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Coordenação Geral:
Prof. Dr. Pedro Abramo, professor e pesquisador IPPUR-UFRJ
Coordenação Executiva:
Andrea Pulici, Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR-UFRJ
Pesquisadora Principal:
Luciana Fernandes, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR-UFRJ
Equipe da Universidade Federal de Santa Catarina:
Profª. Drª. Maria Inês Sugai, profª. e pesquisadora ARQ-UFSC (Coordenação local)
Prof. Dr. Lino Fernando Bragança Peres, professor e pesquisador ARQ-UFSC
Daniella Reche, mestranda (assistente de pesquisa)
Fernanda Maria Lonardoni, mestranda (assistente de pesquisa)
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
1. A evolução da Informalidade .......................................................................................7
1.1 Desigualdades e pobreza na área conurbada: situação e conceitos ..............................7
1.2 A evolução dos espaços de informalidade....................................................................18
1.2.1 A dimensão quantitativa e sócio-demográfica ....................................................24
1.2.2 A dimensão espacial: sub-urbanização e densificação ......................................31
2. A estrutura do Mercado Informal de Solo nas APIs.................................................34
2.1 As áreas escolhidas e suas principais características ..................................................37
2.1.1 Serrinha (Florianópolis).......................................................................................38
2.1.2 Morro da Queimada (Florianópolis) ....................................................................40
2.1.3 Tapera da Base (Florianópolis)...........................................................................42
2.1.4 Solemar (São José) ............................................................................................44
2.1.5 Frei Damião (Florianópolis).................................................................................46
2.1.6 Sol Nascente (Florianópolis) ...............................................................................48
2.2 As principais características do mercado informal de solo............................................51
2.2.1 Composição dos sub-mercados de aluguel e comercialização (geral e por comunidade)....................................................................................................................51
2.2.2 Estrutura sócio-demográfica ...............................................................................54
2.3 Características do produto - locação/comercialização - oferta e demanda...................60
2.4 Formas de financiamento..............................................................................................65
2.4.1 Características institucionais e rotinas (procedimentos de compra, venda e aluguel)............................................................................................................................65
2.4.2 Preços médios (comercialização e locação).......................................................70
2.4.3 Primeira aproximação dos fatores determinantes do preço (fatores de valorização e desvalorização) ()......................................................................................76
2
3. Mobilidade Residencial dos Pobres ..........................................................................77
3.1 Origem –Destino ...........................................................................................................77
3.1.1 Origem ................................................................................................................77
3.1.1.1 Tipo de sub-mercado: comercialização e locação..................................................78
3.1.1.2 Gênero por tipo de sub-mercado ............................................................................80
3.1.1.3 Rendimento por tipo de sub-mercado.....................................................................83
3.1.2 Destino................................................................................................................87
3.2 Preferências Locacionais ..............................................................................................94
3.2.1 Fatores de atração..............................................................................................98
3.2.2 Fatores de repulsão ............................................................................................99
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................103
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................111
3
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Área conurbada de Florianópolis, (SUGAI, 2002) ..................................................7
Figura 2 – Localização da população por extremos de renda, (SUGAI, 2002) .....................12
Figura 3 – Áreas com maior concentração de população em condições de absoluta pobreza; Elaboração INFOSOLO, 2005 a partir de dados dos setores censitários (IBGE, 2000) 15
Figura 4 – Localização da área central de Florianópolis e Maciço Central do Morro da Cruz, (INFOSOLO, 2005) .......................................................................................................19
Figura 5 – Ocupação das áreas de pobreza da área conurbada de Florianópolis. (INFOSOLO, 2005).................................................................................................................20
Figura 6 – Localização dos assentamentos precários, (INFOSOLO, 2005)..........................28
Figura 7 – Localização dos assentamentos precários na área central de Florianópolis e Maciço central do Morro da Cruz, (INFOSOLO, 2005 - IBGE, 2000).....................................29
Figura 8 – Vila do Arvoredo, Florianópolis. Ocupação irregular em área de dunas – Bairro de Ingleses, Nordeste da Ilha de Santa Catarina, (PMF, 2002) .............................................32
Figura 9 – Serrinha ................................................................................................................40
Figura 10 – Morro da Queimada............................................................................................41
Figura 11 – Tapera da Base ..................................................................................................44
Figura 12 – Solemar ..............................................................................................................46
Figura 13 – Frei Damião ........................................................................................................48
Figura 14 – Sol Nascente ......................................................................................................50
4
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – N° de favelas e assentamentos, por período de origem, na área conurbada de Florianópolis ...........................................................................................................................27
Tabela 2 – Áreas de favelas e assentamentos consolidados, por município e condição de ocupação – 2005 ....................................................................................................................31
Tabela 3 – Porcentagem de questionários de venda, aluguel e compra (INFOSOLO, 2005) 52
Tabela 4 – Porcentagem de questionários em relação ao número de domicílios, (INFOSOLO, 2005).................................................................................................................53
Tabela 5 – Renda Domiciliar Média de cada comunidade (%), (INFOSOLO,2005)...............55
Tabela 6 – Renda domiciliar média e renda por responsável * (em salários mínimos), (INFOSOLO, 2005).................................................................................................................55
Tabela 7 – Origem dos entrevistados (%), (INFOSOLO,2005) ..............................................57
Tabela 8 – Origem dos migrantes (%), (INFOSOLO,2005)....................................................57
Tabela 9 – Responsáveis por domicílio que possuem trabalho remunerado, (INFOSOLO,2005)..................................................................................................................58
Tabela 10 – Natureza do vínculo empregatício em relação aos que têm trabalho remunerado, (INFOSOLO,2005) ............................................................................................59
Tabela 11 – Padrão Construtivo – média geral por comunidade, ..........................................61
Tabela 12 – Padrão Construtivo – média geral nos três sub-mercados (%), .........................62
Tabela 13 – Tipo do domicílio por comunidade e sub-mercado, (INFOSOLO, 2005)............65
Tabela 14 – Tipo do contrato do imóvel - sub-mercados de VENDA e COMPRA, (INFOSOLO, 2005).................................................................................................................66
Tabela 15 – Recursos financeiros utilizados na transação de compra* (%), (INFOSOLO,2005)..................................................................................................................69
Tabela 16 – Informações sobre o locador do imóvel (proprietário), (INFOSOLO, 2005) .......70
Tabela 17 – Preços médios praticados nos sub-mercados (por m²), (INFOSOLO,2005) ......72
Tabela 18 – Renda domiciliar média de cada comunidade, (INFOSOLO, 2005)...................84
Tabela 19 – Renda domiciliar média e renda por responsável * (em salários mínimos), (INFOSOLO, 2005).................................................................................................................86
Tabela 20 – Deslocamento para o trabalho, (INFOSOLO, 2005)...........................................90
Tabela 21 – Onde faz as compras diárias (INFOSOLO, 2005) ..............................................91
5
Tabela 22 – Onde faz as compras maiores (INFOSOLO, 2005)............................................91
Tabela 23 – Onde mora a maioria dos amigos do entrevistado, (INFOSOLO, 2005) ............93
Tabela 24 – Onde mora a maioria dos familiares do entrevistado, (INFOSOLO, 2005) ........94
6
1. A EVOLUÇÃO DA INFORMALIDADE
1.1 Desigualdades e pobreza na área conurbada: situação e conceitos
A Região Metropolitana de Florianópolis institucionalizada é composta por 22 municípios,
sendo a maior parte deles pequenos municípios nos quais prevalecem as atividades
agrícolas (1) (Figura 1), totalizando população estimada de 933.555 habitantes (IBGE,
2005). O município de Florianópolis, capital do estado, abrange a Ilha de Santa Catarina
(424,4km2) e pequeno território na área continental (12,1km2), totalizando seu território a
área de 436,5km2. Florianópolis, desde a década de 70, vem consolidando processo de
conurbação com os municípios situados na área continental - São José, Biguaçu e
Palhoça –-, com os quais hoje conforma um espaço intra-urbano único, que se sobrepõe
aos seus limites político-administrativos (2). A área de investigação dessa pesquisa
abrange os municípios conurbados de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu.
Figura 1 – Área conurbada de Florianópolis, (SUGAI, 2002)
1 A Região Metropolitana de Florianópolis, instituída pelo Governo do Estado através da Lei Complementar Nº 162/98, de 06 de janeiro de 1998, é integrada por 22 municípios, sendo 9 integrantes do “núcleo metropolitano” (Florianópolis, São José, Palhoça, Biguaçu, Águas Mornas, Santo Amaro da Imperatriz, São Pedro de Alcântara, Antônio Carlos e Governador Celso Ramos), e os demais compõem a chamada “Área de Expansão Metropolitana”. O Censo Geral (IBGE, 2000) levantou o total de 810.925 habitantes e, em 2005, indicou a estimativa de 933.555 habitantes na Área Metropolitana (IBGE, Cidades, 2005). 2 SUGAI (2002: 7-8). Sobre a análise dos processos espaciais de conurbação ver VILLAÇA (1998: 49-67).
7
Os quatro municípios apresentam hoje expressiva integração sócio-econômica, com uma
significativa continuidade do tecido intra-urbano e com intensos deslocamentos cotidianos
e mobilidade residencial interna de seus habitantes. Essas características diferenciam os
municípios conurbados no contexto metropolitano definindo-lhe uma dinâmica própria, o
que determinou a decisão de delimitar a área de investigação desta pesquisa aos
municípios da Área Conurbada: Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu. Esses
quatro municípios apresentam população total estimada de 774.776 habitantes (IBGE,
2005), o que representa cerca de 83% do total da população da Região Metropolitana,
estimada em 933.555 habitantes (3). Esses municípios têm apresentado uma alta taxa de
crescimento anual da população nos últimos anos, sendo que Florianópolis nos períodos
1991-2000 e 1996-2000 teve crescimento médio anual de, respectivamente, 3,34% e de
5,6% ao ano (4), muito superior à média do crescimento brasileiro que, no período 1991-
2000, foi de 1,63% ao ano. O crescimento populacional de Florianópolis tem sido
expressivo e, no período indicado, apenas algumas das maiores capitais do país,
apresentaram índices semelhantes a esse crescimento, como Manaus (3,76%) e Brasília
(2,82%). Na realidade, o Censo Geral de 2000 evidenciou que as maiores capitais
brasileiras apresentaram índices abaixo da média brasileira, como Recife (1,0%), Porto
Alegre (0,94%), São Paulo (0,88%) e Rio de Janeiro (0,75%), ou então próximos à média
brasileira, como Belém (1,92%) e Salvador (1,85%).
A maior parte da população da área conurbada habita no município de Florianópolis
(51,2%), sendo que em São José, Palhoça e Biguaçu localizando-se, respectivamente,
25,4%, 16,0% e 7,3% dos habitantes (5). No período 2000-2005 o município do contexto
conurbado que obteve a maior aumento demográfico foi Palhoça, que teve um acréscimo
populacional de 21%, seguido de Biguaçu, que ampliou em 18,2% o seu total
populacional, mantendo ambos o crescimento demográfico sempre maior do que os
demais municípios nas últimas décadas. Deve-se considerar que a população de Palhoça
e Biguaçu, que tiveram o maior acréscimo populacional no período 2000-2005, foram os
3 O Censo Geral de 2000 indicou 666.687 habitantes na área conurbada. Os totais estimados pelo IBGE na área conurbada, para o ano de 2003 e de 2005 são, respectivamente, de 719.847 habitantes e de 774.776 habitantes (IBGE, 2003; 2005). Segundo as estimativas de 2005, os municípios de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu possuem, respectivamente, 396.778 habitantes, 196.902 habitantes, 123.239 habitantes e 56.857 habitantes (IBGE, 2005). 4 Cf. Contagem Populacional de 1996 e Censo Geral de 2000, ambos do IBGE. 5 Cf. estimativa do IBGE, Cidades, 2005.
8
apresentavam os menores rendimentos já em 2000, sendo que nesses municípios,
respectivamente, 26,4% e 29% dos chefes de família recebiam até 2 salários mínimos
(IBGE, 2000). Considerando os recentes levantamentos do IBGE que apontaram o ritmo
crescente de trabalhadores informais no país - que no período 1997-2003 cresceu 8%,
sendo que a população ocupada cresceu 4% (IBGE, 2005) -, assim como esse
expressivo aumento populacional na área conurbada de Florianópolis, em especial nos
seus redutos mais pobres, confirma-se a expansão progressiva de suas periferias e
certamente da ocupação informal do solo urbano.
A especificidade territorial, ambiental e as qualidades paisagísticas desses municípios -
em especial de Florianópolis e Palhoça - favoreceram o desenvolvimento das atividades
turísticas na região, além de intensas disputas pela ocupação do solo urbano. Atualmente
cerca de 42% do território da Ilha de Santa Catarina constituem área de proteção e
preservação ambiental (manguezais, dunas, matas nativas, reservas biológicas, topos de
morros e encostas com declividade superior a 46,6%, lagoas, mananciais de água,
praias, restingas, costões, promontórios, etc.) (6). A reduzida disponibilidade de solo
adequado para ocupação repete-se de forma mais intensa no município de Palhoça, que
também apresenta os maiores índices de pobreza da área conurbada. Palhoça possui
quase 70% de seu território protegido por legislações de preservação ambiental, em
especial o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, que abrange mais de 50% do
município. As intensas disputas pela ocupação do solo urbano, a distribuição desigual
dos investimentos públicos e a localização residencial das classes sociais, vêm
ampliando o processo imobiliário especulativo, dificultando o acesso à terra pela
população de menor renda e reproduzindo a desigualdades sócio-espaciais e os
processos segregativos (7).
Considera-se que para se compreender a pobreza urbana, sua localização, mobilidade e
expansão no contexto metropolitano, torna-se necessário assumir as conurbações
metropolitanas, ou seja, as análises devem considerar esse todo intraurbano que se
sobrepõem aos limites político-administrativos, “... com as suas articulações e
fragmentações, suas desigualdades e segregações, seus conflitos sócio-espaciais e
6 CECCA. Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1997. 7 SUGAI, 2002.
9
contradições, a acessibilidade e isolamento, a localização dos grandes investimentos
públicos e das suas carências...” (8), entre tantos aspectos dos chamados desequilíbrios
urbanos. Assim, as análises nos contextos conurbados devem também considerar a
localização residencial dessa totalidade intraurbana, ou seja, o processo de segregação
espacial, fenômeno social que historicamente vem se reproduzindo nos espaços intra-
urbanos brasileiros (9). Garantida pelo diferencial de preços da terra urbana e uma
presença constante nas cidades brasileiras, a segregação espacial ocorre não apenas
nas grandes áreas metropolitanas ou nas grandes cidades. Por se tratar de um fenômeno
resultante dos desequilíbrios sócio-econômicos, da alta concentração de renda e das
disputas sociais pelo controle da produção do espaço urbano, dissemina-se também em
cidades de porte médio como Florianópolis, e até em pequenas cidades, conforme
atestam pesquisas nas cidades mato-grossenses apoiadas no agronegócio (10).
Estudos da dinâmica intra-urbana apontam a tendência à concentração e aproximação
dos bairros residenciais e espaços de auto-segregação ocupados pelas camadas sociais
de alta renda no contexto intra-urbano, tendência que se evidencia não apenas nos
limites de uma cidade, mas das áreas metropolitanas brasileiras (11). A localização das
moradias das camadas mais pobres, por outro lado, ainda que vinculada e resultante
dessa mesma dinâmica sócio-espacial, apresenta especificidades locacionais, em
especial as determinações relacionadas ao mercado informal, como a localização de
favelas, situadas nas áreas centrais ou nas periferias das cidades. Conforme observa
Abramo, evidências empíricas nos estudos sobre a localização dos pobres indicam a
relação existente entre o mercado de trabalho informal e o mercado imobiliário informal,
assim como de outros fatores locacionais como a acessibilidade, a proximidade de uma
fonte de rendimento e as relações de vizinhança (12). Apontam também a relativa
diversidade entre as favelas das cidades e mesmo no contexto intra-favelas (13).
8 SUGAI, 2002: 8. 9 Entre outros, VILLAÇA, 1979, 1998; PASTERNAK, 2003; 10 Ver SUGAI & LONARDONI, 2004. 11 Cf. VILLAÇA,1979,1998; SUGAI,1994,2002 12 Ver ABRAMO, 2003. Sobre as relações de vizinhança ver também Paul Singer, 1979. 13 ABRAMO, 2003:190.
10
No caso da área conurbada de Florianópolis esse processo segregativo que vem se
consolidando desde a década de 70, é fortalecido por suas especificidades territoriais,
que contribui para promover esse processo de separação física, social e de investimentos
públicos, privilegiando a ilha em detrimento das áreas situadas no continente.
Florianópolis, cuja maior parte se situa na ilha, nos últimos anos vem sendo difundida
como uma referência em termos de qualidade de vida urbana, apresentando indicadores
extremamente favoráveis quanto à infra-estrutura urbana, aos serviços públicos, à
expectativa de vida e ao rendimento médio de seus habitantes, e que supostamente teria
conseguido reduzir a pobreza. Os dados estatísticos indicam que no período entre 1991 e
2000 houve um crescimento dos índices de rendimento médio de Florianópolis, superior
ao do país. Segundo dados do Censo Geral de 2000, considerando todas as capitais do
país, Florianópolis apresentou o maior rendimento médio – 10,7 salários mínimos – e o
maior rendimento mediano – 5,6 salários mínimos -, dentre os chefes de domicílio (14). No
entanto, se observarmos no contexto da área conurbada, chama a atenção as
disparidades sociais, visto que na área conurbada de Florianópolis cerca de 10% da
população vive abaixo da linha de pobreza, sendo que 64,2% destes habitam os bairros
situados na parte continental (Figura 2). Em torno de 20% dos chefes de família da área
conurbada recebem rendimento de até 2 salários mínimos, sendo que, como vimos, em
Biguaçu e Palhoça o índice dos que recebem esse valor mensal sobe para 29,0% e
26,4%, respectivamente (15).
14 - SUGAI, 2002. 15 - Idem, 2002.
11
Figura 2 – Localização da população por extremos de renda, (SUGAI, 2002)
Os debates que envolvem muitos dos conceitos abordados pela pesquisa evidenciam um
processo em contínua construção, devido tanto ao avanço dos estudos feitos nas últimas
décadas, como também pelas imprecisões de alguns dos termos que, embora sejam
muitas vezes empregados e se tornado de uso comum nos diversos estudos acadêmicos,
merecem ser mais bem precisados. Há duas categorias (16) centrais no trabalho que são
estruturais e se constituem em causa da geração das carências sociais e urbano-
habitacionais: a acumulação e a desigualdade, sendo que sua derivação como variável
dependente e estrutural são a pobreza e a exclusão. No entanto, o conceito de pobreza,
ainda que seja muito utilizado pelos órgãos governamentais e por estudiosos, é um termo
16 Chamamos a atenção para a diferença entre os termos categoria, conceito e acepção, entendendo que o primeiro é, conforme Marx (1857-58/1980), variável determinante, na medida em que está prenhe de causalidade. O segundo é geral para qualquer termo significante e que caracterize ou defina um significado. O terceiro é equivalente à palavra termo, podendo ser utilizado para substantivo. Buscamos nesta pesquisa a construção de termos, que vão do conceito ao termo categoria.
12
vago para se apresentar com precisão a efetiva situação da população de baixos
recursos e seus limites sócio-econômicos e espaciais. O termo exclusão, ainda que
apresente uma certa imprecisão, é mais claro do que o termo pobreza e também
evidencia a sua condição em relação aos demais extratos sociais. Exclusão é um termo
que explicita ação de isolamento, denota falta de acesso à distribuição de todos os meios
de subsistência e também às benesses urbanas, embora na maior parte das vezes se
refira a determinados bens, principalmente aos bens materiais.
Para caracterizar a situação econômica resultante do processo de acumulação e
desigualdade estrutural das populações de trabalhadores de baixa renda, têm sido
utilizados, além dos conceitos de “pobreza” e do termo “exclusão”, também o emprego de
conceitos que os territorializam, particularmente na esfera urbana, através de termos
como urbanização, periferização, favelização e favela, aglomeração e assentamentos
precários. Estes últimos são também caracterizados como subnormais, irregulares,
informais, precários ou provisórios, carentes, populares, entre outros.
No universo dos estudos sobre a informalidade urbana considera-se a compreensão
assinalada anteriormente, ou seja, a de que a pobreza é efeito estrutural do processo de
acumulação nas sociedades capitalistas atuais, cuja reprodução é estruturalmente
desigual (17). No entanto, também concordamos com SMOLKA (2003) e ABRAMO
(2003), que apontam a pobreza como causa da desigualdade social e econômica, mas
que evidenciam que a dinâmica fundiária e imobiliária tem contribuído para agravar a
situação de pobreza de populações que vivem em assentamentos precários ou favelas
(em sua forma legal e ilegal, consolidada ou não) e, inclusive, e é aí que está o aspecto
causal, reproduzindo e alongando o ciclo daquela pobreza. Neste caso, os autores
defendem a tese de que o mercado da informalidade reproduz a pobreza, sendo que os
próprios programas oficiais de regularização, que são promovidos para buscar resolver a
situação de precariedade das populações pobres, acabam encarecendo o custo de vida
das populações pobres ou carentes. Assinalam que se deveria analisar estes programas
de um ponto de vista mais amplo e crítico, abordando também a política fiscal e tributária,
etc. Contribui para esse fenômeno apontado as análises que Kowarick fazia desde os
17 Vários autores trabalham com este enfoque como CASTELLS (1970), PRADILLA (1982), PERES (1994) e outros. São estudos de natureza marxista que tem muito contribuído na elucidação da formação das classes sociais principalmente nos países periféricos.
13
anos 70, que é a espoliação do trabalho na esfera do consumo ou de uso da cidade.
Neste sentido, as políticas urbanas, através dos programas de regularização e
urbanização, podem acabar por agravar o processo de opressão e espoliação urbanas de
populações de baixa renda (KOWARICK, 1993).
Os debates acerca das conceituações de favela, loteamentos clandestinos, aglomerados
subnormais (utilizado pelo IBGE), áreas invadidas, assentamentos precários, entre outras
denominações, evidenciam também a utilização de diferentes critérios e classificações,
de acordo com a fonte. Dentre os diversos critérios adotados para definição de favela,
consideramos que um dos mais adequados é o estatuto jurídico da terra, ou seja, a
ocupação ilegal da terra (18), e não o critério da quantidade de domicílios, adotado pelo
IBGE (19). Além disso, os indicadores evidenciam que esses critérios demonstram
tendência à subestimação das favelas. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo,
pesquisas elaboradas em 1987 e em 1993 indicavam que, respectivamente, 21,9% e
21,2% da população favelada morava em assentamentos com menos de 51 unidades
domiciliares (20). Inclusive, se fôssemos utilizar unicamente os critérios adotados pelo
IBGE, Florianópolis seria considerada uma cidade praticamente sem favelas, pois os
resultados do Censo apontaram apenas quatro situações de “aglomerados subnormais”,
aonde viveriam apenas 561 famílias. O contra-senso dessa suposta condição pode ser
confirmado pela Figura 3, que indica a concentração de população e absoluta pobreza
na área conurbada (21). Esse resultado do IBGE, como veremos adiante, foi contestado
pelos levantamentos desenvolvidos na primeira etapa da presente pesquisa que, apenas
no município de Florianópolis, cadastrou 61 assentamentos precários, os quais que
continham no total mais de 13.100 moradias.
18 - TASCHNER, 2003: 27. 19 - IBGE, Recenseamento Geral, 2000. 20 - TASHNER, 2003. 21 Considerado como população que vive abaixo da linha de pobreza, conforme dados do mesmo Censo do IBGE (2000), a população sem nenhum tipo de rendimento ou auxílio alimentação que, no Brasil constituíam 9,2% da população total e, em Santa Catarina, este índice era de 4,1%. Nos municípios da Área Conurbada de Florianópolis os índices são os seguintes: Florianópolis: 4,5%, São José: 5,1%, Palhoça: 6,2% e Biguaçu: 5,6% da população sem nenhum rendimento (IBGE, 2000).
14
Figura 3 – Áreas com maior concentração de população em condições de absoluta
pobreza; Elaboração INFOSOLO, 2005 a partir de dados dos setores censitários (IBGE,
2000)
Da mesma forma, e ainda segundo esse critério do IBGE, também nos demais
municípios da área conurbada não haveria favelas. Esse critério determinou distorções
significativas também na leitura da realidade urbana da área conurbada que, como nos
demais municípios catarinenses, são formados em sua da maior parte por cidades de
porte médio e com centenas de assentamentos precários ocupados irregularmente e que
somam menos de 51 unidades habitacionais. No entanto, como veremos adiante, cerca
de 14% dos habitantes da área conurbada vivem em condições de pobreza e em
ocupações ilegais e precárias. Finalmente, outro aspecto que evidencia a fragilidade
daquele critério do IBGE é a desconsideração de que o problema social maior não é o
número de unidades habitacionais dos aglomerados, mas ao fato desses indivíduos não
terem direito de acesso ao solo ou ao reconhecimento da propriedade, ao precário
acesso à infra-estrutura, aos serviços públicos, e à inserção na cidade, a precária
15
condição habitacional dos assentamentos, o nível de qualificação profissional dos
moradores, entre outros aspectos que deveriam ser ponderados.
Em Florianópolis, o IPUF (Instituto de Planejamento Urbano) não delimita o número de
unidades para caracterizar os assentamentos de baixa renda, mas os caracteriza pela
dimensão diminuta dos terrenos (22). Mantém termos como a irregularidade legal da
ocupação, precariedade de serviço, e agrega outras definições às caracterizações
assinaladas acima, como dificuldade de acesso, espaços públicos reduzidos e existência
de população de baixa qualificação profissional. Verificamos uma configuração bastante
variada de situações econômicas, sociais, urbanas e habitacionais dos assentamentos
nos quatro municípios da área conurbada de Florianópolis: desde a antiga inserção dos
assentamentos nas encostas, que se assemelham às favelas no Rio de Janeiro, como a
área do Morro do Maciço Central, próximo ao centro histórico de Florianópolis, até a
situação de extrema e precária periferização, como em mangues, dunas e áreas
próximas a rios. A ocupação irregular ou favela Vila do Arvoredo, norte insular de
Florianópolis (Figura 8), e a favela de Frei Damião, no Brejarú, localizada nos limítrofes
de Palhoça e vizinha ao município de São José, se enquadram nas situações descritas.
Estes assentamentos, entre outros, são que mais se aproximam à caracterização de
favela, tanto pelas definições de autores como Taschner e outros assinalados
anteriormente, como pelo IBGE e IPUF, não considerando a limitação dimensional.
Outra referência conceitual e empírica que nos ajudou a precisar a diferenciação entre
favela e assentamentos consolidados foram as denominações de “acampamentos” e
“assentamentos” utilizadas pelo Movimento dos Sem Terra (MST) (23). Em parte,
utilizamos esta diferenciação quando nos referirmo-nos a ocupações irregulares que
estão em situação de “acampamento”, como estão parte da Vila do Arvoredo ou esteve a
maioria das invasões ou ocupações dos sem-teto, na sua fase inicial de ocupação, na
região conurbada de Florianópolis nos anos 80 e 90 (assentamentos de Monte Cristo, Via
22 Ainda que adote a área mínima de 128,00 m2 para as chamadas ARP-0 (“Áreas Residenciais Predominantes”), indicada no plano diretor vigente, o IPUF tem constatado terrenos de 70,00 m2 para as populações de baixa renda. O IPUF utiliza a caracterização de “população carente”, considerada “o extrato social que vive à margem das condições favoráveis do habitat humano ...” (IPUF, 1993: 10-11). 23 - Conforme esclarecemos no segundo Relatório Parcial de Pesquisa - Infosolo, março-2005, pp.19-25.
16
Expressa, etc) (24). Nos estudos de Peres (1994) verificou-se que quando cessam as
ameaças e a repressão policial por ordem de despejo, e começam as negociações e se
consegue um mínimo de infra-estrutura e serviços, aos poucos a ocupação (ou
acampamento, para os sem terra), vai “consolidando-se”, constituindo-se num
“assentamento consolidado” ou permanecendo na condição de favela. Os níveis de
diferenciação entre os assentamentos dão-se, portanto, por grau de atendimento dos
serviços, estágio de regularização dos terrenos, grau de integração na malha urbana e
aos serviços públicos, etc.
Assim, no presente estudo foi adotado o conceito de “assentamento” (25) cujo termo
subdividimos inicialmente em “favela” ou “assentamento irregular” e “assentamento
consolidado”. O conceito de favela foi utilizado conforme as ponderações de Taschner,
Preteceille & Valladares, IPUF e outros órgãos e autores citados nos estudos
preliminares, acrescentando o que assinalamos a respeito das comparações com o termo
“ocupação” entendida como “acampamento” para os sem terra (26). O termo
assentamento consolidado tem em comum com a favela, o grau incompleto ou
precário de infra-estrutura urbana e de determinados serviços, considerando que alguns
serviços podem ter ou não apoio do órgão público. No entanto, o elemento comum às
duas conformações (favela e assentamento consolidado) e a todas situações que
envolvem a informalidade do mercado de terras é a existência de posse ilegal, irregular,
informal ou clandestina dos terrenos, sejam eles servidos ou não de infra-estrutura (27).
Por outro lado, deve-se evidenciar que, como indicam muitos autores, mais do que a
insegurança da posse, certamente a ausência de infra-estrutura e a dificuldade de
superar essa condição se constituem “nos principais critérios para definir assentamentos
irregulares” (28). Em algumas situações utilizou-se o termo assentamento precário, para
indicar o grau de deficiência das moradias, de serviços, de infra-estrutura e de ilegalidade
do assentamento. Deve-se ressaltar, no entanto, o uso disseminado pelo poder público
24 - Ver PERES, 1994: capítulo7. 25 Este termo foi pela primeira vez utilizado nas conferências da UNESCO nos anos 70 e vem sendo empregado pelas conferências posteriores como as de Istambul em 1996. 26 Significando ocupação irregular, com serviços incompletos, insuficientes e precários, abrigando população de renda muito baixa, em grau de provisoriedade de moradias e de urbanização, localizando-se muitas vezes em ecossistemas frágeis. 27 - SMOLKA & IRASCHETA, 2000: 88. 28 - Durand-Lasserve, apud SMOLKA & IRASCHETA, 2000: 87.
17
catarinense, pela população, pela imprensa local e também pelos próprios moradores dos
assentamentos, do termo “comunidades” ou “comunidades carentes”. Entre outros
significados, esse tratamento evidencia uma tentativa de mascarar a condição de
pobreza, a segregação e a exclusão dessa população, além de retirar sua condição de
sujeitos e de diluir as contradições e conflitos dentro desses espaços de pobreza. No
entanto, apesar da equipe de pesquisa ter restrições ao uso do termo “comunidade”, em
função dessa autodenominação por seus moradores e destes refutarem como pejorativo
o termo favela, durante todas as visitas em campo e nos contatos desenvolvidos nas
localidades pesquisadas, a equipe Infosolo necessitou utilizar o termo “comunidade”.
Parte dessas reflexões aqui resumidas foram apresentadas no segundo Relatório Parcial
da equipe de Florianópolis, de 2005, e, longe de oferecer conceitos definitivos,
pretenderam apresentar contribuições para a construção do corpo conceitual de manejo
desta pesquisa e de aprofundamento para a futura continuidade da pesquisa.
1.2 A evolução dos espaços de informalidade
A análise do processo histórico de urbanização da Área Conurbada de Florianópolis,
indica três momentos em que a ocupação do solo urbano pela população pobre se
evidenciou espacialmente de forma concentrada. O primeiro momento, data do final do
séc. XIX, após a abolição da escravatura, quando se iniciou a ocupação da base, e
depois das encostas, do Maciço Central do Morro da Cruz (Figura 4), próximo ao centro
histórico de Florianópolis. Uma dessas ocupações das encostas, por exemplo, a
chamada Comunidade do Mont Serrat, tem como origem as populações expulsas do
entorno das áreas centrais da cidade, devido às reformas urbanas e sanitaristas
implementadas a partir da década de 20. Ao longo do século XX e, em especial, nas
últimas três décadas, o processo de desmatamento do maciço e de expansão da
ocupação de suas encostas foi contínuo. Atualmente resta apenas uma pequena área de
16 hectares remanescente da Mata Atlântica Pluvial de Encosta situada no entorno das
edificações do Hospital de Caridade, que foi erguido no século XIX, e cujo conjunto
arquitetônico e a floresta do entorno são preservados por força de decreto municipal de
1986.
A partir dos anos 60, a população de mais baixa renda que chegava a Florianópolis
resultante do processo de migração rural-urbana, começou a localizar suas moradias,
principalmente, em três grandes ocupações nas áreas continentais da Capital: 1) Morro
da Caixa, próximo à cabeceira da ponte de acesso à Ilha; 2) o bairro do Monte Cristo, na
18
divisa com o município de São José; e 3) no percurso da atual BR-282, hoje a principal
via de acesso da cidade de Florianópolis. Ao longo dos acessos viários então existentes
e que faziam a conexão entre o município de São José e de Florianópolis, em especial
nos atuais bairros de Barreiros, Roçado e Campinas, foram ocorrendo ocupações de
terras pela população migrante. Portanto, além da ocupação das encostas do maciço
central, na Ilha, iniciava-se a ocupação das periferias de Florianópolis, na parte
continental.
Figura 4 – Localização da área central de Florianópolis e Maciço Central do Morro da
Cruz, (INFOSOLO, 2005)
Esse processo determinou, durante a década de 70, um novo momento de grande
expansão dessas ocupações irregulares nas áreas localizadas na porção continental da
capital catarinense. O processo de periferização e o surgimento de novas áreas de
assentamentos precários nos limites entre os municípios de São José e Palhoça
induziram ao processo de integração e, posteriormente, de conurbação entre o tecido
urbano de São José e o de Florianópolis. Deve-se observar que na década de 60 e de
70, o crescimento populacional de São José foi da ordem de, respectivamente, 6,38% e
de 7,52% ao ano, representado em sua maioria por um contingente populacional
extremamente pobre. Esse processo de expansão de novas ocupações incrementou-se
com a conclusão da BR-101 (1970), a inauguração da nova ponte ilha-continente de
Florianópolis (1975) e com a abertura de novas vias e pavimentação dos acessos viários
19
existentes. A flexibilidade e a tolerância das legislações urbanas dos municípios vizinhos
a Florianópolis, além dos incentivos fiscais à inserção de novos empreendimentos,
favoreceram o surgimento de novas indústrias, principalmente em São José.
Contribuíram também para o processo de densificação, de verticalização das construções
e de intenso crescimento da informalidade na área continental em todo período e nas
décadas subseqüentes (Figura 5).
Figura 5 – Ocupação das áreas de pobreza da área conurbada de Florianópolis.
(INFOSOLO, 2005)
A expressiva expansão das áreas da informalidade, como conseqüência do processo de
migração rural-urbana, constituiu-se num marco da década de 70 na área conurbada,
assim como em muitas capitais e cidades de médio porte brasileiras. Foram sendo
ocupados progressivamente, quase sempre através de transações informais, irregulares
ou clandestinas, os territórios que interligavam o centro histórico de Florianópolis com o
de São José, deste último com o de Palhoça e, na década seguinte, o de São José com o
centro de Biguaçu. Esse processo contribuiu para que, durante a década de 80,
20
ocorresse a consolidação do processo de conurbação entre esses quatro municípios.
Determinou, ainda, que no final da década de 70, tenha se configurado uma extensiva
ocupação informal do solo na área conurbada de Florianópolis, onde mais de 25% da
população apresentavam rendimento familiar de até 2 salários mínimos (IBGE, 1980).
Durante a década de 80 evidenciou-se também o processo de ampliação do
desmatamento, da ocupação irregular, do adensamento do Maciço Central do Morro da
Cruz, na Ilha. Além disso, desde o início da década de 90 - concomitante à elevação do
rendimento médio da população de Florianópolis (29), do aumento populacional e
migratório e também das desigualdades sociais no contexto conurbado -, tornou-se mais
evidente: o surgimento de novos assentamentos irregulares e precários mais distantes
das áreas centrais, tanto ao longo da Ilha como no continente; a remoção pelo poder
público de alguns desses assentamentos; o processo de adensamento das favelas
existentes; e a consolidação do fenômeno da segregação sócio-espacial no contexto
conurbado.
A comparação entre as taxas de crescimento da década de 80 e ao longo da década de
90, evidencia que, ainda que tenham mantido um ritmo de crescimento alto e sempre
acima da média nacional, ocorreu um pequeno declínio nas taxas de crescimento até
então apresentadas nos quatro municípios. No entanto, constata-se que no município de
Florianópolis houve uma inversão no processo de redução da taxa de crescimento anual
que ocorria desde a década 50, aumentando o seu índice de crescimento, em especial a
partir de meados da década de 90. No período entre a contagem populacional de 1996 e
o Censo Geral de 2000, o município de Florianópolis apresentou alto crescimento
populacional, com índice de mais de 5% ao ano, combinando-se com as taxas ainda altas
dos municípios de São José, de Palhoça e de Biguaçu no final dos anos 90 (30).
Entretanto, esse aumento de crescimento populacional de Florianópolis devido ao
processo migratório da década de 90, indicou não apenas a transferência de população
29 Conforme já indicado, considerando todas as capitais brasileiras, Florianópolis apresentou o maior Rendimento Médio Mensal -10,7 salários mínimos - e o maior Rendimento Mediano Mensal - 5,6 salários mínimos -, sendo que os valores dos Rendimentos Médio e de Rendimento Mediano brasileiro são de 5 s.m. e 2,3 s.m., respectivamente. (Censo Geral IBGE, 2000). 30 Estes municípios experimentaram taxas de crescimento anuais das décadas de 80 e 90, respectivamente: Florianópolis: 2,81/3,33; São José: 4,28/2,47; Palhoça: 4,29/3,92; Biguaçu: 5,47/4,64.
21
de menor rendimentos (como prevalecia nos processo migratório das décadas de 60 e
70), mas também a de expressiva quantidade de população de maior renda.
A década de 90, portanto, marca o terceiro momento de expansão e de formação de
novos assentamentos pela população pobre. Constata-se, além do adensamento de
áreas de ocupação mais antigas, como as do Maciço Central do Morro da Cruz e os
localizados no continente, também o aumento significativo do número de áreas de
assentamentos precários nas periferias, tanto na Ilha - Tapera da Base, Saco Grande,
Vila do Arvoredo, travessão do Rio Vermelho, etc. -, como no continente – Frei Damião,
Mclaren, Pedregal, Vendaval, Praia do Tamanco, entre tantos outros. Assim, observa-se
que:
a) Houve um crescimento significativo de população em Florianópolis durante o período
1996-2000, evidenciando não apenas a transferência de migrantes em busca de
melhores oportunidades, que nos reporta ao movimento das décadas de 60 e 70, mas,
também, a migração de população de alta renda, que passa a ocupar diversas
localidades e condomínios ao longo da Ilha.
b) Manteve-se, durante a última década, a alta taxa de crescimento populacional nos
municípios conurbados situados na área continental e que receberam a maior parte dos
migrantes de menor renda, em função do maior custo do solo urbano na Ilha. Os
municípios de São José, Palhoça e Biguaçu apresentavam, no final da década de 90,
respectivamente, 19,4% 26,4% e 29% de seus chefes de família recebendo até 2 salários
mínimos (IBGE, 2000). E é na área continental, aí incluído o território de Florianópolis
situado no continente, que residem 67,8% dos chefes que recebem até 2 salários
mínimos. Essa população tem sido atraída para a área conurbada também em busca de
empregos na construção civil, resultante dos grandes empreendimentos concentrados na
parte insular de Florianópolis e que começam a se desenvolver na capital desde meados
da década de 90 (31).
31 Entre outros podemos citar podemos citar alguns empreendimentos que, inclusive tem causado polêmica a cidade pelo alto impacto ambiental, urbano e social que podem causar, como o Shopping Center Florianóplis, localizado na Sc-401 e o Shopping Center Iguatemi, situado próximo ao campus da Universidade, além de diversos condomínios verticais e horizontais. Adiciona-se pequenos empreendimentos também polêmicos devido aos impactos ambientais e urbanos e que estão em tramitação nos órgãos de planejamento, como o Shopping Center Ilha Terceira, o campo de golf do Resort Costão do Santinho, entre outros.
22
c) A população migrante pobre, além de ocupar e formar novos assentamentos na área
continental vem, a partir da década de 90, densificando ou formando diversos
assentamentos na Ilha, em especial, os localizados nas encostas do Maciço do Morro da
Cruz, nos diversos morros ao longo da Ilha e em outras áreas de risco e de proteção
ambiental, como mangues e dunas.
Em Florianópolis, na parte insular, durante a década de 90 consolidou-se cada vez mais
a ocupação do entorno do Maciço Central (Morro da Cruz), na área central de
Florianópolis e a ocupação dos bairros no entorno do Distrito Sede, como o Saco Grande,
aonde se situa o assentamento Sol Nascente, pesquisado pela equipe Infosolo.
Confirmam, portanto, as análises (32) de que a ocupação que começou pela parte leste e
norte do centro histórico de Florianópolis, expandiu-se no século XIX em direção aos
morros para além do Rio da Bulha, sendo essa área situada na base do Morro da Cruz, a
primeira área a receber populações pobres da região. Prosseguiu pela ocupação do
maciço a leste do centro em direção à área que se denominou de Monte Serrat e,
posteriormente, expandiu-se para o Morro do Mocotó. Do final do século XIX até a
década de 40, a ocupação do Maciço Central ocorre em sua parte oeste, voltada para o
centro histórico. A partir da década de 60 o campus universitário da UFSC começa a ser
construído na região da Trindade, a leste do Maciço Central. Esse fato determinou a
ocupação de seu entorno e a expansão dos bairros da Agronômica, Trindade e Pantanal,
principalmente pela classe média. A expansão do mercado formal e a valorização
crescente do preço da terra desses bairros situados na base do morro (SUGAI, 1994 e
2002) determinaram também o crescimento do processo de ocupação das encostas do
Maciço Central, em sua parte norte e leste, pela população pobre.
Os fatores assinalados evidenciam que, em parte, a dinâmica de crescimento e
correspondentes processos segregativos, tanto do isolamento da população pobre como
da auto-segregação das elites em condomínios, reproduz a essência da dinâmica urbana
de ocupação de décadas anteriores, já apontada em trabalhos como Sugai (1994 e
2002), Peres (1992), Rizzo (2000) e outros. Assim, no início do século XXI, a
concentração da população pobre e assentamentos irregulares ocorria, principalmente,
nas periferias dos municípios conurbados, no continente, e nas encostas do Maciço
Central, na Ilha. Segundo MIRANDA (2001), Florianópolis apresentava nesse período
32 CABRAL, 1968 e 1971; VAZ, 1990; PERES, 1994; SUGAI, 1994 e outros.
23
cerca de 55 assentamentos de pobreza, representando um aumento de 25% sobre a
década passada. Em 2004, a prefeitura municipal de Florianópolis, através de
levantamento expedito do IPUF, constatou 62 ocupações. Isso indica que houve
crescimento de 45% do número de assentamentos irregulares em uma década,
significando que as ocupações acompanharam o processo de crescimento da população
de Florianópolis nos anos 90, de cerca de 3,33% ao ano. Isto é, o crescimento das
ocupações esteve acima do crescimento da população como um todo principalmente nos
anos 80, aumentando esta taxa, mas abaixo das ocupações nos anos 90.
Conforme veremos em seqüência, e indicado na Figura 6, o levantamento efetuado na
primeira etapa desta pesquisa, em 2004, constatou a existência de 61 áreas de
assentamentos apenas em Florianópolis e 110 nos outros municípios da Área
Conurbada. Nestes três municípios ocorreu um expressivo aumento de 28 para 110
espaços de pobreza. Do total de 110 áreas, São José, atualmente, com conta com 66
processos de ocupação irregular, Palhoça possui 27 e Biguaçu 16, totalizando 171
favelas e assentamentos consolidados na Área Conurbada de Florianópolis (33).
1.2.1 A dimensão quantitativa e sócio-demográfica
As atividades iniciais da pesquisa procuraram aproximar-se historicamente do objeto de
estudo, buscando levantar, localizar e caracterizar os assentamentos irregulares e
precários nos municípios de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu, que compõem a
área conurbada de Florianópolis, e resgatar o processo de formação e evolução espacial
desses assentamentos. Levantar e localizar as concentrações de moradias da população
pobre determinou dois principais desafios encontrados nesta etapa: 1. a ausência de
levantamentos sistematizados ou mapeamentos das favelas, pois nas prefeituras que os
possuíam, como Florianópolis e São José, estes não se encontravam atualizados ou
precisos; 2. os critérios utilizados pelo IBGE, tanto na delimitação dos polígonos dos
setores censitários, que podem abarcar, num mesmo setor censitário, informações sobre
áreas de informalidade e de ocupações formais e, principalmente, a classificação como
“aglomerados subnormais”, apenas aqueles que abrangiam pelo menos 51 domicílios na
época do recenseamento do ano 2000. Por esta restrição um número significativo de
33 - Todas as tabelas com a listagem dos assentamentos ou localidades, do bairros, data de início de ocupação, número de população e de moradias estimadas, estão expostas no Relatório Parcial, etapa1, da equipe Infosolo, Florianópolis, Finep, maio de 2005.
24
assentamentos não foi considerado no censo oficial, exigindo que fossem feitas diversas
investigações para levantar os números efetivos de assentamentos e sua condição.
Poucos são os estudos elaborados sobre a localização, dimensão e caracterização dos
espaços de pobreza nos municípios da Área Conurbada de Florianópolis. Em
Florianópolis, os trabalhos mais consistentes, que pesquisaram e localizaram os espaços
da pobreza, foram elaborados pelo IPUF (Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis), em 1992, e por MIRANDA, em 2001, sendo que este último necessitou ter
os dados estatísticos, localizações e delimitações das manchas averiguadas de forma
mais precisa, o que se constitui numa das tarefas da equipe INFOSOLO local. Sobre os
municípios de São José, Palhoça e de Biguaçu foram consultados levantamentos
expeditos elaborados pela prefeitura ou por empresas contratadas pelas administrações
municipais, que não indicam com precisão a delimitação espacial dos assentamentos.
Obtivemos, ainda, informações cadastrais de grupos de pesquisa, em especial da
Universidade Federal de Santa Catarina, como o NESSOP/UFSC – Núcleo de Estudos
em Serviço Social e Organização Popular, com levantamentos realizados para o
Programa Fome Zero, no município de São José, e do NIPE/UFSC para o Habitar-Brasil-
BID, no município de Palhoça, mas sempre levantamentos parciais. Os mapas-base
digitalizados foram adotados de pesquisas anteriores de SUGAI (2002 e 1994). Portanto,
a equipe foi obrigada a coletar dados esparsos em vários órgãos, efetuar diversos tipos
de entrevistas para obter maior precisão, checar informações, efetuar visitas a campo,
montar e digitalizar mapas.
Contamos ainda com o levantamento dos dados dos Censos Gerais do IBGE, por setores
censitários, e para os anos de 1991 e 2000, para os quatro municípios estudados (Sugai,
2002; Infosolo, 2005). Além de sistematizar os dados estatísticos, buscamos indicar a sua
localização espacial, o que contribuiu para as análises sócio-espaciais e para verificar o
processo de transformações no período. Foram também elaborados mapas digitais para
os quatro municípios estudados, por setor censitário, o que permitiu que fossem
identificados e localizados os assentamentos informais, indicando: densidade; população
por extremos de renda; mapas digitais localizando espacialmente as áreas de maior
concentração da população de absoluta pobreza (sem renda), as de até um salário
mínimo e aquelas de um a dois salários mínimos. Como resultado deste levantamento, foi
realizado um Banco de Imagens, a partir da digitalização das imagens e mapas obtidos,
da absorção de imagens digitais de domínio público, da atualização de mapas digitais
25
elaborados por SUGAI (1994; 2002) e da produção de novos mapas digitais. Além da
digitalização e produção dos mapas citados, como os do IBGE, também se montou e
digitalizou o mapa “Mapeamento de áreas subnormais de Florianópolis: ilha e área
continental”, apoiado no mapa produzido na Secretaria de Habitação desse município.
No início da década de 90, Florianópolis possuía 55 áreas de assentamento precário e/ou
irregulares, enquanto os municípios de São José, Palhoça e Biguaçu, possuíam cerca de
28 assentamentos (dado estimado visto que não há levantamento preciso do período).
Nessa época, existiam nas encostas do Maciço Central do Morro da Cruz, na Ilha, cerca
de 17 áreas de assentamentos semelhantes. Desde então, vem ocorrendo um processo
de expansão e adensamento destas áreas. Comunidades antes isoladas, tendo como
único acesso a via que passava pela base do morro (34), encontram-se hoje bastante
adensadas e unificadas pelos assentamentos que se expandem e se entrelaçam nas
encostas do morro. É o caso, por exemplo, das comunidades do Mont Serrat, Serrinha,
Caieira da Vila Operária e Alto da Caieira, unificadas pela expansão da ocupação no topo
do Morro da Cruz.
O esforço desenvolvido para efetuar uma listagem mais precisa das favelas e sua
localização espacial foi baseada na consulta de fontes diversas como mapas, imagens
digitais, visitas a campo, inter-relacionando e cruzando as informações coletadas sobre
número de moradias, número de habitantes, a condição jurídica da terra e o início do
processo de invasão da localidade, caracterizando ocupações recentes ou
assentamentos consolidados. Como resultado, ainda que não conclusivo, apresentamos
uma listagem e mapas inéditos com a localização de 171 favelas e assentamentos
consolidados nos municípios de Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu, ocupados
por um total aproximado de 27.786 domicílios (Figura 6). Estimava-se que habitavam
esses assentamentos em torno de 111.144 pessoas, o que representava 15% da
população da Área Conurbada de Florianópolis (35).
Localizamos 61 desses assentamentos em Florianópolis, 67 em São José, 26 em
Palhoça e 16 em Biguaçu, conforme pode ser observado na Tabela 1. Das 171 favelas da
área conurbada cerca de 65% dos domicílios localizam-se na área continental, sendo que
34 Hoje denominada de Rua Mauro Ramos, mais tarde estendendo-se pelas ruas Bocaiúva até a Rua Lauro Linhares no bairro Trindade.
26
34,2% do total dos domicílios (cerca de 9.527 domicílios) localizam-se na Ilha. A maior
concentração de favelas ocorre na área central da Ilha, ao redor do maciço central,
chamado de Morro da Cruz. Nas encostas do maciço central foram contabilizadas 21
favelas e assentamentos consolidados, que abrangem 15,8% de famílias assentadas da
área conurbada (Figura 6 e Figura 7). Se considerarmos o Distrito Sede-Ilha, isto é,
todos os assentamentos localizados nos bairros centrais da Ilha, aquele percentual sobe
para 25,2% com a concentração de 25% dessas famílias. Este trabalho é relevante não
apenas porque mostra de forma inédita a listagem e sua localização com maior precisão,
mas também porque expressa um painel da situação e da condição da pobreza, em
contraposição às áreas de auto-segregação das camadas mais ricas, na área conurbada
de Florianópolis.
Tabela 1 – N° de favelas e assentamentos, por período de origem, na área conurbada de Florianópolis
Ilha Continente TotalAnterior a 1950 10 2 12 0 0 0 12 7,0%Décadas 50 e 60 8 5 13 1 0 0 14 8,2%Décadas 70 e 80 14 10 24 1 24 2 51 29,8%Décadas 90 7 5 12 4 2 14 32 18,7%Após ano 2000 0 0 0 3 0 0 3 1,8%Sem informação 0 0 0 58 1 0 58 33,9%Total existente 39 22 61 67 27 16 171 100,0%
%
Fonte de dados brutos: PMF, PMSJ, PMP, PMB, Nessop-UFSC, Nipe-UFSC.Fonte: Grupo Infosolo - Florianópolis
Biguaçu Total São José Palhoça Período Florianópolis
35 Considerando a previsão populacional estimada pelo IBGE para o ano de 2003.
27
Figura 6 – Localização dos assentamentos precários, (INFOSOLO, 2005)
Verificamos uma configuração bastante variada de situações econômicas, sociais,
urbanas e habitacionais nos diversos assentamentos situados nos quatro municípios da
área conurbada de Florianópolis: desde a antiga inserção dos assentamentos nas
encostas do Morro do Maciço Central, próximo ao centro histórico de Florianópolis, e que
se assemelham morfologicamente às favelas no Rio de Janeiro, até a situação de
periferização e de extrema precariedade, como as ocupações em mangues, dunas e
leitos dos rios.
Há situações variadas dentro do mesmo assentamento. No Morro da Penitenciária, por
exemplo, há desde barracos localizados nas cotas mais elevadas das encostas como
também casas com um maior nível de qualidade construtiva e urbana, algumas já
regularizadas e localizadas nas cotas mais baixas e próximas aos serviços urbanos.
28
Também há assentamentos que estão em vias de regularização fundiária (outorga de
título de propriedade) através de ações da Prefeitura, Habitar Brasil e BID, como os
assentamentos de Monte Cristo e, ainda, outros assentamentos que ainda mantém certa
precariedade de serviços por acumular carências ou deficiente implementação dos
programas oficiais (como a comunidade de Novo Horizonte, Chico Mendes e Nossa
Senhora da Glória pelo Programa Habitar Brasil/BID) (36).
Figura 7 – Localização dos assentamentos precários na área central de Florianópolis e
Maciço central do Morro da Cruz, (INFOSOLO, 2005 - IBGE, 2000)
Da mesma forma pode-se observar uma variedade de situações jurídicas: na maioria dos
casos, há um número significativo de casas sem nenhum contrato e em situação
irregular; em outros casos, encontram-se casas adquiridas com contrato de compra e
venda (37), mas sem o terreno regularizado; e há ainda situações de casas já
regularizadas (escrituradas), mas com insuficiência de serviços e infra-estrutura, o que é
condição constante nessas áreas. Além disso, há, também, o descompasso no ritmo do
processo de regularização, contrastando os assentamentos referidos acima, que são
relativamente recentes (a partir de início da década de 80), em comparação com os
36 Neste levantamento sobre favelas e assentamentos consolidados, não foram incluídos os conjuntos habitacionais construídos pelo Estado (Prefeitura ou COHAB), cujo cômputo, junto com habitações construídas por iniciativa individual, aumentaria sensivelmente o quadro geral da habitação na região. 37 É comum na região o morador ter contrato de compra e venda e não título de propriedade escriturado. Esta situação é minoritária. Talvez ideologicamente e no anseio de reconhecimento e inclusão social, o morador equivale o contrato de compra e venda à sua escrituração.
29
assentamentos antigos como Mont Serrat (final século XIX), que ainda mantém em sua
maior extensão a situação irregular de seus assentamentos. No entanto, considerando os
assentamentos dos quatro municípios da área conurbada, a maioria deles é irregular.
As condições de ocupação no Maciço Central de Florianópolis variam de existência de
favelas até áreas consolidadas ao longo das encostas do Morro da Cruz. O Alto da
Caieira, uma das áreas mais empobrecidas do morro e com ocupação mais recente, teve
um crescimento de pelo menos 200% nos últimos dez anos, segundo o NESSOP, e o
conjunto da Caieira da Vila Operária aumentou em pelo menos cinco vezes o número de
domicílios, segundo o IBGE (Censo, 2000). As condições de acesso ao solo nesta
localidade, segundo o NESSOP (38), revelam que 84% das famílias possuem a
propriedade ou posse da sua moradia. Porém, 36% das famílias afirmam não possuir
comprovante de propriedade, o que provavelmente expressa a parcela desta população
que ocupou diretamente o solo sem intermediários. Outros 36% possuem algum tipo de
recibo, revelando a existência do mercado informal de terras. Ainda, 22% afirmam
possuir contrato em cartório, o que não explica nem garante que sejam compras de
imóveis em situação formal, ou seja, regularizada junto à administração municipal, já que
os contratos de compra e venda de imóveis feitos pelos cartórios não constituem em
escritura pública.
A Tabela 2 confirma essa condição de irregularidade, indicando que nos quatro
municípios 80,7% dos assentamentos, tanto os precários como os consolidados, é
irregular. Dentre esses, Florianópolis apresentou a taxa de regularização mais alta, cerca
de 5% dos assentamentos, os quais situam-se em sua parte central e cujos processos de
regularização ocorreram a partir da década de 80. Este quadro é bastante ilustrativo do
processo de ocupação e autoconstrução que se acelerou a partir dos anos 80. Tornou-se
a “solução” habitacional das populações pobres que não conseguem comprar um terreno
no mercado formal pelo alto e crescente preço da terra urbana nas áreas centrais de
elevada valorização fundiária e imobiliária. A irregularidade passa a ser dominante e
condição alternativa de moradia para amplas camadas da população de baixa renda. A
alternativa que “sobra”, portanto, é a ocupação de áreas de proteção ambiental, as áreas
de risco situadas e as periferias distantes, que passam a ser a configuração cada vez
mais dominante. Este movimento dá-se pela busca de acessibilidade ao emprego,
38 Informações prestadas pela assistente social Simone, pesquisa NESSOP-UFSC.
30
proximidade a infra-estrutura, serviços e transporte, que são fatores fundamentais e
componentes de troca do mercado formal.
Tabela 2 – Áreas de favelas e assentamentos consolidados, por município e condição de ocupação – 2005
Municípios Florianópolis São José Palhoça Biguaçu TOTAL %
Ocupação regular 5 1 0 2 8 4,70%
Ocupação irregular 34 63 27 14 138 80,70%
Ocupação parcialmente regular 16 0 0 0 16 9,40%
Situação desconhecida 6 3 0 0 9 5,30%
TOTAL 61 67 27 16 171 100,00%
Fonte de dados brutos: PMF, PMSJ, PMP, PMB, Nessop-UFSC, Nipe-UFSC. Fonte: Grupo Infosolo - Florianópolis
1.2.2 A dimensão espacial: sub-urbanização e densificação
A análise da localização dos pobres na área conurbada nos indica que houve um
deslocamento e expansão de favelas ou de assentamentos precários em direção à parte
continental de Florianópolis, mais especificamente nas periferias de São José, Palhoça e
Biguaçu. Num processo contínuo de ocupação das áreas continentais, foram surgindo
novas ocupações irregulares, principalmente a partir de final da década de 70 e durante a
década de 80, nos municípios de São José, Palhoça e, na década de 90, em Biguaçu.
Houve uma evidente expansão dos assentamentos para a parte continental, acentuando-
se na última década nos municípios de Palhoça e Biguaçu.
Na parte insular de Florianópolis, pode ser observado um processo de periferização dos
assentamentos de pobreza, como, por exemplo, na parte norte da ilha - onde se
concentram os balneários de alta renda e maiores investimentos públicos e privados – e
é crescente o surgimento de favelas. A favela do Siri, por exemplo, hoje denominada de
Vila do Arvoredo (Figura 8) abriga uma população de níveis baixíssimos de renda e
vivendo em condições precárias de habitação. Esta área que surgiu no início da década
de 90 ocupando as dunas da região de Ingleses (nordeste insular de Florianópolis), área
de preservação permanente, possui atualmente cerca de 200 famílias e está em
processo de negociação com a administração municipal para viabilizar a sua
transferência. Outra área de ocupação irregular nas porções periféricas da Ilha de Santa
Catarina está localizada no Bairro do Rio Vermelho, na costa leste da Ilha de Santa de
Santa Catarina. Neste bairro existem cerca de 500 famílias em áreas de ocupação
31
irregular como conseqüência de processos de desmembramentos e loteamentos não
regularizados.
Figura 8 – Vila do Arvoredo, Florianópolis. Ocupação irregular em área de dunas – Bairro
de Ingleses, Nordeste da Ilha de Santa Catarina, (PMF, 2002)
Atualmente, as possibilidades de expansão de novas áreas de invasão, sobretudo na
parte continental do município de Florianópolis começam a esgotar-se, e verificamos um
aumento bastante significativo de espaços de pobreza em áreas continentais cada vez
mais periféricas em relação ao centro da capital (39). A pesquisa constatou o expressivo
aumento de assentamentos precários nas últimas décadas nos municípios vizinhos de
Florianópolis. Este movimento em direção às áreas continentais vem se consolidando
como uma tendência de ocupação das populações pobres do Aglomerado Urbano de
Florianópolis.
Na Ilha, apesar da concentração de favelas nas encostas do Morro da Cruz e em todo
distrito Sede de Florianópolis, houve, na década de 90, um processo de expansão para
áreas periféricas, em especial, para a região do Capivari e travessão em Rio Vermelho,
39 Os dados elaborados pelo IPUF sobre o crescimento das ocupações evidenciam o acelerado processo de expansão da área urbana e conurbada em direção aos municípios vizinhos, (São José, Palhoça e Biguaçu), ocorrendo a incorporação de antigas áreas, que o IPUF denomina de “carente”, à malha urbana, passando à condição de consolidadas.
32
ambos no norte da Ilha, e na Tapera da Base e nas Areias do Campeche, na área sul da
Ilha. No entanto, é notório o processo de fusão ou conurbação das ocupações localizadas
no Maciço Central, tendendo para o adensamento do Maciço como um todo, e aonde se
concentravam, no ano 2000, a maior parte das moradias em assentamentos informais do
município de Florianópolis. O mesmo fenômeno está ocorrendo em algumas regiões da
área continental, como as favelas do bairro de Monte Cristo em relação ao bairro Jardim
Atlântico. Apesar do custo das moradias nas favelas centrais ser um pouco maior,
somado ao intermitente crescimento da criminalidade e violência urbana nestes locais, o
adensamento dessas favelas ocorre certamente pela melhor acessibilidade e
proximidade de empregos, infra-estrutura urbana e serviços.
Uma das conseqüências da situação vivida por moradores de áreas irregulares é a falta
de acesso aos serviços públicos, e muitas vezes também de direitos básicos como
energia elétrica e água encanada. A partir da análise de dados IBGE, sobre a situação
do domicílio, e das visitas em campo pode-se verificar o nível de precariedade da infra-
estrutura dos assentamentos levantados e pesquisados, em contraste com os
investimentos públicos nas áreas habitadas pela população de alta renda, conforme
evidenciou Sugai (2002).
Deve-se considerar também a importância que exerce o sistema de transportes coletivo
no processo de localização e densificação dos espaços de pobreza na área conurbada.
No caso de Florianópolis, o sistema de transporte coletivo, principalmente as linhas de
ônibus que servem as áreas periféricas da Ilha, é historicamente ineficiente, com poucas
linhas, falta de alternativas de conexões e freqüência insuficiente de veículos, o que torna
o transporte até o centro de Florianópolis demorado e extremamente caro. A implantação
do sistema de transporte integrado, em 2003, não resolveu o problema e, nos bairros
distantes, aumentou o tempo de deslocamento. Certamente o processo de periferização
da pobreza seria ainda mais acelerado não fossem a existência de um sistema de
transporte ineficiente, as altas tarifas do transporte coletivo e os constantes
congestionamentos de veículos no percurso ilha-continente.
Outro aspecto relevante nesse processo é o crescente aumento da criminalidade, em
especial do crime organizado e homicídios relacionados ao tráfico de drogas, vem se
dando de forma rápida nesses assentamentos, principalmente nas favelas situadas mais
próximas do centro de Florianópolis – ao redor do maciço do Morro Cruz e nos acessos
ao centro de Florianópolis. Desta forma, devem ser investigados e considerados o papel
33
que esses fatores, tanto quanto a acessibilidades ou o preço dos imóveis, assim como os
aspectos sociais, como proximidade dos familiares e as relações de vizinhança,
desempenham no controle da expansão territorial, no adensamento dessas favelas e na
indução do crescimento de favelas nas áreas centrais ou periferias da Ilha e do
continente.
Finalmente, deve-se considerar outros aspectos que ajudam a entender o porquê da
expansão dos espaços de pobreza nas áreas periféricas da Ilha de Santa Catarina, onde
se localizam 88% do território do município de Florianópolis, ter sido bastante inferior à
expansão de assentamentos nas periferias da área continental e nas áreas centrais. O
progressivo processo de valorização imobiliária na Ilha, mesmo em áreas mais distantes,
decorrente de grandes interesses turísticos, de um maior controle na ocupação e de
intensos e constantes investimentos públicos (SUGAI, 2002), dirigiram parte dessa
população pobre para as periferias do continente. Por outro lado, mesmo com o preço da
terra urbana na parte insular de Florianópolis cada vez mais elevado, deve-se ter em
conta que as populações trabalhadoras necessitam também se localizar próximas às
ofertas de trabalho, o que fortalece a tendência de ocupações em áreas de risco ou de
preservação ambiental. É o caso das ocupações dos mangues, dunas e, principalmente,
das encostas do Maciço Central.
2. A ESTRUTURA DO MERCADO INFORMAL DE SOLO NAS APIS
As especificidades territoriais e sócio-espaciais da área conurbada de Florianópolis,
relatadas anteriormente, contribuíram para a atual configuração urbana e a localização e
espacialização da pobreza, tanto nas áreas situadas na ilha como no continente. Em
função dessas especificidades, assim como pela menor dimensão das favelas locais, em
comparação às de outras capitais pesquisadas pelo grupo Infosolo, desde o início da
pesquisa evidenciamos a necessidade de que as áreas de informalidade a serem
pesquisadas deveriam contemplar diferentes localizações, tanto na Ilha de Santa
Catarina como nos assentamentos situados no continente, e que apresentassem essas
diversidades e permitissem estudos comparativos entre os assentamentos pesquisados.
A escolha preliminar determinou a utilização de alguns critérios para a definição daqueles
assentamentos que teriam o mercado informal pesquisado e que permitiriam o estudo
comparativo entre:
34
a) as favelas situadas áreas centrais e as das periferias da área conurbada;
b) as favelas situadas na Ilha em relação às do continente;
c) as favelas situadas nas periferias da Ilha e as da periferia no continente;
d) favelas com boa acessibilidade e proximidade de infra-estrutura e serviços urbanos e
outras em condições bastante precárias.
Selecionamos inicialmente cinco assentamentos de maior interesse:
1. “Vila do Arvoredo” (cerca de 200 moradias), favela recente situada sobre as dunas da
praia de Ingleses (Distrito de Ingleses do Rio Vermelho, a nordeste da Ilha), também
conhecida com favela do Siri, com moradias bastante precárias;
2. “Morro da Penitenciária”, assentamento consolidado com cerca de 300 domicílios e
localizado na parte central de Florianópolis, nas encostas do Maciço Central, chamado de
Morro da Cruz;
3. “Chico Mendes”, com aproximadamente 500 domicílios, uma das sete favelas situadas
no bairro Monte Cristo, área continental de Florianópolis, e que apresenta alto índice de
pobreza e de violência e contemplado com os programas Habitar Brasil e Habitar Brasil
BID;
4. “Tapera da Base”, assentamento irregular com aproximadamente 1.223 domicílios,
situado a sudoeste da Ilha, também caracterizado pela pobreza, pela violência urbana e
pela ausência de infra-estrutura urbana;
5. Frei Damião, no Brejaru, com cerca de 1.100 domicílios, favela em processo de
ocupação, situada nos limites dos municípios de São José e Palhoça e que é
considerada a que apresenta as piores condições de pobreza, violência e abandono,
dentre as favelas da área conurbada. Dentre os critérios utilizados para a escolha desses
assentamentos, além da localização e características, também se considerou os contatos
com as lideranças locais e, em algumas delas, trabalhos anteriores de extensão
universitária.
Posteriormente houve o cancelamento 3 das áreas de informalidades selecionadas
preliminarmente – Chico Mendes, Vila do Arvoredo e Morro da Penitenciária -, cujos
35
motivos são esclarecidos em seguida, e, por sua vez, foram escolhidas outras áreas de
informalidades, totalizando 6 áreas de pesquisa, localizadas em três municípios da área
conurbada de Florianópolis, conforme descrevemos no item 2.1. As alterações das
comunidades escolhidas para a aplicação dos questionários foram definidas por
diferentes motivos. A comunidade do Chico Mendes é uma das sete favelas situadas no
bairro Monte Cristo, área continental de Florianópolis, e havia sido escolhida por se
localizar em área continental de grande densidade, por apresentar alto índice de pobreza
e também por ter sido contemplada com os programas Habitar Brasil e Habitar Brasil BID;
no entanto, em função da violência e disputas entre os diferentes grupos do bairro, o líder
comunitário que havia aceitado ser guia, Sr. Antônio, achou mais sensato que fosse
suspensa a entrada em campo dos nossos pesquisadores, o que inviabilizou a pesquisa
na área. A favela da Vila do Arvoredo tem processo de ocupação recente, no início dos
anos 90, e tem como especificidade o fato de estar situada sobre as dunas da praia de
Ingleses (Distrito de Ingleses do rio Vermelho, a nordeste da Ilha), também conhecida
com favela do Siri, com moradias bastante precárias. A própria comunidade da Vila do
Arvoredo vem, nos últimos anos, controlando a expansão sobre as dunas; no entanto, os
conflitos e debates sobre a permanência dos moradores em APP (Área de Preservação
Permanente), as imensas dificuldades de se morar sobre dunas e a insalubridade do
local, assim como as pressões de setores da classe média alta que ocupam o balneário,
estão coagindo a Prefeitura para a transferência dessa comunidade. Esses fatos têm
gerado instabilidade e insegurança sobre a permanência dos moradores, o que afeta a
comercialização dos imóveis do assentamento, não sendo, portanto, adequado para a
pesquisa sobre mercado imobiliário. O Morro da Penitenciária é um assentamento
consolidado localizado na parte central de Florianópolis, nas encostas do Maciço Central
do Morro da Cruz, situado na divisa entre o bairro da Agronômica e da Trindade, bairros
cujos imóveis sofrem crescente processo de valorização.
Esta é uma comunidade organizada e de grande interesse em ser pesquisada, mas as
dificuldades de contato, as demoras nas respostas das lideranças locais, a necessidade
de autorização e apoio em função do tráfico de drogas, sinalizaram as dificuldades que
poderíamos ter para levar a contento a pesquisa de campo e decidiu-se por não efetuar
pesquisa no local.
36
2.1 As áreas escolhidas e suas principais características
Os critérios de escolha das 6 comunidades que foram pesquisadas considerou o
processo histórico de ocupação, a especificidade territorial e a distribuição sócio-espacial
dos 171 assentamentos levantados nos quatro municípios, na primeira etapa desta
pesquisa. Considerou também a representatividade dos assentamentos frente aos quatro
critérios de localização descritos nos parágrafos anteriores – maciço central da ilha;
periferia da ilha; periferias da área continental; a existência ou ausência de
acessibilidade, infra-estrutura e serviços -, escolhas que possibilitariam maior diversidade
de amostras e maior riqueza para os estudos comparativos entre as áreas de
informalidade pesquisadas. Deve-se observar que foram escolhidas duas comunidades
localizadas nas faces sul e leste do Maciço do Morro da Cruz, na área central de
Florianópolis, em função de sua representatividade. Nas encostas desse maciço
localizam-se cerca de 21 comunidades, com aproximadamente 7.000 moradias (2000), e
que representam a maior concentração populacional e espacial da pobreza da área
conurbada. No contexto da área conurbada foram escolhidos e pesquisados o mercado
imobiliário informal de 6 comunidades, a saber:
Quatro no município de Florianópolis: Serrinha (centro da ilha, a leste do Maciço
Central); Morro da Queimada (centro da ilha, a sul do Maciço Central); Sol Nascente
(direção do norte da ilha); e Tapera da Base (sul da ilha); Uma no município de Palhoça:
Frei Damião; Uma no município de São José: Solemar.
No Relatório Parcial elaborado em dezembro de 2005 foram indicadas e descritas, além
das características de cada uma das seis áreas de informalidade pesquisadas, ou
comunidades como são tratadas em Florianópolis, também o trabalho de campo
desenvolvido e os esclarecimentos de todos os procedimentos de pesquisa. Foram
relatados desde a escolha e treinamento dos pesquisadores (10 estudantes de
graduação do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC), dos guias em cada
comunidade, o cotidiano da pesquisa, as correções dos questionários, além do
levantamento preliminar dos questionários e entrevistas por local e dos tipos de
questionários. No decorrer da pesquisa de campo foram feitas reuniões semanais com
cada aluno-pesquisador, além de três reuniões gerais de todo grupo, nas quais foram
feitas troca de experiências, avaliações e sugestões dos estudantes. Essas reuniões do
grupo de pesquisadores, bolsistas e professores, assim como as avaliações relatadas
pelos guias e líderes comunitários demonstraram o sucesso da pesquisa de campo, tanto
37
em termos da qualidade e fidedignidade dos levantamentos realizados e, principalmente,
frente à riqueza do aprendizado e das experiências vividas por todos os que estiveram
envolvidos nesse trabalho. Foram anexadas, ainda, como fonte de esclarecimento do
cotidiano da pesquisa, as diversas tabelas de uso interno da equipe de bolsistas, assim
como cronogramas, modelos de crachás e certificados adotados.
Apresentamos, a seguir, as características de cada uma das áreas de informalidade
pesquisadas e também as atividades e procedimentos de pesquisa relevantes em cada
uma dessas comunidades. Foram selecionadas e pesquisadas as seguintes seis áreas
de informalidade:
2.1.1 Serrinha (Florianópolis)
Características: Conhecida como comunidade da Serrinha, esse assentamento ocupa
as encostas e parte do topo do Maciço do Morro da Cruz, em sua face leste. Situa-se no
bairro da Trindade e outra pequena parte direciona-se para o bairro do Saco dos Limões.
Dividida pelos órgãos de planejamento da Prefeitura Municipal de Florianópolis como
Serrinha I e Serrinha II constituem-se, em sua maior parte, de ocupações irregulares.
Parte dos moradores da Serrinha I ocupam área de propriedade da UFSC, parte do
campus universitário situado nas encostas do morro. Na base do Morro encontra-se o
campus da Universidade Federal de Santa Catarina, cuja demanda por pequenos
apartamentos quitinetes e quartos para aluguel tem repercutido no mercado imobiliário
formal e informal, inclusive com pressões do mercado formal em avançar nas encostas
em áreas do mercado informal. A Serrinha I começou a ser ocupada em meados da
década de 60 em continuidade à ocupação da Caieira da Vila Operária, no Saco dos
Limões, cuja ocupação iniciou-se na década de 50; e a Serrinha II em meados da década
de 80, e constituída também por lotes regularizados. O conjunto das duas áreas possui
mais de 1.100 domicílios. No entanto, nos últimos anos houve um processo de
transferência e venda dos lotes da Serrinha II para setores da classe média, muitos
vinculados à universidade e órgãos públicos situados no entorno do morro. Atualmente,
mais da metade da comunidade da Serrinha II, situada na parte mais baixa do morro, é
habitada por população classe média, ainda que muitos não possuam escritura definitiva.
Em função do avanço de empreendimentos imobiliários voltados para a classe média nas
encostas do morro, o setor da Serrinha II apresentava renda média de 9,47 salários
mínimos mensais (IBGE, 2000). A área informal da Serrinha, e que foi pesquisada, a
38
Serrinha I, constitui-se um conjunto de, aproximadamente, 440 moradias. Nessa parte da
comunidade, cerca de 47,0% da população recebe até 3 salários mínimos mensais,
sendo que o rendimento médio do conjunto dos responsáveis pelo domicílio era de 5,38
salários mínimos mensais (IBGE, 2000). A localização central e estratégica desta
comunidade, próxima a um mercado imobiliário dinâmico, a grande demanda de imóveis
determinada pela proximidade do campus, a existência de infra-estrutura urbana e da boa
acessibilidade do entorno constituíram-se em elementos importantes para a escolha da
área para pesquisa. Além desses fatores, que possibilitam interessantes estudos
comparativos, a estrutura organizacional da associação dos moradores local e a
receptividade das lideranças comunitárias foram determinantes para a definição e
escolha da comunidade.
Pesquisa de campo na Serrinha: A Serrinha foi a primeira área de informalidade a ser
pesquisada. A nossa guia, Sra. Clara, é uma agente de saúde que trabalha e habita na
comunidade há muitos anos e que se mostrou muito receptiva à pesquisa. Conhece bem
os moradores e os espaços internos do bairro e nos foi indicada pelo Sr. Volnei, então
Presidente da Associação Comunitária. É também muito respeitada, o que se confirma
por sua recente eleição para Presidente da Associação de Moradores. Foi na Serrinha
que toda equipe pôde experimentar e aperfeiçoar o desenvolvimento das entrevistas,
assim como sanar as dúvidas dos alunos pesquisadores e respostas dos entrevistados, à
medida que todos adquiriam prática e destreza. Não houve nenhum problema relativo à
violência ou ao tráfico de drogas, e o maior desafio foi enfrentar o sol e calor excessivos,
somados às dificuldades de acesso pela topografia acidentada. Justamente esta
topografia é responsável por demarcar a comunidade na parte baixa, mais consolidada, e
na parte alta, uma ocupação mais recente. Esta demarcação se refletiu nos resultados
obtidos. Nas áreas mais consolidadas, e aonde há melhor acessibilidade, obtivemos
maior número de questionários, em sua maioria de aluguel. Ao final dos trabalhos ficaram
pendentes cerca de quinze domicílios, onde não foi possível fazer as entrevistas mesmo
depois dos pesquisadores retornarem várias vezes.
39
Figura 9 – Serrinha
2.1.2 Morro da Queimada (Florianópolis)
Características: Localizado nas encostas do Maciço do Morro da Cruz, em sua face sul,
esse assentamento situa-se no bairro do José Mendes, próximo à área central da cidade
e de seu centro histórico. A maior parte dos moradores que habita próximo à base do
Morro possui imóvel regularizado, sendo que a ocupação irregular ocorre nas partes mais
altas do Morro, onde se desenvolveu a pesquisa. Nas últimas décadas, com a expansão
das ocupações nas encostas do Maciço, houve um processo de conurbação entre os
diversos assentamentos, que formaram um tecido contínuo de ocupações irregulares no
Morro da Cruz que dificultam a delimitação espacial das comunidades. Nesta parte sul do
Maciço as ocupações das encostas cresceram a partir do Morro do Mocotó, comunidade
próxima à área central e uma das primeiras ocupações de Florianópolis, e a partir do
Morro da Queimada, ocupação iniciada no bairro José Mendes, na década de 50. O alto
do Morro da Queimada apresenta cerca de 250 domicílios cujo rendimento mensal é de
40
3,78 salários mínimos. A escolha da área deveu-se ao interesse em se obter outras
informações em relação ao mercado imobiliário informal no Maciço do Morro da Cruz que
pudessem fornecer referências ao estudo comparativo nas áreas centrais de
Florianópolis, em especial com a Serrinha, e com outras comunidades da Ilha.
Pesquisa no Morro da Queimada: A comunidade do Morro da Queimada substituiu
nossa primeira alternativa que era a comunidade do Morro da Penitenciária, também
situada no Maciço do Morro da Cruz. O Morro da Queimada atendia aos nossos
objetivos de pesquisar numa comunidade já consolidada e que ficasse na área central de
Florianópolis. Trata-se de uma comunidade com tamanho reduzido, mas em continuidade
espacial com a comunidade do Morro do Mocotó. Assentada sobre terreno muito
íngreme, são comuns situações com risco de desabamento e deslizamento de terras e
pedras. Nesta comunidade, não fomos acompanhados por apenas um único guia e sim
por diversos membros da associação, de acordo com a disponibilidade. Isso prejudicou o
andamento dos trabalhos, porque nem sempre a mesma equipe de alunos voltava e o
guia daquele dia muitas vezes não sabia o que já sido rastreado ou não, exigindo
constantes checagens e atrasando o desenvolvimento da pesquisa nesse local.
Figura 10 – Morro da Queimada
41
2.1.3 Tapera da Base (Florianópolis)
Características: Constitui-se num assentamento irregular situado na parte sudoeste da
Ilha, voltada para a baía sul, e distante cerca de 29 km do centro de Florianópolis. A
Tapera da Base caracterizava-se até a poucos anos pela pobreza, pelos esgotos
correndo a céu aberto, pelas gangues, pela violência urbana, pela implantação de “toque
de recolher” pela Polícia Militar no ano de 2001, pela existência de apenas uma rua
pavimentada e pela ausência de infra-estrutura urbana. Vem apresentando alterações
neste quadro em função das manifestações populares junto à Prefeitura Municipal e
também pelo visível interesse de setores da classe média em adquirir propriedades
situadas na orla da baía para veraneio. Esses fatos geraram ações do poder público,
como o início de calçamento de ruas, a retificação de alguns córregos como o da rua do
Juca, a instalação de posto e de ronda policial e de outros serviços. Trata-se ainda, no
entanto, de uma comunidade isolada espacialmente e com precária acessibilidade, tanto
pela orla da baía sul, como pela SC-405. A barreira ao acesso de carros particulares a
partir do aeroporto pela via SC-401, que margeia a orla da baía sul, é determinada pela
localização da Base Aérea na orla. Por outro lado, observa-se a inadequação dos outros
acessos, em especial das precárias condições de manutenção da rodovia que faz
conexão da Tapera com a SC-405 e o Campeche, hoje praticamente de terra batida. O
processo de ocupação da Tapera iniciou-se no final da década de 80, nas terras
próximas à orla de acesso à Base Aérea, e expandiu-se na década de 90 através de
grilagens. A comunidade da Tapera da Base certamente é uma das maiores da área
conurbada, mas existem grandes discrepâncias nos dados sobre o número de moradia.
Segundo o IBGE haveria cerca de 1.223 moradias (ano 2000), mas segundo contabiliza a
Associação dos Moradores da Tapera da Base, os números mais atualizados indicam
cerca de 4.000 domicílios e mais de 15.000 moradores. Os números da Associação
envolvem a Tapera da Base e a favela do Pedregal, ocupação mais recente situada do
outro lado da rodovia de acesso à Tapera. Devido à sua grande extensão horizontal e às
diferentes morfologias, não apresenta homogeneidade sócio-espacial. Apesar da orla
apresentar algumas casas de veraneio, a grande maioria vive nas áreas mais internas e
próximas do mangue. Cerca de 34,55% de seus moradores recebem até 2 salários
mínimos mensais e o rendimento médio mensal é de 3,65 salários mínimos, bem abaixo
da média de Florianópolis que é de 10,7 salários mínimos mensais. As grandes
dimensões da Tapera da Base, seu relativo isolamento e desconhecimento pela
população de Florianópolis dado pela dificuldade de acesso, o fato de ser uma
42
comunidade consolidada e organizada, com mercado imobiliário em expansão e
localizada no sul da Ilha, determinou o interesse de investigação e a sua seleção para
pesquisa de campo.
Pesquisa de campo na Tapera da Base: A Tapera da Base constituiu-se na maior área
de informalidade pesquisada, aonde foram feitas cerca de 43% das entrevistas, e
também a mais extensa e populosa dentre as comunidades escolhidas. Assenta-se sobre
terreno plano, próximo ao mar e com acesso difícil porque além de quase 30 km distante
do centro, a comunidade situa-se “vizinha” a Base Aérea de Florianópolis onde não é
permitida a passagem de carros, apenas de transporte coletivo. Este isolamento dá à
Tapera da Base especificidades que nos interessavam, sobretudo porque tínhamos
informações sobre o recente e significativo crescimento da comunidade. Na Tapera não
houve acompanhamento diário de guia. Foram feitos contato prévio com o presidente da
associação, que fez alguns dos acompanhamentos e apresentações em reuniões e nos
assegurou sobre as condições de segurança da comunidade. Neste caso os estudantes
andavam em duplas (uma dupla por rua), até que esta fosse completamente rastreada. A
ausência de um guia constante, justamente em uma comunidade dessa dimensão,
resultou numa demora maior dos trabalhos. Como não conheciam os moradores, os
alunos eram obrigados a bater em todas as casas para se certificar de que o universo da
pesquisa estava sendo abordado. O grande número de casas fechadas exigiu que os
alunos voltassem, em alguns casos até três vezes, para se certificar se tratava ou não de
morador que deveria ser entrevistado. Este foi um trabalho demorado por que nem
sempre uma casa pendente era próxima a outra e demandava muita caminhada, para
poucos questionários. A comunidade possui diferentes graus de consolidação,
apresentando desigualdades sócio-espaciais, com uma parte da população de renda
muito baixa habitando as áreas próximas ao mangue, e uma parte com um poder
aquisitivo mais alto, e situada próxima à praia da Tapera. Inclusive, deve-se observar que
na Tapera, os alunos relataram problemas em relação ao título da pesquisa, pois os
moradores de maior poder aquisitivo não se identificavam com a palavra pobre presente
no título (folders, crachás, etc.) e se sentiam constrangidos em responder às perguntas.
43
Figura 11 – Tapera da Base
2.1.4 Solemar (São José)
Características: Solemar constitui-se numa ocupação irregular situada no bairro Bela
Vista, distrito de Barreiros, no município de São José. Apesar de situar-se na periferia da
área continental, mantém relativa proximidade física dos bairros centrais de São José e
dos acessos às vias que se dirigem a Florianópolis. Com a abertura da chamada Avenida
da Torres (referência às torres de alta tensão) próxima à comunidade, uma via paralela à
BR-101, mas situada na parte mais elevada dos morros, a distância entre essa
comunidade e o centro de Florianópolis é de aproximadamente 15 km. Uma das
características da população do Solemar e das comunidades vizinhas, como o Pedregal,
é a sua extrema pobreza. A renda média mensal de seus moradores é de 2,35 salários
mínimos, sendo que 10% de seus moradores não apresentam nenhum rendimento.
44
Conforme os indicadores do Censo do IBGE (2000), que dividiram a comunidade em dois
setores censitários diferentes, num deles cerca de 76% dos moradores recebiam até 3
salários mínimos mensais e, no outro setor censitário, isso ocorria com cerca de 57% de
seus moradores. O processo de ocupação do Solemar é recente, e data do início da
década de 90. O número de moradias no Censo do IBGE (2000) era de 468 domicílios,
mas o levantamento de comunidades carentes da Prefeitura Municipal de São José, em
2003, indicava 369 domicílios. A aparente redução de moradias deve-se à dimensão dos
dois setores censitários, que abarcavam área maior do que a da comunidade de Solemar.
Uma primeira aproximação através da pesquisa de campo indica que essa é uma
comunidade em processo de consolidação com equilíbrio entre as operações de compra,
venda e aluguel.
Pesquisa de campo no Solemar: O contato com esta comunidade, ao contrário dos
demais, não foi feito através da Associação dos Moradores, mas numa das visitas à
comunidade. Trata-se de um dos mais antigos moradores do local, chamado Oziel.
Informou-nos sobre o histórico da comunidade, o processo de ocupação e expansão e os
problemas de tráfico de drogas e violência que esta vinha enfrentando. Fez os contatos
necessários e as autorizações junto aos grupos locais para garantir a entrada em campo
e a segurança da equipe de pesquisadores. Em função de sua dificuldade de tempo para
acompanhar os pesquisadores, fez contato com outro morador, seu Antônio, vinculado à
Associação dos Moradores e que auxiliou nas atividades de guia. Os trabalhos de campo
foram feitos nos finais de semana a pedido dos guias. A dificuldade e a escassez de
horários de ônibus para essa comunidade nos finais de semana exigiu que os
deslocamentos fossem feitos sempre de carro. Entre todas as comunidades esta foi,
segundo os pesquisadores, a que deixou mais evidente a tensão provocada pelo tráfico,
e a sensação de estar em constante vigilância.
45
Figura 12 – Solemar
2.1.5 Frei Damião (Florianópolis)
Características: Situado na localidade conhecida como Brejaru, este assentamento
localiza-se na divisa entre os municípios de São José e de Palhoça. Através da BR-101,
a comunidade situa-se a, aproximadamente, 30 km do centro de Florianópolis. Frei
Damião é considerada uma das áreas de informalidade que apresenta as piores
condições de pobreza, de ausência de infra-estrutura urbana, de violência e de
abandono, dentre todas as favelas da área conurbada. Há, inclusive, um estigma de ser
um morador na área, relatado pelos próprios habitantes, que evitam identificar seu local
de moradia quando procuram emprego. Trata-se de uma ocupação recente, iniciada em
1993, em processo de expansão e de ocupação. Uma das características da área é que
parte considerável de seus moradores trabalha como catadores de lixo reciclável. A
comunidade ocupa área aterrada, de topografia plana, definindo ocupação horizontal e de
grande extensão. Atualmente, conforme a Associação dos Moradores, há cerca de 1.400
domicílios no conjunto da comunidade, dividida em 3 faixas mais homogêneas
internamente. O Censo Geral do IBGE, de 2000, indicava 318 domicílios e, no ano de
2001, o levantamento da Prefeitura Municipal de Palhoça contabilizava 1000 domicílios.
Mesmo que haja erros grosseiros nos indicadores, que na verdade são bastante
confiáveis, esses números sugerem um processo crescente de expansão da ocupação. A
46
renda média mensal do conjunto de responsáveis pelo domicílio é de 2,06 salários
mínimos, sendo a mais baixa dentre as favelas pesquisadas. Até meados da década de
90 a área pertencia ao município de São José. No entanto o total descaso com que a
comunidade era tratada, e a sua maior proximidade com a área urbana de Palhoça,
contribuíram para que a comunidade se organizasse e reivindicasse a anexação da área
ao município de Palhoça. A escolha desta área, ainda que parte dela esteja em processo
de ocupação, deve-se também ao fato de apresentar características sócio-econômicas e
espaciais extremadas, em função de sua localização no contexto conurbado e da
reduzida informação que se têm sobre a comunidade.
Pesquisa de campo no Frei Damião:
A comunidade do Frei Damião fica na divisa entre os municípios de Palhoça e de São
José e constitui-se numa das áreas de maior pobreza da região metropolitana. Trata-se
de uma comunidade distante 30 km de área central da capital, com topografia plana que
facilmente sofre alagamentos e inundações e com precária infra-estrutura. Possui cerca
de 1400 moradias. A guia local foi a presidente da Associação dos Moradores da
comunidade local, Srª. Olália, que dividiu os trabalhos com outra moradora, Sra.Verônica.
Aqui foram recorrentes os contratempos causados pela constante assédio que as guias
sofriam dos moradores locais para resolução de problemas ou de demandas que, em
alguns casos, prejudicaram a eficiência dos trabalhos. Da mesma forma que a
comunidade de Solemar, aqui também a distância e a escassez de horários de transporte
dificultaram o trabalho de campo, o que exigiu o uso de carro dos alunos ou professores
para efetuar os deslocamentos. A comunidade apresenta problemas de violência em
algumas áreas específicas, que se constitui no interesse de mudança do local por grande
número de moradores, confirmada pelo número de questionários de venda, de 57,7% do
total, quando nas demais comunidades a porcentagem máxima foi de 28%. Para se ter
idéia do abandono de seus moradores, em meados do ano 2006, a empresa de
transporte que serviam à população do Brejaru suspendeu essa linha de ônibus alegando
a violência e o grande número de assaltos aos ônibus dessa linha.
47
Figura 13 – Frei Damião
2.1.6 Sol Nascente (Florianópolis)
Características: O Sol Nascente é uma das 6 comunidades, reunidas em seis diferentes
associações de moradores, situados no bairro de Saco Grande, que se situa a 13 km a
norte do centro de Florianópolis. Essas comunidades ocupam as encostas dos morros
ao longo da Rodovia Virgílio Várzea, paralela à rodovia SC-401, rodovia que faz a
conexão entre a área urbana central e o norte da Ilha. A comunidade escolhida localiza-
se na parte central deste extenso aglomerado e está organizada na Associação dos
Moradores Sol Nascente. As populações desse bairro apresentam rendimento médio de
4,2 salários mínimos, sendo que 38,99% da população do bairro recebe até 2 salários
48
mínimos. A diferença entre os rendimentos médios mensais das seis comunidades que
ocupam as encostas varia de 2,74 salários mínimos mensais - na Vila Cachoeira,
ocupação mais recente iniciada na década de 90 -, até 4,99 salários mínimos - no Morro
do Atanásio, ocupação mais antiga iniciada na década de 60. O bairro ainda apresenta
um alto índice de chefes de família sem renda, cerca de 9,15%, quando a média de
chefes sem nenhum rendimento de Florianópolis é de 4,45% (IBGE, 2000). Além da
localização estratégica desta comunidade no contexto conurbado, que oferece
possibilidade de importante estudo comparativo entre as comunidades pesquisadas,
também a organização da comunidade constitui-se em um aspecto relevante para as
análises e justificou a sua escolha para pesquisa de campo.
A população desta comunidade, através da Associação Sol Nascente, tem o controle
sobre a coleta, o represamento, o reservatório, o tratamento, o uso, a distribuição, a
manutenção e a cobrança da água potável, além do controle sobre a preservação dos
mananciais e da ocupação dos córregos. Certamente esse controle pela Associação, o
cadastro dos moradores, a organização e independência frente ao poder público
constituem instrumento eficaz de controle em relação à expansão do tráfico de drogas, da
violência urbana e a ocupação por novos moradores. Por outro lado, vem ocorrendo uma
perceptível mudança do perfil de renda dos moradores na base das encostas do Morro, o
que é fortalecido pela localização do bairro, situado na direção norte da Ilha, para onde
se concentra a expansão de bairros residenciais de mais alta renda, dos investimentos
públicos, além de investimentos privados de grande porte, como um grande shopping
center que está sendo construído na base deste morro, entre a SC-401 e a rodovia
Virgílio Várzea. O interesse do capital imobiliário pelas áreas na base do morro, e a sua
localização estratégica em relação às áreas de auto-segregação das camadas de alta
renda, na metade norte da ilha, evidenciam essa possível mudança de perfil dos
moradores e de conflitos com o capital imobiliário, constituindo-se mais um dos motivos
que justificaram a pesquisa dessa área de informalidade.
Pesquisa de campo no Sol Nascente: Através de uma primeira visita e contato com um
funcionário da associação, Beto, constatou-se que se tratava de uma comunidade
organizada cuja associação era responsável pelo abastecimento de água local. Havia um
cadastro dos moradores locais, que serviu de base para levantamento prévio dos
possíveis entrevistados. Segundo relato de moradores locais, o abastecimento próprio de
água desperta nos moradores sentimento de orgulho da comunidade, que se tornam
49
mais seletivos quanto ao crescimento excessivo da comunidade e a necessidade de sua
preservação. Observa-se pelos resultados da pesquisa de campo que a maioria absoluta
de questionários, cerca de 76,1%, são de aluguel, refere-se a quitinetes construídas por
moradores locais. Como guia, tivemos o Beto e um outro morador, Alfredo Ortiz, que
também trabalha na associação como entregador de carnês de cobrança da água
comunitária, cujo conhecimento detalhado da comunidade e de seus moradores facilitou
a localização dos moradores a ser entrevistados.
Figura 14 – Sol Nascente
50
2.2 As principais características do mercado informal de solo
A média de entrevistas por comunidade que esta pesquisa realizada pelo grupo
INFOSOLO girou em torno de 10,4% das entrevistas dentre o cômputo total de 4.366
domicílios nos seis assentamentos informais, localizados nos municípios conurbados de
Florianópolis, e que foram objeto de acordos ou transações comerciais imobiliárias
informais em 2005. Os percentuais de transação ocorreram nos últimos nove meses,
efetuadas de janeiro a setembro de 2005, recorte temporal estabelecido pela pesquisa.
Com isso, pode-se verificar o comportamento e movimento da comercialização de
imóveis dos seis assentamentos informais estudados.
O acesso aos resultados da pesquisa apontou a riqueza das informações e o imenso
potencial que representam para se compreender o mercado imobiliário informal, a
mobilidade intra-urbana e as condições de habitação dos moradores dos assentamentos
precários. Indicou, também, que há um mercado informal de compra, venda e aluguel de
imóveis na região conurbada de Florianópolis, podendo-se constatar o comportamento e
o movimento da comercialização de imóveis em assentamentos informais. O universo de
moradores em imóveis alugados, comprados recentemente, ou à venda, evidenciou um
mercado imobiliário bastante dinâmico, cujas características relataremos neste item do
presente relatório de pesquisa, e que é também influenciado pela localização do
assentamento ou comunidade no contexto da área conurbada, além do nível de
consolidação da própria comunidade.
Esclarece-se que, cinco das seis favelas ou assentamentos estudados, constituem-se em
comunidades mais consolidadas. No entanto, a comunidade de Frei Damião apresenta
ocupação recente, com áreas ainda em processo de ocupação. Encontra-se também em
processo de negociação com a prefeitura de Palhoça para obter implantação dos
serviços básicos. Portanto, a análise de Frei Damião deve ser matizada com esta
particularidade, quando se analisa o funcionamento dos sub-mercados e demais
informações desta comunidade.
2.2.1 Composição dos sub-mercados de aluguel e comercialização (geral e por comunidade)
Do total de questionários aplicados, 30,3% deles eram de responsáveis pelo domicílio
que estavam com seu imóvel à venda, 42,2% dos entrevistados foram os que alugavam
51
um imóvel e 27,5% dos entrevistados eram os que haviam comprado imóvel no período
(ver Tabela 3). O sub-mercado de aluguel é o que tem maior índice, o que se confirma
observando-se os três sub-mercados por comunidade na mesma Tabela: todas
apresentaram sempre maior incidência de aluguel com exceção de Frei Damião, que
apresenta apenas 6,4% de transações neste sub-mercado, porque ela estava ainda em
processo de ocupação, ao contrário das demais favelas que estão mais consolidadas.
Estes índices majoritários na transação de aluguel mostram a carência por imóveis e
evidenciam com mais certeza a demanda local. Este aspecto é o que mais chama a
atenção, pois revela o grau de informalidade da população local como também a sua
mobilidade residencial, como veremos mais adiante.
Tabela 3 – Porcentagem de questionários de venda, aluguel e compra (INFOSOLO, 2005)
COMUNIDADE TOTAL VENDA %
TOTAL ALUGUEL %
TOTAL COMPRA % TOTAL %
Tapera 56 28,1 81 40,7 62 31,2 199 100% Frei Damião 45 57,7 5 6,4 28 35,9 78 100% Solemar 5 25,0 8 40,0 7 35,0 20 100% Serrinha 20 24,4 38 46,3 24 29,3 82 100% Queimada 2 9,1 19 86,4 1 4,5 22 100% Saco grande 10 18,5 41 75,9 3 5,6 54 100% TOTAL 138 30,3 192 42,2 125 27,5 455 100%
Constatou-se que as áreas localizadas na parte central e insular do município e
Florianópolis têm, proporcionalmente, maior percentagem de aluguel que as áreas mais
periféricas, mostrando-nos a maior demanda por habitação nestas áreas, ainda que o
movimento de venda e compra seja significativo. Deve-se ponderar, no entanto, que a
comunidade de Frei Damião é um assentamento em processo de ocupação, onde o
mercado de aluguéis é recente, por isso tem índice baixo deste tipo de transação.
Relacionando os sub-mercados de aluguel, verifica-se que os 23,9% da renda familiar
ficam comprometidos com o custeio do aluguel. Os preços elevados pagos nos aluguéis,
como, por exemplo, na comunidade do Sol Nascente, no Saco Grande, indicam a
existência de um mercado imobiliário informal de terras; acabam não apenas
reproduzindo a pobreza, mas também impondo à população formas de exploração que se
assemelham ao do mercado imobiliário formal.
Considerando-se na Tabela 4 abaixo a média de 10,42% dos domicílios que tinham
algum tipo de transação, a comunidade que apresentou maior número de transações do
mercado imobiliário informal foi a Tapera da Base com 16,27% dos imóveis envolvidos
52
em algum tipo em alguma operação imobiliária ou em deslocamento recente. É seguida
pela Serrinha com 12,42% e Sol Nascente com 9,00%, todas localizadas na parte insular
do município de Florianópolis. As comunidades da área continental, situadas nos
municípios vizinhos, apresentaram índices bem inferiores de transação (Solemar com
8,70% e Frei Damião com 5,57%), conforme indica a Tabela abaixo.
A comunidade da Serrinha, situada no Maciço Central, possui índice de 12,42% de
imóveis transacionados no período pesquisado de 2005. Os motivos que justificam essa
condição talvez sejam pela proximidade a um mercado imobiliário dinâmico próximo à
UFSC. O índice elevado de transações (16,27%) da Tapera da Base pode ser explicado
por vários fatores entre os quais: a) segundo informou o presidente da Associação dos
Moradores da Tapera da Base, havia uma sinalização positiva da Câmara dos
Vereadores favorável à aprovação de um projeto de lei para regularização de setores do
bairro, integrando-os no circuito formal da terra; b) pelo fato de que está próxima à praia,
o que pode ser de interesse mais relacionado aos setores imobiliários formais e das
classes médias. Sol Nascente, embora esteja com um índice de transações mais baixo,
9,0%, o qual está na média das transações por domicílio, sofre pressão no preço de suas
transações pela proximidade a um eixo viário e de equipamentos no entorno da SC 401.
Pesquisa recente realizada na Serrinha (40), com abrangência de todo universo do sub-
mercado de aluguel existente na comunidade, independente do período de aluguel do
imóvel, indicou que cerca de 18,8% do total dos 660 domicílios da comunidade
constituem-se em casas alugadas. Este dado indica a necessidade de estender esta
investigação para a totalidade dos imóveis alugados nos demais cinco assentamentos
pesquisados, apontando para a possibilidade das transações de aluguel poderem ter uma
presença ainda mais expressiva da que se apresentou nesta pesquisa.
Tabela 4 – Porcentagem de questionários em relação ao número de domicílios, (INFOSOLO, 2005)
COMUNIDADE Nº de moradias
(preliminar) TOTAL VENDA %
TOTAL ALUGUEL %
TOTAL COMPRA % TOTAL %
Tapera 1223 56 4,58% 81 6,62% 62 5,07% 199 16,27%Frei Damião 1400 45 3,21% 5 0,36% 28 2,00% 78 5,57% Solemar 230 5 2,17% 8 3,48% 7 3,04% 20 8,70%
40 Refere-se à pesquisa da dissertação de Mestrado, sub-produto desta pesquisa, que vem desenvolvendo a acadêmica Fernanda Lonardoni no Programa de Pós-Graduação “Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade” da Universidade Federal de Santa Catarina.
53
Serrinha* 660 20 3,03% 38 5,76% 24 3,64% 82 12,42%Queimada 253 2 0,79% 19 7,51% 1 0,40% 22 8,70% Saco grande 600 10 1,67% 41 6,83% 3 0,50% 54 9,00% TOTAL GERAL 4366 138 192 125 455 10,42%
O alto índice de transações relativas ao sub-mercado de aluguel pode ser indicativo de:
a) uma condição de transitoriedade; b) ausência de espaço para novas ocupações na
comunidade; c) demanda por moradia, paralela à insuficiência de recursos dessas
famílias para adquirir imóveis nas favelas; d) tempo menor de permanência,
considerando que a maior parte dos migrantes do sub-mercado de aluguel chegou nos
últimos anos na área conurbada. Deve-se observar que nem sempre o fato de a pessoa
estar alugando imóvel significa renda menor, como vemos no caso do Frei Damião ou de
Solemar, ambos na área continental. Ao contrário, os indicadores demonstram que no
sub-mercado de aluguel a renda média do entrevistado e a renda média domiciliar eram
mais elevadas do que a renda média e a renda média domiciliar de quem havia
comprado imóvel. No entanto, mais adiante, na análise dos preços de comercialização,
verificar-se-á a relação entre a renda domiciliar e o valor do aluguel e o quão significativo
é o papel que o valor do aluguel ocupa na renda domiciliar dos entrevistados.
2.2.2 Estrutura sócio-demográfica
Como indica a Tabela 5, a renda média domiciliar do conjunto de entrevistados ficou em
R$ 869,20 (2,89 salários mínimos), sendo que renda média domiciliar mais baixa e a
renda média domiciliar mais alta foram apresentadas, respectivamente, pelas
comunidades de Frei Damião, com renda média dos entrevistados de R$ 618,61 (2,06
s.m.), e de Sol Nascente, com renda média de R$1.043,75 (3,47 s.m.). Por ordem
decrescente, a renda média domiciliar das comunidades ou assentamentos estudados
foi: Sol Nascente, Tapera da Base, Morro da Queimada e Serrinha e, por último, Solemar
e Frei Damião, áreas localizadas na periferia de Palhoça e São José respectivamente.
Esta diferença indica que os domicílios situados nos assentamentos localizados na parte
insular tendem a ter níveis salariais maiores do que os assentamentos localizados na
parte continental, demonstrando que há uma diferença entre as rendas domiciliares das
populações das áreas de informalidade localizadas nas periferias dos municípios situados
no continente e as populações de menor renda próximas às zonas mais valorizadas e
centrais da ilha. Tanto as famílias que compraram como as que venderam imóveis, as
maiores rendas familiares se concentram nas comunidades localizadas na Ilha de Santa
Catarina (Queimada, Sol Nascente, Tapera e Serrinha). À exceção da Tapera, as outras
54
três comunidades estão localizadas próximas às áreas de alto valor imobiliário (nos
bairros ao redor do Maciço Central e no eixo institucional e comercial da SC 401, corredor
de acesso às praias do norte da Ilha).
Tabela 5 – Renda Domiciliar Média de cada comunidade (%), (INFOSOLO,2005)
COMUNIDADE SOMA DAS
RENDAS MÉDIA QUANT. SAL.
MIN.
Tapera da Base R$188.858,00 R$ 958,67 3,19
Frei Damião R$48.252,00 R$ 618,61 2,06
Solemar R$13.485,00 R$ 674,25 2,24
Serrinha R$66.216,00 R$ 817,48 2,72
Morro da Queimada R$19.707,00 R$ 895,77 2,98
Sol Nascente R$56.363,00 R$ 1.043,75 3,47 RENDA MÉDIA GERAL R$ 392.881 00 , R$ 869,20 2,89
Tabela 6 – Renda domiciliar média e renda por responsável * (em salários mínimos), (INFOSOLO, 2005)
VENDA COMPRA ALUGUEL
COMUNIDADE
Renda Média do
Responsável Renda Média
Domiciliar
Renda Média do
Responsável
Renda Média
Domiciliar
Renda Média do
Responsável Renda Média
Domiciliar
Tapera da Base 2,69 3,37 2,3 3,22 2,24 3,05
Frei Damião 1,61 2,15 1,4 1,85 1,73 2,4
Solemar 2 2,26 1,34 1,83 1,88 2,6
Serrinha 2,05 2,89 1,84 3,09 1,84 2,41 Morro da Queimada 1,33 3,33 3,67 6,67 2,09 2,76
Sol Nascente 3,31 4,43 1,75 3,22 2,18 3,27
TOTAL 2,24 2,94 1,95 2,83 2,1 2,9 (*) – considerando os responsáveis com renda.
Analisando a renda domiciliar média nos três tipos de sub-mercados (venda, compra e
aluguel), (Tabela 5 e Tabela 6), observa-se que Frei Damião (2,4 s.m.), Serrinha (2,41
s.m.) e Solemar (2,60 s.m.) são os assentamentos menor renda média domiciliar no sub-
mercado de aluguel e Solemar (1,83 s.m.) e Frei Damião (1,85 s.m.) têm os menores no
sub-mercado de compra. Na venda, Frei Damião (2,15 s.m.), Solemar (2,26 s.m.) e
Serrinha (2,89), sendo esta a menor da parte insular, apresentam as menores rendas
média domiciliar. Nas três transações, Frei Damião e Solemar têm a menor renda média
55
domiciliar, o que mostra que as populações de menor renda média domiciliar se localizam
na parte continental e periférica. A variação entre a maior e menor renda média nas três
transações está no sub-mercado de compra (Solemar com 1,83 s.m. e Morro da
Queimada com 6,67 s.m.), chegando a 3,64 (41) vezes. Já as menores diferenças entre
as rendas familiares estão no sub-mercado de aluguel.
Constata-se que as populações que alugaram ou compraram têm, no conjunto das
transações, as menores rendas médias domiciliares. Quem vende se encontra em uma
situação mais estabilizada na favela, além do fato de que conta com o patrimônio à
venda. Mas, muitos dos que vendem indicaram que precisavam vender por motivos
financeiros ou o fariam para obter uma renda extra e comprar um imóvel mais barato, às
vezes na própria comunidade.
Como mostra a Tabela 7 (42), 65,10% são oriundos da área conurbada de Florianópolis e
do interior de Santa Catarina e 34,90% são de outros estados. Destacam-se os
percentuais de pessoas vindas da região conurbada entre os assentamentos estudados:
a Tapera da Base com 38,20% e Sol Nascente com 29,60%, sendo que os
assentamentos localizados na parte continental, Frei Damião e Solemar, é que têm os
menores percentuais de pessoas oriundas da área conurbada. Isto mostra uma
mobilidade intermunicipal e intraurbana, que analisaremos melhor no item sobre
Mobilidade mais adiante.
Considerando-se os dados desagregados, que mostram origem das populações pó
transação, a partir da Tabela 7 e Tabela 8 , nos sub-mercados de venda e compra há os
41 Ainda que possa haver uma distorção na renda média domiciliar do Morro da Queimada, verificando-se a segunda renda mais alta (Sol Nascente com 4,43 s.m. na venda), este índice é 2,4 vezes maior que Solemar (aluguel). Relativiza-se a renda média domiciliar da comunidade Morro da Queimada, porque, verificando-se as respostas dos questionários, vê-se que é muito alta (R$ 2.000,00) com relação às demais comunidades, onde a renda domiciliar mais alta é R$ 966,67 é a da Sol Nascente e a mais baixa da comunidade Solemar (R$ 547,00). Examinando-se as respostas dos questionários referentes à renda média por pessoa que contribui com a renda, verifica-se que as pessoas entrevistadas na Morro da Queimada são poucas com relação às demais comunidades: somente 1 pessoa contribui, além do responsável, e somente 2 pessoas sobre o total de pessoas que contribuem (responsável e os demais), quando a média nos dois casos nas cinco comunidades é de 15,8 pessoas que contribuem, além do responsável, e 38,6 do total de pessoas que contribuem. 42 Para não estender muito o texto com muitas tabelas, resolveu-se compactar os dados das transações nas tabelas 5 e 6, para o leitor ter uma idéia geral da origem das populações residentes nas três favelas ou assentamentos.
56
maiores percentuais de população com origem em SC, 74,64% e 74,20%
respectivamente, sendo que na transação de aluguel há menor percentual com 51,56%.
Neste sub-mercado, os percentuais de outros estados são maiores no conjunto dos três
sub-mercados: 20,31% (PR), 21,35% (RS) e 6,77% (outros estados). Nas áreas
periféricas, há maior incidência de população de fora de Santa Catarina, como Frei
Damião (60%, aluguel), Solemar (50,00%, aluguel e 42,86% na compra), e Sol Nascente
(33,33% na compra), ainda que o Morro da Queimada tenha percentuais significativos de
populações de outros estados nas transações de aluguel e compra.
Tabela 7 – Origem dos entrevistados (%), (INFOSOLO,2005)
ÁREA
CONURBADA SC RS PR OUTROS
Tapera da Base 38,2% 28,6% 11,1% 10,1% 12,1% Frei Damião 9% 57,7% 12,8% 15,4% 5,1% Solemar 0% 65% 0% 25% 10% Serrinha 8,5% 58,5% 8,5% 19,5% 4,9% Morro da Queimada 18,2% 22,7% 18,2% 18,2% 22,7% Sol nascente 29,6% 33,3% 14,8% 20,4% 1,9% TOTAL 24,2% 40,9% 11,2% 14,9% 8,8%
Tabela 8 – Origem dos migrantes (%), (INFOSOLO,2005) SC RS PR OUTROS TOTAL
Tapera da Base 46,3% 17,9% 16,3% 19,5% 35,7% Frei Damião 63,4% 14,1% 16,9% 5,6% 21,7% Solemar 65% 0% 25% 10% 5,2% Serrinha 64% 9,3% 21,3% 5,3% 11%
Morro da Queimada 27,8% 22,2% 22,2% 27,8% 5,8% Sol Nascente 47,4% 21,1% 28,9% 2,6% 20,6% TOTAL 53,9% 14,8% 19,7% 11,6% 100%
Analisando a Tabela 8, o percentual de migrantes de fora do estado de SC (46.10%) é
expressivo e mostra a tendência de crescimento deste contingente. Fazendo um
cruzamento nos três sub-mercados, verifica-se que principalmente Morro da Queimada,
Tapera da Base e Sol Nascente têm populações com maioria de origem em outros
estados. Pode-se ver que dos três, dois são de assentamentos periféricos, com exceção
do Morro da Queimada. A comunidade de Frei Damião, com 63,4% de migrantes de SC
e com a menor população originária da área conurbada, revela as últimas tendências de
periferização da população de outros estados. Esta tendência iniciou-se nos anos 80 e
57
tende a se pronunciar. Este quadro fornece indícios de que a população de outros
estados poderia tender a residir na periferia (43).
Como se verifica na Tabela 9 abaixo, os responsáveis que possuem trabalho remunerado
são em 76%, 74,6% e 88,0% respectivamente nas transações de compra, venda e
aluguel. No entanto, entre os assentamentos, os percentuais na venda são os de mais
baixa remuneração na média, sendo que no Solemar (40%) e Tapera da Base (66,01%),
há existência de significativa população sem trabalho remunerado. O Solemar tem
presença de população de baixa renda e é área periférica de São José, más próxima das
vias centrais de acesso a Florianópolis. A Tapera da Base é área periférica da parte
insular e tem forte presença de pobres.
Tabela 9 – Responsáveis por domicílio que possuem trabalho remunerado, (INFOSOLO,2005)
COMUNIDADE COMPRA % VENDA % ALUGUEL % Tapera da Base 40 64,5% 37 66,1% 67 82,7% Frei Damião 23 82,1% 39 86,7% 5 100,0% Solemar 6 85,7% 2 40,0% 8 100,0% Serrinha 22 91,7% 15 75,0% 35 92,1% Morro da Queimada 1 100,0% 1 50,0% 17 89,5% Sol Nascente 3 100,0% 9 90,0% 37 90,2% TOTAL 95 76,0% 103 74,6% 169 88,0%
A Tabela 10 mostra a presença significativa de empregados (57,8%) e de trabalhadores
por conta própria (27,2%). Considerando o vínculo empregatício e trabalho remunerado
por transação em cada comunidade, os 57,8% na média da percentagem de
empregados, desdobram-se da seguinte forma: 39,95% (compra), 53,40% (venda) e
71,01% no aluguel. Chama a atenção o sub-mercado de aluguel que apresenta maior
índice para o trabalho remunerado (88,00%) (ver Tabela 7 – responsáveis por domicílio e
que tem trabalho remunerado) e com maior índice de população empregada (71,01%).
Embora estes dados mostrem que há um alto grau de remuneração, onde é elevado o
percentual de empregados, não há garantia de que sejam formalizados sob contrato com
carteira assinada. Por outro lado, como vimos na análise que se fez anteriormente, as
transações de compra e aluguel concentram a população de menor renda em relação à
43 Peres (1994), assinalava essa tendência na análise das comunidades da região de Monte Cristo, em Florianópolis.
58
venda. Pode-se deduzir que a transação de aluguel, ainda que tenha maior população
com trabalho remunerado e empregada, abriga população de renda mais baixa, o que
revela o nível de precarização desta população. A presença do trabalho por conta própria
é significativa na transação à venda com 35,92%, e a remuneração de outras fontes não
reveladas na compra é alta com 30,53%. É muito significativo que os assentamentos
com maior incidência de aluguel, em sua grande maioria, têm algum trabalho
remunerado, inclusive porque em função do alto valor (proporcional na renda para eles)
não teriam como alugar no mercado formal. Mas não dá para saber se esses que têm
algum trabalho remunerado sejam do mercado formal.
Tabela 10 – Natureza do vínculo empregatício em relação aos que têm trabalho remunerado, (INFOSOLO,2005)
Empregados % trabalhador doméstico % Coopera-
tivado % conta própria % outros % total de
empregados
Tapera da Base 72 50,0% 4 2,8% 0 0,0% 37 25,7% 31 21,5% 144 Frei Damião 26 38,8% 6 9,0% 1 1,5% 31 46,3% 3 4,5% 67 Solemar 12 75,0% 0 0,0% 0 0,0% 4 25,0% 0 0,0% 16 Serrinha 54 75,0% 4 5,6% 0 0,0% 14 19,4% 0 0,0% 72 Morro da Queimada 12 63,2% 0 0,0% 0 0,0% 6 31,6% 1 5,3% 19 Sol Nascente 36 73,5% 4 8,2% 0 0,0% 8 16,3% 1 2,0% 49 TOTAL 212 57,8% 18 4,9% 1 0,3% 100 27,2% 36 9,8% 367
Do conjunto das três transações, os assentamentos que estão em condição mais precária
em empregabilidade são, pela ordem, Frei Damião (38,8%), Tapera da Base (50,00%) e
Morro da Queimada (63,20%), sendo que este assentamento tem menor incidência desta
condição nas pessoas que alugam. São as áreas periféricas (insular e continental) que
estão em piores condições em empregabilidade.
Das 455 pessoas entrevistadas (44), 64% foram do sexo masculino e 36% do sexo
feminino, proporção que se mantém nas três transações e na maior parte das
44 Com exceção do sub-mercado de venda em Solemar, Serrinha e Sol Nascente, em que 80% são do sexo masculino; também no caso de compra e de venda do Morro da Queimada, cujo maior número de casos se concentrou em aluguel. Estes dados não são definitivos, considerando que apenas a metade dos casos os domicílios é sustentada apenas pelo entrevistado – 48,4% no aluguel, 49,6% na compra e 53% na venda -, e nem sempre o chamado chefe de família é o que possui o salário mais maior do domicílio, estando muitas vezes desempregado, devendo, portanto, também ser relativizado o papel do chamado responsável pelo domicílio. Isto é, o perfil de gênero do entrevistado deve ser ponderado com estas observações.
59
comunidades pesquisadas. Com relação à composição etária e de gênero, há maior
incidência entre os entrevistados de população entre 31 a 50 anos nas transações de
aluguel (42,71%), em primeiro lugar, e compra (51,20%), em segundo lugar, sendo que a
população que vende é de maior idade, com maior incidência nas faixas entre 31 a 50
anos (55,07%) e 51 a 70 anos (23,19%). Tanto em aluguel como em compra, as faixas de
renda entre 26 e 30 anos (19,79% e 20,80% respectivamente) e depois entre 21 e 25
anos (18,75% e 14,40%) têm peso significativo depois da faixa entre 31 e 50 anos
(42,71% e 51,20%).
Quanto ao gênero com relação aos entrevistados, destaca-se um maior equilíbrio de
gênero nas transações de aluguel, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, ocorrendo
uma maior presença do sexo masculino na transação de venda. No conjunto das três
sub-mercados, é significativa a presença da população mais jovem e da mulher. Há
cerca de 20% dentre os que fizeram transações que são mulheres e que sustentam
sozinhas a casa, mesmo morando com um companheiro. Em quase todas as
comunidades; em geral, predominam mulheres migrantes, desde mulheres com 74 anos
até jovens com 16 anos (45). Aprofundar-se-á este aspecto mais no item sobre
Mobilidade.
2.3 Características do produto - locação/comercialização - oferta e demanda
Considerando-se os resultados obtidos em relação ao padrão construtivo das habitações
nas áreas de informalidade da região de Florianópolis, um dos fatores que mais chama a
atenção é o tipo de material utilizado para construção das paredes. Em relação a esse
acabamento, o padrão construtivo dessas habitações concentra-se, basicamente, em
dois tipos: paredes de alvenaria ou paredes de madeira. As demais alternativas
existentes na pesquisa (folha de zinco, estuque, papelão, taipa e plástico) não foram
indicadas, demonstrando que praticamente não são utilizadas nas áreas de informalidade
da região. Com base na Tabela 11, a análise dos resultados gerais, e tendo em vista o
conjunto dos entrevistados dos 3 sub-mercados nas 6 comunidades pesquisadas,
demonstra essa afirmação: 35,2% das habitações são construídas de madeira e 64,0%
são construídas em alvenaria. Para facilitar as análises e tendo em vista a particularidade
45 Aprofundaremos melhor a análise do conjunto destes dados no item de Mobilidade.
60
do emprego da madeira nas áreas urbanas, centrar-se-ão os estudos nas construções de
madeira.
Tabela 11 – Padrão Construtivo – média geral por comunidade,
(INFOSOLO, 2005) ALVENARIA MADEIRA OUTRO
Tapera da base 70,9% 28,6% 0,5% Frei Damião 30,8% 69,2% 0% Solemar 40% 45% 15% Serrinha 57,3% 42,7% 0% Morro Queimada 86,4% 13,6% 0% Sol Nascente 96,3% 3,7% 0% TOTAL 64% 35,2% 0,9%
Comumente compreende-se o uso da madeira nas áreas de informalidade como sinal de
precariedade e de pobreza de sua população. No entanto, na análise do padrão
construtivo no sul do país, deve ser levado em conta que a madeira é largamente
utilizada e que a sua técnica construtiva é bastante difundida e conhecida popularmente.
Certamente o aumento no custo da madeira em tábuas em relação à redução do custo do
tijolo, nas últimas décadas na região, deve ter reduzido o uso da madeira e disseminado
o uso do tijolo. Ou seja, o amplo uso da madeira nas comunidades da área conurbada de
Florianópolis não se constitui num indicador de pobreza extrema. Essa questão pode ser
confirmada efetuando-se correlações entre o uso construtivo de madeira nas
comunidades pesquisadas e a metragem quadrada por domicílio ou a relação entre o uso
da madeira ou alvenaria e o tipo de cômodos da edificação (se tem varanda, por
exemplo) ou entre o uso da madeira e a renda dos entrevistados ou o uso da madeira ou
alvenaria e o custo da compra dos domicílios.
Relacionando-se os dados sobre as características ou padrões construtivos (utilização de
alvenaria ou madeira), é significativa a presença das construções de madeira nas
transações de compra (51,20%) e venda (38,4%). Mas, o que chama a atenção é a baixa
percentagem nos imóveis alugados: 22,4%; o predomínio das casas de alvenaria é de
76%. Por outro lado, considerando que é dominante nas áreas de informalidade no Brasil
edificações de alvenaria, deve-se tornar como significativa a percentagem de madeira
presente nos assentamentos analisados.
61
Os dados por assentamento ou área levantada, na transação de compra, mostram que as
percentuais maiores de casas de madeira pela ordem são: Solemar (71,43%), Frei
Damião (67,86%), Serrinha (62,50%) e Tapera da Base (40,32%). Para a venda, os
percentuais são, na ordem: Frei Damião (71,11%), Serrinha (60%), Solemar (40%) e
Tapera da Base (12,50%). No entanto, já para a transação de aluguel, os números são os
seguintes: Frei Damião (60%), Tapera da Base (30,86%), Solemar (25%), Serrinha
(21,05%), Morro da Queimada (15,79%) e Sol Nascente (4,88%). Pode-se concluir que a
maior incidência de casas de madeira se dá em áreas periféricas e de maior
precariedade nas três transações, como são Frei Damião e Solemar, junto com Tapera
da Base na transação de compra. Mesmo assim deve-se considerar determinadas áreas
mais pobres desta comunidade, pois nas transações à venda é alta a percentagem de
imóveis: 85,71%.
Examinando-se a Tabela 11 e Tabela 12, que agregam estes dois tipos de sistema, por
comunidade e em todas as transações, confirma-se a análise que se fez acima: a
presença significativa do uso da madeira na Serrinha com 42,7%, sendo seguida de
Solemar com 45%, Tapera com 28,6% e Morro da Queimada com 13,6%. Dos
assentamentos insulares e localizados próximos de áreas valorizadas, a Serrinha é o que
mais utiliza construções de madeira (42,7%), assim como Solemar (45,0%).
Tabela 12 – Padrão Construtivo – média geral nos três sub-mercados (%),
(INFOSOLO, 2005) aluguel compra venda
COMUNIDADE alvenaria madeira outro alvenaria madeira outro alvenaria madeira outro
Tapera 69,1% 30,9% 0,0% 59,7% 40,3% 0,0% 85,7% 12,5% 1,8% Frei Damião 40,0% 60,0% 0,0% 32,1% 67,9% 0,0% 28,9% 71,1% 0,0% Solemar 50,0% 25,0% 25,0% 28,6% 71,4% 0,0% 40,0% 40,0% 20,0% Serrinha 78,9% 21,1% 0,0% 37,5% 62,5% 0,0% 40,0% 60,0% 0,0% Morro da Queimada 84,2% 15,8% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% Sol Nascente 95,1% 4,9% 0,0% 10 ,0% 0 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0%
Comparece, portanto, nas transações de compra e venda, a Serrinha, o que pode
explicar alguns fatores como: 1) topografia acidentada da região, como ocorre no
62
Solemar (46), ainda que em determinadas áreas acidentadas como o Morro da Queimada,
é pouca, comparativamente, a presença de casas de madeira; 2) proximidade da área
aos serviços e alta procura de imóveis, que levam o proprietário a colocar à venda ou
comprar um imóvel de madeira, entendendo-se aqui de baixa qualidade ou feito de forma
mais rápida.
Como se pode verificar, a presença da madeira é significativa. Apesar de que, por
exemplo, são poucos os migrantes da região de Lages, 50% das pessoas que
compraram domicílio e 50% dos que pretendem vender vieram desta região e das
cidades ao redor: São José do Cerrito e Campo Belo do Sul. Nestas regiões, a
população local está acostumada a construir suas habitações com madeira. Podemos
dizer que a relação que a população do sul mantém com a madeira é completamente
diferente de outras regiões do país, particularmente a região sudeste (47).
Por último, invertendo a análise, ou seja, passando a analisar o imóvel de alvenaria, vê-
se sua presença dominante na maior parte dos imóveis de aluguel e com maior
incidência na parte insular de Florianópolis e nas áreas próximas às regiões mais
valorizadas ou centrais, como no Sol Nascente (95,12%), Morro da Queimada (84,21%) e
Tapera da Base (69,14%), ficando em último as áreas periféricas Solemar (50%) e Frei
Damião (40%) (48).
46 No entanto, Frei Damião é uma área plana e com alto índice de construções de madeira (69,2%). Neste caso, a explicação é a velocidade das ocupações e a existência de população vivendo em precárias condições e com baixo nível de renda. 47 No Rio de Janeiro e São Paulo, as periferias pobres são construídas de tijolo. Além disso, deve-se considerar que na região sul e extremo-sul do país a casa de madeira não é sinônimo de barraco. Inclusive aqui, não necessariamente a renda é das mais baixas do Brasil, está acima, na média, da renda mediana do Brasil que era 2,3 salários mínimos; ou seja, no ano 2000, metade da população brasileira ganhava menos que 2,3 s.m. por mês. Então, os entrevistados estão, na sua maioria, em situação precária. Sobre eles trabalharem com madeira e irem passando para a alvenaria, é a seqüência que as populações adotam. Não é somente uma questão cultural o uso da madeira no sul, mas porque conta o fator durabilidade e mais ainda porque o tijolo é muito mais barato que a madeira tratada. A madeira utilizada geralmente é de segunda ou de terceira, com custo abaixo do tijolo. 48 Em Peres (1994), analisou-se como a adoção da alvenaria significa consolidação do assentamento, conforme análises feitas nas três comunidades de Monte Cristo, parte continental de Florianópolis, limítrofe com o município de São José. A suspensão das ameaças de expulsão garantia a permanência dos ocupantes na área por um tempo, o que permitia o “investimento” na casa com os excedentes que vão obtendo. Este processo foi acompanhado também da ampliação da rede de infra-estrutura. No início, toda área era ilegal e sem reconhecimento oficial. Posteriormente, com a pressão dos moradores, começa o poder publico a implantar a infra-estrutura. Concomitantemente a este processo, começam os moradores a adotarem um tipo mais “sólido” de construção, em que a alvenaria é o sistema mais adotado, substituindo, aos poucos, as construções de zinco, madeira de terceira ou quarta categoria e vedações de com restos de papelão.
63
Com relação ao número de cômodos na média das 6 comunidades, fica evidente o perfil
claro das transações: o sub-mercado venda com 5,92 cômodos, em seguida a sub-
mercado compra com 5,39 e o sub-mercado aluguel com 4,90 cômodos. O sub-mercado
de venda configura-se como a situação de maior estabilidade sócio-econômica nos
assentamentos estudados tanto pelo fato de que têm maior tempo de permanência, o que
se revela pela idade, número de aposentados, do sexo masculino e com população
majoritariamente de origem em Santa Catarina, como vimos nas tabelas anteriores. O
sub-mercado de aluguel é que se encontra com a situação mais frágil sócio-
economicamente com menor número de cômodos, população mais jovem, maior
incidência do sexo feminino (49) e de população majoritariamente de origem de outros
estados. Deste quadro, a Serrinha e Morro da Queimada é que têm menor metragem por
imóvel, pelo fato de se localizarem próximas às regiões da cidade mais valorizadas e de
maior demanda de imóvel para alugar.
A Tabela 13 abaixo mostra outra evidência: ainda que o tipo de imóvel dominante seja a
casa como 99,30% para a venda, 99,20% para a compra, chama a atenção o aluguel
que, apesar do alto percentual de 86,98%, são elevados os percentuais nos
assentamentos localizados na parte insular central com presença de domicílio de
apartamento como a Serrinha com 21,10%, Sol Nascente como 19,51%. que se em
contra próxima a eixo viário e de equipamentos com processo de valorização e Morro da
Queimada com 15,79%.
Mas, o que se destaca é o alto percentual de apartamento para alugar (12,00%), com
21,10 na Serrinha, 19,50% na Sol Nascente e 15,98% no Morro da Queimada e todas
áreas insulares e próximas às zonas valorizadas do mercado formal com elevados
investimentos públicos e privados. Significa que começa a haver um investimento ou
"preparação" para o "mercado" de aluguel. Estes dados indicam o início de uma
“especialização” do sub-mercado de aluguel neste tipo de imóvel (50); ou seja, os imóveis
49 Ainda que se deva relativizar este setor, pois nem sempre a mulher é responsável pelo domicílio. 50 Este fenômeno não ocorre nas transações de venda e compra, onde os índices de domicílios tipo casa são 99,28% e 99,20% respectivamente. Mesmo nestes sub-mercados, somente a Serrinha aparece isolada com um pequeno índice 5,0% de “sobrado com comércio” na transação de venda e 4,17% na compra. Estes índices reforçam a hipótese de que começa a haver um sub-mercado de apartamento para alugar, particularmente na Serrinha.
64
para alugar não são os que são utilizados para casa somente, mas que há construções
destinadas a este tipo de sub-mercado.
Tabela 13 – Tipo do domicílio por comunidade e sub-mercado, (INFOSOLO, 2005) venda compra aluguel
COMUNIDADE Casa apartamento sobrado e comércio casa apartamento sobrado e
comércio casa apartamento sobrado e comércio
Tapera da Base 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 93,8% 4,9% 0,0% Frei Damião 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% Solemar 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% Serrinha 95,0% 0,0% 5,0% 95,8% 4,2% 0,0% 76,3% 21,1% 2,6% Morro da Queimada 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 84,2% 15,8% 0,0% Sol Nascente 100,0% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% 80,5% 19,5% 0,0%
TOTAL 99,3% 0,0% 0,7% 99, % 2 0,8% 0,0% 87,0% 12,0% 0,5%
2.4 Formas de financiamento
2.4.1 Características institucionais e rotinas (procedimentos de compra, venda e aluguel)
Para a transação de venda, adotadas para a fixação dos preços, a média do preço fixado
a partir dos preços dos imóveis estipulados em placas nas ruas da comunidade foi de
(34,03%) e 31,88%. Também tem referência nos gastos realizados na construção ou
reforma, sendo que os preços estipulados a partir das comunidades do entorno ou de
outras comunidades somadas chegam ao baixo percentual de 13,76%.
Sobre as formas e locais de anúncio e de transação, a grande maioria das transações,
94,93%, ocorreu sem a intermediação de imobiliárias, sendo que 69,57% das transações
de venda deram-se por anúncio em placa e 17,39% não anunciaram. 68,09% ocorreram
por contato verbal, o que é significativo, e somente 31,91% as pessoas assinaram
contrato. Estes dados mostram claramente o alto grau de informalidade nas relações e
intermediações das transações, estando este circuito na sua quase totalidade fora do
circuito formal de comercialização.
No que se refere ao tipo de contrato e registro, as formas de divulgação das transações
dão por placa (69,57%) e minoritariamente por jornais. Considerando as relações de
caráter pessoal das transações, referidas acima, pode-se constatar que as transações se
desenvolvem de forma direta e com pouca intermediação contratual.
65
Examinando a Tabela 14, ainda que os índices de existência de contratos nas transações
de compra e venda sejam importantes (72,5% na venda e 72,8% na compra), chama a
atenção o seu oposto: 27,5% e 22,2% respectivamente são imóveis sem contrato e dos
que têm contrato, 32,8% da venda e 37,6% da compra não têm registro em cartório. Frei
Damião é o assentamento que apresenta os menores percentuais de registro em cartório
(46,67% na venda e 39,39% na compra). Sol Nascente e a Tapera da Base apresentam
os maiores índices de registros em cartório, com 100,0% e 82,14% na venda, 77,42%
(Tapera da Base) na compra e 66,70% (Sol Nascente) na compra, mostrando
possivelmente um indicador de consolidação importante ou de antiguidade de transações
destes assentamentos.
Tabela 14 – Tipo do contrato do imóvel - sub-mercados de VENDA e COMPRA, (INFOSOLO, 2005)
VENDA COMPRA
tipo de registro tipo de registro COMUNIDADE
imóveis com
contrato Cartório não registrou outros
imóveis com
contrato Cartório não registrou outros
Tapera da Base 87,5% 82,1% 5,4% 12,5% 87,1% 77,4% 12,9% 9,7% Frei Damião 53,3% 46,7% 33,3% 20,0% 50,0% 39,3% 42,9% 17,9% Solemar 80,0% 100,0% 0,0% 0,0% 85,7% 57,1% 14,3% 28,6% Serrinha 60,0% 60,0% 20,0% 20,0% 58,3% 50,0% 12,5% 37,5% Morro da Queimada 50,0% 50,0% 50,0% 0,0% 100,0% 100,0% 0,0% 0,0% Sol Nascente 100,0% 100,0% 0,0% 0,0% 66,7% 66,7% 33,3% 0,0% TOTAL 72,5% 68,8% 16,7% 14,5% 72,8% 62,4% 20,0% 17,6%
Analisando o nível de formalização dos contratos por sub-mercado ou tipo de transação,
verifica-se que na compra são altos os percentuais referentes a imóveis sem recibo
(10,4%) e 18,4% sem nenhuma documentação. Destacam-se nas transações de venda e
compra de Frei Damião e Serrinha, com 17,9% e 12,5% respectivamente de transações
sem testemunhas e 32,1% e 29,2% sem haver nenhum documento utilizado na
transação. Em média, são 18,4% das transações de compra que estão nesta situação.
Das transações que tiveram registros em cartório, 87,88% no sub-mercado de venda e
88,7% na compra são de escritura pública de compra e venda e praticamente nenhum
caso de escritura pública definitiva. Destaca-se a Serrinha com 13,33% e Sol Nascente
com 12% das transações que utilizaram outras formas de registro. Chama a atenção que,
apesar de que na venda e na compra as médias de contrato de compra e venda são
respectivamente de 72,80% e 72,46%, três assentamentos têm elevado índice de
transações sem nenhum contrato: Frei Damião com 50% e 46,67% (compra e venda),
66
Serrinha com 41,67 e 40,00%% e Sol Nascente com 33,33%, este na compra. Este
quadro mostra a situação de irregularidade destes assentamentos que, em sua maioria,
se localizam em áreas de APP (51) ou áreas públicas, processo que tem dificultado a
regularização para escritura pública definitiva à diferença de uma prática muito comum
em Florianópolis, particularmente na parte insular que é a escritura de posse (52). Tramita
no Congresso Nacional uma PEC que beneficia a regularização das ilhas oceânicas ou
costeiras, como caso de Florianópolis (53).
A Serrinha, apesar de se localizar na parte central insular e próxima às zonas urbanas
mais valorizadas, apresenta um alto grau de informalidade no trâmite de documentação
das transações acima da média dos outros assentamentos. Como se assinalava
anteriormente, as condições de acesso ao solo nas localidades estudadas no município
de São José, segundo o NESSOP (Núcleo de Estudos de Serviço Social e Organização
Popular da UFSC), 36% das famílias afirmam não possuir comprovante de propriedade, o
que provavelmente expressa a parcela desta população que ocupou diretamente o solo
sem intermediários. Outros 36% possuem algum tipo de recibo, revelando a existência do
mercado informal de terras. Ainda, 22% afirmam possuir contrato em cartório, isto não
explica nem garante que sejam compras de imóveis em situação formal, ou seja, seja
51 Área de Preservação Permanente, como manguezais, encostas acima de 100 metros, dunas, etc, como descrevemos anteriormente neste Relatório. 52 Como se sabe, juridicamente só têm escritura definitiva os terrenos registrados no Cartório de Registro de Imóveis, o que permite o acesso legal aos serviços urbanos, como água, luz e outros. No entanto, é comum na ilha de Santa Catarina, Florianópolis, a adoção da chamada “escritura de posse”, que é dada a quem provar que o terreno pertenceu a alguém da família e a quem prova que comprou o lote. Este tipo de contrato impede, por exemplo, a instalação dos serviços urbanos mencionados. Esta interpretação deste tipo de contrato é dada pelo jornalista Márcio Miranda Alves em sua matéria intitulada “União perde domínio sobre ilhas Posseiros de Florianópolis e São Francisco podem reivindicar propriedade de terrenos”, (matéria publica no Jornal Diário Catarinense, de 06 de maio de 2005, p. 30). 53 Baseando-se em dados fornecidos pelo gabinete do deputado Edison Andrino, Corregedoria Geral de Justiça, SUSP e Cartório Santiago, o jornalista Márcio Miranda Alves (op. cit.) assinala que “O inciso quarto do artigo 20 da Constituição Federal (de 1988) dizia que ‘as ilhas costeiras (como a Capital) e as oceânicas (afastadas da costa) pertenciam à União’. Logo, do ponto de vista constitucional, todos os terrenos das ilhas pertenciam à União, não a quem morava neles. Como ficou: Quem mora em ilhas (que sejam reconhecidas como cidades) pode reivindicar a escritura definitiva (alguns chamam de escritura pública) do terreno em que mora. Para isso, terá de impetrar recurso de usucapião (tempo de moradia no lote) na Justiça. As ilhas atendidas: A PEC beneficia a Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), de São Francisco do Sul (Litoral Norte de SC), de São Luís (Maranhão), de Vitória (Espírito Santo), de Marajó (Pará) e de Ilha Bela (SP)”. A PEC a que se refere o Alves é a 575/98, que tramita no Congresso desde 1998.
67
uma situação regularizada junto à administração municipal, já que os contratos de
compra e venda de imóveis feitos pelos cartórios não constituem em escritura pública.
Das transações em aluguel, 97,92% não alugam por imobiliária, destacando-se Solemar
que teve 12,5% de suas transações alugado por imobiliária. E dos que alugaram
diretamente com o proprietário, 68,9% ocorreram de forma verbal e 31,91% assinaram
contrato. Destes, novamente Frei Damião e Serrinha apresentam os maiores índices,
com 100% e 76,32%, respectivamente, que assinaram contrato. Tapera da Base
(34,62%) e Sol Nascente (41,46%) têm os maiores índices de assinatura de contrato.
Tapera da Base aparece com maior grau de formalidade nas transações, confirmando ou
maior grau de consolidação ou antiguidade. Novamente, estes dados mostram o elevado
grau de informalidade do mercado informal nos assentamentos examinados.
A Tabela 15 tratando dos recursos utilizados na transação de compra, destacam-se os
54,4% dos domicílios que utilizaram outros recursos que possivelmente sejam recursos
próprios. Os outros índices são 36,8% obtidos por venda de domicílio, 22,4% por
recursos de poupança, 10,4% por indenização e 7,2% por empréstimo. Constata-se que
os recursos por empréstimo são baixos na média (7,20%), ainda com índices mais
elevados no Sol Nascente (33,33%) e Solemar (28,57%), mostrando a baixa inserção
destas comunidades no mercado formal financeiro. De qualquer forma, chama a atenção
os 22,4% dos recursos obtidos pela poupança, quando se trata de comunidades
carentes, principalmente Morro da Queimada (100%), Sol Nascente (33,3%) e Tapera d
Base (30,7%). Estes dados indicam que há um nível de poupança para a compra, ainda
que não seja esta situação a majoritária. Se as pessoas ganham tão pouco, como já
analisamos anteriormente, como ainda conseguem fazer poupança? No entanto, os
36,8% de recursos obtidos por venda do domicílio anterior, indicam uma movimentação
migratória importante.
Destaca-se, também, o alto índice de “outros” recursos que são majoritários na média do
total dos recursos obtidos para a compra, sendo que Morro da Queimada, Serrinha, Frei
Damião e Tapera da Base são as que apresentam os maiores índices obtidos por
recursos próprios. Dever-se-ia identificar e desagregar este item para melhor caracterizar
o perfil estes recursos que foram certamente obtidos de forma não-institucional. Este
dado mostra pelo menos duas questões: 1º) o alto índice de recursos obtidos fora dos
meios institucionais ou do mercado financeiro formal; 2º) a existência de uma economia
“subterrânea” que não está sendo formalizada e nem mesmo “identificada” pelas pessoas
68
que responderam aos questionários. É um volume expressivo de recursos considerando
o total de recursos obtidos para compra de domicílios nos assentamentos estudados.
Tabela 15 – Recursos financeiros utilizados na transação de compra* (%), (INFOSOLO,2005)
COMUNIDADE nº dom.
poupança empréstimo indenização venda de domicílio outros
Tapera da Base 30,7 6,5 8,1 43,6 41,9 Frei Damião 3,6 7,1 14,3 35,7 60,7 Solemar 14,3 28,6 14,3 28,6 28,6 Serrinha 20,8 0,0 8,3 25,0 91,7 Morro da Queimada 100,0 0,0 0,0 0,0 100,0 Sol Nascente 33,3 33,3 33,3 33,3 0,0 TOTAL 22,4 7,2 10,4 36,8 54,4
Conforme dados da Tabela 16, é significativo o percentual de 34,30% dos proprietários
locadores que vivem em outra comunidade com relação ao imóvel que alugam, sendo
que dos 65,10% dos locadores que moram na comunidade onde alugam o seu imóvel,
52,08% tem mais de um imóvel alugado. Deste percentual, 71% são proprietários de
mais de 2 (dois) imóveis alugados. A média de imóveis por locador é de 4,24 domicílios,
entre os que possuem mais de um imóvel, além do entrevistado. Como mostra a Tabela
13, pela ordem decrescente Sol Nascente, Morro da Queimada, Solemar, Tapera da
Base e Serrinha, respectivamente, têm 7,56, 4,00, 3,33, 2,86 e 2,50 imóveis por locador.
Considerando-se os locadores que não moram na comunidade, como em Frei Damião
(80%), Solemar (50,50%), Tapera da Base (37%), Serrinha (34,20%) e, por último Sol
Nascente (29,20%), constata-se que são as áreas periféricas da parte continental e
insular de Florianópolis que têm maior incidência de locadores que vivem fora das
comunidades. No entanto, destes, em uma média de 52,08% dos locadores que vivem
fora das comunidades, a ordem das comunidades especificadas acima com relação ao
locador que vive fora da comunidade, se inverte: as comunidades localizadas em áreas
mais centrais e na parte insular é que têm imóveis alugados por locadores com mais de
um imóvel. Pela ordem decrescente, são as seguintes comunidades que estão nesta
situação: Morro da Queimada (84,21%), Sol Nascente (65,85%), Serrinha (47,37%),
Tapera da Base (43,21%), até aqui todas áreas insulares, e, em seguida, Solemar
(37,50%) e Frei Damião (20%).
69
Tabela 16 – Informações sobre o locador do imóvel (proprietário), (INFOSOLO, 2005) onde mora o locador
COMUNIDADE Locadores que possuem outro imóvel além do que está sendo entrevistado
média de imóveis por
locador na
comunidade
em outra comunidade
ou cidade
entrevistado não soube informar
Tapera da Base 43,2% 2,86 61,7% 37,0% 1,3% Frei Damião 20,0% 1 20,0% 80,0% 0,0% Solemar 37,5% 3,33 62,5% 37,5% 0,0% Serrinha 47,4% 2,5 65,8% 34,2% 0,0% Morro da Queimada 84,2% 4 79,0% 21,1% 0,0% Sol Nascente 65,9% 7,56 70,7% 29,3% 0,0% TOTAL 52,1% 4,24 65,1% 34,4% 0,5%
A partir destes dados e análise, pode-se concluir que há presença significativa de locador
que em mais de um imóvel para alugar, chegando na comunidade Sol Nascente a uma
média de 7,56 imóveis por locador. Uma pesquisa mais detida poderia indicar em que
velocidade este fenômeno ocorre. No entanto, este fato não permite afirmar que há um
crescente aumento da “especulação” com imóveis de aluguel ou um crescente mercado
“informal” de aluguéis. Há evidentes indícios de que isso esteja ocorrendo. Outro aspecto
que se deve alertar é que esta pesquisa e dados os resultantes não permitem afirmar que
todos os locadores têm como finalidade, com o aluguel, a apropriação dos excedentes
em forma de lucro. É cedo para defini-lo desta forma (54).
Concluindo este item do Relatório, pudemos constatar o alto grau de irregularidade e
informalidade do mercado imobiliário informal dos assentamentos estudados. A respeito
de estudos sobre a informalidade de comunidade de baixa renda, pode-se consultar
Luciana Lago e Francisco de Oliveira em seus artigos (55).
2.4.2 Preços médios (comercialização e locação)
Antes de iniciar-se o exame deste item, esclarece-se que os dados obtidos com os
questionários, que serviram de base para Tabela 17, são bastante confiáveis, pois os
54 Mereceria um estudo específico deste setor da população local para melhor caracterizar seu papel, o quanto de sua renda está comprometido com sua subsistência e o quanto capta de excedente, se é que há. À semelhança do que ocorre com proprietários de imóveis à venda, uma hipótese é de que os ganhos ou renda obtida pode ser destinada aos gastos domiciliares. 55 De Francisco de Oliveira, o trabalho intitula-se “O crescimento da informalidade nas cidades do pós-fordismo e a mudança do paradigma das políticas de habitação social” e da Luciana Corrêa do Lago “Favela-loteamento: re-conceituando os termos da ilegalidade e da segregação urbana”, apresentado no X Encontro Nacional da ANPUR.
70
estudantes que trabalharam na pesquisa de campo é que determinaram as dimensões
dos domicílios e dos terrenos e estão acostumados a trabalhar com dimensionamento e
ergonomia. Este fator dimensional por terreno e domicílio permitiu estabelecer valores por
m2, o que propiciou análises comparativas entre os assentamentos estudados.
Analisando os preços médios de comercialização por comunidade na Tabela 17, nas
transações de venda, compra e aluguel, constata-se claramente que os preços mais
elevados na venda e aluguel estão nas áreas do Sol Nascente (maior preço de aluguel,
R$ 250,7 ou R$ 5,37/m2 e de venda, R$ 59.500,00 ou R$ 711,71/m2) e na Tapera da
Base (R$ 215,20 ou R$ 4,13/m2 ou R$ 43.482,10 ou R$ 556,83/m2), que são áreas com
significativo grau de consolidação e com elevadas taxas de crescimento interno. Tapera
da Base, por ser área plana e insular, e Sol Nascente, por se localizar em área próxima à
SC 401, eixo de expansão em direção norte insular e com concentração de
equipamentos estatais e privados com alto preço da terra. Em seguida, a área da
Serrinha experimenta altos preços de aluguel e de compra (R$ 183.0 ou R$ 4,36/m2 e R$
9.182,9 ou R$ 315,53/m2), junto com o Morro da Queimada (R$ 179,00 ou R$ 5,10/m2 e
R$ 32.500,00 ou R$ 375/m2, valor máximo em comparação aos demais). Como já se
mencionou antes, são ambas áreas localizadas na parte central insular, próximo ao
centro antigo de Florianópolis. Já os assentamentos Frei Damião e Solemar, periféricos
aos municípios vizinhos a Florianópolis, que têm preços menores na média das três
transações.
Com relação à média dos preços de aluguel, há uma diferença de aproximadamente de
50% entre o preço médio mais baixo (R$ 178,8/m2 na comunidade Solemar, localizada
na área continental) e o preço médio mais elevado (R$ 250,7/m2 na comunidade Sol
Nascente, situada na direção norte da Ilha) (56). A dimensão média dos imóveis alugados
era de 45,5 m2, apresentando quase sempre condições precárias (57).
56 Uma explicação para esta disparidade talvez seja o preço médio definido também pelo preço dos bairros do entorno, de sua infra-estrutura, do transporte coletivo, e, claro, da qualidade do imóvel. Constatou-se que no Sol Nascente , região de Saco Grande, há um fato inusitado: os moradores têm um processo próprio de controle da água, isto é, através de sua captação, tratamento, armazenamento, distribuição e conservação, cobrando taxas bem menores que as da CASAN (Companhia de Saneamento de Santa Catarina), além de não haver falta de água. Ali a comunidade tem controle do tráfico, que não entra na área e fica nas favelas do entorno. Talvez seja um dos motivos do aluguel e da venda serem os mais altos em Sol Nascente. 57 Estas dimensão está próxima aos 36,00 m2, que é o parâmetro mínimo exigido pelo BID para programas habitacionais e que as administrações municipais têm adotado, chegando até 42 m2, nos programas Habitar Brasil, Habitar Brasil-BID e, recentemente, nos programas PAR e crédito
71
Tabela 17 – Preços médios praticados nos sub-mercados (por m²), (INFOSOLO,2005) COMPRA ALUGUEL VENDA
COMUNIDADE
média do valor pago pelo imóvel
Área média edificada
(m2)
valor do m2 de área
edificada
média do valor pago
pelo aluguel
área média edificada
(m2)
Valor do Aluguel /
área edificada
renda destinada p/ pagamento do aluguel
média do valor dos imóveis à
venda Tapera 17.675,40 61,33 288,2 215,2 52,15 4,13 23,5% 43.482,10 Frei Damião 6.517,90 49,54 131,6 183,3 42,8 4,28 20,4% 10.257,80 Solemar 4.714,30 48 98,2 178,8 54,25 3,29 22,9% 26.000,00 Serrinha 9.182,90 38,6 237,9 183,9 42,16 4,36 25,4% 17.575,00 Morro da Queimada 30.000,00 80 375 179 35,1 5,1 21,7% 32.500,00 Sol Nascente 5.400,00 46 117,4 250,7 46,7 5,37 25,6% 59.500,00 MÉDIA GERAL 12.428,32 53,38 233,82 208,8 46,71 4,47 23,9% 29,261,59
Como podemos verificar na Tabela 17, o comprometimento do da renda familiar com o
aluguel é significativo em uma média de 23,44%, sendo que os valores mais altos estão
no Solemar (25,60%), Serrinha (25,44%) e Tapera da Base, seguidos de Solemar e
Morro da Queimada, os três assentamentos na parte insular. Considerando que os
maiores valores pagos no aluguel estão no Sol Nascente (R$ 5,37/m2), Morro da
Queimada (5,10) e Serrinha (4,36) e Tapera da Base junto com Frei Damião, na
seqüência, mostram estes dados que a parte mais valorizada são os assentamentos que
se encontram mais próximos às áreas valorizadas da Ilha, conforme se demonstrou
anteriormente. Por outro lado, estes dados não são tão díspares e estão próximos como
se pode ver nas Tabelas. Portanto, deve-se ponderar se os aluguéis estão muito
valorizados mesmo nas áreas mais afastadas das áreas centrais. Isto pode se explicar
pela alta demanda por imóveis face à baixa disponibilidade de imóveis para alugar. Uma
hipótese explicativa para este fenômeno é no assentamento Frei Damião: devido ao fato
de que predomina neste local o imóvel para a compra, pode-se explicar o alto preço do
aluguel (R$ 4,48/m2), valor próximo e acima um pouco do valor da Tapera da Base (R$
4,13/m2), que é um assentamento periférico da parte insular.
No que diz respeito aos imóveis que haviam sido comprados recentemente, estes
possuíam, em média, 53 m2 de área construída, cujo valor médio do metro quadrado era
solidário. Em Peres (2001), critica-se estes parâmetros, pois estão projetados para casas financiadas geminadas, que não permitem expansões, laterais. Na comunidade de Monte Cristo, onde foram construídas unidades pelos Programas Habitar Brasil-BID, a prefeitura de Florianópolis aceitou o aumento das dimensões para famílias numerosas. A dimensão das casas obtidas pela compra que em média têm dimensão de 49,37 m2, é superior aos 36 m2 exigidos pelo BID.
72
de US$ 94. Conforme a localização intra-urbana da favela, esse valor apresentou
variações de US$ 44/m2, nos imóveis adquiridos em Solemar (no continente), até o valor
de US$170/m2, dos imóveis adquiridos no Morro da Queimada, favela localizada próxima
ao centro administrativo e comercial da capital. Inclusive deve-se esclarecer que a favela
Solemar, situada no município de São José, apresentava diversos problemas relativos ao
tráfico de drogas e violência, ainda que este não tenha sido uma das justificativas para a
escolha para se comprar um imóvel na comunidade. Na maior parte das justificativas
para compra de imóveis nas favelas e comunidades pesquisadas, em cerca de 30%
delas alegou-se a proximidade do local de trabalho e, em torno de 20% das respostas, o
fato de haver a proximidade de parentes. Isto demonstra que a rede de proteção familiar
e de vizinhança se constitui num fator preponderante na escolha da localização da
comunidade a ser habitada, numa situação onde o Estado está quase sempre ausente na
oferta de serviços urbanos, de creches, saúde pública e todo apoio básico vinculado à
sobrevivência das famílias. Apenas em dois casos de comunidades localizadas mais
distantes, como a Tapera da Base, ou nas periferias dos bairros centrais, como o Saco
Grande, houve indicação de 12% e de 10%, respectivamente, da escolha da localidade
ter objetivando fugir da violência.
Fazendo uma relação ilustrativa com o mercado formal (58), verificou-se que na Trindade
o preço do metro quadrado de venda é 166 vezes o preço do metro quadrado do aluguel.
E, na Serrinha, o preço do metro quadrado de venda é 72,36 vezes maior que o preço do
metro quadrado do aluguel e o preço do metro quadrado de compra é 54,5 vezes o metro
quadrado do aluguel (na Serrinha, o aluguel R$ 4,36/m2; a venda R$ 315,53/m2; e a
compra R$ 237,9/m2). Por esta pequena comparação, essa diferença menor no mercado
informal faz sentido (59), pois, ao comprar um imóvel no mercado formal, tem-se a
garantia constitucional da propriedade privada do imóvel. Mas, ao comprar imóvel no
mercado informal, o comprador estaria totalmente a descoberto das garantias de
permanência de seu patrimônio.
58 Por informação direta obtida pela equipe INFOSOLO, em outubro de 2007, uma apartamento localizado no bairro da Trindade, na parte insular de Florianópolis (três quartos em condomínio e classe popular), custa aproximadamente R$ 2000,00/m2 na venda e R$ 12,00/m2 no aluguel. 59 A Tabela 17 acima mostra a que a média do preço pago pela aquisição de imóveis nos últimos nove meses foi de R$ 12.482,32 e a média do preço de venda no momento da pesquisa era de R$ 29.261,59.
73
Mesmo no mercado formal, o preço de venda (o preço que está se pedindo na venda) é
sempre superior ao preço de compra, ou seja, ao preço que foi efetivamente vendido.
Isso é que é normalmente chamado de preço de mercado. É o valor efetivo do imóvel.
Uma situação é o preço hipotético, o quanto o dono do imóvel gostaria de vender (seu
desejo), outra é o que o imóvel “vale” no mercado, ou seja, o que realmente se paga por
ele. A diferença entre os valores pelos quais se pretende vender os imóveis e os que de
fato são pagos por sua compra, suscita que as negociações finais são feitas a partir de
acordos comerciais, e que os preços iniciais possam não ser parâmetros de valores
imobiliários nos assentamentos.
Os preços pagos pelos aluguéis, como no caso da comunidade do Sol Nascente, e pela
compra de imóveis, indicam a existência de um mercado informal de terras/moradias.
Sob ponto de vista social, acaba reproduzindo a pobreza, porque impõe à população, que
só tem como alternativa estes assentamentos precários, formas de exploração e
especulação antes comuns apenas ao mercado formal.
Com relação ao tempo médio de moradia, os dados mostram que o tempo de moradia
dos entrevistados que estão alugando é apenas de três meses. Como os entrevistados
só foram escolhidos entre aqueles moradores que haviam feito transações de compra e
venda ou aluguel em 2005, sendo que a pesquisa de campo concentrou-se nos meses de
outubro e novembro, o tempo médio de moradia de compra e de aluguel deveria ser
previsivelmente pequeno. No entanto, destaca-se o longo período de moradia daqueles
que estavam colocando à venda seus imóveis, cuja média é de 88 meses, ou seja, a
maior parte daqueles que colocavam à venda habitava a comunidade há mais de mais de
7 anos.
Interessante é que mesmo na localidade de Frei Damião, cujo número de domicílios à
venda representou 57,7% dos questionários repassados, quase o dobro da média das
demais áreas de informalidade apresentou o tempo médio de moradia de 5 anos. Esse
tempo de permanência é um índice alto, principalmente nesse assentamento que se
iniciou em 1993 e que ainda se encontra em processo de ocupação. Os motivos que
levam as pessoas a vender os imóveis são: 9,42% alegam como o principal motivo da
mudança a distância do trabalho (na Tapera da Base foram 15%); 18,12% alegam a
ausência de urbanização; e 16,67% comentam que a razão da venda é fugir da violência.
Entre várias razões, seguem a justificativa de não gostar do bairro (9,42%).
74
No que se refere aos tempos de moradia no sub-mercado de aluguel, os menores tempos
foram no Morro da Queimada e Serrinha (área central insular) e os maiores tempos no
Sol Nascente (5,07 meses), Frei Damião (3,6) e Tapera da Base (3,07), sendo que os
maiores tempos para a venda foram os de Solemar (144 meses), Sol Nascente (142,50)
e Tapera da Base (95,27) e menores Frei Damião (61,97), Morro da Queimada (66) e
Serrinha (94,15 meses). Destaca-se a Serrinha com os menores tempos médios de
transação. Em parte, explica-se este fenômeno pela localização próxima às áreas
centrais mais valorizadas e de alta densidade populacional.
Com os imóveis colocados à venda, há tempos de moradias longos e os que compraram
o fizeram nos dois últimos meses. Há várias explicações para esta aparente disparidade
de tempos:
a) A média de tempo em que um imóvel está à venda é relativamente grande. Há um
grupo de 31,3% dos entrevistados que estão com o imóvel à venda há mais de 1 ano,
um grupo de 14% estão com imóvel à venda há mais de 2 anos e há pessoas que vem
tentando vender seu imóvel há 10 anos. Mais de 50% dos que estão colocando à venda
estão oferecendo há menos de 5 meses. Esse é um tempo muito curto e as pessoas
ainda sustentam valor de venda mais alto.
b) Parece, também, que quanto mais tempo o imóvel está à venda mais barato ele está
sendo oferecido. É evidente que há outros aspectos que determinam o preço, como o
valor médio, as condições do domicílio, a sua localização na comunidade e a localização
da própria comunidade na cidade. Mas, considerando-se os dados gerais, por exemplo,
de Sol Nascente, cujo preço de venda é o mais alto de todos, constatar-se-á que 60%
dos entrevistados estão com imóvel à venda há menos de 5 meses. O segundo preço
mais elevado é na Tapera da Base, onde ocorre o mesmo caso; isto é, cerca de 60%
estão com imóvel à venda há menos de 5 meses. Por outro lado, Solemar, cujo preço de
venda é o menor, 60% está com imóvel à venda há mais de 6 meses.
Certamente não é só isso, mas esse é um fator objetivo e que está explícito nos dados.
Além disso, 86% dos donos dos imóveis à venda acreditavam que seu imóvel ia valorizar
nos próximos dois anos. Isso é uma evidência de que o preço pedido contava com essa
projeção. E, finalmente, há uma pergunta importante, analisando a base de dados da
pesquisa: cada entrevistado diante da pergunta “por que você acha que ainda não
vendeu o seu imóvel?”. Ainda que sem a sistematização completa de todas as respostas,
75
é significativo o número de entrevistados que respondem “porque o preço é alto”, ou “falta
de dinheiro para pagar” ou “colocou à venda há pouco tempo” ou “problema com imóvel,
com o entorno ou bairro”. Então, parte considerável deles sabe que terá que abaixar o
preço se quiser vender num prazo mais curto. No Sol Nascente, 70% disseram acreditar
que não venderam, porque o preço pedido é alto ou as pessoas não têm dinheiro. Ou
seja, eles sabem que vão ter que reduzir o preço.
Na Tapera da Base, o segundo assentamentos com os preços mais elevados, cerca de
40% dos entrevistados expuseram justificativas relativas ao preço alto e à falta de
dinheiro para pagar. Outra parte alegou a falta de infra-estrutura e deficiências do imóvel
e do lugar. Ou seja, reconhecem que o preço é alto para o que se oferece.
As respostas negativas com relação à vizinhança - valorizar ou não o imóvel - são de
maior percentagem nas comunidades Sol Nascente, Frei Damião e Serrinha. Pode se
relacionar à localização precária dentro de mesma comunidade ou de fatores como
insegurança, etc. Frei Damião é que tem piores índices relacionados à possibilidade de
construir novos quartos para valorização na compra e na venda e que as relações de
vizinhança não valorizam o imóvel. Explica-se, em parte, este quadro pela precariedade
geral que esta comunidade sofre em termos de insegurança na prestação de serviços por
parte da prefeitura.
2.4.3 Primeira aproximação dos fatores determinantes do preço (fatores de valorização e desvalorização) (60)
Um fator determinante que se constatou na pesquisa é a localização dos assentamentos
ou comunidades estudadas localizadas próximas às áreas centrais e valorizadas. Por
exemplo, as áreas que se localizam na parte central insular, próximo ao centro antigo de
Florianópolis, como Serrinha, Morro da Queimada e Sol Nascente, esta próxima à BR
401, eixo de acesso à parte norte da Ilha, onde se localizam os preços mais elevados da
Ilha e onde crescem equipamentos institucionais e comerciais de alto valor imobiliário e
fundiário. Já Frei Damião e Solemar, que são assentamentos periféricos dos municípios
vizinhos a Florianópolis, têm preços menores na média das três transações. Estes dados
comprovam que, com relação ao preço dos imóveis que foram vendidos ou comprados,
60 Faremos uma análise inicial a respeito doas fatores de valorização e desvalorização, continuando posteriormente no item que trata da mobilidade
76
há valorização dos imóveis quando estão próximos às áreas mais centrais e valorizadas,
particularmente quando se localizam na parte insular de Florianópolis.
Considerando a média de entrevistas por comunidade, que gira em torno de 12% de
entrevistas dentre o cômputo total de 4.128 domicílios nos assentamentos informais, que
foram objeto de acordos ou transações comerciais imobiliárias informais em 2005,
verificou-se que a proximidade dos assentamentos estudados a áreas mais centrais e
valorizadas constitui-se em fator de valorização ou influência nos preços das transações.
Ao contrário, transforma-se em fator de desvalorização, quando os assentamentos estão
em localizações periféricas próximas às áreas menos valorizadas.
Quando se mencionou anteriormente que a expansão dos espaços de pobreza nas áreas
periféricas da Ilha de Santa Catarina, onde se localiza a maior porção do território do
município de Florianópolis, foi bastante inferior à expansão na área continental, indicava-
se que uma das explicações deste fenômeno poderia ser o forte processo de valorização
imobiliária na Ilha; mesmo as áreas mais distantes são altamente valorizadas pela
proximidade de eixos viários, áreas valorizadas ou proximidade das praias. Afirmava-se
que se devia considerar esse processo também à luz da falta de acessibilidade a estas
áreas, que, para a população pobre, se constitui não só em investimentos públicos no
sistema viário, mas também na eficiência do transporte coletivo e em tarifas de ônibus
mais acessíveis, somados à oferta de empregos e à existência de investimentos públicos
em infra-estrutura e equipamentos urbanos.
3. MOBILIDADE RESIDENCIAL DOS POBRES
3.1 Origem –Destino
3.1.1 Origem
Cerca de 75,8% dos moradores que efetuaram transação imobiliária nas áreas de
informalidade pesquisadas não era originário da área conurbada de Florianópolis.
Vieram, em sua imensa maioria, de municípios do interior de Santa Catarina, sendo que
os demais estados de origem dos migrantes são, principalmente, os estados do Paraná e
do Rio Grande do Sul. Dessa população de migrantes, mais de 70% deles transferiram-
se para a região metropolitana de Florianópolis a partir da década de 90, ou seja, na
77
época da entrevista estavam habitando na área conurbada há menos de 15 anos. Ainda
que esse seja um dado que compreende o conjunto dos entrevistados, essa mesma
proporção de migrantes e suas origens, como veremos adiante, se reproduzem de forma
semelhante em cada uma das seis comunidades pesquisadas, assim como em cada um
dos sub-mercados de compra, de venda e de aluguel.
É interessante observar que dentre os moradores que migraram para a região de
Florianópolis, apenas 8,8% o fizeram antes da década de 80, ou seja, migraram na
década de 70 ou em período anterior. Apesar de ser uma taxa reduzida, o que pode
indicar que os migrantes mais antigos talvez já estejam em condições mais consolidadas
e menos sujeitos a transações imobiliárias, é interessante apontar que esses 8,8% de
migrantes que se encontravam há mais de 25 anos na área conurbada estavam
habitando principalmente em Frei Damião e Tapera da Base, comunidades localizadas
em áreas periféricas e de ocupação recente. Cerca de 2,5% desses antigos migrantes
moravam na área conurbada na condição de locatários e com renda média de 2,1
salários mínimos mensais, demonstrando que alguns desses migrantes ou seus filhos,
décadas após a chegada, permaneciam em condição de pobreza.
3.1.1.1 Tipo de sub-mercado: comercialização e locação
A maior parte dos moradores que havia efetuado algum tipo de comercialização ou
mesmo alugado um imóvel, como vimos, era formada de migrantes que, em sua maioria,
se originavam do interior de Santa Catarina. A população de migrante constituía 82,8%
dos locatários, 77,6% dos que compraram imóvel e 76,8% dos estavam vendendo imóvel.
Dos 77,6% dos entrevistados que haviam comprado imóveis e não eram originários da
cidade onde moravam, 67% vieram do interior de Santa Catarina, 19,6% do Paraná e
7,2% eram originários do Rio Grande do Sul. No contexto de cada comunidade essa
proporção se mantém, apresentando, ainda, 6,2% de casos de migrantes originários de
São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Mato Grosso do Sul e que haviam comprado
imóvel na Tapera da Base, em Frei Damião e no Solemar. Em sua maioria, os migrantes
entrevistados chegaram à área conurbada de Florianópolis há menos de 15 anos, sendo
que 33% na década de 90 e 40,2% desses migrantes vieram a partir do ano 2000.
Dentre os entrevistados que estavam com imóvel à venda nas áreas de informalidade,
76,8% vieram de outras cidades, sendo que desses, 67% são originários do interior de
78
Santa Catarina, 14,1% do Paraná e 13,2% do Rio Grande do Sul. A maior parte, cerca de
60% dos migrantes, chegou na área conurbada de Florianópolis durante a década de 90
e 18,8% deles a partir do ano 2000. Deve-se observar que é nesse tipo de
comercialização que se encontram os migrantes mais antigos, visto que quase 18% deles
migraram na década de 1980 e 11,3% chegaram nas décadas precedentes. E é também
nesse sub-mercado de venda que estão os moradores mais antigos na comunidade,
dentre os 3 tipos de sub-mercados pesquisados. Considerando o total de moradores que
estavam com imóvel à venda, 28,4% habitavam a comunidade há mais de 10 anos,
27,7% deles entre 5 a 10 anos e 32,1% moravam na comunidade entre 2 a 5 anos. Ou
seja, quase 60% desses moradores habitavam na comunidade há mais de 5 anos,
condição peculiar em se tratando de áreas de informalidades de ocupação relativamente
recente. Em algumas comunidades, como Sol Nascente, cerca de 60% dos que estavam
vendendo seu imóvel moravam na comunidade há mais de 10 anos, com tempo médio de
11,8 anos. A maior parte desses moradores do Sol Nascente estava na faixa etária entre
30 a 41 anos de idade, e decidiram vender seu imóvel, principalmente, em função da
inexistência de programas de urbanização, para fugir da violência ou pela ausência de
algum tipo de infra-estrutura e serviços. No contexto das seis comunidades, a faixa etária
de quase 60% dos entrevistados que estavam vendendo seu imóvel situava-se na faixa a
partir de 40 anos de idade.
Entre os locatários do mercado informal também se constatou que 82,8% dos moradores
entrevistados eram migrantes recentes na área conurbada de Florianópolis, sendo que
80% deles migraram a partir do ano 1990. A análise do período de chegada desses
moradores de aluguel indica que 56,6% deles chegaram depois do ano 2000, cerca de
24% migraram na década de 90 e 11,3% na década de 80. Entre os locatários, apenas
5,6% deles se encontravam há mais de 25 anos na área conurbada, índice ligeiramente
menor que dos demais sub-mercados. Em relação ao estado de origem desses migrantes
que alugavam um imóvel no mercado informal constatou-se que há um maior equilíbrio
em relação aos demais sub-mercados. Assim, se os que migraram em direção à capital
até a década de 90 eram originários, principalmente, do interior de Santa Catarina,
começa a haver alteração a partir do ano 2000, ampliando consideravelmente os
migrantes vindos do Paraná e do Rio Grande do Sul, que são estados de origem de,
respectivamente, 24,52% e 25,8% dos imigrantes. Deve-se observar também que, dentre
os locatários que migraram a partir do ano 2000 nesse sub-mercado, há uma maior
diversidade dos estados de origem dos migrantes, vindos do nordeste (PE, MA e AL),
79
centro-oeste (MS e MT), mas, principalmente, dos estados do Rio de Janeiro e de São
Paulo.
3.1.1.2 Gênero por tipo de sub-mercado
Considerando todos os três sub-mercados, foram entrevistadas 455 pessoas, das quais
64% foram do sexo masculino e 36% do sexo feminino. Essa proporção de 2/3 de
entrevistados do sexo masculino e o menor número de entrevistadas mulheres se
reproduz não apenas nos sub-mercados de venda, compra e aluguel, mas também na
maior parte das comunidades pesquisadas. No entanto, no caso do sub-mercado de
venda, essa proporção em relação ao gênero dos entrevistados foi alterada nas
comunidades de Solemar, Serrinha e Sol Nascente, nas quais 80% dos entrevistados
foram do gênero masculino e 20% do gênero feminino. Nos outros dois casos em que
essa proporção em relação ao gênero dos entrevistados não se reproduziu, foi devido ao
pequeno número de entrevistas em alguns sub-mercados, como no caso de compra e de
venda do Morro da Queimada, cujo maior número de casos se concentrou em aluguel.
Entretanto, é importante alertar que não consideramos que essas informações possam
ser tomadas como definitivas se a perspectiva for apontar o gênero dos principais
responsáveis pelo domicílio nas áreas de informalidade, ou seja, o gênero do
responsável pela comercialização do mesmo. Ainda que as nossas equipes de pesquisa
tivessem como objetivo entrevistar apenas os responsáveis pela comercialização do
imóvel ou o locatário do imóvel e que, para tanto, tenham retornado por diversas vezes e
em horários diferentes num mesmo imóvel, nem sempre foi possível efetuar a entrevista
com o responsável. Assim, algumas vezes a entrevista necessitou ser feita com um dos
moradores, o companheiro homem ou a mulher, que tivessem condições de responder de
forma adequada ao questionário. Além disso, é importante salientar que apenas na
metade dos casos os domicílios são sustentados apenas pelo entrevistado – 48,4% no
aluguel, 49,6% na compra e 53% na venda -, e nem sempre o chamado chefe de família
é o que obtém o maior rendimento do domicílio estando muitas vezes desempregado,
devendo, por isso, também ser relativizado o papel do chamado responsável pelo
domicílio.
Entretanto, uma análise detida em relação ao gênero feminino evidenciou informações
significativas em relação à posição da mulher como chefe de família no mercado
imobiliário informal na área conurbada de Florianópolis. Na análise de gênero dos
moradores do sub-mercado de venda, observou-se que praticamente todas as mulheres
80
entrevistadas tinham algum tipo de ocupação e contribuíam para a renda familiar. No
entanto, chamou mais a atenção o fato de que 18,8% dos entrevistados em todas as
comunidades eram mulheres que sustentavam sozinhas seus domicílios, mesmo quando
moravam com um marido ou companheiro. Os indicadores levantados nas comunidades
de Sol Nascente, de Solemar, de Frei Damião e da Tapera da Base expuseram que 20%
dos moradores que vendiam seu domicílio eram de mulheres chefes de família, as quais
quase sempre eram migrantes, possuíam ocupação e rendimento, sendo que a maioria
delas morava sozinha, por serem solteiras, separadas, viúvas ou divorciadas. Em
algumas comunidades, como em Frei Damião, as mulheres apresentavam idade média
de 50 anos. Na Serrinha o índice de mulheres que estavam vendendo seu imóvel e cujo
rendimento se constituía na única fonte de renda familiar foi de 10% do total, sendo que
todas elas eram originárias de Lajes, cidade no interior do estado de Santa Catarina.
Nesse sub-mercado de vendas, dentre as mulheres que recebiam o único rendimento no
domicílio e que vendiam sua moradia, 70% declararam-se brancas, 17,4% pretas e 13%
pardas.
No sub-mercado de aluguéis, igualmente ao sub-mercado de vendas, foi observado um
número significativo de mulheres – em torno de 18,2% do total - cujo rendimento era o
único da casa e que iremos nos referir aqui como “arrimo de família” ou chefes de família.
Considerando a média geral dessas mulheres “arrimo de família”, 75% delas eram
migrantes, sendo que 42,2% delas chegaram na área conurbada de Florianópolis a partir
do ano 2000 e a maior parte delas morava sozinha. Cerca de 77% dessas mulheres
vieram principalmente do interior de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul.
Ao contrário do que poderia se supor, elas não trabalham apenas como empregada
doméstica. O trabalho de 57,1% dessas mulheres chefes de família se concentra em
empregos em comércio ou serviços, sendo que 14,2% trabalham por conta própria,
14,2% são aposentadas, 11,4% trabalham como empregadas domésticas e 2,8%
trabalham em cooperativa, provavelmente de catadores de lixo reciclável em Frei
Damião. Outro fator que chama a atenção é que a média de rendimentos dessas
mulheres “arrimo de família” era de 2,2 salários mínimos (R$ 662,58), ligeiramente acima
da média do rendimento de todos os entrevistados do sub-mercado de aluguel, que foi de
2,1 salários mínimos (R$ 634,20). Em relação à cor, 54,2% se declaram brancas, 22,8%
pretas, 20% pardas e 2,8% indígena. Em relação à idade, ainda que os dois extremos de
idade dessas mulheres situem-se nos 16 anos e nos 83 anos, a faixa etária predominante
em todas as comunidades abrange o período entre os 35 e 40 anos de idade.
81
Mantendo-se ainda a análise no sub-mercado de aluguéis e focando essas mulheres
“arrimo de família” por comunidade, observa-se que a incidência dessas mulheres nas
comunidades de Tapera da Base, Frei Damião, Solemar, Serrinha, Morro da Queimada e
Sol Nascente é de, respectivamente, 18,5%, de 20%, de 25%, de 15,8%, de 21% e de
17% de mulheres locatárias frente ao total de locatários entrevistados. Ainda mantendo a
análise por comunidade, observamos que dentro de uma mesma localidade há diferença
entre o valor do rendimento médio do conjunto de locatários e o rendimento médio
dessas mulheres locatárias. Em 3 das comunidades – Tapera da Base, Morro da
Queimada e Sol Nascente -, o rendimento médio daquelas mulheres foi inferior do que o
rendimento médio dos demais locatários e, ao contrário, em outras 2 comunidades –
Serrinha e Solemar –, o rendimento médio das mulheres “arrimo de família” locatárias foi
superior à média dos demais moradores que alugavam imóvel. Assim, se os locatários
das comunidades de Tapera da Base, Morro da Queimada e Sol Nascente recebiam,
respectivamente, rendimento médio pessoal de 2,2 s.m., 1,9 s.m. e 2,18 salários
mínimos, as locatárias “arrimo de família” dessas comunidades recebiam,
respectivamente, 1,9 s.m., 1,4 s.m. e 1,58 salários mínimos. Por outro lado, os locatários
das comunidades de Serrinha e Solemar recebiam, respectivamente, rendimento médio
pessoal de 1,69 s.m. e de 1,88 salário mínimo, inferior ao das locatárias “arrimo de
família” dessas comunidades que recebiam, respectivamente, 1,75 s.m. e 2,3 salários
mínimos mensais.
O sub-mercado de compra apresentou um índice de 16,7% de mulheres chefes de família
dentre o conjunto dos que haviam comprado imóvel. No entanto, observa-se que nesse
sub-mercado não são em todas as comunidades que há um padrão de ocorrência de
mulheres com essas características sócio-econômicas. A incidência maior dessas
mulheres chefes de família ocorre na Tapera da Base, no Frei Damião, no Solemar e no
Sol Nascente, aonde essas mulheres que haviam comprado imóvel representavam,
respectivamente, 19,35%, 14,28%, 28,5% e 33,3% do total de compras de imóvel nessas
comunidades. Na Serrinha houve apenas um caso, que representou 4% dentre o total de
compradores e no Morro da Queimada não houve nenhum caso. Na Serrinha observa-se
que, apesar de ter apresentado grande quantidade de transações comerciais e de
locação, de haver participação das mulheres entrevistadas no mercado de trabalho, de
não ter se constituído na comunidade com os maiores custos de imóvel de compra ou
aluguel e de possuir uma localização privilegiada, no entanto, a incidência dessas
mulheres chefes de família da Serrinha sempre esteve entre as menores, considerando
82
tanto a comparação entre as seis comunidades como entre os 3 sub-mercados
pesquisados. Certamente esse é um dos casos que posteriormente irá merecer um
estudo específico que esclareça essa ocorrência e a sua singularidade em relação às
demais comunidades pesquisadas.
3.1.1.3 Rendimento por tipo de sub-mercado
Considerando o conjunto dos três tipos de sub-mercado a pesquisa indicou que a grande
maioria dos entrevistados exercia algum tipo de trabalho remunerado. No sub-mercado
de aluguel 88% dos entrevistados trabalhavam, no sub-mercado de compra 76% dos
entrevistados e no sub-mercado de venda 74,6% dos entrevistados desenvolvia algum
trabalho remunerado. O índice mais alto de entrevistados com trabalho remunerado se
concentrou entre aqueles que alugavam imóveis, sendo que cinco das seis comunidades
pesquisadas registraram índices iguais ou superiores a 90% de locatários com trabalho
remunerado. Os índices do sub-mercado de venda de algumas comunidades, como
Solemar e Morro da Queimada, indicaram que, pelo menos metade daqueles que
estavam com seus imóveis à venda, se encontravam sem um trabalho remunerado.
Ainda que a análise detida das condições sócio-econômicas desses entrevistados nessas
duas comunidades tenha indicado tratar-se de aposentados, pôde-se constatar que, para
muitos entrevistados de outras comunidades, o fato de não estarem exercendo trabalho
remunerado também contribuiu para a decisão da venda do imóvel. Muitos deles
expressaram como motivação da venda de seu imóvel as dificuldades financeiras e a
possibilidade de obtenção de recursos através da troca de seu imóvel por um mais
barato, além da vontade ou da necessidade de retornar para sua cidade de origem, entre
as principais justificativas dos que se encontravam sem remuneração.
Apesar do alto índice de moradores que exerciam algum tipo de ocupação, constatou-se
também que apenas uma metade dos domicílios é sustentada unicamente pelo
entrevistado – 48,4% no aluguel, 49,6% na compra e 53% na venda -, e nem sempre o
chamado chefe de família é o que obtém o maior rendimento no domicílio. Assim, para a
outra metade desse universo de domicílios pesquisados – 51,6% no aluguel, 50,4% na
compra e 47% na venda -, o rendimento familiar se constitui no resultado do trabalho de
pelo menos duas pessoas residentes no domicílio.
A Renda Domiciliar Média, considerando todo o universo de entrevistados nos três sub-
mercados, apresentou o valor de 2,89 salários mínimos mensais conforme Tabela 18.
83
Deve-se salientar que, considerando os 3 sub-mercados, são pouquíssimos os domicílios
no qual houve declaração de ausência de renda domiciliar, representando 0.65% do total
de entrevistas. O sub-mercado de aluguel é o único em que não há nenhum entrevistado
sem renda domiciliar, mas foram relatados dois casos de ausência de renda domiciliar no
sub-mercado de compra, situados na Tapera da Base, e um caso de ausência de renda
no sub-mercado de vendas, de um morador da Serrinha. As duas comunidades que
apresentaram a Renda Domiciliar Média mais baixa foram Frei Damião e Solemar, com,
respectivamente 2,0 e 2,2 salários mínimos mensais e, não coincidentemente, ambas
situadas na parte continental e na periferia dos municípios vizinhos de Palhoça e São
José. Por outro lado, as comunidades com a Renda Domiciliar Média mais alta foram Sol
Nascente e Tapera da Base, que apresentaram, respectivamente, 3,47 e 3,19 salários
mínimos mensais, sendo que ambas situam-se na ilha, mas nas periferias do Distrito
Sede, uma na direção norte da ilha e outra no sul da ilha.
Os valores apresentados da Renda Domiciliar Média dos entrevistados foram
extremamente mais baixos que a Renda Média do chefe de domicílio dos municípios
estudados, visto que os municípios de Florianópolis, São José e Palhoça apresentaram
no último Censo Geral (IBGE, 2000) rendimento médio dos responsáveis pelo domicílio
no valor de, respectivamente, 10,7 salários mínimos, de 6,39 salários mínimos e de 4,48
salários mínimos mensais. Além disso, a Renda Domiciliar Média apresentada pelos
entrevistados também está abaixo do valor do rendimento médio dos bairros do entorno
das comunidades e também abaixo do rendimento médio do conjunto dos chefes de
família da própria comunidade pesquisada (Infosolo, 2005), devendo salientar-se que o
Censo Geral do IBGE (2000) oferece os dados do Rendimento do chefe do domicílio e
não de Renda do domicílio ou renda familiar. Portanto, se a comparação for feita com a
renda média dos entrevistados as diferenças serão ainda maiores.
Tabela 18 – Renda domiciliar média de cada comunidade, (INFOSOLO, 2005)
COMUNIDADE SOMA DAS
RENDAS MÉDIA QUANT. SAL.
MIN.
Tapera da Base R$188.858,00 R$ 958,67 3,19
Frei Damião R$48.252,00 R$ 618,61 2,06
Solemar R$13.485,00 R$ 674,25 2,24
Serrinha R$66.216,00 R$ 817,48 2,72
Morro da Queimada R$19.707,00 R$ 895,77 2,98
Sol Nascente R$56.363,00 R$ 1.043,75 3,47 RENDA MÉDIA GERAL R$ 392.881 00 , R$ 869,20 2,89
84
A análise comparativa entre os rendimentos apresentados nos três sub-mercados,
evidencia que a menor Renda Média do responsável - 1,95 salários mínimos - e menor
Renda Média Domiciliar – 2,83 salários mínimos – ocorreu no sub-mercado de compra
como pode ser observado na Tabela 19. É interessante observar que apesar de
receberem um rendimento menor do que dos demais sub-mercados, esse grupo de
moradores havia conseguido comprar um imóvel recentemente, sendo que a maior parte
deles - 52,8% -, certamente teve alguma possibilidade de poupança, pois havia efetuado
o pagamento à vista. Por outro lado, o sub-mercado cujos entrevistados recebiam a maior
Renda Média do responsável – 2,24 salários mínimos - e maior Renda Média Domiciliar –
2,94 salários mínimos – ocorreu no sub-mercado de venda. Deve-se observar que esse
grupo de entrevistados do sub-mercado de venda também era o que possuía maior
estabilidade, pois têm o maior tempo de permanência na comunidade – 88,3% deles
habitava há pelo menos 2 anos nesse mesmo domicílio -, 74,6% exercia alguma
atividade remunerada, sendo que 15,9% dos entrevistados já estavam aposentados,
inclusive o maior índice de aposentados dos três sub-mercados. De qualquer forma,
mesmo com essa diferença favorável de rendimento em relação aos demais sub-
mercados, isso não se constitui numa benesse, pois são famílias que vivem em
condições bastante precárias, tanto é que muitos deles indicaram motivação financeira
para a venda, a qual iria permitir receber recursos com a troca por um imóvel mais barato
ou porque iria permitir retornar para sua cidade de origem ou para outra cidade com
menor custo de vida.
Dentre as seis comunidades pesquisadas as que apresentaram as condições mais
precárias, inclusive em termos de renda, foram as de Frei Damião e Solemar, cujos
responsáveis recebiam a menor Renda Média por responsável a menor Renda Média
Domiciliar nos sub-mercados de venda, compra e aluguel, que redundou na
apresentação da Renda Domiciliar Média mais baixa dentro o conjunto das comunidades,
conforme exposto anteriormente. Entretanto, as informações coletadas permitiram
evidenciar não apenas as diferenças de renda entre os diferentes tipos de sub-mercados
ou as diferenças de renda definidas pela localização da própria comunidade no contexto
urbano, mas, além disso, evidenciar as diferenças de renda apresentadas entre os
entrevistados conforme a origem dos moradores que alugaram ou comercializaram
imóveis.
85
Considerando-se que a ampla maioria dos moradores que havia efetuado transação
imobiliária era formada de migrantes, ou seja, 79,5% do total, buscou-se averiguar se
haveria diferença na renda domiciliar recebida pelos migrantes em relação àqueles
originários da área conurbada de Florianópolis. Tomou-se como objeto de investigação o
sub-mercado de aluguel, visto ter sido o que apresentou o maior numero de migrantes –
82,8% dos entrevistados – e também porque foi o único sub-mercado onde todos
apresentaram algum tipo de renda, não ocorrendo, portanto, domicílio sem rendimento. A
comparação entre a Renda Média Domiciliar dos locatários originários da área conurbada
de Florianópolis – 3,28 salários mínimos – indicou que essa era maior do que a Renda
Média Domiciliar dos locatários migrantes, 2,81 salários mínimos.
Tabela 19 – Renda domiciliar média e renda por responsável * (em salários mínimos), (INFOSOLO, 2005)
VENDA COMPRA ALUGUEL
COMUNIDADE
Renda Média do
Responsável Renda Média
Domiciliar
Renda Média do
Responsável
Renda Média
Domiciliar
Renda Média do
Responsável Renda Média
Domiciliar
Tapera da Base 2,69 3,37 2,3 3,22 2,24 3,05
Frei Damião 1,61 2,15 1,4 1,85 1,73 2,4
Solemar 2 2,26 1,34 1,83 1,88 2,6
Serrinha 2,05 2,89 1,84 3,09 1,84 2,41 Morro da Queimada 1,33 3,33 3,67 6,67 2,09 2,76
Sol Nascente 3,31 4,43 1,75 3,22 2,18 3,27
TOTAL 2,24 2,94 1,95 2,83 2,1 2,9 (*) – considerando os responsáveis com renda.
Os migrantes que alugavam moradia, no entanto, apresentaram não apenas a Renda
Média Domiciliar menor do que a Renda Média Domiciliar do locatário originário da área
conurbada e morador de sua comunidade, mas a renda desses migrantes também
apresentava um valor menor do que a Renda Média Domiciliar do conjunto de locatários
entrevistados nas seis comunidades, que foi de 2,9 salários mínimos. No entanto, como
havia sido observado, se a menor renda média domiciliar entre todos os locatários,
migrantes ou não, ocorreu em Frei Damião, onde a média recebida era de 2,40 salários
mínimos, a comparação entre os grupos de migrantes das diversas comunidades
evidenciou que a menor renda média domiciliar dos migrantes ocorreu na Serrinha, que
apresentou 2,17 salários mínimos. Por outro lado, observa-se que a renda média
domiciliar dos locatários migrante moradores de Sol Nascente, apresentaram a Renda
Média Domiciliar de 3,22 salários mínimos, portanto, maior do que o rendimento médio do
86
conjunto de todos os locatários pesquisados. Deve-se recordar que foi na comunidade de
Sol Nascente aonde foram registrados os valores de aluguel mais altos, R$ 5,37 o metro
quadrado, considerando todo universo do mercado informal pesquisado. Essa
averiguação em relação aos rendimentos dos migrantes demonstra, por um lado, que no
contexto geral há uma diferenciação entre os rendimentos dos migrantes e dos que
nasceram na cidade, indicando que os migrantes recebem menores rendimentos, mas
que, no entanto, a localização da comunidade no contexto intra-urbano também repercute
nessa definição de valores nos rendimentos dos migrantes e da própria comunidade.
Além disso, como se confirma adiante, a pesquisa indicou que no contexto da
informalidade sobrepõem-se também outros valores e necessidades, em especial, as
redes sociais de intercâmbio, que pondera as relações com parentes e amigos, a qual foi
apontada pelos moradores como prerrogativa importante, e que contribuem para a
constituição do capital social, (BORDIEU, apud GUTIÉRREZ: 2005: 30).
3.1.2 Destino
Na análise da mobilidade residencial dos moradores das áreas de informalidade o destino
pretendido é fator importante e será averiguado através de dois tipos de abordagem e
alcance: 1) a mobilidade determinada pelo processo migratório considerada a origem e a
comunidade escolhida pelo migrante para moradia quando foi entrevistado; 2) a
mobilidade estabelecida pelo cotidiano dos moradores entrevistados nas áreas de
informalidade: trabalho, compras, lazer, entre outros destinos.
Como foi visto, compunha-se de migrantes cerca de 80% dos moradores das áreas de
informalidade que havia efetuado algum tipo de comercialização, ou alugado um imóvel
no mercado informal. A maior parte desse contingente veio do interior de Santa Catarina
e dirigiu-se para a Florianópolis e sua área conurbada, principalmente, a partir de 1990.
Considerando os três sub-mercados, constituía-se de migrantes 82,8% do grupo de
locatários, 77,6% dos que compraram imóvel e 76,8% dos estavam vendendo imóvel.
Dentre o conjunto de migrantes que haviam comprado imóveis, 67% vieram do interior de
Santa Catarina, 19,6% do Paraná e 7,2% eram originários do Rio Grande do Sul. Dentre
os moradores que estavam com imóvel à venda e eram originários de outras cidades,
67% vieram do interior de Santa Catarina, 14,1% do Paraná e 13,2% do Rio Grande do
Sul. No grupo de locatários do mercado informal que eram migrantes, constatou-se que
41,5% eram originários do interior de Santa Catarina, 24,52% do Paraná e 25,8% do Rio
87
Grande do Sul. Deve-se salientar que 56,5% dos que alugavam imóveis haviam migrado
para a área conurbada depois do ano 2000.
Os dados evidenciam, portanto, que no conjunto dos três sub-mercados, 53,9% dos
migrantes eram originários do interior de Santa Catarina, 19,7% deles migrou do Paraná,
14,8% migraram do Rio Grande do Sul e 11,6% vieram de outros estados ou países. No
momento da pesquisa, dentre os migrantes que eram originários do interior de Santa
Catarina, 31,2% havia escolhido a Tapera da Base para morar, 25,24% a Serrinha,
25,74% a comunidade de Frei Damião, na área continental, em Palhoça e 8,9% moravam
na comunidade de Sol Nascente. Os migrantes que vieram do Paraná tiveram como
destino naquele momento uma distribuição mais equilibrada, habitando principalmente as
comunidades da Tapera da Base (27,4% dos paranaenses), na Serrinha (22%), em Frei
Damião (20,5%) e no Sol Nascente (17,8%). Os migrantes entrevistados que vieram do
Rio Grande do Sul estavam concentrados principalmente na Tapera da Base, onde
59,67% dos que transacionaram imóveis eram gaúchos, diluindo-se a presença desses
migrantes de forma eqüitativa nas demais comunidades, com exceção de Frei Damião,
única comunidade onde não foi feita entrevista com nenhum morador oriundo do Rio
Grande do Sul.
Se tomarmos o conjunto de migrantes entrevistados, veremos que 35,63% deles morava
na Tapera da Base, seguido por 21,54% em Frei Damião e na Serrinha. No entanto,
apesar do alto índice de migrantes entre os que efetuaram transação imobiliária na
Tapera da Base, cerca de 64,8% do total, essa é a comunidade que apresentou o menor
índice de migrantes que efetuaram transação. Dos que efetuaram transação imobiliária
em Frei Damião 100% eram migrantes, assim como 95% dos entrevistados de Solemar,
95% da Serrinha, 86,3% do Morro da Queimada e 72,2% do Sol Nascente também eram
migrantes.
Possivelmente podem ter contribuído para o destino dos migrantes não apenas a
proximidade dos parentes e amigos, conforme motivação apresentada pela maior parte
dos entrevistados, mas, ainda, a diferença dos preços dos imóveis transacionados,
apresentados em cada comunidade. Assim, as comunidades de Solemar e Frei Damião,
ambas localizadas nas periferias pobres do continente, apresentaram as menores médias
de preço por m2 dos imóveis de compra, respectivamente, R$ 98,21/m2 e R$ 131,29/m2.
Da mesma forma Solemar apresentou o preço médio por m2 mais baixo do aluguel, R$
3,29 m2, enquanto Sol Nascente apresentou o preço mais alto, R$ 5,37/m2, localidade
88
que, não por coincidência, apresentava 30% de seus locadores possuindo mais de 5 de
imóveis para alugar. No sub-mercado de venda, mais uma vez Solemar e Frei Damião
apresentaram o preço por metro quadrado mais baixo, respectivamente, R$ 168,61/m2 e
R$ 175,11/m2, enquanto Tapera da Base e Sol Nascente apresentaram, respectivamente,
R$556,83/ m2 e R$ 711,71/m2, os valores mais caros dentre as comunidades. Portanto,
além dos fatores de atração definidos pelos entrevistados como sendo, principalmente, a
proximidade dos parentes e a proximidade do trabalho, tudo indica que também o fator
custo da moradia parece ter influenciado a maior concentração dos migrantes em
algumas comunidades nas áreas da periferia continental. O destino dos moradores que
estão vendendo seu imóvel, após a sua comercialização, será, para 31,68% deles uma
outra cidade, seguido por 27,54% que pretendem ir para outro bairro, sendo que 24%
indicou que pretende continuar na mesma comunidade, principalmente os moradores da
Tapera da Base (37,5%) e da Serrinha (25%).
O destino cotidiano dos moradores que efetuaram transações imobiliárias pôde ser
observado através do seu deslocamento para o trabalho, para compras, para passeios,
lazer e visitas a parentes e amigos. Em relação ao deslocamento para o trabalho, as
indicações gerais da distância a ser percorrida pelos responsáveis pelos domicílios
puderam ser aferidas através da separação preliminar em 3 níveis de distância moradia-
trabalho, (Tabela 20) adequadas à localização das comunidades pesquisadas em relação
à área conurbada e Florianópolis: a) distância de até 5 km, percurso que pode ser
desenvolvido a pé; b) distância moradia-trabalho entre 5 a 25 km., referenciada na
distância entre a área central da ilha e cada uma de suas extremidades, que é de
aproximadamente 35 km; c) distância superior a 25 km a ser percorrida diariamente, em
geral, o percurso ilha-continente, ou percurso intermunicipal ou entre a parte norte e sul
da ilha.
Dentre os 3 sub-mercados, os entrevistados dos sub-mercados de aluguel e de compra
foram os que indicaram maior proximidade entre a moradia e o trabalho. No sub-mercado
de aluguel, a localização do trabalho para quase 40% dos entrevistados se situa a até 5
quilômetros de distância de sua moradia, no entanto, 38% deles percorre a distancia
diária entre 5 a 25 km. Para os que compraram domicílio o índice de distância de até 5km
atinge 32% dos entrevistados, e 30% para percursos entre 5 e 25 km. No sub-mercado
de venda o percurso de até 5 km é desenvolvido por 27,5% dos entrevistados, sendo que
37,6% percorrem entre 5 a 25km para chegar ao trabalho. Certamente a menor distância
89
percorrida entre moradia-trabalho por aqueles que haviam recentemente alugado e
comprado um domicílio seria a prevista, principalmente sabendo que os motivos que
determinaram a escolha do imóvel para a maioria deles foi a proximidade dos parentes e
a distância do trabalho. Assim, no compito geral dos entrevistados que se pronunciaram
nos sub-mercados de compra e de aluguel, 36,6% conseguiram permanecer habitando
numa distância máxima de 5 km de seu trabalho, 35% necessitavam percorrer distância
entre 5 a 25km para chegar ao trabalho e apenas 7,8% efetuavam percursos superiores a
25km. Isso significa que, apesar de nem todos os entrevistados dos 3 sub-mercados
conseguirem habitar em áreas próximas de sua moradia, o tempo diário despendido no
percurso casa-trabalho-casa para 33,8% deles será de menos de 1 hora diária e para
35,8% será despendido em torno de 2 horas até, no máximo, 2 horas e meia diárias
nesse percurso casa-trabalho-casa, fator considerado bastante favorável no contexto dos
moradores de áreas de informalidade no país.
Tabela 20 – Deslocamento para o trabalho, (INFOSOLO, 2005)
sub-mercado ATÉ 5KM DO DOMICÍLIO
ENTRE 5 E 25KM DO DOMICÍLIO
MAIS DE 25 KM DO DOMICÍLIO não declarado
ALUGUEL 39,58% 38% 7,29 15,10% COMPRA 32% 30% 8,80% 28,80% VENDA 27,50% 37,68% 8,70% 26%
TOTAL GERAL 33,84% 35,82% 8,13% 22,20%
No cotidiano desses moradores constatou-se que a grande maioria efetuava suas
compras diárias em sua própria comunidade, Tabela 21 sendo que esse é procedimento
de 82,6% dos entrevistados do sub-mercado de vendas, de 79,2% do sub-mercado de
compras e de 69,8% do sub-mercado de aluguel. Estes indicadores evidenciam que há
um suporte mínimo de comércio no interior ou ao redor dessas comunidades
pesquisadas, inclusive nas mais precárias como Solemar e Frei Damião. No entanto, no
sub-mercado de aluguel um grupo de 17,2% indicou que efetuava essas compras diárias
num outro bairro, sendo que chama a atenção o procedimento ter sido apontado pelos
moradores da Serrinha e de Solemar. A pouca estrutura do bairro pode ser a justificativa
dos locatários de Solemar, no entanto, na Serrinha, área com boa inserção urbana, pode
haver outras motivações, entre elas, o pouco tempo de permanência na comunidade
pelos entrevistados - na época, uma média de 3 meses -, restringindo os vínculos com o
local ou que ainda estivessem conectados ao local de moradia anterior.
90
Tabela 21 – Onde faz as compras diárias (INFOSOLO, 2005) ALUGUEL COMPRA VENDA
COMUNIDADE na comunidade
outro bairro outros na
comunidadeoutro bairro outros na
comunidade outro bairro outros
Tapera da Base 87,7% 12,3% 0,0% 88,7% 11,3% 0,0% 89,3% 8,9% 1,8% Frei Damião 80,0% 20,0% 0,0% 89,3% 3,6% 7,1% 91,1% 2,2% 6,7% Solemar 37,5% 25,0% 37,5% 57,1% 14,3% 28,6% 60,0% 40,0% 0,0% Serrinha 47,4% 5,3% 47,4% 50,0% 12,5% 37,5% 55,0% 10,0% 35,0% Morro da Queimada 47,4% 42,1% 10,5% 0,0% 100,0% 0,0% 100,0% 0,0% 0,0% Sol Nascente 70,7% 4,9% 24,4% 100,0% 0,0% 0,0% 70,0% 10,0% 20,0% TOTAL 69,8% 13,0% 17,2% 79,2% 10,4% 10,4% 82,6% 8,0% 9,4%
As compras maiores, por outro lado, sujeitava cerca de 80% deles a se deslocarem para
outro bairro para efetivá-las, conforme indicou os entrevistados do sub-mercado de venda
(79,7%), compra (84,3%) e aluguel (79,2%), Tabela 22. Esses índices foram maiores que
80% nas comunidades mais distantes como a Tapera da Base e Solemar e mesmo nos
próximos das áreas centrais, como Morro da Queimada e Sol Nascente. No entanto, 20%
dos moradores de Frei Damião indicaram que compravam no próprio bairro, 40% em
outro bairro e 20% em outra cidade, que longe de demonstrar uma possível qualidade do
comércio local ou disponibilidade de seus moradores, evidenciam as dificuldades da
comunidade e do entorno em que esta se insere.
Tabela 22 – Onde faz as compras maiores (INFOSOLO, 2005) ALUGUEL COMPRA VENDA
COMUNIDADE no bairro outro
bairro outros no bairro outro bairro outros no bairro outro
bairro outros
Tapera da Base 0,0% 95,1% 4,9% 1,6% 93,5% 4,8% 1,8% 89,3% 8,9% Frei Damião 20,0% 40,0% 40,0% 3,6% 67,9% 28,6% 15,6% 60,0% 24,4% Solemar 0,0% 100,0% 0,0% 14,3% 85,7% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% Serrinha 31,6% 68,4% 0,0% 41,7% 54,2% 4,2% 15,0% 85,0% 0,0% Morro da Queimada 15,8% 84,2% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 50,0% 50,0% 0,0% Sol Nascente 4,9% 80,5% 14,6% 33,3% 66,7% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% TOTAL 9,4% 84,4% 6,3% 1 ,2% 1 79,2% 9,6% 8,7% 79,7% 11,6%
A maior parte dos entrevistados exercia alguma atividade remunerada e a maior parte
trabalhava, no mínimo, 5 dias semanais. No entanto, quando não estavam trabalhando,
esses moradores das áreas de informalidade indicaram que desenvolviam algumas
atividades semelhantes. A principal atividade desenvolvida por esses moradores durante
o seu tempo livre constituía-se em desfrutar da sua casa, escolha apontada por 68,6%
daqueles que vendiam sua casa, por 41% dos que alugavam um domicílio e de 54,4%
91
que haviam comprado um domicílio recentemente. Certamente essa proporção pode
estar relacionada ao grau de vínculos que os moradores de cada sub-mercado mantinha
com seu domicílio, certamente relacionado ao tempo de vivência na comunidade e à
condição de propriedade do imóvel. No sub-mercado de venda, ainda 13,7%
costumavam visitar parentes e amigos e outros 13,7% participavam de atividades
religiosas, sendo que essa última opção foi apontada por 22,2% dos que vendiam seu
domicílio em Frei Damião. Essa foi das poucas comunidades que apontou de forma
significativa o exercício de atividades religiosas, fato coerente com as características
observadas, ou seja, trata-se de uma comunidade isolada, que apresentava condições
precárias, onde muitos participavam da cooperativa de catadores de lixo reciclável e onde
despontavam diversos grupos religiosos no interior da comunidade. Ainda foram
apontados pelos entrevistados no sub-mercado de aluguel que o lazer ao ar livre era uma
alternativa de uso do tempo livre por 20,8% e, por 18,4% dos que compraram o imóvel, a
opção de visitar os parentes e amigos.
O apoio e a proximidade dos parentes e amigos foi, por diversas vezes e de diferentes
formas, citada como um dos aspectos importantes no cotidiano de todos os
entrevistados. Essa proximidade constitui-se num dos fatores mais importantes para a
escolha de uma comunidade para morar e de um domicílio na comunidade, inclusive na
maior parte das vezes as informações de imóveis para alugar ou comprar foram obtidas
através desses contatos. Os amigos e parentes geram constantes movimentações e
deslocamentos para visita quando esses moram distantes. No entanto, a maior parte dos
entrevistados apontou que seus amigos moravam em sua própria comunidade, situação
assinalada por 68,8% dos que vendiam um imóvel, por 55% dos que alugavam e por 60%
dos que haviam comprado um imóvel, (Tabela 23). Alguns necessitam deslocar-se, visto
que os amigos moravam em outro bairro, situação vivida por 23,9% dos que vendem o
imóvel, por 26,5% dos locatários e por 30,4% dos entrevistados do sub-mercado de
compra. É interessante notar, por outro lado, que 68,8% dos entrevistados pretendiam
vender seu imóvel apesar de seus amigos morarem na sua comunidade, da mesma
forma que 26% indicaram que seus parentes moravam na sua comunidade, mas mesmo
assim pretendiam se desfazer de seu imóvel, sendo que nem sempre houve indicação de
que a mobilidade iria ocorrer dentro da mesma comunidade.
92
Tabela 23 – Onde mora a maioria dos amigos do entrevistado, (INFOSOLO, 2005) ALUGUEL COMPRA VENDA
COMUNIDADE na comunidade
outra comunidade
outro bairro outros*
na comunidade
outra comunidade
outro bairro outros*
na comunidade
outra comunidade
outro bairro outros*
Tapera da Base 59,3% 8,6% 25,9% 6,2% 46,8% 4,8% 43,6% 4,8% 69,6% 1,8% 26,8% 1,8% Frei Damião 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% 71,4% 7,1% 14,3% 7,1% 73,3% 2,2% 13,3% 11,1%Solemar 50,0% 12,5% 25,0% 12,5% 85,7% 14,3% 0,0% 0,0% 80,0% 0,0% 0,0% 20,0%Serrinha 50,0% 15,8% 26,3% 7,9% 79,2% 0,0% 16,7% 4,2% 80,0% 0,0% 20,0% 0,0%
Morro da Queimada 42,1% 5,3% 26,3% 26,3% 0,0% 0,0% 100,0% 0,0% 50,0% 0,0% 50,0% 0,0% Sol Nascente 56,1% 4,9% 31,7% 7,3% 33,3% 0,0% 66,7% 0,0% 20,0% 10,0% 70,0% 0,0% TOTAL 55,7% 8,9% 26,6% 8,9% 60,0% 4,8% 30,4% 4,8% 68,8% 2,2% 23,9% 5,1%
Em relação ao local de moradia dos parentes, (Tabela 24) parte significativa indicou que
eles moravam em outras cidades, situação de 44,2% dos que estavam vendendo, de
58,3% dos que alugavam e de 38,4% dos que compraram imóveis. Moradores das
comunidades mais periféricas e precárias, como Solemar e Frei Damião, esse índice era
muito superior, apresentando, respectivamente, índice de 87,5% e 80% em que os
parentes viviam em outras cidades. Havia também um contingente de moradores, nos
três sub-mercados, que possuíam parentes morando na mesma comunidade, conforme
ocorria com 26% do mercado de vendas, com 23,4% do mercado de aluguel e com
34,4% do sub-mercado de compra. Sabendo que a maior parte dos que comercializaram
imóveis eram migrantes, é interessante notar que pelo menos um quarto deles
conseguiram morar próximos a seus parentes, na própria comunidade, evidenciando
fluxo contínuo de movimentos de mudanças e de migrações, procedimento muito comum
e que ocorre sempre que os primeiros membros da família conseguem se estabelecer
numa nova cidade.
Outro aspecto significativo e que confirma essa rede de relações estreita e integrada dos
moradores das áreas de informalidade, é que, apesar de 70% dos que comercializaram
imóveis serem moradores recentes, já apresentavam significativa rede de relações de
amizade nessas novas comunidades. Finalmente, é importante salientar que essa
relação de amizade se estende nas relações de troca com a vizinhança, para 45% dos
que pretendiam vender seu imóvel, para 39,58% dos que alugavam um imóvel e para
46,4% dos que haviam comprado um imóvel. Esses dados confirmam essa rede de
amizade e apoio e, apesar do índice geral de 45% apresentado no sub-mercado de
vendas se reproduzir com equilíbrio em todas as comunidades, é curioso notar que não
93
há muita diferença entre os índices das 3 sub-mercados, que apresentam relação de
vizinhança semelhante apesar do tempo de permanência dos que compraram e alugaram
imóveis ser de poucos meses e, ao contrário, daqueles que vendiam estarem, em sua
maioria, há mais de 5 anos morando na mesma comunidade.
Tabela 24 – Onde mora a maioria dos familiares do entrevistado, (INFOSOLO, 2005) ALUGUEL COMPRA VENDA
COMUNIDADE na
comunidade outro bairro outra
cidade outros* na
comunidade outro bairrooutra
cidade outros* na
comunidade outro bairro
outra cidade outros*
Tapera da Base 33,3% 16,1% 44,4% 6,2% 37,1% 25,8% 32,3% 4,8% 25,0% 33,9% 37,5% 3,6% Frei Damião 20,0% 0,0% 80,0% 0,0% 39,3% 14,3% 35,7% 10,7% 26,7% 13,3% 51,1% 8,9% Solemar 0,0% 12,5% 87,5% 0,0% 14,3% 14,3% 57,1% 14,3% 20,0% 0,0% 60,0% 20,0%Serrinha 10,5% 13,2% 73,7% 2,6% 33,3% 8,3% 50,0% 8,3% 20,0% 25,0% 55,0% 0,0% Morro da Queimada 15,8% 10,5% 73,7% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 100,0% 100,0% 0,0% 0,0% 0,0% Sol Nascente 24,4% 14,6% 56,1% 4,9% 0,0% 33,3% 66,7% 0,0% 30,0% 40,0% 30,0% 0,0% TOTAL 23,4% 14,1% 58,3% 4,2% 34,4% 19,2% 38,4% 8,0% 26,1% 24,6% 44,2% 5,1%
3.2 Preferências Locacionais
Ao se analisar as preferências dos moradores pela localização do domicílio nas áreas de
informalidade, um dos aspectos que chama a atenção é que nem sempre os
entrevistados tem clareza do contexto e da totalidade físico-territorial da sua cidade e da
área conurbada. Os resultados evidenciam que os moradores conseguem distinguir
claramente as desigualdades sócio-espaciais, em especial entre as áreas residenciais
ricas e pobres, mas nem sempre tem conhecimento de onde se localizam as áreas de
auto-segregação da classe dominante ou as áreas mais valorizadas. Ao serem
questionados sobre quais seriam as áreas mais valorizadas da cidade, menos de 40%
dos entrevistados dos 3 sub-mercados, conseguiu indicar com maior precisão essas
áreas. Mas, os que o fizeram, apontaram corretamente áreas como o empreendimento
Jurerê Internacional, a avenida beira-mar norte e praias localizadas no norte da ilha.
Mesmo no caso dos entrevistados de Palhoça e de São José, e que se referenciaram ao
seu município, essa imprecisão para localizar as áreas mais valorizadas também se
manifestou.
Os moradores das áreas de informalidade, no entanto, têm a noção clara de quais são e
onde se localizam as áreas menos valorizadas da sua cidade e no contexto conurbado
ilha-continente. Ao serem indagados quais as áreas menos valorizadas da cidade,
praticamente todos que haviam comprado imóvel apontaram os morros e periferias
94
pobres, muitos citando nomes de favelas como Chico Mendes, Frei Damião, Tapera da
Base, Morro da Caixa D’Água, Monte Cristo, entre diversas outras. A consciência dessa
condição de pobreza e de desvalorização no contexto da cidade também é confirmada
pelas respostas dadas pelos moradores que adquiriram imóvel em Frei Damião, favela
considerada das mais precárias e pobres da área conurbada. Ao responderem a essa
questão, a maior parte dos moradores de Frei Damião - 82% dos moradores que
compraram e 79,5% dos que estão com imóvel à venda -, indicaram a sua própria
comunidade como a mais desvalorizada da cidade. Na comunidade de Frei Damião
também pôde ser observado que os moradores entrevistados, na maioria das vezes,
ficaram circunscritos às referências urbanas situadas no município de Palhoça, ao
contrário dos entrevistados de outras comunidades cujas respostas apontam maior
clareza da amplitude territorial.
A consciência de que habitam em áreas desvalorizadas não se constitui necessariamente
num obstáculo, embaraço ou fator de insatisfação. Os moradores que haviam comprado
o imóvel recentemente demonstraram, pelas declarações efetuadas, satisfação em
relação ao local onde estavam morando. Foram pré-determinadas nos questionários 8
alternativas de localidades de domicílios em áreas de informalidade localizadas na ilha e
no continente, no centro e na periferia, inclusive uma casa com escritura definitiva em
Biguaçu (61). Foram indicadas 3 opções de localidades com domicílio do mesmo preço
que ele havia comprado para que pudesse escolher. Dentre o total de entrevistados,
71,2% indicaram que continuariam optando pelo mesmo imóvel adquirido. Se
averiguarmos cada uma das comunidades, sempre mais do que 50% dos entrevistados
indicaram que se manteriam nesse mesmo domicílio. Dentre os moradores do Morro da
Queimada e do Sol Nascente, 100% dos entrevistados das duas comunidades
declararam que preferiam permanecer no seu imóvel, assim como 82,26% dos
moradores da Tapera da Base. Na localidade de Frei Damião, apesar de 53,57% dos que
61 - As oito opções indicadas no questionário de compra foram as seguintes: a) uma casa menor na área central do município de Florianópolis situada, por exemplo, no Morro da Mariquinha, Morro do Horácio, ou Morro do 25; b) Uma casa com escritura (título de propriedade) no município de Biguaçu próxima ao Jardim Saveiro ou Morro do Tibúrcio; c) Uma casa maior no município de Palhoça situada, por exemplo, no Passa Vinte, Areias ou Curtume; d) Uma casa maior no município de São José situada no pedregal, Morro do Avaí ou Metropolitano; e) Uma casa no sul da ilha, em Florianópolis, situada, por exemplo, na Tapera da Base ou Areias do Campeche; f) Uma casa no norte da ilha, em Florianópolis, situada, por exemplo, na Vila do Arvoredo (Siri), angra dos Reis ou Travessão do Rio Vermelho; g) Uma casa no continente, mas ainda em Florianópolis, situada, pro exemplo, na Vila Aparecida, Novo Horizonte ou Morro da Caixa.
95
adquiriram um imóvel terem indicado que optariam em permanecer na mesma
comunidade, houve um índice de 25% de moradores que aventaram a possibilidade de
troca de seu imóvel por uma casa maior também em Palhoça. Entretanto, é importante
notar que, apesar de 82% dos que compraram imóveis em Frei Damião terem indicado a
própria comunidade de Frei Damião como a área menos valorizada da cidade, ainda
assim, parcela considerável desses moradores preferia ali permanecer.
Confirma ainda essa consciência de que habitam em áreas desvalorizadas as respostas
oferecidas ao serem solicitados a comparar a comunidade que habita em relação às
áreas residenciais do entorno. Dentre os que compraram imóveis, 77,6% consideraram
que os imóveis da comunidade em que habita valem menos do que os imóveis do
entorno da comunidade. Apresentaram essa mesma percepção de desvalorização de sua
comunidade em relação ao entorno cerca de 75,3% dos moradores que estavam com
imóveis para vender.
Os resultados que apontam a satisfação dos entrevistados e a sua preferência em
permanecer em seu domicílio e em sua comunidade são realmente significativos. Dentre
as alternativas apresentadas aos entrevistados que haviam comprado imóvel, cerca de
71,2% deles optaram em permanecer no mesmo imóvel. Deve-se esclarecer que, desse
percentual, apenas 12% desses responderam que preferiam permanecer na sua
comunidade porque consideraram piores as alternativas de troca sugeridas pela
pesquisa. Todos os demais entrevistados justificaram sua permanência no domicílio e na
comunidade em função das qualidades que viam na sua moradia e na localidade, seja
em função da proximidade dos parentes, da vizinhança, da tranqüilidade do bairro, da
proximidade do emprego, da ausência de violência, entre as justificativas mais citadas.
Na análise das preferências locacionais, outro aspecto expressivo em todas as
comunidades, é o fato de muitos entrevistados terem considerado a sua comunidade
como a mais tranqüila e a que apresentava menos violência, em comparação às demais
áreas de informalidade indicadas. Essa afirmação foi efetuada mesmo por moradores de
comunidades consideradas muito violentas. Como declarou um morador de Solemar,
comunidade com alto índice de criminalidade: “Continuaria morando aqui porque já
conheço e esses bairros sugeridos têm bandidos; aqui também tem (bandido), mas já
conheço e não tenho medo”. Esse fato retrata também o receio de enfrentar situações
desconhecidas, ou seja, expressa o sentimento de maior segurança frente a um
panorama que lhe é familiar, mesmo que seja reconhecidamente perigoso ou vulnerável.
96
Esse conjunto de resultados relatados evidencia, por um lado, que esses indivíduos que
desenvolveram algum tipo de transação imobiliária nas áreas de informalidade e pobreza,
aparentemente não consideraram a sua moradia prioritariamente como investimento.
Visivelmente os atributos do imóvel como valor de uso suplanta o seu interesse como
valor de troca, ou seja, a moradia interessa de imediato mais por suas qualidades de uso
do que pela possibilidade de comercialização ou investimento. Mesmo quando os
moradores expressaram ter como perspectiva o imóvel de moradia como investimento,
nem sempre demonstraram ter noção dos atributos que valorizam ou desvalorizam um
imóvel – uso do potencial construtivo do imóvel adquirido e que lhe possibilitará
futuramente a absorção de rendas -, e de quais localizações da cidade estariam em
processo de valorização. Assim, um dos entrevistados, morador da Serrinha, situada
próximo ao campus da UFSC, indicou como alternativa a opção de se mudar para a
Tapera da Base, no sul da ilha, “porque é um lugar bem valorizado, e muitas pessoas
estão indo pra lá”. Um outro morador da Serrinha apontou a alternativa de se mudar para
a Palhoça, porque “a Palhoça vai crescer bastante, vale a pena investir lá, porque é uma
área que vai valorizar”. Certamente, tanto alternativas nas áreas alagáveis da Palhoça
são de valorização duvidosa se comparada à valorização imobiliária na Serrinha, assim
como a valorização de imóvel na Serrinha é mais provável do que na Tapera da Base,
dependendo evidentemente da localização da moradia no contexto daquela distante,
extensa e heterogênea comunidade. Ainda que não tenha sido constatado que a moradia
comercializada não se constituía prioritariamente em investimento, ao serem instigados a
opinar sobre uma eventual valorização do imóvel nos próximos dois anos, 92% dos que
haviam comprado imóveis disseram que sim, que estes iriam valorizar, assim como
também afirmaram 86% dos moradores que estavam com seu imóvel à venda.
Os procedimentos de procura e de escolha locacional daqueles que adquiriram imóvel
podem, em linhas gerais, serem descritos através de um perfil definido pela incidência
das características mais expressivas apresentadas. A maior parte dos que compraram
um imóvel começou procurando um novo domicílio dentro da própria comunidade aonde
vivia, efetuando, em média, cerca de 2 visitas em imóveis à venda. Depois procuram em
outros bairros e, posteriormente, em outras comunidades. Mas essas buscas nas demais
localidades são mais raras e o número de visitas é menor do que as buscas em sua
própria comunidade. Cerca de 74% tomam conhecimento do imóvel à venda através de
amigos e de parentes, seguido de 13% que efetuam a procura porta a porta, o que
evidencia, mais uma vez, a importância dessa rede de proteção e de relações para essas
97
indicações. A escolha do imóvel, na maior parte das vezes, é bastante rápida, sendo que
63% dos que compraram um imóvel demoraram até um mês para encontrar o imóvel
comercializado. Mesmo que tenha havido alguns casos de busca mais demorada, 87%
dos que compraram imóvel em áreas de informalidade levaram, no máximo, 5 meses até
acharem o seu domicílio. A primeira aproximação dos resultados não autoriza que se
efetue uma relação direta entre o tempo de procura do imóvel e o valor pago pelo imóvel.
Houve quem tivesse demorado 24 meses para achar seu domicílio e pagou em torno de
R$ 6.000,00 pelo imóvel na Serrinha, enquanto outro que pagou R$ 65.000,00 na Tapera
da Base achou o imóvel em apenas um mês de busca, tempo utilizado pela maioria dos
entrevistados. As análises dos motivos que levaram essas escolhas.
3.2.1 Fatores de atração
Conhecer os fatores que atraem os compradores a uma comunidade e que justificam a
comercialização de um imóvel é um dado significativo para compreensão do mercado
imobiliário informal. A pesquisa evidenciou que a possibilidade de estar próximos de
parentes e também a proximidade em relação ao local de trabalho se constitui, para,
respectivamente, 20,8% e 20% dos entrevistados, nos principais motivos que atraíram e
justificaram a compra do imóvel nas comunidades pesquisadas. Além dessas duas
motivações outras justificativas significativas foram alegadas, entre elas, a intenção de
“sair do aluguel”, o “valor do domicílio” e o “gostar do bairro”, respondidas,
respectivamente, por 12%, 8,8% e 8,8% dos entrevistados. Além da escolha da
comunidade, 72% desses moradores também escolheram a localização do domicílio
adquirido dentro da comunidade.
Os moradores que alugaram uma moradia na comunidade, de forma semelhante aos que
compraram moradia, também apresentaram como principais motivações da escolha da
comunidade, a proximidade do trabalho e a proximidade dos parentes, respostas dadas
por, respectivamente, 25% e 23,96% dos entrevistados. As demais causas da escolha da
localidade diluem-se em outras treze alternativas, merecendo ainda ser relatadas as
alternativas referentes ao “valor do domicílio”, ao “querer fugir da violência” e a “gostar do
bairro”, respondidos por, respectivamente, 9,38%, 7,81% e 5,73% dos entrevistados.
Chama a atenção na análise do universo das seis comunidades, que o preço do aluguel
do imóvel, que poderia ser decisivo, tenha sido relatado por tão poucas pessoas como
motivo de escolha da comunidade. Apenas no caso de Solemar o preço do aluguel foi
uma alternativa indicada de forma significativa por 25% dos entrevistados, mas que
98
acabou sobrepujado pela proximidade do local do trabalho, fator que motivou a escolha
de 62,5% da população da comunidade. O preço do aluguel também foi indicado como
motivo de escolha por 12,3% desses entrevistados do sub-mercado de aluguel na
localidade de Tapera da Base. Inclusive, é significativo que o preço do aluguel tenha sido
indicado exatamente por duas comunidades localizadas nas áreas periféricas e com
oferta de imóveis, como o Solemar, no município de São José, e a Tapera da Base,
situada a 30 km ao sul do centro de Florianópolis.
Frente a esses relatos confirma-se que a localização da comunidade foi decisiva na
resolução da compra do imóvel. Evidencia-se, também, que para os setores sociais mais
pobres e excluídos das benesses urbanas, a proximidade dos parentes também é
fundamental. A proximidade de familiares garante uma rede social apoio, condição
importante para quem nem sempre conta com serviços públicos adequados (creche,
escola, transporte escolar, hospital, etc), emprego formal (licença médica, licença
maternidade, seguro saúde, seguro desemprego, etc) ou qualquer facilidade financeira.
Assim, a relação de vizinhança, amizade e, principalmente, a proximidade de parentes é
fundamental para a própria sobrevivência das famílias pobres, garantindo o apoio em
situação de emergência ou a ininterrupção do trabalho, da ocupação ou do estudo,
quando não há creche ou em casos de doença na família. Essa estreita relação se
confirma, inclusive, como importante meio de informação que os levou à obtenção da
própria moradia, pois 74,4% dos que adquiriram imóvel e 70,8% dos locatários
entrevistados, declararam que tomaram ciência do domicílio através de parentes e
amigos.
3.2.2 Fatores de repulsão
Os principais motivos que levam os moradores a deixarem ou desejarem deixar uma
comunidade concentram-se, fundamentalmente, em 6 fatores. Considerando os
entrevistados com casas à venda, na média do universo das seis áreas de informalidade
pesquisadas, o motivo da comercialização alegado por 18,12% deles referia-se à
inexistência de programas de urbanização na localidade, seguido por 16,67% que
alegaram que pretendiam sair da localidade para fugir da violência. Ainda no contexto
das seis áreas 9,42% alegaram que o motivo seria a distância do trabalho, 9,42% que
desejavam sair do local porque não gostam do bairro, 7,9% indicaram como motivo o
tamanho do domicílio e 7,25% alegaram a distância dos parentes. Todas as demais 12
alternativas oferecidas no questionário tiveram porcentagens menores de 5% na média
99
de respostas. Apenas 5% dos que estão vendendo pretende permanecer no mesmo
bairro, sendo cinco dos entrevistados na Tapera da Base e dois moradores de Frei
Damião.
Ao se comparar a média das motivações dada pelo conjunto das áreas pesquisadas,
relatada acima, com a média das alegações de cada uma das comunidades
isoladamente, não se observou alterações nas motivações, mas, sim, uma maior ou
menor ênfase em algumas delas, conforme a localização do assentamento pesquisado.
Assim, é importante notar que, apesar de terem sido oferecidas 18 opções de motivos
aos entrevistados, em todas as comunidades as motivações indicadas permaneceram
concentradas praticamente em seis alternativas: 1. a inexistência de programas de
urbanização; 2. fugir da violência; 3. distância do trabalho; 4. não gosta do bairro; 5.
distância dos parentes; e 6. o tamanho do domicílio, sendo que os dois primeiros motivos
foram, sem dúvida, os mais citados.
No entanto, em relação ao fator da violência nessas localidades, é interessante observar
que apesar de em todas elas ter sido levantado ou relatado problemas de violência, de
gangues e do constrangimento do tráfico de drogas, nem sempre entre as motivações
expressas nesse item da pesquisa elas tomam a dimensão prevista. Esse é o caso de
Frei Damião, um grande assentamento iniciado há 13 anos e ainda em processo de
ocupação, considerada a localidade com maior índice de violência, de subempregos e de
pobreza da área conurbada, e que apresentou o maior número de transações de venda,
57,6% das transações efetuadas nessa área. As evidências preliminares indicavam que
os motivos do alto índice de vendas relacionavam-se fundamentalmente à violência, no
entanto, dos entrevistados que estavam com seus imóveis à venda apenas 24,4%
apontaram como motivação a violência, seguidos por 17,78% que indicam como motivo a
inexistência de urbanização, por 8,9% que alegaram distância dos parentes e de 8,9%
que não gostam do bairro, entre as principais justificativas.
Por outro lado, em duas outras localidades pesquisadas, Solemar e Serrinha, a violência
foi apontada com maior ênfase como motivo de repulsa. Solemar, situada no município
de São José, e cujos moradores e o guia local evidenciaram a condição precária de
segurança local, e aonde nossos alunos sentiram a condição de menor segurança, foi
justamente aonde a violência foi apresentada por 40% dos moradores como motivo para
colocar à venda a sua moradia. Igualando-se a esse índice, entretanto, outros 40% de
moradores dessa mesma localidade apontaram a inexistência de programa de
100
urbanização como justificativa para comercializar seu imóvel. Na Serrinha, localizada
num bairro mais central, mais denso e aonde as gangues têm atuação crescente, fugir da
violência foi apontado como motivo da venda dos imóveis por 30% dos proprietários,
seguidos por 20% dos entrevistados que declararam o tamanho do domicílio como
motivo, e por 10% que alegam não gostar do bairro.
Dos moradores com imóveis à venda no Sol Nascente, cerca de 20% indicaram a fuga da
violência como motivo da comercialização do imóvel, o que, no entanto, é metade dos
40% dos donos de imóveis que alegaram como motivo de venda e saída do local a
inexistência de programa de urbanização. Essa mesma motivação também foi a mais
declarada pelos moradores com imóvel à venda na Tapera da Base, localizada a quase
30 km do centro de Florianópolis. Na Tapera da Base 17,6% dos entrevistados
declararam como motivo a inexistência de programa de urbanização, seguido por 14,23%
que declararam a distância trabalho e por 10,7% que alegaram não gostar do bairro. É
interessante esclarecer que na Tapera da Base, até ano de 2001, a precariedade da
infra-estrutura urbana, o abandono e a insegurança eram tão alarmantes que, durante um
período foi instituído pela Polícia Militar uma espécie de “toque de recolher” local, mas,
em função da mobilização e pressão dos moradores, começou a haver nos últimos anos
investimentos de saneamento, pavimentação da rua e policiamento 24 horas, com posto
policial. Certamente essa alteração da condição do bairro fez com que apenas 3,5% dos
entrevistados indicassem a violência como o motivo da venda do imóvel e de interesse
em sair do bairro.
Deve ser relatado, ainda, que não houve nenhum entrevistado das seis áreas de
informalidade que tenha apontado como motivação de saída da comunidade a
“inexistência de programa de regularização” ou a “desvalorização do domicílio” ou a “falta
de transporte”, alternativas apresentadas no questionário. Em relação aos dois primeiros
aspectos revelam que para esses moradores, não necessariamente o benefício do
domicílio se concentra em seu valor de troca ou investimento, ou, eventualmente,
expressam desconhecimento sobre o funcionamento do mercado ou, ainda, não efetuam
uma relação entre a regularização fundiária e uma possível melhora de investimentos
públicos. Evidentemente não se pode dizer que não tenham noção de que há uma
dinâmica no mercado imobiliário, pois, como vimos, 86,2% dos que estão vendendo seus
imóveis e 92% dos que compraram recentemente, afirmaram acreditar que ele irá
valorizar nos próximos 2 anos. Em relação ao transporte coletivo chama a atenção o fato
101
de ter sido alegado como motivo de descontentamento por raros entrevistados, pois,
desde 2004, tem sido uma constante em Florianópolis as reclamações, confrontos e
manifestações em relação à eficiência do sistema de transporte coletivo, ao insuficiente
número de veículos e ao custo da passagem. Apontou essa motivação apenas 6,6% de
moradores de Frei Damião, localidade que, por sua vez, é extremamente mal servida de
transporte público e cuja empresa de ônibus que fazia o trajeto local suspendeu a linha,
em meados de 2006, devido aos contínuos assaltos aos ônibus quando se aproximavam
do assentamento.
Finalmente, chama também a atenção o fato de haver certa discrepância entre o medo e
a insegurança devido à violência urbana, que são expressos crescentemente entre
setores das classes média e alta e pela mídia, em contraposição às motivações expostas
pelos moradores de áreas consideradas inseguras e dominadas por gangues e tráfico,
onde apenas 16,6% do conjunto dos proprietários de imóveis à venda apontam a fuga da
violência como motivo da venda do imóvel. Evidencia-se, por outro lado, que para a
população pobre a ausência de infra-estrutura e, principalmente, a ausência de
perspectivas de mudanças, como a inexistência de programas de urbanização, é que
vêm determinando a venda do imóvel e o abandono da localidade de moradia.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa desenvolvida pela rede INFOSOLO permitiu levantar, reconhecer e
localizar o conjunto de todas as 171 áreas de informalidade da área conurbada de
Florianópolis, desenvolveu extensa pesquisa de campo em 6 áreas de informalidade –
Tapera da Base, Frei Damião, Solemar, Serrinha, Morro da Queimada e Sol Nascente -
e, através dela, pôde investigar como se estrutura esse mercado imobiliário informal e
como vivem e se relacionam as camadas sociais que habitam as áreas mais precárias da
totalidade intra-urbana de Florianópolis. Essa aproximação das áreas de informalidade, o
reconhecimento quantitativo e qualitativo desse mercado imobiliário informal e a
compreensão de seu funcionamento e das diversas relações que estabelecem, não
apenas nos dá elementos para investigar o processo de reprodução dessa força de
trabalho, mas também contribui para os estudos sobre a reprodução social da pobreza. A
riqueza dos dados obtidos garante e potencializa, por outro lado, que os estudos e
análises da pobreza urbana possam ser abordados não apenas a partir das ausências e
das carências, como tradicionalmente é investigada, mas também do reconhecimento
dos bens que essas camadas sociais possuem, de seu patrimônio tangível ou intangível,
material ou simbólico, ou seja, também de seu capital social e de sua capacidade de
aproveitamento das redes sociais (62).
As atividades de pesquisa aqui relatadas e os resultados obtidos permitiram levantar e
manipular uma quantidade imensa de informações que, apenas de respostas diretas
representou mais de 30.000 dados, os quais, somados às possibilidades de conexões
entre eles, significa milhares de novas informações, além de potencializar focos originais
de investigação a serem desenvolvidos, descobertos e analisados. Assim, pudemos
conhecer as características do mercado informal na área conurbada de Florianópolis, as
características dos indivíduos que participam desse mercado e vivem nas áreas de
informalidade, os mecanismos de comercialização e de locação dos imóveis, as
características construtivas das moradias, os fatores de atração e repulsão na localização
urbana, os valores e o uso do tempo livre do morador da área de informalidade, a sua
mobilidade intra-urbana, entre tantos outros aspectos. Os resultados desta pesquisa
permitem também conhecer e abrir possibilidade de novos focos de análises específicas -
62 - Ver BORDIEU, P. (1980); TOLEDO, F. (2005) GUTIÉRREZ, A. (2005), CATTANI(2005), entre outros.
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por exemplo, ao evidenciar o processo de comercialização da moradia em função da
profissão, da cor, ou da instrução, ou de gênero, ou da distribuição espacial intra-favelas,
da localização da comunidade no tecido intra-urbano, da relação com o mercado formal,
entre dezenas de outros aspectos -, análises que também irão nos ajudar a entender
como esses grupos social e espacialmente excluídos conseguem se reproduzir apesar de
toda restrição de trabalho, renda, consumo, que a sociedade lhes impõem, assim como
acenar com propostas para a formulação de políticas públicas transformadoras e
inclusivas.
Neste relatório puderam ser descritos todos os resultados obtidos e evidenciadas as
especificidades internas aos integrantes de cada um dos três sub-mercados – de compra,
venda e de aluguel -, assim como as singularidades determinadas pelas características
de cada uma das seis comunidades pesquisadas e de sua localização na área conurbada
de Florianópolis. Entretanto, os resultados obtidos evidenciam também que, a partir do
padrão médio delineado, é possível traçar um perfil definido pela incidência das
características mais expressivas apresentadas pelos sujeitos que alugaram, que
compraram e que estavam com imóveis à venda, assim como do funcionamento do
próprio mercado imobiliário nas áreas de informalidade, facilitando a sua apreensão.
Desta forma, através da junção das características pessoais, sociais, de domicílio, de
procedimentos de escolha, de negociação, da mobilidade residencial e das relações
sociais que estabelece, pôde-se reconhecer e esboçar os contornos essenciais que
caracterizam os perfis dos indivíduos que comercializaram ou alugaram imóveis e o perfil
do próprio mercado imobiliário informal na área conurbada de Florianópolis, cujo resumo
apresentamos a seguir:
PERFIL DO LOCATÁRIO O indivíduo que alugou um imóvel nas áreas de informalidade pesquisadas integra-se no grupo que mais recentemente havia migrado para a região de Florianópolis e que chegaram, principalmente, a partir do final da década de 90. É procedente, em sua maior parte, do interior de Santa Catarina, ainda que também sejam significativos nesse período os migrantes originários do Rio Grande do Sul e do Paraná. Com idade média entre 35 a 40 anos de idade, a maior parte dos responsáveis pela família era do sexo masculino, declarado de cor branca, convivia com um(a) companheiro(a) e seu nível de instrução alcançava até a oitava série. Deve-se observar, no entanto, que cerca de 18% dos chefes de família eram mulheres cujo rendimento é o único da família. Esse locatário descrito exercia, em sua maior parte, algum trabalho remunerado, quase sempre no papel de empregado, desempenhando atividades principalmente no setor de serviços (auxiliar de escritório, serviços gerais, vendas, office-boy, motorista, cobrador, porteiro, vigia, gari, recepcionista, telemarketing, etc), ainda que muitos deles atuem na construção civil (servente, pedreiro, soldador, mestre de obras, carpinteiro, eletricista, etc), ou no comércio (balconista, garçom, caixa, cozinheiro, padeiro, supermercado, frentista, etc). Recebiam, em média, 2,1 salários mínimos mensais e apresentavam renda domiciliar de 2,9 salários mínimos, havendo
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quase sempre duas pessoas que contribuíam para esse rendimento. Em menor número, alguns locatários também trabalhavam por conta própria (catador de reciclável, borracheiro, lixador, pintor, faxineira, carregador, vendas, etc). Na época da entrevista habitava havia três meses no domicílio, que se constituía, em sua maioria, numa casa de um pavimento, com aproximadamente 46 m2 de área construída, sendo a única casa a ocupar o lote que, em média, apresentava 279,0 m2 de área (o menor lote médio incidiu em Frei Damião, com 138,00 m2). No entanto, no caso da Serrinha, metade dos domicílios apresentava mais de um imóvel num mesmo lote. O imóvel alugado, em geral implantado num terreno não sujeito a alagamentos, constituía-se, em média, de 4 cômodos: uma sala, um banheiro, uma cozinha, e um ou dois quartos, sendo que o estado de conservação do imóvel era considerado bom pelo inquilino. Em relação ao padrão construtivo do imóvel, este era constituído, na maior parte, com paredes em alvenaria, piso cerâmico e cobertura de cimento amianto. Deve-se observar, entretanto, o alto índice de uso da madeira como vedação em algumas comunidades, como Frei Damião e Serrinha, onde há muita pobreza, mas também onde parcela dos migrantes é originária da serra catarinense, região com disseminado uso da madeira na construção civil. O inquilino pagava para o locador, em média, R$ 208,00 reais mensais pelo imóvel, que representava custo médio de R$ 4,47 por metro quadrado de área construída. O valor do aluguel pago pelo imóvel, em geral, era significativo no orçamento do locatário e representava cerca de 23% de seu rendimento domiciliar. O processo de escolha e aluguel do imóvel foi rápido, definido em torno de 1 ou 2 meses, durante o qual visitou cerca de 2 imóveis. Soube deste imóvel através de parentes e amigos e tratou diretamente com o proprietário o valor a ser pago, efetuando um acordo verbal com o locador. Apesar de, em sua maioria, os locadores habitarem na própria comunidade, observou-se que 1/3 dos locadores habitava em outros bairros, destacando-se também o fato de 52% dos locadores possuírem outros imóveis para alugar, com alguns casos extremos, como no Sol Nascente, onde mais de 30% dos locadores possuíam mais do que 5 imóveis para alugar. O locatário padrão considerou em seu processo de escolha não apenas a localização da comunidade na cidade, mas também a localização do domicílio dentro dessa comunidade. A escolha da comunidade teve como principais justificativas o fato da comunidade ser próxima de seu local de trabalho e também o desejo de morar próximo aos parentes, motivações que superam todas as demais alternativas expostas, inclusive a intenção de pagar um menor valor de aluguel, motivo alegado por parcela dos que alugaram em assentamentos mais periféricos, como Solemar ou Tapera da Base. Morar próximo do local de trabalho constituía-se no principal anseio para, pelo menos, 39,5% deles, que despendia no máximo uma hora diária para percorrer a distância de até 5 km entre a sua moradia e o local de trabalho, sendo que outra parcela semelhante de locatários despendia até duas horas e meia por dia no trajeto casa-trabalho-casa. Esse inquilino da área de informalidade já havia morado em outros 2 ou 3 imóveis na área conurbada, desenvolvendo quase sempre sua trajetória residencial no mercado imobiliário informal. Demonstrava-se, no entanto, satisfeito com seu atual imóvel alugado, indicando que tinha interesse em comprar um imóvel na comunidade que habitava. Inclusive, apesar de ser um morador recente na comunidade, mantinha boas relações de troca com a vizinhança, fato relatado por 39,58% dos que alugavam um imóvel, condição importante para sua vida social, visto que os parentes de mais da metade desses locatários moravam em outros municípios. Inclusive quanto mais periférica a comunidade, como Solemar e Frei Damião, maior o índice de trocas com os vizinhos e maior a declaração de intenção de compra de um imóvel na comunidade. Costumava fazer as suas compras diárias na própria comunidade e as compras maiores em outros bairros, sendo que quanto mais periférica a localização da comunidade, era menor a oferta de comércio e maior o número de deslocamentos para efetuar compras. Em seu tempo livre preferia desfrutar a sua casa, ainda que 20,8% deles indicassem atividades de lazer ao ar livre. Privilegiavam as visitas aos parentes e amigos, sendo que 55% dos locatários indicaram que os seus amigos também habitavam na mesma comunidade, confirmando os motivos de sua mudança para aquela localidade.
PERFIL DE QUEM VENDIA Uma das características mais evidente no perfil do indivíduo que vendia seu imóvel nas áreas de informalidade era a sua relativa estabilidade e longo período de permanência na comunidade,
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comparativamente aos demais entrevistados. A maior parte era originária do interior de Santa Catarina e o seu período migratório para a área conurbada de Florianópolis foi mais intenso durante década de 90. Portanto, esses proprietários que estavam com imóveis à venda constituíam um grupo de moradores mais antigos nas comunidades, sendo que 18% deles migraram na década de 1980 e 11,3% chegaram nas décadas precedentes. A maior parte estava na faixa dos 40 anos de idade, declarou-se de cor branca, do sexo masculino, não havia conseguido concluir o primeiro grau e convivia com um(a) companheiro(a), seja casado ou em união consensual. Cerca de 60% deles habitava na comunidade há mais de 5 anos e, em alguns locais, como no Sol Nascente, a maior parte morava na comunidade há mais de 10 anos. Observa-se que em algumas comunidades (Sol Nascente, Solemar, Frei Damião e Tapera da Base) cerca de 20% dos moradores que vendiam seu domicílio eram mulheres chefes de família, quase sempre migrantes, na maior parte declararam-se de cor branca, possuíam ocupação e rendimento, sendo que a maioria delas sustentava sozinha seu domicílio, e eram solteiras, separadas, viúvas ou divorciadas. Em algumas comunidades, como em Frei Damião, as mulheres apresentavam idade média de 50 anos. O indivíduo que estava vendendo o seu imóvel, em sua maior parte, exercia algum tipo de trabalho remunerado, ainda que nas comunidades de Solemar e Morro da Queimada, pelo menos metade dos que estavam com seus imóveis à venda, se encontrava sem um trabalho remunerado. Além disso, nesse sub-mercado de vendas concentrava-se o maior índice de aposentados, cerca de 15% deles. Para muitos, o fato de não estarem exercendo trabalho remunerado ou estarem em dificuldades financeiras, também contribuiu para a decisão da venda do imóvel, com o qual pretendiam obter recursos através da troca de seu imóvel por um mais barato. Esse indivíduo exercia algum trabalho remunerado (74,6%), quase sempre no papel de empregado, e desempenhava atividades principalmente no setor de serviços e na construção civil. Quem estava vendendo seu imóvel apresentou a maior renda média - 2,24 salários mínimos -, e a maior Renda Média Domiciliar - 2,94 salários mínimos -, em comparação aos integrantes dos demais sub-mercados. Cerca de metade desses proprietários havia inicialmente adquirido o lote e posteriormente construiu o imóvel que estava à venda, sendo que 1/3 deles comprou o imóvel já pronto. Praticamente todos domicílios à venda se constituíam numa casa e, na maior parte, de um pavimento. Apresentavam área construída média de 71,4 m2, sendo a única casa a ocupar o lote que, em média, apresentava 257,6 m2 de área do lote (o menor lote médio incidiu no Morro da Queimada, com 110,00 m2). O imóvel à venda estava localizado, em geral, em terreno seco e plano, e constituía-se, em média, de 6 cômodos: uma sala, um banheiro, uma cozinha, e dois ou três quartos, sendo que o estado de conservação do imóvel tinha avaliação positiva, na maior parte considerado bom ou muito bom, pelo proprietário. Em relação ao padrão construtivo do imóvel, a maioria era constituída de paredes em alvenaria, piso cerâmico ou de tábua e cobertura de cimento amianto. Deve-se observar, como nos demais sub-mercados, o alto índice de uso da madeira como vedação em algumas comunidades. A maior parte construiu o imóvel que estava à venda e, praticamente todos os demais, realizaram pelo menos alguma reforma ou ampliação no imóvel. O preço médio de venda do imóvel era de R$ 29.261,59, que na época representava 97,5 salários mínimos, definindo valor de R$409,50 o metro quadrado da área construída (o menor valor do imóvel, R$10.257,80, foi em Frei Damião, e o maior valor, R$ 59.500, no Sol Nascente). A maior parte desses proprietários não pagava e nem possuía carnê de IPTU. O preço do imóvel foi fixado tendo por base, principalmente, os preços praticados na rua do imóvel e, para outros, foi baseado nos gastos realizados na construção ou reforma da edificação. O proprietário considerava, também, que o potencial construtivo de seu imóvel valorizava esse patrimônio, além de acreditar que seu imóvel iria se valorizar nos próximos 2 anos. As relações de vizinhança também se constituíam, para esse proprietário, num fator de valorização do imóvel. A maior parte dos proprietários possuía contrato do imóvel registrado em cartório e pretendia utilizar como documento de venda uma escritura pública de compra e venda, a qual seria registrada em cartório. A divulgação da venda foi feita através de uma placa colocada na frente do imóvel. A maior parte dos imóveis encontrava-se à venda há menos de 6 meses, ainda que 1/3 dos imóveis estivesse à venda num período de 1 a 5 anos. Uma média de 5 pessoas, da comunidade ou fora dela, já havia visitado o imóvel, significando interesse de compra. Deve-se observar que o valor médio fixado para venda, R$ 29.261,59, era mais que o dobro do valor médio dos imóveis comprados no período, R$ 12.482,30. Quando perguntado porque ainda não havia vendido o imóvel, boa parte dos proprietários reconhecia e citava como motivo o valor do preço fixado. Após a comercialização do imóvel consideravam duas opções de destino,
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alegadas com igual ênfase pelos proprietários: mudar-se para outra cidade ou mudar-se para outro bairro, ainda que parcela significativa desejasse permanecer na mesma comunidade (23,9%). Diversos foram os motivos alegados para a venda de seu imóvel, dentre os 18 motivos sugeridos pela pesquisa, sendo que a maior incidência de alegações referiram-se à inexistência de programas de urbanização na localidade (18,12%) e a intenção de sair da localidade para fugir da violência (16,67%). Em relação à mobilidade cotidiana observa-se que a possibilidade do deslocamento casa-trabalho poder ser efetuada à pé, em função da distância máxima de apenas 5km, era viável para apenas 27,5% dos proprietários, índice menor que nos demais sub-mercados, sendo que 37,6% desenvolviam percursos entre 5 a 25 km, podendo demorar até duas horas e meia o percurso casa-trabalho-casa. No entanto, esse deslocamento não se constituía numa preocupação para os proprietários que vendiam, pois menos de 10% alegaram que a venda estivesse relacionada à distância no percurso entre sua moradia e o local de trabalho. No cotidiano desses moradores constatou-se que a grande maioria efetuava suas compras diárias em sua própria comunidade e, para as compras maiores, sujeitava-se aos deslocamentos para outro bairro. Durante o seu tempo livre a maior parte não efetuava muitos deslocamentos, visto que preferiam desfrutar da sua casa, escolha apontada por 68,6%. Mesmo a visita aos parentes e amigos, que foi citada por diversas vezes, como um dos aspectos importantes no cotidiano dos entrevistados dos 3 sub-mercados e gerador de mobilidade, não exigia para muitos que vendiam o imóvel um grande número de deslocamentos, pois para a maior parte, seus amigos moravam em sua própria comunidade (68,8%), e para uma parte significativa seus parentes moravam em outras cidades (44,2%). É interessante notar, por outro lado, que apesar desse apreço declarado pelos amigos, 68,8% dos entrevistados pretendiam vender seu imóvel apesar de uma porcentagem igual de proprietários ter declarado que seus amigos moravam naquela comunidade, sendo que apenas 23,9% declararam que depois da venda permaneceriam na mesma comunidade. Reforçando essa situação dúbia dos proprietários que vendiam seu imóvel, os três sub-mercados apresentaram índices semelhantes de relação de troca com a vizinhança, fato surpreendente considerando a significativa diferença de tempo de permanência na comunidade que cada um dos três segmentos apresentava.
PERFIL DE COMPRADORES Os indivíduos que compraram imóveis nas áreas de informalidade pesquisadas, da mesma forma dos que alugavam, integra-se no grupo que mais recentemente havia migrado para a região de Florianópolis e que chegaram, principalmente, a partir de meados da década de 90. É procedente, em sua maior parte, do interior de Santa Catarina. Com idade média de 36,9 anos de idade, a maior parte dos responsáveis pela família era do sexo masculino, declarado de cor branca, convivia com um(a) companheiro(a) e seu nível de instrução alcançava até a oitava série, ainda que houvesse alguns com segunda grau completo (20%). Cerca de 20% dos moradores que vendiam seu domicílio eram mulheres chefes de família, quase sempre migrantes, na maior parte declararam-se de cor branca, possuíam ocupação e rendimento, sendo que a maioria delas sustentava sozinha seu domicílio, e eram solteiras, separadas, viúvas ou divorciadas. Esse indivíduo padrão que comprou imóvel exercia, em sua maior parte, algum trabalho remunerado (76%), quase sempre no papel de empregado, desempenhando atividades principalmente no setor de serviços e uma parcela significativa trabalhava por conta própria. No sub-mercado de compras o índice de aposentados era cerca de 12,8% do total. Quem havia comprado seu imóvel apresentou a menor renda média - 1,95 salários mínimos -, e a menor Renda Média Domiciliar - 2,83 salários mínimos -, em comparação aos integrantes dos demais sub-mercados. É interessante observar que apesar de receberem um rendimento menor do que dos demais sub-mercados, esse grupo de moradores havia conseguido comprar um imóvel recentemente, sendo que a maior parte deles - 52,8% -, certamente teve alguma possibilidade de poupança, pois havia efetuado o pagamento à vista. Os domicílios que foram comprados, em geral, constituíam-se numa casa e, na maior parte, de um pavimento. Apresentavam área construída média de 53,38 m2, sendo a única casa a ocupar o lote que, em média, apresentava 256,37 m2 de área do lote (o menor lote médio incidiu na Serrinha, com 159,70 m2). O imóvel que foi comprado estava localizado, em geral, em terreno plano e seco, e constituía-se, em média, de 5,39 cômodos: uma
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sala, um banheiro, uma cozinha, e dois ou três quartos, sendo que o estado de conservação do imóvel era considerado bom ou muito bom, pelo proprietário. Em relação ao padrão construtivo do imóvel, a maioria era constituída de paredes em alvenaria, piso cimentado e cobertura de cimento amianto. O preço médio pago pelo imóvel comprado, no valor de R$ 12.482,32, representava na época 41,61 salários mínimos, definindo custo médio da área construída de R$233,82 o metro quadrado (o maior valor médio do imóvel ocorreu no Morro da Queimada, de R$ 30.000,00, e o menor valor médio do imóvel, em Solemar, de R$ 4.7114,29). Os recursos utilizados na compra foram provenientes basicamente da poupança e venda de domicílio. A maior parte possuía contrato de compra e venda que foi registrado em cartório (62,4%). Utilizou para a compra uma escritura pública de compra e venda, que foi registrada em cartório, ainda que deva ser relatado que 18,4% não tenha utilizado nenhuma documentação para a compra do imóvel. A maior parte dos domicílios não possuía carnê de IPTU e nem pagava nenhum tipo de tributo, ainda que 1/3 tenha indicado que efetuava o pagamento de IPTU. Os procedimentos de procura e de escolha locacional daqueles que adquiriram imóvel indicam que a maior parte dos que compraram um imóvel começou procurando um novo domicílio dentro da própria comunidade aonde vivia, efetuando, em média, cerca de 2 visitas em imóveis à venda. Depois procuram em outros bairros e, posteriormente, em outras comunidades. Mas essas buscas nas demais localidades são mais raras e o número de visitas é menor do que as buscas em sua própria comunidade. Cerca de 74% tomam conhecimento do imóvel à venda através de amigos e de parentes, seguido de 13% que efetuam a procura porta a porta, o que evidencia, mais uma vez, a importância dessa rede de proteção e de relações para essas indicações. A escolha do imóvel, na maior parte das vezes, é bastante rápida, sendo que 63% dos que compraram um imóvel demoraram até um mês para encontrar o imóvel comercializado. Mesmo que tenha havido alguns casos de busca mais demorada, 87% dos que compraram imóvel em áreas de informalidade levaram, no máximo, 5 meses até acharem o seu domicílio. A possibilidade de estar próximos de parentes (20,8%) e também a proximidade em relação ao local de trabalho (20%) constituíram-se nos principais motivos que atraíram e justificaram a compra do imóvel nas comunidades pesquisadas. Confirma-se que a localização da comunidade foi decisiva na resolução da compra do imóvel e que, para os setores sociais mais pobres, a proximidade dos parentes na escolha da comunidade também é fundamental. A quase totalidade dos que compraram consideram que a possibilidade de construir tende a valorizar o imóvel, e também que seu imóvel irá se valorizar nos próximos dois anos. Além disso, a maior parte também acredita que a boa relação com a vizinhança é fator de valorização imobiliária. Para 32% dos que compraram domicílio o índice de distância entre sua moradia e o local de trabalho é de até 5km, e cerca de 30% deles necessitava efetuar percursos casa-trabalho entre 5 e 25 km de distância. A menor distância percorrida entre moradia-trabalho por aqueles que haviam recentemente comprado um domicílio seria previsível, principalmente sabendo que os motivos que determinaram a escolha do imóvel para a maioria deles foi a proximidade dos parentes e a distância do trabalho. No cotidiano desses moradores constatou-se que a grande maioria efetuava suas compras diárias em sua própria comunidade (79,2%), sendo que as compras maiores sujeitavam cerca de 84,3% deles a se deslocarem para outro bairro. O alto índice de deslocamentos para a compra diária pode ser determinado pelo pouco tempo de permanência na nova moradia, cerca de 3 meses. A principal atividade desenvolvida por esses moradores durante o seu tempo livre constituía-se em desfrutar da sua casa, situação apontada por 54,4% que haviam comprado domicílio, seguida pela opção de visita a amigos e parentes (18,4%). O apoio e a proximidade dos parentes e amigos foi, por diversas vezes e de diferentes formas, citada como um dos aspectos importantes no cotidiano de todos os entrevistados. Essa proximidade constitui-se num dos fatores mais importantes para a escolha de uma comunidade para morar e de um domicílio na comunidade, inclusive na maior parte das vezes as informações de imóveis para alugar ou comprar foram obtidas através desses contatos. Os amigos e parentes geram constantes movimentações e deslocamentos para visita quando esses moram distantes. No entanto, a maior parte dos que compraram imóveis apontou que seus amigos moravam em sua própria comunidade (60%), e que seus parentes moravam em outras cidades, situação de 38,4% dos que compraram imóveis. Muitos deles indicaram que seus parentes também moravam na mesma comunidade (34,4%). Sabendo que a maior parte dos que comercializaram imóveis eram migrantes, é interessante notar que pelo menos um terço deles conseguiram morar próximos a seus parentes, na própria comunidade, evidenciando fluxo contínuo de movimentos de mudanças e de migrações, procedimento muito comum e que ocorre sempre que os primeiros membros da
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família conseguem se estabelecer numa nova cidade. Outro aspecto significativo e que confirma essa rede de relações estreita e integrada dos moradores das áreas de informalidade, é que, apesar de 70% dos que comercializaram imóveis serem moradores recentes, já apresentavam significativa rede de relações de amizade nessas novas comunidades. A consciência de que habitam em áreas desvalorizadas não se constituía necessariamente num obstáculo, embaraço ou fator de insatisfação. Os moradores que haviam comprado o imóvel recentemente demonstraram, pelas declarações efetuadas, satisfação em relação ao local onde estavam morando. Os resultados que apontam a satisfação dos entrevistados e a sua preferência em permanecer em seu domicílio e em sua comunidade são realmente significativos e indicam que, dentre as alternativas apresentadas aos entrevistados que haviam comprado imóvel, cerca de 71,2% deles prefeririam permanecer no mesmo imóvel.
A presente pesquisa pôde confirmar e esclarecer alguns dos mecanismos de
funcionamento de um mercado imobiliário informal ativo e que, apesar de desconhecido e
não reconhecido, se constitui numa forma de acesso à moradia completamente familiar
aos milhares de moradores das 171 comunidades da área conurbada de Florianópolis e
aos milhares de migrantes que ininterruptamente vêm se transferindo para a região
metropolitana de Florianópolis. O desconhecimento de sua existência, de sua
abrangência e de seu funcionamento torna-se mais surpreendente, principalmente se
observarmos a quantidade de pessoas que estão envolvidas nesse mercado – as
transações de aluguel, venda e compra envolvem cerca de 10% dos domicílios das
comunidades consolidadas -, e também os valores que esse mercado movimenta
mensalmente. Verificamos que o total de renda domiciliar apenas nos 455 domicílios das
6 comunidades pesquisadas, é da ordem de R$ 392.881,00 mensais, parcela
considerável da qual comprometem com aluguel, reformas, ampliações e toda ordem de
investimentos que teoricamente valorizariam seu patrimônio material e potencializam a
sua capacidade de troca (63). Se considerarmos que os valores do rendimento médio
domiciliar apurados na amostragem de uma comunidade deveriam guardar uma
proximidade com os rendimentos médios da totalidade da comunidade, então pode-se
63 Há controvérsias sobre o caráter dessa habitação como valor de troca e se cria valor, surpreendentes frente aos dados aqui apresentados. Segundo Oliveira, “... não se cria um mercado imobiliário. Mercado imobiliário no Brasil só existe da classe média para cima. Nas classes populares, não existe. É impossível existir, porque você está de posse exatamente daquilo que não é mercadoria. A casa não pode ser trocada, não tem valor de troca, tem apenas valor de uso, a finalidade de habitar. A habitação popular não tem valor de troca porque é impedida por dois processos. Impedida, em primeiro lugar, pelo próprio rebaixamento. Se decompusermos o custo de uma habitação popular, ele é basicamente força de trabalho do próprio futuro e feliz proprietário. Aí chegamos ao paradoxo de que isso não cria valor, não se constitui em mercadoria. (...). O outro obstáculo é que a renda é baixíssima em todo o conjunto das populações pobres. Portanto, não há mercado imobiliário. Assim, não haveria renda para se criar um mercado imobiliário.” OLIVEIRA, 2006.
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estimar que os rendimentos mensais, apenas nessas seis comunidades representem
valores da ordem de R$ 3.794.927,00 mensais. A existência de 171 assentamentos
semelhantes na área conurbada de Florianópolis certamente nos autorizam a considerar
a imensa soma que mensalmente circula nas áreas de informalidade, os valores que
esses trabalhadores injetam diariamente na economia local e a importância que
desempenham no processo produtivo e na reprodução das redes produtivas.
O mercado imobiliário informal, por outro lado, ao mesmo tempo em que permite aos
mais pobres a “solução” de seu problema habitacional e desonera o Estado, também
determina amplas penalidades aos seus moradores (64), pois os submete ao mesmo
processo de exploração do mercado formal, mas em condições inadequadas e precárias,
sem infra-estrutura, pagando valores próximos aos do mercado formal dos bairros
vizinhos, e mantendo, ao mesmo tempo, essas famílias em permanente condição de
precariedade, de carência e sem a segurança jurídica do mercado formal; ou seja,
reproduzindo as suas condições de pobreza e de exclusão.
Além disso, os resultados dessa pesquisa nos levam a dirigir a discussão e as reflexões
para tentar compreender a relação que se estabelece entre esse mercado imobiliário
informal e a produção e estruturação do espaço intra-urbano, considerando, entre outros
aspectos, a necessidade de delimitar o nível de autonomia e de consciência dessa
população na decisão locacional. A compreensão da lógica de ocupação da terra urbana
pela população pobre, a localização de seus assentamentos e das áreas de ocupação e
a sua mobilidade intra-urbana devem certamente considerar o papel e as relações que
esta estabelece na dinâmica de ocupação do mercado formal e nos processos
segregativos. Sabe-se que, por um lado, e “em um âmbito mais estrutural, o que
determina o movimento territorial das populações pobres é a hegemonia, em especial o
capital imobiliário e fundiário, que têm historicamente obtido precedência na escolha e na
localização de seus empreendimentos, de suas áreas residenciais, de seus investimentos
imobiliários e no poder de pressão sobre o Estado para a localização espacial dos
investimentos e dos serviços públicos” (65), Assim, na maioria das vezes, a escolha ou a
única alternativa de moradia dos pobres incide nas terras urbanas que “sobram”, e que se
constituem, principalmente, nas áreas de proteção ambiental e nas áreas de risco ou nas
64 - ABRAMO, 2003; SMOLKA, 2003. 65 - SUGAI, 2002.
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periferias distantes. Utilizam nessa “escolha”, certamente, também critérios caros ao
mercado formal, como a acessibilidade, a proximidade de infra-estrutura, transporte e
serviços urbanos e também o custo do aluguel ou do imóvel. No entanto, se por um lado
não há como se pensar numa autonomia absoluta e numa escolha consciente de
estratégias dessa população deve haver uma “margem de opção para os agentes
sociais”, evitando-se abordagens restritivas, “como se as condições estruturais
eliminassem toda margem de autonomia e criatividade do agente social, e com isso toda
possibilidade de modificá-las”.(Gutiérrez, 2005). .Além disso, a pesquisa indicou que no
contexto da informalidade sobrepõem-se também outros valores e necessidades, em
especial, as redes sociais de intercâmbio, que contribuem para a constituição do capital
social, poder que capacita essas camadas a terem maiores ou menores chances nas
disputas sócio-espaciais, na constituição das “estratégia de sobrevivência” e, numa
perspectiva de modificação de suas condições de existência, nas “estratégias de
mudança”. (66)
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Entrevistas:
ENTREVISTA COM A ANGELITA BAVARESCO, Coordenadora do Programa Habitar-Brasil.
Prefeitura Municipal de Palhoça, outubro de 2004.
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ENTREVISTA COM O SR. MAURÍCIO ROQUE DA SILVA, Gerente de Assuntos Fundiários.
Prefeitura Municipal de Palhoça, outubro de 2004.
ENTREVISTA COM A SRA. ZAIDA RABELO PETRY, Secretária de Assistência Social. Prefeitura
Municipal de Biguaçú, outubro de 2004.
ENTREVISTAS COM LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS: Clara, (Presidente da Associação de
Moradores da Serrinha); Katsumi e Inês (Membros da diretoria da Associação de Moradores do
Morro da Queimada); Lizandro (Presidente da Associação de Moradores da Tapera da Base);
Beto (Funcionário da Associação de Moradores do Sol Nascente); Oziel (morador do Solemar);
Olália (liderança comunitária do Frei Damião).
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