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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Leandro Gomes Amaral
A política fiscal brasileira no período de 1995 a 2 010, com
ênfase no comportamento da despesa governamental
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
SÃO PAULO
2012
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Leandro Gomes Amaral
A política fiscal brasileira no período de 1995 a 2 010, com
ênfase no comportamento da despesa governamental
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Júlio Manuel Pires.
SÃO PAULO
2012
2
Banca Examinadora
___________________________
___________________________
___________________________
3
Dedico este trabalho: ao Sr. Antônio e à Sra. Maria de Lourdes, meus pais; aos mestres que participaram da minha formação e a todos os amigos, em especial, aos também mestrandos Fernando Gdikian e Mauro Selingarde.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Antônio Amaral e Maria de Lourdes
Amaral, todo esforço e dedicação para que hoje eu esteja concluindo mais uma
etapa da minha caminhada.
Faço um agradecimento especial ao Prof. Dr. Julio Pires, orientador desta
dissertação de mestrado, aos professores Antonio de Lacerda, Daniel Arias e
Rubens Sawaya, integrantes das bancas de qualificação e defesa, e ao amigo
economista Fernando Matias, da Universidade Federal do ABC (UFABC), os quais
contribuíram com valiosos conselhos e ensinamentos.
Agradeço ainda à Rosana Dias, gerente da Auditoria Interna da UFABC, a
qual sempre demonstrou toda compreensão e apoio imagináveis, à Adriana Couto,
administradora de empresas na AudIn/UFABC, que muito me incentivou a cursar o
mestrado, bem como aos colegas de AudIn: Bruna Colombo, Denise Senda, Gebel
Barbosa, Patrícia Moreira e Rayane Magalhães.
Sou também muito grato ao Prof. Ms. Ubiratã Reis, contador pertencente ao
quadro de servidores técnicos administrativos da UFABC, em razão dos convites
para participar de bancas examinadoras de trabalhos de conclusão de curso. Sem
dúvida, tal experiência agregou bastante à minha incipiente vivência acadêmica.
Não posso olvidar de agradecer ainda aos seguintes amigos: Fabíola Savioli,
Juliana Savioli, Raoni Alejandro, Carlos Alejandro, Juanna Gugliermoni e Aline
Almeida. Estas seis pessoas e eu somos responsáveis por fazer da nossa
“república” uma segunda família.
Faço menção também aos queridos amigos Danielle Lourenço, Mônica
Carneiro e Manuel da Costa, que sempre estiveram ao meu lado, principalmente nos
momentos mais difíceis, quando necessitei de palavras de incentivo.
Deixei para o final o agradecimento maior a Deus, que, num ato de sua infinita
bondade, colocou pessoas tão especiais em minha vida.
5
“Pode muito bem ser que a teoria clássica represente o caminho que a nossa economia, segundo o nosso desejo, deveria seguir, mas supor que na realidade ela assim se comporta é presumir que todas as dificuldades estejam removidas.”
(John Maynard Keynes)
6
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a política fiscal brasileira, no período de 1995
a 2010, em especial a despesa governamental, a fim de que se possa opinar quanto
ao caráter pró-cíclico ou anticíclico daquela. Pode-se dizer que as medidas adotadas
pelo governo brasileiro foram pró-cíclicas durante quase todos os anos pertencentes
ao período 1995-2010, exceto em 2001 e 2009. Nestes anos, a política fiscal foi
anticíclica, haja vista as desonerações tributárias, em 2009, e o aumento da
formação bruta de capital fixo das administrações públicas, em ambos. Contudo, não
se identificou evidência de que a expansão do investimento ocorrida em 2001 tenha
sido deliberada, ao contrário de 2009, quando o Governo Federal visou à atenuação
da fase recessiva do ciclo econômico, conforme proposto por Keynes. Considera-se,
com isso, que os estímulos fiscais à demanda agregada foram possíveis porque a
economia estava em condição de absorver, num contexto de crise, eventuais efeitos
colaterais das desonerações tributárias, da elevação do investimento público e da
redução do superávit primário.
Palavras chave: política fiscal brasileira, superávit primário, investimento público.
7
ABSTRACT
This study aims to analyze the Brazilian fiscal policy in the period 1995 to 2010,
especially government spending, so that one can opine about the character
procyclical or countercyclical that. We can say that the measures adopted by the
Brazilian government were pro-cyclical during almost every year belonging to the
period 1995-2010, except 2001 and 2009. In these years, fiscal policy was counter-
cyclical, given the tax cuts in 2009 and the increase of fixed capital formation of
government in both. However, it wasn’t identified evidence that the expansion of
investment occurred in 2001 was deliberate, unlike 2009, when the Federal
Government aimed to mitigate the recessionary phase of the cycle, as proposed by
Keynes. Therefore, the fiscal stimuli to aggregate demand were possible because the
economy was in a position to absorb during crisis possible adverse effects of tax
cuts, the increase in public investment and reducing the primary surplus.
Keywords: Brazilian fiscal policy, surplus, public investment.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 3.1 – RECEITAS PRIMÁRIAS DO GOVERNO CENTRAL ...................... 47
GRÁFICO 3.2 – DESPESAS PRIMÁRIAS DO GOVERNO CENTRAL ..................... 50
GRÁFICO 3.3 – NFSP GOVERNO FEDERAL E BANCO CENTRAL ....................... 56
GRÁFICO 3.4 – NECESSIDADES DE FINANCIAMENTO DO SETOR PÚBLICO CONSOLIDADO ................................................................................................. 57
GRÁFICO 3.5 – DESPESAS CORRENTES DA UNIÃO – EM MILHÕES DE R$ DE 2010 ................................................................................................................... 64
GRÁFICO 3.6 – DESPESAS CORRENTES EM (%) DO PIB ................................... 64
GRÁFICO 3.7 – DESPESAS DE CAPITAL DA UNIÃO – EM MILHÕES DE R$ DE 2010 ................................................................................................................... 65
GRÁFICO 3.8 – DESPESAS DA UNIÃO – GRUPO INVESTIMENTOS – EM MILHÕES DE R$ DE 2010................................................................................. 66
GRÁFICO 3.9 – (%) DAS DESPESAS CORRENTES E DE CAPITAL, EM 2010 ..... 67
GRÁFICO 3.10 – FBCF ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EM MILHÕES DE R$ DE 2010 ................................................................................................................... 70
GRÁFICO 3.11 – FBCF ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EM (%) DO PIB ................. 71
GRÁFICO 3.12 – DESPESAS DISCRICIONÁRIAS DA UNIÃO – EXECUTIVO – VARIAÇÃO (%) EM RELAÇÃO AO ANO ANTERIOR ....................................... 75
GRÁFICO 3.13 – DESPESAS DISCRICIONÁRIAS DO EXECUTIVO ...................... 76
9
LISTA DE TABELAS
TABELA 2.1 – INDICADORES DO PERÍODO 1995-1998 ....................................... 30
TABELA 2.2 – INDICADORES DO PERÍODO 1999-2002 ....................................... 34
TABELA 2.3 – INDICADORES DO PERÍODO 2003-2006 ....................................... 37
TABELA 2.4 – INDICADORES DO PERÍODO 2007-2010 ....................................... 42
TABELA 3.1 – RECEITA TOTAL, TRANSFERÊNCIAS E RECEITA LÍQUIDA – EM (%) DO PIB ....................................................................... ............................... 48
TABELA 3.2 – DESPESAS PRIMÁRIAS DO GOVERNO CENTRAL – EM MILHÕES DE R$ DE 2010 ................................................................................................. 51
TABELA 3.3 – DESPESA PRIMÁRIA E PIB: TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO ................................................................................................. 55
TABELA 3.4 – NFSP RESULTADO PRIMÁRIO – EM (%) DO PIB ........................... 57
TABELA 3.5 – RELAÇÃO ENTRE CATEGORIA ECONÔMICA E GRUPO DE NATUREZA DA DESPESA ................................................................................ 60
TABELA 3.6 – DESPESAS PRIMÁRIAS DISCRICIONÁRIAS DA UNIÃO – EM MILHÕES DE R$ DE 2010 ................................................................................. 74
TABELA 3.7 – DESPESAS COM INVESTIMENTO DO ANO DE 2009, POR MODALIDADE DE APLICAÇÃO - EM MILHÕES DE R$ ................................... 81
TABELA 3.8 - RECEITA, DESPESA DISCRICIONÁRIA, FBCF E PIB: TAXAS ANUAIS DE VARIAÇÃO .................................................................................... 81
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - ENFOQUES TEÓRICOS A RESPEITO DA EFICÁC IA DA POLÍTICA FISCAL ............................................ ......................................................................... 14
Seção 1.1 - A visão teórica convencional: o efeito crowding out e a questão da centralidade da política fiscal ................... ............................................................. 14
Seção 1.2 - A proposta de Keynes e dos pós-keynesia nos................................. 20
CAPÍTULO 2 - CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO ........ .................................... 26
Seção 2.1 - O Primeiro Governo FHC: 1995-1998 ..... ............................................ 26
Seção 2.2 - O Segundo Governo FHC: 1999-2002 ...... .......................................... 31
Seção 2.3 - O Primeiro Governo Lula: 2003-2006 .... ............................................. 34
Seção 2.4 - O Segundo Governo Lula: 2007-2010 ..... ........................................... 39
Seção 2.5 - Balanço do período 1995-2010 .......... ................................................. 43
CAPÍTULO 3 - A TRAJETÓRIA DAS RECEITAS E DESPESAS GOVERNAMENTAIS NO PERÍODO 1995-2010 ............... ....................................... 46
Seção 3.1 - Receita bruta, receita líquida, despesa primária e resultado fiscal 46
Seção 3.2 - A despesa pública segundo sua categoria econômica .................... 59
Seção 3.3 - Despesas discricionárias da União e o v iés da política fiscal brasileira ........................................ .......................................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................. ........................................................ 85
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 89
11
INTRODUÇÃO
Esta investigação consiste em analisar a execução da política fiscal brasileira,
no intervalo de 1995 a 2010, especialmente a despesa governamental, de modo a
poder opinar quanto ao caráter pró-cíclico ou anticíclico das medidas adotadas pelo
governo.
Compete anotar que o debate teórico no tocante ao grau desejável de
intervencionismo estatal na economia vem sendo travado desde longa data, com a
alternância de posição entre escolas de pensamento econômico.
Os adeptos da teoria neoclássica afirmam que a intervenção do Estado não
se justifica, porque não é capaz de influenciar o comportamento de variáveis reais
da economia, sendo apenas causadora de desequilíbrios, como a elevação dos
preços e das taxas de juros. Além disso, o estágio atual da teoria dominante ressalta
a relação das variáveis econômicas com os fundamentos fiscais, pois o dilema
crescimento versus estabilidade é superado somente por meio da restauração da
confiança na trajetória sustentável das contas públicas.
De maneira diferente, Keynes e os pós-keynesianos veem nas políticas de
governo um instrumento para aproximar a demanda efetiva do nível de pleno
emprego. Em se tratando de uma economia empresarial, na qual a moeda pode ser
alternativa preferível a outros ativos, à medida que cresce a incerteza quanto ao
futuro, não há, portanto, garantia de que o equilíbrio entre a oferta e a demanda
agregadas coincida com a plena utilização dos fatores produtivos.
A possibilidade de haver compatibilidade entre expansão do gasto público e
equilíbrio fiscal está presente nos ensinamentos de Keynes, uma vez que a adoção
de política de gastos expansionista que induza o crescimento do produto tende a
aumentar a arrecadação de impostos ou a poupança disponível para financiar
eventuais déficits, por intermédio da colocação de títulos públicos.
Keynes teria ainda sugerido a segregação em dois orçamentos estatais,
sendo um de gastos de correntes e outro de gastos de capital, com a intenção de
separar a função estatal de prover a contínua oferta de bens públicos da que
objetiva regularizar a demanda agregada. Assim, a concepção da política fiscal
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propugnada por Keynes não é tolerante com a irresponsabilidade, ou seja, não
avaliza posturas que levem ao desequilíbrio permanente das contas públicas, ainda
que, em certos casos, seja necessária e permitida a ocorrência de déficits pontuais.
A escolha do tema foi motivada pela relevância da discussão sobre a política
fiscal brasileira pós-Plano Real, haja vista que a década de 1990 ficou marcada
como o momento da história brasileira recente no qual ocorreu a reformulação na
concepção em torno do papel do Estado na economia, trazida no bojo das reformas
neoliberais empreendidas à época, em meio ao movimento imperativo de
globalização.
No início dos anos oitenta, as dificuldades enfrentadas pela economia
brasileira no seu balanço de pagamentos e a crise da dívida deflagraram o
esgotamento da capacidade de financiamento que permitira o aparelhamento da
indústria nacional. Ademais, a aceleração inflacionária, que seria interrompida
somente em 1994, com a adoção do Plano Real, dificultava a previsão econômica e
aprofundava as distorções sociais.
Diante disso, os esforços empreendidos na área da política econômica
acenavam para a busca da estabilidade macroeconômica enquanto objetivo
primeiro, como um pré-requisito ao crescimento econômico sustentado. Acreditava-
se ser necessário promover o ajuste nas finanças públicas e ampliar a eficiência da
máquina administrativa, ao mesmo tempo em que a abertura dos mercados de bens
e financeiro seria responsável pelo aumento da competitividade da economia
brasileira e pela atração de recursos financeiros suficientes para financiar o balanço
de pagamentos.
Não obstante, a prática de elevadas taxas de juros reais após a
implementação do Plano Real, com a dupla finalidade de frear o crescimento do
consumo e promover a utilização da ancoragem cambial, resultou na piora dos
indicadores de endividamento do setor público durante a segunda metade dos anos
1990, obrigando as autoridades brasileiras a celebrarem, em 1998, um acordo com o
Fundo Monetário Internacional quanto às metas aplicáveis ao resultado fiscal.
Pouco tempo depois, foi promulgada a Lei Complementar nº. 101/2000, mais
conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe sobre a
responsabilidade na gestão e aplicação dos recursos públicos. Com isso, criou-se
13
para a União, estados e municípios a obrigação de controlarem suas despesas,
conforme a expectativa de receita para determinado exercício financeiro, tendo em
vista a meta de superávit primário estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO).
No entanto, é somente após 2003 que a relação dívida/PIB deixa de ser
ascendente, apesar do esforço fiscal praticado de 1999 a 2002, no intuito de atingir
as metas primárias para cada ano. Observa-se, então, a elevação das taxas de
FBCF da administração pública, principalmente nos anos posteriores a 2005,
quando o indicador supera a marca de 2% do produto interno bruto (PIB).
Partindo-se do pressuposto que o investimento público tem se mostrado a
variável de ajuste da política fiscal, pois, suscetível a fortes oscilações,
diferentemente das despesas correntes, a hipótese a ser testada é de que a política
de gastos e receitas foi predominantemente pró-cíclica, isto é, atrelada de forma
direta à fase momentânea do ciclo econômico, exceto em 2009, quando o Governo
Federal atuou deliberadamente no sentido de atenuar os reflexos negativos da crise
financeira americana.1
Para tanto, são etapas indispensáveis da dissertação: discutir, com base na
literatura sobre o assunto, a questão dos estímulos à atividade econômica
decorrentes da intervenção estatal, contrapondo as visões neoclássica e keynesiana
– objeto do capítulo um; contextualizar a discussão em meio ao cenário político e
econômico da época examinada, o que será feito no capítulo dois; e analisar dados
relativos à política fiscal empreendida dentro do período delimitado, a fim de
verificar, dentre outros aspectos, o peso das despesas discricionárias no orçamento
geral da União, bem como a condução de tal política em face do ciclo econômico
(temática do capítulo três). Por fim, serão explicitadas as conclusões originárias do
presente estudo.
1 Os dados mostram que em 2001, quando o crescimento real do Produto Interno Bruto foi de 1,31%, a formação bruta de capital fixo do setor público aumentou 11,78%. Pretende-se analisar, no capítulo três, a questão da intencionalidade de empreender política fiscal anticíclica.
14
CAPÍTULO 1 - ENFOQUES TEÓRICOS A RESPEITO DA EFICÁC IA DA POLÍTICA
FISCAL
O intento deste capítulo é apresentar os conceitos da visão mainstream que
são norteadores da política fiscal recente, em contraposição à proposta teórica de
Keynes e seus adeptos. Para Carvalho (2008), muitas vezes os ensinamentos de
Keynes têm se confundido com uma visão de economia apoiada na concepção de
preços e salários rígidos, cujo ajuste é feito por intermédio de mudanças de
quantidades, ao invés de preços, como preconiza a teoria clássica. Além disso, o
autor cita o equívoco cometido pelos que identificam o “keynesianismo” como sendo
uma atitude permissiva com relação à intervenção estatal na economia e
despreocupada com a geração continuada de déficits públicos.
A seção 1.1 trata de descrever as implicações de uma expansão fiscal sobre
a taxa de juros e o produto, no âmbito do modelo IS-LM, assim como aborda a tese
da centralidade do equilíbrio das contas públicas para a estabilidade
macroeconômica. A seção 1.2, por sua vez, resgata ideias do pensador John
Maynard Keynes e da corrente pós-keynesiana a respeito do caráter instável do
investimento numa economia empresarial, em meio às incertezas quanto ao futuro.
Por isso, justificar-se-ia a intervenção governamental, a fim de assegurar o nível de
demanda efetiva condizente com o pleno emprego.
Seção 1.1 - A visão teórica convencional: o efeito crowding out e a
questão da centralidade da política fiscal
O arcabouço teórico do IS-LM se originou de artigo publicado em 1937, por
John Hicks, que procurou sintetizar as principais ideias do livro Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda, escrito por John Maynard Keynes. Naquele trabalho,
Hicks relacionava o funcionamento dos mercados de bens, monetário e de ativos,
por meio de um sistema equações e de representação gráfica das respectivas
curvas. (ANDRADE; MAGALHÃES, 2004).
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De um lado, a curva IS, cuja sigla significa investiment-saving (investimento-
poupança), é a reprodução das combinações de taxa de juros e renda que conferem
equilíbrio ao lado real da economia, isto é, ao mercado de bens. De outro, a curva
LM (liquidy money) simboliza o equilíbrio no mercado monetário, ou a igualdade
entre oferta e demanda de moeda.
O traçado da IS é decrescente, devido à relação entre taxa de juros e
investimento ser inversamente proporcional. Assim, quanto mais altos os juros
menor será a magnitude do investimento e vice-versa. Logo, a renda cairá ou
aumentará em resposta à queda ou ao aumento do investimento e, por conseguinte,
será determinado um novo ponto de equilíbrio entre a oferta agregada e a demanda
agregada.
É de suma importância ainda mencionar o conceito do multiplicador
keynesiano de gastos, que foi incorporado à curva IS. Com base em Keynes (2007),
o tamanho do efeito da variação do investimento sobre a renda é maior ou menor
conforme aumenta ou diminui a propensão marginal a consumir, que seria um
número situado na faixa de zero a um, pois o consumo cresce com a renda, mas
não na mesma proporção.
Com isso, dependendo da amplitude do multiplicador, um pequeno
incremento no gasto autônomo (aquele que não se relaciona com as variáveis
endógenas, a saber, taxa de juros e renda) ou uma diminuta queda dos juros
poderiam resultar em expansões aceleradas da renda. Em termos geométricos, a
primeira medida deslocaria a IS para a direita, visto que certo nível de taxa de juros
corresponderia agora a uma renda mais elevada, enquanto a segunda ocasionaria
movimentos ao longo da curva.
No tocante à LM, seu desenho é uma linha crescente. Dado que a oferta de
moeda é fixa pela autoridade monetária, o movimento da curva é explicado pela
demanda por moeda, a qual varia em função da renda e da taxa de juros, segundo
os motivos transação e portfólio.
Quanto ao motivo portfólio ou especulação, a taxa de juros é o custo de
oportunidade de se reter moeda, portanto, maiores níveis daquela implicam menor
quantidade demandada. No que se refere ao motivo transação, à medida que a
16
renda se eleva, a demanda por moeda aumenta numa dada proporção, para um
dado nível de taxa de juros.
Assim sendo, o crescimento da renda gera um incremento na demanda por
moeda pelo motivo transação, que provoca a elevação da taxa de juros, caso a
oferta monetária não se altere.
Compete esclarecer que o breve resgate de conceitos do modelo IS-LM é
necessário, por ora, a fim de que se possa refletir sobre o efeito crowding out,
argumento da teoria ortodoxa contrário à expansão do dispêndio público.
Supondo um modelo de economia fechada e com governo, uma política de
expansão do gasto governamental corrente provocaria o aumento da renda na
magnitude do efeito multiplicador. Entretanto, tende a crescer, com a elevação da
renda, a demanda por moeda pelo motivo transação, pressionando a taxa de juros
para cima, na hipótese de a autoridade competente não ampliar a base monetária.
Então, o investimento se retrai e acarreta a contração da renda.
Desta forma, os críticos da política fiscal keynesiana que se baseiam no efeito
crowding out atribuem ao gasto público a responsabilidade pela “expulsão” do
investimento privado. Lopreato (2006, p.20), ao analisar o enfoque tradicional
referente à política fiscal, descreveu também as implicações para uma economia
aberta.
O efeito crowding-out explica o menor valor dos investimentos e, por outro lado, ocorre a deterioração do saldo da conta corrente graças à valorização da taxa de câmbio induzida por taxas de juros mais elevadas. Assim, o efeito positivo do aumento do déficit público no consumo e na renda não se mantém no longo prazo. O aumento do déficit público e, conseqüentemente, a menor taxa de poupança nacional reduz o crescimento do investimento e do estoque de capital, deixando como resultado apenas o aumento da taxa de juros.
Na visão da teoria clássica, a política fiscal é ineficaz para influenciar
variáveis reais da economia, como o produto e o emprego, todavia, é causadora de
mudanças na taxa de juros e nos preços. A premissa subjacente é de que a
economia opera no equilíbrio de pleno emprego, logo, não se conjectura haver
insuficiência de demanda efetiva, como foi aventado por Keynes (2007).
As hipóteses dos “mundos teóricos” clássico e keynesiano receberam
tratamento no arcabouço IS-LM, sendo casos particulares em que a curva LM é
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desenhada na vertical ou na horizontal, respectivamente. No primeiro, a demanda
por moeda é totalmente inelástica em relação à taxa de juros, ao passo que, no
segundo, é infinitamente elástica.
Ocorre que a política fiscal tem efeitos distintos para os clássicos e
keynesianos. No caso especial com a LM vertical, a política fiscal é inócua, porque
com o deslocamento da curva IS não há qualquer elevação da renda, apenas da
taxa de juros. Com relação ao caso keynesiano, a política fiscal é eficaz, visto que
gera incrementos na renda da amplitude do efeito multiplicador.
Verificou-se o efeito crowding out pela aplicação do esquema IS-LM, o qual,
embora tenha perdido terreno no espaço acadêmico, permanece enquanto
instrumental útil para se avaliar os desdobramentos da política econômica e para
fins didáticos, como observam Andrade e Magalhães (2004). Segundo eles, o
apogeu do IS-LM ocorreu ao longo da “era keynesiana”, nos anos 1960, nos Estados
Unidos. Contudo, data de meados da década de 1970 o início de um processo de
declínio, quando tal modelo sofreu a crítica (teórica e empírica) de Lucas e de
associados aos modelos keynesianos e monetaristas da época, de modo paralelo
aos eventos que estavam ocorrendo na disciplina Macroeconomia.
Lopreato (2006) identificou, na abordagem mainstream mais recente, certo
consenso teórico em torno das expectativas racionais, conceito ligado à escola Novo
Clássica. Estabeleceu-se a ideia de que as autoridades econômicas, ao escolherem
as medidas que serão implantadas, têm de levar em consideração a repercussão
das decisões nas expectativas dos agentes, os quais assumirão posturas distintas
conforme a sua avaliação da política vigente e crença na continuidade da estratégia
adotada.
No que concerne à política fiscal, o estágio atual da teoria dominante destaca
as inter-relações das variáveis econômicas com os fundamentos fiscais, bem como
sugestiona que os problemas são superados somente por meio da restauração da
confiabilidade na trajetória sustentável das contas públicas. Denota, pois, que a
política econômica responsável deve garantir a credibilidade da política fiscal,
condição indispensável ao restabelecimento da confiança dos agentes, que agem de
acordo com os padrões previstos nos modelos de expectativas racionais
(LOPREATO, 2006).
18
Evidenciou-se, nos dois parágrafos anteriores, um entendimento alternativo
às interpretações do esquema IS-LM, pelo qual foi demonstrado o efeito crowding
out, e da curva de Phillips, que expõe o trade-off entre inflação e desemprego. Uma
política caracterizada por déficits públicos não seria apenas causadora de inflação e
de modificações na composição da demanda agregada (decorrente da “expulsão” do
investimento privado), pois também viria a interferir na expectativa dos indivíduos
quanto ao futuro das variáveis macroeconômicas.
Deste modo, a centralidade da política fiscal torna incontestável
[...] o esforço fiscal capaz de incutir confiança aos investidores e de atender os interesses de valorização financeira. A crença na trajetória de solvência da situação fiscal emerge como o pilar da estabilidade macroeconômica, que é a base a partir da qual os investidores definem as suas ações, responsáveis, de acordo com essa visão, por impulsionar o crescimento. (LOPREATO, 2006, p. 8-9). (grifo do autor)
Nesse sentido, Franco (1998) segue em defesa da tese de que a dinâmica
básica do desenvolvimento depende da elevação da produtividade e prescinde das
ações de governo, que se torna coadjuvante, pois o progresso e o crescimento são
obtidos na esfera privada. Com isso, há o deslocamento das prioridades dos
programas e despesas para os indicadores sociais e econômicos, assim como os
grandes projetos de investimento acontecem à proporção que o setor privado confia
na sustentabilidade de um quadro macroeconômico básico, visto que o governo
deixa de ser o agente primordial do processo.
Um fator determinante para o desenvolvimento do país, segundo Franco
(1998), seria a inserção externa da economia brasileira, na contramão do
protecionismo que vigeu durante o processo de substituição de importações. Ainda
com base no autor, a decadência do antigo modelo de industrialização explica a
estagnação da taxa de crescimento da produtividade e a instabilidade econômica
vividas nos anos 1980. E, complementa:
[...] um projeto conseqüente (portanto, livre de charlatanismo populista) de crescimento com redução da pobreza e da concentração de renda, haverá de ter como elemento central a aceleração da taxa de crescimento da produtividade, o que, necessariamente, haverá de ter lugar com a superação da SI e aprofundamento do processo de abertura. (FRANCO, 1998, p.127)
19
Em condições de abertura financeira e de mobilidade de capital, o papel de
defesa da valorização do capital, delegado à política fiscal, ganhou relevo no campo
da teoria dominante. Diante dos crescentes fluxos financeiros internacionais, os
Estados nacionais atuaram de maneira a assegurar a rentabilidade dos títulos da
dívida pública, ofereceram salvaguardas aos bancos e empresas nas crises, bem
como defenderam a lucratividade de outros ativos atraentes ao capital (LOPREATO,
2006).
Assim sendo, a trajetória esperada da situação fiscal veio a se tornar fator
preponderante para as decisões privadas, o qual é responsável por constantes
reavaliações das posições ativas e ríspidos movimentos de capital. Pode-se, pois,
traçar um paralelo entre esta interpretação e a experiência brasileira durante a
década de 1990. Na opinião de Franco (2005, p.276)
[...] era fundamental que se tivesse clareza de que estávamos na presença de condições fiscais melhoradas, mas ainda muito frágeis, que facilmente caracterizavam o que a literatura técnica conhece como “dominância fiscal”, ou seja, uma situação onde o déficit fiscal, ou mais precisamente a rolagem da dívida pública determinava a taxa de juros.
Perante as circunstâncias narradas por Franco (2005), a ausência de ajuste
fiscal reforçaria a rigidez da política monetária, de modo a configurar o efeito
crowding out, ou seja, a substituição do investimento privado e das exportações na
composição da demanda agregada.
Com isso, o comportamento esperado do indicador dívida/PIB sinaliza ao
mercado a trajetória da situação fiscal. Se os cenários apontarem riscos, caso o
endividamento aumente bruscamente ou atinja um patamar considerado elevado, a
política fiscal teria de ser revista, visando obter o superávit primário condizente com
a estabilização da relação dívida/PIB e garantir a política de sustentação da
estabilidade (LOPREATO, 2006).
Expostos os argumentos pertencentes à teoria convencional, cujo fio condutor
do qual descende é a tradição neoclássica, deduz-se que não compete à política
fiscal instrumentalizar a gestão da demanda agregada, ao contrário do que preceitua
a visão keynesiana. Em conformidade com aquela, a política fiscal deve criar um
20
ambiente propício à estabilidade e estabelecer a credibilidade da política econômica,
porque somente assim contribuirá para o crescimento sustentável.
Portanto, a expressão “centralidade da política fiscal”, como bem observou
Lopreato (2006), não quer dizer que tal política desempenha papel ativo na
administração da demanda agregada e do ciclo econômico. Diferentemente, significa
que o resultado das contas públicas, sobretudo, a solvência da dívida, é visto como
elemento central no que diz respeito à orientação dos investidores. Assim,
alterações de cenário podem repercutir no prêmio de risco, no câmbio e na taxa de
juros dos países com maior vulnerabilidade e, por conseguinte, acarretar inflação e
deter o crescimento.
Seção 1.2 - A proposta de Keynes e dos pós-keynesia nos
A análise desenvolvida por Keynes acerca do funcionamento do sistema
capitalista trouxe inovações quanto à maneira de interpretar o comportamento
agregado da economia. O referido autor, ao comparar sua teoria com o ideário
clássico do equilíbrio de pleno emprego, confere a este o status de caso particular
daquela, assim como utiliza o termo geral para simbolizar a abrangência da teoria
por ele elaborada.
Segundo Carvalho (2008), Keynes teria escrito a Teoria Geral do Emprego do
Juros e da Moeda para dar conta de explicar as deficiências da demanda agregada,
embora tenha ainda reconhecido, no último capítulo do livro, outro problema central
do capitalismo moderno: a concentração de renda e riqueza que separa as classes
sociais.
De acordo com Keynes (2007), a atividade econômica pode operar em um
ponto de equilíbrio abaixo do que caracterizaria o pleno emprego, situação que
tende a ocorrer quando existe insuficiência de demanda efetiva. Tal equilíbrio
keynesiano, dado conceitualmente pela interseção das funções de oferta agregada e
de demanda agregada, sofre mutações frequentemente, conforme os agentes
revisam, periodicamente, suas expectativas.
A construção de uma teoria centrada na demanda é a antítese do enunciado
da Lei de Say, pelo qual as condições de oferta são responsáveis por criar as de
21
procura. Diversamente dos “clássicos”, Keynes vislumbrou a possibilidade de existir
desemprego involuntário da mão de obra, pois a determinação da quantidade de
emprego deriva do funcionamento do mercado de bens.
Com fundamento no princípio da demanda efetiva, a instabilidade sistêmica
decorre do fato de que as decisões de investimento são tomadas num ambiente de
incerteza com relação ao futuro, baseadas no fluxo de rendas que se espera obter
dos bens de capital passíveis de serem incorporados, em comparação com o custo
de reposição deste capital. A relação descrita representa o conceito de eficiência
marginal do capital, que nas palavras de Keynes (2007, p. 115) é “[...] a taxa de
desconto que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas
desse capital, durante toda sua existência, exatamente igual ao seu preço de oferta.”
Existe ainda um componente autônomo na decisão de investir, o qual Keynes
(2007) apelidou de animal spirits (espírito animal), uma espécie de otimismo
espontâneo independente do cálculo estritamente econômico. Enquanto os
indivíduos dotados de espírito empreendedor são mais propensos a assumir os
riscos do investimento produtivo, gerando empregos e renda, os mais cautelosos
preferem conservar sua riqueza em ativos seguros e líquidos, como, por exemplo, a
moeda. Em economias monetárias, nas quais a moeda é uma forma alternativa de
riqueza, a disposição do empresariado para produzir e investir
[...] diminuirá sempre que houver razões para temer-se que a demanda agregada será insuficiente para absorver a produção ou quando o futuro se tornar excessivamente opaco para permitir que se faça previsões de demanda com algum grau de confiança. Nesse caso, ao invés de converter seus recursos monetários em fatores de produção, eles preferirão retê-los na forma de moeda. (CARVALHO, 2008, p. 14).
Para Keynes (2007), a liquidez inerente à moeda é salvaguarda contra a
incerteza que permeia a economia, por isso influencia decisões dos agentes
econômicos, dentre as quais, o investimento. À medida que a decisão de investir é
comprometida, porque as pessoas preferem, diante de um futuro incerto, reter
moeda a realizar investimento produtivo, o crescimento da renda e do emprego se
restringe. Desta forma, a moeda não é neutra, pois é ela “[...] que articula no tempo
tais decisões e resultados, num contexto de tempo histórico, diferentemente do
tempo lógico dos ortodoxos.” (MOLLO, 2004, p. 336).
22
Adicionalmente, a taxa de juros, que depende da preferência pela liquidez e
da oferta monetária, é o outro fator determinante do investimento. Denota que,
ceteris paribus, oscilações na taxa de juros provocam movimentos inversamente
proporcionais na variável investimento. Todavia, no sistema econômico, onde
variações na quantidade de moeda interferem nas decisões, esse efeito não está
garantido, pois
embora seja de esperar que, ceteris paribus, um aumento na quantidade de moeda reduza a taxa de juros, isto não ocorrerá se a preferência do público pela liquidez aumentar mais que a quantidade de moeda; e, conquanto se possa esperar que, ceteris paribus, uma baixa na taxa de juros estimule o fluxo de investimento, isto não acontecerá se a escala da eficiência marginal do capital cair mais rapidamente que a taxa de juros; [...] (KEYNES, 2007, p. 141).
Em outra passagem, o autor expõe seu ceticismo a respeito da capacidade de
a política monetária estimular um fluxo adequado de investimento e sugere que o
Estado assuma uma crescente responsabilidade na organização direta dos
investimentos, caso flutuações de grande magnitude na eficiência marginal do
capital não possam ser compensadas através de alterações na taxa de juros.
Encontrando-se o Estado em situação de poder calcular a eficiência marginal dos bens de capital a longo prazo e com base nos interesses gerais da comunidade, espero vê-lo assumir uma responsabilidade cada vez maior na organização direta dos investimentos, ainda mais considerando-se que, provavelmente, as flutuações na estimativa do mercado da eficiência marginal dos diversos tipos de capital, calculada na forma descrita antes, serão demasiado grandes para que se possa compensá-las por meio de mudanças viáveis na taxa de juros. (KEYNES, 2007, p.135).
Carvalho (2008) sublinha que a política fiscal pode induzir variações no gasto
privado, por alterações na imposição de tributos, ou operar diretamente pela
complementação de gastos. Destarte, o Estado possui meios para compensar a
diminuição da demanda agregada, se os agentes privados recuarem de seus planos
de dispêndio em consumo ou investimento.
Eis o ponto que tem suscitado amplo debate nos meios acadêmicos e
políticos, em razão de interpretações equivocadas acerca do que seria a política
fiscal prescrita por Keynes, a qual é associada, por vezes, à ocorrência de
desequilíbrios orçamentários. Conforme afirma Carvalho (2008), a teoria keynesiana
23
não pactua com o desequilíbrio fiscal. Keynes teria inclusive propugnado a
separação em dois orçamentos estatais, a saber, um de gastos de correntes e outro
de gastos de capital.
O orçamento corrente, cujo intento seria garantir a oferta de bens públicos,
deveria estar sempre equilibrado, enquanto o de capital, onde se enquadram os
investimentos, teria a incumbência de regularizar a demanda agregada, quando esta
se distanciasse do pleno emprego. Logo, a segregação entre os dois orçamentos
cumpria o papel de separar as funções de Estado que não podem ser adiadas ou
suprimidas, nem mesmo provisoriamente, daquelas de teor anticíclico (CARVALHO,
2008).
À luz dos ensinamentos de Keynes, Ferrari Filho e Terra (2010, p.6)
ponderam que o orçamento de capital é
[...] construtor de seu superávit, ao longo termo. Para o equilíbrio das finanças públicas basta que não se incorra em déficit corrente, uma vez que os superávits demandados no orçamento corrente financiam eventuais déficits no orçamento de capital, no curto prazo, bem como os retornos dos investimentos públicos realizados tendem a equilibrar, no longo prazo, o próprio orçamento de capital.
De fato, uma política de gastos expansionista que induza o crescimento do
produto tende a aumentar a arrecadação de impostos ou a poupança disponível
para financiar eventuais déficits, por intermédio da colocação de títulos públicos. Os
efeitos estão relacionados aos conceitos do multiplicador keynesiano do gasto e da
igualdade entre investimento e poupança.
Conforme Keynes (2007) elucidou, dada a propensão marginal a consumir de
uma coletividade, certa variação no investimento provoca um incremento, de
amplitude do efeito multiplicador, na renda, que, por sua vez, gerará montante de
poupança igual ao investimento inicial. De modo diferente, os teóricos da economia
clássica pensavam que a conversão da poupança (pré-existente) em investimento
ocorria mediante movimentos na taxa de juros. Assim, se a oferta de recursos fosse
superior à demanda, a queda na taxa de juros trataria de igualar as duas
quantidades; se fosse inferior, os juros se elevariam.
Portanto, a concepção da política fiscal proposta por Keynes não é conivente
com a irresponsabilidade, ou seja, não avaliza práticas que acarretem desequilíbrio
24
permanente das contas públicas. Desta forma, déficits fiscais são “[...] instrumentos
de último recurso, a serem utilizados se e quando os mecanismos mais adequados
falhassem na sustentação da demanda agregada.” (CARVALHO, 2008, p. 24).
Ademais, Keynes acreditava na compatibilidade entre expansão do gasto
público e equilíbrio fiscal, uma vez que o resultante crescimento da renda pode
financiar o dispêndio efetuado. De acordo com Carvalho (2008), se a busca pelo
equilíbrio fiscal caminhar no sentido oposto, isto é, por meio do aumento da
tributação ou do corte de despesas, numa economia onde há desemprego, tal
política resultará em contração da renda, com reflexos negativos sobre a
arrecadação. Como corolário, o equilíbrio entre receitas e despesas será
eventualmente encontrado a um menor nível de produto.
Outra questão a ser discutida tem a ver com a associação da política fiscal
com a inflação. Na visão de Carvalho (2008), deve-se avaliar se a economia está em
pleno emprego, porque, neste estágio, o somatório das demandas pública e privada
será superior à capacidade produtiva do país, circunstância que provoca pressões
inflacionárias.
Patenteia-se, pois, que as medidas de cunho fiscal devem ter caráter
contracíclico, de maneira a contrarrestar as oscilações da demanda agregada.
Ferrari Filho e Terra (2010, p. 6) entendem que
[...] a principal tarefa do estabilizador automático seria o de prevenir largas flutuações por meio de um programa estável e contínuo de investimentos de longo prazo. Não seria sua função socorrer a um pico ou um vale de uma trajetória do sistema econômico, mas evitar que picos ou vales existam. (grifos dos autores).
Assim sendo, ao evitar que os vales e picos existam no curto prazo, o
governo estaria preocupado tanto com a insuficiência de demanda quanto com o seu
excesso. Disto se pode inferir que o orçamento de capital, o qual é composto por
despesas discricionárias, desempenharia o papel de regulador da demanda efetiva,
enquanto o orçamento corrente limitar-se-ia aos bens e serviços essenciais, a fim de
que se preserve o equilíbrio fiscal e se evite a aceleração da inflação.
Segundo Ferrari Filho e Terra (2010), deve haver complementaridade entre as
iniciativas privadas e públicas de investimento, sendo que estas devem ser indutoras
daquelas, assim como estabilizadoras das flutuações cíclicas do sistema econômico.
25
Afinal, a política fiscal deve atuar sobre as expectativas dos agentes, as quais são o
fator desestabilizador da economia empresarial.
Embora criticasse a teoria econômica clássica, assinalando o fato de que as
hipóteses desta quase nunca são satisfeitas, Keynes (2007) não teria aconselhado a
transição para um sistema em que o Estado assumisse a propriedade dos meios de
produção. Na realidade, ao se referir à expressão “socialização do investimento”, o
autor tinha em mente uma maneira de conduzir a atividade econômica até a
proximidade do nível de pleno emprego.
Eu entendo, portanto, que uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique na necessidade de excluir ajustes e fórmulas de todas as espécies que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. (KEYNES, 2007, p. 288).
Finalmente, tão logo fosse estabelecido o volume de produção agregado
equivalente ao pleno emprego, o arcabouço teórico clássico faria novamente
sentido. Desta forma, Keynes (2007) entendia que não há outra razão para socializar
a vida econômica, senão prover a necessidade de um controle central para ajustar a
propensão marginal a consumir e o estímulo para investir.
Enquanto a teoria convencional enxerga na austeridade fiscal um indicador
capaz de sinalizar aos agentes econômicos o compromisso com a estabilidade
macroeconômica, que propiciaria um ambiente adequado para o investimento
privado, Keynes e os pós-keynesianos, diversamente, propõem a intervenção estatal
justamente para atenuar as flutuações relacionadas ao ciclo econômico, as quais
são provocadas pela instabilidade do investimento numa economia tipicamente
monetária. Como foi dito, nesta o equilíbrio entre a oferta e a demanda agregadas
pode ocorrer num ponto abaixo do nível de pleno emprego dos fatores produtivos,
devido à insuficiência de demanda efetiva, o que justificaria a adoção de medidas de
administração da demanda agregada pelo Estado.
Considera-se, pois, cumprida a pretensão deste primeiro capítulo, qual seja a
de apresentar ao leitor divergências de concepção acerca do papel que compete ao
Estado na economia, à luz de vertentes teóricas distintas, especialmente sob o
prisma da política fiscal. A seguir, será desenvolvido um capítulo de
contextualização, a fim de embasar a análise de dados feita no capítulo três.
26
CAPÍTULO 2 - CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO
O período sob exame foi marcado por inúmeras transformações no campo
socioeconômico, dentre as quais são passíveis de destaque: aprofundamento das
reformas no aparato estatal; crescente abertura comercial e financeira; controle da
inflação; introdução de mecanismos saneadores do desequilíbrio fiscal do setor
público, tais como a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF e o estabelecimento de
metas para o superávit primário; expansão dos gastos sociais, inclusive as
transferências de renda focalizadas nas famílias de baixa renda; e redução da
disparidade de renda, que propiciou a ascensão social de segmentos mais pobres
da população brasileira.
Nos dezesseis anos contados a partir de 1995, o Brasil foi governado pelos
presidentes: Fernando Henrique Cardoso (FHC), filiado ao Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), e Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), ligado ao Partido
dos Trabalhadores (PT). O social democrata governou a nação de 01° de janeiro de
1995 a 31 de dezembro de 2002, ou seja, por dois mandatos, acontecimento
semelhante ao ocorrido com Lula, que esteve no comando do país de 01° de janeiro
de 2003 a 31 de dezembro de 2010.
Em virtude das diferenças de concepção de política econômica existentes
entre os governos, inclusive sob uma mesma bandeira partidária, o presente capítulo
está subdividido em cinco seções, sendo os itens 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4 correspondentes
a cada mandato presidencial e o 2.5 uma síntese dos principais acontecimentos do
período 1995-2010.
Seção 2.1 - O Primeiro Governo FHC: 1995-1998
Os quatro anos inaugurais da gestão do presidente FHC evidenciaram a
ampliação das reformas neoliberais iniciadas durante o Governo Fernando Collor,
bem como o esforço para manter a estabilidade do real, moeda em vigor a partir de
01° de julho de 1994.
27
No que concerne às reformas, destaca-se a continuidade das privatizações,
em sintonia com os preceitos do Programa Nacional de Desestatização (PND),
instituído pela Lei nº. 8.031, de 12 de abril de 1990, o qual visava, primordialmente,
reordenar o papel do Estado na economia. No intervalo 1995-1998, as principais
áreas abarcadas pelo processo foram a de telecomunicações e energia, na
expectativa de que, com a transferência de propriedade para o setor privado, o
investimento naqueles segmentos pudesse ser alavancado.
Não cabe aqui descrever detalhadamente os meandros, nem ajuizar quanto à
pertinência e efetividade das ações tomadas, mas apenas sublinhar a intenção
subjacente ao programa, de estreitar a intervenção estatal na seara econômica. Ao
mesmo tempo, o governo defendia a desregulamentação dos mercados, objetivando
criar um ambiente competitivo e atrair o financiamento externo.
Em meio ao contexto delineado, foi concebido o Plano Real, cuja
operacionalização ocorreu em três etapas: ajuste fiscal prévio; instituição da URV –
Unidade Real de Valor, moeda indexada que cumpriria a função de unidade de
conta; e a reforma monetária, propriamente dita, quando passou a viger o novo meio
de pagamento. Apesar de os três estágios terem transcorrido no Governo Itamar
Franco, a defesa da estabilidade da moeda se tornaria um desafio para as próximas
gestões presidenciais.
No início dos anos 1990 havia a memória recente das tentativas realizadas
desde o Plano Cruzado, lançado em 1986, as quais não obtiveram êxito quanto ao
seu objetivo de cessar a inflação inercial. Pelo contrário, após um breve sucesso
inicial dos planos, o efeito era o recrudescimento inflacionário, ao mesmo tempo em
que a atividade econômica permanecia estagnada.
Segundo Belluzzo (1999), a origem de tal processo inflacionário crônico
experimentado pelo Brasil e por outras economias latino-americanas está
relacionada ao colapso do financiamento externo, pós 1979, como resultado da
defesa do dólar pelo Federal Reserve e da estabilização da economia americana, e
à correspondente crise fiscal gerada quando os programas de ajustamento foram
postos em prática.
Um fator crucial, enfatizado pelo autor, a ser considerado para o bom
funcionamento da economia, é o grau de confiança dos agentes na moeda e na
28
capacidade de esta desempenhar suas funções de meio de troca, unidade de conta
e reserva de valor. Ao invés disso o que se verificou nos anos de instabilidade
macroeconômica foi a descrença na moeda enquanto convenção, comportamento
traduzido no encurtamento do horizonte temporal relativo a tomada de decisões.
Esse fenômeno expressou-se mediante a freqüente revisão das decisões de preços, a concentração de acumulação de riqueza nos instrumentos indexados e dotados de liquidez instantânea e, finalmente, para fins práticos, no desaparecimento do crédito. Tal situação limitava severamente os poderes da política monetária. A limitação se traduzia na incapacidade de construir um ambiente econômico que encaminhe as decisões privadas ao investimento produtivo e à fixação de preços fundada nos critérios de custo de produção e de margens “normais” de lucro. (BELLUZZO, 1999, p. 83).
Logo, políticas de estabilização bem sucedidas devem sinalizar a longo prazo,
bem como convencer o público a respeito da correção do regime monetário e fiscal.
Vislumbra-se, portanto, o diferencial do Plano Real em relação aos demais planos
executados entre 1986 e 1994.
Para Belluzo (1999), a estratégia básica do Plano Real consistiu na
estabilização da taxa de câmbio nominal, a qual foi sustentada pelo financiamento
adequado em moeda estrangeira e por um montante em reservas capaz de inibir a
especulação contra a paridade estabelecida. Ainda com base no autor, o aumento
da liquidez internacional observado no começo dos anos 90, fruto de políticas
monetárias cujo propósito era contrabalançar os efeitos da recessão americana e da
crise japonesa, assim como as novas oportunidades de aplicação rentável do capital
em mercados emergentes, foram circunstâncias decisivas para a consecução do
Plano.
Em conformidade com Belluzzo e Coutinho (1996), a adequação dos países
emergentes à agenda de reformas conhecida como “Consenso de Washington” nos
anos 1990, em meio ao abundante influxo de capitais privados, ensejou a execução
de programas de estabilização que se utilizaram da “ancoragem” cambial, os quais
obtiveram êxito no combate à inflação, ao contrário de seus antecessores.
Embora a inflação tenha sido debelada, a manutenção do real artificialmente
valorizado desequilibrou a balança comercial e, por conseguinte, a conta de
transações correntes, haja vista a tendência historicamente deficitária da balança de
29
serviços. Paralelamente, a prática de taxas de juros reais elevadas, visando
estimular o ingresso do capital externo necessário para financiar o balanço de
pagamentos e conter a expansão consumista, inibiu o investimento produtivo
privado, onerou as finanças públicas em nível incompatível com as receitas
arrecadadas, além de tornar o país mais vulnerável a crises externas.
Para se ter uma ideia, foi no período em que se operacionalizou a chamada
“âncora cambial” que a taxa básica de juros alcançou os maiores patamares vistos
no intervalo pós Plano Real, como relatam Ferrari Filho e Terra (2010, p. 9):
[...] entre 1995 e dezembro de 1998, a taxa de juros acumulou uma média anual equivalente a 36,4%, enquanto que, entre 1999 e 2009 – regime de “metas de inflação” e câmbio flutuante – a média alcançou 17,6% anuais.
De acordo com Franco (2005), a calibração dos juros em níveis elevados foi
um artifício que permitiu a rolagem da dívida interna, num regime de “dominância
fiscal”, e ajudou a contrapesar o impacto expansionista provindo da estabilidade.
Como resultado, o autor ressalta que a apreciação do real em relação ao dólar,
dentro do sistema de “bandas cambiais”, o qual vigorou até 1999, auxiliou no
processo de estabilização, mas levantou preocupações e polêmicas quanto ao futuro
das contas externas.
Ao final de 1998, momento em que o país vivia o clima de eleição
presidencial, a estratégia de combate à inflação que ratificara a reeleição de FHC no
referido pleito teve que ser revista, em virtude de acordo firmado junto ao Fundo
Monetário Internacional (FMI). O saldo das sucessivas crises internacionais
deflagradas - no México, em 1994, na Ásia, em 1997, e na Rússia, em 1998 - foi o
aumento da desconfiança quanto ao financiamento de economias emergentes que
apresentassem déficits fiscais elevados e deterioração da conta de transações
correntes do balanço de pagamentos, o que resultou na interrupção de afluxos de
capital estrangeiro ao Brasil.
Franco explica que o Brasil tirou proveito de circunstâncias externas
excepcionalmente favoráveis para erradicar a inflação, pois: “[...] a magnitude das
entradas de capitais no país nesses anos era tamanha que simplesmente não nos
deixava outra alternativa, especialmente diante da frágil situação fiscal desses
30
anos.” (FRANCO, 2005, p. 277). Contudo, o autor reconhece que a crise asiática e
principalmente a russa trouxeram o imperativo de mudar as políticas domésticas.
Na visão de Belluzzo (1999), a suposição acerca de um fluxo permanente de
financiamento externo de boa qualidade, justificada pelo aumento de confiança nos
mercados financeiros atribuído à estabilização, desconsiderou três questões chave:
a mutabilidade das condições financeiras globais; a reação dos mercados à situação
das nações deficitárias e devedoras; e o risco associado à fuga de capitais.
Destarte, o esgotamento do nível de reservas fez aumentar a expectativa de
desvalorização do câmbio, acarretando diferenciais elevados entre as taxas de juros
domésticas e as internacionais.
Enfim, as medidas monetárias e cambiais do Plano Real repercutiram sobre a
demanda agregada, mediante inibição do investimento privado e do consumo,
estímulo às importações e desestímulo às exportações. A inflação foi controlada,
porém à custa de um baixo crescimento do produto e de distorções nas finanças do
Estado e no balanço de pagamentos, fato evidenciado pela tabela 2.1.
Tabela 2.1 – Indicadores do período 1995-1998
Ano 1995 1996 1997 1998
Variação anual do PIB - deflator implícito
4,42 2,15 3,38 0,04
Inflação medida pelo IPCA 22,41 9,56 5,22 1,65
NFSP nominal Governo Federal - c/ desvalorização cambial - em (%) do PIB
2,38 2,56 2,63 5,40
Saldo da balança comercial (FOB) - em milhões de US$
-3.465,62 -5.599,04 -6.752,89 -6.574,50
Saldo em transações correntes do balanço de pagamentos - em milhões de US$
-18.383,71 -23.502,08 -30.452,26 -33.415,90
Saldo da conta capital e financeira do balanço de pagamentos - em milhões de US$
29.095,45 33.968,07 25.800,34 29.701,65
Fonte: Ipeadata
31
Seção 2.2 - O Segundo Governo FHC: 1999-2002
Perante um cenário externo adverso - depois das crises mexicana, asiática e
russa, que comprometeram o ingresso de divisas pela conta financeira e de capitais
do balanço de pagamentos - e frente à piora dos indicadores fiscais, cujo reflexo foi
a elevação do endividamento do setor público, o Segundo Governo FHC se inicia,
em janeiro de 1999, tendo que enfrentar prontamente as pressões para desvalorizar
a taxa de câmbio.
Não obstante os esforços envidados na área cambial, a desvalorização do
real em relação ao dólar não pôde ser evitada, ocorrendo em meados do primeiro
mês de governo. Todavia, o temor de um surto inflacionário decorrente da variação
no câmbio, tal qual o experimentado pelo México anos antes, não se concretizou.
Embora a desvalorização nominal acumulada entre 1998 e 2002 tenha sido da
ordem de 192%, o equivalente a 30% ao ano, a inflação no mesmo período foi
inferior a 40%, ou 8,8% ao ano (GIAMBIAGI, 2005a).
Conquanto a crise cambial de 1999 possa ser enxergada como uma repetição
de tantas outras ao longo da história brasileira, se distingue das demais por ter
implicado mudanças nos rumos da política econômica, as quais abrangeram os
segmentos monetário, cambial e fiscal, por meio do regime de metas de inflação, do
câmbio flutuante e do ajuste fiscal.
O regime de metas de inflação consiste num mecanismo pelo qual o Banco
Central calibra a taxa básica de juros conforme o diferencial entre o nível vigente de
inflação e a meta deliberada no âmbito do Conselho Monetário Nacional. Desta
forma, cabe à política monetária o condão de promover a convergência do
parâmetro oficial de inflação - atualmente o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) – para o alvo definido.
No que se refere ao câmbio flutuante, o preço de uma unidade monetária
estrangeira, por exemplo, o dólar americano, em reais, passou a ser determinado
pela oferta e demanda de divisas. Contudo, apesar do termo “flutuante”, não está
excluída a possibilidade de o Banco Central intervir pontualmente no mercado
cambial, na posição de ofertante ou demandante de moeda estrangeira, a fim de
estabilizar o movimento da taxa de câmbio num dado momento. O citado regime
32
recebeu a denominação “flutuante sujo”, porque há interferência no livre
funcionamento das forças de mercado.
Em termos práticos, a flutuação do câmbio é responsável por promover o
ajuste das transações correntes do balanço de pagamentos. Se ocorrerem elevados
déficits em transações correntes, o câmbio nominal tende a depreciar, estimulando
as exportações e desestimulando as importações. De modo diverso, se as
transações correntes forem superavitárias, o câmbio nominal tende a apreciar, em
favor das importações e em desfavor das exportações.
Quanto ao ajuste fiscal, os acontecimentos a se destacar são: a reforma
parcial da previdência, a renegociação dos passivos estaduais e a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Com relação ao primeiro, Giambiagi (2005a) menciona que o governo ampliou
a necessidade de tempo de contribuição para os trabalhadores na ativa, estabeleceu
idade mínima para os ingressantes na administração pública, “desconstitucionalizou”
a fórmula de cálculo das aposentadorias concedidas pelo INSS, bem como aprovou
o fator previdenciário. Este foi utilizado para instrumentalizar uma política de
desestímulo a aposentadorias precoces, haja vista que, com a aplicação do fator, o
valor do benefício pago diminui quanto menores forem a idade do segurado e o
tempo de contribuição.
A renegociação dos passivos estaduais teve consequências não desprezíveis
para o ajuste de suas finanças. De acordo com Giambiagi (2005a), as dívidas dos
estados frente ao mercado foram assumidas pela União, em troca do compromisso
de aqueles efetuarem a quitação do débito no prazo de trinta anos, na forma de
pagamentos mensais. Ainda segundo o autor, caso os estados não cumprissem com
o acordado, a União poderia se apropriar de receitas transferidas por intermédio dos
fundos de participação, bem como até mesmo de parcelas do Imposto sobre a
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Por sua vez, a Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, introduziu
mecanismos voltados para a responsabilidade na gestão das finanças públicas, aos
quais a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios ficaram obrigados. Com
fulcro no §1º do artigo 1º da aludida norma, tal responsabilidade
33
[...] pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (grifos adicionados)
Adicionalmente, o §1º do artigo 4º da LRF determina que o Anexo de Metas
Fiscais integre o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO), visto que naquele
“[...] serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas
a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública,
para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.”
Outro ponto essencial da LRF é o controle das despesas com pessoal. Os
artigos 19 e 20 impuseram limites para União, estados e municípios, com base na
receita corrente líquida, sendo os percentuais distribuídos, em cada esfera, pelos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. De fato, nos anos 2000 a razão entre os
gastos do Governo Central com pessoal e encargos sociais e o PIB se estabilizou
em torno de 4,5%, como será demonstrado no capítulo 3.
Conquanto as novas diretrizes possam ter cooperado para aumentar a
credibilidade da política econômica, de outro lado, a exemplo do que ocorrera no
intervalo 1995-1998, a performance do PIB deixou a desejar, como revela a tabela
2.2. Entretanto, é pertinente anotar que o desempenho da economia foi também
influenciado por eventos de ordem interna e externa, dentre os quais: as crises
cambiais brasileiras, em 1999 e 2002; a crise energética; a crise argentina e os
atentados terroristas nos Estados Unidos (os três últimos no ano de 2001).
Sem embargo, no que concerne ao balanço de pagamentos, verifica-se a
alteração de status da balança comercial, a qual voltou a ser superavitária em 2001,
repercutindo para diminuição do déficit em transações correntes. Observa-se ainda,
na tabela 2.2, que o saldo negativo destas torna a ser superado pelos ingressos
mediante a conta capital e financeira, inclusive em 2002, quando o movimento de
capitais se reduziu de US$ 27.052,26 milhões para US$ 8.004,43 milhões.
34
Tabela 2.2 – Indicadores do período 1999-2002
Ano 1999 2000 2001 2002
Variação anual do PIB - deflator implícito
0,25 4,31 1,31 2,66
Inflação medida pelo IPCA 8,94 5,97 7,67 12,53
NFSP nominal Governo Federal - c/ desvalorização cambial - em (%) do PIB
6,87 3,13 3,41 5,87
Saldo da balança comercial (FOB) - em milhões de US$
-1.198,87 -697,75 2.650,47 13.121,30
Saldo em transações correntes do balanço de pagamentos - em milhões de US$
-25.334,78 -24.224,53 -23.214,53 -7.636,63
Saldo da conta capital e financeira do balanço de pagamentos - em milhões de US$
17.319,14 19.325,80 27.052,26 8.004,43
Fonte: Ipeadata
No que diz respeito às finanças públicas, no capítulo 3 será mostrado que
houve elevação da dívida pública durante os anos de 1999 a 2002, não obstante o
esforço fiscal para prática de superávits primários. Depreende-se, pela análise da
tabela 2.2, o efeito da desvalorização cambial sobre as necessidades de
financiamento do setor público, as quais tiveram aumento expressivo nos anos de
1999 e 2002.
Seção 2.3 - O Primeiro Governo Lula: 2003-2006
Às vésperas das eleições de 2002, quando o candidato Luiz Inácio Lula da
Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), despontava como favorito à sucessão
presidencial, dúvidas surgiram quanto à manutenção dos fundamentos que
constituíam o “tripé” da política econômica vigente caso as urnas confirmassem o
resultado das pesquisas de intenção. Havia, naquela época, o receio da decretação
de moratória em 2003, no bojo da adoção de políticas de cunho populista por parte
do governo encabeçado pelo PT, sendo tal instabilidade e a ação especulativa as
prováveis causas da depreciação cambial vista no segundo semestre de 2002.
Contudo, os temores não se justificaram, visto que durante os oito anos de
Governo Lula (2003-2010) o compromisso assumido com a responsabilidade fiscal e
35
com a estabilidade da moeda foi preservado. Na realidade, o ambiente de confiança
na política econômica foi se constituindo em virtude das decisões tomadas a partir
da vitória petista nas eleições presidenciais de 2002.
Na opinião de Giambiagi (2005b), as medidas iniciais que teriam revertido a
favor de Lula as expectativas foram:
a) a nomeação de Henrique Meirelles, ex-presidente mundial do Banco de
Boston, para a presidência do Banco Central do Brasil, conservando-se o
restante da diretoria anterior;
b) o anúncio das metas de inflação para 2003 e 2004, de 8,5% e 5,5%,
respectivamente, inferiores à taxa efetiva observada em 2002;
c) a elevação da taxa básica de juros (SELIC), em reuniões do Comitê de
Política Monetária do Banco Central (COPOM);
d) a definição de meta mais rígida para o superávit primário, que aumentou de
3,75% para 4,25% do PIB;
e) o estabelecimento de cortes do gasto público, a fim de tornar viável o alcance
do objetivo fiscal; e
f) a colocação, na LDO, da intenção de manter a meta anual referente ao
superávit primário, de 4,25% do PIB, até o final de 2006.
Marques e Nakatani (2007) elucidam que a elevação da taxa básica de juros,
ao longo dos primeiros seis meses de 2003, visando conter a alta dos preços e
assegurar o afluxo de capitais externos ao país, combinada com a austeridade fiscal,
causaram o arrefecimento da demanda interna. Os autores advertem, entretanto,
que a melhora do câmbio e o desaparecimento das pressões inflacionárias
possibilitaram, no segundo semestre, a redução da SELIC, que trouxe consigo a
recuperação do nível de atividade.
Apesar da sobrevida ganha na segunda metade do ano, o desempenho do
PIB foi modesto em 2003, tendo variado 1,15% na comparação com o ano anterior
(tabela 2.3). Nos três anos subsequentes, a economia brasileira cresceu a taxas
36
acima de 3% ao ano, mas não sustentou um mesmo ritmo de crescimento, haja vista
que a expansão de 5,71%, em 2004, deu lugar a 3,16% e 3,96%, em 2005 e 2006,
respectivamente.
A inflação, ao contrário, não foi uma decepção, porque houve queda no
período retratado na tabela 2.3. Embora a variação do IPCA relativa a 2003 tenha
superado a meta anual, ainda assim a magnitude do aumento não chegou a dois
dígitos, diversamente de 2002, quando se aproximou de 13% ao ano (para este
dado ver tabela 2.2).
No tocante à área fiscal, as necessidades de financiamento do setor público –
incluída a variação cambial - foram em média menores que no intervalo de 1999 a
2002, ainda que tenham aumentado entre 2004 e 2005. A questão será melhor
explorada em instante oportuno, ao se investigar pormenores do resultado fiscal e
suas implicações para a dívida pública. Por ora, não é possível extrair conclusões
adicionais dos dados apresentados.
Continuando a análise da tabela 2.3, chama atenção o resultado positivo em
transações correntes, algo que não aconteceu durante os dois mandatos de FHC. A
explicação para o fenômeno está na ocorrência de mega superávits comerciais entre
2003 e 2006, decorrentes do comportamento excepcional das exportações, as quais
foram impulsionadas pela boa fase da economia mundial e pelos preços em
elevação das commodities, a despeito da apreciação do real em relação ao dólar.
De fato, os seguidos superávits em transações correntes atenuaram a dependência
do financiamento via conta financeira e de capitais, para equilibrar o balanço de
pagamentos, assim como proporcionaram a redução da dívida externa.
Nesse ínterim, Marques e Nakatani (2007) demonstraram preocupação com
as variáveis explicativas do crescimento econômico brasileiro, diante da
proeminência das exportações para sustentação do nível de atividade. De acordo
com eles, o governo não conseguiu criar condições de crescimento interno que
diminuíssem a dependência da performance do resto do mundo, especialmente da
China, demandante de grande quantidade de matérias primas. Desta forma, o Brasil
teria se beneficiado do boom da economia mundial, mesmo em 2004, ano positivo
para o consumo das famílias e para o investimento.
37
Tabela 2.3 – Indicadores do período 2003-2006
Ano 2003 2004 2005 2006
Variação anual do PIB - deflator implícito
1,15 5,71 3,16 3,96
Inflação medida pelo IPCA 9,30 7,60 5,69 3,14
NFSP nominal Governo Federal - c/ desvalorização cambial - em (%) do PIB
2,32 1,22 3,20 3,05
Saldo da balança comercial (FOB) - em milhões de US$
24.793,92 33.640,54 44.702,88 46.456,63
Saldo em transações correntes do balanço de pagamentos - em milhões de US$
4.177,29 11.679,24 13.984,66 13.642,60
Saldo da conta capital e financeira do balanço de pagamentos - em milhões de US$
5.110,94 -7.522,87 -9.464,05 16.298,82
Fonte: Ipeadata
Devem ser enfatizadas também as nuances da política monetária, certas
horas contracionista, noutras, expansionista.2
Verificou-se que no primeiro semestre de 2003 a taxa SELIC foi majorada,
chegando a 26,5% ao ano. Com a melhora de cenário nos seis últimos meses do
ano, a taxa básica foi reduzida por nove rodadas consecutivas de reuniões do
COPOM, mais precisamente até abril de 2004, quando foi fixada em 16% ao ano. A
SELIC foi mantida neste patamar de abril a setembro, mês em que voltou a
aumentar, sob a justificativa do retorno de pressões inflacionárias.
Ocorreram, desde então, elevações sucessivas nas reuniões do COPOM, até
maio de 2005. Neste mês, a taxa básica de juros alcançou 19,75% ao ano, 3,75%
maior que o nível pré 16 de setembro de 2004.
Todavia, é a partir de setembro de 2005 que a SELIC vivenciou seu declínio
mais acentuado, em se tratando do Primeiro Governo Lula. Em 31 de dezembro de
2006, a taxa de juros nominal anual correspondia a 13,25%, contra 18% no início
deste ano.
Apesar de a tendência dos juros reais ser de queda, pode-se inferir que a
ortodoxia monetária praticada ao longo do período não viabilizou a superação de
2 Dados da política monetária obtidos a partir de: <https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries>.
38
problemas estruturais peculiares da economia brasileira. Para Marques e Nakatani
(2007), a trajetória errática da taxa de crescimento do PIB se manteve, a
participação do investimento na demanda agregada permaneceu baixa, a
capacidade de intervenção do Estado não foi restaurada e a fragilidade a choques
externos e ao movimento do capital especulativo não foi sanada.
No entanto, pode-se dizer que o Primeiro Governo Lula foi um marco para a
política social do tipo assistencialista, a contar da unificação dos diversos programas
existentes – tais como o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e
Auxílio Gás - no Programa Bolsa Família. Este ficou sob a coordenação de apenas
um ministério, diferentemente do que ocorrera durante a gestão presidencial de
FHC, quando a administração de cada um dos programas de transferência de renda
competia a ministérios distintos.
Além da unificação e centralização no Bolsa Família, foram ampliados a
cobertura e os benefícios concedidos. Destaca-se a instituição de uma base fixa
para o valor do benefício, a qual é independente da existência de filhos em idade
escolar. Nas palavras de Marques et al. (2010, p. 271), a fixação da base
[...] pode ser entendida como um pequeno embrião de uma renda mínima. O benefício, somado aos recursos da família, estaria sendo reconhecido como o mínimo para uma família viver. É claro que, para isso de fato ocorrer, seria preciso que o PBF3 fosse um direito e não um programa de governo.
Os autores também avaliaram a abrangência e representatividade do citado
Programa, que beneficiava, em outubro de 2006, cerca de 48 milhões de pessoas,
isto é, mais de um quarto da população estimada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Outrossim, entre janeiro e outubro de 2006, os
recursos do Bolsa Família correspondiam a 15% da transferências federais pelo
fundo de participação dos municípios – FPM.
Merecem ainda relevo a crise política que se instalou no governo em meados
de 2005, derivada do escândalo do “mensalão”, bem como a substituição do ministro
Antonio Palocci por Guido Mantega, no Ministério da Fazenda, em abril de 2006.
3 Programa Bolsa Família.
39
Aquela teve seus desdobramentos a partir da denúncia feita pelo deputado
federal Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sobre um
esquema de desvio de recurso público e compra de votos que envolvia a cúpula do
PT e partidos integrantes da base aliada. Então, foi constituída uma comissão
parlamentar mista de inquérito para tratar do assunto, a qual recebeu a alcunha “CPI
dos correios”.
Resultou das averiguações a cassação do mandato de alguns poucos
parlamentares, a absolvição de outros e renúncias. Outro corolário foi a
reformulação ministerial, que culminou com a saída dos ministros José Dirceu (Casa
Civil) e Antonio Palocci (Fazenda).
Seção 2.4 - O Segundo Governo Lula: 2007-2010
A eleição presidencial de 2006 foi protagonizada pelo candidato à reeleição,
Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, de um lado, e o ex governador do Estado de São
Paulo, Geraldo Alckmin, do PSDB, de outro. A disputa foi vencida por Lula, no
segundo turno, a quem coube a responsabilidade de governar o país de 01° de
janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2010.
Uma das grandes bandeiras de governo, anunciada em janeiro de 2007, foi o
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Dentre seus objetivos, o plano
estratégico teria o condão de
[...] resgatar o planejamento em infraestrutura, retomar investimentos em setores estruturantes, fazer crescer o emprego e a renda, incentivar o investimento público e privado e, principalmente, construir a infraestrutura necessária para sustentar o crescimento do Brasil. Um plano que só teria êxito se houvesse forte articulação no Governo Federal e fosse executado em parceria com estados, municípios e com a iniciativa privada. (PROGRAMA, 2010, p. 3).
Ademais, o Plano Plurianual para o quadriênio 2008-2011 - instituído pela Lei
n° 11.653, de 07 de abril de 2008 - reforçou a relevância do PAC como política
prioritária de governo. Em consonância com o artigo 3°, §1°, I, da aludida lei, a
gestão fiscal e orçamentária e legislação correlata deveriam levar em conta, dentre
outros aspectos, a “elevação dos investimentos públicos aliada à contenção do
40
crescimento das despesas correntes primárias até o final do período do Plano.” E,
com fundamento no §2°, I, os projetos associados ao Projeto-Piloto de Investimentos
Públicos - PPI e ao Programa de Aceleração do Crescimento seriam considerados
prioritários.
Vislumbra-se, portanto, nas entrelinhas dos trechos supracitados, uma
intenção desenvolvimentista por parte do governo, cujo foco teria se deslocado para
a necessidade de acelerar o crescimento do PIB, enquanto um dos meios para se
atingir o desenvolvimento econômico. Deste modo, o PAC simboliza a retomada da
capacidade de o Estado conduzir um programa de investimentos.
Sobre a conjuntura do período, a tabela 2.4 traz o mesmo conjunto de
indicadores analisados nas três seções precedentes.
Nota-se que o PIB variou com intensidade maior de 2007 a 2010, na
comparação com os intervalos 1995-1998, 1999-2002, 2003-2006, ainda que se
considere a recessão de 2009. Compete esclarecer que neste ano a atividade
econômica foi negativamente influenciada pela contratação do crédito, advinda após
a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, nos Estados Unidos, em
setembro de 2008. Para o Brasil, o evento marcou o início da fase crítica da crise
americana, que desencadeou a retração do PIB por dois trimestres consecutivos (o
quarto de 2008 e primeiro de 2009).
No que diz respeito à inflação, esteve abaixo do centro da meta em 2007 e
2009 e, nos demais anos, não ultrapassou a banda superior. O dado concernente a
2008 oculta ainda um detalhe bastante discutido à época, sobre a real causa da
inflação. O Banco Central, perante um cenário de aumento dos preços, elevou a
taxa básica de juros de 11,25% para 11,75% ao ano, em abril de 2008, enquanto
havia quem afirmasse que uma parcela da inflação não decorria de expansão da
demanda, mas sim dos custos.
O maior nível da taxa SELIC, no quadriênio 2007-2010, foi de 13,75% ao ano,
definido em setembro de 2008, antes de o país sentir os efeitos do agravamento da
crise financeira americana, ainda neste ano. Não obstante isso, o COPOM aguardou
até janeiro de 2009 para começar a mover para baixo os juros básicos, que
chegaram à marca de 8,75% ao ano, entre julho de 2009 e abril de 2010. Deste mês
a dezembro de 2010 a taxa básica voltou a subir, encerrando o período em 10,75%.
41
Conquanto os juros reais no Brasil tenham diminuído durante o Segundo
Governo Lula, sendo indubitavelmente inferiores aos vigentes nos oito anos FHC e
nos quatro primeiros da gestão petista, cabe frisar que o estigma de ser uma das
economias líderes no quesito juros altos não foi debelado. Aliás, o diferencial entre
os juros domésticos e os internacionais ajuda a explicar a apreciação cambial
experimentada ao longo do quadriênio.
A combinação câmbio apreciado e arrefecimento da economia mundial
provocou o achatamento dos saldos comerciais entre 2007 e 2010, após a época de
bonança da economia mundial. Como ilustra a tabela 2.4, em 2010, o superávit da
balança comercial representava a metade do gerado em 2007, ao mesmo tempo em
que o saldo em transações correntes retornava para o terreno deficitário. A
apreciação cambial favorecia também a remessa de lucros e dividendos,
desequilibrando a balança de serviços.
Entretanto, os ingressos pela conta capital e financeira foram suficientes para
cobrir os déficits em transações correntes, sem ocasionar problemas para o
financiamento do balanço de pagamentos. Por outro lado, o reaparecimento de um
saldo negativo crescente nas relações de intercâmbio de bens e serviços com o
resto do mundo inspira cuidados, para que não se repita a situação de
vulnerabilidade externa enfrentada na segunda metade da década de 1990.
Quanto às necessidades de financiamento do setor público, evidencia-se que
o governo federal esteve próximo, em 2008, de equilibrar suas receitas e despesas,
visto que o indicador foi inferior a 1% do PIB. No ano seguinte, contudo, o gap entre
os gastos e a arrecadação aumentou para 3,32%, o que pode ser indicativo de uma
política fiscal anticíclica, aspecto a ser analisado com maior cuidado no capítulo três.
42
Tabela 2.4 – Indicadores do período 2007-2010
Ano 2007 2008 2009 2010
Variação anual do PIB – deflator implícito
6,09 5,17 -0,33 7,53
Inflação medida pelo IPCA 4,46 5,90 4,31 5,91
NFSP nominal Governo Federal - c/ desvalorização cambial - em (%) do PIB
2,15 0,93 3,32 -
Saldo do balança comercial (FOB) - em milhões de US$
40.031,63 24.835,75 25.289,81 20.146,86
Saldo em transações correntes do balanço de pagamentos - em milhões de US$
1.550,73 -28.192,02 -24.302,26 -47.273,10
Saldo da conta capital e financeira do balanço de pagamentos - em milhões de US$
89.085,60 29.351,65 71.300,60 99.911,78
Fonte: Ipeadata
Deve-se registrar outro evento não desprezível transcorrido à época: os
aportes do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), nos anos de 2009 e 2010. A capitalização de R$ 210 bilhões, pela
colocação de títulos no mercado, permitiu ao BNDES a ampliação da capacidade de
financiamento a projetos de longa maturação e viabilizou uma atuação anticíclica por
parte do governo brasileiro, diante dos desdobramentos da crise financeira
americana.
Todavia, os meios empregados foram alvo de críticas, em razão do diferencial
entre a taxa SELIC, que remunera os títulos públicos federais, e a taxa de juros de
longo prazo (TJLP), praticada nos empréstimos concedidos pelo BNDES.
Apesar dos questionamentos a respeito do impacto fiscal dos empréstimos do
Tesouro ao Banco, Pereira, Simões e Carvalhal (2011) ajuízam que o simples
cálculo do custo da operação desconsidera as benesses fiscais indiretas resultantes
do financiamento aos investimentos do setor privado, os quais são impulsionadores
da produção, da renda e da arrecadação federal no curto prazo, além de expandirem
o potencial produtivo da economia no longo prazo.
A metodologia utilizada pelos autores estimou um ganho fiscal líquido de
cerca de R$ 100 bilhões. A cifra significa a consolidação de um custo fiscal direto
líquido de R$ 50,6 bilhões e benefícios indiretos, em virtude da arrecadação
43
tributária da União, de R$ 151,8 bilhões, medidos em valores presentes (PEREIRA;
SIMÕES; CARVALHAL, 2011).
Com base em informações do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (2011), o Sistema BNDES demonstrou, no período de 2007 a
junho de 2011, desempenho recorde em todos os níveis de atuação, ratificando o
status de principal instituição de financiamento de longo prazo no Brasil, bem como
o de agente direto na consecução das finalidades da política de investimentos do
Governo Federal. A concessão de linhas de crédito se concentrou, dentre outras,
nas áreas de: infraestrutura, ampliação da capacidade produtiva, incremento das
exportações, crédito para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), inovação,
desenvolvimento socioambiental e do Norte e Nordeste, que garantiram uma
tendência de melhoria qualitativa nos desembolsos do Banco.
Seção 2.5 - Balanço do período 1995-2010
Em resumo, parece-nos que a tônica da política econômica dos dois
mandatos de FHC foi assegurar a estabilidade do real a qualquer custo. Para tanto,
utilizaram-se medidas monetárias restritivas, como os elevados juros praticados, que
implicaram severo ajuste das finanças públicas. A natureza estabilizadora da política
fiscal se mostrou, então, inibidora do dispêndio público gerador de condições
favoráveis à expansão da demanda, em especial do investimento produtivo.
Concomitantemente, com o programa de privatizações o Estado transferiu ao
setor privado a responsabilidade de investir, de modo que a dinâmica do
investimento nos segmentos privatizados se sujeitou aos determinantes analisados
por Keynes (2007) - abordados no capítulo 1 desta dissertação - fatores que
contribuem, numa economia capitalista, para a instabilidade dessa variável.
Como foi anotado por Belluzzo e Coutinho (1996), críticos do modelo adotado
pelo país nos anos 1990, o Estado ficou incumbido de criar um ambiente propício
para atrair investidores, reforçando a liberdade privada de acumulação sob a
hegemonia do pensamento neoliberal. Os autores explicam que caberia àquele
suprir, no máximo, certas externalidades e assegurar a estabilidade de preços, sob
44
austeridade fiscal e liberdade cambial, enquanto os mercados e a exposição às
forças da competição global seriam respostas suficientes.
Outro intento da gestão FHC foi instigar a modernização de cadeias
produtivas domésticas, na expectativa de se obter ganhos de produtividade por
intermédio da exposição à concorrência de empresas estrangeiras de um mesmo
setor. O ex-presidente do Banco Central do Brasil, Gustavo Franco, chegou a
afirmar, sobre a abertura “[...] é a base para a construção de um modelo de
crescimento, para os próximos anos, que permita que o Brasil dê um salto qualitativo
e conseqüente em termos de padrões de vida de sua população.” (FRANCO, 1998,
p.131). Porém, a amplificação da abertura comercial expôs as fragilidades de uma
indústria obsoleta, carente de grandes investimentos por aproximadamente uma
década e ainda refém da antiga política de reservas de mercado, com implicações
iniciais desastrosas para a atividade econômica.
No mesmo sentido, a valorização real do câmbio de julho de 1994 a
dezembro de 1998 puniu o setor exportador com a diminuição de competitividade do
produto nacional no mercado externo, principalmente o do ramo manufatureiro, ao
passo que cresceu a atratividade das importações, ocasionando déficits na balança
comercial. À medida que crescia a dificuldade de captar recursos externos para
financiar o desequilíbrio em transações correntes, tanto mais complicado era
sustentar a paridade com o dólar.
De certa forma, o Segundo Governo FHC esteve condicionado ao resultado
da política econômica do período anterior. A crise cambial de 1999 trouxe no seu
bojo a apreensão com relação ao repasse da desvalorização da taxa de câmbio para
os preços. Adicionalmente, o acordo firmado junto ao FMI exigiu do país o
imperativo do ajuste fiscal.
Formou-se então o “tripé” da política econômica, cujas bases são: superávit
primário, metas de inflação e câmbio flutuante. Ao contrário do que se supunha à
época das eleições presidenciais de 2002, não houve qualquer ruptura com os
fundamentos, nem com a estabilidade macroeconômica.
A era Lula teve dois momentos bem distintos, cuja linha divisória imaginária é
a troca do Ministro da Fazenda, quando a ortodoxia característica da gestão de
Palocci deu lugar à filosofia desenvolvimentista de Mantega. Além disso, a
45
progressiva redução da razão endividamento público/PIB, a contar de 2004, e dos
encargos financeiros incidentes sobre o principal da dívida abriram espaço fiscal
para a expansão do investimento governamental, sem comprometer com isso o
ajuste das finanças do Estado (fato que será explorado no capítulo 3).
Deve-se enfatizar também a política de valorização real do salário mínimo,
que se intensificou ao longo do Governo Lula.
Em janeiro de 1995, o salário mínimo nominal era de R$ 70,00, sendo
elevado, durante os dois governos FHC, até o patamar de R$ 200,00, valor vigente
em dezembro de 2002 (variação acumulada de 185,71%). Porém, neste intervalo, o
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) variou +100,67%, de modo reduzir o
ganho real a 42,38%.
Por outro lado, entre janeiro de 2003 e dezembro de 2010, a valorização real
foi de 62,75%, pois, enquanto o crescimento do salário mínimo nominal foi de 155%
(de R$ 200,00 para R$ 510,00), a inflação medida pelo IPCA acumulou 56,68%.
Apesar do impacto positivo em termos sociais (redução da pobreza, melhoria da
distribuição de renda, etc.), houve reflexo desfavorável sobre as contas do sistema
previdenciário público.
Há indícios de que, no transcorrer dos dezesseis anos aqui estudados, à
medida que o Estado recuperava a capacidade de promover o investimento, seja por
vias diretas, seja pelos financiamentos do BNDES, a política fiscal deixava de ser
meramente passiva para se transformar num instrumento complementar de estímulo
à atividade produtiva, imbuído da tarefa de suprir a deficiência de demanda efetiva,
tal como aconteceu em 2009.
Aprofundemos a investigação acerca da política fiscal relativa ao intervalo
1995-2010, objetivo do capítulo seguinte.
46
CAPÍTULO 3 - A TRAJETÓRIA DAS RECEITAS E DESPESAS
GOVERNAMENTAIS NO PERÍODO 1995-2010
Seção 3.1 - Receita bruta, receita líquida, despesa primária e resultado
fiscal
A presente seção trata do desempenho das receitas e despesas primárias do
Governo Central (Governo Federal e Banco Central), no intervalo de 1995 a 2010.
Optou-se por analisar primeiro cada variável separadamente, para depois examinar
sua interação, que acontece sob a forma das necessidades de financiamento do
setor público.
O gráfico 3.1 retrata a evolução das receitas primárias realizadas do Governo
Central, como proporção do PIB. A princípio, a receita total declinou de 18,92% do
PIB para 16,14%, entre 1994 e 1996. Contudo, do ano seguinte em diante, a
arrecadação não apenas se recuperou, mas se expandiu até atingir 25,20% do PIB,
em 2010. Por sua vez, a receita líquida – que é a receita total menos as
transferências a estados e municípios - correspondia a: 16,37% do PIB, em 1994;
17,86%, em 2002; culminando em 21,35% no ano de 2010.
Observa-se então que o aumento da relação receita total/PIB, de 1995 a
2010, foi de 33,19%. Ademais, da expansão vislumbrada, 14,48% se devem ao
período 1995-2002, ante os 16,34% transcorridos de 2003 a 2010. De maneira
semelhante, o indicador receita líquida/PIB se elevou 30,42% ao longo da série,
tendo 9,10% acontecido nos governos FHC e, 9,54%, nos dois mandatos do
presidente Lula.
Outro aspecto que merece destaque, embora seja pontual, é a reversão do
movimento ascendente das linhas verificada entre os anos de 2002 e 2003 e 2008 e
2009, quando a receita total (em termos do PIB) caiu de 21,66% para 20,98% e de
23,64% para 23,21%. Igualmente, a receita líquida passou de 17,86% para 17,44%
e de 19,25% para 19,20%, nos referidos anos.
Conforme mencionado, os anos de 2003 e 2009 se caracterizam pela
desaceleração da atividade econômica, cuja tendência é refletir sobre a arrecadação
47
governamental de forma mais intensa, uma vez que a elasticidade tributos/PIB tende
a ser superior a um. Além do mais, em 2009 houve redução de alíquotas de
impostos para vários produtos, como tentativa de atenuar o impacto da crise
internacional sobre a economia brasileira.
1
8,92
%
16,
77%
16,
14%
16,
93% 1
8,74
%
19,6
6%
19,9
3%
20,
77%
21,6
6%
20,9
8%
21,6
1% 22,7
4%
22,
94%
23,2
5%
23,6
4%
23,
21% 2
5,20
%
16,3
7%
14,
17%
13,6
1%
14,2
7% 15,
83%
16,3
8%
16,5
1%
17,
23%
17,
86%
17,4
4%
18,
13%
18,8
4%
19,0
2%
19,2
9%
19,
25%
19,2
0%
21,3
5%
12,00%
14,00%
16,00%
18,00%
20,00%
22,00%
24,00%
26,00%
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
(%) d
o P
IB
Receita total
Receita líquida
Fonte: dados anteriores a 1997, Giambiagi (2007). A partir de 1997, Ministério da Fazenda / Tesouro NacionalElaboração: própria
Gráfico 3.1 – Receitas primárias do Governo Central
Continuando, a tabela 3.1 detalha as componentes da arrecadação primária
do Governo Central, que são as receitas: do Tesouro, da Previdência Social e do
Banco Central.
As receitas do Tesouro, decorrentes principalmente de impostos e
contribuições, juntamente às do Banco Central, são responsáveis por cerca de três
quartos do total arrecadado. Num comparativo entre o primeiro e último dados da
série, nota-se que o crescimento da componente (relativamente ao PIB) foi de
aproximadamente 39%.
Os 25% restantes dizem respeito às receitas da Previdência Social, as quais
correspondiam, em termos do PIB, a 5,01% no ano de 1994, saltando para 5,81%
em 2010, ou seja, obtiveram um aumento de 16%, apresentando, portanto, um
dinamismo menor.
48
Além disso, a tabela 3.1 traz informações atinentes à rubrica Transferências a
Estados e Municípios, as quais são regulamentadas pela Constituição Federal ou
por legislação específica. No período sob exame, a participação do item II oscilou de
2,53% a 4,39% do PIB, percentuais estes concernentes a 1996 e 2008,
respectivamente.
Tabela 3.1 – Receita total, transferências e receita líquida – em (%) do PIB
Ano 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
1. Receita total 18,92% 16,77% 16,14% 16,93% 18,74% 19,66% 19,93% 20,77% 21,66%
1.1 Receitas do Tesouro / Banco Central
13,91% 12,15% 11,33% 12,22% 14,01% 15,05% 15,21% 15,97% 16,85%
1.2 Receitas da Previdência Social
5,01% 4,62% 4,81% 4,71% 4,73% 4,61% 4,72% 4,80% 4,81%
2. Transferências a estados e municípios
2,55% 2,60% 2,53% 2,66% 2,91% 3,28% 3,42% 3,53% 3,80%
3. Receita líquida total (1-2) 16,37% 14,17% 13,61% 14,27% 15,83% 16,38% 16,51% 17,23% 17,86%
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
1. Receita total 20,98% 21,61% 22,74% 22,94% 23,25% 23,64% 23,21% 25,20%
1.1 Receitas do Tesouro / Banco Central
16,23% 16,78% 17,69% 17,73% 17,98% 18,25% 17,50% 19,39%
1.2 Receitas da Previdência Social
4,75% 4,83% 5,05% 5,21% 5,28% 5,39% 5,71% 5,81%
2. Transferências a estados e municípios
3,54% 3,48% 3,91% 3,92% 3,97% 4,39% 4,01% 3,85%
3. Receita líquida total (1-2) 17,44% 18,13% 18,84% 19,02% 19,29% 19,25% 19,20% 21,35%
Fonte: dados anteriores a 1997, Giambiagi (2007). A partir de 1997, Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional.
Tendo em vista os objetivos deste estudo, não será necessário investigar
pormenorizadamente o comportamento das receitas auferidas pelo Governo Central.
Entretanto, a etapa cumprida foi essencial para dar contornos à análise que se
pretende desenvolver a partir de agora, cujo foco recairá sobre as despesas
governamentais.
Inicialmente é cogente definir o que são despesas primárias ou não
financeiras, bem como saber o porquê da utilização deste conceito em finanças
públicas.
Com base em Albuquerque, Medeiros e Silva (2008), a fórmula para se obter
apenas as despesas não financeiras consiste em subtrair da despesa total o
dispêndio com: amortização, juros e outros encargos da dívida interna e externa;
49
aquisição de títulos de capital já integralizado; concessão de empréstimo com
retorno garantido; e transferências entre entidades que compõem o ente federativo,
de modo a evitar a duplicidade na contagem.
O uso da terminologia “primário” se justifica em razão da metodologia de
apuração do resultado primário do governo, cujo objetivo é:
[...] avaliar a sustentabilidade da política fiscal, ou seja, a capacidade dos governos em gerar receitas em volume suficiente para pagar suas contas usuais (despesas correntes e investimentos), sem que seja comprometida sua capacidade de administrar a dívida existente. (ALBUQUERQUE; MEDEIROS; SILVA, 2008, p. 72).
Eis que, pelo critério exposto, são gastos primários os relativos a: pessoal e
encargos sociais, benefícios previdenciários e custeio e capital. Também fazem
parte do agrupamento as transferências do Tesouro Nacional ao Banco Central,
assim como as despesas efetuadas por esta entidade.
Para efeito de cálculo do resultado primário realizado “acima da linha”, pelo
Tesouro Nacional, as despesas não financeiras são apuradas segundo a ótica de
caixa, isto é, condizem com o total de cheques emitidos (ordens bancárias – OB). 4
É pertinente salientar que o total das despesas primárias na esfera federal
saltou de 13,95% do PIB, dado de 1994, para 15,72%, em 2002, e 19,19%, em
2010, tendo sofrido somente quedas esporádicas entre: 1994 e 1996; 1998 e 1999;
2002 e 2003; e 2007 e 2008 (gráfico 3.2). Logo, da ampliação verificada, cerca de
22% foram nos anos posteriores a 2002, contra 13% no intervalo 1995-2002,
totalizando 37,86% nos dezesseis anos.
Há ainda três movimentos ilustrados: a estabilização das despesas com
pessoal e encargos sociais ao redor dos 4,5% do produto interno bruto; a elevação
das despesas com benefícios previdenciários, do patamar de 5% para
aproximadamente 7% do PIB; e o aumento das despesas com custeio e capital, que
passaram a ser da ordem de 7,5% do PIB em 2010, ante os 4% respeitantes ao ano
inaugural da série, elevação ocorrida principalmente após 2003.
4 Para maiores detalhes, acessar documento da Secretaria do Tesouro Nacional, pelo endereço eletrônico: <http://www.stn.fazenda.gov.br/hp/downloads/resultado/mnf_gv_central.pdf>.
50
5,1%
5,1%
4,8%
4,3% 4,6%
4,5%
4,6% 4,8%
4,8%
4,5%
4,3%
4,3% 4,5%
4,4%
4,3% 4,
8%
4,6%
6,6% 7,
1%
7,0%
4,0%
3,8%
3,7%
4,7% 5,0%
4,4%
4,5% 4,
9%
4,9%
4,3% 4,
7% 5,2% 5,4% 5,7%
5,4% 6,
0%
7,5%
4,9%
4,6% 4,9%
5,0%
5,5%
5,5%
5,6% 5,8% 6,0% 6,3% 6,
5% 6,8%
7,0% 7,
0%
16,4
2%
17,9
6% 19,1
9%
13,9
5%
13,5
7%
13,4
2%
14,0
1% 15,0
4%
14,4
9%
14,7
3% 15,5
7%
15,7
2%
15,1
4%
15,5
9% 16,3
8%
16,9
6%
17,1
2%
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
18%
20%
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
(%)
do P
IB
Despesa - pessoal eencargos sociais
Despesa - benefíciosprevidenciários
Despesa - custeio ecapital
Despesa primária total
Fonte: dados anteriores a 1997, Giambiagi (2007). A partir de 1997, Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional.Elaboração: própria
Gráfico 3.2 – Despesas primárias do Governo Central
Constatado o crescimento da relação gastos primários/PIB, vejamos então
como variou o dispêndio em termos absolutos. A tabela 3.2 mostra os valores de
cada integrante da despesa primária do Governo Central.
51
Tabela 3.2 – Despesas primárias do Governo Central – em milhões de R$ de 2010
Ano 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Despesa total 319.700,63 324.727,93 328.044,53 353.953,93 380.101,73 367.213,16 389.482,31 416.851,40 432.237,52
1. Pessoal e Encargos Sociais (1)
117.796,50 122.760,08 118.311,14 107.983,12 115.294,88 113.397,88 120.703,26 128.532,17 132.256,38
2. Benefícios Previdenciários
111.150,40 110.555,86 119.533,36 126.598,21 137.780,81 139.301,56 147.438,85 154.927,69 163.762,19
3. Custeio e Capital
90.753,73 91.411,99 90.200,02 119.372,60 127.026,04 112.416,90 119.235,67 131.145,00 133.978,10
3.1. Despesa do FAT
- - - 13.334,60 13.612,14 13.229,02 12.306,37 13.605,95 14.980,49
3.2. Subsídios e Subvenções Econômicas (2)
- - - 7.217,70 7.618,94 6.153,28 8.191,29 9.495,16 4.359,23
3.3. Benefícios Assistenciais (LOAS e RMV) (3)
- - - - - - - - -
3.4.Capitalização da Petrobras
- - - - - - - - -
3.5. Outras Despesas de Custeio e Capital
- - - 98.820,30 105.794,96 93.034,60 98.738,01 108.043,89 114.638,38
4. Transferência do Tesouro ao Banco Central
- - - - - - - - -
5. Despesas do Banco Central
- - - - - 2.096,81 2.104,53 2.246,54 2.240,86
Continuação na próxima página
52
Continuação tabela 3.2
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Despesa total 420.980,41 458.350,35 496.799,06 534.822,77 572.587,86 577.597,42 619.266,23 700.158,34
1. Pessoal e Encargos Sociais (1)
124.064,46 126.665,61 130.257,85 140.360,97 146.247,96 151.770,38 164.131,50 166.486,43
2. Benefícios Previdenciários
175.253,97 190.402,26 206.210,59 220.307,99 232.863,54 231.505,09 243.380,22 254.858,55
3. Custeio e Capital
118.860,20 137.959,80 157.139,99 170.913,24 190.353,87 190.292,04 207.369,79 274.544,01
3.1. Despesa do FAT
14.309,56 15.065,42 17.008,96 20.545,85 23.434,53 24.392,04 29.690,35 30.310,65
3.2. Subsídios e Subvenções Econômicas (2)
9.889,07 8.445,15 14.593,92 12.747,58 12.593,63 6.937,01 5.616,89 7.875,17
3.3. Benefícios Assistenciais (LOAS e RMV) (3)
7.276,14 11.358,94 13.068,14 15.485,26 17.835,48 18.603,04 20.504,96 22.234,21
3.4.Capitalização da Petrobras
- - - - - - - 42.927,855
3.5. Outras Despesas de Custeio e Capital
87.385,43 103.090,29 112.468,97 122.134,55 136.490,24 140.359,95 151.557,58 171.196,12
4. Transferência do Tesouro ao Banco Central
858,75 941,87 780,85 925,18 654,53 1.209,39 1.276,60 1.241,95
5. Despesas do Banco Central
1.943,03 2.380,82 2.409,79 2.315,38 2.467,96 2.820,52 3.108,12 3.027,40
Fonte: os dados até 1996 foram calculados tendo como referência Giambiagi (2007). A partir de 1997, Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional. (1) Exclui da receita da Contribuição para o Plano da Seguridade Social (CPSS) e da despesa de pessoal a parcela patronal da CPSS do servidor público federal, sem efeitos no resultado primário consolidado. (2) Inclui despesas com subvenções aos fundos regionais e, a partir de 2005, despesas com reordenamento de passivos. (3) Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e Renda Mensal Vitalícia (RMV) são benefícios assistenciais pagos pelo Governo Central. Nota: Valores atualizados com base no deflator implícito do PIB.
5 Não confundir com a capitalização ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), efetuada entre 2009 e 2010, por meio da emissão de títulos públicos. Para maiores informações, ver reportagem da Agência Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-04-25/emissao-para-bndes-serviu-para-concluir-capitalizacao-da-petrobras>.
53
Percebe-se, prontamente, por meio de um simples cálculo de variação
percentual, que as despesas primárias foram majoradas em 119% durante a série.
Mais uma vez, será empregado o artifício do corte em 2002 – último ano do Governo
FHC - de modo a isolar a contribuição advinda dos sub-períodos 1995-2002 e 2003-
2010.
Assim como ocorrera com os gastos primários relativamente ao PIB, os dados
revelam que a expansão do dispêndio governamental foi mais acelerada de 2003 a
2010, quando variou 61,98%. Por seu turno, a elevação realizada de 1995 a 2002 foi
mais modesta (35,20%).
Sobre as despesas com pessoal e encargos sociais, foram incrementadas a
uma taxa inferior à média, passando de R$ 117.796,50 milhões, em 1994, para R$
132.256,38 milhões, no exercício de 2002, alcançando em 2010 os R$ 166.486,43
milhões. Ou seja, estão implícitas as seguintes variações: (+12,28%) no primeiro
sub-período; (+25,88%) no segundo; e (+41,33%) no intervalo maior.
De forma diversa, os benefícios do Regime Geral de Previdência Social
auferiram um aumento expressivo na época retratada na tabela 3.2, sendo da ordem
de 129,29%. Caso se queira ainda isolar o efeito dos sub-períodos 1995-2002 e
2003-2010, observa-se que tais benefícios sofreram expansão de 47,33% e 55,63%,
respectivamente. Entre os fatores que colaboraram para tais resultados, ressaltem-
se a elevação da expectativa média de vida da população e a política de valorização
real do salário mínimo registrada no Governo Lula.
No que concerne às despesas de custeio e capital, estas podem ser
desmembradas nos seguintes subitens: despesas do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT), subsídios e subvenções econômicas, benefícios assistenciais
originários da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e da Renda Mensal
Vitalícia (RMV), capitalização da Petrobrás e outras despesas de custeio e capital.
A rubrica correspondente ao item três da tabela 3.2 experimentou variação
acumulada de +202,52%, nos anos 1995-2010. Do crescimento observado, 47,63%
transcorreram entre 1995 e 2002, enquanto 104,92% se devem ao sub-período
2003-2010.
Focalizando as “outras” despesas de custeio e capital, que representavam,
em 2010, 62,36% do custeio e capital totais, é importante evidenciar os altos e
54
baixos que marcaram a sua trajetória. O primeiro registro da série foi de R$
98.820,30 milhões, referente ao exercício de 1997. Consecutivamente, o dispêndio
cresceu para R$ 105.794,96 milhões, em 1998, depois se situou abaixo dos R$
100.000,00 milhões, no intervalo 1999-2000, quando foi indispensável implementar
um ajuste fiscal. Nos anos de 2001 e 2002, se recuperou para algo em torno de R$
110.000,00 milhões, voltando a cair no ano seguinte, quando atingiu R$ 87.385,43
milhões (em virtude das circunstâncias que marcaram o primeiro ano do Governo
Lula, conforme explanação feita na seção 2.3 deste trabalho). Em 2004, teve início a
retomada, que culminou no montante de R$ 171.196,12 milhões, dado de 2010.
Vale ressaltar que no referido grupo são contabilizadas as despesas: com
sentenças judiciais; do legislativo e judiciário; decorrentes de créditos
extraordinários; do PAC; outras de caráter obrigatório; e discricionárias. Sobre esta
modalidade de gastos (não obrigatórios), chegará o momento oportuno para
discorrer a respeito de suas particularidades.
Embora não pertença aos objetivos desta dissertação detalhar a execução
das despesas relacionadas à política social, ao que parece, a unificação de diversas
iniciativas no Programa Bolsa Família e a ampliação de sua cobertura ajudam a
explicar a expansão mais acelerada das despesas do grupo custeio e capital na
gestão do presidente Lula, ante o Governo FHC. Igualmente, a retomada do
investimento público pode ser outro fator causador da diferença de percentuais, mas
deixemos a análise acerca dos pormenores desta variável para as seções 3.2 e 3.3.
Cabe ainda mencionar que tanto as despesas do Banco Central quanto as
transferências do Tesouro ao Banco Central elevaram de patamar ao longo do
tempo, embora este fato não implique grandes transformações nos rumos da política
fiscal brasileira.
Portanto, deduz-se que o gasto primário na esfera do Governo Central tem
sido incrementado a um ritmo superior ao do crescimento da economia, haja vista o
aumento da proporção gasto/PIB, que saltou de 13,95%, em 1994, para 19,19%, em
2010. O fenômeno citado é ratificado pelo conteúdo da tabela 3.3, que ilustra a
superioridade das taxas médias anuais de variação das despesas com benefícios
previdenciários e de custeio e capital, comparativamente ao PIB real.
55
Tabela 3.3 – Despesa primária e PIB: taxas médias anuais de crescimento
Período 1995-2002 2003-2010 1995-2010
Despesa total 3,84% 6,21% 5,02% 1. Pessoal e Encargos Sociais 1,46% 2,92% 2,19% 2. Benefícios Previdenciários 4,96% 5,68% 5,32% 3. Custeio e Capital 4,99% 9,38% 7,16%
PIB real 2,30% 4,03% 3,16%
Fonte: baseada nos dados apresentados na tabela 3.2, no tocante às despesas primárias, e Ipeadata, de onde
se obteve a série histórica referente ao PIB real.
Colocados separadamente os dados pertinentes às receitas e despesas do
Governo Central, ambas sob a égide do conceito não financeiro ou primário, o curso
natural da análise conduz-nos à necessidade de relacionar os dois eixos
constituintes da política fiscal. Para tanto, serão empregados dois indicadores
consagrados na área de finanças públicas, à luz das respectivas definições
adotadas pelo Banco Central do Brasil, quais sejam: resultado primário e resultado
nominal.6
O primeiro corresponde ao resultado nominal das necessidades de
financiamento do setor público (NFSP) subtraídos os juros nominais incidentes sobre
a dívida líquida interna e externa, que são determinados pela taxa de juros nominal e
pela dimensão dos déficits anteriores (dívida atual). Com isso, a metodologia de
cálculo do resultado primário possibilita avaliar a consistência entre as metas de
política macroeconômica e a sustentabilidade da dívida, bem como a capacidade do
governo de honrar seus compromissos.
Quanto ao resultado nominal, é constituído da variação do endividamento
líquido, descontados os ajustes patrimoniais e os efeitos do movimento da taxa de
câmbio sobre os estoques da dívida interna indexada ao câmbio, da dívida externa e
das reservas internacionais.
Introduzidas algumas definições básicas, vejamos, por meio do gráfico 3.3, o
comportamento das necessidades de financiamento do Governo Central, no período
de 1994 a 2010. O posicionamento das curvas demonstra que a magnitude do
resultado nominal deriva da soma dos juros nominais ao resultado primário (no caso
ilustrado, valores abaixo do eixo x significam superávits). Destarte, os sinais
6 Ver séries temporais - metadados. Disponível em: <https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries>.
56
positivos das NFSP (nominais) sinalizam a insuficiência dos superávits primários
para cobrir o pagamento dos encargos financeiros incidentes sobre a dívida pública.
3,30
%
2,24
%
0,82
%
-2,0
9%
-2,3
5%
-2,1
7%
-2,6
0%
-2,7
0%
-2,2
8%
-2,1
6%
-1,7
3%
-2,1
3%
-0,5
1%
0,25
%
-3,2
5% -0,4
7%
-2,2
3% -1,3
1%
-1,6
9%
-0,3
4%
3,85
%
11,1
1%
2,54
%
2,02
%5,
12%
4,60
%
3,63
%
2,84
%
5,94
%
4,09
%
6,01
%
5,31
%
4,47
%
2,62
%
3,17
%
4,62
%
4,61
%
2,47
%
2,12
% 3,14
%
3,41
%
1,39
%
3,66
%
0,68
%
1,94
%
2,27
%
2,06
%
7,86
%
2,27
%
3,31
%
1,21
%
1994
2002
2010
(%) d
o P
IB
Resultado primário
Juros nominais
Resultado nominal
Fonte: Banco Central do Brasil. Obs: sem desvalorização cambialElaboração: própria
Gráfico 3.3 – NFSP Governo Federal e Banco Central
Analisando a tabela 3.4, patenteia-se que a maior parte do esforço fiscal
primário do setor público recai sobre Governo Central. No entanto, os estados e
municípios passaram da condição de deficitários, entre 1995 e 1998, para uma
situação superavitária, a partir de 1999, em virtude do regramento trazido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, o qual submeteu a União e os entes subnacionais a um
controle mais rígido de suas finanças.
Como consequência do ajuste fiscal, as necessidades de financiamento do
setor público consolidado foram reduzidas no transcorrer dos anos 2000, ainda que
tenham aumentado expressivamente entre 2001 e 2003 (gráfico 3.4). Em 2010, as
NFSP equivaliam a 2,48% do PIB, percentual inferior à metade do atingido em 2003.
57
Tabela 3.4 – NFSP resultado primário – em (%) do PIB
Ano 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 1. Governo Federal e BACEN -3,25 -0,47 -0,34 0,25 -0,51 -2,13 -1,73 -1,69 -2,16
2. Estados e municípios -0,77 0,16 0,5 0,69 0,18 -0,2 -0,51 -0,8 -0,72
3. Empresas estatais - - - - - - - -0,72 -0,34
4. Setor público - - - - - - - -3,21 -3,22
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 1. Governo Federal e BACEN -2,28 -2,7 -2,6 -2,17 -2,23 -2,35 -1,31 -2,09
2. Estados e municípios -0,81 -0,9 -0,99 -0,83 -1,12 -1,01 -0,65 -0,55
3. Empresas estatais -0,18 -0,12 -0,2 -0,2 0,05 -0,06 -0,04 -0,06
4. Setor público -3,27 -3,72 -3,79 -3,2 -3,31 -3,42 -2 -2,7
Fonte: Banco Central do Brasil. Obs. sem desvalorização cambial.
3,45
2,48
2,9
5,24
4,45
3,58
3,63
2,8
2,04
3,28
2
2,5
3
3,5
4
4,5
5
5,5
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
(%)
do P
IB
Fonte: Banco Central do Brasil. Obs. Sem desvalorização cambial e excluídas Petrobrás e EletrobrásElaboração: própria
Gráfico 3.4 – Necessidades de financiamento do setor público consolidado
Ao elucidar os traços marcantes da política fiscal empreendida de 1991 a
2007, Giambiagi (2007) destaca quatro momentos das contas públicas: uma fase de
déficits operacionais artificialmente reprimidos pela inflação elevada, até meados da
década de 1990; na segunda metade desta, a convivência com desequilíbrios fiscais
agudos; depois, o ajuste promovido ao final dos anos 1990, mas ainda com uma
elevação da dívida pública até 2003, quando atingiu o patamar de 52% do PIB; e
finalmente a redução da relação dívida/PIB a partir de 2004.
No tocante à dívida líquida do setor público (DLSP), o aludido autor chama
atenção para alguns aspectos relevantes:
58
a) o crescimento da parcela referente à dívida externa, de 1997 a 2002, e a
subsequente queda de sua importância relativa, a ponto de o país se tornar
credor líquido do exterior no Governo Lula;
b) a escalada da dívida mobiliária federal, ao longo dos oito anos do Governo
FHC e do primeiro mandato de Lula – neste como contrapartida da
acumulação de reservas internacionais;
c) mudanças que impactaram a dívida renegociada junto a estados e municípios
(um crédito da União), a qual cresceu até 2003, devido à influência do IGP, e
decresceu a partir de então; e
d) a interferência dos “ajustamentos patrimoniais”, que são fenômenos
independentes do fluxo das NFSP, associados a variações cambiais sobre a
dívida pública e ao reconhecimento de passivos contingentes, também
conhecidos pela denominação “esqueletos”.
Ainda de acordo com Giambiagi (2007), o fator ressaltado na alínea (d) foi
decisivo para explicar a elevação da dívida pública entre 1998 e 2002, não obstante
o ajuste fiscal implementado concomitantemente. Todavia, nos anos posteriores, os
“ajustamentos patrimoniais” favoreceriam a diminuição da dívida líquida do setor
público, mesmo com a permanência do estoque da dívida fiscal ao redor do patamar
de 2002.
Em suma, no que se refere aos dados analisados nesta seção, constatou-se
que apesar da ampliação das receitas governamentais, não foi possível gerar
excedentes primários que fossem ao menos equivalentes ao montante destinado ao
pagamento dos juros da dívida pública, ainda que a trajetória da DLSP - como
proporção do PIB - tenha sido controlada após 2003.
Para Ferrari Filho e Terra (2010), a maneira como se administra a política de
déficit público brasileira não permite que se constituam fontes de financiamento no
longo prazo, em razão de os fluxos de pagamento financeiro serem patrocinados
pela geração de superávits primários e, portanto, obstarem os dispêndios
governamentais estimuladores da demanda agregada e do crescimento da riqueza
social. Desta forma, a política econômica pós-Plano Real, com seu objetivo precípuo
59
de controlar a inflação, caracterizou-se pela subsunção da política fiscal à monetária,
visto que:
[...] a política monetária operacionalizou taxas de juros bastante elevadas que, por um lado, foram incoerentes com o crescimento econômico sustentado e, por outro lado, oneraram as finanças públicas em um nível incompatível com os superávits de gastos primários (correntes) auferidos, redundando no crescimento vertiginoso da DLSP. (FERRARI FILHO; TERRA, 2010, p. 15).
Belluzzo e Coutinho (1996), ao discorrerem sobre anos iniciais do Plano Real,
ressaltaram a perda de autonomia das políticas nacionais em relação aos mercados
financeiros, que são sujeitos à instabilidade das expectativas. Assim sendo, países
cujo passado monetário foi turbulento precisaram arcar com elevados prêmios de
risco para financiar déficits em conta corrente, de maneira a restringir a política fiscal
pelo crescimento da parcela dos encargos financeiros no orçamento público.
Com o ajuste fiscal posterior a 1999 o objetivo era sinalizar para o mercado o
comprometimento com a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo. Porém,
a primazia da lógica financeira da dívida pública não permitiu ao Estado recuperar a
capacidade de investir, ainda que, recentemente, seja patente o esforço do Governo
Federal no sentido de fomentar grandes projetos de investimento, a exemplo do
PAC.
Diante da constatação, deve-se aprofundar os exames no tocante às
despesas, no intuito de radiografar o papel de cada categoria econômica na
expansão do gasto público transcorrida de 1995-2010. Este é o assunto da próxima
seção.
Seção 3.2 - A despesa pública segundo sua categoria econômica
Esta seção aborda o dispêndio governamental pela ótica da sua categoria
econômica, visando avaliar a evolução das despesas correntes e das despesas de
capital realizadas pela União.7
7 Vale lembrar que a divisão por categoria econômica está prevista no artigo 12 da Lei nº. 4.320, de 17 de março de 1964.
60
Com fundamento na Portaria Interministerial STN/SOF nº. 163, de 4 de Maio
de 2001, são consideradas despesas correntes as que não contribuem diretamente
para formação ou aquisição de um bem de capital, diferentemente das despesas de
capital, cuja contribuição é direta.
Ambas as categorias apresentam, à luz da referida Portaria, subdivisões
cognominadas grupos de natureza da despesa, detalhados na tabela 3.5:
Tabela 3.5 – Relação entre categoria econômica e grupo de natureza da despesa
Categoria econômica Grupo de natureza
da despesa Descrição
3- Despesas
correntes
1 - Pessoal e
Encargos Sociais
Despesas orçamentárias com pessoal ativo, inativo e
pensionistas, relativas a mandatos eletivos, cargos,
funções ou empregos, civis, militares e de membros de
Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais
como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis,
subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e
pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras
e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como
encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às
entidades de previdência, conforme estabelece o caput
do art. 18 da Lei Complementar 101, de 2000.
2 - Juros e Encargos
da Dívida
Despesas orçamentárias com o pagamento de juros,
comissões e outros encargos de operações de crédito
internas e externas contratadas, bem como da dívida
pública mobiliária.
3 - Outras Despesas
Correntes
Despesas orçamentárias com aquisição de material de
consumo, pagamento de diárias, contribuições,
subvenções, auxílio-alimentação, auxílio-transporte,
além de outras despesas da categoria econômica
"Despesas Correntes" não classificáveis nos demais
grupos de natureza de despesa.
4- Despesas de
capital
4 – Investimentos
Despesas orçamentárias com softwares e com o
planejamento e a execução de obras, inclusive com a
aquisição de imóveis considerados necessários à
realização destas últimas, e com a aquisição de
instalações, equipamentos e material permanente.
5 – Inversões
Financeiras
Despesas orçamentárias com a aquisição de imóveis ou
bens de capital já em utilização; aquisição de títulos
representativos do capital de empresas ou entidades de
qualquer espécie, já constituídas, quando a operação
não importe aumento do capital; e com a constituição ou
aumento do capital de empresas, além de outras
despesas classificáveis neste grupo.
61
6 - Amortização da
Dívida
Despesas orçamentárias com o pagamento e/ou
refinanciamento do principal e da atualização monetária
ou cambial da dívida pública interna e externa,
contratual ou mobiliária.
Fonte: Portaria Interministerial STN/SOF nº. 163/2001.
Em conformidade com o artigo 3º da Portaria Interministerial STN/SOF nº.
163/2001, a classificação por natureza da despesa incorpora, adicionalmente, o
elemento de despesa, cuja finalidade é identificar o objeto de gasto, bem como a
informação gerencial intitulada modalidade de aplicação, a qual indica se os
recursos são aplicados por órgãos ou entidades no âmbito de uma mesma esfera de
governo ou por outro ente da Federação e respectivas entidades.
Logo, com fulcro no artigo 5º da Portaria supramencionada, a estrutura da
natureza da despesa engloba: categoria econômica, grupo de natureza, modalidade
de aplicação, elemento de despesa e o desdobramento facultativo deste. Entretanto,
os exames pretendidos limitar-se-ão aos dois primeiros itens, porquanto os objetivos
delineados dispensem a investigação no nível atômico do elemento de despesa.
Contudo, cumpre previamente explicitar, ao lume da Lei nº. 4.320, de 17 de
março de 1964, o significado das expressões empenho, liquidação e pagamento, as
quais dizem respeito aos estágios da despesa orçamentária.
Segundo o artigo 58 do aludido diploma legal, entende-se por empenho da
despesa: “[...] o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado
obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.” Por sua
vez, o caput do artigo 63 versa que a despesa liquidada consiste: “[...] na verificação
do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos
comprobatórios do respectivo crédito.” E, quanto ao pagamento8, observa-se o
disposto no artigo 62: “[...] só será efetuado quando ordenado após sua regular
liquidação.”
Ou seja, a Lei nº. 4.320/1964 construiu o ordenamento das três fases
descritas, pois veda a realização de despesa sem prévio empenho, conforme o seu
artigo 60, e condiciona o pagamento à liquidação da despesa. No entanto, podem
8 Segundo definição do Tesouro Nacional, o pagamento se consuma com a emissão de cheque ou ordem bancária em favor do credor.
62
acontecer situações em que não seja possível completar, dentro de um mesmo
exercício financeiro9, o percurso da despesa.
Em observância ao artigo 35 da Lei nº. 4.320/1964, pertencem ao exercício
financeiro tanto as receitas arrecadadas quanto as despesas legalmente
empenhadas. Diante da impossibilidade de efetuar, em certos casos, até o dia 31 de
dezembro, o pagamento da despesa empenhada, o artigo 67 do Decreto nº. 93.872,
de 23 de dezembro de 1986, prevê a inscrição de restos a pagar, devendo-se
distinguir as despesas processadas ou liquidadas das não processadas.
As séries referentes ao dispêndio por categoria econômica – que serão
apresentadas neste trabalho – levam em conta o montante liquidado, mas é preciso
ter cautela ao interpretar os resultados, devido ao procedimento contábil por vezes
chamado “liquidação forçada”, especialmente quando se trata da variável
investimento público.
Houve autores que alertaram para os problemas que poderiam advir de uma
interpretação equivocada acerca dos números disponibilizados:
Muitos pesquisadores tomam o valor das despesas liquidadas sem saber que, na realidade, elas não foram realmente liquidadas na totalidade, mas apenas empenhadas.
[...]
O principal problema para a correta mensuração dos investimentos pelo critério econômico é que os balanços oficiais produzidos pelo governo não permitem diferenciar os valores de empenho e de liquidação efetiva ao final do ano. (GOBETTI, 2006, p.13-14).
Diante da percepção desse fenômeno, surgiram críticas à mensuração do investimento com base na despesa liquidada: uma vez que os documentos oficiais do governo não diferenciavam, no final do ano, os valores liquidados automaticamente pelo SIAFI dos valores liquidados nos termos do artigo 63 da Lei nº 4.320/64, a mensuração dos investimentos pelos valores liquidados tendia a igualar-se ao montante de investimentos empenhados, distorcendo, conforme explicitado, qualquer análise oriunda desse dado. (COSTA, 2008, p.103).
A ambiguidade ensejou, inclusive, o Ministério da Fazenda, por meio de sua
Secretaria de Política Econômica, a emitir nota de esclarecimento10, pela qual
9 Coincide com o ano civil (artigo 34 da Lei nº. 4.320/1964). 10 Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/spe/publicacoes/fiscal/seminarios/Nota%20de%20Esclarecimento%20-%20SPE%20v4%20revis%C3%A3o.pdf>.
63
ressalta que o investimento da União em determinado ano, segundo a contabilidade
do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI),
equivale aos empenhos emitidos (liquidados e não liquidados) no exercício, menos
os cancelados ao longo deste.
Feitas as considerações conceituais indispensáveis para um melhor
entendimento acerca do proposto, analisemos os dados. Os gráficos 3.5 a 3.7
mostram as despesas correntes e de capital liquidadas da União11, no intervalo de
1995 a 2010, pertencentes aos orçamentos fiscal e da seguridade social.
A curva que descreve os gastos correntes em valores reais cresce ao longo
do tempo, sem a ocorrência de grandes flutuações. No ano de 1995, as despesas
com pessoal e encargos sociais, juros da dívida e outras correntes somavam R$
450.924,43 milhões, passando para R$ 630.800,85 milhões em 2002 e, finalmente,
R$ 886.698,65 milhões em 2010. Deste modo, o aumento acumulado de 1996 a
2010 foi de 96,64%, dos quais 39,89% se devem ao sub-período 1996-2002 e
40,57% a 2003-2010.
Em termos relativos do PIB, o dispêndio da “categoria econômica 3” partiu de
18,84%, em 1995, alcançou 22,94%, em 2002, e fechou a série, em 2010, sendo
23,52%. Sem embargo, não se deve negligenciar a expansão acelerada do gasto
corrente - comparativamente ao PIB - de 2004 a 2006, bem como o revés
subsequente, nos anos de 2007 e 2008, explicado pelo desempenho das despesas
correntes inferior à variação do PIB. Em 2009 (ano de crise) a proporção tornou a
aumentar, mas logo retrocedeu, no ano seguinte, com a recuperação da economia.
11 A partir de 2007, os valores relativos à despesa executada discriminam os empenhos efetivamente liquidados dos inscritos em restos a pagar não processados. Em face da ambiguidade acerca dos dados coletados dos balanços oficiais, citada por alguns autores, optou-se por considerar como indicador a despesa executada, para os anos a contar de 2007.
64
886.
698,
65
872.
003,
62
837.
149,
38
851.
403,
47
839.
061,
18
732.
324,
92
665.
776,
69
628.
025,
23
630.
800,
85
604.
109,
72
560.
290,
42
543.
345,
99
514.
570,
18
460.
987,
01
444.
444,
60
450.
924,
4319
95
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional Elaboração: própria. Obs: valores atualizados com base no deflator implícito do PIB .
Gráfico 3.5 – Despesas correntes da União – em milhões de R$ de 2010
18,8
4%
18,1
8%
18,2
4% 20,3
6%
21,4
4%
21,2
0%
22,5
6%
22,9
4%
22,5
8%
22,6
5% 24,1
5% 26,6
2%
25,4
6%
23,8
0%
24,8
7%
23,5
2%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: no que concerne às despesas correntes, Ministério da Fazenda - STN. Quanto à série do PIB nominal, Ipeadata. Elaboração: própria
Gráfico 3.6 – Despesas correntes em (%) do PIB
Os gastos de capital, diferentemente, são mais sujeitos à instabilidade, como
pode ser observado no gráfico 3.7. Iniciaram a série em R$ 72.771,55 milhões,
estiveram acima dos R$ 200.000,00 milhões, entre 1997 e 1999, e caíram para R$
146.615,06 milhões, em 2000. Após uma ligeira recuperação em 2001 e 2002, teve
65
início mais uma reversão de tendência, que durou até 2005. De 2006 em diante as
despesas de capital oscilaram, com destaque para 2009, quando atingiram R$
358.397,31 milhões.
Ao comparar as curvas traçadas no gráfico 3.7, a ampliação da distância
entre as duas sugere que a partir de 2000 as amortizações se tornaram o item mais
expressivo das despesas de capital. Assim sendo, os altos e baixos desta variável
verificados na década de 2000 refletem, sobretudo, as parcelas amortizadas da
dívida, haja vista que a soma dos investimentos e inversões financeiras variou, no
mesmo período, dentro do intervalo de R$ 48 bilhões a R$ 89 bilhões.
Todavia, deve ser buscada uma explicação para os valores consideráveis das
despesas de capital entre os anos 1997-1999. Tomando-se por base 1998, quando
foram despendidos vultosos R$ 205.705,50 milhões a título de despesas de capital
exceto amortizações, apenas R$ 21.385,31 milhões pertencem ao grupo
investimentos. Com isso, é plausível que as inversões financeiras sejam o cerne da
questão, visão reforçada pela transcrição a seguir:
Finalmente, deve-se considerar o item que aqui foi chamado de renegociação de dívidas. Consistem, na verdade, em inversões financeiras, mas de caráter extraordinário. Uma parte significativa foi relativa à renegociação das dívidas dos estados e dos municípios, e outra menor serviu para sanear bancos estaduais que foram posteriormente privatizados. (RODRIGUEZ; ZACKSESKI, 2007, p. 12).
72.7
71,5
5
74.9
03,6
5
227.
847,
59
268.
718,
06
216.
442,
71
146.
615,
06
184.
408,
77
186.
082,
24
179.
030,
98
157.
543,
04
124.
848,
15 222.
443,
22
202.
368,
40 287.
105,
40
358.
397,
31
228.
873,
42
42.1
49,7
2
52.0
46,1
8 192.
151,
41
205.
705,
50
151.
763,
12
48.2
29,2
5
72.0
39,2
5
57.7
88,7
2
48.8
99,4
7
49.1
28,2
6
55.2
90,4
9
61.5
48,9
5
80.3
48,4
6
88.4
92,5
2
85.3
90,9
5
88.2
70,2
9
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Capital
Capital semamortizações
Fonte: Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional Elaboração: própria. Nota: valores atualizados com base no deflator implícito do PIB .
Gráfico 3.7 – Despesas de capital da União – em milhões de R$ de 2010
66
Com relação ao grupo de natureza investimentos, o gráfico 3.8 revela uma
trajetória errática de 1995 a 2003, seguida de um movimento ascendente de 2004
em diante, apesar de suave queda entre os anos de 2007 e 2008. Por outro lado, os
únicos momentos em que as despesas atinentes ao grupo não estiveram aquém da
média associada ao período (R$ 26.719,99 milhões) foram em 2001 e de 2007-
2010, reforçando a tese de que, no tocante ao investimento público, a política fiscal
se tornou mais pró-ativa no Segundo Governo Lula.
16.1
01,8
4
16.5
87,7
1
20.2
81,9
7
21.3
85,3
1
16.5
50,9
2
22.6
33,6
1
29.9
87,6
2
18.8
39,6
6
10.5
54,5
7
16.4
52,4
4
24.4
64,0
7
26.0
71,8
5
42.7
46,0
2
41.9
75,2
3
49.5
80,6
3
53.3
06,3
5
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional Elaboração: própria. Nota: valores atualizados com base no deflator implícito do PIB .
Gráfico 3.8 – Despesas da União – grupo investimentos – em milhões de R$ de 2010
Destarte, enquanto o gasto corrente da União se expandiu, entre 1995 e
2010, sem enfrentar fortes reveses, o gasto de capital se mostrou mais instável.
Além disso, ao examinar qual o peso das categorias econômicas no gasto total12,
constata-se a dominância das despesas correntes, as quais respondiam, em 2010,
por cerca de 80%, conforme retrata o gráfico 3.9.
12 Não inclui o refinanciamento da dívida pública.
67
4,78%
3,13%
79,48%
12,60%
(%) correntes
(%) investimentos
(%) inversõesfinanceiras
(%) amortizações
Fonte: Ministério da Fazenda / Tesouro Nacional Elaboração: própria.
Gráfico 3.9 – (%) das despesas correntes e de capital, em 2010
Posto isso, é relevante registrar que o levantamento do investimento público
pela ótica do grupo de natureza da despesa (GND 4) não é o único meio existente.
Há também o indicador denominado formação bruta de capital fixo (FBCF), o qual
está alinhado ao método de apuração das contas nacionais.
Em consonância com a definição aceita pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), a FBCF inclui:
“[...] o valor da aquisição de bens de capital novos, da importação de bens de capital usados e as aquisições, líquidas de cessões, de bens de capital já existentes na economia nacional. Quanto às categorias de ativos considerados, destacam-se os bens imóveis (construções residenciais, comerciais, industriais, obras de infra-estrutura, etc.) e móveis (meios de transporte, máquinas, equipamentos e outros bens de capital). A formação bruta de capital fixo inclui, ainda, o valor dos serviços ligados à instalação dos bens de capital, dos bens e serviços incorporados aos terrenos, das melhorias que elevam a vida útil dos ativos existentes, assim como o valor dos gastos inerentes à transmissão de propriedades de terrenos, edifícios e outros bens de capital existentes. Ficam excluídos da formação bruta de capital fixo o valor da aquisição de pequenos equipamentos, como as máquinas-ferramentas, o gasto com manutenções e reparações ordinárias em ativos tangíveis, bens de consumo duráveis adquiridos pelas famílias e despesas com pesquisas e desenvolvimento.” (IBGE, 2008, p.35-36).
Os dados publicados pelo IBGE destacam ainda a contribuição dos setores
institucionais para a FBCF, dentre os quais: empresas financeiras, empresas não-
68
financeiras, administrações públicas (APUs), famílias e instituições sem fins
lucrativos a serviço das famílias. Sobre a administração pública, é composta por:
[...] - Órgãos governamentais da administração direta e indireta (autarquias, fundações e fundos), nos âmbitos federal, estadual e municipal; e
- Entidades públicas juridicamente constituídas como empresas com funções típicas de governo e cujos recursos são provenientes, em sua maior parte (mais de 50% do total das receitas), de transferências;
- Entidades para-estatais que têm como principal fonte de receita a arrecadação de contribuições compulsórias. São elas:
Sistema S - instituições produtoras de serviços sociais (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI, Serviço Social da Indústria - SESI, Serviço Social do Comércio - SESC, etc.);
Conselhos profissionais - instituições de apoio à regulação das atividades profissionais; e
Fundos de caráter público, como os fundos constitucionais, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e o fundo remanescente do Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP. (IBGE, 2008, p. 84).
Continuando, a obtenção dos dados é feita pelas seguintes fontes:
[...] dados do governo federal, utilizou-se o Balanço Geral da União e o Sistema Integrado de Administração Financeira - SIAFI, da Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, e levantamentos especiais de dados contábeis do FGTS, PIS, PASEP, Sistema S (SENAI, SESI, SESC, etc.) e conselhos profissionais.
As informações dos governos estaduais, assim como dos municípios das capitais e das regiões metropolitanas, foram obtidas através de pesquisa própria do IBGE, Estatísticas Econômicas das Administrações Públicas.
Para os (sic!) governo municipais, além da pesquisa Estatísticas Econômicas das Administrações Públicas, são utilizadas as informações do sistema Finanças do Brasil - FINBRA, da Secretaria do Tesouro Nacional, e do Sistema de Informações de Orçamentos Públicos em Saúde - SIOPS, do Ministério da Saúde. (IBGE, 2008, p.84).
No entanto, em razão de peculiaridades inerentes ao processo orçamentário,
existem controvérsias em torno de qual método produziria o indicador mais
apropriado para representar o investimento do setor público.
De acordo com Orair (2011), as informações divulgadas nos demonstrativos
fiscais do setor público, no que tange ao investimento, não estão em harmonia com
69
os princípios das contas nacionais. Dentre as causas da divergência, o autor cita: o
distanciamento da despesa orçamentária empenhada em relação ao momento
econômico de contabilização das despesas nas contas nacionais e a necessidade
de compatibilizar conceitos, pois a tradução da contabilidade pública para a
contabilidade nacional não ocorre de forma imediata.
Para Gobetti (2006), apesar da equivalência dos conceitos FBCF e
“Investimentos” não ser perfeita, não é a principal causadora de distorções, uma vez
que o impacto da “liquidação forçada” é superior ao que decorre da dificuldade de
depurar os dados relativos ao GND 4, para fins de harmonização com os critérios
das contas nacionais. O autor adverte quanto à possibilidade de um investimento ser
liquidado antes da sua efetivação, ocasionando um descompasso entre a oferta e a
demanda, o qual se reflete nas contas nacionais, mas afirma que o IBGE possui
instrumentos para lidar com a situação.
Perante isso, se faz necessário esclarecer que o intuito ao mencionar
obstáculos à mensuração do investimento público é apresentar ao leitor elementos
que compõem o debate atual ao redor do tema, sem ter a pretensão de aprofundar a
discussão a respeito das metodologias adotadas pelos órgãos governamentais. De
fato, o objetivo específico a ser alcançado nesta seção consiste em analisar o
investimento governamental no período de 1995 a 2010, vis à vis as despesas
correntes. Para tanto, deve-se buscar características gerais que evidenciem o
percurso da variável ao longo do tempo e que sejam comuns às duas óticas citadas.
Vejamos então a evolução da FBCF para as administrações públicas. Neste
caso, os dados coletados não permitem distinguir a parte que cabe ao Governo
Federal, aos estados e Distrito Federal e aos municípios.
O gráfico 3.10 ilustra uma queda inicial, em valores absolutos, de 1994 a
1997, sucedida de uma breve recuperação no ano de 1998. Em 1999, quando se fez
necessário um ajuste fiscal, a FBCF retraiu fortemente, mas se recuperou nos três
anos subsequentes. Entretanto, o investimento tornou a cair em 2003, em face da
política fiscal austera implementada neste ano, chegando ao segundo menor valor
da série, embora, desde então, a trajetória da variável tenha retomado o movimento
de ascensão, até alcançar R$ 104.900,00 milhões, em 2010.
70
É interessante notar que o total investido pela administração pública
correspondia, em 2010, a 2,78% do PIB, porcentagem inferior apenas à auferida em
1994 (gráfico 3.11). Com efeito, o crescimento progressivo verificado nos anos mais
recentes pode estar relacionado à preocupação do governo com as questões ligadas
à infraestrutura econômica, como sugere texto técnico produzido pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Essa retomada do investimento pode ser parcialmente atribuída à mudança de orientação do governo, ainda embrionária, no sentido de reassumir seu papel no planejamento estratégico e promover o crescimento econômico por meio da ampliação dos investimentos públicos, com grande destaque para a retomada das obras voltadas à remoção dos gargalos da infraestrutura (ver o PPA 2008-2011). (IPEA, 2011, p. 3-4).
104.
900
82.7
48,2
8
54.1
08,3
3
49.3
96,0
9
43.6
73,3
1
61.0
87,0
2
36.3
45,0
5
47.7
20,8
5
53.3
40,6
4
56.6
81,7
6
41.8
83,7
1
50.5
79,3
1
52.9
47,2
5
64.1
89,0
2
70.1
85,7
7
86.2
99,6
2
90.1
24
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: dados anteriores a 2000, Ipeadata. De 2000 a 2009, IBGE-Sistema de Contas Nacionais ref. 2000. Dado de 2010, ver IPEA (2011, p. 14). Elaboração: própria. Nota. Valores atualizados com base no deflator implícito do PIB.
Gráfico 3.10 – FBCF administração pública – em milhões de R$ de 2010
71
2,78
%3,61
%
2,26
%
2,02
%
1,73
% 2,42
%
1,43
%
1,81
%
1,99
%
2,06
%
1,51
%
1,72
%
1,75
%
2,04
%
2,10
%
2,45
%
2,57
%
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: dados anteriores a 2000, Ipeadata. De 2000 a 2009, IBGE-Sistema de Contas Nacionais ref. 2000. Dado de 2010 calculado com base em IPEA (2011, p. 14). Elaboração: própria.
Gráfico 3.11 – FBCF administração pública – em (%) do PIB
Deve-se ter em mente que a elevação da taxa de investimento público
coincide com um momento de maior dinamismo da economia brasileira. Outrossim,
contribuiu para a expansão do investimento o espaço proporcionado pela
flexibilização da política fiscal, em decorrência da melhoria dos indicadores de
solvência do setor público.
A este respeito, o IPEA (2011) salienta a importância crescente da execução
direta dos investimentos pelo Governo Federal para o aumento da FBCF, cuja
contrapartida foi a redução da participação dos governos municipais. Isto ocorreu
porque os entes subnacionais estão submetidos a um controle mais rígido do
endividamento e das despesas, além da própria natureza dos investimentos públicos
retomados, nos quais se incluem grandes obras a cargo do Governo Federal e dos
estados.
O lançamento do PAC, em janeiro de 2007, vai ao encontro da tendência
mencionada13. De acordo com balanço do Governo Federal sobre o período 2007-
2010, os investimentos executados pelo programa atingiram, até 31 de outubro de
2010, R$ 559,60 bilhões, o equivalente a 85,1% do valor previsto, e alcançariam, até
31 de dezembro do mesmo ano, R$ 619 bilhões (94,1%). Deste montante, os
investimentos sob a responsabilidade do setor público totalizariam, ao final de 2010,
R$ 267,1 bilhões, estando assim distribuídos:
13 O Governo Federal lançou em 2011 a segunda versão do PAC, que se desenvolverá até 2014.
72
a) R$ 55 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU);
b) R$ 202,8 bilhões das estatais; e
c) R$ 9,3 bilhões a título de contrapartida de estados e municípios
(PROGRAMA, 2010).
Outro fator digno de menção é a influência exercida pelos ciclos eleitorais
sobre a FBCF da administração pública. O “modelo estrutural ajustado”,
desenvolvido pelo IPEA (2011), induz a pensar um padrão segundo o qual a
execução do investimento se intensifica nos anos de eleição e desacelera
imediatamente após, quando tem início um ajuste fiscal. Na opinião de Orair (2011),
a FBCF se decompõe em dois componentes cíclicos: um de frequência bienal, no
âmbito dos governos subnacionais, e outro quadrienal, encontrado nas séries do
Governo Federal e dos governos estaduais.
Em face das evidências explicitadas, conjectura-se que os gastos correntes
são menos suscetíveis a cortes orçamentários que os investimentos, visto que é
inviável contingenciar despesas tais como: pessoal, previdência social, juros da
dívida, benefícios de prestação continuada (LOAS e RMV), dentre outras
obrigatórias. Por conseguinte, faz sentido deduzir quanto ao traçado ascendente da
curva que descreve as despesas correntes, conforme visto no gráfico 3.5.
Contudo, cabe uma seção específica para mensurar quanto (em termos
percentuais) do orçamento da União não está destinado, por determinação da
Constituição Federal ou da legislação infraconstitucional, a despesas obrigatórias.
Pretende-se averiguar, na seção 3.3, a margem disponível para realização de
despesas discricionárias, bem como diagnosticar se a política fiscal adotada no
período 1995-2010 foi pró-cíclica ou anticíclica.
Seção 3.3 - Despesas discricionárias da União e o v iés da política fiscal
brasileira
Um dos objetivos desta seção é discorrer acerca do componente
discricionário das despesas efetuadas pela União, no intervalo de 1995-2010, a fim
73
responder à seguinte questão: existe espaço para o Governo Federal empreender
política fiscal anticíclica por meio do investimento público?
Consecutivamente, almeja-se obter resposta para outra pergunta: pode-se
dizer que a política fiscal realizada ao longo do período estudado teve natureza
anticíclica?
Para cumprir a primeira etapa, será utilizada a base de dados disponibilizada
pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF), órgão vinculado ao Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), no que concerne ao cálculo do
resultado primário pelo regime de competência. Convém relatar que o MPOG (2007)
adota o estágio da liquidação como critério para apuração da despesa
orçamentária.14
A tabela 3.6 traz os montantes relativos aos gastos discricionários federais,
corrigidos para o último ano da série. No ano de 1995, o dispêndio totalizava R$
90.298,94 milhões, chegando aos R$ 106.935,24 milhões, em 2002 (variação de
+18,42%), e, finalmente, R$ 186.730,51 milhões, em 2010 (crescimento de 74,62%
na comparação com 2002). Logo, o aumento acumulado nos anos de 1996 a 2010
foi de 106,79%.
É evidente que o Poder Executivo, em virtude das atribuições que lhe foram
outorgadas pela Constituição Federal de 1988, é o maior responsável por realizar o
gasto público. A título de exemplo, no ano de 2010 apenas 3,79% das despesas não
obrigatórias couberam aos poderes Legislativo e Judiciário.
A decomposição dos gastos da alçada do Executivo revela a predominância
da “categoria econômica da despesa 3” (custeio), haja vista que cerca de 70% do
dispêndio discricionário executado em 2010 são gastos correntes. Porém, em 2002
a participação beirava os 81%, enquanto no ano inaugural da série o percentual era
algo em torno de 78%. Denota, portanto, que as despesas de capital têm
conquistado espaço no orçamento da União, pois representam, desde 2007,
aproximadamente 30% dos gastos não obrigatórios.
Outra questão saliente na tabela 3.6 é a queda das despesas do Executivo
advinda nos períodos 1997-1999, 2001-2003 e 2007-2008. Curiosamente, as
14 Apesar da tentativa, o resultado primário oficial permanece sendo o apurado pelo Banco Central do Brasil, pela metodologia “abaixo da linha”.
74
situações guardam certa similaridade com o desempenho da despesa primária total
do Governo Central - objeto de análise da tabela 3.2. Na ocasião, constatou-se que
a variável caíra nos anos de 1999 e 2003, em relação a 1998 e 2002,
respectivamente.
No que tange aos gastos discricionários, percebe-se que os cortes
impactaram severamente o dispêndio de capital, sendo o principal alvo da contenção
de despesas, como evidencia o gráfico 3.12. Por outro lado, no instante
imediatamente seguinte ao ajuste os gastos pertencentes à categoria econômica
“Capital” se expandiram a um ritmo mais acelerado que a média.
Deveras, patenteia-se que as despesas correntes sentem menos a influência
dos ciclos econômicos que as de capital. Não por acaso, Velloso, Mendes e Caetano
(2009) mencionam o padrão comportamental pró-cíclico, nas fases ascendentes,
das despesas correntes, quando crescem acima da variação do PIB e, ao mesmo
tempo, anticíclico em fases descendentes não relacionadas a uma crise que ameace
a solvência do setor público. Para os autores, com exceção dos anos de 1999 e
2003, a tendência à elevação permanente da razão gasto/PIB se explica pelo
comportamento das despesas correntes.
Tabela 3.6 – Despesas primárias discricionárias da União – em milhões de R$ de 2010
Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Total 90.298,94 86.948,32 97.077,26 95.022,73 92.427,83 100.641,73 113.646,89 106.935,24
1. Executivo 86.960,08 83.006,19 93.304,95 90.803,41 88.655,09 96.578,18 109.520,72 102.092,66
1.1 Correntes 67.914,21 65.034,55 70.242,21 67.981,09 71.540,14 73.876,64 79.460,84 82.685,65
1.2 Capital 19.045,87 17.971,65 23.062,73 22.822,32 17.114,95 22.701,54 30.059,88 19.407,01
2. Legislativo, judiciário e MPU
3.338,87 3.942,13 3.772,31 4.219,32 3.772,75 4.063,55 4.126,18 4.842,58
Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total 88.403,16 105.723,64 121.910,03 128.200,93 155.757,18 154.389,52 174.714,51 186.730,51
1. Executivo 83.996,33 100.043,17 116.041,63 121.808,98 149.146,16 147.649,28 168.244,17 179.657,60
1.1 Correntes 73.343,75 83.122,68 90.088,61 94.438,17 104.416,62 105.167,20 117.119,57 125.925,64
1.2 Capital 10.652,58 16.920,48 25.953,02 27.370,81 44.729,55 42.482,08 51.124,60 53.731,97
2. Legislativo, judiciário e MPU
4.406,83 5.680,47 5.868,40 6.391,95 6.611,02 6.740,25 6.470,34 7.072,90
Fonte: Ministério do Planejamento / Secretaria de Orçamento Federal.
Nota: Valores atualizados com base no deflator implícito do PIB.
75
-60,00%
-40,00%
-20,00%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Total
Correntes
Capital
Fonte: baseado nos dados da tabela 3.6.Elaboração: própria
Gráfico 3.12 – Despesas discricionárias da União – Executivo – variação (%)
em relação ao ano anterior
Dando sequência, o gráfico 3.13 mostra os gastos discricionários do Poder
Executivo - como proporção do PIB e da despesa fixada na lei orçamentária anual
(LOA).15 O desenho das curvas insinua a elevação do patamar de 3,63% para 4,77%
do PIB ou, visto por outro prisma, de 8,01% para 10,17% da despesa prevista na
LOA.
Conquanto tenha aumentado, a margem da qual o Executivo podia dispor em
2010, para fins de políticas discricionárias, era menor que 11% do orçamento da
União. Deste percentual, somente 3,04% foram alocados para despesas de capital,
na qual são contabilizados os investimentos.
Logo, pode-se inferir que o espaço para o Governo Federal realizar política
fiscal anticíclica pela ampliação do investimento é ainda reduzido, por conta do
enorme peso das despesas obrigatórias no orçamento e da rigidez dos gastos com o
15 Relativa aos orçamentos fiscal e da seguridade. Legislação orçamentária disponível para consulta em: <http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=248&sub=264&sec=8>.
76
custeio. Entretanto, a orientação recente do governo, visando à remoção dos
gargalos de infraestrutura, e a estabilidade do ambiente macroeconômico, a qual
reflete nos indicadores fiscais, são condições propícias para que a participação da
FBCF da administração pública seja majorada.
3,63
%
3,40
%
3,69
%
3,59
%
3,50
%
3,65
%
4,09
%
3,71
%
3,02
%
3,40
%
3,83
%
3,86
%
4,46
%
4,20
% 4,80
%
4,77
%
8,01
%
9,16
%
8,03
%
8,02
%
6,82
%
4,25
%
5,60
%
8,44
%
4,96
%
4,50
%
5,11
%
5,51
%
7,78
%
9,34
% 9,83
%
10,1
7%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
(%) do PIB
(%) da LOA
Fonte: MPOG / SOF. Elaboração: própria
Gráfico 3.13 – Despesas discricionárias do Executivo
Enfim, para o alcance dos desideratos preestabelecidos resta verificar se foi
empreendida, em algum momento das gestões FHC e Lula, uma política anticíclica
deliberada. Com o fito de averiguar a veracidade da proposição, serão comparadas
as taxas reais anuais de variação: da receita bruta do Governo Central, da despesa
discricionária da União, da FBCF (empresas, famílias e administrações públicas) e
do PIB.
Cumpre novamente ressaltar que a estatística oriunda das contas nacionais,
no tocante ao investimento público, não segrega a execução por ente da federação.
Apesar da limitação, o arquivo “Consolidação das Contas Públicas”, disponível no
sítio eletrônico do Tesouro Nacional, traz números desagregados por esfera de
governo, grupo de despesa e modalidade de aplicação, para que se tenha uma
noção – no que tange aos valores investidos - do papel desempenhado pela União,
estados e DF e municípios.
A tabela 3.7 exemplifica a decomposição do investimento realizado em 2009.
As aplicações diretas, que eliminam a duplicidade na contagem, somam R$
81.071,89 milhões, sendo os estados os maiores responsáveis (R$ 33.502,12
milhões), seguidos da União (R$ 25.002,52 milhões) e dos municípios (R$ 22.567,26
77
milhões). Todavia, o Governo Federal transferiu cerca de R$ 20 bilhões aos estados,
Distrito Federal e municípios, recursos aplicados em investimentos dos governos
subnacionais.
Desta forma, a União assume o encargo de grande provedora de recursos
financeiros, mediante transferências a órgãos e entidades no âmbito da
administração pública, bem como a instituições privadas, fato demonstrado pelo
somatório das três primeiras colunas da tabela 3.716.
Embora exista a série divulgada pelo Tesouro Nacional, a qual se baseia nos
grupos de despesa da contabilidade pública, entende-se que o conceito de formação
bruta de capital fixo é mais apropriado, a fim de que sejam testadas as conclusões
emanadas do Comunicado nº 126 do IPEA, de 29 de dezembro de 2011.
No que diz respeito a anos pares, a tabela 3.8 registra taxas positivas de
variação do investimento público (exceto 1996), o que pode estar relacionado aos
ciclos eleitorais bienais e quadrienais identificados por IPEA (2011) e Orair (2011).
No caso de 1998, a FBCF das APUs variou +39,87%, na comparação com
1997 e a receita bruta do Governo Central +10,72%, ambas a despeito do fraco
desempenho da economia naquele ano. Contudo, o crescimento pontual do
investimento público não permitiu a equiparação ao patamar de 1994, visto que as
sucessivas quedas ocorridas entre 1995 e 1997 perfazem 47,22%. Ademais, o
contexto era de elevação da dívida pública e de deterioração dos principais
indicadores macroeconômicos internos e externos, fatores que poderiam
comprometer, sobretudo, a estabilidade do Real.
De fato, a DLSP cresceu impetuosamente entre 1995 e 2003, como observa
Giambiagi:
[...] os anos do primeiro Governo FHC (1995-1998) podem ser definidos como sendo de “déficit aberto” [...] Neste contexto, a dívida líquida do setor público (DLSP), que no começo do Plano Real, em 1994, era de 30% do PIB, atingiu 39% do PIB quatro anos depois. O segundo Governo FHC (1999-2002) pode ser definido como sendo de “ajuste com endividamento”, após o forte ajuste primário de 1999. Embora a menor despesa com juros reais e o ajustamento primário tenham diminuído as NFSP nominais do período para 4,0% do PIB, estas continuaram sendo importantes. Ao mesmo tempo, o expressivo aumento da importância relativa da dívida pública
16 O uso desta informação serve unicamente para evidenciar a predominância dos recursos da União no total investido pelas APUs, porquanto deveria ser ainda expurgada a duplicidade na contagem.
78
associada à taxa de câmbio e o reconhecimento de passivos contingentes acabaram elevando a dívida pública para perigosos 51% do PIB no final de 2002. (GIAMBIAGI, 2007, p. 10-11).
Assim sendo, o conjunto de evidências reduz a possibilidade da adoção, em
1998, de uma política fiscal contracíclica deliberada, voltada para elevação da
FBCF, sendo bastante provável a concorrência de fatores de natureza política. De
modo semelhante, o viés negativo da FBCF e das despesas discricionárias, perante
a diminuição das receitas, enfatiza o caráter pró-cíclico da política de gastos adotada
no ano de 1996.
Sobre os anos pares, verifica-se ainda o bom comportamento da economia
brasileira nos anos 2000, 2002, 2004, 2006, 200817 e 2010, o qual coaduna o
crescimento do PIB, da receita e da FBCF das APUs. Logo, não há sinais de que
uma política fiscal anticíclica tenha sido conduzida intencionalmente.
Focalizando os anos ímpares, emergem prontamente os argumentos
apresentados pelo IPEA (2011). No Comunicado nº 126 do Instituto, é ressaltada a
tese de que a FBCF das APUs se acelera em anos eleitorais (pares) e desacelera
ou se contrai seguidamente, entendimento ratificado pelos dados.
Não obstante, cabe rememorar que os anos de 1995, 1997 e 1999 foram
marcados pelas crises mexicana, asiática e cambial brasileira18, nesta ordem, as
quais impactaram o balanço de pagamentos e as contas públicas, com
consequências danosas para a solvência do setor público.
É razoável, então, pensar que o governo estivesse preocupado com o
contágio das sucessivas crises internacionais e, por conseguinte, não pouparia
esforços para defender a estabilidade da moeda. Na realidade, o temor de uma
desvalorização cambial, no final da década de 1990, levou o governo a praticar
elevadas taxas de juros reais, o que causou um severo desequilíbrio orçamentário.
Deste modo, a contração acumulada da FBCF das APUs, de 1995 a 1999, é
coerente com as dificuldades à época vivenciadas pela economia brasileira.
Igualmente, os dados atinentes a 2003 denunciam o viés pró-cíclico da
política fiscal, pois diminuíram: a receita governamental, o investimento público e
17 Lembrando que a crise americana se agravou com a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, repercutindo no PIB brasileiro do quarto trimestre. 18 Teve ainda a crise russa, em 1998.
79
inclusive as despesas correntes da União (ver gráfico 3.5). Afora isso, a FBCF das
empresas e famílias recuou 2,76% e o PIB cresceu parcos 1,15%.
Quanto a 2005 e 2007, os indicadores abordados na tabela 3.8 variaram
positivamente, sem exceção. O resultado pode ser reflexo da conjunção de três
fatores: o boom da economia mundial, o qual coincidiu com o Primeiro Governo Lula
e início de seu segundo mandato, até o agravamento da crise financeira americana;
a estabilidade macroeconômica e a mudança de orientação da política econômica,
após a substituição de Palocci por Mantega, no Ministério da Fazenda. Mesmo
assim, nos dois anos, a FBCF das APUs cresceu menos que em 2004 e 2006,
reforçando a hipótese dos ciclos eleitorais bienais e quadrienais.
Restaram 2001 e 2009, que parecem se distanciar do padrão característico
dos anos ímpares. A diferença fundamental reside no contraponto entre as
performances do PIB e da formação bruta de capital fixo da administração pública.
Em 2001, o PIB real variou +1,31% e a FBCF das empresas e famílias
+1,62%. Enquanto isso, a receita, a despesa discricionária e o investimento público
tiveram elevações mais expressivas – 5,59%, 12,92% e 11,78%, respectivamente.
À vista do descompasso exposto pelos dados, podem ser colocadas duas
perguntas: a política fiscal empreendida em 2001 foi contracíclica? Em caso
afirmativo, ficou caracterizada a intenção de realizá-la? Para responder aos
questionamentos deve-se primeiro revisar os principais acontecimentos respeitantes
ao ano de 2001.
Um evento de ordem interna que restringiu momentaneamente as
potencialidades da economia brasileira foi a chamada “crise do apagão”. De acordo
com Giambiagi (2005a), a baixa intensidade pluviométrica durante o pico sazonal
das chuvas comprometeu a capacidade dos reservatórios da região Sudeste e
Centro-Oeste, alertando sobre um eventual desabastecimento de energia caso não
houvesse um ajuste da demanda. Todavia, o cerne da questão parece ter sido outro.
Ferrari Filho e Terra (2010) creditam a crise de insuficiência energética à
privatização de parcelas substanciais do setor e à contenção dos investimentos
públicos na indústria de produção de energia, a fim de compor superávits primários
nos anos 1990. Em vez de atuar sobre as causas, a solução do governo foi impor
80
aos consumidores a obrigação de cortar 20% do consumo, tendo como base o ano
anterior, ou seja, um ajuste pelo lado da demanda.
Dentre os episódios marcantes ocorridos em 2001 figuram também os
atentados terroristas, nos Estados Unidos da América, e a crise econômica
argentina, os quais abalaram os mercados financeiros pelo mundo.
Por conseguinte, não fosse a repercussão dos três eventos, a economia
doméstica poderia, em 2001, ter mantido ou superado os 4,31% de expansão do
PIB, transcorridos ao longo do ano 2000. Por outro lado, o incremento de 11,78% na
FBCF das APUs, na contramão das forças que arrefeciam a economia real, deve ter
amenizado a intensidade da fase descendente do ciclo econômico.
Diante dos elementos analisados é plausível afirmar que houve política fiscal
anticíclica no ano de 2001. Contudo, não há evidências que possibilitem ajuizar
acerca de sua intencionalidade, diferentemente de 2009, quando o governo se
mostrou disposto a enfrentar as adversidades causadas pela crise financeira dos
Estados Unidos da América (EUA) – também denominada crise americana ou do
subprime.
Prova disso é a declaração de Guido Mantega, Ministro da Fazenda, feita no
dia 1º de dezembro de 2008, a qual foi registrada por emissário do jornal Folha de
SP: “[...] com trabalho, o país vai perseguir o crescimento de 4%. O governo vai
manter todos os seus investimentos programados e, se for necessário, vamos
aumentá-los.” (MANTEGA apud ANTUNES, 2008)
Adicionalmente, foram anunciadas desonerações tributárias, dentre as quais a
redução de IPI para produtos da “linha branca”, conforme discurso do Ministro
Mantega, em 17 de abril de 2009: a partir de hoje, o IPI das geladeiras cai de 15%
para 5%, o de fogões, de 5% para zero, o de máquinas de lavar, de 20% para 10%,
e o de tanquinhos, de 10% para zero". (MANTEGA apud PETRY; WARTH, 2009).
Com efeito, a receita bruta do Governo Central caiu 3,76%, em 2009, o que
pode ter sido tanto pelos incentivos tributários oferecidos quanto em função da
queda da atividade econômica, cujo sinal mais evidente é a contração do PIB real
(0,33%). Entretanto, as despesas primárias discricionárias aumentaram 13,16%,
notadamente as de capital, como demonstra o gráfico 3.12, e a FBCF das APUs
teve elevação de 4,43%.
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82
Deve-se ter em mente, ao analisar os dados, que em 2009 o tecido
econômico do país apresentava fundamentos mais sólidos que outrora. A existência
de um estoque de reservas internacionais em montante considerado satisfatório, o
controle do grau de endividamento do setor público e o fortalecimento do mercado
interno propiciaram mecanismos distintos de enfrentamento, os quais não puderam
ser empregados nas demais crises experimentadas pelo país nos vinte últimos anos,
ainda que estivessem ao alcance dos governos.
Segundo Velloso, Mendes e Caetano (2009), embora o Brasil tenha sido
atingido pela crise americana, como praticamente todos os países, as perdas de
riqueza e a necessidade de reduzir o consumo para recompô-las foram bem
menores que nos EUA e na Europa, em virtude da baixa exposição do sistema
bancário brasileiro a riscos e do rigor da política monetária. Todavia, não houve meio
de escapar incólume, visto que: “[...] diante da contaminação que vem de fora, é
natural que haja comportamento pró-cíclico de parte dos consumidores, dos bancos
e dos investidores, acentuando-se o impacto externo negativo.” (VELLOSO;
MENDES; CAETANO, 2009, p. 8).
Entende-se, portanto, que as medidas fiscais anticíclicas, postas em prática a
partir do agravamento da crise americana, não foram arbitrárias, porque a economia
brasileira tinha condições de absorver eventuais efeitos colaterais decorrentes das
desonerações tributárias e da elevação do investimento público. Em 2009, o
superávit primário do Governo Central foi inferior a 2% do PIB - pela primeira vez
desde 2002 - chegando inclusive a se aproximar dos patamares vistos antes de
1999. Porém, naquele ano, diferente de outras épocas, nem a solvência da dívida
pública brasileira, nem o financiamento do balanço de pagamentos estavam
ameaçados.
Na visão de Ferrari Filho e Terra (2010, p. 15-16), tão somente no ano de
2009
[...] assistiu-se a uma política fiscal balizadora de boas expectativas empresariais. Todavia, esta ação estabeleceu-se como elemento de última instância e não como estabilizador automático par excellence, como seria em uma administração fiscal puramente keynesiana. Outrossim, tal postura fiscal foi confrontada por uma política monetária que muito embora tenha reduzido a taxa básica de juros, não a operacionalizou em níveis condizentes com o necessário para
83
estimular expectativas otimistas num momento de pessimismo espraiado. (grifos dos autores).
Em suma, o Governo Federal buscou deliberadamente, no contexto da “crise
do subprime”, atenuar a flutuação do produto, bem como pôde adotar, para tanto,
uma política fiscal expansiva, em face da margem existente para diminuir o superávit
primário. Os estados e municípios, por sua vez, têm menos facilidade para estreitar
os excedentes fiscais, tendo em vista que:
nos Estados e Municípios, a arrecadação cai, a despesa de pessoal sobe com base em promessas passadas, mas não há margem para reduzir muito os excedentes fiscais. Nesse caso, os dirigentes se vêem instados a reduzir o item mais flexível dos gastos, que são os investimentos, ou a pedir socorro financeiro ou renegociação de dívidas à União; [...] (VELLOSO; MENDES; CAETANO, 2009, p.8).
Os autores assinalaram ainda o perigo latente numa forte queda dos
excedentes, se combinada à subida desenfreada dos gastos correntes, fatores que
poderiam fazer ressurgir o velho problema da insolvência. Para eles, seria desejável
a expansão do investimento público, ao tempo em que os gastos correntes fossem
cortados.
A problemática levantada por Velloso, Mendes e Caetano (2009) é de
extrema relevância para o campo das finanças públicas, por se tratar dos impactos
originários da elevação permanente das despesas correntes, a exemplo dos
benefícios previdenciários, sobre a situação fiscal do Brasil no médio e no longo
prazos. Em razão de o assunto transcender o escopo da presente dissertação, fica
como sugestão à comunidade de pesquisadores, para que a temática seja explorada
em futuras pesquisas.
Por ora, pode-se dizer que a política fiscal foi pró-cíclica durante quase todos
os anos pertencentes ao período 1995-2010, à exceção de 2001 e 2009. Nestes, o
governo adotou medidas anticíclicas, tais como as desonerações tributárias, em
2009, e o aumento da FBCF, em ambos. No entanto, não foram identificadas
evidências capazes de qualificar a política expansionista de 2001 como sendo algo
deliberado, ao contrário de 2009, quando o governo declarou abertamente suas
intenções.
84
Outrossim, evidenciou-se a interferência do calendário eleitoral na FBCF das
APUs, uma vez que o aumento das despesas com investimento tende a ser mais
intenso nos anos pares, quando há eleições presidenciais ou municipais.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram estudados alguns aspectos da política fiscal brasileira no intervalo
1995-2010, com ênfase na despesa governamental. Constatou-se que, nos anos
pós-Real, tanto a arrecadação quanto os gastos do governo central se elevaram em
ritmo mais acelerado que o produto interno bruto.
Apesar do esforço fiscal para promover o superávit primário, o Brasil
continuou a apresentar substanciais déficits nominais, devido à prática de elevadas
taxas de juros ao longo do período estudado. Nos instantes iniciais do Plano Real, o
manejo deste instrumento de política monetária teve por finalidade fomentar o
ingresso de capital estrangeiro, para financiar os déficits em transações correntes e,
mais recentemente, tem sido empregado com a intenção de conter o
superaquecimento da demanda agregada, em favor do regime de metas de inflação.
A tônica da política econômica dos dois mandatos de FHC foi assegurar a
estabilidade do real a qualquer custo. Para tanto, foram praticadas elevadas taxas
de juros, que implicaram severo ajuste das finanças públicas. O viés estabilizador da
política fiscal se mostrou, então, inibidor do dispêndio público gerador de condições
favoráveis à expansão da demanda, em especial do investimento produtivo.
No tocante aos oito anos de Governo Lula, pode-se observar dois momentos
bem distintos, cuja linha divisória imaginária é a troca do Ministro da Fazenda,
quando a ortodoxia característica da gestão de Palocci deu lugar à filosofia
desenvolvimentista de Mantega. Adicionalmente, a progressiva redução da razão
endividamento público/PIB, a contar de 2004, e dos encargos financeiros incidentes
sobre o principal da dívida abriram espaço fiscal para a expansão do investimento
governamental, sem comprometer com isso o ajuste das finanças do Estado.
Desta forma, a política fiscal deixou de ser meramente passiva para se
transformar num instrumental complementar de estímulo à atividade produtiva,
imbuído da tarefa de suprir a deficiência de demanda efetiva, tal como aconteceu em
2009. Frise-se a recuperação pelo Estado da capacidade de promover o
investimento, seja diretamente, seja por meio dos financiamentos do BNDES.
Demonstrou-se que a trajetória da variável foi errática nos anos de 1995 a 2003,
86
seguida de um movimento ascendente de 2004 em diante, apesar de suave queda
entre os anos de 2007 e 2008.
Além disso, esta dissertação objetivou apresentar os conceitos da visão
mainstream que são norteadores da política fiscal recente, em contraposição à
proposta teórica de Keynes e seus adeptos, de modo a acrescentar elementos ao
debate em torno da eficácia da política fiscal, contudo, sem a pretensão de esgotar a
discussão do tema.
De acordo com a teoria convencional, a austeridade fiscal é um indicador
capaz de sinalizar aos agentes econômicos o comprometimento com a estabilidade
macroeconômica, que propiciaria um ambiente adequado para o investimento
privado. Diversamente, Keynes e os pós-keynesianos propõem a intervenção estatal
justamente para atenuar as flutuações relacionadas ao ciclo econômico, as quais
são provocadas pela instabilidade do investimento numa economia tipicamente
monetária.
A concepção da política fiscal proposta por Keynes não é conivente com a
irresponsabilidade, ou seja, não avaliza práticas que acarretem desequilíbrio das
contas públicas. Portanto, é desprovido de validade associar os ensinamentos de
Keynes a uma atitude permissiva com relação à intervenção estatal na economia e
despreocupada com a geração continuada de déficits públicos.
Ademais, no intuito de evitar pressões inflacionárias, deve-se avaliar se a
economia está em pleno emprego, porque, neste estágio, o somatório das
demandas pública e privada será superior à capacidade produtiva do país. Deduz-
se, pois, que as medidas de cunho fiscal devem ter caráter contracíclico, de maneira
a contrarrestar as oscilações da demanda agregada. Assim, o governo estaria
preocupado tanto com a insuficiência de demanda quanto com o seu excesso.
Disto se pode inferir que o orçamento de capital, cuja composição presume
despesas discricionárias, desempenharia o papel de regulador da demanda efetiva,
enquanto o orçamento corrente limitar-se-ia aos bens e serviços essenciais, a fim de
que se preserve o equilíbrio fiscal e se evite a aceleração da inflação.
Considerando as categorias econômicas da despesa, notou-se que as
despesas correntes em valores reais cresceram entre 1995 e 2010, sem a
ocorrência de grandes reveses, enquanto o gasto de capital se mostrou mais
87
instável. Além disso, ao examinar qual o peso das categorias econômicas no gasto
total, constatou-se a dominância dos gastos correntes, os quais respondiam, em
2010, por cerca de 80%.
Conquanto tenha aumentado, no intervalo de 1995 a 2010, a margem da qual
o Poder Executivo podia dispor para fins de políticas discricionárias, neste ano, era
ainda menor que 11% do orçamento da União. Deste percentual, somente 3,04%
foram alocados para despesas de capital, na qual são contabilizados os
investimentos. Visto de um prisma diferente, em 2010, o dispêndio discricionário
correspondia a 4,77% do PIB, ante 3,63%, em 1995.
Desta forma, compete pontuar que o espaço para o Governo Federal realizar
política fiscal anticíclica pela ampliação do investimento é ainda reduzido, por conta
do enorme peso das despesas obrigatórias no orçamento e da rigidez dos gastos
com o custeio. Entretanto, a orientação recente do governo, visando à remoção dos
gargalos de infraestrutura, e a estabilidade do ambiente macroeconômico, a qual
reflete nos indicadores fiscais, são condições propícias para que a participação da
FBCF da administração pública seja majorada.
Focalizando os gastos discricionários, percebe-se que os cortes realizados
em 1999, 2003 e 2008 impactaram severamente o dispêndio de capital, sendo o
principal alvo da contenção de despesas. Por outro lado, no instante imediatamente
posterior ao ajuste, os gastos pertencentes à categoria econômica “Capital” se
expandiram a um ritmo mais acelerado que a média.
A respeito da formação bruta de capital fixo das administrações públicas,
verificou-se a crescente participação da variável proporcionalmente ao PIB. Como
sugere o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (2011), a elevação
progressiva nos anos mais recentes pode estar relacionada à mudança de
orientação do governo, ainda embrionária, com vistas a reassumir seu papel no
planejamento estratégico e promover o crescimento econômico por meio da
ampliação do investimento público, com destaque para as questões ligadas à
infraestrutura econômica.
Outro fator digno de menção é a influência exercida pelos ciclos eleitorais
sobre a FBCF das APUs. O “modelo estrutural ajustado”, desenvolvido pelo IPEA
(2011), induz a pensar um padrão segundo o qual a execução do investimento se
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intensifica nos anos de eleição e desacelera logo após, quando tem início um ajuste
fiscal. Adicionalmente, na visão de Orair (2011), a FBCF se decompõe em dois
componentes cíclicos: um de frequência bienal, no âmbito dos governos
subnacionais, e outro quadrienal, encontrado nas séries do Governo Federal e dos
governos estaduais.
Diante do exposto, pode-se afirmar que a política fiscal foi pró-cíclica durante
quase todos os anos pertencentes ao período 1995-2010, exceto em 2001 e 2009.
Nestes, foram adotadas medidas anticíclicas, tais como as desonerações tributárias,
em 2009, e o aumento da FBCF em ambos. Todavia, não se identificou evidência de
que a política expansionista de 2001 foi deliberada, ao contrário de 2009, quando o
Governo Federal assumiu publicamente o intento de executar política fiscal
anticíclica.
De maneira diferente de outras épocas, nem a solvência da dívida pública
brasileira, nem o financiamento do balanço de pagamentos estavam ameaçados no
contexto da crise financeira americana. Entende-se, portanto, que os estímulos à
demanda agregada pelo governo brasileiro foram viáveis somente porque a
economia tinha condições de absorver, num contexto de crise, eventuais efeitos
colaterais resultantes das desonerações tributárias, da elevação do investimento
público e da redução do superávit primário.
No entanto, deve-se repensar a forma como é administrada a política de
déficit público brasileira, a qual não permite que se constituam fontes de
financiamento no longo prazo, visto que os fluxos de pagamento financeiro são
patrocinados pelos superávits primários. Com isso, impõem-se limites para os
dispêndios governamentais estimuladores da demanda agregada e do crescimento
da riqueza social.
Uma alternativa plausível seria considerar o orçamento biparte keynesiano, no
qual as despesas discricionárias do orçamento de capital desempenhariam papel
regulador da demanda efetiva, enquanto o orçamento corrente deveria ser
superavitário, a fim de que se preserve o equilíbrio das contas públicas e se evite a
aceleração inflacionária.
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