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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
PRÁTICAS RESTAURATIVAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS: O QUE A EXPERIÊNCIA
DO MUNICÍPIO DE NATAL/RN PODE REVELAR?
Arthemis Nuamma Nunes de Almeida
Natal
2016
ii
Arthemis Nuamma Nunes de Almeida
PRÁTICAS RESTAURATIVAS NAS ESCOLAS PÚBLICAS: O QUE A EXPERIÊNCIA
DO MUNICÍPIO DE NATAL/RN PODE REVELAR?
Dissertação elaborada sob orientação da Profa. Dra. Ilana Lemos
de Paiva, co-orientada pela Profa. Dra. Ana Ludmila Freire
Costa, e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Psicologia.
Natal
2016
iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Almeida, Arthemis Nuamma Nunes de.
Práticas restaurativas nas escolas públicas: o que a experiência do município de Natal/RN
pode revelar / Arthemis Nuamma Nunes de Almeida. - 2016.
209f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva.
Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Ludmila Freire Costa.
1. Justiça restaurativa. 2. Educação - Natal - Rio Grande do Norte. 3. Violência nas escolas. 4.
Relação justiça e escola. I. Costa, Ilana Lemos de Paiva. II. Freire, Ana Ludmila. III. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 343.24:37(813.2)
iv
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação "Práticas restaurativas nas escolas públicas: o que a experiência do município
de Natal/RN pode revelar?", elaborada por Arthemis Nuamma Nunes de Almeida, foi
considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa
de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE
EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, __ de ________ de 20___
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ilana Lemos de Paiva (Presidente)
_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Pereira Alberto (Examinadora externa)
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Pablo de Sousa Seixas (Examinador interno)
_________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Ludmila Freire Costa (Co-orientadora)
v
Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas
que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a
arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle.
Engaiolados, o seu dono pode leva-los para onde quiser.
Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser
pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que
elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros
coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer,
porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser
ensinado. Só pode ser encorajado.
Rubem Alves
vi
Aos meus pais por todo empenho
para fazer o melhor por mim, e,
assim, para que pudesse seguir
meus próprios caminhos.
Ao grande amigo Ben Eliel (in
memoriam) por toda coragem,
dedicação e sabedoria. Essa
conquista é nossa!
vii
Agradecimentos
Agradecer é um momento de grande afeto e me enche de alegria pelo trabalho
realizado e todo o percurso empreendido para ter como produto essa dissertação. Nessa
caminhada, diversas pessoas contribuíram (de todas as maneiras), deram forças e torceram
para que o melhor fosse feito.
A Deus por ser fonte de inspiração e esperança nos momentos de dúvidas no meu
caminho.
Aos meus pais Núbia e Américo por ser minha base, fonte de afeto e cuidados ao
longo da vida. Amo vocês mais que tudo!
Aos meus irmãos Hardan e Ayrton por contribuírem para minha formação de vida e
por estarem presentes em todos os momentos. Agradeço, especialmente, a Hardan pela ajuda
na parte braçal dos dados.
Agradeço à minha família, de uma maneira geral, por compreender todas as minhas
ausências. Às minhas primas Thatiana, Meirelle e Glênia pelos bons momentos juntas, além
do grupo no whatsapp. A Lucas por sempre estar disponível para ajudar em qualquer coisa.
Obrigada! E a Luis Miguel que nasceu junto com esse processo do mestrado e trouxe alegria
para nossas vidas. Tia ama demais!
A Milton que esteve presente em todas as etapas e escutou minhas angústias.
Obrigada por todo apoio e ajuda nesse percurso, sem você teria sido bem mais difícil.
Agradeço, especialmente, a minha orientadora Ilana, que me acompanha desde a
iniciação científica, por todos os ensinamentos, orientações, paciência e cuidado com a nossa
relação orientadora-orientanda. Isso foi essencial para tornar o processo mais leve.
viii
À Ana Ludmila pela co-orientação, recomendações, discussões, e, mesmo entrando
nesse time no segundo ano, contribuiu grandemente para enriquecer o trabalho e minha
formação. Foi uma honra ter você na minha história acadêmica.
Aos integrantes, atuais e antigos, da 58ª Promotoria de Justiça da Educação e do
Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas: Silvio Dantas, Vanessa Varela, Eveline
Ribeiro e Anderson Quirino por toda ajuda e anuência à pesquisa. Agradeço, especialmente, à
Eveline que mais de perto acompanhou esse percurso e sempre se mostrou disponível.
Às escolas municipais de Natal/RN por permitirem a realização da pesquisa, por me
receberem tão bem e por mostrarem todo esforço para fazer dessas instituições espaços de
acolhimento e formação qualificada.
Ao GPM&E pela acolhida, discussões, orientações coletivas e contribuições de todos
os integrantes para esse trabalho, especialmente, a Oswaldo, Isabel e Pablo.
Ao OBIJUV por todas as lutas, discussões, eventos, projetos de pesquisa e extensão.
Agradeço, especialmente, aos bolsistas: Isadora, Luana, Camila e Gabriel pelo apoio
operacional com os dados. Agradeço ainda aos integrantes do núcleo do PPJUV, do qual faço
parte, por serem mais um apoio dentro da academia e sempre se mostrarem disponíveis para o
que aparecer. À Luana Cabral, principalmente, por fazer parte da minha trajetória enquanto
pesquisadora e por todo ensinamento e ajuda de sempre.
Às minhas amigas que a psicologia trouxe e que levarei para o resto da vida,
partilhando histórias, conquistas e lutas: Allana, Eleni, Erlanne, Letícia, Lorena, Renata,
Sarah e Shirllane. Agradeço, especialmente, à Erlannes, Lores e Sarone por serem meu apoio
incondicional, minha fortaleza e o lugar onde posso ser quem sou sem qualquer restrição.
Lores e Sarone, obrigada também por cada conselho, orientação, abraço e partilhar o percurso
do mestrado.
ix
Agradeço às minhas amigas CEFETianas Júlia, Thalita, Fernanda e Sara por também
entenderem minhas ausências e por sempre dar apoio a todos os projetos que tenho em mente.
Vocês são o melhor que o CEFET me proporcionou.
Agradeço aos meus amigos da turma de mestrado de 2014 por dividirem as aulas, os
medos e conquistas. Seremos todos mestres! Agradeço, especialmente, ao meu grupo
“Qualificadas”, do qual fazem parte Carol Vidal, Sarah, Lorena, Maurício, Fernandinha,
Luana Amaral, Dani, Dandara, Alanna e Thamires, sendo essas últimas irmãs acadêmicas
através da mesma orientadora. Thamires, também agradeço por dividir as orientações, dúvidas
e compartilhar os avanços.
Aos professores examinadores Pablo Seixas e Fátima Alberto por aceitarem o convite
para a banca e, desde já, pelas contribuições no dia da defesa. Agradeço, especialmente, à
Profa. Dra. Fátima Alberto por ter sido também leitora no meu segundo seminário de
dissertações em maio de 2015. Agradeço ainda ao Prof. Dr. Marlos Bezerra, vice-coordenador
do OBIJUV, pela leitura do trabalho na sua primeira versão no seminário de dissertações em
outubro de 2014. Agradeço à Profa. Dra. Clara dos Santos, do Departamento de Psicologia da
UFRN, por me acolher enquanto Docente Assistia na Disciplina Introdução ao
Desenvolvimento Humano e pela contribuição no meu processo formativo.
Por fim, agradeço a todos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPgPsi) e à
própria UFRN por ser meu espaço maior de formação acadêmica. Agradeço ainda à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da
bolsa e, assim, proporcionou a dedicação à pesquisa.
x
Sumário
LISTA DE SIGLAS .............................................................................................................. XII
RESUMO ............................................................................................................................. XIII
ABSTRACT ......................................................................................................................... XIV
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
CAPÍTULO I - SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E ESCOLA ................................................. 21
1.1 A complexidade da violência e sua repercussão social .................................................. 21
1.2 Definição de violência e tipos ........................................................................................... 26
1.3 Juventude e violência ....................................................................................................... 31
1.4 Violência (s) na escola ...................................................................................................... 34 1.4.1 Bases sociais da educação e escola .............................................................................. 34
1.4.2 Violência na/da/contra a escola ................................................................................... 41
CAPÍTULO II - A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO ALTERNATIVA PARA A
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS .......................................................................................... 49
2.1 Formas tradicionais e extrajudiciais de resolver conflitos............................................ 49 2.1.1 Justiça Retributiva/Tradicional .................................................................................... 50
2.1.2 Processos extrajudiciais de solução de conflitos ......................................................... 52
2.2 Mas e a Justiça Restaurativa? ......................................................................................... 54 2.2.1 A Justiça Restaurativa no mundo e no Brasil .............................................................. 56
2.2.2 Princípios Restaurativos............................................................................................... 63
2.2.3 Valores Restaurativos .................................................................................................. 67
2.2.4 Definindo a Justiça Restaurativa .................................................................................. 72
2.2.5 Práticas de Justiça Restaurativa ................................................................................... 76
2.3 Justiça Restaurativa nas escolas ...................................................................................... 80
CAPÍTULO III – OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ...................... 83
3.1 Objetivos ............................................................................................................................ 83
3.2. Estratégias Metodológicas .............................................................................................. 83 3.2.1 Participantes, instrumentos e procedimentos de coleta................................................ 83
3.2.2 Procedimentos de análise de dados .............................................................................. 89
3.2.3 Procedimentos éticos ................................................................................................... 89
3.2.4 Caracterização das escolas e representantes escolares participantes ........................... 91
xi
CAPÍTULO IV – ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS ................................................. 99
4.1. Caracterização do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE) .... 99 4.1.1. Histórico do Núcleo .................................................................................................... 99
4.1.2. Atividades desenvolvidas pelo Núcleo ..................................................................... 105
4.1.3. Resultados das atividades ........................................................................................ 116
4.2. Análise das entrevistas .................................................................................................. 120 4.2.1. Violência nas escolas ................................................................................................ 120
4.2.2. Justiça Restaurativa nas escolas ................................................................................ 148
4.2.3 Estratégias preventivas para a violência nas escolas ................................................. 179
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 189
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 194
APÊNDICE - ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS ..................... 206
xii
Lista de siglas
BO Boletim de Ocorrência
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CMEI Centro Municipal de Educação Infantil
CODEM Coordenadoria de Direitos Humanos e das Minorias
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CONSEG Conselho Comunitário de Segurança
CVLIs Crimes Violentos Intencionais Letais
EJA Educação de Jovens e Adultos
JR Justiça Restaurativa
MPC Modo de produção capitalista
MPRN Ministério Público do Rio Grande do Norte
NJJRE Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas
NPR Núcleo de Práticas Restaurativas de Parnamirim
OAB Ordem do Advogados do Brasil
ONU Organização das Nações Unidas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PROERD Programa Educacional de Resistência às Drogas
PROJOVEM Programa Nacional de Inclusão de Jovens
SEMURB Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
SGD Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Adolescência
SME Secretaria Municipal de Educação
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TJRN Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte
TJRN Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
xiii
Resumo
Os conflitos quando não solucionados podem resultar em violência, que é um fenômeno
complexo, multideterminado e multifacetado. Um método que tem se disseminado para a
gestão de conflitos é a Justiça Restaurativa (JR), que pressupõe uma abordagem colaborativa,
dialógica e pacificadora e tem sido utilizada no âmbito jurídico, comunitário, escolar, entre
outros. Em Natal/RN a JR se inseriu nas escolas através da ação do Núcleo de Justiça Juvenil
Restaurativa nas Escolas (NJJRE). Considerando a complexidade da violência, objetiva-se
analisar as possibilidades e os limites das práticas restaurativas nas escolas municipais em
Natal/RN. Para tanto, realizou-se análise dos relatórios produzidos pelo NJJRE e
selecionaram-se 12 instituições para realizar entrevistas semiestruturadas com seus
representantes. Para análise, criaram-se categorias agrupadas em três eixos de discussão:
violência nas escolas, JR nas escolas e estratégias preventivas para a violência nas escolas.
Observou-se que a violência acontece majoritariamente entre os alunos que reproduzem a
violência social anteriormente vivenciada. Para resolvê-la, as escolas seguem um fluxo de
atendimento que busca evitar a judicialização, embora prefiram a ação do NJJRE enquanto
órgão da justiça, com equipe capacitada, e, por acreditarem que os alunos respondem melhor a
um agente externo. Sobre a JR verificou-se que os alunos que participaram das intervenções
não se envolveram em novos conflitos e as instituições mudaram a visão sobre como resolvê-
los, entretanto, a JR se resumiu às ações do NJJRE, pouco se disseminou, e, as escolas não a
tornaram uma prática cotidiana. Mesmo assim, algumas a indicaram como estratégia
preventiva. Conclui-se que a JR pode ser uma possibilidade para resolver conflitos e
violências escolares, entretanto, pressupõe disposição de todos para que se dissemine e
xiv
propicie mudanças efetivas, além de compreender que sua ação é pontual e limitada para
responder à complexidade da violência, de maneira geral, e a escolar em âmbito específico.
Palavras-chave: justiça restaurativa nas escolas; violência nas escolas; prevenção da
violência; relação justiça e escola
Abstract
Unresolved conflicts can result in violence, which is a complex, multi-determined and
multifaceted phenomenon. One method that has been widespread to manage conflicts is the
Restorative Justice (RJ), which presupposes a collaborative, dialogic and pacifying approach.
In Natal/RN the RJ was inserted in schools by means of Restorative Juvenile Justice Center at
Schools (RJJCS). Considering the complexity of violence, this work aims to analyze the
possibilities and limits of restorative practices in municipal schools in Natal/RN. Therefore,
were analyzed reports produced by the RJJCS, then were selected 12 institutions and
performed semi-structured interviews with their representatives. For analysis, categories were
grouped into three areas of discussion: violence in schools, RJ in schools and preventive
strategies for violence in schools. It was observed that violence happens mainly among
students who reproduce the social violence previously experienced by themselves. In order to
solve it, schools follow a flow of care that seeks to avoid judicialization, although they prefer
the action of the RJJCS as a judicial structure with a qualified team and because they believe
that the students respond better to an external agent. About the RJ, it was found that who
participated in the interventions did not engage in new conflicts and the institutions changed
the vision on how to solve it, however, the RJ was reduced to the RJJCS actions, it did not
spread much and the schools have not made it a daily practice. Nevertheless, some have
xv
indicated it as a preventive strategy. It is concluded that the RJ can be a possibility to solve
conflicts and school violence, however, it presupposes everyone's willingness to disseminate
and promote effective changes, in addition to understanding that their action is particular and
limited in order to respond to the complexity of the Violence in general, and schooling in a
specific context.
Keywords: restorative justice in schools; violence in schools; violence prevention; justice and
school relationship
15
Introdução
A violência é um fenômeno complexo tanto no que concerne a sua origem, quanto as
suas expressões e estratégias para lidar com todas as consequências. Um dos espaços que tem
tido destaque é o ambiente escolar, outrora visto como lugar seguro. Entretanto, como
acontece no caso da violência social, tem que se ter cuidado com generalizações que não dão
conta do fenômeno da violência nas escolas em sua complexidade e realidade, especialmente,
quando o que permanece no imaginário social são os diversos casos relatados nas mídias que,
geralmente, ampliam a dimensão de situações que, muitas vezes, correspondem a casos
isolados. Seja como for, é necessário fazer um diagnóstico em cada instituição para identificar
os casos, frequência, o que se chama de violência no espaço escolar, como isso repercute não
somente nos atores que se envolvem em situações danosas, mas de que maneira reflete na
comunidade como um todo.
Como Carreira (2005) comenta, a violência nas escolas acontece de várias maneiras, e
contempla não somente os atos mais notórios, mas pode variar desde depredações, agressões
verbais, agressões físicas e o bullying, que silenciosamente provoca inúmeras consequências
negativas para quem sofre e para o ambiente escolar. Some-se a isso que a massificação do
ensino amplia a quantidade de alunos nas escolas, que carregam consigo diferenças de
valores, culturas e necessidades que faz com que os sistemas de ensino, anteriormente
voltados para um padrão específico de alunos e de educação, tenham que se reinventar para
lidar com as diferenças e especificidades de todos da comunidade escolar. E isso inclui
aprender a resolver conflitos para que não resultem em violências, especialmente, porque as
formas coercitiva e punitiva nem sempre adiantam, além de a violência exigir um tratamento
16
mais substancial em função de sua complexidade. Nesse sentido, estratégias devem ser
pensadas para que no contexto escolar os conflitos e violências possam ser trabalhados e não
ignorados.
Nessa direção, um método alternativo de resolução de conflitos tem ingressado nas
escolas, é a Justiça Restaurativa (JR). A Justiça Restaurativa tem mostrado resultados
satisfatórios nas mais variadas esferas em que se insere, tanto nas questões que envolvem o
conflito criminal de menor potencial ofensivo (Juizados Especiais Criminais), quanto nos
casos de conflito juvenil (atos infracionais) e nos conflitos escolares e comunitários (Orsini &
Lara, 2012). Assim, em várias partes do Brasil existem experiências de Justiça Restaurativa e
inseridas em diversos contextos: educacional, comunitário, nas medidas socioeducativas, nos
crimes de menor potencial ofensivo, etc., levando a entender que se propaga um movimento
de proliferação das formas alternativas e não-violentas de resolver os conflitos, bem como, a
busca para se repensar o sistema de justiça atual.
A Justiça Restaurativa representa uma alternativa, ou no mínimo uma forma
diferenciada, ao Sistema Tradicional/Retributivo, que entende o crime como uma violação ao
Estado e não a quem de fato é vítima, por isso mesmo, detém para si a responsabilidade e a
execução do processo penal, de modo que uma pena seja aplicada ao crime cometido. Nesse
processo, o conflito não é resolvido entre quem tem interesse (vítima e ofensor) e nem há
responsabilização efetiva e tampouco os interesses são considerados.
A Justiça Restaurativa, por sua vez, tem seu foco na vítima baseando-se numa relação
com a comunidade, sob uma perspectiva sistêmica (outros microssistemas direta ou
indiretamente se envolvem para a resolução do conflito), e, através de uma nova metodologia
pretende alcançar o entendimento entre ofensor e vítima (superando a situação de conflito e
evitando ações violentas) de modo que eles participem ativa e diretamente da resolutividade
do conflito. Nesse processo, o ofensor tem oportunidade de se desculpar, sensibilizando-se e
17
responsabilizando-se pelo dano causado. Já vítima e a comunidade também participam,
falando e ouvindo, de modo que se envolvem no processo de responsabilização. Por fim, um
plano de ação é construído em conjunto, para que não somente danos materiais e emocionais
do grupo sejam restituídos, mas busca-se suprir necessidades conforme suas próprias
definições (Becker & Brisola, 2011). A ideia, então, é pensar no futuro e na restauração dos
relacionamentos, ao invés de concentrar-se no passado e na culpa (Lawrenz & Rava, 2012).
Ao trabalhar com uma busca de responsabilização participativa e coletiva, baseadas
em processos dialógicos e inclusivos, a Justiça Restaurativa acaba tendo a escola como seu
campo de incidência por excelência, embora tenha se inserido primeiro no contexto da justiça
criminal. Acredita-se que, na medida em que a JR lida com os conflitos por meio do diálogo,
cumpre a função pedagógica que é da educação (Penido, 2009).
Vista como uma possibilidade para lidar, então, com os conflitos escolares, a Justiça
Restaurativa tem sido utilizada em diversos projetos e programas no Brasil, como por
exemplo: o “Justiça e Educação: parceria para a cidadania” na cidade de São Paulo
(especificamente em Heliópolis) (Penido, 2009); “Projeto Justiça, Educação, Comunidade:
parcerias para a cidadania”, no município de São Caetano do Sul-SP (Becker & Brisola,
2011); e o Projeto Justiça para o Século 21, em Porto Alegre (Lawrenz & Rava, 2012), dentre
outros.
O que esses programas têm em comum é o fato de, além de acontecerem no âmbito
escolar, presumem uma atuação que dissemine a prática no contexto como um todo e até na
comunidade, através da formação de professores, alunos ou outros membros da escola como
facilitadores de processos restaurativos. Assim sendo, a ação deixa de ser meramente focada
em dado conflito, para se expandir pelo ambiente escolar através da instrumentalização dos
sujeitos do próprio contexto de execução.
18
Nesses casos, a Justiça Restaurativa inserida no campo educativo pressupõe disposição
dos órgãos judiciário e educacional para a resolução de conflitos, inserindo-os em contextos
mais amplos, ou seja, não somente o indivíduo ou a família, mas também a comunidade
(Becker & Brisola, 2011). Isso não significa que a inserção dessas práticas restaurativas no
contexto escolar somente possa se dar através da parceria justiça e educação, embora seja a
forma como mais tem acontecido.
Nesse ponto, deve-se fazer um pequeno parêntesis, alguns autores usam tanto Justiça
Restaurativa como Práticas Restaurativas para falar dessa forma de resolver os conflitos,
outros, por sua vez, entendem que quando se tratar da relação com a justiça prefere-se o uso
Justiça Restaurativa, e, de forma semelhante, quando não tiver interferência da justiça e
acontecer em outros contextos, como o comunitário e/ou escolar, práticas restaurativas seria
mais conveniente, como salienta Nunes (2011). Além do mais, como ainda está em
construção, existem vários elementos indefinidos no campo da JR e suas práticas.
Para efeitos desse trabalho, qualquer que seja a denominação utilizada, entendemos a
abordagem restaurativa de forma ampliada e, por isso, pode acontecer em qualquer contexto e
ser executada por qualquer pessoa ou instituição desde que tenha formação para tal, por isso
que no título da pesquisa utilizamos “Práticas Restaurativas” acreditando nessa possibilidade
de inserção no cotidiano escolar. Ao longo do texto, em vários momentos, também utilizamos
“Justiça Restaurativa” porque a teorização parte desse termo e também nas análises dos dados
já que foi executada nas escolas por um órgão do judiciário. Cabe destacar ainda que por
vezes utilizaremos “práticas de Justiça Restaurativa” quando estivermos falando da aplicação
prática da abordagem restaurativa que pode ser executada de formas variadas.
Falando da realidade do Município de Natal/RN foi implantado na cidade o Núcleo de
Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE) como iniciativa do Ministério Público do
Estado do Rio Grande do Norte (MPRN) - representado pela 58ª Promotoria de Justiça da
19
Educação - em parceria com o Ministério da Justiça. O Núcleo se insere nas escolas e inicia
suas atividades em 2012 com o objetivo de desenvolver, através de equipe multidisciplinar
(com profissionais de psicologia, serviço social e direito), métodos restaurativos de resolução
de conflitos nas escolas municipais, especialmente, além de desenvolver estratégias
preventivas para as situações de indisciplina e de conflitos.
O Núcleo atuou em diversas escolas e desenvolveu duas principais atividades, os
encontros restaurativos e a ambiência restaurativa. Os encontros restaurativos são momentos
em que os conflitos e violências são trabalhados buscando-se compreender as causas,
consequências e necessidades que surgem. Já a ambiência restaurativa nas escolas são ações
que visam o fomento à construção de um espaço escolar, por meio de oficinas, palestras e
cursos, em que se trabalhem transversalmente os valores da Justiça Restaurativa, entretanto,
essa atividade aconteceu em menor escala quando comparada aos encontros restaurativos.
Cabe destacar que o NJJRE atuou de forma contínua de 2012 até meados de 2013, quando por
questões de ordem maior teve que interromper as atividades, que foram retomadas em 2015.
Assim sendo, a pesquisa ser refere a esse primeiro ano de implantação e atuação.
A especificidade do NJJRE em relação a algumas experiências nas escolas no Brasil é
que o próprio Núcleo foi o executor da JR nas instituições por acreditar que a abordagem
precisaria, primeiramente, de adesão e mudança de postura da comunidade escolar ainda
baseada em uma cultura punitiva muito presente, de acordo com informações que constam
nos relatórios produzidos pelo Núcleo e disponibilizados para essa pesquisa. Portanto,
inicialmente, as ações se concentraram na resolução de casos pela equipe do Núcleo
utilizando-se os encontros restaurativos.
Nesse sentido, partimos do interesse em investigar as possiblidades e os limites da
Justiça Restaurativa no contexto escolar do município de Natal/RN, a partir da perspectiva
dos representantes escolares que acompanharam as ações. Assim sendo, e compreendendo a
20
violência enquanto um fenômeno complexo e multideterminado, como é possível lidar com a
violência no âmbito escolar utilizando-se a abordagem da Justiça Restaurativa que atua em
nível individual (tratando de conflitos específicos entre determinadas pessoas), mas também
em nível interpessoal ao buscar uma ação preventiva e ampliar a visão do conflito para inserir
a comunidade?
Atrelada a essa questão maior, surgem questões subsequentes, mas não menos
importantes: qual a contribuição do uso da Justiça Restaurativa nas escolas municipais de
Natal/RN? O que significa a inserção da justiça no campo escolar? Em que medida a
autonomia escolar não ficou comprometida para resolver os seus conflitos? Como a JR ajuda
a pensar o conflito no ambiente escolar e se outras formas de resolução são possíveis? Por
isso, pretende-se analisar os efeitos de sua inserção no contexto natalense, dada as
especificidades de cada localidade em que a Justiça Restaurativa, ou as práticas restaurativas
propriamente, possa ser implementada.
O estudo se justifica, a partir da realidade já apresentada nas escolas e o quanto a
violência física e moral no seu interior têm contribuído para a queda da qualidade do ensino, a
evasão escolar, o desânimo, e a falta de motivação dos educadores (Penido, 2009). Além
disso, que a violência reproduz uma lógica de desrespeito ao diferente e propicia tensões nos
relacionamentos interpessoais. Portanto, pensar formas de lidar com a violência no contexto
escolar torna-se essencial.
Para tanto, é importante não somente refletir sobre o fato de Justiça Restaurativa
apresentar-se como avanço, mediante a perspectiva do diálogo e da negociação, buscando
uma convivência pautada no respeito e na dignidade, democratização do espaço escolar e
tornando-se uma tecnologia social que pode ser construída com o interesse da justiça,
educação e outros setores da sociedade (Becker & Brisola, 2011), mas também é
21
imprescindível se debruçar sobre os limites das suas práticas e até mesmo pensar alternativas
possíveis.
Diante desses objetivos, a dissertação foi organizada e desenvolvida em quatro
capítulos. O primeiro se intitula “Sociedade, violência e escola” em que se discutiram as
raízes sociais da violência e como se insere no contexto escolar sendo não somente
reproduzida, mas também produzindo expressões específicas. Buscamos ainda problematizar
a função social da educação para atender aos ideais da ideologia dominante, mas ao mesmo
tempo como espaço de luta contra hegemônica.
O segundo capítulo se intitula “A Justiça Restaurativa como alternativa para a
resolução de conflitos” em que foi feito o resgate histórico da Justiça Restaurativa no mundo e
no Brasil, sua inserção na pauta de organismos internacionais e legislação jurídica, princípios,
valores e procedimentos, as possibilidades de uso, bem como sua distinção em relação às
demais formas consensuais de resolver os conflitos (negociação, mediação, conciliação e
arbitragem) e ao modelo tradicional retributivo. Na última seção desse capítulo foi discutida,
especificamente, a Justiça Restaurativa nas escolas.
O terceiro capítulo foi destinado aos objetivos e estratégias metodológicas realizadas.
E, por fim, o quarto capítulo diz respeito à análise e discussão dos resultados e se divide em
dois blocos. No primeiro tem-se uma caracterização do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa
nas Escolas e, posteriormente, os dados das entrevistas realizadas que foram categorizados e
agrupados em três eixos de discussão.
21
Capítulo I - Sociedade, violência e escola
A escola, por exemplo, não cria violência sozinha, apenas
reproduz a violência dentro dela. Mas também pode ser um meio
de diminuí-la se atuar com conteúdos que ofereçam sentidos à
vida dos alunos.
(Mario Sergio Cortella)
1.1 A complexidade da violência e sua repercussão social
Diariamente, e quase que a todo o momento, deparamo-nos com situações que
envolvem violência. Os diferentes tipos de casos provocam inúmeras reações, especialmente
indignação e revolta, e são facilmente vistos nos mais variados meios de comunicação:
jornais, internet (inclusive não somente através de informações escritas, mas também
mediante vídeos e toda a exposição e repercussão desse tipo de divulgação), rádio e TV, essa
especialmente porque ainda é um dos veículos de informações de mais fácil acesso para uma
grande parcela da população. Enfim, cotidianamente tem-se contato com o fenômeno da
violência, nas suas mais variadas expressões. Para além do que se vê nos meios de
comunicação também é possível notá-la em situações da vida comum que contribuem para
banalizar o fenômeno.
Dessa maneira, falar de violência pode gerar os mais variados sentimentos,
principalmente quando se considera a complexidade do fenômeno, como acontece, que efeitos
provoca, a quem atinge, inclusive majoritariamente, e o que poderia ser feito para minimizá-
la, preveni-la, ou ainda em uma perspectiva mais otimista, “erradicá-la”. Faz-se importante
22
ressaltar que, qualquer ação preventiva ou interventiva requer que se compreenda a violência
e como esse constructo se desenvolve para assim, ao percorrer a história, munir-se de
elementos que explicitem o contexto atual e, portanto, seja possível compreender suas bases e
interação com a lógica de produção e reprodução do capital, uma vez que se relacionam
diretamente.
Sobre essa relação com o Modo de Produção Capitalista (MPC), podemos destacar
que ao longo de suas fases e diversas transformações, o capitalismo resultou em extrema
acumulação e concentração de capital em detrimento do aumento da pobreza, desemprego
estrutural, insegurança, exploração do trabalho, exclusão social e violência, dentre outros
aspectos. Na contemporaneidade, isso reverbera nas relações sociais que, por sua vez, acabam
por reproduzir as tendências dessa estrutura social: relações fluídas, excludentes,
fragmentadas, desiguais, efêmeras, pontuais, contingentes, e, incertas (Barroco, 2010).
Cabe destacar, como resultado direto do modo de produção capitalista e de sua
contradição inerente capital/trabalho, a questão social, entendida como o conjunto dos
desdobramentos e expressões das desigualdades sociais (de gênero, étnico-raciais, de renda,
dentre outras) decorrentes desse sistema, no qual a riqueza socialmente produzida torna-se
propriedade de uma minoria, os capitalistas, enquanto a grande maioria, trabalhadores, fica
desprovida ou têm graves dificuldades para obter seus meios de vida (Meneghetti, 2008).
Segundo Yamamoto (2007), a questão social seria o “conjunto de problemas políticos, sociais
e econômicos postos pela emergência da classe operária no processo de constituição da
sociedade capitalista. Questão social pode, pois, ser traduzida como a manifestação no
cotidiano da vida social da contradição capital-trabalho” (p. 31). A violência, nesse contexto,
pode ser compreendida como a principal expressão dos problemas atuais (Gentilli, Mongim,
& Gomes, 2004).
23
De acordo com Souza, Poletto e Koller (2013) a violência crescente na sociedade, seja
onde ela aconteça, está relacionada às desigualdades sociais e violação dos direitos dos
cidadãos. Sobre as violações, especialmente dos direitos das crianças e adolescentes, estas
ainda acontecem a despeito das inúmeras mobilizações em âmbito nacional e internacional.
Com isso, concorda-se com Sampaio e Almeida (2008) que apontam que “a predominância de
uma classe sobre as demais, se funda também no quadro das práticas sociais, pois as relações
sociais capitalistas alicerçam a dominação econômica, cultural, ideológica e política” (p. 361).
Assim sendo, isso se dá em um processo dialético, em que o modo de produção
capitalista produz e reproduz relações sociais, as quais viabilizam a continuidade do sistema
na medida em que colocam frente a frente capitalistas e proletários, polarizando riqueza e
pobreza, respectivamente, e, por isso mesmo, tornando os portadores da força de trabalho
progressivamente mais vulnerabilizados (Netto & Braz, 2011).
A violência, pois, precisa ser entendida em sua totalidade, como um fenômeno
material que compõe as relações sociais de produção e reprodução na sociedade capitalista,
especificamente, no contexto brasileiro. Somado a isso, é imprescindível desnaturalizá-la e
resistir a sua banalização, porque a violência vai além de dada situação pontual e se insere em
um contexto de complexos engendramentos. Portanto, as diversas análises que pensam a
violência a partir dos seus tipos, características, causas pontuais que a circunscrevem a
núcleos específicos, como a família, a limitam a abordagens individualistas do fenômeno,
como se a violência estivesse exclusivamente arraigada no indivíduo que a comete ou ainda a
tipos específicos: assaltos, mortes, sequestros, etc., que caracterizam uma forma de violência,
a urbana (Silva, 2006).
Reconhecer as diversas formas de objetivação da violência não é o problema, mas o
fato de não entendê-la em sua totalidade. É certo que se revela em situações particularizadas,
sob determinadas condições, mas isso não diminui sua universalidade ou complexidade, pois
24
é preciso olhar para além do aparente e imediato. Na verdade, é preciso perceber que a
violência se manifesta primeiramente nos indivíduos, que concretamente vivenciam carências
e necessidades humanas, contudo, não se limita à dinâmica individual, uma vez que esses
indivíduos se inserem em processos sociais, que por sua vez, acontecem sob certas condições
históricas que potencializarão violências e construirão individualidades (Silva, 2006). Ou seja,
a violência é um complexo social, mesmo que aparentemente se releve como fenômeno
individual. Assim, embora não se possa dizer que
toda forma de violência deriva diretamente desta ordem
societária (ainda que ela seja intrínseca e estruturalmente
violenta), mas que, no mínimo, a ordem do capital oferece o
terreno sócio-histórico e as condições objetivas para a
materialização de todo e qualquer processo violento (por mais
pontual que pareça) (Silva, 2006, pp. 36-37).
Portanto, olhar para a violência pressupõe um movimento mais amplo, que entenda as
condições de reprodução do capital e seus impactos na sociedade, de modo que se possam
criar verdadeiros mecanismos para a compreensão em sua totalidade, desmistificando as
abordagens centradas no indivíduo.
A partir do exposto, a violência está presente em várias esferas da vida social, por isso
mesmo, ultrapassa o âmbito da segurança pública e dos crimes e se relaciona com um
contexto maior, com a ordem capitalista vigente, sendo impossível discuti-la sem considerar
“os jogos de forças sociais, das alterações no mundo da produção e no papel do Estado, etc.,
de um lado, e das peculiaridades nacionais e locais, de outro” (Bodornal, 2009, p. 177).
Mas, quando se fala de violência ou que seus índices tem aumentado, de que tipo de
violência se está falando? Obviamente se a violência acontece no contexto da lógica do
capital e se revela como uma das suas mazelas, provavelmente a violência que incomoda é a
que é praticada pelo “preto, pobre e periférico”. Como se somente essa parcela da população
25
cometesse atos de violência. Nesse ponto, cabe destacar a errônea associação entre pobreza e
violência, inclusive por criminalizar essa condição.
De acordo com Cademartori e Roso (2012) não é verdade que quanto maiores os
índices de pobreza de uma comunidade, maiores são os índices de violência e crime, porque
essa visão apenas serve para distanciar ainda mais as classes sociais e aprofundar as
desigualdades, estigmatizando, excluindo e criminalizando a pobreza. É uma visão
reducionista e preconceituosa que limita a violência a essa parcela da população e esquece
aquela que também pode ser praticada pela classe dominante. Isso ainda contribui para que a
solução para barrar a criminalidade do pobre seja a repressão e uso da força policial.
Na verdade, o que está fora de análise na visão que mecanicamente criminaliza os
pobres é o que apontam Asbhar e Sanches (2013): a violência primeira que funda a sociedade
capitalista é a expropriação dos meios de produção, em que o trabalhador vê-se obrigado a
vender sua força de trabalho e se sujeitar aos ditames do capital com todas as consequências
nefastas dessa associação.
Portanto, antes de pensar em tipos de violências na sociedade, pode-se considerar essa
relação de dominação como uma forma determinante para perpetuar desigualdades e
violências. Nesse sentido, violência e regime político são fenômenos históricos e sociais
intimamente interligados uma vez que através do segundo pode-se perpetuar e/ou coibir o
primeiro em função das relações de dominação que o regime político estabelece e que podem
propiciar violência, no seu modo de ser e operar. De uma maneira geral, relações de
dominação ocorrem quando as relações de poder tornam-se injustas, ou seja, quando uma
pessoa ou grupos e instituições tomam posse do capital econômico ou simbólico e travam o
diálogo e a cidadania, caracterizando a própria violência como uma relação de dominação e
vice-versa. Desta maneira, a violência que hoje vivenciamos tem raízes e peculiaridades
estruturais, ou seja, muito mais profundas e agressivas do que se possa supor e depreender
26
apenas em uma rápida análise do fenômeno, especialmente porque a violência estrutural está
na base de muitas outras violências e provoca ainda mais desigualdade social (Cademartori &
Roso, 2012).
1.2 Definição de violência e tipos
Mas o que vem a ser violência? Definir sempre é uma tarefa limitadora porque coloca
dentro de um espectro alguns elementos, mas também deixa de lado outros que inclusive
podem ser importantes e determinantes para a compreensão do fenômeno. Ao mesmo tempo,
definir ajuda a entender o objeto de estudo e situá-lo dentro de uma lógica de compreensão.
Ao pensar sobre as propostas de conceituação da violência, Debarbieux (2002) alerta
sobre os riscos de definições que sejam por demais amplas e, em sentido oposto, limitadas.
Conforme o autor, definições muito amplas podem incorrer no risco epistemológico de tornar
o fenômeno impensável e, ao mesmo tempo, também tem o risco de criminalizar
comportamentos comuns ao serem enquadrados como violência. Já uma definição
excessivamente limitada deixa de considerar a experiência da vítima com a violência.
Qualquer que seja a tentativa de definição é um erro pensar que ela dará conta do fenômeno
universalmente ou em sentido absoluto, porque a definição científica não revela a verdade
sobre a violência, uma vez que é construída e constrói igualmente outros paradigmas e não
tem como, necessariamente, adequar o fenômeno e sua descrição na prática, porque são os
homens quem definem a realidade, que existe antes de qualquer tentativa de enquadramento e
conceituação, e essas definições podem ou não ser verdadeiras. Enfim, são escolhas para
tentar tornar determinado fenômeno legível, nesse caso a violência.
Apesar dos cuidados que acrescenta Debarbieux, trabalhar com alguma definição,
minimamente, torna mais didático estudar a violência e norteia os percursos empreendidos.
Mas, concordando com o autor, qualquer que seja a escolha empreendida, tem-se claro que
27
não dará conta do fenômeno em sua totalidade. Além disso, também é preciso fazer algumas
distinções em relação a outros conceitos que eventualmente são confundidos com a violência.
Um desses conceitos é o de conflito. O conflito faz parte da condição humana e é
decorrente de interesses, expectativas e valores distintos, assim, é dissenso quanto às
percepções e posições sobre fatos e condutas (Vasconcelos, 2008). Os conflitos, de uma
maneira geral, fazem parte da experiência humana e se apresentam na sociedade na medida
em que surgem quando existe diversidade, percepções distintas, bem como interesses e
objetivos diversos entre as pessoas. Assim, quando essas formas e percepções diferentes se
chocam, ocorre o conflito que pode se dar na família, escola ou comunidade (representando
em nível micro); dentro do bairro, cidade ou região (nível meso); e, entre países (nível
macro). Os conflitos não são necessariamente violentos e nem negativos, podendo inclusive
ser possibilidade de crescimento quando permite que seja trabalhado eficientemente (Terre
des hommes Lausanne no Brasil, 2013). Assim, são elementos estruturais dos
relacionamentos e sua perspectiva construtiva presume que seja trabalhado para que possa ser
transformado e supere a situação conflituosa. Ao contrário, quando o conflito é negado, pode
gerar violência porque representa negar a diferença, a possibilidade do contrário, ou seja,
quando não há mediação dos conflitos ou quando estes são resolvidos de forma inadequada,
pode ocorrer a violência (Secretaria da Educação, 2009).
Além da associação entre violência e conflito, comumente também é relacionada aos
conceitos de crime e agressão, usados, muitas vezes, de forma indistinta, o que pode causar
confusão conceitual, já que são diferentes. Crime é um conceito de natureza jurídico-legal que
diz respeito à violação da lei penal, portanto, o autor deve ser responsabilizado conforme essa
mesma lei. Em si, não tem relação com a violência (seja física, social ou moral), mas podem
se relacionar dependendo das circunstâncias de como acontece. Significa que na prática nem
todo ato violento é enquadrado como crime, assim como nem todo crime acontece de forma
28
violenta (Pino, 2007). Além disso, o conceito de crime pode variar de uma sociedade para
outra, conforme o período histórico e ainda em função do contexto político, determinando-se,
assim, o que é ou não crime. Portanto, tem caráter mutável (Cademartori & Roso, 2012).
A violência ainda é confundida com a agressão. Nesse caso, para Muller (2006) a
violência já recebeu tanto destaque ao longo da história que se torna algo “natural”, inerente
ao ser humano. Entretanto, não seria a violência que faz parte do homem, mas a agressividade
enquanto um impulso dos seres vivos em direção ao ataque e defesa. Apesar disso, a violência
pode ser uma das formas de expressão da agressividade quando essa acontece de forma
desproporcional. Ou ainda, como acrescenta Jorge (2009), quando a agressividade tem fins
destrutivos, ou seja, quando intencionalmente tem-se o objetivo de ferir, a agressividade
ganha traços de violência. Pino (2007) ainda contribui com a explicação ao introduzir o
caráter decisório do homem sobre os seus atos, muito embora a agressão seja uma disposição
natural de ataque e defesa, o homem como ser social, permeado pela cultura, pode agir de
maneira diferente ao atribuir significados distintos às ações, podendo interpretá-las e decidir
ou não realizar determinado ato, mesmo que o impulso agressivo seja estimulado, uma vez
que esses impulsos passam pelas áreas cerebrais responsáveis pelas decisões.
Assim sendo, enquanto nos animais a agressividade é regulada pelos instintos, nos
homens é vinculada aos processos culturais, históricos e sociais que permitem atribuir
significado às ações humanas, podendo interpretá-las e decidir o que fazer. O instinto não é
um impulso isolado e sem interferência do processo de socialização.
Enfim, muito embora todas essas palavras pareçam referir-se a mesma coisa,
especialmente no senso comum, dizem respeito a conceitos diferentes e, portanto, é necessário
distingui-las e não cometer erros linguísticos e conceituais ao nomear determinado ato ou
situação como violento, quando na verdade não é. Ao mesmo tempo, elas guardam relação
29
entre si, quando um crime ou ato agressivo pode ser feito de forma violenta, ou ainda, quando
os conflitos não são bem resolvidos e geram atos de violência.
Retomando a questão da violência propriamente dita, comecemos pela raiz
etimológica da sua definição. A palavra vem do latim violentia que significa “veemência” e
“impetuosidade” que dizem respeito à força, intensidade, que agride algo ou alguém (Carreira,
2005). O mesmo acrescenta Zaluar (1999) ao falar que a raiz do termo, vis, remete à força e
vigor (exercendo força física mesmo ou recursos do corpo para essa força vital). Ainda
conforme a autora, essa força vai se transformar em violência quando ultrapassar os limites
das regras que regem as relações sociais e adquire aspecto negativo. Assim, um ato seria
considerado violento a partir da percepção dos efeitos que provoca, que podem variar
histórico e culturalmente.
A violência é um fenômeno que sempre existiu na sociedade, ao longo da história da
humanidade. O que pode parecer novo, atualmente, é a forma como essa violência é
apresentada, combinada com a espetacularização que a mídia faz e causa uma disseminação
de temor na população, e ainda com a sensação de impotência diante dela.
Falar sobre violência gera ainda desconforto, porque em certo momento todos já foram
vítimas de alguma de suas formas de manifestação (De Antoni, 2013). A despeito das formas
de expressão da violência, Gonçalves (2003) afirma que sua definição é um desafio, que não
se restringe a simples descrição, tampouco se pode entendê-la de forma imediata. Ao
contrário, cada termo que se utiliza para definir a violência pressupõe uma especificidade
conceitual que é determinada pela tradição sociocultural e experiência individual (Assis &
Marriel, 2010).
Nesse sentido, não existiria uma forma única de violência, e, por isso mesmo, seria
mais conveniente utilizá-la no plural, violências, principalmente em função das
especificidades do fenômeno. Corroborando tal visão, Trassi e Malvasi (2010) a descrevem
30
como um fenômeno complexo, uma vez que envolve diversas dimensões da experiência
humana; como multideterminada porque para sua compreensão se necessita considerar
aspectos históricos, sociais, econômicos, culturais, psicossociais, etc.; e, é um fenômeno
multifacetado – não é apenas o crime, por exemplo -, uma vez que se manifesta de diversas
formas, seja na relação entre os homens, com o mundo e consigo mesmo.
Uma das diversas tentativas na literatura de definição da violência é realizada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) no Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, que a
define como:
O uso intencional da força física ou do poder, real ou em
ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um
grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande
possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico,
deficiência de desenvolvimento ou privação (Krug, Dahlberg,
Mercy, Zwi, & Lozano, 2002, p. 5).
Dessa tentativa de definição, podemos perceber que busca cobrir diversos
comportamentos considerados como violência, sejam eles causadores ou não de lesões e dá
destaque para a intencionalidade do ato. Nesse mesmo relatório ainda é possível observar uma
tipologia da violência que a divide em três grandes categorias a partir de quem comete o ato,
as quais seriam: violência dirigida a si mesmo (auto-infligida); violência interpessoal, que
consiste na violência praticada por outra pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas; e,
violência coletiva que é aquela cometida por grupos maiores, como pelo Estado, e, pode ser
de ordem social, política e econômica. Dentro dessas categorias, ainda se pode observar como
essa violência acontece, ou seja, qual a sua natureza. E nesse sentido, o relatório traz quatro
tipos, conforme a natureza do ato: violência física (uso da força para produzir lesões);
Violência psicológica (agressões verbais ou gestuais com o objetivo de ameaçar, humilhar,
isolar, etc.); Violência sexual (ato ou jogo sexual que vise à estimulação da vítima ou a sua
31
utilização para obter prazer sexual por meio do aliciamento, violência física ou ameaças); e,
Negligência ou abandono (omissões referentes à garantia do bem-estar e desenvolvimento)
(Krug et al., 2002).
Apesar de ser apresentada essa categorização da violência, não se pretende resumir o
fenômeno e nem limitar a essa explicação e classificação, mas por ser uma referência na área,
e, parecer ser uma das definições e classificações mais abrangentes e que consideram diversas
dimensões da violência, foi apresentado nesse texto.
1.3 Juventude e violência
As violências apresentadas até então ainda tem uma particularidade. Nesse cenário,
alguns atores aparecem como os principais atingidos pela violência: os jovens. A Juventude
no Brasil encontra-se delimitada, nos documentos oficiais, em termos de faixa etária, entre 15
e 29 anos, embora não exista consenso no campo teórico quanto a essa delimitação.
Apesar do uso da faixa etária como “definidor” do ser jovem, cabe destacar que
embora algumas características possam ser semelhantes aos integrantes desse grupo
geracional, existem diversas formas de vivenciar essa juventude, especialmente, a partir de
elementos culturais e socioeconômicos que irão determinar como ser jovem em dada época
histórica a partir dessas condições já mencionadas, assim, cada juventude exige um olhar
atento para a sua conformação na sociedade e, portanto, seria mais conveniente entendê-la não
como juventude, mas juventudes (Sposito, 2003).
Os jovens vivenciam uma realidade que os colocam em uma situação particular de
vulnerabilidade, que se torna ainda maior quando se pensa em termos de sua quantidade no
Brasil. Na Síntese dos Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2014, por exemplo, tem-se que correspondiam, em 2013, a 24, 3% da população
geral e estavam presentes em 49,4% dos arranjos familiares em domicílios particulares no
32
país (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2014). Tal percentual, embora
corresponda a aproximadamente um quarto da população, torna-se significativo ao perceber
que, em cerca de 50% dos domicílios, possui ao mesmo um jovem. Portanto, esses números
somados ao fato de que esses mesmos jovens – e particularmente a juventude que está em
uma situação socioeconômica pauperizada – passam por diversos problemas sociais como
violência, pobreza, desemprego, etc., que os deixam sem perspectivas de futuro, tornam a
pauta da juventude um dos principais assuntos que devem ser pensados em termos de políticas
públicas para o desenvolvimento social na América Latina (Abramovay, Castro, Pinheiro,
Lima, & Martinelli, 2002). E, compreender os problemas sociais e como afetam a juventude
em sua totalidade, significa compreender como se dão as relações no mundo atual que
engendra ao mesmo tempo uma globalização acelerada e desigualdades sociais (Almeida,
Campos, Santos, & Paiva, 2014).
A violência, nesse contexto, acaba se tornando uma forma de se relacionar, passando,
muitas vezes, a ser naturalizada, valorizada e até justificada pela sociedade. Os conflitos
fazem parte da condição humana em função da existência das diferenças, porque que cada
pessoa possui características específicas que as diferenciam umas das outras, entretanto, em
vez dessas divergências serem resolvidas de forma compreensiva, dialógica, dentre outras
maneiras, muitas vezes, as pessoas se utilizam de recursos violentos para lidar com esses
problemas, contribuindo para a manutenção de um ciclo de violência que precisa ser quebrado
(Almeida et al., 2014).
Sobre ciclo de violência e sua reprodução, em pesquisa realizada a partir de
levantamento dos dados de homicídios de jovens, registrados pela Coordenadoria de Direitos
Humanos e Minorias do Rio Grande do Norte (CODEM-RN), Santos, Oliveira, Paiva e
Yamamoto (2012) selecionaram e entrevistaram sete familiares de jovens vítimas de
homicídio. Como conclusões, perceberam que a fala dos entrevistados revelaram uma
33
realidade que contrapõe o senso comum de que os jovens, por diversas vezes, são os
responsáveis por diversos “crimes”, considerando-os, inclusive, culpados por sua situação de
vulnerabilidade (desemprego, precarização do trabalho, falta de estudo, etc.). A partir da visão
dos familiares, entretanto, percebe-se e corrobora-se a literatura que entende as constantes
violações de direitos, situações de risco social e vulnerabilidades como uma questão que
interfere diretamente no desenvolvimento e formação dos jovens, e, para tanto, foram
elencadas situações como: falta de assistência e atuação do Estado nas comunidades, ou
quando tem atuação acontece de forma precarizada, e de programas que primem por oferecer
novas oportunidades que os desviem dos caminhos da violência. Enfim, todo um contexto que
influencia na formação do jovem, na sua maneira de se relacionar e intervir na sua
comunidade e na sociedade, de maneira geral.
A partir do exposto, percebe-se que os jovens podem se utilizar da violência para
resolver suas formas de se relacionar com os outros e o mundo, entretanto, esse mesmo jovem
pode e é vítima de um sistema muito mais amplo, e, como se percebe, reproduz a violência já
sofrida. Nesse sentido, os jovens se configuram tanto como vítimas, quanto atores de
processos de violência.
Cabe tomar nota, entretanto, que as constantes associações entre juventude e violência
a entendem como um binômio pela utilização em grande escala dessa relação, principalmente,
no contexto do jovem como algoz da violência. Portanto, precisa de uma análise mais
minuciosa, que de acordo com Rodríguez (2011), a grande maioria dos estudos que trata do
tema juventude e violência menciona que não seria conveniente usar o termo violência
juvenil, mas jovens e violências (no sentido de não ter apenas uma juventude e tampouco uma
única forma de violência), uma vez que o primeiro carrega uma carga discriminatória ao
colocar a responsabilidade do problema para os jovens. E como já mencionado, os jovens se
envolvem com a violência não somente como algozes, mas também como vítimas (basta fazer
34
uma rápida análise dos altos índices de homicídios contra os jovens) e, nesse ponto, destaca-
se o papel da opinião pública, mídia, etc., que tendem a destacar a dimensão do jovem em
conflito com a lei. Portanto, os destaques dados aos atos cometidos por jovens somente
dispõem um conhecimento parcial da problemática e deixam de lado a complexidade da
associação juventudes e violências, que deve ser investigada também na sociedade em seu
conjunto, de modo a se compreender a vigência generalizada de uma cultura de violência em
que os conflitos não são solucionados por meios pacíficos.
A partir disso, no tópico seguinte será desenvolvida a violência que ocorre no meio
escolar, visto que a escola é um dos locais em que crianças e jovens passam a maior parte do
seu tempo, é um dos espaços primordiais de socialização e formação (seja técnica, mas
também humanística). Portanto, dentro do constructo da violência e tendo a juventude com
papel relevante nesse cenário, entender como se processa no âmbito da educação traz
reflexões que ultrapassam a simples busca pelos determinantes desse fenômeno, mas qual a
função da escola nisso e como pode atuar como instância de prevenção, buscando inclusive
reconhecer não somente as suas possibilidades, mas também os seus limites. Para tanto, da
mesma forma que procedemos nesse tópico, antes de falar da violência nas escolas, é preciso
situá-la dentro do contexto do modo de produção capitalista, uma vez que a escola não se
descola desse cenário amplo, ao contrário, faz parte dele e inclusive contribui para sua
manutenção, com todas as sequelas que o capitalismo traz.
1.4 Violência (s) na escola
1.4.1 Bases sociais da educação e escola
A partir do exposto no tópico anterior pode-se compreender um pouco do complexo
universo da violência social e ir mais além para refletir sua expansão para o ambiente escolar,
35
uma vez que a escola está inserida em um contexto maior. Antes de falar especificamente
sobre a relação entre sociedade e violência nas escolas é importante ressaltar que educação é
um processo histórico que se constitui a partir da vida em sociedade, nesse sentido, falar de
educação em determinado período requer que entendamos a sociedade correspondente a
momento histórico.
De acordo com Pasqualotto (2006) a educação praticamente coincide com a história da
existência humana, ou seja, a escola não é abstrata, isolada ou absoluta, ao contrário, tem uma
determinação histórica e também é influenciada pelos condicionantes sociais, culturais e
econômicos. É um processo que considera o todo social em cada período da história, e,
portanto, a cada momento histórico a educação se diferenciou e foi determinada em função do
modo como os homens produzem e reproduzem os meios de vida material, através do
trabalho, como uma maneira de reprodução das relações existentes.
Desta maneira, não é possível analisar a educação, e especialmente a educação escolar,
desvinculando-a da realidade em que se insere. A relação entre sociedade e educação diz
respeito ao modo como os homens se organizam para produzir e distribuir os bens que
necessitam para sobreviver e qual o papel da educação, historicamente, no desenvolvimento
das sociedades (Cassin, 2008).
Cabe ressaltar que a educação não se resume à questão escolar, uma vez que ultrapassa
os limites de uma instituição isolada, a qual foi criada socialmente e como um instrumento de
concretização da educação. Apesar de ter ocorrido formalmente dentro das escolas não se
restringe a esse ambiente, pois claramente podem-se observar processos educativos em
diversos espaços institucionalizados ou não, como por exemplo a educação no âmbito familiar
que, como primeira instância no processo de socialização dos indivíduos, introduz a vida em
sociedade. Cabe ainda destacar que tanto a socialização quanto a educação continuam ao
longo da vida, porque sempre estamos nos relacionando e aprendendo.
36
Além disso, como acrescenta Pasqualotto (2006), o ensino formal, sistematizado e
institucionalizado não existiu desde sempre. Ao mesmo tempo, isso não impediu, por
exemplo, que os povos primitivos tivessem educado seus membros nas comunidades, até
porque a própria socialização se constitui como processo educativo e pode ser desempenhada
por diversas instituições sociais além da escola.
Como vivemos em uma sociedade capitalista, é certo que sua contradição repercute
nas diversas esferas sociais, sendo uma delas a educação. Assim, significa dizer que a escola
incorpora a lógica do capital e, por isso mesmo, reproduz as relações deste, de modo que se
torna também um local onde se trava a luta de classes. Por esse aspecto, a educação não é
neutra, ao contrário, expressa determinados interesses de classes, podendo ou não contribuir
para a diminuição das desigualdades sociais e transformação da realidade (Yamamoto, 2004).
É um processo que ocorre de forma “tão natural” que sem análise crítica torna-se
quase imperceptível aos que se inserem no contexto. Para Asbahr e Sanches (2013) é
essencial entender a sociedade capitalista porque aí será possível compreender o contexto em
que a escola se insere, “embora a escola pública não seja uma unidade de produção capitalista
e não esteja subordinada ao controle direto do capital, está submetida a ele de forma política e
ideológica” (p.40).
Portanto, a educação não se desvincula do contexto social, ao contrário, insere-se e
engendra suas peculiaridades a partir do todo, do macro, da sociedade, do capitalismo. Nesse
sentido, entender o que acontece com a educação e se materializa nas escolas,
especificamente, é, acima de qualquer coisa, compreender como se processam ideologias,
desigualdades, função social, enfim, entender como a lógica do capital repercute no âmbito
educacional e escolar e, ao mesmo tempo, como suas mazelas contribuem para fomentar
violência não somente nas relações sociais extramuros escolares, mas dentro dessas
instituições e como a própria escola reproduz e também produz violência.
37
Ao se analisar, mesmo que brevemente, a história da educação pode-se depreender
como evolui e se molda a partir da lógica dominante, que inclusive se sofistica e passa quase
imperceptível aos olhos dos menos atentos. De acordo com Jorge (2009), a relação entre
sociedade e educação é complexa, uma vez que a escola não se separa do contexto onde se
insere, e dialeticamente se influenciam. Ainda conforme a autora, a educação parece mudar de
acordo com o período histórico em que se situa e é determinada a partir dos meios de vida
produzidos e reproduzidos pelos homens. Ou seja, a educação vem sendo organizada e
modificada ao longo da história e tem sido função de ideais específicos.
Passaremos a uma descrição resumida da história da educação e como ela se molda
conforme a lógica do capital e adquire funções específicas. No início da humanidade, nas
comunidades primitivas, a educação se dissemina no cotidiano ao cumprir a função de
transmitir conhecimentos, necessários ao bem comum e subsistência do grupo, entre os
membros da comunidade e a cada nova geração. Entretanto, quando a comunidade se
transforma em uma sociedade dividida em classes, a educação deixa de ser espontânea no
processo de trabalho e torna-se dependente dos interesses dessa configuração social se
diferenciando para aqueles que precisavam trabalhar para sobreviver, cuja educação, na
maioria dos casos, ocorria no próprio local de trabalho, e a educação para a classe dominante
(donos das terras) que ocorria na escola (Pasqualotto, 2006).
Essa educação dualista ocorre em boa parte da história: na antiguidade, as classes são
divididas entre os proprietários de terras e os não proprietários (escravos), ficando a cargo
destes últimos a manutenção deles mesmos e dos senhores donos de terras; na Idade Média,
em que o trabalho escravo é substituído pelo trabalho servil baseado na produção feudal, a
Igreja Católica (ligada ao Estado) se torna responsável pela educação da classe dominante,
que ocorria nas próprias dependências dessa instituição, e os servos (maioria da população)
continuam sendo educados a partir do trabalho; com a passagem do sistema feudal para o
38
capitalista a cidade e indústria se desenvolvem e exigem das escolas a necessidade de uma
educação generalizada (Pasqualotto, 2006).
O período entre os séculos XVII e XVIII é marcado pelo capitalismo da manufatura
que tem como característica principal do processo produtivo a divisão do trabalho em
operações específicas e parcelares. Com a transição da manufatura para a indústria, em
meados do século XVIII, e com a introdução da máquina no processo produtivo, que passa a
executar a maior parte das funções manuais, surge a necessidade de extensão dos serviços
escolares. Então, no final do século XVIII se inicia a formação dos sistemas nacionais de
ensino, que pressupunham a educação como direito de todos e dever do Estado. Apesar disso,
é somente no século XIX que se materializa essa tentativa de organização dos processos
educativos, muito embora de forma contraditória, assim como no capital, porque nesse mesmo
processo as escolas se diferenciam, polarizando a formação geral e profissional e o
humanismo e as ciências etc. Já no final do século XIX, com a formação do capitalismo na
fase monopolista, têm-se as condições apropriadas para que tanto o discurso quanto a
necessidade de uma educação para todos fosse possível. Os interesses burgueses presumiram,
então, um Estado que começa a produzir um discurso educacional em defesa da escola
pública, universal, laica, obrigatória e gratuita, concebida como espaço primordial de
formação de todos (Pasqualotto, 2006).
Cabe destacar, ainda de acordo com a autora acima, que a ideia de universalização só
se manifesta a partir do momento em que a desigualdade social se torna tão aparente que não
pode ser negada, ou seja, devido ao impacto do crescimento dos problemas sociais e da
organização do proletariado: com a introdução da máquina no processo produtivo, de um
lado, houve aumento da produção e da riqueza social (apropriação privada), mas, por outro,
houve grande miséria em função do desemprego decorrente da liberação de muitos
trabalhadores da produção, uma vez que a máquina passou a exercer a maior parte das
39
funções manuais. Assim, as mudanças nos processos de trabalho provocam acirramento dos
conflitos sociais entre as classes e, portanto, era preciso ter indivíduos que se adaptassem a
este contexto através de uma formação voltada para contribuir com a legitimação e
manutenção do sistema capitalista, por isso, a necessidade de generalização e universalização
da escola, só que restringindo-se ao nível básico de ensino como forma de nivelar,
minimamente, a qualificação dos trabalhadores, adaptando-os às mudanças.
Essa ideia de universalização e unificação da educação é apenas uma forma de
equalizar, no discurso, as classes sociais, mas contraditoriamente, na prática, ressaltam o quão
diferente é a realidade para cada lado, dominados e dominantes, e como a educação se
organiza para legitimar o sistema e apaziguar os ânimos ao atender os interesses e
necessidades capitalistas. Como se pode perceber, a educação, desde que surgem as classes
sociais, atende a interesses da lógica dominante e se organiza conforme o processo produtivo.
A sua universalização apenas cumpre uma funções da escola dentro do capitalismo: garantir
aos indivíduos os elementos necessários a essa sociedade; com qualificação mínima exigida;
e, manter o sistema com todo o seu caráter contraditório, excludente e mercantil com a
diferenciação de classes na educação ao se apresentarem sistemas de ensino diferenciados
para cada grupo exercer seu papel e dever social. A universalização traz a falsa sensação de
que todos tem oportunidades iguais e liberdade para fazer suas escolhas.
Nesse sentido, a escola reflete a divisão de classes na sociedade e, desta maneira, não é
a mesma para todos, e nem todos tem oportunidades iguais de promoção pessoal e
autoafirmação. De maneira geral, o todo organizado da escola se orienta a partir do esquema
dual da sociedade e sua função excludente e seletiva: seja nos conteúdos trabalhados, às
vezes, sem sentido ou relevância social para os alunos; na metodologia hierárquica imposta;
repetição massiva de conteúdos em sala e nas atividades avaliativas; disciplina dos corpos e
40
mentes; rigidez de horários; expectativa comportamental, enfim, elementos desejáveis que
muito se assemelham ao processo fabril (Cruz, 2010).
Por tudo isso, o surgimento da escola tem na sociedade capitalista, muito embora a
anteceda, status de generalização em função da necessidade socialmente produzida pelo
homem a partir da complexidade de conhecimento acumulado historicamente, assim, a escola
deve organizar e sistematizar o saber. Mas, em função dessa mesma sociedade, a escola serve,
em princípio, aos interesses do capital, principalmente no que diz respeito à disseminação da
ideologia dominante (Scaff, 2013). O que se quer dizer é que a escola cumpre um papel
dentro da lógica do capital de manutenção dessa ordem, seja com o ensino voltado para o
mercado de trabalho, seja com a reprodução da ideologia da classe dominante e da divisão de
classes em seu interior, seja como uma forma de “diminuir” as desigualdades com a falsa
sensação de igualdade de oportunidades.
É importante acrescentar que ao mesmo tempo em que existe essa visão de escola que
contribui para a reprodução do modo de produção capitalista, a escola também é,
contraditoriamente, um espaço de instrumentalização intelectual da população para lutar pela
superação desse modo de produção excludente. Ou seja, a escola também pode ser vista como
um caminho para contribuir na busca da transformação social quando se torna um espaço de
reflexão e compreensão da realidade através da apropriação do saber (Asbahr & Sanches,
2013).
Esse breve histórico e todos os elementos trazidos permitem compreender como o
modo de produção capitalista, em suas diversas fases, relaciona-se com a educação e como
essa relação serve de base para as propostas educacionais e diferentes formas de ensino ao
longo do tempo, ou seja, como a educação tem que se organizar para se adequar às demandas
do processo produtivo ao longo da história e, em grande parte, em uma sociedade excludente
e contraditória. Assim sendo, a educação não é estanque, é um processo que é um produto
41
histórico, determinada pelas condições sociais, culturais e econômicas existentes e, por
conseguinte, assume diversas conotações conforme o contexto em que se insere, tanto
considerando o período histórico, quanto o local. Assim sendo, o movimento social do qual a
educação se organiza é mediado por um processo histórico que a coloca como fenômeno
concreto da realidade e, para tanto, é preciso considerar as múltiplas determinações e
totalidade de relações que a engendram, inclusive, como mecanismo de luta contra
hegemônico em direção à transformação social.
1.4.2 Violência na/da/contra a escola
Na primeira parte do capítulo foi possível refletir como a sociedade capitalista
contribui para produzir e reproduzir a violência como uma forma de sociabilidade. Já na seção
que relaciona a educação, e em especial a escola, com a sociedade capitalista e como serve
aos propósitos do capital, pudemos ver como a escola reflete em seu interior o que acontece
na sociedade. E, como a violência é um problema social, se dissemina por todos os lugares, e
não poderia ser diferente com a escola.
É comum ouvir em noticiários televisivos, jornais e rádio, e mais atualmente na
internet, questões relacionadas à violência nas escolas (Lawrenz & Rava, 2012). Mas não é só
no senso comum que esse tema tem tido destaque e interesse, existem algumas pesquisas
realizadas, como a divulgada em 2008 pela organização não-governamental Internacional
Plan, que traz como um dos resultados que aproximadamente 1 milhão de crianças, em todo o
mundo, sofre algum tipo de violência nas escolas, diariamente (Plan, 2008). A escola passa a
ser vista, então, como um local em que a violência incide com frequência. Isso se deve porque
é nela onde, muitas vezes, os conflitos e problemas se tornam primeiramente visíveis
(podendo ser resolvidos) (Souza et al., 2013). São práticas que vêm sendo relatadas em
escolas de todo o mundo e tem despertado o interesse em uma linha de investigação,
42
notadamente na última década do século XX, que incialmente se denominou segurança nas
escolas e hoje em dia é mais conhecida por violência nas escolas (Assis & Marriel, 2010).
Apesar da maior exposição, atualmente, da violência nas escolas, as discussões e
investigações sobre o fenômeno são mais antigas do que se possa imaginar, nos Estados
Unidos, por exemplo, já na década de 1950, existiam estudos sobre o tema. Conforme o
tempo foi passando, a violência nas escolas adquiriu conotações mais graves e tornou-se um
problema social quando se relacionou ao uso de drogas, formação de gangues, porte de armas,
etc., além de que, tem como base a relação com a violência urbana cotidiana. O reflexo dessa
mudança é percebido através do foco de investigação que sofreu transformações ao longo do
tempo e a violência no contexto escolar variou de uma simples questão disciplinar, para
posteriormente ser tomada como “delinquência juvenil”, e atualmente é entendida como
fenômeno social, que em um contexto mais amplo abarca questões estruturais como a
globalização e exclusão social. Diante disso, as análises precisam ser mais profundas e não se
restringir às transgressões praticadas no dia a dia por estudantes e entre eles (Abramovay &
Oliveira, 2006).
No Brasil, ainda conforme os autores, vários pesquisadores tem se debruçado sobre o
tema com o intuito de mapear e buscar as causas e efeitos (sobre alunos, professores, gestores,
e demais funcionários da comunidade escolar) dessa problemática. Os primeiros estudos no
país são da década de 1970, em que pedagogos e pesquisadores procuraram explicações para
o crescimento das taxas de violência e crime. Na década de 1980, o foco foram violências
contra o patrimônio, como as depredações e as pichações. Na maior parte da década de 1990,
as agressões interpessoais, principalmente entre alunos, ganham destaque. No final do século
XX, e início do século XXI, a violência nas escolas causou uma grande preocupação e
começou a ser problematizada a tese de que “as origens do fenômeno não estão apenas do
lado de fora da instituição – ainda que se dê ênfase, em especial, ao problema do narcotráfico,
43
à exclusão social e às ações de gangues” (Abramovay & Oliveira, 2006, p. 30). A maioria dos
estudos de larga escala, realizados ao longo dos últimos anos pelos principais organismos
internacionais, procurou explorar os contextos violentos que emergiam no ambiente escolar, a
percepção de atores internos e externos, regionalidades e o tamanho dos municípios. Um
aspecto inovador é o foco nas representações das crianças e dos adolescentes que estudam nas
escolas analisadas.
Nas escolas, as reclamações giram em torno, primordialmente, da fase da
adolescência, entretanto, ainda na educação infantil também se presenciam brigas e agressões
físicas. Além disso, as formas de expressão da violência nas escolas atreladas ao elevado
número que tende a crescer cada vez mais, gera uma sensação de não saber o que fazer que se
dissemina por toda a comunidade escolar: no caso dos professores, que muitas vezes não estão
preparados para enfrentar esta realidade, assim como no caso dos pais que entendem o
fenômeno como uma questão de controle social ou não dos filhos, embora também temam
suas ameaças, e, no caso dos alunos que se amedrontam com as diversas situações de conflito
e violência e, muitas vezes, abandonam os bancos escolares. Todo esse conjunto de
problemáticas acaba levando a um esvaziamento nas escolas públicas que, em geral, parecem
estar sendo abandonadas tanto pelos alunos quanto pelos funcionários, dado o avanço da
violência física - e emocional, inclusive - por parte não somente dos alunos, mas também dos
professores (Lawrenz & Rava, 2012).
Talvez essa conjuntura do funcionamento das instituições escolares esteja relacionada
ao que Nunes (2011) apresenta: que a violência e a indisciplina - realidades presentes na
maioria das escolas - reverberam no cotidiano escolar dessa maneira em função de um
desequilíbrio e desarmonia que provocam.
Assim, a violência nas escolas adquire algumas dimensões, por isso mesmo, possui
denominações específicas que variam conforme os tipos de conflitos, agressores e vítimas,
44
bem como, por essas especificidades, exigem intervenções distintas, nessa perspectiva, a
violência pode ser: contra a escola, da escola, e, na escola (Schilling, 2012).
A violência contra a escola remete aos seguintes exemplos: pichações, depredações,
bombas jogadas em banheiros, etc. Em geral, os agressores desse tipo de violência são alunos
e ex-alunos e as causas estão ligadas à ambiguidade no papel da escola, seja como local para
“guardar os alunos” ou como promessa de transformação social. Outros exemplos que
integram a violência contra a escola são: desvio de verba; abandono dos prédios escolares;
péssimos salários dos professores; desvalorização da profissão de professor; mudanças
constantes na proposta de trabalho; etc. Os agressores para essa possibilidade de violência
contra a escola são governantes e funcionários do Estado (Schilling, 2012).
A violência da escola vincula-se à violência contra a escola, entretanto, integra uma
visão institucional da própria violência. Nessa dimensão, a escola reproduz a sociedade como
ela é, assim sendo, se a sociedade é desigual, a escola será igualmente desigual. Os conflitos
revelam-se entre as gerações, classes, gênero, raça, posição social, entre saberes, etc. Revela-
se na discriminação, no não ensinar, na indiferença, na confusão entre comportamento privado
e público, entre outros. Enfim, características que geram uma escola marcada pela vitimização
e agressão, tornando-a um lugar de passagem (Schilling, 2012).
Por sua vez, a violência na escola é o resultado dessas várias violências, no cotidiano,
uma vez que os diversos fatores já apontados (pichações, professores desmotivados, prédios
abandonados, nada de conhecimento, etc.) geram o que seria a violência na escola: furtos,
roubos, agressões, brigas e ameaças. Aparecem na escola também questões que são reflexos
da violência em casa: negligência, maus-tratos, abuso sexual, disputas territoriais, etc. Enfim,
é uma dimensão da violência no âmbito escolar que reflete, a sua maneira, os efeitos de
diversas formas de violência (Schilling, 2012).
45
Mais uma vez estamos no campo de definições e tipologias, e a classificação referida
anteriormente é apenas uma tentativa de mostrar uma divisão mais abrangente e que
minimamente dê conta do fenômeno. Com ela se esgotarão todas as representações de
violências nas escolas? Não. Mas é uma divisão pertinente por classificar de maneira ampla,
mas ao mesmo tempo abrir margem para que subtipos, os mais variados, possam aparecer.
Cabe destacar, portanto, que definir o que seria a violência nas escolas não é tarefa
fácil, e por isso mesmo existem diversos estudos que tentam compreender a sua manifestação
no espaço escolar. Entretanto, na maioria desses trabalhos, percebe-se que a violência
presente na escola, nos diferentes países, manifesta-se sob múltiplos aspectos. O que os
diferencia é a forma de abordar o fenômeno, estabelecendo, assim, diferentes tendências de
acordo com sua origem. Ou seja, a construção de como se define a violência escolar deve
ocorrer a partir das particularidades de um determinado contexto, especialmente, porque as
pesquisas já realizadas demonstram que a violência que acontece nas escolas é socialmente
construída. Apesar disso, a tentativa de delimitar fronteiras das ações violentas que ocorrem
na escola não deve encobrir as especificidades do fenômeno, isso porque a violência não tem
um significado único, mas varia de acordo com o contexto em que ocorre e conforme os
atores envolvidos (Cubas, 2006).
Assim, não importa definir, mas compreender como se expressa e o que contribui para
sua ocorrência. Nesse sentido, a violência escolar se expressa em várias modalidades:
violência entre alunos, entre alunos e professores, da escola e do professor contra o aluno,
entre os professores, do sistema de ensino contra a escola e o professor, dos funcionários
contra os alunos, do aluno contra o patrimônio da escola, entre outras (Ristum, 2010).
Portanto, no ambiente escolar as situações de conflitos são protagonizadas por diversos atores
e sob diferentes maneiras.
46
Algumas prováveis razões para essas modalidades de violências nas escolas podem ser
apresentadas. Apesar dessa suposição de determinantes da violência nesse contexto, vale
relembrar o quão complexo é o fenômeno, ainda mais no ambiente escolar que, além de
reproduzir a violência da sociedade, também cria suas formas específicas de violência. Assim,
para Pino (2007), a violência nas escolas pode acontecer porque:
A escola é, em certo sentido, uma espécie de caixa de
ressonância das turbulências sociais que ocorrem nos diferentes
meios sociais de onde procedem seus integrantes. Embora seja
condenável qualquer prática de discriminação de alunos em
função do lugar de procedência (periferias, favelas e bairros
operários), que tem muito a ver com a condição social de classe,
é inegável que a convivência deles com o clima de violência que
pode existir nesses meios afeta de alguma maneira sua vida na
escola. (2) O fato de ser a escola uma instituição frequentemente
alheia ao que ocorre no meio social em que está inserida
provoca um certo distanciamento entre ela e o próprio meio, o
que a torna um “objeto” estranho para este meio e alvo fácil de
ações predatórias, além de ser um espaço predileto de circulação
de produtos legalmente proibidos, como as drogas. (3) Sem
pretender desqualificar a escola, parece existir um certo
consenso a respeito do fato de que a escola de hoje continua
praticamente a mesma de séculos anteriores, imobilizada frente
às mudanças que vêm ocorrendo na sociedade.
Consequentemente, as relações entre os vários corpos que a
compõem (direção ó docentes; docentes ó discentes; direção ó
discentes) mudaram também, criando um mal-estar, de
proporções que variam em cada escola, com consequências
negativas nas relações entre eles. Isso facilita a emergência no
interior da instituição escolar de formas de conduta, outrora
impensáveis, nas relações sociais de alguns dos seus integrantes.
(4) Os dirigentes da escola (direção, administração e corpo
docente), com honrosas exceções, parecem não ter o feeling
necessário para entender os “sinais dos tempos” [...]. (5) A
instituição escolar traduz em si mesma, em maior ou menor
grau, os processos e mecanismos históricos de exclusão social
das crianças e jovens das classes populares. Não é de se admirar
então que a instituição estranhe esses alunos, que em algumas
escolas são maioria absoluta, e que esses alunos estranhem a
instituição, abrindo-se assim no interior da escola o caminho
para ações predatórias internas e para a emergência de formas
com características aberta ou veladamente violentas. Pode-se
dizer então que, se a escola, como outras instituições sociais,
47
muito pode fazer para incentivar a compreensão por parte dos
alunos dos valores realmente humanos, livres de qualquer
afetação moralista, capazes de fornecer razões para não optar
pelo uso da violência no intuito de viver uma sociabilidade
humana, ela tem também que repensar sua função numa
sociedade em constante mudança (pp.781-782).
Como se pode perceber, os determinantes elencados, essencialmente, traduzem o
fenômeno no nível das relações e como a violência no interior das instituições escolares
adquire conotações específicas, portanto, entender a escola dentro do sistema capitalista é
importante para compreender as bases da violência, ao mesmo tempo, é preciso também
analisar o contexto escolar em cada caso e ver como a violência se processa no seu interior, a
quem atinge, como atinge, quem promove, para então pensar como a escola pode contribuir
não somente para desnaturalizar essa violência, mas também promover espaços de diálogo e
construção coletiva das ações contra a violência e em direção a uma educação que favoreça o
diálogo e mediação dos conflitos.
Dessa maneira, ressalta-se a intrincada relação dos condicionantes sociais e políticos
com o contexto educacional, e, por sua vez, desse contexto com tais condicionantes: “como a
escola é peça dessa engrenagem maior, mudando a escola estaremos também ajudando a
mudar a sociedade” (Ceccon, Oliveira, & Oliveira, 1982, p. 83), e isso não significa dizer que
é a escola sozinha que tem a função e a capacidade para transformar a sociedade, mas, faz
parte desse processo, em conjunto com as demais instâncias sociais (Yamamoto, 2004). Nessa
perspectiva, sociedade e escola compõem uma relação dialética por natureza e embora a
educação sozinha não possa mudar a realidade, sem ela também não é possível.
Assim, por ser um local no qual crianças, adolescentes e jovens passam a maior parte
de seu tempo, as constantes transformações na sociedade exigem das escolas e, do sistema
educativo como um todo, novas estratégias para lidar com aspectos das dimensões em que
48
crianças e adolescentes possam se inserir, buscando sempre uma perspectiva de exercício de
cidadania e, por consequência, garantia de direitos (Poletto & Poletto, 2013).
Por tudo isso, a despeito dessa visão da escola como lugar da violência, a educação é
uma importante estratégia para enfrentá-la (Souza et al., 2013). Assim sendo, é preciso
refletir, desenvolver e avaliar estratégias para repensar o conflito e a violência escolar, bem
como, criar mecanismos para sua prevenção, levando em consideração as possibilidades a
serem desenvolvidas e os seus limites, dado que a violência é muito complexa para ter sua
extinção através de ações pontuais.
49
Capítulo II - A Justiça Restaurativa como alternativa para a resolução de
conflitos
No capítulo anterior discutiu-se como a violência é um fenômeno complexo que tem
raízes sociais e estruturais, e, estando a escola inserida na sociedade, reproduz e produz em
seu interior a violência nas mais variadas expressões. Nesse sentido, de que maneira
poderíamos lidar com a violência social e escolar? Como pensar em uma perspectiva que
contribua para a resolução de violências já deflagradas, mas também que possa se constituir
como um caminho para sua prevenção? Obviamente que para acabar com a violência na
sociedade é preciso medidas estruturais, assim como se entende a produção de violências,
entretanto, não é porque o sistema econômico ainda permanece o mesmo que nenhuma
medida possa ser tomada para amenizar os seus efeitos.
Ao mesmo tempo, o regime jurídico existe para tentar conter os conflitos socais
enquadrando-os em um sistema legal que imprime penas aos atos considerados crimes. Essa
seria a única forma possível de resolver conflitos, violências e crimes? Nesse capítulo serão
apresentadas algumas formas de resolver os conflitos, mas se concentrará na discussão sobre a
Justiça Restaurativa (JR) enquanto uma alternativa possível para resolver as mais variadas
divergências que possam ou não levar a atos enquadrados como crimes. Posteriormente,
também será especificado o uso da JR no cotidiano escolar, que é o objetivo desse trabalho.
2.1 Formas tradicionais e extrajudiciais de resolver conflitos
Como a sociedade deve reagir às ofensas? O que deve ser feito quando um crime ou
injustiça são cometidos? Para resolver os conflitos, existem diferentes formas. Algumas são
50
baseadas na força, no arbítrio sobre o certo e o errado, no julgamento, na busca da ordem, etc.
Contudo, existem outras que se baseiam, essencialmente, no diálogo, e, por isso mesmo, no
entendimento, na restauração, na harmonia, dentre outros. O que essas distintas formas tem
em comum é o fato de que ocorrem mediante um processo, seguem procedimentos, e devem
estar de acordo com a lei para que possam ser aceitas pelo Estado democrático de direito.
Quando a forma de solução de conflito se pauta pela interferência de um terceiro impondo
uma solução, decidindo, ou aplicando uma sentença, essa forma é chamada de adversarial,
sendo o processo judicial sua forma mais comum (Nascimento, Leonelli, Amorim, &
Leonelli, 2007).
Alguns conflitos somente podem ser resolvidos pelo Poder Judiciário, através de
processo judicial, porque somente ele pode usar a força, quando preciso, para assegurar o
direito ameaçado, ou punir alguém quando violar o direito, por exemplo, os direitos
indisponíveis, como é o caso da vida, da integridade, e do estado civil das pessoas
(Nascimento et al., 2007).
2.1.1 Justiça Retributiva/Tradicional
Conforme Costa (2012), o Sistema Tradicional incialmente foi visto como meio
eficiente de combate à criminalidade. Caracteriza-se por ser um ritual solene e público,
usando-se de normas e procedimentos formais, além de uma linguagem complexa. Seus atores
principais são as autoridades – delegados, promotores e juízes, - as quais representam o
Estado, além dos profissionais do Direito. Ao fim do processo, tem-se uma decisão por parte
dessas autoridades, o que caracteriza uma unidimensionalidade do processo. No cumprimento
da pena, o ofensor poderá demorar algum tempo para “acertar as contas” com o Estado, de
modo que ao fim, pode nem mais estar na situação pessoal que estava à época do crime. A
51
partir desse contexto, a vítima fica sem garantias de reparação efetiva dos danos e, muitas
vezes, não denuncia os crimes que sofre. Dizendo de outra maneira, o ofensor irá “pagar pelo
cometeu”, ser punido, mas isso por si só não é garantia que a vítima possa restaurar sua
situação antes do crime, nem tampouco é ouvida para saber o que efetivamente seria possível
fazer para, minimante, ter suas necessidades atendidas, inclusive com garantias que o ofensor
não possa lhe fazer mal ao sair da prisão.
Prudente e Sabadell (2008), ao comentarem sobre o modelo de Justiça Retributiva, que
também pode ser chamado de justiça criminal, justiça tradicional ou convencional, relatam
que o crime é visto como um ato contra a sociedade, que é representada pelo Estado que
detém a justiça criminal, e, portanto, considera o crime como uma violação da lei penal. A
culpa se volta para o passado, portanto, para o que ocorreu, e, por isso, as necessidades do
infrator, da vítima e da comunidade afetada não são consideradas. Com o foco no ofensor, os
procedimentos adotados para tratar o seu crime servirão como modelo para intimidar e
prevenir, com isso, gera-se estigmatização e discriminação, além de que as penas privativas
de liberdade são desproporcionais e cumpridas no regime carcerário que bem se sabe é
violador dos direitos humanos e não ressocializa, ao contrário, propicia mais crimes. Some-se
a isso que os bens e interesses são tutelados pelo Estado que pune o infrator e “protege” a
sociedade, assim, vítima e ofensor são isolados e desamparados e a ressocialização é
secundária.
Quanto aos efeitos para a vítima, ao não ser considerada, no sentido de ter um lugar no
processo, de poder falar e ser ouvida, acaba ocupando um espaço periférico e se aliena no
processo, embora tenha alguma noção do que se passa, que se limita ao andamento e fim do
processo. Praticamente não há assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do
Estado, o que leva a sentimentos de frustração e ressentimento com o sistema. Já para o
ofensor, os efeitos também são devastadores, principalmente porque somente são
52
consideradas as suas faltas e também não tem suas necessidades atendidas. Assim como a
vítima, dificilmente tem participação no processo, principalmente, porque a comunicação com
o sistema se dá por meio do advogado. Some-se que não é estimulado a dialogar com a vítima
e também é desinformado e alienado sobre os fatos processuais (Prudente & Sabadell, 2008).
Pela máxima da punição, efetivamente não se responsabiliza pelo ocorrido, no sentido de
entender as consequências de sua ação e buscar corrigir.
O que se pode perceber é que a Justiça Retributiva busca garantir a justiça retirando o
ofensor do convívio social, através da pena aplicada. Fontes (2013) corrobora essa visão ao
comentar que os detentores do poder buscam garantir a simpatia da sociedade com a falsa
sensação de segurança a partir da exclusão de “indivíduos indesejados” do meio social, e
assim manter a passividade da sociedade para continuar com os seus atos em proveito próprio.
Sem falar na mídia que se utiliza de casos isolados e reforça ideias de reformas legislativas
para agravar o tratamento dado às ofensas, como tem acontecido com a redução da
maioridade penal. Além disso, a preferência do legislador pela punição tem um caráter
imediatista, porque criar leis é um processo relativamente rápido e pouco oneroso, somando
ao fato de que a prisão permite a imediata exclusão de um indivíduo indesejado. Enfim, no
uso do Direito Penal se deveria considerar que a pena não é, e nem deveria ser, a principal
forma de lidar com o crime, fato que acaba encobrindo os problemas sociais ao não considerar
o aspecto transdisciplinar do tema.
2.1.2 Processos extrajudiciais de solução de conflitos
Até hoje, ainda não se conseguiu, efetivamente, encontrar um modelo que possa
substituir a prisão, entretanto, sabe-se que ela não é a melhor resposta para a questão da
criminalidade. Contudo, seu uso se dá em larga escala, principalmente, porque se torna um
53
meio “eficiente” para o controle social. Controle esse que se dá, majoritariamente, para
aqueles que pertencem às camadas mais pobres da população, e que não completaram o
ensino fundamental (com grande percentual de analfabetos). É evidente que o indivíduo ao
cometer um crime deve ser responsabilizado por seus atos, mas deve ser tratado pelo Estado,
ao menos, com dignidade e com chances reais de retornar ao convívio social (Pacheco, 2012).
O que não vem acontecendo, basta fazer uma visita a qualquer unidade prisional para
constatar o estado em que os presos se encontram, principalmente no quesito superlotação das
prisões e não garantia de direitos sociais básicos.
Nesse sentido, a busca por meios alternativos de solução de conflitos se tornou uma
premissa forte, e tem motivação na descrença da sociedade no poder judiciário e pela
morosidade das decisões judiciais (Pacheco, 2012). Portanto, os chamados métodos
alternativos de resolução de conflitos ganham destaque pouco a pouco e foram essenciais para
fortalecer, complementar e melhorar o acesso à justiça. Tais métodos integram os processos
extrajudiciais, como a negociação, arbitragem, conciliação e mediação, e, a Justiça
Restaurativa (JR). Antes de se debruçar sobre a Justiça Restaurativa, é importante discorrer
sobre os outros métodos alternativos de resolução de conflitos.
A negociação busca resolver o conflito diretamente entre as pessoas sem a
interferência de terceiros, de modo que se possa transformar as relações ou restaurá-las.
Entretanto, nem sempre é possível resolver a questão diretamente negociando com a pessoa
envolvida (Vasconcelos, 2008), assim sendo, um terceiro é convidado a intervir no conflito e
a modalidade de resolução do conflito se configura de acordo com a maior ou menor
interferência desse terceiro e com o propósito do método.
A arbitragem é o processo no qual um árbitro é escolhido, previamente, pelas próprias
partes envolvidas no conflito, e que irá ouvir as razões de cada um e determinar uma solução,
que se chama sentença arbitral. A decisão do árbitro serve como a própria sentença, e, por
54
isso, o conflito não precisa de julgamento do Judiciário. É basicamente usado em questões
comerciais, e tem ganhado cada vez mais adeptos por ser uma forma de decisão mais ágil, e,
por isso mesmo, essencial para quem faz negócios (Nascimento, et al., 2007).
A conciliação, por sua vez, é focada no acordo e é tradicionalmente usada pelo Poder
Judiciário. É apropriada para casos em que não prevaleça o interesse comum de manter as
relações, mas, apenas solucionar os interesses materiais. É, nesse sentido, mais rápida que a
mediação, porém, menos eficaz, e embora seja uma atividade mediadora, é focada no acordo,
em que o conciliador toma iniciativas, tem autoridade hierárquica, adverte, faz sugestões, etc.
(Vasconcelos, 2008).
A mediação é também mais um método não adversarial de solução de conflitos, que,
assim como nos anteriores, utiliza-se de um terceiro, chamado mediador, que, entretanto, tem
como característica o fato de não decidir pelas partes, não direcionar, não aconselhar e nem
sugerir a solução. A mediação trata dos conflitos interpessoais, cuja relação entre pessoas
deve ser trabalhada de forma construtiva, de modo que o conflito é desconstruído visando à
restauração da convivência pacífica entre pessoas. Na mediação, as emoções e valores são
trabalhados, de forma a capacitar os envolvidos no conflito a gerirem seus efeitos de forma
duradoura (Pacheco, 2012).
2.2 Mas e a Justiça Restaurativa?
A Justiça Restaurativa é um constructo de difícil conceituação visto que não há uma
definição exata ou até mesmo única (embora as diversas definições possam se aproximar) do
que é a Justiça Restaurativa, em função de ser um modelo relativamente novo, em construção,
e que não possui um padrão consolidado. Entretanto, apresenta um conjunto de valores e
55
princípios típicos, que devem ser observados para que se consiga determinar se dado
projeto/programa se situa num contexto restaurativo (Silva, 2007).
Sem entrar no mérito dos seus pressupostos acima citados, como o tema Justiça
Restaurativa ainda está em disseminação e se consolidando, geram-se dificuldades de
entendimento da sua proposta, principalmente quando se considera que o que está enraizado
no imaginário da sociedade é o modelo de justiça tradicional. A Justiça Tradicional ou
Retributiva, já comentada em tópicos anteriores, tem seu foco na punição, que muitas vezes
está distante da necessidade da vítima; nela, são os indivíduos alheios ou o Estado que
decidirão sansões ou penas (Becker & Brisola, 2011). A Justiça Restaurativa, por sua vez, se
constrói a partir da análise crítica do sistema punitivo e propõe uma justiça pautada na ética
da alteridade, que, através do diálogo e do respeito à autonomia das partes, permite a
construção de uma solução que contribua efetivamente para o empoderamento dos envolvidos
e a resolução pacífica do conflito social (Silva, 2007). Para tanto, a JR amplia o hall de
interessados na resolução do conflito quando começa como uma tentativa de repensar o que
advém do crime, tanto no tocante às necessidades quanto aos papéis relativos à ofensa, e passa
a incluir e considerar no processo a vítima e comunidade, para além do ofensor e do Estado, o
qual é representante da sociedade (Zehr, 2012).
Para Pacheco (2012), a Justiça Restaurativa visa propiciar condições para que vítima,
ofensor e comunidade possam trabalhar o conflito resultante do delito, e seu objetivo maior é
compreender seus motivos, causas e consequências de modo a propiciar uma vida de melhor
qualidade, por meio da reconciliação, do pedido de desculpas, da reparação do dano material
e/ou dano psicológicas.
Enfim, essa breve descrição objetivou introduzir a Justiça Restaurativa, mas, sua
compreensão de forma mais abrangente será possível a partir dos tópicos que seguem, quando
56
forem apresentados o seu histórico, princípios, valores e uma definição para, posteriormente,
refletir sobre sua aplicação prática.
2.2.1 A Justiça Restaurativa no mundo e no Brasil
A origem das ideias sobre a Justiça Restaurativa tem aproximadamente 40 anos, a partir
da década de 1970 quando os primeiros registros foram verificados nos Estados Unidos
através de mediação entre vítima e ofensor (Grossi, Santos, Oliveira, & Fabis, 2009). Esse
movimento se dá como resposta à ineficiência do modelo processual e penal que ainda
perdura, e, em muitos casos, em vez de efetivamente contribuir para diminuir os conflitos
sociais, aumenta e aprofunda as questões (Aguiar, 2009).
Essa delimitação temporal diz respeito ao campo moderno da JR, mas o movimento
restaurativo tem origens mais antigas, tanto quanto a história da humanidade, nas palavras de
Zehr (2012), nas tradições culturais e religiosas das tribos de nativos da América do Norte e
Nova Zelândia. De acordo com Nunes (2011) esses povos resolvem seus conflitos
interpessoais fazendo reuniões com amplo debate em que participam a vítima e o agressor
buscando a restauração da relação, além disso, familiares, amigos, líderes comunitários e
religiosos também podem participar e contribuir.
Especificamente sobre a Nova Zelândia o modelo se inspirou nos costumes do povo
Maori em função da preocupação com a forma como o Sistema de Justiça Juvenil tratava os
jovens e crianças, através de decisões que os retiravam de seus lares, do contato com suas
famílias e a da própria comunidade, portanto, após muitas exigências, um processo
diferenciado e culturalmente adaptado foi pensando. Assim, em 1989 foi aprovado o Estatuto
das Crianças que reformulou o Sistema de Justiça incluindo as práticas restaurativas, como a
Conferência de Grupo Familiar, que permitiu a inserção das famílias no processo e garantiu
57
conjuntamente a responsabilidade. Em função do sucesso, a JR na Nova Zelândia vem
alcançando outros níveis de desenvolvimento. Nesse sentido, esse país se destacou
internacionalmente por ser a pioneira a adotar a Justiça Restaurativa no seu ordenamento
jurídico, sendo inspiração para os demais países do mundo. De forma semelhante, no Canadá
o processo restaurativo se deu a partir dos métodos tradicionais de resolução de conflitos dos
aborígenes que não reconheciam os valores e métodos do sistema tradicional de justiça
(Pinho, 2009).
Entretanto, é somente nos anos 1990 que a JR e seus programas se destacam
internacionalmente, e, se disseminam para países como: Austrália, Canadá, Estados Unidos,
África do Sul, Argentina, Colômbia, dentre outros. Em 1990, ainda, foi publicada a Changing
lenses: a new focus for crime and justice (Trocando as lentes: um novo foco sobre crime e
justiça) de Howard Zehr, que é considerada obra fundamental e uma marco para afirmação da
Justiça Restaurativa, enquanto novo modelo de justiça, revolucionando ao colocar as
necessidades da vítima como ponto inicial do processo. Ao mesmo tempo, o modelo de
Justiça Penal Retributiva começou a ser questionado pela doutrina especializada (Orsini &
Lara, 2012).
Resumindo, a Justiça Restaurativa é fruto de uma conjuntura complexa. Em seu início
estava associada ao movimento de descriminalização, dando passagem a diversas
experiências-piloto no sistema penal a partir de metade dos anos 1970 (fase experimental),
sendo algumas experiências institucionalizadas nos anos 1980 (fase de institucionalização)
pela adoção de medidas legislativas específicas, e, a partir dos anos 1990 passa por uma fase
de expansão e se insere em todas as etapas do processo penal (Jaccound, 2005).
A conjuntura de disseminação dessa forma de se fazer justiça influenciou o Conselho
Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU) a requisitar, através da
Resolução 1.999/26, de 28 de julho de 1999, à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça
58
Criminal que considerasse a adoção da medição e Justiça Restaurativa pelas Nações Unidas.
Aproximadamente um ano depois, o Conselho estabeleceu, por meio da Resolução 2.000/14,
de 27 de julho de 2000, os Princípios Básicos para utilização de Programas Restaurativos em
Matérias Criminais. E, em 2002, esse mesmo Conselho editou a Resolução nº 2.002/12,
definindo os princípios e as diretrizes básicas de utilização dos programas de Justiça
Restaurativa no âmbito criminal. Com isso, a referida norma influenciou vários países a
adotarem a Justiça Restaurativa ou aprimorar os seus programas, inclusive o Brasil (Orsini &
Lara, 2012). Como consta nessa resolução, no item dois, o:
Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a
vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros
indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime,
participam ativamente na resolução das questões oriundas do
crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos
restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião
familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios
(sentencing circles) (Organização das Nações Unidas, 2002).
Cabe destacar que a Justiça Restaurativa não tem o objetivo de substituir o Sistema de
Justiça Tradicional, mas opera lado a lado, como um complemento ou alternativa, cujo foco é
a reparação dos danos às pessoas e a comunidade, ao invés de punir os infratores. Como a JR
atua em paralelo ao sistema vigente, pode acontecer em qualquer momento do processo
criminal. De uma maneira geral, o processo restaurativo pode acontecer em quatro níveis
principais: no policial; no acusatório; no processual, antes do julgamento ou sentença; ou
ainda na execução como parte de uma sentença, durante o encarceramento, ou alternativa a
ele (Pinho, 2009). Já para Muñoz (2013), ao comentar sobre os sistemas de justiça ocidentais,
vislumbra três modelos de aplicação de Justiça Restaurativa: a) complementar ao tribunal, em
que o Estado cria os programas restaurativos no desenvolvimento dos processos; b) sistemas
59
alternativos ao tradicional, antes de uma formalização judicial; e, c) sistemas de Justiça
Restaurativa que atuam nos conflitos emocionais em vez de no fato delitivo, e, geralmente,
independentemente da atuação de uma justiça penal.
Como se pode perceber, a partir da positivação da importância da Justiça Restaurativa
no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas, é possível ter um
direcionamento mais claro para os programas que se pretendem baseados na JR. Essa
resolução ganha ainda mais importância quando o entendimento sobre o campo ainda está se
consolidando e, por isso, podem existir distorções sobre a prática de Justiça Restaurativa, que
na verdade, como será apresentado em momento oportuno, não acontece de uma única
maneira, mas existem diversas formas de operacionalizar a JR.
Como consequência desse movimento de expansão mundial, a Justiça Restaurativa
chega ao Brasil principalmente a partir da observação e estudo do direito comparado. No
entanto, os modelos aplicados no país não são exatamente iguais aos estrangeiros,
especialmente, porque precisa de mudanças legislativas para que possam ser positivados no
direito brasileiro. Além disso, a Justiça Restaurativa precisa se adequar à realidade onde se
insere (Pinho, 2009).
Portanto, desde 1999, antes mesmo de a Justiça Restaurativa se desenvolver no Brasil,
foram realizados estudos teóricos e observações da prática restaurativa, sob condução do Prof.
Pedro Scuro Neto, no Rio Grande do Sul. Ainda nesse ano foi desenvolvida a primeira
experiência prática através de pesquisa sobre prevenção da indisciplina e violência nas escolas
públicas, que se intitulou “Projeto Jundiaí: viver e crescer em segurança”, sob coordenação do
referido professor. O projeto foi desenvolvido através de parceria entre o Centro Talcott de
Direito e Justiça, o Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG), Coordenadoria de
Ensino do Município de Jundiaí, e apoiado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As
60
atividades foram encerradas em 2000 deixando a experiência das “câmaras restaurativas1” no
contexto escolar (Maiochi & Maiochi, 2015).
O primeiro caso, efetivamente, trabalhado conforme o modelo restaurativo no Brasil,
chamado “Caso Zero”, data de 4 de julho de 2002. Essa experiência de aplicação de prática
restaurativa ocorreu na 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto
Alegre/RS a um conflito envolvendo dois adolescentes. Desde então, a JR vem se firmando
como metodologia autônoma aplicada tanto ao âmbito interno quanto externo do Poder
Judiciário, e vem se expandindo para várias partes do país além do Rio Grande do Sul (Orsini
& Lara, 2012).
Essa expansão pelo país encontrou terreno favorável a partir do movimento, nos anos
iniciais do século XXI, para que houvesse uma reforma no Judiciário no sentido de debater a
sua função social, buscando uma justiça mais participativa, a ampliação ao seu acesso,
fortalecimento do respeito aos direitos humanos e que fosse garantidora de direitos sociais.
Foi a partir desse contexto que a Justiça Restaurativa começou a ser realidade no país (Melo,
Ednir, & Yazbek, 2008).
Assim, no final de 2004 e início de 2005, o projeto “Promovendo Práticas
Restaurativas no Sistema de Justiça” foi desenvolvido pela Secretaria de Reforma do
Judiciário, do Ministério da Justiça, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), e inicia ações mais representativas da Justiça Restaurativa no
Brasil através da implantação de três projetos-piloto, nas seguintes localidades: Porto
Alegre/RS, implantado na execução de medidas socioeducativas, na 3ª Vara da Infância e
Juventude; no Distrito Federal no Juizado Especial Criminal do Núcleo Bandeirante; e em
São Caetano do Sul/SP, nas escolas por meio de câmaras ou círculos restaurativos, de modo a
1 “É o encontro no qual já há o reconhecimento do erro por parte do transgressor e a vítima. Há o entendimento
entre as partes, para que juntas cheguem a um denominador comum, gerando meios de reparar o dano causado.
A vítima, o transgressor e as suas comunidades assistenciais participam do encontro, bem como as partes
interessadas secundárias na tentativa de contribuir na feitura do acordo e sua efetividade” (Pinho, 2009, p. 261).
61
reduzir o número de conflitos encaminhados ao judiciário. Nesse sentido, através desse
projeto do Ministério da Justiça foram implementados “núcleos” de Justiça Restaurativa em
vários estados brasileiros, em parceira com associações ligadas à justiça por meio de
promotores, juízes entre outros. A partir disso, em 2005 a Justiça Restaurativa começa a fazer
parte da realidade brasileira como se pode observar (Maiochi & Maiochi, 2015).
Ainda em 2005, a referida parceria permitiu a difusão das ideias restaurativas - não
somente para os estudiosos de direito como também para as mais diversas áreas das ciências
sociais no país - com o lançamento do livro Justiça Restaurativa, que consiste em uma
compilação de dezenove textos de especialistas na área (juízes, juristas, sociólogos,
criminólogos e psicólogos), de oito países diferentes. Além dessa publicação, diversos
eventos, tendo como tema a Justiça Restaurativa foram realizados no Brasil, tais como: I
Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, em 2005, na cidade de Araçatuba (SP); a
Conferência Internacional “Acesso à Justiça por Meios Alternativos de Resolução de
Conflitos”, realizada em Brasília em 2005; e, o II Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa,
realizado em Recife/PE, em 2006. Esses eventos ganharam importância não somente por
serem veículos para divulgação da prática restaurativa, como também por apresentarem
produtos como cartas de princípios para a execução das JR em solo nacional (Orsini & Lara,
2012).
A partir de 2006, os projetos de Justiça Restaurativa vêm se aprimorando, sempre
considerando a necessidade de adaptação das práticas e princípios estrangeiros à realidade
brasileira e demonstrando resultados expressivos. Nesse sentido, o Governo Federal
reconheceu sua importância, com a aprovação do 3° Programa Nacional de Direitos Humanos
(Decreto n. 7.037/2009), no qual consta que:
62
[...] o PNDH-3 propõe profunda reforma da Lei de Execução
Penal que introduza garantias fundamentais e novos regramentos
para superar as práticas abusivas, hoje comuns. E trata as penas
privativas de liberdade como última alternativa, propondo a
redução da demanda por encarceramento e estimulando novas
formas de tratamento dos conflitos, como as sugeridas pelo
mecanismo da Justiça Restaurativa.
[...] Incentivar projetos pilotos de Justiça Restaurativa, como
forma de analisar seu impacto e sua aplicabilidade no sistema
jurídico brasileiro.
Outro dispositivo jurídico que trata a Justiça Restaurativa como meio possível para
resolver os conflitos é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, por
meio da Lei n. 12.594/2012, em que, no art. 35, inciso III, estabelece-se como um dos
princípios para execução da medida: “prioridade a práticas ou medidas que sejam
restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”.
Vale destacar que no Brasil existem tentativas de inserir a Justiça Restaurativa no seu
ordenamento jurídico, como o projeto de lei que está em tramitação desde 2006, Projeto de
Lei n. 7.006/2006, mas que tem sido arquivado e desarquivado inúmeras vezes (Pacheco,
2012). Entretanto, em 04 de junho de 2014, o projeto recebeu parecer favorável à sua
aprovação pelo Deputado Lincoln Portela, que foi o relator2.
No referido projeto, tem-se em seu artigo primeiro, que “esta lei regula o uso
facultativo e complementar de procedimentos de Justiça Restaurativa no sistema de justiça
criminal, em casos de crimes e contravenções penais” (Projeto de Lei n. 7.006/2006) e
considera, em seu segundo artigo, como:
procedimento de justiça restaurativa o conjunto de práticas e
atos conduzidos por facilitadores, compreendendo encontros
entre a vítima e o autor do fato delituoso e, quando apropriado,
2Para maiores informações e acompanhamento do processo, ver:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=323785
63
outras pessoas ou membros da comunidade afetados, que
participarão coletiva e ativamente na resolução dos problemas
causados pelo crime ou pela contravenção, num ambiente
estruturado denominado núcleo de justiça restaurativa.
Além disso, outro grande passo foi dado com a aprovação da Resolução 225/2016 de
31 de maio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que dispõe sobre a Política Nacional de
Justiça Restaurativa no Poder Judiciário estabelecendo diretrizes para sua implantação e
difusão.
Por todo exposto, percebe-se que a Justiça Restaurativa vem sendo aplicada no Brasil
em projetos do Poder Judiciário, através, muitas vezes, de parceiras com órgãos internacionais
ou até mesmo com outras instâncias da sociedade, como a educação. E, apesar disso, podem
ser utilizados para resolver qualquer tipo de conflito: “na família (conflitos matrimoniais,
violência doméstica, divórcio); escola, vizinhança/bairro (violência, vandalismo, perturbação
de sossego); economia, tutela ambiental, trabalho, nas comunidades em geral, inclusive no
sistema de justiça (conflito em prisões)” (Prudente & Sabadell, 2008, p. 57).
2.2.2 Princípios Restaurativos
Quando algo novo aparece, definir e delimitar o que esse conceito é se torna uma
tarefa que requer paciência, pesquisa e reflexão. Verificando a situação específica da Justiça
Restaurativa, defini-la demanda muito mais do que dizer o que é, mas também dizer o que não
é, quais os seus princípios, como se manifesta, quais os procedimentos, já que se baseia em
valores quais seriam. Enfim, presume um conjunto de elementos que ajudam a entender os
pressupostos da JR, indo além de definições estanques e que podem não dar conta das facetas
64
do fenômeno. Assim sendo, depois de ter sido feito o resgate histórico da Justiça Restaurativa,
parte-se para seus elementos fundantes para se pensar, posteriormente, na definição.
Quando se fala em Justiça Restaurativa, um nome que é imprescindível ser
mencionado é o de Howard Zehr, considerado um dos pioneiros na sistematização e
divulgação da Justiça Restaurativa no mundo.
De acordo com o autor, na base da Justiça Restaurativa encontra-se uma visão muito
antiga do delito que o compreende como uma violação de pessoas e relacionamentos e, por
isso, desencadeia obrigações, sendo a principal a “correção” do mal praticado. Diretamente
atrelada a essa visão, tem-se o pressuposto de que na vida social todos estão interligados,
formando uma teia de relacionamentos. Assim, quando um crime acontece cria-se uma lacuna
na sociedade a partir do rompimento dos relacionamentos e, por consequência, os vínculos
são desfeitos. Para tentar dar conta dessa quebra, torna-se uma obrigação que o mal cometido
seja “corrigido”, “consertado” e a situação como um todo deve ser “endireitada”, ao menos ter
seus efeitos neutralizados. E, como as pessoas estão interconectadas nessa visão de crime e
sociedade, a preocupação passa a ser com todos os envolvidos: vítima (especialmente porque
é quem sofre diretamente o dano), o ofensor (que comete o ato) e a comunidade como um
todo (que indiretamente é afetada e pode se responsabilizar para a solução). Cabe destacar que
a JR nasce direcionada para o esforço de
considerar as necessidades das vítimas, muito embora os demais atores do processo
restaurativo tenham seu lugar e vez nos procedimentos (Zehr, 2012).
Essa contextualização torna-se essencial para a compreensão de como a Justiça
Restaurativa opera. Na medida em que relaciona o crime com a quebra da interconexão entre
as pessoas, gera a obrigação de reparação do dano levando em conta as necessidades dos
envolvidos e seus papéis para se resolver a situação conflituosa. Portanto, a JR irá se alicerçar
no fato do crime ser fundamentalmente uma violação de pessoas e relacionamentos
65
interpessoais e as violações, por sua vez, geram obrigações cujo fim primeiro deve ser
restabelecê-las e solucionar os males.
A Justiça Restaurativa, assim, se estrutura a partir de alguns pilares, os quais sejam:
necessidades, papéis e obrigações, ou dito de outra maneira, os danos geram necessidades que
para serem satisfeitas cada um deve assumir o seu papel e obrigações para que a restauração
aconteça. A Justiça Restaurativa tem, primeiramente, o foco no dano cometido e nas
necessidades que surgem a partir desse dano. Na justiça tradicional, que foca nas regras e leis,
o crime é visto como um ato contra o Estado, assim, esse assume o papel que caberia à vítima.
Essa, por sua vez, tem uma série de necessidades que são negligenciadas pelo processo
judicial, especialmente porque a preocupação maior é punir o ofensor, tais necessidades
seriam: a) de informação, como saber “Por que aconteceu?”; b) falar sobre o que aconteceu;
c) empoderamento ao ter a oportunidade de participar de todas as etapas do processo e não ser
somente representada pelo Estado; e d) de restituição ou vindicação (Zehr, 2012).
Uma vez que se falou das necessidades das vítimas, o segundo foco de preocupação da
JR é com os ofensores, mais especificamente com a sua responsabilização. Na lógica do
sistema de justiça penal eles são responsabilizados, entretanto, utiliza-se a máxima da punição
adequada ao crime cometido. Já na Justiça Restaurativa, por sua vez, a responsabilização não
acontece mediante a punição, mas implica em perceber os atos e suas consequências, ou seja,
entender o que praticou e que repercussões esse comportamento causou, buscando adotar
medidas para corrigir ou ao menos minimizar os danos. Sendo uma responsabilização que
impacta positivamente todo o círculo de envolvidos e interessados no processo judicial
(vítima, ofensor e comunidade) (Zehr, 2012). Essa responsabilização leva o infrator a
responder diretamente à vítima, e isso não significa que sairá impune, mas, o processo
restaurativo lhe confere consciência para reparar o mal. Além disso, a responsabilização não
impede que o ofensor responsada nas instâncias específicas pelos seus atos, mas ao invés de
66
receber uma punição pelo que cometeu, procura-se que compreenda que sua ação teve
consequências para alguém (Gama, 2008).
Dito tudo isso, os principais interessados no processo judicial são a vítima e o ofensor,
entretanto, membros da comunidade poderão ser afetados diretamente e até indiretamente e,
portanto, tem interesse no caso, uma vez que o objetivo é reparar os danos para todos os
envolvidos. Nesse sentido, as necessidades e papéis são colocados em jogo e cada um as
expõe no processo restaurativo.
Mas quem é a comunidade dentro do escopo da Justiça Restaurativa? O significado de
comunidade tem certa controvérsia bem como o seu envolvimento no processo restaurativo,
entretanto, como essa discussão não é objeto desse trabalho, é suficiente entender quem essa
comunidade engloba. A comunidade não é o mesmo que sociedade, na JR diz respeito ao
conjunto de pessoas que vivem no mesmo lugar e que será atingido, direta ou indiretamente,
pela ofensa cometida. Também chamada de micro comunidades ou comunidades de cuidado
(Rodrigues & Themudo, 2015). Van Ness (1997) acrescenta que a comunidade tanto pode ser
os grupos de apoio de cada envolvido (família e amigos, por exemplo), quanto as
comunidades que se tornam “comunidades” para os interessados no conflito depois da
ocorrência do ato lesivo.
Assim como os demais interessados, a comunidade tem necessidade e papéis a
desempenhar. Muito embora não seja incluída na justiça penal, sofre o impacto do crime e,
por isso, deveria ser considerada parte interessada, mesmo que como vítima secundária. Além
disso, os membros da comunidade podem desempenhar importantes papéis ao assumirem
responsabilidades em relação não somente a si, mas sobre as vítimas e ofensores. Por isso, a
justiça deve oferecer: atenção para as suas necessidades enquanto vítimas também, fortalecer
a comunidade ao possibilitar oportunidade para construção de um senso comunitário e
responsabilidade mútua, e, estimular suas obrigações para o bem-estar e convívio social de
67
seus membros (incluindo vítimas e ofensores), ou seja, a comunidade deve dar apoio e ajudar
a vítima, bem como ao ofensor a se reintegrar a ela envolvendo-se na definição de suas
obrigações e no seu cumprimento, tudo isso com vista a se garantir o bem-estar dos membros
e a paz na comunidade (Zehr, 2012).
Dito tudo isso, é possível perceber a partir do dano e de sua análise quem são os
interessados e participantes do processo restaurativo, bem como, que os danos geram
necessidades específicas para cada um dos envolvidos (direta e indiretamente). Essas
necessidades, por sua vez, resultam em obrigações, especialmente por parte do ofensor que
deve se responsabilizar e da comunidade ao acompanhar e contribuir para a reinserção deste e
apoiar a vítima. Para que esse processo funcione, é preciso que cada interessado se envolva,
participe e se engaje através da execução de seu papel dentro do processo, somado ao fato de
que a decisão deve ser construída conjuntamente, com trocas de informações entre eles e tanto
quanto possível, através do diálogo direto.
Nesse sentido, seguir os princípios fundamentais da abordagem restaurativa é
essencial para evitar distorções, ou seja, se um programa restaurativo for pensado, planejado e
avaliado seguindo tais princípios, será bem mais provável evitar qualquer desvio à origem, e
com isso, seguir o caminho em direção à Justiça Restaurativa.
2.2.3 Valores Restaurativos
A Justiça Restaurativa além de se alicerçar em princípios também se baseia em
valores. A associação desses elementos permite compreender e dar o tom da Justiça
Restaurativa, de modo que a aplicação dos princípios presume a existência dos valores. Assim
como nos princípios, a existência de valores possibilita que os programas e projetos que se
68
intitulem de Justiça Restaurativa possam de fato ser construídos dentro dos preceitos da
abordagem, aconteçam e resultem em decisões de fato restaurativas.
Em função da importância dos valores para a perspectiva restaurativa, é preciso
conhecê-los e exercitá-los no cotidiano das relações. Cabe destacar que existem algumas
controvérsias sobre a quantidade e quais seriam os referidos valores da JR. Talvez a
pluralidade de construções da teoria e prática da Justiça Restaurativa esteja relacionada a sua
compreensão cultural, como reflete Souza (2011) que parte da noção de que as práticas da
justiça penal são culturalmente implicadas, assim, se constituem da maneira como são em
razão das diversas concepções culturais que as moldam, nessa mesma linha de raciocínio
estaria a JR, em que ela e suas práticas seriam moldadas a partir do arranjo cultural mais
amplo (com seus valores e visões de mundo), e, por isso, contribuiria para manter tais formas,
mas que a JR também influenciaria tal contexto através suas premissas e práticas que
possibilitam entender como as pessoas são, como deveriam se relacionar e o que fazer em
situações de conflitos.
Enfim, o encontro das práticas de Justiça Restaurativa e contexto cultural de inserção
pode resultar em formas de ação distintas e, conforme Zehr (2012), a JR deve ser construída
com as comunidades em que se insere, analisando suas necessidades e recursos para aplicar os
princípios da JR às suas situações específicas. Para o autor, existiriam três valores essenciais:
a interconexão (todos estão ligados uns aos outros e ao mundo de forma geral); o segundo
seria a particularidade/diversidade (cada pessoa tem sua individualidade que deve ser
considerada e respeitada bem como a cultura e o contexto); e, por fim, o respeito que tem
importância fundamental dentro da JR e remete à interconexão e diversidade. Por isso, para
ele quando não se respeita os outros, não há Justiça Restaurativa, mesmo que se utilizem os
princípios.
69
Já para Van Ness (1997), os valores fundantes da JR seriam quatro: o encontro que é
valorizado tendo como participantes a vítima, o ofensor e a comunidade. E a grande diferença
desse encontro para a simples presença em conjunto no tribunal, por exemplo, é a
possibilidade de as partes interagirem, de estar cara-a-cara, de terem a oportunidade de falar,
de contar sua versão, de se emocionar e compreender o crime, as outras partes envolvidas, e o
que deve ser feito para reverter à situação. O segundo valor é a reparação que significa “fazer
as pazes”, seja através da restituição material ou mediante qualquer outra forma acordada
entre os envolvidos. Existem crimes em que não é possível reverter a situação ou reparar
integralmente, como nos casos de assassinatos, mas usar mecanismos simbólicos nesses casos
é importante, como reparação financeira e outros mais. O terceiro valor é a reintegração que
significa a entrada novamente da vítima e ofensor na comunidade, sendo respeitados e com o
atendimento de suas necessidades específicas. Por fim, o último valor é a participação de
todos os envolvidos no crime, que deve ser direta e voluntária e pretende que se chegue a um
acordo/solução. E não como nos julgamentos tradicionais em que as vítimas e réus somente
aparecem nas falas dos representantes do direito, sendo aqueles que sempre são falados, mas
nem sempre são ouvidos (Souza, 2011).
Outros teóricos que versam sobre os valores restaurativos os entendem como valores
que são e devem ser essenciais aos relacionamentos de modo a garantir equilíbrio, justiça e
saúde. Por isso, deveriam estar presentes em todos os relacionamentos entre as pessoas no
campo da Justiça Restaurativa (juízes, vítimas, ofensores, policiais, oficiais, etc.), mais ainda,
dentro e entre os grupos comunitários. É um conjunto de valores numericamente maior do que
para os autores já citados, entretanto, considerados fundamentais no processo de distinção da
JR em relação a outras abordagens (incluindo judiciais) para resolução de conflitos (Marshall,
Boyack, & Bowen, 2005). De acordo com Nunes (2011), os valores da JR são valores
essenciais à pessoa humana de uma forma geral.
70
Assim, um conjunto de teóricos consideram, pelo menos, oito valores fundamentais na
Justiça Restaurativa, os quais seriam: participação, respeito, honestidade, humildade,
interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança. A participação dos afetados
pelo crime, os quais sejam: vítimas, ofensores e suas comunidades de interesse busca garantir
que sejam os principais participantes no que tange à fala e escuta, inclusive sejam os
responsáveis pela decisão ao invés de o Estado tomar para si todo o processo judicial; o
segundo valor é o respeito que considera todos os seres humanos igualmente sem distinção
em função de suas ações, gênero, cultura, orientação sexual, idade, raça, crença e nível
socioeconômico. Além de ser em função dele que se gera confiança entre os participantes; o
terceiro valor é a honestidade que corresponde à característica da fala, ou seja, falar a verdade
no processo de justiça que permite não somente entender o ocorrido, mas possibilita uma fala
aberta sobre a experiência dolosa, revelar os sentimentos envolvidos e pensar sobre as
responsabilidades advindas da ofensa; o quarto valor é a humildade que está em reconhecer as
vulnerabilidade e falibilidades do ser humano, e por isso, possibilita que vítimas e infratores
percebam que têm mais em comum como seres humanos do que cada um no seu papel de
vítima e ofensor, além disso, faz parte da humildade ter empatia e cuidado mútuo (Marshall et
al., 2005).
O quinto valor é a interconexão que existe entre todas as pessoas, porque na sociedade
os indivíduos estão ligados uns aos outros, por isso mesmo, vítima e infrator também fazem
parte desse emaranhado de relações. Assim sendo, a sociedade compartilha a responsabilidade
para com a vítima e ofensor exercendo um papel específico para cada um desses atores: “o
caráter social do crime faz do processo comunitário o cenário ideal para tratar as
consequências (e as causas) da transgressão e traçar um caminho” (Marshall et al., 2005, p. 5);
o sexto valor, ainda conforme os autores, é a responsabilidade, que no caso do infrator deve,
obrigatoriamente, aceitar a responsabilização pelo ato e buscar diminuir suas consequências.
71
Essa aceitação comunica que o ofensor parece se arrepender pelo que fez, seja ao oferecer
reparação dos prejuízos, ou até mesmo o perdão das vítimas, enfim, mecanismos que podem
levar à reconciliação.
Os dois últimos valores são o empoderamento que diz respeito à autodeterminação e
autonomia que cada pessoa deve ter em sua vida. No caso da vítima, a situação do delito lhe
priva desse poder sobre sua própria vida e um dos objetivos da JR é devolver o controle sobre
si, dando às vítimas um papel ativo no processo de modo a determinar suas necessidades e
como estas devem ser satisfeitas. Ao ofensor também é dado poder para se responsabilizar
pelo dano, buscar remediá-lo e se reabilitar; por fim, o último valor é a esperança de que a
vítima pode se curar, o ofensor pode mudar e, se conseguir uma nova forma de sociabilidade
pautada na paz, principalmente porque a JR permite abordar as necessidades e pensar no que
pode ser feito daqui para frente (Marshall et al., 2005).
No texto “Círculos Restaurativos – guia metodológico para facilidades” a organização
não governamental Terre des hommes Luasanne Brasil traz sete valores, todos os já citados
menos a interconexão (Pedrosa, Soares & Barter, 2011). Já Nunes (2012) traz nove valores:
participação, respeito, responsabilidade, honestidade, humildade, interconexão,
empoderamento, solidariedade e pertencimento. Como se pode observar, não traz o valor da
esperança e em seu lugar apresenta a solidariedade (o procedimento restaurativo permite o
diálogo e por isso possibilita o respeito mútuo) e pertencimento (no que concerne a um senso
comunitário), talvez porque seu texto seja mais direcionado para as práticas restaurativas nas
escolas.
A partir dos princípios e valores pode-se perceber como a Justiça Restaurativa opera,
ou seja, identifica necessidades, analisa as obrigações, entende como cada envolvido pode
participar do processo a partir de um papel específico que resulte na reparação do dano, tanto
72
quanto possível. Além de que todas essas etapas são permeadas por valores que sustentam a
abordagem e possibilitam procedimentos e resultados realmente restaurativos.
Assim, pode-se observar que a proposta restaurativa busca uma mudança na forma
como se enxerga os crimes e conflitos e, ao se alicerçar em princípios e valores, demonstra o
quanto está próxima ou busca se aproximar do cotidiano, porque os valores acima
apresentados não parecem tão distantes da realidade, muito embora possam não acontecer no
dia a dia por motivos de ordem mais macro que nesse momento não cabe discutir. Ou seja, é
possível incutir na vida diária aspectos restaurativos com a utilização dos valores, o que já foi
corroborado pelos autores mencionados, no início desse tópico, quando sugerem que eles
devem ser os valores da pessoa humana. Com isso, a tendência, ou ao menos o objetivo, é
transformar a sociedade em uma sociedade restaurativa, resolvendo seus conflitos de forma
positiva e não-violenta.
Uma vez que se apresentaram os princípios e valores que caracterizam a Justiça
Restaurativa, nos tópicos que se seguem são discutidos sua definição e, posteriormente, as
formas como pode ser praticada a JR.
2.2.4 Definindo a Justiça Restaurativa
Como já mencionado nesse capítulo, a Justiça Restaurativa é um conceito em
construção e são diversas as tentativas de definição, por isso, a preferência por apresentar os
princípios e valores antes de tentar conceituá-la (de forma contrária a diversos autores), de
modo que seja possível primeiro entender os pressupostos, para munidos de tal conjunto de
preceitos, entender o que a JR de fato é, como se caracteriza, em que se diferencia de outras
formas de resolver conflitos.
73
Para facilitar a compreensão sobre o que é a Justiça Restaurativa, Howard Zehr
apresenta o que não é a JR (seguindo uma lógica de que se é difícil delimitar o que é, saber o
que não é pode contribuir para o entendimento e diferenciação), a partir de algumas
elucidações que permitem a apropriação da abordagem e sua diferenciação em relação a
outras formas de fazer justiça, incluindo outras especificidades, como se observa na Tabela 1
abaixo.
Tabela 1
Compreendendo o que a Justiça Restaurativa nõa é
Nota Fonte: Adaptado de Zehr, H. (2012). Justiça Restaurativa (pp.18-23)
(T. V. Acker, Trad.). São Paulo: Palas Athena.
E o que é Justiça Restaurativa? Ao buscar uma definição, Marshall et al. (2005)
entendem o constructo como um termo genérico para toda abordagem que vise ultrapassar a
74
condenação e punição e dar conta das causas e as consequências dos atos lesivos, mediante
procedimentos que promovam a responsabilidade, cura e a justiça. Presume uma abordagem
colaborativa, dialógica e pacificadora da solução dos conflitos, podendo ser aplicada em
diversas situações e, ainda, se utilizar de procedimentos diferentes para alcançar os seus
objetivos. Enfim, relaciona-se com um processo em que os envolvidos em uma situação de
conflito se reúnem em um espaço seguro para compartilhar seus sentimentos e opiniões de
modo verdadeiro e encontrarem uma melhor solução, em conjunto, para resolver suas
consequências. Os procedimentos chamam-se “’restaurativos’ porque buscam,
primariamente, restaurar, na medida do possível, a dignidade e o bem-estar dos prejudicados
pelo incidente” (p.4).
Van Ness (2010) acrescenta a essa definição a importância da transformação, aliada a
ideia de reparação e encontro. Para o autor, a JR busca reparar o dano advindo do crime
através de um encontro voluntário entre as partes afetadas para conjuntamente resolverem a
situação, e, quando isso acontece, a transformação das pessoas, perspectivas e estruturas pode
se tornar realidade.
A Justiça Restaurativa oferece a possibilidade do encontro, como mencionado antes,
entretanto, não se limita a ele. Esse ponto é importante para direfenciá-la da mediação, por
exemplo, que para acontecer presume esse momento. Assim, na Justiça Restaurativa a
correção dos danos pode acontecer, preferencialmente, por meio de encontros inclusivos e
cooperativos, mas não é aplicável para todos os casos, e nestes, outras possibilidades podem
ocorrer (Zehr, 2012), como o círculo de apoio que tanto pode ser para a vítima como para o
autor da infração.
Assim, uma definição que acrescenta o caráter das possibilidades e limites da Justiça
Restaurativa é ainda de Zehr (2012):
75
Justiça Restaurativa é um processo para envolver, tanto quanto
possível, todos aqueles que têm intesse em determinada ofensa,
num processo que coletivamente identifica e trata os danos,
necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de
promover o restabelecimento das pessoas e endireitar as coisas,
na medida do possível (p.49).
Enfim, as várias tentativas de definir a Justiça Restaurativa acabam de alguma maneira
tocando na necessidade de encontro entre os envolvidos. Entretanto, esse encontro pode não
ser possível, muitas vezes, por diversos motivos, como até mesmo o fato do ofensor ou a
vítima não terem intersse em participar do momento em conjunto. Some-se a isso, que não
existe uma forma única de fazer Justiça Restaurativa, mas diversas e que vão ser mais ou
menos restaurativas a partir de como se constroem, se são baseadas nos princípios e valores
da JR, e se propiciam resultados restaurativos.
Como nesse momento estamos falando em definição, cabe destacar a importância de
se comentar a utilização que fazem por vezes de Justiça Restaurativa e outras vezes práticas
restaurativas. Alguns autores utilizam Justiça Restaurativa para demarcar o uso da abordagem
restaurativa no âmbito do sistema de justiça, e, quando em outros contextos seria mais
conveniente utilizar práticas restaurativas (Assumpção & Yazbek, 2014). Ainda as práticas
restaurativas podem ser um movimento a partir da Justiça Restaurativa, embora na execução
correspondam aos mesmos procedimentos (Terre des hommes Lausanne no Brasil, 2013).
Enfim, não há um rigor metodológico no uso dessas expressões, principalmente por ser um
campo em construção (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República [SDH],
2014).
Desta maneira, nesse texto Justiça Restaurativa e práticas restaurativas podem ser
utilizadas para se referir a mesma coisa, até porque a abordagem da Justiça Restaurativa se
inicia com essa denominação e seus modelos práticos também são chamados assim ou de
76
práticas restaurativas. Nesse sentido, quando se refere aos modelos de JR ainda pode ser
utilizada a expressão prática (s) de Justiça Restaurativa. Ao mesmo tempo, destaca-se que
entendemos a metodologia a partir da sua inserção e contribuição ampliada e não somente
restrita ao âmbito jurídico, ou seja, independente de nomenclatura, a Justiça Restaurativa ou
práticas restaurativa, é um movimento que pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer
tempo.
2.2.5 Práticas de Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa se constitui em termos de multiplicidade, seja no tocante à sua
definição quanto às formas como se operacionaliza. Nesse sentido, existem diversas formas
da Justiça Restaurativa acontecer, uma vez que o contexto de aplicação e inserção contribui
para as especificidades de sua execução local. Tal ideia é corroborada por Souza (2011) ao
comentar que nenhuma prática se sobrepõe a outra, muito menos caracterizando umas como
melhores e outras como piores, o que ocorre, na verdade, são manifestações distintas das
ideias da JR trabalhadas onde se inserem.
Assim, as práticas de justiça restaurativa envolvem uma diversidade de modos de
operar, como: diálogos, negociações e reuniões restaurativas, comunicação não-violenta,
mediação, os próprios círculos, dentre outras (Nunes, 2011). Embora existam diversas
modalidades restaurativas, em geral, os autores apresentam três modelos principais ou mais
utilizados e que se baseiam no encontro: mediação vítima-ofensor; as conferências de grupos
familiares; e os círculos restaurativos.
Na mediação vítima-ofensor reúnem-se o infrator e a vítima com um facilitador para
conduzir a reunião. Nesse processo, a vítima tem a oportunidade de descrever como o crime
repercutiu para ela e os seus impactos. O ofensor pode explicar seu comportamento e porque
77
agiu dessa forma, bem como se dispõe a responder o que a vítima perguntar. O facilitador, por
sua vez, contribui ajudando vítima e ofensor a chegarem a uma solução. Este procedimento
pode ser usado em qualquer fase do processo de justiça criminal e pode ou não ter efeito na
condenação (Parker, 2005).
A mediação entre o ofensor e a vítima permite ao último conhecer o primeiro dentro
de um ambiente seguro e conversar sobre o crime, através da ajuda de um facilitador que a
capacita a falar sobre seus anseios, além de receberem maior atenção de modo a evitar
revitimização. Existem programas em que os familiares também participam, embora não seja
uma regra. Como objetivos, essa mediação busca: dar suporte ao processo de restauração da
vítima; possibilitar ao ofensor tomar consciência sobre suas ações e se responsabilizar; e,
oportuniza que eles desenvolvam um plano de restauração aceitável para ambos (Boonen,
2011).
A conferência de grupo familiar (CGF) é uma forma antiga de resolver conflitos
arraigada na tradição dos povos Maori na Nova Zelândia. A sua forma moderna foi adota na
legislação nacional da Nova Zelândia, em 1989, nos casos envolvendo jovens em conflito
com a lei e até mesmo em casos graves. A CGF envolve além da vítima e ofensor, a
comunidade de afeto (família e amigos) de ambos para contribuírem na resolução da ofensa.
As partes se reúnem e tem um facilitador que irá coordenar o processo. Existem opiniões
diversas sobre quem pode iniciar a fala, se a vítima ou ofensor, entretanto, após a fala deles,
os outros participantes discorrem sobre o impacto do crime em suas vidas. Quando da
narração da vítima, o ofensor é confrontado sobre as consequências do ato danoso não
somente para a vítima e as pessoas próximas a ela, mas também as pessoas próximas dele.
Todos podem falar, expressar sentimentos e perguntas sobre o ocorrido. Após esse momento,
a vítima é convidada a falar sobre o que espera da CGF, ajudando na direção da
78
responsabilização do autor. A sessão termina quando todos escrevem um acordo que contém
as expectativas e compromissos (Boonen, 2011).
Nos círculos restaurativos se reúnem o autor do ato, a vítima e a comunidade numa
mesma condição de horizontalidade, para reparar os danos, restaurar dignidade, segurança e
reintegrar todos na sociedade (Terre des hommes Laussane no Brasil, 2013). O processo como
um todo se divide em três etapas: o pré-círculo (preparação para o encontro com os
participantes, incluindo-se o foco do conflito a ser trabalhado, quem participará do encontro e
toda a sua logística); o círculo (realização do encontro propriamente dito, que se faz de modo
ordenado, utilizando-se de técnicas de comunicação, mediação e resolução de conflito de
modo não violento, que ao fim vai resultar em um plano de ação que é construído em
conjunto para reparar os danos de todas as ordens) e o pós-círculo (em que se verifica se o
acordo elaborado no círculo restaurativo foi cumprido ou não – em caso negativo, buscar
quais as causas deste descumprimento - seria uma espécie de acompanhamento). É essencial,
para que ocorra, que haja a voluntariedade de todos - não se faz o círculo de maneira imposta
–, outro ponto a ser destacado é que, no círculo, não se discutirá se o ofensor fez ou não
aquela ação, não é um julgamento, não aponta culpados ou vítimas, nem se busca o perdão,
mas se pretende conseguir a percepção de que as nossas ações afetam não somente a nós
mesmo, mas também aos outros, assim, somos responsáveis pelos seus efeitos. O círculo
ainda pressupõe o sigilo e a confidencialidade (Penido, 2009).
Pode-se perceber que a diferença entre essas práticas é bem sutil, entretanto, todas
visam alcançar resultados de fato restaurativos. Sobre o grau de restauração que uma prática
pode ter, Mccold e Wachtel (2003) oferecem uma “Tipologia das Práticas Restaurativas”
baseando-se em quem é atendido pelos procedimentos e, por isso, determinam o quão
restaurativas as práticas podem ser, conforme se observa na Figura 1 mais adiante.
79
Figura 1 – Tipologia das Práticas Restaurativas
Nota Fonte: Mccold, P., & Wachtel, T. (2003). Em Busca de um Paradigma: Uma Teoria de
Justiça Restaurativa. In Trabalho apresentado no XIII Congresso Mundial de Criminologia
em 2003.
A justiça restaurativa é um processo que envolve as vítimas, os ofensores e suas
comunidades de assistência enquanto partes interessadas na decisão de como reparar o dano,
com necessidades específicas, respectivamente, de obter a reparação, assumir a
responsabilidade e conseguir a reconciliação. O envolvimento desses três grupos de
interessados determinará o grau em que dado procedimento poderá ser chamado de
“restaurativo”. O mais restaurativo dos processos requer a participação ativa dos três grupos,
compartilhando suas emoções, para atingir os objetivos de todos os que foram diretamente
afetados e não ocorrer através de participação unilateral. Quando as práticas envolvem apenas
um dos grupos, o processo é chamado de “parcialmente restaurativo”. Quando a vítima e o
ofensor participam de uma mediação, por exemplo, sem a participação de suas comunidades,
80
esse será “na maior parte restaurativo”. Somente quando os três grupos participam
ativamente, como no caso de conferências ou círculos, pode-se dizer que o processo é
“totalmente restaurativo” (Mccold & Wachtel, 2003). Assim, é importante ver os modelos
restaurativos dentro de um continuum, em que as práticas podem ir de totalmente restaurativas
até o não restaurativo (Zehr, 2012).
Enfim, todo o exposto permite compreender que Justiça Restaurativa é muito mais do
que executar uma prática, mas presume uma forma de ver e lidar com os conflitos e as
relações, por isso, a importância da apreensão e execução de princípios e valores, para então,
se pensar em uma prática que verdadeiramente possa ser restaurativa, que se constitua
efetivamente como um método que pode ser executado no dia a dia, com as pessoas sendo
restaurativas umas com as outras de modo a prevenir a resolução de conflitos mediante
violências em qualquer contexto que se insira ou que seja utilizada.
2.3 Justiça Restaurativa nas escolas
A partir desse levantamento dos princípios, valores e tipos de práticas da Justiça
Restaurativa, nesse tópico será desenvolvida sua expansão e utilização em um contexto
específico que é as escolas. De acordo com Morrison (2005), a aplicação da Justiça
Restaurativa nas escolas começa a tomar forma a partir da consolidação do modelo em
meados dos anos 90, quando a conselheira escolar Margaret Thorsborne introduziu os
encontros restaurativos com grupo de familiares, mesmo formato que estava sendo adotado na
Nova Zelândia na época, em escolas secundárias de Queensland na Austrália. Desde então, o
uso da Justiça Restaurativa nas escolas tem se desenvolvido em diversos países.
No Brasil, a aplicação da Justiça Restaurativa ou práticas restaurativas nas escolas é
recente e decorrente de projetos da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da
81
Justiça apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, estimulando
iniciativas em vários estados brasileiros (Araújo, 2013). Assim, a JR nas escolas coincide com
a implantação também no judiciário, já que ocorreram inicialmente através dos projetos
pilotos decorrentes dessa parceria com o PNUD.
A Justiça Restaurativa em expansão tem se relacionado com as políticas públicas da
infância e da juventude e, no âmbito escolar, tem possibilitado criar espaços de diálogos com
a justiça através de uma concepção de educação que ultrapassa o ensinamento de conteúdos,
mas que se preocupa com o exercício da cidadania, ressignificando práticas e saberes
docentes. Nesse sentido, a primeira experiência brasileira se deu nas escolas de São Caetano
do Sul, em São Paulo (Grossi et al., 2009).
Em São Caetano do Sul tem-se o Projeto Justiça, Educação, Comunidade: parcerias
para a cidadania que é desenvolvido através da Vara e Promotoria da Infância e Juventude e
possui não somente essa frente jurisdicional de atuação, mas também uma educacional, que
acontece nas escolas tendo os professores como facilitadores de conflitos encaminhados,
sendo os casos referentes ou não à adolescente em conflito com a lei. O método utilizado nas
duas instâncias é o modelo de círculos restaurativos (Rodrigues & Themudo, 2015).
À época de sua implantação, em meados de 2005, três objetivos eram primordiais: a
resolução de conflitos de modo preventivo nas escolas, evitando seu encaminhamento à justiça; os
conflitos caracterizados como atos infracionais e que não faziam parte da escola eram resolvidos no
Fórum, em círculos restaurativos; e, o fortalecimento de redes comunitárias. Para dar conta desses
objetivos, era preciso a instrumentalização de facilitadores de círculos nas escolas e comunidade,
portanto, foi preciso capacitar lideranças. Os primeiros círculos restaurativos nas escolas aconteceram
em maio de 2005 em três instituições. Em 2006 todas as escolas públicas (estaduais) passaram a
integrar formalmente o projeto e, nesse mesmo ano, ampliou-se seu escopo de atuação para as
comunidades e, desde então até 2007, somando os números das escolas, justiça e comunidade,
82
foram realizados 260 círculos restaurativos. Com o reconhecimento que o projeto teve, o
Ministério da Educação repassou financiamento à Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo para a implantação em outras duas cidades no segundo semestre de 2006: em São Paulo
(capital), no bairro de Heliópolis e na cidade de Guarulhos. Em 2008 Campinas havia
começado a implantação bem com a disseminação por tantas outras cidades paulistas. Com o
interesse crescente no Brasil, a experiência de São Caetano do Sul foi transmitida em diversas
localidades através de palestras proferidas não somente em São Paulo, mas em Porto
Alegre/RS, Brasília/DF, Natal/RN, Recife/PE, Boa Vista/RR, Chapecó/SC, e, Belo
Horizonte/MG (Melo et al., 2008).
Outra experiência brasileira é a das escolas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Nessa capital desenvolveu-se, especialmente, na 3ª Vara da Infância e Juventude, na qual foi
sendo disseminada a ideia de resolver os conflitos inspirada na Justiça Restaurativa para os
casos de execução das medidas socioeducativas (Rodrigues & Themudo, 2015). Verificou-se,
entretanto, que muitos dos atendimentos por esse juizado eram provenientes de conflitos
advindos das escolas. Nesse sentido, no ano de 2005 foi implantada na referida cidade a
Justiça Restaurativa através do Projeto Justiça para o Século 21, buscando uma prática
alternativa à Justiça Retributiva para resolver os conflitos nos casos de ato infracional,
comumente resolvidos mediante uma lógica punitiva. Além disso, a Justiça Restaurativa foi
inserida nas escolas objetivando prevenir e resolver os seus conflitos, sem necessidade de
encaminhamento para o sistema de justiça (Lawrenz & Rava, 2012).
O Justiça para o século 21 é um projeto amplo que objetiva aplicar a JR na resolução
de conflitos não apenas no Sistema de Justiça da Infância e Juventude, mas em diversos
outros âmbitos, como o escolar e comunitário. Nas escolas o projeto visa sensibilizar, difundir
e capacitar facilitadores de práticas restaurativas das próprias escolas para que possam
resolver seus conflitos sem interferência do judiciário. Com essa prática, pretende-se evitar a
83
judicialização de situações que são próprias do ambiente escolar, mas que precisam de
intervenção para se constituir em um espaço de não violência (Maiochi & Maiochi, 2015).
A partir desse breve histórico, pode-se perceber que Justiça Restaurativa inserida no
contexto das escolas busca, de alguma maneira, capacitar os próprios membros da
comunidade escolar para serem protagonistas dos procedimentos e cumprir um dos elementos
essenciais da JR, que é a participação de todos os envolvidos, direta ou indiretamente. Nesse
processo, é preciso uma mudança de visão sobre como os conflitos devem ser resolvidos e no
caso das escolas é essencial que suas questões possam ser trabalhadas no seu interior.
Isso faz com que as escolas possam ser instrumentalizadas e resolver seus conflitos e
violências sem precisar judicializar os conflitos. Por outro lado, a parceria entre justiça e
educação deve ser problematizada na forma como acontece para não fazer com que as práticas
de Justiça Restaurativa se constituam em mais uma forma disciplinar e de controle como
destaca Aleixo (2010), que também acrescenta a importância de compreender a violência nas
escolas a partir da conjuntura social mais ampla, portanto, problematizar até que ponto ações
pontuais tem efetividade.
83
Capítulo III – Objetivos e estratégias metodológicas
Nessa seção são apresentados o objetivo geral e os específicos que norteiam a
pesquisa, bem como as estratégias utilizadas para dar conta do que se pretende. Para tanto,
primeiramente, são expostos os objetivos e, em sequência, as estratégias que compõe o
método da pesquisa no que diz respeito aos participantes, instrumentos e procedimentos
utilizados tanto na etapa de levantamento da amostra, quanto na coleta e análise de dados.
3.1 Objetivos
O objetivo geral dessa pesquisa é analisar as possibilidades e os limites da utilização
das práticas restaurativas nas escolas municipais de Natal/RN.
Para tanto, elencam-se como objetivos específicos:
Caracterizar as práticas restaurativas implementadas nas escolas objeto de análise;
Investigar as implicações de sua utilização no contexto escolar;
Analisar as estratégias preventivas para a violência nas escolas.
3.2. Estratégias Metodológicas
3.2.1 Participantes, instrumentos e procedimentos de coleta
Para a efetivação dos objetivos desta pesquisa, foi feita sua divisão em duas etapas. A
primeira diz respeito à análise dos relatórios produzidos e disponibilizados pelo Núcleo de
Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE) com o intuito de caracterizá-lo, elencar as
84
ações desenvolvidas e seus resultados, bem como fazer um levantamento das escolas em que
atuou e nas quais a pesquisa iria se desenvolver. A etapa seguinte corresponde ao campo
propriamente dito, momento no qual foram realizadas entrevistas semiestruturadas nas escolas
selecionadas.
O Núcleo foi implantado e inaugurado oficialmente em abril de 2012 (embora a sua
organização interna e as primeiras visitas às escolas comecem desde fevereiro/março do
referido ano) e atuou de forma contínua até junho de 2013, com a sua efetiva paralisação em
julho do mesmo ano. As atividades, entretanto, foram retomadas em janeiro de 2015 e
prescindiu de mais uma etapa de reorganização interna. Portanto, de julho de 2013 até
dezembro de 2014 o Núcleo teve atividades inexpressivas (no caso de julho) ou nenhuma
atividade, tanto que não constam registros desse período. Assim sendo, para efeitos dessa
pesquisa, considerou-se o recorte temporal dos anos de 2012 e 2013, portanto, os relatórios
analisados se referem a esse período e vão de fevereiro de 2012 até julho de 2013, os quais
constam nos relatórios disponibilizados e em que houve atividade contínua, sem interrupção
ou paralisação. Vale destacar que a ajuda dos profissionais do Núcleo foi essencial, seja
disponibilizando o material pedido, seja na confirmação de informações e atendimento quanto
às dúvidas sobre os relatórios e atividades desenvolvidas.
Assim sendo, na primeira etapa, análise dos relatórios, utilizaram-se como documentos
os relatórios dos anos de 2012 e 2013, quais sejam: Relatório de Produtividade (fevereiro a
maio de 2012); Relatórios Trimestrais de Atividades (junho a setembro de 2012, setembro a
novembro de 2012, janeiro a março de 2013, e, abril a junho de 2013); Relatório Geral de
Atividades (2012/2013); Relatório Mensal de Atividades de julho de 2013; e Planejamento
Anual de Atividades de 2013. Os referidos relatórios foram analisados com o intuito de
caracterizar o Núcleo para conhecer seu processo de implantação, funcionamento e
divulgação, compreender as atividades desenvolvidas, como e quando aconteceram, bem
85
como os resultados alcançados e as dificuldades encontradas no percurso. A partir desse
processo de leitura e levantamento de dados nos documentos foi possível ter uma dimensão
das escolas atendidas pelo Núcleo e eleger critérios para a escolha da amostra de instituições
para a pesquisa acontecer.
Como consta nos relatórios, o NJJRE traz em sua implantação uma relação de parceria
e vínculo à 58ª Promotoria de Justiça da Educação do Ministério Público do Rio Grande do
Norte - MPRN. A partir disso e do trabalho já desenvolvido por essa promotoria com as
escolas públicas municipais de Natal/RN, através de reuniões anuais com diretores e
coordenadores pedagógicos e o trabalho efetivo com conselhos escolares, foi possível
divulgar o Núcleo e suas ações e ser visto como parceiro para lidar com as questões de
indisciplina e conflitos no contexto escolar. Assim, a seleção das escolas para receber,
primeiramente, a intervenção do NJJRE se deu em virtude da sua participação nessas
reuniões, bem como no evento que foi realizado para lançar o núcleo.
Portanto, no ano de 2012, o NJJRE atuou em 30 (trinta) escolas nas quatro regiões
administrativas da cidade e, especificamente, trabalhou em 22 (vinte e duas) escolas em 80
(oitenta) casos efetivos, das quais uma é particular e outra estadual. Já no ano de 2013, através
do planejamento anual, foram selecionadas escolas municipais a partir das que foram
trabalhadas em 2012 bem como poderiam ser incorporadas outras instituições que
espontaneamente procurassem o Núcleo. Com isso, estabeleceu-se que, prioritariamente, 25
(vinte e cinco) escolas municipais seriam contempladas com as ações para o referido ano
(Ribeiro & Lima, 2013a), além disso, percebeu-se nos relatórios que uma escola municipal
não estava nessa lista inicial, mas espontaneamente procurou o Núcleo e também foi
contemplada com ações, bem como uma escola estadual, mas que não será considerada aqui.
Assim, desse total de 26 (vinte e seis) escolas municipais visitadas em 2013, em 11 (onze) o
Núcleo atuou em 24 (vinte e quatro) casos efetivos entre os meses de março e junho de 2013.
86
De posse dessa lista, retomou-se a análise dos relatórios e se verificou que em
algumas delas o Núcleo atuou de forma mais contínua em 2012 e 2013, seja por visitar mais
vezes a instituição ou por ter um maior número de casos. Além disso, 4 (quatro) dessas
escolas foram contempladas não somente com as práticas restaurativas de mediação de
conflitos, mas também com atividades preventivas, chamadas de ambiência restaurativa,
através de palestras ou encontros formativos. Cabe destacar ainda que tanto no ano de 2012
quanto em 2013 o Núcleo atendeu pontualmente demandas de escolas estaduais e, mais
raramente, de instituições particulares, mas para efeitos desse trabalho não serão
consideradas.
Antes de começarmos a coleta, foi feita uma sondagem no fim de 2014 em 4 (quatro)
escolas com o objetivo de fazer um levantamento informal sobre as ações que o Núcleo
desenvolveu, com o intuito de verificar a viabilidade da pesquisa, uma vez que as ações do
Núcleo haviam se encerrado em 2013 e a coleta aconteceria em 2015. Esse momento de
sondagem foi importante também para avaliar se de fato o método até então pensado daria
conta dos objetivos da pesquisa. Como a pré-coleta mostrou-se efetiva, prosseguiu-se com os
passos seguintes da pesquisa, os quais sejam: seleção das escolas, construção do instrumento,
realização de piloto do roteiro de entrevistas, ajustes no instrumento e realização das
entrevistas.
Diante do conjunto de instituições e informações nos relatórios, foi preciso estabelecer
critérios para escolher a quantidade de escolas e realizar a pesquisa, uma vez que seria
inviável, com o tempo que se tem em um mestrado, coletar os dados em todas as escolas
trabalhadas pelo Núcleo. Desta forma, utilizaram-se os seguintes critérios em ordem de
importância: a) ser escola pública municipal, uma vez que é o público prioritário do Núcleo;
b) ter tido atuação do Núcleo através de prática restaurativa, e não somente visita
institucional, uma vez que do total de escolas visitadas, em algumas o NJJRE apenas divulgou
87
seu trabalho e se disponibilizou para quando houvesse situação de conflito; c) ter maior
número de visitas institucionais e de acompanhamento de conflitos, uma vez que indica que o
Núcleo esteve mais vezes na escola; d) de maneira complementar ao critério anterior, a escola
deve ter maior número de casos acompanhados; e) ter tido, preferencialmente, atuação do
Núcleo tanto em 2012 quanto em 2013; e, f) ter desenvolvido atividades de ambiência
restaurativa.
Para integrar a amostra de escolas, as instituições precisaram atender, no mínimo, os
quatro primeiros critérios, e os dois últimos seriam complementares. Nota-se que as 4 (quatro)
escolas em que aconteceu a ambiência restaurativa estão entre as que tiveram mais casos e,
portanto, todas foram consideradas. Chegamos, então, ao número de 16 (dezesseis) escolas.
Mas, em função das informações começarem a se repetir quando foram realizadas as
entrevistas, optamos por interromper a coleta quando já havíamos realizado 12 (doze)
entrevistas e também por já possuirmos uma quantidade considerável de dados.
As entrevistas foram realizadas com um dos coordenadores pedagógicos, diretor ou
vice-diretor em cada uma das 12 (doze) escolas, uma vez que o NJJRE atuava diretamente
com esses representantes escolares. Assim sendo, em cada uma das 12 (doze) escolas foi
realizada uma entrevista com um representante da instituição, totalizando, por conseguinte, 12
(doze) entrevistas semiestruturadas.
Construiu-se um roteiro de entrevistas semiestruturado, que foi testado antes de
realizar a coleta para fazer os ajustes necessários, e que se divide em duas partes. A primeira
se destina aos dados sociodemográficos sobre a escola (nome, público atendido, bairro onde
está localizada, número de alunos e tempo de funcionamento) e sobre o entrevistado (nome,
bairro onde mora, idade, cargo atual e na época do Núcleo, tempo no cargo antes e depois da
atuação do NJJER, carga horária na escola e se trabalha em outra instituição).
88
A segunda parte diz respeito à entrevista propriamente dita com 5 (cinco) questões
semiestruturadas, quais sejam: sobre a violência na escola (Questão 1 – como você vê a
violência na escola?); sobre formas de resolução da violência na escola (Questão 2 - Como
você (s) lida (m) com a violência nesta escola?); sobre a ação do Núcleo de Justiça Juvenil
Restaurativa nas Escolas (NJJRE) (Questão 3 – Como foi a atuação do núcleo na
escola?);sobre as possibilidades e limites das Práticas Restaurativas nas escolas (Questão 4 -
Depois da experiência das práticas restaurativas nessa escola, como você avalia a
possibilidade de uso delas no cotidiano escolar para resolver os conflitos?); e, sobre
estratégias preventivas para a violência nas escolas (Questão 5 - Como você acha que precisa
ser uma abordagem (ação, método, meio) para lidar com a violência escolar de maneira mais
eficaz?). Para cada seção, e, respectivamente, cada questão semiestruturada, alguns tópicos de
discussão foram elencados como expectativas para guiar a discussão, conforme se pode
observar no Apêndice dessa dissertação, que trata do roteiro de entrevistas em seu formato
completo.
Sobre os procedimentos de coleta, através dos registros do Núcleo foi possível ter
acesso à lista com os contatos dos gestores e coordenadores das escolas, além disso, porque a
pesquisadora foi estagiária do NJJRE, a comunicação com as instituições foi direta, rápida e
sem dificuldades. Assim, os entrevistados foram escolhidos conforme os registros constantes
nos relatórios, através da observância de quais representantes atuaram no acompanhamento do
Núcleo nas escolas.
Em seguida, foi realizado contato telefônico com cada um deles para informar sobre a
pesquisa e indagar a respeito da possibilidade de participarem enquanto entrevistados. Em
nenhuma escola houve oposição ou dificuldades de participação, ao contrário, todos
prontamente atenderam a solicitação e marcaram um horário na própria instituição para a
entrevista ser realizada. Como a entrevista teve o seu áudio gravado, destaca-se que por ser
89
feita nas escolas, o barulho dos alunos, intervalo, sirenes e a própria ocupação dos
profissionais fez com que os áudios tivessem interferências sonoras ou interrupções, mas nada
que impedisse o entendimento de uma forma geral. Cabe destacar ainda que todos os
procedimentos éticos para a pesquisa com seres humanos foram seguidos e serão descritos
mais adiante na seção correspondente.
3.2.2 Procedimentos de análise de dados
Como procedimento de análise, os dados foram divididos em dois blocos: o primeiro
diz respeito à caraterização e descrição do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas
(NJJRE), através da análise dos relatórios disponibilizados pelo Núcleo; e, o segundo
corresponde aos dados das 12 (doze) entrevistas que foram categorizados após a leitura
exaustiva do material coletado, e, posteriormente, foi feita sua conceitualização teórica. Para
auxiliar a organização e elaboração das categorias de análise, utilizou-se o software de análise
de dados qualitativos QDA MINER.
As categorias foram agrupadas em três eixos de discussão: Violência nas escolas,
Justiça Restaurativa nas escolas e Estratégias preventivas para a violência nas escolas. O
primeiro eixo se subdivide em duas categorias: concepções de violência e formas de
resolução. Já o segundo eixo em cinco: desenvolvimento das práticas restaurativas;
entendimentos a cerca da Justiça Restaurativa; relações entre escola e justiça; avanços das
práticas restaurativas; e, limites das práticas restaurativas. Por fim, o último eixo é composto
por duas categorias: estratégias organizativas e estratégias formativas.
3.2.3 Procedimentos éticos
A pesquisa passou por apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) identificada através do CAAE
90
42949915.3.0000.5537, sendo submetida para avaliação pelo CEP em 10 de março de 2015 e
aprovada, sem ressalvas, em 11 de agosto de 2015 através do parecer de número 1.179.287.
Como forma de garantir a aprovação do comitê e, assim, cumprindo os requisitos
éticos exigidos, foi solicitada Carta de Anuência à Secretaria Municipal de Educação que
prontamente atendeu ao pedido e permitiu a execução da pesquisa enquanto representante das
escolas no município, inclusive, ao disponibilizar declaração para ser entregue nas instituições
informando sobre a sua anuência ao projeto.
Todos os entrevistados se dispuseram a participar através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) - documento no qual se explicita os objetivos da
pesquisa, procedimentos, instrumentos, os benefícios e possíveis riscos. Além disso,
assinaram o Termo de Gravação de voz, uma vez que as entrevistas foram gravadas em
equipamento de áudio para garantir legitimidade e fidedignidade das falas e para que
nenhuma informação fosse perdida. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e buscou-
se assegurar a confidencialidade e sigilo das informações através da não identificação das
escolas e entrevistados.
Para preservar a identidade dos participantes e cumprir os requisitos éticos em
pesquisa, foram utilizados nomes fictícios para os doze entrevistados. Assim, optou-se por
chamá-los de participantes A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, e L nomeados de forma aleatória, ou
seja, sem necessariamente obedecer à ordem cronológica de realização das entrevistas. Além
disso, também se utilizou um código correspondente para cada escola, passando a ser
identificadas não pelo seu nome, mas numeradas de 1 a 12, também de forma aleatória. Cabe
destacar que o CEP prevê uma etapa de pré-teste dos instrumentos para os casos em que os
pesquisadores se utilizem de materiais organizados para a pesquisa atual, e, portanto, não
validados. Como foi esse o caso, já que foi elaborado o roteiro de entrevista semiestruturada,
foi incluída a etapa de realização do piloto, antes de iniciar a coleta propriamente dita, o qual
91
permitiu fazer os ajustes necessários e reorganizar o roteiro de entrevistas de modo a ficar
mais claro possível e atender os objetivos da pesquisa.
Por fim, na pesquisa se utilizaram os documentos produzidos pelo Núcleo, como já
explicitado no início da escrita do método. Para tanto, foi solicitada carta de anuência ao
Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas para permitir o acesso e uso das
informações que forem relevantes para a pesquisa, resguardando a utilização do que for
estritamente necessário e de modo a não comprometer a confidencialidade dos relatórios.
3.2.4 Caracterização das escolas e representantes escolares participantes
A entrevista semiestruturada se divide em partes (Parte I – dados sociodemográficos e
Parte II – questões semiestruturadas), como já mencionado anteriormente. Assim sendo, para
caracterizar os participantes da pesquisa foram utilizados os dados referentes à primeira parte
das entrevistas. Cabe destacar que os dados fazem menção tanto às representantes da amostra,
as 12 (doze) escolas em que a pesquisa aconteceu, quanto aos entrevistados em cada uma
dessas instituições. Sendo assim, abaixo serão explicitados os dados tanto das escolas, quanto
dos entrevistados, além de cruzar as informações dessas duas fontes. Para facilitar a descrição,
2 (duas) tabelas foram criadas e serão apresentadas na sequência.
Sobre as escolas participantes, observa-se, como mostrado na Tabela 2 abaixo, que
metade das instituições se localiza na Região Administrativa Norte da cidade de Natal/RN,
que é composta por 7 (sete) bairros: Lagoa Azul, Pajuçara, Potengi, Nossa Senhora da
Apresentação, Redinha, Igapó e Salinas (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo - SEMURB, 2010). Como já explicitado, a seleção de escolas teve como um dos
critérios o NJJRE ter tido mais contato com a instituição. Assim, metade da amostra estar na
zona norte da cidade pode indicar que as escolas dessa localidade procuraram mais o núcleo
92
em detrimento de outras. Some-se a isso, que essa região é considerada a mais violenta se
comparada às demais regiões administrativas de Natal/RN, com índice absoluto em 2013 de
253 (duzentos e cinquenta e três) Crimes Violentos Intencionais Letais3 (CVLIs), o que
representa 43% do total se somadas todas as regiões da cidade (Sandrinelli, 2014). Já para o
ano de 2014, o número absoluto de CVLIs foi de 239 casos, e embora tenha havido uma
pequena redução, ainda figurou como a região administrativa mais violenta (Hermes & Alves,
2015). Entende-se, entretanto, que não se pode afirmar que exista uma relação direta e causal
entre esses fatores e por isso mesmo tais elucubrações são comentadas a título de observações
e suposições sobre os fatos, o que não limita as possibilidades de explicações para o NJJRE
ter atuado mais frequentemente nessa localidade.
3Na obra do Homicímetro ao Cvlicímetro: a plataforma multifonte e a contribuição social nas políticas públicas
de segurança (2014), Ivenio Hermes e Marcos Dionísio explicitam o Crime Violento Intencional Letal (CVLI) e
o diferencia do homicídio doloso, ao demonstrar que o primeiro contempla uma gama de variáveis que em
conjunto podem resultar em um melhor indicador do grau de violência. Assim sendo, se utiliza de várias
informações que resultam na Plataforma Multifonte, que conta com diversos atores que atuam como fontes
sociais e contribuem para alimentar o banco de dados. Essa plataforma já foi utilizada em outros lugares no
Brasil e desde 2013 vem sendo testada e aprimorada no Rio Grande do Norte.
93
O bairro Potengi, no qual três escolas se localizam, é um dos maiores bairros da região
Norte, sendo composto por diversos conjuntos habitacionais. O bairro de Nossa Senhora da
Apresentação também possui vários conjuntos, além de loteamentos (SEMURB, 2010), mas
nessa amostra aparece apenas uma vez como local de residência de um dos entrevistados, que
inclusive comentou que o público de sua escola (localizada no bairro Potengi) é
majoritariamente composto dessa localidade, que, de acordo com dados de 2013 e 2014,
configurou como o bairro mais violento de Natal/RN com 88 e 73 casos, respectivamente. Em
contrapartida, o bairro Potengi apesar de ter um número absoluto menor, teve um aumento de
2013 (35 casos) para 2014 (45 casos) (Hermes & Alves, 2015). Em relação às demais escolas
participantes, essas se subdividem entre as outras 3 (três) regiões administrativas, as quais
possuem igualmente 2 (duas) escolas por região.
Ainda de acordo com a Tabela 2, pode-se constatar que 10 (dez) das escolas tem,
aproximadamente, entre 500 e 1200 alunos. Dentro dessa faixa, 6 (seis) escolas tem os
Ensinos Fundamentais I (do 1º ao 5º ano) e II (do 6º ao 9º ano) - apesar de que 2 (duas) delas
não apresentam todos os anos, uma vai do 1º ao 8º ano e a outra o 3º ao 9º ano; 2 (duas) tem o
Ensino Fundamental I; e, 2 (duas) tem o Ensino Fundamental II. Todas elas apresentam o
Ensino Fundamental no período diurno. Das 6 (seis) escolas que possuem os dois ensinos
fundamentais, 1 (uma) possui também a Educação Infantil e 2 (duas) possuem a Educação de
Jovens e Adultos (EJA) no período noturno. Das 4 (quatro) que possuem apenas um dos
níveis do Ensino Fundamental, 3 (três) possuem também a EJA e 1 (uma) tem o Programa
Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), ambos à noite. Por fim, completando as 12 (doze)
escolas pesquisadas, 2 (duas) tem o número de alunos inferior a faixa predominante, sendo
uma com 360 alunos e outra com 164, e, ambas possuem apenas o Ensino Fundamental I.
Nota-se ainda que a maioria das escolas relatou um número aproximado de alunos,
inclusive, porque algumas ao serem perguntadas sobre o turno de funcionamento informaram
94
possuir a EJA à noite e outras não mencionaram, ou seja, apenas algumas informaram atender
os níveis no período noturno, portanto, pode ser que mais escolas, que não mencionaram,
possam funcionar também à noite, como inclusive se observa na lista constante no Quadro de
Escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) disponível no site da Prefeitura
Municipal de Natal/RN (http://www.natal.rn.gov.br/sme/paginas/ctd-421.html) e, desta forma,
possam ter um número ainda maior de estudantes.
Pode-se observar que a maioria das escolas possui um número grande de alunos e,
sendo assim, são diversas as demandas para lidar cotidianamente, especialmente no quesito
indisciplina, conflitos e violências. Como relatado nas entrevistas, os profissionais tem que
criar estratégias para prevenir situações de violência e algumas escolas dividem os níveis por
turno ou ainda algumas dividem o intervalo em dois momentos, concentrando os alunos
maiores em um período e os menores em outro, inclusive com relatos de melhoras nas
situações conflituosas que aconteciam. Cabe ainda mencionar que algumas escolas
informaram ter uma estrutura menor do que a demanda de alunos exige, bem como limitações
espaciais no que se refere a lugares para lazer, como falta de quadra de esportes, o que
segundo relatos dos entrevistados, poderia ser muito útil porque os alunos não precisariam
disputar espaço e nem se machucar ao esbarrar, até eventualmente, uns nos outros.
Para finalizar a Tabela 2, nota-se que a maioria das escolas é da década de 1980, e,
portanto, possuem em torno de 40/46 anos de funcionamento. A mais antiga é de 1966 (com
540 alunos) e a mais nova de 2010 (com aproximadamente 360 alunos). Dessas, 3 (três)
escolas são da década de 1970, 1 (uma) da década de 1990 e 3 (três) dos anos 2000. Ou seja,
as escolas são mais antigas, em sua maioria, mas também tem escolas mais recentes, e,
independente do tempo de funcionamentos, todas elas precisaram de intervenção do NJJRE.
Uma vez feita a caracterização das escolas, segue-se para a caracterização dos
representantes escolares. Destaca-se que os participantes contribuíram de sobremaneira para a
95
consecução do trabalho, especialmente quando se entende que a dinâmica escolar exige do
profissional atenção em suas funções, e até em outras que não lhe caberiam originalmente,
porque o contexto é fluído e o tempo todo novos acontecimentos demandam a intervenção
imediata, principalmente no trato com questões de conflitos e violências. Sendo assim, o
tempo despendido na entrevista foi concedido dentro dos limites institucionais.
Como forma de organizar os dados, a Tabela 34 a seguir serve de referência para a
descrição das informações sobre os entrevistados e resumidamente apresenta os dados que são
a base para caracterizar os representantes das escolas que participaram da pesquisa.
4 Atual na Tabela 3 significa até o ano de 2015 quando foi realizada a coleta de dados.
96
Assim, a partir da observação da Tabela 3, das 12 (doze) pessoas entrevistadas, 11
(onze) são do sexo feminino e somente 1 (uma) é do sexo masculino, o que demonstra, ao
menos na amostra, uma predominância de mulheres no espaço escolar, seja nas funções de
gestão ou coordenação. No Quadro de Escolas e Centros Municipais de Educação Infantil
(CMEIs) ao se observar as 144 instituições listadas, a maioria tem mulheres na gestão, seja
como diretora ou vice diretora (http://www.natal.rn.gov.br/sme/paginas/ctd-421.html), o que
retifica o encontrado na amostra.
Em relação à faixa etária dos participantes, como consta na Tabela 3, as idades variam
entre 34 e 59 anos. As duas pessoas com as maiores idades estavam aposentadas pelo estado
na época da coleta, sendo que uma delas estava em processo de aposentadoria também pelo
município e a outra em licença médica, mas informou que ao retornar iria pedir a
aposentadoria pelo município. Sobre o cargo ocupado, metade dos entrevistados estava na
gestão escolar, seja na direção (quatro pessoas) ou na vice direção (duas pessoas). Como
mencionado por um dos entrevistados, o cargo de gestão exige que o profissional permaneça
na instituição em uma jornada de 40h semanais, e isso foi verificado nos dados porque
nenhum deles que ocupava cargo na gestão possuía outro vínculo, cumprindo, portanto, a
carga horária referida. A outra metade ocupa o cargo de coordenação pedagógica e somente 1
(uma) entrevistada é coordenadora do Programa Mais Educação5, além de ser professora.
Dessa metade de coordenadores, apenas 3 (três) pessoas tem vínculo com outra escola, e,
portanto, exercem uma carga horária de 20h na escola em que foi feita a coleta.
Essa questão de carga horária na instituição é interessante porque, de acordo com os
relatos nas entrevistas, os profissionais trabalham com inúmeras demandas e o tempo é
limitado em função do trabalho diário, assim sendo, a execução de trabalhos extras, como
5 O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Normativa Interministerial Nº- 17 de 24 de abril de
2007, sendo criado com o intuito de fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, através de
atividades socioeducativas no contra turno escolar.
97
projetos de prevenção e resolução de conflitos e violências, inclusive a utilização da justiça
restaurativa, pode ficar comprometida porque demanda material humano para executar e
disponibilidade de tempo livre, o que, muitas vezes, não acontece. Some-se a isso que os
profissionais que trabalham em outra escola tem o tempo mais limitado não somente porque
tem que trabalhar o resto do dia em outra instituição, mas também em função dos
deslocamentos, o que dificulta ainda mais a execução de qualquer atividade extra. Nesse
ponto, observa-se que 3 (três) entrevistados moram no mesmo bairro da escola pesquisada; 4
(quatro) em bairros próximos e na mesma região administrativa; e, os 5 (cinco) que restam
moram em bairros distantes do bairro em que a escola se localiza. Morar no mesmo bairro da
escola é importante porque o profissional acaba entendendo um pouco do contexto dos alunos
por conhecer a comunidade e minimamente saber as demandas daquela região, além de estar
na mesma localidade ser uma vantagem para não perde tempo em deslocamento.
Uma maneira de amenizar a falta de tempo (seja a carga horária do profissional na
instituição e deslocamentos de um lugar para o outro) seria a escola dispor de profissionais
específicos somente para lidar com as demandas de conflitos e violências, bem como de
horários na grade escolar para realização desses trabalhos.
Por fim, como se pode notar na Tabela 3, os entrevistados foram questionados sobre os
cargos ocupados na época em que o Núcleo atuou na escola, bem como no dia da coleta de
dados. E percebe-se que 5 (cinco) deles mantiveram o cargo desde a época que o NJJRE atuou
na escola, ou seja, de 2012/2013 até, ao menos, a coleta em 2015 - as escolas passaram por
eleições de suas gestões e algumas pessoas iriam deixar os cargos, por isso que a descrição
condissera como cargo atual aquele na data de coleta e, além disso, uma das entrevistadas
ainda não sabia qual cargo iria ocupar após as eleições escolares, por isso aparece na Tabela 3
sem resposta definida. Dos entrevistados que mudaram de cargo, alguns passaram a ser
somente professores, inclusive mudando de escola, outros integraram o Mais Educação (seja
98
como professor e/ou coordenador), e outros se aposentaram ou estavam em vias de se
aposentar. Apesar disso tudo, todos os entrevistados estavam na escola nos dois anos de
trabalho do núcleo, então, acompanharam o processo de chegada e parada das atividades.
Com isso, encerra-se a caracterização dos participantes através da análise dos dados
sociodemográficos das escolas e seus representantes. Os dados constantes nas questões
semiestruturadas das entrevistas serão apresentados no capítulo de análise de dados a seguir
através de eixos de discussões específicos.
99
Capítulo IV – Análise e Discussão de Dados
Para a análise e discussão, os dados foram agrupados em dois blocos, sendo o primeiro
destinado à caraterização e descrição do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas
(NJJRE), em que foram utilizadas informações constantes nos relatórios referentes aos anos
de 2012 e 2013 (relatórios trimestrais e o relatório geral dos referidos anos, bem como o
planejamento para 2013) do NJJRE. Cabe destacar que esse recorte temporal foi realizado em
função do Núcleo ter iniciado suas atividades em Abril/2012 e, temporariamente, tê-las
interrompido em Junho/2013, somente retornando em Janeiro/2015. Portanto, a pesquisa se
refere a esse primeiro ano de implantação e atuação do Núcleo nas escolas municipais em
Natal/RN.
Em seguida, a sequência de dados apresentada no segundo bloco de análise diz
respeito à discussão dos três eixos que versam sobre temas emergentes das doze entrevistas
realizadas: violência nas escolas, Justiça Restaurativa nas escolas e estratégias preventivas
para a violência nas escolas.
4.1. Caracterização do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE)
4.1.1. Histórico do Núcleo
O Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE) é um projeto criado em
2012 pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) em parceria com o Ministério
da Justiça, mediante edital de projetos para se financiar a implantação de um núcleo que
trabalhasse a temática da Justiça Restaurativa. Com uma equipe multidisciplinar, o NJJRE
100
implantou métodos restaurativos de resolução de conflitos nas escolas da rede pública
municipal de Natal/RN - embora também tenha atuado através de demanda espontânea em
algumas escolas estaduais e privadas - buscando não somente trabalhar os conflitos gerados,
mas também desenvolver estratégias preventivas para tais situações e de indisciplina no
contexto escolar (Ribeiro & Lima, 2012a).
No Termo de Referência para implantação do Núcleo, onde tem a descrição do
projeto, objetivos e atividades a serem desenvolvidas, constatou-se que apesar dos casos no
município de Natal/RN não serem, frequentemente, de natureza grave (como atos infracionais
que envolvam ferimentos ou morte), mesmo considerando a importância desses atos, “a
violência que vem causando angústia frequente, em praticamente todas as escolas, é aquela
praticada no cotidiano, resultante da falta de respeito entre as pessoas”. Nesses casos, embora
a violência incomode e afete a qualidade e processos de aprendizagem, não é grave o
suficiente para que mídia e justiça sejam mobilizados, ao contrário dos casos mais graves.
Pensando no que fazer, então, com os atos infracionais de menor potencial ofensivo
(danos ao patrimônio, desacatos, ameaças, etc.) no âmbito escolar e em estratégias que
busquem a informalidade e desjudicialização das questões, foi criado o referido Núcleo com o
intuito de se caracterizar como uma ação itinerante para realizar encontros restaurativos nas
escolas. Apesar de a Justiça Restaurativa ter como um dos pilares a participação da
comunidade enquanto protagonista na administração dos conflitos preferiu-se iniciar a
experiência com a criação do Núcleo, coordenado pelo Ministério Público, considerando as
dificuldades de adesão dos atores da comunidade escolar por ainda ser forte a preferência pelo
modelo punitivo de resolução de conflitos.
Então, na primeira etapa de implantação da Justiça Restaurativa nas escolas, o Núcleo
realiza os círculos restaurativos, de modo que paralelamente fosse promovida a integração dos
membros das escolas através de orientação para que, posteriormente, fossem responsáveis
101
pela execução. Além disso, nesse primeiro ano de atuação o público alvo seria as escolas de
Ensino Fundamental, para após ser expandido para o Ensino Médio.
A história do Núcleo está relacionada à sua vinculação desde o início à 58ª Promotoria
de Justiça da Educação do MPRN. Essa promotoria atua em matéria cível, no âmbito judicial
e extrajudicial, na defesa dos direitos educacionais nas escolas municipais e estaduais, além
das privadas, e dentre as diversas funções que desenvolve destacam-se, para o interesse desse
trabalho, as seguintes ações: realização de atividades que visem integrar a escola, a família e a
comunidade e acompanhar as questões de disciplina dos alunos. Então, como se pode
perceber, a promotoria desempenha um papel de intervenção nas demandas que se relacionam
com conflitos escolares.
A partir dessas funções e visando garantir as atividades de ensino-aprendizagem nas
escolas de Natal/RN, a promotoria passou a discutir junto às instituições, quais seriam as
estratégias para lidar com a indisciplina e violência escolar, promovendo espaços para o
compartilhamento de experiências e soluções, o fortalecimento dos conselhos escolares como
agentes legítimos e garantidores da democracia na escola, e, a criação do Núcleo como
possibilidade de suporte para lidar com os conflitos no ambiente escolar, tanto na resolução,
como na prevenção (Ribeiro & Lima, 2013a).
Assim sendo, a vinculação do NJJRE a tal promotoria se deu tanto em função da
própria natureza de atividades que lhe compete, quanto pela afinidade do Promotor de Justiça
da Educação dessa promotoria, Raimundo Sílvio Dantas Filho, com o tema das práticas
restaurativas e metodologias de resolução pacífica de conflitos. Desta maneira, o NJJRE inicia
as atividades sob sua coordenação e nas escolas do município de Natal/RN, atuando como
suporte técnico às demandas da promotoria. Além do mais, essa ligação permitiu o
desenvolvimento de uma relação de abertura e parceria com as escolas, fato de grande
importância para a consecução das atividades, principalmente, porque a promotoria já
102
realizava anualmente reuniões com coordenadores pedagógicos, diretores, além de realizar
um trabalho efetivo com os conselhos escolares. Por meio desse contato, as escolas puderam
compreender o surgimento do Núcleo como “um instrumento de apoio às diversas
dificuldades postas por eles no que se refere à indisciplina e conflitos no ambiente escolar”
(Ribeiro & Lima, 2013a, p. 16).
Apesar dessa facilidade, o trabalho do Núcleo demandou um planejamento cuidadoso
para que sua inserção nas escolas pudesse acontecer da melhor maneira possível, com
abertura para o diálogo sobre a Justiça Restaurativa - abordagem até então desconhecida, ao
menos para a maioria das escolas – e assim, evitar que houvesse resistência para a entrada nas
instituições e impedimentos quanto à execução das ações de uma equipe externa às escolas
que a partir de então atuaria como parceira (Ribeiro & Lima, 2013a). O Núcleo se localiza na
sede das Promotorias de Justiça de Natal/RN e funciona de acordo com o expediente do
MPRN, das 08 às 17 horas, estendendo-se quando necessário em função das demandas nas
escolas.
Assim, a 58ª Promotoria entendeu que era preciso dialogar com essas instituições no
sentido de explicitar a proposta do projeto da Justiça Restaurativa inserida nas escolas, seu
objetivo, como poderia contribuir para resolver os conflitos de forma construtiva e pacífica, e,
fomentar o uso da ética como tema transversal, com o intuito de promover o respeito como
valor fundamental da convivência democrática. Nesse sentido, a referida promotoria realizou
reuniões com grupos de gestores e coordenadores pedagógicos das escolas públicas
municipais da cidade de Natal/RN. Ao todo, foram dez encontros no período de 23 de
fevereiro de 2012 a 08 de maio de 2012, contabilizando um total de 216 participantes, sendo
70 diretores e 146 coordenadores pedagógicos, os quais representam 77 escolas municipais de
Natal/RN convidadas (Ribeiro & Lima, 2012a).
103
No que diz respeito à equipe que efetivamente iria compor o Núcleo, além do
coordenador já mencionado, e buscando uma atuação interdisciplinar como previa o projeto,
integraram o quadro um profissional de psicologia e outro de serviço social, além de
estagiários em psicologia, comunicação social e serviço social, perfazendo ao todo seis
integrantes na equipe do NJJRE, os quais atuaram em total parceria com os profissionais da
58ª Promotoria. Uma vez formada a equipe, no dia 26 de março de 2012 houve a primeira
reunião dos integrantes, em que foram realizadas atividades de apresentação, integração e
estudo da temática. Após esse momento, os membros do NJJRE e alguns convidados
participaram de um workshop de capacitação sobre Justiça Restaurativa no contexto escolar,
proferido por Antônio Ozório Nunes, autor do livro “Como restaurar a paz nas escolas” e
Promotor da Infância e da Juventude do estado de São Paulo (Ribeiro & Lima, 2012a).
Cabe destacar que no início e ao longo da existência do Núcleo, incluindo o período
pós-suspensão das atividades, o NJJRE passou por fases de adaptação, ajustes e reajustes que
tiveram nas reuniões de equipe uma grande aliada para fortalecimento do grupo e das ações,
assim, as reuniões contribuíram para integração, estudo e de planejamento (Ribeiro & Lima,
2013a).
Posteriormente ao momento integrativo e formativo, no dia 04 de abril de 2012 o
NJJRE foi oficialmente lançado pela 58ª Promotoria de Educação na sede da Procuradoria
Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, momento no qual Antônio Ozório Nunes
proferiu uma palestra sobre a Justiça Restaurativa como procedimento eficaz na resolução de
conflitos na escola. E como era essencial apresentar o Núcleo aos seus potenciais usuários,
participaram vários representantes da comunidade escolar, dentre diretores, coordenadores
pedagógicos, presidentes de conselhos escolares e outros representantes, além da Secretaria
Municipal de Educação (SME) e diversos membros do MPRN. Após o lançamento oficial do
NJJRE, o Núcleo passou por um momento de trabalho interno para desenvolver um plano de
104
ação e construir os instrumentais específicos para a realização do trabalho (Ribeiro & Lima,
2012a).
Como já foi comentado nesse capítulo de análise de dados, apesar de o Núcleo ter
começado em 2012, ele não se manteve em funcionamento durante todos os anos seguintes. O
NJJRE inicia suas atividades em Abril/2012 e funciona intermitentemente até Junho/2013,
quando então, por questões estruturais no MPRN, precisou encerrar as atividades, sendo
posteriormente retomadas em Janeiro/2015. Esse tempo de não funcionamento por decisão do
MPRN e a retomada com quase um ano e meio depois tiveram algumas implicações na sua
reestruturação. Em 2015, o Núcleo passa a contar com dois profissionais apenas, a psicóloga e
o assistente social que trabalharam no período de funcionamento efetivo. Além disso, um
Conselho Consultivo foi criado para dar suporte, sendo formado pelo antigo coordenador,
outros representantes do MPRN e parceiros do Município de Parnamirim/RN, uma vez que
foi criado o Núcleo de Práticas Restaurativas de Parnamirim (NPR) em 2014, sob
coordenação do assistente social que fazia parte do NJJRE. No entanto, o conselho não se
sustentou e, ademais, o assistente social saiu do Núcleo que passou a funcionar somente com
a psicóloga.
O projeto esteve vinculado ao Ministério da Justiça até 19 de dezembro de 2015,
cumprindo o período determinado e a maioria das metas do projeto que estavam relacionadas
à implantação do Núcleo. A partir de agora, cabe ao MPRN dar continuidade e manter o
Núcleo em atividade, para tanto, foi estabelecida uma nova coordenação e a psicóloga
continua sozinha, até que um profissional de serviço social entre na equipe. No momento, o
NJJRE continua atendendo as demandas específicas de conflitos da 58ª Promotoria de
Educação através de assessoria técnica, ou seja, quando a promotoria entende que o caso deva
ser resolvido com o uso da Justiça Restaurativa é encaminhado para o Núcleo. Além disso,
tem-se pensado em ampliar o uso das práticas restaurativas para outras promotorias até como
105
uma estratégia para fortalecer o Núcleo dentro do MPRN.
4.1.2. Atividades desenvolvidas pelo Núcleo
A primeira atividade do Núcleo, em 2012, foi visitar as escolas municipais para
apresentar a equipe e a proposta de trabalho. De um universo de 77 escolas municipais, foi
preciso fazer uma seleção e para tanto se utilizaram alguns critérios: a participação das
escolas nos eventos propostos pela 58° Promotoria de Justiça da Educação através de
diretores, coordenadores e conselheiros escolares, entendendo-se que, por isso, estariam mais
disponíveis e interessadas em receber a proposta; por demanda espontânea das escolas que
buscaram a promotoria para relatar as dificuldades com atos de indisciplina e então foram
encaminhadas ao Núcleo; e, nas escolas que desenvolvem atividades e projetos que
contribuem para um ambiente restaurativo e que envolve a comunidade escolar. Assim, na
fase inicial do projeto foram elencadas 21 escolas municipais de Natal/RN (Ribeiro & Lima,
2012a). Com o passar do tempo e a divulgação do Núcleo e suas atividades, a demanda do foi
aumentando e após o primeiro ano de trabalho esse número de escolas atendidas foi alterado e
mais instituições passaram a ser contempladas.
A frente de atuação do Núcleo se resume essencialmente a três ações, embora possua
outras que, entretanto, acabam sendo desdobramentos dessas a seguir: os encontros
restaurativos (com os pré-círculos, círculos e pós-círculos); o fomento à ambiência
restaurativa nas escolas, através de palestras, oficinas e rodas de conversa com alunos, pais,
professores e funcionários; e, a promoção de cursos de formação sobre administração de
conflitos e práticas restaurativas com os profissionais das escolas (Ribeiro & Lima, 2013b).
Mais adiante serão explicitadas as descrições e especificidades desses três eixos de atuação.
Antes de falar das ações principais, algumas atividades complementares se
configuram como atuações do NJJRE, como: participação em eventos (seja na condição de
106
palestrante ou conferencista); divulgação das atividades desenvolvidas; busca de articulações
com instituições que compõem o Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da
Adolescência (SGD), para que conheçam as atividades do NJJRE e possam trabalhar em rede
através de encaminhamentos necessários quando os conflitos exigirem; reuniões técnicas
semanais da equipe para integração do grupo, estudos, apreciação de casos, planejamento de
atividades, bem como discutir a participação em eventos afins, e elaboração sistemática de
instrumentos de registro e documentos sobre as ações, revisão de atribuições dos membros,
definição de metodologias, etc.; contatos telefônicos diversos; reuniões com gestores
escolares, coordenadores pedagógicos e representantes de conselhos escolares; entre tantas
outras atividades internas e externas que cotidianamente possibilitam o funcionamento do
Núcleo (Ribeiro & Lima, 2013a; Ribeiro & Lima, 2013c).
Antes de qualquer ação, é importante que o Núcleo conheça a realidade das escolas e,
portanto, realiza visitas que se dividem em três tipos: visitas institucionais, de
acompanhamento de conflitos e visitas domiciliares. As visitas institucionais tem como
objetivo conhecer o funcionamento da instituição escolar (estrutura física e material,
profissionais, quantidade de alunos e projetos desenvolvidos); apresentar os objetivos e
metodologia de trabalho do NJJRE e divulgá-lo; firmar parceria com as escolas e gerar
vínculo de confiança; e, ainda, tomar conhecimento sobre os atos de indisciplina e conflitos
nas instituições, o que serve tanto como um momento em que são captados os casos para
acompanhamento posterior através de Justiça Restaurativa, quanto como um levantamento da
incidência cotidiana de conflitos e seus envolvidos (Ribeiro & Lima, 2012a; Ribeiro & Lima,
2012b).
Mesmo que não seja o objetivo acompanhar o andamento dos casos, na visita
institucional é possível, através de conversas informais com os profissionais, saber como
andam situações de conflitos que já foram objeto de prática de Justiça Restaurativa. Nesse
107
ponto, uma visita institucional pode tornar-se também uma visita de acompanhamento. Deve-
se ainda acrescentar que basicamente os conflitos para resolução são captados tanto através
das visitas institucionais às escolas, caracterizando uma demanda proativa do Núcleo, quanto
por encaminhamento de casos da 58ª Promotoria de Justiça da Educação, caracterizando-se
como demanda espontânea (Ribeiro & Lima, 2013d).
Um instrumento importante para esse momento inicial nas escolas é o chamado Livro
de Registros de Ocorrências, como comumente é chamado nas instituições, que se configura
como um espaço e registro das situações de indisciplina e conflitos dos alunos e, por isso
mesmo, tem grande importância para o Núcleo avaliar as situações e decidir quais serão os
encaminhamentos possíveis. Além disso, o relato da equipe da escola contribui também como
uma forma essencial de comunicação de casos.
As visitas de acompanhamento de caso ou conflito são visitas para captar casos e
desenvolver práticas de Justiça Restaurativa com qualquer membro da comunidade escolar.
Em 2012, por exemplo, 30 escolas das quatro regiões administrativas de Natal/RN receberam
visitas de acompanhamento de conflitos, perfazendo um total de 98 visitas. Dessas 30 escolas,
“[...]10 (dez) Escolas Municipais que oferecem o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e 16
(dezesseis) que oferecem o Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), além de 04 (quatro) Escolas
Estaduais, que oferecem os ensinos fundamental e médio” (Ribeiro & Lima, 2013a, p. 20).
Os técnicos são as pessoas que realizam a visita, quando tinham estagiários eles
também acompanhavam, e quando existe uma situação de conflito que precise de intervenção,
é feito registro do ato e dos envolvidos em um instrumental desenvolvido pelo NJJRE (como
eles chamam os modelos de folhas de registros criados pela equipe). Nesta mesma ocasião,
caso os envolvidos estejam na escola, já se inicia o contato e pode, inclusive, dar início às
práticas restaurativas com a realização primeiramente do pré-Círculo. Enfim, as visitas de
acompanhamento servem para a captação, mas também para realizar os procedimentos
108
restaurativos e ver o andamento dos processos de resolução de conflitos, bem como se os
acordos estão sendo cumpridos.
Cabe destacar que a partir de uma visita de acompanhamento e até mesmo a partir da
visita institucional, pode haver a necessidade de realizar visita domiciliar as pessoas que estão
envolvidas nos conflitos. A visita domiciliar é um importante instrumento para se aproximar
do caso que ocorreu na escola, bem como subsidiar o conhecimento dos fatos e a participação
das famílias das crianças, adolescentes e jovens envolvidos nos diversos tipos de conflito.
Cabe destacar que também pode funcionar como um pré-círculo, seja com a família, seja com
os envolvidos diretamente na situação conflituosa e assim permite o aprofundamento analítico
nos casos, além de ser um momento de diálogo que pode possibilitar a aceitação das pessoas
para participarem do círculo. Como consta no Planejamento Anual de Atividades de 2013,
além de tudo o que já foi falado, a visita domiciliar pode acontecer diante da dificuldade de
encontrar algum dos envolvidos no ambiente escolar e ainda porque alguns conflitos
envolvem ameaças e dificultam a realização do pré-círculo na escola (Ribeiro & Lima,
2013c).
Os encontros restaurativos são formas pacíficas de lidar com os conflitos e tentar
resolvê-los da forma mais positiva possível, através da construção de um espaço de diálogo
que busque coletivamente restaurar os vínculos, reparar os danos e propor responsabilidades,
de modo que o ambiente escolar se torne um local de boa convivência. Os encontros são
desenvolvidos por meio de processos circulares, para buscar igualdade entre as partes, os
quais se dividem em três passos: o pré-círculo, círculo e pós-círculo, procedimentos os quais
são utilizados pelo Núcleo e que podem ser utilizados não somente com os alunos (crianças,
adolescentes e jovens), mas também com pais ou profissionais (Ribeiro & Lima, 2013a).
As práticas de Justiça Restaurativa são desenvolvidas por um facilitador que é o
técnico do Núcleo, e na verdade os dois profissionais participam do encontro. Em geral,
109
acontecem na própria escola ou na sede do Núcleo, entretanto, o que importa é que o espaço
físico garanta a privacidade, assegure o sigilo e a proteção dos participantes. Participam das
práticas os “envolvidos diretamente no conflito (ofensor e ofendido), representes da
comunidade escolar, pais ou responsáveis dos envolvidos quando se tratar de crianças ou
adolescentes e ainda outras pessoas para serem 'apoiadoras' (amigos, professores, etc)”
(Ribeiro & Lima, 2013a, p.24).
Além disso, trazem na sua base valores fundamentais, como voluntariedade (participar
é um ato voluntário), confidencialidade (para garantir o sigilo ao participar), participação
(todos podem contribuir), respeito (respeito mútuo entre todos), honestidade (na fala e que
possa gerar confiança), humildade (ao ouvir e falar), interconexão (os atos de uma afetam a
vida de outros), empoderamento (autonomia e determinação de si), esperança (na
possibilidade de mudança do ofensor, reparação do dano para a vítima e melhor
relacionamento entre todos), e responsabilidade (quem comente o ato tem que se
responsabilizar e buscar diminuir as consequências) (Ribeiro & Lima, 2013a).
Retomando as etapas do encontro restaurativo, os pré-círculos são encontros
restaurativos em que acontecem atendimentos individuais às partes envolvidas direta ou
indiretamente no conflito. É um momento anterior e de preparação para o círculo restaurativo,
em que as pessoas diretamente (ofendido e ofensor) e indiretamente envolvidas no conflito
(representantes escolares e os pais ou responsáveis, bem como outros apoiadores) podem
relatar suas versões, além de compreenderem o funcionamento do procedimento e o trabalho
do NJJRE e de comunicarem seu interesse em participar do círculo (Ribeiro & Lima, 2013c).
O pré-Círculo geralmente acontece após haver a comunicação do caso, seu registro e
recolhimento dos dados dos envolvidos e convidados. Essa prática restaurativa é realizada no
ambiente escolar ou na sede do Núcleo. Mas, por diversos motivos, a equipe do NJJRE tem
que se deslocar até a residência dos envolvidos, realizando uma visita domiciliar e pré-
110
Círculo. Assim, além do que já foi explicitado, o pré-círculo ainda cumpre a função de captar
pontos importantes os quais serão úteis na construção do círculo e dos acordos a serem
firmados posteriormente (Ribeiro & Lima, 2013a).
Realizado o pré-círculo com cada um dos envolvidos direta e indiretamente, e a partir
da aceitação em participar da continuidade das práticas, tem-se início o círculo restaurativo.
Esse é o encontro propriamente dito, momento no qual a mediação do conflito vai acontecer
com todos juntos e ouvindo uns aos outros através do espaço de diálogo propiciado. Para que
aconteça, participam as pessoas diretamente envolvidas na situação de conflito, um represente
escolar, pais ou responsáveis (no caso de crianças e adolescentes) e ainda pessoas que possam
apoiar as partes durante a mediação e no cumprimento dos acordos (amigos, irmãos, etc),
havendo uma equivalência de representantes dos dois lados (Ribeiro & Lima, 2013c).
O facilitador busca propiciar um clima acolhedor e imparcial e garantir empatia no
momento que será construído mediante três questões básicas: “O que motivou a ação?”,
“Como você está se sentindo em relação ao conflito ocorrido?” e ainda “Quais são as suas
necessidades para que seja restaurado o dano e a boa convivência?”. Ao final do círculo, um
acordo é construído coletivamente, visando à resolução do conflito, em que todos os
participantes devem assinar. Essa é uma forma de possibilitar um aprendizado acerca das
responsabilidades assumidas e importância do cumprimento dos acordos. Nesse contexto, a
segurança para expressar as motivações, sentimentos e necessidades busca propiciar uma
“sensibilização que torna a construção e o cumprimento do acordo impregnados de sentido de
compromisso, é quando se pode tratar de responsabilização sem que haja uma punição
parcial” (Ribeiro & Lima, 2013ª, p. 25).
A última etapa do encontro restaurativo é o chamado pós-círculo que acontece,
aproximadamente, com um mês da realização do círculo restaurativo. Esse é o momento em
que as pessoas podem observar e relatar como tem sido a convivência após o círculo e
111
definição dos acordos, bem como acompanhar se estes estão sendo ou não cumpridos. Para o
caso de não cumprimento, é possível rever e ajustar o termo de compromisso (Ribeiro &
Lima, 2013c). Ainda nesses momentos de ajustes, é possível pensar estratégias para que os
apoiadores possam contribuir e auxiliar no cumprimento dos acordos. Em geral, os pós-
círculos são realizados na própria escola (Ribeiro & Lima, 2013a).
Para auxiliar os registros, acompanhamento e consulta das atividades, alguns
instrumentos foram criados pelo Núcleo, os quais sejam: ficha de comunicação de caso, ficha
de dados de envolvidos, registro de atendimento de pré-círculo, registro de atendimento em
visita domiciliar, relatório de círculo restaurativo, termo de compromisso assinado pelos
participantes do círculo restaurativo, registro de pós- círculo, além de registros fotográficos
(Ribeiro & Lima, 2013c).
Resumidamente, portanto, o Núcleo funciona da seguinte maneira para resolver um
conflito: a) explicação nas escolas sobre as atividades desenvolvidas pelo Núcleo; b) captação
e entendimento das situações de conflitos, seja mediante visitas às instituições ou através de
casos encaminhados; c) realização de pré-círculo; d) realização de círculo restaurativo; e, por
fim e) realização de pós-círculo (Ribeiro & Lima, 2012a). Cabe destacar que esse conjunto de
ações diz respeito às práticas de Justiça Restaurativa mais executadas pelo Núcleo, porque
atuam essencialmente na resolução de conflitos. Além disso, o NJJRE desenvolve ações
preventivas que visam fomentar a criação de um espaço escolar que trabalhe transversalmente
os valores da Justiça Restaurativa (Ribeiro & Lima, 2013c).
As atividades preventivas se configuram essencialmente como momentos formativos,
seja na esfera mais restrita a uma instituição apenas ou através de formações que contemplem
várias escolas. Sendo assim, a divisão em frentes de ação também contempla o fomento à
ambiência restaurativa nas escolas, através de palestras, oficinas e rodas de conversa com
alunos, pais, professores e funcionários; e, a promoção de cursos de formação sobre
112
administração de conflitos e práticas restaurativas com os profissionais das escolas (Ribeiro &
Lima, 2013b).
Sobre as atividades de fomento à ambiência restaurativa nas escolas, que dizem
respeito à construção de um espaço escolar que trabalhe transversalmente os valores da
Justiça Restaurativa, o Núcleo precisou manter contato contínuo e perceber abertura para
realização desse tipo de atividade que consistiu em uma formação sobre práticas restaurativas
para estudantes em uma escola e palestras de ambiência restaurativa em outras duas escolas
no ano de 2012. Cabe destacar que em 2013 começou-se o contato com mais duas escolas,
sendo que em uma delas era para fazer formação com os profissionais, entretanto, com a
parada das atividades do Núcleo, a ambiência restaurativa foi encerrada, por consequência.
A proposta do Núcleo é construir um ambiente escolar restaurativo, de modo que os
valores como respeito, tolerância, responsabilidade, participação, honestidade, humildade,
interconexão, esperança e empoderamento possam ser trabalhados transversalmente no dia a
dia através de atividades diversas (palestras, rodas de conversas, dinâmicas de grupo, entre
outras) com os alunos, funcionários e pais. Para tanto, as metodologias utilizadas também
devem ser adequadas ao público visando promover a reflexão e discussão acerca do conflito,
cotidiano escolar, práticas restaurativas e outros correlatos e de interesse de quem participará
das ações (Ribeiro & Lima, 2013c).
Para propiciar essa atividade, é preciso uma relação contínua com as escolas e uma
estratégia utilizada é a participação em atividades nas instituições mais atendidas pelo Núcleo
como, por exemplo, nas reuniões de planejamento com o corpo docente, coordenadores e
diretores, ou ainda, reunião de pais de modo que se possa dialogar sobre as práticas
restaurativas que veem sendo utilizadas com os alunos, e fomentar o desenvolvimento de
atitudes pautadas nos valores da Justiça Restaurativa, sobretudo para construção de soluções
positivas nos conflitos escolares. Beneficiando todos, de maneira geral, a escola fortalece a
113
relação com o Núcleo e diretamente sente os efeitos das ações, bem como professores,
funcionários, pais, crianças e adolescentes, além de que os conflitos podem ter menor impacto
na rotina escolar e não atrapalhar a convivência escolar e andamento das atividades
pedagógicas e, principalmente, mudar a forma como se olha para os conflitos entre os alunos
(Ribeiro & Lima, 2013c).
A primeira escola contemplada com a formação em práticas restaurativas teve o foco
no público estudantil e atuou de forma experimental. O projeto intitulado A participação
juvenil na construção de um ambiente restaurativo: uma abordagem segundo a Justiça
Restaurativa foi elaborado e executado pela estagiária de serviço social, com o apoio da
equipe técnica do Núcleo, e participaram alunos líderes de turma, preferencialmente, do
Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) porque se entendeu que a etapa do desenvolvimento
deles permitiria aprofundamento em conteúdos e práticas de formação sociopolítica e nos
valores da Justiça Juvenil Restaurativa: protagonismo, respeito, honestidade, humildade,
interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança (Ribeiro & Lima, 2013a).
O projeto foi executado em 12 (doze) encontros formativos, com ênfase nos princípios
da Justiça Juvenil Restaurativa e cada momento objetivou transmitir conhecimentos
relacionados à construção de um ambiente restaurativo na escola, utilizando como meio a
participação e o protagonismo juvenil. Participaram 25 (vinte e cinco) líderes e vice-líderes de
turma, do turno vespertino, da escola contemplada e, buscou-se ainda, que com essa formação
os participantes atuassem como agentes multiplicadores em Justiça Restaurativa e construção
de uma cultura de paz ao entender que como líderes poderiam transmitir os conteúdos
aprendidos. O projeto teve boa adesão dos participantes e aceitação por parte dos professores
e gestores da escola que viram também como oportunidade de potencializar a liderança dos
alunos e promover a gestão democrática na escola (Ribeiro & Lima, 2013a).
114
Além da formação em administração de conflitos, atividades mais pontuais foram
realizadas e dizem respeito às palestras de ambiência restaurativa que aconteceram em 02
(duas) escolas. Em tais ações pretendeu-se discutir com alunos e professores temas de
impacto no contexto escolar que podem provocar conflitos, como a indisciplina, violência nas
escolas e atos infracionais. Para tanto, foram realizadas 03 (três) palestras no segundo
semestre de 2012, em que participaram cerca de 126 (cento e vinte e seis) alunos e
professores. As palestras tiveram boa receptividade e participação dos alunos, ademais os
problemas estruturais na escola como disponibilização de um espaço adequado e escolha de
participantes - que foram os alunos que mais se envolviam em conflitos na escola. Por fim, o
Núcleo ainda avaliou que precisa ampliar essa ação e cumprir o previsto no projeto de
implantação que são ao menos 02 (duas) palestras por mês, abordando temas relacionados à
construção de um ambiente restaurativo, mas também de acordo com a realidade e as
necessidades das escolas.
A última atividade realizada pelo núcleo e que compõe a linha de frente de sua atuação
é a Formação em Administração de Conflitos e Práticas Restaurativas, que a meu ver, não
deixa de ser uma atividade de fomento à ambiência restaurativa nas escolas já que os
participantes são essencialmente representantes dessas instituições. O curso aconteceu através
da parceria do Núcleo e a 58ª Promotoria de Educação como uma estratégia para disseminar o
conhecimento sobre as práticas restaurativas, a gestão pacífica de conflitos e aproximar e
divulgar as ações do NJJRE. A necessidade de realização teve como ponto de partida também
as demandas para lidar com indisciplina e conflitos trazidas nas reuniões anuais da referida
promotoria com os representantes das escolas. A formação aconteceu em um hotel da cidade
no segundo semestre de 2012, nas datas de 10, 18 e 30 de outubro, 14, 20, 22, 29 de
novembro e 05 de dezembro. Participaram 253 (duzentos e cinquenta e três) inscritos entre
gestores, coordenadores pedagógicos, presidentes e representantes de pais dos conselhos
115
escolares das escolas municipais de Natal/RN, divididos em 08 (oito) turmas com,
aproximadamente, 35 (trinta e cinco) pessoas e com 8h como carga horária (Ribeiro & Lima,
2013a).
O Núcleo avaliou que o formato da atividade com 8h de carga horária constitui-se
mais como um minicurso teórico-vivencial do que uma formação que de fato instrumentalize
os participantes para atuar como facilitadores de práticas restaurativas, apesar de funcionar
como um momento inicial para sensibilizar sobre como lidamos com os conflitos e despertar
interesses sobre o trabalho com práticas restaurativas e modos pacíficos de resolução. Assim,
como inclusive se prever na atividade de ambiência restaurativa, a equipe do NJJRE pode
desenvolver outros modos didáticos para expandir o conhecimento e uso das práticas, como
por exemplo: “Grupo de Estudos, Workshops, Mini Cursos, Cursos de Capacitação, Cursos de
Formação, Curso de Extensão Universitária (em parceria com universidades), Curso de
Especialização Latu Senso (em parceria com alguma instituição de ensino superior)” (Ribeiro
& Lima, 2013a, p.51).
Algumas escolas sugeriram, a partir do curso, que grupos de estudos contínuos
pudessem acontecer e uma capacitação com os profissionais dentro da própria escola, para
aqueles que se interessarem poder trabalhar como mediadores nas instituições. E o Núcleo
tem essa ação como prevista no seu planejamento em curto e médio prazo e aconteceu de
forma experimental na ambiência restaurativa nas escolas, como mencionado anteriormente
quando se falou das estratégias preventivas (Ribeiro & Lima, 2013a). Entretanto, é uma ação
que demanda mais tempo e equipe suficiente para executa-la, além disso, as ações foram
interrompidas quando uma dessas formações estava em andamento.
Por todo o exposto, o Núcleo desenvolveu diversas atividades que essencialmente
tiveram duas linhas de atuação: mediação e prevenção de conflitos. Cabe destacar que esse
primeiro ano de atuação, de abril de 2012 a junho de 2013, foi importante para implementar a
116
prática, até então não utilizada em Natal/RN, e disseminar esse modo de resolver os conflitos.
Contudo, é imprescindível ter em mente que o efetivo da equipe é pequeno para atender todas
as escolas municipais da cidade e mais ainda se considerar as particulares, federais e
estaduais, o que totaliza um volume enorme de demandas.
4.1.3. Resultados das atividades
Nesta seção pretende-se apresentar os resultados das ações empreendidas pelo Núcleo
(visitas institucionais, visitas de acompanhamento de conflitos, encontros restaurativos,
encontros de formação em administração de conflitos e práticas restaurativas e palestras de
ambiência restaurativa nas escolas) de acordo com o que consta nos relatórios produzidos pela
equipe técnica baseando-se, essencialmente, no Relatório Geral de Atividades 2012/2013 que
é o material mais completo disponibilizado pelo Núcleo por abordar elementos desde a
implantação.
Como já mencionado em outro momento, o Núcleo passou por várias reformulações,
mas, a análise que consta aqui se fez a partir do mesmo período considerado no relatório geral
que vai de março de 2012 a março de 2013, primeiro ano de atividades do núcleo. Para tanto,
será considerada como equipe a formação com 02 (dois) técnicos, 01 (um) coordenador e 03
(três) estagiários, lembrando que a 58ª Promotoria de Educação deu apoio ao Núcleo,
inclusive em alguns círculos restaurativos, especialmente, nos primeiros meses da
implantação. Além do mais, quando houver referência às informações dos registros dos casos
acompanhados foi considerado o período de abril a dezembro de 2012, a partir dos 80 casos
acompanhados em 22 (vinte e duas) escolas municipais de Natal/RN, que é quando
efetivamente o contato com as escolas começa, porque antes disso o Núcleo trabalhou
internamente e participou de formação.
117
A respeito do quantitativo de ações, o Núcleo desenvolveu 1.193 atividades em 2012,
contemplando todas as ações previstas na metodologia do projeto de implantação do Núcleo e
já mencionadas na seção sobre as atividades.
As visitas institucionais e de acompanhamento de conflitos tiveram papel fundamental
para propiciar a aproximação, contato contínuo e parceria do Núcleo com 30 (trinta) escolas
contempladas com a sua atuação. Ao todo, foram realizadas no primeiro ano de sua atuação
um total de 98 (noventa e oito) visitas de acompanhamento de conflitos6.
No que diz respeito aos pré-círculos, primeira etapa dos encontros restaurativos, foram
acontecendo na medida em que o Núcleo se aproximava das escolas, bem como a partir do
que cada caso demandou, portanto, gradativamente foram aumentando em número absoluto.
Ao todo, foram 127 pré-círculos desenvolvidos nos meses letivos nas escolas municipais (de
abril a novembro de 2012) porque houve greve nos meses de fevereiro a março e as aulas
foram encerradas no dia 30 de novembro de 2012 por falta de estrutura física e material. Vale
destacar que em alguns casos o Núcleo apenas no pré-círculo conseguiu dar uma solução para
a situação e por isso, não precisou realizar o círculo.
Os círculos, momento posterior aos pré-círculos e que dizem respeito à mediação
propriamente dita dos conflitos, aconteceram em menor escala que sua etapa anterior porque
resultam exatamente desses momentos prévios com as partes envolvidas e representantes da
comunidade escolar. Sendo assim, exige mais preparação para, inclusive, garantir a qualidade
dos acordos firmados e sua efetivação, além disso, foram acontecendo também conforme a
relação de proximidade com as escolas ia se consolidando. Apesar de não ter no relatório
6 Três pontos devem ser observados, no Relatório Geral de atividades constam duas informações diferentes sobre
o número de visitas, o que pode ter sido um erro na escrita do material. Em primeiro lugar, o valor 98 visitas
aparece três vezes, enquanto que o valor de 103 visitas aparece uma única vez. Portanto, será considerado o
montante de visitas por mais vezes mencionados, que é 98. Em segundo lugar, por alguns momentos os relatos
tratam como diferentes, e outras vezes iguais as visita institucionais e visitas de acompanhamento de conflitos,
mas, para todos os efeitos, estão sendo consideradas todas e quaisquer visitas do Núcleo às escolas. Por fim, em
terceiro lugar, é sobre o número de escolas atendidas, que já foram mencionados os valores de 22 e 30, mas
ressaltasse que nessas 22 escolas o Núcleo deve ter atuado de maneira mais próxima e realizou atividades. As 30
escolas devem ser todas as que o núcleo fez visita, incluindo ou não realização de práticas restaurativas.
118
geral de atividades o valor exato de círculos, tem-se os meses em que foram realizados, os
quais sejam: abril, julho, agosto, setembro, outubro e novembro.
Através dos outros relatórios foi feito um resgate do número de círculos por meses em
que a atividade aconteceu: em abril foram realizados 2 (dois) círculos restaurativos
envolvendo 23 (vinte e três participantes), sendo 4 (quatro) participantes da equipe do núcleo
no primeiro círculo e 5 (cinco) no segundo (Ribeiro & Lima, 2012a); nos meses de julho e
agosto de 2012 foram realizados 9 (nove) círculos restaurativos envolvendo 34 (trinta e
quatro) participantes, sendo 2 (dois) círculos no primeiro mês e 7 (sete) no segundo (Ribeiro
& Lima, 2012b); nos meses de setembro, outubro e novembro foram realizados 12 (doze)
círculos restaurativos envolvendo 54 (cinquenta e quatro) participantes no total, sendo 4
(quatro), 6 (seis) e 2 (dois) o número de círculos por meses, respectivamente. Assim, no ano
de 2012 foram realizados 23 (vinte e três) círculos restaurativos (Ribeiro & Lima, 2012c).
Em relação ao ano de 2013, o quantitativo de atividades vai até o mês de julho, que foi
o último de produção de material escrito. Aconteceram 2 (dois) círculos restaurativos no mês
de março de 2013 envolvendo 11 participantes (Ribeiro & Lima, 2013b); nos meses de abril a
junho de 2013 foram realizados 12 (doze) círculos restaurativos envolvendo, no total, 56
(participantes), sendo 4 (quatro) círculos no primeiro mês, 2 (dois) no segundo e 6 (seis) no
terceiro (Ribeiro & Lima, 2013d); e, por fim, foram realizados 2 (dois) círculos restaurativos
em julho de 2013 envolvendo 12 (doze) participantes (Ribeiro & Lima, 2013e) no total.
Assim, somente no primeiro semestre de 2013 foram realizados 14 (catorze) círculos
restaurativos, mais da metade quando comparado ao ano de 2012, referentes aos conflitos das
escolas municipais. Somando os dois anos de atuação do núcleo, tem-se um total de 39 (trinta
e nove) círculos restaurativos e participando 190 (cento e noventa) pessoas. Os participantes
foram os envolvidos nos conflitos, os apoiadores (família e amigos), representantes da escola
(professores, diretores e vices, coordenadores, membros do conselho escolar e da secretaria de
119
educação do município) e a equipe técnica (variando de um a cinco integrantes do Núcleo
participando da atividade).
Nota-se, em geral, que a quantidade de pessoas que participaram dos círculos nos dois
anos, fazendo uma média simples aproximada, foi de 5 (cinco) pessoas por círculo, chegando
a casos de círculos maiores com 14 (catorze) pessoas e no outro extremo com apenas 3 (três),
sendo para esse último, os envolvidos na situação conflituosa e um técnico do Núcleo.
Sobre o pós-círculo, a última etapa do encontro restaurativo em que se finaliza o
acompanhamento do caso e faz uma análise do cumprimento dos acordos firmados no círculo,
em 2012 foram realizados 15 (quinze) pós-círculos dos meses de agosto a novembro e
participaram 50 pessoas - deveriam ser 23 (vinte e três) pós-círculos já que foi essa a
quantidade de círculos - em que se constatou que todos os acordos foram efetivados. Nesse
ano de 2012, cabe destacar mais uma vez que a escolas tiveram que interromper as aulas, e,
além disso, algumas dificuldades estruturais e físicas contribuíram para que uma quantidade
maior de pós-círculos não fosse realizada. No ano de 2013 foram realizados 14 pós-círculos
nos meses de abril a julho e participaram 79 (setenta e nove) pessoas.
Para as demais atividades do núcleo segue o quantitativo, nos Encontros de Formação
em Administração de Conflitos e Práticas Restaurativas foram realizados de outubro a
dezembro por meio de 16 (dezesseis) momentos em que participaram 167 (cento e sessenta e
sete) gestores escolares, coordenadores pedagógicos e representantes de conselhos escolares.
As reuniões técnicas de estudo e planejamento da equipe foram atividade essenciais para
avaliar as atividades da semana e planejar a seguinte, bem como planejar demais ações como
a formação antes mencionada, assim, foram realizadas 111 (cento e onze) reuniões no
primeiro ano de implantação do Núcleo. Por fim, o NJJRE ainda desenvolveu outras
atividades como contatos telefônicos, atendimentos diversos, atividades da Assessoria de
Comunicação, reuniões com gestores escolares, coordenadores pedagógicos e representantes
120
de conselhos escolares, entre outros que, no total, perfizeram 879 (oitocentas e setenta e nove)
atividades cotidianas, administrativas e técnicas, que possibilitaram a organização e o
funcionamento do Núcleo.
Essa caracterização foi realizada para que fosse possível ter uma dimensão mais
ampliada do fenômeno. Como o Núcleo foi o executor da Justiça Restaurativa nas escolas,
achamos pertinente apresentar um panorama sobre seu surgimento, principais atividades e
alguns resultados. Entretanto, como é preciso fazer um recorte, optamos por fazer a pesquisa
nas escolas para entender como as práticas restaurativas puderam se disseminar e refletir no
contexto escolar esse modo de resolver conflitos e violências. A partir do tópico seguinte, nos
debruçaremos sobre os resultados das análises das entrevistas realizadas nas escolas.
4.2. Análise das entrevistas
Como já explicitado no método, foram criadas categorias que se agruparam em eixos
específicos, a partir da leitura e análise das doze entrevistas. Assim sendo, os dados foram
compilados em três eixos: Violência nas escolas; Justiça Restaurativa nas escolas; e,
Estratégias preventivas para violência nas escolas.
4.2.1. Violência nas escolas
Esse eixo de discussão relaciona-se às falas dos entrevistados sobre o que entendem
por violência nas escolas, o que causa, quais são os tipos, quem participa das situações e como
a escola lida com esse contexto. Para tanto, subdivide-se em duas categorias, as quais sejam:
concepções de violência e formas de resolução.
121
a) Concepções de violência
Nessa categoria é discutido o que os participantes entendem por violência na escola e
sua relação com a violência de uma forma geral, quais seriam as suas causas, quem se envolve
e os tipos de conflitos e violências que mais acometem a comunidade escolar. Em grande
parte das entrevistas, a violência nas escolas é entendida como a violência que acontece na
sociedade e que adentra a escola, ou seja, em geral aparece como algo que acontece na
sociedade e ultrapassa os muros da instituição, e, por isso, a escola serve como reprodutora de
violências, como se pode observar no trecho a seguir:
[...] quando fala 'violência na escola' não é uma questão de
violência na escola, é uma questão de violência na sociedade
que é reproduzida na escola, não tem como o aluno... ser
agressivo fora e chegar aqui e ser todo bonzinho, num tem.
Então eu, eu num gosto nem desse termo 'violência na escola'
num existe viol... a violência é na sociedade (Participante C,
Escola 3).
Como foi discutido no capítulo sobre violência dessa dissertação, escola e sociedade
se relacionam e ao longo da história foi possível perceber como essa relação acontece,
essencialmente, com a escola e a educação servindo aos propósitos do capital, reproduzindo
em seu interior o conflito de classes que existe na sociedade. Portanto, a escola pode
reproduzir a violência que acontece na sociedade, refletindo as desigualdades sociais, mas
pode ser também um local onde novas violências acontecem, porque no seu interior adquire
características específicas em função do contexto.
Um dos entrevistados acrescenta à definição de violência seu entendimento como
fenômeno estrutural, caracterizando-a como não somente o que ocorre no nível das relações,
mas a violência que nega direitos, que negligencia condições sociais, que desrespeita e que
aprofunda desigualdades:
122
[...] violência assim, é... de forma geral, eu acho que é tudo que
impede os seus direitos. Tá entendendo? Quer dizer, a criança
que não tem escola pra estudar, isso é uma violência, né? Contra
a criança, né isso? A criança que num tem uma família? [pausa]
Isso é uma violência, né? [pausa] É... essa violência social, né?
Que a criança já começa de casa, sem os seus direitos, né? Ela
não tem nem os direitos e nem os deveres. Isso pra mim é
violência. Não sei se tá certo! (Participante D, Escola 4).
Nesse caso, apesar dos entrevistados não mencionarem o modo de produção
capitalista como produtor dessa violência, citam que existe um contexto mais amplo que
influencia a execução em nível individual. Essa violência a que se referem é a estrutural que
de acordo com Cavalli (2009), muitas vezes, passa despercebida e nem sempre é considerada
como violência. No entanto, é fruto do modo de produção capitalista e das relações que
engendra, mesmo que esse processo ocorra de forma tão “natural” que a exploração existente
passe despercebida, bem como suas consequências. Assim sendo, “o sujeito, antes de cometer
uma violência, já é anteriormente violentado, quando não tem acesso à educação, saúde,
trabalho e outros direitos fundamentais à sobrevivência” (p. 8).
Assim, a partir dessa visão da escola como reprodutora de violências, pode-se perceber
que é um fenômeno que tem raízes sociais, ou seja, não pode ser compreendida apenas na
escola. Ao mesmo tempo, esse tipo de discussão a desqualifica como produtora de suas
próprias violências, até porque é um fenômeno complexo e diversos elementos devem ser
considerados para o seu entendimento, inclusive a repercussão que causa em cada sujeito.
Concorda-se com Trassi e Malvasi (2010), ao trazerem para a discussão que a violência como
produção humana, diz respeito não somente ao social, mas também ao que ocorre no nível
individual, do sujeito, ou seja, apesar de ser “[...] produzida, legitimada, desencadeada por um
conjunto intrincado de fatores objetivos, também se ancora e reverbera na constituição dos
sujeitos, porque encontra aí aspectos constitutivos da subjetividade mobilizados, como a
agressividade, que nos constitui a todos” (p. 43). Dessa forma, podem existir diversas visões,
123
tipos, definições, formas de enfrentamento das violências e violência nas escolas e a questão
se amplia e torna-se ainda mais complexa ao se considerar o entendimento individual,
modificando-se conforme o ambiente, o contexto social, etc. Um dos entrevistados ajuda a
ilustrar como a definição de violência pode ser fluida, relativa e diversificada:
Eu vejo que a... o problema da violência ... é uma... um
problema complexo. Eu não posso aqui, dizer a você que a
violência é... irresponsabilidade só do aluno ou da família, como
as pessoas dizem, A violência ela tem uma abrangência muito
maior, porque vai depender muito do que você entende sobre
violência. É se violência... se um aluno, ele discute a questão
metodológica com o professor, e não há aceitação dessa
discussão, então você pode considerar uma violência, não é? E...
o aluno ele luta por um... um objetivo, como o que ocorreu
recentemente na campanha da escola, onde eles foram em
defesa.... então houve a interpretação de vários lados, como
uma, uma situação de violência (Participante E, Escola5).
Ou seja, a partir desse trecho é possível acrescentar à complexidade do fenômeno, as
percepções de cada pessoa sobre o que seria violência, tornando o seu entendimento variável,
uma vez que pode mudar de pessoa para pessoa, em função do contexto histórico, social,
político, e cultural. Enfim, pode inclusive assumir caráter contraditório, como mostra o trecho
da entrevista acima, quando os alunos lutam pelo que acreditam. São manifestações em favor
de uma crítica social, mas que paradoxalmente são consideradas expressões de violência
(Trassi & Malvasi, 2010).
Complementando as concepções de violência, outro fator importante é a diferenciação
que os entrevistados fazem entre violência e conflito. Entendendo o primeiro como um
agravamento do segundo, que, por sua vez, dá-se mais no nível verbal, do diálogo e de
divergências de opiniões. Já quando parte para agressão física, por exemplo, torna-se- uma
violência. Inclusive, essa diferenciação contribui para a menor ou maior dificuldade em
resolver as situações, sendo a resolução no âmbito do conflito encarada de maneira mais fácil
124
e, de forma oposta, seria mais difícil resolver uma situação que envolva violência. Assim, de
acordo com os entrevistados:
Na verdade, eu acho que a violência ela é gerada pelo conflito,
seja ela verbal, ou seja, ela, né, mesmo como que diz, física né.
Eu acho que ela parte do conflito, se a gente não resolver o
conflito logo, então vai gerar uma violência bem maior né? E, às
vezes, o conflito é um bate boca normal, que você interferindo
consegue resolver, depois que está a violência praticada, seja ela
de que forma for, só muita conversa pra poder a gente trabalhar
(Participante L, Escola 12).
Além disso, na escola, o conflito ganha uma especificidade no que diz respeito aos
alunos. Os entrevistados ressaltaram que como os alunos ainda estão em processo de
desenvolvimento, talvez compreender as diferenças de opiniões, gostos, características
pessoais, etc., e tentar solucionar os conflitos de forma pacífica e não violenta seja uma tarefa
mais complicada. Dessa maneira, em um dos trechos, podemos perceber que na escola os
conflitos entre os alunos geralmente envolvem violência. E isso remete ao fato de que nas
escolas a violência adquire características próprias, reinventa-se e é produzida nesse contexto,
como ilustrado a seguir:
Eu acho que o conflito assim, poderia ser um conflito assim...
Por exemplo, um conflito de ideias - você discordar. Eu gosto
de azul, você gosta de verde, seria aí um conflito, e não que não
envolveria uma violência. Na escola, é... Os conflitos que... Tem
na escola, geralmente, eles... São permeados pela violência. Tem
violência, certo? É, se o aluno é gordo e aí tal, aí tem um grupo
que se junta é pra... Né? Pra ficar sistematicamente
atormentando aquele gordo, aquele negro, aquele que usa óculos
e tal, então assim, num é um conflito. O conflito é envolve
violência, tem violência (Participante G, Escola 7).
De fato, o conflito existe porque somos sujeitos diferentes uns dos outros, portanto,
temos opiniões, valores, interesses, preferências, dentre outros aspectos, que se diferenciam
conforme cada indivíduo. Nesse aspecto, o conflito surge a partir da divergência. Quando se
125
consegue resolvê-lo de forma amistosa, compreendendo os limites e ampliando as
possibilidades, o conflito pode inclusive ser construtivo. Por outro lado, quando as
divergências se acentuam e tornam-se irreconciliáveis, um simples conflito pode gerar uma
situação de violência, seja em que expressão for.
Ainda chama a atenção, a partir da distinção entre conflito e violência, a dificuldade de
alguns entrevistados relatarem as diversas situações no ambiente escolar como violência,
sendo talvez mais apropriado nomear dessa maneira, para alguns participantes, quando se
remeter a algo grave, que cause dano. Além disso, em uma das escolas, uma entrevistada
relatou a intencionalidade do ato, que só seria considerado violência caso houvesse intenção.
Por isso, sua dificuldade em chamar de violência as ações dessa natureza que ocorrem na
escola:
[...] a violência não é um ponto crítico, porque eu entendo a
violência como uma coisa muito grave, de você chegar assim
realmente, machucar pra valer. Você tá entendendo? Não é que
o que ele faça seja certo, de jeito nenhum, é errado, mas que não
seria uma coisa tão grave que agente pudesse dizer assim que a
violência em nossa escola é grave [...] (Participante K, Escola
11).
[...] é porque eu não sei se violência, por que muitas coisas que
as pessoas dizem que... que foi uma agressão não tinha o intuito,
não tinha o... e eu entendo sempre que violência é aquilo que
você faz com intuito de machucar, com o intuito de agredir o
outro, então se... mas eu não sei chamar. (Participante E, Escola
6).
Até aqui foram levantados os elementos que permitem compreender o que seria
violência nas escolas, mas quais fatores contribuem para que aconteça ou que propiciam que
casos de violências estejam presentes nessas instituições? Para os entrevistados seriam quatro
causas principais: (1) a violência acontece a partir do que os alunos vivenciam; (2) em função
de como se dão as relações entre eles; (3) como a escola se estrutura e organiza; e, por fim, (4)
a partir da fase do desenvolvimento em que os alunos se encontram. Cabe destacar que esses
126
fatores são secundários, já que os entrevistados comentaram que a violência nas escolas é a
violência social que adentra as instituições, ao mesmo tempo, são fatores importantes para
configurar de que tipos de violências estamos falando.
Sobre o primeiro fator que contribui para a violência nas escolas, e seguindo a ideia de
reproduzir a violência social, nas entrevistas foi possível perceber que a família e o bairro são
locais onde primeiro ocorre e os alunos a transportam para as instituições escolares. Segundo
os entrevistados, o fato de o bairro em que a escola se localiza ser em uma comunidade de
periferia faz com que haja violência na escola, como se observa a seguir:
A violência nessa escola é por se tratar de ser localizada em uma
comunidade periférica, e... a comunidade influencia bastante pra
isso; então assim, os nossos alunos, eles vivenciam isso nas ruas.
Hoje mesmo teve um assassinato pela manhã aqui próximo à
escola [...] Pronto, então, como eles é... vivem nesse contexto,
então, eles acabam trazendo isso para dentro da escola...
(Participante B, Escola 2).
O que se pode entender a partir desse comentário é que a violência social faz parte do
cotidiano, e, muitas vezes, os alunos incorporam esses valores e agem naturalmente dessa
maneira. É como se a violência não mais afetasse e estivesse banalizada. Associada a isso, os
entrevistados falaram que a mídia contribui para essa banalização e reforça a sensação de
impunidade que acaba sendo mais um motor para a violência que “[...] está acontecendo por
falta de impunidade, eles presenciam todo dia pessoas fazerem coisas erradas e não dá em
nada, na escola eles vão querer fazer o que querem, fazer coisa errada e achar que não vai dar
em nada” (Participante C, Escola 3).
Diante desse contexto, alguns profissionais que relataram morar no mesmo bairro da
escola, e desses alunos, presenciam como a vivência da violência é marcante na vida dessas
crianças e adolescentes e não podem fazer nada, porque correm o risco deles próprios serem
violentados se forem interferir. Além disso, dentro do bairro, a comunidade funciona como
127
um importante fator quando os vizinhos tornam-se aliados, cometendo violências para
proteger um amigo, seja dentro ou fora da escola.
Além da influência da vivência no bairro, os alunos que mais se envolvem em
situações de violência, segundo os entrevistados, são de famílias em que os pais vivem na
criminalidade, são usuários de álcool e drogas, ou que de alguma maneira a família não tem
uma mínima estrutura e segurança para as crianças. Ainda comentaram que algumas famílias
dependem de auxílios do governo, como o Bolsa Família e o Tributo à Criança7 e vivem,
minimamente, em condições dignas de desenvolvimento, quando não possuem qualquer
condição salubre de subsistência. Sobre alguns desses pontos, os trechos abaixo ajudam a
ilustrar:
[...] a violência é gerada e é trazida, muitas vezes, sabe-se que é
do ambiente de casa, muitas vezes, a gente vê em casa e traz
para escola, entendeu? Então a criança não nasce com isso, ela
recebe influência pra isso, e muitas vezes a maneira que elas tem
de se defenderem, porque foi xingado ou foi porque aconteceu
isso, é agredindo, é batendo, certo... (Participante K, Escola 11).
Agora assim, a gente também acha que vem também da própria
família né... Muitos são até filhos de traficante, que a gente sabe
que são. Então, o que tem mais índice de violência dentro da
escola, aquele aluno que é mais agressivo, mais trabalhoso,
assim, vive na coordenação, vive de ocorrência, anotando,
chamando pai e mãe, são aquelas crianças em que têm os pais
que vivem no mundo do crime né, de droga. [...] quando a gente
conhece a família, então a gente conhece todo o histórico da
criança né, em casa ele é tratado dessa forma, então na escola
ele faz do mesmo jeito (Participante L, Escola 12).
7 O Programa Tributo à Criança faz parte da política de Educação do município de Natal/RN e serve como apoio
ao aluno da rede municipal de ensino desde 1º de julho de 1997. Seu objetivo é ser uma política de renda mínima
e de inclusão social para crianças e adolescentes dos seis aos 15 anos, estudantes do Ensino Fundamental da rede
pública da capital. Os beneficiários recebem mensalmente uma bolsa que varia conforme o número de alunos
inscritos por família: um aluno significa o auxílio de R$ 60,00 por mês; dois alunos o benefício sobe para R$
90,00; e a partir de três estudantes a família recebe R$ 120 da Prefeitura. Para ter direito à bolsa, os alunos
cadastrados devem assistir às aulas em seus horários normais e frequentarem o contra turno da escola para ter
aulas de artes, reforço escolar, entre outras disciplinas, com atividades no Programa ‘Mais Educação’. O valor
recebido por cada família depende da frequência escolar do aluno no Ensino Fundamental igual ou superior a
85% dos dias letivos de cada mês e, essa frequência é verificada trimestralmente nas unidades de ensino.
128
Segundo os participantes ainda, em muitas famílias, os alunos sofrem violência por
parte dos seus pais, inclusive na própria escola, em que alguns responsáveis são chamados à
instituição por alguma situação e tratam o filho com violência na frente dos gestores. Ainda a
partir do que os entrevistados comentaram, ao mesmo tempo em que os pais podem ser
violentos com os filhos, também os incentivam a praticá-la com frases do tipo “se vier
apanhado para casa, apanha aqui”.
Em outras situações, segundo os entrevistados, os pais não colocam limites nos filhos,
inclusive porque não estão em casa ou não se dedicam aos seus cuidados, na maioria dos
casos, porque trabalham fora de casa o dia todo e os alunos passam a ser criados por avós ou
até mesmo por irmãos mais velhos, quando não tem que ficar em casa sozinhos e ser
responsáveis por eles mesmos. Por isso, os participantes relataram que alguns alunos passam
o dia na rua fazendo o que acham melhor e o tempo fora da escola é vivenciado sem cuidados
de um responsável; essa não presença dos pais reflete ainda no desempenho e
acompanhamento do filho na escola.
Segundo os entrevistados, então, os alunos não seriam violentos porque existiria uma
violência inata, ou seja, eles não agem por maldade, não são naturalmente maus, muitas vezes
agem até inconscientemente, sem ter ideia de que estão agindo de forma violenta. Portanto, os
comportamentos violentos são influenciados por todas as suas vivências que influenciam a
sua forma de se relacionar.
Por tudo isso, a base da percepção dos entrevistados sobre o que contribui para
ocasionar situações de violência na escola é que os alunos que se envolvem em conflitos que
acabam em violência, essencialmente, reproduzem o que aprendem, vivenciam ou observam
no seu dia a dia, seja na família ou na comunidade, principalmente os alunos que moram em
bairros periféricos e fazem parte de famílias que tem algum tipo de problema. Nesse sentido, a
violência atua em uma forma de ciclo de reprodução de mais violência, os sujeitos sofrem
129
inicialmente violência por negação de direitos, estarem desigualmente em uma posição social
que cada vez mais vitimiza, por se tornarem invisíveis ao poder público, mas que são vistos
quando essa pobreza é criminalizada. Enfim, situações de vulnerabilidade que podem
contribuir para gerar outros tipos de violência, que por sua vez se reproduzem nas escolas,
criam outras manifestações, retornam para a sociedade e é um ciclo sem fim.
Dentro do contexto escolar, o modo como se dão as relações entre os alunos é
considerado pelos entrevistados mais uma das causas da violência. Aliás, a violência, em si,
se caracteriza como uma das formas de se relacionar e se materializa pela falta de diálogo
entre os alunos, de respeito, de tolerância e de limites. De acordo com os entrevistados, seria
uma forma que os alunos têm para se comunicar, como por exemplo, dizer através de atos
violentos que não estão satisfeitos com algo ou alguma coisa que o colega fez. Como se nota
no trecho adiante:
[...] eu digo muito quando a gente conversa com os alunos, que
não tem motivos, né, que eles estão ali, que eles agrediram o
colega, mas na realidade não tem motivo especifico, porque
quando a gente diz 'por que você bateu nele?' – 'Ah, porque ele
disse que eu sou feia', 'porque ele me chamou de cara disso' tá
entendendo? Então não tem motivo que realmente justifique
essa violência. É como se fosse uma reação, uma forma de você
dizer 'não, eu não gostei' que poderia ser resolvido com uma
simples conversa e eles não tem o habito de conversar, né, e ai
não resolve, resolve na pancada. E infelizmente, a gente é...
percebe que é uma reprodução da forma como se resolve as
coisas na família [...] Eles não tinham raiva daquele colega, não
batiam porque tinham raiva, porque aquele colega machucou
ele, não, batiam porque é uma forma de comunicação, uma
forma de dizer 'não gostei do que você fez' né, então é muito
mais uma reação, uma, eu não sei nem explicar direito [...] É.
Porque é como os pais se relacionam com eles (Participante C,
Escola 3).
A partir do trecho acima se percebe que a violência na escola muitas vezes não tem um
motivo ou intenção mas, às vezes, somente por olhar para o colega já seria suficiente. É uma
130
espécie de violência gratuita, mas que se for analisar mais a fundo, pode ser uma forma de
autoafirmação, de mostrar poder, etc.
Outro elemento causador da violência seria a forma como a escola se estrutura e
organiza, e que contribui para diversos tipos de situações, como: espaço reduzido, falta de
atividades variadas, grande quantidade de alunos, diferentes faixas etárias juntas, distorção
idade e série, tipos de brincadeiras e esportes, e quanto tempo o aluno faz parte da escola. Um
ponto várias vezes mencionado é que escolas que tem pouco espaço e que não possuem
equipamentos de lazer (como quadra de esportes) propiciam mais violência quando
comparadas às escolas maiores, porque os alunos tem que disputar espaço, além de que
qualquer movimento pode interferir no limite do outro, como no caso de escolas muito
pequenas em que os alunos dispõem de pouco espaço nos intervalos. Outro elemento da
estrutura e organização mencionado seria a falta de atividades diversas nas escolas para
ocupar os alunos, no tempo em que passam na escola, e dividi-los em grupos o máximo que
fosse possível para diminuir o número de estudantes por atividade, evitando assim conflitos e
violências. Associado a isso, os alunos que ficam com horários livres, quando um professor
falta, por exemplo, tendem a se envolver em violências porque ficam “ociosos”. Em relação à
quantidade de estudantes, escolas que possuem um número maior de alunos ficam mais
suscetíveis a ter mais situações de violência, em função da grande quantidade de pessoas e
diversidade. Os trechos a seguir ilustram alguns desses pontos:
Porque as escolas hoje, na verdade, num, não tem outras
atividades, né? Eu tiro pela Escola D, nós estamos aqui e você
vê que a escola não tem espaço. A escola não tem outras
modalidades pra oferecer aos alunos, nós não temos uma quadra
de esporte, nós não temos um laboratório de informática, né?
Nós não temos espaço nem pra própria criança circular.
Entendeu? Então essa criança que não tem outra atividade fora,
então o que é que vai? Ele vai ficar preso em casa, muitas vezes,
é, assistindo as violências da própria casa, né? De onde ele
mora, e isso é...eles fazem inconscientemente a violência.
(Participante D, Escola 4).
131
[...] Mas eu... eu acredito que, que isso é do convívio mesmo,
convívio entre pessoas. Aí a gente tem uma estrutura, tem uma
escola que tem num turno 300 meninos correndo tudo ao mesmo
tempo, né! É propício a isso. A gente tem... não! Nós não temos
quadra e nós temos um ambiente todo de alvenaria, né... todo de
alvenaria, e que a briga pelo espaço é muito grande. Eles não
saem pra... pra brincar com intuito de machucar não. A gente
não tem crianças aqui que tenha essa índole. Eu não a... eu não
acredito nessa índole má das crianças. Agora eu, é... eu acredito
que a... como eu disse, é um reflexo do que tá na sociedade
mesmo [...] Grande parte das... das... das ações de... de violência
entre eles, quando a gente vai analisar, ela é por... por
banalidade (Participante F, Escola 6).
Outro fator importante elencando pelos entrevistados como um dos causadores de
violência e relacionado à organização e estruturação das instituições é a faixa etária. Para eles,
escolas que possuem alunos mais velhos, geralmente, têm conflitos mais graves, ao mesmo
tempo, escolas em que existe distorção idade/série também propiciam mais violências porque
os alunos em idades diferentes têm interesses distintos e escolas com faixa etária adequada à
série têm menos violências, por consequência.
Associado a essa questão etária, os intervalos acontecerem com todos os alunos
liberados de uma vez também é um fator propiciador porque volta para a questão de idades
diferentes juntas. As brincadeiras também são causas da violência, que acontece de forma não
intencional, mas o tipo de brincadeira, às vezes, leva à violência, bem como na prática de
esportes. Por fim, ainda no quesito organização e estruturação da escola, foi incluído o fato
das escolas possuírem alunos que estudam há muito tempo, nesses casos, os alunos sentem-se
pertencentes à instituição, o que tem um lado positivo, mas, em alguns casos, os entrevistados
relataram que eles se sentem “donos” e querem fazer o que tem vontade.
Por fim, o último fator trazido pelos entrevistados foi a violência ser cometida pelos
alunos em função do seu estágio de desenvolvimento. Segundo alguns participantes, os alunos
ainda estão em formação, inclusive moral, por isso não compreendem algumas coisas e
132
precisam ser instruídos todo o tempo, ou seja, alguém para impor limites e fazer cumprir os
combinados, de modo que as relações possam se dar de forma amistosa na escola, como se
observa no trecho: “eu acho que é a questão do... do... do movimento moral mesmo, que eles
ainda não têm isso formado. Tem sempre que ter alguém falando, ali lhe dizendo que é... até...
'ei!' Lhe dando sinais, sendo a baliza” (Participante F, Escola 6).
Uma vez que falamos sobre o que seria a violência na escola e quais as suas prováveis
causas, ainda sobre as concepções da violência, os entrevistados comentaram a respeito de
como se expressa e quem são os envolvidos. Em geral, quase em todas as instituições
pesquisadas, a violência verbal é a mais presente e grave no ambiente escolar, inclusive
porque, a partir dela, outras formas podem ser desencadeadas. São xingamentos, palavrões,
ameaças, apelidos (até os professores são apelidados), etc. Já no que diz respeito à agressão
física, acontece essencialmente através de socos, chutes, pontapés, empurrões, tapas, etc.,
como se observa adiante:
Agressão verbal é o que predomina, principalmente com o uso
de palavrões e xingamentos. Existe também a agressão física,
mas acontece com menos frequência e quando acontece
geralmente é através de chutes, socos, empurrões que muitas
vezes ocorre acidentalmente. Ocorre essencialmente entre os
alunos. Eventualmente entre os funcionários e algumas vezes os
pais agridem verbalmente os professores em função de eles
terem ‘chamado atenção por alguma coisa’. [...] Os alunos,
geralmente os alunos. Acontecem alguns conflitos entre
funcionários, mas por serem adultos, eu acho que já pesa um
pouco mais as consequências do que poderia acontecer se fosse
um ato violento (Participante A, Escola 1).
O uso de armas de fogo foi relatado de forma mais pontual, muitas vezes, como um
recurso para demonstrar poder e/ou como forma para se proteger, como no seguinte trecho:
“[...] tinha outras questões, assim mínimas, mas eu tive problema com armas na escola,
apenas pra mostrar, mas trouxe pra escola” (Participante L, Escola 12). Em algumas escolas,
foram relatados problemas com uso e tráfico de drogas dentro da instituição, mas também
133
foram mencionados eventualmente, e, em uma das escolas pesquisadas, o fato foi apontado
como um dos problemas mais graves e que os profissionais precisam de ajuda para intervir.
Nesse quesito, inclusive, foi relatado que alguns de seus alunos foram assassinados em função
do vínculo com o tráfico de drogas:
Tem um menino que estudou aqui, que é... assim, é bem
interessante, o nome dele xxxxxxxxx, foi assassinado, traficante
de drogas aqui na xxxxxxxxx. Então, muitos alunos nossos que
já morreram, ex-alunos. Por quê? Porque abandonou a escola,
começou com álcool [....] Aí ele foi assassinado, ele. Então isso
a gente tem discutido, ver assim alguns alunos nossos, ex-alunos
que já partiram ainda jovem, devido a droga, sabe? Então a
nossa preocupação assim é na calçada, por questão da droga, né?
Aqui dentro não, assim, aqui dentro já, no ano passado pegaram
uma menina fumando um cigarro de maconha dentro do
banheiro, mas é porque passaram de lá pra cá (Participante I,
Escola 9).
O bullying foi outra manifestação de violência presente em algumas das escolas, mas
foi menos relatado em comparação à violência verbal: “[...] o bullying ele existe, é fato ele
existe dentro da escola, [...] e a violência verbal é a pior que existe, ela é a pior, a falta de
respeito entre eles não existe, palavrão mesmo assim horrível, que você escuta [...]”
(Participante K, Escola 11).
A violência sexual entre alunos foi relata em uma escola apenas. E, em pelo menos
duas escolas, foi relatada a violência contra si próprio (autoinfligida), com casos de alunos
que se mutilavam, não necessariamente por algum motivo, mas seguindo a “moda”, como se
observa no trecho:
[...] Já foi bem no finalzinho da minha gestão, trouxe a família
pra escola, a gente tentou fazer um trabalho com eles, mas aí o
pai só quer punir né, que não havia diálogo com a família, então
ela começou a se mutilar e isso já está virando febre, tem bem
uns dez alunos se mutilando, se cortando com gilete, fica a
marquinha tudinho. Então é moda né, mas aí viram na internet e
acham que isso... (Participante L, Escola 12).
134
Ainda foram relatados casos de vandalismo, mas em relação aos professores, como
pichar ou arranhar os automóveis deles. Ou ainda, casos de alunos que danificam algum bem
público ou particular fora da escola, além de praticarem pequenos furtos. Entretanto, por
usarem a farda da instituição, são reconhecidos e encaminhados para a escola. Um dos
entrevistados acrescenta que esse tipo de situação acontece porque os alunos desviam o
caminho da escola e ficam “passeando pelas redondezas e praticando esse tipo de situação”,
principalmente porque a instituição é um pouco distante de suas residências.
Sobre quem se envolve nesses casos, os entrevistados, unanimemente, relataram que a
violência nas escolas acontece entre os alunos. E ao serem questionados se apenas eles
sofriam e cometiam, os profissionais relataram existir violência entre alunos e professores,
essencialmente, dos primeiros direcionada aos últimos. Em alguns casos, também, foram
relatadas violência entre funcionários; de aluno com funcionário; e de pais de alunos com os
professores ou gestores. Existem casos também de pais virem até a escola, ou na casa do
aluno que machucou seu filho “[...] em casos raros os pais chegam à escola, né, porque o filho
foi agredido e eles chegam pra agredir, né, e aí a gente tem que lidar com essa situação”
(Participante C, Escola 3).
Como se percebe, vários atores se envolvem com violências, mas somente os alunos
são os primeiros a serem lembrados. O que pode ser questionável já que a pesquisa foi feita
com os gestores e coordenadores e não considera como os alunos vivenciam a violência nas
escolas. Portanto, é um limite que ressalta a importância de investigar o que é considerado
quando se fala em violência nas escolas? E, a partir de que lugar se fala.
Na relação dos alunos com os professores e gestores, os conflitos são mais
relacionados à quebra de regras, como usar o celular durante a aula, ou ainda, porque os
alunos tem valores e formas de ser que conflitam com os dos profissionais. Assim, violentam
porque existe discordância.
135
Conforme os entrevistados, quando a violência acontece entre os alunos, chama a
atenção, o fato das meninas serem mencionadas como as principais autoras, e, principalmente
ao se envolveram em “brigas” por causa de namorados. Já entre os meninos, a violência
geralmente acontece em função do cotidiano, divergências de opiniões, a partir de
brincadeiras, nos esportes, etc: “a violência é mais feminina, por incrível que pareça, ao longo
da minha gestão eu acho que a violência é mais feminina, por coisas banais. A masculina não
é tanto, é mais feminina” (Participante L, Escola 12). Bem como nesse trecho: “[...] são mais
as meninas que gostam de brigar mesmo. Brigar na frente da escola, de se agarrarem, uma
puxar o cabelo... é porque uma estava querendo namorar, ficar com o namorado da outra, elas
vinham pra cá [...]” (Participante I, Escola 9).
Em relação à faixa etária, percebe-se pelas entrevistas, que todos os alunos cometem
violência verbal, seja entre eles, ou contra os professores, independente da idade. Muito
embora, em um das entrevistas, o participante relate que os alunos mais velhos, apesar de
também agredirem verbalmente, parecem ter mais compreensão do que pode ou não quando
comparados às crianças menores, como se pode notar:
[...] Isso mais com os menores, né, os maiores a gente, do sexto
ao nono ano, a gente já nota um certo limite, né, que existe
também, mas é menos, mas os pequenos é assim, eles não tem
noção de que não pode, então muitas vezes agridem muito
verbalmente (Participante C, Escola 3).
Os conflitos e violências graves acontecem entre os alunos mais velhos ou são
provocados por eles, especialmente, se esses alunos estão fora de faixa escolar e convivem
com alunos em séries anteriores. As agressões físicas entre as crianças menores acontecem
muito em função das brincadeiras e do convívio, e mesmo assim, como uma entrevistada
relatou, diariamente após o intervalo, tem-se um saldo de pelo menos três situações de
conflitos e violências para intervir. Já os alunos maiores fazem brincadeiras com teor de maior
136
agressividade, que envolvem luta, como dar voadoras ou o chamado Corredor Polonês8. E,
quem se sente prejudicado pode revidar com maior violência ainda. São exemplos de trechos
de entrevistas que trazem essa questão etária:
Eu acho que o que contribui foi exatamente a questão da idade, a
idade do aluno na série certa, entendeu? Aí eu acho que é isso
aí, porque os interesses são outros, né? Um aluno de dez anos
num tem, o interesse dele é diferente de um aluno que tem
quinze anos. Isso aí eu acho que ajudou muito a escola, no
âmbito assim, das, das agressões... (Participante I, Escola 9).
Então, onde você tem os maiores problemas? De 6º ao 9º, pelo
menos no município é. Do 1º ao 5º você tem coisas pequenas,
coisas que você pode ensinar e educar, uma briga por um objeto
“ah, porque você me empurrou na fila”, são coisas mais simples
e que faz parte do desenvolvimento da criança. Já os
adolescentes do 6º ao 9º ano, você já tem mais, eles já são mais
temperamentais, já posso dizer assim, e já tem decisões, já
fazem as coisas que acham que é certo, que é errado
(Participante L, Escola 12).
Gostaríamos ainda de ressaltar que a despeito de todos esses tipos de conflitos e
violências elencados, algumas escolas relataram que atualmente não existe mais violência ou
não são tão graves quanto na época que o Núcleo atuou. Diante disso, muitas questões podem
ser levantadas, mas a despeito disso, uma das explicações dadas foi a de que os alunos fora de
faixa saíram da escola, ou ainda os “alunos problemas” também saíram, seja por expulsão,
transferência ou porque o nível de ensino para o qual passou não era ofertado na escola.
Sendo assim, nesses casos, as problematizações que levam a pensar que a escola sabe como
intervir parecem estar descartadas, já que a solução para a violência foi não ter “alunos
problemáticos”. Nesse sentido, toda a discussão de que a violência tem um caráter mais amplo
é confrontada com a culpabilização individual. Aliás, embora compreendam que o aluno em si
não é “mau por natureza”, ele traz o que vivencia para dentro das instituições, ou seja, por
8 O Corredor Polonês é uma “brincadeira” onde se formam duas filas paralelas de pessoas e à medida que
alguém vai passando é agredido fisicamente de várias maneiras. Essa brincadeira tem origem, muito
provavelmente, a partir do Corredor da Morte, que acontece da mesma maneira e já foi utilizado como punição
para os inimigos em diversas guerras, desde muito tempo. Já a voadora é um golpe que combina pulo com chute.
137
mais que exista a importância de considerar o contexto, no fim das contas, responsabiliza-se
os alunos porque eles são considerados os autores da violência na escola. Esse tipo de visão
pode inclusive gerar estigmatizações, considerando-os como problemas.
Obviamente que responsabilizar unicamente o aluno pela violência na escola não é
uma postura de toda e qualquer escola, como observamos ao longo das análises,
especialmente nesse eixo de discussão. E, independente da violência cometida e do motivo
para que aconteça, os participantes compreendem que os alunos não tem intenção de causar
mal, de agredir, machucar, etc. É algo que acontece permeado por diversos fatores, fazendo
jus a complexidade da violência, e que mais do que qualquer outra coisa, precisa de
disposição do profissional para ouvir e compreender as diversas expressões da violência no
contexto escolar e tentar buscar alternativas que sejam baseadas no diálogo e compreensão
mútua. Além de que, como já se discutiu, a violência na escola tem raiz na violência estrutural
que acontece fora das instituições e que produz outras formas de violência. Pensar sobre o que
contribui para a ocorrência de violência na escola ajuda a pensar em estratégias para preveni-
la, entretanto, acabar com a violência na sociedade exige mudanças estruturais e, portanto,
transformação social.
b) Formas de Resolução
A última categoria que compõe o eixo Violência nas escolas é como as instituições
resolvem as situações de conflitos e violências entre os alunos, uma vez que os entrevistados
destacaram que são os estudantes que mais se envolvem nessas situações. Cabe destacar que
essa categoria diz respeito aos procedimentos que as escolas já utilizam (ou sempre
utilizaram) independente da ação do Núcleo nas escolas. Isso é importante quando formos
analisar como a JR se desenvolve.
138
Em geral, os entrevistados seguem um fluxo de atendimento das queixas de
indisciplina, conflitos e violência nas escolas. De maneira resumida, algum representante
escolar (coordenador, diretor, vice-diretor, professor, etc.) recebe o caso e tenta resolver com
os alunos; caso não haja resolução nesse momento, em seguida, os pais seriam os próximos a
contribuir; caso não dê resultado, o Conselho Escolar é convocado ou, em alguns casos, o
Conselho Tutelar - enquanto o Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa atuou, era o recurso
utilizado antes dos Conselhos (Tutelar e Escolar). Chama a atenção que o Conselho Tutelar
foi mencionado em detrimento do Conselho Escolar, que poucas escolas o mencionaram e, em
alguns casos, para dizer que não foi acessado ou que preferem outras estratégias a ele. Por
fim, em último recurso, usam a expulsão do aluno e sua transferência para outra escola. Sobre
o fluxo, os trechos a seguir ajudam a ilustrar o percurso empregado, e que basicamente as
escolas se utilizam de mecanismos semelhantes, com poucas diferenças procedimentais:
O passo a passo, pelo menos em relação a mim, né, a forma de
resolver, primeiro... é com eles, porque, porque as famílias elas
tem influência, mas eu não sei até que ponto elas tem influência
sobre o filho, então quando se trata de adolescente, eu primeiro
tento entender o que ocasionou aquele conflito, então com eles
eu tento entender, aí depois que eu faço a reflexão deles e vejo
que a gente conseguiu resolver o conflito, então eu não chamo a
família, mas se por mim, eu não conseguir resolver o conflito, se
eles, realmente continuam mesmo com a rixa um com o outro, aí
o segundo passo é chamar a família, aí eu chamo a família pra
juntos a gente resolver. Não conseguindo resolver, aí quando a
gente tinha o Núcleo de Justiça Restaurativa a gente
encaminhava pra o Núcleo, porque lá tem... tem psicólogo, né,
tem serviço social, então a gente encaminhava pra lá por
intermediação, ou então encaminhava pro Conselho Tutelar [...]
sim, quando a gente não tinha a parceria com o Núcleo, porque
o... o próprio nome diz, Núcleo de Justiça Restaurativa, né,
restaurar o ambiente, né, é... restaurar a convivência, né. E o
Conselho Tutelar ele tem esse objetivo, mas ele tem, mais uma
poder política, do que um poder de, de restauração, né
(Participante E, Escola 5).
Quando existe briga com os alunos, se for dentro da sala de aula,
139
a professora, se for a primeira situação que acontecer, tentar
contornar e resolver em sala. Se for no recreio, é
responsabilidade de quem tá observando as crianças, agente tira
do recreio espera acabar e tenta saber realmente o que
aconteceu. Se for brigas de violência física mesmo, que as vezes
é briga de bate boca, é de xingar, é de fazer bullying, mas
quando vai pra violência física, aí realmente agente trabalha até
com uma suspenção. De acordo com o nosso regime, agente já
suspende alunos por um dia, dependendo da gravidade, até dois
dias e esse aluno só vai retorna acompanhado pelo responsável,
né? Mas normalmente agente age assim quando não é a
violência física e sim a verbal, o bullying ou danos materiais,
chama, conversa, aquela orientação, né, formal, a gente registra
no Livro de Ocorrência, se retornar a acontecer agente chama o
responsável, se retornar a acontecer a terceira vez, a gente vai e
suspende. E ai chega o momento que acabam todas as nossas
armas, né, ai agente recorre a alguns órgãos, né, especificamente
agente recorre primeiro ao Conselho Tutelar, com a chegada do
Núcleo a gente poderia contar mais com ele, mas por enquanto,
a gente não tenta mais esse apoio, né, tenta chegar junto ao
Conselho Tutelar, que agente não tem muito êxito não isso é
fato, a gente tenta levar o problema contorna o problema dentro
da escola, porque depender de lá a demanda muito grande se... é
os casos, realmente deve ser muitos casos pra dar conta da
demanda é um pouco complicado, entendeu? (Participante K,
Escola 11).
Um ponto importante, como mostrado nos trechos acima, é a necessidade de registrar os
casos no chamado Livro de Ocorrências. A despeito do nome, que num primeiro momento
lembra os procedimentos policiais (no caso do Boletim de Ocorrência - BO), configura-se
como uma ferramenta de acompanhamento da vida escolar do aluno, em que são registradas
as situações de violência e indisciplina, ou seja, acontecimentos que digam respeito,
essencialmente, à quebra das regras e convívio harmonioso na escola. De qualquer forma,
uma entrevistada relatou que somente situações mais simples vão para o livro, por outro lado,
os demais profissionais informaram registrar tudo o que já foi mencionado, incluindo as
violências. Apesar da importância desse registro, muitas vezes feito em um caderno,
questiona-se como esse volume de informações pode ser administrado? E mais ainda para
140
vários alunos na escola? Portanto, é interessante fazer um filtro do que pode ou não ir para
esse registro, como algumas escolas já fazem, mas mesmo assim, ainda deve ser um grande
volume de informações para recuperar manualmente.
Quando acontece a situação de violência, os entrevistados comentaram que deve haver
intervenção imediata para que não se agrave. Apesar de ressaltarem que são situações simples,
às vezes, do convívio diário, para eles é preciso intervir logo. Em outras, por sua vez,
principalmente nos conflitos com alunos menores, as situações rapidamente se dissolvem
(relatam que durante o tempo em que os alunos têm que esperar o atendimento da
coordenação “já fizeram as pazes e voltam a brincar”); mesmo nesses casos, alertam para a
importância de dar um retorno para o que aconteceu.
O primeiro passo para a resolução é compreender o que houve, dessa forma,
conversam com os alunos - separados ou juntos, embora a maioria relatou conversar com os
alunos presentes ao mesmo tempo -, cada um tem o seu tempo, sem interferência do outro,
para falar o que aconteceu. Nesse momento, são problematizados os motivos que levaram à
situação em questão e os alunos são estimulados a refletir que na escola tem-se que respeitar
os colegas e demais membros da instituição, além de que, eles devem se desculpar pelo
ocorrido. A situação é registrada no Livro de Ocorrência e os alunos assinam se
comprometendo a não mais se envolver em violências. Quando as situações se repetem ou são
agravadas, a escola sente a necessidade de chamar a família e é enviado um comunicado para
os pais comparecerem à instituição. Nos casos em que os alunos são suspensos antes mesmo
de avisar aos pais, esses também devem comparecer às escolas porque os estudantes só podem
retornar acompanhados de seus responsáveis. Uma vez que a família está atuando junto e
mesmo assim não tem resultados, a escola pode recorrer ainda ao Conselho Tutelar ou ao
Conselho Escolar.
141
Sobre a participação da família, existem alguns pontos a serem levantados. Em
primeiro lugar, a sua presença na escola não acontece da forma como a instituição gostaria.
Alguns entrevistados comentaram que os pais, muitas vezes, tem dificuldade em estarem
presentes em função da sua rotina de trabalho e da dificuldade em serem liberados para
comparecer à instituição. Em outros casos, os pais se desresponsabilizam pelos cuidados dos
filhos, seja porque são usuários de álcool e/ou drogas, outros se envolvem em atividades
ilícitas, e, em alguns contextos, as crianças e adolescentes são cuidados pelos avós, que em
função da idade avançada também tem dificuldades em comparecer à escola. Em relação à
presença física, pesa o fato dos alunos morarem ou não perto da escola, e em alguns casos,
eles moram em bairros vizinhos ou mais distantes. Esse fato contraria o Art. 53, inciso V, do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que prevê acesso à escola pública próxima da
casa do aluno (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Além disso, dificulta mais ainda
a presença dos pais, que tem que se desdobrar para acompanhar a educação escolar dos filhos.
Em pesquisa nacional sobre a adolescência brasileira, realizada pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância – UNICEF em 2001 e publicada em 2002, foram ouvidos 5.280
adolescentes (entre 12 e 17 anos), de ambos os sexos (51% do sexo masculino e 49% do sexo
feminino) de todos os níveis de renda, regiões geográficas, níveis de escolaridade, raças e
etnias e com diferentes características culturais. No item sobre as escolas, os pais e a
comunidade, alguns dados complementam a discussão sobre a participação dos responsáveis
nessas instituições: para 45% dos adolescentes, os pais participam “de vez em quando”
através de eventos e reuniões; para 37% dos entrevistados seus pais vão sempre a esses
mesmos eventos, e 10% respondeu que seus pais não comparecem. Dos 10% dos pais que não
comparem às escolas, para os adolescentes, os motivos seriam: falta de tempo (50%), a escola
não promove reuniões (21%) e os pais não têm interesse (18%). Na seara da não participação
na escola, 25% dos adolescentes disseram que a comunidade não tem interesse, e 16%
142
responderam que é a escola que não oferece espaço para a comunidade. Ainda há uma
diferenciação em relação ao estrato social das famílias: a sensação de que a comunidade
participa das atividades na escola é maior entre os adolescentes da classe A (54,5%), enquanto
que em outros estratos sociais, essa porcentagem decresce. Para a classe B, 52,9%; na C,
49,7%; e na D, 46,5% (UNICEF, 2002).
Essencialmente, essa necessidade da instituição contar com a presença, participação e
atuação da família na escola e na educação dos alunos reflete um debate já bastante antigo e
pertinente sobre a função da escola e da família na educação dos estudantes.
Essa problematização de quem é a responsabilidade da educação dos alunos ao longo
da história foi se construindo e reflete as ideias que se tem hoje de que por um lado, a família
diz que é a escola a responsável pela educação dos seus filhos, e, por outro, a escola
reconhece que seu papel termina quando a educação ultrapassa o conhecimento formal. Isso
tudo se dá porque a escola passa a ser uma das instituições fundamentais na sociedade, a partir
da República de 1889, e ganha importância, principalmente, pela habilitação técnica dos
profissionais, ao mesmo tempo em que a família se desqualifica nessa tarefa (Castro &
Regattieri, 2009). Com os dispositivos legais, como por exemplo, o Art. 205 da Constituição
Federal do Brasil de 1988, a responsabilidade passa a ser normatizada e “a educação, direito
de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Constituição da República Federativa do Brasil,
1988). Ou seja, não é somente a família que deve se responsabilizar pela educação, mas
também o Estado, que no caso é representado pela escola. Portanto, legalmente é uma
responsabilidade dessas duas instâncias.
Essa corresponsabilidade é de grande importância para o desenvolvimento integral das
crianças e adolescentes e, para lidar com as questões dos alunos no espaço escolar, a
143
participação familiar é imprescindível. Entretanto, a escola é que deve garantir essa
participação criando estratégias de aproximação (Castro & Regattieri, 2009), inclusive,
precisa-se problematizar que tipo de participação é requerida e que espaço a instituição cede
para o diálogo. Além disso, é preciso ultrapassar posturas que culpabilizam uma ou outra
esfera de socialização e buscar efetuar um trabalho em conjunto tendo em mente que o que
acontece com o aluno é responsabilidade da família e da escola. Nesse caso, não importa
quem não fez o que deveria, ou quem deveria fazer, mas atuar em conjunto para o melhor
resultado para as crianças e adolescentes.
Voltando para o fluxo do atendimento às situações de violência, quando mesmo com a
presença da família na escola, os conflitos persistem e/ou se agravam, o Conselho Tutelar era
solicitado a intervir. Sobre essa instituição, sabe-se que é o um órgão permanente, autônomo e
não jurisdicional que, por força da sociedade, deve garantir o cumprimento dos diretos das
crianças e adolescentes definidos no ECA. Sua relação com a escola de ensino fundamental se
dá conforme se explicita no Art. 56 desse estatuto, em que os gestores devem informar ao
Conselho os casos de: maus-tratos envolvendo seus alunos; reiteração de faltas injustificadas
e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares; e, elevados níveis de repetência. Ou seja,
não caberia ao Conselho Tutelar, ao menos a princípio, lidar com as questões de indisciplina e
violência no contexto escolar. Ao mesmo tempo, em seu Art. 136, o ECA traz que é
atribuição do Conselho Tutelar atender às crianças e adolescentes nas situações previstas no
Art. 98, quando os seus direitos são ameaçados ou violados por: ação ou omissão da
sociedade ou do Estado; falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; e em razão de sua
conduta. E na situação prevista no artigo 105 que versa que para o ato infracional cometido
por criança devem ser aplicadas as medidas de proteção constantes no Art. 101, inciso II,
dentre as quais, prestar orientação, apoio e acompanhamento temporários (Estatuto da Criança
e do Adolescente, 1990).
144
Nesse sentido, a demanda escolar para resolver conflitos e violências poderia ser
atendida pelo Conselho Tutelar, ao menos para pensar junto o que pode ser feito e que
encaminhamentos podem ser dados. Entretanto, quase todas as escolas falaram não ter
respaldo desse órgão e, em alguns casos, alegaram a falta de estrutura, excesso de atividades e
burocracia do Conselho, além de uma escola relatar que sua postura é muito punitiva e
ameaçadora para fazer os alunos terem medo e não se envolverem mais em violências, como
por exemplo: “a única coisa era a conversa dele com a família e a conversa com o menino, e
algumas ameaças ‘você vai pra casa de passagem, vou dizer a sua mãe, você vai virar isso, se
você não tiver cuidado’ [...]” (Participante L, Escola 12).
O Conselho Tutelar tem diversas atribuições destinadas a públicos distintos. Em
pesquisa realizada por Frizzo (2011) em um Conselho Tutelar do oeste catarinense,
discutiram-se as atividades do referido Conselho e dentre elas tem-se o atendimento ao
público. No caso, apesar de não executar programas, como dissemos, deve resguardar os
direitos que sejam ameaçados ou violados de crianças e adolescentes com vista a aplicar
medida protetiva. Nesse atendimento, o Conselho deve se relacionar de forma amistosa,
servindo como parceiro, para garantir que a rede social de proteção funcione. Dessa forma,
em todos os casos, deve ser um defensor e não acusador, contribuindo para que seja um aliado
na garantia de direitos. Nessa lógica, ameaçar as crianças e adolescentes somente reforça a
visão disciplinar e controladora do Conselho, inclusive fazendo com que não seja procurado
quando de sua necessidade. E, ao contrário, por estar inserido na comunidade, deveria
contribuir para garantia dos direitos das crianças e adolescentes da região, para que se
desenvolvam de forma saudável e equilibrada, portanto, o diálogo com a comunidade e as
pessoas envolvidas nos casos deve ser considerado para decidir qual medida tomar (Quadros,
2011).
Já o Conselho Escolar, que segundo os entrevistados, é o órgão deliberativo da escola
145
composto por representantes da direção, coordenação, dos professores, pais, alunos e demais
interessados, pouco foi mencionado como contribuinte para a resolução das situações de
conflitos e violência, sendo utilizado somente em casos extremos e muitas vezes preterido por
ter uma função mais punitiva, incluindo expulsão do aluno, como no exemplo, “[...] Eu nunca
usei nem o Conselho Escolar, sempre pedem que a gente use o Conselho Escolar nesses
casos, mas o Conselho Escolar, ele age de uma forma muito punitiva, que não era o que a
gente queria” (Participante L, Escola 12), ou ainda como no trecho a seguir:
E depois de três registros, nós levaríamos isso pro Conselho
Escolar que é o... Órgão deliberativo da escola com o maior
poder de decisão, até porque fazem parte a diretora, a vice, e
representante de professor, de pais, de aluno, de todo mundo e aí
leva pro Conselho. O Conselho no caso se decidir pela exclusão
do aluno da escola, o aluno é excluído da escola, é dada a
transferência do aluno, ele vai procurar uma outra escola
(Participante G, Escola 7).
As escolas como instâncias essenciais para garantir os direitos das crianças e dos
adolescentes e ao integrar a rede social de proteção, contam com alguns parceiros, como o
Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD), como disponibilizado na sua
página eletrônica, é um projeto que foi implantado incialmente no Rio de Janeiro e,
atualmente, está presente em todo o Brasil, onde policiais militares (fardados e treinados)
desenvolvem um curso de prevenção às drogas e à violência na sala de aula, para tanto,
utilizam material didático próprio e trabalham com currículos específicos para alunos da
Educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, alunos do 5º ano do Ensino
Fundamental, alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, e para pais e responsáveis. Assim, de
acordo com essas funções, sua atuação se dá apenas no nível preventivo. Dessa maneira, nas
escolas pesquisadas, o PROERD atuou somente nos 5º anos realizando seu trabalho formativo
e não atuou quando as situações de violências já foram deflagradas.
146
Outro parceiro, que também não resolve as situações de violências dentro das escolas,
segundo os participantes, é a Ronda Escolar que é uma ação conjunta da Segurança Pública
com a Secretaria Estadual da Educação e da Cultura e o Ministério Público. Os policiais que
integram a Ronda são especializados nas ocorrências escolares e fazem um patrulhamento
ostensivo, como forma preventiva, nas redondezas dessas instituições, para tanto, mantém
integração com os gestores, professores, pais, alunos e comunidade, através de ações
como: checagem do entorno da escola, sua estrutura e acesso, contato com o gestor e com a
comunidade. Mas, como relatado pelos entrevistados, a Ronda Escolar não atua dentro da
escola, somente fora, inibindo violência, contribuindo para a proteção dos alunos em casos de
ameaças, para dispersar confusões na frente da escola, etc. É considerado um trabalho
preventivo, baseado na inibição de casos de violência através da presença da polícia9.
Diante dessa realidade, escola e família (quando contribui) são os atores responsáveis
pela resolução de conflitos e violências. Na escola, quem geralmente se envolve para resolver
os conflitos e violências, em sua maioria, é o coordenador pedagógico. Em algumas delas,
existe diferença entre o coordenador pedagógico, que nesse caso se responsabilizaria pelas
funções diretamente envolvidas com a educação e auxílio ao planejamento pedagógico dos
professores, e o coordenador de disciplina, que seria, em algumas escolas, um professor que
foi readaptado e passa a intervir nas situações que envolvem os alunos, incluindo indisciplina
e violência. Em outros casos, o diretor e/ou o vice-diretor também atuam. Na realidade, quem
presencia a violência entre os alunos já faz a primeira intervenção, seja para resolver ou
encaminhar para o coordenador pedagógico. O professor tem importante papel na detecção de
9 A relação entre polícia e escola é bastante complexa e envolve pontos de vista diferenciados. Apesar de não ser
o escopo desse trabalho discutir a inserção da polícia na educação, destacamos a pesquisa sobre violência nas
escolas realizada por Abramovay e Oliveira (2006) que traz, dentre tantos outros resultados, que apesar da falta
de segurança nas escolas, a vigilância policial nas instituições não é vista de forma unânime, e varia a partir dos
atores escolares. Inspetores, por exemplo, acham importante. Já em relação aos alunos, alguns afirmam temer a
presença dos policiais, enquanto outros desacreditam na polícia e tem uma postura crítica em relação ao tipo de
policiamento que é ofertado. Enfim, existem opiniões distintas sobre essa “parceria”.
147
conflitos e atuação na resolução das violências porque passa mais tempo em contato direto
com os alunos, entretanto, vários entrevistados relataram que esse profissional se
desresponsabiliza por tais situações que poderiam ser facilmente resolvidas já em sala de aula,
e, em alguns casos, não acham que seja de sua competência atuar nessas situações.
A partir dessa exposição, percebe-se, ao mesmo tempo, que diversos atores atuam na
resolução de conflitos e violências e existe uma indefinição de papéis e responsabilidades,
seja das instituições maiores, escola e/ou família, seja no âmbito local sobre quem na escola
deve resolver: coordenador, diretor, professor, etc. Pelo relatado nas entrevistas, alguns
coordenadores acham que não é sua função resolver conflitos e violências, inclusive
sugerindo que deveria existir um profissional permanente na escola para resolvê-los; tem
casos que entendem que essas situações extrapolam os limites da escola; as famílias, muitas
vezes, sentem-se incapazes e não sabem como lidar; o Conselho Tutelar não atua; e, novos
conflitos e violências vão se formando e não há uma coparticipação efetiva.
Por outro lado, percebe-se que a postura da maioria dos profissionais é intervir nas
situações, dentro dos limites da demanda escolar, já que a escola tem que dar conta de
diversas atividades, todos os dias; o tempo é restrito, mas mesmo assim, existe uma
disposição para esgotar todas as possibilidades que se apresentarem para evitar prejuízos para
os alunos, incluindo a expulsão e transferência, ou ainda judicialização das violências
escolares; os profissionais procuram resolver as questões de forma educativa, em sua maioria,
preterindo os processos punitivos; e, existem também aqueles que aplicam punições e o
regimento escolar existe para responsabilizar quando acontecem descumprimentos das regras,
nesses casos, a postura é pela via mais fácil de resolução, retirar o problema da escola.
Dito tudo isso, mais do que se preocupar sobre quem é o responsável e de quem é a
função para resolver conflitos e violências, deve-se atuar de forma imediata nessas situações
para evitar o seu agravamento ou o aparecimento de outras. Como a escola se dedica às
148
diversas atividades e os coordenadores e diretores, muitas vezes, sentem-se sobrecarregados,
bem como na maioria das famílias os pais trabalham o dia todo e não podem comparecer e
contribuir na formação escolar, estratégias preventivas deveriam ser fortalecidas para evitar a
atuação somente nos casos em que a violência já aconteceu. Ao mesmo tempo, outras
estratégias precisam ser pensadas para que a relação escola e família realmente aconteça e
favoreça o desenvolvimento dos alunos.
No próximo eixo, discute-se a atuação da Justiça Restaurativa nas escolas municipais de
Natal/RN, através das ações implementadas pelo Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas
Escolas. No eixo seguinte, apresentamos as estratégias que as escolas usam e que poderiam
ser utilizadas para atuar no nível preventivo às violências nas instituições escolares.
4.2.2. Justiça Restaurativa nas escolas
Nesse eixo, são discutidas as experiências que as escolas municipais de Natal/RN
tiveram com a Justiça Restaurativa, através das ações do Núcleo de Justiça Juvenil
Restaurativa nas Escolas (que atividades foram desenvolvidas, como e quem participou), mas
também de que maneira essa forma de resolver conflitos pode se constituir como uma prática
das instituições escolares (como a compreenderam, se a utilizam no seu cotidiano, quais as
possibilidades e os limites). Além disso, é importante discutir as relações entre escola e
justiça. Portanto, o eixo se subdivide em cinco categorias criadas a partir da leitura e análise
dos dados constantes nas doze entrevistas semiestruturadas, são elas: desenvolvimento das
práticas restaurativas; entendimentos acerca da Justiça Restaurativa; relações entre escola e
justiça; avanços das práticas restaurativas; e, limites das práticas restaurativas.
Cabe destacar que não é o intuito dessa pesquisa avaliar as ações do Núcleo, tampouco
como as escolas resolvem suas situações de conflitos e violências, mas problematizar de que
149
maneira a Justiça Restaurativa pode contribuir para resolver essas questões escolares,
inclusive se pode ou não se constituir como uma prática das instituições, seja no sentido de
adequação ao contexto escolar, quer dizer, se e como a abordagem restaurativa é passível de
utilização nas escolas e que ajustes são necessários para sua efetiva utilização, a disposição
das instituições para isso (tempo, pessoal e concepções sobre conflitos e violências) e
parcerias necessárias, como a do NJJRE. Ainda salienta-se que apesar da JR se expandir pelo
Brasil ao longo desses anos, e nos mais variados contextos, não acontece da mesma maneira
em cada tempo e espaço, existem as especificidades locais que caracterizam a sua
implementação em dada localidade, seja o público atendido, quem executa, etc.
a) Desenvolvimento das Práticas Restaurativas
A categoria em questão refere-se a como o Núcleo chegou às instituições pesquisadas,
as ações desenvolvidas, como foram executadas e quem participou. Percebeu-se que houve
diferenças na forma de apresentação inicial do Núcleo às escolas. Em algumas, a entrada se
seu através de ofício, informando sobre suas ações, contatos e quando poderia ser acionado;
em outras, o contato inicial se deu através de visita do próprio NJJRE às escolas, se dispondo
a resolver os conflitos, nesses casos, em várias instituições, o Núcleo participou de encontro
com diversos membros escolares para se apresentar; e, outra forma de conhecimento foi
através da 58º Promotoria de Justiça da Educação que já realizava um trabalho com os
gestores e coordenadores escolares, e como o Núcleo vincula-se, incialmente, a essa
promotoria, foi apresentado em um desses encontros e disponibilizou-se para quando as
escolas precisassem.
Uma vez que as escolas conheciam o NJJRE, segundo os entrevistados, este passou a
atuar sempre que solicitado e através de visitas (institucionais e de captação de conflitos,
150
como consta nos relatórios). Nas primeiras visitas, o NJJRE conversou com a direção e
coordenação das escolas como uma maneira de fazer um diagnóstico institucional para saber
como resolviam as questões de indisciplina e violência. Outra ferramenta utilizada
incialmente foi a análise dos Livros de Ocorrências. Além disso, havia o atendimento in loco
já nessas visitas, ou seja, ao chegar às escolas atendiam casos de conflitos e violências,
quando aconteciam durante esse momento.
Basicamente, a partir das entrevistas, verificou-se que o Núcleo desenvolveu três tipos
de ações: orientações, formações e os encontros restaurativos (incluindo todas as suas etapas).
Em algumas escolas, o Núcleo recebeu demandas que não eram de conflitos e violências, mas
fez a escuta e os encaminhamentos necessários. No campo da orientação, algumas escolas
relataram que, em casos específicos, não houve necessidade da atuação do NJJRE diretamente
no conflito ou violência, mas, foram orientadas a como agir ou tiraram dúvidas de como fazer,
além de que o Núcleo também deu orientação sobre como atuar e registrar as situações que
acontecem na escola, alertando para a importância desse acompanhamento e registro de modo
que se possa ter estatísticas das violências nas escolas a cada ano, o que foi ou não resolvido,
etc. Sobre isso, o trecho abaixo ajuda a ilustrar:
[...] nós já tínhamos esse trabalho de conversar com o aluno
antes, não fazer confronto, evitar sempre confronto de aluno
com o pai do menino que foi agredido, de professor com o
aluno, a gente sempre ouvia separadamente, então, assim, eles já
viram que o trabalho da escola era bacana e nos orientaram de
forma mais específica: 'Olhe, façam um livro de registros,
guardem esses registros porque a gente precisa ter uma
estatística do que tá acontecendo de um ano pra outro, como é
que vocês tão conseguindo resolver e aí a gente foi contando
dessa mesma forma (Participante A, Escola 1).
Outra atividade desenvolvida foi a chamada ambiência restaurativa, que de acordo
com o Núcleo, diz respeito às ações que preventivamente buscam criar um ambiente saudável
151
e que as relações aconteçam de forma positiva com a resolução pacífica dos conflitos. Os
entrevistados não chamaram assim, comentaram que participaram de formações e foram
realizadas palestras nas escolas, com alunos, gestores, coordenadores, professores,
funcionários, etc. Essa atividade pareceu ser menos frequente quando comparada às demais
ações, entretanto, quando aconteceu, foi vista de forma positiva e necessária, inclusive,
quando se falam dos limites da atuação. O trecho a seguir reflete a importância de a formação
ser realizada de forma mais duradoura nas escolas:
É... eu acho que o período que o Núcleo de Justiça Restaurativa
foi implementado aqui na escola, foi um período muito bom,
porque tem a formação, e essa formação... trabalhava em... as
lideranças da sala de aula, né, não era só uma turma, trabalhava
em todos os líderes de sala, então a, a... esqueci o nome da
mediadora, agora, ela trabalhava com cerca de trinta alunos, né,
de todas, de todas etapas. E essa formação... promovia uma
reflexão muito boa entre eles, em todas as séries, né, porque a
liderança, como é que se resolve o conflito, também, na sua
turma, tanto como aluno como também mediador, né, desses...
desses conflitos que acontece na escola, porque eles também...
eles discutem, então trabalhava também muito o protagonismo
juvenil. Então foi um período muito bom, foi um período que a
gente tinha [pausa] a... o acesso, né, o acesso maior em relação a
esse serviço que nós temos, que é o acesso ao serviço de
psicologia, do Núcleo, né, o acesso ao serviço social, e a própria
mediação, era muito bom (Participante E, Escola 5).
A última atividade desenvolvida foi o chamado encontro restaurativo, que se divide
em três etapas: o pré-círculo, em que se conversa com os envolvidos individualmente e ouve-
se o que cada um tem a dizer, convidando-os para participar do círculo; em seguida, tem-se o
círculo restaurativo, em que a ofensa é trabalhada e conta com a participação de todos que se
envolveram direta e indiretamente na situação (vítima, agressor, familiares, comunidade e
facilitadores) para buscar sua resolução coletiva; e, por fim, o pós-círculo para acompanhar se
o que foi decidido no círculo está sendo cumprido. Todas as escolas passaram por essas três
152
etapas, umas mais e outras menos, mesmo que as escolas não tenham conhecimento sobre
esses termos. Aliás, nenhuma escola usou essas denominações específicas. As escolas
chamavam de mediação o círculo restaurativo; os pré-círculos foram vistos como momentos
de conversa com alunos e famílias individualmente; e o pós-círculo como acompanhamento
para saber como os alunos estão após a atividade. Para alguns casos, somente os atendimentos
de pré-círculo já surtiam efeito, outras vezes, era preciso que todas as etapas fossem seguidas.
O trecho a seguir mostra como era feita a intervenção do Núcleo:
[...] Existia, primeiramente, um contato individual, muitas vezes
era o assistente social, muitas vezes a psicóloga, e
posteriormente, após o contato primeiro, se houvesse
necessidade [uma criança entra na sala]. Pois é, então, com
certeza, em uma situação necessária se chamava a coordenação,
a mãe, o aluno, os representantes da... e em algumas vezes, até a
direção. Então, o objetivo principal era se chegar em uma
conciliação. Então, essa conciliação se dava primeiramente em
uma conversa individual, esperava-se um posicionamento. Eles
sempre acompanhavam: e aí, tivemos aquela conversa. Eles
sempre acompanhavam nesse sentido. Tinha uma conversa
primeira, posterior eles voltavam e procuravam a coordenação,
observavam como se encontrava o aluno, se ele tinha realmente
mantido uma boa conduta ou se tinha reincidido novamente no
erro. Então, não tendo uma resposta, sentava a coordenação
junto com a Justiça Restaurativa (Participante H, Escola 8).
E quem participava dos círculos restaurativos? De acordo com os entrevistados, em
primeiro lugar, os alunos que se envolviam nos conflitos. Em segundo lugar, coordenadores
pedagógicos, diretores e vices que eram as primeiras pessoas de referência que o Núcleo
procurava, ou eram os responsáveis pelas comunicações das situações, e, ainda aqueles que
acompanhavam a ação do NJJRE. Em seguida, têm-se as famílias que também eram
convidadas a participar do processo. E por fim, os demais membros escolares, como os
professores que pouco se implicaram nas ações, sejam para conhecer ou contribuir.
153
Então, em um exemplo de círculo restaurativo que abarcou um número maior de
pessoas, participaram: os alunos envolvidos, seus familiares (pais, mães ou responsáveis),
representantes da escola (coordenador e/ou diretor e vice) e os facilitadores do Núcleo
(psicóloga e o assistente social, além de, eventualmente, os estagiários acompanharem). Em
círculos com menor número de participantes, estavam presentes os alunos envolvidos e os
facilitadores. Cabe destacar que, na etapa de pré-círculo, os técnicos do NJJRE conversavam
com quantas pessoas da comunidade escolar fosse preciso para ter um diagnóstico da
situação, inclusive, realizavam visita domiciliar se fosse necessário.
É interessante observar que essa participação também variou de escola para escola,
assim como o local onde os encontros aconteciam. Em todos os casos, os envolvidos nas
situações conflituosas e de violências participaram dos círculos restaurativos; em boa parte, os
representantes escolares também participaram, mas houve casos em que isso não aconteceu; a
família também participou bastante, mas da mesma forma, não foi sempre convidada a
participar. Em poucos casos os professores participaram, e, em nenhum círculo restaurativo,
representantes da comunidade foram chamados.
Essa provável exclusão de alguns interessados nessas situações compromete a forma
como a Justiça Restaurativa tradicionalmente acontece e entende as ofensas e os crimes: como
violações da pessoa e dos relacionamentos, nesse sentido, não somente o ofensor e a vítima
são afetados, mas a comunidade, uma vez que tais ações rompem com o sentido de inteireza
do tecido social (Zehr, 2008). Como explicitado acima, diversas pessoas que comporiam essa
comunidade são deixadas de lado nos exemplos de círculos restaurativos citados pelos
entrevistados, como os representantes escolares, a família e a comunidade onde a escola se
localiza, que sequer teve algum representante.
Entretanto, deve ser problematizada a participação de atores que desconhecem os
valores e princípios de Justiça Restaurativa porque o procedimento pode ser tornar mais um
154
espaço de não responsabilização efetiva, baseada na punição e sem efeitos de fato positivos
para a vítima e para a restauração das relações na escola. Até porque mesmo que os alunos
não se tornem amigos, ainda vão permanecer convivendo no mesmo local, por isso, a
importância da JR de fato promover uma mudança na forma de enxergar o conflito e sua
forma de resolução prescinde proximidade de visão daqueles que integram as práticas. Nesse
sentido, a participação da comunidade, por exemplo, sem uma formação prévia ou,
minimamente, conhecimento sobre os procedimentos e princípios pode trazer para os círculos
participantes que não se identificam com essa forma de enxergar as ofensas e sua resolução.
Ao mesmo tempo, concentrar as ações na figura de representantes escolares
específicos, como os coordenadores e gestores - os quais comunicaram os casos ao Núcleo e
fazem o acompanhamento do andamento da resolução - talvez tenha contribuído para que a
prática não se disseminasse pela escola. Sobre isso, quando os entrevistados foram
questionados a respeito da participação de professores e se as demais pessoas das escolas
conheciam as ações ou se participavam, vários deles relataram que o professor não tinha
interesse, ou somente falava do comportamento dos alunos em sala de aula, não participando
efetivamente da prática restaurativa, como o círculo. Além disso, poucos foram os casos em
que eles se envolveram, somente quando eles próprios eram partes do conflito ou violência.
Como alguns entrevistados relataram, ao serem questionados sobre os limites da JR, as
ações deveriam acontecer por toda a escola e todos os membros deveriam participar. Mas, o
que as escolas tem feito para que isso se dissemine? O NJJRE tem como contribuir nessa
multiplicação das ações? São elementos que serão discutidos mais adiante, porém, cabe
destacar que as escolas, algumas pelo menos, buscavam dar notícias sobre os casos
acompanhados pelo Núcleo nas reuniões com equipe. Muito mais no sentido informativo do
que um diálogo sobre o que poderia ser e foi feito com os alunos. Por isso, além de outros
elementos, o conhecimento sobre a JR e sua prática se concentrou em quem manteve contato
155
com o Núcleo e reflete no fato de a escola possuir funcionários que nem ouviram falar da JR.
Assim, os momentos formativos também são interessantes e precisam acontecer com maior
frequência para atores diversos nas escolas, mas, depende de disposição das instituições para
acontecer e tempo suficiente, inclusive do Núcleo.
Sobre o número de casos entre alunos atendidos, os entrevistados relataram, que o
Núcleo interviu em torno de três situações; em situações mais graves, recorrentes, e nas quais
as escolas não davam contam; ou ainda, em casos entre funcionários, os quais aconteciam
com menor frequência. Essa informação sobre o número de casos não está de acordo com o
que consta nos relatórios do Núcleo. De fato, em algumas escolas o NJJRE atuou em três
casos, mas em outras foram bem mais. Isso faz questionar mais uma vez a ideia de como a JR
se disseminou nas escolas, especialmente, porque o Núcleo atuou em caso X, em horário X,
com o acompanhamento do coordenador X, que talvez trabalhe somente nesse turno na escola
e pode só ter acompanhado um caso, por exemplo. Some-se a isso que a entrevista pode ter
sido feita com esse coordenador e, portanto, somente tem-se os elementos que esse
entrevistado trouxe.
Cabe destacar que o Núcleo atuou, de acordo com as escolas, nos casos em que elas
não conseguiam ter uma solução, servindo como um recurso nesses momentos considerados
difíceis. Inclusive, algumas escolas relataram a importância dessa parceria por não se sentirem
sozinhas, sem uma rede de apoio, como deveria existir. Sobre tais pontos, os trechos a seguir
ajudam na compreensão:
[...] como eu já falei anteriormente, o que a gente pode resolver,
a gente vai resolvendo, certo; então, digamos assim, a a o
Núcleo é para nós uma carta na manga, quando a gente não
consegue, então a gente chama. Então, a gente não procura que
isso seja, não procura deixar isso como um cotidiano, mas como
algo que a gente sabe que tem ali um coringa pra usar na hora
que a gente..., encerra nossos esforços, digamos assim. Então, a
gente, que eles passaram pra gente, é a prática que a gente
procura utilizar e quando a gente não consegue, aí a gente
156
chama eles. Mas, utiliza também as ferramentas como eles
passaram, né (Participante B, Escola 2).
Eu não assisti a entrevista, o encontro. Não, eu sei que o do
menino, dos meninos que tiveram que ser orientados no
Ministério, os pais foram chamados ali, foi todo mundo, a
família e os meninos, a coordenadora, a outra coordenadora, e
XXX que é a vice-diretora, foram assistir essa reunião, lá foi
essa questão mesmo de conversar, de dialogar, de, de cada um
expor-se, abrir-se, né? Contar como era que tava vivendo, que é
que aquilo tinha causado na família [...] E entre os funcionários
houve um conflito, um bate boca, e justamente no dia que eles
vieram tinha ocorrido o fato, as duas funcionárias se
disponibilizaram a ir conversar, essa conversa foi a portas
fechadas porque é uma coisa bem... [Entrevistadora – Mas foi lá
também?] Foi aqui, foi aqui na sala de informática. Como é uma
coisa bem particular das duas, né? Não ia expor pra todo mundo
e elas conversaram, cada uma abriu seu coração também, contou
seus problemas, e graças a Deus as duas conseguiram fazer as
pazes no mesmo dia. Então foi bem interessante (Participante A,
Escola 1).
Esse último trecho envolve outro ponto importante, onde aconteciam as ações. Várias
escolas relataram que o círculo restaurativo acontecia na sede do Núcleo, localizada no
Ministério Público do RN. Em outros casos, acontecia na escola. E, em outras, ir para a sede
do Núcleo era um dos últimos recursos, porque nos casos mais difíceis e graves influenciava
ser no Ministério Público, por ter um “peso maior”. já que se trata da justiça. Esse fato traz a
problematização de que ir até o NJJRE pode ter implicações contrárias à voluntariedade do
processo restaurativo. Os alunos participaram porque se colocou com mais uma possibilidade,
ou porque foram coagidos por ter que escolher entre a JR ou uma punição? Além do mais, as
famílias e alunos sentem-se ameaçados quando se fala em justiça e isso foi constatado em
diversas entrevistas. Por outro lado, a prática acontecer na escola contribui para
desjudicializar as ações e garantir a informalidade dos procedimentos, que era um dos
objetivos do NJJRE. Ao mesmo tempo, esses alunos e famílias são oriundos de comunidades
em vulnerabilidade social, portanto, com várias violações de direitos e acesso a bens e
157
serviços. Nesse sentido, torna-se compreensível quando algumas escolas dizem que os alunos
se sentem importantes quando vem alguém de fora para conversar com eles nas escolas ou em
suas casas (para os casos em que o Núcleo fazia visita domiciliar também), como no exemplo
abaixo:
Aí então é... começou o trabalho com essas duas crianças, e um
foi fácil de reconhecer o erro, de querer é... mudar. Mas esse,
justamente, esse que era filho do policial, ele era bem resistente,
e não admitia que estava errado. Nunca estava errado, sempre
colocava a culpa no outro, a culpa era do outro. E depois de
várias conversas, não foi só um dia que eles vieram aqui; mas
eles vinham um dia, conversavam, ficava lá um tempo, até o
ponto assim dele realmente se sentir tocado, se sentir que ele
estava sendo importante aqui. E vinha um grupo aqui conversar
com ele, que sentia necessidade de mudar; então teve um dia
que ele chorou bastante, conversando com [o assistente social] e
disse que queria mudar, mas ele não tinha forças, que ele sempre
procurava agredir; e aí [o assistente social] continuou o trabalho
com ele assim tipo uma terapia, conversando com ele, até que
foi cada vez minimizando minimizando até o ponto dele não ser
mais agressivo (Participante B, Escola 2).
Ao compararmos a forma de atuação do Núcleo e das escolas para resolver os conflitos
e violências, podemos perceber que acontecem de forma semelhante. Em ambos os casos, o
diálogo é o instrumento essencial de trabalho; os envolvidos são ouvidos, mesmo que nas
escolas não exista a etapa de pré-círculo (quando se conversa individualmente com cada um,
antes de qualquer procedimento de mediação); e, são feitos os registros tanto nas escolas
quanto no Núcleo - embora as escolas pouco tenham mencionado os procedimentos formais
realizados pelo NJJRE, mas nos relatórios está registrado que cada etapa tem o seu
instrumento específico e, no caso do círculo, ainda tem o acordo que deve ser assinado por
todos. Enfim, alguns entrevistados relataram que o trabalho que o Núcleo fez a escola já vinha
fazendo, e, talvez por isso não tenha tanta violência nessas escolas. Nesses casos, o Núcleo
acrescentou às ações já desenvolvidas a orientação sobre como melhor proceder; por contar
158
com profissionais, segundo os entrevistados, preparados para resolver conflitos e violências;
por ser um órgão da justiça conferindo credibilidade e respaldo legal; e a família e os alunos
“ouvem melhor alguém que vem de fora para ajudar”. Sobre a semelhança entre o trabalho da
escola e do Núcleo:
Bom, como eu definiria a prática da Justiça Restaurativa?!
Definiria como uma ação que tem o objetivo principal encontrar
uma solução, né? A partir do diálogo com a instituição, família e
o próprio aluno. Geralmente há um conflito existente por quebra
de normas, falta de entendimento de determinada situação
[celular]. Como eu tava falando, as práticas restaurativas elas
estão ligadas diretamente a busca de um solução de um conflito
entre a instituição, a família, os alunos. E geralmente a
coordenação que faz esse papel. E aqui na escola nós temos aí
uma política de fazer os devidos registros, temos um
acompanhamento pedagógico muito próximo. O aluno que
acaba cometendo um deslize, ele é chamado para a coordenação,
se orienta, faz a orientação, é chamado, se necessário são
chamados os pais e os pais comparecem a escola (Participante
H, Escola 8).
Como se pode perceber, a JR é vista atrelada à ação do NJJRE. Outros fatores também
contribuem para isso, mas mesmo os profissionais terem compreendido do que se trata essa
abordagem, ainda assim, associam-na ao que foi feito pelo Núcleo e dificilmente querem
transpor essa barreira da concepção versus a execução. Mais adiante, retomaremos esse ponto.
Todos esses elementos relacionados à participação nas atividades desenvolvidas, e as
diferentes formas de experiências, demonstram que a JR, e sua prática, é adaptada à realidade
escolar, funcionando a partir do contexto em que se insere. Além do mais, varia conforme
quem executa, por isso, as estratégias de aproximação, registros, local onde acontece, quem
deve participar, também são influenciados pelo momento e experiências dos facilitadores. Por
exemplo, já que as ações foram realizadas pelo Núcleo, os primeiros contatos entre a JR e as
159
escolas permitiram uma forma de atuação que poderia ter sido ampliada e aperfeiçoada no ano
seguinte de atuação, mas, como o Núcleo estava em processo de implantação e aqui no estado
não existiam iniciativas de JR, tudo foi muito experimental e ainda continua sendo, porque
não é uma prática consolidada. Iniciou-se em 2012, permanecendo até meados de 2013,
quando interromperam as ações, e somente retornaram em 2015. São quase quatro anos de JR
no município de Natal/RN, mas não aconteceu efetivamente durante todo esse período. Sem
contar os limites que a equipe possui, chegando inclusive a ter apenas um técnico para realizar
as ações. Infelizmente, de um lado ou de outro, existem limites estruturais que comprometem
o trabalho realizado, mesmo que haja muita disposição para fazer o melhor trabalho.
A despeito desses detalhes que mereceram destaque, 11 escolas se mostraram
satisfeitas com as ações desenvolvidas, apesar de, essencialmente, atuar de forma pontual, na
resolução de casos. Além disso, apesar de saberem do baixo efetivo de profissionais para
todas as escolas da cidade, os entrevistados reconheceram que o Núcleo sempre estava
presente, dentro dos limites estruturais da equipe, e acompanhava, também, ligando para as
escolas para saber como estavam e se precisavam de intervenção, além de que fazia as visitas
regularmente e as escolas também poderiam entrar em contato para avisar da necessidade de
intervenção. Apesar disso, uma escola achou que a atuação do NJJRE fez pouca diferença no
cotidiano, por atuar em alguns casos específicos, mas ainda assim, reconhece que a Justiça
Restaurativa tem potencial para trabalhar os conflitos e violências. Na maioria, relataram que
os alunos não reincidiram, ao menos com o mesmo colega, e teve uma resposta rápida.
Foi nesse contexto escolar que as práticas restaurativas se desenvolveram, através da
atuação do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas. Ou seja, a forma como
aconteceu possibilitou que a Justiça Restaurativa fosse entendida, majoritariamente, a partir
da prática do Núcleo e não como uma forma que a escola pode incorporar e executar. Isso vai
se refletir nas demais categorias que seguem.
160
b) Entendimentos acerca da Justiça Restaurativa
Nessa categoria, discute-se o que os participantes entendem por Justiça Restaurativa
ou Práticas Restaurativas. Os entrevistados demonstraram compreender o significado da
Justiça Restaurativa e como acontece, entretanto, alguns elementos dificultaram o
entendimento, como: quando era falada Prática Restaurativa, alguns poucos, não
compreenderam a pergunta; sua compreensão está intimamente relacionada ao que o Núcleo
fez e ao que é, como já explicitado anteriormente, portanto, limita-se ao conhecimento
prático; e, por fim, ainda observou-se que algumas vezes a JR foi confundida com o
programa Justiça e Escola10
, que acontece em diversas instituições no estado, provavelmente
porque ambas são inciativas do judiciário.
Sobre a confusão com os nomes dos programas, tratam-se de propostas totalmente
diferentes, o Justiça e Escola atua no nível formativo sobre valores essenciais ao exercício da
cidadania e esclarecimentos sobre a justiça e caminhos do Judiciário, buscando uma
aproximação da população escolar com a justiça, essencialmente, já que acontece nas escolas.
A Justiça Restaurativa, por sua vez, é um método de resolução de conflitos de forma não
violenta que vem sendo utilizado em várias partes do mundo e tem se difundido no Brasil há
mais de uma década.
Sobre os entendimentos propriamente ditos, os entrevistados utilizaram o próprio
termo para ajudar a explicitar suas concepções, assim, para os participantes a JR é “restaurar o
humano”, “restaurar as alianças”, “a confiança quebrada”, “restaurar os elos de amizade
10
O programa Justiça e Escola é uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte
(TJRN), através de ações de cidadania que aproximem o Judiciário e a Educação, trabalhando a interface dessas
duas instâncias na explicação de direitos e deveres para alunos, pais, professores e comunidade em geral, e a
forma de exercê-los. O programa foi criado em 2007 e já é desenvolvido em 26 municípios do RN, além disso,
utiliza a metodologia “O Caráter Conta”, que trabalha a formação ética nas escolas através de seis pilares
fundamentais: cidadania, responsabilidade, respeito, sinceridade, senso de justiça e zelo.
161
quebrados”, “restaurar a paz”, “restaurar o que não tá bem”, “restaurar aquela ferida que foi
criada”, “restaurar o ambiente que a escola tem que ter, que é um ambiente acolhedor”, e “um
novo olhar para a mudança”.
Assim sendo, as expressões utilizadas de fato consideram os objetivos da Justiça
Restaurativa, ou seja, trabalhar os conflitos, crimes e violências, de modo a restaurar o tecido
social rompido e, para tanto, é preciso uma mudança de postura. Complementando, Zerh
(2008) alerta para o fato de que os atos de restauração, dentro do contexto da justiça, devem
contrabalancear os danos decorrentes de um crime, ou seja, não devem, ao contrário, provocar
mais violência. Não tem como fazer uma restauração completa ou voltar ao nível anterior ao
cometimento de um crime e/ou situação de violência, mas é preciso transformar as pessoas e
relacionamentos de modo que a violência não seja a resposta e, dessa maneira, “a justiça pode
significar uma mudança ao invés da volta a uma situação anterior” (p. 179).
Nessa lógica de transformação, a forma como o conflito e sua resolução são vistos se
diferencia e importa-se com a relação e não atribuição de culpa para aplicar uma punição.
Para Aguiar (2009), a Justiça Restaurativa é entendida como uma reformulação do que se
entende por justiça e busca trabalhar a compreensão sobre as situações conflituosas, primando
pela humanização do processo ao procurar identificar as necessidades dos envolvidos (direta e
indiretamente), bem como sua responsabilização para que de alguma forma se comprometam
e construam uma solução. Assim, a JR se constitui como um novo paradigma para olhar a
situação conflituosa e assume um caráter participativo, uma vez que as partes envolvidas
atuam na construção do processo decisório em direção a uma solução transformadora.
Como mencionado anteriormente, definir Justiça Restaurativa teve por base a
experiência que as escolas tiveram. De todo modo, esse único contato com a JR pode ter
influenciado à associação da prática a quem executou, ou seja, ao Núcleo. Por isso, alguns
entenderam que seria um programa e não uma abordagem ou método, inclusive, isso reflete
162
na continuação ou não do uso dessa forma de resolver conflitos, após a paralisação das
atividades do Núcleo. Sobre o entendimento da JR como a própria ação do Núcleo:
A Justiça Restaurativa? Eu num sei se eu posso chamar de
órgão? Eu acho que é um órgão da justiça que está aí pra ajudar,
né, principalmente no, no, no meio escolar a acabar com a, a, a
agressão. Ajudar, orientar, mostrar, porque ela vem e mostra
'olhe, é assim, assim, assim. Você num pode tá agindo desse
jeito. Você tem direito, a outra também tem'. Entendeu? Mostrar
isso aí, porque às vezes a gente tenta falar com o aluno e ele não
compreende ou então ele 'ah, a senhora tá falando só por falar'
[...] Eu acho que, que traz muitos benefícios, eu acho que valeu
a pena ter acontecido isso, no sentido de ajuda, né, [...] foi muito
bom ter acontecido na escola. Eu espero que tão cedo não
precise. É igual plano de saúde, você paga, mas reza pra não
adoecer. Então, é um órgão ótimo, maravilhoso, que ajuda, mas
a gente pede pra que ele não precise vir na escola, né
(Participante I, Escola 9).
Apesar das pequenas dificuldades de compreensão, seja por confundir as ações, ou por
associar a JR à prática do Núcleo, ou somente aos nomes Justiça Restaurativa (para os casos
em que foram questionados sobre Práticas Restaurativas e alguns perguntaram novamente),
todos demonstraram entender o que significa e, portanto, os trechos a seguir são
representativos de como a compreendem:
Bom, como eu definiria a prática da justiça restaurativa?!
Definiria como uma ação que tem o objetivo principal encontrar
uma solução, né? A partir do diálogo com a instituição, família e
o próprio aluno. Geralmente há um conflito existente por quebra
de normas, falta de entendimento de determinada situação
[celular]. Como eu tava falando, as práticas restaurativas elas
estão ligadas diretamente a busca de um solução de um conflito
entre a instituição, a família, os alunos (Participante H, Escola
8).
O que eu entendo é restaurar, é restaurar aquele o ambiente que
a escola tem que ter, que é um ambiente acolhedor, que é um
ambiente que precisa tá transmitindo conhecimento, e não um
163
lugar pra você tá constantemente brigando, né? É é é trazendo a
desordem, é um lugar que a Justiça Restaurativa vem, o nome já
tá dizendo, pra restaurar aquela harmonia do ambiente que tem
que ser a escola, entendeu? Ah e pra isso, e pra isso, ele conta
com a escola, conta com a família e conta com a equipe do
Núcleo, e com Deus né? Com essas três pessoas, com essas três
figuras, instituições; escola, família e o corpo do Núcleo,
entendeu? Só funciona assim, porque se for o Núcleo sozinho,
não funciona; a escola sozinha, não funciona; e a família
também, sozinha não funciona. Ela vem pra restaurar esse
equilíbrio que a escola precisa ter, pra que as coisas funcionem
bem dentro da escola, entendeu? Porque pense numa coisa ruim
é você tá numa aula e ter que administrar um conflito, acabou-se
a aula, acabou-se a aula, então acho que é basicamente isso...
(Participante K, Escola 11).
Pelos exemplos citados, os entrevistados compreendem o que de fato é a abordagem
da Justiça Restaurativa. Por outro lado, entender a JR restrita ao Núcleo desobriga as escolas a
buscarem compreender o método e usar no cotidiano, especialmente, porque o Núcleo parou
suas atividades, mesmo que momentaneamente, como explicado anteriormente. Portanto,
deveria existir um movimento para compreender que a JR transpõe a atuação do Núcleo e
pode se inserir no cotidiano escolar, com os próprios profissionais das escolas sendo
protagonistas do processo. Salienta-se também, que em algumas escolas os profissionais que
tiveram contato usam o que conseguiram aprender no dia a dia, inclusive, no retorno do
Núcleo em 2015, uma das escolas estava começando a fazer formações e usar a JR no
cotidiano. Entretanto, como essa informação foi obtida posteriormente à coleta de dados,
através de contatos com o NJJRE, não foi investigada, além de que à época da coleta essa
mesma escola não relatou isso.
164
c) Relações entre escola e justiça
Essa categoria diz respeito à relação que se estabelece entre a escola e a justiça. Nesse
caso, foi através do Núcleo, então, a discussão se baseia em compreender de que maneira esse
envolvimento interfere na comunidade escolar.
As escolas fazem um trabalho semelhante ao realizado pelo Núcleo, de conversar com
os alunos, tentar mediar a situação, resolvendo da maneira mais educativa o quanto for
possível, evitando, portanto, a punição pela punição. Além disso, seguindo o fluxo de
atendimento dos conflitos escolares, a família tem sua participação em momentos específicos.
Na Justiça Restaurativa, pretende-se restaurar as relações que tiverem uma quebra no seu
tecido social quando do acontecimento de um conflito, violência ou crime, para tanto, os
envolvidos, direta e indiretamente, devem trabalhar a situação de forma a considerar as
necessidades e responsabilidades. Isso não significa que as pessoas tenham que conviver, mas
devem manter o respeito que também foi quebrado.
Nesse sentido, quando as escolas foram questionadas sobre o que a JR acrescenta à
forma como já trabalham, um dos pontos relatados foi o respaldo legal do Núcleo. Ou seja,
voltam para o entendimento da prática associada à ação, mas, principalmente, por ser um
órgão da justiça, que segundo os entrevistados, tem mais autoridade do que a escola. Além
disso, o Núcleo dá respaldo legal e legitima as ações que constam nos dispositivos jurídicos,
como o ECA, e que as escolas se sentiam inseguras de executar. Nesse sentido, o Núcleo
aprovava ou orientava algumas ações.
Sobre essa visão positiva e de credibilidade da justiça, um dos profissionais
entrevistados ainda acrescentou que a justiça estar presente na escola é uma forma de
trabalhar os direitos e ser um caminho para o acesso à justiça de uma parcela da população
que não tem isso no seu cotidiano e raramente a vivencia:
165
Para pessoas com poucas informações, a justiça parece uma
coisa muito elevada, muito alta, entendeu? ‘Ai a Promotoria da
Justiça estava aqui!’. Ai tinha um peso, o peso de que a justiça
estava se incomodando com a violência na escola, estava
acontecendo na escola [...] isso pra aquela mãe, pra aquele pai,
pra aquele aluno era tipo assim ‘eu to ouvindo alguém aqui que
sabe o que tá dizendo’. [...] Você que vem da Justiça, você sabe
muito mais quais são as sanções, quais são os caminhos, por
onde eu devo caminhar, certo? Porque eu to na escola eu
entendo de dar aula de Biologia de dizer o que é um ser vivo, o
que é blá blá... E você que veio da justiça não! Até porque
assim, os pais eles... São muito carentes dessa coisa da Justiça,
né? Porque ainda parece assim uma coisa tão longe, tão distante,
certo? Que nunca na vida a maioria dos mortais nunca chegaram
perto de um juiz, nunca chegaram perto de um promotor [risos]
mas pra uma população é... Excluída, uma população sem...
Nenhum conhecimento, isso parece que sei lá [...] Tem muito
peso, tem muito valor, é valoroso! Então quando diziam ‘olhe
esse pessoal é da Justiça, tão aqui e tal’, as mães faziam um
milhão de perguntas ‘Ai porque se... E pode acontecer o que... E
a partir de agora eu procuro quem e tal’. Sim, coisas que nós na
escola não poderíamos responder jamais, nós não tínhamos essas
informações (Participante G, Escola 7).
Associada a essa credibilidade e a importância de se aproximar da justiça, os
entrevistados ressaltaram a necessidade de, muitas vezes, ser preciso um agente externo à
instituição porque faz mais efeito na resolução das situações de conflitos e violências do que
através da escola, já que os alunos estão acostumados e pode não surtir efeito esperado, além
disso, alguns entrevistados relataram que dá mais importância para a situação quando vem
alguém para ajudar, como no trecho a seguir:
[...] um um ditado popular que minha mãe dizia: ‘santo de casa
não obra milagre’; é... a presença de uma outra pessoa pra eles
assim, muitas vezes, é muito importante ter alguém de fora; eles
já estão acostumados conosco conversando e, às vezes, a
conversa pode até ter o mesmo teor, mas por ser uma pessoa
diferente, pra eles já tem uma conotação diferente, um peso
diferente, alguém que veio de fora para conversar com ele
(Participante B, Escola 2).
166
Nesse outro trecho, a entrevistada foi questionada sobre a possiblidade do NJJRE ser
um órgão permanente da instituição, se não causaria o mesmo efeito que, segundo eles, existe
na escola:
[Entrevistadora: Mas será que se o Núcleo ficasse constante num
ia acabar acontecendo o que acontece com você?] É, num sei! É,
é, mas assim, mas é, mas é diferente de você todos dias está e
você vir, por exemplo, uma vez no mês. Né? Quer dizer, e eles
gostam, e eles gostam de coisa diferente porque quando eles tem
a oportunidade de ter alguém pra repassar algo, uma palestra, ou
uma coisa do tipo, você percebe que os olhinhos deles brilham,
né? Porque é algo diferente, e, e, o dia a dia, o dia a dia, a
batalha, quer dizer, é um professor fala, o diretor fala, o
coordenador fala, é muita gente falando com aquela criança ao
mesmo tempo pra ele tentar é entender que ele precisa melhorar.
É diferente de ele ter duas pessoas conversando com ele
[referindo-se à equipe do NJJRE] (Participante D, Escola 4).
Apesar dessa visão positiva da justiça na escola, em várias instituições, incialmente, os
pais e alunos ficaram receosos com a Justiça Restaurativa ser do âmbito jurídico, por
exemplo, quando convidados a participar das ações, questionaram se haviam sido
denunciados ou algo do tipo. Em algumas escolas, inclusive, os gestores e coordenadores
omitiram a informação que se tratava da justiça, se referindo como um grupo que veio dar
apoio à escola. Em outros casos, após a compreensão das ações e “passado o susto inicial”,
alunos e pais entendiam a importância. Cabe destacar que a forma como a escola fez a
intermediação entre o Núcleo e os envolvidos em conflitos e violências pode contribuir
também para esse medo inicial, como por exemplo:
Tem, embora, agora assim, falha nossa, a gente não explicou
isso pra ninguém, pra os pais né, para os professores a gente
explicou né, o que era esse trabalho dentro da escola, mas para
os pais isso não foi explicado. Então quando você fala, quando
eu já comunicava para o pai, tinha uma conversa tal e tal, o
pessoal da Justiça Restaurativa, justiça né, aí o pai já ficava
meio assustado, então isso talvez intimidasse para que a coisa
fluísse né, melhor até do que o medo né, sair dos muros da
167
escola é um problema pra essas pessoas, então, a gente talvez
tenha... Esse nome tenha um peso grande pra alguns pais
(Participante L, Escola 12).
Porque assim, a gente não passava pra eles que era a justiça, nós
assim enquanto gestão da escola, tínhamos essa noção; mas para
os alunos, a gente passava que era é... profissionais de um
Núcleo que estava vindo para ajudá-los a solucionar o conflito.
A gente nunca passou assim porque nosso intuito foi sempre de
criar um elo de amizade. E quando se fala em justiça, em
promotoria, cria aquela conotação de punição; então, nós não
queremos que os alunos vejam como sendo punidos, mas sim
como um um amigo, parceiros da escola que estão vindo para
nos ajudar (Participante B, Escola 2).
Nesse ponto, deve-se problematizar se a possibilidade de intervenção do Núcleo foi
feita de forma voluntária ou foi imposta, seja pela escola e/ou pelo NJJRE. Assim, se houve
cuidado para que os participantes se sentissem livres para escolher participar e, não ser feita
uma oferta em que deveriam optar entre uma prática punitiva ou restaurativa, limitando as
possiblidades e restringindo o ato voluntário. Não se está falando que as escolas fizeram isso,
mas é preciso problematizar o medo gerado por se tratar da justiça e se a forma de trabalho da
JR foi explicitada e ofertada como mais uma possiblidade. Nesse quesito, uma prática de JR
deve ter como um dos requisitos iniciais a concordância em participar do processo (Aguiar,
2009), ou seja, “a participação é estritamente voluntária, e a aceitação, da alternativa
restaurativa, não pode ser imposta em quaisquer situações” (Pinho, 2009, p. 248). O trecho a
seguir deixa dúvidas quanto à postura empregada, especialmente porque somente nessa
escola, ao ser questionada se os alunos que participaram das práticas de JR se envolveram em
novas situações, a resposta foi não, mas acompanhada do medo de ser novamente
encaminhado ao Núcleo:
[...] eles ficaram, tipo assim, não participa de nada, não faz
nada, porque podem encaminhar pra o Núcleo. Então, até numa
festa, numa... em alguma atividade eles ficavam fechados, como
quem dissesse 'pronto, eu num vou mais, num gosto mais
168
daquela escola porque qualquer coisa eles me encaminham pro
Núcleo, eu vou ficar aqui na minha, aguentar, quando sair...' e as
famílias reclamarem demais 'você me encaminha pra justiça
como se a gente tivesse feito algo muito grave', eles entendiam
isso como se a gente tivesse denunciado os pais, né, a um órgão
diferente da escola que tava chamando eles para prestar conta de
uma ação [...] Se fecharam e ficaram com raiva da escola porque
a escola encaminhou (risos). A gente não notou novos conflitos
por parte deles e nem notamos, é... envolvimento com grupos,
eles ficaram de certa forma, tá entendendo? Meio isolados... eles
ficavam com muito medo, assim, a impressão que eles passavam
era isso, era medo de ser chamado pela justiça... num era
simples a escola que tava chamando, era a justiça, autoridade
maior que podia puni-los de alguma outra forma mais grave.
Eles sabem que a escola... a punição da escola não é grave, é
educativa (Participante C, Escola 3).
Ainda foi trazido pelos entrevistados o fato do Núcleo possuir equipe técnica
especializada, com profissionais “adequados” para lidar com questões de conflitos e
violências. Segundo os entrevistados, eles estariam mais instrumentalizados do que a escola
para resolver tais situações, porque estariam tecnicamente mias preparados, como se observa
a seguir:
Eu tive assim, o contato com a justiça restaurativa, exatamente
pela experiência aqui na escola, né? Na realidade, este trabalho
nós fazíamos sem um amparo profissional. Eu sempre na
conversa com os professores, eu falei que a escola precisa de um
corpo de especialistas, que são conhecimentos, outros, que estão
além dos nossos (Participante H, Escola 8).
É diferente, é... da escola, porque nós somos educadores, né
isso? Então, eu num sou, eu num sou uma psicóloga, eu num sou
uma assistente social, né? A gente tenta, a gente tenta ser tudo,
aliás, nós tentamos não, nós somos tudo um pouco sem saber,
sem perguntar, mas eu acho que, que, que eles escuta melhor
essas pessoas, eu acho que ele, eles reflete de ter outra pessoa
fora da escola falando (Participante D, Escola 4).
Todos esses elementos trazidos ressaltam a visão de que a escola aceita a entrada da
JR muito em função de ao Núcleo ser atribuída a função de resolver os conflitos e violências
que a escola não se sente preparada para lidar, que não tem tempo devido às diversas
169
atividades que desenvolve e a dinâmica escolar requerer intervenção imediata nessas situações
para que não se agravem, por achar que não é seu papel, dentre tantos outros motivos que
parecem justificar e demonstrar a necessidade da presença de alguém para se dedicar
exclusivamente a essa função. Dessa forma, se a escola já realiza um trabalho semelhante ao
Núcleo, porque não poderia acrescentar o que a JR traz de novidade? Delegando uma de suas
funções para alguém externo à instituição não deslegitima a autonomia escolar para resolver
seus conflitos e violências? Ou seja, as suas ações não estariam sendo substituídas?
Como se pode perceber no percurso realizado até aqui, existe uma lógica que atravessa
todas as categorias, o fato das escolas, em certo sentido, necessitarem se desresponsabilizar
por essa função de mediadoras de conflitos no seu interior. Entretanto, até mesmo nos casos
das escolas que relataram não mais possuir situações de violências, ou que quase não tinham,
também delegaram essa função ao Núcleo.
Então, alguém vir até a escola, resolver os problemas, ter respaldo legal, não utilizar
uma postura punitiva (que muitas escolas são contrárias), não interferir nas atividades diárias,
manter diálogo com as famílias, inclusive através de visitas domiciliares, preenche lacunas
que as instituições ainda não têm condições de fazer, especialmente, porque não existe uma
pessoa exclusivamente para isso. Além do mais, é cômodo para as instituições. Apesar disso,
todos os entrevistados, ao serem questionados, não acham que a autonomia da escola seja
comprometida com alguém de fora das instituições vir resolver situações de sua competência,
ao contrário, enxergam como parceiros e um apoio que não encontram em nenhuma outra
instituição pública. Portanto, não encaram como uma substituição do papel da escola,
inclusive, comentam que não perdem a autonomia porque participam dos processos, não
executando, mas acompanhando e se informando a cada nova medida. O NJJRE tem diálogo
constante com a escola, segundo os entrevistados.
170
Apesar de todos esses elementos fazerem sentido dentro da dinâmica escolar, todos
eles distanciam a escola de se aproximar enquanto executora de novas ações, como
implementar práticas restaurativas que sejam efetivamente realizadas pelos diversos atores da
comunidade escolar, contribui ainda para a prática ser atrelada a quem executa e se torna
distante de novos atores que a pudessem utilizar. Acredita-se que o Núcleo tem um papel
importante na desjudicialização dos conflitos e violências escolares, porque também é seu
escopo atuar de forma preventiva e evitar agravamentos de qualquer natureza. Além disso, é a
justiça dentro da escola atuando de forma educativa, dialógica e horizontalmente aos alunos e
profissionais da instituição. É, ainda, sem dúvidas, um importante movimento para
desinstituicionalizar práticas e evitar a judicialização de conflitos que podem ser resolvidos de
formas não punitivas, mas integrativas e que trabalhem os motivos e consequências das ações.
Quando a escola delega sua responsabilidade em intervir nas situações que lhe cabem
dentro do seu próprio espaço, associada à falta de apoio de órgãos como o Conselho Tutelar,
que deveria dar respaldo, e a falta de estratégias preventivas educativas para enfrentar as
situações de violências no seu interior, podem causar a judicialização das relações escolares
(Aguinsky, Avila, &, Pacheco, 2014).
Sobre a judicialização, em duas escolas viu-se uma postura mais punitiva, dando-se
preferência em alguns casos às suspensões e expulsões sem trabalhar os conflitos. Mesmo
mencionada em situações pontuais, outras escolas primam pela função educativa e buscam
esgotar as possibilidades de resolução para que não precisem ir para instâncias superiores,
como a justiça. Inclusive, em uma das escolas que teria uma postura mais restaurativa,
comentou-se sobre o papel judicializador da polícia ao encontrar alunos da escola cometendo
atos infracionais, mas que poderiam ser revertidos com medidas não tão drásticas:
[...] o militar parou, identificando que eram alunos da escola H
171
traz diretamente pra cá disse claramente que era um ato de
vandalismo e solicitou diretamente a Ronda Escolar, informando
claramente que diante do fato de saber que eram alunos com
mais de 12 anos deveriam ser encaminhados para a delegacia de
menores. Bom, o fato é que esses alunos foi feito um relatório e
esse militar saiu e deixou com a ronda. A Ronda Escolar, um
pessoal muito mais flexível agiu de uma forma diferenciada,
pediu a presença dos pais, fez a orientação e pediu para a escola
fazer um relatório e encaminhá-lo ao Conselho Tutelar. Ou seja,
medidas educativas, posso dizer assim. Evitando mais um
processo, mais uma situação complicada, ou o constrangimento
de um aluno que errou, mais errou pela primeira vez e muitas
vezes não tinha nem a noção da gravidade do fato (Participante
H, Escola 8).
Ou seja, algumas escolas entendem que algumas situações não precisam sair da escola
e ser resolvidas com intervenções judiciais. Por outro lado, existem situações que a escola não
consegue dar resposta e outras intervenções mais enérgicas se fazem necessárias, inclusive
por pressão da comunidade escolar, como no trecho abaixo:
Muitas vezes ameaça verbal é uma situação séria, de
discriminação, é um desrespeito grave e fim esse desrespeito
feito aí fora, como acontece com a questão da homofobia.
Quando é feito aí fora é visto como um crime, quando é um
adolescente quer passar a mão na cabeça, mas muitas vezes o
adolescente ele não faz, ele num faz aquela ‘olhe, e num diz não
meu intuito não foi’ e muitas vezes ele faz, faz e continua
fazendo e diz na sua cara, diz assim: ‘É, meu jeito é assim
mesmo, não tem quem’ Então, nessas situações em particulares,
onde existe uma certa resistência do agressor em entender o mal
que ele fez, e da própria família em se responsabilizar frente a
essa situação ou contribuir para que a coisa não venha acontecer,
aí é muito difícil. Você vê a pressão da comunidade escolar em
resolver de uma forma rápida, e muitas vezes, tem situações em
que você não pode é, tem que ser um pouco mais enérgico, não
pode deixar passar e vamos fazer os encaminhamentos devidos
(Participante H, Escola 8).
Seja como for, a punição passa a mensagem ao ofensor que não cometa uma infração
porque é contra a lei, ou ainda, quem faz algo ruim vai sofrer pelo que fez. Já quando a
postura da ação é reparadora, comunica que o ofensor não deve cometer a infração porque
172
prejudica alguém, e caso isso aconteça, deve corrigir o dano que causou (Zehr, 2008). Nesse
sentido, a JR possibilita que os conflitos sejam trabalhados na sua raiz, buscando
compreender quais são as necessidades que surgem, especialmente para as vítimas, após o
dano e o que pode ser feito para reparar o mal cometido. Como já citado, apesar da punição
ser uma das possibilidades de resolução dos conflitos e violências escolares, não
necessariamente a mais indicada, a maioria das escolas busca uma postura mais
compreensiva, incluindo a reflexão sobre a influência dos contextos de vida dos alunos.
d) Avanços das Práticas Restaurativas
Nessa categoria, discute-se o que efetivamente as práticas trouxeram de avanços para a
resolução de conflitos e violências nas escolas. No tópico anterior, percebemos que a relação
das escolas com a Justiça Restaurativa se deu influenciada pela ação do Núcleo, portanto,
alguns dos benefícios trazidos pela ação prática se vinculam diretamente ao trabalho
realizado.
Apesar disso, buscando transpor a simples atuação de um órgão externo no interior da
escola e superando a visão de avaliação das ações, dois elementos importantes se colocam
como avanços das práticas restaurativas propriamente ditas, ou seja, a despeito da relação
justiça e escola, a abordagem restaurativa trouxe alguns benefícios que foram incluídos no
trato dessas questões, quais sejam: inibição de novos conflitos entre os alunos que
participaram dos círculos restaurativos, e, a JR redimensionou a forma como as escolas lidam
com os conflitos e violências.
Sobre o primeiro ponto, todos os entrevistados relataram que os alunos que
participaram das intervenções do Núcleo não voltaram a cometer atos de violência e nem se
173
envolver em conflitos, especialmente, entre as partes da situação que foi trabalhada com a
Justiça Restaurativa. O exemplo a seguir ajuda a ilustrar:
E enfim, ele já saiu da escola, mas outro dia ele veio aqui em
frente à escola, e veio me dá notícia de que estava muito bem na
outra escola, e que não brigava mais, ele não era mais o brigão
da escola. E assim, ao fim do conflito, a mãe assim também
disse que percebia já em casa uma mudança de comportamento.
Então, foi algo que realmente surtiu efeito, que ele não foi só
aparência, mas que ele em casa demonstrou essa mudança de
comportamento (Participante B, Escola 2).
A Justiça Restaurativa não tem por objetivo principal reduzir a reincidência de novos
casos, mas acaba sendo um subproduto dos procedimentos restaurativos (Zehr, 2012). Talvez
por realmente trabalhar o conflito na sua base, entendendo as causas, consequências e
trabalhando a responsabilização, produza efeitos positivos e educativos aos envolvidos, e,
portanto, contribua para a diminuição de novos agravos.
O segundo ponto que se configura como um avanço das práticas restaurativas é a JR se
configurar como uma possibilidade nova para a resolução dos conflitos e violências, que além
de trazer resultados positivos (como diminuir a reincidência) contribui preventivamente ao se
tornar a base para as relações escolares, como no caso dos entrevistados que a utilizam no seu
dia a dia, tendo uma postura restaurativa nas relações e atividades, ou ainda, ao mudar a
perspectiva de visualização das ações quando do acontecimento dos conflitos, procurando
trabalhar os casos em vez de se utilizar de medidas punitivas:
Quero mais, eu quero é mais! Muito bom! Eu, como eu atuo em
sala de aula e atuei na coordenação, então num ficou só pra
minha prática de coordenadora, ficou pra minha prática de sala
de aula, como eu posso atuar como professora de forma a
garantir que a minha turma... não vai acontecer, entendeu? A
questão do apelido, do palavrão, do bullying...com a prática
cotidiana de sala de aula a gente consegue combater, mas
agressões não, por exemplo, na minha sala não há agressão... e
aí eu uso também nas minhas formações, minha formação
174
profissional (Participante A, Escola 1).
[...] como eu disse a você, o meu comentário anterior já foi uma
visão a partir da da reflexão do Núcleo né. É... expulsar um
aluno, transferir um aluno, dar uma suspenção; isso resolve o
conflito? Não, isso não resolve. Às vezes, eles vão ficar mais
agressivos, mais revoltados; então, é trabalhar ali o conflito para
que seja resolvido, para que seja dissipado o... o intuito de
violência, pra que seja livre, é... que haja um perdão, que haja
uma reconstrução... (Participante B, Escola 2).
Isso se amplia nas escolas que já buscavam uma postura mais compreensiva no trato
dos conflitos e violências, entretanto, a abordagem restaurativa possibilitou problematizar as
medidas empregadas e recorrer ao diálogo verdadeiro, colocando-se no lugar do outro e
buscando compreender as intenções subjacentes aos conflitos para também chegar a uma
solução, evitando simplesmente fazer com que os alunos se desculpem sem entender de fato
como tudo aconteceu. O trecho a seguir dá essa dimensão ampliada do trabalho que passa a
ser executado, mesmo depois que o Núcleo parou de atuar:
Era... muito aquela coisa do 'peça desculpa... peça desculpa,
você machucou ou você...' mas 'peça desculpa' se resolve? [...]
acho que a grande diferença era que os dois falavam ao mesmo
tempo, entendeu?! Assim, mudou um pouco nisso aí. É vamo
falar: 'o que aconteceu? 'Mas assim, a... uma mudança que... de
perceber que cada conflito, que cada momento tem uma história.
Num é por que é a mesma criança que é a mesma conversa, que
é mesmo... que foi o mesmo procedimento, que ele tá sempre
errado, eu acho que avançou muito nisso. Por que a gente
precisa deixar muito claro pras crianças e isso a gente viu,
aprendeu com a Justiça Restaurativa também. Já é um fruto!
Que a gente precisa deixar muito claro na hora que a gente tá
conversando com a criança, da intenção que o outro tinha. E, e
assim, a gente sempre continuou mediando e mandando as
situações pro Núcleo, só as situações que a gente...não
conseguia dar conta [...] Aí o núcleo sai e agente tem que dar
continuidade, então assim, as situações elas continuaram e a
gente continuou agindo dessa forma. Eu aprendi essa coisa de...
de ouvir com o outro, botar um pra falar, botar o outro pra falar,
se colocar no lugar. Então essa... eu aprendi e eu tento fazer
sempre essa conversa nessa postura (Participante F, Escola 6).
175
Dessa forma, a JR se constitui como uma importante ferramenta para lidar com
conflitos e violências, especialmente no âmbito escolar em que alunos estão em processo
formativo não somente dos conteúdos acadêmicos, mas é um espaço de construção de valores
e da própria identidade. Sendo assim, a inserção das práticas restaurativas nas escolas deve se
disseminar por todo o ambiente para que as relações se desenvolvam de maneira positiva, já
que possibilitam mudanças na interação entre as pessoas (Nunes, 2011) e também se evite que
os conflitos que acontecem na escola sejam judicializados, criminalizando os atos praticados,
que, em muitos casos, com orientação e trabalhando o conflito podem ser solucionados.
e) Limites das Práticas Restaurativas
Como o título diz, nessa categoria analisamos até onde a Justiça Restaurativa pode
chegar e o que precisaria melhorar. Nesse ponto, foi considerado o que foi feito pelo Núcleo
porque foi o executor da prática, embora algumas escolas tenham tentado incluir essa forma
de resolução através da mudança de compreensão sobre o fenômeno. Assim, sobre a
abordagem restaurativa em si, não houve críticas no sentido de limites ou necessidade de
melhorias.
De acordo com os entrevistados, foram elencados elementos para o Núcleo melhorar:
a extensão das ações para além dos alunos, uma vez que o trabalho aconteceu essencialmente
com esse público, portanto, é preciso que se dissemine por toda a escola e na comunidade,
integrando os diversos atores; embora o Núcleo tenha muita disposição para atuar, para os
entrevistados, o trabalho precisa acontecer com mais frequência e, por isso, aumentar a equipe
é importante, porque entendem que, com um baixo efetivo, seja impossível dar conta de todas
as escolas; acrescentaram a perda que foi o Núcleo ter encerrado as atividades, e, inclusive,
176
compromete a credibilidade na volta das ações; por fim, as ações do Núcleo e da escola
esbarram na realidade fora da instituição, e embora o conflito se resolva, os alunos fora da
instituição vivem diversas violações.
Os três primeiros pontos se relacionam: expandir as ações por toda a escola, ter a
presença mais efetiva do Núcleo na instituição, bem como lamentam pela paralisação das
atividades. Um ou outro exigem uma equipe de trabalho maior. Esses pontos levantados não
questionam a importância ou eficácia do método em si, mas como foi executado. Portanto,
acham importante que se dissemine por toda a escola para que mais atores possam contribuir;
que promovam ações que integrem a instituição, alunos e família; falam da necessidade de
outros tipos de atividades também, para que não seja uma ação pontual, como rodas de
conversa, palestras, assessoramentos mais frequentes, incluindo um calendário para estar nas
instituições, ou seja, as escolas sentem necessidade de ações no âmbito formativo. Sobre
alguns desses elementos, os trechos abaixo ajudam a ilustrar:
A justiça restaurativa ela está dentro das suas possibilidades de
ser. Nem sempre ela ocorre de forma coerente, nem sempre as
atitudes da escola ocorrem de forma coerente [...] a própria ideia
de Justiça Restaurativa deveria estar presente dentro das salas de
aula, e do próprio professor, que muitas vezes não estaria
trazendo esses problemas pequenos aqui pra gente. Estaria
resolvendo dentro de uma conciliação interna dentro da sua
esfera. É a ideia de conciliação em consensual. [...] Essas
práticas de conciliação elas devem ser aplicadas na comunidade
como um todo [...] Essa prática restaurativa ela pode sim vir a
ser compreendida como uma prática de diálogo, de acordo, de
convivência (Participante H, Escola 8).
[...] o Núcleo tem um trabalho bom, certo? Agora assim, é muito
difícil, são poucas pessoas pra atender um número muito grande
de escolas. E eu não acredito em coisas que fica muito distante.
Você começa um trabalho... aí é um tempo que leva pra retornar
aquilo ali. Então, era pra ser mais frequente. Entendeu? Não
aqui na nossa escola, mas em toda a rede municipal, estadual,
que eu acho que as coisas só vai melhorar um dia quando
realmente tiver profissionais pra atender essa situação, mas de
177
forma frequente. Então, eu acho que quando a gente quer um
resultado, a gente tem que começar do início, num é isso?
Porque é como anteriormente eu tinha te falado, que a violência
como está presente teria que ter um trabalho mais sistemático. E
não dizer, ah, a Justiça restaurativa, né? Foi a escola tal, não, né?
Eu acho assim, era pra ser o ano todinho, aquele aluno num tá na
escola o ano todinho? Então que fosse o ano todo [...] eles
deixam aberto, na hora, numa necessidade é só ligar que a gente
tá aí, mas assim, o que a gente vê é que precisa de um trabalho
eficaz e por falta de profissionais eles num são possível fazer um
trabalho com mais frequência (Participante D, Escola 4).
Sobre a necessidade de ampliação das ações para toda a escola, questiona-se: em que
medida a instituição se disponibiliza para isso? Os profissionais sabem que o efetivo do
Núcleo é pequeno, como relatado nos trechos acima, e o município tem por volta de 77
escolas, além dos CMEIs, e ainda tem as escolas estaduais e particulares, ou seja, não é
possível uma pequena equipe fazer um trabalho diário em todas as instituições. Diante dessa
realidade, e da situação das escolas com diversas atividades, qual seria sua contribuição
efetiva para disseminar a JR no seu interior? O primeiro passo é a disponibilidade. Não é
simplesmente “quero que a escola tenha Justiça Restaurativa” e esperar pela atuação do
Núcleo que deve servir como um apoio para a resolução dos conflitos, orientar e estimular a
adoção das práticas pelas escolas.
De acordo com Nunes (2011) “é compreensível que os organizadores da escola
tenham dificuldades para construir as condições necessárias aos funcionamentos de reuniões
restaurativas (espaço, horários, facilitadores, murais...), pois tudo dependerá da adoção de
uma nova filosofia” (p. 48). Uma solução apresentada pelo autor, é que todos da comunidade
escolar possam compreender a ineficácia da proposta punitiva e visualizem a prática
restaurativa como um caminho para a convivência democrática.
Obviamente que cada escola tem suas especificidades, insere-se em contextos
comunitários distintos, e necessitam de adaptações. Mas para que novos modelos possam ser
178
testados, é preciso não somente a abertura para o novo, mas que a ação aconteça
conjuntamente. Até porque mudar a estrutura escolar requer a participação de todos os
envolvidos, assim como acontece na JR. Nesse sentindo, ao mesmo tempo em que a Justiça
Restaurativa necessita de todos, no caso da atuação preventiva nas escolas, é requerido
esforço da comunidade escolar de forma ampla e precisa que tenha a mudança de postura,
sendo que nem sempre haverá disposição para que uma mudança efetiva aconteça. Sendo
assim, o limite da abordagem consiste na sua aceitação inicial, por ser um projeto arrojado
demanda tempo e disposição. Caso não haja, as ações somente continuarão acontecendo em
nível pontual.
O último elemento trazido pelos entrevistados é o limite que a escola também enfrenta
em lidar com o que extrapola os muros escolares. Os alunos fazem um trabalho na escola, mas
a realidade com que convivem reflete novamente e o trabalho pode ser desfeito. Portanto,
mais ainda reforça-se a necessidade da escola trazer a comunidade e a família para contribuir
com a instituição. Portanto, precisa que também se movimentem e não responsabilizem quem
quer que seja, se já fizeram esse diagnóstico, é pensar estratégias de aproximação, mesmo que
considerem as limitações de tempo e pessoas para executar. O exemplo abaixo mostra como
isso também era uma dificuldade para o Núcleo, inclusive para saber se as ações estavam ou
não dando resultados:
[...] É, o cotidiano da escola é, é... pedindo ajuda à família, a
colaboração, a gente vê resultado. Agora assim, como eu te
falei, como eles são muito, eles são vizinhos e existe conflito lá
fora, né? E às vezes traz para a escola, aí quando existia isso aí
era difícil de, de, de se resolver, esse resultado não saia em curto
prazo. Entendeu? Às vezes agente dizia assim, olhe essa semana
ele tá mais calmo, sabe? Mas num tinha sido uma coisa
resolvida, era uma coisa assim que, que amortecia, uma semana
tava bem, outra semana tava calmo e a gente também não dá pra
saber se foi resultado da, da, da conversa. Entende? (Participante
D, Escola 4).
179
Como se pode observar, os limites se concentram muito em quem executa a prática
restaurativa, ou seja, o Núcleo. Já a abordagem em si não teve críticas, pelo contrário,
percebem-na como potente recurso para utilizar no cotidiano escolar.
4.2.3 Estratégias preventivas para a violência nas escolas
Nesse eixo, discute-se o que pode ser feito nas escolas para prevenir a violência em
seu interior e possibilitar que os conflitos possam ser resolvidos de forma pacífica, evitando
que as situações se agravem e gerem violência. Para a análise desse bloco, duas categorias são
utilizadas: estratégias organizativas e formativas. Cabe destacar que essa divisão é meramente
didática, porque todos os elementos levantados dizem respeito ao que a escola faz ou pode
fazer, assim, tudo é considerado estratégia.
a) Estratégias organizativas
Nessa categoria é discutida toda estratégia que a escola utiliza, ou vislumbra utilizar,
que diga respeito à estrutura, organização e funcionamento das escolas para prevenir a
violência. Essencialmente, os entrevistados mencionaram que todos devem se envolver para
trabalhar qualquer mudança na instituição, então, gestores, coordenadores, professores,
demais funcionários da escola, alunos, família e parceiros institucionais devem contribuir para
fomentar um ambiente diferente, como no trecho a seguir:
Eu acho que toda a escola. Toda escola né, assim, pais também
saberem né, não só saber na hora que tá o problema, mas assim,
defendo a ideia de que toda a comunidade deveria conhecer,
pais, alunos, professores, funcionários, porque você não tem só
180
conflitos de alunos, você não tem violência só de aluno, você
tem violência de professor, que tive violência de professores, da
professora ir pra delegacia da mulher (Participante L, Escola
12).
No âmbito da participação, a família foi recorrentemente mencionada e destacada a
sua importância para que as ações possam dar certo, porque “não adianta a escola fazer um
trabalho e em casa ser desconstruído”, precisam ter valores próximos e alinhar as ações. Além
disso, um entrevistado sugeriu que a família deve se ocupar da vida dos seus filhos de uma
maneira geral. Nesse sentido, as escolas também tem que avaliar as estratégias que
desenvolvem para aproximar as famílias e poderem trabalhar de forma integrada, incluindo ter
uma postura mais compreensiva sobre o contexto de vida dos alunos e, como um entrevistado
relatou, ser um apoio que muitas vezes eles não têm.
Dentre os outros elementos mais mencionados, foi sugerido a escola oferecer
modalidades de atividades diversas para os alunos e que sejam dos seus interesses. Nesse
sentido, ainda sugerem que o aluno possa passar o dia na escola, e em uma delas “receber a
assistência que não tem em casa”. De acordo com um entrevistado, quando os alunos se
envolvem em atividades prazerosas eles não “brigam”, como no trecho “[...] mais esporte,
mais esporte, quanto mais envolvido no esporte, na música, nenhum desses alunos envolvidos
em esporte e música eles brigam. Nenhum!” (Participante J, Escola 10).
Para dar conta dessas estratégias, as escolas precisam mudar, quebrar a rigidez de
disciplinas estanques, avaliações rígidas, ser uma escola inclusiva, que não se preocupe
apenas com a transmissão de conteúdo. Para tanto, também precisam que os profissionais
mudem sua postura, uma vez que a formação ainda é muito tradicional. Sobre essas mudanças
necessárias, uma entrevistada coloca:
É, eu acho que isso a gente já está modificando, a gente está,
é... quebrando, muitas vezes, ainda não conseguimos avançar
muito, né, mas, quebrando com essa rigidez na escola, com
181
essas disciplinas separadas, com a questão, né, do, de ser
vista... que a escola é só pra transmitir conteúdo, a gente já, ao
longo do tempo, a gente vem quebrando com isso, a gente
tenta trabalhar é... muito com projeto, com questões do dia a
dia dele, então assim, a gente tá tentando, é um longo passo
(Participante 3, Escola C).
Outros entrevistados falaram que é preciso mudanças mais amplas, como ter uma
política pública que se preocupe com isso, além do mais, apontam como necessária a garantia
de direitos às crianças e adolescentes e de serem tratados com mais dignidade. Nesse sentido,
a parceria com órgãos do poder público é essencial.
[...] eu penso que se a gente tivesse formas de dar uma atenção
mais... melhor... a cada... a cada situação que a gente fosse
vivendo, acho que isso diminuiria. Se a gente acolhesse melhor,
se essa... se essas crianças fossem tratadas com mais dignidade...
[pensando] por que quando eles vão, por exemplo, a um teatro
que chega lá e eles vão assistir alguma coisa, que tem a sua
cadeirinha confortável, um lugar pra todo mundo ver direitinho,
eles não têm o mesmo comportamento. Aí, além disso, a gente
também, se a gente tivesse mais dignidade de... de ter um tempo,
de vir com mais tranquilidade, de trabalhar com um número
menor de criança, de conhecer melhor cada um deles, tivesse
mais... é... é... por que ela tem dignidade! Na hora que você dá
dignidade, espaço pra o seu... eu não acredito... (Participante F,
Escola 6).
Outro ponto bastante mencionado foi a necessidade da escola ter assistência de
profissionais específicos, como psicólogos e assistentes sociais. Em alguns casos, para atender
também qualquer demanda social e psicológica. Essa necessidade se deve porque os
entrevistados, alguns pelo menos, não se sentem preparados para resolver essas situações.
Portanto, sugerem que as escolas possuam profissionais para mediar os conflitos, e não
necessariamente precisa ser um psicólogo ou assistente social:
Primeiro deveria ter uma pessoa com capacidade, é, pra
dialogar, negociar esses conflitos. Entendeu? Uma pessoa assim
que compreendesse melhor o que passa na cabeça do
adolescente. Porque como eu falei pra você, coordenador
182
pedagógico ele não lida só com isso. Talvez tivesse um, um
coordenador só de, de, de. É assim, de, de, de, [pausa] como é
que eu diria? [pausa] Pra olhar, pra conversar com os alunos,
tipo, num sei se seria uma psicóloga, talvez não, talvez a gente
nem precisasse, mas alguém que pudesse estar sempre mediando
esses conflitos (Participante I, Escola 9).
Em uma das escolas mencionou-se já possuir um profissional específico para lidar
com as questões de indisciplina e violências, o chamado coordenador de disciplina. Nessa
escola, a gestora convidou dois servidores que não tinham função específica para cuidar
dessas questões, estabelecendo que cada um ficaria em um turno diferente.
Outra escola trouxe a importância da construção das regras escolares com a
participação dos alunos, inclusive com a sua disseminação através dos alunos líderes de
turmas já que trabalhariam de forma horizontal no estabelecimento e cumprimento das
normas que todos ajudaram a construir. O trecho abaixo ilustra isso:
A abordagem tem que ser desde o início, por exemplo, primeiro
dia de aula, vamos fazer uma grande assembleia com os alunos
pra eles colocarem o que eles acham, o que é que poderia ser
feito, que tipos de punições poderia sofrer aquele aluno e isso
ser uma coisa que eles construam entre si desde o princípio, com
liderança de sala, com grêmio, seja lá com o que instituições
funcione, dentro da escola, mas que precisa ser feito desde o
início, que não seja uma coisa só pra remediar o acontecido, tem
que ser preventivo, desde o começo, desde a educação infantil.
[...] Construir entre eles o que eu chamo assim o acordo, ou a
constituição da sala de aula, o que é que vai acontecer, o que é
que pode acontecer, o que que não pode acontecer, pra que ao
construir eles tenham consciência do que não pode acontecer. E
o aluno quando está consciente ele realmente não faz, esse
precisa ser um trabalho efetivo diariamente. Participando do
processo, eles vão ter conhecimento e entendimento do que pode
e o que não pode (Participante A, Escola 1).
Sobre as estratégias que as escolas já utilizam, tem-se: dividir o intervalo em dois para
os alunos menores e os maiores, buscando aproximar as idades; dividir os turnos por anos
escolares, ou seja, em uma perspectiva semelhante à divisão no intervalo; e, uma escola
183
trabalha com brincadeiras na hora do intervalo, estimulando, principalmente, as brincadeiras
que os alunos fazem nos seus bairros, e, além disso, disponibiliza jogos diversos, como fica
evidente no trecho abaixo:
Então isso melhorou 100%, principalmente também o brincar na
hora do intervalo, a gente também passou a... a trabalhar vários
tipos de brincadeiras que traz crescimento, não as brincadeiras
que traz a agressividade de cada um [...] É, aí a gente... usou, a
brincadeira mesmo, de, da técnica, que já usam muito na... no
bairro deles, né, mais a brincadeira de pular corda, a brincadeira
do bambolê, né, a, os jogos, os jogos interativos, os jogos que
não se joga sozinho, né, aqueles jogos, é... xadrez, dama, e, e...
outros jogos mais desafio, de dificuldade, a gente tá fluindo
nesse tipo [...] e a gente também dividiu, a..., o espaço, por
exemplo: dia de jogo na quadra, a gente tem a quadra coberta e
num é muito grande, mas aí, dia do futebol que é mais, uma
coisa que eles gostam muito, né, principalmente menino. Então
aí tem o dia do primeiro ano, do segundo, terceiro, então
também já dividiu mais (Participante E, Escola 5).
Como se pode perceber, a maioria das estratégias utilizadas diz respeito à organização
do intervalo, do tempo que os alunos passam na escola e estão em contato uns com os outros.
Isso tem um resultado positivo na diminuição da ocorrência de situações de violência, porque
quando se colocam alunos da mesma faixa etária juntos e permanecem ocupados com
atividades que são interessantes, dificilmente se envolvem em casos. Por outro lado, como
relatado, demanda disposição de pessoal para cuidar desses alunos e preparar o lanche em
dois momentos distintos, além de que uma entrevistada relatou que atrapalha o andamento de
algumas aulas que são interrompidas ou, ainda, para as turmas que ficam na sala, enquanto as
outras estão no intervalo, o barulho dos alunos incomoda um pouco.
b) Estratégias formativas
Além de estratégias que se referem à organização e estruturação das escolas, os
entrevistados também relataram medidas preventivas no âmbito formativo. Assim, nessa
184
categoria, são incluídos todos os dados que se relacionam com as medidas que as escolas
utilizam e que se baseiam na formação, seja dos alunos, gestores, coordenadores, família e
demais funcionários das escolas. Todos os participantes mencionaram a importância de se
trabalhar com a formação para a prevenção da violência nas escolas, tendo por base a
conscientização de que a violência não é a resposta para as divergências; utilização de valores,
sendo o respeito um dos primordiais; o diálogo como alicerce das relações; e, para que tudo
isso funcione, deve ter integração entre todos os envolvidos na comunidade escolar, como se
pode observar no trecho adiante:
O argumento que a gente usa, a estratégia que a gente usa é a
conversa, né, infelizmente ou felizmente a gente não tem muito
o que fazer, é tentar conscientizar, é tentar conversar, é tentar
mostrar, né, os dois pontos de vista e convencer que não
precisam se gostar, se eles se gostarem e ficarem amigos, ótimo,
mas não precisam. Agora que aqui, nesse espaço, pra
convivermos razoavelmente a gente precisa se respeitar, é isso
que a gente tenta passar pros alunos. [...] O que a gente precisa é
criar uma estratégia de trabalhar mesmo essa questão dos
limites, dos valores e infelizmente a família hoje em dia não
trabalha e ai gente tem dificuldade aqui na escola de trabalhar
porque eles passam aqui 4 horas. Muitas vezes o que a gente
constrói aqui, alguma coisa que a gente vai tentar é destruído,
né? [...] A gente, digamos, a gente passa 4 horas tentando
mostrar que não é uma forma legal de chamar o outro, de, né, de
falar, de se expressar. Chega na rua, ele bota o pé na rua a gente
já escuta 'seu filho de num sei de que, venha cá', então assim, é
difícil a gente trabalhar contra, digamos assim, uma cultura que
eles tem, né? [...] mas, precisa ter algo pra trabalhar a
comunidade, a família, algo a mais, ta entendendo? Que
sozinho, que só a escola, ela não consegue mudar muitas coisas
(Participante C, Escola 3).
Sobre a conscientização, recorrentemente mencionada, deve acontecer não somente
para alunos, mas também para a família e funcionários, de acordo com o que os entrevistados
disseram. Cabe destacar que uma das entrevistadas alertou para o fato de estratégias
185
formativas terem um limite, que seria a idade dos alunos, quanto mais crianças, mais difícil
seria internalizar as normas escolares e os valores trabalhados:
[...] Mas aí também vem a história deles serem crianças e deles
não saberem a medida, aí é o mais difícil. Por que quando você
vê... você trabalha com questões de ódio, de disciplina bem
direitinho, os meninos sabem na ponta da língua o que... o que
pode, o que não pode, o que deve, o que não deve. Mas daí, eles
seguirem isso... é o tempo todinho, é... é chover no molhado, é
você dizer 500 vezes (Participante F, Escola 6).
Dentre as estratégias que as escolas já utilizam, destacaram: participar de formação e
ser agente multiplicador na escola; ter parceiros institucionais que desenvolvem atividades
como o PROERD, a UFRN, o Instituto do Cérebro, os diversos estágios nas escolas, etc.; a
escola possuir projetos próprios que trabalhem os valores, como utilizar-se da metodologia do
Caráter Conta; e, grupos de discussão. Sobre o que poderia ser feito ainda, todos
mencionaram a necessidade de convidar órgãos diversos e tê-los com parceiros executando
palestras, formações e orientações nas instituições; realizar grupos e oficinas com os alunos; e
oferecer atividades que os alunos se interessem.
Sobre os projetos desenvolvidos em algumas das instituições: uma escola tem o
chamado “Aluno de valor” para trabalhar os valores e regras de convivência, funciona através
do mecanismo de recompensa e punição, quem se comporta ganha pontos que podem ser
trocados por brindes ao final do bimestre, por outro lado, quem não age dentro das regras,
perde pontos, mas também dedicam momentos para refletir sobre as ações em assembleias e
na própria sala de aula; outra escola estimula grupos de debates entre alunos que se reúnem,
periodicamente, por afinidades para discutir temas diversos.
Por fim, alguns entrevistados propuseram que a Justiça Restaurativa seria a medida
eficaz para prevenir a violência nas escolas, especialmente, aquelas que a entenderam para
além da atuação do Núcleo e buscam, minimamente, ter atitudes restaurativas no seu dia a dia.
186
Nesse sentido, sugerem a atuação mais presente do Núcleo, ou ainda, como uma escola
propôs que pudesse ser construído um projeto junto com o NJJRE:
Esse seria o meio né, uma Justiça Restaurativa, mas defendo que
toda escola deveria conhecer. Esse é o caminho, o diálogo, a
conversa, o entendimento né, assim, conhecer cada um, saber o
que aconteceu e tentar resolver pra ambas as partes e não só pra
um ou outro. [...] Eu acredito em projetos né, projetos dentro da
escola, e se não fosse possível esse vínculo, assim, estar sempre
aqui dentro da escola, mas que houvesse um projeto elaborado
pela equipe junto com o Núcleo, assim, que a gente pudesse
trabalhar durante todo o ano, eles viessem, plantavam a semente
e a gente iria trabalhando né, desta forma, então, assim, poderia
ser um meio para que a gente conseguisse alguma coisa já a
princípio né. Vindo só com nossos conflitos eu também não
acho que seja 100% bacana né, porque a escola toda deveria
conhecer o trabalho da Justiça Restaurativa, um projeto
elaborado junto com a equipe da Justiça Restaurativa seria muito
bom, porque aí você teria o projeto para o ano todo, trabalharei
com aquela clientela o ano todo, só os casos extremos que a
gente não conseguisse resolver dentro da escola, que a gente
pediria ajuda, parceria (Participante L, Escola 12).
Que ele esteja presente cada vez mais dentro da escola de uma
forma a contribuir para o nosso trabalho, mesmo que seja de
maneira itinerante. Como nós temos aí o acompanhamento da
secretaria fazendo o acompanhamento do pedagógico
esporadicamente, da mesma forma que solicitado o Núcleo
como se estivesse à disposição dentro da Secretaria de
Educação, estivesse à disposição caso a escola solicitasse
resolver situações difíceis, que estivessem além do que no dia a
dia nós já fazemos. Então que nós pudéssemos realmente bater à
porta e ser recebidos ou solicitados quando eles viessem até a
escola (Participante H, Escola 8).
Como já foi colocado em outro momento, as escolas acharam que a JR teve bons
resultados, provocou mudanças na forma de olhar para o conflito, mas “infelizmente” as ações
foram interrompidas, então, o que falta para as próprias escolas implantarem projetos de JR e
disseminarem por toda a comunidade? É o que uma das entrevistadas falou sobre qual seria a
estratégia preventiva para violência nas escolas que poderia ser eficaz:
A Justiça Restaurativa. Por que eu acho que essa... essa
187
violência ela é [pausa] eu não sei se é violência o nome, sabe...
é... é... essas... essas atitudes, essas coisas que... essas
divergências que acontecem na relação das pessoas, eu acho que
ela é própria das... das relações, própria dos seres humanos,
então... [...] Então assim, isso... isso tem que mudar, a gente num
pode mudar a estrutura física, mas a... a estrutura... que nem é
tão ruim, né, a estrutura física. Não é tão ruim, ela não permite
determinadas coisas, só permite de... que se precisa ser
adequada. Mas a organização do dia a dia é com a gente mesmo,
e aí, é envolvimento, é querer, que nem... que nem todo mundo
tá disposto, quer, mas num quer quando... só quero mudança se
num mexer comigo, com meu conforto. Eu quero que a escola
funcione bem, meu desejo... quero que... quero disciplina, eu
quero isso, eu quero isso, eu quero isso... mas na hora de dizer
assim: 'não, vamo sentar aqui, vamo pensar tal... tal... tal
momento, como é que é melhor?!' Aí a gente vai e senta, então
aí... 'não, mas aí ó a gente...' aí não vai muito pra lugar nenhum
(Participante F, Escola 6).
Assim, é preciso que realmente as escolas queiram que aconteça a ponto de se
mobilizar para fazer o que for preciso para construir um espaço de não violência. Para que
isso aconteça os entrevistados já falaram recorrentemente em utilizar programas e projetos
que trabalhem com valores, porque conviver de forma pacífica e resolver os conflitos e
violências de forma positiva, com diálogo e respeito, exige uma mudança que postura, da
forma como enxergamos o mundo, o outro, e como resolvemos as divergências. Por isso que,
pra funcionar, uma das entrevistadas relatou que essa tem que ser uma prática para a vida, e
com isso, talvez os conflitos diminuíssem:
Se a gente tivesse uma prática assim mais pra vida talvez os
conflitos fossem bem menores, nem existissem talvez.
Entendesse? o lugar que o outro, 'o que é que o outro tá
querendo me dizer com aquilo? É muito comum, é... o professor
tá dando uma aula, infelizmente muito comum, diz: 'olhe, fulano
não tem condições de ficar na minha aula', aí você vai
conversando o que é que você fez? ‘Ou professora, fui na
carteira de um... de fulano, dizer num sei o que a ele!' Não era
com o professor, não tava querendo ofender. Mas a por... a... a
agonia do professor é tanta que não consegue perceber que
aquilo não era nada demais. Do mesmo jeito, é como se fosse
188
uns esbarrões o tempo todo, que ele vai dando no outro na hora
do recreio [pausa] que a... a... a... a disciplina... é o aspecto
humano que é difícil, né! (Participante F, Escola 6).
Enfim, seja qual estratégia for utilizada, é preciso disposição de todos da comunidade
escolar para o engajamento em direção à mudança. Além disso, apesar de muitas escolas
exercerem a gestão democrática, o diretor ainda tem um importante papel nas decisões
tomadas nas instituições e sua disponibilidade e abertura para ouvir opiniões e novos projetos
também é essencial. Ou seja, é preciso um movimento de todos para avaliar o que tem sido
feito e pensar novas estratégias para substituir o que não vem dando certo. Os entrevistados
colocaram que as ações preventivas de fato devem acontecer antes e não esperar que algo
aconteça ou só se mobilizarem quando a situação for tão grave que possa ser difícil reverter.
Além disso, toda mudança leva tempo, então, um dos entrevistados falou que é preciso
compreender que é um processo e não acontece de uma hora para a outra, por isso o trabalho
tem que ser diário e avaliado constantemente.
Apesar das escolas usarem uma ou outra estratégia, é preciso reconhecer que o
fenômeno da violência tem uma raiz estrutural, talvez por isso os entrevistados mencionem
que esbarram no contexto de vida dos alunos (os mesmos que trazem a violência da sociedade
para dentro das escolas, como os participantes falaram). Portanto, as ações empreendidas não
vão erradicar a violência completamente, podem amortizar os seus efeitos e com isso, exigem
um trabalho diário. Ou seja, concorda-se com Pino (2007) quando diz que sozinha a educação
não é a solução para acabar com a violência, mas sem ela a violência também não teria
solução.
189
Considerações Finais
A partir de tudo que foi discutido nesse texto, consegue-se perceber que existe um
eixo que atravessa todos os dados e recai sempre na mesma questão: a problematização de
qual é a função da escola e para isso congregam diversos elementos: quando as escolas são
questionadas sobre como resolvem os conflitos e violências sempre mencionam a não
participação da família, ou seja, contrapõem suas funções; a resolução de conflitos e
violências é realizada, muitas vezes, sem reflexão e tempo disponível porque o coordenador
(principal ator institucional que se ocupa dessa função) se envolve em diversas tarefas e,
portanto, tem tempo limitado para conseguir cumprir todas as funções que desempenha; os
professores pouco aparecem na fala dos entrevistados e de acordo com eles não se
responsabilizam pelas resoluções de casos nas escolas, contrapondo diversas experiências em
que os docentes são colaboradores diretos na resolução de conflitos e violências escolares; as
famílias, em sua maioria, muitas vezes não sabem o que fazer com os filhos e atribuem a
responsabilidade para a escola educar as crianças e adolescentes; os alunos veem a escola
como espaço seguro e local para passar o tempo enquanto seus pais estão trabalhando; e, as
escolas não contam com parceiros institucionais que possam contribuir nessas questões.
Assim sendo, parece ser uma responsabilidade grande para a escola sozinha dar conta.
Ao mesmo tempo em que existe esse contexto de dificuldades e responsabilidades,
algumas instituições relataram não ter tanta violência como antes ou ainda que dificilmente
possuíssem casos que precisem de intervenção externa ou que não consigam lidar. Podem até
existir casos de violência, mas seriam “raros”, de acordo com alguns entrevistados. Mesmo
assim, todas elas se utilizaram da intervenção da Justiça Restaurativa e lamentaram a
190
paralisação das ações, bem como avaliaram negativamente a “pouca” inserção ou atuação em
casos pontuais.
Diante desse paradoxo, voltamos para a questão da função da escola. Em uma
realidade em que as instituições escolares demandam inúmeras atividades diárias, em que os
profissionais igualmente tem que se responsabilizar por funções diversas, ter alguém para
resolver conflitos e violências que demandam tempo, paciência e habilidade para alcançar os
melhores resultados e evitar novas situações é um importante fator. Assim, a Justiça
Restaurativa nas escolas aparece como uma excelente ferramenta para lidar com esses casos.
Mas que tipo de Justiça Restaurativa é requerida pela maioria das escolas? A JR que se
constitui enquanto um fazer da justiça dentro da escola. Ou seja, da forma como aconteceu,
mesmo considerando os fatores externos de paralisação do Núcleo, greves escolares, baixo
efetivo da equipe, etc., a Justiça Restaurativa nas escolas municipais em Natal/RN teve
poucas oportunidades para se consolidar enquanto uma prática restaurativa das instituições,
realizada pelas próprias escolas. Assim, embora tenha tido benefícios inegáveis, também teve
limites que não puderam ser superados porque as ações não foram suficientes para ultrapassar
o nível individual, ficando circunscritas aos participantes diretos das situações, alunos
envolvidos e, quando muito, representantes escolares e famílias. Some-se a isso a baixa
divulgação e disseminação dentro das instituições, ao ponto de somente quem participou
conhecer as ações.
Como se pretendia, porque era um dos objetivos das ações do NJJRE nas escolas, que
a prática fizesse parte do cotidiano escolar e comunitário, os meios para divulgação e
disseminação que as escolas utilizam devem ser reforçados, bem como, ampliar a participação
para mais atores escolares, inclusive com a capacitação para que pudessem ser facilitadores de
práticas restaurativas. Nesse ponto, mais uma vez os problemas externos influenciam as
ações. Com a equipe reduzida do Núcleo, além da sua parada e instabilidade quanto à
191
continuação, é impossível expandir as ações e poder acompanhar todas as escolas municipais,
estaduais, e particulares da capital. O que reforça a tese de que as escolas deveriam ser
capacitas para se autogerirem na inclusão da Justiça Restaurativa no dia a dia. Além de se
interessarem e disponibilizarem para que possam executar. Como demonstraram interesse e já
realizam um trabalho semelhante de intervenção nos casos, poderiam aprimorar a prática que
já realizam e utilizar cotidianamente.
Mas algumas escolas mencionaram que não tem mais violências. Sendo assim, porque
criticaram que o Núcleo deveria estar presente com mais frequência? Que implicações tem
qualquer situação escolar ser resolvida por um órgão externo e da justiça? Novamente
voltamos para a discussão da função. Como para alguns, a escola não deve atender demandas
de conflitos e violências e existe um órgão que pode fazer isso, inclusive “mais capacitado” -
como vários entrevistados mencionaram - para lidar com essas questões, as escolas se
desresponsabilizam e deixam que o Núcleo dê conta de todos os casos que aparecerem. Além
disso, como os conflitos em âmbito escolar podem facilmente se converter em situações mais
graves se não houver intervenção imediata, dependendo da situação também podem
rapidamente se dissipar, e, nesse caso, a raiz do problema não seria trabalhada, aumentando as
chances de novos acontecimentos. Com o trabalho da Justiça Restaurativa, por ouro lado, os
vínculos quebrados seriam refeitos e os envolvidos tem a oportunidade de compreender, se
ouvir e responsabilizar-se pelo ocorrido em busca de uma solução que seja reparadora.
O NJJRE sendo o responsável nas escolas para resolver os conflitos leva a algumas
implicações. Em vez da JR cumprir a sua função de promover a desjudicialização - quando os
participantes podem se autogerir na resolução dos conflitos e a informalidade dos
procedimentos flexibiliza os encontros - o fato de ser justiça na escola tem um peso enorme, a
ponto de em várias escolas os participantes não saberem que era um órgão do Ministério
Público, porque as pessoas da escola que comunicavam as situações e recebiam o Núcleo
192
preferiam deliberadamente não informar por receio dos alunos temerem e não participar. O
que também fere a proposta restaurativa que preza pela verdade e conhecimento de todas as
etapas dos processos para que a participação seja voluntária. Isso não significa que o NJJRE
estabeleceu uma relação de hierarquia e judicializou sua intervenção, pelo contrário, mas as
escolas que tiveram essa atitude reforçam os estigmas sobre o judiciário, quando na verdade
deveriam ser trabalhados os papéis da justiça na construção de uma sociedade mais ética e que
promova cidadania.
Além disso, é preciso problematizar a própria prática, apesar dos avanços que trouxe
nas escolas, reduzindo a reincidência dos alunos e contribuindo para os profissionais
redimensionarem as suas visões sobre os conflitos e como resolvê-los - boa parte dos
entrevistados relatou isso - temos que analisar em que medida a prática da JR não pode ser
mais uma forma de controle apesar dos efeitos positivos que apresenta. Ou seja, não deve ser
encarada como a forma correta em detrimento da punição, mas como uma possibilidade que
deve ser testada e avaliada constantemente, para em longo prazo ter elementos mais
consistentes da sua efetividade. Até porque, mesmo que tenha contribuído para que os alunos
não mais se envolvessem em conflitos e violências, outros fatores também podem ter
influenciado e, como estamos no campo dos fenômenos sociais, as relações se dão de forma
complexa e não determinadas por um único fator.
É o mesmo caso da violência, como tem uma base estrutural, não são ações pontuais
que sozinhas vão reduzir ou acabar com a violência social e escolar. Por isso enxergamos um
limite da Justiça Restaurativa na medida em que foca nos conflitos interpessoais, por mais que
amplie e inclua a participação da comunidade, e não vai dar conta de sozinha acabar com a
violência e suas diversas expressões, já que se trata de um fenômeno que tem raiz na forma
como a sociedade se estrutura. Por outro lado, pode sim ter importantes contribuições, na
medida em que a JR pode se constituir como uma prática das escolas, das comunidades, das
193
pessoas em suas relações visando estimular um convívio mais direcionado para a resolução
não violenta das diferenças, baseando-se no diálogo e respeito mútuo, em vez de concentrar
seus efeitos para o grupo de envolvidos em determinada situação. Para isso, prescinde de
interesse e disponibilidade das pessoas, especialmente, dos atores escolares.
Ainda gostaríamos de acrescentar que apesar da Justiça Restaurativa não ter se
constituído como uma prática das escolas (executada por elas) foi um primeiro momento de
aproximação com essa abordagem. Nesse sentido, a Núcleo tem função importante ao servir
de apoio na resolução de conflitos e violências que as escolas não conseguiam resolver, ao
mesmo tempo em que apresentou essa nova forma de resolução que pouco a pouco foi se
inserindo na dinâmica escolar. Infelizmente, como a disseminação estava muito atrelada à sua
ação, e as atividades foram interrompidas e ainda estão sendo retomadas, a continuidade das
práticas restaurativas nas escolas teve uma quebra, incluindo a proposta de capacitação dos
atores escolares, de modo que pudessem ser os próprios executores da JR e o Núcleo servir
de apoio e orientação. Ainda assim, a JR foi vista como uma importante forma para lidar com
conflitos e violências.
Por fim, lembramos que a pesquisa foi realizada com gestores e coordenadores das
escolas porque foram as pessoas que acompanharam a JR dentro das instituições. Nesse
sentido, existe uma limitação por abordar a vivência a partir de determinados atores. Ainda
assim, concordamos que foi a melhor escolha pelo fato de muitos dos alunos já terem saído
das escolas e porque a JR não se disseminou de forma satisfatória. De todo modo, deixamos
como sugestão que novos estudos, no Brasil inclusive, possam ser feitos considerando a
perspectiva dos participantes das práticas enquanto partes dos casos.
194
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(Trabalho original publicado em 2010).
206
Apêndice - Roteiro de Entrevistas Semiestruturadas
PARTE I: DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS
SOBRE A ESCOLA
Nome da escola: ___________________________________________________________
Público:_____________________________ Número de alunos:____________________
Bairro: _______________________________________ Funciona desde: ____________
SOBRE O ENTREVISTADO
Nome do entrevistado:______________________________________________________
Bairro: ___________________________________________________ Idade: _________
Cargo: ______________________ Desde:_________ Carga horária:________________
Trabalha em outra escola: ( ) sim ( ) não
Qual: ____________________________________ Bairro: ________________________
Cargo: _______________________ Desde:________ Carga horária: _______________
PARTE II: QUESTÕES SEMIESTRUTURADAS
Sobre a violência na escola
Questão 1 – Como você vê a violência na escola?
Tópicos a serem abordados:
a) Como a percebe (se a entende de forma mais ampla, para além da briga entre alunos);
b) Principais tipos de violência e conflitos que os alunos mais se envolvem (ou que
aparecem com maior frequência na escola);
c) Violência x conflito.
Sobre formas de resolução da violência na escola
Questão 2 - Como você (s) lida (m) com a violência nesta escola?
Tópicos a serem abordados:
a) Procedimentos;
b) Quem resolve;
c) Quais são os encaminhamentos dados;
d) Quem são os parceiros.
Sobre a ação do Núcleo de Justiça Juvenil Restaurativa nas Escolas (NJJRE)
Questão 3 – Como foi a atuação do núcleo na escola?
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
207
Tópicos a serem abordados:
a) Como chegou à escola (demanda espontânea ou a pedido – quando era chamado);
b) Quem estava envolvido;
c) Atividades desenvolvidas;
d) Como a escola percebe a atuação do Núcleo em comparação com as outras formas de
lidar com a violência na escola?
e) Como você vê a entrada dessas práticas na escola através da justiça? Que implicações
tem essa inserção?
f) Como a escola avalia a questão de sua autonomia, considerando a participação do
Núcleo?
Sobre as possibilidades e limites das Práticas Restaurativas nas escolas
Questão 4 - Depois da experiência das práticas restaurativas nessa escola, como
você avalia a possibilidade de uso delas no cotidiano escolar para resolver os
conflitos?
Tópicos a serem abordados:
a) Os impactos dessas práticas (para professores, alunos [ex. de casos], demais funcionários
e família);
d) Replicam alguma dessas práticas? (o que ficou?)
g) Como a escola avalia a eficácia dessas práticas?
h) Quais as dificuldades, limites, pontos negativos? Sugestões?
i) Como foi participar dessa experiência?
j) O que você entende por Justiça Restaurativa?
Sobre estratégias preventivas para a violência nas escolas
Questão 5 - Como você acha que precisa ser uma abordagem (ação, método, meio)
para lidar com a violência escolar de maneira mais eficaz?
Tópicos a serem abordados:
a) O que precisaria ser feito no cotidiano;
b) Na estrutura hierárquica da escola;
c) Quem seriam os envolvidos;
d) Os tipos de ações para prevenir a violência.
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