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FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA
PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:
QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE
CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA
PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:
QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE
CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob
orientação da Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira e co-orientação da Professora Dra.
Adriana Migliorini Kieckhöfer.
MARÍLIA
2010
Autor: FRANCISCO PIMENTEL DE OLIVEIRA
Título: PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:
QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE CANA-DE-AÇÚCAR
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob orientação da Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e co-orientação
da Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer.
Aprovado pela Banca Examinadora em 30/ 06/ 2010.
_______________________________________________
Professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
_______________________________________________
Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer
_______________________________________________
Professor Dr. Osmar Vieira da Silva
Dedico este trabalho:
A DEUS, pela constante presença, acalentando-me e
fortificando-me nas fraquezas e me iluminando em
cada palavra.
À minha família, Mônica, Monique e Nicole, razão
maior da minha vida, dos meus estudos e do meu
trabalho, que souberam superar horas de ausência,
com paciência, até o final desta empreitada.
Agradecimentos:
Ao amigo Irton Oliveira Müzel, cuja decisão me
possibilitou enfrentar esse desafio, compreendendo,
com sabedoria, a importância dessa caminhada.
Ao Almir Soares Teixeira de Oliveira, amigo,
braço forte e solidário nas horas de precisão, que
caminhou comigo lado a lado nessa trajetória de
estudos.
Ao José Carlos Arevalo, amigo e companheiro,
pela colaboração decisiva nos passos da graduação,
possibilitando-me, hoje, alcançar mais este objetivo.
À professora Dra. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira, pela orientação prestada com
sabedoria, paciência e carinho, atributos dos grandes
mestres, e que serviu como porto seguro nas
intempéries desta caminhada.
À Professora Dra. Adriana Migliorini Kieckhöfer,
mão amiga estendida no momento de necessidade,
segurando firme, com carinho e esmero, o balancear
dessa caminhada, permitindo-me chegar ao ponto de
destino.
Aos amigos Mazzutti, Berezowski, Nelson,
Altair, Silvio, Pedro e demais colegas de mestrado,
pelas companhias e amizades compartilhadas.
À Jéssica, minha secretária, pelo apoio nos
momentos de estudos e trabalho.
PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:
QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE
CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Resumo: A atividade econômica no Brasil encontra seu refúgio nas garantias dispostas na
Constituição Federal. A livre iniciativa, livre concorrência e direito de propriedade são
princípios da atividade econômica. No entanto, há necessidade da conjugação desses
princípios com o da dignidade da pessoa humana, possibilitando, assim, o crescimento
econômico com igualdade e justiça social. O setor sucroalcooleiro, que contempla atividade
econômica importante no País, tem resultado social insuficiente frente aos ditames da justiça
social. Apesar de gerar milhares de empregos, os trabalhadores são submetidos a condições
precárias de trabalho. O desgaste físico é tão grande que limita o trabalhador ao período
aproximado de 12 anos nessa atividade. A exigência de tamanho sacrifício dos trabalhadores
está no fato das indústrias canavieiras estarem em crescimento no mercado competitivo do
etanol, combustível que se desponta como fonte energética alternativa para o mundo. Cada
vez mais, o Brasil procura aumentar a produção do etanol, buscando solidificar sua liderança
de maior exportador do produto, com a bandeira de ser o etanol fonte energética renovável e
limpa. Entretanto, o aumento da produção do etanol tem como consequência o aumento do
plantio da cana-de-açúcar, que, por sua vez, pode vir a concorrer com a produção de
alimentos. Aliado a esses fatores, a legislação proibindo a queima da palha da cana-de-açúcar
obriga as indústrias a mecanizar o corte da cana, adquirindo colheitadeiras, sendo que uma
única dessas máquinas é capaz de realizar o trabalho de cerca de cem homens. O reflexo da
inserção dessa tecnologia é sentido com a queda dos empregos gerados pelas indústrias
canavieiras. A demissão dos trabalhadores do corte da cana-de-açúcar provoca um impacto
social negativo de grande amplitude. Sem qualificação profissional, o trabalhador não tem
condições de competir no mercado de trabalho. A qualificação e a capacitação dos
trabalhadores dispensados dos serviços do campo é necessidade que deve ser atendida, pois,
do contrário, a gravidade social terá de ser suportada pelo Governo com custos extremamente
altos. A iniciativa das empresas que implementam programas de capacitação e qualificação
dos trabalhadores visando a realocação da mão-de-obra é um passo no sentido de realizar
justiça social.
Palavras-chave: Mecanização. Realocação de mão-de-obra. Setor sucroalcooleiro.
PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA E MUDANÇA SOCIAL:
QUALIFICAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA DOS CORTADORES DE
CANA-DE-AÇÚCAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
Abstract: The economical activities in Brazil find their supports in the guarantees disposed in
the Federal Constitution. The free commence, free competition and property rights are
principles of the economical activity. However, there is a necessity of fusion of those
principles with the principle of the human dignity, making possible, this way, the economical
growth with equality and social justice. the Sugar-Alcohol, which contemplates and
important economical activity in the country, have insufficient social results in front of those
ones required from the social justice. Despite of generate thousands of jobs, the employees
are submitted to bad work conditions. The physical wear, is so big, that limits the work period
to the maximum journey of 12 years in that activity. What requires such a sacrifice from the
workers is the fact that the sugar cane industries are growing fast in the competitive market of
ethanol, a fuel that is emerging as an alternative energy source for the world. In a continuous
manner, Brazil has sought to increase the ethanol production, seeking to solidify its leadership
as the largest exporter of that product, since ethanol is a renewable and clean energy source.
However, the increase in the ethanol production causes an increase in the planting of sugar
cane, which, in turn, may eventually compete with food production. Allied to these factors,
laws prohibiting the burning of sugar cane straw require industries to mechanize the sugar
cane harvest, by means of harvesters; one of such machinery is capable of performing the
work of about a hundred men. The reflection of the insertion of this technology is felt in the
drop of job positions generated in the sugar cane industries. The dismissal of workers who cut
sugar cane causes a negative social impact of large amplitude. Without qualifications, the
employee is unable to compete in the labor market. The qualification and training of workers
that have been dismissed from work in the fields is a need that has to be met; otherwise, the
social gravity will have to be supported by the Government with extremely high costs. The
initiative of the companies that implement training programs and qualification of workers
seeking labor reallocation is a step toward social justice.
Keywords: Labor reallocation. Mechanization. Sugar and alcohol sector.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 01 .................................................................................................................. 47
ILUSTRAÇÃO 02 .................................................................................................................. 51
ILUSTRAÇÃO 03 .................................................................................................................. 54
ILUSTRAÇÃO 04 .................................................................................................................. 54
ILUSTRAÇÃO 05 .................................................................................................................. 55
ILUSTRAÇÃO 06 .................................................................................................................. 58
ILUSTRAÇÃO 07 .................................................................................................................. 69
ILUSTRAÇÃO 08 .................................................................................................................. 85
ILUSTRAÇÃO 09 .................................................................................................................. 91
ILUSTRAÇÃO 10 .................................................................................................................. 92
ILUSTRAÇÃO 11 .................................................................................................................. 92
ILUSTRAÇÃO 12 .................................................................................................................. 93
ILUSTRAÇÃO 13 .................................................................................................................. 93
ILUSTRAÇÃO 14 .................................................................................................................. 93
ILUSTRAÇÃO 15 .................................................................................................................. 93
ILUSTRAÇÃO 16 .................................................................................................................. 94
ILUSTRAÇÃO 17 .................................................................................................................. 94
ILUSTRAÇÃO 18 ................................................................................................................ 103
ILUSTRAÇÃO 19 ................................................................................................................ 104
ILUSTRAÇÃO 20 ................................................................................................................ 105
ILUSTRAÇÃO 21 ................................................................................................................ 106
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO . .................................................................................................................... 11
1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA ............. 14
1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ....................................................................... 22
1.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO .......................................................................... 29
2 ASPECTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO ........................................................ 38
2.1 O MERCADO INTERNO DO ETANOL .................................................................... 41
2.1.1 Liderança do Mercado do Etanol........................................................................ 44
2.1.2 Globalização do Etanol ....................................................................................... 45
2.2 LIMITE AO AVANÇO DO PLANTIO DA CANA-DE-AÇÚCAR ........................... 48
2.2.1 Nos Estados da Federação. Decreto Federal nº 6.961, de 17.09.2009 ............... 48
2.2.2 No Estado de São Paulo ..................................................................................... 53
2.3 ASPECTOS DO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR ................................................. 59
2.3.1 Propostas Legislativas de Regulamentação do Corte da Cana-de-Açúcar ......... 59
2.3.2 Utilização do fogo .............................................................................................. 65
2.3.3 Regulamentação do Uso do Fogo no Estado de São Paulo ................................ 66
2.4 METAS PARA A ELIMINAÇÃO DA QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-
AÇÚCAR ............................................................................................................................. 68
2.5 MÃO-DE-OBRA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO ............................................. 71
2.5.1 Reflexo da Mecanização Colheita da Cana-de-Açúcar no Estado de São Paulo . 76
2.6 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO ..................................................... 77
2.6.1 Critérios para a Suspensão do Contrato de Trabalho ............................................ 78
3 APLICAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES DA SUSPENSÃO DOS CONTRATOS DE
TRABALHO ........................................................................................................................... 85
3.1 CASO DO GRUPO RUETTE ....................................................................................... 88
3.1.1 Projeto ―Capacita Ruette‖ ................................................................................... 88
3.1.2 Análise do caso ................................................................................................... 95
3.2 ALTERNATIVAS PARA A OCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA EXCEDENTE DO
SETOR SUCROALCOOLEIRO .......................................................................................... 97
4 OUTROS PROGRAMAS PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO NA
REOCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA .............................................................................. 100
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 110
REFERÊNCIAS..... .............................................................................................................. 114
11
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento econômico é necessário para que a sociedade também se
desenvolva em termos de justiça social.
Não há como desvincular a atividade econômica da geração de riqueza capaz de
proporcionar o bem-estar da população. Esse bem-estar está inserido na Constituição
brasileira como vida digna e justiça social.
Para realmente contemplar a essência da dignidade da pessoa humana, isto é, dar ao
indivíduo sua devida importância como pessoa, é necessário que o ambiente social no qual ela
está inserida seja dotado de condições próprias de vivência. De igual forma, a força da mão-
de-obra que movimenta a atividade econômica deve estar alicerçada em bases adequadas de
trabalho, garantindo-se aos trabalhadores a efetividade dos seus direitos fundamentais.
A relação de emprego existente entre o empresário e o trabalhador, com natureza de
contrato social, implica na efetividade do princípio da boa-fé, no qual a igualdade dos
contratantes tem como missão possibilitar que nenhuma das partes torne a outra submissa aos
seus interesses econômicos, especialmente no que tange ao trabalhador, considerado
vulnerável nesse tipo de contrato.
Desse modo, é necessário que os princípios que suportam a atividade econômica, a
exemplo da livre iniciativa, livre concorrência e propriedade privada, estejam perfeitamente
coadunados com aqueles que guarnecem a vida do trabalhador, como a dignidade da pessoa
humana e a valorização social do trabalho.
A Constituição brasileira, em seu art. 170, fundou a ordem econômica na valorização
do trabalho humano, visando assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da
justiça social, e elencou diretrizes para a atividade econômica sustentada nos princípios da
livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da propriedade, com o propósito de
atingir a redução das desigualdades regionais e sociais.
Na visão do empreendedor, as garantias dão suporte essencial para que sua atividade
seja próspera, alcançando seu objetivo principal que é o lucro. Na visão do Estado, existe a
necessidade de uma economia forte para atender as necessidades da população, com
distribuição de renda, para a realização das políticas públicas.
Entretanto, o desenvolvimento econômico não caminha lado a lado com a satisfação
das necessidades sociais, criando um abismo de classes, legando ao trabalhador as
dificuldades para o exercício de seus direitos sociais.
12
Se o indivíduo não obtém a satisfação de seus direitos subjetivos sociais não há como
aceitar que exista aí um comprometimento com sua dignidade. O seu valor como pessoa passa
para segundo plano e a sociedade sofre o reflexo dessa situação, pois o custo social nas suas
diversas formas, a exemplo da seguridade social, tende a aumentar e, num círculo vicioso,
exige mais daqueles trabalhadores que ainda se situam acima dessa classe social.
A necessidade de mudança no comportamento individualista do empreendedor é o
principal objetivo das recentes alterações legislativas, a exemplo do novo conceito do
contrato, que exige o cumprimento da sua função social e que se alicerça no princípio da boa-
fé.
As empresas não possuem mais a autonomia para objetivar somente o lucro. Devem,
também, exercer a sua função social com responsabilidade social. Essa responsabilidade
denota que os tempos atuais visam o resgate da dignidade da pessoa humana. E aqueles
empreendedores que assim não atuam certamente serão pressionados pela sociedade
consumidora a rever seus comportamentos, com risco de verem seus empreendimentos
enfraquecidos diante do mercado consumeirista.
Essas novas dimensões sociais encontram abrigo na maioria dos países desenvolvidos
e também está em crescente sedimentação na sociedade empresarial doméstica. Entretanto,
muito ainda há de se fazer para que os objetivos sociais propostos sejam alcançados, os quais
servem de fundamento em nossa Constituição Federal.
Todo esse conjunto de fatores, começando pela proteção constitucional da atividade
econômica e culminando com a exigência da valorização do trabalho humano, com ênfase
para a dignidade da pessoa humana, vida digna e justiça social, desemboca em vários
seguimentos econômicos no país.
E maioria desses seguimentos econômicos não possui uma estratégia para satisfazer a
obrigação social da efetividade dos direitos sociais dos trabalhadores. Entre estes existem,
também, os que simplesmente não aceitam esse novo conceito social da atividade econômica
e continuam a submeter os trabalhadores a condições degradantes de trabalho.
Nesse diapasão, o objetivo do presente trabalho é demonstrar que a atividade
econômica, ao mesmo tempo em que busca a sua finalidade principal, pode ser coadjuvante
nas metas do desenvolvimento social e na redução das desigualdades sociais. Em sentido
oposto, demonstra-se a existência de trabalhadores que se submetem a condições precárias de
trabalho, análogas à de escravo, existentes em empresas descomprometidas com a dignidade
da pessoa humana, centradas na busca do lucro a qualquer custo.
13
Desta forma, buscaremos essas respostas através de abordagem ao empreendimento
sucroalcooleiro do país.
O seguimento sucroalcooleiro é considerado uma grande força econômica, capaz de
gerar mais de um milhão de empregos diretos e indiretos, conquistando reservas
internacionais de bilhões de dólares, e se desponta como invejável fonte alternativa de energia
limpa e renovável.
Dada sua importância estratégica mundial e tendo o Brasil como ícone da tecnologia
de produção, é necessário analisar a importância do trabalhador nesse seguimento econômico,
examinando as perspectivas da utilização, manutenção, condições e qualidade da mão-de-
obra. Isso tudo será verificado levando-se em conta a introdução de avançadas técnicas de
plantio e corte da cana-de-açúcar, inclusive com a moderna mecanização dessa lavoura, o
risco de impacto social com a dispensa de mão-de-obra, as possibilidades da sua realocação e
a resposta do Estado frente a essas questões.
O comportamento estratégico desse gigantesco seguimento econômico, diante da
crescente necessidade da efetivação dos direitos sociais, e a identificação da existência ou não
de mecanismos de mudança social visando o cumprimento dessa responsabilidade social
merecem ser investigados, mesmo que de forma meramente indicativa, pois que servirá de
norte para as políticas públicas do Governo.
A perquirição é investigativa, utilizando-se de doutrinas, legislação, estudos técnicos e
informações disponibilizadas pelo Governo e pelas entidades ligadas ao setor sucroalcooleiro.
Não se pretende o esgotamento do assunto devido a sua dinâmica e complexidade, mas
apenas ressaltar pontos considerados relevantes para auferir um panorama do setor
sucroalcooleiro e sintetizar informações que se coadunem com as indagações propostas.
14
1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA
A atividade econômica como fundamento constitucional, segundo Ferreira Filho,1 teve
seus primeiros traços escritos em 1949, na Constituição Alemã, de 11 de agosto de 1919,
conhecida como Constituição de Weimar. Foi nessa constituição que a atividade econômica
ganhou regulamentos explícitos. A Constituição Francesa, anterior à alemã, 2 havia
assegurado direitos individuais que possuíam reflexos econômicos, como a liberdade de
trabalho e a Constituição Mexicana, de 1917, já previa o direito à educação e reforma agrária.
Atualmente, não se concebe o desenvolvimento do País sem segurança jurídica que
incuta nos investidores a confiança necessária nas instituições que compõem o Poder Público.
E essa segurança jurídica tem origem no Direito Constitucional, moldado para ser a
base do sistema econômico.
Ferreira Filho menciona que:3
O Direito Constitucional Econômico tem, pois, como objeto as bases da
organização jurídica da economia. Seu propósito é estabelecer o controle da
economia, porque esta enseja fenômenos de poder. Consiste, assim, nas regras
jurídicas que regem a atuação do indivíduo, dos grupos, do Estado, no
domínio econômico. Compreende, pois, as normas jurídicas básicas que
regulam a economia, disciplinando-a, e especialmente controlam o poder
econômico, limitando-o, com o fito de prevenir-lhe os abusos. (Grifo do autor)
A constante alteração do sistema normativo acarreta o desinteresse de investidores,
especialmente dos estrangeiros, com receio de prejuízos em seus investimentos econômicos.
A ordem econômica do País, mesmo com a possibilidade de flexibilização diante de
situações julgadas de interesse nacional, tais como o controle da inflação e a intervenção no
sistema financeiro, necessita de sólida estrutura, permanente, do ponto de vista jurídico, das
regras que norteiam as atividades econômicas, evitando o colapso da economia com a
ausência de investimentos.
Nesse sentido, Ferreira Filho ensina que4 ―a existência de um título na Constituição
dedicado à ‗ordem econômica‘ revela bem claro ter o constituinte visão de que a democracia
não pode desenvolver-se a menos que a organização econômica lhe seja propícia‖.
1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31 ed., São Paulo: Saraiva, 2005. p.
348. 2 Op. cit.
3 Ibidem.
4 Ibidem.
15
O Brasil, a partir da promulgação da Constituição de 1988, passou a ter segurança
jurídica capaz de satisfazer os interesses dos investidores e, ao mesmo tempo, permitir ao
Estado a intervenção no domínio econômico quando a situação assim exigir.
A demonstração dessa segurança, seja para os investidores estrangeiros, seja para os
nacionais, foi contemplada pelo art. 170 da Constituição Federal, que dispõe:5
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
Essa garantia constitucional das diretrizes que norteiam a atividade econômica no
Brasil passou a ser um fator determinante para o desenvolvimento, possibilitando
investimentos em longo prazo, sem o risco de mudanças repentinas no sistema econômico
provocadas por ações governamentais.
Sem riscos, a estabilidade possibilita o desenvolvimento econômico e, por meio deste,
alcança-se a distribuição de renda, fator essencial para a justiça social.
Ferreira Filho destaca o desenvolvimento como essencial para assegurar uma vida
digna: 6
Nos países como o Brasil, em que a maior parte da população ainda vive na
pobreza, senão na miséria, é imperiosa a luta em favor do desenvolvimento
econômico. Este é, na verdade, condição da justiça social, já que não é
possível assegurar a todo o povo uma vida digna, se a produção nacional não
atingiu grau elevado. É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não
é um fim em si, mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma,
tem ele de ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou
mesmo a toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado
somente beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação
de potência do Estado.
Para a garantia do desenvolvimento econômico, foram estruturadas, como
fundamentos da ordem econômica, a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre
concorrência, direcionadas para a proteção do capital, assegurando a todos o exercício de
qualquer atividade econômica, dotando o empresário das condições necessárias para suportar,
do ponto de vista da intervenção estatal, o risco econômico do seu empreendimento.
Ensina Celso Ribeiro Bastos:7
5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>.
Acesso em: 18 mar. 2010. 6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
358. 7 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 462.
16
Dentre os princípios que a informam, arrolados no art. 170 da Constituição,
figuram o da propriedade privada (inc. II) e da livre concorrência (inc. IV),
reforçado pelo parágrafo único que diz que a todos é livre o exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo os casos excepcionados em lei. É o regime, pois, da livre
empresa, pelo qual a cada um é dado lançar-se na atividade empresarial por
sua conta e risco. As leis que presidem a esta atividade são as de mercado.
Decorrente do regime democrático e do liberalismo, a livre iniciativa é o resultado do
uso das garantias de liberdade e igualdade frente ao Estado, pois ―a livre iniciativa consagra a
liberdade de lançar-se à atividade econômica sem se deparar com as restrições impostas pelo
Estado‖.8
No dizer de Celso Ribeiro Bastos:9
Portanto, a livre iniciativa é uma expressão fundamental da concepção liberal
do homem que coloca como centro a individualidade de cada um. Para o
liberal, a livre iniciativa é necessária para a sua própria expressão e dignidade
enquanto homem, porque lhe cabe imprimir um destino a sua vida, uma
escolha, a expressão da capacidade, e isso tudo só é conseguido através da
liberdade que se reserva a cada um para poder exercer a atividade econômica.
A livre iniciativa veio a estimular a ampliação da atividade econômica do País,
fomentando a criação de empresas, independentemente do seu ramo de atividade. A
necessidade de permissão do Estado para constituição de empresas restringe-se a poucas
atividades de considerável risco para a população, a exemplo de instituições bancárias e as de
alto impacto ambiental.
Há de se registrar que a livre iniciativa não é absoluta, visto que em circunstâncias
excepcionais se permite a intervenção estatal.
Bastos afirma:10
É certo que a livre iniciativa cede passo à intervenção do Estado em alguns
pontos. É o que dispõe o art. 173 que torna possível a exploração direta da
atividade econômica pelo Estado, quando presentes motivo de segurança
nacional ou relevantes interesses coletivos, tais como forem definidos em lei.
O resultado da livre iniciativa na atividade econômica mostra-se importante diante dos
reflexos produzidos em toda a economia, como a geração de empregos, renda, produção e
consumo de bens e serviços.
8 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 467.
9 Ibidem, p. 468.
10 Ibidem, p. 469.
17
Na realidade, o mecanismo de movimentação de toda a economia se assenta nessa
linha de proteção constitucional, induzindo o empresário, cada vez mais, a expandir suas
atividades, gerando efeitos que acabam por fortalecer todo o sistema econômico.
Os empregos decorrentes da necessidade de mão-de-obra para a consecução das
atividades da empresa alavancam o complexo sistema de produção, consumo e renda, de
forma intermitente e crescimento geométrico.
A geração de renda, cujo destino em grande parte é o Governo, tem finalidade
específica de proporcionar aos cidadãos a realização de investimentos necessários ao
desenvolvimento do País, especialmente em setores essenciais como educação, saúde,
habitação e segurança, com o compromisso de melhorar a qualidade de vida do cidadão.
A produção e o consumo de bens, de forma contínua e circulante, têm na livre
iniciativa o amparo necessário para gerar fundos financeiros capazes de suportar a constante
renovação de produtos, associada à crescente e inovadora necessidade do ser humano.
Visando ampliar a segurança jurídica já estruturada na ordem econômica
constitucional, o legislador infra-constitucional procurou dar efetividade a essa garantia
constitucional.
Por meio da Lei nº 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações
contra a ordem econômica, normatizou:11
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de
culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a
livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
A presença do Estado na atividade econômica se deu de forma a gerar efetividade às
disposições constitucionais.Visualiza-se a preocupação estatal na necessidade de fiscalizar a
atuação das empresas, em suas diversas atividades, de modo a proporcionar resultados que
garantam ao setor econômico diversidade e liberdade na produção de bens e serviços.
Esse interesse estatal decorre da necessidade do equilíbrio econômico entre as
empresas.
Leciona Celso Ribeiro Bastos:12
11
BRASIL. Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 13 jun. 1994. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm >. Acesso em: 18 mar.
2010. 12
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 462.
18
O mesmo Estado também intervém, contudo, na qualidade de agente
normativo e regulador da economia. Tal mister vem disciplinado no art. 174,
que torna certo que ao Estado é dado fiscalizar, incentivar e planejar a
atividade econômica. De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas
atividades que, sem implicarem a prestação de atividade econômica,
propriamente dita, venham a colaborar, através de um processo de
conformação da atividade dos particulares, o atingimento mais pleno possível
dos objetivos do art. 170. Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder
amplo de que desfruta o ente estatal, denominado poder de polícia. Por seu
intermédio objetiva-se manter a atividade privada dentro do estabelecido pela
Constituição e pelas leis.
Essa permissão legal para a atuação do Estado possui natureza social e econômica,
pois fixa parâmetros para as atividades das empresas, afastando qualquer ação que limite a
livre concorrência ou a livre iniciativa.
No intuito de fortalecer ainda mais a ordem econômica, o legislador inseriu o direito
de propriedade privada, na forma prevista no art. 170, II, da Constituição Federal.
A propriedade proporciona segurança para que haja investimentos e, com efeito,
ocorra o desenvolvimento econômico e social.
A Constituição Federal 13
trata da propriedade não só no contexto da ordem econômica,
como também no capítulo destinado às garantias individuais.
Dispõe o art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos
decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento;
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou
reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à
propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos,
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País;
Percebe-se que a Constituição trata da questão relacionada à propriedade também
como garantia individual, levando a entender que a propriedade é necessária tanto ao
indivíduo como à economia do País.
13
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm>.
Acesso em: 18 mar. 2010.
19
E assim afirma José Afonso da Silva:14
Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que ela
não pode mais ser considerada como um direito individual nem como
instituição do Direito Privado. Por isso deveria ser prevista apenas como uma
instituição da ordem econômica [...]. É verdade que o art. 170 inscreve a
propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem
econômica (incs. II e III). Isso tem importância, porque, então, embora
prevista entre os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro
direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente
porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da
realização do seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social. (grifo do autor)
Entende o autor que a propriedade, mesmo sendo um direito individual, é também de
ordem social, pois que necessária ao desenvolvimento econômico, cujo objetivo é a dignidade
e a justiça social, elevados como fundamentos da atividade econômica.
A mesma posição defende Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao dispor: 15
Reconhecendo a função social da propriedade, sem a renegar, a Constituição
não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, mas exige que o uso da
coisa seja condicionado ao bem-estar geral. Não ficou, pois, longe o
constituinte da concepção tomista [pensamento cristão de São Tomás de
Aquino] de que o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão
de bens destinados a servir a todos, embora não pertençam a todos.
A junção do direito de propriedade à sua função social permite que a atividade
econômica encontre o seu objetivo, a saber, a busca do lucro dos empreendedores com
resultados positivos para o desenvolvimento, cujo reflexo eclode com melhoria das condições
de vida dos cidadãos.
Entretanto, não se intenta aqui estudo da natureza da propriedade. Sua referência é no
sentido de indicar sua importância como mecanismo inserido na atividade econômica.
Para haver desenvolvimento econômico faz-se necessário que os trabalhadores estejam
motivados à produção, aqui entendida toda a cadeia produtiva (produção, consumo, renda,
etc.)
O direito à propriedade, ou o direito de propriedade, como ressaltam alguns
doutrinadores, é crucial para que os fundamentos da existência digna prosperem e, com isso,
se alcance a justiça social.
14
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
269. 15
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
359.
20
É bem verdade que o direito de propriedade guarda consonância com propriedade em
sentido amplo, visto que temos propriedade material (imóveis e móveis), bem como imaterial
(intelectuais, artísticas, etc.).
Mas todas essas espécies de propriedade, se assim se pode denominar, compõem um
conjunto de alicerces destinados a sustentar a economia, dando efetividade às normas
constitucionais que norteiam o sistema econômico.
Em outro tópico, também na busca da existência digna e da justiça social mediante o
desenvolvimento econômico, a Constituição inseriu como princípio a livre concorrência.
Destaca-se que a livre concorrência depende, para sua existência, da livre iniciativa. A
garantia constitucional da livre concorrência possibilita ao consumidor a escolha de melhores
produtos e preços, enquanto que, para o produtor, surge possibilidade de prosperidade em sua
atividade econômica.
Assim defende Celso Ribeiro Bastos:16
A livre concorrência é um dos alicerces da estrutura liberal de economia e tem
muito a ver com a livre iniciativa. É dizer, só pode existir a livre concorrência
onde há a livre iniciativa. O inverso, no entanto, não é verdadeiro – pode
existir livre iniciativa sem livre concorrência. Assim, a livre concorrência é
algo que se agrega à livre iniciativa, e que consiste na situação em que se
encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência
dos seus rivais.
Entretanto, se não for devidamente regulamentada, poderá gerar uma disputa
econômica de grande vulto, onde empresas de maior porte praticamente levariam à extinção
as de menor porte, resultando em domínio do mercado produtivo e consumidor.
Atento a isso, o Governo editou a Lei 8.884/94, já anteriormente citada, para
resguardar, além da livre iniciativa, também a livre concorrência, dispondo em seu art. 20:17
Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os
atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a
livre iniciativa.
A necessidade de regulamentação por meio de lei decorre de exigência constitucional,
conforme menciona Celso Ribeiro Bastos:
É por essas razões que a Constituição cuida de determinar que, por meio de lei
competente, o Estado puna as modalidades que distorcem a livre concorrência,
16
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 471. 17
BRASIL. Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 13 jun. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L8884.htm >. Acesso em: 18 mar.
2010.
21
tais como o monopólio e o oligopólio. Todas são modalidades de dominação
de mercados, pelas quais os agentes econômicos procuram escapar das leis da
livre concorrência, assegurando para si uma fatia cativa desse mercado ou, até
mesmo, o mercado na sua totalidade.
O Governo criou mecanismos para que a atividade econômica não seja centralizada e
tampouco possam as empresas, de qualquer modo, formar monopólios em determinado
segmento de produção ou consumo.
A diversificação e a livre concorrência, quanto à produção de bens e serviços,
estimulam a criação de empresas, a geração de empregos e renda, formando um universo
econômico que se distribui pela sociedade e, ainda, possibilita que todos tenham condições de
satisfazer suas necessidades de bens com o menor custo possível.
Há que se ressaltar que a livre concorrência garante a produção em escala e permite o
atendimento do mercado consumidor sem o risco de falta do produto e beneficia o
consumidor, capaz de escolher determinada marca, avaliar sua qualidade e opção de preço de
compra.
Segundo Celso Ribeiro Bastos:18
Em diversos aspectos pode manifestar-se a livre concorrência, como no preço
das mercadorias ou serviços, na qualidade dos mesmos etc. De tal sorte que é
essa atividade concorrente e competitiva dos diversos agentes, que expõem no
mercado produtos assemelhados, que leva à otimização dos recursos
econômicos e a preços justos, na medida em que, por intermédio da
concorrência recíproca evitam-se os lucros arbitrários e os abusos do poder
econômico.
Outro aspecto a ser considerado em relação à livre concorrência é a oportunidade de o
mercado inovar na produção de bens e serviços. A disputa pelo consumidor leva as empresas
a melhorar cada vez mais a qualidade dos seus produtos.
A concorrência, na verdade, não se limita a produção e venda. A concorrência também
visa o consumidor, cuja preocupação do mercado produtor é satisfazer os interesses e
necessidades do público alvo, forçando a criação de novas tecnologias e frentes de trabalho.
Nessas novas frentes de trabalho está o desenvolvimento econômico e social, posto
que o fortalecimento das empresas, com novas estratégias de competitividade, alcança com
maior eficiência seu objetivo maior, o lucro. Ao lado do lucro, surge o aprimoramento
intelectual, movendo a classe trabalhadora para um patamar mais próximo dos fundamentos
constitucionais, o da existência digna e justiça social.
18
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 471.
22
Essas considerações superficiais da estrutura da ordem econômica visam demonstrar
estar a atividade econômica preparada para investir mais em sua função social. Ressalte-se,
aqui, não existir qualquer pretensão de enfrentar discussões aprofundadas sobre o tema, visto
não ser este o objeto deste estudo. Essas considerações serão retomadas em relação ao setor
Sucroalcooleiro, tema que será enfrentado no item 2, mais adiante.
1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A evolução do mundo globalizado produz efeitos negativos que passam a refletir na
sociedade criando classes sociais excluídas dos direitos fundamentais. O Estado não
acompanha essa evolução e deixa de cumprir o seu papel de garantidor desses direitos, seja no
aspecto positivo das suas obrigações ou no negativo, relativo às suas abstenções.
Nesse sentido entende Sarlet:19
O fato é que justamente o avanço da globalização e o impacto de seus efeitos
colaterais de cunho negativo, como é o caso do incremento dos níveis de
exclusão social e de opressão por parte dos poderes sociais, cuja influência
tem crescido vertiginosamente na mesma proporção em que o Estado se
demite ou é demitido de suas funções regulatórias e fiscalizatórias, mediante a
fragilização de sua capacidade de atuar efetivamente na proteção e promoção
dos direitos fundamentais, revela o quão atual é a discussão em torno da
eficácia social da Constituição e dos direitos fundamentais para além dos
relações entre o Estado e os particulares.
A efetividade da Constituição Federal, especialmente no que se refere aos direitos
sociais e fundamentais deve alcançar toda a ordem jurídica a ponto de tais direitos ser a esta
incorporada definitivamente, sem o risco desses direitos fundamentais virem a ser objeto de
supressão. Assim é que Sarlet procura transmitir a importância dos direitos fundamentais:20
[...] segue valendo a premissa de que a dignidade da pessoa humana e os
direitos fundamentais, de um modo geral, aplicam-se na e a toda ordem
jurídica e social. Com efeito, a proteção do cidadão e da sociedade contra o
abuso do poder econômico e social pressupõe que se tome a sério estes riscos
e ameaças e que se leve a sério as funções e possibilidade da Constituição e
dos direitos fundamentais em todos os setores da vida social e jurídica.
A dignidade da pessoa humana, segundo Gomes21
, decorreu da necessidade de
construir um novo modelo de Estado, contrapondo-se ao poder político do monarca, da
19
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de
Direito do Consumidor, n. 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 92. 20
Op. cit. p. 94. 21
GOMES, Sergio Alves. Hermêutica Constitucional. Um Contributo à Construção do Estado Democrático de
Direito. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 274.
23
injustiça social do Estado liberal e da submissão do povo à vontade dos governantes do
Estado Social. Após a primeira guerra mundial, diante do holocausto, essa necessidade se
tornou mais premente.
Conforme SARLET, mencionado por Furlan22
, existem três dimensões para o sentido
da dignidade da pessoa humana: a dimensão ontológica que entende ser a dignidade uma
qualidade intrínseca da pessoa humana, irrenunciável, inalienável, inerente ao ser humano.
Pela dimensão social, a dignidade seria o reconhecimento de valores sociais destinados à
satisfação do relacionamento na comunidade de pessoas humanas, e pela dimensão histórico-
cultural, a dignidade da pessoa humana seria um conceito em permanente processo de
desenvolvimento e construção.
SARLET, ainda segundo Furlan, conceitua a dignidade da pessoa humana com sendo:
A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos.
A dignidade da pessoa humana não possui um conceito único aceitável pelos
estudiosos. Alguns dizem que é a estima pessoal, o respeito, o valor que a própria pessoa tem
sobre si mesma. Outros sustentam que o conceito é evolutivo, dinâmico, abrangente e que
reflete o cuidado, a humanidade das ações, o reconhecimento do seu valor enquanto ser
humano. No entendimento de Joaquim:
Em resumo, o termo Dignidade Humana é o reconhecimento de um valor. É
um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e não na sua
utilização como um meio. Isso quer dizer que a Dignidade Humana estaria
baseada na própria natureza da espécie humana a qual inclui, normalmente,
manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem
do ser humano um ente em permanente desenvolvimento na procura da
realização de si próprio.23
22
SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão
jurídico-constitucional necessária e possível. In Dimensões da dignidade da pessoa humana-ensaios de filosofia
do direito e direito constitucional. In: Dignidade da Pessoa Humana. FURLAN, Alessandra Cristina; Inclusão
Social e Direitos Fundamentais. 1. ed. São Paulo: Boreal, 2009, p. 7. 23
JOAQUIM, Tereza. Reflexão Ética sobre a Dignidade Humana. Conselho Nacional de Ética para as Ciências
da Vida. Portugal, 5 jan. 1999. Disponível em: <http://www.cnecv.gov.pt/NR/rdonlyres/9D4875F1-511B-4E29-
81B2-C6201B60AD52/0/P026_DignidadeHumana.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2010.
24
A dignidade da pessoa humana, não obstante ser discutida há séculos, foi por meio da
Declaração Universal dos Direitos Humanos que teve o seu conceito mais visível, com
consequente aumento da sua importância no mundo atual.
Consta do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos:24
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé
nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana
e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram
promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade
mais ampla, [...].
O Brasil inseriu a dignidade da pessoa humana como fundamento Constitucional, pois,
conforme a lição de Jorge Miranda, todos os demais direitos decorre desse referido
fundamento:25
Pelo menos, de modo directo e evidente, os direitos, liberdades e garantias
pessoais e os direitos econômicos sociais e culturais comuns têm a sua fonte
ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas. Mas quase todos os outros
direitos, ainda quando projectados em instituições, remontam também à idéia
de protecção e desenvolvimento das pessoas. (grifo do autor)
Sob outro prisma, na lição de Sarlet,26
para se ter uma vida digna não basta somente
ter uma existência física. Essa existência deve ser acompanhada de condições que proporcione
ao indivíduo usufruir dos seus direitos sociais, com qualidade de vida.
Ensina o citado autor:
De qualquer modo, tem-se como certo que a garantia efetiva de uma
existência digna abrange mais do que a garantia da mera sobrevivência física,
situando-se, portanto, além do limite da pobreza absoluta. Sustenta-se, neste
sentido, que se uma vida sem alternativas não corresponde às exigências da
dignidade humana, a vida humana não pode ser reduzida à mera existência.
Heinrich Scholler, mencionado por Sarlet, sustenta o mesmo entendimento ao afirmar
que a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada ―quando for possível uma
existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando
seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade‖.27
24
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <
http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 21 mar. 2010. 25
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:
Coimbra, 2000, p. 181. 26
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de
Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 102. 27
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de
Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 102.
25
Partindo do estudo de Heinrich Scholler, Sarlet passa a defender que a dignidade da
pessoa humana é sustentada num mínimo existencial, sendo que esse mínimo existencial não
significa o mínimo de vida ou de sobrevivência. Com bastante propriedade, esclarece o autor
que a mera sobrevivência não leva necessariamente a existência de condições dignas de vida,
com qualidade. Teríamos o exemplo extremo do fato do fornecimento de alimentação
suficiente para a sobrevivência da pessoa vir a ser entendida como existência mínima de vida.
Nas palavras do autor, não é negado que essa sobrevivência seria um primeiro passo para uma
garantia do mínimo existencial, mas por certo que isso não seria suficiente. Esclarece Sarlet:
[...] o próprio conteúdo do assim designado mínimo existencial, que não pode
ser confundido com o que se tem chamado de mínimo vital ou um mínimo de
sobrevivência, de vez que este último diz com a garantia da vida humana, sem
necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em
condições dignas, portanto de uma vida com certa qualidade
O princípio da garantia do mínimo existencial, que congrega o conjunto de garantias
materiais para uma vida digna28
, é tido como direito fundamental que guarda consonância
com o entendimento do que vem a ser vida digna e dignidade da pessoa humana, na forma
como esses direitos estão fundamentados na Constituição Federal. Compreendendo-se estes,
por certo se compreenderá, também, o princípio da garantia do mínimo existencial.
A ausência de previsão específica na Constituição Federal, enfatiza Sarlet, em nada
prejudica o princípio do mínimo existencial, visto que este decorre da proteção da vida e da
dignidade da pessoa humana, e ademais, estão presentes em vários outros direitos
fundamentais sociais.
E ainda, segundo Sarlet, ―o mínimo existencial tem sido identificado como o núcleo
essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer
intervenção por parte do Estado e da sociedade‖.29
J.J. Canotilho, ao estudar a Constituição Portuguesa, se refere ao núcleo essencial de
proteção aos direitos econômicos, sociais e culturais, nos seguintes termos:30
Relativamente aos direitos, liberdades e garantias, a Constituição portuguesa
garante e protege um núcleo essencial destes direitos contra leis restritivas
(núcleo essencial como reduto último de defesa). Coloca-se também o
problema de saber se os direitos econômicos, sociais e culturais exigem a
garantia de um núcleo essencial como condição do mínimo de existência
(núcleo essencial com standard mínimo). Das várias normas sociais,
econômicas e culturais é possível deduzir-se um princípio jurídico estruturante
28
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de
Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 103. 29
Op. Cit, p. 118. 30
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra, Portugal:
Almedina, 2003, p. 518.
26
de toda a ordem econômico-social portuguesa: todos (princípio da
universalidade) têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos
sociais, na ausência do qual o estado português se deve considerar infrator das
obrigações jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas.
Nesta perspectiva, o ―rendimento mínimo garantido‖, as ―prestações de
assistência social básica‖, o ―subsídio de desemprego‖ são verdadeiros direitos
sociais originariamente derivados da constituição sempre que eles constituam
o standart mínimo de existência indispensável à fruição de qualquer direito. (grifo do autor)
A garantia do mínimo existencial como direito fundamental não se limita como dever
somente do Estado. Os particulares, em determinadas circunstâncias, também tem o dever de
observá-lo. Se o mínimo existencial está inserido nos direitos sociais, a efetividade da
Constituição produz efeito também sobre os particulares, pois a vida privada trilha no sentido
das ações estarem direcionadas para a superação das desigualdades sociais.
Leciona Sarlet:31
É precisamente no campo da eficácia direta nas relações entre particulares que
o mínimo existencial – na sua dimensão prestacional – há que ter
operatividade. Se uma eficácia prestacional já é possível até mesmo fora do
âmbito do que tem sido considerado o mínimo existencial (poder-se-á aqui
citar o exemplo atual da disponibilização, ainda que cogente, pois imposta
pelo poder público, de vagas – portanto de um acesso a prestações no campo
do direito à educação também por instituições particulares de ensino superior),
o que não dizer quando estiverem em causa prestações indispensáveis à
satisfação das condições mínimas para uma vida com dignidade, com apoio
também- mas como argumento adicional tão-somente! – no princípio da
solidariedade que, à evidência, não vincula apenas aos órgãos estatais, mas a
sociedade como um todo.
O referido doutrinador acrescenta que ―o núcleo da dignidade da pessoa humana
constitui o conteúdo indisponível dos direitos fundamentais mesmo para o próprio titular do
direito‖, sendo que o Estado tem o dever de proteção da pessoa contra si mesma quando esse
direito estiver sendo violado. Esse núcleo considerado como o mínimo existencial da
satisfação das necessidades básicas do indivíduo, que vincula o próprio titular do direito, por
via indireta acaba por vincular o particular, pois este tem a tarefa de respeitar e contribuir para
a realização da igualdade e justiça social.
Entretanto, a dignidade da pessoa humana, como fundamento Constitucional não tem
merecida a devida preocupação do Estado.
Não existem sequer políticas públicas voltadas para a garantia do mínimo ao
indivíduo. A ausência de políticas públicas, a exemplo do setor da habitação, tem levado
31
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de
Direito do Consumidor, nº 61, jan. e mar. 2007. São Paulo: RT, p. 118.
27
doutrinadores como Fachin32
a defenderem o que chamam de estatuto jurídico do patrimônio
mínimo, como podemos observar:
Em certa medida, a elevação protetiva conferida pela Constituição à
propriedade privada pode, também, comportar tutela do patrimônio mínimo,
vale dizer, sendo regra de base desse sistema a garantia ao direito de
propriedade não é incoerente, pois, que nele se garanta um mínimo
patrimonial. Sob o estatuto da propriedade agasalha-se, também, a defesa dos
bens indispensáveis à subsistência. Sendo a opção eleita assegurá-lo, a
congruência sistemática não permite abolir os meios que, na titularidade,
podem garantir a subsistência.
O intuito dessa nova doutrina é assegurar o mínimo de patrimônio ao indivíduo, não o
sujeitando às vorazes regras do mercado econômico, especialmente financeiro, capazes de
deixar ao relento aquele que atuar de modo desavisado na seara econômica.
A garantia do patrimônio mínimo visa proteger a dignidade da pessoa humana,
garantindo a indisponibilidade de bens suficientes e necessários à sobrevivência digna,
lastreado no princípio do mínimo existencial decorrente dos direitos fundamentais.
Uma sociedade com existência digna e justiça social não se mostra possível em médio
prazo. As ações das autoridades não alcançam a realidade do País, onde a ausência de
políticas públicas agrava a situação daqueles que vivem abaixo da linha da pobreza.
E essa ausência do Estado fere até mesmo a liberdade de trabalho do indivíduo, pois
não basta ter liberdade formal, como descrito nos fundamentos art. 1º: ― IV (os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa) e 5º : XIII (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão [...] )‖ da Constituição Federal. Essa liberdade deve ter a proteção do Estado, pois,
como direito fundamental, é exercida em consonância com os demais direitos, e sendo o
trabalho a essência da dignidade da pessoa humana, a garantia da existência mínima deve ser
exigida.
Jorge Miranda leciona nesse mesmo sentido:33
[...] a liberdade de trabalho e de profissão não está isolada de outras
liberdades, sem as quais dificilmente teria sentido. Só através dela [liberdade
de trabalho] se concretiza o direito ao trabalho. E exige um conjunto variado
de garantias e de incumbências do Estado, de modo a que se torne uma
liberdade igual para todos e a que possa ser usufruída por todos, especialmente
por quantos pertençam a certas categorias ou por quantos estejam em
situações mais carecidas de protecção.
32
FACHIN, Luiz Édson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. In: QUARESMA, Heloisa Helena.
Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3451> . Acesso em 15 maio 2010. 33
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:
Coimbra, 2000, p. 497.
28
Não se concebe o caminhar para o resgate da dignidade da pessoa humana sem, ao
menos, garantir o direito ao trabalho ao indivíduo.
E percebe-se crescente a exclusão social, que dentre diversos fatores sociais, está a
falta de trabalho ou as precárias condições da sua realização.
A omissão do Estado, mesmo com indicadores dando conta de que o índice de
indivíduos abaixo da linha de pobreza diminuiu no período de 2001 até 2008, ainda é elevado
o total de pessoas excluídas da sociedade, estas afastadas do mínimo da garantia da dignidade
da pessoa humana.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), citada pelo Jornal Estadão, haverá,
vagarosamente, melhora nos índices de pobreza:34
Nos próximos cinco anos, o Brasil deve reduzir o número de miseráveis pela
metade e aumentar em 50% as classes A e B. A projeção é de Marcelo Neri,
diretor do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Conforme sua estimativa, no início de 2015, os pobres serão apenas 8% dos
brasileiros, caindo para quase um quarto da proporção que vigorava em 1993,
de 35%. Em pouco mais de duas décadas (1993-2005), um contingente de
51,6 milhões de brasileiros muito pobres, numa população de 147 milhões,
será reduzido para 16,1 milhões, em 222 milhões - ou seja, uma queda de
quase 70% em termos absolutos, mesmo levando-se em conta o aumento
populacional.
A linha de pobreza utilizada por Neri corresponde a uma renda per capita
familiar de R$ 137 na média do Brasil (a linha varia de acordo com a região).
Nesse conceito, que representa uma linha de pobreza relativamente baixa
(alguns consideram que seja uma linha de extrema pobreza), os pobres
correspondem exatamente à classe E.
A violação da dignidade da pessoa humana decorrente da ausência de políticas
públicas é acompanhada pelo setor privado, também ausente na proteção da dignidade da
pessoa humana. Não se escusa que o setor privado sinta o reflexo da própria ausência de
políticas públicas.
No setor urbano, por exemplo, o excesso de horas trabalhadas, a informalidade, a
contratação de menores para o trabalho são iniciativas e assentimentos de caráter particular.
Na zona rural, a dignidade da pessoa humana do trabalhador está ainda mais distante.
O trabalho extremamente árduo e em condições precárias, a exemplo da colheita da cana-de-
açúcar, tem sido comparado ao de escravo, pois que o trabalhador tem de cortar cerca de 12
toneladas de cana por dia. Além disso, fica sujeito a doenças respiratórias e o desgaste físico
34
NÚMERO DE MISERÁVEIS CAIRÁ PELA METADE ATÉ 2015. Estadão. São Paulo, 3 jan. 2010.
Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/economia,fgv-numero-de-miseraveis-caira-pela-metade-
ate-2015,489956,0.htm>. Acesso em: 20 mar. 2010.
29
limita sua atuação no campo a um período aproximado de 12 anos; isto é, após 12 anos de
trabalhado, nesse ritmo, o trabalhador perde a sua eficiência nessa atividade.35
E não há, aqui, que se falar que os trabalhadores que atuam nessas condições tenham,
de forma implícita, consentidos com essa situação. Tal consentimento seria inconstitucional,
pois não se pode renunciar a direitos fundamentais, a exemplo da dignidade, como bem
afirma Jorge Miranda:36
Por princípio, ninguém pode renunciar a direitos, liberdades e garantias ou a
direitos económicos, sociais e culturais (precisamente porque são direitos
fundamentais, assentes na dignidade da pessoa humana e elementos
estruturantes da ordem constitucional).
O núcleo essencial dos direitos fundamentais, que reflete a dignidade da pessoa
humana, é violado em razão de não receber a devida proteção do Estado, estando o indivíduo
sujeito a condições distantes de uma vida digna.
Vislumbra-se nesse cenário que a garantia da existência mínima não encontra abrigo e
a dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição Federal, como anteriormente
mencionado, não possui efetividade, estando estagnada na formalidade em que ocupa assento
na Lei Maior.
Esse fato social prejudicial à vida do trabalhador, quando acima se refere ao corte da
cana-de-açúcar, que viola a dignidade da pessoa humana, é mais adiante abordado, no tópico
3.5, quando trata-se da mão-de-obra no setor sucroalcooleiro.
1.2 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
O Código Civil de 1916 refletia as diretrizes do Estado Liberal. O positivismo, sua
base jurídica, disseminava a existência de uma segurança jurídica, com maior previsibilidade,
dentro de um sistema jurídico fechado.
A regulação da atividade privada que se pretendia de maneira completa concebeu ao
Código Civil de 1916 a denominação de Constituição do Direito Privado.
35
ZAFALON, Mauro. Pressionado a produzir mais, trabalhador atua cerca de 12 anos, como na época da
escravidão. Folha de São Paulo, São Paulo, 1 maio 2007. Disponível em: <http://www.sucre-
ethique.org/Cortadores-de-cana-tem-vida-util.html>. Acesso em: 25 mar. 2010. 36
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3. ed. Portugal:
Coimbra, 2000, p. 357.
30
Entretanto, a partir da década de 1930, houve o surgimento de leis especiais que
começaram a retirar do Código Civil o seu caráter de exclusividade, surgindo o que hoje se
denomina de micro-sistemas.37
Pasqualotto, citado por Hora Neto38
, ressalta que a aprovação da CLT - Consolidação
das Leis do Trabalho, em 1943, deu início a descodificação ou fragmentação do Direito Civil
chegando esse fenômeno até a Constituição Federal de 1988.
A primeira grande migração foi a das leis trabalhistas, ainda na década de 40.
O direito de família refletiu a mudança dos costumes. A concentração urbana
ditou a necessidade de sucessivas leis especiais de inquilinato. Um sistema foi
estruturado para proporcionar acesso à casa própria, com articulação de
diversos negócios jurídicos, desde a incorporação imobiliária até o
financiamento aquisitivo por meio de mútuo bancário, além dos seguros com
função de garantia do mutante e de quitação em favor dos beneficiários do
mutuário. Tudo isso levou a um desprestígio do Código Civil como lei básica
reguladora da vida do cidadão, abalando a idéia de hegemonia legislativa,
dominante no conceito de codificação.
Com as mudanças incrementadas pelo Estado Social, o direito passou a pertencer a um
sistema aberto, flexível e dinâmico possibilitando que o juiz atue com mais liberdade,
podendo invocar para a resolução da lide princípios metajurídicos que informam o
ordenamento constitucional.39
Diante desse novo cenário, surge uma técnica legislativa denominada de ―cláusula
geral‖, que segundo Hora Neto, trata-se de uma nova ferramenta colocada à disposição do
Magistrado para que este possa manejar o direito diante do caso concreto, conferindo maior
proteção do contratante vulnerável e contribuindo para o alcance da justiça social.
O citado autor traz a origem da ―cláusula geral‖ ao lecionar40
:
Historicamente, diz-se que a expressão cláusula geral é de origem germânica,
ali conhecida como ‗general Klausel’, significando um dos dois métodos
legislativos, ao lado do método casuístico. Enquanto este comporta uma
configuração analítica dos fatos e casos comuns, fazendo-os incidir em uma
hipótese legal (‗fattispecie‘), a cláusula geral importa numa formulação legal
de grande generalidade e que abrange largo espectro de casos. (grifos do autor)
Conceito claro para cláusulas gerais é exposto pela ilustre professora Judith Martins
Costa:41
37
PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de Defesa do Consumidor em Face do Novo Código Civil. In:
HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8262>.
Acesso em: 15 maio 2010. 38
Op. cit. 39
Ibidem. 40
Ibidem.
31
[...] conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos
legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares
de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente [...],
de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de
diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de
universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente
ressistematização no ordenamento positivo.
Essa técnica legislativa de cláusulas gerais se contrapõe a casuística, esta também
chamada de técnica da regulamentação por fattispécie, que segundo Martins Costa42
, é a qual
o interprete pode aplicar a norma mediante o processo mental denominado de subsunção, cujo
fenômeno causa inflexibilidade dos códigos civis e o seu envelhecimento diante da dinâmica
dos fatos sociais.
Giselda Hironaka menciona a técnica legislativa das cláusulas gerais frente a
causuística:43
[...] as denominadas cláusulas gerais, que constituem uma técnica legislativa
característica da segunda metade deste século, época na qual o modo de
legislar casuisticamente, tão caro ao movimento codificatório do século
passado – que queria a lei clara, uniforme e precisa [...] – foi radicalmente
transformado, por forma a assumir a lei características de concreção e
individualidade que, até então, eram peculiares aos negócios privados.
As cláusulas gerais dão ao juiz instrumento de decisão frente aos fatos sociais não
previstos normativamente e passam a constituir fonte para a formação de jurisprudência,
enfrentando temas atuais e mantendo o ordenamento sempre atualizado diante das inovações e
avanço das necessidades sociais.
E as cláusulas gerais, antes ignoradas no Código Civil de 1916, passam a constituir-se
em regra mestra no novo Código Civil, relativamente ao contrato.
No Estado liberal, os contratos sempre significaram o poder absoluto do contratante
sobre o contratado. Mesmo ocorrendo desníveis de vantagens recíprocas, uma vez celebrado,
o contrato continha no seu bojo a obrigação do seu integral cumprimento.
Segundo Hora Neto:44
41
COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais
no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 42
Op. cit. 43
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.
Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 44
HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1028, 25 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8262>.
Acesso em: 15 maio 2010.
32
Assim, é notório que a função social do contrato, no Estado Liberal, consistia
simplesmente em possibilitar o equilíbrio formal e a autonomia da vontade,
pois o interesse individual era o valor supremo, apenas limitado pelo Princípio
da Ordem Pública ou dos Bons Costumes, não cabendo ao Estado e ao Direito
fazer considerações sobre o ideal de Justiça Social.
O individualismo predominava e as conseqüências negativas não eram consideradas,
visto que os interesses sociais mantinham-se afastados das relações contratuais.
No ensinamento de Ferreira45
:
As relações contratuais permaneceram encarceradas nas torres encasteladas da
vontade individual. O sujeito contratante manteve intacta por longos períodos
a tutela absoluta da autonomia da vontade em nome da qual tudo podia, até
mesmo e, principalmente, manter as desigualdades negociais. Desde aquele
período, predomina a concepção do uso e manipulação do contrato como
instrumento de dominação social. De lá para cá as mudanças se fizeram
lentamente.
A partir do Novo Código Civil, cuja vigência se deu através de Lei 10.406/2002,46
o
caráter privatista existente na legislação anterior foi substituído pela visão social,
acompanhando os princípios da Constituição Federal, especialmente os relativos à dignidade
da pessoa humana, justiça social, redução das desigualdades sociais e o valor social do
trabalho.47
A função social do contrato veio a ser inserida no Novo Código Civil mediante a
redação do art. 421, que dispõe: ―a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites
da função social do contrato.‖48
Segundo Miguel Reale,49
essa norma do Novo Código Civil decorre em virtude de
princípios da Constituição Federal:
Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de
1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de
propriedade que ―atenderá a sua função social‖. Ora, a realização da função
social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos
contratos, cuja conclusão e exercício não interessam somente às partes
contratantes, mas a toda a coletividade. (grifo do autor)
45
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. RIBEIRO, Maria de Fátima. Organizadoras. Direito
Empresarial Contemporâneo. 1 ed., Marília: Arte&Ciência, 2007, p. 88. 46
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 10 jan. 2002. 47
PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Função Social da Empresa. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1988/Funcao-social-da-empresa>. Acesso em: 22 mar. 2010. 48
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 10 jan. 2002. 49
REALE, Miguel. Função Social do Contrato. São Paulo, 20 nov. 2003. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010.
33
No mesmo sentido ensina Martins Costa:50
Esta norma [...] constitui a projeção, no específico domínio contratual, do
valor constitucional expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da
coletividade que está no art. 5º, inciso XXIII da Constituição Federal, uma vez
que o contrato tem, entre outras funções, a de instrumentalizar a aquisição da
propriedade. Se a esta não é mais reconhecido o caráter absoluto e sagrado, a
condição de direito natural e inviolável do indivíduo, correlatamente ao
contrato também inflete o cometimento --- ou o reconhecimento --- de
desempenhar função que traspassa a esfera dos meros interesses individuais.
Nesse sentido, os contratos deixaram de servir exclusivamente ao interesse privado e
passaram a fazer parte do interesse da coletividade.
A função social do contrato passou a ser limite contratual, no entendimento de Paulo
Luiz Netto Lôbo:51
No novo Código Civil a função social surge relacionada à "liberdade de
contratar", como seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou
autonomia privada, consistiu na expressão mais aguda do individualismo
jurídico, entendida por muitos como o toque de especificidade do Direito
privado. São dois princípios antagônicos que exigem aplicação harmônica. No
Código a função social não é simples limite externo ou negativo, mas limite
positivo, além de determinação do conteúdo da liberdade de contratar. Esse é
o sentido que decorre dos termos "exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.
A liberdade de contratar passou a ser conjugada com a função social do contrato,
coibindo-se abusos e desvirtuamentos de conteúdo que maculassem a boa-fé nas relações
contratuais.
Nesse sentido leciona Giselda Hironaka:
Uma ingerência cada vez mais presente, por parte do Estado, na estruturação
desse conteúdo contratual, tendo em vista a salvaguarda de interesses sociais
mais significativos que a mera intenção e simples pretensão dos contratantes,
constituiu-se, também, em forte razão para a crescente onda de descrédito que
pretendeu tomar conta do destino do contrato enquanto tradicional e clássico
instituto de direito privado.
Os contratos ganharam limitações pela ordem pública, restringindo seus efeitos e
moldando-os aos interesses sociais. Não se diminuiu a liberdade de contratar, somente inseriu
uma adequação normativa capaz de satisfazer os interesses privados e os sociais relativamente
ao conteúdo contratado.
50
COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais
no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 51
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil . Jus Navigandi,
Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2796>. Acesso
em: 15 maio 2010.
34
Afirma Ferreira52
:
A limitação da autonomia privada vem definida pela ordem pública, pelo
princípio da função social, pelos bons costumes e pelo princípio da boa-fé.
Não se questiona a necessidade da liberdade para negociar desde que
considerada a questão da igualdade ao contratar. A mudança de paradigma
contribui na pós-modernidade para o assentamento da definição dos limites
indispensáveis ao novo modelo negocial. [...] A questão fundamental resume-
se em assegurar a liberdade e igualdade das partes em contratar como
prerrogativa e faculdade atendendo a realização da função social.
Nesse sentido, há necessidade de esclarecer que o art. 421 do Novo Código Civil53
, ao
dispor: ―a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato‖, resguarda no início, a autonomia da vontade, estampada na liberdade de contratar e
ao final, a funcionalidade social, prevista no princípio da função social.
A Professora Giselda Hironaka desvenda as delimitações de um e outro princípio, ao
lecionar, inicialmente, sobre a liberdade de contratar:54
A limitação contratual derivada da funcionalidade social se instalaria no
âmago do conteúdo contratual – e não exatamente, como é o meu sentir, no
prenúncio da liberdade de contratar, domínio ainda perene da autonomia
privada – de sorte a restringir a ingerência da vontade dos contratantes em
áreas de salvaguarda social, de alcance inegavelmente mais dilatado. A
liberdade de contratar ainda é aquela mesma liberdade facultada a todas as
pessoas de realizarem suas avenças, sem qualquer consideração sobre eventual
restrição de conteúdo do contrato em foco, limitação essa que seja decorrente
de uma determinada norma de ordem pública. Em outras palavras, a liberdade
de contratar revela, exclusivamente, a liberdade que cada um tem de realizar
contratos, ou de não os realizar, de acordo com a sua exclusiva vontade e
necessidade. Por isso, é naturalmente ilimitada, uma tal liberdade. (grifo da
autora)
Prossegue a autora, citando Álvaro Villaça Azevedo, que diferente é o princípio
quando se trata de liberdade contratual:55
Mas, diferentemente, põe-se a liberdade contratual, a qual, no dizer de Álvaro
Villaça Azevedo, é considerada como a possibilidade de livre disposição de
interesses, pelas partes, no negócio. Enfoca o conteúdo, ele mesmo, dos
contratos, quer dizer, a sua consistência interna, traduzida pelas cláusulas que
compõem o negócio. Este é o aspecto mais crítico da formação do contrato,
uma vez que esta liberdade pode vir limitada por normas de ordem pública
que digam qual o percurso cogente de determinadas cláusulas contratuais. Por
isso, a liberdade há de condicionar-se emoldurando-se na lei, para ser
52
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. RIBEIRO, Maria de Fátima. Organizadoras. Direito
Empresarial Contemporâneo. 1 ed. Marília: Arte&Ciência, 2007, p. 88. 53
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 10 jan. 2002. 54
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado .
Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 55
Op. cit.
35
liberdade condicionada, não ser liberdade-escravidão, instrumento dos que
atuam de má-fé, em detrimento da própria sociedade, como mencionou, bem
antes, Álvaro Villaça Azevedo. (grifo da autora)
A mencionada autora acompanha críticas de outros doutrinadores ao afirmar que a
redação do art. 421 do Novo Código Civil, ao dispor que: ―a liberdade de contratar será
exercida em razão da função social do contrato‖, possui uma assertiva equivocada, pois que
na verdade não se trata de liberdade de contratar e também não é exercida em razão da função
social.
A liberdade que se refere é a liberdade contratual, relativo ao conteúdo que integra o
contrato e que está sujeito a limitação por força de normas públicas, enquanto que a liberdade
de contratar é a decorrente da ‗dignidade da pessoa humana e resultante da alta expressão da
autonomia privada e, bem, por isso, ilimitada‘.56
Considerando que o contrato, nas suas variadas formas, verbal, escrito, de adesão ou
não, é responsável pela movimentação da economia, sua função social lhe é inerente, ou seja,
incorporada a sua própria natureza.
Desta forma, a sua proteção e regulação social da liberdade contratual passa ser do
interesse do Estado, uma vez que a coletividade sofre os seus efeitos, seja no âmbito do
consumidor, do trabalhador ou dos empresários.
Em outro ápice, a nova legislação não veio a restringir a necessidade ou
obrigatoriedade do seu cumprimento. Na realidade, exigiu-se do contrato uma função, ou seja,
a social, e não somente o alcance dos objetivos dos contratantes.
Miguel Reale57
defende esse entendimento, ao afirmar:
Essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns
intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que
firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles
ajustados serão respeitados por ambas as partes.
Esse receio, todavia, não tem cabimento, pois a nova Lei Civil não conflita
com o princípio de que o pactuado deve ser adimplido. A idéia tradicional, de
fonte romanista, de que ―pacta sunt servanda‖ continua a ser o fundamento
primeiro das obrigações contratuais. (grifo do autor)
Aliada a sua função social, as partes devem agir com probidade e boa-fé. Essa é
disposição prevista no art. 422 do Novo Código Civil:58
―Os contratantes são obrigados a
56
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.
Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 57
REALE, Miguel. Função Social do Contrato. São Paulo, 20 nov. 2003. Disponível em:
<http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 23 mar. 2010. 58
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Novo Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 10 jan. 2002.
36
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.‖
Judith Martins Costa leciona:59
[...] na concreção da boa-fé objetiva deve o intérprete desprender-se da
pesquisa da intencionalidade da parte, de nada importando, para a sua
aplicação, a sua consciência individual no sentido de não estar lesionando
direito de outrem ou violando regra jurídica. O que importa é a consideração
de um padrão objetivo de conduta, verificável em certo tempo, em certo meio
social ou profissional e em certo momento histórico.
Dessa forma, se o contrato não estiver alicerçado na boa-fé e na probidade, por certo
também não alcançará a sua função social, pois o interesse coletivo estará de alguma forma
prejudicado, mesmo que isso atinja somente uma das partes.
A professora Giselda Hironaka faz um alerta, ao mencionar André Comte-Sponville,
sobre o princípio da boa-fé:60
― a boa-fé não pode valer como certeza, sequer como verdade,
já que ela exclui a mentira, não o erro‖.
Nesse ponto, faz-se necessário observar que mesmo alicerçado na boa-fé o contrato
pode não realizar sua função social, visto seu conteúdo estar desvirtuado por erro decorrente
na sua própria construção.
É cediço que o prejuízo de uma das partes contratantes produzirá reflexo na
coletividade, dado ao fato que o contrato, como instrumento da atividade econômica, possui
alcance social.
Assim, a boa-fé deve estar presente em todas as fases contratuais, como afirma
Hironaka:61
Em todas as fases contratuais deve estar presente o princípio vigilante do
aperfeiçoamento do contrato, não apenas em seu patamar de existência, senão
também em seus planos de validade e de eficácia. Quer dizer: a boa-fé deve se
consagrar nas negociações que antecedem a conclusão do negócio, na sua
execução, na produção continuada de seus efeitos, na sua conclusão e na sua
interpretação. Deve prolongar-se até mesmo para depois de concluído o
negócio contratual, se necessário. Mostra-se, pela própria harmonia do princípio da boa-fé que não se deve descuidar da
fase pré-contratual e a pós-contratual, também abrangidas pela aplicação do boa-fé objetiva,
tal como na execução do contrato.
59
COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais
no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 15 maio 2010. 60
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado.
In: André Comte-Sponville, Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4194>. Acesso em: 15 maio 2010. 61
Op. cit.
37
Essa nova estrutura dada ao contrato, cuja funcionalidade visa a coletividade, objetiva
a proteção da classe vulnerável dos indivíduos onde, por via reflexa ou mesmo direta, sofre os
efeitos econômicos.
Nesse seguimento de vulnerabilidade encontram-se trabalhadores assalariados e, em
outra ótica, o consumidor.
Entretanto, há ainda grande porção de trabalhadores submetidos a contratos que não
atendem os ditames da boa-fé. A ausência desse princípio afasta a sua função social e deixa de
lado a dignidade da pessoa humana e a justiça social.
Como exemplo, temos o trabalho da zona rural. Os direitos fundamentais dos
trabalhadores das atividades rurícolas mostram grande dissonância entre a previsão normativa
e a realidade.
No setor sucroalcooleiro, especificamente, informações dão conta de atividades
análogas a de escravo em alguns Estados da Federação.62
Esse abismo social, vagarosamente, vem sendo preenchido por ações das autoridades
governamentais junto às empresas que atuam no ramo.
De outro lado, em histórica iniciativa, empresários do setor sucroalcooleiro vêm
implementando medidas sociais, a exemplo de programas destinados a possibilitar a
realocação de mão-de-obra excedente no setor, advinda com a dispensa de trabalhadores
diante da mecanização da colheita da cana-de-açúcar, cujo assunto é tratado no item 2.5.
62
ZEFALON, Mauro. Cortadores de cana têm vida útil de escravo em São Paulo. Folha de São Paulo. São
Paulo, 29 abr. 2007. <Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2904200702.htm>. Acesso
em: 06 mar. 2010.
38
2 ASPECTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO
O interesse do Brasil pela cana-de-açúcar como fonte energética surgiu em meados da
década de 70, quando houve a crise do petróleo. Nessa época, o País investiu no programa
PROÁLCOOL, o que resultou no desenvolvimento de tecnologia capaz de mover veículos.63
Mais tarde, com a redução do preço do petróleo, o álcool deixou de ser a melhor
opção, havendo um caminho inverso na produção de veículos movidos a álcool, que antes
chegava a cerca de 85% da frota nacional.
No período da crise, o setor sucroalcooleiro, por falta de demanda por álcool, teve
auxílio do Governo, que passou a adicionar álcool anidro na gasolina, aquecendo o consumo e
melhorando o equilíbrio entre a oferta e a demanda.64
Com a chegada dos veículos flex, que utilizam gasolina ou álcool ou os dois
combustíveis simultaneamente, o setor sucroalcooleiro se fortaleceu, dado o interesse por esse
tipo de veículo, cuja produção alcançou 92,3% em 2009, conforme dados da ANFAVEA -
Associação Nacional dos Veículos Automotores.65
Com a elevação do preço do petróleo em momentos de instabilidade, a consciência da
limitação do combustível fóssil e a pressão da sociedade pela melhoria da qualidade do meio
ambiente, a produção de energia renovável e limpa passou a ganhar projeção internacional.
O Brasil, detentor da tecnologia dessa fonte energética, lidera, em termos globais, a
produção de cana-de-açúcar, matéria-prima na produção de etanol.66
Os Estados Unidos também produzem álcool, atualmente denominado Etanol,
fabricado do milho, mas com custo mais elevado diante do pouco rendimento dessa matéria-
prima, que produz cerca de 50% a menos do que a cana-de-açúcar.67
A expectativa internacional no etanol como fonte energética substituta do petróleo
vem ganhando força.
63
PROÁLCOOL. In: Wikipédia. Disponível em: <http://www.pt.wikipedia.org/wiki/Pró-álcool>. Acesso em: 24
fev. 2010. 64
PROALCOOL. Programa Brasileiro de Álcool. Disponível em: <htpp://www.biodieselbr.com/proalcool/pro-
alcool.htm>. Acesso em: 15 fev. 2010. 65
DIAS, Luisa. Setor Sucroenergético no centro das atenções do agronegócio. Disponível em:
<http://www.canalbioenergia.com.br/secao.php?idSecao=221>. Acesso em: 23 fev 2010. 66
POSSEBOM, Flávia;FERNANDES, Lidiane. A produção de biocombustíveis no Brasil. Disponível em:
http://www.mouralacerda.edu.br/boletim/leia_edi.php?id_noticia=4. Acesso em: 24 fev. 2010. 67
CANA-DE-AÇÚCAR: A Melhor Alternativa para Conversão da Energia Solar e Fóssil em Etanol.
Disponível em: <http://ecen.com/eee59/eee59p/cana_melhor_conversorl.htm >. Acesso em: 23 fev 2010.
39
Essa preocupação tem levado países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a
mudarem a política de resistência ao etanol e passaram a criar mecanismos para sua utilização
na gasolina, aumentando a demanda pelo produto.68
Estrategicamente, o Brasil procura incentivar internacionalmente o uso do etanol,
visando inseri-lo no mercado de valores negociáveis, proporcionando estabilidade de mercado
tanto na produção quanto na exportação.69
A crescente produção de etanol da cana-de-açúcar70
tem despertado a atenção de
outros países por vários motivos: pelo interesse na tecnologia e benefícios proporcionados por
ela e pelo temor de que o Brasil venha a exercer o monopólio dessa fonte energética.
Atualmente a tecnologia para a produção do etanol não é dominada pelos países
desenvolvidos, cuja fonte energética sempre foi extraída do petróleo.
A inserção do etanol no mercado internacional é estimulada pela transferência de
tecnologia de produção do etanol aos demais países.
O interesse pelo conhecimento tecnológico do etanol se contrasta com o receio que os
demais países têm de se tornarem dependentes do etanol brasileiro, dado que o Brasil possui
vasto território passível de produção de cana-de-açúcar e detém tecnologia avançada de
produção.
Outro argumento externo importante é que, por causa da alta demanda tanto interna
quanto externa, a produção de cana e sua expansão levariam ao avanço do plantio da cana-de-
açúcar em áreas ocupadas com a produção de alimentos, comprometendo a segurança
alimentar no mundo, com escassez e altos preços, principalmente em países mais pobres.71
A diplomacia brasileira atua para afastar esses argumentos, demonstrando por
números e fatos que o Brasil está bem alicerçado quanto à tecnologia empregada na produção
do etanol, ao cumprimento das obrigações sócio-legislativas, e à existência de grande área
para a expansão da cana, sem comprometer a produção de alimentos.
68
EUA RECONHECEM ETANOL BRASILEIRO COMO BIOCOMBUSTÍVEL AVANÇADO. Disponível
em: <http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=eua-reconhecem-etanol-brasileiro-
como-biocombustivel-avancado&id=020175100205 >. Acesso em: 22 fev. 2010. 69
NEGRÃO; Luiz Celso Parisi; URBAN, Maria Lucia De Paula. Economia & Energia. Álcool como
“commodity” internacional. Disponível em: < http://ecen.com/eee47/eee47p/alcoool_commodity.htm>. Acesso
em: 24 fev.2010. 70
POSSEBOM, Flávia; FERNANDES, Lidiane. A produção de biocombustíveis no Brasil. Disponível em: <
http://www.mouralacerda.edu.br/boletim/leia_edi.php?id_noticia=4>. Acesso em: 24 fev 2010. 71
GUZZO. J.R. Vida Real. O vilão é o Brasil, seja qual for o crime. Revista Exame. São Paulo. Ed. Abril, 9
maio 2007. p. 44.
40
Segundo Tolmasquim,72
presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do
Governo Federal, o Brasil precisará dobrar a atual produção de cana-de-açúcar até 2030 para
cumprir as metas traçadas para o setor.
Afirma o referido presidente que, com o aprimoramento da pecuária, reduz-se o
número de cabeças por hectare, contribuindo, assim, para o aumento da área disponível para o
cultivo da cana-de-açúcar, sem comprometer as áreas de cultivo de produtos alimentícios.73
O Governo lançou em 2008 o Zoneamento Agroecológico da cultura canavieira que,
além de prever a expansão da área cultivada e a proibição do plantio na Amazônia e Pantanal,
identifica milhões de hectares propícios e disponíveis ao plantio da cana-de-açúcar, afastando
qualquer necessidade dessa cultura vir a ocupar terras protegidas ambientalmente ou
utilizadas para a produção de alimentos.74
Com isso, o Brasil não possui preocupação quanto à necessidade de área para a
expansão do cultivo da cana-de-açúcar e o atendimento da crescente demanda pelo etanol.
A produção da lavoura da cana-de-açúcar, mesmo com gradativa expansão, não tem se
deslocado por todo o território brasileiro,75
dada a dificuldade logística ou a impropriedade do
solo ou do clima.76
Segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São
Paulo é o Estado com maior produção, com 4.445.281 ha de terras com cana-de-açúcar;
seguido do Paraná, com 604.923 ha; Minas Gerais, com 574.990 ha; Goiás, com 432.009 ha;
Mato Grosso do Sul, com 290.990 ha e Mato Grosso, com 231.060 ha.77
A expectativa de colheita de cana-de-açúcar para a safra de 2009/2010 é de 629,02
milhões de toneladas, com acréscimo de 10% em relação à safra passada, conforme dados
levantados pelo jornal CANAL junto à Conab. Ainda segundo essa pesquisa, houve
ampliação da área plantada para 7,74 milhões de hectares, destinando-se 45% da colheita para
a produção de 734, 5 milhões de sacas de açúcar. O restante da colheita é destinado à
produção de cerca de 27,8 bilhões de litros de etanol, entre o anidro e o hidratado.78
72
TOLMASQUIM, Maurício. Área plantada de cana tem que dobrar até 2030 para cumprir meta de produção
de álcool. Disponível em: < www.agrosoft.org.br/agropag/100556.htm >. Acesso em: 16 fev 2010. 73
Idem. 74
JORNALCANA. Ribeirão Preto, série 2, n. 181, 2009, p. 43. 75
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em:
<http://www.agricultura.gov.br >. Acesso em: 16 fev. 2010. 76
DANTAS, Iuri; LEITE, Pedro Dias. Governo veta plantio de cana na Amazônia. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u312908.shtml: >. Acesso em: 20 fev. 2010. 77
INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – disponível em:< http:/www.dsr.inpe.br/canasat >. Acesso
em: 15 jan. 2010. 78
CANAL, Jornal da Bioenergia. Safra 2009/10. Goiás, ano 4, nº 37, set., 2009, p. 09.
41
O consumo de etanol deverá chegar próximo aos 64 bilhões de litros em 2017, quando
80% do consumo serão destinados aos veículos automotivos.79
No contexto do setor sucroalcooleiro, os indicativos econômicos e sociais da safra
2008/2009 são gigantescos, conforme dados fornecidos pelo JornalCana.80
Movimenta: R$ 51 bilhões (Produção)
Representa: 1,76 % do PIB
Gera: 4,5 milhões de empregos diretos e indiretos
Envolve: 72.000 agricultores
Moe: 560 milhões de toneladas de cana
Produz: 32 milhões de toneladas de açúcar
Produz: 27 bilhões de litros de álcool
Exporta: 20 milhões de toneladas de açúcar / US$ 9 bilhões
Exporta: 5 bilhões de litros de álcool / US$ 2,2 bilhões
Recolhe: R$ 13 bilhões em impostos e taxas
Investe: R$ 6 bilhões/ano
Segundo o Governo Federal, por meio do MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento,81
existem hoje 438 usinas de produção de açúcar e álcool, sendo que 202
estão no Estado de São Paulo. Minas Gerais possui 41 usinas; Goiás, 33; Paraná, 32; Alagoas,
24; Pernambuco, 24; Mato Grosso do Sul, 21; Mato Grosso, 10; Paraíba, 9; Rio de Janeiro, 8;
Espírito Santo, 6; Sergipe, 6; Bahia, 4; Maranhão, 4; Rio Grande do Norte, 4; Ceará, 3; Rio
Grande do Sul, 2; Amazonas, Pará, Piauí, Tocantins e Rondônia, 1 cada. Verifica-se uma
gradativa expansão da cultura pelos Estados do norte e do centro-oeste.
2.1 O MERCADO INTERNO DO ETANOL
O mercado interno do consumo de etanol mostra-se com favoráveis perspectivas,
visivelmente alavancado pelo crescimento da frota de veículos com o uso de bicombustíveis,
os chamados flex, sem se descuidar do cenário internacional, hoje mais amistoso quanto ao
uso do etanol brasileiro.
Após três anos de lançamento dos carros flex, a quantidade de automóveis que utilizam
bicombustível atingiu o índice de 80% das vendas, chegando em 2008 a cerca de 90% das
vendas dos automóveis.82
79
CANAL, Jornal da Bioenergia . Panorama. Goiás, ano 3, n. 30, fev. 2009, p. 6. 80
JORNAL DA CANA. Conheça o Setor. Disponível em:<
http://www.jornalcana.com.br/Conteudo/Conheca%20o%20Setor.asp >. Acesso em: 16 fev. 2010. 81
BRASIL. MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em:<
http://www.agricultura.gov.br/>. Acesso em: 24 fev. 2010. 82
RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.
Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22.
42
Os carros bicombustíveis são considerados os grandes propulsores da indústria do
etanol, pois, além de utilizarem combustíveis renováveis, também são considerados os
responsáveis pela recuperação do mercado interno do etanol, que se encontrava estagnado no
período anterior ao surgimento desse tipo de veículo, conforme Rodrigues:83
Certamente o carro flex é um dos maiores patrimônios que o Brasil
desenvolveu na rota dos combustíveis renováveis, pois o crescimento da frota
flex aliada à competitividade do etanol em grande parte do território nacional
foram os responsáveis pelo renascimento do mercado de álcool combustível
no País. Em março de 2003, quando surgiu o carro flex, as vendas de álcool
estavam em declínio, e não totalizavam 250 milhões de litros mensais. Hoje,
esse volume ultrapassa um bilhão de litros por mês, um aumento maior que
400% em cinco anos.
No mesmo sentido, o crescimento do consumo de etanol saltou de 14,8 bilhões de
litros produzidos em 2003/2004 para uma estimativa de 27 bilhões em 2010.
A indústria do etanol produz também benefícios indiretos, com a geração de milhares
de empregos, movimentação do mercado de fabricação de máquinas agrícolas e
equipamentos, além dos produtos de uso no cultivo da cana-de-açúcar e na fabricação do
álcool e do açúcar.
A contribuição devida à redução da poluição ambiental também está comprovada,
inclusive por organismos internacionais.
Rodrigues comenta que a redução da emissão de gases de efeito estufa chega a 90%,
índice elevado considerado numa fonte de energia.84
Sob o ponto de vista ambiental, é comprovado que o etanol reduz em até 90%
as emissões de gases de efeito estufa, ajudando no combate aos efeitos
nefastos do aquecimento global. Só para se ter uma idéia, se os 27 bilhões de
litros que serão produzidos nesta safra [2008] fossem consumidos nos
motores, teríamos evitado a emissão de gases de efeito estufa equivalente à
quantidade absorvida por uma floresta adulta de 100 milhões de árvores.
A adição de etanol à gasolina também é fator que deve ser mencionado na economia
interna. Considerando o grande consumo de gasolina, o índice de adição variável de 20% a
25% faz com que o preço da gasolina seja menor em relação à gasolina pura, trazendo
economia para o consumidor.
Estima-se que essa economia para o consumidor chegue a 6,6 bilhões de reais
anuais,85
aliado ao fato de que o consumo do etanol tem reflexo na diminuição da produção e
83
RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.
Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22. 84
Op. cit. 85
Ibidem.
43
importação de petróleo, matéria prima da gasolina, proporcionando, assim, o alcance da
autossuficiência do País em termos dessa energia.
O mercado especializado de etanol não é feito somente de boas perspectivas do
aumento de consumo. Aliado a esse fator está a necessidade de grandes investimentos e de um
sistema de produção que possa proporcionar ao consumidor maiores vantagens. O etanol
enfrenta grande competitividade com a gasolina, cujo monopólio estatal de produção não
permite uma competitividade capaz de garantir menor preço ao consumidor.
Nesse sentido, Rodrigues traz a questão à discussão:86
O primeiro aspecto a ser avaliado refere-se à estrutura do mercado de
combustíveis no País, onde fica clara a abissal diferença entre o seguimento de
combustíveis renováveis e o de derivados de petróleo. Enquanto a produção de
etanol é realizada por mais de 350 indústrias, agregadas em cerca de 200
grupos econômicos, a produção de gasolina é caracterizada pela existência de
um monopólio, em que apenas um produtor detém mais de 95% da produção.
Tal configuração permite a manutenção de preços artificiais para a gasolina, a
despeito das variações nas cotações internacionais do petróleo. Com efeito, ao
mesmo tempo em que o produtor de etanol tem experimentado um segmento
altamente competitivo pelo lado da produção, verifica-se a manutenção de
subsídios cruzados entre os derivados de petróleo. Isso provoca distorções no
mercado doméstico, em que o etanol hidratado concorre diretamente com a
gasolina.
Segue, ainda, sustentando que o mercado de etanol não possui incentivos para que os
produtores possam estocá-lo, necessidade que decorre da produção sazonal da cana-de-açúcar,
matéria prima responsável pela fabricação do etanol.
Não havendo sistema de estoques, o produtor acaba tendo que arcar com esses custos,
isto é, realizando a produção e o estoque, pois há necessidade de manter o consumo durante
todo o ano.
Essa ausência de mecanismos de estoques resulta na variação de preços em período de
safra e entressafra, causando instabilidade no mercado consumidor interno. Dependentes da
existência de instrumentos de comercialização, como contratos de entrega futura, o etanol é
considerado um mercado frágil, incapaz de manter o nível de preço durante todo o ano.
O comércio do etanol não possui uma logística adequada que incorpore as fases de
produção, comercialização, estrutura de transporte e de distribuição.
Sobressaindo a todas essas deficiências, o mercado do etanol sofre, ainda, com a
inexistência de planejamento estratégico, não assegurando seu papel no contexto do sistema
energético. Nesse sentido, afirma Rodrigues:87
86
RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.
Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 22.
44
Permeando todas essas vertentes está aquele que certamente é o maior desafio
do mercado interno de etanol, pois afeta, em maior ou menor grau, todos os
outros aspectos. Estamos falando da necessidade de um planejamento
estratégico da matriz brasileira de combustíveis, com uma diretriz clara sobre
a participação do etanol nessa estrutura.
A falta de planejamento governamental resulta na insegurança dos investidores
nacionais e internacionais, comprometendo o alcance da meta de produção de etanol, já
comprometida com a expansão do consumo dos países desenvolvidos que, aos poucos, estão
aderindo a essa fonte de energia renovável.
2.1.1 Liderança do Mercado do Etanol
A indústria canavieira se tornou a principal fonte de enérgica renovável do mundo. O
Brasil chegou ao patamar de líder mundial na produção de etanol derivado da cana-de-açúcar
graças ao constante processo de investimento em pesquisa e tecnologia.
A evolução desse processo agregou valores de maior produtividade, o que possibilitou
a abertura de novos mercados consumidores, com preços competitivos, e benefícios de ordem
social, aumentando também diretrizes de controle da preservação da saúde e do meio
ambiente.
As novas técnicas de manejo e melhoramento genético da cana-de-açúcar propiciaram
à indústria canavieira um aumento significativo da produção de etanol. Esses dados constam
do levantamento feito por Alfred Szwarc,88
que informa:
[...] estima-se que ao longo dos últimos 30 anos, tenha sido investido perto de
um bilhão de dólares, principalmente pelo setor produtivo.
Na área agrícola, o melhoramento genético da cana-de-açúcar e métodos
avançados de manejo da cultura foram os principais responsáveis pelo
aumento significativo na produtividade. Dezenas de novas variedades de cana
permitirão, dentre diversos benefícios, melhor resposta à praga e doenças e
produção eficiente em solos pobres e com menor capacidade de reter umidade.
O avanço da tecnologia e o respectivo aumento da produtividade trazem a redução da
demanda por área de terras, contribuindo com o meio ambiente.
A produção de biocombustíveis de segunda geração, com o uso do bagaço e da palha
da cana, impulsiona o País no caminho do desenvolvimento de tecnologia mais aprimorada. A
87
RODRIGUES, Antonio de Pádua. RODRIGUES, Luciano. O etanol e dos desafios do mercado interno.
Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 23. 88
SZWARC, Alfred. Ninguém é líder por acaso. Revista AgroAnalysis. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio
Vargas, vol. 28, n. 08, ago. 2008, p. 24.
45
tecnologia atual já permite ensaios na produção de veículos coletivos movidos a etanol e
dentro das recentes regras de emissão de gases poluentes, que preveem índices aproximados
de zero nos países europeus.
O avanço tecnológico segue com a utilização de etanol na aviação, também com
protótipos de motores que equipam os pequenos aviões utilizados na pulverização das culturas
da zona rural.
Esse domínio tecnológico coloca o Brasil muito adiante dos demais países, fruto de
iniciativa governamental implementada na década de 70.
2.1.2 Globalização do Etanol
Preocupados com o efeito estufa e os danos ao meio ambiente, a corrida dos países em
busca de energia alternativa ganha cada vez mais novos competidores.
Os países produtores de petróleo estão receosos com o esgotamento do limitado
recurso fóssil e a perda do mercado consumidor internacional, pois, países tradicionalmente
grandes consumidores de petróleo mudaram suas diretrizes energéticas estratégicas, optando
por fonte renovável.
Recente estudo realizado por Kutas e Zechin89
afirma que o interesse mundial é
crescente:
O interesse mundial pelos combustíveis renováveis vem se disseminando
vertiginosamente, com cada vez mais países iniciando a produção e o uso do
etanol. Os Estados Unidos adotaram, ao final de 2007, uma ambiciosa
legislação estabelecendo a meta de consumo de 136 bilhões de litros de etanol
em 2022; Colômbia, Tailândia e dez províncias chinesas instituíram a adição
compulsória de 10% de etanol à gasolina (E-10), enquanto na Índia o
percentual de mistura é de 5% (E-5); e na União Européia encontra-se em
discussão uma diretiva propondo a mistura de 10% de combustíveis
renováveis aos fósseis até 2020. De acordo com a Agência Internacional de
Energia. [...], os biocombustíveis responderam por 49% por cento do
crescimento da oferta de combustíveis pelos países não-integrantes da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 2007, e, em
2008, a participação deverá aumentar para 55%. [...] os combustíveis
renováveis possivelmente desempenharão papel primordial, caso as pretensões
mundiais em reduzir significativamente as emissões de carbonos se
concretizem.
89
KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 25.
46
Considerando que o Brasil é o maior exportador de etanol, a expansão desse setor do
mercado encontra resistência nas barreiras não-tarifárias, aliado às altas tarifas para adentrar
ao mercado de países consumidores.
A legislação dos Estados Unidos, adotada em 2007, indica uma grande expansão do
consumo do etanol, com aumento de 150% até 2010, com a utilização do milho como matéria
prima de grande parte desse aumento de produção.
Assim mesmo, a produção de etanol de milho não será suficiente para suprir essa
demanda. A complementação viria do etanol celulósico, do biodiesel e do chamado ―etanol
avançado.‖90
A ilustração a seguir retrata a evolução da necessidade de etanol no mercado americano.
90
KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26.
47
ILUSTRAÇÃO 1. Metas de consumo de etanol nos Estados Unidos, estabelecidas pelo Renewable Fuel
Standard (RFS). – Agência Nacional de Combustíveis - (Valores em bilhões de litros).
O Brasil tem utilizado os países caribenhos para chegar até o mercado dos Estados
Unidos. Esses países importam o etanol do Brasil e o reprocessam para, em seguida, exportá-
lo aos Estados Unidos, com isenção tarifária, informa Kutas e Zechin.91
De igual modo, na União Européia, o consumo de etanol está em expansão. A
pesquisa dos autores referidos acima demonstra essa evolução. Veja-se:
A demanda também continua a ser expandida, atingindo 2,7 milhões de litros
em 2007 (crescimento 37% em relação a 2006) e tendo principal fornecedor o
Brasil. Quase 40% do álcool combustível consumido pela Comunidade
Européia em 2007 correspondem às exportações brasileiras. Essas, incluindo
etanol para fins industriais, aumentaram 42% entre 2006 e 2007, totalizando
cerca de 1 bilhão de litros em 2007.
Entretanto, não existe uma normatização segura a respeito da produção do etanol. Os
órgãos responsáveis pela regulamentação não possuem dados concretos sobre os benefícios da
utilização do etanol e, consequentemente, parte da sociedade pressiona sobre a possibilidade
91
KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26.
48
de haver uma disputa entre a produção de bioenergia e a de alimentos, acompanhada de
eventuais danos ao meio ambiente.
Visando suavizar a pressão da sociedade, a Comunidade Européia pretende expedir
normas rígidas de sustentabilidade para permitir o cumprimento de metas expansionistas na
utilização do etanol. A redução da emissão de gases do efeito estufa é parte desses requisitos
de sustentabilidade. Mas o aumento da rigidez normativa deverá englobar também a proibição
do plantio da cana-de-açúcar em áreas de preservação ambiental, incluindo florestas,
pantanais e áreas de grandes biodiversidades.92
Essas restrições têm efeito direto sobre o Brasil, visto que as indústrias nacionais
utilizam áreas que normalmente não possuem reserva legal, mas que deveriam ter, e também
ocupam para produção da cana-de-açúcar as áreas antes ocupadas por gado e que se
encontram no cerrado, onde, atualmente, a existência da biodiversidade é elevada.
O impacto negativo sobre o Brasil por conta da necessidade da proteção ao meio
ambiente se estende, também, às terras utilizadas para a produção de alimentos, pois a
comunidade internacional receia que a cultura da cana-de-açúcar, em expansão, possa resultar
na redução do plantio de alimentos.
2.2 LIMITE AO AVANÇO DO PLANTIO DA CANA-DE-AÇÚCAR
2.2.1 Nos Estados da Federação. Decreto Federal nº 6.961, de 17.09.2009
A manutenção da política externa para tornar o etanol um produto negociável na bolsa
de valores e comercializado por vários países, obrigou o Governo Federal a criar normas para
o plantio da cana em áreas de proteção ambiental, em áreas de cultivo de alimentos e, ainda,
restrição da expansão dessa cultura em locais que hoje são considerados inadequados.
Esse mecanismo tem como objetivo estancar as críticas internacionais sobre a
responsabilidade agroambiental na produção do etanol, abrindo caminho para sua
solidificação como fonte alternativa energética.
O Governo Federal expediu o Decreto nº 6.961, de 17 de setembro de 2009, aprovando
o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar.93
92
KUTAS, Géraldine; ZECHIN, Mariana Regina. Em busca da Globalização. Revista AgroAnalysis. Rio de
Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, vol. 28. n. 08, ago. 2008, p. 26. 93
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
17.9.2009.
49
Esse Decreto estabeleceu as áreas permitidas para o cultivo da cana-de-açúcar nos
Estados, e a elaboração dessa norma contou com diversos métodos técnicos, envolvendo o
Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Segundo previsto no referido Decreto, o objetivo do zoneamento é disponibilizar
informações técnicas que possibilitem aos entes públicos a criação de políticas públicas que
possam assegurar a produção da cana-de-açúcar de forma sustentável.
As condições do solo, clima, o potencial de produção e a legislação ambiental foram
decisivos para a elaboração do zoneamento agrícola.
Foram excluídas algumas áreas de terras que não atendiam aos parâmetros técnicos
utilizados para a realização do zoneamento. 94
Adicionalmente, foram excluídas: 1. as terras com declividade superior a 12%,
observando-se a premissa da colheita mecânica e sem queima para as áreas de
expansão; 2. as áreas com cobertura vegetal nativa; 3. os biomas Amazônia e
Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai; 4. as áreas de proteção ambiental; 5. as
terras indígenas; 4. remanescentes florestais; 6. dunas; 7. mangues; 8. escarpas
e afloramentos de rocha; 9. reflorestamentos e 10. áreas urbanas e de
mineração95
. Nos Estados da Região Centro-Sul (GO, MG, MT MS, PR e
SP)96
, foram também excluídas as áreas atualmente cultivadas com cana-de-
açúcar no ano safra 2007/2008, utilizando-se o mapeamento realizado pelo
Projeto CanaSat – INPE.
Para o levantamento da área passível de expansão da cultura da cana-de-açúcar e a sua
inclusão no zoneamento agrícola foram consideradas as áreas que estão em produção no
regime intensivo, semi-intensivo, bem como as lavouras perenes e anuais, incluindo as
pastagens, classificadas em agropecuária, agricultura e pastagens.97
Com base nos estudos realizados, foi identificada no País uma área de 63,48 milhões
de hectares propícios à expansão do plantio da cana-de-açúcar, distribuídos em 18,03 milhões
hectares com alto potencial produtivo, 41,17 milhões de hectares com médio potencial e 4,28
milhões de hectares com baixo potencial, sendo que 36,13 milhões de hectares se referem a
áreas cultivadas com pastagens.98
94
INPE – Instituto Nacional de Pesquisa Espacial – Projeto Canasat – Disponível em:
<http://marte.dpi.inpe.br/rep/dpi.inpe.br/marte@80/2007/08.22.22.30?mirror=dpi.inpe.br/banon/2003/12.10.19.3
0.54&metadatarepository=dpi.inpe.br/marte@80/2007/08.22.22.30.51>. Acesso em 12 abr. 2010. 95
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
17.9.2009. 96
WIKIPÉDIA. Unidades Federativas do Brasil. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidades_federativas_do_Brasil>. Acesso em: 12 abr. 2010. 97
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília, DF,
17.9.2009. 98
Op. cit.
50
O Governo acredita que esses estudos possibilitam afirmar com segurança que o País
não necessita ocupar as áreas de terras que atualmente estão sendo utilizadas para o cultivo de
alimentos, pois a disponibilidade de terras é mais que suficiente para atender a demanda da
produção da cana-de-açúcar.
A preocupação governamental é estratégica. A harmonia do plantio da cana-de-açúcar
com a biodiversidade é essencial para a sustentabilidade e o alcance das metas estipuladas
para o etanol brasileiro.
Através do Decreto nº 6.961, de 17.9.2009, o Governo Federal fixou os seguintes
objetivos para o zoneamento agrícola:99
Objetivos Específicos:
Oferecer alternativas econômicas sustentáveis aos produtores rurais;
Disponibilizar base de dados espaciais para o planejamento do cultivo
sustentável das terras com cana-de-açúcar em harmonia com a biodiversidade
e a legislação vigente;
Fornecer subsídios para o planejamento de futuros pólos de desenvolvimento
no espaço rural;
Alinhar o estudo com as políticas governamentais sobre energia;
Indicar e espacializar áreas aptas à expansão do cultivo de cana-de-açúcar em
regime de sequeiro (sem irrigação plena);
Fornecer as bases técnicas para a implementação e controle das políticas
públicas associadas
Esses objetivos são voltados para o produtor a fim de que este possa ter condições de
estabelecer critérios técnicos capazes de associar a necessidade do cultivo da cana-de-açúcar
com o interesse público da proteção da biodiversidade.
O zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar foi desenvolvido com intuito de
fornecer também informações de natureza geral capazes de estruturar a expansão da cana-de-
açúcar em patamares de produção de alto nível técnico, indicando as áreas mais apropriadas
para a cultura.
O estudo procurou ainda estabelecer regras restritivas para o plantio, sendo que estas
estão voltadas à proteção das áreas consideradas essenciais para a preservação do meio
ambiente.
Foram fixados os seguintes critérios técnicos para a possibilidade de expansão do
plantio da cana-de-açúcar:
Indicação de áreas com potencial agrícola para o cultivo da cana-de-açúcar
sem restrições ambientais;
Exclusão de áreas com vegetação original e indicação de áreas atualmente sob
uso antrópico [ocupadas pelo homem];
99
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília, DF,
17.9.2009.
51
Exclusão de áreas para cultivo nos biomas Amazônia, Pantanal e na Bacia do
Alto Paraguai;
Diminuição da competição com áreas de produção de alimentos;
Indicação de áreas com potencial agrícola (solo e clima) para o cultivo da
cana-de-açúcar em terras com declividade inferior a 12%, propiciando
produção ambientalmente adequada com colheita mecânica;
Unidades industriais já instaladas, a produção de cana para seu suprimento e a
expansão programada não são objeto deste zoneamento.100
A ilustração abaixo indica, com sinalização em amarelo, as áreas proibidas para o
plantio da cana-de-açúcar e, em verde, as áreas aptas para o plantio.
ILUSTRAÇÃO 2: Mapa do Zoneamento Agroecológico da Cana no Brasil. Fonte: Governo Federal/Repórter
Brasil.
Nota-se que as áreas aptas para o plantio da cana-de-açúcar se concentram na região
do Estado de São Paulo.
Com a identificação das áreas aptas para o plantio da cana é possível, segundo as
razões expostas no referido decreto, aos governos estaduais e federal elaborarem suas
100
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil., Brasília,
DF, 17.9.2009.
52
políticas públicas destinadas a fixar diretrizes para a produção da cana-de-açúcar de forma
organizada, principalmente quanto à expansão da cultura para fins industriais.101
Com o zoneamento esperam-se reflexos positivos com relação ao meio ambiente, tais
como: 102
Ordenamento da produção evitando expansão em área com cobertura vegetal
nativa;
Produção de biocombustíveis de forma sustentável e ecologicamente limpa;
Co-geração de energia elétrica diminuindo a dependência de combustíveis
fósseis e gerando créditos de carbono;
Conservação do solo e da água, através de técnicas conservacionistas
diminuindo a erosão dos solos cultivados;
Diminuição da emissão de gases de efeito estufa pela substituição progressiva
da queimada pela colheita mecânica.
Esse impacto positivo também é esperado no setor sócio-econômico da região em que
a cultura da cana-de-açúcar for instalada nos moldes previstos no zoneamento agroecológico,
conforme se verifica no Decreto Federal:103
A produção da cana-de-açúcar para etanol permitirá o emprego de energias
limpas com o aproveitamento de créditos de carbono e outros mecanismos
nacionais e internacionais que permitam atrair investimentos nas regiões
destes empreendimentos;
Aumento da ocupação permanente da mão-de-obra local, com a substituição
da colheita manual pela mecânica;
Geração de renda ao longo do ano durante o ciclo da cultura (estabilidade
econômica e otimização do uso da mão-de-obra);
Organização dos fornecedores de cana em cooperativas visando à colheita
mecânica;
Indução tecnológica na produção e colheita de cana-de-açúcar;
Qualificação dos trabalhadores do setor face à tecnificação progressiva do
cultivo, significando investimentos públicos e privados em educação e
treinamentos especializados;
Investimentos em complexos agroindustriais demandando ainda outros
investimentos em infraestrutura local como logística, transporte, energia e
suporte técnico.
A iniciativa governamental, muito embora decorra mais do interesse estratégico da
produção do etanol do que propriamente da preocupação com o meio ambiente, traz
relevantes pontos que organizam o sistema produtivo brasileiro.
Entretanto, não é somente a cultura da cana-de-açúcar que possui natureza prejudicial
nas áreas de proteção ambiental. Também outras atividades agropastoris têm esse mesmo
efeito negativo sobre o meio ambiente.
101
BRASIL. Decreto nº 6.961, de 17.9.2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
17.9.2009. 102
Op. cit. 103
Ibidem.
53
Assim, mostra-se necessário que a iniciativa seja estendida às demais culturas e
atividades, pois que, caso contrário, o objetivo do ordenamento da atividade agrícola atenderá
somente ao interesse comercial da produção do etanol.
2.2.2 No Estado de São Paulo
O Estado de São Paulo, em 2008, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e da
Secretaria da Agricultura e Abastecimento, elaborou o plano de zoneamento agroambiental
para o plantio da cana-de-açúcar.
Segundo Bortoloti,104
trata-se do primeiro zoneamento feito por um Estado do Brasil.
Utilizando-se de técnicas e informações ambientais disponíveis pelo Programa
BIOTA/FAPESP,105
foi possível a identificação de áreas propícias ao plantio da cana-de-
açúcar, com levantamento voltado para a existência de águas subterrâneas e superficiais,
topografia, clima e qualidade do ar.106
Para a identificação das áreas, o plano de zoneamento é moldado em mapas que
mostram as regiões passíveis de expansão da cultura da cana-de-açúcar, selecionando aquelas
classificadas como adequadas, adequadas com limitações ambientais, adequadas com
restrições ambientais e inadequadas.107
De início, o zoneamento mostra a situação atual do Estado de São Paulo com a
ocupação das áreas com o cultivo da cana-de-açúcar, como se vê no mapa a seguir:.108
104
BORTOLOTI, Juliano. Zoneamento Agroambiental da cana no Estado de São Paulo. Disponível em:
<http://www.agrofit.com.br/portal/index.php?view=article&catid=46%3Acana&id=183%3Azoneamento-
agroambiental-da-cana-no-estado-de-sao-paulo&option=com_content&Itemid=18>. Acesso em: 10 abr. 2010. 105
BIOTA FAPESP. Disponível em: < http://www.biota.org.br/info/index>. Acesso em: 12 abr. 2010. 106
PRADO, Thais. Zoneamento Agroambiental para a cana. Planeta Sustentável. Disponível em:
<http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_305697.shtml>. Acesso em: 10 abr.
2010. 107
BORTOLOTI, Juliano. Zoneamento Agroambiental da cana no Estado de São Paulo. Disponível em:
<http://www.agrofit.com.br/portal/index.php?view=article&catid=46%3Acana&id=183%3Azoneamento-
agroambiental-da-cana-no-estado-de-sao-paulo&option=com_content&Itemid=18>. Acesso em: 10 abr. 2010. 108
BRASIL. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em:
<http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/apresentacaoZAA.pdf.>. Acesso em: 12 abr. 2010.
54
ILUSTRAÇÃO 3. Ocupação atual de terras com plantio da cana-de-açúcar. Fonte: Secretaria do Meio
Ambiente. Governo do Estado de São Paulo
No confronto com o segundo mapa, é possível verificarmos que haverá significativo
aumento da área cultivada com cana-de-açúcar até o final do ano de 2010.
Também é possível perceber que a área do Baixo Pardo/Grande está saturada, com
esgotamento da sua capacidade de expansão.
ILUSTRAÇÃO 4. Projeção da ocupação de terras até 2010. Fonte: Secretaria do Meio Ambiente. Governo do
Estado de São Paulo.
A expansão mais acentuada do plantio da cana-de-açúcar ocorre nas regiões do Baixo
Pardo/Grande, Sapucaí/Grande e Baixo Tietê.
55
Esse crescimento justifica a necessidade do zoneamento, uma vez que a previsão para
2010 é que o cultivo da cana-de-açúcar em determinadas áreas poderá provocar prejuízos ao
meio ambiente.
O novo panorama geográfico oriundo do zoneamento mostra que ainda há muita área
passível da implementação da cultura da cana-de-açúcar, conforme demonstra o mapa abaixo,
indicando as características favoráveis plenas de solo e clima (aptidão Edafoclimática).
ILUSTRAÇÃO 5. Zoneamento Agroambiental para o setor sucroalcooleiro. Aptidão Edafoclimática plena para a
cana-de-açúcar. Fonte: Secretaria do Meio Ambiente. Governo do Estado de São Paulo.
As áreas adequadas são as sinalizadas em verde-escuro; as adequadas com limitações
ambientais, em verde-claro; as adequadas com restrições ambientais, em amarelo e em
vermelho estão as áreas inadequadas para o plantio da cana-de-açúcar.
Pela nova disposição, percebe-se que áreas onde antes era permitido o plantio da cana-
de-açúcar, já não poderão ter expansão. É o caso das regiões do litoral paulista e região de
Mata Atlântica, incluindo Serra do Mar, Vale do Ribeira e Vale do Paraíba.109
Considera-se, ainda, que essas regiões possuem áreas de alta declividade, isto é, acima
de 12%, o que não permite a realização da colheita mecanizada.
Segundo o Editorial do AÇUCAR-ÉTICO,110
empresa que acompanha os programas
sociais e econômicos rurais, em parceria com as universidades brasileiras, existem cerca de
109
AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-
ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010. 110
Op. cit.
56
8,6 milhões de hectares considerados adequados, mas com limitações ambientais, ao plantio
da cana-de-açúcar. Cita o Editorial mencionado:
Há ainda 8,6 milhões de hectares considerados adequados, mas com
limitações ambientais, no caso, presença de áreas protegidas — as APAS —,
de bacias hidrográficas consideradas críticas e das chamadas áreas de
conectividade identificadas como de média prioridade pelo Biota. As áreas de
conectividade são aquelas que precisam ter sua vegetação recomposta para
fazer a ligação entre outras duas áreas já com vegetação. Por exemplo, duas
manchas de cerrado que devem ser unidas para formar um corredor onde
animais possam circular de uma mancha para outra, recompondo-se, assim,
parte do bioma do cerrado naquela propriedade.
O referido editorial acrescenta que as áreas adequadas com restrições ambientais se
diferem das áreas adequadas com limitações ambientais. Aquelas possuem normas mais
rígidas a serem observadas, já que estão localizadas em regiões onde o meio ambiente está em
situação crítica, necessitando de reconstituição de biomas. Essa espécie de área de terras
chega a 5,5 milhões de hectares.
As áreas próprias para a expansão da cana-de-açúcar somam 3,9 milhões de hectares,
enquanto que 6,7 milhões de hectares estão em áreas totalmente inadequadas.111
Assim, a disponibilidade de terras para o cultivo da cana-de-açúcar chega a 18 milhões
de hectares.
Segundo Pereira,112
que cita o Sindicato Rural da Alta Noroeste, estima-se que, dos 18
milhões de hectares de terras agricultáveis, 9 milhões são de pastagens e 4 milhões de cana-
de-açúcar.
Ainda, conforme os pedidos de licença ambiental para a construção de novas unidades
de produção de açúcar e álcool, até o final do ano de 2010 a área plantada com cana-de-açúcar
alcançará cerca de 6,2 milhões de hectares,113
devido ao aumento que será de cento e oitenta
unidades industriais para duzentas até o final de 2010.114
Segundo Prado,115
para a emissão de licença ambiental, as novas usinas deverão
demonstrar projeto de manejo de defensivos agrícolas e de estudos de redução da utilização
111
AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-
ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010 112
PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em
São Paulo. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010. 113
PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em
São Paulo. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010. 114
Ibidem. 115
PRADO, Thais. Zoneamento Agroambiental para a cana. Planeta Sustentável. Disponível em: <
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_305697.shtml>. Acesso em: 10 abr.
2010.
57
de água, assim como de proteção e recuperação de espécies nativas junto às nascentes e nas
APP's – Área de Proteção Permanente.
O monitoramento da emissão de poluente nas chaminés das caldeiras e as análises das
águas subterrâneas fazem parte das normas fixadas para as áreas consideradas adequadas com
limitações ambientais.
A necessidade da apresentação do EIA – Estudo de Impacto Ambiental – e do RIMA –
Relatório de Impacto Ambiental – são condicionantes para as áreas adequadas, mas com
restrições ambientais.
Mesmo as usinas já em funcionamento terão de se adequar às novas regras por ocasião
da renovação da licença ambiental.
Segundo Viegas, mencionado por Pereira,116
o zoneamento servirá de orientação na
implantação das novas usinas, resultando numa forma de produção sucroalcooleira
sustentável, pois ‗a idéia não é impedir, mas ordenar o crescimento do setor e garantir a
sustentabilidade da produção,‘ afirma.
A ilustração 6 a seguir apresenta a configuração final do zoneamento agroambiental
para o setor sucroenergético do Estado de São Paulo.
116
PEREIRA, Leonardo. Zoneamento agroambiental determina novas regras para o setor sucroalcooleiro em
SP. Disponível em: < http://www.agrosoft.org.br/agropag/102620.htm>. Acesso em: 10 abr. 2010.
58
ILUSTRAÇÃO 6. Zoneamento agroambiental do setor sucroenergético do Estado de São Paulo – Fonte:
ÚNICA União da Indústria Canavieira.
O zoneamento agregará um valor ambiental à produção de etanol e de açúcar,
conforme afirma Sampaio,117
Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Realmente, o resultado, com a delimitação das áreas de terras destinadas ao plantio da
cana-de-açúcar, vem contribuir para que a produção de etanol e de açúcar tenha condições de
enfrentar as resistências do mercado externo, principalmente no que se refere aos cuidados
com o meio ambiente.
Os pontos positivos não se resumem à melhoria das exportações dos produtos
sucroalcooleiros. As novas exigências legais para a instalação das indústrias canavieiras,
destinadas à proteção do meio ambiente, objetivam tornar essa atividade industrial
ambientalmente sustentável.
117
AÇUCAR-ÉTICO – Governo paulista lança zoneamento agroambiental. Disponível em: < http://www.sucre-
ethique.org/Governo-paulista-lanca-zoneamento.html>. Acesso em: 10 abr. 2010.
59
2.3 ASPECTOS DO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR
2.3.1 Propostas Legislativas de Regulamentação do Corte da Cana-de-Açúcar
A cultura da cana-de-açúcar ocupa atenção do legislador, seja municipal, estadual ou
federal, pois integra o sistema legislativo dos entes da federação, desde a indicação da área a
ser plantada até o método da colheita.118
Principalmente o cuidado com o meio ambiente tem levado à criação de leis mais
rígidas para o setor sucroalcooleiro. Nesse sentido, ressalta-se a preocupação com a poluição
gerada com a queima da palha, o que tem como justificativa favorecer o corte pelos
trabalhadores e evitar agressões causadas a estes por animais peçonhentos.119
Por outro lado, essa poluição, segundo informes médicos, tem causado graves
problemas respiratórios, dentre outros.120
Conciliar as necessidades da indústria, a proteção ao meio ambiente e à saúde humana
tem se mostrado uma tarefa de difícil realização.
A Câmara dos Deputados está examinando Projetos de Lei que visa dar suporte
normativo aos fatos que inovam as atividades do setor sucroalcooleiro.
Esses fatos compreendem a comentada queima da palha da cana-de-açúcar, a
acelerada mecanização da colheita e o reflexo do desemprego dos trabalhadores.
As iniciativas dos parlamentares federais tiveram início em agosto de 2007, quando foi
apresentado o primeiro Projeto de Lei, sob nº PL-1.712/2007, sobre a questão, de autoria do
Deputado Fernando de Fabinho,121
pretendendo regulamentar a mecanização da colheita da
cana-de-açúcar.
O projeto prevê a completa mecanização da colheita da cana-de-açúcar e a
qualificação, para o exercício em outras funções, dos trabalhadores dispensados.
Também deixa a critério dos órgãos ambientais a apreciação dos pedidos de licença,
no âmbito dos impactos ambientais.
118
BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,
02.05.2000. 119
FEAGRI - Faculdade de Engenharia Agrícola Unicamp. Colheita de Cana de Açúcar. Disponível em:
<http://www.feagri.unicamp.br/unimac/produtos_canadeacucar.htm>. Acesso em: 21 fev. 2010. 120
SOCIEDADE PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Queima da cana-de-açúcar é responsável
por doenças respiratórias em crianças e idosos. Disponível em:
<http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108>. Acesso em: 23 fev.2010. 121
FABINHO, Fernando. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.712/2007. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.
60
Outro Projeto de Lei apresentado foi o do Deputado Uldurico Pinto,122
também em
agosto de 2007, sob o nº PL-1.778/2007, que, de forma sintetizada, proíbe as queimadas de
canaviais por razões de facilitação do corte manual da cana-de-açúcar, concedendo prazo de 3
anos de adequação para as lavouras que tenham sido plantadas em período inferior a 6 meses
da publicação da pretendida lei.
Na sequência de Projetos de Lei, inova o apresentado pelo Deputado Paulo
Bornhausen,123
sob o nº PL-2.259/2007, de 18/10/2007, que, além de prever a utilização de
colheitadeiras nas áreas de até 12% de declive, também exige equipamento de proteção aos
trabalhadores, fornecidos pelo empregador, com inspeção pelo Ministério do Trabalho e
Emprego.
Não se descuida que, em outubro de 2009, o Deputado Fábio Faria124
apresentou o
Projeto de Lei nº PL-6.277/2009, prevendo a criação do ‗fundo de apoio financeiro para a
qualificação de trabalhadores rurais desempregados pelo processo de mecanização das
atividades agropecuárias.‘
O que é interessante nesse Projeto de Lei é a criação de um fundo com recursos
financeiros destinados a fazer frente a programas para o desenvolvimento, qualificação e
capacitação de trabalhadores rurais.
O projeto reserva a participação, nos programas de qualificação, aos trabalhadores que
residem nas áreas de elevado índice de desemprego ocorrido em razão da mecanização da
lavoura da cana-de-açúcar.
Outro dispositivo de natureza reparadora do impacto social negativo provocado pela
mecanização é a origem dos recursos financeiros para a constituição desse fundo. O projeto
prevê que 1% da movimentação financeira obtida com a venda de máquinas agrícolas, tratores
e implementos seja destinado a esse fundo.
A justificativa para esse dispositivo legal nasce do entendimento de ser o setor da
fabricação de máquinas agrícolas um dos responsáveis pelo desemprego na lavoura
canavieira, tendo em vista a mecanização. Muito embora esse entendimento seja questionável,
dado ao avanço tecnológico natural do empreendimento canavieiro, não deixa de ser
aproveitável, uma vez que o fim social dá suporte à iniciativa legislativa.
122
PINTO, Uldurico. Projeto de Lei nº 1.778/2007. Câmara dos Deputados. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em : 25 mar. 2010. 123
BORNHAUSEN, Paulo. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.259/2007. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em : 25 mar. 2010. 124
FARIA, Fábio. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6.277/2009. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.
61
Entretanto, uma abordagem mais ampla faz-se necessária ao Projeto de Lei nº PL-
2.197/2007, de 10.10.2007, do Deputado Federal Rubens Otoni.
O artigo 1º do referido Projeto de Lei dispõe o seguinte: ―A automação na safra da cana-
de-açúcar, especificamente quanto ao uso de máquinas plantadeiras e colheitadeiras, até o ano de
2015, fica limitada a 40% da área cultivada com cana em cada propriedade e em todo o país.‖ 125
O citado dispositivo procura pôr freios no avanço da tecnologia utilizada no setor
sucroalcooleiro, em especial, no corte da cana. Não se olvida que o impacto social negativo
provocado em escala crescente pela mecanização traz consequências extremamente
prejudiciais aos trabalhadores, como desemprego e desestrutura familiar, decorrentes da
ausência da fonte de recursos para a subsistência.
Entretanto, não se pode estabelecer um engessamento do avanço tecnológico, visto
que o setor é o responsável pela fonte de energia renovável que o País utiliza e exporta e,
atualmente, se constitui como gerador de divisas do agronegócio, com conhecidas vantagens
estratégicas sobre os demais países.
Noutro ponto, a limitação em 40% da área plantada para uso de plantadeiras e
colheitadeiras prevista no Projeto já não encontra mais eco na atualidade, visto que o avanço
da mecanização em Estados como São Paulo, de 53% nesta safra 2009/2010, tem previsão de
60% na safra 2010/2011.126
Além disso, o projeto ainda está em tramitação na Câmara dos
Deputados, sem data para ser votado, com razoável demora frente à corrida da mecanização.
É certo que o Estado de São Paulo é exceção diante dos demais Estados da Federação,
mas não se justifica manter situação de trabalho que torna o indivíduo sujeito a condições
precárias, como a falta de controle dos níveis de poluição diária no corte da cana e o grande
esforço físico despendido pelo trabalhador para o alcance da meta de toneladas/dia, pois o
peso é a forma de pagamento adotada por quase a totalidade das empresas canavieiras.127
Os artigos 2º e 3º do Projeto estabelecem:128
Após 2015 e até o ano 2020 esse limite de automação será de 50% da área
plantada em cada propriedade e em todo o país.
125
OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http:
//www.camara.gov.br/internet/deputado/dep_>. Acesso em: 25 mar. 2010. 126
BATISTA, Fabiana. Colheita mecanizada de cana cobrirá 60% do total em São Paulo. Disponível em:
<http://www.fsindical.org.br/fs/index.php?option=com_content&task=view&id=7580&Itemid=105>. Acesso
em: 25 de mar. de 2010. 127
ALVES, Francisco. Por que morrem os cortadores de cana. Disponível em:
<http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=21279> . Acesso em: 25 mar. 2010. 128
OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http:
//www.camara.gov.br/internet/deputado/dep_>. Acesso em: 25 mar. 2010.
62
Entre 2020 e 2030 a automação fica limitada a 70% da área plantada de cada
propriedade do país.
As datas limites fixadas pelo projeto nesses artigos pouco aumentam a reduzida área
prevista no artigo 1º. Nesse aspecto, o Estado de São Paulo também está adiantado, pois o
prazo fixado pela Lei Estadual nº 11.241/2002129
prevê a extinção da queima da palha em
2021, nas áreas mecanizáveis.
Outro ponto de difícil aplicação é o artigo 7º, que determina a vinculação da
substituição de trabalhadores por máquinas à requalificação e realocação da mão-de-obra por
conta das empresas, dos empreendedores rurais e do Governo.
Esse dispositivo nos parece aplicável somente se for de modo voluntário em relação às
empresas do setor. Não entendemos possível instituir essa exigência, pois se conflita com a
livre iniciativa econômica e o direito de propriedade, dado que a norma tem cunho de
intervenção econômica estatal na atividade privada, condicionando a aquisição de bens, com
ingerência na atividade privada.
A iniciativa pode ser norma de políticas públicas para o Governo, mas somente
indicativa para o setor privado.
O artigo 8º do referido Projeto assemelha-se ao já contido na medida provisória nº
2.164-41/2001:130
Art. 8º Acrescentem-se os seguintes arts. 2ºA, 2ºB, 3ºA, 7ºA, 8ºA, 8ºB e 8ºC à
Lei no 7.998, de 1990:
Art. 2o-A. Para efeito do disposto no inciso II do art. 2
o, fica instituída a bolsa
de qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao
Trabalhador - FAT, à qual fará jus o trabalhador que estiver com o contrato de
trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de
qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o
disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim.
Art. 2o-B. Em caráter excepcional e pelo prazo de seis meses, os
trabalhadores que estejam em situação de desemprego involuntário pelo
período compreendido entre doze e dezoito meses, ininterruptos, e que já
tenham sido beneficiados com o recebimento do Seguro-Desemprego, farão
jus a três parcelas do benefício, correspondente cada uma a R$ 100,00 (cem
reais).
§ 1o O período de doze a dezoito meses de que trata o caput será contado a
partir do recebimento da primeira parcela do Seguro-Desemprego.
§ 2o O benefício poderá estar integrado a ações de qualificação profissional e
articulado com ações de emprego a serem executadas nas localidades de
domicílio do beneficiado.
129
BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 19 set.
2002. 130
BRASIL. Medida Provisória nº 2.164-41. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasilía, DF,
24 ago. 2001.
63
A única diferença substancial existente entre a legislação de 2001, acima referida, e o
Projeto de Lei em comento está na previsão do trabalhador ter assegurado o direito de receber
seguro desemprego por, no mínimo, 03 meses consecutivos,131
enquanto que a legislação atual
prevê o pagamento de cem reais em benefícios, caso o desempregado já tenha recebido o
seguro desemprego.
Outro detalhe é a previsão contida no art. 10 do Projeto de Lei, que insere especial
importância para o trabalhador demitido do setor sucroalcooleiro. A norma traz que o
trabalhador terá prioridade para ser assentado no Programa de Reforma Agrária e Crédito
Fundiário, provido pelo Governo Federal.132
No entanto, a efetividade dessa futura norma, caso aprovada, é muito distante.
Atualmente, como se conhece, a reforma agrária está sendo realizada mediante invasões de
terras pelos chamados ‗sem-terra,‘133
os quais acabam por forçar o Governo a desapropriar o
imóvel e redistribuí-lo mediante assentamentos.
Além disso, o referido Projeto de Lei prevê a criação de um fundo para a capacitação e
recolocação do trabalhador. A proposta de criação de fundo é sugestão de norma reproduzida
em outros projetos que tratam do assunto.
A legislação infraconstitucional não é a única que trata de questões do setor
sucroalcooleiro.
A colheita manual, cuja atividade laboral é criticada por organizações nacionais e
internacionais, face ao esforço físico e sujeição a problemas de saúde, comparada muitas
vezes ao trabalho escravo, levou os Congressistas a idealizar Proposta de Emenda
Constitucional para punir o trabalho escravo.
Pela redação da PEC – Proposta de Emenda Constitucional – nº 438/2001, a utilização
de mão-de-obra de trabalhador em condição análoga à de escravo acarretará ao proprietário do
imóvel rural ou urbano, de qualquer região do país, a perda da propriedade.
A referida proposta tem a seguinte redação:
Art. 243 As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do país onde
forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de
trabalho escravo serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular – sem qualquer indenização ao proprietário e
sem prejuízo de outras sanções previstas em lei – observado – no que couber –
o disposto no art. 5º.
131
OTONI, Rubens. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.197/2007. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/internet/d deputado/dep_detalhe.asp?id=520351 >. Acesso em: 25 mar. 2010. 132
Op. Cit. 133
MST - MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Disponível em:
<http://www.mst.org.br/>. Acesso em: 25 mar. 2010.
64
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração
do trabalho escravo será confiscado – e reverterá a um fundo especial com a
destinação específica – na forma da lei.134
A Emenda Constitucional de autoria do ex-senador Ademir Andrade135
foi aprovada
no Senado Federal em dois turnos, e agora se encontra na Câmara dos Deputados, onde, em
agosto de 2004, foi aprovada em primeiro turno. Desde então, a referida proposta aguarda
aprovação final, em segundo turno, para ser promulgada.
A natureza punitiva da comentada Emenda Constitucional sujeita os empresários à
perda dos seus bens, acaso não observem a legislação trabalhista, no que se refere às
condições de trabalho na lavoura canavieira.
São públicos os fatos da existência de más condições de trabalho e de situações
análogas às de escravo para os trabalhadores do corte de cana, sendo que as regiões principais
são: o Norte, com 46,8% das ocorrências; o Centro-Oeste, com 18,9%; e o Nordeste, com
17,9%. Nessas regiões se destacam os Estados de Goiás, Pará e Alagoas, respectivamente.136
Com a aprovação dessa Emenda Constitucional objetiva-se dar mais um passo em
direção à efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
Todos esses Projetos de Lei e de Emenda Constitucional encontram-se nas comissões
permanentes da Câmara dos Deputados, sem data fixada para serem votados pelo Plenário
daquela casa.
Para o trabalhador, que é quem mais sofre com a atuação ilegal de alguns empresários
do setor sucroalcooleiro, não bastam normas de caráter preventivo e repressivo. Há
necessidade de dar amparo àqueles que enfrentaram as angústias do trabalho escravo. Nesse
sentido, pouca legislação existe, com raras disposições que tratam do assunto.
Dispõe a Lei 7.998/90:137
Art. 2o-C. O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a
regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de
escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do
Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à
percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um
salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2o deste artigo.
134
BRASIL. Câmara dos Deputados. PEC- Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001. Disponível em:
<http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD12AGO2004.pdf#page=336>. Acesso em: 25 mar. 2010. 135
Op. Cit. 136
FOLHA ON LINE. Setor da cana lidera denúncias de trabalho escravo em 2008, aponta pesquisa.
Disponível em:< http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u558087.shtml>. Acesso em: 25 mar. 2010. 137
BRASIL. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
Brasilía, DF, 11.01.1990.
65
§ 1 O trabalhador resgatado nos termos do caput deste artigo será
encaminhado, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, para
qualificação profissional e recolocação no mercado de trabalho, por
meio do Sistema Nacional de Emprego - SINE, na forma estabelecida
pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador -
CODEFAT. § 2 Caberá ao CODEFAT, por proposta do Ministro de Estado do
Trabalho e Emprego, estabelecer os procedimentos necessários ao
recebimento do benefício previsto no caput deste artigo, observados os
respectivos limites de comprometimento dos recursos do FAT, ficando
vedado ao mesmo trabalhador o recebimento do benefício, em
circunstâncias similares, nos doze meses seguintes à percepção da
última parcela.
Percebe-se que a legislação é muito incipiente quando se trata da reparação de dano
ao trabalhador. O Estado, ausente na proteção do trabalhador e deficitário na
distribuição de renda, viola os princípios constitucionais inerentes à dignidade da
pessoa humana e à justiça social. De sorte que cabe ao Governo a implementação de
políticas públicas mais eficazes na reparação dos danos suportados pelo trabalhador,
subjugado pelas necessidades primárias da subsistência.
2.3.2 Utilização do fogo
A Lei Federal nº 4.771/65, que instituiu o Código Florestal, já contemplava a
preocupação com a utilização do fogo nas áreas agropastoris, como podemos observar:138
Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.
Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego
do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida
em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de
precaução.
Posteriormente, a Lei Federal nº 9.605/98, que prevê sanções penais e administrativas
derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente,139
também contemplou a restrição ao uso do
fogo:
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a
um ano, e multa.
138
BRASIL. Lei Federal 4.771/65. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
15.9.1965. 139
BRASIL. Lei Federal nº 9.605/98. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
12.02.1998.
66
Entretanto, o uso do fogo, no que tange à Lei Federal, não foi devidamente
regulamentado, ficando a critério do Poder Público, de forma regionalizada, normatizar o
método e as áreas admitidas à utilização desse tipo de recurso na atividade agropastoril.
2.3.3 Regulamentação do Uso do Fogo no Estado de São Paulo
O uso do fogo na zona rural veio a ser regulamentado no Estado de São Paulo por
meio da Lei Estadual nº 10.547, de 02 de maio de 2000.140
Dispõe o art. 2º da referida lei:
Artigo 2º - Observadas as normas e condições estabelecidas por esta lei, é
permitido o emprego do fogo em práticas agrícolas, pastoris ou florestais,
mediante o que passa, a partir de agora, a ser qualificado como Queima
Controlada.
Parágrafo único - Considera-se Queima Controlada o emprego do fogo como
fator de produção e manejo em atividades agrícolas, pastoris ou florestais e
para fins de pesquisa científica e tecnológica, em áreas com limites físicos
previamente definidos.141
Ao inserir a queima controlada, o legislador estadual teve a preocupação de dotar o
Poder Público de autorização para intervir no processo da queima, permitindo a este a
aplicação de condicionantes.
Artigo 14 - A Secretaria do Meio Ambiente poderá determinar a suspensão da
Queima Controlada da região ou Município, quando:
I - constatados risco de vida, danos ambientais ou condições meteorológicas
desfavoráveis;
II - a qualidade do ar atingir índices prejudiciais à saúde humana, constatados
por equipamentos e meios adequados, oficialmente reconhecidos e adotados
como parâmetros de qualidade do ar no Estado;
III - os níveis de fumaça, originados de Queima Controlada, atingirem limites
mínimos de visibilidade, comprometendo e colocando em risco as operações
aeronáuticas, rodoviárias e de outros meios de transporte.
Artigo 15 - A Autorização de Queima Controlada será suspensa ou cancelada
pela autoridade ambiental nos seguintes casos:
I - de risco de vida ou danos ao meio ambiente por alteração das condições
ambientais e/ou meteorológicas nos locais que receberam autorização para a
Queima Controlada;
II - de interesse e segurança pública;
III - de descumprimento das normas vigentes.142
140
BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,
02.05.2000. 141
Op. cit. 142
Ibidem. 142
Ibidem.
67
A utilização do fogo no manejo das atividades agropastoris sofreu restrições a partir
dessa lei, forçando os titulares que atuam no setor rural a estudar alternativas para a condução
das lavouras.
A preocupação com o meio ambiente, a saúde humana e a qualidade do ar, bem como
o interesse na segurança pública, serviram de razões à formulação da legislação estadual,
abrindo caminho para a extinção da permissão do uso do fogo como recurso ao
desenvolvimento das lavouras.
No caso específico da cultura canavieira, com regulamentação especial prevista no art.
16 da citada lei, a queima da palha da cana-de-açúcar recebeu condições específicas do
legislador, prevendo extinção do uso do fogo como método de colheita:143
Artigo 16 - O emprego do fogo como método despalhador e facilitador do
corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da colheita, será
eliminado de forma gradativa, não podendo a redução ser inferior a um quarto
da área mecanizável de cada unidade agroindustrial ou propriedade não
vinculada à unidade agroindustrial, a cada período de 5 (cinco) anos, contados
da vigência desta lei.
§ 1º - Para os efeitos deste artigo, considera-se mecanizável a área na qual está
situada a lavoura de cana-de-açúcar, cuja declividade seja inferior a 12%.
§ 2º - O conceito de que trata o parágrafo anterior deverá ser revisto
periodicamente para adequar-se à evolução tecnológica na colheita de cana-
de-açúcar, oportunidade em que serão ponderados os efeitos sócio-
econômicos decorrentes da incorporação de novas áreas ao processo de
colheita mecanizada.
§ 3º - Uma vez estabelecido um novo conceito de área mecanizável, com
declividade não inferior ou maior de 12% (doze por cento), as novas áreas
incorporadas ao conceito de áreas passíveis de mecanização de colheita, nos
termos do parágrafo anterior, terão a redução gradativa do emprego do fogo
como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar, conforme
o "caput" deste artigo, contada a partir da publicação de regulamento,
definindo o novo conceito de área mecanizável.
§ 4º - As lavouras de até 150 (cento e cinqüenta) hectares, fundadas em cada
propriedade, não estarão sujeitas à redução gradativa do emprego do fogo de
que trata este artigo.
Não passou despercebida ao legislador a questão que envolve o reflexo das imposições
da Lei Estadual nº 10.547/2000. As limitações ao uso do fogo, mesmo se tratando de queima
controlada, mas com objetivo da sua extinção, por certo acarretará reflexos sociais.
Nesse sentido, a própria lei que prevê a extinção gradativa da queima da palha de cana
também ponderou, no art. 23 das disposições transitórias, o reflexo social dessa medida.
Vejamos:144
143
BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,
02.05.2000. 144
Op. cit.
68
A partir de 9 de julho de 2002, serão constituídos comitês municipais, com
caráter consultivo, que contarão com a participação de representantes do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do Sindicato dos Trabalhadores na Área
de Alimentos, do Sindicato Rural Patronal da Administração Municipal, do
Escritório Regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, da
Secretaria do Meio Ambiente e da Câmara do Setor Sucroalcooleiro, com a
finalidade de estudar os aspectos econômicos, ambientais e tecnológicos, com
vistas à eliminação das queimadas.
A visão do legislador levava a examinar as conseqüências que a extinção da queimada
produziria no campo em relação à contratação de mão-de-obra.
Com a restrição imposta ao uso do fogo e a extinção da queimada, inevitavelmente a
colheita passaria a ser mecanizada, resultando na redução de mão-de-obra, com consequente
dispensa de trabalhadores.
A introdução da colheita mecanizada, mesmo que de início se apresente com
necessidade de alto investimento na aquisição de colheitadeiras, mostra-se apropriada do
ponto de vista da proteção ambiental, sem poluição do ar, e da melhor qualidade de vida nas
atividades do campo, não sendo, também, causa de doenças respiratórias.145
Mesmo considerando que as normas previstas no referido art. 16 da Lei nº
10.547/2000 mais tarde seriam revogadas pela Lei Estadual nº11. 241, de 19 de Setembro de
2002, percebe-se que o legislador estadual procurou harmonizar a necessidade do resguardo
ambiental e da saúde humana ao do setor sucroalcooleiro, estipulando a extinção do uso do
fogo de forma gradativa.
2.4 METAS PARA A ELIMINAÇÃO DA QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR
O legislador paulista, mediante a edição da Lei Estadual nº 11.241, de 19 de setembro
de 2002,146
regulamentou, de forma mais incisiva, a extinção da queima da palha da cana-de-
açúcar, dispondo a sua extinção de forma gradativa, de modo a diminuir o impacto social
resultante da determinação legal.
A lei estadual regulamentadora, ora citada, foi disposta conforme demonstrado na
ilustração a seguir:
145
SOCIEDADE PAULISTA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. Queima da cana-de-açúcar é responsável
por doenças respiratórias em crianças e idosos. Disponível em:
<http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108>. Acesso em: 23 fev. 2010. 146
BRASIL. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Lei Estadual nº 11.241/2002. Disponível em:
<http://www.iea.sp.gov.br/out/bioenergia/legislacao/2002_Lei_Est_11241.pdf >. Acesso em: 18 fev. 2010.
69
ILUSTRAÇÃO 7. Cronograma de eliminação da queima da palha. Fonte: Lei 11.241/2009 – Governo de São
Paulo.
§ 1º - Para os efeitos desta lei consideram-se:
1 - áreas mecanizáveis: as plantações em terrenos acima de 150 ha (cento e
cinquenta hectares), com declividade igual ou inferior a 12% (doze por cento),
em solos com estruturas que permitam a adoção de técnicas usuais de
mecanização da atividade de corte de cana;
2 - áreas não mecanizáveis: as plantações em terrenos com declividade
superior a 12% (doze por cento), em demais áreas com estrutura de solo que
inviabilizem a adoção de técnicas usuais de mecanização da atividade de corte
de cana.
§ 2º - Aplica-se o disposto neste artigo às áreas de cada imóvel rural,
independentemente de estar vinculado à unidade agroindustrial.
§ 3º - As áreas cultivadas em que se deixar de empregar o fogo poderão ser
substituídas por outras áreas cultivadas pelo mesmo fornecedor ou pela mesma
unidade agroindustrial, desde que respeitado o percentual estabelecido no
"caput" deste artigo.
A safra de 2010/2011, isto é, a vindoura, será obrigada a ter 50% da área colhida sem a
utilização do fogo, não se permitindo a queima da palha.
70
Deve-se salientar que esse índice de 50% refere-se a áreas mecanizáveis, não se
incluindo as áreas abaixo de 150 hectares e aquelas que possuem acima de 12% de
declividade, conforme explicitado na Lei nº 11.241/2002, acima referida.
Consequentemente, verificamos que toda a área do cultivo da cana-de-açúcar do
Estado de São Paulo, ao final do prazo, terá colheita mecanizada.
De igual modo, como previsto na Lei nº 10.547/2000,147
a Lei nº 11.241/2002148
tratou
de criar mecanismos voltados à proteção social, com vistas a minimizar o desemprego na
colheita da cana-de-açúcar diante da introdução da colheita mecanizada. Alia-se a isso o fato
de que a inexistência de queima da palha da cana-de-açúcar expõe o trabalhador à ação de
animais peçonhentos, com riscos a sua integridade física.
Desta forma, o legislador criou para o Poder Público a obrigação de realocar a mão-
de-obra excedente por causa da mecanização da colheita, como se verifica no art. 10 da Lei
11.241/2002:149
Artigo 10 - O Poder Executivo, com a participação e colaboração dos
Municípios onde se localizam as agroindústrias canavieiras e dos sindicatos
rurais, criará programas visando:
I - à requalificação profissional dos trabalhadores, desenvolvida de forma
conjunta com os respectivos sindicatos das categorias envolvidas, em estreita
parceria de metas e custos;
II - à apresentação de alternativas aos impactos sócio-político-econômicos e
culturais decorrentes da eliminação da queima da palha da cana-de-açúcar;
III - ao desenvolvimento de novos equipamentos que não impliquem dispensa
de elevado número de trabalhadores para a colheita da cana-de-açúcar.
A realocação da mão-de-obra dispensada por causa da mecanização da colheita
constitui-se no principal desafio do Poder Público, considerando o grande número de
trabalhadores empregados na cultura canavieira.150
O Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretarias do Meio Ambiente e da
Secretaria da Agricultura, assinou protocolo de cooperação com a União da Agroindústria
Canavieira de São Paulo,151
visando solidificar as metas de extinção de queimadas na colheita
da cana-de-açúcar previstas na Lei nº 11.241/2002.
Esse protocolo adotou as seguintes ―diretivas técnicas‖:152
147
BRASIL. Lei Estadual nº 10.547, de 02.05.2000. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP,
02.05.2000. 148
BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 14.6.2002. 149
Op. cit. 150
JORNALCANA. Ação Social e Meio Ambiente. Ribeirão Preto. 2009. Fevereiro. Série 2. Nº 182. p. 50. 151
PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE O ESTADO DE SÃO PAULO E A ÚNICA – União da
Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em:< http://www.unica.com.br>acesso em: 18 fev. 2010. 152
Idem
71
I. Os produtores e as indústrias de cana-de-açúcar que aderirem ao
Protocolo deverão:
a. Antecipar, nos terrenos com declividade até 12%, o prazo final para a
eliminação da queimada da cana-de-açúcar, de 2021 para 2014, adiantando o
percentual de cana não queimada, em 2010, de 50% para 70%.
b. Antecipar, nos terrenos com declividade acima de 12%, o prazo para a
eliminação da queimada da cana-de-açúcar, de 2031 para 2017, adiantando o
percentual da cana não queimada, em 2010, de 10% para 30%.
c. Não utilizar a prática da queima da cana-de-açúcar para fins de
colheita nas áreas de expansão canaviais.
d. Adotar ações para que não ocorra a queima, a céu aberto, do bagaço
de cana, ou de qualquer outro subproduto da cana-de-açúcar.
O referido protocolo, segundo a ÚNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar,153
teve adesão de mais de 85% das indústrias do Estado de São Paulo, com firme demonstração
da consciência da preservação do meio ambiente e da proteção da saúde humana.
Ressalta-se que faltou ao Governo e às Indústrias compromisso com o reflexo social
da mecanização, conforme está previsto na Lei 11.241/2002,154
pois o desemprego
comprometerá inúmeras famílias e a realocação da mão-de-obra é questão que cerca de
responsabilidade tanto as empresas do setor sucroalcooleiro como o Governo.
2.5 MÃO-DE-OBRA NO SETOR SUCROALCOOLEIRO
Desde o período colonial, o Brasil tem na cana-de-açúcar importante produto
agropecuário. O lucro auferido desse produto passa necessariamente por grande utilização de
mão-de-obra.
Atualmente, informações estatísticas dão conta de que o setor sucroalcooleiro emprega
cerca de 1.000.000 de trabalhadores diretos e indiretos.155
Se, de um lado, o setor é altamente empregatício, de outro, a mão-de-obra não conta
com condições satisfatórias em termos de sua utilização.
Nas últimas cinco décadas, a produtividade por trabalhador aumentou
significativamente, saltando de três toneladas/dia, em 1950, para 12 toneladas diárias nos
tempos atuais.156
153
ÚNICA – União da Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em:<
http://www.unica.com.br/>acesso em:18 fev. 2010. 154
BRASIL. Lei Estadual nº 11.241/2002. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 14.6.2002. 155
BANCO de dados de biomassa no Brasil. Cana-de-açúcar no Brasil. Disponível em:
<http://infoener.iee.usp.br/scripts/biomassa/br_cana.asp>. Acesso em: 08 mar. 2010. 156
NAVARRO, Vera Lúcia; ROSA, Leandro Amorim. Perfil dos cortadores de cana da Região de Ribeirão
Preto. UNESP. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Novembro. 2008. Disponível em:
<http://www.pastoraldomigrante.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=685:perfil-dos-
cortadores-de-cana-da-regiao-de-ribeirao-preto&catid=39:artigos&Itemid=78>. Acesso em: 06 mar. 2010.
72
O salto de produção por trabalhador não decorreu de inovações tecnológicas ou
equipamentos auxiliares no corte de cana. Na verdade, o fator preponderante nesse aumento
deu-se em razão da diminuição gradativa do preço por tonelada colhida.
Em 1950, a tonelada colhida era de R$ 9,00 e, em 2005, por volta de R$ 2,50,
exigindo maior desforço físico do trabalhador para alcançar um resultado econômico capaz de
equilibrar seu orçamento de subsistência.157
Esse maior esforço físico teve consequências que levaram o trabalhador à exposição a
doenças, especialmente a respiratória, aliada à ausência de acomodações para descanso,
refeição e condição sanitária.
Outro elemento, segundo Navarro,158
é a utilização dos equipamentos de proteção
individual, os chamados EPI‘s, que muitas vezes não são utilizados pelos trabalhadores, ora
por conta dos tamanhos e medidas impróprias dos equipamentos, ora por vontade do próprio
trabalhador, que visa aumentar a produtividade, dispensando-os.
O autor acrescenta que as dificuldades dos trabalhadores do corte de cana aumentam
quando dívidas são contraídas perante ‗gatos‘ (denominação que se dá às pessoas
encarregadas da contratação de trabalhadores) por causa de despesas de viagens ou mesmo de
aquisição de gêneros de primeira necessidade humana. Controlados por esses ‗gatos‘, os
trabalhadores submetem-se a trabalho que muitas vezes superam as condições de suas
próprias forças, em visível semelhança com o trabalho escravo.
É assim que afirma Navarro,159
citando Silva:
A imobilização da força de trabalho correspondente à servidão por dívidas,
contraída com os ―gatos‖, desde o momento de partida dos locais de origem.
A dívida do trabalhador acaba sendo o elo da corrente que o aprisiona, que o
escraviza. Impossibilitado de saldá-la, em razão dos baixos salários recebidos
e da parte destinada aos ―gatos‖, o trabalhador é submetido a coações físicas,
que, às vezes, podem levá-lo à morte, além das coações morais.
Essa rotina exaustiva a que são submetidos os trabalhadores do corte de cana tem
reduzido sua expectativa de vida.
157
NAVARRO, Vera Lúcia; ROSA, Leandro Amorim. Perfil dos cortadores de cana da Região de Ribeirão
Preto. UNESP. Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Novembro. 2008. Disponível em:
<http://www.pastoraldomigrante.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=685:perfil-dos-
cortadores-de-cana-da-regiao-de-ribeirao-preto&catid=39:artigos&Itemid=78>. Acesso em: 06 mar. 2010. 158
Op. cit. 159
SILVA, M.A.M. Trabalho e trabalhadores na região do “Mar de Cana e do Rio de Álcool‖. Agrária, São
Paulo, n. 2, 2005, p. 39.
73
Estudos realizados pela pesquisadora da UNESP – Universidade Estadual Paulista,
Maria Aparecida de Moraes Silva,160
citados por Zafalon,161
demonstram que o trabalhador
exerce sua atividade no corte de cana por aproximadamente 12 anos na década atual, sendo
que, entre 1990 a 2000, esse tempo era de 15 anos.
A exigência de uma produção maior caracteriza o fator fundamental dessa redução das
atividades laborais, uma vez que o trabalhador, não raro, contrai problemas de coluna,
tendinite, câimbras, dentre outros, conforme afirma também Silva.
Segundo o historiador Gorender, também mencionado por Zafalon,162
nos tempos da
escravidão o trabalho dos escravos na agricultura era de 10 a 12 anos, e, a partir da abolição
dos escravos, a permanência dos trabalhadores na agricultura subiu para 15 a 20 anos.
De acordo com a campanha realizada pela Pastoral da Terra em 2008, dos 2.553
trabalhadores que enfrentavam a condição de trabalho escravo e que foram resgatados, 49%
estavam no setor sucroalcooleiro, principalmente nos Estados do Pará, Maranhão, Mato
Grosso e Tocantins.163
Considerando a crescente demanda pelo álcool decorrente da nova política adotada
pelo Governo, com exportação do produto e maior consumo interno, dado o aumento da frota
de veículos, conforme exposto anteriormente, a expansão canavieira necessita de mais mão-
de-obra.
Entretanto, a mão-de-obra teve uma grande transformação. A demanda deixa de ser
aquela encontrada no campo, onde o trabalhador não necessitava de conhecimentos técnicos,
utilizando somente sua força física, para um conhecimento mais aprimorado de mão-de-obra.
A crescente mecanização da lavoura, que no Estado de São Paulo chega a ser de mais
de 53%,164
provoca uma constante demanda por trabalhadores aptos a operar colheitadeiras de
última geração e modernos equipamentos que necessitam de mão-de-obra qualificada.
160
ZEFALON, Mauro. Cortadores de cana tem vida útil de escravo em São Paulo. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2904200702.htm>. Acesso em: 06 mar. 2010. 161
Op. cit. 162
Ibidem. 163
DOMINGUES, Juliano. Rádio Agência. Setor Sucroalcooleiro emprega quase 50% da mão-de-obra escrava.
Disponível em: <http://direitopraquem.blogspot.com/2009/07/setor-sucroalcooleiro-emprega-quase-50.html>.
Acesso em: 05 mar. 2010. 164
BATISTA, Fabiana. Força Sindical. Colheita mecanizada de cana cobrirá 60% do total em São Paulo. São
Paulo. Fevereiro. 2010. Disponível em:
http://www.fsindical.org.br/fs/index.php?option=com_content&task=view&id=7580&Itemid=105. Acesso em:
09 mar. 2010.
74
Dessa qualificação, que aos poucos vem sendo realizada pelas próprias indústrias da
cana, com apoio de órgãos do Governo, têm sido aproveitados somente aqueles trabalhadores
dotados de instrução escolar mínima.165
Em consequência da mecanização haverá uma redução de cerca de 400 mil
trabalhadores no campo até 2018, segundo Salibe, da UDOP – União dos Produtores de
Bioenergia.166
Em recente levantamento realizado pela CONTAG – Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura,167
junto ao Ministério do Trabalho, estima-se em 43% a
redução dos postos de trabalho na agricultura, considerando o período de 2007 e 2008, sendo
que o setor sucroalcooleiro é o que mais emprega.
Mesmo com o aumento da produção de açúcar e etanol, o setor sucroalcooleiro não
prevê novas admissões, pois tende a qualificar e capacitar os selecionados do próprio quadro
de pessoal.
Em sua grande maioria, o pessoal do corte de cana não possui sequer condições de
entender as instruções dos manuais das novas máquinas, comenta Shintaku, Presidente do
Sindicato Rural de Marília.168
A falta de instrução não atinge somente o cortador de cana, atinge também o operador
das máquinas e dos processos industriais, segundo Bosshard, Presidente do Grupo de Estudos
em Recursos Humanos da Agricultura.169
A mecanização passa a ocupar o trabalhador extremamente técnico, capacitado para a
operacionalização. Mesmo com as indústrias ofertando treinamento no momento da venda das
colheitadeiras, o número de trabalhadores qualificados e em capacitação é muito reduzido.170
A expectativa é que haja forte demanda para os próximos anos, em razão da exigência
legal da extinção da queima da palha e mecanização completa das áreas de cultivo da cana-de-
açúcar, conforme já mencionado.
Entretanto, enquanto a completa mecanização não chega, as condições do trabalhador
do corte de cana continuam precárias.
165
UNICA – União das Indústrias de Cana-de-açúcar. São Paulo. Fevereiro. 2010. Disponível em:
<http://www.unica.com.br/>. Acesso em: 04 mar. 2010. 166
SALIBE, Antonio Sérgio. Falta de mão-de-obra nas usinas. Disponível em:
<http://www.protefer.com/noticias.php?ver=619>. Acesso em: 05 mar. 2010. 167
SETOR CANAVIEIRO REDUZIU 56% OS POSTOS DE TRABALHO. Disponível em:
<http://www.camponews.com.br/noticia.asp?codigo=9241>. Acesso em: 05 mar. 2010. 168
Op. cit. 169
SETOR SUCROALCOOLEIRO APONTA FALTA DE MÃO-DE-OBRA ESPECIALIZADA. Disponível
em: <http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias.php?id=50233>. Acesso em: 05 mar. 2010. 170
Op. cit.
75
A atuação da fiscalização do Ministério do Trabalho tem sido constante e, em várias
oportunidades, encontram trabalhadores em condições subumanas, sem local para descanso e
sem as condições mínimas de higiene.
Há, inclusive, empregadores que procuram acordar com sindicatos pela redução de
direitos trabalhistas, o que tem levado o Ministério Público a ingressar com ações civis
públicas para reverter a situação em benefício dos trabalhadores, conforme Camargo.171
Outro dado é que empresas ―laranja‖ passam a atuar na contratação de trabalhadores
para o corte de cana. Essas contratações têm sido constantemente barradas pela fiscalização
do Ministério do Trabalho, que identifica a ação como uma tentativa de burlar a lei
trabalhista.
Na verdade, esse trabalho terceirizado de contratação de trabalhadores tem ligação
direta com as Usinas, que acabam pagando todas as despesas dos trabalhadores, procurando
evitar, a todo custo, vínculo com os mesmos.
A FERAESP - Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo firmou acordo com a ÚNICA na tentativa de convencionar entre os empregadores a
contratação direta para o trabalho, dispensando o trabalho terceirizado. Camargo172
expõe essa
questão.
Entretanto, fica a ressalva que, nos demais Estados da Federação, especialmente Mato
Grosso, Pará e Maranhão, o investimento em tecnologia do corte de cana ainda caminha a
passos lentos, pois muitas usinas ainda se recuperam da crise provocada pela instabilidade
internacional ocorrida em meados de 2008. Já no ano de 2009, em função de maiores
exportações do etanol e açúcar, o setor começa a se estabilizar.
Nesse diapasão, o trabalho manual do corte da cana-de-açúcar prossegue, estimando-
se que vários anos ainda seguirão nessa rotina, submetendo-se os trabalhadores a condições
abaixo do mínimo do ponto de vista da qualidade de vida, pela falta de legislação impositiva
de banimento da atividade manual do corte da cana e também pela pouca ou nenhuma ação
concreta dos representantes dos trabalhadores.
A agressão à dignidade da pessoa humana, presente no trabalho realizado em
condições precárias nos referidos Estados do Brasil, põe em xeque a competência das
autoridades governamentais em dar efetividade aos fundamentos constitucionais que
asseguram os direitos fundamentais.
171
CAMARGO, Beatriz. Apesar do sucesso da cana, trabalhador continua na mesma. Disponível em:
<http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=583>. Acesso em: 05 mar. 2010. 172
Op. cit.
76
O mercado econômico, na questão ora posta, não cumpre a sua função social de
combater a desigualdade social e valorizar o trabalho humano e, atuando de modo contrário,
gera classes sociais de trabalhadores desamparados, a mercê da própria sorte.
A situação somente diverge quando relacionada ao Estado de São Paulo, adiantado na
resolução desse fator social, movido pela legislação forte na extinção do corte manual, que é
de interesse do Governo local, e uma preocupação das entidades representativas dos
empresários usineiros.
A adoção de programas de realocação de mão-de-obra, com a qualificação e
capacitação do trabalhador, tem sido o diferencial da política que o setor adota para os
trabalhadores da cana-de-açúcar, possibilitando mitigar o impacto social negativo que se
aproxima com a introdução da colheita mecanizada.
2.5.1 Reflexo da Mecanização da Colheita da Cana-de-Açúcar no Estado de São Paulo
O protocolo de cooperação firmado entre o Governo do Estado de São Paulo e a
ÚNICA, reduzindo o prazo da total mecanização da colheita da cana-de-açúcar em 100% da
área colhida até 2014,173
surtirá reflexos negativos no aspecto social.
Considerando que o Estado de São Paulo emprega cerca de 180 mil trabalhadores na
lavoura canavieira,174
o impacto social negativo será de grande monta, uma vez que quase a
totalidade desses trabalhadores ficará sem ocupação.
Essa desocupação decorre basicamente da ausência de qualificação de mão-de-obra
dos trabalhadores do corte de cana, que, com baixo grau de estudo, não encontram realocação
no mercado de trabalho com facilidade.175
Sem emprego, esses trabalhadores passarão a integrar a massa dos brasileiros que não
possuem renda para atender a suas necessidades básicas, contribuindo para o crescimento da
desigualdade social.
A intervenção dos empregadores e do Governo é necessária e urgente, buscando
alternativas que visem capacitar esses trabalhadores para enfrentarem o mercado de trabalho
em outra atividade laborativa.
173
PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO ENTRE O ESTADO DE SÃO PAULO E A ÚNICA – União da
Agroindústria Canavieira de São Paulo. Disponível em: < http://www.unica.com.br>. Acesso em: 18 fev. 2010. 174
UNICA – União da Indústria de Cana de Açúcar. Notícias. Disponível em:
<http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=%7B1F36390D-815D-4023-8A55-
74C5C89A723C%7D>. Acesso em: 20 fev.2010. 175
Idem.
77
2.6 SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
No final do ano de 1998, o Poder Executivo publicou a Medida Provisória nº 1.726,
datada de 03.11.98, alterando a CLT- Consolidação das Leis do Trabalho,176
e incluindo o art.
476-A ao citado código trabalhista, abrindo possibilidade de suspensão do contrato de
trabalho pelo período de dois a cinco meses, para a participação do empregado em curso ou
programa de qualificação profissional, oferecido pelo empregador. Dispõe o citado artigo:
O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco
meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação
profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão
contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e
aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta
Consolidação.177
A referida Medida Provisória foi reeditada 39 vezes, recebendo por último o nº 2.164-
41, de 24.08.2001,178
que permanece até hoje, com força de lei.
A norma editada pelo Governo tinha como escopo preparar o trabalhador para o
mercado de trabalho, visto que a inclusão de trabalhadores com pouca instrução escolar não é
do contento das empresas dispostas a contratar empregados.
A crescente concorrência no mercado de trabalho entre trabalhadores que detêm
graduação escolar e os que não possuem tal formação acaba por propiciar o surgimento de
classes sociais menos favorecidas, com dificuldades até mesmo para satisfazer suas
necessidades básicas de subsistência.
Mesmo tendo que atender a vários critérios para se beneficiar da nova norma
trabalhista, a novidade trouxe abertura para que as empresas possam realizar o aproveitamento
dos empregados dispostos a permanecer nas mesmas.
A participação do empregado em curso de qualificação não só beneficia a empresa,
que aproveita a mão-de-obra, como também o empregado, que adquire maiores
conhecimentos e qualificações técnicas, aumentando as chances de reocupação em ambientes
de trabalho melhores, com ganhos salariais por certo mais elevados, refletindo positivamente
em sua condição social.
A visão social do Governo talvez não tenha surtido o efeito esperado, sendo que não
há registros estatísticos dando conta do aproveitamento satisfatório dessa nova norma
176
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio
1943. 177
Op. cit. 178
BRASIL. MP 2164-41. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 24 ago. 2001.
78
trabalhista. Entretanto, a iniciativa governamental tem campo de exploração para o qual as
empresas ainda não atentaram, cujos benefícios sociais e econômicos advirão se forem bem
aplicados os conceitos que a nova legislação formulou.
2.6.1 Critérios para a Suspensão do Contrato de Trabalho
A Medida Provisória nº 2.161-41 trouxe em seu bojo exigências para que o empresário
possa adotar o mecanismo da suspensão do contrato de trabalho.
Como mencionado acima no caput do art. 476-A, inovando a CLT – Consolidação das
Leis do Trabalho, a disposição legal traz em si condições para sua aplicabilidade.
O prazo de suspensão do contrato de trabalho, que se dará pelo período de dois a cinco
meses, condiz com a extensão do período em que as empresas costumam dar férias coletivas
aos seus empregados, especialmente nos momentos de crise financeira da própria empresa ou
de turbulências econômicas do País, como em épocas da nossa economia, onde os índices de
inflação disparavam e a recessão provocava menos consumo com reflexos no número de
empregos ofertados.
A participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional
oferecido pelo empregador é outra condição exposta no art. 476-A, em comento.
A norma não permite que o empregador suspenda o contrato de trabalho com o
empregado sem lhe ofertar curso de qualificação, pelo mesmo período da suspensão do
contrato. A utilização desse mecanismo tem mais um fim social que financeiro, e seu objetivo
é preparar o empregado para ocupar cargos ou funções melhores, possibilitando seu
crescimento social e profissional.
Outro requisito legal é a necessidade da suspensão do contrato de trabalho estar
prevista em convenção ou acordo coletivo de trabalho. A participação dos Sindicatos dos
Trabalhadores tem a finalidade de resguardar os direitos dos empregados, não os deixando a
mercê dos interesses do empregador, protegendo os empregados de iniciativas que possam
contrariar as normas e critérios que fundamentam o dispositivo legal trabalhista.
A previsão em acordo coletivo ou convenção dá ao Sindicato e ao trabalhador
garantias do cumprimento integral das condições e benefícios advindos da aplicação desse
mecanismo de aperfeiçoamento profissional.
Também, e não poderia ser diferente, a concordância do empregado é condição
essencial para a efetivação do programa. Não se pode implementar o programa de
qualificação se o interessado, no caso o empregado, por qualquer razão, não estiver de acordo.
79
a) Exigências do Parágrafo 1º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
A aplicação do programa de qualificação deve observar ainda os requisitos do § 1º do
art. 476-A, que assim dispõe: ― Após a autorização concedida por intermédio de convenção ou
acordo coletivo, o empregador deverá notificar o respectivo sindicato, com antecedência mínima de
quinze dias da suspensão contratual.‖
Porém, havendo previsão legal na convenção ou acordo coletivo de trabalho, o
empregador está autorizado a implementar o programa da suspensão do contrato de trabalho.
Entretanto, feito isso, a notificação ao respectivo sindicato é obrigatória, devendo ocorrer com
antecedência de quinze dias.
Note-se que a lei faz referência à notificação e não à autorização, posto que esta já
esteja prevista na convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Esse período de antecipação à implementação do programa possibilita que o Sindicato
averigúe as condições em que o programa será efetivado, tais como o curso a ser ofertado ao
trabalhador, as condições de ensino e aprendizagem, a conveniência profissional e a liberdade
de escolha, além da adesão do empregado.
b) Exigências do Parágrafo 2º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
O § 2º do art. 476-A estipula como condição que a suspensão do contrato de trabalho
não ocorra mais de uma vez num período de dezesseis meses.
O contrato de trabalho não poderá ser suspenso em conformidade com o disposto no
caput deste artigo mais de uma vez no período de dezesseis meses.
Entende-se que a exigência é necessária para que o empregado possa por em prática os
conhecimentos adquiridos no curso anterior.
Pelo menos num prazo de um ano, ou mais, o empregado teria oportunidade de exercer
suas novas habilidades, pois seriam ineficazes treinamento e capacitação se não utilizados em
serviço.
Ademais, a repetição do mecanismo de suspensão do contrato de trabalho em período
muito curto abriria precedentes que desvirtuariam o programa, possibilitando ao empregador
fazer jus aos benefícios legais sem, no entanto, por em prática o resultado do programa que,
ao final, é a ascensão do trabalhador.
c) Exigências do Parágrafo 3º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
A participação do empregado no programa de capacitação traz benefícios tanto ao
empregado quanto ao empregador.
80
A inserção do trabalhador nesse programa ainda resulta em custos ao empregado, não
obstante a suspensão do contrato de trabalho. Mesmo com o contrato de trabalho suspenso, o
vínculo empregatício permanece e as necessidades pessoais do empregado continuam a
existir. Desta forma, é razoável e necessário que o empregador promova uma forma de
compensação a essa iniciativa do empregado em aderir ao programa de qualificação.
Esta é a preocupação do legislador ao dispor:
O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal,
sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do
caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo
coletivo.179
Ressalte-se que, quando o legislador utiliza a expressão ‗poderá conceder ao
empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial,‘ entende-se, na verdade, que a
norma deve ser interpretada como obrigatória, sendo que a expressão ‗poderá‘ tem o sentido
impositivo do termo ‗deverá‘. A lógica não permite a interpretação de que o benefício seja
concedido apenas ao empregador, que terá o contrato de trabalho com o empregado suspenso,
sem a liquidação das verbas salariais e indenizatórias, e ainda não tenha obrigação de arcar
com o mínimo de contribuição para dar condições ao empregado de aderir ao programa de
qualificação.
Não destoa da realidade o fato de que o empregado ganha somente o suficiente para
sua manutenção familiar. No período da suspensão do contrato de trabalho, sem renda mensal,
exceto o seguro-desemprego, por certo não dará a ele condições de arcar com as despesas
pessoais e familiares, acabando esses fatores por interferir na adesão do empregado ao
programa de qualificação.
É necessário equalizar benefícios e obrigações de empregador e empregado. Se, de um
lado, o empregador tem suspensas as obrigações trabalhistas, inclusive com isenção da ‗ajuda
compensatória mensal‘ da condição de natureza salarial, de outro, o empregado deve
frequentar, com aproveitamento, curso ou programa de qualificação, fazendo jus à
compensação financeira prevista na convenção ou no acordo coletivo pelo tempo da duração
do programa ou do curso de capacitação.
179
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio
1943.
81
d) Exigências do Parágrafo 4º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
A disposição do § 4º do art. 476-A tem a função de estímulo ao empregado. A
disponibilidade ao empregado, durante a suspensão do contrato de trabalho, dos benefícios
sociais já existentes, contribui para sua adesão ao programa de qualificação.
Essa foi a intenção do legislador ao dispor: ―Durante o período de suspensão contratual
para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos
benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador‖.180
Deve-se observar que esse benefício não é faculdade do empregador, e sim direito do
empregado.
e) Exigências do Parágrafo 5º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
O teor do parágrafo 5º do art. 476-A deixa clara sua natureza sancionatória.
Como não poderia ser diferente, o legislador, ao fixar condições favoráveis tanto ao
empregador como ao empregado para a adesão ao programa de qualificação, atentamente
positivou penalidades quando da utilização irregular da benesse legal.
Consta do texto legal:
Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de suspensão
contratual ou nos três meses subseqüentes ao seu retorno ao trabalho, o
empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas
na legislação em vigor, multa a ser estabelecida em convenção ou acordo
coletivo, sendo de, no mínimo, cem por cento sobre o valor da última
remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.181
Percebe-se que a penalidade prevista inibe a dispensa do empregado, seja no período
da realização do curso ou da qualificação, ou mesmo nos três meses após seu retorno ao
trabalho.
A norma sancionatória reforça o objetivo de evitar a dispensa do empregado. De
início, a previsão legal tem por base ofertar ao empregador e ao empregado benefícios
econômicos, a exemplo da previsão legal da ajuda compensatória sem natureza salarial, com
exclusão do empregado da folha de pagamento.
Ao empregado, o direito de perceber a referida ajuda financeira, benefícios sociais já
existentes, a permanência do vínculo empregatício e a qualificação profissional.
A par desses benefícios legais, recai a obrigação de não dispensar o empregado.
180
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio
1943. 181
Op. cit.
82
A dispensa do empregado, acaso não houvesse a vedação legal e a possibilidade de
sanção ao empregador, poderia ser utilizada como mecanismo de vantagem ilegal ao
empregador, pois, no período de suspensão do contrato de trabalho do empregado, a empresa
teria a seu favor um tempo sem recolher as verbas devidas, sejam salariais, indenizatórias ou
fiscais, além do fato de que o objetivo do programa estaria comprometido e fracassado.
A permanência do empregado por, no mínimo, três meses após a qualificação se
apresenta como período de experiência, possibilitando ao empregador averiguar as novas
habilidades do empregado, e, a este, oportunidade de demonstrá-las em serviço.
A previsão do pagamento das ‗parcelas indenizatórias previstas na legislação em
vigor‘ surge um tanto redundante, pois que se trata de obrigação decorrente do contrato de
emprego.
O que surge de novidade é a obrigação de indenizar, a título de multa, o valor
correspondente a cem por cento da última remuneração do empregado, observando-se que
essa obrigação deve constar obrigatoriamente em convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Nota-se que não havia necessidade do legislador dizer que o valor da multa é referente
à última remuneração mensal do empregado, anterior à suspensão do contrato, uma vez que
no período da suspensão do contrato de trabalho não existe remuneração e sim ajuda
compensatória.
Examinada a questão por outro prisma, no tocante à remuneração do empregado após
o período da qualificação, e ocorrendo a demissão, o parâmetro da multa mostra-se
equivocado, pois colide com a finalidade do programa, que pressupõe que o empregado, após
a qualificação ou capacitação, estará ocupando melhor cargo, com melhor remuneração.
Dessa forma, a base do valor da multa convencionada, originada na demissão do
empregado após o curso de capacitação, há de corresponder a sua remuneração atual, sendo
esta superior à ultima remuneração anterior à qualificação.
f) Exigências do Parágrafo 6º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
A redação do § 6º do art. 476-A acrescenta punições ao empregador, ao dispor:
Se durante a suspensão do contrato não for ministrado o curso ou programa de
qualificação profissional, ou o empregado permanecer trabalhando para o
empregador, ficará descaracterizada a suspensão, sujeitando o empregador ao
pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período,
às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções
previstas em convenção ou acordo coletivo.182
182
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio
1943.
83
Nesse ponto, a efetiva burla ao programa passa pela conivência do empregado. Não
pode haver simulação sem que o empregado, maior interessado, assinta com esse propósito.
A ausência da realização da capacitação por si é suficiente para a descaracterização do
programa. O acréscimo do fato do empregado com contrato suspenso estar trabalhando para o
empregador transparece com um objetivo de violar as normas do programa e com claro intuito
de vantagem indevida, seja para o empregador ou para o empregado.
O pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais devidos no período nos
parece, como medida de punição, ineficaz, já que decorre da própria natureza do contrato de
trabalho, da contraprestação pelo trabalho realizado.
Igualmente, a aplicação das ‗penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor‘
mostra-se demasiadamente genérica, e sua aplicabilidade é insegura.
Resta reforçar a proteção ao programa e, por consequência, ao trabalhador, mediante
cláusulas com teor sancionatório bem delineadas por ocasião da convenção ou do acordo
coletivo de trabalho, instrumentos esses que são de mais praticidade quanto ao seu manejo na
defesa dos direitos do trabalhador.
g) Exigências do Parágrafo 7º do Artigo 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho
A prorrogação da suspensão do contrato de trabalho do empregado deve ser precedida
de previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, nos termos do § 7º do art. 476-A:
O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou
acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o
empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de
qualificação profissional, no respectivo período.183
Há também a necessidade da concordância formal do empregado, dado ao fato de que
o prazo máximo previsto é de cinco meses, e a dilatação poderá comprometer a situação
profissional do empregado, com alongamento em demasia.
Outra condição para a prorrogação do prazo é a assunção, pelo empregador, do valor
da bolsa de qualificação profissional devida ao empregado no período que corresponder à
dilação do prazo.
A bolsa de qualificação profissional foi inserida na legislação mediante o acréscimo do
art. 2º-A à lei nº 7.998/90, com a seguinte redação: 184
Para efeito do disposto no inciso II do art. 2º, fica instituída a bolsa de
qualificação profissional, a ser custeada pelo Fundo de Amparo ao
183
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 maio
1943. 184
BRASIL. Lei nº 7.998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 11 jan. 1990.
84
Trabalhador - FAT, à qual fará jus o trabalhador que estiver com o contrato de
trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de
qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o
disposto em convenção ou acordo coletivo celebrado para este fim.
Existe diferença entre a ajuda compensatória prevista no § 3º do art. 476-A e a bolsa
qualificação. Aquela deve ser paga pelo empregador, e esta será suportada pelo Governo
Federal com recursos oriundos do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Estes são os primeiros passos visando concretizar os direitos fundamentais do
trabalhador. A função social estampada no conteúdo desse contrato disponibilizado pela
legislação trabalhista mostra que a atividade econômica é passível de absorver suas
responsabilidades sociais.
O valor social do trabalho e a dignidade do trabalhador devem ser prioridade nas ações
governamentais, fazendo com isso, a concretização da vontade social inserida na Lei Maior,
mesmo se necessário, de forma direta ou indireta, tenha de defender o interesse coletivo frente
a liberdade do mercado econômico.
Para executar as determinações contidas na legislação acima mencionada, o Governo
do Estado de São Paulo, por meio da SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho
e do Centro Paula Souza desenvolveram programas de reocupação de mão-de-obra, conforme
é visto no item 3.1 a seguir.
85
3 APLICAÇÃO DAS DETERMINAÇÕES DA SUSPENSÃO DOS CONTRATOS DE
TRABALHO
O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT- Secretaria do Emprego e
Relações do Trabalho tem sido o suporte legal e material para que o programa mencionado no
item 4.1, descrito a seguir, possa ser levado adiante.
A estrutura governamental fornece o apoio institucional para o treinamento,
disponibilizando materiais didáticos e docentes em conjunto com o Centro Estadual de
Educação Tecnológica Paula Souza
Promover a oportunidade de emprego, incentivando a capacitação do indivíduo diante
das necessidades de mão-de-obra do mercado, é o objetivo maior da SERT, segundo o
Governo Estadual.
A cooperação mais significativa para o alcance dos objetivos do Governo do Estado de
São Paulo advém do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, órgão vinculado
à Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo.
ILUSTRAÇÃO 8. Participação Centro Paula Souza Programa de Qualificação Profissional. Fonte: SERT.
Verifica-se que a instituição desponta como a mais atuante na execução do programa
de qualificação.
86
O Centro Paula Souza, como é conhecido, teve suas atividades iniciadas em 06 de
outubro de 1969, mediante Decreto-Lei expedido pelo então Governador Abreu Sodré.185
O referido Centro leva o nome do Professor Antonio Francisco de Paula Souza,
fundador da Poli – Escola Politécnica de São Paulo. Hoje a Escola Politécnica está integrada à
Universidade de São Paulo.
A importância estratégica do Centro Paula Souza nas atividades de formação do
trabalhador é reconhecida, conforme consta em seu perfil e histórico divulgados pela
entidade:
O Centro Paula Souza administra 183 Escolas Técnicas (Etecs) e 49
Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais em 145 municípios no Estado de
São Paulo. No primeiro semestre de 2010, as Etecs atendem mais de 180 mil
estudantes no Ensino Médio e no Ensino Técnico, para os setores Industrial,
Agropecuário e de Serviços, em 91 cursos técnicos. Esse número inclui 3
cursos técnicos oferecidos na modalidade semipresencial, 3 cursos técnicos
integrados ao Ensino Médio e 2 cursos técnicos integrados ao Ensino Médio
na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Já nas 49 Fatecs,
cerca de 40 mil alunos estão matriculados nos 47 cursos de graduação
tecnológica.186
O objetivo do Centro Paula Souza é apoiar o desenvolvimento econômico, de
conformidade com as necessidades locais, a exemplo dos cursos de metalurgia na Fatec de
Pindamonhangaba e de alimentos na de Marília.187
Em clara demonstração de investimento em pesquisa científica e na formação de
profissionais, registra-se a participação no 9º Concurso de Apoio ao Ensino Técnico e
Agrotécnico, competição nacional, com o projeto ―Ampliação de competências – a formação
de técnicos em açúcar e álcool,‖ no qual o Centro Paula Souza sagrou-se vencedor.188
O Setor Sucroalcooleiro também obteve benefícios do Centro Paula Souza quando,
com o apoio de várias usinas, implantou o Curso Técnico em Análise e Produção de Açúcar e
Álcool, abrangendo a população de 17 municípios do Oeste Paulista.189
A existência de profissionais no setor sucroalcooleiro é condição para a evolução da
capacidade de produção, tendo em vista que o setor vem crescendo 14% ao ano, desde
2004,190
segundo a Udop – União dos Produtores de Bioenergia.
185
CENTRO PAULA SOUZA. Perfil Histórico. Disponível em:
<http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/quem-somos/perfil-historico/>. Acesso em: 05 abr. 2010. 186
Op. cit. 187
NOVOS PROFISSIONAIS EM METALURGIA E ALIMENTOS. Revista do Centro Paula Souza. São
Paulo, ano 1, n. 1, janeiro, 2007, p. 8. Disponível em:
<http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/Noticias/Revista/Revista.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 188
Op. cit. 189
Ibidem.
87
O investimento na qualificação de profissionais nesse seguimento tem sido meta do
Governo do Estado de São Paulo, visto que informações de pesquisa realizada pela FIESP –
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – informam que o setor gerou cerca de 30
mil empregos no Estado em 2007.191
Para a consecução dos objetivos de formar profissionais, o Centro Paula Souza, por
meio das Faculdades de Tecnologia dos municípios de Araçatuba, Jaboticabal e Piracicaba,
iniciaram as atividades do curso de graduação de tecnologia em Biocombustíveis.
Roni Rillo, Coordenador do Curso, explica: 192
Os tecnólogos dominam todas as etapas do processo, desde a laboratorial
(pesquisa de campo, coleta e análise de materiais, controle de qualidade),
aplicação e desenvolvimento de novas tecnologias de produção de energia e
de gestão ambiental. Tudo isso dentro dos princípios da promoção da
sustentabilidade, em seu conceito amplo: de conservação ambiental e da
inclusão social.
A parceria com o setor privado também faz parte das ações do Centro Paula Souza.
Juntamente com a FAT – Fundação de Apoio à Tecnologia, o Centro Paula Souza lançou
curso de formação de operadores industriais, que teve início em 2008.
O curso é composto de aulas teóricas e práticas, com estágio supervisionado nas
usinas. O processo de seleção é realizado pelas empresas, exigindo que o participante tenha
Ensino Médio completo. Com duração de um ano, a grade curricular do curso conta com
ensino de matemática, física, informática, gestão ambiental, produção e plantio, dentre outras
disciplinas curriculares.193
Em 2008, a ETH Bioenergia,194
empresa do setor sucroalcooleiro, firmou parceria com
o Centro Paula Souza para a formação de profissionais no seguimento de Etanol. Foram 66
profissionais capacitados e contratados pela empresa. No final de 2009, a referida empresa
estendeu a iniciativa para cerca de 500 funcionários, em razão da eficiência prática do curso,
entendendo que o conhecimento científico adquirido pelos trabalhadores se traduz na
melhoria dos resultados exigidos pela empresa.
190
DOCE SUCESSO. Revista do Centro Paula Souza. São Paulo, ano 3, n. 15, janeiro/fevereiro, 2010, p. 12.
Disponível em: < http://www.centropaulasouza.sp.gov.br/Noticias/Revista/Revista.html>. Acesso em: 05 abr.
2010. 191
Op. cit. 192
Ibidem. 193
Ibidem. 194
ETH Bioernergia. Disponível em:< http://www.eth.com/index.cfm/10/pt/Quem_Somos>. Acesso em: 05 abr.
2010.
88
3.1 CASO DO GRUPO RUETTE
No histórico do Grupo Ruette, registra-se que o mesmo iniciou suas atividades em
1988 e, em 1992, realizou a primeira safra na condição de destilaria autônoma, produzindo
álcool hidratado. Já em 1998, passou a produzir álcool anidro.
Em 2001, tornou-se usina de produção de açúcar e álcool e, em 2003, passou a fabricar
levedura seca para nutrição animal.
A empresa, em 2004, com autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica –
ANEEL, passou a ser geradora termelétrica, produzindo, já em 2006, 28 MW de energia, que,
segundo a mesma fonte, era suficiente para atender uma cidade do porte de 100 mil
habitantes.
A empresa expandiu suas atividades para a cidade de Ubarana, no Estado de São
Paulo, e, na nova unidade, denominada de Usina Monte Rey, passou a produzir álcool a partir
de maio de 2008.
O Grupo Ruette gera cerca de 2350 empregos diretos, sendo 1880 na produção
agrícola, 345 na produção industrial e 125 na área administrativa.
Somente com os valores dos salários pagos aos trabalhadores, o Grupo Ruette
desponta como importante agente de desenvolvimento, incrementando a economia com mais
de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões) de reais anuais, com considerável reflexo sócio-
econômico na comunidade regional onde está sediada.195
3.1.1 Projeto ―Capacita Ruette‖
Em 2008,196
o setor sucroalcooleiro enfrentou grave crise resultante do desequilíbrio
provocado pela instabilidade econômica ocorrida nos Estados Unidos da América – U.S.A.
Assim como as demais que movimentam a economia nacional, as empresas
canavieiras reduziram seus investimentos, principalmente em decorrência do baixo preço de
seus produtos no mercado consumidor.
195
RUETTE, Grupo. Perfil da Empresa. Fevereiro. 2010. 196
CRISE FINANCEIRA DEVE ADIAR INVESTIMENTOS DO SETOR SUCROALCOOLEIRO. Disponível
em <http://www.clicrbs.com.br/canalrural/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&action=noticias&id=2270004§ion
=noticias>. Acesso em: 05 mar. 2010.
89
A liberação de aporte de capital mediante empréstimos junto ao BNDES – Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – não se operacionalizava em tempo para
que as indústrias pudessem continuar com seus projetos de investimentos.
A diminuição do crédito e o alto custo de produção provocaram no setor
sucroalcooleiro mudança de direcionamento, exigindo soluções alternativas das empresas para
permanecerem em atividade.
Essa situação econômica também alcançou o Grupo Ruette,197
que decidiu pelo não
investimento no plantio de cana, o que representava a paralisação das atividades da área
agrícola, ou seja, a diminuição de cerca de 80% dos empregos das empresas do Grupo.
Paralelamente, a exigência ambiental surgida com a Lei do Estado de São Paulo nº
11.241/2002198
e a assinatura do protocolo de extinção da queima da palha,199
firmado junto a
UNICA, prevendo a extinção desse método de colheita até 2014 nas áreas mecanizáveis, e até
2017 nas áreas não mecanizáveis, também contribuiu para que o Grupo Ruette adotasse
medidas capazes de equalizar os reflexos negativos advindos desse novo cenário.
A extinção da queima da palha, a qual possibilitava ao trabalhador rural realizar o
corte da cana de forma manual, traz como consequência a necessidade da colheita ser
mecanizada. Sendo mecanizada, haveria dispensa de mão-de-obra, visto que cada
colheitadeira faz o serviço de 80 a 100 trabalhadores.200
Segundo o Grupo Ruette, o novo contexto trouxe duas variáveis que necessitavam ser
solucionadas: por um lado, o excedente de mão-de-obra, com baixa qualificação, em
decorrência da mecanização da colheita no campo e, de outro lado, a carência de mão-de-obra
qualificada para operar os modernos equipamentos necessários à mecanização da colheita.201
O Grupo Ruette é um importante empregador de mão-de-obra e influencia o setor
social e econômico das comunidades onde se situa, dado ao alto volume de recursos
financeiros que injeta na economia local, o mesmo foi motivado a investir num projeto
pioneiro de realocação de mão-de-obra, capacitando e qualificando os trabalhadores.
Em parceria com o Governo Federal e o Governo Estadual, a empresa passou a
construir o projeto ―Capacita Ruette‖.
197
RUETTE, Grupo. Desafio do Grupo. Fevereiro. 2010. 198
BRASIL. Lei Estadual n. 11.241. Diário Oficial [do] Estado de São Paulo. São Paulo, SP, 19.9.2002. 199
PROTOCOLO AGROAMBIENTAL. UNICA – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo.
Disponível em: < http://www.unica.com.br/userFiles/Protocolo_Assinado_Agroambiental.pdf>. Acesso em: 05
mar. 2010. 200
ÚNICA. União da Indústria da Cana-de-açúcar. Disponível em:
<http://www.unica.com.br/clipping/show.asp?cppCode=9141EBB8-7135-4E63-99B8-70489969546C>. Acesso
em: 05 mar. 2010. 201
RUETTE, Grupo. Fevereiro. 2010.
90
O objetivo do projeto teve como ponto fundamental a manutenção da mão-de-obra no
período de entressafra.
Considerando a sazonalidade da cultura da cana-de-açúcar, a dispensa dos
trabalhadores ao final do período da safra [compreendendo plantio, colheita e moagem] era
consequência natural, pois que à empresa não restava alternativa, visto o excedente de mão-
de-obra.
Com esse propósito, o projeto ―Capacita Ruette‖ adotou como estratégia qualificar e
capacitar os trabalhadores. Estabeleceu-se, assim, um cronograma de atividades voltadas para
esse objetivo, fixando como período de treinamento justamente o de entressafra, por coincidir
com o período usual de dispensa dos trabalhadores pelo encerramento das atividades
laborativas.
Com base no art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,202
implementou-se o referido projeto, contando com a participação do Governo Federal, do
Governo Estadual e da empresa Ruette.
A disposição legal prevista na Consolidação das Leis do Trabalho permite a Suspensão
do Contrato de Trabalho do empregado pela empresa, desde que o mesmo esteja inserido em
programa de capacitação ou qualificação, conforme mencionado anteriormente.
Com a suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador faz jus a uma bolsa
qualificação paga pelo Governo Federal, de valor igual e nas mesmas condições do salário-
desemprego.
A empresa não demite o empregado durante a suspensão do contrato de trabalho por
até três meses do encerramento do treinamento ou qualificação e manterá os benefícios sociais
já concedidos, podendo, (na verdade ―tendo que‖) ainda, fornecer ao empregado ajuda
financeira, que não será considerada como verba salarial, isto é, será isenta de recolhimento
fiscal.
O Governo Federal deu sua cota de participação com o pagamento do seguro-
desemprego, denominado de Bolsa Qualificação, garantindo aos trabalhadores inscritos no
projeto renda para a sua manutenção familiar.
O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT - Secretaria do Emprego e
Relações do Trabalho, proporcionou o treinamento dos trabalhadores, utilizando o Centro de
Treinamento Paula Souza, órgão vinculado ao Governo Estadual.
202
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
01.5.1943.
91
O Grupo Ruette disponibilizou toda a infraestrutura para a realização do curso de
qualificação e capacitação, disponibilizando os recursos materiais necessários, tais como o
transporte dos trabalhadores aos locais de treinamento e equipamentos para as aulas práticas.
O treinamento dos integrantes do projeto ―Capacita Ruette‖ teve início em 21 de
janeiro de 2009, estendendo-se até 21 de março de 2009, tendo capacitado 339 trabalhadores,
sendo 276 do setor de motomecanização (motoristas, operadores de máquinas, noteiros,
operadores e auxiliares de irrigação) e 63 trabalhadores rurais.203
O projeto foi estruturado da maneira exposta na ilustração a seguir e os dados foram
fornecidos pela empresa Ruette,204
responsável por sua condução.
Data Atividade
Setembro e Outubro/08 Identificação da crise / análise da situação / decisão de suspender plantio / busca de solução.
De 01/11/08 a 30/11/08 Explicação do Programa e convencimento dos trabalhadores para adesão.
19/11/08 Busca de apoio do Sindicato (explicação do Programa / justificativa).
04/12/08 Assembléia com Sindicatos.
De 05/12/08 a 19/12/08 Coleta de assinatura dos trabalhadores nos Termos de Adesão.
De 22/12/08 a 20/01/09 Preenchimento dos requerimentos e junção dos documentos requeridos.
De 22/12/08 a 24/12/09 Distribuição dos participantes em turmas/ horários de capacitação por município de residência .
23/12/2008 Registro dos Acordos Coletivos no Ministério do Trabalho.
De 26/12/08 a 02/01/09 Definição dos locais das aulas.
De 05/01/09 a 17/01/09 Definição do programa de capacitação e calendário de aulas.
21/01/09 Aula inaugural.
De 21/01/09 a 28/01/09 Cadastro dos requerimentos de bolsa qualificação no PAT de Catanduva.
21/01/09 Reunião em Brasilía com o Ministro do Trabalho Carlos Luppi para aprovação do projeto.
De 21/01/09 a 20/03/09 Aulas.
21/03/09 Formatura dos participantes.
23/03/09 Retorno dos participantes aos seus postos de trabalho.
Reunião com representantes da Secretaria de Relações do Trabalho e Emprego em busca de
parceria para as qualificações. 27/11/2008
ILUSTRAÇÃO 9. Metodologia de implantação. Fonte: Usina Ruette, 2010.
Da elaboração da metodologia de implantação e cronograma das atividades
operacionais do projeto à formatura dos participantes decorreram cerca de sete meses de
trabalho, envolvendo a administração e recursos humanos da empresa Ruette.
O treinamento deu-se em dois módulos, sendo aulas teóricas e práticas.
As aulas teóricas foram destinadas à formação de habilidades gerais, com 120 horas,
envolvendo temas como comunicação escrita e falada, cálculos básicos, cidadania, uso da
informação no dia-a-dia (informática), história do trabalho, postura profissional, como se
preparar para o mercado de trabalho e como montar o seu próprio negócio.
203
RUETTE. Grupo. Fevereiro. 2010. 204
Op. cit.
92
As aulas de habilidades gerais foram concentradas nas cidades de Paraíso, Palmares
Paulista, Colina, Monte Azul Paulista e Ubarana, cidades onde residem os participantes do
programa.
A capacitação por meio das aulas práticas, com carga de 80 horas, destinou-se a dar
conhecimento aos trabalhadores sobre operação de tratores, máquinas pesadas, colheitadeiras
de cana-de-açúcar e caminhões, sendo realizadas nas dependências das Usinas Ruette
(Paraíso-SP) e MonteRey (Ubarana-SP) e nos canaviais e áreas agrícolas das duas usinas,
segundo dados complementares do Grupo Ruette.205
A empresa tabulou os dados obtidos, utilizando estatisticamente os indicadores
disponíveis em sua área de atividade, demonstrando o resultado positivo encontrado.
Pelos resultados, observa-se que o planejamento estratégico da empresa na realocação
da mão-de-obra, mediante a qualificação e capacitação dos trabalhadores, é perfeitamente
factível, alcançando o objetivo da empresa.
Total de Participantes 339
Participantes promovidos após Qualificação 102
% de promoções após Qualificação 30%
ILUSTRAÇÃO 10. Indicadores Humanos. Fonte: Usina Ruette, 2010.
O índice apurado de 30% de promoções sobre o total de participantes demonstra que o
resultado é promissor. Mesmo que o aproveitamento não seja total, importante é que o
excedente encontra-se qualificado para ocupar novas funções no setor sucroalcooleiro
Total de Trabalhadores Rurais Participantes 136
Trabalhadores Rurais Promovidos 63
% de promoções após Qualificação 46%
ILUSTRAÇÃO 11. Indicadores de Trabalhadores Rurais. Fonte: Usina Ruette, 2010.
Outro índice de igual importância é a participação dos trabalhadores rurais na
capacitação. Com aproveitamento de 46% daqueles que se submeteram ao treinamento,
mostra-se que é possível a qualificação dos trabalhadores que detêm pouca instrução.
Descrição das promoções dos Trabalhadores Rurais Total %
De trabalhador rural para bituqueiro/engatador (1º estágio da motomecanização)
37 62%
De trabalhador rural para Auxiliar de Bombeiro 3 5%
205
RUETTE. Grupo. Fevereiro. 2010.
93
De trabalhador rural para Tratorista 11 18%
De trabalhador rural para Motorista 3 5%
De trabalhador rural para Operador de Colheitadeira 1 2%
De trabalhador rural para Fiscal de Mão-de-obra 1 2%
De trabalhador rural para Controlador de Tráfego 3 5%
De trabalhador rural para Analista de Motomecanização Jr. 1 2%
Total 60 100%
ILUSTRAÇÃO 12. Indicadores de Promoção. Fonte: Usina Ruette, 2010.
Na diversificação do aproveitamento, a promoção do trabalhador rural do corte de
cana para a função de bituqueiro/engatador é o de maior índice, seguido pela função do
tratorista.
No cômputo geral, percebe-se o incremento da mão-de-obra qualificada dentro da
Usina, com clara evolução do sistema de mecanização da indústria canavieira.
MESES
ABR 51,0 59,6 1,09 1,11 1,07 0,95
MAI 45,9 57,0 1,04 0,79 1,00 1,12
JUN 51,5 56,9 0,96 0,86 1,10 1,14
JUL 47,9 58,3 0,96 1,14* 1,075457765 1,23
20092008
Rendimento Energético
( t./km/l de Diesel)
2008 2009
Consumo Diesel km/lConsumo Diesel
l/t
* Raio médio 25% maior que ano anterior
Comportamento de consumo dos caminhões
2008 2009
ILUSTRAÇÃO 13. Indicadores de Consumo dos Caminhões. Fonte: Usina Ruette, 2010.
O rendimento no consumo de diesel constitui-se no valor agregado do resultado da
capacitação, com melhor desempenho na condução dos caminhões da indústria.
MESES
ABR 0,47 0,56
MAI 0,45 0,44
JUN 0,47 0,43
JUL 0,43 0,42
Comportamento de consumo
dos tratores transbordo
2008 2009
Consumo Diesel l/t
ILUSTRAÇÃO 14. Indicadores Operacionais de
consumo dos Tratores de Transbordo. Fonte: Usina
Ruette, 2010.
ILUSTRAÇÃO 15. Indicadores Operacionais de
consumo das Carregadoras. Fonte: Usina Ruette, 2010
MESES
ABR 0,14 0,13
MAI 0,15 0,15
JUN 0,15 0,14
JUL 0,15 0,13
Comportamento de consumo
das carregadorasConsumo Diesel l/t
2008 2009
94
De igual forma, o resultado refletido na utilização dos equipamentos, como tratores e
carregadoras, confirma que o manejo de forma eficiente reduz o consumo de combustível sem
perda de produção.
Quanto ao investimento, a ilustração da conta dos investimentos de Recursos Humanos.
Descrição do Recurso Valor
Recursos Humanos 3 pessoas RH 1 motorista 2 monitores (aulas práticas)
R$ 74.000,00
Transporte R$ 5.000,00
Benefícios R$ 37.902,00
Total R$ 116.902,00
ILUSTRAÇÃO 16. Investimentos. Fonte: Usina Ruette, 2010.
A capacitação ficou restrita a 5 pessoas, distribuídas entre funcionários do
Departamento de Recursos Humanos e agentes de apoio. O custo desses empregados para a
empresa foi mínimo em relação aos benefícios gerados, como demonstrado na ilustração
anterior.
Os resultados obtidos com o projeto ‗Capacita Ruette‘ causaram ao Grupo Ruette uma
significativa redução de despesas, conforme demonstrado pela empresa.
Descrição do Recurso Valor
Colaboradores Motomecanização R$ 602.098,00
Colaboradores Rurais R$ 260.467,20
Benefícios R$ 47.908,00
Transporte R$ 50.000,00
Total R$ 960.473,20
ILUSTRAÇÃO 17. Resultados. Fonte: Usina Ruette, 2010.
Na avaliação da empresa, muito além da redução de despesas, está a satisfação pessoal
dos participantes, refletida no empenho dos trabalhadores em concluir o curso.
A preparação para novas oportunidades, o aprendizado de temas atuais, o
conhecimento de informática, a manutenção do emprego e a aspiração a novos cargos e
95
funções foram os resultados colhidos, expostos até mesmo em manifestações dos
trabalhadores envolvidos, publicadas em reportagens de órgãos do setor.206
3.1.2 Análise do caso
A chegada da crise de 2008, da colheita mecanizada, que já ocupa mais de 50%207
da
área mecanizável do Estado de São Paulo, em decorrência de lei e de acordo entre as
empresas que preveem a extinção da queima da palha até 2014 em áreas mecanizáveis,208
acelerou o processo de implantação do projeto ‗Capacita Ruette‘.
Esse projeto que, de forma pioneira, evitou a demissão de 339 empregados no seu
primeiro ano de implantação, deixa clara sua natureza social.
O entusiasmo merece reconhecimento, tanto pela iniciativa quanto pelo resultado, pois
que, segundo Josiane Pagoto Prudêncio,209
―a convergência de forças das instituições
propiciou resultado além das expectativas, afastando o mito da impossibilidade de
qualificação e manutenção do empregado, em tempo de entressafra, sem alto custo para a
empresa‖.
A conquista dos objetivos propostos não só trouxe vantagens para a empresa, que
passou a contar com quadro de pessoal qualificado para novas ocupações, como para o
empregado, agora preparado para enfrentar desafios nas oportunidades do competitivo
mercado de trabalho, que exige instrução escolar e conhecimento técnico-operacional.
O reflexo social do sucesso do projeto, por ter evitado um número alto de demissões
de empregados, é sentido no seio social das comunidades envolvidas.
A redução do desemprego com a realocação da mão-de-obra constitui-se em meta a ser
alcançada por todas as empresas, independentemente do setor atuante.
Equacionar a missão de contribuir com a ascensão social do trabalhador sem afetar a
estrutura econômico-financeira da empresa foi o grande desafio.
Ao final, mostra-se que é possível conciliar o interesse econômico com a função social
da atividade econômica, exercendo-se novo comportamento empresarial e uma mudança
social que se espera do empreendedor ajustado com os ditames constitucionais.
206
RUETTE, Grupo. Fevereiro. 2010. 207
COLHEITA MECANIZADA DE CANA COBRIRÁ 60% DO TOTAL EM SÃO PAULO. Disponível em:
<http://www.unica.com.br/clipping/show.asp?cppCode=9141EBB8-7135-4E63-99B8-70489969546C>. Acesso
em: 05 mar. 2010. 208
UNICA – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo. Protocolo Agroambiental. Disponível
em: < http://www.unica.com.br/userFiles/Protocolo_Assinado_Agroambiental.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2010. 209
PRUDÊNCIO. Josiane Pagoto. Grupo Ruette. Fevereiro. 2010.
96
No entanto não pode se esquecido o fato que mesmo com a capacitação promovida
por iniciativa das empresas, com auxílio do Governo, não será suficiente para realocar toda a
mão-de-obra excedente.
A utilização da mão-de-obra com aproveitamento em outros setores da empresa se
restringe a um número de trabalhadores selecionados entre os que serão qualificados ou, no
caso da mecanização, demitidos. Por questões de estratégia empresarial, é certo que serão
capacitados os que detiverem uma instrução melhor, seja escolar ou técnica.
Mesmo com todo o esforço realizado pelas empresas canavieiras, o desemprego com a
mecanização do corte de cana causará forte impacto social negativo, vindo a comprometer a
frágil estrutura familiar, dependente do salário para sua subsistência.
Nesse ponto, há necessidade de se adotarem medidas urgentes, objetivando realocar
esse contingente de pessoas que ficarão desocupadas. Especialistas afirmam que o fim do
corte manual da cana-de-açúcar até 2014 vai acarretar desemprego de 54 a 75 mil
trabalhadores rurais no Estado de São Paulo. O maior índice de analfabetos encontra-se na
classe dos trabalhadores rurais. A cada 1% do avanço da mecanização no setor
sucroalcooleiro significa redução de 2.700 postos de trabalho. A determinação legislativa da
extinção do corte de cana manual, a exemplo do Estado de São Paulo, e de acordo com o
convênio firmado com a ÚNICA, prevê que o prazo final ocorrerá em 2014.210
Os mecanismos de apoio social disponibilizados pelo Governo, a exemplo do seguro
desemprego, não serão suficientes para suportar os reflexos provocados por esse fato social,
dada a sua amplitude, visto que atingirá vários Estados em pouco tempo, como vem
ocorrendo. A falta de qualificação provoca a exclusão do mundo do trabalho, concentração
urbana, miséria, marginalidade e sobrecarga no sistema social.
Assim, fazem-se necessárias medidas complementares frente à iniciativa adotada pelas
indústrias canavieiras.
Nesse aspecto, o combate ao desemprego é possível mediante a diversificação da
capacitação dos trabalhadores demitidos. É necessário que se criem centros de capacitação
profissional para atingir esta população, visto que não se enquadram no ensino formal.
O Governo, seja municipal, estadual ou federal, poderá adotar programas que visem
qualificar esses trabalhadores em seguimentos que estejam em expansão, cuja necessidade de
mão-de-obra se mostre imperativos para o atingimento de metas empresariais.
210
ÚNICA – União da indústria canavieira. Protocolo Agroambiental. Disponível em:
<http://www.unica.com.br/content/show.asp?cntCode={BEE106FF-D0D5-4264-B1B3-7E0C7D4031D6}>.
Acesso em: 28 mar 2010.
97
3.2 ALTERNATIVAS PARA A OCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA EXCEDENTE DO
SETOR SUCROALCOOLEIRO
No cenário atual, tem-se que o ramo da construção civil é o setor mais aquecido,
motivado pelo programa de metas do Governo Federal, mediante a implantação do PAC –
Programa de Aceleração de Crescimento.211
Outros investimentos, como a facilidade de financiamentos para a construção da casa
própria, também têm sido coadjuvantes no atual cenário nacional.212
Por outro lado, o setor da construção civil sofre a escassez de mão-de-obra, seja em
cidades grandes, médias ou pequenas, segundo afirma Luiz Antonio Nogueira de França,
Presidente da Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e
Poupança. 213
Nogueira França justifica essa escassez de mão-de-obra em ‗razão das obras
relacionadas com a Copa do Mundo em 2014, as Olimpíadas em 2016 e o começo da
construção de 1 milhão de casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida.‘ Acrescenta que
poderá ter de buscar trabalhadores nos países vizinhos, como Bolívia, Peru e Colômbia, caso
aumente a necessidade de mão-de-obra.
É notório que a mão-de-obra na construção civil é ocupada por trabalhadores com
baixa instrução escolar,214
cuja atividade principal é a de pedreiro e servente de pedreiro, o
que não exige muito conhecimento técnico.
Dados estatísticos dão conta de que essa atividade laboral é a que mais emprega e a
que mais está em falta nesse seguimento da economia.215
Assim, trata-se de uma oportunidade para migrar os trabalhadores demitidos do corte
de cana para a atividade da construção civil.
A construção civil, muito embora também seja um trabalho de grande esforço físico,
acredita-se ser um esforço menor do que o corte de cana. Ademais, a remuneração é igual ou
maior que a da lavoura canavieira.
211
FORTALEZA, Aluizio Alves. Reuters. Construção Civil vê mão-de-obra escassa e poupança se esgotando.
Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2010/03/18/construcao+civil+ve+mao+de+obra+escassa+e+poupanc
a+se+esgotando+9433039.html>. Acesso em 28 mar 2010. 212
Op cit. 213
Ibidem. 214
RESENHA DIEESE. Os Trabalhadores e a Reestruturação Produtiva na Construção Civil Brasileira.
Disponível em:< http://www.dieese.org.br/esp/civil.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010. 215
Op. cit.
98
Noutro aspecto, o grau de instrução escolar, entre ambas, se equivalem, necessitando
de pouca qualificação técnica.
Assim, da mesma forma que há capacitação e qualificação para os trabalhadores do
corte de cana para, quando aproveitados, ocuparem outras atividades mais significativas
dentro da empresa canavieira, há também a possibilidade dessa qualificação se dar para o
exercício de outra atividade, em seguimento diverso.216
Nesse momento da economia, com os indicadores mostrando crescimento da
construção civil, essa não deixa de ser uma alternativa para a realocação da mão-de-obra
dispensada da lavoura canavieira.
Com pouco esforço governamental, é possível a implementação de cursos técnicos
destinados à capacitação de trabalhadores para as atividades de pedreiro, auxiliar de pedreiro,
carpinteiro, pintor, eletricista, atividades essas que são as prioridades para a construção civil.
Acrescente-se que o referido setor, só no ano de 2009, criou 1,6 milhão de empregos
diretos, sendo dispensados 1,3 milhão, com saldo positivo de 303 mil empregos. Esse número
representa cerca de 1/3 da ocupação da mão-de-obra da lavoura canavieira.217
Há que se considerar que a demissão no setor da indústria da construção civil é dada à
grande rotatividade existente,218
que é causada pela falta de especialização técnica dos
ocupantes das vagas disponíveis.
A implantação de curso de capacitação técnica na área da construção civil poderia ser
realizada nos períodos vagos após o horário de expediente dos trabalhadores, com atividades
diversificadas entre práticas e teóricas. A quantidade de horas seria estabelecida por
metodologia capaz de ensinar o mínimo necessário à atividade a ser realizada, de forma
profissional, como português, matemática, leitura de projetos, fundamentos específicos da
atividade a ser exercida, etc. 219
Estima-se que apenas uma hora por dia, durante cerca de 3 meses, seria o suficiente
para preparar o trabalhador para a nova função.
216
VILLAR, Lúcio Flávio de Souza et al. Anais do 7. encontro de extensão da Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004 - Panorama da Construção Civil: Cursos de
Qualificação de mão de obra são realmente desejados? Disponível em:
<http://www.ufmg.br/proex/arquivos/7encontro/trabalho24.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010. 217
Op. cit. 218
RESENHA DIEESE. Os Trabalhadores e a Reestruturação Produtiva na Construção Civil Brasileira.
Disponível em:< http://www.dieese.org.br/esp/civil.pdf.>. Acesso em: 28 mar 2010. 219
VILLAR,Lúcio Flávio de Souza et al. Anais do 7. encontro de extensão da Universidade Federal de
Minas Gerais. Belo Horizonte, 12 a 15 de setembro de 2004 - Panorama da Construção Civil: Cursos de
Qualificação de mão de obra são realmente desejados? Disponível em:
<http://www.ufmg.br/proex/arquivos/7encontro/trabalho24.pdf>. Acesso em: 28 mar 2010.
99
Noutro ponto, em se tratando de pessoas já demitidas da lavoura canavieira, o curso de
capacitação poderia ser estendido com mais horas de treinamento por dia, enquanto o
trabalhador faz jus ao seguro-desemprego.
Nesse caso, o tempo de treinamento diminuiria, possibilitando a obtenção de novo
emprego num período menor.
Essa alternativa proporcionaria ao trabalhador menor tempo de ociosidade,
contribuiria com o setor da construção civil, cujas obras seriam entregues em menor tempo,
com significativa redução de custos e ganho financeiro nos investimentos.
Para o Governo, a economia do dispêndio com o seguro-desemprego seria
interessante, justificando o investimento nessa opção social de geração de empregos.
É uma alternativa de política pública que tem como objetivo propiciar que o
trabalhador permaneça empregado, ou ao menos pouco tempo desempregado, e não sofra os
reflexos negativos que incidem no seio familiar em razão da desocupação daquelas pessoas
que normalmente são as mantenedoras da família.
100
4 OUTROS PROGRAMAS PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO NA
REOCUPAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA
O Governo do Estado de São Paulo, por meio da SERT, desenvolve ações visando o
resgate dos indivíduos que se encontram em situação vulnerável, como os desempregados, os
desqualificados para enfrentar as mudanças do mercado de trabalho, ou mesmo os jovens que
estão em busca do primeiro emprego.
Além dessas ações é importante também ressaltar que a SERT tem como missão:
[...] aproximar o trabalhador das novas oportunidades do mercado,
fomentando a geração de trabalho e renda. A SERT desenvolve suas
atividades por meio dos programas e serviços de intermediação de mão de
obra e de qualificação e requalificação profissional. Gera ocupação ao cidadão
desempregado e insere o jovem no mercado de trabalho, além de estimular o
desenvolvimento de atividades empreendedoras, por meio de qualificação e
concessão de microcrédito.220
Com diversos programas e cada um deles alcançando um público alvo, distribuídos na
região da grande São Paulo e nos municípios do interior do Estado, a SERT dá mais um passo
na concretização de políticas públicas voltada ao bem-estar do trabalhador.
a) PEQ - Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional
Com objetivo de capacitar os trabalhadores para enfrentar as novas exigências do
mercado de trabalho, o programa PEQ – Programa Estadual de Qualificação e Requalificação
Profissional – buscou preparar os indivíduos que estavam sendo demitidos, os pequenos e
microprodutores e os trabalhadores autônomos.
O referido programa foi lançado em 23 de junho de 2008, tendo de início como
prioridade os desempregados da faixa etária dos 30 aos 59 anos de idade.
A SERT a contratou a SEADE – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados,
para realizar levantamento da estrutura do mercado e as tendências de ocupação profissional.
220
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Governo lança programa para capacitar trabalhadores
desempregados. Disponível em:
<http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=208760&c=6&q=Governo+lan%E7a+programa+pa
ra+capacitar+trabalhadores+desempregados+>. Acesso em: 03 abr. 2010.
101
Essa pesquisa veio a indicar as necessidades de qualificação e requalificação de mão-de-
obra.221
O diagnóstico, elaborado com base em dados de 2007, obtidos na ―Caravana do
Trabalho‖, possibilitou o conhecimento de dados estatísticos, conforme menciona Panizza:222
O Diagnóstico resultou numa publicação com mais de 400 páginas, na qual é
possível consultar, por exemplo, o perfil da População Economicamente Ativa
(PEA), o público-alvo do PEQ e as demandas por capacitação profissional diante
das necessidades do mercado de trabalho. De acordo com o Diagnóstico, cerca de
50% da PEA não completaram o ensino fundamental.
Com base nos resultados dessas pesquisas, a SERT norteou suas diretrizes de trabalho,
estabelecendo parcerias com órgãos públicos e instituições de ensino.223
Ao realizar o 2º Seminário de Qualificação Profissional, em 2009, a SERT, fez a
divulgação de 41.048 vagas no referido programa para todo o Estado de São Paulo, sendo que
cada participante do programa de qualificação profissional conta com uma bolsa auxílio no
valor de duzentos e dez reais mensais.
A justificativa para a concessão da bolsa auxílio é a dificuldade de manutenção do
pessoal durante o período em que o indivíduo se encontra desempregado.
O levantamento estatístico apurado pelo Governo do Estado de São Paulo informa que
os trabalhadores entre 30 e 59 anos são os mais atingidos pelo desemprego, por causa de sua
falta de instrução escolar, da dificuldade do retorno ao estudo, além da sobrecarga de
responsabilidade familiar.
Nesse ponto, o projeto visa possibilitar a qualificação ou requalificação do cidadão,
proporcionando-lhe condições para buscar emprego e enfrentar o mercado de trabalho.
Segundo manifestou Guilherme Afif, citado por Panizza:224
Como existe um apagão educacional nas gerações mais maduras, o PEQ é
voltado para pessoas de 30 a 59 anos. Metade não terminou o ensino
fundamental, tem grande responsabilidade familiar e pouca chance de voltar à
escola,‖[...]. Ao final das aulas a empregabilidade do aluno vai aumentar
porque estará mais qualificado. É importante dar esse apoio para que o
cidadão possa se qualificar e voltar ao mercado. A bolsa-auxílio visa amenizar
a situação durante a crise, já que há mais dificuldade de recolocação neste
período. Essa é uma medida condicionada e temporária.
221
PANIZZA, Ciça. Em Seminário de Qualificação Profissional, secretário Guilherme Afif divulga vagas e
pesquisa sobre ex-alunos do PEQ. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br//noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_8.htm>. Acesso em: 05 abr.
2010. 222
Op. cit. 223
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ
– Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 224
Op. cit.
102
O referido programa de qualificação e requalificação profissional busca alcançar um
objetivo mais sólido que o do próprio emprego do indivíduo. Na realidade, a ação
governamental está voltada para o ensino profissionalizante.
O que se espera do participante do programa é o aprendizado técnico, capaz de lhe
permitir a disputa por uma vaga de emprego num campo maior de atuação no mercado de
trabalho.
A esse respeito, fala Juan Carlos Dans Sanches:225
―Qualificação precisa estar
associada a aumento da escolaridade.‖
Para o Coordenador do programa, faz-se necessária a ação conjunta da qualificação e
da instrução escolar. A ação dissociada desses fatores não propicia o alcance das metas de
realocação da mão-de-obra, especialmente da classe populacional mais atingida pelo
desemprego.
O Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, juntamente com o SENAI e
o SENAC, é o responsável pela aplicação das aulas do programa.
O Programa de qualificação possui metodologia de ensino próprio, conforme descreve
Panizza.226
Os cursos estão divididos em habilidades gerais (120 horas), com reforço do
ensino básico (português, matemática, conhecimentos gerais e cidadania), e
em habilidades específicas (80 horas), com aulas teóricas e práticas sobre a
profissão.
O material didático, preparado pela Fundação Padre Anchieta, contém quatro
volumes impressos, quatro DVDs exibidos em sala de aula (vídeo-aulas de
suporte), um videojogo de tomada de decisões (os alunos são convidados a
decidir o caminho que o personagem deve seguir) e uma webgincana (jogos
pela internet com informações sobre os temas estudados em sala de aula).
A SERT divulgou dados de pesquisa para observar o aproveitamento do PEQ –
Programa Estadual de Qualificação – no período de 2008, obtendo o seguinte resultado:227
225
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ
– Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010. 226
Op. cit. 227
Ibidem.
103
ILUSTRAÇÃO 18. Resultado do PEQ em 2008. Fonte: SERT.
A pesquisa quantitativa foi realizada pela FUNDAP – Fundação do Desenvolvimento
Administrativo – e, segundo o Coordenador de Pesquisa e Projetos da Fundação, Lucas
Cordeiro, o PEQ – Programa Estadual de Qualificação – obteve êxito. Assim afirma
Cordeiro:228
A pesquisa quantitativa, feita com 2.033 alunos que participaram do PEQ em
2008, revela que sete em cada 10 participantes são mulheres, 58% tinham
mais de 30 anos e 34% terminaram o ensino fundamental. Metade das pessoas
que fizeram um curso do PEQ conseguiu trabalho. Dessas, 57% têm entre 30 e
59 anos, 56% fizeram cursos relacionados à indústria e 48% à área de
comércio e serviços. ―Como a pesquisa foi feita em fevereiro e março, o
desemprego pode ter refletido no resultado. Mesmo nessa situação adversa, o
PEQ teve êxito‖.
Entre as pessoas que conseguiram trabalho na área da formação adquirida, três
em cada quatro declararam estar utilizando os conteúdos vistos em sala de
aula. Quase 100% consideraram muito bons ou bons o material e a atuação
dos professores e se disseram mais bem preparados para enfrentarem
processos seletivos. O PEQ incentivou os trabalhadores a se qualificarem
mais: 88% dos alunos da RMSP e 67% do interior pretendem dar continuidade
à sua qualificação profissional.
As vagas são distribuídas conforme a maior demanda, sendo que São Paulo fica com
40,7% das vagas, seguido de Campinas, com 13%, e São José dos Campos, com 8,6%. É com
base em diversas estatísticas e dados que as vagas são distribuídas, a exemplo do Diagnóstico
228
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ
Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010.
104
do Programa Estadual de Qualificação Profissional e do Caged – Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados.229
Segundo a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, a avaliação final positiva
justifica novo investimento no Programa de Qualificação Profissional, já planejado, conforme
demonstra a ilustração à seguir:
EXECUÇÃO PEQ
Execução 2008/09: Trabalhadores Beneficiados: 70 milMunicípios atendidos: 170
equivalente a 82% da população do Estado
Execução 2010: Trabalhadores Beneficiados: 60 milMunicípios atendidos: 205
equivalente a 85% da população do Estado
Bolsa Auxílio: Até 3 parcelas de R$210,00 para 60.000 trabalhadores, total estimado R$ 32.000.000,00
Transporte : Até 3 parcelas de R$118,80 para 60.000trabalhadores, total estimado R$19.000.000,00
ILUSTRAÇÃO 19. Planejamento de Investimento no PEQ. Fonte: SERT.
O resultado obtido no período de 2008/2009, com atendimento a 170 municípios,
mostra que é possível levar a capacitação aos trabalhadores até o interior do Estado. A
expansão prevista para 2010, alcançando 205 municípios, tende a confirmar a política
estabelecida para o programa.
Mesmo que de início pareça que o investimento por trabalhador é reduzido, a projeção
estatística dá conta que o valor despedido pelo Estado é de grande monta, podendo ser
considerada uma iniciativa capaz de estimular outros entes da federação a instituir programas
semelhantes.
229
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. PEQ
Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional. Disponível em:
<http://www.emprego.sp.gov.br/programas/qualificacao.html>. Acesso em: 05 abr. 2010.
105
EXECUÇÃO PEQ 2010
Executora Vagas Contrato
Centro Paula Souza 19.380 R$ 23.942.394,00
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial -SENAI 15.312 R$ 21.219.369,60
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial -SENAC 20.130 R$ 26.853.420,00
Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte-SENAT 5.460 R$ 7.045.038,00
Total 60.282 R$ 79.060.221,60
ILUSTRAÇÃO 20. Distribuição de vagas para o PEQ. Fonte: SERT.
Considerando a diversidade de trabalhadores, cada qual com diferentes interesses e
aptidões, não seria possível concentrar todos num único órgão. A dificuldade operacional da
instituição de treinamento seria um obstáculo, somando-se as dificuldades do próprio
trabalhador, como a locomoção de sua residência até o centro de treinamento.
106
FASES DE EXECUÇÃO- 2010
Março2010
Mar/Abr2010
Mar/Dez 2010
Mar e Set 2010
• Lançamento do Programa/2010 e Assinatura dos contratos
• Capacitação de monitores
• Início dos cursos de qualificação
• Supervisão e monitoramento
• Avaliação de Egressos
Dezembrro2010
• Encerramento
ILUSTRAÇÃO 21. Fases de execução do PEQ. Fonte: SERT.
Outro fator de importância na estrutura do programa de qualificação é o cronograma
das atividades. Distribuída ao longo do ano, a execução do programa prevê a avaliação dos
egressos. Por essa avaliação serão verificados os resultados do investimento feito no
programa, podendo-se manter ou corrigir metas, e propiciar assim a manutenção de iniciativas
dessa natureza.
b) Programa Jovem Cidadão
O Programa Jovem Cidadão, do Governo do Estado de São Paulo, administrado pela
SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho – e pela Secretaria de Educação e da
Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico,230
é uma iniciativa que visa proporcionar
ao estudante do ensino médio a possibilidade de estágio em empresas.
Mediante estágio remunerado, estudantes da faixa etária de 16 a 21 anos, regularmente
inscritos no 2º ou 3º ano do ensino médio, e com frequência escolar regular, são selecionados
para realizar estágios em empresas conveniadas com o Governo Estadual.
230
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho.
Jovem Cidadão. Disponível em: <http://www.emprego.sp.gov.br/programas/jovemcidadao.html>. Acesso em:
05 abr. 2010.
107
O período de estágio é de 6 meses, com 4, 5, ou 6 horas diárias, com bolsa-estágio
ofertada pelo Governo do Estado de São Paulo e por empresas, sem vínculo empregatício,
acrescentado de seguro de vida e de acidentes pessoais e vale-transporte.231
Havendo aproveitamento, cerca de 25% dos jovens são contratados pelas próprias
empresas que ofertam o estágio. O programa já beneficiou em torno de 100 mil jovens das
escolas da rede pública da região metropolitana de São Paulo e possui 9 anos de existência.232
c) Programa Jovem Tec
O programa Jovem Tec está relacionado com o Programa Jovem Cidadão, da SERT, e
visa proporcionar estágio a jovens oriundos da periferia das cidades, especialmente dos locais
considerados de risco pelo Governo. Afirma o Secretário Afif:
Uma das exigências do Programa é que o aluno faça o estágio em local
próximo à sua moradia ou à escola onde estuda. A Secretaria Estadual do
Emprego seleciona alunos das escolas públicas estaduais das áreas de
vulnerabilidade social – nas periferias, nas regiões mais violentas, onde os
jovens têm mais dificuldade de acesso ao mercado de trabalho.233
E Panizza234
continua, informando que a expectativa do programa é que cerca de
aproximadamente dois mil e quinhentos jovens ingressem nesse programa no período de
2009/2010, sendo que trezentos já ingressaram em 2009 e há uma expectativa de cerca de dois
mil e trezentos para o ano de 2010. O programa é alicerçado em estágio profissional de
capacitação nas empresas Microsoft, Intel, Cisco, Telefônica e Instituto Mauá, concentradas
na área de Tecnologia da Informação e Comunicação.
Após a capacitação e com conhecimento em softwares, sistemas de comunicação,
montagem e manutenção de computadores, os jovens passarão a exercer atividades junto à
empresa Prodam – Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de
São Paulo.
Durante o período de estágio, os jovens receberão bolsa auxílio de quatrocentos e
cinquenta reais. Para o Governo do Estado de São Paulo, a oportunidade de estágio vem
231
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. SERT – Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. Jovem
Cidadão. Disponível em: <http://www.emprego.sp.gov.br/programas/jovemcidadao.html>. Acesso em: 05 abr.
2010. 232
Op. cit. 233
PANIZZA, Ciça. Governo do Estado e Prefeitura de SP garantem estágio a 2,5 mil alunos da rede púbica
estadual. Disponível em:<
http://www.emprego.sp.gov.br/noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_6.htm>. Acesso em: 05 abr. 2010. 234
Op. Cit.
108
motivar os jovens e possibilitar a obtenção de emprego, especialmente na área de
Tecnologia de Informação e Comunicação.
Segundo Panizza,235
citando Rodrigo Abreu, Presidente da Cisco do Brasil, ―os
aspectos sociais e econômicos devem se somar para o sucesso do programa. (...) O Jovem Tec
reúne várias áreas importantes: educação, qualificação, inclusão e geração de emprego.
Temos aqui um potencial alavancador muito grande para o desenvolvimento econômico e
social do País.‖
Agregado aos objetivos do programa, como a capacitação e a geração de emprego, está
a transposição da barreira da inexperiência, obstáculo que aflige os jovens em procura do
primeiro emprego.
Outros programas de incentivo ao emprego são desenvolvidos pelo Governo do Estado
de São Paulo, a exemplo do PADEF – Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência, Frente
de Trabalho, Time do Emprego, e o PAT – Posto de Atendimento ao Trabalhador.
Com todos esses programas sendo postos em prática, fica evidente que existem ações
do Poder Público sendo concretizadas no sentido de combater o reflexo negativo provocado
pela inserção de nova tecnologia no mercado trabalho. Entretanto faz-se necessário que o
setor privado participe ativamente dessas ações, pois que é ator principal na geração desse
fato social resultante no desemprego do trabalhador.
No que se refere ao setor sucroalcooleiro, a vultuosidade dos efeitos provocados pela
mecanização da cana-de-açúcar e da introdução de tecnologia nos meios de produção acarreta
uma mudança social significativa.
O excesso da mão-de-obra lança no mercado centenas de trabalhadores despreparados
para enfrentar novos métodos de trabalho e nova tecnologia. A capacitação e qualificação têm
o objetivo garantir ao indivíduo pelo menos a possibilidade de competição em novo ramo do
mercado de trabalho.
Ausente essa possibilidade de competição, fere-se a dignidade da pessoa do
trabalhador, alijado do seu direito fundamental ao trabalho. Nesse momento social, faz-se
necessário garantir a efetividade dos direitos fundamentais que compõe toda a ordem
econômica. A livre iniciativa preponderante no mercado econômico deve ser moldada para
satisfazer os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
235
PANIZZA, Ciça. Governo do Estado e Prefeitura de SP garantem estágio a 2,5 mil alunos da rede púbica
estadual. Disponível em:<
http://www.emprego.sp.gov.br/noticias/noticias.asp?noticia=2009/07/arquivo_6.htm>. Acesso em: 05 abr. 2010.
109
Alerta-se, porém, que não é somente o desemprego decorrente da inovação tecnológica
que provoca uma mudança social desprotegida do fundamento da dignidade da pessoa
humana.
As condições precárias do trabalhador do corte da cana de açúcar também se
caracterizam como a outra face da violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Se de um lado ocorre o desemprego, do outro a permanência do trabalhador em
condições miseráveis de trabalho, análogas a de escravo, é mais que suficiente para sustentar
a inexistência do mínimo de dignidade que deve subsistir na pessoa humana.
O mercado econômico, com diretriz embasada no princípio da livre iniciativa não
pode se afastar do núcleo principal que regula os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa
humana. O trabalho é vital para o mínimo existencial, pois este é capaz de assegurar as
indispensáveis condições de uma vida digna, cujo labor deve se conformar com os ditames
constitucionais da valorização do trabalho humano, justiça social e a erradicação das
desigualdades sociais.
110
5 CONCLUSÃO
O avanço da necessária efetividade das garantias fundamentais do homem, nessas
incluído o meio ambiente, torna-se, cada vez mais, uma ferramenta de pressão utilizada pela
sociedade civil e até mesmo governamental.
Internacionalmente, qualquer atividade econômica que não esteja em harmonia com os
princípios norteadores da dignidade da pessoa humana e de proteção ao meio ambiente
encontra resistência na introdução de seus produtos no mercado consumidor externo.
No mercado interno, a crescente conscientização das garantias sociais tem levado os
empreendedores a adotar um comportamento que reflete uma mudança social, mesmo que
incipiente.
O entendimento do significado da dignidade da pessoa humana e da valorização do
trabalho humano e justiça social parecem que, aos poucos, vai sendo delineando, movido pela
ação insistente da sociedade civil organizada.
O setor sucroalcooleiro do país denota mudar sua estratégia de atividade econômica,
nascendo uma preocupação com a responsabilidade social antes não observada.
A posição do Brasil como líder na produção de etanol também sofreu críticas por
conta da ausência de políticas públicas que garantissem os direitos dos trabalhadores do setor
sucroalcooleiro e da possibilidade de competição entre a produção do etanol e de alimentos.
Em resposta, o Governo Federal e o Estado de São Paulo limitaram o plantio da cana-
de-açúcar em áreas de preservação ambiental e mostraram que o país possui outras imensas
áreas capazes de atender a demanda crescente pelo etanol.
No que se refere à mão-de-obra, o Congresso Nacional está para mudar a Constituição
no sentido de criminalizar e responsabilizar o empreendedor que arregimentar trabalhadores
sem ofertar o mínimo de condições dignas de trabalho.
Ressalta-se que embora a análise da pesquisa se volte para o Estado de São Paulo, não
podemos esquecer que para melhorar a imagem do País no mercado internacional é necessário
mudar a realidade do setor no Brasil como um todo.
O pacto das indústrias canavieiras do Estado de São Paulo, antecipando o fim da
queima da palha da cana-de-açúcar para 2014, antes previsto para 2021, tornou a introdução
da colheita mecanizada necessária, o que vem gerando impacto social negativo de grande
amplitude. Para mitigar esse efeito, verifica-se que o Governo do Estado de São Paulo tomou
111
a iniciativa de elaborar programas de capacitação e realocação de mão-de-obra, conforme se
apura das atividades realizadas pela SERT e o Centro Paula Souza.
Com amparo em atualizada legislação trabalhista, que prevê a suspensão do contrato
de trabalho para a participação do empregado em curso ou programa de qualificação
profissional, o Governo obteve adesão de empresários e trabalhadores. A SERT e o Centro
Paula Souza disponibilizaram a infra-estrutura educacional de capacitação e qualificação dos
trabalhadores e o empresário, em contrapartida, manteve o emprego do trabalhador, pelo
menos durante o período de três meses após a capacitação. É certo, porém, que essa
disposição empregatícia é conseqüência legal da adesão ao programa, visto que a demissão do
empregado fora do prazo permitido acarreta ao empregador sanções pecuniárias de natureza
indenizatória trabalhista e fiscal.
Em outro vértice, a vantagens do trabalhador refere-se a sua evolução técnica-
educacional. Estas possibilitam ao trabalhador o alcance de melhor cargo ou função, na
própria empresa ou no mercado de trabalho, dado a capacitação e qualificação recebida, e
ainda, sem suportar, nesse período de treinamento, o ônus do desemprego.
Ações semelhantes adotadas por empresas do setor demonstram que é possível
contribuir para amenizar a desigualdade social, especialmente no que se refere à competição
pelo trabalho no mercado formal.
Assim, foi possível verificar que o seguimento do setor sucroalcooleiro não está
disposto a resistir às novas tendências que asseguram os direitos sociais. Também nesse
tópico, o Estado se apressou em levar ao conhecimento pátrio e estrangeiro que está tomando
as medidas necessárias para fazer valer os princípios constitucionais da atividade econômica
inseridos no art. 170 da Lei Maior, inclusive de proteção ao meio ambiente. Mesmo que com
certa demora, realizou o zoneamento do plantio da cana-de-açúcar, freando a sua expansão
desordenada e incentivou a utilização de programas de capacitação, qualificação e realocação
de mão-de-obra dos trabalhadores excedentes da atividade do setor sucroalcooleiro.
A experiência privada realizada pelo Grupo Ruette certifica que é possível existir uma
mudança social dentro da estratégia econômica da empresa.
A empresa não ficou silente frente à nova performance que norteia a atividade do setor
sucroalcooleiro, especificamente no tocante à mecanização do corte da cana-de-açúcar e à
demissão de trabalhadores motivada pela substituição da mão-de-obra pelas máquinas.
Acreditando na possibilidade de contribuir para a solução do prejuízo social
decorrente do desemprego, o Grupo Ruette adotou programas de capacitação e qualificação
112
dos trabalhadores, cujos resultados foram benéficos tanto para os trabalhadores quanto para o
empregador.
Para os trabalhadores, os benefícios maiores surgiram da qualificação da mão-de-obra,
abrindo caminho para a competição em igualdade no mercado de trabalho. Para o
empregador, por sua vez, o reaproveitamento de trabalhadores em funções melhores
demonstrou economia financeira para a empresa, com aumento de produtividade e menos
custos.
A iniciativa do Grupo Ruette contribui para o desenvolvimento de políticas públicas
destinadas a suportar o impacto social decorrente da inovação tecnológica que avança sobre a
atividade rural.
Registre-se que a inovação tecnológica, ao tempo que aumenta o desemprego, vem a
contribuir, mesmo que forçosamente, para diminuição do trabalho desumano que se encontra
nos campos da cultura da cana-de-açúcar.
No seguimento econômico sucroalcooleiro, as indústrias canavieiras, aos poucos, se
preparam para uma nova era de trabalho, adaptando-se à nova realidade tecnológica que visa
proteger o meio ambiente, garantir os direitos fundamentais (e sociais), valorizar o trabalho
humano e contribuir para o alcance da justiça social.
Paralelamente, enfatiza-se que o Estado deve ficar atento à necessidade de
diversificação da capacitação do trabalhador, qualificando-o para enfrentar outros ramos da
atividade laboral, mormente buscando aqueles setores que se encontram em franca expansão,
uma vez que o sucroalcooleiro não absorverá o excedente da mão-de-obra decorrente da
inovação tecnológica.
No contexto, percebe-se que a atividade econômica não se realiza de forma isolada dos
princípios constitucionais. A livre iniciativa, a livre concorrência e o direito de propriedade,
cujos princípios norteiam a atividade econômica, somente adquirem resultados de valor se
forem agregados a estes os princípios da dignidade da pessoa humana e valorização do
trabalho humano, da função social do contrato como instrumento da atividade econômica e,
por certo, a concretização desses direitos fundamentais.
Caminhando a passos lentos no sentido de assegurar os direitos dos trabalhadores, o
setor sucroalcooleiro ainda muito deve no que se refere ao resgate da dignidade da pessoa
humana, da valorização do trabalho e aplicação dos direitos fundamentais. A mudança social
que se desponta, fruto da evolução da compreensão dos direitos básicos do homem, exigirá
maiores compromissos dos empreendedores, pois que os fundamentos constitucionais da vida
digna tendem a materializar-se.
113
Infere-se, portanto, que a mudança social nas estruturas dos empreendimentos
econômicos, relacionada aos trabalhadores, apesar de vagarosamente estar caminhando e ser
percebida, a intervenção do Governo e da sociedade faz-se necessária, pois a proteção dessa
classe vulnerável, mediante a efetividade dos direitos fundamentais, é medida de justiça
social.
Por fim, é certo que se o Brasil quiser fortalecer o setor sucroalcooleiro, inserindo o
etanol no mercado internacional e tornando esse produto uma ―commodity‖ terá que aplicar
de forma efetiva os fundamentos que asseguram a dignidade da pessoa humana, a valorização
do trabalho e promover a erradicação das injustiças sociais existentes no campo, não
ignorando a proteção ambiental e a constante vigilância da comunidade internacional relativo
aos direitos fundamentais. Caso isso não se realize, Governo e empresários devem ter
consciência que os negócios do setor sucroalcooleiro estarão comprometidos.
114
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