Portuguesa para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação” (APDSI) faz o balanço da Administração
Pública portuguesa na Sociedade da Informação. Neste relatório são definidos como
impedimentos para o governo electrónico nacional:
Reduzida ou mesmo inexistente avaliação das experiências em curso, como dos
projectos anteriores;
Enfoque excessivo na tecnologia e não nos objectivos;
Atraso da transposição para a lei portuguesa de directivas comunitárias criadas para o
incremento do governo electrónico;
Ausência de qualquer legislação para sectores da Administração como a tele-
medicina.
Da mesma forma, reitera um conjunto de acções essenciais para o governo electrónico em
Portugal:
263 Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Programa Nacional de Compras Electrónicas, Oeiras, UMIC, 2003, p. 5.264 Ibidem. 265 www.portaldocidadão.pt ; www.compras.gov.pt .
Necessidade de objectivos mensuráveis, bem como modelos e indicadores para
avaliar esses projectos;
Adequação da legislação e de medidas relacionadas com o governo electrónico,
tendo em atenção as particularidades das diferentes regiões, concretamente das
Regiões Autónomas;
Importância do envolvimento do funcionário público no processo de modernização;
Promoção de projectos transversais entre os diversos sectores da Administração
Pública.
O estudo reconhece que as TIC constituem uma alavanca essencial à transformação e à
progressiva introdução de mecanismos de governo electrónico pró-activos e próximos das
necessidades dos cidadãos e dos agentes económicos. Identifica também que os casos de sucesso
associaram a introdução de TI e reengenharia de processos com novos desenhos de
procedimentos e rotinas simplificadas. Conclui, assim, que o governo electrónico é uma
oportunidade única para Portugal mostrar as suas capacidades ao nível da inovação e do
desenvolvimento.266
Em 2004, a UMIC apresenta em Fevereiro, o renovado Plano de Acção para o Governo
Electrónico, cujos objectivos nucleares são:
Conveniência e Satisfação dos cidadãos;
Eficiência com menores custos;
Transparência do aparelho de estado;
Participação democrática por parte dos cidadãos.
Neste enquadramento, para o desenvolvimento estratégico do governo electrónico foram
definidos sete eixos de actuação:
1. Serviços Públicos orientados para o cidadão;
2. Administração Pública moderna e eficiente;
3. Nova capacidade tecnológica;
4. Racionalização de custos das comunicações;
5. Gestão eficiente das compras;
266 APDSI, 2003, www.apdsi.pt
6. Serviços próximos dos Cidadãos;
7. Adesão aos Serviços Públicos Interactivos.
Este Plano reiterava a concretização e reforço dos seguintes projectos:
Portal do Cidadão;
Promoção da interoperabilidade;
Racionalização dos custos de comunicação;
Compras públicas electrónicas; criação do Portal da Administração e do Funcionário
Público;
Sistema de Informação Nacional e Único da Segurança Social;
Documento Único do Registo Automóvel;
Sistema Integrado do Registo de Identificação Civil.267
O XVI Governo Constitucional reforça o Programa do Governo anterior, considerando que a
Sociedade da Informação, nomeadamente nos seus vectores da inovação e do conhecimento,
representa uma oportunidade para alterar as relações entre os cidadãos e o Estado e para
reinventar a organização da própria Administração Pública. A estratégia do Plano de Acção
para o Governo Electrónico é reiterada. Efectivamente, nas Grandes Opções do Plano para
2005, particularmente nas nove áreas de actuação destaca-se o ponto três “Serviços Públicos
Orientados para o Cidadão e Administração Pública Moderna e Eficiente”, onde se pretende
melhorar o Portal do Cidadão, executar reengenharia de processos para uma potencial aplicação
do Governo Electrónico; o cinco “Gestão Eficiente de Compras”, que se baseia no apoio aos
projectos-piloto de Compras Electrónicas Ministeriais, na promoção da sua generalização em
todos os Ministérios e na criação de Unidades Ministeriais de Compras); o seis “Melhor
Cidadania” que propõe a realização de um projecto-piloto vinculativo de Voto Electrónico e o
acesso gratuito ao DR electrónico, e por fim, o sete “A Sociedade da Informação no Território”
que visa descentralização com a ajuda das TIC e o reforço dos projectos das cidades e regiões
digitais.268
Ainda neste ano de 2004, salienta-se o relançamento do Portal do Cidadão e a promoção das
compras electrónicas na Administração Pública. Estão, neste período, em fase de projectos-
267 UMIC, Plano de Acção para o Governo Electrónico, 2004.268 Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).
piloto os sítios da Presidência do Conselho de Ministros, do ministério da Defesa Nacional,
Justiça, Educação, Saúde, Segurança Social e Trabalho, Obras Públicas, Transportes e
Habitação.
Em 2005, a “UMIC-Agência para a Sociedade do Conhecimento” (nova denominação da
UMIC) dinamiza o Plano de Acção de forma a:
Melhorar os serviços públicos;
Aumentar a qualificação e produtividade;
Diminuir a burocracia;
Aumentar a inovação.
Neste enquadramento, o Programa do governo seguinte, ou seja, do XVII Governo
Constitucional, realça a disponibilização on-line de todos os serviços públicos básicos, o
lançamento do cartão comum do cidadão e a introdução progressiva do princípio do balcão
único nas relações do Estado com os cidadãos e as empresas, uma vez que, competirá ao serviço
público apropriado (e não ao utilizador) obter de outros serviços públicos os documentos e
informações eventualmente necessários.269 Assim, são prioridades o apoio aos projectos cidades
e regiões digitais, partindo de um agregado de projectos locais e regionais para uma nova
dimensão, Portugal Digital, sustentada em desafios comuns às cidades e regiões digitais actuais
ou em desenvolvimento, nomeadamente em aplicações com fortes economias de rede, como o
funcionamento inter-modal dos transportes ou a tele-medicina e a avaliação independente,
regular e transparente dos sistemas de informação da Administração e dos serviços públicos.270
A iniciativa Ligar Portugal, que se enquadra no Plano Tecnológico, enumera um conjunto de
orientações para a modernização da Administração Pública, que possibilitem:
A generalização do uso do serviço de voz sobre Internet, garantindo mecanismos de
consulta a todos os operadores para a aquisição competitiva da totalidade dos serviços de
telecomunicações pelo Estado e outras entidades públicas;
Assegurar condições de formação a todo o pessoal da Administração Pública,
especialmente o de mais baixas qualificações, certificando-se competências adquiridas,
269 Programa do XVII Governo Constitucional, 2005.270 Ibidem.
reforçando a formação em tecnologias de informação e promovendo a utilização
crescente de sistemas operativos não proprietários por todos os serviços públicos;
Disponibilizar em local único da Internet todos os concursos da Administração Pública
central ou local para a aquisição de bens e serviços e para a contratação de pessoal,
incluindo o respectivo historial e decisões;
Assegurar o acesso interactivo aos serviços públicos, a possibilidade de completar os
actos administrativos correntes sem deslocações e para além dos horários normais,
usando as tecnologias de comunicação disponíveis (Internet, mas também telefone,
Multibanco, correio), devendo ser controlado e avaliado de forma independente o
desempenho dos serviços públicos na Sociedade da Informação;
Garantir a generalização da facturação electrónica na maioria das transacções
comerciais, obrigando-se o Estado a adoptar a prática da facturação electrónica até final
de 2006;
Estimular e criar as condições para o desenvolvimento do tele-trabalho e da tele-
medicina;
Apoiar a integração de cidadãos com necessidades especiais na Sociedade de
Informação.271
Em conclusão, importa introduzir dados de dois relatórios diferentes, o “On-line Availability of
Public Services: How is Europe Progressing?”, realizado pela Cap Gemini Ernst & Young em
2006, para a União Europeia, que salienta o incrível progresso de Portugal. Em relação à
sofisticação on-line encontra-se no 12º lugar (em 2001, obteve 51 pontos e em 2006, 83 pontos)
e quanto à total disponibilização on-line ocupa o 11º lugar do ranking dos países da União
Europeia (em 2001 tinha 32 pontos e em 2006 alcança 60 pontos).272 Por sua vez, o “E-
Government em Portugal. A oferta digital do Estado Português” da
Vector21/PriceWaterHouseCoopers Consulting demonstra que apesar de nem sempre centrados
no cidadão, os organismos públicos estão em linha significativamente, ou seja, 88% dos
271 Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, http://www.ligarportugal.pt. 272 Cap Gemini Ernst & Young/European Comission, On-line Availability of Public Services: How is Europe Progressing?, 2006.
Ministérios; 67% das Direcções Centrais; 85% das Direcções Regionais e 78% dos Institutos
Públicos, o que permite aos autores concluir que o Estado está na Internet como reflexo da sua
estrutura orgânica e não de acordo com os problemas que o cidadão tem para resolver.273
D. Comunidades VirtuaisIntrinsecamente ligado às cidades digitais encontramos o conceito comunidades virtuais. A
proliferação destes grupos deveu-se aos progressos de convergência das tecnologias de
comunicação e computação, que facultaram estabelecer redes entre pessoas, independentemente
das suas diferenças geográficas e temporais. Surgindo nos E.U.A. através de bulletin boards e
newsgroups alargaram-se a todo o mundo evidenciando, no entanto, uma forte componente de
influência cultural norte-americana.
Importa neste enquadramento reiterar a necessidade de se readoptar ou mesmo reinventar
sociologicamente o conceito de comunidade. Embora Max Weber tenha salientado o seu cariz
vago e a sua aglomeração de fenómenos e relações heterogéneas na sua obra Conceitos Básicos
de Sociologia274, autores como Ferdinand Tönies conceptualizavam a comunidade em
contradição com a sociedade, forma de corrupção que deteriorava a comunidade, estado ideal
dos grupos humanos.275 Para Durkheim, tal como para Weber, as relações sociais absorveriam o
símbolo da comunidade e o da sociedade. Aliás, Max Weber nota que a comunidade só existe
aliando um sentimento comum e uma acção conjunta que solidifica esse todo.276 A visão clássica
de comunidade foi sendo substituída, englobando outros critérios, como a pertença, a
territorialidade, a permanência e formas próprias de vivência. De qualquer forma, a sociologia
convencionou a comunidade como um agrupamento humano existente num determinado
território.
Contudo, a Internet e a Comunicação Mediada por Computador (CMC) modificaram a noção de
comunidade. Neste seguimento Rheingold277 foi um dos autores que pioneiramente utilizou o
termo “comunidade virtual” para definir grupos humanos que mantinham relações sociais no
ciberespaço. Efectivamente, as modernas tecnologias de informação originaram comunidades
independentes da localização geográfica dos seus membros, a CMC criou grupos de interesses e 273 Vector 21/ PriceWaterHouseCoopers Consulting, E-Government em Portugal. A oferta digital do Estado Português, 2006. 274 Max Weber, Conceitos Básicos de Sociologia, Editora Moraes, São Paulo, 1987, p. 79.275 Raquel Recuero, “Comunidades Virtuais – Uma abordagem teórica”, V Seminário Internacional de Comunicação, PUC/RS, www.bocc.ubi.pt 276 Ibidem.277 Howard Rheingold, www.rheingold.com
afinidades comuns, sendo designadas de comunidades virtuais, on-line ou electrónicas. Estas
comunidades virtuais são sinónimas de conceitos difundidos como o de “global village” de
Marshal Mcluhan ou o de “nonplace comunity” de Webber.278 O aspecto territorial e até
temporal são assim reduzidos. Aliás, Aoki frisa que as grandes distinções entre as comunidades
virtuais e as tradicionais, baseiam-se na libertação da restrição geográfica, na acessibilidade de
acordo com a conveniência de cada um e na recuperação de informações/mensagens.279
De facto, como expõe Raquel Recuero são inúmeras as oposições ao vocábulo, na medida em
que, se uns observam que estas são apenas comunidades tradicionais mantidas pela Internet,
outros sublinham que ao não possuírem território, locus concreto, não lhes permite serem
abordadas como comunidades em sentido rigoroso.280 Com efeito, e tentando solucionar a
problemática em questão, Quentin Jones desmonta o conceito em duas direcções: comunidade
virtual como lugar no ciberespaço, ou seja, como suporte da comunidade, o caso do IRC, e
comunidade virtual como novas formas de comunidade desenvolvidas através da CMC.281 O
primeiro sentido é denominado de “virtual settlement” e o segundo de “comunidade virtual” na
sua verdadeira acepção. Nesta linha de pensamento, o “virtual settlement” corresponde a um
ciber-lugar, determinado por um tópico de interesse e por uma considerável interactividade.282
Portanto, uma vez que, estes lugares virtuais conduziriam à formação de colectividades a ele
ligadas é possível identificar e delimitar comunidades virtuais através da sua acção nesses
espaços. Assim, a comunidade virtual também necessita inevitavelmente de um espaço público,
de um locus, que apesar de virtual é limitado, por exemplo, a um canal do IRC. Realmente, a
permanência e a pertença são também aspectos característicos das comunidades virtuais, isto
porque, a estabilidade das relações sociais que se realizam efectivam estas particularidades.
Como demonstra Primo “Os participantes de chats reconhecem-se como parte de um grupo e
como responsáveis pela manutenção das relações”283. Todavia, este sentimento de pertença on-
line é distinguido da ideia de comunidade off-line. Palacios nota a este propósito que, a noção de
comunidade off-line englobava a pertença ligada ao território geográfico, mas mesmo para
278 Kumiko Aoki, “Virtual Communites in Japan”, Ensaio apresentado na Pacific Telecommunications Council Conference, 1994, Universidade do Hawai, http://www.ibiblio.org/pub/academic/communications/papers/Virtual-Communities-in-Japan, p. 3.279 Ibidem.280 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.281 Quentin Jones, “Virtual-Communities, Virtual Settlements & CyberArchaelogy – A Theoretical Outline”, in Journal of Computer Mediated Communication, vol. 3, issue 3, Dezembro, 1997.282 Ibidem.283 Alex F. T. Primo, “A Emergência das Comunidades Virtuais”, XX Congresso da Intercom, Santos/SP, 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1997, http://usr.psico.ufrgs.br/aprimo
aqueles que se agregam a uma representação de um espaço territorial real, o sentimento de
pertença, ou seja, de identificação grupal é associado primeiramente à comunidade e não ao seu
território. O autor supracitado aponta uma outra característica da pertença à comunidade virtual,
a da electividade, isto é, no ciberespaço é possível seleccionar a comunidade que se deseja
integrar.284
Se para muitos a comunidade virtual não representa uma nova forma de sociabilização, mas
somente a transposição da comunidade tradicional para um novo suporte, para outros o facto é
uma realidade incontornável. Raquel Recuero demonstra que as afirmações iniciais se prendem
com o facto de muitos encontros on-line promoverem posteriormente a sua reunião off-line.
Porém, mesmo quando tal se realiza, os laços sociais continuam a ser mantidos e solidificados
prioritariamente on-line.285 Aliás, a distância geográfica pode não possibilitar esta passagem
para um plano off-line. Aoki observa que curiosamente os indivíduos que comparecem nos
encontros off-line mencionam que não se sentem estranhos ou reservados, como quando
conhecem alguém pela primeira vez, pois nestes casos as pessoas já lhes são familiares.286 Com
efeito, verifica-se haver um conhecimento profundo, embora a interacção física tenha sido
inexistente. Portanto, delimitam-se grandes discrepâncias entre o espaço, relacionamento,
comunicação e interacção on-line e a tradicional, “diferenças essas que estão directamente
relacionadas com o suporte, mas não se resumem a ele”287.
II. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL E TEMÁTICO PRINCIPAL:
CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA
A. Cidades e Regiões Digitais1. Aproximação Conceptual
Perante a presente Era da Informação, a sua constante evolução tecnológica e os desafios que as
cidades contemporâneas enfrentam (megalomania, globalização, fragmentação, a crise de
284 Marcos Palacios, Cotidiano e Sociabilidade no Cyberespaço: Apontamentos para Discussão, http://facom/ufba/br/pesq/cyber/palacios/cotidiano.html 285 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.286 Kumiko Aoki, op. cit., p. 7.287 Raquel Recuero, op. cit., p. 9.
identidade, de cidadania e dos espaços públicos, etc.)288 as cidades sentiram necessidade de se
complementarem numa plataforma on-line, aproveitando todas as especificidades da CMC
(Comunicação mediada por Computador), utilidades do meio e potencialidades do ciberespaço.
A expressão “cidade digital” foi pela primeira vez utilizada em 1994, quando a DDS (De
Degitale Stad – cidade digital) foi criada pela comunidade virtual de Amesterdão. Utilizando
uma metáfora citadina, a DDS combinava características de uma rede comunitária, uma WWW
local e uma plataforma para as comunidades virtuais. Desde então, esta expressão tem sido
usada para ilustrar uma grande variedade de TICs locais, sistemas e projectos.289
Neste sentido, José Luiz Moutinho reflecte sobre esta multiplicidade, “What is a digital city…
Perhaps, their diverse interpretations reflect the relative infancy of this concept. Innovations are
often fuzzy at the beginning, and it takes a while before they establish their own evolutionary
paths from pre-existing ones or simply fade out. Maybe instead, these varied readings about
digital cities simply mirror the different views about real cities and they will still coexist for a
long time”290. Com efeito, a definição de cidade digital está longe de ser consensual e unívoca
entre os vários especialistas. Facto que é evidenciado pela grande diversidade de projectos e
enquadramentos, na medida em que, em alguns contextos, o desígnio é o suporte do governo
electrónico ou de agências/instituições locais, enquanto noutros, os serviços a disponibilizar são
de empresas privadas. Esta circunstância é ainda reforçada pela confusão e miscelânea do uso
indiferenciado de vários termos, nomeadamente, cibercidade, cidade virtual, etc., o que, como
sublinha A. Aurigi, impõe a absoluta necessidade de se definir uma tipologia de cidades sociais,
de modo a dar sentido às diversas abordagens e a impedir que se estude diferentes fenómenos
como idênticos e homogéneos.291
Reconhecendo esta dificuldade, Bastelaer e Lobet-Maris avançam que o vocábulo é utilizado
para qualificar “the rapid growth of information and communication technologies that is
currently transforming advanced industrial cities as well as to designate on-line services –
mostly services available through the World Wide Web – managed by municipal government,
businesses, citizens or users and which either presence local content or use the urban metaphor
288 Cfr. Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Spaces, Ashgate, 2005, pp. 9-17.289 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 4.290 José Luiz Moutinho, “Building the Information Society in Portugal: Lessons from the Digital Cities Program 1998-2000”, 8ª Conferência Internacional de Políticas Tecnológicas e Inovação.291 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 32.
to facilitate user understanding”292. De acordo com José Mamede, “a cidade digital é uma rede
de informação e comunicação constituída por computadores, linhas telefónicas e conexões
electrónico-digitais que interliga cidadãos, sectores públicos e privados em uma localidade de
características sócio-politica, económica e cultural”293.
Segundo uma definição mais ampla, Schuler frisa que uma cidade digital engloba a
transformação ou reordenamento de uma cidade com recurso à tecnologia digital; uma
representação ou um reflexo virtual de alguns aspectos de uma cidade, real ou virtual, e ainda, a
cidadania digital. 294 Com efeito, Gurstein fortalece a importância das comunidades nas cidades
digitais, onde os recursos devem estar disponíveis para desempenhar um determinado número
de solicitações, nomeadamente, acesso à comunidade, interacção com a comunidade e
informação sobre a comunidade. Em adição, o Estado da Arte denota que as cidades digitais
permitem às comunidades locais o desenvolvimento de novas formas para reinventarem o seu
quotidiano, enquanto estão ligadas e interagem numa situação global. Este fenómeno é
designado como “glocalização”, sendo reiterado por Bastelaer e Lobet Maris.295
Para Toru Ishida, “the concept of digital cities is to build an arena in which people in regional
communities can interact and share knowledge, experiences, and mutual interests. Digital cities
integrate urban information (both achievable and real time) and create public spaces in the
Internet for people living/visiting the cities”296. Acrescenta posteriormente que as cidades
digitais “will collect and organize the digital information of the corresponding cities, and
provide a public information space for people living in and visiting them to interact with each
other”297. Segundo o autor, as cidades digitais concedem oportunidade às pessoas de criar um
novo espaço de informação para o seu quotidiano. Isto ocorre, porque as pessoas começam a
integrar a Internet na sua vida diária. Consequentemente, as cidades digitais irão assimilar a vida
quotidiana das pessoas e os negócios na Internet, socorrendo-se de uma metáfora citadina. Com
efeito, como revela o autor supracitado, os norte-americanos gastam 80% dos seus rendimentos 292 Bastelaer B. and Lobet-Maris, in Luís Borges Gouveia, Joaquim Borges Gouveia, “Connecting the Real and the Virtual World: a discussion on measuring digital cities impact”, Workshop sobre Abordagens Sócio-Técnicas em SI, 3ºCAPSI, 21 Novembro, Universidade de Coimbra. 293 Ibidem.294 Doug Schuler, Digital Cities and Digital Citizens, Evergreen State College, Palo Alto, 2001.295 L. Borges Gouveia e J. Borges Gouveia, “Connecting the Real and the Virtual World: a discussion on measuring digital cities impact”, Workshop sobre Abordagens Sócio-Técnicas em SI, 3ºCAPSI, 21 Novembro, Universidade de Coimbra.
296 T. Ishida, “Kyoto Digital City”, Communications of the ACM, 45(7), 2002, pp. 76-81.297T. Ishida, “Bridging Technologies and Humans for Everyday Life”, in van den Besselaar, P. and Koizumi, S., (eds.), Digital Cities III: Information Technologies for Social Capital, Cross-Cultural Perspectives, Springer-Verlag, Berlin, 2005, pp. 166-187.
num raio de vinte milhas (cerca de 32 km) de sua casa. Assim, apesar da progressiva economia
global ser uma realidade, a vida diária mantém-se local. O investigador conclui que cada cidade
digital defrontar-se-á com transformações, à medida que as tecnologias são melhoradas. Desta
forma, nenhuma cidade digital poderá permanecer inalterável.298
Assim, Jorge Xavier frisa que as cidades digitais não devem ser percepcionadas como metáforas
restritas ao espaço virtual, na medida em que, irão agregar as actividades digitais no seu dia a
dia, entendendo-as como reais e indispensáveis.299 A este propósito, Paulo Teixeira reitera que
“As cidades e organizações locais já não conseguem responder às necessidades e solicitações
multicanal dos seus cidadãos, precisam por isso de adoptar novas estratégias no planeamento e
organização das cidades físicas, que poderão ser complementadas com equivalentes virtuais”300.
Para Firmino, as cidades digitais não devem ser entendidas como elementos isolados, como
representações WEB, devendo englobar os interesses comerciais e cívicos, os utilizadores, as
infra-estruturas e ambos os aspectos físicos e virtuais de uma cidade.301 Cardoso et al reiteram
que a cidade digital encontra-se relacionada com a prestação de serviços em linha por parte de
actores públicos e privados à comunidade e ao público em geral.302 Por sua vez, Furtado frisa
que as cidades digitais têm como intuito desenvolver uma interface tecnológica destinada a
potenciar o desempenho das actividades de uma cidade.303
Acreditando que a prática e a teoria devem estar intrinsecamente relacionadas, numa progressiva
simbiose, introduzimos já neste enquadramento conceptual, dados recolhidos do estudo
empírico, ou seja, as definições dos entrevistados.304 Assim, Sílvio Zancheti, da Universidade
Federal de Pernambuco, evidencia que “A cidade digital é um sistema de pessoas e instituições
conectadas por uma infra-estrutura de comunicação digital (a Internet) que tem como referência
comum uma cidade real. O propósito de uma CD varia muito, podendo incluir um ou mais dos
seguintes objetivos, entre inúmeros outros: criar um espaço de manifestação política e cultural
298 T. Ishida, “Understanding Digital Cities”, Digital Cities: experiences, Technologies and future perspectives, Lecture Notes in Computer science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000.299 Jorge Xavier, op. Cit., p. 37.300 Paulo Teixeira, Cidades e Regiões digitais: preocupações a nível local, Instituto do Cávado e do Ave, Workshop Cidades Digitais, 4ª Conferência da Associação Portuguesa dos Sistemas de Informação, Porto, Outubro de 2003.301 R. Firmino, “Not Just Portals: virtual cities as complex sociotechnical phenomena”, Journal of Urban Technology, volume 10, número 3, 2003. 302 Paulo Ribeiro Cardoso, Sofia Gaio e João Abreu, “Potencialidades das Cidades Digitais na Promoção do Turismo Urbano”, in Luís Borges Gouveia (org.) Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, pp. 63-83.303 Gonçalo Furtado, “Considerações sobre o planeamento urbano face à Sociedade da Informação”, in Luís Borges Gouveia (org.) Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, pp. 237-251.304 Todas as citações dos entrevistados se encontram em anexo nas entrevistas integrais.
das pessoas e grupos; criar um canal de comunicação entre pessoas e grupos; criar canais de
comunicação e negociação entre a administração municipal e os cidadãos; favorecer uma maior
identificação dos moradores e visitantes com a cidade referência; criar um acervo de
informações, das mais variadas espécies e de fácil aceso sobre a cidade referência”. Linturi, do
Helsinki Arena 2000, sublinha que “A digital city is a combination of the physical city including
the communications infrastructure and the patterns of both physical and virtual interaction that
can be connected to the city. Thus a digital city always can be connected to a physical city but
can include communication patterns between people that are not physically within the city’s
boarders. A digital city is not a service or a computer system and it is not a society of people – it
is a perspective that covers the city and phenomena in communications networks that are
related to the physical city or the image of the city.” Alessandro Aurigi, da Universidade de
Newcastle upon Tyne, refere que a cidade digital é “Nothing. It is just a definition, which is used
in many different ways by many different people. My own current view of the term ‘digital city’
is that this is just a city which has – on top of its traditional functions – electronic functionalities
built-in. Websites, virtual communities etc. are just aspects, fragments of this whole.”
Quanto aos especialistas nacionais, para Luís Borges Gouveia, da Universidade Fernando
Pessoa, “O conceito de cidade digital é (…) que relação é que nós vemos de casamento entre o
território (a parte física) com o digital, que aproveita meios como as TIC para fazer com que as
pessoas interajam e estejam monitorizadas e acolhidas pelo território. E desta forma,
evidenciando dois aspectos que são actualmente essenciais nas economias, que é a informação e
o conhecimento.” Flávio Nunes, da Universidade do Minho, refere que a cidade digital “é um
conceito que procura designar um conjunto de iniciativas muito diversas que visam estimular e
orientar as dinâmicas de transformação urbana, resultantes da interacção das redes e aplicações
telemáticas com as múltiplas dimensões da vivência urbana quotidiana (urbanística, económica,
social, cultural, política, associativa, …).” Para José Luiz Moutinho, “o conceito de cidade
digital é artificial, polissémico e dinâmico, o que dificulta uma resposta imediata (…)”, assim
numa comunicação apresentada na 8ª Conferência Internacional de Políticas Tecnológicas e
Inovação, “Building the Information Society in Portugal: Lessons from the Digital Cities
Program 1998-2000”, este arquitecto frisa “the concept of digital city as a new layer of urban
networked infrastructure, based on telecommunications and computers, to support and augment
everyday life”.
Quanto aos responsáveis da cidade e da região digital seleccionadas, Joaquim Borges Gouveia,
Presidente do Conselho de Administração da Energaia, entidade gestora do Gaia Global,
demonstra que “Uma cidade digital tem que representar uma cidade real, transcrever um
conjunto de serviços que o cidadão acaba por necessitar ao longo da sua vida e no seu
quotidiano (…) No fundo, é poder aceder através do digital a todas as necessidades que eu tenha
na minha cidade real”. Ângelo Estrela, gestor do projecto Gaia Global, patenteia que “Para mim
uma cidade digital não é um conceito fechado em si mesmo. Penso que a cidade digital deve ser
vista como a utilização generalizada das TIC, como meios alternativos que facilitem o dia-a-dia
dos cidadãos nesse território”. Lusitana Fonseca da Comissão Executiva do Aveiro Digital
indica que a cidade digital “é uma cidade onde as pessoas e as organizações, através da
utilização adequada das TIC, atingem e mantém elevados níveis de qualidade na
competitividade empresarial, na oferta e consumo dos serviços públicos e privados e na
qualificação contínua dos seus cidadãos, num quadro de desenvolvimento sustentado nos eixos
sociais, económicos e culturais.” Para José Rafael, também da Comissão Executiva do Aveiro
Digital, o enfoque tem que ser colocado no ponto de vista do cidadão, já que, “Uma cidade
digital é aquela que é tanto mais conseguida, quanto mais disponível aos cidadãos for. Falamos
de um conjunto de serviços que estes precisam, numa lógica do processo, ou seja, o cidadão
deve ir a um determinado ponto e resolver aí o problema que tem. Quanto mais destes serviços
houver disponível ao cidadão, em que ele soluciona os seus problemas, estamos a tender para
uma cidade digital.”.
Portanto, de uma forma geral e realizando uma síntese das diferentes definições dos
entrevistados, a cidade digital é delimitada como uma componente, um complemento da cidade
física que utiliza as TIC e que pode ter diversos objectivos, nomeadamente ser um canal de
comunicação, aproximação, interacção, decisão e simplificação entre os cidadãos e as agências
locais e entre toda a comunidade. É ainda visível a multiplicidade de objectivos que uma cidade
digital pode ter o que nos remete novamente para a imprescindibilidade de uma tipologia de
cidades digitais.
Apesar da cidade digital ser um meio para se alcançar os objectivos da comunidade, a questão
da visão utópica ou distópica da Internet também se coloca neste ponto. Se muitos autores se
demonstram significativamente optimistas relativamente a esta temática, outros como Paul
Virílio, consideram que estamos a mergulhar num mundo imaterial, arriscando a desintegração
das cidades físicas, à medida que se processa a desmaterialização em benefício das cidades
digitais.305 A nossa abordagem das cidades digitais assenta na complementaridade das
plataformas virtuais com as cidades físicas, não obscurecendo a importância crucial de ligar o
virtual ao real, o espaço de fluxos (“space of flows”) com o espaço de sítios (“space of places”),
como demonstra Manuel Castells. Com efeito, embora pareça um paradoxo digital, o território é
um elemento essencial das cidades digitais.306 É num determinado território que a identidade,
interacção e cultura local são estabelecidas e se pretendemos uma ligação entre um habitante de
uma particular cidade ou região com a sua vertente digital, estes aspectos tem que ser centrais.
Os indivíduos vivem, trabalham e constroem o seu significado à volta dos espaços, dos locais,
das suas casas, dos seus bairros, das suas cidades, dos seus países, etc.
De facto, Lalli reitera que “A pessoa como residente de uma determinada cidade adquire um
certo número de características quase-psicológicas associadas a ela. Por exemplo, uma cidade
pode ser “cosmopolita” em contraste com outras “provincianas”, “ricas”, “tradicionais” (…),
enquanto outras são rejeitadas desdenhosamente como “pobres”, “monótonas”, “frias”, etc.”.
Desta forma, estas características transferem-se da imagem da cidade para os seus habitantes,
tornando-se consequentemente parte da identidade pessoal dos indivíduos, fenómeno que Lalli
reitera ser uma “identidade relativa à cidade” (urban-related identity).307 Desta forma, viver num
certo bairro ou determinada casa implica um elemento identificativo, que pode ser positivo ou
negativo, neste último caso, podendo mesmo chegar a ser uma estigmatização e um elemento de
exclusão. Esta identificação com a cidade e um particular espaço conduz a sentimentos de
pertença territorial, a um envolvimento com um restrita comunidade espacial.308 Aliás, como
evidencia Manuel Castells, apesar de inúmeros estudos salientarem a perda do sentido de
comunidade e apontarem para um processo de individualização e atomização das relações
baseadas no espaço, ou seja, no território, a perda de comunidade não implica necessariamente
que o indivíduo não se refira ao seu local como principal fonte de experiência. A organização
social, a representação política e a identidade cultural são predominantemente assentes num
determinado território.309 Da mesma forma, partilhamos com vários investigadores a necessidade
de se superar a dualidade descrita e apontar potencialidades, limites e vantagens das cidades
digitais, características inerentes a qualquer fenómeno e produto social. Assim, não só na nossa
305 Paul Virílio, Cibermundo: A política do pior, Teorema, Lisboa, 2000.306 Cfr. Luís Borges Gouveia, “O digital, a logística e o território”, PowerPoint de 16 de Outubro de 2004 apresentado na Universidade de Aveiro. 307 M. Lalli, op. Cit., p. 573.308 Ibidem.309 Manuel Castells, “Grassrooting the Space of Flows”, pp.19-20, in James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Fracturing of Geographies, Routledge, 2000.
análise, como nas entrevistas e e-entrevistas realizadas estes elementos são abordados e
considerados.
a. Tipologias de Cidades Digitais
Efectivamente, os termos “cidades virtuais” ou “cidades digitais” são extensivamente usados na
Internet para expressar uma variedade de informações, interfaces e conteúdos dissimilares.
Aliás, tornou-se quase convencional associar determinados sítios electrónicos à ideia precisa de
espaço público ou território, tal como, praças, avenidas ou até cidades. De facto, inúmeros
vocábulos floresceram ultimamente na World Wide Web, nomeadamente “cidades digitais”,
“cibercidade”, “cidade virtual”, “ciberdistritos”, “praças virtuais”, “agoras electrónicas”, entre
outros, o que permite observar nitidamente que a metáfora espacial funciona muito bem
atribuindo uma identidade aos serviços electrónicos.310 Perante este facto e os diversos contextos
inerentes às cidades digitais uma operacionalização, ou seja, uma tipologia das mesmas impõe-
se devido à necessidade de se definir e estabelecer claramente que tipos de cidades digitais são o
nosso objecto de estudo.
Assim, iniciando com a proposta de Aurigi e Graham, estes autores apontam para duas grandes
categorias de cidades digitais, as enraizadas e as não enraizadas. As primeiras estão vinculadas a
espaços urbanos definidos, sendo actualmente desenvolvidas por agências locais com o
objectivo de promover a qualidade de vida nas cidades físicas. Contudo, estas cidades digitais
tanto podem ser configuradas como espaços promocionais (puramente comerciais), com
nenhuma informação útil para os seus residentes, ou como cívicas, espaços electrónicos públicos
que disponibilizam serviços para os seus cidadãos (que podem ainda complementarmente
evidenciar uma vertente comercial). As precedentes utilizam uma interface familiar às cidades,
mas não têm nenhuma ligação com qualquer cidade, região ou município particular.311
Contudo, Alessandro Aurigi, na sua última obra, refere a necessidade de alargar esta tipologia e
incluir elementos que sejam utilizados para classificar e avaliar sistemas informativos urbanos
baseados na Internet. Desta forma, indica quatro pontos:
1. Posse, Propriedade (“Ownership”),
2. Nível de informação e serviço, (“informativeness and serviceability”),
310 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping f Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 33.311 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, The Crisis in the Urban Public Realm, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.
3. Acesso Social e Participação (“social access and participation”),
4. Enraizamento – a relação com a cidade hospedeira (“embeddedness, the relation with
the host city”).
O primeiro componente “propriedade” conduz à necessidade de se identificar a quem pertence
as diversas iniciativas de cidades digitais disponíveis na Internet. Sabendo a quem pertence e
quem dirige uma determinada cidade digital se poderá (ou não, como frisa o autor) sugerir certas
correlações entre o desempenho desse projecto e o tipo e forma de posse. O segundo aspecto,
evidencia a importância de se analisar e observar o tipo e a riqueza de informação e dos serviços
oferecidos, ou seja, os conteúdos das cidades digitais. O terceiro factor diz respeito ao acesso e à
participação, já que, uma tipologia de cidades digitais terá que incluir como elemento
diferenciador a presença de elementos que possibilitem um satisfatório fluxo de comunicação
bi-direccional. Com efeito, existem várias barreiras que travam o acesso efectivo às novas
tecnologias, tal como, a sua participação. Entre elas, destacam-se os níveis económicos, as
habilitações, a idade, o sexo, a nacionalidade, etc. Por fim, o último ponto corresponde ao grau
de enraizamento, de ligação à cidade física. De facto, Aurigi sublinha o relevo e a importância
da relação entre a cidade “digital” e o seu lado físico e consequentemente a capacidade das
cidades digitais de atraírem comunidades geograficamente assentes e os seus interesses em
detrimento dos grupos electrónicos dispersos. Juntamente, tem sido argumentado que as
iniciativas de TIC urbanas que privilegiam a ligação com a economia local e as suas
comunidades podem ser um factor chave de inovação e regeneração das cidades, em vez de as
tornar mais fracas e obsoletas.312 Assim, observar o enraizamento e a sua relevância local é um
dos elementos fundamentais desta proposta. Tomando em consideração todos estes importantes
elementos, distingue ainda variáveis, como informativas, participativas e enraizadas.313
Ainda neste enquadramento, para o arquitecto Rogério Amoeda, distinguem-se as cidades
digitais comerciais das cívicas. As comerciais usam o espaço para um conjunto de interacções
electrónicas que substituem as actividades urbanas tradicionais, enquanto as cívicas aproximam
os governos locais e os seus cidadãos, facilitam o acesso aos grupos de debate e intervenção
local, estimulam o comércio local e o turismo, contribuem para o renascimento da identificação
312 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping f Urban Internet Space, Ashgate, 2005, pp. 64-67.313 Idem, pp.72-73.
com a cultura local.314 Do mesmo modo, Dodge, Smith and Doyle categorizaram as cidades
digitais em quatro grupos:
“Web Listing Virtual Cities” que correspondem a sítios electrónicos que se autointitulam de
cidades virtuais, mas são apenas guias, menus e listas das cidades. São frequentemente
criados exclusivamente por motivos publicitários, como promoção turística e não pretendem
corresponder à forma física das cidades. Um dos exemplos apontados pelos autores é o
"Virtual Brighton & Hove", (http://www.brighton.co.uk/).
“"Flat" Virtual Cities” apresentam mapas “flat” de cidades ou edifícios como uma
interface para informação. Um exemplo ilustrativo é a Bolonha Virtual que usa um mapa
estilizado da cidade com as suas delimitações e edifícios específicos, que funciona como um
interface gráfico para aceder a toda a informação disponível on-line,
(http://www.nettuno.it/bologna/MappaWelcome.html).
“3D Virtual Cities” aplicam as tecnologias de realidade virtual para modelar a construção
da forma das cidades, com graus variáveis de exactidão e realismo virtual. Um dos
interessantes casos é o Planet 9 Studios Virtual Tokyo,
(http://www.planet9.com/earth/tokyo/index.htm).
“"True" Virtual Cities” consistem em cidades digitais que são um eficiente equivalente das
cidades reais, oferecendo às pessoas um autêntico sentido de andarem, percorrem e
passearem numa espaço urbano. Para alcançar este desafiante princípio, uma verdadeira
cidade virtual deve ter uma interface de construção da forma da cidade realisticamente
satisfatória, uma rica variedade de serviços, funções e conteúdos informativos, e
decisivamente, capacidades para manter a interacção social. Os investigadores frisam que
estas cidades ainda não foram edificadas, embora a investigação sobre as mesmas seja
significativa em todo o mundo.315
Desta forma, analisando todas estas diferenciações, resta acrescentar que as cidades “enraizadas
cívicas” (conceito de Aurigi e Graham) são visivelmente a tipologia que estudamos. Aliás, em
Portugal, as cidades digitais são institucionalizadas através de programas específicos de
mobilização para a Sociedade da Informação e do Conhecimento. Para o estudo do Gaia Global
314 Rogério Amoêda , “Cidades Digitais: Novos Modos de Habitar?”, Workshop Cidades e Regiões Digitais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, 6 de Junho de 2003.315 Martin Dodge, Andy Smith e Simon Doyle, Virtual Cities on the World Wide Web towards a Virtual City Information System, University College London, CASA. Um sítio electrónico detalhado com toda a informação acerca da investigação sobre cidades digitais está disponível em “Virtual Cities Resource Centre”, http://www.casa.ucl.ac.uk/planning/virtualcities.html.
e do Aveiro Digital socorremo-nos ainda dos quatro elementos destacados por Aurigi,
fundamentais para a sua caracterização e operacionalização.
b. Regiões Digitais
Normalmente utiliza-se de modo indiferenciado os conceitos “Cidades Digitais” e “Regiões
Digitais”. A maioria da literatura sobre esta temática apenas se refere às cidades digitais. De
acordo, com Jorge Xavier, as regiões digitais são um fenómeno mais recente que se originaram
de duas formas, ou no seguimento do desenvolvimento ou geminação de cidades digitais já
existentes ou de raiz, como resultado da estratégia dos seus promotores. Assim, neste último
caso, é fundamental verificar se estas regiões existem de facto e as circunstâncias em que estas
não existem. Segundo o autor supracitado, em Portugal, as regiões não possuem ampla
competência governativa, administrativa e legislativa, como por exemplo, em Espanha.
Consequentemente, Jorge Xavier alerta para o facto dos resultados e asserções sobre cidades
digitais não se poderem aplicar ou adequar às regiões digitais. Isto ocorre sobretudo, quando a
dimensão de região não existe fisicamente, ou seja, quando consiste somente num factor
unificador de um projecto de Região Digital, na medida em que, não se observa uma identidade
e cultura próprias e, por vezes, nem subsiste a respectiva fronteira político-administrativa.
Portanto, a identificação com o território, componente essencial de um projecto desta natureza,
fica comprometida. Aliás, desvirtualiza-se duas componentes essenciais para as regiões digitais
a infra-estrutura física e de comunicações (indissociáveis dos hábitos, usos, costumes e
necessidades dos cidadãos, num dado território) e a infra-estrutura psico-social (necessidades de
identidade e interacção, sendo a cidade e região digital o seu contexto, enquadramento e
motivação). Conclui ainda que não existe uma diferenciação objectiva entre Cidade Digital e
Região Digital, desde que estas últimas existam de facto. Mais uma vez, a importância do
território é enaltecida neste âmbito.316 Logo, como efectivamente Aveiro Digital, congrega
municípios da região a que pertence, esta questão não se coloca contundentemente, o que nos
permite utilizar o termo “cidades digitais” de modo geral nesta investigação, embora seja
reiterado ao longo da mesma, que analisamos uma cidade digital e uma região digital.
c. Considerações Gerais
Como foi frisado inúmeras vezes, a diversidade de projectos e iniciativas e o facto deste ser um
novo campo de análise coloca certos pontos de reflexão, que têm que ser primeiramente
tomados, de forma a se definir com um nível razoável de rigor a investigação que se conduz.
316 Jorge Xavier, op. Cit., pp. 41-43.
Assim, é necessário delimitar o objecto de estudo, as suas características, o suporte teórico e
outras concepções/percepções sobre a temática em análise. Portanto, além de especificar
concretamente que tipo de cidades digitais são estudadas (na tipologia de Aurigi e Graham, as
cidades digitais “enraizadas cívicas”) e a sua respectiva contextualização, é importante
demonstrar e agrupar resumidamente alguns pressupostos, nomeadamente que:
As cidades digitais são um complemento das cidades físicas, apesar das visões mais
futuristas profetizarem a substituição do virtual pelo real. De facto, o território é um
elemento essencial das cidades digitais, por todos os motivos anteriormente indicados,
como a origem da identidade e sentimento de pertença, mas também porque, o ciberespaço
urbano apresenta-se como uma visão idealizada da cidade, representando realidades
semióticas e iconizadas. Consequentemente, não podem ser espelhos puros das cidades
digitais, uma vez que, acabam por seleccionar apenas os aspectos positivos do espaço
físico, e como tal, poderão tornar-se meios de segregação (por exemplo, muitas cidades
digitais têm bases de dados com informação da cidade, mas nunca têm estatísticas de
criminalidade).317 O espaço digital tem que estar ligado ao espaço real e vice-versa se
efectivamente se pretende ter algum impacto na vida dos cidadãos de um determinado
território.
O ciberespaço nunca poderá ser um puro espaço público, nunca irá ser um sítio livre de
comercialização. Aliás, a própria privatização e comercialização não são fenómenos
recentes. De facto, até o agora grego e o fórum romano eram locais de exclusão e controlo.
Ser cidadão na democracia grega clássica encontrava-se restrito a apenas homens livres e
de nacionalidade grega. Assim, o “público” não era extensível às mulheres, estrangeiros
(metecos) e escravos. Levando esta imagem para a Internet, é necessário em primeiro
lugar, acalmar a excessiva idealização do espaço urbano público e reconhecer que a
Internet nunca será consonante com a concepção de livre espaço de comunicação. Com
efeito, as cidades digitais estão a lidar com as questões comerciais, ou seja, com a
alteração do espaço público para algo que se pode vender. Observa-se ainda a coexistência
de forças públicas e privadas que obrigam à definição de um equilíbrio. “Thus a digital
city is likely to be shaped by both public and private interests, and by the interaction
between the two operated through policies and market dynamics”318.
317 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, pp. 56-60.318 Idem, p.44.
O Admirável Mundo Novo potenciado pela Internet não tem apenas vantagens e
potencialidades, na medida em que, coabitam crescentes e complexos problemas de info-
exclusão. Estar em rede pressupõe despesas, mas também um nível de educação e algumas
capacidades. Efectivamente, a participação on-line parece ser largamente dominada por
um reduzido grupo, cujos membros são ricos, homens e com habilitações literárias
superiores. Desta forma, as cidades digitais têm que definir e activar políticas que
previnam a fragmentação social e a polarização. Simultaneamente, as cidades digitais têm
que prevenir o erro de se desenvolverem e mudarem apenas para responder às
necessidades e requisitos de uma comunidade dominante, que acaba por ser elitista. Do
mesmo modo, o mito do livre, rápido e fácil acesso à informação é desconstruido pela
constante necessidade de computadores (actualizados e compatíveis com as inúmeras
tecnologias que surgem a uma velocidade estonteante), de modems, placas de rede
ligações sem fios e fornecedores de ligação à Internet. Alguns sítios electrónicos cobram
ainda pelo seu acesso e/ou descarregamento de informação, situação aumentada pelos
direitos de autor e leis de propriedade intelectual. Em adição, a velocidade de ligação à
Internet depende largamente do ISP (Internet Service Provider), do tipo de acesso e até,
por vezes, da localização geográfica (por exemplo, muitas zonas rurais não têm ligações de
banda larga disponíveis). O “fácil” implica ainda conhecimento. Portanto, é crucial
verificar os bons e os maus aspectos, de modo a harmonizar e corrigir estes últimos.
Assim, a Internet pode ser um admirável mundo novo, mas sofre dos mesmos problemas e
disfunções da criação de Aldous Huxley, é um produto social. As cidades digitais não são
excepção e a tecnologia não é neutra.
A informação não é conhecimento, isto é, ter acesso a uma grande quantidade de
informação não implica a construção de conhecimento, especialmente porque muitas
vezes, a Internet é um excelente meio para informação excessiva e até inútil.
Acesso não é participação, ou seja, ter acesso não implica que participemos. A este
propósito, Aurigi e Graham, demonstraram que a maioria dos sítios cívicos consistiam
somente em bancos de dados, cuja característica principal era um fluxo de informação
unidireccional e uma espantosa falta de promoção do debate público.319 Estabelecer ou
melhorar a comunicação entre cidadãos, e entre cidadãos e os seus governantes é um dos
maiores desafios das cidades digitais.
B. Cidadania319 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, The Crisis in the Urban Public Realm, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998, pp. 57-80.
1. Aproximação Conceptual
A cidadania tornou-se numa das mais importantes ideias políticas do nosso tempo. Com efeito,
“Citizenship has an almost universal appeal”320. O conceito é utilizado e adaptado praticamente
por todos os movimentos políticos e partidos, isto na medida em que, a cidadania implica
elementos individualistas e colectivos.321 Realmente, reconhece a dignidade do indivíduo, mas
ao mesmo tempo, reafirma o contexto social onde o indivíduo actua. Assim, a cidadania é para
Keith um bom exemplo da “dualidade da estrutura” enunciada por Anthony Giddens. Para este
sociólogo, o indivíduo e a comunidade não podem coerentemente ser entendidos como ideias
opostas e antagónicas, pelo contrário, são mutuamente dependentes.322 Na teoria política, a
cidadania refere-se aos direitos e aos deveres de um membro de um Estado-nação e de uma
cidade.323
A cidadania moderna é inerentemente igualitária, ou pelo menos, possui essa pretensão.
Contudo, nem sempre evidenciou esta essência. Aliás, como frisa Evelyn Glenn, a cidadania
tem sido um elemento de criação de igualdade e desigualdade. Igualdade, porque, na sua
tradição liberal, todos os que são incluídos num similar estatuto usufruem de uma igual posição,
apesar de diferenças individuais na riqueza, capacidades e posicionamento social.
Desigualdades, porque o processo de definição dos cidadãos engloba a delimitação de distinções
que criam a categoria de “não-cidadãos”, ou seja, aqueles que não gozam dos mesmos
direitos.324 De qualquer modo, a cidadania implica legitimidade e igual integração na sociedade,
ou seja, inclusão, mas também participação. É reconhecida a contribuição de cada indivíduo
para com a comunidade, não deixando de garantir simultaneamente autonomia individual. Keith
indica como característica chave da cidadania, a “ética da participação”, sublinhando que a
cidadania é um estatuto activo e não passivo. O apelo à cidadania pressupõe reciprocamente
deveres e obrigações e não apenas direitos. Estando a cidadania sempre ligada a uma ideia
social, os direitos exigem um enquadramento para o seu reconhecimento. Este enquadramento
social inclui tribunais, escolas, hospitais e parlamentos, requerendo que todos os cidadãos façam
o seu papel para o manter. “Indeed, it is conceivable that society could function justly without a
formal expression of rights. It is, however difficult to imagine a stable human community
without some sense of obligation between its members”325.
320 Keith Faulks, Citizenship, Routledge, Londres, 2000, p. 1. 321 Ibidem.322 Anthony Giddens, The Constitution of Society, Polity Press, Cambridge, 1984, p. 25. 323 Gordon Marshall, op. Cit., p. 71.324 Evelyn Glenn, “Citizenship and Inequality: Historical and Global Perspectives” in Social Problems, vol. 47, n.1, 2000, p. 1. 325 Keith Faulks, op. Cit., p. 5.
A caracterização do conceito passa por uma análise de diferentes categorias, nomeadamente o
contexto, a extensão, o conteúdo e a profundidade. Além do contexto, crucial para a exploração
da ideia de cidadania, a extensão define quem é incluído e excluído neste estatuto. Por exemplo,
os Estados Liberais têm leis específicas de imigração, impondo controlos sobre quem se torna
residente no seu território e sob que condições podem aí permanecer, isto embora, a cidadania
esteja associada à nacionalidade, sendo os dois termos frequentemente usados mutuamente na
lei internacional. Historicamente, a extensão da cidadania tem sido consequentemente limitada.
Deste modo, para o indivíduo e particularmente para o refugiado ou imigrante, a questão
primária da cidadania é largamente a de integração social. Estar privado da cidadania de um
Estado, quando o Estado é o distribuidor chave dos recursos sociais, é indubitavelmente estar
privado da base dos outros direitos. De facto, um dos direitos consagrados pela “Declaração
Universal dos Direitos Humanos” é precisamente o direito à cidadania. No que diz respeito ao
conteúdo, este é observado em termos de direitos, deveres e obrigações. Quanto à profundidade,
refere-se à própria concepção da cidadania, ou seja, se é espessa (profunda) ou fina.326
Esta última dimensão é largamente tratada por diversos autores. Clarke define a cidadania
profunda como “the activity of the citizen self acting in a variety of places and spaces. That
activity shifts the centre of politics away from the state and so recovers the possibility of politics
as an individual participation in a shared and communal activity”327. Por sua vez, Tilly
contrasta as concepções espessas e finas, ilustrando que a cidadania pode ser fina quando
engloba poucas transacções, direitos e deveres, e espessa quando demonstra uma significante
parte de transacções, direitos e deveres suportados pelos agentes estatais e população que vive
sob a sua jurisdição.328 Pretendendo fornecer uma tipologia que enquadre as duas noções, Faulks
baseando-se em Bubeck, elabora a seguinte tabela:
Quadro 16 – Tipos Ideais das Concepções Densa e Espessa da Cidadania
326 Idem, pp.7-8. 327 P. Clarke, Deep Citizenship, Pluto Press, London 1996, p. 4. 328 C. Tilly, “The Emergence of Citizenship in France and Elsewhere”, International Review of Social History, 40, suplemento 3, 1995, p. 8.
Fonte: Keith Faulks, Citizenship, Routledge, 2000.
2. Abordagem Sociológica da Cidadania
Em sociologia, as recentes teorias inspiraram-se em T.H. Marshall, que definiu a cidadania
como um estatuto que é gozado por uma pessoa que é membro de uma comunidade. Por sua
vez, Turner avançou uma concepção sociológica específica que focaliza a comunidade,
definindo a cidadania como “a set of practices (judicial, political, economic, and cultural)
which define a person as a “competent” member of society”329. A cidadania tem três
componentes, nomeadamente a civil, a política e a social. Os direitos cívicos são necessários
para as liberdades individuais e são institucionalizados pelos tribunais e justiça. A cidadania
política garante o direito de participar no exercício do poder político na comunidade. A
cidadania social consiste no direito de participar num apropriado nível de vida, estando
personificada nos sistemas educacionais e sociais das sociedades modernas. A teoria de
Marshall salienta que há uma permanente tensão e/ou contradição entre os princípios da
cidadania e a acção do mercado capitalista. De facto, o capitalismo envolve inevitavelmente
iniquidades entre classes sociais, enquanto a cidadania implica uma redistribuição de recursos,
pois os valores são partilhados igualmente por todos.330
329 Turner, “Contemporary Problems in the Theory of Citizenship” in Citizenship and Social Theory, Sage Publications, Londres, 1993, p. 2. 330 Idem, p. 72.
Cidadania “Fina” “Cidadania Espessa”
Os direitos são privilegiados Os direitos e as responsabilidades
são mutuamente considerados
Passiva Activa
O Estado como um mal necessário Comunidade política (não
necessariamente o Estado) como a
fundação de uma boa vida
Meramente Estatuto Público Evidencia o Público e o Privado
Independência Interdependência
Liberdade através da escolha Liberdade através da virtude cívica
Legal Moral
A teoria de Marshall acendeu a discussão. Os críticos apontam que retrata apenas a descrição da
experiência inglesa, não se tratando, portanto, de uma análise comparativa da cidadania, na
medida em que, evidencia uma visão evolucionista e teleológica da indeclinável expansão da
cidadania. Segundo os críticos, Marshall não examina os processos sociais que desafiam a
cidadania; não aborda as diferenças de género (feminino - masculino) na experiência da
cidadania; falha na consideração de outros tipos de cidadania, como a económica e não
esclarece claramente as causas de expansão da cidadania. No entanto, alguns sociólogos
patenteiam que a ilação central de Marshall pode ser salva das críticas se a teoria original for
modificada.331
Existem diferentes tradições de cidadania em diferentes sociedades. A cidadania activa, que se
baseia na obtenção dos direitos através da luta social varia largamente da designada cidadania
passiva, que é gerida pelo Estado.332Por exemplo, como sublinha Evelyn Glenn, a cidadania é
um conceito que não teve grande enfoque na sociologia americana, ao contrário da inglesa,
sobretudo em relação ao Estado-providência moderno.333 Existem ainda grandes dissemelhanças
nos enquadramentos teóricos desenhados para se compreender a estrutura do campo público e
privado nas concepções de cidadania. Para sociólogos, como Talcott Parsons, o crescimento da
cidadania é o resultado da modernização da sociedade, que é baseada em valores universais e de
realização. Estas distintas tradições teóricas são primariamente um produto de duas visões
opostas de cidadania, nomeadamente a que é vista como aspecto do liberalismo burguês (que
pressupõe uma abordagem conservadora da participação social ou é tratada num contexto de
políticas democráticas radicais, assentando na perspectiva de mera reforma capitalista) e a que
suporta que a cidadania é um quadro fundamental da democracia.334
Mais recentemente, os sociólogos superaram estes paradigmas da democracia, liberalismo e
sociedade civil, para colocarem questões acerca das mutáveis relações dos indivíduos,
comunidades e nações, num mundo em que o Estado-nação é crescentemente permeável a
influências de instituições supranacionais. Uma destas interrogações pertence a Bryan Turner,
que sublinha “Irá a globalização substituir a cidadania do Estado com uma concepção
verdadeiramente universal dos direitos humanos?”335.
331 Vide Bulmer e Rees, Citizenship Today: The Contemporary Relevance of T. H. Marshall, 1996. 332 Vide R. Bendix, Nation-Building and Citizenship, 1965. 333 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 2. 334 Gordon Marshall, op. Cit., p. 72.335 Ibidem.
3. Enquadramento Histórico: da Grécia Antiga à Pós-Modernidade
A ideia de cidadania surgiu na Grécia antiga, tendo o trabalho de Aristóteles representado a
primeira tentativa sistemática de desenvolver uma teoria da cidadania, enquanto a sua prática
encontrou a sua primeira expressão institucional na Polis grega, notavelmente em Atenas (do
século V ao IV a.C.).336 Contudo, neste contexto, o conceito de cidadania difere
significativamente da sua acepção moderna. Com efeito, na Grécia clássica, a cidadania estava
limitada aos homens livres, excluindo-se mulheres, metecos e escravos. Os homens livres
tinham o direito de participar no debate político, porque contribuíam com serviço militar para a
subsistência directa da cidade-estado.
Os historiadores dividem o desenvolvimento da cidadania em divergentes estádios, salientando a
evolução do vocábulo desde a Grécia Antiga até à modernidade e posteriormente. Por exemplo,
Riesenberg identifica como a primeira fase da cidadania, o período desde o seu início na Grécia
até aos alvores da modernidade, destacando sobretudo a Revolução Francesa de 1789. A
segunda fase corresponde ao Estado Moderno. Contudo, Keith alerta para o facto destas duas
etapas de Riesenberg serem demasiadamente gerais, englobando todas as diferentes premissas
existentes na Grécia Antiga, em Roma e na Idade Média. Com efeito, e a título exemplificativo,
o instrumentalismo da cidadania republicana de Maquiavel, que pretendia principalmente
assegurar a ordem na medieval Florença, distingue-se expressivamente da cidadania como
expressão política da natureza humana de Aristóteles.337
Assim, é importante não absorver apenas uma concepção pré-moderna de cidadania, tal como, é
pertinente entender que o conceito moderno de cidadania não foi criado isoladamente. Os
valores de universalidade e igualdade, fulcrais para a cidadania moderna, tiveram as suas raízes
nos estudos dos filósofos estóicos gregos e o discurso liberal dos direitos naturais inspirou-se na
universalista tradição das leis naturais romanas.338 A tabela seguinte demonstra algumas das
divergências basilares entre a cidadania na Polis e no Estado Moderno.
Grécia Antiga (Polis) Estado Moderno
Tipo de Comunidade Orgânica Legal/Associação Diferenciada
Escala Pequena Larga
336 Idem, p. 14.337 Ibidem; Vide Held, Models of Democracy, 2ª edição, Polity Press, Cambridge, 1996, pp. 36-69. 338 Idem, p. 15.
Profundidade da Cidadania Espessa Fina
Extensão da Cidadania Exclusiva, a iniquidade é
natural
Progressivamente inclusiva e
teoricamente igualitária, mas
limitada por contexto estatístico
Conteúdo da Cidadania Obrigações Extensivas Direitos e Deveres limitados
Contexto da Cidadania Escravatura e sociedade de
produção agrícola
Patriarcal, sistema capitalista,
produção industrial
Quadro 17 – Cidadania na Grécia Antiga e no Estado Moderno
Fonte: Keith Faulks, Citizenship, Routledge, 2000.
Efectivamente, a cidadania na Grécia Antiga está intrinsecamente ligada a um âmbito de
pequena escala, ou seja, à comunidade orgânica da Polis. Os cidadãos gerem os seus próprios
assuntos, agindo simultaneamente como legisladores e executores, defendendo-se através de
uma forte consciência de obrigação militar. Aliás, segundo vários especialistas, a modificação
de tácticas militares na Polis influenciou a prática da cidadania. A este propósito, Riesenberg
sublinha a importância da formação militar denominada “phalanx”, efectuada a partir do século
oito a.C. Esta táctica baseava-se na excepcional cooperação entre cada soldado, o que de acordo
com o historiador supracitado, evidenciou um importante passo na concepção relacional da
cidadania (pelo menos para os homens).339
Assim, na Grécia, a ligação entre a guerra, a cidadania e a masculinidade foi claramente
estabelecida e reapareceu repetidamente na subsequente história da cidadania. A cidadania na
Polis estava intrincada numa ideologia que percorria todos os campos da sociedade. Desde o seu
nascimento, os cidadãos assimilavam os valores de uma cidadania activa, determinando
consequentemente o conteúdo e a profundidade da sua prática. De facto, “citizenship and the
polis are one and the same”340. Embora a cidadania grega fosse mais baseada nas obrigações do
que nos direitos, estas não tomavam a forma de deveres estatutários. Pelo contrário, eram
percebidos pelos cidadãos como oportunidades para serem virtuosos e servirem a comunidade.
Apesar de ser verdade que em 594 a. C., quando Sólon reclassificou as várias categorias de
cidadãos atenienses, respondendo a uma crescente solicitação de inclusão, alguns grupos
tivessem maior influência política do que outros. Manville reitera que a cidadania, não era como
muitos especialistas afirmam, determinada pela riqueza, mas pela decisão da comunidade.
339P. Riesenberg, Citizenship in the Western Tradition, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1992, p. 9.340 P. Manville, “Towards a new paradigm of Athenian citizenship”, 1994, p.24, in Keith Faulks, op. Cit, p. 16.
Contudo, vários autores demonstram que a riqueza era um dos primeiros símbolos da influência
política.341
Com efeito, a revisão da Constituição ateniense em 400 a.C. apontou para a importância da
participação política, através do financiamento público de quantias pagas pelos cidadãos que
integravam a assembleia. Portanto, a fundação material da cidadania tornou-se evidente, apesar
de alguma resistência. No entanto, é pertinente salientar que a concepção de cidadania na Grécia
Antiga era de carácter holístico, isto na medida em que, a política e as obrigações eram
entendidas como virtudes e génese de liberdade. A virtude cívica era tão central para os
indivíduos, que a cidadania era igualmente profunda e espessa, no sentido em que a vida e a
identidade eram oferecidas e definidas quase exclusivamente pela Polis. A moralidade e a “boa
vida” eram expressas publicamente através do desempenho da virtude cívica.342
Porém, o estatuto da cidadania era na Grécia Antiga altamente exclusivo. A diferença basilar
entre a cidadania pré-moderna e a moderna é que, na sua prática, quer na Grécia, quer em Roma,
a iniquidade do estatuto em causa era aceite sem questionar. De facto, a cidadania era valorizada
em parte devido à sua natureza exclusiva, como marca de superioridade sobre os não-cidadãos,
mulheres, escravos ou “bárbaros”. Para os gregos, a escravatura e o império eram inteiramente
compatíveis com a cidadania. Em 451-450 a.C., sob a liderança de Péricles, a cidadania
restringiu-se somente aos residentes, cujos pais tinham nascido na Polis.343
O conceito romano de cidadania, em contraste com a exclusividade grega, tornou-se
progressivamente inclusivo no seu alcance, à medida que o seu império se estendia. Na época da
república, a cidadania, tal como na Grécia, era um estatuto privilegiado. Contudo, na Roma
Imperial, a cidadania perdeu gradualmente a sua associação à participação e tornou-se um
instrumento de controlo social e pacificação. Os romanos perceberam que garantir a cidadania
da população do império (que foi alcançado através de um édito pelo imperador Caracala),
legitimava o seu poder como conquistador. Isto implica que os impostos fossem mais facilmente
recolhidos e não houvesse a necessidade de se manter dispendiosamente mais poder militar.344
Todavia, como assevera Nicolet, a cidadania na Roma Imperial significava acima de tudo o
usufruto do designado direito de habeas corpus.345 Para a grande maioria dos cidadãos romanos,
341 Keith Faulks, op. Cit, pp. 16-17.342 Idem, p. 18.343 Idem, pp. 18-19.344 Idem, p.19.345 Nicolet, The World of the Citizen in Republican Rome, Batsford, Londres, 1980, p.19.
a cidadania estava reduzida a uma salvaguarda jurídica, mais do que a um estatuto que denotava
uma influência política. Como refere Derek Heater, “the Romans [developed] a form of
citizenship which was both pragmatic and extensible in application. Yet that very elasticity was
the cause ultimately of the perishing of the ideal in its noble form”346.
Após o colapso do Império Romano do Ocidente, a importância da cidadania diminui
exponencialmente. De facto, na Idade Média, a demanda pela honra através do exercício da
cidadania foi substituído pela procura da salvação pessoal. Consequentemente, a igreja
substituiu a comunidade política na questão da lealdade e orientação moral. No entanto, a
cidadania também encontrou expressão nesta época medieval, no contexto de várias cidades-
repúblicas italianas, como Florença e Veneza. Estas cidades beberam inspiração dos modelos
republicanos gregos e, particularmente, de Roma. Efectivamente, incluíram uma ética de
participação. De acordo com Max Weber, estas cidades tiveram um importante papel no
lançamento das pedras basilares para a eventual emergência da cidadania moderna. Certamente,
como complementa Faulks, o rótulo que Weber aplicou a estas cidades “fortalezas e mercados”
aponta para similaridades com o contexto em que a cidadania moderna emergiu. O
desenvolvimento de uma economia de mercado e de actividades industriais forneceram
impostos para a construção de uma comunidade baseada na cidadania. O aspecto militar destas
cidades, também proporcionou um essencial sentido de obrigação e de identidade para os
cidadãos. Contudo, é fundamental reiterar que estas cidades eram uma evidente excepção num
enquadramento feudal, onde a cidadania era hierarquizada, não universal e altamente
exclusiva.347
As modernas noções de cidadania estão intimamente ligadas ao desenvolvimento do Estado
liberal, cujos alicerces foram iniciados no final do século XVI. Um dos primeiros teóricos
políticos a considerar a relação entre o individual e a comunidade política neste novo quadro foi
Thomas Hobbes.348 Este filósofo inglês do Iluminismo (1588-1679) viveu na época da Guerra
Civil inglesa e, como tal, as suas obras são interpretadas como uma resposta intelectual à
experiência da instabilidade política e da insegurança pessoal. O seu mais famoso trabalho
“Leviathan” de 1651 oferece uma justificação à autoridade política absoluta que alegadamente é
uma dedução da natureza humana. A percepção da natureza humana de Hobbes é uma
extraordinária aplicação e extensão da ciência mecânica (ensinada por Galileu). Para Hobbes, a
346 Keith Faulks, op. Cit., p.20.347 Idem, p.21.348 Idem, pp.21-22.
acção humana é governada pelo medo da morte e desejo pelo poder.349 Desta forma, as grandes
preocupações de Hobbes são a segurança e a ordem, focando-se nos direitos do soberano e não
do indivíduo. Com efeito, era um céptico relativamente às teorias de participação da cidadania.
De facto, a sua teoria, que assenta na defesa do direito do soberano de obter poder absoluto,
deixou pouco espaço conceptual para qualquer noção de cidadania. Pelo contrário, apela
exclusivamente à obediência ao Estado. O único “direito” do indivíduo é o da auto-preservação,
que acaba por não ser um direito na sua essência, na medida em que, Hobbes aceita que o
soberano disponha de poder sobre a vida e a morte.350
Todavia, apesar de vários autores acusarem Hobbes de destruir o conceito de cidadania,351 este
foi uma importante figura na história da cidadania, pois várias das suas ideias conduziram a uma
concepção mais desenvolvida de cidadania, patente nos liberais clássicos como Locke.
Efectivamente, na teoria Hobbesiana e antagonicamente ao observado na Idade Média, o
indivíduo têm uma relação directa com o Estado. Hobbes acreditava ainda que os indivíduos
eram essencialmente iguais e, embora a sua preferência pessoal fosse claramente para um
sistema monárquico de governação, a sua tese termina com a assunção que o Estado e o governo
são indivisíveis. Por fim, ao arguir que o soberano deveria ter poder absoluto, o filósofo estava a
advogar a concentração dos meios de violência. Esta premissa rompe com o contexto feudal,
onde havia vários poderes e a violência era exercida por diversos actores. Com esta limitação da
violência ao Estado, era criada a oportunidade para a emergência de métodos de governação
mais consensuais.352
A tradição liberal fundada por Hobbes foi desenvolvida por Locke, que se socorrendo da ilação
da igualdade dos indivíduos e da sua relação directa com o Estado, construiu uma teoria da
cidadania baseada nos direitos. A tese de Locke pretendia equilibrar a preocupação Hobbesiana
com a segurança, a protecção dos direitos da vida, da liberdade e da propriedade, que para a
maioria dos liberais, são o suporte para o alcance do auto-interesse (“self-interest”). No entanto,
a redefinição filosófica da cidadania pelos liberais não explica isoladamente o nascimento da
cidadania moderna. Mudanças sociais concretas, associadas sobretudo à transformação da forma
da comunidade política, demonstra que o estatuto da cidadania começou a ganhar importância.
Com efeito, a partir do século XVIII, as fronteiras entre os Estados foram delimitando-se com
349 Gordon Marshall, op. Cit, p. 280.350 Keith Faulks, op. Cit., p. 22.351 Vide Clarke, Deep Citizenship, Pluto Press, Londres, 1996, p.53; Weiler, “Logos Against Leviathan: The Hobbesian Origins of Modern Antipolitics”, in A. Schedlee The End of Politics?, Macmillan, 1997, pp. 40-56. 352 Keith Faulks, op.Cit., pp. 22-23.
maior precisão e os seus habitantes preocuparam-se progressivamente com as condições da sua
integração. O estatuto político da cidadania traduziu-se com maior relevância à medida que, o
poder militar e a progressiva burocracia do estado contribuía para eliminar locais competitivos
de poder. A chave para esta situação foi indubitavelmente a laicização. De facto, a carnificina e
a subsequente instabilidade causada pela Reforma conduziu alguns pensadores políticos, como
Bodin e Hobbes, a perspectivar o divórcio da política com a religião. As elites políticas
partilhavam esta visão e a secularização do Estado após o final das guerras religiosas na Europa
permitiram a criação de um espaço para a génese de uma cidadania secular. A Reforma teve um
outro impacto na cidadania, nomeadamente o protestantismo que colocou o indivíduo em
relação directa com Deus, o que foi evidenciado por Locke na utilização do cidadão e do Estado.
Como frisa Faulks, não é coincidência que Hobbes, Marx, Hegel e outros autores modernos,
tenham inicialmente estabelecido comparações entre Deus e o Estado, posicionando
posteriormente o Estado como o ser divino, centro das aspirações dos indivíduos. 353
Uma das consequências deste renovado e mais forte poder do Estado foi que o Estado tornou-se
sucessivamente o ponto fulcral para os pedidos e exigências de alargamento dos direitos.
Segundo Giddens, observa-se um processo de “dialéctica de controlo”. Desta forma, embora as
capacidades de supervisão do Estado sob os seus cidadãos tenham crescido enormemente
através do desenvolvimento da educação pública, o sistema de tribunais e parlamentos,
possibilitou que este processo de controlo funcionasse reciprocamente. Assim, um maior poder
estatal significava que os movimentos sociais podiam utilizar os canais de comunicação criados
pelo Estado para realizarem campanhas e divulgação dos direitos. Portanto, o Estado evoluiu
para uma valorização do modo de governação consensual e desvalorização da força. A cidadania
tornou-se um essencial elemento deste novo sistema de governação consensual.354 Isto embora, a
história da cidadania moderna possa ser compreendida como um conjunto de trocas, onde as
elites procuravam manter o seu poder através da gestão dos efeitos da mudança social e
contendo as exigências dos movimentos sociais, segundo concessões na forma de direitos. Tudo
culminaria com o desenvolvimento dos direitos sociais, sob a formação do Estado-providência,
que se estabeleceu em vários países europeus em meados do século XX.355
Alguns autores, como Mann (1996) e Barbalet (1988) sublinham que os direitos são largamente
o produto de decisão das elites, enquanto outros, como Turner (1986) e Giddens (1985) reiteram
353 Idem, pp. 24-25. 354 Giddens, The Nation-State and Violence, Polity Press, Cambridge, 1985, p. 201. 355 Faulks, op. Cit., p. 25.
o papel da luta social. Com efeito, Stuart e Held descreveram a história da cidadania como um
conjunto de sucessivas tentativas daqueles que beneficiam da sua restrição, isto é, de limitar a
cidadania a certos grupos. Evelyn Glenn acrescenta um outro lado da história, nomeadamente, a
luta dos excluídos para ganharem direitos.356 Contudo, Keith Faulks salienta que é um erro
privilegiar a luta ou a conveniência política na história da cidadania. Existem simplesmente
demasiadas variáveis para se estabelecer uma teoria geral, que possa ser aplicada a todos os
locais e épocas. Por exemplo, o crescimento da cidadania moderna não pode ser cabalmente
explicado com base no conflito de classes. Giddens afirma que “the class conflict has been a
medium of the extension of citizenship rights” 357, porém como demonstra Keith Faulks esta é
apenas uma parte da história. Com efeito, o desenvolvimento da cidadania desde o século XVIII
englobou conflitos internos e externos, ou seja, dentro de cada Estado, mas também entre os
vários Estados.
Quatro factores impõem-se como cruciais para explicar o caminho que tomou a cidadania. O
significado de cada um destes factores variou indubitavelmente de acordo com as circunstâncias
históricas de cada contexto. Em primeiro lugar, as lutas dos movimentos sociais evidenciaram
incontestavelmente um importante papel na extensão da cidadania. Em segundo lugar, a
ideologia afigura-se fundamental na história da cidadania. O universalismo do liberalismo
forneceu um potencial igualitário. O socialismo, de acordo com Keith Faulks, é capital neste
enquadramento. Em Estados onde o socialismo exerceu grande influência, como a Alemanha, a
Suécia e até a Inglaterra, os direitos sociais (na forma de estabelecimento de serviços públicos)
foram mais extensos que em países como os E.U.A, cuja interferência socialista foi mínima. O
nacionalismo também exerceu um considerável papel em galvanizar apoio para o alargamento
dos direitos, sendo simultaneamente uma força positiva, mas limitada na evolução da cidadania.
A influência do nacionalismo foi claramente ambígua. 358
Em terceiro lugar, os factores económicos, nomeadamente o triunfo do capitalismo, foram do
mesmo modo, responsáveis pela curso da cidadania. Com efeito, não é necessário adoptar uma
análise marxista para aceitar que as elites políticas se baseiam amplamente no desempenho da
economia. Assim, a necessidade de uma economia de mercado influenciou a forma da
cidadania. A literatura sobre esta temática tem discutido se a cidadania é oposta ou suporta o
capitalismo. A este propósito, Marshall identifica a tensão entre os valores de igualdade e a
356 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 1.357 Faulks, op. Cit., p. 26. 358 Ibidem, pp. 26-27.
desigualdade económica inerente ao capitalismo. O autor defende direitos sociais financiados
por impostos para superar os piores aspectos da iniquidade. Contudo, como sublinha Keith F.,
Marshall não considera suficientemente as condições e os interesses que sustêm os direitos
sociais no período em que redigia a sua obra. O ensaio de Marshall foi publicado em 1950, a
infância do Estado-providência na Inglaterra, quando os direitos sociais pareciam irreversíveis.
Para Faulks, o estádio de desenvolvimento que o capitalismo alcançou na época pós-guerra era
de massa, de produção fordista. Este facto facilitou os altos lucros e a organização da classe
trabalhadora. Um clássico exemplo, introduzido por Faulks, mostra que os direitos sociais eram
largamente uma concessão acedida aos trabalhadores em reconhecimento da sua capacidade de
exercer o poder dos sindicatos no local de trabalho. Nos anos oitenta do século passado, o
equilíbrio de poder entre o trabalho e o capital modificou-se a favor do último elemento. Desde
então, as elites políticas definiram estratégias para minimizar os dispendiosos direitos de um
Estado-providência em resposta aos ímpetos do capital. Esta restrição dos direitos pelos
governos neo-liberais denota que, enquanto os mercados podem ter um relevante papel na
promoção da liberdade individual, os imperativos económicos não podem ter precedentes sobre
as decisões políticas da comunidade. Daí Keith advogar a questão do rendimento do cidadão,
pois, tal como, na Grécia Antiga é essencial reconhecer a ligação entre os recursos materiais e o
exercício da cidadania.359
Por fim, a natureza do próprio Estado liberal é indispensável para se compreender a cidadania
moderna. Keith Faulks reitera que o Estado é inerentemente racial e assenta na distinção de
sexo. Isto porque, o Estado não é tão liberal, como quer demonstrar, pelo contrário, tem sido
fundido com uma concepção cultural da Nação que tem sido delimitada em termos étnicos e de
género.360A cidadania na modernidade é efectivamente ambígua. Se por um lado, o liberalismo
defende a natureza igualitária e universal da cidadania, por outro lado, desde o século XVIII, a
cidadania está ligada à instituição do Estado-nação, o que na prática têm actuado como um
“powerful instrument of social closure”361. A extensão da cidadania tem sido determinada pelas
fronteiras entre Estados, conjuntamente físicas e culturais. “Consequently, citizenship has been
about exclusion from, as well as inclusion into the polity”362. Os controlos de imigração e os
requisitos de residência são para os Estados uma importante parte da sua soberania e
representam os aspectos materiais da exclusão. A exclusão cultural tem também o seu papel, na
forma de concepção da nação (por exemplo, refugiados, estrangeiros etc. podem ser entendidos 359 Idem, pp. 27-28.360 Ibidem. 361 Brubaker, Cit. por Keith Faulks, op. Cit., p. 29.362 Keith Faulks, op. Cit., p. 29.
como cidadãos de segunda pela cultura dominante). As duas ideias de Estado e Nação, que são
para Keith Faulks a base para a exclusão da cidadania, aparecem juntos na noção de Estado-
nação. Assim, um acontecimento fundamental para a criação da cidadania moderna foi a
Revolução Francesa de 1789, na medida em que, fundiu Estado e Nação.363
A Revolução Francesa utilizou o conceito da Nação num progressivo e secular modo, isto é,
substitui a monarquia como soberana pelo povo como soberano. Sieyès aborda o conceito do
terceiro Estado, definindo a nação como as pessoas comuns, a quem estavam a ser negado os
seus direitos por um sistema aristocrático e monárquico. Os direitos deixaram de ser aplicados a
um grupo, para serem usufruídos por cada indivíduo. Esta centralidade dos direitos foi
estabelecida através da publicação da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” em
1789. Este documento, que englobava direitos como a liberdade de expressão e direito de
justiça, teve uma grande influência nos radicais europeus que lutavam contra o privilégio,
ambicionando alcançar as ideias liberais de igualdade e liberdade. Desta forma, no seio da
revolução emergia um novo conceito de cidadania, assente na igualdade e universalidade do
estatuto. Contudo, nas fases mais radicais da Revolução, a cidadania também englobava servir a
Nação, através do desempenho da virtude cívica da obrigação militar: à liberdade e igualdade
foi acrescentado a fraternidade. Com efeito, “The French Revolution was, as Habermas has
noted, therefore more radical in its conception than the earlier American Revolution of
1776”364.
Sob a influência da “vontade geral” de Rousseau, isto é, de que a comunidade poderia ser unida
por esta ideia, muitos revolucionários franceses percepcionavam a revolução como mais do que
a asserção da independência individual pelos direitos e, deste modo, estavam dispostos a
valorizar os aspectos colectivos da cidadania. Aliás, pelo menos nas etapas iniciais da revolução,
a união dos direitos universais com a Nação eram interpretados numa forma extremamente
ampla e inclusiva. Os estrangeiros podiam tornar-se cidadãos franceses se tivessem um filho
nascido em França, se possuíssem propriedades no país ou se casassem com uma mulher
francesa. Em 1795, Tallien comentava que o único estrangeiro em França era o mau cidadão.365
No entanto, o universalismo da revolução deixava de fora a mulher. Todavia, como reitera Hunt
“without the much maligned universalism of men in 1789, there would have been no demands
for inclusion of new groups”366.363 Idem, pp. 29-30.364 Idem, p. 31.365 Cit. por Brubaker in Keith Faulks, op. Cit., p. 33.366 Hunt, Cit. por Keith Faulks, op. Cit., p. 33.
Contudo, os aspectos mais inclusivos da cidadania expressos na Revolução acabaram por ser
condicionados pelas próprias circunstâncias em que foram concebidos. Neste sentido, Balibar
identifica factores internos e externos que conduziram a revolução para definições mais
exclusivas de política. Externamente, os revolucionários viram-se envolvidos em inúmeras
guerras com Estados reaccionários como a Prússia, a Inglaterra e a Espanha, que pretendiam
conter e até destruir os alcances da revolução. Assim, através desta experiência de conflito
violento, a ideia de nação e de cidadania tornaram-se militarizadas. A longo prazo, a guerra da
revolução francesa teve o efeito de solidificação das fronteiras que separavam os povos
europeus, o que levou à sua definição em termos de nações distintas.367
Internamente, a ameaça de poderes estrangeiros, acumulado com os inevitáveis problemas
económicos associados a qualquer revolução, alimentou suspeições entre fracções rivais de
revolucionários. De facto, os revolucionários liderados por Robespierre e o seu grupo político os
“Montagnards” solicitavam uma maior inclusão cívica, defraudada pela Constituição de 1791
que dividia os cidadãos activos dos passivos (os cidadãos passivos eram os trabalhadores que
não podiam pagar um imposto cívico de pelo menos 3 dias e a quem era negado a participação
nos processos de tomada de decisão). O subsequente “Grande Terror” (1793-94) tornou-se um
instrumento de perseguição, provocando a morte de milhares de pessoas em nome da
“verdadeira vontade democrática”. Portanto, nas fases iniciais a revolução “politicised the
cultural concept of nationality”368. Todavia, a violência dos últimos anos da revolução conduziu
a uma fusão entre Nação e Estado, o que culturalizou a ideia de cidadania e tornou confusos os
limites entre cidadania e nacionalidade. A Revolução acabou por terminar desastrosamente e
muitas das suas mais radicais aquisições perderam-se nos anos napoleónicos. Como sublinha
Silverman, a França é a clara manifestação das contradições na formação de todos os Estados
modernos.369
Com a edificação do Estado-nação, a cidadania enfrentou algumas contradições, sobretudo de
foro teórico. Para os defensores da identidade nacional, a cidadania só pode ser um estatuto
significante se ligado à ideia da Nação. Com efeito, a universalidade da cidadania barra com a
exclusividade do Estado-nação.370 No século XIX e XX, a cidadania esteve associada com a
construção da nação e o dever militar. Muitos autores reiteram que o Estado-nação é definido 367 Ibidem.368 Heater, Citizenship, Longman, Londres, 1990, p. 57.369 Keith Faulks, op. Cit, pp. 34-35; Silverman, Cit. por Keith Faulks, p. 35.370 Idem, pp. 35-45.
em termos de sexo e de raça. Desta forma, as mulheres são retratadas como as “mães da nação”,
que devem proteger e manter “puros” os seus defensores masculinos. O uso da violação, como
instrumento militar, utilizado especificamente nas guerras étnicas dos anos oitenta e noventa do
século passado, em países como a Jugoslávia, é exemplificativo da percepção da mulher como
símbolo e posse da nação, em vez de cidadã total como os homens. Efectivamente,
investigadoras femininas elucidam que o “ideal de cidadania” da teoria liberal é essencialmente
masculino.371 Segundo Carole Pateman, o pensamento liberal é baseado numa divisão entre
público e privado, sendo o público definido como o reino da política, direitos etc., enquanto
actividades de manutenção diária, emoções e aspectos relacionados são relegados para o campo
privado. Uma vez que as mulheres se encontravam encapsuladas na esfera privada, a cidadania
foi determinada fundamentalmente em oposição ao mundo das mulheres.372
Do mesmo modo, o Estado assenta também em questões raciais, a aparente neutralidade da
cidadania, por exemplo em França, esconde um profundo racismo e patologia face aos
imigrantes.373 De facto, inúmeros autores374 demonstraram que a cidadania liberal é racializada,
na medida em que, desde os alvores da república, a ideia do branco esteve sempre ligada a
noções de independência e auto-controlo necessários para o governo republicano. Esta
concepção cresceu em consonância com a conquista e colonização de sociedades não-ocidentais
pelos europeus e americanos. Os indivíduos não brancos eram percepcionados como
dependentes e incapazes de uma auto-governação.375 Porém, os grupo excluídos estão
frequentemente entre os mais eloquentes proponentes do ideal de cidadania. Os movimentos de
luta encontraram na linguagem universalista e igualitária da cidadania liberal os dispositivos
retóricos mais eficazes para as suas reivindicações. De acordo com Ruth Lister, o importante é
não abandonar o “potencial emancipador” da cidadania universal.376
Retomando a premissa do Estado-nação e segundo Keith Faulks, não é só a Nação que se
estabelece como obstáculo à cidadania, o Estado também implica esta posição. A separação
entre Nação e Estado, como propõe Oommen, falha na relação interdependente entre os dois.
371Vide Carole Pateman, The Disorder of Women, Stanford University Press, 1989; Susan Okin, Women in Western Political Thought, Princeton University Press, 1979 e Iris Young, “Polity and group difference: A critique of the ideal of universal citizenship”, in Ethics, 99, 2, 1989. 372 Pateman, The Disorder of Women, Stanford University Press, 1989, p. 2.373 Idem, p.166. De facto, basta relembrar os últimos acontecimentos de revolta de imigrantes e franceses de origem árabe. 374 Vide David Roediger, The Wages of Whiteness: Race and the Making of American Working Class, Verso, Londres, 1991; Haney Lopez, White by law: The Legal Construction of Race, New York University Press, 1996 e Reginald Horsman, Race and Manifest Destiny, Harvard University Press, 1981. 375 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 2. 376 Ibidem.
Aliás, se a cidadania fosse definida puramente em termos estatais, de acordo com as premissas
de Oommen, os problemas das minorias étnicas ou outros grupos em desvantagem, iriam
manter-se por resolver. Isto, na medida em que, o poder coercivo do Estado seguiria sempre os
interesses do grupo cultural dominante.377
De qualquer forma, Seyla Benhabib reitera que as modernas democracias liberais devem a sua
estabilidade e relativo sucesso à união de dois ideais, originados em distintos períodos
históricos: os ideais da auto-governação e o territorialmente circunscrito Estado-nação. Desde o
século XVII, que a democracia e a consolidação do Estado-nação moderno caminham juntos, às
vezes contradizendo-se, outras vezes, suplementando-se. Com o processo de expansão formal da
cidadania, o modelo da auto-governação foi progressivamente interpretado como a igualdade
formal dos cidadãos que agora pretendiam compreender o valor igualitário das suas liberdades.
O ideal cívico republicano da auto-governação, o exercício da liberdade entre iguais num espaço
público, está relacionado, e segundo Benhabib, necessariamente ligado, ao ideal liberal da
cidadania como prática e usufruto de direitos e benefícios. Neste sentido, as modernas
democracias procuram integrar estas aspirações republicanas e liberais nas práticas de
autonomia “privada” e “pública”. “The private autonomy of citizens pre-supposes the exercise
and enjoyment of liberty through a rights-framework which underwrites the equal value of their
liberty; public autonomy is realized through the institutions of democratic self-governance in
increasingly complex societies”378.
Actualmente, são os Estados que conferem nacionalidade. Assim, porque o Estado é a
instituição de governação pré-eminente, é também ele que atribui os direitos e obrigações dos
cidadãos. A integração do cidadão é feita geralmente por duas orientações. Uma tradição é a da
cidadania cívica, cuja delimitação assenta na partilha de instituições políticas e valores, onde a
sua inclusão está aberta a todos os que residem no território. A outra tradição baseia-se numa
definição etno-cultural, que abarca uma herança e cultura comum, na qual a integração é
limitada àqueles que têm essa herança, através da descendência genética.
Contudo, Seyla Benhabib frisa que o sucesso relativo dos ideais republicanos e democrático-
liberais, ou da pública e privada autonomia, estão hoje em crise. “This crisis is not the crisis of
democracy in the first place, but rather the crisis of the territorially circumscribed nation-state
377 Idem, pp. 35-45.378 Seyla Benhabib, “Borders, Boundaries and Citizenhsip”, in Political Scienc and Politics, Vol.38, Iss. 4, Washington, Outubro 2005, p. 673.
formation”379. De facto, tornou-se comum, quer no pensamento normativo político, quer nas
ciências sociais, profetizar o fim do Estado-nação. Porém, como demonstra a autora supra-
citada, os desenvolvimentos contemporâneos indicam um cenário mais complicado que o
panorama sugerido pelo prognóstico anterior. Efectivamente, mesmo perante o que parece ser o
colapso das concepções tradicionais da soberania do Estado, o monopólio territorial é exercido
através da imigração e políticas de cidadania. “All pleas to develop “post-Wetsphalian”
conceptions of sovereignty are empty, therefore, if they do not also address the normative
regulation of peoples movement across territorial boundaries”380. Aliás, as migrações
transnacionais apontam para o dilema constitutivo das democracias liberais: entre, por um lado,
as reivindicações da auto-determinação soberana, e por outro, a adesão aos princípios da
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”. A título exemplificativo, basta referenciar a
constante tensão, e até contradição, entre as declarações de direitos humanos e as argumentações
de soberania dos Estados para controlar as suas fronteiras e monitorizar a qualidade e
quantidade de admitidos.
Neste sentido, Seyla alega que as práticas de integração política e de participação dos seus
membros pode ser melhor iluminada, através de uma reconstrução interna e crítica destes dois
compromissos. Todavia, frisa que não existem soluções claras para superar estes dilemas.
Assim, seguindo a tradição Kantiana do federalismo cosmopolita, enfatiza a significação da
integração, da constituição de membros dentro de comunidades delimitadas por fronteiras,
defendendo a necessidade de “democratic attachments” que não devem ser apenas
direccionados para as existentes estruturas do Estado-nação. Pelo contrário, “as the institution of
citizenship is disaggregated and state sovereignty comes under increasing stress, sub-national
as well as supra-national spaces for democratic attachments and agency are emerging in the
contemporary world, and they need to be advanced with, rather than in lieu of, existing
policies”381. Contudo, é importante respeitar as premissas das diversas comunidades
democráticas, incluindo as suas percepções e assunções culturais, legais e constitucionais,
enquanto se reforça os seus compromissos para as decorrentes normas de justiça cosmopolita.382
Esta “Eugene Meyer Professor” da Universidade de Yale itera que o federalismo cosmopolita é
um projecto que pretende reinar nas forças da globalização, resistindo simultaneamente ao
alargamento do império e alimentando a cidadania democrática.383
379 Seyla Benhabib, op. Cit., p. 673.380 Idem, p. 674.381 Ibidem.382 Ibidem.383 Idem, p. 676.
De facto, a fraqueza de muitas teorias tradicionais pós-liberais e contemporâneas pós-modernas
consiste na falta de identificação do problema que o Estado cria para uma cidadania universal.
Embora as reformas empreendidas pelo Estado sejam necessárias para reforçar a democracia e a
natureza inclusiva das instituições, não são suficientes para alcançar o potencial da cidadania.
Assim, Keith Faulks defende uma progressiva cidadania pós-moderna, dissociada da sua
moderna ligação ao Estado. Neste contexto, o conceito de “cidadania múltipla” de Heater parece
ser o mais apropriado, tendo em consideração a pluralidade da actual sociedade e o recente
acréscimo de instituições sociais e políticas direccionadas para o exercício da cidadania. A
flexibilidade de pensamento requerida para desempenhar a cidadania numa variedade de
cenários pode conduzir aos perigos de associar a cidadania com apenas um aspecto da
identidade, como nacionalidade, raça ou grupo. Neste sentido, Faulks contrapõe a cidadania
diferenciada, evidenciada por vários autores, que refere que temos que privilegiar um elemento
da nossa identidade em detrimento de outras identidades também valiosas. O individual e o
colectivo são essenciais. A verdadeira diversidade só pode ser mantida através de direitos
individuais (baseados em escolhas individuais e não em identidades culturais pré-
determinadas).384
Deste modo, a melhor forma de comunidade política para uma cidadania pós-moderna é aquela
onde o patriotismo constitucional, em vez dos laços culturais, gera um sentido de lealdade e
obrigação. Isto não implica que diversas culturas ou a nacionalidade desapareçam. Num futuro
próximo, a cidadania será ainda primariamente exercida a nível local. Mas o que a cidadania
pós-moderna exige é que a divisão entre as comunidades políticas não seja permanentemente
fechada (materialmente e culturalmente) e que muitos dos direitos e responsabilidades da
cidadania ultrapassem os limites administrativos.385 O conflito contemporâneo do Estado é que
a globalização pressupõe a incerteza dos limites, ou seja, onde assenta o Estado.
Adicionalmente, a globalização parece desafiar a relevância actual da cidadania, pois esbate as
fronteiras materiais e psicológicas que tornaram a cidadania expressiva na modernidade. No
entanto, os recentes processos de mudança social, nomeadamente a globalização, parecem estar
a criar oportunidade para o desenvolvimento da cidadania pós-moderna.
É ainda pertinente referir que a cidadania pressupõe a existência de condições para que seja
praticada. Keith demonstra que a cidadania só tem sentido e é real na oportunidade de exercício
384 Idem, pp. 166-168.385 Idem, p. 168.
de direitos e responsabilidades quando reconhecemos que é dependente de recursos. Daí alertar
para o facto de ser crucial existir um rendimento mínimo para cada cidadão.386 Neste contexto,
Evelyn Glenn reforça que a prática actual da cidadania assenta na independência de cada
cidadão, ou seja, que este seja capaz de agir autonomamente. Na tradição liberal, que enfatiza os
direitos individuais, a independência é o que permite aos indivíduos fazerem as suas escolhas no
mercado livre e perseguirem os seus interesses. Na tradição republicana, a independência é
também importante, já que, possibilita aos indivíduos agirem para alcançarem o bem comum,
mais do que propriamente referindo-se à imediata necessidade material, embora esta premissa
seja central nas duas orientações políticas. A autora demonstra que nos Estados Unidos da
América, o conceito independência obteve um peso adicional durante o período revolucionário
que defende a separação da Inglaterra e visa instituir a “cidadania voluntária”. Ora, esta
cidadania voluntária implicava independência política.387
De qualquer modo, a independência manteve-se essencial, sofrendo, no entanto, significativas
transformações. No século XVIII, a independência significava posse de propriedades. No século
XIX, com a continuação da industrialização, a independência passou a referir-se não à posse de
propriedade produtiva, mas ao domínio do seu próprio trabalho e à capacidade de o vender por
uma remuneração. Esta formulação englobou todos os homens brancos “independentes”,
enquanto as mulheres e escravos eram dependentes, uma vez que, não tinham a liberdade para
vender o seu trabalho. Assim, os primeiros a obter sufrágio universal foram os homens
“independentes”. No fim do século em análise, a industrialização capitalista, tinha alargado o
abismo económico entre os que possuíam os recursos produtivos e o resto, tornando mais
aparente a contradição entre iniquidade económica e democracia política. O aumento dos níveis
de pobreza, apesar da expansão da riqueza, alimentou a questão se o rendimento baixo, o
desemprego e/ou a falta de acesso aos cuidados de saúde e outros serviços, diminuiriam os
direitos de cidadania para uma larga fatia da população. A progressiva iniquidade económica
levantou também a dúvida se seria necessário aplicar alguns mecanismos para mitigar as duras
desigualdades criadas pelo mercado.388
Entre os anos da I e II Guerra Mundial, a ideia de T. H. Marshall da designada “cidadania
social” teve grande impacto. De acordo com Marshall, a cidadania social envolve “the right to a
modicum of economic security and to share in the full social heritage and to live the life of a
386 Idem, p. 169. 387 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 7.388 Ibidem.
civilized being, according to the standards prevailing in the society”389. Desta forma, os
problemas sociais e económicos vividos após a I Grande Guerra, conduziram os Estados
europeus a instituir programas para assegurar um determinado nível de segurança económica e a
tomar responsabilidade colectiva pelos “dependentes”, ou seja, as crianças, os mais velhos, os
incapacitados e outros indivíduos inaptos para trabalhar. A maioria dos Estados europeus
ocidentais estabeleceu políticas de benefícios para os desempregados e inválidos, tal como, para
a protecção dos idosos e crianças. Estas linhas foram fortificadas e alargadas depois da II Guerra
Mundial, incluindo uma expansão dos cuidados de saúde, pensões para os mais velhos,
subsídios para as crianças, etc. Para Marshall, o significado destes mecanismos de
“redistribuição” do Estado-providência, repousa na crença que estes elementos possibilitaram à
classe trabalhadora exercer os seus direitos cívicos e políticos. Nesta óptica, a cidadania social
era crucial, porque além de tudo, preenchia o que Marx considerava ser os ocos direitos da
cidadania liberal.390
Numa perspectiva comparada, o conceito de cidadania social tem sido relativamente fraco no
Estado-providência dos E.U.A., quando contrastado com a Europa Ocidental. Ainda que em
1930, os programas do “New Deal”, mais concretamente, os planos de segurança social e de
apoio ao desemprego tenham notavelmente aumentado a segurança económica, continuaram a
ser um padrão de dois níveis do sistema da cidadania social desde 1890. O primeiro grau
considerava os direitos baseando-se no emprego ou serviço militar, isto é, benefícios para os
desempregados, seguro para os idosos e subsídios para os incapacitados, que eram relativamente
generosos e não exigiam comprovação exautiva “means-testing”. O outro nível abrangia várias
formas de assistência, como “Aid to Dependent Children” (que em 1962 passou a denominar-se
“Aid to Families of Dependent Children”), que eram expressivamente miseráveis e requeriam
meios de comprovação e vigilância do Estado.391
Assim, os homens brancos, como classe, agruparam desproporcionalmente o primeiro nível de
direitos pela virtude dos seus registados empregos regulares e bem pagos. As mulheres brancas
tiveram frequentemente que se apoiar no sistema, o que era entendido mais como caridade,
como uma resposta à dependência, do que como uma contrapartida pelas suas contribuições. Os
homens afro-americanos e latino-americanos encontravam-se geralmente excluídos dos
benefícios baseados no emprego, na medida em que, concentravam-se na agricultura, trabalhos
389 T. H. Marshall, Class, Citizenship, and Social Development, Garden City, 1964, p. 78.390 Evelyn Glenn, op. Cit., p. 8.391 Ibidem.
diários e outras ocupações rejeitadas pelo sistema. Quanto às mulheres afro-americanas e latino-
americanas, estas viam mesmo os direitos do segundo nível negados. Portanto, em confrontação
com a situação da maioria dos países europeus, os E.U.A. evidenciavam um reduzido sentido de
responsabilidade colectiva referente ao cuidado de dependentes. Aliás, educar as crianças não
era reconhecido como uma contribuição para a sociedade e daí a inexistência de benefícios
parentais, vulgares na Europa.392
Na Europa, a linguagem da cidadania usufruiu de um revivalismo através da esquerda para
mobilizar oposição à redução das políticas do Estado-providência, tais como, cuidados de saúde,
educação, reformas e benefícios para as crianças. Como frisa Glenn, nos E.U.A., é visível a falta
de uma tradição de cidadania social, a partir da qual se possa edificar a defesa da provisão
social. Com efeito, a autora sublinha que se não podem apelar à cidadania social, então têm que
articular uma noção de cidadania que se coadune com a linguagem americana dos direitos.393
Isto, na medida em que, se as pessoas têm a responsabilidade, o dever de trabalhar e ganhar, não
terão também que ter o direito correspondente, ou seja, de ter um trabalho e auferir uma
remuneração que lhes permita “to participate fully in the cultural life of the society and to live
the life of a civilized being according to the standards prevailing in the society”394.
4. Cidadania na Era Global
A globalização, numa concepção planetária, implica efectivamente uma grande interrogação, no
que concerne as tradicionais assunções sobre integração social e cidadania. Particularmente, a
tensão entre direitos universais e soberania (que definiu os limites da cidadania na modernidade)
é evidenciada. Verdadeiramente, a confluência de fluxos globais, pela formação de novos
espaços e possibilidades, tem um efeito transformador na cidadania. Numa paisagem
constantemente mutável, configurada por mobilidades e posicionamentos, a noção de cidadania
ligada ao terreno do Estado-nação é questionada. Entretanto, na prática e crescentemente, os
benefícios e direitos são realizados através de específicas mobilizações e argumentos no meio de
uma contingência globalizada. Com efeito, “The movements of global markets, Technologies,
and populations interact to shape novel spaces of political mobilization and claims. As rights
and protections long associated with citizenship are becoming disarticulated from the state, they
are re-articulated with elements such as market-based interests, transnational agencies, mobile
392 Ibidem.393 Ibidem.394 T. H. Marshall, op. Cit., p. 78.
elites, and marginialized populations”395. Analiticamente, podemos distinguir dois processos
que enfatizam as modificações na cidadania. Por um lado, a emergência de novos espaços
políticos, e por outro, a fragmentação e separação dos componentes da cidadania.396
Presentemente, assistimos a uma mutação dos elementos que compunham o conceito de
cidadania no Estado Moderno. Um indivíduo pode usufruir de direitos de cidadão, sem partilhar
a identidade comum da maioria. Um outro pode ter acesso a direitos e benefícios sociais sem
partilhar a auto-governação e sem ser um nacional. O caso da União Europeia surge como uma
espécie de paradigma, devido à intensidade do efeito da desagregação, na medida em que, os
privilégios de cidadania alargaram-se a todos os cidadãos dos Estados membros, que podem
residir em territórios diferentes da sua nacionalidade.397 Contudo, o conceito de cidadania
europeia surge como complemento ao da cidadania nacional. Com efeito, a cidadania europeia
não substitui a nacional. O valor e conceito de cidadania europeia é consagrado relevantemente
no projecto da Constituição Europeia. Embora a sua origem remonte ao Tratado de Maastricht
de 1992, já antes se observavam direitos inerentes ao nascimento ou posse de cidadania de um
país da Europa comunitária. O direito à livre circulação (que é introduzido no tratado de Roma
de 1957) e permanência em qualquer território dos Estados-membros foi reconhecido em
Maastricht, tal como, o de aceder a cargos públicos sem autoridade pública. No entanto,
Maastricht apresentou um projecto de cidadania mais consistente, declararando a possibilidade
de se ser eleito ou eleger representantes em eleições para o Parlamento Europeu ou para eleições
autárquicas, além de assegurar protecção diplomática e consular aos cidadãos comunitários em
países terceiros e outras correspondências de natureza diplomática. Adicionalmente, o direito de
Petição ao Parlamento Europeu e a Provedoria de Justiça Europeia são outros elementos que
fortaleceram, em Maastricht, o estatuto de cidadania europeia, enquanto instrumentos de apoio e
ao serviço dos cidadãos da União Europeia. A Constituição europeia elaborada pela Convenção,
ainda em projecto, consagra de igual modo a cidadania europeia, fortificando e complementando
toda a legislação elaborada desde o Tratado de Maastricht. Assim, cria uma “Carta dos Direitos
Fundamentais dos Cidadãos Europeus” no texto do Tratado, no qual o primeiro artigo consagra
plenamente a cidadania europeia, ao afirmar-se que a União é "inspirada na vontade dos
cidadãos e dos Estados da Europa de construírem o seu futuro comum".398
395 Aihwa Ong, “(Re) Articulations of Citizenship”, PS, Political Science & Politics, Vol.38, Iss. 4, Washington, Outubro 2005, p. 697.396 Ibidem.397 Seyla Benhabib, Op. Cit., pp. 674-675.398“Cidadania Europeia”, in Infopédia, Porto Editora, http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=132800.
Portanto, os cidadãos da União podem votar para eleições do país onde se encontram e podem
igualmente participar nas eleições para o parlamento europeu. Se forem residentes de longo
prazo no país estrangeiro, têm direito a um equivalente pacote de direitos e benefícios. Embora,
estes parâmetros estejam restritos aos países membros, ou seja, os países fora da União
continuam ligados à sua nacionalidade e raízes culturais, esta situação tem-se modificado. A
Dinamarca, a Suécia, a Finlândia e a Holanda permitem que nacionais de países extra-
comunitários participem em eleições locais e regionais; na Irlanda, podem votar localmente, mas
não regionalmente e no Reino Unido, os cidadãos da Commonwealth podem votar nas eleições
nacionais. Em Espanha e Portugal, o direito a votar nas eleições locais é garantida a alguns
nacionais de países, sobretudo da América Latina. A conclusão mais importante deste novo
enquadramento é que a atribuição de direitos já não depende do estatuto de cidadania, isto é, os
residentes estrangeiros legais são incorporados em regimes de direitos civis e sociais e
protegidos por legislações nacionais e supra-nacionais.399
Apesar da temática do transnacionalismo ser largamente evidenciada nas discussões sobre a
globalização, não se trata de um fenómeno novo, embora ganhe agora um novo impacto e
dimensão. A migração massiva criou uma situação na qual uma significativa parte de pessoas
retém laços e navega entre múltiplas comunidades e nações, complicando a concepção de
cidadania, entendida como a integração, a participação como membro na comunidade onde se
vive. No entanto, na actual economia global, o número e o alcance das comunidades
transnacionais multiplicou-se. De acordo com Roberts et al, as comunidades de migração
transnacional são “groupings of immigrants who participate on a routine basis in a field of
relationships, practices, and norms, that include both places of origin and places of
destination”400. Por outro lado, Portes et al, enfatizam a actividade comercial transnacional, na
qual, os imigrantes mantêm laços e transportam entre países bens, alimentos, música e eventos
culturais do país de origem para as suas comunidades transnacionais co-étnicas, e/ou levando
electrónica e outros bens de consumo para a sua terra materna.401 Esta actividade representa uma
reacção às limitações e restrições impostas ao imigrantes nos locais de destino (por exemplo, a
delegação para empregos de baixa remuneração) e às oportunidades abertas pela globalização.
399 Seyla Benhabib, Op. Cit., pp. 674-675.400 Bryan Roberts, Reanne-Frank e Fernando Lozano-Ascensio, “Transnational migrant communities and Mexican migration in the U.S.”, Ethic and Racial Studies, 22, 1999, pp. 217-237.401 Alejandro Portes, Luís Guarnizo e Patricia Landolt, “Introduction: Pitfalls and promise of an emergent research field”, Ethic and Racial Studies, 22, 1999, pp.238-266, in Evelyn Glenn, Op. Cit., p.10.
Suplementarmente, as comunidades de imigrantes envolvem-se em actividades culturais e
políticas transnacionais, tais como, recolha de donativos para eleger candidatos em eleições das
suas localidades, ajuda na reconstrução de instituições nas suas comunidades de origem e o
patrocínio de grupos musicais, culturais e desportivos.402 O envolvimento económico e político
transnacional têm sido encorajados por mudanças legais que tornam a dupla ou múltipla
nacionalidade acessível para mais pessoas. Contudo, muitos países acreditam que uma cidadania
é suficiente, obrigando à sua escolha. De facto, a transnacionalidade, pode ser uma estratégia
usada pelos indivíduos para maximizar os seus benefícios económicos e sociais. No entanto,
esta estratégia não está igualmente disponível para todos. Os Estados-Nação delimitam
diferentemente fronteiras e regulam a atribuição de cidadania consoante certos interesses
económicos. Este tratamento diferencial introduz novas formas de iniquidade transnacional, de
classe, raça e género.403 De facto, a dinâmica da globalização, sobretudo a migração
internacional, desafiou os enquadramentos tradicionais da cidadania e conduziu os académicos a
desenvolverem novos modelos de pertença, nomeadamente o transnacionalismo e o pós-
nacionalismo. Assim, a tríade, o modelo tradicional, o transnacionalismo e o pós-nacionalismo,
abordam implícita ou explicitamente o controverso tópico da dupla-nacionalidade ou múltipla
nacionalidade. Para avaliar e testar as implicações destes modelos, Irene Bloemraad prosseguiu
um estudo empírico, usando uma fonte de dados estatísticos que pedia aos inquiridos para
reportar múltipla cidadania nas amostras do censo canadiano de 1981, 1991 e 1996.404
Os resultados ofereceram reduzida evidência quanto à adopção pelos imigrantes de uma restrita
visão pós-nacionalista de cidadania, mas revelou as possibilidades do transnacionalismo e a
contínua relevância do enquadramento tradicional. Com o passar dos anos, observou-se o rápido
aumento do nível de agregação da reportada dupla cidadania de 1981 a 1996. Esta provocativa
evidência, diz respeito às teorias do transnacionalismo, na medida em que, este facto deveu-se à
crescente permissão dos países de origem para que os seus nacionais usufruíssem de dupla
nacionalidade. Verificaram também que os indivíduos com melhores condições económicas e
profissionais são os que mais provavelmente abraçam a dupla cidadania. Uma vez que, os níveis
de naturalização ascendem em consonância com a comunicação da dupla cidadania, a
investigação sugere um certo paradoxo: enquanto a múltipla pertença sublinha alguns aspectos
402 Evelyn Glenn, Op. Cit., p.10.403 Idem, pp. 10-11.404 Irene Bloemraad, “Who Claims Dual Citizenship? The Limits of Postnationalism, the Possibilities of Transnationalims and the Persistence of Traditional Citizenship”, The International Migration Review, Vol. 38, Iss. 2, Nova Iorque, Verão 2004, p. 389.
da convencional soberania do Estado, a dupla cidadania pode ser uma forma para os países
promoverem a ligação e anexação política e legal dos seus imigrantes.405
Ainda a propósito do transnacionalismo é importante referenciar a premissa da cidade global.
“The most strategic instantiation of this unbundling is probably the global city, which operates
as a partly denationalized platform for global capital and, at the same time, is emerging as a
key site for the most astounding mix of people from all over the world. The major cities in the
world are becoming partly denationalized platforms also for immigrants, refugees and
minorities”406. Assim, encontramos duas dinâmicas estratégicas. Em primeiro, a incipiente
desnacionalização de tipos específicos de definições nacionais, particularmente as cidades
globais. Em segundo, a formação de oportunidades conceptuais e operacionais para outros
actores, além do Estado-nação, sobretudo novos actores corporativos globais e outras
colectividades, cuja experiência de pertença não tem sido completa segundo a sua moderna
concepção, nomeadamente, minorias, imigrantes e muitas mulheres. Desta forma, a cidade
global emerge como um sítio estratégico para estes novos tipos de operações.407
A globalização económica parece materializar-se numa grelha mundial de espaços estratégicos,
considerando-se centros financeiros e de comércio internacional. Esta nova geografia económica
de centralidade reproduz parcialmente iniquidades (a centralidade pressupõe a existência de
marginalidade), mas é também o resultado de uma especial dinâmica das actuais formas de
crescimento económico. Portanto, as cidades globais são locais de imensa concentração de
poder económico e centros líderes da economia global, enquanto cidades que foram em tempos
grandes centros de manufactura, sofreram declínios substanciais. A título exemplificativo, estas
novas cidades globais são Nova York, Londres, Tóquio, Paris, Frankfurt, Zurique, Amesterdão,
Sidney, Hong Kong, entre outras. Nesta geografia também se incluem cidades como São Paulo,
Buenos Aires, Bombaim, Banguecoque, Taipei e Cidade do México. A intensidade das
transacções nestes espaços é crescentemente extraordinária.408 De facto, a globalização engendra
espaços contraditórios e é caracterizada pela contestação, diferenciação interna e progressiva
passagem das fronteiras. A cidade global é emblemática desta condição, uma vez que, concentra
uma partilha desproporcionada do poder corporativo global e é um dos locais chave para a sua
405 Idem, pp. 389-426406 Saskia Sassen, “The Global City. Strategic Site/New Frontier”, in Democracy, Citizenship and the Global City, Engin F. Isin, Routledge, p. 48.407 Ibidem.408 Idem, pp. 50-51.
sobrevalorização. Contudo, também concentra uma partilha desproporcional das suas
desvantagens e é um dos locais chave para a sua desvalorização.
Este cenário conjunto acontece num contexto de uma exponencial globalização económica e da
definição das cidades como espaços estratégicos para o capital global, tal como, de uma resposta
dos grupos marginalizados que encontraram a sua voz e que também fazem exigências e pedidos
à cidade. Se o centro concentra grande poder, a marginalidade, embora possua reduzido poder
económico e político, tornou-se progressivamente presente através das novas políticas culturais
e de identidade e de uma emergente política transnacional, assente na nova geografia da
globalização económica. Ambos os actores, transnacionais e em contestação, encontraram na
cidade o terreno estratégico para as suas operações.409 Glenn reitera ainda que com a
globalização outras temáticas se impõem, nomeadamente com o movimento global de pessoas,
os países experimentam crises de identidade nacional, ou seja, quem pertence e segundo que
critérios é essa pertença atribuída. A mistura de culturas dentro das fronteiras nacionais está a
reanimar debates acerca precisamente destes critérios, se estes deveriam basear-se em preceitos
etno-culturais (por exemplo, a capacidade de falar a língua dominante) ou cívicos (trabalhar e
pagar impostos no território do país).410
Um outro aspecto que se prende com este contexto trata-se, efectivamente, da questão dos
direitos que transcendem o Estado-nação, isto é, o papel do Estado-nação versus as entidades
supranacionais. De facto, com a economia global, os Estado-nação têm menos capacidade de
controlar e regular os fluxos de capitais. Similarmente, os movimentos de pessoas, eram melhor
contidos, quando este volume era menor e os países conseguiam controlar esta situação. Apesar
da referida discussão sobre a relevância dos Estados-Nação na regulação, atribuição e protecção
de direitos é problemático encontrar consensos. Com efeito, os Estados abrem fronteiras para a
circulação de capitais, informação e serviços. Porém, quando se trata de imigrantes e refugiados,
volta a relembrar o seu direito soberano de controlar as suas fronteiras. No entanto, noutras
áreas, a soberania, formalmente domínio do Estado-nação, é redistribuída parcialmente a outras
entidades, que incluem organizações supranacionais, convenções internacionais e regimes
privados internacionais legais.411 A este propósito, Aihwa Ong frisa que “In particular global
assemblages, entities beyond the state such as corporations, religions, and NGOs are becoming
more active practitioners of humanity”412.409 Idem, pp. 58-59.410 Ibidem.411 Idem, pp. 12-14.412 Aihwa Ong, Op. Cit., p. 700.
No entanto, Wagner evidencia que sob a pressão da globalização somos levados a definir razões
práticas e teóricas para mudar de uma noção de cidadania centrada no Estado e de um
paradigma da governação global, onde os Estados-Nação são as coordenadoras dominantes do
poder, para a reinvenção de um modelo de governação assente na acção civil. Contudo, o autor
supracitado, refere que efectivamente a crença na primazia do Estado-nação encoraja as pessoas
a focalizar soluções burocráticas, em detrimento de percepcionar formas dos membros da
sociedade agirem independentemente. Porém, é também perigoso promover uma sociedade civil
global como um substituto (e não um complemento) de uma cidadania nacional. Actualmente,
os governos locais e regionais, as ONGs nacionais e internacionais, os grupos e associações de
solidariedade, conjuntamente com comunidades comerciais, sindicatos e associações
profissionais possuem os recursos para promover juntamente (e não contra) os governos
nacionais uma cidadania social dentro e para além das fronteiras do território nacional. De facto,
“Left alone, however, a network of civic associations could never accomplish what governments
(and intergovernmental organisations) so fair failed to achieve. Without a treasury and a
legislature (and some may even add “without an army”), civil society is not equipped to
confront the challenges of globalisation and to act in a coherent and coordinated way”413. As
opiniões divergem.
Neste enquadramento de uma era global, Yasemin Soysal sugere que a cidadania seja
substituída pelos direitos humanos, sendo a protecção destes direitos universais a chave para
assegurar a autonomia individual.414 No entanto, Keith Faulks argumenta que embora os direitos
humanos sejam progressivamente mais influentes na sociedade, estes não podem substituir a
cidadania, na medida em que, a governação exige o exercício da participação política, das
responsabilidades e da preservação dos direitos. Assim, nesta era global, a pressão para
melhorar/aumentar a cidadania dentro de cada Estado, deve ser acompanhada por esforços para
criar locais de governação múltiplos, que procurem cumprir a lógica igualitária da cidadania
liberal de formas que superem os limites do Estado. De facto, Keith sublinha que a concepção
da cidadania nestas circunstâncias deve ter um carácter pós-moderno. Em termos de garantir os
direitos e de assegurar o cumprimento das responsabilidades que qualquer modo estável de
governo requer, não é já possível reter a ligação entre cidadania e a forma de comunidade
413 A. Wagner, “Redefining Citizenship for the 21st century: from the National Welfare State to the UN Global Compact”, International Journal of Social Welfare, Blackwell Publishing, vol. 13, 2004, pp. 278-286.414 Yasemin Soysal, Limits of Citizenship, University of Chicago Press, Chicago, 1994.
política fechada e exclusiva que é o Estado. Isto, independentemente da sua natureza nacional
ou regional.415
Contudo, como reiterado anteriormente, Keith frisa que a globalização parece estar a
desenvolver uma ambiência para o estabelecimento de uma cidadania pós-moderna. Neste
sentido, o aspecto chave da globalização que contribui decisivamente para esta possibilidade
futura é a ameaça colocada por riscos planetários. Segundo liberais como Hobbes, a segurança e
a ordem social, sob que qualquer concepção estável de cidadania deve assentar, é melhor
garantida pelo governo. Os riscos globais desafiam esta relação entre cidadania e o Estado,
enfraquecendo a capacidade do Estado de zelar pela segurança dos seus cidadãos.416 Os teóricos
da democracia cosmopolita sublinham que as instituições de governação, tal como, os direitos e
as responsabilidades, devem estender-se para além do Estado, isto se os elementos básicos da
sociedade humana não forem destruídos pelo desastre ecológico ou pela calamidade nuclear.417
A este propósito, Shaw defende que a globalização ajudou a criar o que ele designa de sociedade
pós-militar. Efectivamente, Keith nota que as formas pré-modernas e modernas de cidadania
estavam fortemente associadas ao dever militar. Com esta concepção, Shaw não proclama que
estamos perante o fim do conflito armado, mas considera que o prenúncio da aniquilação
nuclear e das guerras ao estilo da I e II Grandes Guerras são pouco prováveis. Aliás, os exércitos
massificados do século XX, que estão historicamente ligados à criação do Estado-providência e
portanto ao alargamento da cidadania, já não são necessários. A guerra está agora na
responsabilidade de exércitos profissionais, altamente qualificados, formados e apoiados em
novas tecnologias. Isto sugere que o longo elo entre dever militar, masculinidade e cidadania
encontra-se debilitado.418
A globalização salientou o importante problema das iniquidades materiais, principalmente no
que concerne, a prática da cidadania. As iniquidades globais ameaçam constantemente os
direitos daqueles que vivem no mundo desenvolvido. Em adição, a revolução nas comunicações
e o desenvolvimento de riscos planetários expandiram simultaneamente os perigos e a
consciência destes perigos no ocidente. No contexto da sociedade liberal, K. Faulks patenteia
uma nova abordagem aos direitos sociais que procure alcançar um melhor equilíbrio entre os
imperativos do mercado e as exigências da cidadania. A política que mais satisfatoriamente
poderá garantir que os direitos e deveres não são determinados pelas inerentes iniquidades e 415 Keith Faulks, op. Cit., pp. 133-161. 416 Idem, pp. 168-169.417 Vide Held, op. cit., 1995.418 Keith Faulks, op. Cit., p. 169.
tendências de exploração do capitalismo é a existência de um rendimento mínimo para cada
cidadão. Todavia, segundo o mesmo autor, caminhos devem ser encontrados para melhorar as
condições materiais dos Estados mais pobres. Tratando-se de uma questão de justiça e auto-
interesse, na medida em que, num contexto de globalização, nenhuma comunidade de cidadania
pode ser assegurada se continuarem a existir profundas iniquidades. Neste sentido, as
migrações, crimes internacionais, conflitos regionais e danos ambientais são alimentados e
estimulados por estas iniquidades e os efeitos destes novos riscos de segurança serão sentidos
nos países desenvolvidos e nos países em vias de desenvolvimento.419
Assim, Keith Faulks reitera que as instituições de governação global devem abandonar a
abordagem da divisa neo-liberal relativa à gestão económica que actualmente incorpora
organismos como o Banco Mundial e o FMI. Os Estados ricos devem igualmente reconhecer
que o sistema mundial económico é gerido em seu favor, representando as suas obtenções,
despesas acrescidas para os países do “terceiro mundo”. Portanto, para Faulks, os Estados e os
organismos, como a U.E., devem honrar as suas responsabilidades para com os países em vias
de desenvolvimento, tal como, oferecer mais ajuda para apoiar o desenvolvimento de
instituições democráticas, essenciais para a prática da cidadania. Numa perspectiva prospectiva,
Keith Faulks frisa que a cidadania tem futuro numa era crescentemente globalizada e pós-
moderna, porque os seus elementos constitutivos, nomeadamente, direitos, responsabilidades e
participação política, são essenciais para a governação humana. Contudo, salienta que temos que
reconhecer que é quebrando as ligações que a modernidade forjou entre a cidadania e noções
restritas, como o Estado e o mercado, que o potencial da cidadania pode ser alcançado.420
5. Cidadania na Era Digital
Num contexto digital, o conceito de cidadania digital emerge contundentemente. Se para muitos
autores, novos paradigmas nascem com o digital, outros consideram que as noções se mantêm
inalteráveis, sendo apenas transportadas para uma nova dimensão. Contudo, uma aproximação
sociológica a estas novas variantes impõe-se como fundamental. De facto, como demonstra
Manuel Castells, os movimentos sociais e os agentes políticos utilizam progressivamente a
Internet como instrumento privilegiado para agir, informar, recrutar, organizar, dominar e
contradominar.421 A partir dos anos 80 e até finais dos 90, várias comunidades locais ligaram-se
à rede, sobretudo através de instituições locais e governos municipais, relacionando no
419 Idem, pp. 169-170.420 Idem, pp. 170-171.421 Manuel Castells, A Galáxia Internet: Reflexões sobre a Internet, Negócios e Sociedade, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 167.
ciberespaço a democracia de cidadania de base. De acordo com Castells, formaram-se três
grupos diferentes, nomeadamente, os movimentos de base pré-Internet que procuravam novas
formas de se organizarem e consciencializarem, o movimento hacker na sua vertente política e
ideológica e os governos municipais que pretendiam reforçar a sua legitimidade com novos
canais de participação dos cidadãos.422
Com as cidades digitais, os pioneiros exemplos do Programa Iperbole da Câmara Municipal de
Bolonha, da Cidade Digital de Amesterdão (DDS) e da Rede PEN (Câmara Municipal de Santa
Mónica, E.U.A.), estes elementos sócio-políticos desenvolveram-se e estão em constante
mutação. À nova urbanidade associa-se um cidadão digital (individual e colectivo), que tem a
possibilidade de aceder a uma plataforma que lhe permite interagir com a sua comunidade,
usufruir de um conjunto significativo de serviços públicos e intervir activamente nos centros de
decisão. De acordo com Luís Borges Gouveia, o conceito de cidadão digital implica interacção,
participação e relações de cidadania entre pessoas e instituições, tal como, uma ligação entre o
real e o virtual.423 Com efeito, um dos objectivos das cidades digitais, definidos pelo Programa
Operacional da Sociedade da Informação (POSI), é precisamente o proporcionar uma melhor
qualidade de vida ao cidadão. Desta forma, as cidades digital pretendem facultar elementos
essenciais para a cidadania, nomeadamente, a disponibilidade da informação e de serviços e a
simplicidade na usabilidade e na interacção.
Entre os anglo-saxónicos, a denominação corrente é a de “netizen” (literalmente cidadão da
Internet). Esta designação emergiu das comunidades on-line, e embora, comummente
corresponda a qualquer pessoa que utiliza a Internet, diversos autores apresentam uma outra
definição. Com efeito, os Hauben investigaram intensivamente a forma como a Internet era
utilizada, concluindo que netizens não consistiam em todos os utilizadores da rede (no caso da
desta investigação tratava-se da Usenet), mas somente aqueles que discutiam os problemas
construtivamente. Neste sentido, são os indivíduos que participam activamente no
desenvolvimento e aperfeiçoamento da Internet, estando imbuído indubitavelmente numa
essência positiva e de cidadania. “Two general uses of the term Netizen have developed. The
first is a broad usage to refer to anyone who uses the Net, for whatever purpose. Thus, the term
netizen has been prefixed in some uses with the adjectives good or bad. The second usage is
closer to my understanding. This definition is used to describe people who care about Usenet
422 Idem, p. 174.423 Luís Borges Gouveia, Gaia Digital, Ligar o real com o virtual, Cidades e Regiões Digitais, Encontro Nacional 2003, Auditório Municipal de Mirandela.
and the bigger Net and work towards building the cooperative and collective nature, which
benefits the larger world. These are people who work towards developing the Net. In this second
case, Netizens represents positive activity, and no adjective need to be used”424.
De facto, Mark Poster afirma inclusivamente que o netizen é o sujeito político formado no
ciberespaço, “(..) o netcidadão poderia ser a figura formadora de um tipo novo de relação
política que partilha a fidelidade à acção com a fidelidade à net e aos espaços políticos
planetários por ele inaugurados. Alguns traços estruturais da Internet, encorajam, promovem, ou
pelo menos, permitem trocas através de fronteiras nacionais”425. Sublinha também uma ideia
chave, ou seja, que ninguém vive na rede a tempo inteiro, sendo esta uma actividade de tempo
parcial. Acrescenta ainda, que a arquitectura da Internet é própria de uma rede descentralizada,
pois qualquer ponto pode estabelecer trocas com outro ou com outros, o que torna claramente
difícil, senão impossível, o controlo por parte do Estado-nação.426 No entanto, como lembra
Tomás Patrocínio, a maior parte de utilizações da Internet, isto é, salas de conversação e correio
electrónico, realiza-se entre conhecidos, familiares, amigos e colegas de trabalho.427
Para um melhor entendimento do que poderá ser definido como cidadão digital, Tomás
Patrocínio introduz a concepção ontológica de cidadania, que inclui todas as suas vertentes,
nomeadamente a política, a social e a cívica, evidenciando o cidadão como o ser gregário que
realmente é.428 Assim, no contexto da sociedade tecnológica digital globalizada não evidencia
um sentido estritamente ligado ao espaço residencial ou nacional, mas manifesta uma dimensão
mais global e universal. Desta forma, a perspectiva ontológica da cidadania reveste-se aqui de
extrema importância, na medida em que, a colectividade que a fundamenta conduz à óptica do
cidadão glocal. O termo glocal remete-nos para o indivíduo que vive na sua cidade ou região e
cujo espaço rural ou urbano expõe problemas por solucionar, que não se podem desagregar dos
problemas por resolver a nível global. Actualmente, verificamos indubitavelmente que o local
existe no global e vice-versa.429
424 Michael Hauben e Ronda Hauben, Netizens: On the History and Impact of Usenet and the Internet, 1996, www.columbia.edu/~hauben/netbook/ 425 Mark Poster, Cit. por Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, pp. 24-25.426 Idem, p. 25.427 Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, p. 25.428 Idem, pp. 15-17.429 Idem, pp. 17-18.
Reforçando a ideia da pertença activa à vida dos espaços pelos cidadãos “Na sociedade
tecnológica digital, há uma transferência de poder para cada cidadão, na medida em que, temos
o espaço e o tempo nas nossas mãos em frente a um ecrã e ao teclado de qualquer
computador”430. A emergente cidade global não pode ser apenas percepcionada segundo as
cibercríticas ou as ciber opiniões catastróficas e teleológicas.431 Embora, apontem relevantes
elementos negativos da sociedade actual, ao problematizarem alguns aspectos da existência
individual e comum, encaram a sociedade como estatuto e não como um sistema vivo em
permanente mutação, capaz de desenvolver estruturas de auto-regulação e de novas
configurações de constituição da vida em comunidade.432
Portanto, neste ponto, mais do que a cidadania digital é fundamental abordar a cidadania glocal.
A cidade glocal apresenta-se, assim, não só como forma possível, mas ainda como modo repleto
de potencialidades para o ser humano. Isto devido à “ (…) intensificação de relacionamento
entre pessoas próximas e distantes, de modos formais e informais, quer em termos reais, quer
em termos virtuais, em todos os domínios da existência, quer no domínio local e regional, quer
no domínio nacional e global”433. Neste sentido, Gordon Smith patenteia que a sociedade civil
tem vindo a ampliar o seu poder político, uma vez que, “A revolução da informação aumenta
drasticamente a possibilidade de acesso à informação mais actualizada. Os cidadãos comuns
(pelo menos aqueles que pertencem à parcela do mundo que está interligada por uma rede de
infra-estruturas de comunicação) estarão conscientes de tudo o que se passa no mundo e terão
uma maior capacidade para trabalhar com outros cidadãos que partilhem com eles as mesmas
preocupações. Esta disponibilidade catalisa a própria difusão da democracia no mundo e, no
sentido mais básico do termo, estamos envolvidos nas decisões que nos afectam”434.
Contudo, como nota Tomás Patrocínio, esta é uma visão muito optimista, pois não é suficiente
estar informado ou ter acesso à informação para que se esteja consciente. No entanto, o acesso e
o estar informado permite per si uma abertura de horizontes, crucial para o conhecimento e para
a participação. Com efeito, a Internet tem possibilitado grandes acções de cidadania em torno de
causas visivelmente glocais, nomeadamente na contestação à guerra no Iraque ou em pedidos de
amnistias. O cidadão actual é claramente um cidadão worldwide, que perante a
430 Idem, p. 19.431 Vide Paul Virilio, Cibermundo: A Política do Pior, Teorema, Lisboa, 2000.432 Tomás Patrocínio, “Educação e Cidadania glocal” in Cidades e Regiões Digitais: Impacte nas cidades e nas pessoas, Org. Luís Borges Gouveia, Fundação Fernando Pessoa, Porto, 2003, p. 19.433 Idem, p. 20.434 Gordon Smith, “Governação na ausência de governos”, in Alec Stone Sweet et al. Cidadania e Novos Poderes numa Sociedade Global, Fundação Calouste Gulbenkian, Dom Quixote, 2000, Lisboa, pp. 46-47.
contemporaneidade, tem que estar um pouco para além de si próprio e do seu espaço local,
regional e nacional. Deste modo, o autor supracitado opta, não pela designação de cidadão
digital ou global, mas pela expressão “cidadão da sociedade tecnológica digital globalizada”,
que abarca a perspectiva glocal e virtual.435 Este professor frisa ainda uma relevante reflexão,
será que os que vivem a Internet a tempo parcial, e mesmo os que não a vivem, pelo simples
facto de viverem na sociedade tecnológica digital não deverão ser também apelidados de
cidadãos dessa mesma sociedade global? Apesar de Tomás Patrocínio considerar que a resposta
é positiva, lembramos que a noção de cidadania e cidadão é demasiadamente complexa,
abarcando um conjunto de elementos, que não são inseridos nesta constatação. Por exemplo, a
cidadania pressupõe pertença, intervenção, participação e interacção, tal como, um pacote de
deveres e direitos, que não são contemplados quando pretendemos designar alguém que não se
insere nessa comunidade como cidadão.
No entanto, o modelo do cidadão digital conduz à reflexão acerca da necessidade da existência
de habitantes tecnologicamente alfabetizados o que conduz ao rótulo e à formação dos info-
excluídos. Assim, Luís Vidigal frisa que “A sociedade de hoje coloca-nos problemas de
exclusão maiores do que no século XIX e por isso temos que reaprender novos conceitos de
gestão pública que não se ensinam normalmente nas escolas de gestão mais orientadas para a
competitividade empresarial”436. Como tal, “Cabe ao Estado, como garante da equidade e
promotor do bem-estar para toda a sociedade, ajustar os meios tecnológicos e encontrar os
media e as formas mais adequadas de apresentação aos diversos públicos que necessitam de
informação clara e atempada para o exercício de cidadania e para a sustentação do
desenvolvimento”437. A “Declaração Europeia de Viena” de Novembro de 1998 consagra a
vitalidade da informação de cidadania, que deverá ser gratuita, integrada, sistematizada,
universal, acessível e normalizada, o que pressupõe a utilização de tecnologias transparentes e
de fácil acesso que motivem e impulsionem o seu uso espontâneo por pessoas manifestamente
menos tecnologicamente dotadas e com baixo grau de literacia.438
435 Tomás Patrocínio, op. Cit., pp. 20-22.436 Luís Vidigal, A cidadania Activa e as Novas comunidades Virtuais: o papel das TIC no relacionamento entre o Estado e o Cidadão, http://luisvidigal.no.sapo.pt/Trabalhos/A_Cidadania_Activa/a_cidadania_activa.html. Neste contexto, a experiência de Jun é emblemática. Efectivamente, o município andaluz permitiu, em sessão plenária, que todos os eleitores residentes votassem através da Internet assuntos locais. A “Teledemocracia Activa” espanhola demonstrou que as vantagens do meio podem ser usufruídas pela Administração Pública e direccionadas para o exercício da democracia. Em 1999, Jun possibilitou a todos os seus cidadãos o acesso à Internet, tal como, disponibilizou todos os meios educativos essenciais para que os seus habitantes aprendessem a tirar partido das tecnologias. A democracia electrónica torna-se progressivamente uma meta a atingir.437 Idem.438 Idem.
Nesta investigação, baseamo-nos efectivamente na acepção ontológica de cidadania. A este
propósito, Joaquim Coelho Rosa salienta que não existem direitos humanos completamente
individuais.439 Assim, “a cidadania apela ao empowerment de cada indivíduo enquanto ser
social, independentemente do seu estatuto social de governante ou de governado, de pertencer
ou não a uma maioria censitária”440. A cidadania implica conhecimento, interacção social e
poder de participação activa na vida da cidade. Com efeito, é neste sentido que abordamos as
cidades digitais e questionamos os seus utilizadores e especialistas, tentando perceber se as
cidades digitais podem reforçar a cidadania, quer no espaço virtual, quer no real.
III. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO E TEÓRICO
A. Problemática, Objectivos e Hipóteses da InvestigaçãoToda a pesquisa é um processo, e como tal, uma sucessão de etapas. Raymond Quivy e LucVan
Campenhoudt indicam na sua obra sete etapas de procedimento, nomeadamente, a pergunta de
partida, a exploração, a problemática, a construção de um modelo de análise, a observação, a
análise de informações, e por fim, as conclusões. 441 As três primeiras fases inserem-se no acto
de Ruptura (rompimento com os preconceitos e falsas evidências), a quarta etapa corresponde ao
acto de Construção (representação teórica que demonstra a lógica que o investigador pensa estar
na base do fenómeno que estuda, correspondendo a uma construção mental que possibilita a
experimentação) e as restantes englobam-se na Verificação (os factos têm que ser verificados
cientificamente).442 Por sua vez, Carlos Diogo Moreira aponta que a primeira fase diz respeito à
elaboração do projecto, que abarca a formulação do problema, o seu enquadramento teórico e
conceptual, a escolha dos métodos de análise e a preparação de uma proposta. A etapa seguinte
são os preparativos da investigação, a terceira o trabalho de campo, a quarta a codificação,
gestão e análise de dados e o último estádio consiste na redacção dos resultados e apresentação
de um relatório.443 O autor Gaston Bachelar resume de forma notável este processo científico,
“O facto é conquistado, construído e verificado”444.
Assim, iniciamos o nosso estudo com a delimitação do problema e a definição dos objectivos da
nossa pesquisa, considerando que o problema é crucial para toda a investigação, tendo que ser
439 Joaquim Coelho Rosa, “Curso de direitos humanos e cidadania”, 2000, in http://phoenix.sce.fct.unl.pt/uied 440 Tomás Patrocínio, “Educação e cidadania glocal”, in Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Edições Universidade Fernando Pessoa, 2003, Porto, p. 16.441 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, Manual de Investigação em Ciências Sociais, Gradiva, 1992, Lisboa, pp. 24-25.442 Idem.443 Carlos Diogo Moreira, Planeamento e Estratégias da Investigação Social, ISCSP, Lisboa, 1994, pp. 19-20.444 Gaston Bachelar, La Formation de l`esprit scientifique, Paris, Librairie philosophique J. Vrin, 1965.
exequível, claro, preciso, pertinente e interessante. Robert Merton refere que a “detecção do
problema pode dividir-se em três fases essenciais, a criação de questões, (O que é que se
pretende saber?), a fundamentação da pesquisa (Porque é que eu quero saber?) e a especificação
de questões (Que perguntas é necessário investigar para responder ao problema.).445 A
importância da definição do problema está ligada ao facto de este ser o fio condutor de toda a
investigação e daí a necessidade de ser bem pensado e de possuir todas as qualidades que
enunciamos anteriormente. Com efeito, o nosso problema (problematização) encontra-se
condensado na pergunta de partida, nomeadamente “Contribuirão as Cidades Digitais para o
Reforço da Cidadania?”.
Deste modo, a temática da nossa investigação é “As Cidades Digitais e o Reforço da Cidadania”
e os respectivos objectivos são:
I. Caracterizar as Cidades Digitais seleccionadas.
II. Analisar vantagens e limitações das Cidades Digitais.
III. Descrever o perfil dos cidadãos virtuais que acedem às cidades digitais.
IV. Analisar o tipo de utilização realizada pelos cibernautas na cidade digital.
V. Verificar se as cidades digitais satisfazem complementarmente a cidadania,
facultando elementos essenciais para o seu exercício, como a disponibilidade da
informação e de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da participação
e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da
Informação.
VI. Observar se houve a formação e desenvolvimento de comunidades virtuais.
VII. Constatar se as cidades digitais permitem a manutenção e o fortalecimento dessas
comunidades.
VIII. Perceber se há uma identificação das cidades virtuais com a cultura local.
445 Robert K. Merton, “Notes on Problem Finding”, in Sociology Today: Problems and Prospects, Harper, Nova Iorque, 1959, p. 9.
IX. Apurar se essa referência cultural e política impulsiona a interacção do indivíduo
com a sua comunidade e cultura local.
X. Avaliar em que medida a cidade digital estará a contribuir para combater a info-
exclusão.
Relativamente aos conceitos chaves, estes são proposições que orientam a abordagem de um
determinado fenómeno de uma forma muito específica, sendo portanto, instrumentos.
Efectivamente, estes não podem ser confirmados ou refutados, devendo o investigador reunir
todas as acepções e seleccionar ou criar uma definição que melhor se adapte ao seu estudo.
Assim, desenvolvemos todos os conceitos inerentes à nossa pesquisa, não esquecendo a sua
multidimensionalidade.
É ainda crucial revelar as hipóteses, um modo de conduzir com ordem e rigor todo o trabalho,
na medida em que, traduzem “o espírito de descoberta que caracteriza qualquer trabalho
científico, (…) exprime-se como uma pressuposição (…) fornece um fio condutor
particularmente eficaz (…) fornece o critério de selecção de dados”446. Assim, norteiam toda
pesquisa, porque o seguimento da mesma será para testar as hipótese, confrontando-as com os
dados observados e recolhidos. Portanto, redigimos as hipóteses que guiarão toda a
investigação, concretamente:
I. As cidades digitais contribuem complementarmente para a cidadania, facultando
elementos essenciais para o seu exercício, como a disponibilidade da informação e
de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção da participação e interacção
dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da Informação.
II. As cidades digitais são plataformas de interacção social.
III. As cidades digitais promovem a intervenção pública e o debate político.
446 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, op. Cit., pp. 119-120.
IV. Nesta fase inicial, as cidades digitais são utilizadas principalmente por utilizadores
com um perfil próprio, que vários autores têm designado como “early adopters”.447
V. No interior das cidades digitais surgem comunidades virtuais.
VI. As cidades digitais fortalecem e permitem o desenvolvimento destas comunidades
virtuais.
VII. As cidades digitais têm impacto no desenvolvimento social e económico nas áreas
que representam.
B. Opções MetodológicasApós todas estas formulações surge a “estrutura operacional de orientação para a
investigação”448, onde seleccionamos os métodos e estratégias de pesquisa. Neste ponto optamos
pelo pluralismo metodológico, na medida em que, a triangulação é a posição mais correcta e
produtiva para um investigador. A triangulação é um termo técnico utilizado na pesquisa, na
estratégia militar e na navegação para clarificar uma técnica, onde dois pontos de referência são
usados para descreverem a posição de um terceiro ponto.449 Em ciências sociais, a triangulação
dos dados corresponde à sua obtenção através de diferentes métodos, técnicas e teorias.
Efectivamente, a triangulação “serves two main purposes: confirmation and completeness”450.
Assim, tendo em conta os objectivos e o objecto do estudo, optamos por um estudo de caso
múltiplo, seleccionando além da inevitável pesquisa bibliográfica e da observação directa dos
conteúdos/serviços dos dois portais analisados e respectiva monitorização, a entrevista semi-
estruturada (aplicada durante o ano de 2005), depois quantificada através de uma análise ao
conteúdo451 das mesmas (cujas categorias foram definidas a posteriori); o inquérito on-line
aplicado, em 2005, aos utilizadores da cidade digital (onde foi possível aplicá-lo, neste caso 447A literatura sobre os “early adopters” (os “aderentes precoces”) é rica na caracterização dos indivíduos que tendencialmente são mais predispostos para aderir ou adoptar uma inovação tecnológica. Com efeito, uma das demonstradas características é a familiaridade com a classe e a vertente técnica dos produtos, sendo maioritariamente “heavy users” de uma determinada categoria de produtos. Assim, o conhecimento informático é crucial, o que evidencia indivíduos com elevadas habilitações literárias. Os estudos reiteram ainda o cariz masculino e jovem (entre 25-45 anos). Cfr. Frederick Williams, Ronald Rice e Evereft Rogers, Research methods and the New Media, The Free Press, Nova Iorque, 1986; Thomas Robertson, Harold Kassarijian, “Innovative Decision Processes”, capítulo 9, in Thomas Robertson e Harold Kassarijian The Handbook of Consumer Behavior, Prentice Hall, New Jersey, 1991; Carolyn Lin, “Exploring Personal Computer Adoption Dynamics”, Journal of Broadcasting Electronic Media, Winter, 1998, pp. 95-112.448 Carlos Diogo Moreira, op. Cit., p. 24.449 Hilary Arksey e Peter Knight, Interviewing for Social Scientists: An Introductory Resource with examples, Sage Publications, Londres, p. 21.450 Idem.
161
apenas no Gaia Global, www.gaiaglobal.pt); completando com a Matriz Ishida, uma proposta
inovadora de comparação de cidades digitais. Pretendemos assim, conjugar os métodos
quantitativos e qualitativos para que a aproximação, descrição e compreensão da complexidade
abordada seja mais rigorosa.
É ainda pertinente reiterar que escolhemos para submeter às entrevistas, um conjunto de
especialistas de diferentes áreas, mas que se têm dedicado à temática das cidades digitais, o que
nos permitiu uma visão clara, abrangente, interdisciplinar e profícua do tema em questão. Estes
profissionais têm-se destacado na publicação de artigos, livros, investigações e pareceres, sendo
largamente reconhecidos a nível nacional e internacional. Entrevistamos ainda dois responsáveis
de cada um dos objectos de estudo, pois além de serem indubitavelmente especialistas sobre as
cidades digitais, são informadores qualificados de cada uma das plataformas. A análise ao
conteúdo das entrevistas passa por uma simples quantificação das respostas, acompanhadas pelo
aprofundamento qualitativo. Por fim, resta sublinhar que o inquérito colocado aos utilizadores
do Gaia Global, apresentou-se como inquérito on-line e as entrevistas realizadas a especialistas
estrangeiros foi enviada como e-entrevista, estabelecendo-se uma rede de comunicação, que nos
permitiu após a recepção das respostas da entrevista, solicitar por correio electrónico alguns
esclarecimentos e acrescentar alguns pontos à reflexão. Assim, procedemos a uma conjugação
inovadora entre a aplicação presencial das diferentes técnicas e os recentemente denominados
“e-social science research methods”, que aproveitam todas as vantagens das TIC e da CMC.
1. O Estudo de Caso Múltiplo
Para esta investigação, optamos por um estudo de caso múltiplo, pelas inúmeras vantagens que
evidencia face a uma temática tão recente e por explorar como as cidades digitais. De facto,
abordamos projectos muito recentes, os exemplos pioneiros portugueses foram criados em 1998,
mas o programa sofreu um interregno entre 2001 e 2003. A análise tecnológica é abundante,
mas o estudo social encontra-se numa fase praticamente embrionária. Assim, “In general, case
studies are the preferred strategy when “how” or “why” questions are being posed, when the
investigator has little control over events, and when the focus is on a contemporary
phenomenon within some real-life context”452.
451 É pertinente frisar que realizamos uma análise ao conteúdo das entrevistas e não a aplicação da técnica de análise de conteúdo, isto porque, se trata de uma técnica de investigação complexa e o que efectivamente pretendíamos correspondia a uma simples análise das respostas dadas pelos inquiridos. Com efeito, verifica-se a menção do uso de análise de conteúdo de forma claramente simplista e abusiva em vários trabalhos, observando-se que a técnica não é, de facto, usada (segundo todos os parâmetros científicos bem definidos), realizando-se apenas um simples tratamento quantitativo das entrevistas.452 Robert Yin, Case Study Research: Design and Methods, 2ª ed., Sage Publications, p. 1.
162
Desta forma, considerando o design da investigação, seleccionamos a opção de “estudos de caso
múltiplos” pela riqueza, não só da análise de dois casos, ou seja, de duas abordagens, como da
possibilidade de comparação de dois exemplos diferentes (um com elevado nível de notoriedade
e outro paradigma de sucesso). As nossas unidades de investigação são então o Gaia Global e o
Aveiro Digital. A qualidade desta formulação é ainda maximizada pela aplicação de quatro
testes, nomeadamente a validade da construção, a validade interna, a validade externa e a
Consistência/Confiança exploradas no seguinte quadro:
Quadro 18 – Tácticas de Estudos de Caso Para Quatro Testes de Design da Investigação
Testes Tácticas Fases da Pesquisa
Validade da Construção Uso de várias fontes de
dados,
Estabelecimento de cadeias
de dados,
Ter o apoio/validação de
informadores chave.
Recolha de Dados
Recolha de Dados
Composição
Validade Interna Realizar correspondências
de padrões,
Realizar construções
explicativas,
Realizar análise de séries
temporais.
Análise de Dados
Análise de Dados
Análise de Dados
Validade Externa Utilizar a lógica de
replicação em estudos de
caso múltiplos.
Formulação da Pesquisa
Consistência/Confiança Elaborar um protocolo de
estudo de caso,
Desenvolver uma base de
dados do estudo de caso.
Recolha de Dados
Recolha de Dados
Fonte: Robert Yin, Case Study Research. Design and Methods, 2.ª ed., Sage Publications.
Desta forma, aplicando à nossa formulação da pesquisa estes quatro testes, observamos que, na
sua maioria, as tácticas foram cuidadosamente adoptadas. No primeiro teste, é clara a nossa
163
escolha por uma triangulação metodológica, tal como, a criação de uma rede de informantes que
apoiaram todo o desenrolar da pesquisa. No segundo componente, a pretensão explicativa e
compreensiva é um dos nossos fundamentais propósitos. Com efeito, até no caso da validade
externa, embora nesta dissertação não apresentemos uma replicação do estudo, a nossa
investigação pretende realizá-lo, sendo desde já, construída segundo esta lógica. Por fim, no
último teste, cumprimos todas as disposições, realizando um guião/protocolo da investigação e
construindo uma base de dados/diário de notas, resultados e relatórios da investigação, que
apresentamos sob a forma de comunicações em conferências científicas internacionais (e que
nos permitiu submeter o estudo a inúmeros pareceres científicos).
Relativamente ao investigador, algumas qualidades são importantes para a correcta condução
deste tipo de pesquisa, nomeadamente a capacidade de colocar boas questões, de ouvir, de ser
flexível e adaptável, de conhecer apropriadamente a temática em análise e evitar enviesamentos,
como preconceitos.453 De facto, a nossa preparação e treino baseou-se nestas preciosas
orientações. Quanto ao protocolo de investigação, o nosso estudo seguiu um conjunto de
conteúdos determinados, concretamente uma indicação geral do projecto (objectivos, hipóteses,
bibliografia de referência), dos procedimentos de campo (credenciais, acesso a documentação e
aos responsáveis das cidades digitais em análise, guião de entrevista), das questões que
pretendemos que sejam respondidas (tópicos e dúvidas para esclarecimento) e de um guia de
relatório pré-definido. Este protocolo é elaborado simultaneamente com a proposta de projecto.
Efectivamente, “A case study protocol is more than an instrument”454. No que concerne a
recolha de dados para a efectivação deste estudo de caso, optamos pela recolha de
documentação, entrevistas, observação directa e ainda um inquérito on-line, que apenas pôde ser
aplicado a uma das nossas unidades de investigação. Sabemos que o inquérito não permite a
comparabilidade entre o Gaia Global e o Aveiro Digital, mas demonstra-nos interessantes dados
sobre um dos casos em análise, e por esta razão, foi considerado neste estudo.
2. A Entrevista Semi-Estruturada
A entrevista é uma das técnicas de investigação que se mostrou apropriada para este estudo, na
medida em que, como método qualitativo não pretende uma mensuração precisa, mas uma
descrição e compreensão da complexidade em abordagem. De facto, como reitera Judith Bell “A
grande vantagem da entrevista é a sua adaptabilidade. Um entrevistador habilidoso consegue
explorar determinadas ideias, testar respostas, investigar motivos e sentimentos, coisa que o
453 Idem, p. 56.454 Idem, p. 63.
164
inquérito nunca poderá fazer”455. Com efeito, “Correctamente valorizados, estes processos
permitem ao investigador retirar das suas entrevistas informações e elementos de reflexão muito
ricos e matizados”456. A selecção da entrevista assentou no facto das informações que queremos
recolher serem claramente específicas e especializadas e complementarem toda a pesquisa
bibliográfica com casos concretos e pragmáticos, permitindo ainda observar a variação de
opinião destes especialistas relativamente a determinados aspectos.
Neste enquadramento, optamos pela tipologia semi-estruturada, que evidencia uma conjugação
de elementos retirados do tipo estruturado e não estruturado, embora sejam mais próximas do
último modelo, pois geram também resultados qualitativos por excelência. Neste sentido, o
entrevistador delimita perguntas chaves, mas pode livremente alterar a sua ordem ou inserir
novas questões que considere pertinente para obter mais informação. Este género permite a
adaptação desta técnica ao grau de receptividade e compreensão do entrevistado.457 Este modelo
possibilita-nos, então, a obtenção de informação qualitativa de forma mais versátil e ajustável a
cada entrevistado, tal como, uma certa regulação, não tão rígida como a entrevista estruturada,
mas também não tão livre como a não estruturada. Hilary e Peter enunciam as características
mais importantes deste tipo, concretamente, tendem a assentar em amostras de tamanho médio;
podem socorrer-se das técnicas de aproximação das entrevistas estruturadas ou não estruturadas,
embora frisem que quanto mais longa é a entrevista, mais aconselhável é proceder à elaboração
de amostras do modo das não-estruturadas; os entrevistadores utilizam um guião, que
normalmente é uma miscelânea de perguntas fechadas e abertas, no entanto, o improviso é
considerado sempre que pertinente; metade da entrevista é conduzida pelo entrevistador, a outra
metade é liderada pelo entrevistado; a validade da mesma depende das capacidades do
entrevistador, do tempo disponível e do contacto que estabelece que permita abordar todos os
assuntos pretendidos; a fiabilidade deriva do treino do investigador e da aproximação das acções
do entrevistador aos aspectos formais e centrais da entrevista; prima por uma dificuldade de se
alcançar fidelidade da análise de respostas semi-abertas; combina uma visão positivista do
conhecimento das ciências sociais que advém das estruturadas com uma percepção
construcionista; é complicado assegurar o anonimato dos informantes, já que, há a possibilidade
dos indivíduos serem identificados mesmo que não sejam fornecidos os seus nomes.458
455 Judith Bell, Como realizar um Projecto de Investigação, Gradiva, Lisboa, 1997, p. 118.456 Raymond Quivy e LucVan Campenhoudt, Manual de Investigação em Ciências Sócias, Gradiva, 1992, Lisboa, p. 193.457 Carlos Diogo Moreira, Planeamento e Estratégias da Investigação Social, ISCSP, Lisboa, 1994, p. 133.458 Hilary Arksey e Peter knight, op. Cit., pp. 8-9.
165
Relativamente ao guião da entrevista, a sua elaboração assentou na proposta de Loffland e
Loffland, nomeadamente pela delimitação inicial do que há de problemático ou interessante no
tema, os denominados “nós de problemas”, pela colocação de cada nó de problemas numa folha
separada, sendo posteriormente organizadas em grupos, onde cada grupo é um determinado
tópico (podendo ser sempre reordenadas).459 Ponderamos ainda como sugerem os autores
supracitados, nos itens exploratórios, que devem ser redigidos de modo informal e flexível.
Assim, as perguntas principais são depois produzidas em consonância com os respectivos itens
exploratórios, que funcionam como tópicos de resposta. Durante a entrevista o investigador
anota os itens que são referidos pelo informante e questiona sobre os que não são indicados.
Muitas vezes estes itens surgem no percurso da “conversa guiada”, sendo a lista apenas um guia,
isto é, um suporte que orienta toda a interacção. Com efeito, “uma entrevista é essencialmente
uma situação de estímulo-reacção”460.
Um outra questão metodológica essencial é clarificada na seguinte afirmação “While you may be
persuaded that interviewing is the method that is best fitted to your research purpose, you need
to check that you have the qualities necessary to interview effectively, or to be sure that you can
develop them”461. De facto, não só o investigador pode enviesar os resultados, como também o
contacto, ou seja, a relação estabelecida com o entrevistado pode condicionar a qualidade dos
dados.462 Desta forma, o entrevistador deve adquirir um certo número de qualificações, que lhe
permita no curto espaço de tempo da entrevista analisar toda a relação estabelecida, perceber o
entrevistado e “entrar no mundo dessa pessoa e na sua perspectiva”463. No caso da entrevista
semi-estruturada a improvisação é uma qualidade condicionante, já que, “in qualitative
interviews, the interviewer is more like a Jazz musician in a jam session. The key may have been
set and there is an initial theme: thereafter it is improvisation”464. Todas estas qualificações
adquirem-se com a experiência e treino, qualidades que testamos ao longo da licenciatura e do
mestrado, embora a orientação dada por vários docentes e pelo orientador desta investigação
tenham sido indispensáveis.
Após a realização da entrevista, escolhemos a transcrição integral, em detrimento da selectiva,
pois a primeira permite todos os tipos de análise, não implica a perda de dados que poderão
459 J.Loffland e L.Loffland, Analysing Social Settings, Belmont, Cal., Wadsworth, 1984.460 Peter Mann, Método de Investigação Social, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1970, p. 103.461 Hilary Arksey e Peter Knight, op. Cit., p. 38462 L. Measor, “Interviewing: a strategy in qualitative research”, in R. Burgess Strategies of Educational Research: qualitative methods, Falmer Press, Londres, p. 57. 463 Idem, p. 63.464 Ibidem.
166
eventualmente mais tarde serem importantes e possibilita ainda durante a transcrição a
familiarização com termos, conceitos e dados.465 A transcrição integral da entrevista foi depois
enviada a cada um dos informantes para que pudessem observar a precisão do conteúdo das
mesmas. Isto facultou a manutenção de uma relação com os entrevistados, assim como, a
obtenção de dados que foram enviados posteriormente pelos informantes para complementar
toda a investigação. No que concerne o anonimato e a confidencialidade, todos os entrevistados
aceitaram divulgar a sua identidade, sendo no entanto referido, que as informações recolhidas
seriam apenas para usufruto da investigação. É importante evidenciar que as entrevistas
realizadas a especialistas internacionais foram enviadas e respondidas por e-mail, o que limita os
aspectos de enviesamento do entrevistador, mas não possibilita a interacção directa com o
inquirido e a riqueza dessa relação. Contudo, a e-entrevista tem-se tornado uma importante e útil
técnica, integrando já a “e-social sciences research methods”.
3. Inquérito On-line
Uma das opções metodológicas desta investigação corresponde à aplicação de um inquérito on-
line aos utilizadores das cidades digitais. Com efeito, pretendíamos abordar os “cidadãos
digitais” destas cidades para perceber quem eram, que tipos de utilização efectuavam e que
impacto social, cultural e político advinham, no seu entender, destes projectos virtuais. No
entanto, apenas conseguimos colocar os questionários no portal do Gaia Global
(www.gaiaglobal.pt), porque se trata claramente de um portal do cidadão de Gaia, onde este tem
acesso a um largo conjunto de informações e serviços. Por sua vez, o sítio electrónico do Aveiro
Digital evidencia uma diferente perspectiva do que poderá ser uma cidade digital. Um dos
objectivos principais do Gaia Global é estabelecer uma infra-estrutura pública de comunicação,
de mediação de informação entre os diversos actores (além da modernização autárquica e
dinamização e inovação local) e daí a importância crucial do portal. O objectivo principal do
Aveiro Digital é qualificar as pessoas e as organizações na Região da AMRia. De facto, apesar
de oferecer serviços básicos em TIC (a criação de contas de e-mail e páginas principais), o
Aveiro Digital é essencialmente um portal que agrega a informação da região, do projecto e dos
seus beneficiários (instituições e empresas), sendo ainda uma plataforma de interacção interna
entre estes beneficiários. Desta forma, não só não nos foi autorizado o acesso a estes
beneficiários, como efectivamente não se enquadravam na definição do “utilizador comum”, do
cibercidadão da cidade digital, isto é, aquele que acede a um portal para usufruir de um
465 Cfr. Carlos Diogo Moreira, op. Cit., p. 142.167
determinado número de informação e serviços. Estas diferenças são exploradas mais
aprofundadamente na descrição de cada um destes projectos.
Assim, para recolher alguns indicadores sobre os utilizadores do portal do cidadão do Gaia
Global, introduzimos um inquérito on-line que foi respondido por quarenta usuários, trinta e
sete registados no sítio electrónico. Foi colocado no portal de 15 de Setembro a 15 de Outubro
de 2005, período em que o sítio contabilizava 628 registados. É fundamental tecer um conjunto
de considerações metodológicas sobre estes questionários, em primeiro lugar, sabemos o
número de registados, mas não sabemos definir o número de utilizadores; em segundo lugar, não
possuímos quaisquer dados sócio-demográficos sobre estes registados, uma vez que, para
efectuar registo no portal é apenas solicitado o nome e o endereço físico e virtual; em terceiro
lugar, é pertinente evidenciar os limites de resposta/retorno de um inquérito colocado on-line;
em quarto lugar, que o portal foi lançado publicamente em 2004, ou seja, um ano antes deste
inquérito o que reitera o seu nível iniciático; por fim, resta evidenciar que mesmo se tratando de
uma amostra por conveniência, não representativa do universo (que aliás não conhecemos), os
resultados obtidos permitem-nos observar o que poderão ser as opiniões e as sensibilidades dos
utilizadores sobre o portal, os serviços e conteúdos disponibilizados pelo Gaia Global e sobre
questões relacionadas com a informação, participação, interacção e cidadania. Resta acrescentar
que o tratamento dos dados dos questionários foi realizado com o auxílio do SPSS, embora
utilizando apenas as funcionalidades de frequências descritivas. Efectivamente, pelas
características supra-citadas (nº reduzido de respostas, desconhecimento do universo, falta de
representatividade, etc.) não existe qualquer possibilidade de se realizar correlações
significativas ou explicativas.
4. A Matriz de Ishida
Apesar da dificuldade de se estabelecer bases de comparabilidade entre as cidades digitais,
sobretudo devido à grande multiplicidade e variedade de projectos, Toru Ishida apresenta uma
inovadora proposta de análise comparativa.466 Esta matriz assenta na avaliação de quatro
elementos, nomeadamente objectivos, tecnologia, arquitectura e organizações. Quanto ao
primeiro componente, cada cidade possui os seus próprios objectivos, definidos aquando da sua
criação. A tecnologia e arquitectura correspondem às opções tecnológicas de cada plataforma e
ao seu design urbano. As organizações dizem respeito às entidades/pessoas que dirigem e gerem
a cidade digital. Estes quatro componentes permitem não só definir melhor cada cidade, tal
466 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000.
168
como, demonstrar esquematicamente as suas diferenças e semelhanças, através da utilização de
indicadores compatíveis e caracterizadores de qualquer projecto. Para validar a sua proposta,
Ishida compara quatro cidades digitais segundo um quadro, que introduzimos e aprofundamos
posteriormente na parte referente aos paradigmas internacionais.
C. Contributos Teóricos1. Sociologia Urbana
Na abordagem desta temática foi fundamental contar com as contribuições da sociologia urbana
ou das cidades467, concretamente no que diz respeito, aos seus esforços para a compreensão das
cidades, para o entendimento e monitorização da sua evolução e dos seus processos sociais.
Com efeito, a maioria das cidades digitais pretende basear-se nos elementos físicos, sociais,
culturais e económicos das cidades que representam, criando uma plataforma digital paralela. O
nosso interesse alarga-se praticamente a todos os campos de pesquisa desta disciplina,
nomeadamente os focos que abordam a cidade como fenómeno económico, político, social,
cultural e territorial (embora evidentemente a sociologia urbana tenha mais interesses, como a
questão demográfica). De facto, “A cidade é simultaneamente território e população, quadro
físico e unidade de vida colectiva, configuração de objectos físicos e nó de relações entre os
seres sociais”468.
De uma forma simples, podemos avançar a seguinte definição da sociologia urbana “(…) é uma
linha de pesquisa situada no âmbito das disciplinas sociológicas e tem como elemento de
particularidade interessar-se pelas cidades nos seus aspectos sociais. E esses aspectos referem-se
ao comportamento dos indivíduos que compõem a população urbana, às relações que instauram
entre si e com os indivíduos externos, à formação de grupos sociais, movimentos, instituições,
organizações, às ligações de complementaridade ou de competição existentes entre todas estas
entidades, até à configuração da própria cidade como sistema social”469. No entanto, Alfredo
Mela refere também que esta descrição é insuficiente para clarificar a natureza do objecto de
estudo e da disciplina em questão, isto porque, a própria definição de cidade, sobretudo se a
entendermos como sistema social, é amplamente difícil e problemática.470
467 Se alguns autores como Yves Grafmeyer designam esta corrente como “Sociologia Urbana”, outros sociólogos como Alfredo Mela intitulam-na “Sociologia das Cidades”. 468 Yves Grafmeyer, Sociologia Urbana, Publicações Europa-América, 1994, p. 13.469 Alfredo Mela, A Sociologia das Cidades, Editorial Estampa, 1999, p. 14.470 Ibidem.
169
Com efeito, como reitera Yves Grafmeyer “A realidade territorial do facto urbano complica-
se”471. Por isso, não faz sentido delimitar a esfera de competências da sociologia urbana
assentando na divisão (cada vez mais ambígua) entre a cidade e o campo. De facto, actualmente
a cidade é uma evidência em toda a parte, “(…) senão na sua materialidade, pelo menos
enquanto facto de sociedade. (…) Transversal a outras divisões em campos especializados (…),
esta disciplina debruça-se sobre a dimensão propriamente urbana dos diversos aspectos da vida
social”472. A cidade é uma totalidade, ou seja, uma realidade multidimensional. Assim, a
sociologia urbana partilha a sua temática de análise com muitas outras disciplinas.
Consequentemente, a sociologia urbana emerge como um aglomerado heterogéneo de conceitos
e resultados empíricos, na medida em que, expõe um “estatuto epistemológico fraco” pois a “a
sociologia urbana não apresenta uma estrutura científica unitária, nem a sua história pode ser
representada como uma acumulação progressiva de teorias e análises empíricas que convergem
para formar um corpo orgânico”473.
De facto, nos diversos países, existem diferentes tradições, distintas formas de descrever a
história da disciplina e variadas atribuições de fundadores ou autores clássicos. Assim, é
possível delimitar duas tradições, a americana (partilhada pelos países anglófonos) e a europeia-
continental que engloba a sociologia francesa, alemã e italiana (embora cada uma com
manifestações bastante próprias). A primeira tradição indica como génese da sociologia urbana
o estabelecimento de uma escola da Universidade de Chicago que assenta na aplicação de
conceitos e premissas inferidos das economias vegetal e animal à análise da cidade. Assim,
surge uma corrente ecológica e empírica “(…) representada pelo interesse prevalecente para o
estudo da articulação social do espaço urbano e para as suas transformações no tempo”474.
Na tradição europeia que, no entanto, atribui a importância devida à escola de Chicago, as
origens da disciplina remontam ao oitocentista-tardio, concretamente ao debate sobre a oposição
entre a sociedade moderna e a tradicional e entre a comunidade rural e a cidade industrial, que
possibilitou avançar com uma definição de cidade como espaço onde se encontravam os
elementos sociais e culturais representativos da modernidade. Em adição, o estudo sociológico
da cidade manteve-se em contacto com a análise filosófica, nomeadamente com o historicismo,
o marxismo, o estruturalismo e a fenomenologia. Contudo, apesar de partilharem elementos 471 Yves Grafmeyer, op. Cit., pp. 9-10.472 Ibidem. 473 Alfredo Mela, op. Cit., p. 20.474 Idem, p. 21.
170
comuns a sociologia urbana europeia apresenta diferenças a nível nacional, destacando-se o
contexto francês, que nos anos 60 e 70, teve um importante papel na internacionalização do filão
crítico de origem marxista; a sociologia alemã que aludiu continuadamente a temáticas
filosóficas, mas igualmente à programação social e territorial e a italiana que se baseou na sua
realidade social para a definição de temas de pesquisa.475 No entanto, é pertinente referir que
vários autores europeus, como Marcella Della Dona, atribuem o nascimento da sociologia
urbana à escola de Chicago. Com efeito, a autora explica que o acto oficial de nascimento da
disciplina ocorre em 1925, quando a “American Sociological Society” organiza um congresso
sobre sociologia urbana, cujas actas são publicadas no ano seguinte por Ernest Burgess em The
Urban Community, que coroava o trabalho da escola de Chicago desde 1916.476
Assim, a temática das cidades digitais pode-se inscrever na sociologia urbana, embora
represente uma nova problemática.
a. A Cidade Contemporânea
Falar das cidades é cada vez mais difícil e complexo, não só porque administrativamente são
determinadas diferentemente por cada país (segundo o nº de habitantes), mas também porque
alcançaram níveis de extrema complexidade e a própria noção de cidade sofre grandes
indefinições. A cidade é um fenómeno social total e deve ser sempre contextualizada segundo as
suas múltiplas dimensões.
1. A crise das cidades contemporâneas
Ultimamente, inúmeros autores evidenciam que as cidades contemporâneas se encontram em
crise. Assim, para muitos investigadores o ciberespaço representa uma nova oportunidade para
as cidades. Com efeito, o maior problema identificado por Lewis Mumford, nos anos 60, foi o
gigantismo da cidade do século XX, que conduzia à megalopolis e consequentemente à
necropolis, ou seja, à morte da cidade.477 No entanto, num contexto contemporâneo, não
precisamos de considerar apenas grandes áreas metropolitanas para encontrar sinais de crise de
identidade e de cidadania, assim como, muitos outros problemas sociais ligados ao desemprego,
condições multi-culturais e multi-raciais e à falta de comunicação entre as pessoas. De facto,
esta crise não corresponde meramente a uma questão de tamanho, “It is not only because the
475 Idem, pp. 21-22. 476 Marcella Delle Donne, Teorias sobre a Cidade, Edições 70, 1979, p. 37.477 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 9.
171
city, as a whole, has grown too much. Actually, it is also because the city is not a “whole”
anymore or, perhaps, it is not like the majority of us expect a “whole” to be”478.
Efectivamente, as fronteiras entre a cidade e o campo e entre os próprios bairros esbate-se à
medida que novos limites se criam no seu seio. Assim, a fragmentação é a palavra-chave para
caracterizar o espaço urbano contemporâneo. A cidade passa a ser um conjunto de espaços
divididos por brechas sociais e culturais, onde a comunicação se torna praticamente impossível.
Logo, verifica-se a crescente crítica ao planeamento urbano e ao design urbano. Por um lado,
observa-se a existência de partes comercializáveis (tornadas produtos) e altamente controladas
da metrópole, como centros comerciais, edifícios de escritórios, aeroportos e locais de
entretenimento; por outro, são estas partes da cidade que enfrentam problemas ligados à
dificuldade de manterem as suas características locais e culturais, tendo que coabitar com
privação e isolamento das zonas saudáveis. A este propósito, Sorkin sublinha o espaço
“desparticularizado” da cidade, “Obsessed with the point of production and the point of sale, the
new city is little more than a swarm of urban bit jettisoning a physical view of the whole,
sacrificing the idea of the city as the site of community and human connection”479.
Esta falta de conectividade é então uma evidência. O território tende a ser organizado em zonas
cada vez mais desconectadas, sendo denominadas de “sistemas fechados”. Daqui nasce
suspeição e hostilidade entre diferentes áreas residenciais, onde as comunidades locais tendem a
fechar-se a estranhos ou a diferentes grupos sociais, culturais ou económicos. Assim, por todas
estas mudanças, as formas tradicionais de governação urbana são enfraquecidas, “City
government are no longer the key locus for integration of urban relationship, but merely one of
many actors competing for access to resources and control of agenda”480. Deste modo, as
tendências neo-liberais, promovendo o conceito de uma mais “leve” administração pública,
encorajaram estratégias de privatização e desregulação.481 Se, por um lado, emergem novas
oportunidades para os indivíduos e para as minorias, devido a uma crescente ausência de
controlo central; por outro lado, a fragmentação pode afectar tudo o que anteriormente era
percepcionado como um “todo”, pois as comunidades locais podem viver uma contínua
condição de crise, deixando espaço para a influência de grupos de pressão bem organizados.482
478 Idem, p. 10.479 Sorkin, Variations on a theme park: the new American city and the end of public space, The Noonday Press, Nova Iorque, 1992, p.xiii. 480 Davoudi, “Dilemmas of Urban Governance”, in Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 226.481 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 12.482 Ibidem.
172
Desta forma, com a globalização e um crescente marketing urbano, as cidades tornaram-se ainda
arenas mais complexas, onde um diminuto controlo sobre os indivíduos e os grupos
marginalizados tem a sua contrapartida, visível na notável influência das grandes empresas,
corporações e lobbies privados (que poderão até não ter quaisquer “raízes” nessa específica
realidade) nas decisões mais importantes da gestão urbana. De facto, as cidades são
progressivamente vistas como espaços que podem atrair investimentos, em vez de estes serem
produzidos endogenamente. Em adição, a falta de financiamento público e o reduzido controlo
público conduz a espaços que se tornam meros produtos, que são comprados por investidores e
consumidores.483 Com efeito, “The perception of crisis is producing an explosion of interest in
the city. Much of this is informed by the belief that the quality of a city can become an economic
asset in the struggle to capture and retain mobile globalising company investment”484. Neste
enquadramento, Mingione salienta que o expansivo papel dos não residentes (homens de
negócio, investidores, turistas, estudantes, etc.) complica a vida urbana e produz um novo tipo
de ambiente sócio-económico, que já não depende exclusivamente do número de residentes
permanentes. É neste sentido, que a fractura entre os interesses dos contribuintes
(maioritariamente residentes e negócios locais) e os interesses de um marketing urbano
(maioritariamente orientado para a captura, a qualquer preço, de um crescente número de
utilizadores urbanos e visitantes investidores regulares.) expande-se rapidamente e, em alguns
casos, assume maior importância que os tradicionais conflitos de classes.485
Este conflito de interesses entre a cidade como espaço e a cidade como produto, tem
significativos efeitos nas partes da cidade que pertenciam à comunidade e que agora são
utilizadas para produzir dinheiro e para promover a imagem da cidade para os visitantes.486
Neste contexto, é interessante introduzir o exemplo de Elizabeth Wilson que refere que “The
Parc de la Villete is designed for tourists rather than for the hoarse-voiced, red-handed working
men and women who in any case no longer work or live there. Thus it is in the great cities of the
world at least, but also certainly in any smaller cities that can capitalized on an historic past, or
an industrial peculiarity – not only is the tourist becoming perhaps the most important kind of
inhabitant, but we all become tourists in our own cities…”487. A autora reitera que muitos destes
espaços “pós-urbanos”, como os centros comerciais, são raramente verdadeiras zonas abertas. O 483 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 13.484 Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 7.485 E. Mingione, “Social and Employment Change in the Urban Area”, in Healy et al., Managing Cities, The New Urban Context, Wiley and Sons, Londres, 1995, p. 197.486 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 13.487 E. Wilson, “The Rhethoric of Urban Space”, New Left Review, 209, 1995, p. 157.
173
acesso é cuidadosamente controlado e protegido, resultando em áreas fechadas com poucas
ligações e relações com a cidade exterior. Concludentemente, o espaço público exterior diminui,
enquanto o espaço comercial se torna uma fortaleza. A este propósito, Christine Boyer define a
cidade da ilusão, quando apelidamos de espaço público o que realmente não o é, focando na
provisão de espaços luxuosos no centro da cidade e ignorando muitos dos seus espaços
intersticiais.488 Deste modo, paralelamente aos apelos a uma redefinição do espaço e da sua
gestão, a tecnologia tem sido objecto de entusiásticas abordagens que tende a ver os seus
desenvolvimentos como soluções para os problemas do fragmentado espaço urbano. O advento
das TIC parece ter aberto novas perspectivas para a gestão das cidades.489 No entanto, também
surgem novas ameaças e dilemas como iremos analisar no subsequente ponto.
2. A cidade na Era da Informação
Iniciando esta exposição, pelo capitular impacto das telecomunicações, a vida urbana tem-se
apresentado mais volátil e acelerada, mais incerta e mais fragmentada desde o final do século
XIX. Centrais a estas transformações encontram-se as telecomunicações. Desta forma, uma
grande parte das mutações urbanas contemporâneas parecem envolver, pelo menos de modo
significativo, a aplicação de novas infra-estruturas telecomunicacionais e serviços para
transcender instantaneamente as barreiras espaciais. As mudanças operam-se a todos os níveis,
nomeadamente económico, social, cultural e geográfica, uma vez que, a própria forma física e
paisagem da cidade é redesenhada. 490
Assim, inúmeras metáforas foram definidas para caracterizar a cidade desde a era das
telecomunicações, em 1964, Webber introduz o conceito “non-place urban realm”; em 1978,
Martin cunha a “cidade virtual”; em 1980, Pool enuncia a expressão “comunidades sem
fronteiras”; em 1981, Toffler frisa a “electronic cottage”; em 1987, Dutton et al. falam da
“cidade ligada”, Harris da “cidade na era electrónica”, Hepworth da “cidade da informação” e
Paul Virílio da “cidade sobreexposta”; em 1988, Dematteis indica a “metrópole fraca” e Robins
e Hepworth descrevem a cidade como “espaços electrónicos”; em 1989, Castells apresenta a
“cidade informacional” e Knight a “cidade baseada no conhecimento”; em 1990, Batty alude à
“cidade invisível” e Poster às “comunidades electrónicas”; em 1991, Fathy aponta para a
“telecidade” e Piorunski para a “teletopia”; em 1992, Latterasse demonstra a “cidade
488 Christine Boyer, “The City of Illusion: New York’s Public Places”, in Knox, The Restless Urban Landscape, Prentice Hall, 1993, pp. 113-114.489 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 17.490 ? Stephen Graham e Simon Marvin, Telecommunications and the City. Electronic spaces, urban places, Routledge, Londres, 1996, p. 2.
174
inteligente”; em 1993, Hilman define a “flexicity” e em 1994, Rheingold reitera a “comunidade
virtual” e Von Schuber a “cyberville”.491
Neste seguimento, as novas tecnologias e mais precisamente o seu peso nas transformações
vivenciadas pela transição de uma economia baseada na manufactura para uma economia
baseada nos serviços criou uma colossal e permanente mudança na cidade. Um conjunto
diminuto de centros urbanos emergiu nesta economia avançada, sendo denominadas de “cidades
globais”, devido à intensa utilização de global e interdependentes TIC. Esta tipologia de cidades,
como Nova Iorque, Tóquio, entre outras, não são necessariamente os maiores centros urbanos
mundiais, mas aí residem núcleos de actividade capitalista, sobretudo multinacionais e
corporações transnacionais, assim como, concentrações governamentais, institucionais e
educacionais. No entanto, ainda que as comunicações instantâneas via fibra óptica e satélite
impliquem grandes potencialidades a todos os níveis, apenas um número restrito de cidades
alcançam este estatuto. Apesar das possibilidades de emancipação geográfica oferecidas pelas
comunicações electrónicas, somente alguns países e locais desenvolveram as infra-estruturas
necessárias e possuem os requisitos para a ampla troca de informação. Em vez de ser criado um
sistema de fluxo informacional independente das distâncias, a verdade é que se observou a
concentração num conjunto limitado de locais, fontes do génesis de informação e do
conhecimento.492
De facto, as telecomunicações não só influíram na vertente económica da cidade, como na social
e cultural. A reestruturação económica e a globalização telemática das cidades têm sido
associadas à profunda mudança social e cultural citadina. Como demonstram Stephen Graham e
Simon Marvin, as mudanças económicas (suportadas pelo liberalismo) forçaram a uma
polarização geográfica e social dentro das cidades. As formas como as novas telecomunicações
e as inovações telemáticas se apresentam na vida social das cidades tende a reflectir e a apoiar
esta polarização. Por um lado, as elites, por outro, os “guetos de informação”. Para os autores
em questão, as crescentes divisões entre áreas ricas e zonas pobres pode conduzir a um aumento
do medo de crime, à transformação dos bairros em fortalezas através de sistemas de vigilância e
a um crescimento de uma cultura urbana mais doméstica, onde as pessoas trabalham, compram,
acedem a serviços e interagem socialmente através de suas casas, em detrimento da interacção
nos espaços públicos das cidades. Em relação a esta polarização, muitos investigadores
491 Idem, p. 9.492 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000, Introduction, pp. 4-6.
175
consideram que as tecnologias reforçam esta divisão, outros patenteiam que podem servir para
quebrar o isolamento de grupos minoritários e/ou marginalizados.493
Apesar das diversas interpretações, sejam elas positivas, críticas ou convergentes, restam
reduzidas dúvidas quanto à necessidade de redefinição da ideia das cidades. As transformações
referidas criam o que Graham e Marvin denominam de um “sentido global de espaço”, que
desafia todas as concepções sobre a vivência numa cidade, região ou país. Contudo, isto não
elimina a ligação das pessoas aos espaços urbanos e ao seu território específico. Pelo contrário,
emerge uma complexa interacção entre intercâmbios culturais telemediados em espaços
electrónicos e espaços urbanos.494 São as complexas interacções que se estabeleceram nas
cidades e as redes de grande mobilidade (TIC, infra-estruturas, transportes, as redes
institucionais de corporações transnacionais, fluxos mediáticos, etc.) que modelam a vida urbana
e o desenvolvimento das cidades.495
Neste âmbito, surge o que conhecemos como ciberespaço, termo já definido no enquadramento
conceptual desta investigação. Relacionando as cidades com o ciberespaço, James Wheeler e
outros, demonstram que “Considerable confusion about the real and potential impacts of
telecommunications on cities in part reflects the exaggerated claims made by “post-industrial”
theorists ( for instance, Toffler, 1980), which often hinge upon a simplistic, utopian,
technological determinism that ignores the complex, often contradictory, relations between
telecommunications and urban form”496. Com efeito, as repetidas proclamações que as
telecomunicações permitiriam a todos realizar tele-trabalho, dispersando todas as funções,
evidenciando a obsolescência das cidades, tornaram-se pouco credíveis face ao crescimento
persistente dos locais urbanizados. Para os autores supracitados, as telecomunicações são
geralmente pobres substitutos para relações face a face, sendo este o meio através do qual a
maioria das inter-relações sensíveis entre as corporações ocorrem, sobretudo quando a
informação envolvida é irregular e não estandardizada.497
De qualquer forma, permitindo às empresas multinacionais manter-se em contacto com as suas
operações e filiais em todo o mundo, as telecomunicações contribuíram para a centralização de
actividades chave em cidades globais, como Nova Iorque, etc., que assentam nas suas extensas
493 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 36-37.494 Idem, p. 38.495 Idem, p. 71.496 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, op. Cit., p. 7.497 Idem, pp. 7-8.
176
ligações às infra-estruturas globais para servir como centros nevrálgicos da economia mundial.
Em suma, não existe uma razão a priori que fundamente que as TIC conduziram
inevitavelmente a uma dispersão ou desconcentração das funções, possibilitando a
descentralização de tarefas rotineiras. Efectivamente, as TIC facilitaram simultaneamente a
concentração e desconcentração de actividades económicas.498
Assim, o ciberespaço contribuiu para uma significativa reconstrução do espaço urbano, criando
um ambiente social, no qual ser digital é crescentemente crítico para o conhecimento, estatuto,
riqueza e poder.499 De acordo com Graham e Aurigi, as grandes cidades, que no passado, se
baseavam largamente em partilhas e trocas face a face nos espaços públicos, estão a dissolver-se
e a fragmentar-se em webs de relações indirectas e especializadas.500 Aliás, enquanto o papel das
tecnologias no espaço urbano levaram, de modo geral, a um reforço da existente hierarquia
urbana, o seu impacto no espaço industrial é menos claro.501
a. Espaço de Fluxos e Espaço de Sítios
Neste enquadramento, é essencial inserir o conceito de “espaço de fluxos” introduzido por
Manuel Castells como um modelo de organização espacial da Era da Informação. O sociólogo
frisa que, em termos territoriais, a idade da Informação não é apenas a “era da dispersão
espacial”, mas também a “era da urbanização generalizada”. Desta forma, as cidades irão
partilhar uma lógica espacial específica, ou seja, o modelo que enuncia. Por “espaço de fluxos”
o sociólogo entende ser “the material arrangements that allow for simultaneity of social
practices without territory contiguity”502. Não se trata apenas de um puro espaço electrónico,
como o ciberespaço, embora este seja uma componente do espaço de fluxos. Em primeiro lugar,
é constituído por todas as infra-estruturas tecnológicas de sistemas informáticos,
telecomunicações e linhas de transporte. No entanto, é também constituído por redes de
interacção. Assim, a capacidade e as características da infra-estrutura, mas também os
objectivos e tarefas de cada rede estabelecem e configuram o espaço de fluxos.503
498 Ibidem. 499 Cfr. S. Graham, “The Role of Cities in Telecommunication Development”, Telecommunication Policy (Abril), 1992, pp. 755-781; S. Graham e S. Marvin, Telecommunications and the City: Electronic Spaces, Urban Places., Routledge, Londres, 1996; N. Negroponte, Being Digital, Knopf, Nova Iorque, 1995. 500 S. Graham e A. Aurigi, “Virtual Cities, Social Polarization and the Crisis in Urban Public Space”, Journal of Urban Technology, 4, 1997, pp. 19-52.501 James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000, Introduction, p. 10.502 Manuel Castells, “Grassrooting the Space of Flows”, p.19, in James Wheeler, Yuko Aoyama e Barey Warf, Cities in the Telecommunication Age, The Facturing of Geographies, Routledge, 2000.503 Idem, pp. 19-20.
177
Este espaço de fluxos é ainda feito de nódulos e núcleos. São estes elementos que estruturam as
ligações e as actividades chave num determinado local ou locais. Por exemplo, nódulos ou nós
são Wall Street ou Ginza; Berkeley, Stanford e MIT. Os núcleos são sítios comunicacionais,
aeroportos, portos, estações de comboio ou de autocarros que organizam trocas de todos os
tipos, à medida que, estão crescentemente interligados e espacialmente relacionados. Todavia, o
que caracteriza o novo papel destes núcleos e nós é que estão dependentes da rede, ou seja, a sua
lógica depende da sua posição na rede, sendo locais onde se processam sinais que não são
originados de nenhum local específico, mas das interacções intermináveis e recorrentes da rede.
Em terceiro lugar, o espaço de fluxos é instituído pelos habitats dos actores sociais que operam
nestas redes, nomeadamente espaços residenciais subjacentes aos nódulos, espaços de consumo,
espaços protegidos e reservados ou corredores globais de segregação social, como lounges VIP,
escritórios virtuais e hotéis internacionais estandardizados. Por fim, o espaço de fluxos
compreende espaços electrónicos, como sítios electrónicos; espaços de interacção e espaços de
comunicação unidireccionais, interactivos ou não, como sistemas informáticos. Uma grande
parte da actividade advém da Web. Desta forma, Manuel Castells desenha uma nova estrutura
espacial da Sociedade da Informação.504
Porém, frisando que nem todo o espaço é organizado em volta do espaço de fluxos, Castells
desenvolve o conceito de “space of places” (espaço de sítios, de locais). De facto, os indivíduos
vivem, trabalham e constroem o seu significado à volta dos espaços, dos locais, das suas casas,
dos seus bairros, das suas cidades, dos seus países, etc. Apesar de inúmeros estudos
demonstrarem a perda do sentido de comunidade e apontarem para um processo de
individualização e atomização das relações baseadas no espaço, no território; a perda de
comunidade não implica necessariamente que o indivíduo não se refira ao seu local como
principal fonte de experiência. Aliás, a organização social, a representação política e a
identidade cultural são predominantemente assentes num determinado território. Assim, para
Castells o espaço de locais é a mais usual forma de existência espacial humana. O sociólogo
frisa, então, que enquanto as dominantes actividades (fluxos financeiros, gestão de serviços e
produção das grandes corporações, redes de firmas, media, lazer, desportos profissionais,
ciência e tecnologia, religião institucionalizada, poder militar e a economia criminal global) são
construídas em torno da lógica do espaço de fluxos, a maioria da experiência e da interacção
social foi e é organizada em relação aos locais.505
504 Ibidem. 505 Ibidem.
178
No entanto, Manuel Castells acrescenta a toda a esta apresentação dois pertinentes pontos,
nomeadamente que o espaço de fluxos inclui também alguns locais, não sendo meramente
electrónico (os espaço electrónicos são uma das dimensões do espaço de fluxos) e que quer os
espaços electrónicos, quer o espaço de fluxos não são exclusivamente organizados em redor ou
pela dominação social, económica e cultural. Efectivamente, as sociedades não são sistemas
fechados, mas processos abertos caracterizados pelo conflito, ou seja, onde há dominação, há
resistência à dominação. Também na Sociedade da Informação existe o popular. Portanto,
apesar do espaço de fluxos manter-se como o espaço onde as actividades dominantes são
operadas espacialmente, vivencia simultaneamente uma crescente influência e pressão da
inserção de um sentido pessoal pelos actores sociais, num processo que pode alterar as
dinâmicas culturais e políticas da sociedade e ulteriormente mudar o próprio espaço de fluxos.506
Deste modo, Manuel Castells indica algumas dimensões de uma expressão autónoma de um
sentido social no espaço de fluxos, com ênfase nos espaços electrónicos, mas em interacção com
o espaço de locais. Primeiro sublinha a interacção pessoal, isto é, os indivíduos utilizam a
Internet e o correio electrónico como forma de comunicação. Surgiram salas de conversação,
fóruns, blogs, grupos de discussão e as pessoas começaram a construir as suas próprias páginas
e sítios electrónicos. Assim, habitam e transformam o espaço de fluxos. A este propósito
Castells reitera “Am I talking about a small global elite? Well, not so small, and not so elite”507.
Em segundo, uma comunicação horizontal que ocorre entre pessoas e países e estabelece
sistemas de informação alternativos aos media, como “news bulletin”. Em terceiro, assiste-se a
um incremento exponencial de redes de solidariedade e cooperação na Internet.508
A quarta dimensão é os movimentos sociais. A Internet é crescentemente utilizada por
movimentos sociais de todo o tipo como espaço de organização e meio privilegiado de levar a
sua causa ao mundo. Um emblemático exemplo é o dos Zapatistas dos Chiapas, que difundiram
informação, obtiveram comunicação interactiva entre vários grupos de solidariedade e de apoio
e agendaram acções conjuntas através da Internet. De facto, as mobilizações em determinados
sítios solicitadas através da Internet evidenciam que o espaço de fluxos não se encontra apenas
na Internet. Em quinto lugar, as ligações entre os indivíduos e as instituições num processo
interactivo. É o caso das cidades digitais, que segundo Castells, estão a renovar e a reabilitar o
governo local, a cidadania e a democracia. Contudo, embora a análise de Aurigi e Graham
506 Idem, p. 21.507 Idem, p. 22.508 Idem, pp. 22-23.
179
mostre que as cidades digitais sejam somente espaços de comunicação uni-direccional, não
sendo verdadeiras plataformas de democracia participativa, Castells sublinha que estas estão a
evoluir e a mudar.509
Assim, diferentes iniciativas e projectos evidenciam novas dimensões da Sociedade da
Informação e patenteiam que as pessoas estão a aceder à Internet sem se desligarem e
desenraizarem dos seus espaços. Além da resistência à dominação do espaço de fluxos de
capital e informação que começou inicialmente a construir-se em torno dos espaços, uma nova
dinâmica emerge no espaço de fluxos, concretamente a interpenetração de uniformização e
autonomia, de dominação e resistência. “So, the geography of the new history will not be made,
after all, of the separation between space and flows, but out of the interface between places and
flows and between cultures and social interests, both in the space of flows and in the space of
places”510.
b. Teorias das Relações entre a Cidade e as Tecnologias de Informação e Comunicação
É ainda pertinente aludir, de forma sumária, às teorias que abordam a relação entre as TIC e a
cidade. Com efeito, como nota Westrum, esta análise corresponde a uma parte do alargado
processo que estuda a relação entre a tecnologia e a sociedade.511 Assim, quatro perspectivas tem
sido tomadas, implícita ou explicitamente, para retratar a interacção entre a tecnologia e as
cidades. Estas contrastantes e dominantes teorias advêm de diferentes posições ideológicas nas
ciências sociais e tecnológicas, nomeadamente o determinismo tecnológico, o futurismo/utopia,
a distopia e a “Social Construction of Technology” (SCOT).512
O determinismo tecnológico agrupa várias visões que patenteiam que as tecnologias causam
directamente mudança urbana. Portanto, tende a visionar a relação entre a cidade e as TIC como
uma simples, directa e linear série de causas tecnológicas e efeitos urbanos. Desta forma, à luz
do determinismo assiste-se à descentralização, ou mesmo dissolução das cidades; à livre
disponibilidade de comunicações e tecnologias de alta capacidade em todos os locais; à
mudança das economias das cidades assentes na informação; ao crescimento de uma e-cultura,
baseada nas interacções on-line; à mutação para uma vida urbana “imaterial”, entre outras
assunções. Neste enquadramento, o determinismo tecnológico sustenta que a mudança
tecnológica é de importância extrema e directa na transformação da sociedade e que as forças 509 Idem, p. 24.510 Idem, p. 27.511 Westrum, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 78.512 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 78-80.
180
que derivam das TIC são percepcionadas como significativamente autónomas dos processos
sociais e políticos.513 Fenómeno que Hill designa como “the apparent intrinsic technological
inevitability”514, normalmente retratada por grandes vagas e revoluções.
Relativamente ao futurismo e à perspectiva utópica, estas duas linhas de pensamento são
introduzidas conjuntamente, na medida em que, o futurismo se baseia essencialmente numa
previsão dos efeitos das mudanças tecnológicas radicais nas cidades e visto que as suas
previsões tendem globalmente a demonstrar uma óptica optimista dos futuros impactos das TIC
nas cidades e na vida urbana. Aliás, mesmo quando efeitos negativos são evidenciados, é
argumentado que podem ser solucionados com o recurso a nova tecnologia. Assim, o futurismo
encontra-se, de forma geral, fortemente ligado à utopia, já que, os utópicos procuram
radicalmente novas e melhores formas de vida, atacando os aspectos negativos das cidades
industriais (poluição, sobrepovoação, degradação moral e desintegração social) e encontrando
nas tecnologias soluções para estes problemas. As telecomunicações e a tecnologia são
consideradas como o “technical fix” para os problemas físicos, ambientais e económicos das
cidades. A título exemplificativo, os limpos e desmaterializados espaços electrónicos acabariam
com a poluição e a congestão urbana e a sociedade viveria numa cidade virtual, assente na
utilização de tecnologias de comunicação. Uma outra premissa, claramente sublinhada nos
escritos futuristas e utópicos, é que a natureza transcendente do tempo e do espaço nos espaços
electrónicos significaria que estamos a caminhar para um mundo, onde toda a informação estaria
disponível ilimitadamente para todas as pessoas, um mundo mais igualitário e democrático. Um
dos elucidativos trabalhos é indubitavelmente a “Terceira Vaga” de Alvin Toffler.515 Segundo o
autor, a revolução da terceira vaga fundamenta-se nas novas capacidades informáticas e
comunicacionais que suportam a descentralização geográfica, económica e política da sociedade
urbana.516
Um terceiro grupo de abordagens analíticas das relações telecomunicações-cidade pode ser
agrupado numa visão distópica e numa vertente da economia política urbana. Neste sentido, o
desenvolvimento das tecnologias não se encontra separado da sociedade, pelo contrário, está
imbuído nas relações sociais, políticas e económicas do capitalismo. Assim, as relações entre as
TIC e a cidade não podem ser compreendidas sem se considerar as relações políticas,
económicas, sociais e culturais da avançada sociedade industrial e a forma como se processa 513 Winner, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 83.514 Hill, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 83.515 Cfr. Alvin Toffler, A Terceira Vaga, Livros do Brasil, Colecção Vida e Cultura, 1984.516 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 85-93.
181
essa mutação. As relações entre a cidade e as TIC parecem ser conduzidas pelas forças
económicas do capitalismo e para reflectir e perpetuar as altamente iníquas relações sociais do
capitalismo. Portanto, as telecomunicações não são neutrais e podem ser modeladas para
beneficiar específicos interesses e classes sociais, reproduzindo apenas a iniquidade já existente
nas sociedades.517 Segundo os autores desta perspectiva, a mobilidade e a flexibilidade das
novas tecnologias representam novos modos de controlo que servem o capitalismo, “(…) the
development and deployment of advanced telecommunications networks can be interpreted as a
part of a process by which “Fordist” enterprises are attempting to regain control over their
own organizations and labour forces, their suppliers and their markets”518.
Da mesma forma, as TIC promovem o desenvolvimento de cidades mais polarizadas e
fragmentadas. A maioria dos trabalhos distópicos assenta numa óptica pós-moderna e na crítica
do determinismo e do futurismo/utopia, abordando, por vezes, de forma bastante perturbante e
anti-utópica, a vida urbana e o seu futuro, no que concerne as telecomunicações. Os distópicos
frisam que os deterministas, futuristas e utópicos evidenciam visões simplistas, técnicas e até
tecnocratas, defendendo uma brilhante ideologia para a era da informação, onde todos
beneficiam deste futuro assente nas novas tecnologias de informação e comunicação.519 A este
propósito, Kevin Robins e Mark Hepworth atacam a “Infatile Utopia”, desmontando as
perspectivas futuristas que acreditam que as TIC destroem os problemas de espaço e de
distância e desconstruindo ainda a ideia dos lares autómatos.520
A “Construção Social da Tecnologia” (SCOT), que abordamos em seguida mais
aprofundadamente, na medida em que é um dos suportes teóricos desta investigação, também
emergiu como rejeição ao determinismo tecnológico. Tal como na economia política urbana, os
investigadores que patenteiam esta perspectiva declinam que as telecomunicações possuam uma
espécie de autonomia “lógica”, cujos “impactos” nas cidades são vistos como forças externas.
Da mesma forma, rejeitam as grandes metáforas que descrevem os “impactos” sociais das TIC
de modo simplista, unidimensional e claramente determinista.521 Contudo, a SCOT tende
também a recusar muitos dos argumentos da economia política urbana, nomeadamente a sua
focalização central na importância da estrutura do capitalismo e no poder fulcral das forças
517 Idem, pp. 94-96518 Andy Gillespie, “Advanced communications networks, territorial integration and local development”, in Camagni, Innovation Networks, Belhaven, 1991, p. 214.519 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 99-105.520 Kevin Robins e Mark Hepworth, “Electronic Spaces: New Technologies and the Future of the Cities”, Futures, Abril, 1988, pp. 155-176.521 Gökalp, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 104.
182
políticas e económicas na moldagem de como as telecomunicações se desenvolvem nas cidades.
Esta abordagem argumenta que não existe uma única lógica ou um caminho exclusivo para o
desenvolvimento e adopção da tecnologia, já que, todos os níveis de escolha existem nas formas
de design, desenvolvimento e adopção de tecnologia. De facto, “Technology does not spring, ab
initio from some disinterested fount of innovation. Rather, it is born of the social, the economic
and technical relations that are already in place”522. Portanto, um dos principais objectivos da
SCOT é justamente evidenciar como é que a sociedade influencia a tecnologia. Os processos
sociais da agência humana, a nível micro, são também um dos focos desta teoria. Indivíduos,
grupos sociais e instituições têm alguns graus de escolha no desenho, desenvolvimento e
aplicação das tecnologias em casos particulares. 523
Assim, a abordagem SCOT pretende identificar, analisar e explicar as relações casuais entre
factores sociais, institucionais e políticos e o desenvolvimento e aplicação das tecnologias. O
desenvolvimento tecnológico é, então, um profundo processo social e político, não sendo pré-
definido. Os seus efeitos são indetermináveis, os seus impactos impossíveis de definir de forma
única e determinista e as relações entre a tecnologia e a mudança urbana variáveis de forma
complexa no tempo e o espaço. Porém, analisar o processo pelo qual as telecomunicações são
construídas socialmente é difícil de alcançar, não só pela sua complexidade, mas também pela
crescente fusão entre seres humanos e máquinas e tecnologias, fenómenos que quebram as
antigas separações entre ciência e tecnologia, entre os ambientes reais e os simulados. As
dificuldades no estudo destas mudanças justificam um grande de número de trabalhos
descritivos.524
Analisando estas quatro teorias, Stephen Graham e Simon Marvin realizam uma avaliação
crítica, frisando que apesar da utilidade das duas primeiras abordagens na descrição do geral e
das mudanças históricas, a nível macro, da orientação tecnológica da sociedade urbana, tendem
a reduzir a complexidade das relações entre a tecnologia e as cidades a simples e homogéneos
modelos de tecnologias e impactos na vida urbana. Em seguida, partem de algumas premissas
das duas últimas perspectivas para definir uma abordagem mais sofisticada e integrada das
cidades e das telecomunicações. Embora reconheçam algumas limitações das teorias
seleccionadas, nomeadamente que a economia política urbana geralmente exagera os efeitos
conservativos das estruturas do capitalismo na formação da tecnologia, negligencia o nível no
522 Bjiker e Law, Cit por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 105.523 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 104-105.524 Idem, pp. 105-107.
183
qual os processos sociais podem modificar o desenvolvimento das telecomunicações e atribui
poderes ilimitados a macro estruturas capitalistas, enquanto omite as estruturas que são criadas
por inúmeros indivíduos e instituições através do tempo; a SCOT, por sua vez, pode ser tão
minuciosa nos modos como as elites sociais modelam a tecnologia, a nível micro, que pode
esquecer as diferenças de poder da sociedade, ignorando aqueles que são excluídos deste
processo devido à pobreza, desemprego ou marginalização; valorizam o facto de ambas
abordagens demonstrarem que as telecomunicações desenvolvem-se e são aplicadas na
sociedade e não fora dela, sendo portanto, um processo social, político e cultural, em detrimento
do puramente tecnológico.525
Assim, evidenciam que esta nova teoria que consideram essencial deverá centrar-se nas tensões
funcionais e materiais entre a fixação dos espaços urbano e a mobilidade suportada pelas
telecomunicações e espaços electrónicos; as lutas sociais que se desenvolvem na moldagem dos
espaços urbanos e electrónicos; por fim, os aspectos que envolvem as representações sociais, a
identidade e a percepção nas cidades e telecomunicações.526
2. “Social Construction of Technology” (SCOT)
Esta investigação apoia-se ainda na perspectiva teórica denominada “Construção Social da
Tecnologia” (SCOT), que surgiu como rejeição ao determinismo tecnológico. Assim, em
detrimento de uma visão da tecnologia como algo autónomo da sociedade, esta teoria sublinha
que “the competing nature of much technological change is best explained by seeing technology
not as outside of society, as technological determinism would have it, but as inextricably part of
society”527. Desta forma, o basilar objectivo da SCOT é precisamente demonstrar como é que a
sociedade influencia a tecnologia, pretendendo identificar, analisar e explicar as relações casuais
entre factores sociais, institucionais e políticos e o desenvolvimento e aplicação das tecnologias.
O propósito da investigação, na tradição SCOT, é entender como é que a tecnologia e os seus
usos são social e politicamente “construídos”, através de complexos processos de interacção
pessoal e institucional, onde diferentes actores e agências interagem durante períodos de tempo.
Neste enquadramento, Woolgar evidencia que os artefactos tecnológicos são efectivamente
525 Idem, pp. 112-113.526 Idem, p. 113.527 Mackenzie e Wajcman, Cit. por Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., p. 104.
184
construções sociais.528 O desenvolvimento tecnológico é, então, um profundo processo social e
político, não sendo pré-definido e cujos efeitos são indetermináveis.
Deste modo, a abordagem SCOT oferece um enquadramento bastante efectivo da relação entre a
cidade e a tecnologia, que pode ser usado para investigar processos de desenho, criação,
desenvolvimento e estabilização das tecnologias, parecendo muito adequado a estudos
multidisciplinares.529 De facto, a relevância desta perspectiva é claramente sublinhada por
Sorensen, “First, it offers a new way of rising issues of democracy and public participation in
matters related to technology. Second, this focus means that technology policy itself becomes
more central as an object of social shaping research. Third, the “consequences” of Technology
policies may be studied, not only in terms of invention and innovation, but also with reference to
social change and social stability”530.
Contudo, como qualquer paradigma, a SCOT é apenas um modelo explicativo da realidade e
analisar o processo pelo qual a tecnologia é construída socialmente é difícil de alcançar, não só
pela sua complexidade, mas também pela crescente fusão entre seres humanos e máquinas e
tecnologias, fenómenos que quebram as antigas separações entre ciência e tecnologia, entre os
ambientes reais e os simulados. As dificuldades no estudo destas mudanças justificam um
grande de número de trabalhos descritivos.531 Como frisa Alessandro Aurigi “It can be argued,
however, that a social constructivist perspective, or at least using elements from this approach,
can be extremely effective and enlightening, though possibly harder to carry out, in real-time
scenarios, when a new development is just going to happen. The insight that these kind of
studies can provide could indeed help in explaining technological development as it happens,
and above all draw suggestions on ways to improve the processes that are at the base of the
establishment of a determinate technological system”532.
Na condução da investigação de novas implementações tecnológicas nas cidades, torna-se
benéfico olhar não só para o próprio sistema, mas também para o que gera a sua necessidade,
que problemas é suposto resolver, que soluções pretende disponibilizar, que visões e quem está 528 Woolgar, “Reconstructing Man and Machine: A Note on Sociological Critiques of Cognitivism”, p. 311, in Bijker Wiebe E., Hughes Thomas P. & Pinch Trevor, The Social Construction of Technological Systems, MIT Press, 1989. 529 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 28.530 Sorensen, “Social Shaping on the move? On the Policy Relevance of the Social Shaping of Technology Perspective”, p. 22, in Sorensen Knut H. & Williams Robin, Shaping Technology, Guiding Policy: Concepts, Spaces and Tools, Cheltenham, 2002. 531 Stephen Graham e Simon Marvin, op. Cit., pp. 105-107.532 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 29.
185
a promovê-lo ou a apontar alternativas. Neste sentido, Pinch e Bjiker sublinham que “Having
identified the relevant social groups for a certain artefact, we are especially interested in the
problems each group has with respect to that artefact. Around each problem, several variants of
solution can be identified”533. Portanto, existem diferentes formas de ver e interpretar a
realidade, “The interpretative flexibility of an artefact can be demonstrated by showing how, for
different social groups, the artefact presents itself as essentially different artefacts”534. A
tecnologia não pode ser considerada como um “self-standing fact”, pois qualquer pedaço de
tecnologia, aparentemente revolucionária ou inovadora, é muito provavelmente, o produto de
um processo de interpretação e negociação entre visões e necessidades concorrentes. Isto
envolve a presença e a influência das tecnologias anteriores, das experiências pioneiras e das
práticas aceites que podem ser projectadas no novo artefacto ou sistema.535
Assim, é reiterado a importância das dinâmicas sociais, o que leva Alessandro Aurigi a mostrar
que “This concept of “interpretative flexibility” and the social dynamics related to it, seems
most important for approaching an investigation of Internet-based urban information systems,
given the fact that a “digital city” is very much a concept- and a technological object-in need of
a definition, and that this definition is likely to come during the development and deployment of
a cyber city itself”536. Por fim, esta teoria que pretende produzir uma compreensão mais
profunda do processo de mudança tecnológica foi bastante profícua para a nossa análise das
cidades digitais e do seu possível impacto social. Além da explicação da relação entre a
tecnologia e sociedade, fundamental para esta investigação, o paradigma construcionista é um
dos nossos contributos teóricos, uma vez que, através das visões, opiniões e respostas dos vários
especialistas, intervenientes e utilizadores inquiridos da cidade digital é construída a nossa
percepção e abordagem da temática em análise.
3. Cibersociologia, Sociologia da Internet
O estudo da Internet insere-se habitualmente na área da sociologia da ciência e da tecnologia.
No entanto, esforços têm sido criados para o desenvolvimento de uma cibersociologia ou
533 Pinch T. e Bjiker W., “The Social Construction of Facts and Artifacts: Or How the Sociology of Science and the Sociology of Technology Might Benefit Each Other” in Bjiker E, Hughes T. and Pinch T., The Social Construction of Technological Systems, MIT Press, Cambridge, 1987, p. 35.534 Bjiker W., “The Social Construction of Fluorescent Lighting, or How an Artifact Was Invented in Its Diffusion Stage”, in Bjuker W. e Law J. (eds), Shaping Technology/Building Society: Studies in Sociotechnical Change”, MIT Press, 1992, pp. 75-76.535 Alessandro Aurigi, Making the Digital City. The Early Shaping of Urban Internet Space, Ashgate, 2005, p. 30.536 Ibidem.
186
sociologia da Internet. De acordo com Albert Benschop da Universidade de Amesterdão,
“CyberSociology is the study of social action of human individuals in virtual communities and
networks, organizations and personal relations. These new virtual entities are no longer defined
by geographic or even semiotic boundaries. Instead, communities and networks, organizations
and personal relations are being constructed in cyberspace on the basis of common affiliative
interests”537. Assim, a cibersociologia “is an inconvenient, troublesome discipline because it has
to shoot at fast moving objects with a permanently changing character”538. É ainda um
programa e um desafio, na medida em que, “It is a research programme that operates on
assumptions that still have to be clarified and for which the theoretical foundation still has to be
laid. That's exactly the reason why cybersociology is a challenge for social scientists who find it
exciting to get into a plane that travels through a space that doesn't exists in our physical
reality, nobody knows how long it will take and where the plane will land.” Apesar de alguma
indefinição conceptual e teórica desta Sociologia da Internet, acreditamos que esta investigação
poderá inserir-se neste ramo em construção.
De facto, esta disciplina não representa um contributo conceptual e operacional para esta
investigação, dado o seu carácter embrionário, no entanto, é aqui introduzida não só como forma
de aludir a todos os estudos realizados sobre a Internet (claramente evidenciados e explorados
nesta dissertação), como modo de contribuição para a sua formulação e maturação.
IV. CIDADES DIGITAIS: AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS E
NACIONAIS
537 Albert Benschop, “Peculiarities of Cyberspace. Building Blocks for an Internet Sociology”, http://www.sociosite.org/index_en.php.538 Idem.
187
A. Paradigmas Internacionais
O conceito de cidade digital foi sendo utilizado e modificado pelas diferentes iniciativas que,
por todo o mundo, se apropriavam do vocábulo. Nos Estados Unidos da América, a American
on-line (AOL) avançou inovadoramente com um serviço de informação regional (Digital City)
para as grandes cidades norte-americanas. No oriente, o Japão apresentou o Quioto Digital, um
emblemático projecto, mas que já não se encontra em funcionamento. Na Europa, destaca-se o
pioneiro DDS, Amesterdão Digital, (que também já se não se encontra em funcionamento) e o
Helsínquia Virtual. É ainda pertinente aludir à TeleCities, uma organização mundial criada na
Europa em 1993. A TeleCities, agora denominada Eurocities Knowledge Society Forum-
TeleCities, integra a EuroCities, organização criada em 1986, que constitui a rede das maiores
cidades europeias (rede que une os governos locais de mais de 120 grandes cidades em cerca de
30 países europeus).539 A EuroCities Knowledge Society Forum – TeleCities oferece às cidades e
aos seus parceiros uma plataforma para partilha de boas práticas e para cooperação nas
importantes questões das políticas públicas num enquadramento europeu. Esta associação foca-
se presentemente em:
Garantir o desenvolvimento de uma inclusiva Sociedade do Conhecimento, tornando as
TICs e serviços on-line disponíveis a todos os cidadãos;
Promover a modernização das Administrações Públicas locais através do uso das TIC;
Enfatizar o papel das cidades no desenvolvimento de uma Sociedade do Conhecimento,
através da promoção do uso das TIC e do estímulo à inovação;
Fomentar a economia direccionada para a Sociedade do Conhecimento.540
Retomando a temática das cidades digitais, a multiplicidade de projectos é uma evidência
gritante, o que torna bastante problemático o estabelecimento de bases de comparabilidade. No
entanto, Ishida propõe uma matriz que compara quatro emblemáticas cidades digitais (AOL,
Quioto, Amesterdão e Helsínquia), que aqui são incluídas como alguns dos importantes modelos
internacionais, fazendo parte da recente história das cidades digitais no mundo. Assim,
introduzimos estudos de caso internacionais, que evidenciam diferentes abordagens e nos
possibilitam extrair proficientes lições e reflexões sobre este tema.
As cidades da American On-Line (AOL)
539 http://www.eurocities.org/main.php 540 Idem.
188
A génese e o desenvolvimento das cidades digitais nos Estados Unidos da América estão
intrinsecamente ligados à American On-Line (AOL). Assim, cada cidade digital AOL agrega
informação turística e comercial da correspondente cidade. Além desta informação, a AOL
fornece oportunidade de publicidade local para mercados verticais que incluem os sectores
automóvel, imobiliário, emprego e saúde. A Cidade Digital AOL é o maior e mais popular
serviço informativo local nos Estados Unidos da América. Embora existam serviços similares
como o Yahoo.local, que agrupa informação local para algumas cidades, a AOL é um líder neste
âmbito. O sucesso das cidades digitais AOL demonstra que efectivamente as pessoas precisam
de serviços de informação regional para o seu dia-a-dia.541
Figura 4 – AOL
www.digitalcity.com
Amesterdão Digital (De Digital Stad, DDS)
No Verão de 1993, um conjunto de especialistas reuniu-se para criarem um domínio virtual
público. Desta forma, nos alvores de 1994, inspirando-se nos modelos de Internet de livre
acesso e redes comunitárias norte-americanas e canadianas, estabeleceu-se uma experiência
digital conduzida por activistas da comunicação social e hackers, cujo objectivo era
precisamente melhorar a comunicação entre os cidadãos e os políticos.542 Assim, colocaram-se
541 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 2.542 Peter van den Besselaar, “Local Information and Communication Infrastructures: An Introduction” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 7.
189
terminais (computadores e modems) em espaços públicos, como bibliotecas, o que permitia aos
cidadãos o envio de mensagens para o município. O sucesso desta iniciativa aumentou o
interesse dos cidadãos pela Internet. Com efeito, nas primeiras dez semanas, 10 000 pessoas
registaram-se e 100 000 pessoas acederam aos conteúdos desta cidade digital. Desta forma,
rapidamente se tornou um portal de informação local, um sítio de experimentação on-line e uma
plataforma de suporte a uma variedade de comunidades.543
A DDS viveu de Fevereiro de 1994 a Julho de 2001. Rustema aponta quatro fases neste
nascimento e morte, nomeadamente a:
Fase experimental, que corresponde ao ano de 1994;
Fase da sua institucionalização como fundação, em 1995;
Fase de sobrevivência, quando enfrentava grande concorrência, entre 1996 e 2000;
Fase comercial, quando se tornou um simples ISP em 2000.544
Do mesmo modo, Besselaar e Beckers indicam quatro fases, que no entanto, apresentam
algumas diferenças em termos de divisão temporal relativamente à proposta de Rustema:
Da ideia à experiência bem sucedida, da metade de 1993 ao início de 1994;
Período de institucionalização e de crescimento, de 1994 a 1996;
Da estabilização ao crescimento da concorrência e declínio, de 1997 a 1999;
Privatização, a luta pela sua posse, alternativas e o seu fim de 2000 a 2001.545
De acordo com Rustema, “What has come out of the ruins of DDS is the demonstration that the
open design of the internet has been the best way to ensure the goals of the community
networking movement (…)The only thing that can be a hindrance to that end are organisations
that do not use the open protocols the internet is built on accordingly, but strive to direct the use
of this technology into some desired way with interfaces that are not continuously open for
improvement and adaptation by the users themselves”546. De facto, Besselaar e Becker referem
543 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 3544 Reinder Rustema, The Rise and Fall of DDS. Evaluating the Ambitions of Amsterdam`s Digital City, Dissertação de Doutoramento em Ciências da Comunicação, Universidade de Amesterdão, 2001, p. 6, disponível na versão em inglês em http://reinder.rustema.nl/dds/rise_and_fall_dds.pdf 545 Peter van den Besselaar and Dennis Becker, “The Life and Death of Great Amsterdam Digital City” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 67.546 Reinder Rustema, op. Cit., p. 48.
190
um conjunto de ideias sobre o que pode ser aprendido sobre a vivência de sete anos da DDS.
Assim, a DDS desenvolveu-se como uma infra-estrutura de informação social, fornecendo
informação acerca de uma cidade real. Apesar de um bom início, a extensão e manutenção do
repositório informativo foi negligenciado, o que impediu a DDS de conservar uma posição de
liderança como portal de referência. Aliás, enquanto a Internet explodiu em tamanho, a DDS
cresceu apenas a um ritmo e taxa moderada. Outra das lições está relacionada com o facto da
DDS ter também começado como uma plataforma, onde os cidadãos se podiam conhecer e
interagir. Também aqui, o nível de actividade diminuiu. Portanto, mesmo que as redes
electrónicas alimentem a interacção, isto não implica que conduzam a uma sociedade mais
democrática, participativa e inclusiva.547
A DDS começou essencialmente como uma experiência para melhorar a democracia local e a
participação, porém não funcionou muito bem a este nível, na medida em que, havia discussões,
mas a sua qualidade era pobre. Os políticos e líderes de opinião não participavam, nem as
organizações cívicas eram muito activas na cidade digital. Contudo, a DDS alcançou um dos
seus objectivos, isto é, ser um espaço de livre acesso, onde todos pudessem experimentar o
ciberespaço. Embora, os seus membros não fosse representativos da população holandesa,
afigurou-se como a primeira possibilidade dos holandeses aprenderem a usar e a tirar proveito
da Internet na sua própria língua. Esta cidade digital, foi ainda a primeira a oferecer grandes
oportunidades públicas para se criar comunidades virtuais de interesses e no seu período inicial
realmente foi utilizada para este fim. Por último, a cidade digital pode ser um prático recurso
para ajudar a organizar a vida quotidiana, sobretudo na forma de comunidades de interesses.
Neste sentido, a cidade digital é um meio de comunicação que influencia as redes pessoais dos
seus cidadãos digitais.548
O sucesso inicial da cidade digital de Amesterdão foi altamente contextual, na medida em que, o
acesso e utilização geral da Internet apenas foram lançados na Holanda depois da entrada em
funcionamento da DDS. Após a apresentação da DDS emergiram inúmeras cidades, regiões e
aldeias digitais, que, contudo, acabaram por falhar, isto é, tornaram-se marginais ou
simplesmente traduziram sítios electrónicos com informação municipal, em vez de espaços
públicos virtuais. É ainda pertinente referir que durante o declínio desta cidade digital, o número
de visitantes por dia continuava a ser significativo. Todavia, estes eram maioritariamente 547 Peter van den Besselaar and Dennis Becker, “The Life and Death of Great Amsterdam Digital City” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, pp. 92-93548 Ibidem.
191
“turistas” (na terminologia da própria DDS), que visitavam um sítio electrónico dentro do
domínio da DDS que tinham procurado ou marcado através de um motor de busca. Assim,
praticamente ninguém acedia às funções comunitárias específicas que oferecia a DDS. Portanto,
nos últimos anos, a cidade digital passou de espaço público virtual a um modesto fornecedor de
conteúdos. Com a competição de outros sítios com serviços iguais ou melhores, os cidadãos
digitais partiram à procura de uma melhor qualidade de vida virtual.549
Entretanto, a DDS quis tornar-se comercial, tirando vantagem do grande número e portfolio de
membros para atrair investidores privados. Infelizmente, para os novos proprietários o boom da
Internet terminou e a estratégia falhou. Mesmo se esta cidade digital se tivesse tornado
comercial mais cedo, o seu êxito teria sido difícil, uma vez que, ser comercial requer um
mercado bem definido e é questionável se um espaço público virtual pode servir tal mercado.
Como frisam Besselaar e Beckers, o factor que mais determinou o declínio da cidade digital foi
a falta de posse dos seus utilizadores. Com efeito, ao ser institucionalizada, os cidadãos
deixaram de moldar e desenvolver o projecto e consequentemente diminuiu a participação e o
compromisso. Do mesmo modo, a própria identidade da DDS mudou. Desta forma, o que
emerge deste exemplo é que um vivo domínio virtual público necessita de uma colaboração
activa entre muitos indivíduos e organizações, sem uma estrutura hierárquica que desencoraje a
participação e a criatividade.550
Figura 5 – Cidade Digital de Amesterdão
www.dds.nl
Helsínquia Virtual
O projecto Helsínquia Arena 2000 iniciou-se nos alvores de 1996, sob a iniciativa da companhia
telefónica de Helsínquia (HPY). O objectivo do projecto era construir a próxima geração da rede
metropolitana. Esta rede permitiria aos cidadãos comunicar entre si através de vídeo
bidireccional em directo. A título exemplificativo, permitia aos membros de uma comunidade de
549 Ibidem.550 Idem, p.94.
192
automóveis clássicos usar esta funcionalidade para cooperarem nas reparações dos seus
veículos.551 Paralelamente ao desenvolvimento de redes de alta velocidade, pretendeu-se
desenvolver uma cidade virtual 3D, proposta por Risto Linturi em 1995. Como é evidente, esta
cidade digital tinha propósitos comerciais, já que, a empresa de telefones pretendia catalizar um
rápido desenvolvimento tecnológico, uma generalizada adopção e fornecimento de conteúdos
para Internet de banda local, fixa e móvel. Contudo, ambicionavam igualmente activar os
cidadãos locais e fornecedores de conteúdos locais. Um consórcio foi criado para este fim,
agrupando a Nokia, o município da cidade de Helsínquia, IBM, empresas de media finlandesas,
as maiores companhias de tecnologia e os mais reputados bancos, tal como, todas as
universidades locais.552
De facto, como a companhia de telefones estava sobretudo interessada em fornecer uma
plataforma e ferramentas para o acesso, colocação e manutenção de conteúdos, este consórcio
satisfazia-a, pois todos trabalharam activamente em projectos, criando valor acrescido ao
partilharem interessantes ideias. Muitas tecnologias e funcionalidades foram testadas, tendo sido
seleccionadas as que globalmente suportavam modelos de participação local em detrimento de
serviços massivos de conteúdos. Do mesmo modo, inúmeras iniciativas foram tomadas para
criar conteúdos multimédia e activar grupos de negócio e grupos de interesse para fornecer
conteúdos às redes. De acordo com Linturi e Simula, o Helsínquia Arena 2000 foi um projecto
bem sucedido, embora não tenha alcançado as suas visões mais vanguardistas. O desenho da
rede focada na participação foi comercializado e encontra-se activo em vários projectos
paralelos. O projecto é reconhecido mundialmente e a Finlândia encontra-se no topo do mundo
digital.553
Figura 6 – Helsínquia Virtual
551 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 4.552 Risto Linturi e Timo Simula, “Virtual Helsinki. Enabling Citizen, Linking the Physical and the Virtual” in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, pp. 113-115.553 Ibidem
193
www.hel.fi
Quioto Digital
Em Outubro de 1998, iniciou-se o desenvolvimento de um protótipo de uma cidade digital, cujo
objectivo era criar uma infra-estrutura informativa para a cidade de Quioto, ou seja, um suporte
à vida diária dos cidadãos. Esta é uma iniciativa baseada na investigação, sendo conduzida pelas
universidades e por laboratórios de pesquisa (Universidade de Quioto e o NTT –
Communication Science Laboratories).554 Assim, o “Digital City Kyoto Experimentation
Forum” foi lançado em 1999. Este fórum incluía diversas universidades; autoridades locais;
várias empresas fabricantes de computadores e tecnologias; jornais locais; templos históricos, tal
como, fotógrafos; programadores; estudantes; voluntários, etc. Investigadores e designers de
outros países também se integraram no projecto.555 A cidade digital de Quioto tornou disponível
diferentes metáforas citadinas, nomeadamente mapas 2D e um espaço virtual 3D, ambos de fácil
utilização para todos. Uma arquitectura de três camadas foi proposta, composta por um nível
informativo, uma interface e um grau de interacção.556
Um número bastante representativo de páginas electrónicas foi associado, enquanto a
informação sensorial de tempo real da cidade física é mapeada para a plataforma digital. Como
interface humana, a rua Shijo (de 2 km de comprimento) foi implementada num espaço virtual
3D, com o apoio da comunidade comercial dessa rua. A cidade digital disponibiliza informação
554 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 5.555 Toru Ishida, “Activities and Technologies in Digital City Kyoto”, in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 166.556 Toru Ishida, “Understanding Digital Cities”, in T. Ishida and K. Isbister Eds. Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Vol. 1765, Springer-Verlag, 2000, p. 5.
194
sobre o tráfego automóvel, condições meteorológicas, transportes, sítios de estacionamento
livres, compras, educação e lazer. Promovia também a interacção entre residentes e turistas. Foi
ainda desenvolvido para os visitantes que acediam à cidade de outros países, um autocarro
digital com um guia em várias línguas.557 A experiência durou três anos, ou seja, a cidade digital
viveu de 1998 a 2001.558
Tal como no caso da DDS, algumas lições técnicas e sociais desta iniciativa são dignas de nota.
A excitação experimentada nos três anos do projecto ultrapassou largamente as expectativas
esperadas. A Quioto 3D revitalizou a rua comercial, tornando-a a principal zona comercial na
cidade. Foi a primeira cidade japonesa a oferecer um Internet café, a usar cartão de débito e a ter
linhas instaladas em todas as lojas para a ligação à Internet. A comunidade criou inclusivamente
um comité denominado “informatization initiative”. De facto, apesar da maioria das lojas serem
de comércio tradicional, com muitos anos de história e de não compreenderem precisamente o
impacto das TIC, o projecto foi aprovado. Em poucas semanas, a iniciativa foi aplicada a mais
dez ruas comerciais em Quioto. As solicitações para outra rua virtual 3D surgiram de uma
comunidade de vizinhança, Gion. Assim, como frisa Ishida, os grupos tradicionais parecem ser,
mais do que seria previsível, os mais enérgicos relativamente à inovação.559
O Fórum foi constituído por inúmeras pessoas e entidades da cidade, o que permitiu o
desenvolvimento de várias ideias e projectos. Contudo, os únicos projectos que alcançaram
algum sucesso foram os criados por pequenos grupos de pessoas (bastante ligadas entre si) e não
pelos grandes grupos que se estabeleceram a partir de discussões no Fórum. Apesar de todas as
potencialidades da cidade digital de Quioto, vários obstáculos foram encontrados,
nomeadamente do governo municipal da cidade, já que, não apreciaram a ideia de se
envolverem num portal comercial local. Acreditavam que o papel das autoridades era apenas
fornecer infra-estruturas básicas para serviços informativos. A NTT mostra-se preocupada com
a concorrência entre cidades digitais e os seus próprios portais; as comunidades das ruas
comerciais e os jornais são cooperativos, mas não querem assumir o papel principal na cidade
digital; os voluntários e as universidades não estão qualificados para gerir a cidade digital.
Portanto, “The key to making Digital City Kyoto a success seems whether or not different
557 Ibidem. 558 Toru Ishida, “Activities and Technologies in Digital City Kyoto”, in Besselaar, Peter van den and Satoshi Koizumi (Eds.) Digital Cities III Information Technologies for Social Capital: Cross-cultural Perspectives, Springer, 2005, p. 166.559 Ibidem.
195
organizations with different goals can see the common benefits of creating a digital version of
Kyoto”560.
A nível tecnológico, também relevantes leituras se destacam, particularmente que a tecnologia
para integração informativa é essencial para acumular e reorganizar informação urbana. Neste
seguimento, a tecnologia para a participação pública é única para as cidades digitais, na medida
em que, ao permitir a inúmeros indivíduos e organizações participar na construção das cidades
digitais, implica um sistema flexível e adaptativo. Para se desenhar uma interface humana que
suporte a criação de conteúdos e a interacção social, é necessária uma nova tecnologia que
encoraje as pessoas com diferentes antecedentes a se juntarem na plataforma digital. Ishida
sugere que os “agentes sociais” podem ser elementos chave na atracção das pessoas, levando-as
a participar no desenvolvimento e na vida da cidade digital. Por fim, a tecnologia para a
segurança da informação torna-se cada vez mais premente à medida que mais pessoas se ligam à
cidade digital. Do mesmo modo, que existem leis sociais nas cidades físicas (como o
voyeurismo), as cidades digitais devem introduzir orientações sociais que garantam aos cidadãos
a segurança que precisam para se sentirem confortáveis com o acesso e inserção no espaço
virtual.561
Figura 7 – Quioto Digital
www.digitalcity.gr.jp
560 Idem, pp. 178-179.561 Idem, pp. 184-185.
196
Estas quatro cidades digitais são comparadas por Ishida, através de uma matriz que engloba
quatro elementos essenciais, nomeadamente objectivos, tecnologia, arquitectura e organização.
Pela sua pertinência e porque nos socorremos desta proposta para tentar estabelecer alguma
comparação entre os nossos objectos de estudo, introduzimos em seguida o quadro comparativo
elaborado pelo investigador japonês.
Quadro 19 – Matriz de Ishida: Comparação de Quatro Cidade Digitais
Fonte: Toru Ishida, ‘‘Understanding Digital Cities,’’ Toru Ishida and Katherine Isbister Eds. , Digital Cities: Experiences, Technologies and Future Perspectives, Lecture Notes in Computer Science, Springer-Verlag, 2000.
B. A Abordagem Portuguesa
AOL Amesterdão Helsínquia Quioto
ObjectivoMercado vertical.
Espaço público de comunicação.
Nova geração da rede metropolitana.
Infra-estrutura de informação social de suporte à vida quotidiana dos cidadãos.
ArquitecturaAcumulação de informação urbana.
Pouco ligada à cidade física;Plataforma para redes comunitárias.
Rede de elevada capacidade;Estritamente ligada à cidade física.
Altamente ligada à cidade física;Arquitectura de 3 camadas: informação, interface e interacção.
Tecnologia WEB;Chat.
Metáfora citadina para a participação pública.
Cidade Virtual 3D;Tecnologia de rede.
Cidade Virtual 3D;Tecnologia de integração de informação;“Agentes sociais virtuais”.
Organização Organização lucrativa.
Organização não lucrativa.
Consórcio iniciado pela HTC (Companhia de Telefones de Helsínquia).
Fórum da Cidade Digital (Universidades, empresas e entidades governamentais locais).
197
Em Portugal, foi criada uma iniciativa nacional para a Sociedade da Informação (que
desenvolvemos no capítulo de enquadramento preliminar referente às políticas e iniciativas
portuguesas neste âmbito), onde se inserem as cidades digitais. De facto, “(…) a generalidade
dos países europeus optou por incorporar a Sociedade da Informação de modo transversal, isto
é, como um tema horizontal ou em combinação com outras prioridades verticais, essa não foi,
contudo, a opção de Portugal, Grécia e Espanha. Esta opção acaba por se compreender, porque
sobretudo nos casos de Portugal e Grécia, os sistemas são mais centralizados e as competências
e capacidades regionais são limitadas. Por outro lado, no caso espanhol, os governos regionais
autónomos têm competências legais e administrativas significativas. Na verdade, em Espanha,
as autoridades regionais têm outra maturidade. Os níveis mais elevados de autonomia, as
competências administrativas a nível regional, combinados com uma superior maturidade das
instituições, permitem que seja adoptada uma aproximação mais centrada na região, com
iniciativas que surgiram de baixo para cima, com origem nas próprias regiões”562.
As primeiras experiências nacionais iniciaram-se em Fevereiro de 1998, sob o “Programa
Cidades Digitais”, financiado pelo governo português, o XIII Governo Constitucional (que
contribuiu com 25% do total do investimento através da Fundação para a Ciência e Tecnologia)
e pela União Europeia que atribui os restantes 75%, através do Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional. Este programa contemplava cinco pequenas e médias cidades,
nomeadamente, Aveiro, Bragança, Guarda, Marinha Grande e Castelo Branco, e duas áreas
rurais, Trás-os-Montes e Alentejo. Devido ao seu contexto, ou seja, serem regiões agrícolas que
sofrem de uma grande interioridade, os projectos do Alentejo e de Trás-os-Montes foram
desenhados para criar novas oportunidades para a população local, diminuindo as disparidades
sociais e económicas, promovendo redes regionais e fornecendo os serviços electrónicos da
Administração Pública a freguesias periféricas. Aveiro uniu esforços para o desenvolvimento de
uma imagem inovadora e empreendedora, em estreita ligação com a Universidade e a Portugal
Telecom. Por outro lado, a Marinha Grande está particularmente ligada a tradicionais e
intensivas indústrias de moldes e plásticos, e como tal, o projecto digital foi promovido através
de uma rede industrial local. Ambos os projectos investiram sobretudo em competitividade local
e desenvolvimento de competências. No que concerne Bragança, Guarda e Castelo Branco, as
suas abordagens assentaram no apoio à adopção das TIC por indivíduos, empresas, entidades,
associações, o governo local e outras organizações públicas. De uma forma global, os objectivos
principais do programa eram:562 Jorge Xavier, op. Cit., p. 70.
198
Melhorar a qualidade de vida nas cidades;
Contribuir para o desenvolvimento de áreas periféricas;
Melhorar a economia local e o emprego;
Combater a info-exclusão e integrar cidadãos com necessidades especiais.
Metas em consonância com os objectivos do Livro Verde para a Sociedade da Informação,
aprovado, em Abril de 1997, pelo Conselho de Ministros.563
Após esta embrionária fase, o “Portugal Digital” foi considerado como um dos eixos cruciais do
Programa Operacional para a Sociedade da Informação (POSI), que em 2000, considerou um
conjunto de Cidades e Regiões Digitais. Deste modo, lançou-se em 2001, o concurso público
para a generalização do Programa Cidades e Regiões Digitais e estabeleceu-se os primeiros
Espaços Internet públicos, importantes meios de acesso à Internet e de formação de
competências básicas em TIC. De facto, com a aprovação do Quadro Comunitário de Apoio III,
o Programa Cidades e Regiões Digitais foi integrado na Intervenção Operacional Sociedade da
Informação [medida 2.2 – Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao Portugal Digital],
abrindo-se assim à iniciativa de todas cidades e regiões portuguesas.564
O projecto Cidades e Regiões Digitais tem como principal meta “desenvolver a Sociedade de
Informação ao nível regional de forma a criar competências regionais aplicadas que criem valor
económico para a região, aumentem a qualidade de vida dos seus cidadãos e promovam a
competitividade das suas empresas e o seu desenvolvimento sustentado”565.
Os objectivos do programa encontram-se subdivididos em:
Dinamização Regional (Conteúdos e Serviços Digitais);
Governo Electrónico Local em Banda Larga (A modernização da Administração Pública é um tema central no desenvolvimento da Sociedade da Informação.);
Acessibilidades (A realização da "Sociedade da Informação para Todos" passa, em primeiro lugar, pela aposta na generalização do acesso e da utilização das Tecnologias de
563 MCT, Iniciativa Internet, Ministério da Ciência e Tecnologia, Lisboa, 1997.564 http://www.posi.pcm.gov.pt/ 565 www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id
199
Informação e Comunicação a todos os portugueses. Assim, os projectos de “Cidades e Regiões Digitais” devem promover o acesso à Internet em Banda Larga através de espaços públicos e a adesão do público em geral à Banda Larga.);
Infra-estruturas (A infra-estrutura tecnológica que dará suporte ao portal regional e ao governo electrónico local é um dos componentes básicos da candidatura. No âmbito das “Cidades e Regiões Digitais”, esta infra-estrutura deve ser considerada na perspectiva da sua usabilidade, percepção e utilização efectiva. Outros aspectos complementares relacionados com a gestão da mudança e o nível de qualidade do serviço prestado aos utilizadores devem também ser considerados.);
Subprojectos Sectoriais e Locais (Deverão ser considerados neste agrupamento, pelos Promotores das Candidaturas “Cidades e Regiões Digitais”, os subprojectos cujo desenvolvimento demonstre ser de interesse particular de um sector ou local, por atender a características específicas ou endereçar problemas com elevado carácter de especificidade da região.);
Subprojectos de Sensibilização e Mobilização (A “animação e dinamização” dos cidadãos e agentes económicos para a participação activa na construção da Sociedade da Informação é um dos aspectos mais relevantes a ter em consideração nos projectos de “Cidades e Regiões Digitais”.)566
Em Setembro de 2002, a nova gestão do POSI observou que existiam inúmeras candidaturas à
medida 2.3 de entidades pertencentes aos mesmos espaços geográficos. Desta forma, esforços
foram tomados para se evitar sobreposições territoriais entre candidaturas. Assim, foi
apresentado dia 15 de Janeiro de 2003, no CCB, um documento estratégico relativo às cidades
digitais. Surge, então, o Guia de Operacionalização das Cidades e Regiões Digitais, publicado
em Setembro de 2003, sendo a referência para a constituição de projectos de Cidades e Regiões
Digitais portuguesas. O POSI e a UMIC (Unidade de Missão Inovação e Conhecimento)
decidiram produzir conjuntamente este Guia considerando:
a elevada complexidade da temática “Cidades e Regiões Digitais”;
a experiência e aprendizagem obtida por todos os intervenientes desde o início do
programa;
566 www.cidadesdigitais.pt 200
a apresentação do Plano de Acção para a Sociedade de Informação, em Junho de 2003,
o principal instrumento de coordenação estratégica e operacional das políticas do XV
Governo Constitucional para o desenvolvimento da Sociedade da Informação em
Portugal (www.umic.gov.pt).567
Os objectivos do documento são:
· Alinhar a estratégia da iniciativa Cidades e Regiões Digitais com o Plano de Acção
para a Sociedade de Informação (PASI);
· Garantir a implementação coerente dos Projectos a nível nacional, de forma a assegurar as
metas e serviços mínimos a nível regional e um maior impacto estrutural a nível nacional;
· Assegurar a sustentabilidade económico-financeira das candidaturas;
· Facilitar a apresentação de propostas pelos promotores e a sua avaliação e acompanhamento
pelo Gabinete do POSI.568
Desta forma, são destacados nas candidaturas/projectos os seguintes elementos:
Enumeração das metas\serviços mínimos propostos;
Sustentabilidade futura dos projectos;
Modelo de gestão da Entidade Coordenadora Regional;
Auscultação pública da Sociedade Civil e Empresarial.569
Portanto, “Os Projectos a promover no âmbito da Iniciativa “Cidades e Regiões Digitais”
deverão ser o veículo integrador de uma visão estratégica de desenvolvimento regional baseada
na Sociedade de Informação, com os vários instrumentos de financiamento do Programa
Operacional para a Sociedade de Informação, nomeadamente nas Medidas:
1.1– Diploma de Competências Básicas (no domínio das Tecnologias de Informação e
Comunicação);
2.1 – Acessibilidades (criação de Espaços Internet);
567 POSI, UMIC, “Guia de Operacionalização das Cidades e Regiões Digitais”, Setembro de 2003, pp. 3-5.568 Idem, p. 5.569 Ibidem.
201
2.3 – Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao Portugal Digital;
2.4 – Acções Integradas de Formação.”570
O Programa Cidades e Regiões Digitais conta já com vinte e sete projectos, integrando-se
actualmente no Programa Operacional Sociedade do Conhecimento (POS_C), no plano Ligar
Portugal e na estratégia europeia, nomeadamente no i2010 e segundo as orientações da
designada agenda de Lisboa. Em Setembro de 2006571, o “Lisboa Digital”, “Serra da Estrela
Digital”, “Metropolis Digital”, “Coimbra Digital”, “Vale do Ave Digital”, “Lima Digital”
encontravam-se em candidatura.572
Portanto, como é frisado no sítio electrónico do POSI, agora POSC, “Esta iniciativa, de grande
impacto territorial, quer contribuir de forma decisiva para a modernização das regiões e nelas,
da administração municipal, do tecido produtivo e de forma geral de todos os parceiros
interessados. A desburocratização é um elemento importante no desenvolvimento regional e
local que pode ser incluído nesta temática e tem sido até hoje um factor de falta de
competitividade nacional. A relação com a comunidade, através do uso da Internet, representa
um potencial de inovação que não deve ser menosprezado e pode ser potenciado pela
componente de formação de quem participa nos projectos incluídos nesta iniciativa. A iniciativa
“Cidades e Regiões Digitais” destina-se a projectos integrados onde devem participar entidades
diversificadas de âmbito regional e local e enquadra-se nas medidas 2.3 e 2.4”573.
1. Os Projectos Pioneiros
Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt/)
A cidade de Aveiro foi uma das primeiras cidades digitais portuguesa, sendo actualmente um
caso de sucesso e de referência no programa. O projecto foi promovido e coordenado por um
conjunto de entidades, nomeadamente o governo local, a Universidade local e a Portugal
Telecom. A iniciativa focou-se em seis objectivos, concretamente a melhoria da qualidade de
vida da cidade; a estimulação da participação democrática dos seus cidadãos; o acesso a
informação digital e serviços públicos e privados; a modernização da Administração Pública
local; a contribuição para um desenvolvimento inclusivo e um crescimento sustentado e a 570 Ibidem. 571 Data em que finalizamos a redacção desta dissertação. 572 Cfr. http://www.posi.pcm.gov.pt/documentos/pdf/coordenadasCidades.pdf573 http://www.posi.pcm.gov.pt/?&accao=paginaf&pag=destaque-cidades&pbanner=regioesdigitais
202
criação de emprego e aprendizagem contínua. O ciclo de financiamento completo era
inicialmente de oito anos, com a primeira fase a começar em Fevereiro de 1998 e terminar em
Dezembro de 2000, totalizando um investimento de 5.590.000€. A segunda fase, que estava
originalmente planeada para Janeiro de 2001, apenas arrancou em Junho de 2003, finalizando
em Dezembro de 2006.574 Por ser um dos nossos objectos de estudo, todo o seu desenvolvimento
é aprofundado pormenorizadamente no capítulo subsequente.
Bragança Digital (www.braganca-digital.pt)
Em Bragança, a colaboração do respectivo Instituto Politécnico e outras entidades públicas e
privadas da cidade visou a construção de um modelo de criação de infra-estruturas,
acompanhamento e estímulo ao uso generalizado das TIC nas instituições locais, na saúde, na
educação e nas agências de emprego local. Outras iniciativas incluíam o fornecimento de
produtos locais, através do www.rural.net e de negócio e comércio electrónico. A missão do
projecto assentava no combate à interioridade, através da renovação de todo o tecido local no
quadro da Sociedade da Informação.575
Guarda Digital (www.ipg.pt/adsi/)
O projecto foi promovido por uma organização formada pelo governo local, institutos de ensino,
associações e a PT. Foram lançados, pelos vários agentes locais, projectos-piloto em diferentes
áreas:
No campo da educação, o Programa Internet na Escola, foi estendido às escolas do 1º
ciclo do ensino básico da Guarda, tendo sido criado um Ponto de Presença (PoP) da Rede
Ciência, Tecnologia e Sociedade (RCTS) no Instituto Politécnico da Guarda, para apoiar
todas as escolas do distrito da Guarda, que se encontravam ligadas à Internet através do
PoP da Universidade da Beira Interior.
No campo da saúde, foi desenvolvido um sistema de tele-consultas de cuidados de saúde
primários ligando alguns centros de saúde em simultâneo e permitindo a prestação de
alguns serviços médicos à distância, nomeadamente, através do estabelecimento de
videotelefone/RDIS, com emissão remota de receitas, reconhecidas pelas farmácias. Este
574 Câmara Municipal de Aveiro, Universidade de Aveiro, Portugal Telecom S.A, Programa Aveiro – Cidade Digital”, 1998, www.aveiro-digital.pt; Equipa de Coordenação de Aveiro Cidade Digital, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital 1998-2000, 2001, www.aveiro-digital.pt. 575 Associação para o Desenvolvimento de Bragança Cidade Digital, Relatório Final Bragança Cidade Digital, 2001, www.braganca-digital.pt.
203
sistema visava, igualmente, contactos médicos a qualquer hora e em situações de
emergência.
No campo do tele-trabalho, foi instalado um centro na cidade da Guarda que permitia uma
experiência neste domínio a jovens recém-formados. Pretendia-se incentivar novas
práticas de trabalho e implementar novas abordagens de desenvolvimento.
No domínio empresarial, incentivou-se o uso das TIC numa amostra de empresas dos
sectores económicos de maior impacto na região: têxtil, turismo, agro-alimentar e granito
da região da Guarda. Por exemplo, estimulou-se a elaboração de páginas dessas empresas
na Internet, com a possibilidade de recurso ao comércio on-line, visando um aumento da
capacidade tecnológica e uma promoção dos produtos e serviços das empresas da
região.576
Marinha Grande Digital (www.marinhagrandedigital.com)
Este projecto foi proposto e gerido pelo governo local e pelo centro tecnológico associado às
indústrias de moldes e plásticos, pretendendo-se o desenvolvimento técnico e organizacional; o
reforço da competitividade económica do sector, através de processos avançados de
telecomunicações e de novos serviços digitais e sistemas de CAD/CAM e de comunicação que
permitissem o trabalho simultâneo de concepção e análise entre clientes e fornecedores situados
em todo o mundo. Portanto, um dos grandes objectivos foi a criação de uma Extranet que
disponibilizasse informação dos serviços e conteúdos das empresas e que funcionasse como uma
plataforma de comunicação. Outras iniciativas incluíam um centro avançado de
telecomunicações para a promoção do uso da Internet.577
Alentejo Digital (www.alentejodigital.pt)
O Alentejo Digital foi constituído por quarenta e sete municípios e três agências regionais com o
objectivo de criar uma rede de informação regional que disponibilizasse serviços e conteúdos
locais para os seus cidadãos e empresas locais. Assim, foi desenvolvida uma intranet que uniu
todas estas entidades. Os objectivos principais estabeleciam a formação dos funcionários
públicos em TICs, tal como, o uso e a promoção das novas tecnologias, sobretudo a gestão de
redes informáticas e a produção e publicação de conteúdos digitais. Mais de cinquenta pessoas
foram recrutadas de listas de desemprego locais e formadas para actuar como agentes locais, que
576 www.ipg.pt/adsi 577 www.marinhagrandedigital.com
204
produziam, recolhiam e publicavam conteúdos locais relevantes no portal. A iniciativa terminou
em Julho de 2001.578
Trás-os-Montes Digital (www.espigueiro.pt)
A primeira fase deste projecto permitiu criar e implementar, a título experimental e para um
número reduzido de entidades piloto, um conjunto de serviços dirigidos à relação entre a
administração local e regional e os cidadãos. O projecto foi conduzido pela Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro que lançou, posteriormente, e em estreita colaboração com as
autarquias da região e outras entidades públicas, o Serviço Cooperativo de Extensão em Trás-os-
Montes e Alto Douro actualmente designado Trás-os-Montes Digital / SCETAD. Este projecto
pretendia colocar a telemática ao serviço do desenvolvimento regional e da melhoria da
qualidade de vida das populações. O portal desenvolvido agrega conteúdos e serviços de trinta e
um municípios e inclui oportunidades de emprego e negócio, informação geo-referenciada e
tecnologia para coordenar os serviços médicos nas áreas rurais. Uma das importantes
características deste projecto é a rede de apoio de oitenta e quatro centros dispersos pela região
que disponibilizam acesso público à Internet, tal como, monitores que ajudam a interacção dos
cidadãos com as novas tecnologias.579
Castelo Branco Digital (www.cm-castelobranco.pt/cb_digital/)
Os objectivos do projecto Castelo Digital passavam, de forma global, por dotar todas as
instituições públicas e associações locais de ligações à Internet, fornecendo uma rede de
informação integrada para os cidadãos e turistas. Assim, pretendiam equipar as escolas do
primeiro ciclo do distrito com computadores multimédia e acesso à Internet; auxiliar a Câmara
Municipal na reorganização e modernização dos seus serviços; apoiar a comunidade
empresarial; contribuir para a melhoria dos serviços de saúde e possibilitar o contacto em linha
com a actualidade da região.580
Destes sete projectos pioneiros, apenas Aveiro e Trás-os-Montes persistiram. Castelo Branco
integrou-se na “Beira Baixa Digital”, Marinha Grande no “Leiria Digital” e o Alentejo
apresentou outra candidatura, agora como “Litoral Alentejano Digital”. Assim, Bragança e
Guarda cessaram a sua existência digital, pelo menos, nos moldes do programa “Cidades e
Regiões Digitais.”
578 www.alentejodigital.pt 579 www.espigueiro.pt 580 www.cm-castelobranco.pt/cb_digital
205
2. Os Projectos em Execução
Em seguida, são indicados os actuais vinte e sete projectos, realizando-se uma pequena
descrição sobre cada um dos objectivos evidenciados por estas iniciativas aquando da sua
candidatura ao programa.
Açores Digital (www.azoresdigital.pt)
Esta região digital agrupa dezanove municípios e pretende contribuir não só para a
modernização da Comunidade Açoreana, como também promover o enraizamento da
população, fomentando os laços entre os munícipes e as Autarquias. Simultaneamente, e uma
vez que, contempla a simplificação de processos e a melhoria da eficiência no modo de
relacionamento entre as Câmaras Municipais, os seus Parceiros, Empresas e Cidadãos, é
expectável que contribua para um aumento dos Investimentos na Região, bem como para um
crescimento do Turismo. Foi homologado a 17 de Maio de 2004.581
Algarve Digital (www.algarvedigital.pt)
Com este projecto, que agrega dezasseis municípios, pretende-se aproveitar as oportunidades
oferecidas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação como instrumento para a
modernização, desenvolvimento e afirmação da região. A âncora de referência do “Algarve
Digital” é um portal regional que integra os diversos subprojectos. Uma das prioridades é a
estruturação e agilização do acesso a um conjunto de serviços na área das competências da
Administração Pública (central e autárquica), representando o portal regional um ponto de
encontro “inteligível” para os utilizadores, entre a Administração Central e a Administração
Autárquica. A actividade turística na região justifica a importância do papel que é conferido ao
sector, nomeadamente pela constituição de um sub-portal de turismo. Para além da vertente de
promoção da região e da oferta turística disponível, serão apoiados projectos-piloto na esfera
empresarial (reservas on-line, etc.). A dinamização da sociedade civil é valorizada, através do
apoio a várias iniciativas, particularmente do sector associativo. Foi homologado em 30 de Abril
de 2004.582
Almada Cidade Digital (www.almadadigital.pt)
581http://www.cidadesdigitais.pt/index.php? option=com_content&task=category§ionid=21&id=147&Itemid=134 582 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=23&Itemid=92
206
Almada Cidade Digital é um projecto criado por um conjunto de entidades públicas e privadas
(Câmara Municipal de Almada, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de
Lisboa, MadanParque - Parque de Ciência e Tecnologia Almada/Setúbal, Novalmadavelha -
Agência de Desenvolvimento Local que gere o projecto e os Serviços Municipalizados de Água
e Saneamento de Almada.), que visa, através da generalização do uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação, contribuir para os seguintes objectivos:
1. Democratizar o acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação, facilitando
a sua utilização pelos cidadãos;
2. Melhorar os níveis de serviço prestados pelas entidades públicas locais aos
respectivos utentes e contribuir para a sua modernização administrativa;
3. Diversificar a rede de canais informativos e participativos e reforçar a produção
de conteúdos sobre a realidade local;
4. Reforçar a competitividade do tecido empresarial local.
Através de 18 subprojectos, pretende-se, por um lado dotar as entidades promotoras dos
recursos técnicos, humanos e organizacionais que lhes permitam garantir uma oferta de serviços
mais adequada e eficiente aos seus respectivos utentes (munícipes, alunos e população em geral)
e, por outro, assegurar a disseminação do acesso a estes recursos pela Comunidade Local, com
vista a evitar os fenómenos de info-exclusão. Foi homologado a 3 de Abril de 2004.583
ALO Digital (www.cm-loures.pt, www.cm-vfxira.pt, www.cm-odivelas.pt, www.cm-amadora.pt )
O ALO Digital é constituído por quatro municípios, Amadora, Loures, Odivelas e Vila Franca
de Xira. Este é um projecto que evidencia o envolvimento global das Câmaras nesta iniciativa,
como um factor dinamizador da sua notoriedade e visibilidade junto das populações e agentes
económicos. É igualmente considerado como um factor determinante no combate à info-
exclusão e um importante instrumento de modernização acelerado dos municípios, assim como,
uma forma de rentabilizar investimentos, melhorar, normalizar e homogeneizar a qualidade dos
serviços prestados pelas autarquias aos seus munícipes e agentes económicos sedeados nos seus
respectivos Concelhos. Foi homologado a 22 de Dezembro de 2004.584
583 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=38&Itemid=239 584 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=50&Itemid=263
207
Beira Baixa Digital (www.beira-baixa-digital.org)
O projecto da Beira Baixa Digital é constituído por doze municípios e tem como missão
impulsionar os processos de transformação social, urbana e económica, através da disseminação
das novas tecnologias, do acesso à informação e de um empenhado esforço de comunicação e
interacção com os cidadãos. A sua meta é consolidar o posicionamento inovador da Beira Baixa
no contexto das regiões digitais, reforçando a especificidade dos seus recursos na área das
Tecnologias de Informação e de Comunicação. Os seus objectivos são:
1. Mobilizar a população para a participação activa na Sociedade da Informação;
2. Criar novas oportunidades para os cidadãos e as empresas da região na economia do
conhecimento;
3. Projectar a Beira Baixa a nível nacional e internacional, promovendo o turismo e
atraindo população jovem e investidores para a região;
4. Disponibilizar via Internet os serviços da Administração Pública local;
5. Diversificar, modernizar e expandir as actividades económicas através do uso
generalizado das Tecnologias de Informação e de Comunicação;
6. Fomentar o emprego e melhorar as qualificações profissionais com recurso às
Tecnologias de Informação e Comunicação;
7. Promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a valorização do património
histórico e cultural e a defesa do ambiente;
8. Diminuir as assimetrias geográficas e sociais e promover a integração social através do
acesso à informação e ao conhecimento.
Foi homologado a 24 de Junho de 2004.585
Beja Digital (Sítio electrónico em construção)
É um projecto formado pela Associação dos Municípios do Distrito de Beja, que conta
precisamente com 13 municípios. Foi homologado a 30 de Abril de 2004. Os seus objectivos
são utilizar as TIC, tendo em vista:
585 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=27&Itemid=96208
1. Melhoria da qualidade de vida das Populações;
2. Reforço da visibilidade da região do Baixo Alentejo em Portugal e no Mundo;
3. Melhoria das condições de competitividade e potenciação do alargamento de
mercados para os agentes económicos locais;
4. Modernização da administração local;
5. Desenvolvimento do governo electrónico local como forma de melhorar e alargar (em
termos de oferta e disponibilidade) os serviços prestados pelas autarquias, bem como
desenvolver processos de “e-thinking” e “e-decision” de forma a agilizar a gestão
autárquica.586
Braga Digital (www.cm-braga.pt)
Esta iniciativa promovida pela Câmara Municipal de Braga, pelo IDITE-Minho (Instituto de
Desenvolvimento e Inovação Tecnológica do Minho) e pela Universidade do Minho tem por
missão proporcionar aos Munícipes, Empresas e visitantes um ambiente favorável ao
desenvolvimento da Sociedade da Informação e do Conhecimento. Os objectivos gerais são:
1. O desenvolvimento sustentado da cidade;
2. A promoção do bem-estar dos cidadãos;
3. O exercício da cidadania;
4. A promoção e facilitação do acesso à informação, à cultura e à formação;
5. A melhoria dos serviços da Administração Local e do atendimento ao cidadão;
6. Promoção do emprego, da Info-inclusão, igualdade de oportunidades e da justiça social.
Foi homologado a 3 de Abril de 2003.587
Entre o Douro e Vouga Digital (www.edvdigital.pt)
Este projecto é dinamizado pela ADReDV – Agência de Desenvolvimento Regional do Entre
Douro e Vouga, sendo formado por cinco municípios, Arouca; Oliveira de Azeméis; Stª Maria
da Feira; São João da Madeira e Vale de Cambra. Os seus objectivos são contribuir para a
criação da melhoria da qualidade de vida, do ensino, da prestação de serviços à comunidade, do
acesso à cultura e ao conhecimento, bem como da melhoria da competitividade das empresas
586 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=28&Itemid=97 587 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=29&Itemid=98
209
dos Concelhos da Região do Entre Douro e Vouga, proporcionadas pelas novas Tecnologias de
Informação e de Comunicação.588
Évora Distrito Digital (www.evoradistritodigital.pt)
O projecto pretende projectar uma imagem positiva do Distrito, através da colaboração entre os
diversos actores da região no sentido da valorização dos seus produtos, gentes e património e
ainda contribuir efectivamente para a melhoria de vida das populações. Esta iniciativa tem como
principais objectivos:
1. Contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações, combatendo a info-
exclusão e a interioridade;
2. Projectar uma imagem positiva da região atraindo investimento e competências;
3. Reforçar a competitividade económica e a empregabilidade das empresas, projectando-
as nos mercados nacional e internacional;
4. Modernizar e focar a administração pública local na prestação de serviços de qualidade,
numa perspectiva dos eventos da vida do cidadão;
5. Criar e fixar na região as infra-estruturas e competências (rede comunitária de acesso à
banda larga e Centro de Tecnologias Digitais) que permitam a boa execução do projecto
e a sua sustentabilidade pós-POSI;
6. Dinamizar a região através da divulgação dos seus valores e saberes a nível nacional e
internacional;
7. Provocar o desenvolvimento de competências a nível público e privado que constituam
focos de disseminação das TIC e de competências (inovevora, etc.);
8. Estabelecer interfaces com outros sistemas de índole regional, nacional e internacional.
Foi homologado a 9 de Setembro de 2004 e conta com catorze municípios.589
Leira Digital (www.leiriaregiaodigital.pt)
588 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=274 589 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=30&Itemid=99
210
O projecto LRD, formado por seis municípios, pretende ir para além da implementação de infra-
estruturas tecnológicas, do aumento da acessibilidade ou da disponibilização de conteúdos e
serviços úteis para os habitantes e visitantes da região. O projecto irá catalizar as capacidades de
inovação e mudança da região e, através da construção de competências e da difusão de
conhecimento, proporcionar as condições para o reposicionamento da região no competitivo
ambiente empresarial do século XXI. Foi homologado a 24 de Junho de 2004.590
Litoral Alentejano Digital ( www.regi.pt)
Os cinco municípios que constituem a Associação de Municípios do Litoral Alentejano
(AMLA), Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines, pretendem que este
projecto seja instrumental, maximizando a sua função de utilidade para a concretização do
conceito estratégico de desenvolvimento desta região, nas suas várias vertentes:
1. Dinamização das actividades económicas com maior impacto para a competitividade
regional (plataforma portuária, logística e industrial, com especial ênfase na logística;
diversificação e qualificação do turismo; produção agro-florestal);
2. Valorização do capital humano (educação para o conhecimento, formação de
competências em tecnologias de informação, promoção de uma cultura de inovação,
solidariedade e cidadania);
3. Valorização e salvaguarda do património natural, cultural e construído (ordenamento
do território, valorização do ambiente urbano e natural, desenvolvimento rural);
4. Criação do governo electrónico local, mais eficiente e aberto, criando um novo
paradigma de relacionamento entre a Administração Pública local e as empresas, os
cidadãos e os serviços desconcentrados da administração central.
Pretende-se que o conjunto dos projectos contribua para a afirmação dos factores dinâmicos de
competitividade económica da sub-região do Alentejo Litoral; valorização das suas
competências e recursos e diminuição das debilidades estruturais. Foi homologado a 9 de
Setembro de 2004.591
Madeira Digital (www.madeiradigital.pt)
O “Madeira Digital”, formado por onze municípios, propõe-se a financiar a execução de
projectos que, mais do que criar infra-estruturas e sistemas, contribuam para a evolução dos
hábitos e dos comportamentos dos cidadãos e das instituições ao nível da Sociedade de
590 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=241 591 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=56&Itemid=243
211
Informação, para que seja possível criar uma base capaz de preparar a Região Autónoma da
Madeira (RAM) na transição para uma economia baseada no conhecimento. O seu grande
objectivo é melhorar a qualidade de vida dos madeirenses. O projecto foi homologado a 18 de
Junho de 2003.592
Maia Digital (www.maiadigital.pt)
A Câmara Municipal da Maia assumiu-se como dinamizadora de um consórcio de instituições
locais e regionais que elaboraram este projecto com o objectivo comum de contribuir para a
melhoria da qualidade de vida, do ensino, do acesso à cultura e ao conhecimento, assim como,
da melhoria da competitividade das empresas no Concelho da Maia, proporcionadas pelas
Tecnologias de Informação e de Comunicação. Foi homologado a 18 de Junho de 2003.593
Médio Tejo Digital (Sítio electrónico em construção)
Este projecto que conta com dez municípios, pretende impulsionar os processos de
transformação social, urbana e económica, através da disseminação das novas tecnologias, do
acesso à informação e de um empenhado esforço de comunicação e interacção entre as
organizações e os cidadãos. Assim como, consolidar o posicionamento do Médio Tejo como
Região Digital reforçando a especificidade dos seus recursos na área das Tecnologias de
Informação e de Comunicação. Os seus objectivos são:
1. Disponibilizar via Internet os serviços da Administração Local, quer autárquica, quer
desconcentrada.
2. Diversificar, modernizar e expandir as actividades económicas através do uso
generalizado das Tecnologias de Informação e de Comunicação.
3. Fomentar o emprego e melhorar as qualificações profissionais por recurso às TIC.
Foi homologado a 24 de Junho de 2004.594
Oeste Digital (www.oestedigital.pt)
Tendo em consideração o nível reduzido de participação dos munícipes nas actividades
promovidas pelas Autarquias de Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval,
Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras
592http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=33&Itemid=102 593 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=34&Itemid=103 594 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=35&Itemid=104
212
e respectivas decisões, criaram-se estruturas para a difusão de informação e conhecimento,
tendo em vista, fomentar a participação dos seus cidadãos no desenvolvimento do seu território
e da sua comunidade. Desta forma, a associação Oeste Digital, constituída pelas Autarquias
supra citadas, elabora o projecto com a criação do Portal Oeste Digital, um portal regional que
pretende dinamizar a participação e o relacionamento entre as Autarquias, cidadãos, empresas e
entidades da sociedade civil a nível regional (com a disponibilização de conteúdos informativos
e e-serviços), promovendo a generalização da Sociedade da Informação na Região Oeste. Foi
homologada a 9 de Setembro de 2004.595
Portalegre Digital (www.portalegredigital.pt)
O Projecto envolve quinze municípios, pretendendo-se que o atendimento dos Munícipes, seja
gradualmente complementada por serviços prestados através da Internet, atendendo aos
seguintes objectivos:
1. Reduzir os custos financeiros e sociais da deslocação à Câmara Municipal num território
extenso, em que a rede de transportes públicos não se encontra disponível nas condições
mais favoráveis, melhorando assim a acessibilidade dos cidadãos aos serviços
municipais;
2. Melhorar o serviço prestado aos imigrantes, disponibilizando informação correcta e
actualizada, assim como, serviços municipais na Internet.
3. Melhorar a eficácia no tratamento interno dos processos.
4. Integrar os diferentes níveis da Administração Pública Local numa óptica de
rentabilização de recursos e descentralização de competências aproximando-a cada vez
mais do cidadão. Prevê-se a integração das Juntas de Freguesia neste objectivo global,
sensibilizando-as para que se instituam como Centros de Atendimento ao Cidadão, ou
Mini-Lojas do Cidadãos, divulgando estas possibilidades de atendimento junto dos
munícipes da sua freguesia, incentivando a sua utilização e assegurando a sua boa
usabilidade.
5. Promover uma cultura de exigência.596
Porto Digital (www.cm-porto.pt)
O projecto tem como princípio orientador base contribuir para a evolução para uma Sociedade
da Informação e do Conhecimento ao alcance de todos. Na concepção da iniciativa 595 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=36&Itemid=105596 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=37&Itemid=106
213
consideraram-se quatro preocupações fundamentais: o Indivíduo, a Sociedade, o Mercado e a
Tecnologia.597
Ribatejo Digital (www.ribatejodigital.pt)
O Ribatejo Digital será um Portal Regional integrador das diferentes competências municipais,
no qual serão disponibilizados conteúdos e serviços, criando-se verdadeiros Centros de
Processamento de Dados On-line. As dificuldades ao nível da disponibilização eficaz, eficiente
e permanente de Informação e Serviços, vitais para a melhoria dos seus procedimentos e da
interacção com os cidadãos, conduziram à necessidade de se elaborar e desenvolver uma infra-
estrutura para disponibilização de informação e serviços municipais na Internet, suportado pelo
Backoffice existente em cada uma das onze Câmaras Municipais. A sua reprogramação foi
aprovada a 12 de Janeiro de 2005.598
Seixal Digital (www.cm-seixal.pt/seixaldigital)
O projecto pretende ir para além da implementação de infra-estruturas tecnológicas, do aumento
da acessibilidade ou da disponibilização de conteúdos e serviços úteis para os habitantes e
visitantes da região. Assim, irá catalizar as capacidades de inovação e mudança do Município do
Seixal e, através da construção de competências e da difusão de conhecimento, proporcionar as
condições para o seu reposicionamento no competitivo ambiente empresarial da presente Era.
Identifica como principal desafio e oportunidade a mobilização da sociedade civil, através do
governo local electrónico, com ênfase nos factores que proporcionam as condições necessárias
para o aumento de produtividade da autarquia e da competitividade do município. Foi
homologado a 9 de Setembro de 2004.599
Setúbal Digital (www.peninsuladigital.com.pt)
A Península de Setúbal Digital, que envolve sete municípios, promovida pela Associação dos
Municípios de Setúbal (AMDS), Associação Empresarial da Região de Setúbal (AERSET) e
Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), considerou os seguintes objectivos:
1. Aproveitar o projecto para promover e desenvolver sinergias entre os seus Parceiros;
2. Aproveitar a elaboração do projecto como catalisador de novos projectos;
597 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=7&Itemid=50598 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=42&Itemid=250 599 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=57&Itemid=251
214
3. Aproveitar a inclusão de diferentes tipos de gestores e académicos, de forma a
ouvir sugestões que possam contribuir para a superação das dificuldades de Setúbal;
4. Avaliar a necessidade de investimentos nas áreas de organização, processos e
sistemas de informação;
5. Apontar para soluções técnicas que garantam a acessibilidade democrática à
informação electrónica;
6. Procurar novas vias para utilizar a Internet na promoção da actividade
económica;
7. Contribuir para a evolução tecnológica na Península de Setúbal;
8. Garantir a compatibilidade das soluções encontradas com outras regiões;
9. Trazer a inovação ao debate público;
10. Dar maior visibilidade à Península de Setúbal.
Foi homologado a 24 de Junho de 2004.600
Trás-os-Montes Digital (www.espigueiro.pt)
A grande missão do projecto é colocar ao alcance de toda a população da região de Trás-os-
Montes e Alto Douro um conjunto alargado de produtos e serviços, que contribuam para
melhorar as suas condições de vida, recorrendo para tal ao uso massificado das novas
Tecnologias de Informação e de Comunicação. Com a sua implementação vai certamente ser
melhorado o acesso à comunicação, disseminada de forma mais transparente a informação entre
os cidadãos e as respectivas administrações locais e disponibilizados serviços vitais para o
encurtamento das distâncias existentes nesta matéria, entre o litoral e o interior transmontano. O
primeiro passo neste sentido, foi dado com a criação do SCETAD – Serviço Cooperativo de
Extensão em Trás-os-Montes e Alto Douro, implementado pela UTAD – Universidade de Trás-
os-Montes e Alto Douro, que beneficiou de uma ampla parceria com os actores regionais,
designadamente os trinta e dois Municípios de TMAD e outras entidades, parceria que assumiu
600 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=39&Itemid=108
215
um papel fundamental na promoção e divulgação do desenvolvimento da região. Desta forma,
os objectivos do projecto são:
1. Continuar e ampliar algumas acções que foram financiadas pelo MCT e pela IOT.
É contemplada, em particular, a expansão das acções a mais 20 Câmaras
Municipais e a mais 30 Juntas de Freguesia;
2. Empreender novas acções no âmbito de outros sectores de forte impacto social e no
desenvolvimento da região;
3. Criação de mais 60 “Gabinetes de Apoio ao Cidadão” (GACs), que se juntam aos
20 criados na Fase 1, o que permite assegurar uma distribuição territorial mais
abrangente.601
Vale do Minho Digital (www.valedominho.pt)
Este projecto, promovido pela Comunidade Intermunicipal do Vale do Minho, tem como
missão:
1. Reforçar o capital social da região,
2. Estimular a aprendizagem contínua;
3. Embeber as tecnologias de informação na rotina diária do governo local e da
sociedade civil.
Os projectos a implementar têm como principal objectivo aliar a região às vantagens decorrentes
da Sociedade da Informação, para que esta se torne no reflexo de uma maior atractividade e
qualidade quanto à sua capacidade de resposta face aos factores de competitividade e a uma
presença mais dinâmica e eficaz por parte de todos os sectores e áreas envolvidas no processo.
Assim, de um modo geral, os objectivos da iniciativa “Vale do Minho Digital” são:
1. Aumentar e facilitar a eficiência da interacção entre os vários níveis de
administração, as populações e os agentes económicos;
2. Apoiar o sistema de ensino através da criação de conteúdos de apoio à actividade
pedagógica;
3. Promover o uso das TIC para a prestação de melhores cuidados de saúde;
601 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=262
216
4. Apoiar o desenvolvimento de projectos em núcleos empresariais, nomeadamente no
fomento de formas de comércio electrónico;
5. Dinamizar a cultura e o turismo na região através da sua divulgação e
disponibilização via novas tecnologias;
6. Integrar na Sociedade da Informação os cidadãos com necessidades especiais sem
quaisquer tipos de restrições nem discriminações.
Foi homologado a 13 de Setembro de 2005.602
Vale do Sousa Digital (www.valsousa.pt)
Esta região digital é promovida pela “Comunidade Urbana do Vale do Sousa”, congregando seis
municípios, nomeadamente os concelhos de Castelo de Paiva, Felgueiras, Lousada, Paços de
Ferreira, Paredes e Penafiel. O “Vale do Sousa Digital”, que visa promover e dinamizar a
Sociedade da Informação na região, deu os seus primeiros passos em Janeiro de 2005, altura em
que foi constituída a equipa do projecto. Os seus objectivos são:
1. Simplificação e agilização da vida quotidiana dos Cidadãos e Empresas no seu
relacionamento com os serviços públicos locais e regionais;
2. Modernização das autarquias locais a nível de funcionamento interno e de
relacionamento com os munícipes;
3. Fomento da participação dos Cidadãos na vida sócio-cultural e política dos Municípios e
da Região;
4. Melhoria do nível de qualificação dos Cidadãos e Emprego;
5. Promoção do ecossistema empresarial e clusters industriais da Região;
6. Dinamização das actividades económicas e o mercado regional;
7. Criação de oportunidades de emprego atractivas para os jovens;
8. Modernização da actividade empresarial e industrial.603
Valimar (www.valimar.org)
No sítio electrónico do programa “Cidades e Regiões Digitais” é introduzido este novo projecto,
contudo não está disponível nenhuma informação sobre o mesmo, o que pode ser justificado
pela sua recente formação. De qualquer forma, o projecto foi promovido pela Comunidade
602 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=71&Itemid=310 603 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=40&Itemid=255
217
Urbana Valimar, que engloba seis municípios, nomeadamente Arcos de Valdevez, Caminha,
Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo.
Viseu Digital (www.viseudigital.pt)
O projecto, que engloba dezasseis municípios e é promovido pela Lusitânia (Agência de
Desenvolvimento Regional), pretende dinamizar um portal, isto é, “uma porta de entrada para a
região”, disponibilizando conteúdos e serviços à volta de um directório regional indexado e
categorizado. O nível da sua utilização pelos habitantes/visitantes da região será a principal
medida de sucesso, sendo que o Conteúdo (informações e serviços), a Interactividade e a criação
de Comunidades são os aspectos que mais frequentemente mobilizam o público no sentido da
consecução deste objectivo. Este projecto inclui 4 subprojectos:
- Descobrir e Divulgar a Região – informações e serviços relacionados com a região e com a
vida local, directório de links para empresas, associações e outras organizações públicas ou
privadas, Administração Pública electrónica, bolsa de emprego e de oportunidades.
- Empreender na Região (vertente externa) – portal empresarial com informações e serviços
relacionados com aspectos económicos da Região.
- Empreender na Região (vertente interna) – rede de informação direccionada para o aumento da
competitividade regional através do estímulo à criação, à acumulação e à difusão de
conhecimento relacionado com a economia local, nomeadamente ligações entre as empresas e as
universidades, politécnicos e laboratórios de I&D, certificações, feiras e eventos profissionais.
- Participar na Região – Disponibilização de um conjunto de serviços para permitir a
participação dos cidadãos na vida pública local, bem como de ferramentas para criação,
publicação e alojamento de páginas Internet.
Os objectivos da iniciativa são:
1. Promover a competitividade territorial através da promoção da inovação e do
empreendedorismo entre os principais actores e agentes de mudança da região.
2. Mobilizar a população para o uso das novas Tecnologias de Informação e de
Comunicação, combater a info-exclusão e diminuir as disparidades regionais a nível
nacional e internacional.
218
3. Criar novas oportunidades para os habitantes e as empresas da região
4. Projectar nacional e internacionalmente a região através da utilização das novas
tecnologias de informação.
5. Servir o cidadão e o visitante da região como cliente, fornecendo conteúdos relevantes e
prestando serviços de qualidade.
Foi homologado a 22 de Dezembro de 2004.604
Portanto, como podemos observar, todas as iniciativas se centram na mobilização e formação
para a Sociedade da Informação; na modernização regional, na competitividade, na inovação e
na disponibilização de informação e serviços ao cidadão. Os projectos são todos promovidos por
agências locais, maioritariamente autarquias (governo electrónico local). Nesta descrição, falta
apenas acrescentar o projecto Gaia Global e Aveiro Digital, iniciativas que abordamos em
profundidade no próximo capítulo, uma vez que, se tratam dos objectos de estudo desta
investigação.
C. Vantagens e Limitações das Cidades DigitaisAs experiências introduzidas, sobretudo internacionais, são como tivemos a oportunidade de
observar, profícuas para a delimitação de importantes lições, nomeadamente quanto aos
obstáculos para a implementação, manutenção e desenvolvimento de cidades digitais. De
qualquer forma, os vinte e sete projectos mencionados consideraram na sua formulação e
respectiva candidatura, vantagens, mas também limitações destas iniciativas. Para complementar
esta informação, a nossa escolha por uma análise integrada das vantagens e limitações das
cidades digitais conduziram-nos ao questionamento destes elementos aos entrevistados. Assim,
através das opiniões e experiências dos especialistas indicamos o que poderão ser os benefícios
e os obstáculos destas iniciativas virtuais.605 Deste modo, os benefícios apontados são:
Promoção de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos;
Promoção de uma melhor qualificação dos cidadãos;
Promoção de uma cidadania mais activa;
Disponibilização de acesso à informação e serviços;
604 http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=section&id=42&Itemid=111605 As entrevistas integrais encontram-se anexo.
219
Contribuição para a estruturação de novas práticas;
Contribuição para a reorganização da cidade física;
Apresentação de uma nova condição de participação e representação;
Apresentação de um novo canal de interacção;
Promoção da cooperação e desenvolvimento da comunidade;
Ligação entre o Virtual e o Real e vice-versa, mobilizando para a Sociedade da Informação;
Aumento dos serviços disponíveis por parte do governo, da autarquia local ou da região e o
consequente acréscimo da sua qualidade e dos níveis de eficiência;
Promoção do desenvolvimento económico e social local;
Promoção de uma melhor gestão local e um melhor planeamento espacial e móvel.
De uma forma geral, as vantagens apontadas pelos entrevistados correspondem a potenciais
benefícios ou objectivos expectáveis do tipo de cidade digital em estudo. Assim, como frisa
Alessandro Aurigi na e-entrevista, “They can be none at all!”606. Neste enquadramento, Luís
Borges Gouveia clarifica que “Depende. Não há pronto-a-vestir nas cidades digitais, e como não
há, depende muito.” De qualquer modo, as vantagens são focalizadas no cidadão, passando por
uma melhor qualidade de vida, pois segundo Joaquim Borges Gouveia, “O benefício é poder ir
sem lá estar. Poder ter acesso à informação, sem ter que lá ir, e assim, poder resolver um
conjunto de assuntos sem me deslocar e sem atafulhar o ponto de atendimento dos serviços
físicos. E, desta forma, diminuir o tempo das deslocações, aumentando o meu tempo disponível
para outras actividades de lazer e de diversão.”
Contudo, acrescenta-se a qualificação, interacção e exercício da cidadania, mas também a
mobilização para a Sociedade da Informação. Neste contexto, José Luiz Moutinho salienta que
“O principal benefício do conceito de cidade digital é cristalizar uma nova visão do fenómeno
urbano no âmbito da Sociedade da Informação. Da mesma forma que os conceitos de “cidade
jardim” e a “cidade industrial” representaram a seu tempo uma visão até certo ponto utópica da
sociedade, mas que acabaram por perder o seu significado ao longo do tempo, a ideia de uma
cidade digital pode indicar caminhos para responder aos desafios e oportunidades do papel das
cidades na Sociedade da Informação, sobretudo quando a totalidade do crescimento da
606 As citações deste ponto “Vantagens e Limitações das Cidades Digitais” são retiradas das entrevistas realizadas, que se encontram em anexo.
220
população mundial até 2030 (estimado em 2,1 mil milhões de novos habitantes) vai se
concentrar nas áreas urbanas.”
Por fim, as vantagens englobam ainda a reorganização da cidade física e das suas estruturas
político-administrativas. A este propósito, Flávio Nunes salienta “o especial contributo para
estruturar novas práticas colaborativas entre os principais agentes de intervenção urbana.
Nomeadamente por via da estruturação de plataformas interactivas onde se procura reunir e
sistematizar informação permanentemente actualizada sobre os diversos domínios de acção
urbana (transportes, cultura, educação, comércio, …).”
Quanto às suas limitações:
Complexidade dos processos de mudança;
Info-exclusão;
Organização fixa das estruturas;
Alteração das estruturas organizativas e dos seus objectivos;
Falta e cortes de financiamento;
Custos;
Auto-sustentabilidade dos projectos;
Falta de/ou reduzida participação da sociedade civil na definição e desenvolvimento dos projectos;
Modelos desenvolvidos numa perspectiva de determinismo tecnológico;
Falta de uma abordagem interdisciplinar e pesquisa reflectiva.
Portanto, os obstáculos apontados são vários, nomeadamente a complexidade dos processos de
mudança, porque efectivamente, como ilustra Lusitana Fonseca “O desenvolvimento de novos
estádios culturais duma comunidade exige um planeamento rigoroso baseado em sólidas
metodologias e investimentos elevados e continuados, pois a incorporação de novos hábitos na
vida das pessoas e das organizações só é possível quando, depois de percebidos os benefícios, se
alteram sustentadamente processos e práticas.”. Isto é o que José Luiz Moutinho indica ser a
“capacidade de aprendizagem colectiva adaptada à Sociedade da Informação”, para a qual
“Novas políticas públicas, quadros reguladores mais inovadores e fortes incentivos são
221
fundamentais para criar condições de aproximação às sociedades mais desenvolvidas e mitigar a
incerteza associada ao processo de ajustamento.” A info-exclusão é largamente evidenciada, tal
como, o acesso às infra-estruturas. Neste sentido, Sílvio Zancheti sublinha que “Uma vez que a
efetivação de uma CD depende em grande parte dos elementos materiais que a suporta (redes de
comunicação, computadores, etc.) e dos meios de interação entre os usuários (as interfaces), os
desafios na sua construção passam pela questão material - acessibilidade às infra-estruturas - e
pela interface.”
São também mencionados, a pouca flexibilidade das estruturas que suportam estas iniciativas
(no caso das autarquias e governo central) e a sua constante alteração. Com efeito, como reitera
José Rafael, “Em termos de organização, o País organiza-se de determinada forma e se
queremos ter um cidade digital direccionada para o cidadão e para os serviços à comunidade, ela
vai ser um pouco transversal à organização das sociedades, porque elas organizam-se
verticalmente e não são muito corporativas, pois são muito ciosas das suas áreas. Portanto,
responder a isto é uma limitação natural. Temos que ter flexibilidade para responder ao cidadão,
porque por vezes, temos que atravessar áreas transversais, o que nos coloca problemas
organizativos.”
Além destes elementos, surgem os problemas de financiamento, os alargados custos e a
capacidade de auto-sustentabilidade de projectos que necessitam de uma intervenção contínua e
a longo prazo para alcançarem alguns dos efeitos a que se propõem. De facto, Flávio Nunes
destaca a “dificuldade sentida ao nível da garantia de auto-sustentabilidade dos projectos
específicos dinamizados no âmbito das cidades digitais, devido sobretudo a interrupções de
financiamento e a alterações das estruturas organizativas e dos seus objectivos. Tratam-se na sua
grande maioria de projectos que visam uma alteração de práticas, rotinas e modos de
procedimento, deste modo apenas a continuidade de uma acção permanente e sistemática
poderia induzir uma apropriação generalizada das aplicações telemáticas pelos diferentes
cidadãos.” José Luiz Moutinho alerta para a falta de/ou reduzida participação da sociedade civil
na definição e desenvolvimento dos projectos, uma vez que, “Não existe qualquer participação
da sociedade civil no desenho, na implementação e na avaliação das políticas públicas e por
isso, não existe um mecanismo de feedback para corrigir e/ou fazer evoluir as políticas, os
incentivos e os projectos ao longo do tempo de do espaço. É necessário criar urgentemente
espaços de participação da sociedade civil no desenvolvimento da Sociedade da Informação.”
222
São ainda anotadas dificuldades de base, isto é, relativas ao modelo basilar da cidade digital.
Assim, o determinismo tecnológico, a falta de uma abordagem interdisciplinar e reflectiva são
percepcionados como limitações essenciais das iniciativas digitais. Como demonstra José Luiz
Moutinho, “Inovações tecnológicas são socialmente construídas, ou seja, as cidades digitais são
sistemas sócio-técnicos que estão inseridos num contexto social, humano, cultural, histórico,
económico, etc., que influencia e é, por sua vez, influenciado por diferentes trajectórias
tecnológicas. No entanto, os projectos de cidades e regiões digitais são frequentemente
concebidos numa perspectiva de determinismo tecnológico, ou seja, consideram que a simples
disponibilização de infra-estruturas será suficiente para mobilizar a Sociedade da Informação.”
Luís Borges Gouveia reitera que “se nós colocarmos toda a aposta ou demasiadas esperanças, se
não tivermos uma estratégia, uma ideia de território, uma identidade e uma direcção, as cidades
digitais apenas permitem-nos chegar mais depressa a sítio nenhum.” Linturi esclarece que, neste
âmbito, “It is beneficial to view a city in its totality.”
223
V. ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO: GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL
A. GAIA GLOBAL
1. Vila Nova de Gaia
Evidenciando a necessidade da ligação entre o virtual e o real, iniciamos este capítulo com uma
sintética apresentação da cidade física. Assim, Vila Nova de Gaia insere-se no distrito e na área
metropolitana do Porto, situando-se na margem esquerda do rio Douro, em frente à cidade do
Porto. De acordo, com os últimos dados do INE, Gaia é o maior dos oito concelhos que agrupam
esta segunda maior área metropolitana do país, com uma área aproximada de 168,7 km2,
repartindo-se actualmente por 10 freguesias, com um concelho que agrupa 24 freguesias. A
população residente na cidade de Gaia é de 177.172 habitantes, ocupando uma área de 56,3 km.
O concelho de Gaia possui uma população residente de 288 749 mil pessoas. Vila Nova de Gaia
é actualmente o concelho mais populoso de toda a região norte, apresentando a maior variação
absoluta entre 1991 e 2001, com um aumento de 39 mil habitantes.607
Quadro 20 – Indicadores Demográficos de Vila Nova de Gaia
607 INE, http://www.ine.pt/prodserv/censos_definit/censos_definit.asp?quadro=1&R1=V1&x_nut=1_1_4_13_17&importar=0
224
O concelho de Vila Nova de Gaia contém uma extensa marginal fluvial e uma faixa litoral, que
se alonga até ao concelho de Espinho. Tem demonstrado um enérgico crescimento urbano, o que
justifica a coabitação de zonas fortemente urbanizadas com espaços rurais. Como já mencionado
engloba 24 freguesias, nomeadamente Arcozelo, Avintes, Canelas, Canidelo, Crestuma, Grijó,
Gulpilhares, Lever, Madalena, Mafamude, Olival, Oliveira do Douro, Pedroso, Perosinho,
Sandim, Santa Marinha, São Félix da Marinha, São Pedro da Afurada, Seixezelo, Sermonde,
Serzedo, Valadares, Vilar de Andorinho e Vilar do Paraíso. Esteve, desde sempre, ligada à
história do Vinho do Porto e aos seus tradicionais Barcos Rabelos, utilizados para o transporte
do vinho ao longo do Rio Douro. Possui um património reconhecido, salientando-se a Serra do
Pilar, classificada como património mundial, a zona ribeirinha e as caves do Vinho do Porto.
Vila Nova de Gaia é cada vez menos uma "cidade dormitório" do Porto, como é inúmeras vezes
designada, criando progressivamente a sua própria dinâmica de crescimento, concretamente
através do desenvolvimento de indústrias e empresas que contribuem para o aumento
significativo de postos de trabalho.608
Figura 8 – Mapa do Concelho de Vila Nova de Gaia
Fonte: Infopedia
Figura 9 – Vila Nova de Gaia
608 Vila Nova de Gaia., in Infopédia, Porto Editora, http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93912. 225
Fonte: http://www.pbase.com/image/32956803
2. A Cidade Digital de Vila Nova de Gaia
Passando para o nível digital, o Gaia Global (www.gaiaglobal.pt) é o projecto de Cidade Digital
de Vila Nova de Gaia. A cidade digital de Vila Nova de Gaia conjuga um conjunto de sítios
electrónicos, a nível de atendimento, o da Câmara Municipal, Águas de Gaia, Gaianima, Gaia
Social, Gaiaurb, Parque biológico de Gaia, Energia e a nível de informação e interacção, o
portal do cidadão de Gaia (sítio que analisamos), o novo portal da juventude de Gaia e o Mapa
Interactivo de Gaia. Com efeito, “O Gaia Global é a marca aglutinadora do conceito de cidade
digital para o território de Vila Nova de Gaia, não se resumindo a um único portal, nem apenas a
um conjunto de portais. É uma iniciativa de âmbito local, onde vários intervenientes participam
e trabalham em conjunto tendo em vista o aproveitamento das capacidades da Sociedade da
Informação para a promoção do desenvolvimento sustentável”609.
A opção pelo termo “Global” em detrimento do “Digital” demonstra a preocupação em não se
associar determinadamente à tecnologia, mas à comunicação com os cidadãos, pois “O Gaia
Global assume-se como uma infra-estrutura de informação social orientada para os cidadãos e
agentes económicos do território”610. Evidencia igualmente a estratégia multi-canal adoptada.
Mais do que o recurso a computadores e redes e mesmo à Internet, o que se pretende, segundo
os responsáveis, é proporcionar a todos, uma infra-estrutura digital que reúna informação e
esforços para o desenvolvimento de competências para a Sociedade da Informação. Portanto,
um dos objectivos é precisamente colocar a tecnologia ao serviço das pessoas, promover a
inovação e a partilha de informação e conhecimento. Complementarmente, disponibilizam-se as 609 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=1 610Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/?id_categoria=6&id_item=52
226
tecnologias de informação e comunicação para fomentar o exercício da cidadania. Deste modo,
as grandes opções do Gaia Global são a estratégia multi-canal (que contrapõe uma iniciativa
centrada na Web, recorrendo a outros canais, incluindo os tradicionais); baseado no território
(que visa o desenvolvimento e a criação de uma nova centralidade digital em Gaia); inclusão e
cidadania (busca a inclusão e cidadania procurando a criação e fomento de um mercado digital)
e criar um espaço de comunicação que ligue todos com todos.611
O Gaia Global foi homologado pelo Programa Operacional para a Sociedade da Informação
em Maio de 2002, com uma duração prevista de três anos. O projecto obteve um financiamento
de 5.909.049 €, num investimento total de 8.441.499 €.612 O Gaia Global inicia a fase de
implementação, após ter completado um ano em que foram realizados os trabalhos de análise e
especificação do modelo, nomeadamente, da sua infra-estrutura digital e do Plano Director
Digital. A entidade coordenadora e gestora do projecto é a Energaia, Agência Municipal de
Energia de Gaia (www.energaia.pt), criada em 1999, através do programa SAVE II da Comissão
Europeia. Tendo-se assumido, desde então, como centro de competências em energia, ambiente
e informação no Concelho de Gaia.613 Assim, o modelo de gestão do Gaia Global assenta em
três níveis, nomeadamente:
Nível de Acompanhamento, que cabe à Câmara Municipal de Gaia, que o exerce
directamente ou através das empresas municipais e fundações na sua dependência que se
incluem na implementação do projecto;
Nível de Coordenação e Gestão, da responsabilidade da Energaia.
Comité Consultivo constituído por entidades que participam na gestão/animação das
diferentes “praças” que compõem o projecto e por um conjunto de personalidades de
reconhecido prestígio no desenvolvimento da Sociedade de Informação.614
O objectivo estratégico deste projecto é “Mediar no espaço digital a troca de informação, bens e
serviços com origem ou destino em Gaia, através da criação de um espaço digital, composto por
611 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/?id_categoria=6&id_item=57 612 Gaia Global, http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240 613 Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Autarquias Digitais promessas e desafios”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, pp.192-193.614 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=3
227
um conjunto de estruturas digitais complementares, cada uma com um grafismo e identidade
próprias e um processo de recolha e disseminação de informação associado.” As principais
acções baseiam-se no investimento em pessoas, em acções e em organizações, sobretudo no que
concerne, o desenvolvimento das competências para a Sociedade da Informação:
“Facilitar e incentivar o acesso de todos os cidadãos e munícipes, individuais ou
entidades, residentes ou de passagem, a informação, bens e serviços originários no
concelho (Gaia Global como um intermediário de informação respeitante a GAIA no
espaço digital);
Promover a comunicação entre a Autarquia e os Cidadãos e, desta forma,
democratizar e universalizar o acesso à informação e melhorar a qualidade de vida
dos cidadãos através da facilitação da prestação de serviços;
Fomentar a economia local através da motivação das empresas para o comércio
electrónico, criando-lhes as condições para a necessária revolução organizacional e
cultural.”615
Assim, como refere Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “São objectivos do Gaia
Global, a preparação dos indivíduos com as competências para o digital, o proporcionar de uma
economia que incremente a sua base electrónica, mas acima de tudo, a melhoria da qualidade de
vida e de cidadania, propondo o projecto constituir-se como um espaço ideal de troca de
informação e partilha de conhecimento – “Gaia Global, um espaço ideal” (...) Face ao lema
“Gaia Global, um cálice de ideias”, a inovação e a participação dos cidadãos e das instituições
são uma preocupação central do projecto”616. A este propósito, Jorge Xavier sublinha que “O
Gaia Global assume-se como uma infra-estrutura de informação social orientada para os
cidadãos e demais agentes do território”617.
O conceito do projecto assenta-se na inclusão de todas as entidades presentes, numa perspectiva
de complementaridade e representação do território. Desta forma, a estratégia do Gaia Global
evidencia quatro premissas:
615 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240 616 Luís Borges Gouveia e Joaquim Borges Gouveia, “Autarquias Digitais promessas e desafios”, in Luís Borges Gouveia, Cidades e Regiões Digitais. Impacte nas cidades e nas pessoas, Fundação Fernando Pessoa, Porto, p. 192.617 Jorge Xavier, op. Cit., p.72.
228
Baseado na sociedade civil e na interacção digital;
Baseado nas pessoas e não na tecnologia;
Baseado na facilitação do ciclo de vida da informação;
Orientado ao conteúdo e à actividade e não ao processo.618
Relativamente aos benefícios do projecto, são sublinhadas as seguintes vantagens:
Fortalece a visibilidade externa do concelho;
Insiste sobre as áreas onde se revelam mais carências, concretamente na saúde, educação
e ambiente;
Desenvolve as condições para um maior investimento económico no concelho, através
da dotação de uma infra-estrutura tecnológica capaz e moderna;
Contribui para a melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes e para o reforço dos
meios de cidadania e de participação na vida pública.619
Com a formulação do Gaia Global atentou-se nos vários obstáculos a ultrapassar,
nomeadamente na perspectiva do cidadão, onde se observou que a informação existente em
formato digital era claramente dispersa e pouco orientada às suas necessidades; a insuficiência
de processos e serviços transaccionais em ambiente digital, que se constituam como alternativas
aos canais presenciais; a fraca ligação entre a oferta de informação e o território e a deficiente
gestão do relacionamento com o cidadão, por parte das entidades locais. Na perspectiva de quem
tem informação e serviços para oferecer; quem tem interesse em oferecer informação e serviços,
mas não domina a tecnologia; não tem capacidade de projecto e nem dimensão para estar
presente em ambiente digital. Desta forma, a resposta do Gaia Global assenta na construção de
uma plataforma que faculte:
Informação orientada às necessidades do cidadão;
618 Joaquim Borges Gouveia, Luís Borges Gouveia e Jorge Xavier, “Gaia Global – 1º Ano do Projecto. Conceitos e Diferenciação”, Brochura de apresentação do projecto Gaia Global, Vila Nova de Gaia, Maio de 2003.619 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240
229
Forte ligação ao território;
Instrumentos para a gestão do relacionamento com o cidadão;
Acesso, dimensão, estrutura e regulamentação para os diferentes agentes a actuar no
território;
Informação, serviços e aplicações que facilitem a presença no ambiente digital, a todos
aqueles que estão interessados em oferecer informação e serviços aos cidadãos de Gaia.
O método de trabalho é designado como NVAT, que corresponde às siglas de Necessidades,
Valor, Arquitectura e Tecnologia. Este método baseia-se no cidadão e nas suas necessidades. O
modelo permite ainda a criação de uma solução escalável, reprodutível, modular e flexível.620 Da
implementação deste método, desenvolveu-se o Plano Director Digital (PDD) que, tal como, os
Planos Director Municipal (PDM) que delimitam a organização do espaço físico, define a
organização e infra-estrutura da cidade digital. Assim, o Gaia Global determina o seu PDD, de
acordo com três camadas diferenciadas, nomeadamente:
Infra-estruturas (modelo independente da tecnologia e do canal assente em três pilares:
GC - Gestão de conteúdos, SIG – Sistema de Informação Geográfica e CzRM - Citizen
Relationship Management, Gestão da Relação com os Cidadãos.);
Organização (entidades);
Necessidades (navegação).
Portanto, é instituído um modelo organizacional direccionado para os utilizadores, usufruindo
de todas as vantagens do espaço virtual e infinito inerente às cidades digitais.621
Figura 10 – Método NVAT
620 ENERGAIA, Nova Base, Quatro e Gaia Digital, NVAT* Método de Implementação, Dezembro 2002.621 ENERGAIA, Nova Base, Quatro e Gaia Digital, PDD – Plano Director Digital, Dezembro 2002.
230
Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global
Deste modo, o Gaia Global assenta em três camadas, na primeira encontra-se o CRM, GIS e
GC, na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de funcionalidades
disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada, destinada aos
cidadãos.622
Figura 11 – As três camadas do Gaia Global
Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global
O projecto tem diferentes áreas de intervenção, concretamente:
Informação, serviços municipais e governo electrónico;
622 Memória Descritiva do Projecto, disponível em http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240.
231
Educação;
Saúde;
Comércio e Indústria;
Ambiente, Qualidade de Vida e Património Cultural;
Desporto e Lazer.623
Estas áreas de intervenção assentam na estrutura do projecto que é criado segundo a ideia de
“Praça”, definindo-se:
Praça do Município;
Praça da Educação;
Praça do Comércio e Indústria;
Praça da Saúde;
Praça do Ambiente, Qualidade de Vida e Património Cultural;
Praça do Desporto e Lazer.
Em cada “Praça”, que representa o portal de acesso a cada uma das áreas temáticas do Gaia
Digital, existem os “Edifícios”, ou seja, os projectos específicos propostos nessa área. Com o
intuito de facultar a circulação no espaço do projecto desenvolvem-se quatro importantes
“Artérias”, de acordo com as seguintes formas de infra-estruturas tecnológicas:
Acesso via Internet;
Disseminação de informação por tecnologia Wi-fi, GPRS, e futuramente, UMTS;
Implementação de quiosques multimédia de acesso ao Gaia Global espalhados pela
cidade, incluindo no interior de espaços públicos, como serviços camarários ou cafés
e restaurantes;
Postos de atendimento remotos, a instalar nas instituições e serviços.
Pretendendo estimular a participação dos cidadãos desenham-se os “Espaços do Cidadão”,
nomeadamente a criação em cada “praça” de um “fórum digital” de discussão e de uma zona de
623 www.gaiaglobal.org 232
chat, o “Café Digital”. Será também criado um serviço de “sondagens on-line”, continuamente
dinâmico sobre temas de relevância para o concelho de Gaia. Por fim, as tarefas de gestão e
coordenação de projectos asseguram-se através de “Acções Horizontais”624
Figura 12 – A metáfora da cidade digital: as praças de uma cidade física simbolizam a
interacção entre os cidadãos e os edifícios dessas praças constituem as aplicações e serviços
existentes.
Fonte: Memória Descritiva do Gaia Global
O Gaia Global conjuga um conjunto de sítios electrónicos, sendo o principal o portal do cidadão
de Gaia (www.gaiaglobal.pt) que agrega todas estas ligações. Este site disponibiliza toda a
informação local:
624 Gaia Global, http://www.gaiaglobal.org/index.php?id_categoria=4
233
Classificados;
Notícias;
Eventos;
Utilidades (farmácias de serviço, contactos úteis e alterações de trânsito);
Menus de pesquisa e de informação por temas;
Newsletter semanal enviada para os registados.
Possui ainda um espaço de serviços on-line, um espaço reservado à Área Pessoal de cada
utilizador, um espaço para participação e sugestões do cidadãos e a indicação de uma linha
verde de apoio. Quanto aos serviços on-line, dispõe de:
Consulta de processos urbanísticos;
Acesso a plantas de localização;
Descarregamento de formulários, reclamações, sugestões e pedidos de informação ou
serviços ao Município de Gaia, ao Gaiurb e ao Parque Biológico E.M.;
Acesso ao balcão virtual das Águas de Gaia;
Pedido do cartão do cidadão de Gaia.
O Gaia Global possui ainda um sítio electrónico institucional, acessível em
www.gaiaglobal.org.
Figura 13 – Portal do Cidadão de Gaia
234
www.gaiaglobal.pt
Figura 15 – Portal Institucional Gaia Global/ Portal da Juventude Gaia Global
www.gaiaglobal.org www.juventude.gaiaglobal.pt
236
As opções ou os valores fundamentais de concretização do projecto correspondem, segundo
Ângelo Estrela, ao potencial teórico do mesmo. Estas opções são “de todos e para todos”,
“projecto aberto”, “inclusão e cidadania” (promovendo “a participação de todos, numa tentativa
pró activa de identificação do indivíduo e das organizações com o território”), “baseado no
território”, “multi-canal” e “objectivos nobres”, sendo estes últimos, a valorização do território e
da melhor qualidade de vida dos cidadãos e não apenas a preocupação com o desenvolvimento
das TIC.625 Do mesmo modo, a mobilização para a Sociedade da Informação é conseguida de
forma inovadora, na medida em que, a sua formulação supera a tradicional visão de um projecto
vertical. De facto, o envolvimento de várias entidades, parceiros e do público constituem
factores chave da sua estratégia. Precisa ainda de uma solidificação, mediatismo e notoriedade,
que passa efectivamente pelo reconhecimento público.626
Para complementar toda esta informação, introduzimos, em seguida, os dados obtidos nas
entrevistas realizadas627 a Joaquim Borges Gouveia, Presidente do Conselho de Administração
da Energaia e a Ângelo Estrela, Gestor do projecto. Assim, considerando os elementos mais
importantes do Gaia Global, Joaquim Borges Gouveia frisa na entrevista efectuada que um dos
elementos mais relevantes do projecto é a sua representação. Com efeito, “O modelo com que
representamos a cidade é caracterizador, pois mapeamos a cidade digital seguindo o modelo
físico, como o conceito de uma praça, o local onde as pessoas convivem e onde estão e se
encontram com os outros. Essa praça tem edifícios, que representam um projecto que tem, por
sua vez, actividades. Portanto, esta é a estrutura da cidade digital. Depois temos um modelo de
governação e de gestão, que se define na interacção com a autarquia e com a cidade. Na
interacção com a autarquia, temos o plano director municipal digital e na ligação com a cidade,
o projecto da assembleia municipal digital.”
Por sua vez, Ângelo Estrela, Gestor de Projecto, refere na entrevista realizada que “As nossas
acções dividem-se, neste momento, em duas vertentes: dinamização regional e a uma outra, que
podemos designar de governo electrónico, que claramente está orientada para a modernização
autárquica, aumento de eficiência e redução de custos, sempre com o objectivo final de servir
melhor o cidadão. (…) Na parte da dinamização regional, essa sim, é direccionada para a
produção de conteúdos e aplicações para dinamizar a região. Neste enquadramento, estamos a
625 Ângelo Estrela, op. Cit., p.93.626 Idem, pp.93-94.627 Entrevistas em anexo.
237
falar da vertente de combate à info-exclusão, da produção de conteúdos locais, da vertente do
empreendedorismo, facilitação da criação de empresas, de emprego próprio, etc.”
Segundo Joaquim Borges Gouveia, o objectivo essencial do Gaia Global é criar um novo
modelo de funcionamento das autarquias com o conceito digital. Este modelo centrado nos
munícipes/clientes implica que a definição de serviços, a sua qualidade e a evolução urbana seja
determinada pelos próprios. Simultaneamente, possibilita um mais ajustado planeamento, uma
vez que, permite um melhor conhecimento do território e das reais dimensões das freguesias.
Com efeito, “Como está tudo digitalizado, tudo pode ser facilmente reutilizável e tornado num
produto ou serviço ao cidadão. À medida que vamos digitalizando o território, vamos
solidificando o planeamento, novas actividades da autarquia e dos cidadãos, como também, a
gestão e operação dos serviços. Para além de imediatamente saírem indicadores de gestão, de
planeamento e de utilização, porque tudo fica registado.”
Ângelo Estrela enfatiza ainda que o Gaia Global disponibiliza três níveis de serviços,
nomeadamente conteúdos e serviços on-line (nos portais); serviços internos e serviços de infra-
estrutura e acesso. No primeiro nível, inserem-se os conteúdos informativos dinâmicos sobre o
território. O portal do cidadão de Gaia distribui uma síntese à Quarta noticiosa e à Sexta de
eventos que ocorrem em Gaia, enviada para os registados que aderiram a esta newsletter. Existe
depois um conjunto de conteúdos mais estáticos, que no caso do portal do cidadão de Gaia
consiste nos menus superiores “Viver”, “Visitar”, ”Aprender” e “Negócios” que foram
elaborados na perspectiva da necessidade do cidadão. Portanto, qualquer evento da vida de um
indivíduo está presente no portal com indicações úteis. Possui ainda um directório de
organizações, que é muito mais do que umas páginas amarelas da região, pois além dos básicos
contactos, possibilita a actualização e de informação de conteúdos e serviços das próprias
entidades. A título exemplificativo, uma colectividade pode colocar on-line um formulário de
novos sócios. “Estamos a falar de participação activa das organizações na própria construção do
portal.”
Quanto aos serviços internos, o Gaia Global tem por missão trabalhar com as diversas entidades
municipais para que estas, em conjunto, partilhem informação e implementem mecanismos mais
eficientes para a prestação do serviço ao cidadão. Um dos exemplos é a criação de uma intranet
urbanística partilhada, que evite a duplicação de informação e esforço e garanta a uniformidade
de informação a todos os colaboradores. No que concerne as infra-estruturas e acesso, o Gaia
238
Global disponibiliza um “data center” para todas as aplicações do projecto (perspectiva
interna), tal como pontos de acesso à informação para utilização livre pelo cidadão (perspectiva
externa).
Atentando na importância desta cidade digital para o desenvolvimento económico e social da
região onde se inserem, Joaquim Borges Gouveia refere que o Gaia Global é uma marca,
subsequentemente uma organização dos próprios serviços e da própria cidade. Efectivamente a
digitalização implica uma reengenharia de processos dos serviços e da própria cidade, assim
como, a formação dos indivíduos. Ângelo Estrela frisa que conjugando todas as vertentes, o
projecto pode ter um grande impacto, sobretudo se consideramos a modernização autárquica e o
combate à info-exclusão.
Considerando a info-exclusão, Joaquim Borges Gouveia frisa a importância da iniciativa dos
Espaços Internet628, espaços gratuitos com computadores, acesso à Internet, monitores e
formação (um dos componentes do POSC), promovidos pelo Gaia Global, mas alerta para a
imprescindibilidade de um trabalho social e não meramente digital neste âmbito. Ângelo Estrela
reforça a importância dos referidos espaços, mas refere que o Guia de Operacionalização das
Cidades e Regiões Digitais, não está orientado especificamente para o combate da info-
exclusão, estando esta prioridade investida em outras medidas, ou seja, nas medidas
relacionadas com a formação para as TICs e criação dos Espaços Internet. Contudo, para o Gaia
Global esta é uma grande preocupação, realizando acções, como os dois grandes eventos
efectuados, um no centro comercial e outro na ribeira de Gaia, onde foi montada uma tenda com
computadores e distribuídas mono-folhas para atrair as pessoas a utilizar este espaço. Segundo
Ângelo Estrela, conseguiram mobilizar pessoas dos 10 aos 70 anos, que não sabiam o que era a
Internet e aderiram à iniciativa. Logo, “A nossa grande prioridade neste tipo de acções são essas
pessoas, ou seja, não nos interessa muito divulgar o portal, por exemplo, no meio académico,
pois sabemos que as pessoas são muito activas nessa área. Portanto, estamos a falar de atrair
pessoas com baixo nível de formação, possivelmente com dificuldades a nível social e
económico e consequentemente grandes problemas no acesso às tecnologias.” Indica ainda que
estão a programar um conjunto de acções com monitores que vão percorrer o território com
meios para facultarem a estas pessoas a possibilidade de experimentarem e de saberem onde
podem aceder a computadores e Internet.
628 www.espacosinternet.pt 239
Realizando uma avaliação geral dos objectivos concretizados, Ângelo Estrela sublinha que ainda
falta alcançar bastante, mas que operacionalmente irão conseguir efectivar tudo o que foi
proposto. Assim, indica que o projecto propõe desenvolver:
Na vertente de dinamização regional: o portal do cidadão de gaia
(www.gaiaglobal.pt), o mapa interactivo (www.gaiaglobal.pt/mapa), os pontos
infoiniciativa (conteúdos para criação de emprego), o GaiaJoy (portal da
juventude) e o portal os nossos pequenos artistas (conteúdos para as crianças);
Na vertente de governo electrónico: desenvolver portais para os organismos
municipais (www.cm-gaia, www.parquebiologico.pt, Gaianima, GaiaSocial,
Energaia e juntas de freguesia), colocar o máximo de serviços on-line e reestruturar
processos internos dos organismos municipais (intranet urbanísticas, compras
electrónicas, etc.);
Na vertente de pontos de acesso em banda larga: disponibilizar 49 pontos de acesso
livre para a utilização da Internet;
Na vertente da plataforma tecnológica regional: foi desenvolvida uma plataforma
tecnológica que é partilhada por todos os subprojectos do GaiaGlobal,
nomeadamente ao nível de ferramentas CRM, gestão de conteúdos, informação
geográfica, bilhética, alojamento, segurança, etc. Será ainda desenvolvida a rede
municipal de banda larga, que permitirá a partilha de informação entre todos os
organismos municipais com níveis de desempenho e segurança adequados;
Na vertente de sensibilização e mobilização para a Sociedade da Informação: são
realizadas campanhas permanentes de sensibilização e formação, assim como
acções de promoção dos vários subprojectos à medida que a sua conclusão se
efectua. Será ainda disponibilizada uma carrinha com computadores, que
percorrerá todo o território com o objectivo de sensibilizar a população para a
utilização das TIC.
Joaquim Borges Gouveia adiciona na entrevista que o projecto tem três anos de funcionamento e
um ano de atraso do financiamento. Portanto, quanto às dificuldades do Gaia Global, estas
240
baseiam-se nos entraves ao alcance de um determinado nível de maturidade, que engloba a
capacidade de execução das suas iniciativas e do seu impacto real, tal como, os atrasos de
financiamento e os obstáculos que advirão do fim do co-financiamento. A estas dificuldades
acrescentamos também o problema da info-exclusão e consequentemente o impedimento de se
alcançar todo o espectro da sociedade Gaiense, assim como, da necessidade premente de
continuidade. De qualquer forma, trata-se de um projecto que se encontra ainda numa fase
bastante inicial, demonstrando, no entanto, importantes passos para a concretização dos seus
objectivos.
3. Os utilizadores do Gaia Global: Resultados dos Questionários On-Line aplicados aos
Utilizadores do Portal do Cidadão de Gaia (www.gaiaglobal.pt)
No que concerne os utilizadores do portal do Gaia Global, Ângelo Estrela evidencia na
entrevista realizada a sua diversidade. Assim, sublinha um conjunto de utilizadores generalistas
(bastante dispersos no território e que abrangem outros concelhos) e uma gama de utilizadores
especializados, como arquitectos e engenheiros, que usam sobretudo os serviços urbanísticos
disponibilizados e outros que se socorrem essencialmente da informação geo-referenciada, ou
seja, os mapas, como meio de trabalho, como é o caso do sector imobiliário. Relativamente ao
que é mais acedido pelos utilizadores, Ângelo Estrela sublinha as notícias e o mapa interactivo.
A nível de serviços, o registo do cidadão e a consulta de processos urbanísticos são as
componentes mais utilizadas.
Utilizando o inquérito on-line aplicado (de 15 de Setembro a 15 de Outubro de 2005), no portal
do cidadão de Gaia, apresentamos, em seguida, elementos caracterizadores dos utilizadores e do
portal, já que, os dados relativos às questões da cidadania foram desenvolvidos
precedentemente. Assim, dos quarenta inquiridos, trinta e sete, ou seja, 92,5% estão registados
no portal. Destes indivíduos, 50% teve conhecimento do portal nos últimos seis meses, 35% há
um ano, 7,5% no último mês e os restantes 7,5% na semana anterior ao inquérito. De facto, o
portal lançou-se on-line em 2004, sendo claramente uma iniciativa recente. No entanto, apesar
de não serem a maioria, 35% dos inquiridos refere conhecer o Gaia Global há um ano, o que
pode evidenciar a questão dos “early adopters”, ou seja, que os utilizadores correspondem a um
perfil validado como os primeiros usuários digitais, concretamente, adultos jovens, do sexo
masculino com habilitações académicas superiores.
241
Gráfico 5 – “Está registado no Gaia Global?”
N=40
Gráfico 6 – “Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?”
N=40
Quanto à forma como tiveram conhecimento da existência do mesmo, 27,5% responde ter sido
através de amigos. Com efeito, a rede social mais significativa para os indivíduos, da qual fazem
parte os amigos, tem elevado impacto na partilha de conhecimento e de experiências, facto
largamente observado no mundo virtual. Em seguida, 17,5% fala de informação municipal, 15%
de sites locais, 12,5% de publicidade local, 12,5% de meios de comunicação e os remanescentes
15% através de outros meios. Deste modo, o Gaia Global tem que apostar numa estratégia de
comunicação e notoriedade para alcançar cada vez mais cidadãos, sobretudo através de
informação e publicidade municipal. Isto, na medida em que, a rede social a que aludimos
corresponderá certamente à rede de indivíduos com apetência para a utilização da Internet no
seu quotidiano. Portanto, se se pretende abranger um número diversificado de utilizadores e
promover a info-inclusão, a própria cidade digital e os seus parceiros terão que apostar nesta
divulgação.
242
Gráfico 7 – “Como teve conhecimento do Gaia Global?”
N=40
À questão “Quando começou a utilizá-lo?”, a maioria indica nos “últimos seis meses” (47,5%),
em seguida, “há um ano” (25%), no “último mês” obtem 17,5% e, por fim, na “última semana”
10%. Relativamente à frequência de utilização, a maioria aponta “mais do que uma vez por
mês” (32,5%), seguido de “uma vez por semana” (25%) e “mais do que uma vez por semana”
(17,5%).
Gráfico 8 – “Quando começou a utilizá-lo?”
N=40
243
Gráfico 9 – “Com que frequência acede ao portal?”
N=40
No que diz respeito às áreas mais acedidas pelos utilizadores, a página principal é seleccionada
33 vezes, seguida do mapa interactivo, escolhido 25 vezes, e das newsletters e serviços on-line,
11 vezes respectivamente.
Gráfico 10 – “Que áreas mais acede no portal?”
N=40
Quanto aos temas mais pesquisados, a cultura e lazer encontra-se no topo (escolhido 18 vezes),
seguido de desporto (13 vezes seleccionado), educação, serviços e rua (12 vezes
respectivamente).
244
Gráfico 11 – “Que temas mais pesquisa no portal?”
N=40
Portanto, de modo global, os utilizadores do portal conhecem-no há seis meses e usam-no há
seis meses, embora a percentagem seja diferente nas duas questões, 50% e 47,5%
respectivamente. Conheceram-no através de amigos e actualmente acedem mais do que uma vez
por mês. Acedem mais à página principal e ao mapa interactivo e pesquisam mais sobre a
cultura e lazer e desporto.
Solicitamos ainda aos utilizadores que realizassem uma avaliação do sítio electrónico. Assim, no
que diz respeito ao design e estética, 65% considera ser bom, 20% muito bom, 12,5% razoável e
2,5% não sabem ou não respondem. Em termos da organização do portal, 50% avança ser bom,
15% muito bom, 30% razoável, 2,5% mau e os restantes não sabem ou não respondem.
Gráfico 12 – “Como avalia o design e estética do portal?”
N=40
245
Gráfico 13 – “Como avalia a organização do portal?”
N=40
Com efeito, estes dois elementos, estética e organização, são normalmente os que mais impacto
têm na primeira impressão de um portal. Neste caso, a avaliação é bastante positiva, uma vez
que, os dois componentes são classificados com bom.
Analisando os conteúdos disponíveis, 65% considera serem bons, 20% razoáveis, 10% muito
bons e 2,5% maus. Atendendo na actualização dos conteúdos, 47,5% concorda que é boa, 30%
razoável, 20% muito boa e 2,5% não sabem ou não respondem. Portanto, os resultados parecem
demonstrar que os utilizadores estão satisfeitos com a informação disponibilizada no sítio
electrónico e com a sua actualização. De facto, a actualização de um sítio é um dos principais
indicadores da sua qualidade.
Gráfico 14 – “Como avalia os conteúdos disponíveis no portal?”
N=40
246
Quanto aos serviços on-line disponíveis, 45% aponta serem razoáveis, 37,5% bom, 7,5% mau,
5% muito bom e 5% não sabem ou não respondem. Relativamente à eficácia dos serviços on-
line disponíveis, 42,5% sublinha ser boa, 40% razoável, 5% muito boa, 2,5% má e os restantes
NS/NR. Avaliando a resposta on-line às solicitações realizadas no portal, 35% responde ser
razoável, 32,5% boa, 10% muito boa, 5% má e 17,5% não sabem ou não respondem. Desta
forma, embora a maioria aponte que os serviços disponíveis on-line são razoáveis, o somatório
da opção “Bom” e “Muito Bom” contabiliza 42,5%, valor muito próximo dos 45%. Do mesmo
modo, na questão da eficácia dos serviços, os valores relativos ao “Bom” e “Razoável” são
bastante próximos, 42,5% e 40% respectivamente. O mesmo acontece com a avaliação da
resposta on-line às solicitações efectuadas. Aliás, a resposta razoável alcança o valor mais
elevado, ou seja, 35%, mas é ultrapassada pelas respostas “Bom” e “Muito Bom” que juntas
totalizam 42,5%. É ainda pertinente referir, sobretudo nesta última questão, que o valor dos
indivíduos que não sabem ou não respondem a esta interrogação é considerável (17,5%), que
pode significar que nunca efectuaram nenhuma solicitação no portal. Assim, apesar da avaliação
ser positiva, é importante não só aumentar o número de serviços disponíveis on-line, como
melhorá-los. De facto, como podemos verificar subsequentemente, a única temática que, nesta
avaliação, não alcança globalmente o bom, é precisamente esta parte dos serviços.
Figura 16 – “Como avalia os serviços disponíveis no portal?”/ “Como avalia a eficácia dos
serviços on-line disponíveis no portal?”/ “Como avalia a resposta on-line às suas solicitações?”
N=40
Realizando, por último, uma avaliação do desempenho global do portal, 57,5% dos inquiridos
considera ser boa, 22,5% razoável, 12,5% muito boa, 2,5% má e 5% não sabem ou não
respondem. Portanto, destaca-se claramente uma boa avaliação.
247
Gráfico 15 – “Como avalia o desempenho global do portal?”
N=40
Agregando todos os resultados maioritários deste conjunto de avaliações, podemos desenhar o
seguinte quadro:
Quadro 21 – Avaliação do Portal www.gaiaglobal.pt
ELEMENTOS AVALIADOS CLASSIFICAÇÃO
Avaliação do Design e Estética Bom
Avaliação da Organização Bom
Avaliação dos Conteúdos Disponíveis Bom
Avaliação da Actualização dos Conteúdos Disponíveis
Bom
Avaliação dos Serviços Disponíveis Razoável
Avaliação da Eficácia dos Serviços Bom
Avaliação da resposta on-line às solicitações.
Razoável
Desempenho Geral Bom
248
Em termos de dados sócio-demográficos, este inquérito possibilita-nos traçar o perfil do que
poderão ser os utilizadores do Gaia Global. Neste enquadramento, são maioritariamente homens
(80%), entre os 25 e os 44 anos (25-34, 37,5%; 35-44, 25%), casados ou unidos de facto
(62,5%), com habilitações literárias superiores (65%). De facto, a caracterização global dos
utilizadores activos da Internet, como podemos verificar na primeira parte desta dissertação,
corresponde exactamente a este perfil. Embora, seja normal nos primeiros tempos, os portais
atraírem exclusivamente o que muitos autores designam como “early adopters” ou “elite
tecnológica”, o Gaia Global terá que não só promover, desde cedo, a info-inclusão de todos os
cidadãos gaienses (aliás, tem evidenciado esta preocupação, empreendendo iniciativas como os
Espaços Internet, acções de sensibilização e mobilização, etc.), como não cair no erro de se
desenvolver apenas para responder às exigências deste grupo dominante.
Gráfico 16 – Sexo dos Inquiridos Gráfico 17 - Inquiridos por Faixas Etárias
N=40 N=40
Gráfico 18 – Estado Civil dos Inquiridos Gráfico 19 - Habilitações Literárias
N=40 N=40
249
B. AVEIRO DIGITAL
1. A Cidade/Região Física
Na primeira fase, isto é, entre 1998-2000, o projecto cingiu-se à cidade de Aveiro. Cidade, sede
de concelho e capital de distrito, Aveiro situa-se na foz do rio Vouga, sendo banhada por este rio
e pelo oceano Atlântico. O concelho localiza-se na Região do Centro (NUT II) e do Baixo
Vouga (NUT III), abrangendo uma área de 199,9 km2, onde se estabelecem 14 freguesias,
nomeadamente Aradas, Cacia, Eirol, Eixo, Esgueira, Glória, Nariz, Oliveirinha, Requeixo, São
Bernardo, São Jacinto, Vera Cruz, Santa Joana e Nossa Senhora de Fátima. Segundo o censo de
2001, o concelho apresentava 73 521 habitantes. O distrito possui 19 concelhos, concretamente
Águeda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Arouca, Aveiro, Castelo de Paiva, Espinho, Estarreja,
Feira, Ílhavo, Mealhada, Murtosa, Ovar, Oliveira de Azeméis, Oliveira do Bairro, São João da
Madeira, Sever do Vouga, Vagos e Vale de Cambra.629
Contudo, na fase actual, 2003-2006, Aveiro Digital é uma região digital. Assim, a região digital
de Aveiro congrega os municípios localizados na área envolvente da ria, nomeadamente
Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira do Bairro, Ovar,
Sever do Vouga e Vagos. Isto corresponde geograficamente a uma área de 1647 Km2 que
contabiliza 350 000 habitantes e administrativamente à AMRia, a Associação de Municípios da
Ria.630 Para estas cidades a Ria sempre representou uma riqueza económica, ambiental e
cultural. No entanto, a Ria é o nome por que são impropriamente conhecidos os diversos braços,
esteiros, vales e canais formados pela junção das águas do Vouga e seus afluentes com as do
oceano Atlântico junto à cidade de Aveiro, que se estendem em sentido norte-sul do concelho de
Ovar ao de Mira, numa extensão de quase 50 km, sendo de cerca de sete a sua largura
máxima.631
629Aveiro in Infopédia, Porto Editora, disponível em http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93492. 630 www.amria.pt 631 Aveiro in Infopédia, Porto Editora, 2003-2006, disponível na http://www.infopedia.pt/E1.jsp?id=93492,
250
Figura 17 – Ria de Aveiro
Fonte: Infopedia
Figura 18 – Mapa da Área de Intervenção da AMRia
Fonte: http://www.amria.pt
251
2. A Cidade Digital (1998-2000)
A cidade de Aveiro foi uma das primeiras cidades digitais portuguesas, sendo actualmente um
caso de sucesso e de referência no programa “Cidades e Regiões Digitais”. O projecto foi
promovido e coordenado por um conjunto de entidades, nomeadamente o governo local, a
Universidade local e a Portugal Telecom. A sua finalidade era funcionar como instrumento
mobilizador da sociedade (de todos os agentes locais e cidadãos), tendo como missão a melhoria
da qualidade de vida na cidade. Assim, “A iniciativa Aveiro — Cidade Digital perspectiva uma
oportunidade para acelerar o desenvolvimento sustentado da comunidade nos eixos sociais,
económicos e culturais, num cenário de congregação de todos os agentes do desenvolvimento
local para a construção duma comunidade digital que irá contribuir para melhorar a qualidade de
vida e o bem-estar dos seus cidadãos”632. Neste seguimento, os seus objectivos globais são:
Promover o bem-estar dos cidadãos;
Encorajar a participação no exercício da cidadania e da democracia;
Incrementar e melhorar o acesso à informação e aos serviços;
Aumentar a eficácia da administração pública local e central;
Reforçar o crescimento sustentado;
Contribuir para a igualdade de oportunidades;
Promover o emprego, a justiça social e a aprendizagem ao longo da vida;
Favorecer a inclusão das pessoas com necessidades especiais;
Favorecer a inclusão de grupos socialmente desfavorecidos;
Identificar as melhores práticas de introdução das TIC no desenvolvimento de cidades sustentadas;
Conseguir o efeito de difusão das melhores práticas para outras regiões.
O programa dividia-se em oito áreas de intervenção, cada uma com metas precisas:
Área de Intervenção 1: Construir a Comunidade Digital
1. Facilitar e incentivar o acesso de todos os cidadãos e entidades aos serviços e à
informação;632 Coordenação do Programa Aveiro Cidade Digital (PACD), Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital, p. 10.
252
2. Disponibilizar uma base cartográfica digital;
3. Fomentar as transferências electrónicas de dados;
4. Reorganizar e modernizar os serviços e a gestão pública e qualificar os recursos
humanos para a Sociedade da Informação;
5. Promover o tele-trabalho;
6. Desenvolver o conceito de Cidade Digital.
Desta forma, nesta área dinamizaram-se os projectos “DIGIPRAÇA – Metáfora Digital da
Praça Central da Cidade”; “DIGIBAIRROS – Metáfora Digital dos Bairros da Cidade”;
“EIRÓ – Sistema Integrado de Difusão e Acesso Público à Informação para os Cidadãos em
Aveiro”; “MINERVA – Intranet do Tribunal Judicial de Aveiro” e “ESTALEIRO – Gestão
Técnica do Programa Aveiro – Cidade Digital”.
Área de Intervenção 2: Autarquia e Serviços de Âmbito Concelhio
1. Dotar o Concelho de Aveiro de um cadastro predial rústico e urbano digital;
2. Introduzir os sistemas de informação geográfica no planeamento e na gestão do
território;
3. Automatizar e integrar a gestão do tráfego urbano e dos transportes públicos;
4. Modernizar os sistemas de prevenção e de protecção civil;
5. Monitorizar a qualidade do ambiente;
6. Melhorar a mobilidade dos cidadãos no espaço urbano;
7. Promover a comunicação entre a Autarquia e os cidadãos.
Nesta área, concretizaram-se as iniciativas “CARTAVE – Cartografia Digital de Aveiro”;
“SIGIM – Sistema Integrado de Gestão e de Informação Municipal”; “SICOSMA – Sistema de
Informação e Comunicação dos SMA” e” SIMOQUA – Sistema de Monitorização da Qualidade
do Ambiente”.
Área de Intervenção 3: Escola e Comunidade Educativa
1. Apetrechar os estabelecimentos escolares para a Sociedade da Informação;
2. Consolidar a Internet na escola;
3. Apoiar os docentes na sua actividade;
4. Fomentar a info-alfabetização;
5. Promover a inserção de cidadãos em idade pré-escolar;
253
6. Promover a criação da comunidade educativa.
Os projectos concretizados foram “CACEED – Cacia Escola na Era Digital”; “VERA-RIA –
Vera-Cruz num Abraço da Ria”; “REI – Rede Educacional Interactiva”; “TIC-TAC-TIC para
Trabalhar, Aprender e Criar”; “C.P.J. – Ciber-Parque de Jogos”; “ESVIR – Escola Virtual”;
“MALTINHA – A Cidade da Malta”.
Área de Intervenção 4: Universidade e Comunidade Universitária
1. Facilitar o acesso dos alunos aos serviços e à informação;
2. Reorganizar e modernizar os serviços e a gestão e qualificar os recursos humanos
para a Sociedade da Informação;
3. Criar a biblioteca digital universitária;
4. Fomentar a utilização das TIC na formação inicial;
5. Promover a formação contínua aberta e à distância;
6. Promover a utilização das TIC nas actividades de I&D;
7. Promover a ligação entre a Universidade e a comunidade.
A iniciativa realizada, neste âmbito, foi a “BIOREDE – Biologia em Rede para as Escolas e a
Comunidade”.
Área de Intervenção 5: Serviços de Saúde
1. Facilitar o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde;
2. Criar uma rede de telemedicina;
3. Modernizar o planeamento e a prevenção na saúde;
4. Criar uma rede de serviços de emergência.
Nesta área desenvolveu-se o “SAÚDE-NET – Rede para integração de Serviços de Saúde”.
Área de Intervenção 6: Solidariedade Social
1. Introduzir as TIC ao nível das instituições de solidariedade social;
2. Promover a produção de conteúdos multimédia adaptados aos cidadãos com
necessidades especiais;
3. Criar centros de apoio remoto para pessoas com necessidades especiais;
4. Flexibilizar os sistemas da SI;
5. Promover a modernização do sistema de segurança social;
254
6. Promover a integração na comunidade dos grupos socialmente desfavorecidos.
Nesta área realizou-se a “RESEA – Rede de Serviços da APPACDM”; “IST – Integração Social
por Tele-trabalho”; “NET ALIMENTAR – Rede do Banco Alimentar Contra Fome em Aveiro-
IPSS” e “MEU – Mobilidade no Espaço Urbano”.
Área de Intervenção 7: Tecido Produtivo
1. Dinamizar as indústrias dos conteúdos, do software e do audiovisual;
2. Dinamizar a utilização das TIC pelo tecido produtivo;
3. Dinamizar o comércio electrónico no tecido produtivo;
4. Estimular a competitividade e a capacidade de internacionalização do tecido
produtivo;
5. Promover a modernização do Porto de Aveiro Meta;
6. Dinamizar o mercado de trabalho;
7. Promover o comércio e os serviços locais.
Nesta área efectivou-se os projectos “SICATE – Sistema de Informação e Comunicação de
Apoio ao Tecido Empresarial”; “DIGITALDOCKS – Infraestruturas de
Comunicações/Serviços”; “ÍNDIAS – Rota das Índias”; “EABL.NET – Suporte Digital de
Informação Pecuária”; “FORMVIRTUAL – Formação à distância na Cidade Digital”;
“AVEIROMEGASTORE – Comércio On-Line”.
Área de Intervenção 8: Informação, Cultura e Lazer
1. Capacitar os média para a SI;
2. Apoiar as associações culturais e as colectividades de cultura, desporto e recreio;
3. Promover o desenvolvimento de mediatecas e de bibliotecas digitais;
4. Promover a divulgação turística e de acontecimentos públicos;
5. Promover a realização de acontecimentos sociais virtuais.
Por fim, nesta área efectuaram-se as iniciativas “A.N.M. – Aveiro – Net Média”; “O.A.D.G.V. –
Oficina de Artes Digitais – Galeria Virtual”; “ORQUITAL – Orquestra Digital”; “AVEIRANA
– História e Cultura da Cidade de Aveiro”; “CAMARINHA – Reserva Natural de S. Jacinto
ONLINE”; “SMART TV – Ilha experimental de Serviços de "Televisão Interactiva"”; “NET
MOLICEIRO – Net Moliceiro – Rede da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro”;
255
“RAP-HITS – Rádio a pedido – Mega Hits na net”; “CIBERDANÇA – Companhia de Dança de
Aveiro” e o “CEM – Criação e Edição de Conteúdos Multimédia”.
De acordo com o relatório final do projecto, a sociedade civil e as entidades públicas e privadas
da cidade responderam dinamicamente, através da execução de 38 projectos, no valor global de
1 milhão e 120 mil contos e com uma comparticipação financeira global de 61% no valor de
731.583 contos. Os 38 projectos realizados cobriram todas as Áreas de Intervenção. No entanto,
a distribuição orçamental elegeu algumas áreas, nomeadamente a 7, 2, 1 e 3, ou seja, Tecido
Produtivo, Autarquia e Serviços de Âmbito Concelhio, Construindo a Comunidade Digital e
Escola e Comunidade Educativa respectivamente (ver figura seguinte). Os indicadores de
execução ultrapassaram largamente os números planeados, o que evidencia o sucesso do
projecto, mas igualmente a necessidade da sua continuidade (ver quadro seguinte).633
Figura 19 – Distribuição Orçamental por Áreas de Intervenção
Fonte: Coordenação do PACD, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital.
Quadro 22 – Planeado e Realizado no PACD 1998-2000Orçamento N.º de utilizadores N.º Serviços N.º Sites N.º de Cd- N.º de PC`s
633 Idem, pp. 105-105. 256
Planeado directos planeados Planeados Planeados Roms
Planeados
Planeados
1.192.327
c.
311+200
(formação)
55 28 6 315
Orçamento
Realizado
N.º de utilizadores
directos realizados
N.º Serviços
Realizados
N.º Sites
Realizados
N.º de Cd-
Roms
Realizados
N.º de PC`s
Realizados
1.121.054
c.
2614+4700/mês
(Montra ACD) +
567 (formação).
73 32 8 446
Fonte: Coordenação do PACD, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital, 1998-2000.
Portanto, “O progresso é visível e mensurável em muitas Metas do programa, mas também é
certo que, dum modo cabal e pleno, são ainda poucas as situações de impacto directo e
comprovado na modernização dos processos e na oferta de serviços úteis aos cidadãos…A
dimensão temporal dos projectos amputou, aqueles que se propõem alterar processos
organizacionais, da sua fase de operação e validação experimental … Por outro lado, Metas há
que não foram objecto de qualquer investimento…embora confirmando-se como fundamentais à
construção do conceito de Cidade Digital”634. Contudo, o ciclo de financiamento completo era
inicialmente de oito anos, com a primeira fase a começar em Fevereiro de 1998 e terminar em
Dezembro de 2000, totalizando um investimento de 5.590.000€. A segunda fase, que estava
originalmente planeada para Janeiro de 2001, apenas se iniciou em Dezembro de 2003. 635
3. A Região Digital (2003-2006)
Nesta nova fase, o Aveiro Digital passa a ser uma região digital agrupando onze municípios,
nomeadamente Águeda, Albergaria-a-Velha, Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Mira, Murtosa, Oliveira 634 Idem, p. 105.635 Câmara Municipal de Aveiro, Universidade de Aveiro, Portugal Telecom S.A.Programa Aveiro – Cidade Digital”, 1998, www.aveiro-digital.pt; Equipa de Coordenação de Aveiro Cidade Digital, Relatório Global da 1ª Fase do Programa Aveiro Cidade Digital 1998-2000, 2001, www.aveiro-digital.pt.
257
do Bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos. Assim, o Programa Aveiro Digital 2003-2006
(www.aveiro-digital.pt) assume-se como um motor do desenvolvimento social, económico e
cultural, perspectivando a modernização dos serviços e a qualificação das pessoas na região da
Associação de Municípios da Ria. Com efeito, “Esta abrangência geográfica permite ainda uma
maior partilha de serviços e soluções, facilitando a difusão de processos e práticas por um vasto
conjunto de agentes do desenvolvimento regional, expandindo o impacto dos investimentos e
propiciando o efeito multiplicativo”636. Esta nova etapa foi homologada em Fevereiro de 2003,
contando com um custo total aprovado de 22.007.993€ e uma comparticipação comunitária de
9.458.866,44€.637 A sua gestão é conjuntamente efectuada pela AAD – Associação Aveiro
Digital e da AMRIA – Associação de Municípios da Ria. A sua execução assenta na
contratualização dos projectos seleccionados através de Concursos Públicos, apresentados pelas
entidades adequadas e beneficiárias em cada Área de Intervenção.638
Desta forma, enumeram-se oito áreas de intervenção (e respectivos projectos) ligadas aos
sectores de actividade e segmentos da população representativos da Comunidade Regional,
última Beneficiária do Programa e respectivos planos e indicadores:
AI1: Comunidade Digital
1. Espaços Internet Aveiro Digital na AMRia;
2. Serviços Básicos Aveiro Digital;
3. Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital;
4. Marketing e Promoção para Ganhar a Massificação;
5. Aprender e Partilhar Aveiro Digital;
6. Serviço de Certificação em Competências Básicas nas TIC.
AI2: Autarquias e Serviços Concelhios
1. Sistema de Informação Cadastral de Vagos, Ílhavo e Mira;
2. Sistema de Informação Geográfica (SIG) para os municípios da Ria;
3. Gestão Ambiental na Região da Ria;
4. Mobilidade na Região da Ria de Aveiro;
5. Segurança na Região da Ria de Aveiro;
6. AEI Digital;
7. Serviços Autárquicos Locais – On-line;
636 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2003, p. 4.637 Quadro de Orçamento em anexo.638 Idem, pp. 4-5.
258
8. Sever Município Digital;
9. Vagos Município Digital;
10. Ria-on-line.
AI3: Escolas e Comunidades Educativas
1. Escolas da Ria;
2. Curricula Digital de Português e Matemática;
3. Serviços de Formação à Distância e Portal do Professor;
4. Conselho Municipal de Educação em Rede;
5. Rede Intermunicipal de Apoio à Educação.
AI4: Universidade e Comunidade Universitária
1. e-UAProcurement;
2. Sistema Integrado de Tele-trabalho da UA;
3. Sistema de Contacto e Interacção com a UA;
4. Sistema Integrado para Bibliotecas e Arquivos Digitais;
5. NARTURAL: Natureza e Arte;
6. Rede de Aprendizagem Interactiva.
AI5: Serviços de Saúde
1. Rede Digital de Saúde da Ria;
2. Rede Telemática da Saúde.
AI6: Solidariedade Social
1. Sistema de Apoio às
Instituições de Solidariedade Social;
2. Conteúdos Pedagógicos
Acessíveis;
3. Serviço de Apoio
Domiciliário – SOS;
4. Portal para Todos;
5. Inclusão Social na
Sociedade da Informação.
259
AI7: Tecido Produtivo
1. GeoInvest Marketing;
2. Tecnologias de Informação e Comunicação para Disponibilização de Serviços na
Região de Turismo Rota da Luz;
3. GeoInvest – Dinamização de Zonas Industriais de Nova Geração;
4. Abril Século XXI;
5. As TIC e o Melhoramento Genético dos Bovinos Leiteiros;
6. IntraNet....ual;
7. Estorágueda Global;
8. FIG – Fábrica de Plásticos em Rede;
9. Gestão Documental e de Processos via Web;
10. Inovortal;
11. Produtividade sem Papel;
12. Onda Vídeo – Webização dos Sistemas/Serviços;
13. Rede de Empreendedores Digitais de Aveiro;
14. Gestão de Processo e Expedição;
15. Sistemas de Informação do Porto de Aveiro;
16. Serviço Melhoramento Inseminação Artificial;
17. Aproximação Cliente;
18. Abimota Digital;
19. Sistema Integrado de Informação para Atletismo;
20. Braxen – Antecipando o Futuro;
21. Caderno Digital;
22. Comunicação e Imagem na Web;
23. 5ª Potência Digital – Um Passo para o Futuro;
24. Sistema de Informação HFA;
25. Extranet de Gestão de Produção para Clientes;
26. A Webização do Diagnóstico à Gestão da Formação;
27. Uma Imagem do Século XXI;
28. Janeves – Um Futuro Digital;
29. Sistema Integrado de Informação da Semiar;
30. Sistemas de Informação da Ponto C;
31. Gestão Integrada de Processos e Clientes da VLM Consultores.
260
AI8: Informação, Cultura e Lazer
1. Biblioteca Digital dos Municípios da Ria;
2. Informatização, Digitalização e Produção de Conteúdos do Museu Marítimo de
Ílhavo;
3. Museu Egas Moniz Digital;
4. Juiz de P@z;
5. Rumos Cruzados/Esteios;
6. Sistema de Gestão de Recintos Desportivos;
7. Academia de Artes Digitais;
8. Plataforma de Informação através de RDS;
9. Associações Digitais da Ria de Aveiro;
10. Aveiro Associativo Digital;
11. Portal On-line Multimédia da Academia De Aveiro. 639
No que concerne o modelo de gestão, execução e avaliação, as entidades promotoras são a
Administração da Associação Aveiro Digital e a Administração da Associação de Municípios da
Ria, que constituíram uma Comissão Executiva, a quem compete a coordenação geral do
projecto, a sua representação e a sua gestão estratégica, tal como, a orientação metodológica e
operacional para a execução dos projectos ligados à Área de Intervenção 1, isto é, à
Comunidade Digital, área de alavancagem por excelência do projecto. A direcção operacional
dos projectos das restantes Áreas de Intervenção é da responsabilidade dos agentes respectivos,
que através de Concurso Público, se comprometem pela sua execução perante a Comissão
Executiva do Programa Aveiro Digital. É ainda contemplado, neste modelo, um sistema de
avaliação e auditoria externa.640
No programa do projecto são reiterados, além deste modelo, elementos fundamentais como a
sustentabilidade. Neste elemento, é frisado que a essência dos projectos propostos por Área de
Intervenção, se direccionam especialmente ao desenvolvimento de backOffices e à
informatização dos serviços, contribuindo para a eficiência e modernização das organizações.
Assim, os objectivos expectáveis são demonstrados pela redução de despesas, e pelo aumento
das receitas. Contudo, as Áreas de Intervenção “Comunidade Digital “ e “Solidariedade Social”
afectam investimentos que vão contribuir para qualificar a comunidade, quer pelo acesso
universal aos serviços e à informação, quer pela aplicação das TIC para a construção de uma
639 http://www.aveiro-digital.pt/default.asp?func=2 640 Idem, p. 31.
261
sociedade mais solidária e inclusiva. Deste modo, tal como evidenciado pelo própria Comissão,
nestas áreas os impactos dos investimentos implicam uma avaliação de médio e longo prazo.641
O programa é financiado através do POSI (agora POSC) por três medidas, nomeadamente
Medida 1.1 – Competências Básicas, Medida 2.3: Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao
Portugal Digital e Medida 2.4: Acções Integradas de Formação. Para obter uma visão integrada
das três medidas, formulou-se um modelo para o Plano Técnico e Financeiro, que funciona
como uma referência base para as candidaturas e que depois da aprovação dos projectos, se
impõe como compromisso de execução de cada projecto, onde se demonstram respectivamente
resultados e orçamentos contractualizados com a CEAD. Este Plano possui quatro tarefas,
concretamente gestão, concertação, avaliação e formação.642
Como indicado no relatório de actividades de 2004, relativamente à Medida 1.1, a Certificação
em Competências Básicas em TIC (CCBTIC) é um dos elementos basilares do projecto. Assim,
é evidenciado o objectivo de se alcançar 45 000 certificações em competências básicas (a
residentes na região da AMRia). Os 72 projectos aprovados têm o compromisso de certificar
25.272 pessoas (direccionado para o segmento da população de cada uma das 7 Áreas de
Intervenção), cabendo à CEAD a responsabilidade de executar as restantes, através das
Iniciativas Horizontais planeadas para toda a Região da AMRia e baseada nos 11 Espaços
Internet Municipais. De acordo com o relatório, no último trimestre de 2004, dos 72 projectos
verticais, 40 tinham alcançado a fase de execução da formação e certificações, prevendo-se que
os restantes o atingissem no segundo semestre de 2005. Quanto à Medida 2.3, o relatório prova
que no último trimestre de 2004, se contabilizavam 78 projectos que envolviam 223 Entidades
Beneficiárias, executando 25% do orçamento total do Aveiro Digital. Nestas duas Medidas,
incluem-se os Espaços Internet (neste ano encontravam-se em funcionamento 11 EI, registando-
se 35 200 utilizadores). No que diz respeito à Medida 2.4, a Formação é reiterada como parte
integrante do sistema de qualificação das organizações, sendo da responsabilidade dos 72
projectos aprovados neste âmbito a formação de 20 026 formandos. A situação dos 72 projectos
é já testemunhada nas conclusões da Medida 1.1. 643
No relatório de actividades de 2005, na Medida 1.1 actualiza-se o número de projectos
aprovados, ou seja, 71 a quem cabe a certificação de 25.491 pessoas. Na Área de Intervenção 1, 641 Idem, p. 32.642 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2004 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2005, pp. 6-7.643 Idem, pp. 17-145.
262
cabe à CEAD 19.509 certificações, realizadas através das iniciativas dos Espaços Internet
Municipais e das Entidades Beneficiárias credenciadas pela CEAD para a CCBTIC. Durante
2005 foram executadas 10 487 CCBTIC.644 Quanto à Medida 2.3, demonstra-se um significativo
nível de execução técnica e financeira, pois no final de 2005, despendeu-se 61% do orçamento
total, com 77 projectos e 303 Entidades Beneficiárias.645 Nestas duas Medidas integram-se,
como já referido anteriormente, os Espaços Internet, que em 2005, eram 91, isto é, 79 EIAD de
freguesia, 11 EI municipais e mais um espaço que aderiu durante este ano, ou seja, o EIAD da
área militar de São Jacinto. Contabilizaram-se 68 007 utilizadores dos EI. Por fim, na Medida
2.4, totalizam-se 71 projectos e 16 626 formandos. No último trimestre de 2005, 24 projectos
iniciaram a formação, prevendo-se que os restantes o efectuassem no primeiro semestre de
2006. Até ao final de 2005, tinham sido ministradas 144 acções de formação, qualificando 2 089
indivíduos, através de 20 222 horas em Serviços e Aplicações e 16 845 horas de formação em
TIC. 646 Assim, de forma geral, as metas têm sido notoriamente alcançadas, perspectivando-se a
concretização de todos os objectivos propostos pelo programa.
Figura 20 – Aveiro Digital (www.aveiro-digital.pt)
No que concerne os serviços básicos disponibilizados no sítio electrónico www.aveiro-digital.pt,
o seu objectivo é “facilitar o acesso a serviços de Internet de forma livre, gratuita e fiável ao
público geral, às famílias, aos utilizadores dos Espaços Internet Aveiro Digital, às escolas e às 644 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p. 24.645 Idem, p. 129.646 Idem, p. 180.
263
associações culturais, recreativas e sociais”647. Assim, em termos de conteúdos, o site desta
região digital:
Apresenta e divulga todas as actividades desenvolvidas, destacando-se o suporte às
diversas iniciativas;
Difunde a lista de EIAD (Espaços Internet Aveiro Digital);
Permite o acesso ao Sistema de Gestão dos Espaços Internet Aveiro Digital (GEIAD);
Permite o acesso à Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital (GCAD) que
disponibiliza uma lista de endereços electrónicos; serviços de chat moderado, baseado
num servidor de IRC, onde se debatem as temáticas relacionadas com as Áreas de
Intervenção; serviço “O que é que a Internet tem para si?” de acordo com os diferentes
segmentos;
Permite o acesso ao SAVAD (Sistema de Acompanhamento e Avaliação Aveiro Digital);
Divulga um conjunto de eventos, acontecimentos, notícias e iniciativas do programa e
dos projectos publicados on-line pelo MARKAD (Marketing e Promoção para Ganhar
Massificação), a um acervo de documentos relevantes no âmbito do projecto, colocados
e actualizados pelo APAD (Aprender e Partilhar Aveiro Digital);
Disponibiliza a serviços.net, ou seja, a uma extranet (www.aveiro-digital.net) que
oferece serviços de páginas pessoais e de correio electrónico com a extensão @aveiro-
digital.net com 10MB. Para promover a utilização massiva destes serviços realizou-se
uma sistemática monitorização e disponibilizou-se um help-desk para responder em
tempo útil às dúvidas dos utilizadores.648
O sítio electrónico www.aveiro-digital.pt totalizou em 2004, uma média de 172 mil acessos por
mês e os serviços básicos www.aveiro-digital.net contabilizaram 498 páginas pessoais, o que
indica um aumento de 32% relativamente a 2003, e 6992 caixas de correio electrónico.649 Em
2005, o portal AD contabilizou 73 mil acessos por mês, e em Dezembro deste ano, estavam
alojados nos serviços www.aveiro-digital.net 491 páginas pessoais e 7968 caixas de correio
electrónico com utilização regular, o que representa um acréscimo de 847 caixas de correio
electrónico em relação a 2004.650
647 Idem, p. 45.648 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p. 49.649 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2004 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2005, p. 43.650 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, pp. 41-48.
264
Figura 21 – Serviços Básicos do Aveiro Digital
www.aveiro-digital.net
Com o intuito de complementar esta informação, introduzimos as respostas obtidas nas
entrevistas realizadas a dois elementos da CEAD, nomeadamente à Eng.ª Lusitana Fonseca e ao
Prof. Doutor José Rafael. Interrogando sobre os elementos mais importantes do Aveiro Digital,
Lusitana Fonseca refere “A Geografia e o Modelo de Execução: um Desafio aos Agentes do
Desenvolvimento Regional” e “Os Projectos em Curso: uma Dinâmica Social Confiante e
Alargada”. A este propósito, José Rafael enfatiza a qualificação do tecido económico e social,
mas também o modelo. Isto porque, “Neste modelo, os fornecedores não são candidatos, isto é,
não executam os projectos. As entidades que beneficiam do projecto são os próprios cidadãos
que apresentaram iniciativas e as executam. São as próprias entidades que desenvolvem estes
projectos. A longo prazo é preciso procurar a sustentabilidade financeira e daí a importância da
qualificação. Nas outras cidades digitais há um entidade promotora que gere todo o projecto, no
Aveiro temos a Comissão Executiva do Aveiro Digital, que apenas executa a área 1, a área dos
serviços básicos, supervisionando as restantes sete áreas. Assim, este nosso modelo promove a
contribuição dos cidadãos na própria definição do paradigma, sendo simultaneamente motivador
e mobilizador.”
Considerando os objectivos do Aveiro Digital, Lusitana Fonseca reforça a qualificação das
pessoas e das organizações na região da AMRia. José Rafael realiza uma avaliação da
concretização desses objectivos e refere que o primeiro ano foi difícil em termos de definição de
execução, de candidatura, de transição de governo e do contexto do país; 2004 foi um ano de
execução e de início; 2005 foi o ano de consolidação do projecto e 2006 evidenciará esta total
265
realização. Quanto aos utilizadores da região digital, Lusitana Fonseca sublinha que “O
Programa contempla 77 Projectos, agregados por 8 Áreas de Intervenção, envolvendo 303
Entidades Beneficiárias associadas aos sectores de actividade e segmentos da população,
representativos de toda a Região onde habitam 350.000 pessoas, últimas Beneficiária do
Programa. Os investimentos Aveiro Digital vão contribuir directamente para qualificar as
pessoas e os serviços na Região e os métodos de gestão e de trabalho onde participam 560
pessoas, com um volume de trabalho de 4195 HM vão ter um significativo impacto nas
organizações envolvidas.”
José Rafael frisa que os utilizadores do Aveiro Digital são todos os cidadãos ou potencialmente
todos, na medida em que, “Primeiro, há uma área transversal, a comunidade digital, onde se
inserem os Espaços Internet, que são de facto para todos. Do ponto de vista de cobertura
geográfica, temos 95 espaços, que alcançam todo o território. Depois, todos podem aceder à
Internet, criar uma conta de correio electrónico. Nós fornecemos e promovemos todos estes
serviços básicos. Temos áreas de intervenção que abrangem grande parte do tecido social e
produtivo da região, executadas pelas entidades beneficiárias. Portanto, desta forma, atingimos
todo o espectro da nossa comunidade.” Reforça ainda que “Parece-me que muitas pessoas dão
um valor que não é real a coisas como a serviços com a utilização de SIGs, etc., o impacto que
isto tem na população em geral é reduzido, porque só vão utilizar estes serviços, os arquitectos e
os engenheiros. Estes são uma minoria, na população. Claro que, as cidades digital devem ter
projectos mais técnicos, mas isso deve ser complementado com iniciativas que cheguem a toda a
população, que sejam úteis para todo o cidadão.”
Relativamente à formação de comunidades virtuais, Lusitana Fonseca aponta para a existência
de um conjunto relevante de comunidades virtuais “formalmente explícitas nos Planos técnicos
e financeiros dos Projectos integrados na Área de Intervenção 3: Educação e Comunidades
Educativas, Área de Intervenção 5: Serviços de Saúde, Área de Intervenção 6: Solidariedade
Social e na Área de Intervenção 8: Informação cultura e Lazer. Complementarmente e integrado
na Área de Intervenção 1: Comunidade Digital há um projecto de investimento em serviços
básicos que estimulam e favorecem a criação de muitas comunidades virtuais completamente
informais.”
No que diz respeito à importância desta região digital para o desenvolvimento económico e
social da região onde se insere, Lusitana Fonseca patenteia que “Tendo uma visão integrada e
266
sistémica do desenvolvimento, considera-se que o Programa Aveiro Digital, dado os seus
impactos múltiplos na qualificação da Região e pela intervenção activa e alargada das Entidades
Beneficiárias, se confirma já como um dos motores de desenvolvimento regional.” Ilustra ainda
que os cidadãos poderão verificar os impactos através dos resultados concretos dos projectos,
tais como, o acesso público aos serviços via Espaços Internet, a inscrição das crianças nas
secretarias das escolas, a entrega de requerimentos camarários via Internet ou ainda o acesso
remoto a diagnósticos médicos especializados. Neste enquadramento, José Rafael reitera a
qualificação das pessoas e das organizações, a disponibilização de serviços que têm um impacto
directo na vida das pessoas e o investimento financeiro associado.
267
C. GAIA GLOBAL E AVEIRO DIGITAL
Embora a dificuldade da comparabilidade das cidades digitais tenha já sido largamente aflorada,
encontramos algumas bases de comparação na matriz de Ishida. Desta forma, inserimos a
proposta do investigador japonês que nos permite de modo metódico contrapor as duas cidades,
tendo em consideração, quatro elementos, concretamente os objectivos, arquitectura, tecnologias
e organização. Por fim, inserimos ainda os elementos propostos por Aurigi, úteis para a
caracterização das cidades digitais.
Quadro 23 – Matriz Ishida Aplicada ao Gaia Global e ao Aveiro Digital
Com efeito, um dos objectivos primordiais do Gaia Global é criar uma estrutura de
intermediação de informação, entre quem procura e quem pretende oferecer informação, ligando
os cidadãos, o município e todos os agentes locais De acordo com Jorge Xavier, o projecto em
Gaia Global Aveiro Digital
Objectivo Infra-estrutura de Comunicação;Dinamização Regional;Modernização Autárquica.
Qualificar as pessoas e as organizações na Região da AMRia.
Arquitectura Ligada à cidade física: mapeamento da cidade digital segundo o seu modelo físico (praças);Modelo assente nas diversas etapas da vida do indivíduo.
Muito pouco ligada à região física;Plataforma que agrega serviços básicos em TIC (criação de contas de e-mail e páginas pessoais), informação regional e todos os projectos e entidades beneficiárias.
Tecnologia Convergência de tecnologias;Infra-estrutura digital assenta em três camadas, na primeira encontra-se o CRM, GIS e GC, na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de funcionalidades disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada, destinada aos cidadãos.
Infra-estrutura digital que permite criação de contas de e-mail e páginas pessoais;Acesso a sistemas de verificação e gestão do projecto.
Organização Nível de acompanhamento: Câmara Municipal de Gaia;Nível de coordenação e gestão: Energaia, Agência de Energia de Gaia;Comité Consultivo.
Associação Aveiro Digital e Associação de Municípios da Ria (Governo local, Universidade e empresas),Comissão de Execução Aveiro Digital.
268
análise aproxima-se do modelo de Amesterdão e de Quioto. No entanto, como frisa o autor, o
Gaia Global distingue-se do primeiro, uma vez que é claramente mais centrado no território e na
sua identidade, e do segundo, pois não tem como intuito financiar uma infra-estrutura de
informação social para o apoio ao dia-a-dia dos cidadãos, mas antes disponibilizar os meios e as
plataformas para que a própria sociedade o realize.651 Não deixa, no entanto, de ser um suporte à
vida quotidiana dos seus cidadãos. Assim, a importância do conjunto de sítios electrónicos desta
cidade digital, da informação e dos serviços disponibilizados, são expressivamente
evidenciados. A dinamização regional, que corresponde à produção de conteúdos, aplicações e
acções para dinamizar a região numa perspectiva da Sociedade da Informação e a modernização
autárquica, que assenta na definição de um novo modelo de funcionamento das autarquias com
o digital, são também metas essenciais desta iniciativa. Todos estes objectivos estão
direccionados para o cidadão. São efectuados para ele, mas também se pretende que estes
participem na definição e evolução da própria cidade digital.
No que diz respeito, ao Aveiro Digital, o seu principal objectivo é qualificar as pessoas e as
organizações na região da AMRia. Desta forma, o projecto contempla 77 projectos que
envolvem 303 entidades beneficiárias representativas de toda a região, onde vivem 350 000
pessoas. Portanto, o financiamento é dirigido para qualificar os habitantes, os serviços e os
métodos de trabalho nesta região. A Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD) executa a
área de Intervenção I, relativa à disponibilização de serviços básicos (criação de contas de e-
mail, Espaços Internet, etc.), e supervisiona as restantes áreas. Assim, as remanescentes sete
áreas são dinamizadas por projectos apresentados pelos cidadãos/organizações da região.
Portanto, o Aveiro Digital é essencialmente construído pelos próprios cidadãos.
Quanto à arquitectura do Gaia Global, esta parte da representação da cidade real, ou seja,
empreendeu-se um mapeamento da cidade digital segundo o seu modelo físico, visível na
estrutura das praças demonstrada anteriormente. Portanto, o território é fundamental para o
design, definição e organização do Gaia Global. A arquitectura é ainda orientada para as
necessidades do cidadão, na medida em que, se baseia num modelo orientado em torno de
eventos da vida, nomeadamente os menus “Viver”, “Visitar”, ”Aprender” e “Negócios” que
disponibilizam indicações úteis. Assim, esta arquitectura é pensada, para que o cidadão alcance
de modo mais rápido e simples o que procura, possuindo os meios para satisfazer as suas
necessidades. Simultaneamente, este modelo considera uma estrutura de intermediação para que
651 Jorge Xavier, op. Cit., p. 88.269
os distintos parceiros do projecto, possam disponibilizar informação e serviços. A arquitectura
do Aveiro Digital, em termos de sítio electrónico, não se encontra muito ligada à região física,
ou seja, o seu design digital não corresponde à representação física da região. O portal agrega
disponibilização de serviços básicos em TIC, informação regional e todos os projectos e
entidades beneficiárias.
Considerando a tecnologia, o Gaia Global assenta numa convergência de tecnologias, possuindo
uma infra-estrutura digital assente em três camadas, na primeira encontra-se a Gestão do
Relacionamento com Cidadão (CRM), Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e Gestão de
Conteúdos (GC); na segunda plataforma os serviços, que envolve um conjunto de
funcionalidades disponíveis para o desenvolvimento das aplicações da terceira camada,
destinada aos cidadãos. O Aveiro Digital possui uma infra-estrutura digital, onde disponibiliza a
informação regional e sobre o projecto, e onde se acede a sistemas de verificação e
acompanhamento, nomeadamente o Sistema de Gestão dos Espaços Internet Aveiro Digital
(GEIAD); a Gestão e Coordenação do Programa Aveiro Digital (GCAD) e o Sistema de
Acompanhamento e Verificação Aveiro Digital (SAVAD). Todas as candidaturas dos projectos
são efectuadas na plataforma digital, tal como, os relatórios de progresso e a divulgação dos
resultados dos mesmos. O Aveiro Digital tem ainda uma extranet (www.aveiro-digital.net), que
permite a criação de contas de e-mail e outros serviços básicos.
Por fim, na organização, o Gaia Global evidencia um nível de acompanhamento realizado pela
Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia; um nível de coordenação e gestão, da
responsabilidade da Energaia, Agência de Energia de Gaia e ainda um nível de “consultadoria”,
ou seja, possuem também um comité consultivo que apoia, sempre que necessário, a execução
do projecto. O Aveiro Digital nasce da cooperação entre o governo local, a Universidade e
empresas, como a PT. Assim, a sua organização é da responsabilidade da Associação Aveiro
Digital e da Associação de Municípios da Ria, que criaram uma Comissão de Execução Aveiro
Digital, que coordena e gere todo o projecto.
É ainda importante, como referido anteriormente, completar esta matriz com os quatro
elementos de Aurigi, já definidos na tipologia das cidades digitais:
Posse , a propriedade das cidades digitais analisadas corresponde à “organização” de
Ishida;
270
Nível de informação e serviços, que varia entre o Gaia Global e Aveiro Digital,
contudo, em termos globais, o Gaia Global evidencia um nível mais elevado de
informação e serviços disponíveis on-line;
Acesso social e participação, que alcançam uma maior visibilidade no Aveiro Digital;
Enraizamento , ou seja, a relação com a cidade hospedeira é patente nos dois projectos,
sobretudo no que diz respeito aos conteúdos e acções, embora em termos digitais (de
representação), seja apenas notório no Gaia Global.
Deste modo, abordando os três tipos de cidades digitais clarificados por Aurigi, nomeadamente
a informativa, a participativa e a enraizada, observamos que a cidade e a região digital
analisadas inserem-se em cada um destes tipos, embora evidentemente, com diferentes graus.
Assim, de modo sintético, o Gaia Global e o Aveiro Digital evidenciam algumas semelhanças:
têm como missão dinamizar a região, modernizar a autarquia e as instituições locais, mobilizar
para a Sociedade da Informação e combater a info-exclusão, mas distanciam-se em inúmeros
aspectos, nomeadamente nos objectivos principais e na própria definição, arquitectura e
execução da cidade/região digital. O Gaia Global criou um conjunto de sítios electrónicos, uma
rede digital da cidade que possibilita ao seu cidadão aceder a um número extenso de informação
local, serviços municipais e locais e a uma plataforma de interacção e comunicação entre os
cidadãos, o governo local e as organizações do território. O Aveiro Digital baseia-se
essencialmente em projectos apresentados pelos cidadãos/organizações locais que visam a
qualificação e a certificação para a Sociedade da Informação. A sua plataforma digital introduz
a iniciativa; todos estes projectos; informação regional; mas também disponibiliza serviços
básicos (como a criação de contas de endereço electrónico e páginas pessoais) com o objectivo
de “facilitar o acesso a serviços de Internet de forma livre, gratuita e fiável ao público geral, às
famílias, aos utilizadores dos Espaços Internet Aveiro Digital (que agora são 91), às escolas e às
associações culturais, recreativas e sociais”652.
Os próprios utilizadores diferem nas duas iniciativas, uma vez que, no Gaia Global
correspondem a usuários generalistas e especialistas que acedem o portal (www.gaiaglobal.pt)
para verificar informação local e usufruir dos serviços on-line, enquanto no Aveiro Digital, os
utilizadores são particularmente e essencialmente os 77 Projectos, que envolvem 303 Entidades
Beneficiárias. É claro, que possui também utilizadores que acedem ao portal para consultarem
652 Comissão de Execução Aveiro Digital (CEAD), Relatório de Actividades 2005 do Programa Aveiro Digital 2003-2006, 2006, p .45.
271
informação local, as suas caixas de e-mail/páginas pessoais criadas na extranet e os inúmeros
Espaços Internet. No Aveiro Digital, são estas entidades beneficiárias (cidadãos) que executam
a maioria dos projectos, no Gaia Global, os cidadãos e organizações podem contribuir para a
formulação da plataforma digital, deixando, por exemplo, sugestões, reclamações e colocando
formulários on-line para a criação de novos sócios. O projecto de uma assembleia digital é um
dos próximos objectivos desta cidade digital.
Quanto à importância da cidade e da região digital para o desenvolvimento económico e social
da região onde se inserem, introduzimos em seguida, um quadro que compara as respostas dadas
nas entrevistas realizadas pelos responsáveis destes projectos, que complementa toda a
informação anterior:
Quadro 24 – “Qual é o impacto do GG/AD para o desenvolvimento económico e social da cidade/região que representam?”
Joaquim Borges GouveiaGaia Global
Ângelo EstrelaGaia Global
José RafaelAveiro Digital
Lusitana FonsecaAveiro Digital
Gaia Global é uma marca, depois uma organização dos próprios serviços e da própria cidade.
Fundamental na digitalização reengenharia de processos e formação da cidade e dos seus cidadãos.
A modernização autárquica e o combate à info-exclusão (objectivos do Gaia Global) poderão ter um grande impacto para o território.
Qualificação das pessoas;
Disponibilização de serviços que têm um impacto directo na vida das pessoas;
Investimento no desenvolvimento económico regional;
Participação pública;
Actividades físicas que unem a comunidade.
O Programa Aveiro Digital dado os seus impactos múltiplos na qualificação da Região e pela intervenção activa e alargada das Entidades Beneficiárias é um dos motores de desenvolvimento regional;
Como resultados concretos dos projectos pode se indicar, por exemplo, o acesso público aos serviços via Espaços Internet, a inscrição das crianças nas secretarias das escolas, a entrega de requerimentos camarários via Internet ou ainda o acesso remoto a diagnósticos médicos especializados.
VI. CIDADES DIGITAIS E CIDADANIA
A. Resultados das Entrevistas
272
A importância desta ligação tem sido evidenciada ao longo desta exposição. No capítulo anterior
demonstramos os objectivos e acções concretizadas pelos dois objectos de estudo neste sentido.
Com efeito, o nosso propósito basilar é precisamente perceber se as cidades digitais podem
complementar o exercício da cidadania. Assim, neste ponto que relaciona as cidades digitais
com a cidadania, importa introduzir os resultados das dez entrevistas realizadas (em anexo) a
especialistas nacionais e internacionais e a responsáveis pela cidade digital e pela região digital
seleccionada. As entrevistas foram quantificadas com categorias definidas a posteriori, sendo
continuamente aprofundadas qualitativamente. Nestas entrevistas semi-estruturadas são
incluídos elementos directamente relacionados com a prática da cidadania, nomeadamente a
intervenção, a discussão pública, a participação, a cultura e a comunidade numa perspectiva
local, mas também a importância da cidade digital para o desenvolvimento económico e social
da região onde se insere e iniciativas das cidades digitais para diminuir a info-exclusão.
Desta forma, analisando a questão “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente
algumas necessidades sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos
seus cidadãos?” verificamos que a maioria dos entrevistados (5) concorda com esta capacidade
das cidades digitais. Dois entrevistados referem que depende do modelo da cidade digital, dois
consideram que as cidades digitais são potenciais nestes sentido e outro que, neste momento,
muito pouco é concretizado neste sentido.
Gráfico 20 – “As Cidades Digitais satisfazem complementarmente algumas necessidades
sociais (interacção, identidade) e políticas (exercício da cidadania) dos seus cidadãos?”
N=10
Abordando os entrevistados que consideram que as cidades digitais satisfazem
complementarmente algumas necessidades sociais e políticas dos seus cidadãos, Linturi
evidencia que “It is clear that the perspective that a digital city adds can be very helpful in all
273
these issues. Helsinki Arena 2000 provided clearly identity to many citizens of Helsinki. It
motivated people, affected legislation and included all people as subjects and creators in the
digital city instead of just actors in a play that someone else has created. This self organizing
attitude is common in the internet and in my kind of a digital city perspective, this kind of
democratic attitude is also allowed to spread.” Luís Borges Gouveia sublinha que as cidades
digitais têm que complementar esta satisfação, sobretudo porque a participação é fundamental
na componente do governo electrónico e nas sociedades em rede. Com efeito, “Como as
sociedades novas são muito baseadas em redes, na interacção e na aprendizagem, aquilo que
está à nossa volta tem um impacto directo e representa também um forte condicionalismo.” José
Rafael, do Aveiro Digital, frisa que “As Cidades e as Regiões Digitais devem ser dirigidas aos
cidadãos e portanto direccionadas para as suas necessidades.”
Quanto aos responsáveis do Gaia Global que também indicaram que as cidades digitais
satisfazem algumas necessidades apontadas, Joaquim Borges Gouveia alerta, no entanto, para o
facto de “Numa população esclarecida e na classe alta, provavelmente pode ter um impacto
maior (…) A questão está em como é que este tipo de interrogações podem diminuir a
percentagem, nas classes info-excluídas, o número de cidadãos sem acesso, transportando-os
para um grau de conhecimentos e competências superiores que lhes permitam ter uma melhor
integração social e até um melhor emprego no futuro.” Ângelo Estrela sublinha que “Em meios
urbanos, as cidades digitais podem, sem dúvida, facilitar essa satisfação, ou seja, determinadas
necessidades que o cidadão tem podem ser facilitadas no seu acesso através da cidade digital.
Por outro lado, permitem também que determinadas tarefas que o cidadão tem que fazer no seu
dia-a-dia, sejam feitas mais rapidamente através deste meio, o que lhe cria tempo adicional para
desempenhar outras tarefas que contribuam eficazmente para a sua qualidade de vida ou até para
desempenhar um papel mais activo no exercício da cidadania.”
Abordando os inquiridos que frisam que esta satisfação depende do modelo em questão, Sílvio
Zancheti demonstra que estas necessidades são satisfeitas pelas cidades digitais “que permitem
complementar os conhecimentos nas atividades de formação, sensibilização e na tomada de
decisões de responsabilidade tanto do governo local, organizações e instituições intermediárias,
como da sociedade civil no exercício de seus direitos e deveres para com a cidade que habitam. ”
Por sua vez, José Luiz Moutinho esclarece que “A cidade digital, conforme já mencionado
anteriormente, é uma construção social e pode (ou não) contribuir para a satisfação das
necessidades sociais e políticas dos seus cidadãos, depende da sua utilização e do contexto
274
social e humano. Existem países, como por exemplo Burma, China e Irão653, onde as infra-
estruturas digitais são efectivamente utilizadas pelo Estado para limitar a criação de redes
sociais ou para controlar a participação política.”
Lusitana Fonseca justifica que esta potencialidade existe, pois “Ambientes sociais inclusivos e
qualificados estimulam a participação cívica e social. Se as cidades e regiões digitais atingirem
o objectivo maior da qualificação das pessoas e organizações será naturalmente expectável um
maior e mais activo exercício de cidadania.” Flávio Nunes refere que “Os projectos
desenvolvidos no âmbito das cidades digitais emergem da especificidade do contexto local,
deste modo, podem surgir aplicações telemáticas com a preocupação de atingir patamares mais
avançados de integração social, a título de exemplo refira-se a exploração das potencialidades da
informática e das telecomunicações para o desejado envelhecimento activo.”
Por fim, Alessandro Aurigi reitera que “It is not just that they can. Electronic communication
already does this, regardless of whether this is planned and ‘designed’ within an initiative, or
not. People use electronic communication, and interact (also) via mobile phones, internet etc.
As far as citizenship is concerned, the big issue is “what is citizenship?” in an era where
municipalities call citizens ‘clients’ and treat them as customers for certain services? I believe
that e-government, as it is conceived at the moment, can do very little for citizenship and
identity, whilst e-governance can.”
Na interrogação “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?” as respostas
dividem-se, sendo as opções “sim” e “depende do modelo” as mais escolhidas, como observável
na tabela:
Quadro 25
653 http://www.opennetinitiative.net/ 275
Gráfico 21 – “As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?”
N=10
Iniciando pelos entrevistados que consideram que as cidades digitais promovem o debate e a
intervenção pública, Lusitana Fonseca demonstra que “Os instrumentos de participação cívica e
social já não são problema ou obstáculo ao debate e à intervenção pública. Estão generalizados e
acessíveis a todos os cidadãos.” Contudo frisa que o “Problema é a credibilidade dos processos
de participação pública e social, que só uma sociedade mais qualificada pode resolver.” Sílvio
Zancheti concorda, “sobretudo aquelas (cidades digitais) que são capazes de criar canais de
comunicação e negociação entre a administração municipal e os cidadãos; de promover a
formação de redes diversas (de sociabilidade, de negócios); que disponibilizam um espaço para
debate sobre a cidade e permitem a participação nas decisões na cidade (liberação e consulta).”
Flávio Nunes acrescenta ainda exemplos, “em alguns casos este conceito está associado a
ambientes urbanos virtuais, geralmente incluindo tecnologias 3-D de simulação da realidade,
que visam estimular e permitir a participação do cidadão no processo contínuo de planeamento
urbano. Nesta perspectiva o conceito de cidade digital pode ser entendido como uma
metodologia de planeamento participativo, destinada a fomentar níveis mais avançados de
envolvimento do cidadão com as opções tomadas ao nível do desenvolvimento urbano.”
“As Cidades Digitais promovem o debate e a intervenção pública?”
Entrevistados
Sim 3Não 1Muito Pouco 1Potenciais 2Depende do Modelo 3
276
Quanto aos especialistas que entendem que depende do modelo, Linturi reitera que depende do
modelo e da organização da cidade digital, mas remete-nos para a “ilusão da transparência” de
Bourdieu, pois “The former is the kind of participation you get from sheep and the other can be
the participation you get from wolves. Some people consider it democratic that once every four
years they elect a new dictator.” Jose Luiz Moutinho enfatiza que “O modelo de governo das
cidades é o principal aspecto crítico na criação de espaços de cidadania apropriados ao debate e
à participação pública, as cidades digitais são apenas extensões destes espaços.” José Rafael
refere que, de facto, depende do modelo, mas que “Um modelo como nós temos, ou seja, o do
Aveiro Digital é onde isso pode mais facilmente acontecer. O modelo que usamos promove mais
esta intervenção pública. Esta segunda fase do Aveiro digital lutou para que a participação
pública, ou seja, da comunidade fosse elevada. O facto de haver um programa que engloba as
iniciativas e projectos dos próprios cidadãos valoriza estes aspectos. Com esta abertura, numa
primeira fase aos públicos inerentes ao projecto e numa segunda fase ao público em geral, a
execução encontra-se aberta a todos. Com efeito, estamos num processo de construção de uma
Região Digital, que abrange um público cada vez maior, com passos sucessivos que nos
permitam uma discussão e intervenção pública progressivamente mais alargada, até ao nível da
própria utilização. Quanto mais é descentralizado o processo de formação do projecto, mais
promove a discussão. Esta é necessária, porque o projecto é para o cidadão, logo só ele sabe o
que precisa, não vamos decidir por ele. Daí a importância da sua participação.”
Alessandro Aurigi demonstra que esta promoção do debate e da intervenção pública é muito
reduzida, sobretudo devido a perspectivas baseadas no determinismo tecnológico, “Current
examples and experiments? Very little. There is very little evidence that public discourse and
participation is properly supported and encouraged by most ‘digital city’ experiments around
Europe and beyond. This is mainly because in the majority of cases, the approach towards these
issues has been very technocratic and deterministic, thinking naively that a few
computers/websites would solve a problem which is indeed very big.”
Joaquim Borges Gouveia sublinha esta potencialidade, enfatizando o nível embrionário dos
projectos. Ângelo Estrela reitera o potencial de criação de meios que facultem um maior debate
e a intervenção pública, mas alerta para o facto de “Ter meios que permitam facilitar essa
cidadania não representa por si só o aumento da participação.”
277
Luís Borges Gouveia clarifica que esta promoção do debate e da intervenção pública não cabe à
tecnologia “Não é pelo facto de termos telemóveis, que os usamos para discutir coisas com
conteúdo. Provavelmente quem passa a vida a conversar sobre coisa nenhuma tem agora um
meio mais interessante de o fazer.”
Na questão “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?” a maioria dos inquiridos (6)
responde afirmativamente. É ainda de notar que a opção que evidencia que são potenciais neste
âmbito obtém três respostas.
Gráfico 22 – “As Cidades Digitais são espaços de cidadania?”
N=10
Introduzindo os entrevistados que responderam afirmativamente a esta questão, Linturi
esclarece que “A digital city certainly contains spaces of citizenry. It should be that remote
citizenry is also possible. A citizen in a digital city should not always be required to be a citizen
of the physical city as the digital city is an extension. And you must separate between citizens
and tourists or guests if you allow for democratic rights.” Luís Borges Gouveia frisa que as
cidades digitais representam mais uma oportunidade de interacção. “E cidadania, na minha
maneira de ver, passa muito pela interacção, pela consciência que cada um de nós tem que
quando sai de casa e falou com os outros e interagiu com os outros ganhou alguma coisa no
processo, aprendeu, passando também a ideia da comunidade. Numa sociedade, muito
dificilmente haverá exemplos de cidadania, até porque há interesses. Numa comunidade, pode e
deve existir exemplos de cidadania, porque esse é o registo. A cidade digital é claramente um
espaço de aprendizagem, essencialmente se for feita com as pessoas.”
Neste seguimento, Joaquim Borges Gouveia frisa que “Tem que ser criado um espaço sempre de
debate entre as pessoas; entre as pessoas e as instituições; estas e os políticos. De alguma forma,
278
isto tem sido feito através dos chats e dos e-mails. Mas, acho que tem que ser algo mais visível.
Uma das nossas questões, quando o projecto chegar a seu tempo, é a criação de uma Assembleia
Municipal Digital, que será presidida por uma figura de relevo da Sociedade local, mas em que
o Presidente da Câmara também deverá ter um papel fundamental. Todos os grupos sociais e
pessoas que representam Vila Nova de Gaia vão estar presentes.” Ângelo Estrela reitera que esta
“oportunidade tem que ser promovida e trabalhada pelas pessoas que organizam a cidade digital,
olhando para a questão da cidadania como uma questão social e não meramente de
disponibilização de ferramentas para a sua promoção.” José Rafael reitera que as cidades
digitais só podem ser espaços de cidadania. Flávio Nunes patenteia que “Reconhecendo que a
cidadania tem como pressuposto uma vivência política activa em comunidade, reveste-se por
isso de uma dimensão de inclusão/exclusão consoante o nível de envolvimento do cidadão e da
sua participação na vida comunitária urbana. As cidades digitais na medida em que visam
integrar criativamente as redes telemáticas de informação nas vivências e políticas urbanas,
facilitam por isso o acesso à informação e a formas inovadoras de democratização das
decisões.”
Alessandro Aurigi opta pela potencialidade desta situação, referindo que estes espaços de
cidadania podem ser parte das cidades digitais e “Not just a virtual replacement for urban space
and for the urban experience of a ‘citizen’.” Lusitana Fonseca reforça que “Mais do que a visão
das “cidades e regiões digitais” como ambientes sociais qualificados, onde as práticas de
cidadania e aprendizagem permanente estão embebidas nos hábitos sócio-culturais, é o próprio
processo de construção das “cidades e regiões digitais” que deve ser concebido como um
instrumento de aprendizagem colectiva onde a partilha solidária de saberes, entre os agentes de
desenvolvimento local e regional, favorecem o estabelecimento das redes de confiança
necessárias para a mudança social.” José Luiz Moutinho e Sílvio Zancheti consideram que
depende efectivamente do modelo seguido.
Além da maioria dos inquiridos indicarem que as cidades digitais permitem o nascimento e
desenvolvimento de comunidades virtuais, seis dos dez entrevistados considera que as cidades
digitais se identificam com a cultura da sua região e sete dos dez especialistas que as cidades
digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local.
279
Figura 22
“As Cidades Digitais identificam-se com a cultura da sua região?”/ “As Cidades Digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local?”
N=10
Sílvio Zancheti enuncia que “As plataformas virtuais oferecem novas formas de representação e
comunicação, específicas de comunidades virtuais, identificadas segundo seu conjunto de
sistemas simbólicos. São, portanto, conjuntos de códigos, representações e símbolos que podem
estar reunidos de acordo com uma cultural local, caso a comunidade virtual se constitua com
base numa comunidade territorialmente definida. Embora novos sistemas simbólicos sejam
elaborados, há nas comunidades virtuais uma forte apropriação de sistemas simbólicos da
realidade de partida.” Contudo, só nas cidades digitais onde se observa a disseminação do uso
de comunicação digital para o desenvolvimento da comunidade local se verifica uma divulgação
da cultura local e um maior envolvimento das comunidades e dos indivíduos.
Luís Borges Gouveia indica que se a cidade digital não se identifica com a cultura da sua região
é um implante, “E mais tarde ou mais cedo, na medida em que, falta dinheiro o implante é
rejeitado.” Da mesma forma, sublinha que as cidades digitais impulsionam a interacção do
indivíduo com a sua comunidade e cultura local, apresentando um exemplo do Gaia Global,
nomeadamente a iniciativa que divulga todas as semanas uma personagem de Gaia, enfatizando
que “Nós temos que perceber que uma comunidade vive muito da sua proximidade, a sociedade
é que vive muito daquilo que lhe é exterior que é para ser referenciado de forma séria.”
Flávio Nunes frisa que “dificilmente pode ter sucesso qualquer tentativa de criar uma
comunidade virtual que não se identifique com a realidade local, com as preocupações e 280
motivações dos seus actores e instituições.” Com efeito, “Importa ter presente que a criação de
uma cidade digital é, acima de tudo, um processo de modernização urbana e mobilização social,
deste modo o sucesso destas iniciativas deveria ser avaliado em termos da participação e
mobilização dos cidadãos e instituições para a Sociedade da Informação. No entanto, em muitos
casos a implementação das cidades digitais tem privilegiado a preferência pelo investimento em
infra-estruturas TIC’s ou a produção de conteúdos efémeros, o que por si só acaba por estar
associado a efeitos negativos em termos de uma limitada participação e envolvimento dos
cidadãos.”
Joaquim Borges Gouveia sublinha, no entanto, que no caso da cidade de Vila Nova de Gaia,
embora tenha cerca de 280 mil habitantes e seja uma das maiores cidades portuguesas, é um
espaço de atravessamento e um espaço aberto. Porém as pessoas gostam mais da cidade, porque
tem uma marca e consequentemente se afirma mais. Considera igualmente que as cidades
digitais impulsionam a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura local.
Ângelo Estrela justifica que “a nossa grande preocupação (do Gaia Global) no espaço de
conteúdos que é gerido e criado no Gaia Global é claramente orientado para o local. Nós damos
grande enfoque a tudo que é actividades culturais das colectividades e temos uma rubrica que eu
considero muito interessante, que é uma entrevista semanal a uma personagem de Gaia que se
tenha destacado na região.” Do mesmo modo, a interacção do indivíduo com a sua comunidade
e cultura local “É uma preocupação constante para a equipa disponibilizar informação que lhe
proporcione um maior conhecimento do território e das suas actividades, induzindo o cidadão a
uma maior participação local. O caso de Vila Nova de Gaia assume uma importância particular,
já que, sofre do facto de fazer fronteira com uma cidade com muitos mais meios e factores de
atracção para as pessoas. O papel da cidade digital passa também por desmistificar este
conceito, mostrando tudo o que um cidadão pode fazer de interesse em Vila Nova de Gaia.”
José Rafael Nascimento evidencia que está convencido que o Aveiro Digital está a alcançar esta
identificação, esta identidade local e portanto só pode impulsionar esta interacção.
Linturi demonstra que depende do modelo da cidade digital em questão, evidenciando, no
entanto, que “Virtual communities within digital cities should mainly result in building bridges
between different people and attitudes within a single city. We have seen that this is an
increasing problem with increasing mobility assisted tribalism”. Quanto à interacção do
281
indivíduo com a sua comunidade e cultura local “This was one of the aims in Helsinki Arena
2000. To provide a common façade to the city and a story in the digital realm that all people in
Helsinki who use the internet can be proud of. This common identity must come first and the
common norms and other social cohesion comes later. I have attended many virtual
communities in the net and after initial grave disagreements and different styles of
communication – social cohesion has grown to mutual respect. But this requires some common
identity.”
José Luiz Moutinho reforça que a cidade digital é uma construção social e pode ou não
contribuir para a identificação com a cultura local ou regional. Depende, então, da sua utilização
e do contexto social e humano. Contudo, acrescenta ainda que “A Internet, enquanto fenómeno
global, reflecte uma cultura dominante e pode, por exemplo, contribuir para o enfraquecimento
de culturas locais.”
Lusitana Fonseca reitera que “Como ambiente socialmente qualificado a “cidade e região
digital” vai promover e estimular o conhecimento da cultura…própria e dos outros. Se o
contexto digital propicia o conhecimento e o usufruto da cultura universal … também não será
menos significativo o impacto da “cidade e região digital” na criação cultural individual e
colectiva.”
Alessandro Aurigi mostra que as plataformas virtuais não se encontram bem desenvolvidas e
aprofundadas para beber o suficiente da cultura. Isto porque, as cidades digitais “tend to be
aimed mainly at marketing the city to an external audience of either tourists, investors and
qualified workforce, and therefore tend to use a rather standardised, global language and
discourse.” Refere que, na maioria dos casos, a promoção da interacção entre o indivíduo e a
sua comunidade e cultura local verifica-se muito pouco.
Abordando a importância das cidades digitais para o desenvolvimento económico e social da
região onde se insere, factores de grande relevância para o exercício da cidadania, Alessandro
Aurigi evidencia que as cidades digitais poderiam fazer mais neste enquadramento, “From the
point of view of economic development, the ‘quick and dirty’ solution of using ICT for marketing
places and conveying the same – almost standard – image of the forward-looking city that is
well-endowed with technology, has been adopted in a majority of cases. Little has been done to
actually boost local businesses and economic sectors, whilst ICT initiatives could be key in
promoting local innovation clusters and ideas, new business ideas (for instance the culture 282
industry of micro-enterprises as Manchester tried to do). Instead of using the net to ‘sell’ the
city, it could be used more to foster new ideas and partnerships within the city.” Linturi
evidencia que “without good networking capabilities and active citizens you do not create a
productive society. Also without social cohesion or with a big digital divide and separation of
identities and communication routes, you create much social trouble.” Sílvio Zancheti salienta
que “As propostas de Cidades Digitais muitas vezes procuram gerar ou aperfeiçoar serviços,
processos de gestão, programas de apoio à cultura, controle ambiental, dentre outras atividades,
e em alguns casos tem seu propósito voltado para extrapolações de mercado, em expandir a
oferta de produtos, serviços, tecnologia e informação. De um modo geral a formação de redes de
municípios por si só visa melhorar o modo de utilização dos recursos de cada localidade e criar
sinergias no conjunto das cidades da rede.”
Quanto aos especialistas nacionais, Luís Borges Gouveia ilustra que a importância da cidade
digital para o desenvolvimento económico e social da região onde se insere é enorme,
socorrendo-se de uma analogia “se um território não tiver árvores, os incêndios são explícitos a
mostrar as fragilidades desse território. Este, perde aquela fina camada de terra que lhe permite
ter actividade biológica, ter vida, se perder essa, mais tarde ou mais cedo, desertifica, pois não
tem capacidade de retenção de água e do que quer que seja. As árvores são os elementos
essenciais para garantir as raízes, o solo e a vida. Para não termos zonas de desertificação de
qualificação de pessoas, áreas de desertificação cada vez mais difíceis de recompor, nós
precisamos de infra-estruturas, que podem constituir-se como árvores nesse sentido.” A este
propósito, José Luiz Moutinho salienta que no início dos projectos das cidades e regiões digitais
os mecanismos de mercado não parecem funcionar, o que comprometem expressivamente a
sustentabilidade das redes de conhecimento. Desta forma, é necessário conjugar apoios público-
privados a longo prazo e demarcar sempre que possível os projectos de cidades e regiões digitais
com a promoção de sistemas regionais de inovação. As cidades digitais são ainda sistemas
socio-técnicos que carecem de programas de gestão da mudança equilibrados e contínuos,
nomeadamente a construção de competências locais para a absorção de novas tecnologias, tal
como o estímulo à inovação e a diferenciação regional para promover a competitividade
territorial. Refere ainda que um dos elementos que normalmente influi claramente no
desenvolvimento económico e social é o desenvolvimento de uma indústria sustentável de TICs,
que pode criar empregos e estimular o crescimento económico numa perspectiva de Sociedade
da Informação. De facto, Flávio Nunes reitera que “Em Portugal, as cidades digitais têm surgido
como iniciativas políticas de desenvolvimento da Sociedade da Informação à escala local e
283
intermunicipal, visando em última análise a difusão das suas múltiplas aplicações e benefícios a
todo o país.”
Abordando as entrevistas dos responsáveis pela cidade e região digital seleccionadas, Joaquim
Borges Gouveia salienta que o Gaia Global começa por ser uma marca, depois uma organização
dos próprios serviços e da própria cidade. Ângelo Estrela demonstra que associando todas as
vertentes as cidades digitais poderão ter um grande impacto a este nível. No caso do Gaia
Global, são elementos fundamentais neste sentido. Lusitana Fonseca evidencia que o Programa
Aveiro Digital, pelo seu impacto na qualificação da região e pela intervenção das entidades
beneficiárias é já um dos motores de desenvolvimento regional. José Rafael frisa, no caso do
Aveiro Digital, a qualificação das pessoas, a disponibilização de serviços que têm um impacto
directo na vida das pessoas e o investimento financeiro.
Interrogando sobre como as cidades digitais poderão contribuir para combater a info-exclusão,
já que, podem representar também um factor de criação e aumento da divisão digital,
Alessandro Aurigi demonstra algumas contribuições, nomeadamente a promoção do uso da
Internet não meramente numa perspectiva orientada para o consumidor, mas também orientada
para a comunidade; promover iniciativas para educar as pessoas, no sentido de as ensinar a usar
a Internet para o seu próprio benefício (e não apenas ensiná-las a “surfar”) e fornecer
computadores e pontos de acesso à Internet para os segmentos mais desfavorecidos da
população. Todavia, “this is vain unless the major issue of contents – what people really can or
cannot do within the digital city – is taken into account.” Linturi refere que as cidades digitais
poderão combater a info-exclusão tornando mais fácil possível às pessoas que vivem no espaço
de fluxos uma identidade ligada a uma cidade física. Do mesmo modo, tornar o mais fácil
possível às pessoas interessadas nos espaços de sítios alcançar esses locais através da Internet.
Isto, segundo o especialista, foi conseguido pelo Helsínquia Arena 2000. Sílvio Zancheti destaca
que, no que diz respeito à info-inclusão “As estruturas virtuais aumentam enormemente a
possibilidade de diferentes comunidades compartilharem processos políticos, sociais e culturais
distintos e específicos de cada uma delas e, ao colocar em contato essas comunidades, torna-as
mais ativas nos processos políticos, sociais e culturais, na criação de símbolos e valores.”
Luís Borges Gouveia fala da importância, neste âmbito, de elites, modelos de referência e
orientação. “Obviamente que ela (info-exclusão) não se resolve dando peixe, mas canas de
pesca, e isso significa assumir que temos que ter modelos, referências e elites que possam ser
284
faróis. Se um projecto cidade e região digital poder dar um suporte, uma base logística a esses
faróis é excelente, um bom potencial. Não peçam é para ser um farol que isso é um mau
princípio.” José Luiz Moutinho sublinha que “Vários estudos sobre a desigualdade digital
sugerem que as políticas públicas localizadas exclusivamente na criação de infra-estruturas
digitais e na acessibilidade universal, se por um lado ignoram frequentemente os padrões
comportamentais recorrentes na adopção de inovações tecnológicas (por exemplo, as assimetrias
transitórias iniciais na difusão da televisão ou do telefone fixo ou móvel), por outro lado podem
aumentar os custos globais para os utilizadores pioneiros e para o arranque do mercado. Assim
sendo, estas políticas, eventualmente, não só retardam o ritmo da disseminação das tecnologias
de informação e comunicação, como também acabam por se transformar em investimentos não
sustentáveis do ponto de vista social, político ou económico. As desigualdades relacionadas com
minorias étnicas, escalões etários ou sexo tendem a diminuir naturalmente enquanto que as
desigualdades decorrentes dos diferentes níveis salariais e educacionais parecem esbater-se mais
dificilmente ao longo do tempo e do espaço, indicando que os principais obstáculos não são as
questões tecnológicas, mas sim os reflexos do contexto socio-económico no qual os indivíduos e
as organizações estão inseridos. O desafio fundamental está, portanto, em criar condições
necessárias e suficientes para embeber as tecnologias de informação e comunicação na rotina
diária das pessoas e das organizações.” Com efeito, Flávio Nunes, demonstra que nas fases
iniciais de uma cidade digital um dos seus objectivos é familiarizar os cidadãos com a utilização
das TICs.
Joaquim Borges Gouveia acentua que não existem políticas únicas, enaltecendo o trabalho
realizado com os Espaços Internet. Ângelo Estrela aponta que as cidades digitais poderão ter um
grande papel no combate da info-exclusão, no exemplo do Gaia Global, sublinha-se a criação de
Espaços Internet, a formação para as TICs e acções de sensibilização de rua para a utilidade do
uso de computadores e acesso à Internet. Lusitana Fonseca considera que “A “cidade e região
digital” almeja ser um ambiente social onde todos os cidadãos terão qualificações e condições
de acessibilidade às Tic e aos Serviços. Por isso a construção das Cidades Digitais deve
contemplar como investimento prioritário a criação de um serviço universal de acesso às Tic e
aos Serviços na Internet, a Formação básica e complementarmente deve lançar medidas
específicas para os segmentos da população com maior probabilidade de info-exclusão:
desempregados, idosos, imigrantes, mulheres …etc.” José Rafael reitera que neste sentido, o
Aveiro Digital possui a Área 1 do projecto, que difunde serviços básicos; os noventa Espaços
Internet para noventa e cinco freguesias e onze municípios com monitores, programas
285
específicos para faixas etárias e horário alargado; alguns serviços específicos e transversais,
como a entrega do IRS na Internet, com ajuda disponibilizada aos cidadãos e o financiamento de
projectos relacionados com a info-inclusão.
Por fim, de forma global, os especialistas consideram, na sua maioria, que as cidades digitais
promovem complementarmente a cidadania, a interacção, a identificação e são espaços de
cidadania. Contudo, os entrevistados consideram que as cidades digitais fomentam o debate e a
intervenção pública, mas também, em igual número, que depende do modelo de cidade digital.
Com efeito, são espaços de cidadania, mas ainda não promovem o debate e a intervenção, ou
seja, ter acesso não significa participação. Do mesmo modo, segundo as respostas maioritárias,
as cidades digitais identificam-se com a cultura da sua região e impulsionam a interacção entre
os cidadãos e essa cultura e comunidade. De acordo com todos os inquiridos as cidades digitais
evidenciam potencialmente um papel importante para o desenvolvimento económico e social da
região onde se inserem. De facto, a riqueza das entrevistas é demonstrada neste capítulo, onde se
patenteiam diferentes opiniões sobre a temática em análise, se reflecte a variedade dos projectos
existentes (indicado pela opção “depende do modelo”), se tecem críticas e propostas, mas
também se enaltece a potencialidade destes projectos num enquadramento de prática de uma
cidadania activa para a Sociedade da Informação e do Conhecimento.
B. Resultados do Inquérito On-line aos Utilizadores do Gaia GlobalSocorrendo-nos do inquérito on-line aplicado ao Portal do Cidadão de Gaia, importa demonstrar
o que poderão ser as percepções dos utilizadores do Gaia Global sobre esta temática. À questão
“O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”, dos quarenta inquiridos,
72,5% responderam que sim, 17,5% que não e 10% não sabe ou não responde. Neste
alinhamento, à interrogação “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto das instituições e
empresas locais?”, 75% responderam afirmativamente, 18% negativamente e os restantes não
sabem ou não respondem. 92,5% dos indivíduos considera que o Gaia Global lhes permite
aceder à informação, bens e serviços de Gaia e 7,5% não sabe ou não responde.
286
Figura 23 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais perto do seu governo local?”/ “O Gaia
Global permite-lhe estar mais perto das instituições e empresas locais?”
NS/NRNÃOSIM
30
25
20
15
10
5
0NS/NRNÃOSIM
30
25
20
15
10
5
0
N=40
Gráfico 23 – “O Gaia Global permite-lhe aceder à informação, bens e serviços de Gaia?”
NS/NRSIM
40
30
20
10
0
N=40
No que diz respeito aos conteúdos e serviços do Gaia Global, 77,5% dos utilizadores refere que
este lhes permite aceder a serviços municipais on-line, 12.5% considera que não e 10% não
sabem ou não respondem. 47,5% dos inquiridos respondem que o Gaia Global possibilita
resolver assuntos com o município mais rapidamente, 37,5% que não e os restantes não sabem
ou não respondem. À questão “O Gaia Global” permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu
município mais rapidamente?”, 50% considera que sim, 35% que não e 15% não sabe ou não
responde.
Gráfico 24 – “O Gaia Global permite-lhe aceder a serviços municipais on-line?”
287
NS/NRNÃOSIM
30
20
10
0
N=40
Figura 24 – “O Gaia Global permite-lhe resolver assuntos com o seu município mais
rapidamente?”/ “O Gaia Global permite-lhe esclarecer dúvidas com o seu município mais
rapidamente?”
NS/NRNÃOSIM
20
15
10
5
0
NS/NRNÃOSIM
20
15
10
5
0
N=40
Na interrogação “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?”, 53%
respondeu afirmativamente, 30% negativamente e os restantes não sabem ou não respondem. Na
questão “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?” 63% dos indivíduos considera
que sim, 20% que não e 17% não sabe ou não responde.
Gráfico 25 – “O Gaia Global permite-lhe intervir activamente na sua cidade?”
288
NS/NRNÃOSIM
25
20
15
10
5
0
N=40
Gráfico 26 – “O Gaia Global permite-lhe exercer a sua cidadania?”
NS/NRNÃOSIM
25
20
15
10
5
0
N=40
85% dos inquiridos considera que o Gaia Global permite estar mais em contacto com o que se
passa na sua região, enquanto 2,5% considera que não e os restantes não sabem/não respondem.
Na questão relacionada com a qualidade de vida, 70% indica que o Gaia Global possibilita uma
melhor qualidade de vida, 17,5% aponta que não e 12,5% não sabe ou não responde. Na
interrogação “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?” 42,5% sublinha que não, 37,5%
que sim e os restantes não sabem ou não respondem.
289
Gráfico 27 – “O Gaia Global permite-lhe estar mais em contacto com o que se passa na sua
região?
NS/NRNÃOSIM
40
30
20
10
0
N=40
Gráfico 28 – “O Gaia Global permite-lhe ter uma melhor qualidade de vida?”
NS/NRNÃOSIM
30
25
20
15
10
5
0
N=40
Gráfico 29 – “O Gaia Global permite-lhe conhecer pessoas?”
NS/NRNÃOSIM
20
15
10
5
0
N=40De uma forma conclusiva, podemos evidenciar que a maioria dos utilizadores inquiridos do
portal do Gaia Global considera que este alcança os objectivos de fomento da cidadania, da 290
melhoria de qualidade de vida, de aproximação dos mesmos ao governo local, às entidades e
empresas locais e à própria comunidade. A única resposta que alcançou maioritariamente o
“não” foi a que interroga se o Gaia Global lhe permite conhecer pessoas. Esta questão foi
introduzida por dois motivos, porque na altura em que o questionário foi colocado em linha, o
sítio disponibilizava um chat/fórum e porque queríamos saber se o sítio permitia efectivamente
aos seus utilizadores conhecer novos membros da comunidade e criar grupos de interesse. É
ainda pertinente reiterar que estes resultados correspondem ao primeiro ano de aplicação do e-
questionário, sendo um dos nossos propósitos, aplicar o mesmo inquérito durante este ano e o
próximo para constatar evoluções e acompanhar o desenvolvimento destes cibernautas.
CONCLUSÃO
291
Esta investigação pretendeu abordar as cidades digitais, no sentido de verificar se estas
iniciativas reforçam o exercício da cidadania e elementos associados à perspectiva ontológica
seguida, nomeadamente, a interacção e a participação. Assim, a construção do nosso modelo de
análise baseou-se numa triangulação metodológica que engloba a observação dos portais;
entrevistas a especialistas nacionais e internacionais; o estudo de caso múltiplo; o inquérito on-
line (que apenas pôde ser aplicado ao portal do cidadão de Gaia, Gaia Global) e a matriz Ishida,
utilizada para a comparação dos dois objectos de estudo. Do mesmo modo, e holísticamente,
procuramos ainda analisar exemplos internacionais, os projectos nacionais e consequentemente
demonstrar vantagens e limitações das cidades digitais. É pertinente salientar novamente654 que
a nossa aproximação às cidades digitais é realizada numa perspectiva de complementaridade das
cidades físicas, enaltecendo a importância do território. Desta forma, resta realizar um balanço
concludente da investigação, aludindo heuristicamente às nossas hipóteses de trabalho e
apresentando considerações finais sobre a temática em estudo.
Com efeito, as cidades digitais são indubitavelmente sistemas sócio-técnicos, e como tal,
demonstram vantagens e limitações. Os benefícios/vantagens das cidades digitais passam pela
disponibilização do acesso à informação e serviços, pela apresentação de uma nova condição de
representação da cidade/região e da autarquia e das organizações locais e pela apresentação de
um novo canal de interacção e participação entre o governo local e os cidadãos e entre estes e a
sua comunidade. Da mesma forma, as cidades digitais contribuem para a estruturação de novas
práticas (concretamente da autarquia local), para a transparência de processos e para a
reorganização, melhor gestão e planeamento da cidade/região física. Assim, ligando o virtual e o
real e vice-versa (o território e o ciberespaço, o “space of flows” e o “space of places”) e
mobilizando os cidadãos para a Sociedade da Informação, permitem a promoção de uma melhor
qualidade de vida dos cidadãos (tendo, por exemplo, serviços on-line que facilitam e
simplificam a vida quotidiana dos seus habitantes); de uma melhor qualificação dos cidadãos; da
cooperação e desenvolvimento da comunidade e consequentemente do desenvolvimento
económico-social local. Logo, as cidades digitais podem complementar e reforçar a prática da
cidadania, tornando-a mais pró-activa.
No entanto, promover tais melhorias, não significa necessariamente que estas sejam usufruídas e
aproveitadas pelos cidadãos. Considerando as suas limitações, podemos evidenciar a info-
exclusão; a dificuldade inerente à mudança de práticas e comportamentos; os custos; os cortes
654 Cfr. Ponto das “Considerações Gerais”. 292
de financiamento e a auto-sustentabilidade dos projectos. Igualmente, a falta ou a reduzida
participação da sociedade civil na definição e desenvolvimento dos projectos e os modelos
desenvolvidos numa perspectiva de determinismo tecnológico são manifestos obstáculos para a
concretização dos objectivos definidos por cada uma das plataformas digitais. De facto, o estudo
internacional de Graham e Aurigi mostra que as cidades digitais correspondem apenas a bases
de dados de uma determinada cidade ou região, não sendo uma verdadeira esfera pública, ou
seja, uma real plataforma de interacção e comunicação.655 Para já, apenas parecem conseguir
atrair uma minoria, a designada elite tecnológica. Como Trenor clarifica “a typical telecity
project is made off a union of local politics, organizations and enterprises (…) The project,
generally, serves the educated partners of the dominant group. In any definition, they are elite
projects”656.
Recordando a nossa problematização e a nossa hipótese central, e de acordo com os resultados
empíricos, podemos concluir que a cidade e a região digital analisada contribuem
complementarmente para a cidadania, facultando elementos essenciais para o seu exercício,
como a disponibilidade da informação e de serviços, a simplicidade na interacção, a promoção
da participação e interacção dos seus cidadãos e a formação dos indivíduos para a Sociedade da
Informação. Todavia, este reforço da cidadania é ainda efectuado numa escala bastante
reduzida, concretamente, no que diz respeito à participação, interacção e intervenção pública
dos cidadãos. Os projectos têm uma execução temporal diminuta e carecem incontestavelmente
de uma continuidade e sustentação para alcançar as metas preestabelecidas.
O Gaia Global evidencia como objectivos principais o estabelecimento de uma infra-estrutura
digital de comunicação, a modernização autárquica e a dinamização e inovação local. Assim,
criou um conjunto de sítios electrónicos, uma rede digital da cidade que possibilita ao seu
cidadão aceder a um número extenso de informação local, serviços municipais e locais e a uma
plataforma de interacção e comunicação entre os cidadãos, o governo local e as organizações do
território (tendo ainda um call centre para atender dúvidas). Dispõe também de Espaços
Internet, para o acesso à rede e para a formação dos indivíduos para a Sociedade da Informação.
A maioria dos utilizadores inquiridos do Gaia Global (portal do Cidadão de Gaia) considera que
este alcança os objectivos de fomento da cidadania; de melhoria de qualidade de vida; de
aproximação dos mesmos ao governo local, às entidades e empresas locais e à própria
655 Alessandro Aurigi e Stephen Graham, “The Crisis in the Urban Public Realm”, in B.D. Loader, Cyberspace Divide: Equally, Agency and Policy in the Information Society, Londres, Routledge, 1998.656 Trenor, www.trnordoc.pt
293
comunidade. São maioritariamente do sexo masculino (80%), têm entre 25 e 34 anos de idade,
são casados e possuem habilitações literárias superiores.
O Aveiro Digital tem como propósito principal a qualificação das pessoas e organizações na
região que representa. Desta forma, baseia-se essencialmente na execução de vários projectos
(actualmente 77 projectos e 303 entidades beneficiárias associadas aos sectores de actividade e
segmentos da população, representativos de uma região que contabiliza 350.000 pessoas,
últimas beneficiárias do projecto) apresentados pelos cidadãos/organizações locais que visam a
qualificação e a certificação para a Sociedade da Informação. A sua plataforma digital introduz
a iniciativa, todos estes projectos, informação regional, mas também disponibiliza serviços
básicos em TICs como a criação de contas de endereço electrónico e páginas pessoais. Em
adição, os seus Espaços Internet são importantes espaços de info-inclusão e qualificação.
Neste sentido, remetendo-nos para o estudo de caso múltiplo, observamos que o nível de
informação e serviços varia entre o Gaia Global e o Aveiro Digital, contudo, em termos globais,
o Gaia Global evidencia um nível mais elevado de informação e serviços disponíveis. Porém,
no que diz respeito ao acesso social e participação, o Aveiro Digital alcança uma maior
visibilidade. É crucial evidenciar que acreditamos que os cidadãos têm que ser também
criadores das cidades digitais, e isto, observa-se, embora de forma distinta, nos dois projectos
analisados. No Aveiro Digital, são essencialmente as entidades beneficiárias
(cidadãos/instituições) que executam a maioria dos projectos, no Gaia Global, os cidadãos e
organizações podem contribuir para a formulação da plataforma digital, deixando, por exemplo,
sugestões, reclamações e colocando formulários on-line para a criação de novos sócios.
Portanto, as cidades digitais são expressamente potenciais para o complemento da cidadania,
apresentando as ferramentas, mas necessitando de ininterruptas acções para alcançar todos os
cidadãos. Ter acesso não significa participação (embora, o acesso e o estar informado permita
per si uma abertura de horizontes). É imprescindível que se crie os instrumentos, mas que
igualmente se desenvolva a apetência e a vontade (e claro, conhecimentos) para os utilizar. De
facto, os especialistas entrevistados, referem na sua maioria, que as cidades digitais promovem
complementarmente a cidadania, a interacção, a identificação e são espaços de cidadania. No
entanto, consideramos que não são (pelo menos ainda) autênticas plataformas de interacção
social, de fluxos comunicacionais bi-direccionais.
294
Embora os inquiridos do Gaia Global frisem maioritariamente que a iniciativa digital lhes
permite intervir activamente na sua cidade, o que corrobora que as cidades digitais promovem a
intervenção pública, não podemos validar que estes projectos o realizem ainda muito
significativamente, sobretudo relativamente ao debate público, na medida em que, não
encontramos nenhuma evidência relevante, inclusivamente na observação directa das
plataformas, que suporte esta enunciação. Efectivamente, os entrevistados também se dividem
quando se interroga se consideram que as cidades digitais promovem a intervenção pública e o
debate político, pois em igual número, indicam que sim, mas que também depende do modelo
de cidade digital. De qualquer forma, sabemos que, por exemplo, um dos próximos projectos do
Gaia Global é precisamente a criação de uma assembleia municipal digital.
Quanto ao perfil dos utilizadores, mantêm-se a confirmação dos designados “early adopters”
(homens jovens com elevadas habilitações literárias), especificamente no Gaia Global, já que,
no caso do Aveiro Digital, os utilizadores são essencialmente as entidades beneficiárias dos
projectos, embora também se incluam os utilizadores da sua extranet e dos Espaços Internet.
Neste enquadramento, ainda não se verifica o crescimento de comunidades virtuais no seio das
iniciativas, apesar de no caso do Aveiro Digital, estas comunidades corresponderem às entidades
beneficiárias. As cidades digitais têm que prevenir o erro de se desenvolverem e mudarem
apenas para responder às necessidades e requisitos de uma comunidade dominante, que acaba
por ser elitista, e simultaneamente precisam de alcançar sucessivamente todo o espectro da
comunidade, atraindo, qualificando e incluindo os cidadãos na sua definição e evolução. Só,
assim, conseguiram ser plataformas de reforço da cidadania, interacção e participação.
As cidades digitais reflectem a cultura local (seja através da representação digital ou de
conteúdos disponibilizados) e evidenciam um crescente impacto no desenvolvimento social e
económico nas áreas que representam, seja através da modernização administrativa, da
dinamização regional ou da qualificação dos cidadãos e empresas. Este ponto é mais notório no
Aveiro Digital, pois enumeram-se acções concretas, como a inscrição das crianças nas
secretarias das escolas da região através da Internet e o acesso remoto a diagnósticos médicos
especializados. Todavia, é pertinente referir que apesar das diferenças de abordagens entre o
Gaia Global e o Aveiro Digital e algumas semelhanças, a disparidade temporal de execução dos
projectos é significativa, na medida que, Aveiro foi Cidade Digital em 1998-2001 e região
digital em 2003-2006, enquanto Gaia colocou o seu portal em linha em 2004.
295
Assim, é importante enfatizar algumas ideias gerais que advém das conclusões desta
investigação, concretamente que é fundamental que as cidades digitais e o governo electrónico
se focalizem nos cidadãos e não unicamente na tecnologia; que os cidadãos sejam
percepcionados também como clientes e consumidores; que as TIC sejam introduzidas como
uma mais valia e uma ferramenta no dia-a-dia dos indivíduos e das organizações; que se entenda
que a democracia e a participação não se fazem pelas TIC; que as cidades e regiões digitais não
passem de espaço público a um modesto fornecedor de serviços, sendo capital que se tornem um
verdadeiro espaço de “citizenry”, o conceito que Verba criou para acentuar uma cidadania em
acção (diferenciando-se do termo “citizenship”)657 e, por fim, que se reconheça que as cidades
digitais enfrentam inúmeros desafios, que podem inclusivamente ameaçar o seu futuro.
Estes desafios correspondem ao problema da info-exclusão; ao estado embrionário dos
projectos; à sustentabilidade financeira e operacional dos projectos; ao planeamento incessante e
acompanhado da cidade física e da virtual e à crucial necessidade de continuidade das
iniciativas, pois só a longo-prazo conseguirão alcançar um impacto e efeito relevante na
comunidade. Com efeito, mesmo que as redes electrónicas alimentem a interacção, isto não
implica, que conduzam a uma sociedade mais democrática, participativa e inclusiva. Neste
enquadramento, Alessandro Aurigi, Professor da Universidade de Newcastle upon Tyne,
sublinha na entrevista dada, que existem inumeráveis e complexos desafios, peculiarmente a
necessidade de uma pesquisa reflectiva e de abordagens interdisciplinares, tal como, “Getting
away from technocratic perspectives of ‘better infrastructure solves everything’: ceasing to
conceive these initiatives as IT-only things. The physical and the ‘digital’ aspects of the city
have to be planned and designed together.” Por sua vez, José Luiz Moutinho, do IST, destaca
que a mera disponibilização de infra-estruturas digitais não é suficiente para estimular os
indivíduos e a comunidade, sendo então crucial assegurar conteúdos e sistemas de informação
ligados à vida diária e rotina das cidades. Simultaneamente, as TIC devem ser integradas nas
cidades segundo numa perspectiva mais aberta.
Atendendo aos responsáveis pela cidade e região digital estudada, Joaquim Borges Gouveia,
Presidente do Conselho de Administração da Energaia, entidade gestora do Gaia Global,
destaca os atrasos nos financiamentos e as dificuldades oriundas da instabilidade política do
governo central. Enfatiza que as cidades digitais precisarão de, pelo menos, vinte anos para
alcançar estabilização e ter impacto crucial na vida dos cidadãos. Ângelo Estrela, gestor de
657 Verba, Cit.por Alfredo Mela, op. Cit., p. 121.296
Projecto do Gaia Global, acredita que os desafios estabelecem-se em três níveis, o primeiro, é
que as pessoas que trabalham nestes projectos o façam de forma conveniente, e os outros dois,
são o trabalho contínuo e como levar o investimento a todos os cidadãos. Do Aveiro Digital,
Lusitana Fonseca da CEAD (Comissão de Execução Aveiro Digital), afirma que o maior teste
das cidades digitais é serem capazes de assumir e de operacionalizar os processos da efectiva
qualificação das pessoas e das organizações. José Rafael, também do CEAD, explica que cada
região é um caso e evidencia os seus próprios problemas e especificidades. Contudo, para este
Professor, o maior desafio é claramente a participação dos cidadãos.
Aliás, a própria análise do impacto social destas plataformas digitais é um proeminente
problema e desafio. Os modelos de análise são ínfimos e muito recentes, logo imaturos,
encontrando-se essencialmente em validação; os projectos também e os estudos efectuados
baseiam-se primordialmente na tecnologia. Desta forma, esta dissertação usufrui das vantagens
e das desvantagens de pretender ser uma das pioneiras abordagens sociais desta temática: do
benefício do terreno virgem por desbravar, mas da limitação da exploração iniciática, do suporte
teórico, metodológico e mesmo conceptual. A recente existência destes projectos representa
forçosamente uma clara restrição a este estudo. A investigação implica escolhas, deixando
trilhos por percorrer. Assim, não só é fundamental motivar e incentivar o seguimento da
investigação neste campo, como as perspectivas futuras de estudo são ilimitadas. As hipóteses
apontadas devem ser mantidas em estudos posteriores, assim como, o modelo de análise
construído se encontra inacabado e deve progredir. De qualquer modo, apesar de todos os
obstáculos, conseguimos, como propõe Goethe, citado no início da dissertação, ir e ver mais
longe. Enaltecendo a interdisciplinaridade, também introduzimos uma célebre expressão de
Einstein, que frisa, que quando comparamos a investigação com a realidade, esta é tão imatura e
incompleta, mas é tudo o que temos e devemo-nos alegrar pelo que alcançamos em cada passo.
Por isso e pelas questões levantadas estamos muito gratos.
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Fontes Documentais: Planos de Acção para a Sociedade da Informação
União Europeia:
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Portugal:
Missão para a Sociedade da Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Livro Verde para a Sociedade da Informação, Lisboa, 1997.Unidade de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC), Uma Nova Dimensão de Oportunidades – Plano de Acção para a Sociedade da Informação, Oeiras, UMIC, 2003.Unidade de Missão Inovação e Conhecimento, Qualidade e Eficiência dos Serviços Públicos – Plano de Acção para o Governo Electrónico, Oeiras, UMIC, 2003.UMIC, Plano de Acção para o Governo Electrónico, 2004.Programa de Acção integrado no Plano Tecnológico do XVII Governo: Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, Ligar Portugal, disponível em http://www.ligarportugal.pt.
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Fontes Documentais (Legislação Portuguesa)
Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 16/96, de 21 de Março de 1996.Lei da Assembleia da República, n.º 10-A/96, de 23 de Março.Lei da Assembleia da República n.º 52-B/96 de 27 de Dezembro.Lei da Assembleia da República n.º 127-A/97 de 20 de Dezembro.Lei da Assembleia da República n.º 3-A/2000 de 4 de Abril.RCM 143/2000 de 27 de Setembro.RCM n.º 156/2000 de 16 de Novembro.Lei da Assembleia da República n.º 30-B/2000 de 29 de Dezembro.Diário da República da Resolução de CM n.º 135/2000.RCM 22/2001 de 1 de Março.RCM 32/2001 de 2 de Março DL 106/2001 de 6 de Abril de 2001.Lei da Assembleia da República nº. 109-A/2001 de 27 de Dezembro.RCM 21/2002 de 31 de JaneiroRCM 22/2002 de 31 de JaneiroDL 51/2002 de 2 de Março DL 104/2002 de 12 de Abril de 2002.RCM n.º 135/02 de 20 de Novembro.Lei da Assembleia da República n.º 32-A/2002 de 30 de Dezembro.Programa do XV Governo Constitucional, 2002.Alínea b, n.º 2 da Resolução do CM n.º 135/02 de 20 de NovembroDiário da República n.º 185 de 12 de Agosto de 2003 (I Série – B).Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovada em 14 de Outubro de 2004DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).
306
Grandes Opções do Plano para 2005, Lei da Assembleia da República n.º 55-A/2004, aprovado em 14 de Outubro de 2004, DR n.º 304 de 30 de Dezembro de 2004 (I Série – A).Programa do XVII Governo Constitucional, Grandes Opções do Plano 2005-2009, Lei da Assembleia da República, n.º 52/ 2005 de 31 de Agosto.Programa do XVII Governo Constitucional, 2005.
Sítios Electrónicos
Gaia Global, www.gaiaglobal.pt Aveiro Digital, www.aveiro-digital.pt Projecto Cidades e Regiões Digitais, http://www.cidadesdigitais.pt/ “The One-Dimensional Network Society of Manuel Castells”, www.thechronicle.demon.co.uk/tomsite/castells.htmPrograma do XVI Governo Constitucional, disponível http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC16/Programa/programa_p033.htm Howard Rheingold, www.rheingold.com Eurocities, http://www.eurocities.org/main.phpINE, www.ine.pt OCDE, www.ocde.ptAPDSI, www.apdsi.p Infopédia, www.infopedia.pt
ANEXOS307
LISTA DE ENTREVISTADOS
Prof. Doutor Alessandro Aurigi, Universidade de Newcastle upon Tyne;
Eng.º Ângelo Estrela, Gestor de Projecto do Gaia Global;
Prof. Doutor Flávio Nunes, Departamento de Geografia da Universidade do Minho;
Prof. Doutor Joaquim Borges Gouveia, Presidente do Conselho de Administração da
Energaia (Gaia Global)
Mestre José Luiz Moutinho, do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas
de Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico;
Prof. Doutor José Rafael, Aveiro Digital
Prof. Doutor Luís Borges Gouveia, Universidade Fernando Pessoa;
308
Engª Lusitana Fonseca, Aveiro Digital
Prof. Doutor Risto Linturi, Helsínquia Virtual;
Dr. Sílvio Zancheti, do Centro de Conservação Integrada Urbana e Territorial da
Universidade Federal de Pernambuco.
GUIÃO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA – Especialistas
I. O que é uma cidade digital?
II. Quais são os seus benefícios / mais valias?
III. E as suas limitações?
IV. Quem considera serem os utilizadores das cidades digitais?
V. As cidades digitais satisfazem complementarmente as necessidades sociais e
políticas dos seus cidadãos?
VI. As cidades digitais promovem o debate e a intervenção pública?
VII. São espaços de cidadania?
309
VIII. Como definiria o novo e emergente conceito de cidadania digital?
IX. As cidades digitais permitem o nascimento e o desenvolvimento de comunidades
virtuais?
X. Estas plataformas virtuais identificam-se com a cultura local, da sua região?
XI. Esta referência cultural e política impulsiona a interacção do indivíduo com a sua
comunidade e cultura local?
XII. Qual é o impacto das cidades digitais no desenvolvimento económico e social das
regiões onde se inserem?
XIII. Como pode a cidade digital contribuir para combater a info-exclusão?
XIV. Que desafios se colocam às cidades digitais?
Semi-Structured Interview
Experts
“Digital Cities and the Reinforcement of Citizenship”
1. What is a digital city?
2. Which are digital cities’ benefits?
3. And their limitations?
4. Who are the digital cities users?
5. Can digital cities additionally provide for some social and political needs (like
interaction, identity, citizenship exercise) of their citizens?
6. Are they promoting debate, public intervention and participation?
7. Are they spaces of citizenry? 310
8. How can you define the new and emergent concept of digital citizenship?
9. Can digital cities allow the birth and development of virtual communities?
10. Do you think that these virtual platforms identify themselves with the local culture, the
region they represent?
11. This cultural and political reference provides the interaction of people with their
community and local culture?
12. Which is the digital cities impact on the social and economical development of the
regions they represent?
13. How can a digital city contribute to bridge the digital divide, fighting info-exclusion?
14. Which are the challenges for digital cities?
GUIÃO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA RESPONSÁVEIS DAS CIDADES DIGITAIS SELECCIONADAS
1. O que é uma Cidade Digital?
2. Quais são os seus benefícios/ mais valias?
3. E as suas limitações?
4. As cidades digitais satisfazem complementarmente as necessidades sociais e políticas
dos seus cidadãos?
5. As cidades digitais promovem o debate e a intervenção pública?
6. São espaço de cidadania?
7. Como definiria o novo conceito de cidadania digital?
8. A cidade digital identifica-se com a cultura da sua região?
311
9. Neste sentido, impulsiona a interacção do indivíduo com a sua comunidade e cultura
local?
10. Como pode a cidade digital contribuir para combater a info-exclusão?
11. Quais são os elementos mais importantes da sua cidade digital?/ Como a caracterizaria
em particular?
12. Quais são os objectivos deste projecto? (o que já foi alcançado e o que ainda falta
alcançar)
13. Quem são os utilizadores desta cidades digital (caracterização)?
14. No início do projecto quem eram estes utilizadores? (Houve evolução de perfis?)
15. Que serviços disponibiliza esta cidade digital?
16. O que é mais acedido pelos utilizadores?
17. Observaram a formação e desenvolvimento de alguma comunidade virtual específica na
vossa cidade? Qual?
18. (Se sim) As cidades digitais permitem a manutenção e o fortalecimento dessas
comunidades?
19. Qual é a importância desta cidades digital para o desenvolvimento económico e social
da região onde se insere?
20. Numa perspectiva geral, considerando o desenvolvimento das cidades e regiões digitais
em Portugal, como caracterizaria o panorama (estádio) actual?
21. Qual foi o impacto das cidades e regiões digitais na Sociedade da Informação nacional?
E a nível local?
22. Desafios para as cidades digitais?
1. Está registado no Gaia Global? (assinale com uma cruz)
1. Sim 2. Não
2. Há quanto tempo conhece o projecto Gaia Global?
1. Há 1 Ano2. Últimos 6 Meses3. Último Mês4. Última Semana
312
3. Como teve conhecimento da sua existência?
1. Informação Municipal (Câmara Municipal, Junta de Freguesia) 2. Sítios electrónicos locais3. Publicidade local4. Meios de comunicação5. Amigos6. Outro meio. Qual? ______________________________________
4. Quando começou a utilizá-lo?
1. Há 1 Ano2. Últimos 6 Meses3. Último Mês4. Última Semana
313
5. A que áreas acede mais no Portal www.gaiaglobal.pt ?
1. Página Inicial2. Viver3. Visitar4. Aprender5. Negócios6. Serviços on-line7. Área Pessoal8. Classificados9. Chat/Fórum10. Newsletters11. Mapa interactivo;
6. Que temas pesquisa mais?
1. Alojamento 2. Atracções3. Bares e Discotecas4. Compras5. Cultura e Lazer6. Desporto7. Educação8. História e Monumentos9. Indústria10. Natureza11. Passear12. Religião13. Restauração14. Rua15. Serviços16. Saúde17. Serviços18. Transportes19. Turismo20. Outros21. Nenhum
7. Com que frequência acede ao Portal?
1. Uma vez por ano 2. Uma vez de seis em seis meses3. Uma vez por mês4. Mais do que uma vez por mês5. Uma vez por semana6. Mais do que uma vez por semana7. Todos os dias8. Mais do que uma vez ao dia
8. O Gaia Global permite-lhe:
314
1. Estar mais perto do seu governo local. SIM NÃO
2. Estar mais perto das instituições e empresas locais. SIM NÃO
3. Aceder à informação, bens e serviços de Gaia. SIM NÃO
4. Aceder a serviços municipais on-line. SIM NÃO
5. Resolver assuntos com o seu município mais rapidamente. SIM NÃO
6. Esclarecer dúvidas com o seu município mais rapidamente. SIM NÃO
7. Intervir activamente na sua cidade. SIM NÃO
8. Exercer a sua cidadania. SIM NÃO
9. Estar mais em contacto com o que se passa na sua região. SIM NÃO
10. Ter uma melhor qualidade de vida. SIM NÃO
11. Conhecer pessoas. SIM NÃO
9. Como avaliaria o portal www.gaiaglobal.pt, em termos de design, de estética?
1 – Muito Bom2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau 5 – Muito Mau
10. Como avaliaria este portal, em termos de organização, de facilidade de encontrar o que procura?
1 – Muito Bom 2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau
11. Como avaliaria este portal, em termos de conteúdos disponíveis?
1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau
315
12. Como avaliaria este portal, em termos de actualização dos conteúdos?
1 – Muito Bom 2 – Bom3 – Razoável4 – Mau5 – Muito Mau
13. Como avaliaria este portal, considerando os serviços on-line disponíveis?
1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau
14. Como avaliaria este portal considerando a eficácia/eficiência dos serviços on-line disponíveis?
1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau
15. Como avaliaria este portal, em termos de interacção, de resposta on-line ás suas solicitações?
1 – Muito Bom2 – Bom3 – Razoável 4 – Mau5 – Muito Mau
16. Como avaliaria globalmente o Portal www.gaiaglobal.pt ?
1 – Muito Bom 2 – Bom 3 – Razoável4 – Mau 5 – Muito Mau
316
17. Elementos Sócio-Demográficos:
Idade:
1. 18/24 2. 25/343. 35/444. 45/545. 55/646. 65 e mais
Sexo:
Masculino Feminino Estado Civil:
Solteiro (a) Casado (a)/União de facto Divorciado (a)/ Separado (a) Viúvo (a) Habilitações Literárias:
Instrução Básica Ensino Secundário Curso Superior
Profissão_______________________________________
MUITO OBRIGADOFicha técnica:
QUESTIONÁRIO ON-LINE AOS UTILIZADORES DA CIDADE DIGITAL
GAIA GLOBAL2005
Este questionário insere-se numa investigação realizada no âmbito de uma tese de dissertação de mestrado em Sociologia do ISCSP – UTL. Este estudo é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Os dados são anónimos e confidenciais, sendo apenas utilizados como suporte metodológico da pesquisa.
317
AVEIRO DIGITAL
Homologação Custo Total Aprovado Despesa Pública Total Aprovada
Comparticipação Comunitária
Aveiro Digital
Medida 2.3
20 - Fev - 2003
20.000.000 € 20.000.000 € 9.458.000 €
Aveiro Digital
Medida 2.4 1.807.993€ 1.349.960€ 784.400€
Aveiro Digital
Medida 1.1 200.000 € 150.000€ 82.040€
Municípios Envolvidos:11 Fonte: INE
Nome População Área
Águeda 49.168 335,3
Albergaria-a-Velha 24.924 155,4
Aveiro 73.332 199,9
Estarreja 28.080 108,3
Ílhavo 37.874 73,5
Mira 12.914 124,1
Murtosa 9.465 73,3
Oliveira do Bairro 21.583 87,3
Ovar 55.715 147,4
Sever do Vouga 13.014 129,6
318
Vagos 22.492 164,7
TOTAL 348.561 1.598,8
http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=50&Itemid=261
GAIA GLOBAL
Homologação Custo Total Aprovado Despesa Pública Total Aprovada
Comparticipação Comunitária
Gaia Digital
11-Mar-2002 8.441.500,00 € 8.441.500,00 € 5.909.050,00 €
Municípios Envolvidos: 1 Fonte: INE
Nome População Área (Km2)
Vila Nova de Gaia 293.301 168,7
293.301 168,7
http://www.cidadesdigitais.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=49&Itemid=240
319
320
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