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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Ciência, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
André Luiz Siqueira Alencar
Representação da Falência do Lehman Brothers durante a Crise Financeira de
2008 em Editoriais Americanos e Brasileiros
Um Enfoque Crítico da Gramática Sistêmico-Funcional
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
São Paulo
2018
André Luiz Siqueira Alencar
Representação da Falência do Lehman Brothers durante a Crise Financeira de
2008 em Editoriais Americanos e Brasileiros
Um Enfoque Crítico da Gramática Sistêmico-Funcional
Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL)
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo como parte dos requisitos para obtenção
do título de MESTRE em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem.
Orientadora: Dra. Sumiko Nishitani Ikeda.
São Paulo
2018
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profa. Dra. Sumiko Nishitani Ikeda (Orientadora)
___________________________________________________
Profa. Dra. Cláudia Moreira dos Santos
___________________________________________________
Profa. Dra. Maximina Maria Freire – PUC-SP
São Paulo, 23 de outubro de 2018
Aos meus pais e irmão.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão
ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, meu profundo
agradecimento pelo financiamento que permitiu a realização desta dissertação de
mestrado.
Processo: 153300
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me oferecer a oportunidade de realizar este antigo sonho.
À Professora Doutora Sumiko Nishitani Ikeda, por toda sua paciência,
gentileza e sabedoria. Sem a sua ajuda, nada disso seria possível.
Ao Professor Doutor Antônio Paulo Berber Sardinha (Tony), homem de
grande conhecimento, que me conduziu ao mestrado como um pai conduz um filho
ao seu primeiro dia de aula.
Aos meus queridos pais e irmão, por confiarem em mim o tempo todo.
A todos os colegas de classe, pela agradável convivência e apoio mútuo.
Ao amigo Marcel, pelos diálogos que tivemos.
A todos os professores doutores do programa em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL, PUC-SP).
À Maria Lúcia (Malu), pela paciência e pelo carinho. E também pelas boas
risadas que demos durante estes dois anos.
Aos professores doutores que tão gentilmente aceitaram integrar a banca de
defesa desta dissertação e que tanto contribuíram para o enriquecimento desta
pesquisa.
[a] text is not made of sounds or letters; and in the same way it is not made of words and phrases and clauses and sentences. It is made of meanings, and encoded in wordings, soundings and spellings.
M. A. K. Halliday (1975, p. 123)
RESUMO
O objetivo desta dissertação é a análise crítica da representação feita pela mídia
com referência à falência do Lehman Brothers, uma das maiores instituições
bancárias do mundo, bem como aos atores envolvidos. Há sempre modos diferentes
de dizer a mesma coisa, e esses modos não são alternativas acidentais. Diferenças
em expressão trazem distinções ideológicas, e assim diferenças de representação.
Na década de 2008, o mundo passou por uma recessão econômica desencadeada
pelos empréstimos hipotecários americanos, que acarretaram falências bancárias,
desemprego e aumento da pobreza. A falência do Lehman Brothers é considerada
como um dos marcos mais importantes do século XXI, igualado somente aos
ataques terroristas de 11 de setembro. A análise será feita em editoriais de dois
jornais: a Folha de S.Paulo e o The New York Times, com apoio básico da
Gramática Sistêmico-Funcional (GSF). A proposta teórico-metodológica da GSF
possibilita relacionar as escolhas léxicogramaticais da microestrutura do texto com a
estrutura macro da ideologia e das relações de força, estabelecendo um elo entre o
social e o individual, o macro e o micro, o social e o cognitivo. Esse tipo de
abordagem é especialmente útil no exame do discurso de diferentes grupos com
características ideológicas específicas. Para a GSF, a língua tem a função de
construir três significados – ou metafunções: ideacional (informação), interpessoal
(interação) e textual (organização linguísticas das referidas metafunções). A GSF
envolve também a Linguística Crítica, para a qual qualquer aspecto da estrutura
linguística carrega significação ideológica – seleção lexical, opção sintática, etc. A
pesquisa deve responder às seguintes perguntas: (a) Como a metafunção
ideacional, por meio da transitividade, pode construir a representação referente à
falência do Lehman Brothers? (b) Que papel têm a metafunção interpessoal, por
meio da modalidade e da avaliatividade nesse processo? Os resultados mostram
que o editorial brasileiro “Cada vez pior” descreve e narra os aspectos negativos da
crise, embora sem se posicionar contra ou a favor da questão, ao passo que editorial
americano “Wall Street Casualties”, ao descrever e narrar, sugere aspectos positivos
da derrocada.
Palavras-chave: Falência do Lehman Brothers. Representação. Editorial brasileiro e
americano. Gramática Sistêmico-Funcional. Linguística Crítica.
ABSTRACT
The objective of this dissertation is the critical analysis of the representation made by
the media regarding the bankruptcy of Lehman Brothers, one of the largest banking
institutions in the world, as well as the actors involved. There are always different
ways of saying the same thing, and these modes are not accidental alternatives.
Differences in expression bring ideological distinctions, and thus differences of
representation. In the decade of 2008, the world went through an economic
recession triggered by US mortgage lending, which led to bank failures,
unemployment and rising poverty. Lehman Brothers’ bankruptcy is considered one of
the most important milestones of the 21st century, equated only with the terrorist
attacks of September 11. The analysis will be made in editorials of two newspapers:
Folha de S.Paulo and The New York Times, with basic support of the Systemic-
Functional Grammar (SFG). The SFG’s theoretical-methodological proposal makes it
possible to relate the lexicographic choices of the text microstructure to the macro
structure of ideology and force relations, establishing a link between social and
individual, macro and micro, social and cognitive typology. This type of approach is
especially useful in examining the discourse of different groups with specific
ideological characteristics. For SFG, language has the function of constructing three
meanings – or metafunctions: ideational (information), interpersonal (interaction) and
textual (linguistic organization of metafunctions). SFG also involves Critical
Linguistics, to which any aspect of the linguistic structure carries ideological
significance – lexical selection, syntactic choice, etc. The research should answer the
following questions: (a) How can ideational metafunction, through transitivity,
construct the representation concerning Lehman Brothers bankruptcy? (b) What role
do interpersonal metafunctions have, through modality and evaluativeness, in this
process? The results show that the Brazilian editorial “Cada vez pior” describes and
narrates the negative aspects of the crisis, however, without positioning against or in
favor of the issue, while the American editorial “Wall Street Casualties” also
describes and narrates, but suggests positive aspects of the collapse.
Keywords: Representation. Systemic-Functional Linguistics. Critical Linguistics.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Metafunção Interpessoal ....................................................................... 31
Quadro 2 – Mood e Modalidade ............................................................................... 32
Quadro 3 – Os subsistemas da Avaliatividade ......................................................... 34
Quadro 4 – Os modos como se apresenta a Avaliatividade ...................................... 34
Quadro 5 – Considerações contextuais gerais ......................................................... 39
LISTA DE TABELA
Tabela 1 – Orientações avaliativas: dimensões semânticas – Atributos avaliativos de
proposições e propostas .......................................................................................... 35
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 – Editorial “Cada vez pior” .......................................................................... 79
Anexo 2 – Editorial “Wall Street Casulaties” ............................................................. 80
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14 1.1 O jornal como um lugar do pensamento nacional ............................................. 16 1.2 O editorial de jornal como um gênero ............................................................... 17 1.2.1 A linha editorial da Folha de S. Paulo............................................................. 18 1.2.2 A linha editorial do The New York Times ........................................................ 19 1.3 A crise financeira de 2007/2008: contexto histórico .......................................... 19 1.4 O Lehman Brothers ........................................................................................... 20 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 23 2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional ..................................................................... 23 2.1.1 A metafunção ideacional ................................................................................ 25 2.1.2 A metafunção textual ...................................................................................... 28 2.1.3 Logogênese .................................................................................................... 30 2.1.4 A metafunção interpessoal ............................................................................. 30 2.1.4.1 O sistema gramatical de MOOD (Sujeito e Finito) ........................................ 31 2.2 Avaliatividade .................................................................................................... 32 2.3 Ideologia ............................................................................................................ 36 2.4 Linguística Crítica .............................................................................................. 37 2.5 Persuasão e Argumentação .............................................................................. 38 3 METODOLOGIA ................................................................................................... 40 2.1 Dados ................................................................................................................ 40 2.2 Procedimentos de Análise ................................................................................. 41 4 ANÁLISE DE REGISTRO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ......................... 43 4.1 Análise de “Cada vez pior”. ............................................................................... 43 4.1.1 Análise de registro .......................................................................................... 44 4.1.2 Análise da transitividade, modalidade e avaliatividade. ................................. 45 4.1.3 Discussão geral de “Cada vez pior”................................................................ 54 4.2 Análise de “Wall Street Casualties” ................................................................. 545 4.2.1 Análise de registro .......................................................................................... 57 4.2.2 Análise da transitividade, modalidade e Avaliatividade .................................. 58 4.2.3 Discussão geral de “Wall Street Casualties” .................................................. 68 4.3 Discussão dos resultados das análises ............................................................. 70 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 73 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 75 ANEXO ...................................................................................................................... 80
14
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação trata das representações feitas pela mídia com referência à
falência do Lehman Brothers, a quarta maior instituição financeira dos Estados
Unidos da América (WARD, 2010) e uma das maiores instituições bancárias do
mundo, durante o período conhecido como “A Grande Crise Financeira de 2008”.
Após causar grandes danos à economia americana, a crise fincanceira expandiu-se
para a Europa, e muitas outras partes do mundo, o que afetou sistemicamente a
economia global.
Na década de 2008, o mundo passou por uma recessão econômica
desencadeada pelos empréstimos hipotecários americanos, acarretando falências
bancárias, desemprego e aumento da pobreza. A falência do Lehman Brothers é
considerada como um dos marcos mais importantes do século XXI, igualado
somente pelos ataques terroristas de 11 de setembro. Sua falência deu-se
publicamente no dia 15 de setembro de 2008. As representações serão analisadas
por meio dos editoriais da Folha de S. Paulo e The New York Times, do dia seguinte
ao evento.
Como afirma Hall (apud FOWLER, 1991), os eventos noticiados na mídia
estão fortemente enviesados pelo teor ideológico de seus produtores, e a questão
de o que incluir ou excluir em uma notícia (FAIRCLOUGH, 1995, p. 4) passa,
necessariamente, por um processo ideológico. O produto não é a notícia ou o jornal,
mas sim os leitores – lucro ou votos, por exemplo. A empresa jornalística é também
uma indústria ou um negócio, com um lugar definido nos assuntos econômicos da
nação e do mundo. É de se esperar, então, que suas atividades e seu produto sejam
parcialmente determinados por essa realidade sendo seus efeitos sentidos no que é
publicado e no modo como a notícia é apresentada. E, como sempre há modos
diferentes de dizer a mesma coisa, esses modos não são alternativas acidentais.
Diferenças em expressão trazem distinções ideológicas e, assim, diferenças de
representação (FOWLER, 1991). Daí a necessidade de o linguista crítico ter em
mente que as notícias veiculadas pelas mídias não são o resultado de um processo
ideologicamente neutro; pelo contrário, são investidas das relações de poder
subjacentes à sociedade. Portanto, essa crise, no caso, uma de suas extensões – a
15
falência do Lehman Brothers – também nos ensina que sua divulgação pela mídia
está altamente enviesada pelo filtro ideológico de quem a veicula.
O objetivo desta dissertação é a análise crítica da representação feita pela
mídia com referência à falência do Lehman Brothers, uma das maiores instituições
bancárias do mundo, bem como aos atores envolvidos.
O meu interesse pelo tema decorreu das pesquisas de mestrado e de
doutorado de Bang (2003, 2008). Em seu trabalho, Bang (2003) investigou as
representações sociais circulantes na imprensa da Coreia do Sul sobre a Coreia do
Norte e sobre os Estados Unidos, mostrando, por meio das escolhas
lexicogramaticais, que a Coreia do Norte é representada como beneficiária de ajuda
internacional, além de agir como um parceiro não cooperativo no que diz respeito ao
diálogo, incitando atividades militares.
Esta pesquisa conta com o apoio básico da Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF), uma proposta teórico-metodológica de Halliday (1994, 20041), que abriga em
seu interior as noções de modalidade e de avaliatividade. A GSF vê a língua como
uma ferramenta de produção de sentido, por meio de escolhas lexicogramaticais, de
acordo com o contexto, construindo três significados – ou metafunções: ideacional
(informação), interpessoal (interação) e textual (organização linguísticas dessas
metafunções).
O arcabouço da GSF fornece os instrumentos necessários para o objetivo
desta pesquisa, na medida em que permite aliar as escolhas lexicogramaticais feitas
na microestrutura textual à macroestrutura do discurso, revelando aspectos
implícitos na subjacência dos textos. A análise de cunho crítico visa a enfocar a
metafunção interpessoal dessa teoria e, em especial, as noções de modalidade e
sua ampliação na forma de avaliatividade, como propõe Martin (2000).
A pesquisa visa a responder às seguintes perguntas: (a) Como a metafunção
ideacional, por meio da transitividade, pode construir a representação referente à
falência do Lehman Brothers? (b) Que papel têm a metafunção interpessoal, por
meio da modalidade e da avaliatividade nesse processo?
A presente dissertação insere-se no projeto de pesquisa “Recursos para a
realização da persuasão através da avaliação implícita”, inserido no grupo de
pesquisa ACLISF (Análise Crítica e Gramática Sistêmico-Funcional), coordenados
1 Com revisão de Matthiessen.
16
pela professora Dra. Ikeda. Cito alguns trabalhos feitos pelo grupo: Recursos
retóricos para a realização da persuasão implícita em textos argumentativos: O
processo persuasivo sobre o impeachment de Dilma Rousseff nos jornais Folha de
S. Paulo e The New York Times. Um enfoque crítico da Gramática Sistêmico-
Funcional (SANTOS, 2017); Recursos retóricos para a realização da persuasão
implícita em textos argumentativos: Um enfoque da GSF (CANTANHEDE, 2016); A
metáfora ideológica e a persuasão – Um enfoque crítico da GSF (BOLZE, 2016);
Recursos argumentativos presentes em textos dos gêneros ensaio e artigo de
opinião: Uma abordagem sistêmico-funcional (MARCHETTI, 2015); A representação
da imprensa s/o desastre com os aviões Legacy e Boeing: Uma visão crítica sob a
perspectiva da Gramática Sistêmico-Funcional (VIEIRA, 2015); A persuasão em
artigo de opinião: Um enfoque da GSF (SILVA, 2014); As manifestações político-
sociais brasileiras de junho de 2013: Um enfoque sistêmico-funcional (MARTINS,
2014); Interação e persuasão em artigo de opinião de Carlos Heitor Cony: Um
enfoque sistêmico-funcional (TEODORO, 2013).
Além dessa Introdução, esta dissertação está assim estruturada:
Fundamentação Teórica, incluindo: Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) e as
metafunções, referindo-se à: (i) transitividade; (ii) estrutura temática; e (iii)
Modalidade e Avaliatividade (explícita e implícita); persuasão, e as noções de
intersubjetividade e de frame; linguística crítica, que também tem o apoio da GSF.
Metodologia, incluindo os Dados e os Procedimentos de Análise. Análise e
Discussão dos Resultados. Considerações Finais, seguidas pelas Referências e
Anexo.
Antes de iniciar o capítulo da Fundamentação Teórica, apresento, para
contextualizar a minha análise, alguns dados sobre os editoriais da Folha de S.
Paulo e do The New York Times, bem como sobre o Banco Lehman Brothers e sua
falência.
1.1 O jornal como um lugar do pensamento nacional
Várias tradições sobre a mídia jornalística consideram-na como um lugar e
um processo social de construção interacional e ideológica (FOWLER, 1996). O
17
jornal diário exerce um papel único ao estruturar o pensamento social e a
disseminação social do conhecimento sobre assuntos relacionados com agendas
nacionais. Anderson (1991) liga a emergência da “imprensa capitalista” com a
expansão de ideologias em grande escala. Como uma “novela nacional”, afirma
Anderson, as características gerais dos jornais tornam possível às pessoas tomar
parte do discurso nacional e pensarem de si como uma comunidade nacional.
Esse sentimento de comunidade nacional é produzido de dois modos:
primeiro, a comunicação de ideias por meio de jornais; segundo, a experiência
compartilhada dos leitores e o conhecimento de que as pessoas na nação realizam
o ritual diário de ler o mesmo jornal. A afirmação de Anderson sobre o papel
exercido pelos jornais na construção do discurso nacional e na organização das
interações sociais é apoiada por Billig (1995), que fornece um tratamento detalhado
de como o frame (conhecimento de mundo) nacional de referência possa ser
assinalado: explicita ou implicitamente, por meio do conteúdo do texto jornalístico.
Billig afirma que os jornais organizam o pensamento social sobre assuntos
relacionados à agenda nacional por meio de várias mensagens, estereótipos e
expressões dêiticas. Como um lugar social e linguístico importante, portanto, os
jornais exercem o papel primordial na construção do significado social, convidando
os leitores a pensar e refletir sobre vários temas nacionais de diferentes posições de
leitura. Por essas razões, é especialmente importante examinar a reprodução de
crenças sociais e do pensamento nacional sobre assuntos relacionados aos
interesses e posições no jornal diário.
1.2 O editorial de jornal como um gênero
O primeiro ponto é que o editorial de jornal é reconhecível como um gênero
por motivos contextuais e textuais. Contextualmente, é reconhecível por seu
posicionamento no jornal. É frequentemente colocado numa página central, interna
(embora em alguns tablóides populares, o leader possa estar na primeira página),
proeminentemente marcado dos demais, tais como cartas e artigos de destaque, e
em geral encabeçado pelo logotipo do jornal e a data. Ele tem um layout
18
diferenciado e de rotina, desacompanhado de ilustrações (embora isso possa estar
mudando), e – mais significativo de tudo – não é assinado.
O objetivo do editorial é afirmar a visão do jornal a respeito de algum assunto
ou noticias. Assim, isto parece ser o caso, porque o editorial não é assinado. Supõe-
se que eles sejam o trabalho do editor, ou talvez do proprietário. É também, o
objetivo do editorial, persuadir o leitor sobre o ponto de vista do jornal a respeito da
questão em foco. Mas essa noção pode ser demasiado idealística num mundo
comercialmente competitivo de guerras de corte de preços. O objetivo do editorial
pode ser munir, os leitores (os consumidores), de preconceitos, e, assim, contribuir
para manter o hábito do leitor. É nesse ponto que a ideologia entra no editorial, já
que, como parte de suas funções está em atingir e confirmar os interesses dos
leitores, suas preocupações e pontos de vista, ela se torna, nas palavras de
Thompson (1984, p.1), “o pensamento de outros”, na medida em que é uma
interpretação pelo jornal daquilo que o leitor quer ler.
1.2.1 A linha editorial da Folha de S. Paulo
No portal de publicidade da Folha de S. Paulo, é possível ler o seguinte:
“pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência”2. Essa afirmação, de
certa forma, corrobora a leitura feita por Goldenstein (1986, p. 256):
“jogando sempre dos dois lados no campo político, nos marcos do capitalismo, e na medida de suas possibilidades, diversificando a linha de produtos, mesmo com desacertos do ponto de vista da segmentação, o grupo Folha consolidou seu Império. Para qualquer tendência de mercado e da política que se esboçasse, ele tinha um produto pronto para ser ativado. Nos momentos de opacidade apostava nos dois lados. Quando a nitidez aumentava, investia no lado mais forte. Tinha montado um aparato para seguir os ventos e tirar proveito deles, qualquer que fosse a sua direção” (GOLDENSTEIN, 1986, p. 256).
Por outras palavras, sua aparente imparcialidade torna-a um jornal de
indefinições políticas, mas que, no momento oportuno, tira proveito da posição dos
que se mostram mais fortes.
2 http://www.publicidade.folha.com.br/folha/
19
1.2.2 A linha editorial do The New York Times
Com uma linguagem que reflete o inglês padrão americano, o The New York
Times declara-se como um jornal liberal, embora muitos de seus leitores
considerem-no um jornal alienante, com notícias entrecortadas, unilaterais, que,
para serem totalmente entendidas, necessitam de um contraponto a partir de outro
meio midiático3. Por liberal, pressupõe-se uma filosofia progressista, cujos ideais
preconizam a liberdade do indivíduo e igualdade entre os homens. Em jornalismo,
essa concepção traduz-se em liberdade de imprensa, o que pressupõe seu livre
diálogo com a religião, comércio, economia, dentre outros.
1.3 A crise financeira de 2007/2008: contexto histórico
Entre 2007/2008, o mundo experimentou uma das maiores crises
econômicas da história: A Crise Finaceira de 2007/2008, como ficou conhecida a
abrupta queda dos preços dos imóveis no mercado norte-americano, seguida da
falência de bancos, queda das bolsas de valores mundiais e da recessão dos
mercados. Ainda que haja muitas causas em jogo, adotaremos a perspectiva de
Zandi (2008), de que a prática de empréstimos bancários irresponsáveis a
minorias sem renda, bolha imobiliária, baixas taxas de juros e tomadas de risco
extremas elevaram excessivamente o risco de uma falência global. Segundo Ver
Eecke (2013, p. 93) o “dinheiro fácil e barato para o mercado imobiliário foi, assim,
até 2007, um modo efetivo de manter o sonho americano vivo, não obstante o
crescente buraco entre os muito ricos e o resto da sociedade, particularmente os
menos favorecidos4”. É considerada por especialistas do nível de Ben Bernanke
como uma das piores recessões, desde a Grande Depressão de 1930.
Esses empréstimos irresponsáveis, também conhecidos como subprimes,
consistiam, na sua essência, de empréstimos a alguém cujo histórico de crediário
era fraco (ZANDI, 2008:09). Desse modo, não é difícil entender que a crise
3 https://www.nytimes.com/2016/07/24/public-editor/liz-spayd-the-new-york-times-public-editor.html ?_r=0 4 Cheap and easy money for the housing market was thus up to 2007 an effective way to keep the American dream alive notwithstanding the growing income gap between the very rich and the rest of society, particularly the less well off. (Tradução nossa)
20
financeira de 2007/2008 teve suas origens, como mencionado acima, em políticas
imobiliárias duvidosas. Consequentemente, a crise levou a inúmeras taxas de
“fechamento” de empréstimos e muitos bancos foram à falência, já que operavam
sob drásticas perdas. Esse cenário levou os Bancos Centrais a fornecerem
condições monetárias, de modo a encorajar os empréstimos e devolver a
confiança ao mercado de títulos americanos. No entanto, mesmo com os Bancos
Centrais americanos e europeus trabalhando em conjunto, a fim de
reestabelecerem os pilares da economia mundial, não foi o suficiente. Os primeiros
a serem afetados por essas políticas foram os indivíduos de baixa renda, já que
“as taxas de juros eram pós-fixadas, isto é, determinadas no momento do
pagamento das dívidas5. Esse aumento nas taxas de juros desencadeou uma
inadimplência em massa, uma “falha de pagamento” (White; 2009), o que
repercurtiu nas bolsas de valores do mundo todo: arruinando governos,
economias, despedaçando corporações financeiras, entre outros.
De um modo geral, e conforme nos ensina Spence (2011, p. 112), “a crise
deixou à mostra falhas e vulnerabilidades que são menos visíveis em águas
calmas”. Assim, essa crise testemunhou o quão frágil instituições financeiras e o
sistema financeiro como um todo podem ser. Só nos Estados Unidos, muitos
bancos vislumbraram o abismo da falência, requerendo ajuda excessiva do
governo, tais como resgates em forma de injeção de capital (Fannie Mae e
Freddie Mac), casamentos forçados com Instituições mais saudáveis (Wachovia),
dentre outros. O Lehman Brothers Inc., a quarta maior Instituição financeira do
país, e que é motivo desta dissertação, não teve a mesma sorte.
1.4 O Lehman Brothers
15 de setembro de 2008. Os mercados globais assistiam, aterrorizados, à
declaração pública de falência do Lehman Brothers. Naquele mesmo dia, a quarta
maior instituição financeira dos EUA assinaria o Capítulo 11 do Código de
Falência Americano (WARD, 2010). Já era muito tarde, quando o Secretário do
Tesouro americano, Henry Paulson Jr, e o Presidente da Reserva Federal, Ben S.
5 https://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_do_subprime
21
Bernanke, perceberam que estavam diante de uma das piores catástrofes
financeiras da história dos EUA, desde a Grande Depressão de 1930. “Faça a
coisa certa” (WARD, 2010, p. 11) – era esse o leitmotiv do Lehman Brothers:
funcionou por quase 160 anos. Quase.
Como toda empresa, a Lehman Brothers passou por várias dificuldades –
desde a morte de seus fundadores e descendentes – até as várias crises do
século XX: a Grande Depressão de 30, as Guerras Mundiais, a falta de capital,
quando foi subtraída da American Express Co., dentre outras situações
desafiadoras à empresa. Segundo Ward (2010, p. 10) seus executivos seniores
falavam sobre a “notável capacidade do Lehman Brothers”, que incluía
“integridade, força de caráter, comunicação aberta, lealdade e trabalho em
equipe”. Contudo, no dia 15 de setembro de 2008, todos esses valores
desmancharam-se no ar, já que não foram capazes de evitar os escândalos de
corrupção e falência. Com a falta de transparência nos grandes mercados, fraudes
contábeis, auditores antiéticos e problemas de política financeira, dentre outros
muitos fatores, o Lehman Brothers “fechou suas portas” e, com isso, gerou-se uma
rede sistêmica de falências bancárias mundo afora, já que muitos bancos,
espalhados pelos quatro continentes, assumiram os riscos das dívidas por meio
da compra de derivativos6.
No entanto, é preciso ter em mente que o Lehman Brothers poderia ter sido
salvo. A falência do Lehman Brothers foi tão destrutiva, que o Fed e o Tesouro
tinham fortemente sugerido que eles resgatariam qualquer grande banco de
investimentos com problemas, como o fizeram com o Bear Stearns. A súbita
mudança na política feita pelos reguladores pegou o Lehman e os seus potenciais
compradores de surpresa. Se o governo, ao contrário, tivesse deixado claro que
não pretendia resgatar bancos de investimentos em dificuldades, o Lehman e seus
compradores não teriam jogado com o Fed e o Tesouro como fizeram, esperando
por uma garantia do governo em relação às vendas de seus títulos. As
consequências, como vimos anteriormente, enviaram ondas de choque através do
mundo estável do mercado monetário de fundos mútuos.
6 Derivativos: contratos cuja ideia é estabelecer pagamentos futuros, a partir de uma determinada variável econômica, no caso, as dívidas hipotecárias.
22
É dentro desse conturbado quadro político-econômico-social que esta
dissertação pretende analisar a representação da falência do Lehman Brothers nos
editoriais americanos e brasileiros.
23
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Nesta seção, apresento as teorias que compõem o conjunto desta pesquisa.
Em um primeiro momento, apresento um panorama da Gramática Sistêmico-
Funcional (doravante GSF) (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004),
teoria sugerida pelos teóricos da análise crítica como a mais indicada para
correlacionar a macroestrutura dos fatos sociais com a microestrutura das escolhas
lexicogramaticais, graças ao seu caráter tridimensional (FAIRCLOUGH, 1992). A
GSF acolhe em seu núcleo a Linguística Crítica (FOWLER, 1991) e a Avaliatividade
(MARTIN, 2000, 2003), que nos remete a um segundo momento das teorias aqui
elencadas.
2.1 A Gramática Sistêmico-Funcional
A Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) é uma proposta teórico-metodológica
de Halliday (1985, 1994, 2004) e seus colaboradores. Subjacente à GSF, existem
quatro premissas maiores. O modelo estabelece, segundo Eggins (2004, p. 3), que:
● o uso da língua é funcional;
● sua função é construir significados;
● os significados são influenciados pelo contexto social e cultural em que
são intercambiados;
● o processo de uso da língua é um processo semiótico, um processo de
fazer significado por meio de escolhas.
É por essas razões que a GSF é descrita como "uma abordagem semântico-
funcional da língua" (EGGINS, 2004, p. 20), uma teoria que procura entender como
as pessoas usam a língua em diferentes contextos sociais, para fazer sentido do
mundo e das coisas. Para classificar os tipos e significados que os atores sociais
geram, a GSF concebe a língua como a expressão de três metafunções
concorrentes: ideacional, interpessoal e textual (HALLIDAY 2004 [1994], 2005).
Como Martin e White (2005, p. 7) explicam, "a GSF é um modelo multiperspectivo,
24
designado a dar aos analistas lentes complementares para a interpretação da língua
em uso".
A metafunção ideacional representa os eventos das orações em termos de
fazer, sentir (processamento simbólico) ou ser, por meio do sistema da
transitividade; a metafunção interpessoal envolve as relações sociais com respeito à
função da oração no diálogo, e referem-se a dar/pedir informação ou bens &
serviços; a metafunção textual organiza os significados ideacionais e interpessoais
de uma oração, trabalhando os significados advindos da ordem das palavras na
oração.
A língua pode manipular esses três tipos de significados simultaneamente,
porque possui um nível intermediário de codificação: a lexicogramática. É esse nível
que possibilita à língua construir três significados concomitantes, e eles entram no
texto através das orações mediante escolhas feitas no sistema linguístico. Daí
porque Halliday (1994) dizer que a descrição gramatical é essencial à análise
textual. Importante para a GSF é a noção de escolhas. Assim, quando se faz uma
escolha no sistema linguístico, o que se escreve ou o que se diz adquire significado
contra um fundo em que se encontram as escolhas que poderiam ter sido feitas,
mas que não o foram, fato importante na análise do discurso. Em resumo, a GSF
procura desenvolver uma teoria sobre a língua como um processo social e uma
metodologia que permita uma descrição detalhada e sistemática dos padrões
linguísticos.
Alguns fatos mostram que língua e contexto estão inter-relacionados: a)
somos capazes de depreender o contexto de um texto qualquer, já que carrega
consigo aspectos do contexto no qual foi criado); b) somos capazes de predizer a
língua (estrutura sintática, palavras) por intermédio de um contexto; c) sem um
contexto, não somos capazes, em geral, de dizer que conteúdo está sendo
construído. Então, ao fazermos perguntas funcionais, não é o bastante enfocarmos
apenas a língua – é preciso que ela esteja em um determinado contexto. No entanto,
quais características desse contexto afetam o uso da língua?
Para enfrentar essa questão, os sistemicistas lançaram mão de dois conceitos
importantes para a GSF: gênero (contexto de cultura) e registro (contexto de
situação imediata) e o contexto ideológico. O gênero refere-se às práticas sociais
25
mais amplas, nas mais diversas sociedades espalhadas pelo mundo; descreve a
influência das dimensões do contexto cultural sobre a língua.
O registro, por sua vez, diz respeito ao fato de que a língua é modelada por
meio da configuração de significados que acontecem na situação e manifesta-se por
meio das variáveis campo (assunto), relações (status dos interactantes) e modo
(organização do texto), orientados respectivamente pelas três metafunções:
ideacional, interpessoal e textual. É assim que, segundo Eggins (1997), a GSF
explica o modo como os significados são construídos nas interações linguísticas do
dia-a-dia. Por isso, requer a análise de produtos autênticos das interações sociais
(textos orais ou escritos), levando em conta o contexto cultural e social em que
ocorrem, a fim de entender seus significados nos mais diversos níveis.
O terceiro contexto, o ideológico, ocupa um nível superior, referindo-se a
posições de poder, a vieses políticos e a suposições sobre valores, tendências e
perspectivas que os interlocutores trazem para seus textos, e tem chamado a
atenção dos sistemicistas, na medida em que, em qualquer registro, em qualquer
gênero, o uso da língua será sempre influenciado pela nossa posição ideológica. A
análise dos aspectos ideológicos tem sido feita, dentre outros, pela Linguística
Crítica (FOWLER, 1991), que apresento oportunamente.
2.1.1 A metafunção ideacional
Frequentemente, falamos não só do mundo que nos cerca, mas também do
mundo que nos habita. Dito de outra forma, falamos de eventos pertencentes ao
mundo exterior e interior à nossa mente. Para expressarmos essas experiências
externas e internas, usamos a metafunção ideacional. Segundo Halliday (1994), às
nossas experiências exteriores correspondem à eventos e ações e, as experiências
interiores, às reflexões, lembranças e estados de espírito.
Seu correspondente lexicogramatical é o sistema de transitividade, cuja
função é codificar a experiência linguística do mundo externo e interno dos usuários
de determinada língua. Além disso, a transitividade traduz, no nível lexicogramatical,
as relações semânticas de poder de “quem faz o que para quem”. Assim, para que
26
se observe o uso ideacional da língua, o sistema de transitividade requer um modelo
de descrição de toda oração.
Esse modelo, segundo Halliday (1994), compõe-se de três componentes:
processo (grupo verbal); os participantes (grupo nominal) e as circunstâncias
(grupos adverbiais ou frases preposicionais). Ainda, de acordo com o autor, existem
diferentes tipos de processos, conforme representem ações, eventos, estados da
mente ou estados de ser. Aos processos que representam a experiência externa,
Halliday (1994) denominou-os materiais; a experiência interna, mentais; e a
identificação e caracterização, relacionais. No limite entre esses processos, o autor
aponta outros três: os comportamentais (manifestação de atividades psicológicas,
situados entre o material e mental), os verbais (atividades linguísticas dos
participantes, construídas na consciência e em estados fisiológicos, situados entre o
mental e o relacional) e os existenciais (ligados à existência dos seres e situados
entre o material e o relacional). A seguir, um exemplo de cada processo e seus
participantes.
Processos materiais – são processos de fazer, ou seja, envolvem ações físicas e
expressam a noção de que alguma entidade (Ator) fez algo que pode atingir outra
entidade (Meta).
Ana entregou seu texto para a professora na aula passada. Ator MATERIAL Meta Beneficiário circunstância
Processos mentais – são os processos de sentir (HALLIDAY, 1994) e dizem
respeito ao que ocorre (fenômeno) no mundo interior, na mente (do experienciador).
Os verbos que compõem essa categoria são ver, ouvir, amar, gostar, saber e muitos
outros que se referem à afeição e cognição.
Ana pensou seriamente sobre a questão. Experienciador MENTAL Circunstância Fenômeno
27
Processos relacionais – são processos de ser, estar e ter. Eles estabelecem uma
relação entre duas entidades diferentes, e a função deles é somente sinalizar a
existência da relação, ocorrendo sempre um só participante no mundo real, pois o
outro participante é meramente um atributo que lhe pertence.
Ana era uma professora. (a) Atributivo: Portador RELACIONAL Atributo
(b) Identificativo: A professora era a Ana. Identificado RELACIONAL Identificador
Processos verbais – são os processos do dizer. São representados pelos diversos
verbos expressos nos variados tipos de discurso, dada sua característica predominante de
fala. Auxiliam no texto narrativo, tornando possível a existência de passagens dialógicas.
Ana contou a verdade à professora. Dizente VERBAL Verbiagem Receptor
Processos existenciais – são aqueles que expressam a existência de uma
entidade, o existente, sem relacioná-la com qualquer outra coisa. São representados
pelos verbos haver, existir, ter, mas podem ocorrer com outros verbos, dependendo
do contexto.
A seca SE FAZIA PRESENTE no sertão. Existente EXISTENCIAL Circunstância
Processos comportamentais – são aqueles que se referem às ações físicas,
porém como resposta a um estado mental: rir, chorar, dormir, soluçar, gargalhar,
tossir, sonhar etc., que provocam a atividade física.
28
A mulher GEMIA de agonia. Comportante COMPORTAMENTAL Comportamento
Com relação aos processos, diz Halliday que hoje é comum dizer: tomar
banho, fazer um trabalho, cometer um erro, ter um descanso. O verbo aqui é
considerado lexicalmente “vazio”; o processo da oração é expresso pelo nome
funcionando como Escopo. A principal razão para essas construções é a
possibilidade de adjetivação do nome “avaliação”, já que seria difícil encontrar um
verbo para: tomar um banho quente, cometer três erros sérios, dar uma olhada
rápida, dar aquele sorriso, realizar revisões menores.
Ao comparar:
O joalheiro ainda não fez a avaliação.
O joalheiro não avaliou ainda ...
Se o Escopo (avaliação) fosse substituído por um processo (avaliou), essa
construção, de um lado, exigiria uma meta explícita (avaliou o quê), e de outro não
poderia ser explicitada pelo artigo definido a.
Finalmente, as circunstâncias ampliam o sentido da oração, definindo o
contexto no qual uma proposição ocorre (Halliday, 1994). Em termos de significado,
elas se associam aos processos, referindo-se à localização de eventos no tempo
(quando?) ou espaço (onde?), modo (como?) ou causa (por quê?).
2.1.2 A metafunção textual
A metafunção textual constrói, segundo Halliday (1994), os significados
ideacionais e interpessoais, para que a informação possa ser compartilhada pelo
falante e seu interlocutor, proporcionando os recursos para guiar a permuta dos
significados no texto. A oração, na metafunção textual, é constituída por tema e
rema, termos que, embora usados com frequência, ainda não foram definidos
satisfatoriamente.
Cabe considerar as seguintes possibilidades para uma mesma situação real:
29
(a) João beijou Maria.
(b) Maria foi beijada por João.
(c) Foi João quem beijou Maria.
(d) Foi Maria a que foi beijada por João.
(e) O que João fez foi beijar a Maria.
(f) Aquela que João beijou foi Maria.
(g) A Maria, o João a beijou.
Se a estrutura sintática existisse apenas para expressar o conteúdo
proposicional, seria difícil entender a razão da existência dessa variedade de formas.
A forma marcada (a forma não-marcada é (a), ativa declarativa) tem alguma razão
de ser. Vejamos outra situação. Dada uma construção como: O primeiro-ministro
desceu do avião, a continuação preferida será (b) e não (a):
(a) Os jornalistas o cercaram imediatamente.
(b) Ele foi imediatamente cercado pelos jornalistas.
Nelas, interessa mais o modo como o conteúdo é expresso, a ordem das
palavras, a embalagem (packaging) do que o próprio conteúdo (a informação).
Estaria em jogo a avaliação que o falante faz da capacidade de processamento do
ouvinte das coisas que lhe são ditas num dado contexto.
Pode-se falar, assim, em guia do ponto de vista do ouvinte (que é projetado
pelo falante nas suas escolhas textuais). Assim, as condições textuais, tais como,
tematicidade, novidade, continuidade, contraste e recuperabilidade são designadas
por sistemas textuais. Tema, foco informacional, elipse-substituição e referência
fazem contribuições complementares, guiando os ouvintes no processo de construir
sistemas instanciais a partir do texto.
Nos exemplos (a) e (b) acima, a análise pela metafunção textual seria a
seguinte:
TEMA REMA
Os jornalistas o cercaram imediatamente
Ele foi imediatamente cercado pelos jornalistas
30
2.1.3 Logogênese
Segundo Matthiessen (1995), as metafunções interpessoal e ideacional
tratam de domínios de fenômenos que existem fora da língua – fenômenos de
sistemas físicos, biológicos e sociais. Por meio da metafunção ideacional, podemos
construir significados da experiência humana oriundos de fenômenos físicos,
biológicos e sociais; e por meio da metafunção interpessoal, pode-se construir
significados de papéis e relações sociais. Em ambos os modos, ideacional e
interpessoal, criam-se significados; mas o significado é um fenômeno que é de
ordem mais alta do que fenômenos físicos, biológicos e sociais: é o traço distintivo
dos sistemas semióticos.
Para Matthiessen, um sistema por escolhas é um sistema criado por escolhas
no sistema (lexicogramatical) geral, conforme o texto se desenrola; é o produto da
logogênese – a criação de significados por intermédio de escolhas no sistema no
texto. Do ponto de vista do falante, um sistema por escolhas é o sistema de seleção
que ele tem de fazer ao produzir o texto; do ponto de vista do ouvinte, um sistema
por escolhas é o sistema que ele pode criar baseado na interpretação do texto em
desenvolvimento. Um sistema por escolhas é parcialmente uma cópia de parte do
sistema geral, mas ele também incorpora novas configurações de significados.
Sistemas por escolhas desenvolvem-se dentro das três metafunções.
Se agora se interpreta essa situação à luz da expansão da logogênese dos
sistemas ideacionais por escolhas, pode-se observar que, por meio do tema, a
metafunção textual valoriza algum termo do sistema, como sendo o ponto atual de
expansão ou crescimento.
2.1.4 A metafunção interpessoal
A oração está organizada como um evento interativo, envolvendo falante (ou
escritor), e audiência. Os tipos fundamentais de papel de fala são apenas dois: (i)
dar, e (ii) pedir. Portanto, um ato de fala é algo que poderia ser mais
apropriadamente chamado de uma interação: é uma permuta, na qual dar implica
receber e pedir implica dar em resposta (HALLIDAY, 1994, p. 68). Juntamente com
31
essa distinção básica está uma outra distinção, igualmente fundamental, que se
relaciona com a natureza do produto que está sendo permutado. Este pode ser (a)
bens e serviços ou (b) informação.
2.1.4.1 O sistema gramatical de MOOD (Sujeito e Finito)
Na troca de informação, a oração assume a função semântica de proposição,
ao passo que na troca de bens e serviços a função assumida pela oração é de
proposta. Para a realização dessa troca – seja de informação, seja de bens &
serviços – a metafunção interpessoal vê a oração dividida em duas partes
essenciais: mood7 (incluindo, sujeito + finito) + resíduo, conforme o Quadro 1.
Quadro 1 - Metafunção interpessoal
Mood Resíduo
Sujeito Finito
(a) João precisa (Modalidade) estudar a lição
(b) João -va (Tempo Primário) estuda8- a lição
Fonte: Halliday (1994)
Nessa análise, o mood inclui a Modalidade, definidos respectivamente, como:
(a) MOOD (estabelece relações entre papéis de falante e ouvinte, por meio de
verbos modais (e.g. precisa) ou adjuntos modais, além do tempo primário
(no caso, pretérito imperfeito: indicado pelo -VA em precisava). Inclui
também a Modalidade.
(b) MODALIDADE expressa significados relacionados ao julgamento do falante
em diferentes graus sobre o conteúdo da mensagem, abrangendo:
7 Mood tem sido traduzido por Modo (com inicial maiúscula). Mantivemos o termo inglês para evitar confusão como Modo (variável de registro) em início de sentença. 8 Em “estudava”, há uma parte pertencente ao finito (-va) e outra pertencente ao resíduo (estud-), que é o Predicador.
32
(i) Modalização (probabilidade + frequência) – quando se refere à
proposição (troca de Informação);
(ii) Modulação (obrigação + desejabilidade) – quando se refere à proposta
(troca de bens & serviços). Veja resumo no Quadro 2.
Quadro 2 – Mood e Modalidade
DAR PEDIR Produto MODALIDADE
Informação
Proposição → (Informação)
Modalização probabilidade (epistêmica): talvez
É uma hora. Quem saiu? frequência: sempre
Bens e Serviços
Proposta → (Bens & Serviços)
Modulação obrigação (deôntica): deve, precisa
Serviu café. Me dá isso? desejabilidade: quero
Fonte: Halliday (1994)
Halliday (1985, p.163-164) menciona também os epítetos atitudinais
(pesquisado depois como Avaliatividade, (MARTIN, 2000). Autores (e.g., LEMKE
1992, p. 86) notam que essa abordagem tende a confundir as funções interpessoais
e a função do “intrometimento” pessoal. Assim, Thompson e Thetela (1995)
propuseram que se faça uma distinção no interior da metafunção interpessoal, e vê-
la abrangendo duas funções relacionadas, mas relativamente independentes: a
pessoal e a interacional, além do interativo (este para guiar o leitor através do
texto: em resumo, como dissemos antes, etc.).
2.2 Avaliatividade
A avaliatividade (Appraisal) é uma ampliação localizada na Gramática
Sistêmico-Funcional (GSF), que sinaliza os recursos que se usa para avaliar a
experiência social (MARTIN, 2000; MARTIN; WHITE 2005; WHITE, 2003). Tais
recursos podem se realizar por meio de várias estruturas gramaticais e léxico.
Para Martin (2000), no que diz respeito à metafunção interpessoal, a
interação envolve mais que uma simples troca de bens e serviços ou de informação.
33
Segundo essa orientação, nessa metafunção, é possível detectar outros elementos
que evidenciam afeto, julgamento ou apreciação, isto é, a maneira como as pessoas
estão se sentindo, como elas julgam outras pessoas ou como apreciam determinado
objeto.
A análise da avaliatividade é um modo de capturar de maneira compreensiva
e sistemática os padrões avaliativos globais que ocorrem num texto, conjunto de
textos ou discursos institucionais. São os seguintes: os recursos da avaliatividade:
ATITUDE (em termos afetivos, éticos e estéticos); ENGAJAMENTO (o modo como é
feita a avaliação, se de maneira radical ou com negociação) e GRADUAÇÃO (a
intensificação ou a diminuição do tom avaliativo).
ATITUDE:
● Afeto: envolve um conjunto de recursos linguísticos para avaliar a
experiência em termos afetivos, para indicar efeito emocional positivo
ou negativo de um evento.
● Julgamento: envolve significados que servem para avaliar eticamente o
comportamento humano com referência a normas que regem como as
pessoas devem ou não agir.
● Apreciação: constrói a qualidade estética das coisas, dos processos
semióticos do texto.
● Avaliação Social: refere-se à avaliação positiva ou negativa de
produtos, atividades, processos ou fenômenos sociais.
ENGAJAMENTO: é um conjunto de recursos que capacita o escritor (ou o falante)
a tomar uma posição pela qual sua audiência é construída como
partilhando a mesma e única visão de mundo ou, por outro lado, a
adotar uma posição que explicitamente reconhece a diversidade entre
várias vozes.
GRADUAÇÃO: envolve um conjunto de recursos para aumentar ou diminuir a
intensidade da avaliação.
34
Quadro 3 - Os sub-sistemas da Avaliatividade
ATITUDE
(a) Afeto
(in)Felicidade
(in)Segurança
(in)Satisfação
(b) Julgamento
Estima Social
Normalidade [frequente/raro]
Capacidade
Tenacidade
Sanção Social Veracidade
Propriedade [ética]
(c) Apreciação
Reação (impacto): [Isso me cativa?] Reação (qualidade): [Eu gosto disso?]
Composição (equilíbrio): [Eles combinam?] Composição (complexidade): [Fácil de compreender?]
Valoração [Vale a pena?]
ENGAJAMENTO (a) monoglóssico (sem negociação) (b) heteroglóssico (com negociação)
GRADUAÇÃO
(a) Força Aumenta [completamente devastado] Diminui [um pouco chateado]
(b) Foco Aguça [um policial de verdade] Suaviza [cerca de quatro pessoas]
Fonte: Martin (2000)
A Avaliatividade pode apresentar-se de forma inscrita (explícita), evocada
(implícita) ou implícita provocada (entre a explícita e implícita), conforme mostra o
Quadro 4:
Quadro 4 - Os modos como se apresenta a Avaliatividade
Inscrita (explícito) As crianças estavam falando alto.
Evocada (implícito) (tokens de atitude)
As crianças conversavam enquanto ele dava aula.
Implícita provocada (alguma linguagem avaliativa)
A professora já estava na sala, mas as crianças continuavam falando.
Fonte: MARTIN (2000)
Com referência à avaliatividade, Martin (1992) e outros sistemicistas notaram
que as realizações de significados interpessoais, incluindo modalidades e atitudes,
tendem a ser mais prosódicas que as realizações mais segmentáveis e localizadas
nos significados ideacionais. Para Lemke (1998), componentes redundantes,
35
qualificadores e amplificadores ou restritivos, daquilo que é funcionalmente uma
única avaliação, espalham-se por meio da oração ou da oração complexa ou,
mesmo, de longos trechos de um texto. Assim, fica claro, que as avaliações de
proposições e propostas não são independentes em longos textos, em relação à
avaliação de participantes, processos e circunstâncias incluídos em proposições e
propostas.
Lemke (1998) chama de realização prosódica a esse significado atitudinal que
se estende pelo texto e que inclui: a coesão avaliativa, a propagação sintática, a
avaliação projetiva, a avaliação prospectiva e retrospectiva, e sugere que esses
significados avaliativos tenham um papel importante na análise do discurso da
heteroglossia social e da identidade individual e coletiva. O autor examina um corpus
constituído de editoriais.
O autor apresenta sete dimensões semânticas de orientações avaliativas de
proposições e compara-as à modalidade da oração (HALLIDAY, 1994). Em Arial tipo
9, as denominações de Halliday.
Tabela 1: Orientações avaliativas: dimensões semânticas - Atributos avaliativos de proposições e propostas
1. DESEJÁVEL [inclinação]9 É simplesmente ótimo que João venha. É realmente péssimo que João venha.
2. GARANTIDO/PROVÁVEL [probabilidade]
É bem possível que ... É muito duvidoso que...
3. NECESSÁRIO/ADEQUADO [obrigação] É muito necessário que... É inteiramente adequado que ...
4. ESPERÁVEL/USUAL [usualidade] É bem normal que ... É altamente surpreendente que ...
5. IMPORTANTE/SIGNIFICATIVO É muito importante que... É realmente significativo ...
6. COMPREENSÍVEL/ÓBVIO É perfeitamente compreensível que ... É bem misterioso que ...
7. HUMORÍSTICO É simplesmente hilário que ... É muito sério que ...
Fonte: Lemke (1998)
Em contrapartida, devido à existência de vários tipos de nominalização em
certos registros, uma proposição (p.ex., a confirmação chocou a população) num
ponto do texto pode tornar-se condensado (p.ex., confirmação) como um
9 Entre colchetes, a metalinguagem da GSF.
36
participante em outro trecho, e, vice-versa; nesse caso, a nominalização
(especialmente nomes abstratos) pode ser “expandida” pelo leitor em proposições
implícitas ― que denuncia, por exemplo, o Ator implícito por meio da referência a
algum intertexto, ou ao cotexto imediato (p.ex.: João confirmou a denúncia) (LEMKE,
1989)).
2.3 Ideologia
De acordo com Gregolin (1995), a ideologia é um conjunto de representações
dominantes em uma dada classe dentro da sociedade. Como há diversas classes,
diversas ideologias estão permanentemente em contato na comunidade. A ideologia
é, dessa forma, a concepção de mundo de determinada camada social, a forma
como ela representa a ordem social. Dessa maneira, a linguagem é determinada em
última instância pela ideologia, uma vez que não há uma correlação direta entre as
representações e a língua. Santaella (1980) nos diz que “[o]s homens interagem
entre si e com o mundo dentro da ideologia. É ela que forma e conforma nossa
consciência, atitudes, comportamentos, para amoldar-nos às condições de nossa
existência social”. Para Althusser (1994 apud FREEDEN, 2003),), os sujeitos
inevitavelmente pensam sobre as reais condições de sua realidade de uma maneira
peculiar: elas produzem uma descrição.
A ideologia é um dos princípios, além de Campo, Relações e Modo, que
alicerçam o contexto, de acordo com a GSF, teoria de que nos ocuparemos mais
adiante. No entanto, na Teoria de Gêneros e Registro, Eggins e Martin não
elaboraram o argumento da ideologia. Quem o faz foi Banks (2005), que prova que a
ideologia atravessa de modo direto o nível do contexto, afetando o sentido e
estrutura do texto – e que campo, relação e modo não são suficientes para pinçá-la.
Para Banks, entretanto, a ideologia é para ser entendida aqui nos termos da GSF,
ou seja, o conjunto de princípios, além da base semântica e semiótica, que, em
última instância, determina o uso da língua ('configuração cognitiva' ou 'concepção
de mundo'). Desse ponto de vista, ela é moralmente neutra e todos os textos
dependem de uma ideologia, portanto, não na acepção da análise do discurso
crítica, no qual é tida como eticamente indesejável. Banks analisa dois textos do fim
37
do séc. XVII: “Newton’s Opticks”, de Newton (em inglês) e o “Traité de la lumière”, de
Huygens (em francês). Embora abordem o mesmo assunto - a teoria das luzes e
cores - os autores das obras operam sobre ideologias distintas: Newton se apoia no
modelo empírico e Huygens, no cartesiano. Este fato produz um efeito na semântica
e na lexicogramática dos dois textos. Ambos os contextos são virtualmente
idênticos, medidos em termos de Campo, Relações e Modo. Por intermédio do
embasamento conceitual da Gramática Sistêmico-Funcional, Banks demonstra como
as ideologias afetam desigualmente as metafunções semânticas dos textos. A
pesquisa focaliza três áreas de escolhas linguísticas, que refletem os distintos
modos pelos quais os escritores constroem o assunto.
2.4 Linguística Crítica
A Linguística Crítica surge na década de 70, quando um grupo de
pesquisadores se reúne na tentativa de promover uma teoria social da linguagem
que levasse em conta os processos macroestruturais das sociedades, tais como os
processos ideológicos e políticos. Mas era preciso uma teoria microestrutural que
desse conta, na estrutura da língua, dos processos subjacentes ao meio social: a
GSF. Surge, assim, a Análise Crítica do Discurso (FOWLER et al., 1979; KRESS;
HODGE, 1979) que possibilitou relacionar as escolhas lexicogramaticais da
microestrutura do texto com a estrutura macro da ideologia e das relações de força,
estabelecendo um elo entre o social e o individual, o macro e o micro, o social e o
cognitivo.
Devido ao seu caráter multifuncional, a GSF é um suporte para os analistas
críticos, uma vez que os textos, para a GSF, devem ser capazes de expressar,
simultaneamente, a realidade, a ordenação das relações sociais e as identidades
que estabelecem.
Nesse sentido, Fowler procura dar à língua a devida importância, pois,
segundo o autor, ainda que se reconheça o valor da língua no processo de
construção dos discursos em sociedade, o que se observa, na prática, é o fato de
que a língua recebe um tratamento diverso do esperado. Seus esforços, portanto,
direcionam-se no sentido de dar à língua o seu devido valor nos estudos
38
macroestruturais, não somente como uma ferramenta de análise para os linguistas,
mas também como um modo de expressar uma teoria geral da representação.
Segundo Fowler (FOWLER, 1991), o principal ponto teórico diz respeito ao
fato de que diferenças em expressão trazem distinções ideológicas e, assim,
diferenças de representação. Qualquer aspecto da estrutura linguística carrega
significação ideológica ― seleção lexical, opção sintática, etc. ― e todos têm sua
razão de ser. Há sempre modos diferentes de dizer a mesma coisa, e esses modos
não são alternativas acidentais. Daí a necessidade de o linguista crítico ter em
mente que as notícias veiculadas pelas mídias não são o resultado de um processo
ideologicamente neutro; pelo contrário, são investidas das relações de poder
subjacentes à sociedade.
Justifica-se, assim, para Fowler, uma prática linguística direcionada para a
compreensão dos valores ideológicos embutidos no uso da língua. Tal ideário
linguístico tornou-se conhecido como Linguística Crítica.
2.5 Persuasão e Argumentação
Persuasão é um meio de influenciar uma pessoa, isto é, de gerar novas
metas ou ativar metas antigas, por meio do recurso da meta comunicativa de
fisgamento, especialmente por meio da argumentação (POGGY, 2005). Assim, A
persuade B quando A, por meio da comunicação, consegue que B persiga uma meta
MA (meta de A) proposta por A. A assim faz levando B a acreditar que MA é uma
submeta da meta de MB.
Esse processo implica um optar em que outras alternativas são descartadas.
O que legitima a opção por uma determinada meta são os argumentos. É aqui que
os argumentos desempenham um papel essencial (Porta, 2002). A persuasão para
conseguir seu objetivo recorre à argumentação por meio de dois processos:
convicção e de sedução, segundo Kitis e Milapides (1997), A convicção mostra
notícias e comentários como verdadeiras e plausíveis, trabalhando ao longo de
linhas cognitivo-argumentativas; mas, frequentemente, a persuasão recorre ao lado
emocional do leitor, cerceando a sua participação cognitiva no processo e fazendo-o
39
a aceitar a perspectiva do autor e, nesses casos, podemos falar de “sedução” em
vez de convicção.
Por seu lado, Latour e Woolgar (1979, p. 240) afirmam que “o resultado de
uma persuasão retórica é que os participantes devem ser convencidos de que não
foram convencidos”. Segue-se que a persuasão tende a ser altamente implícita, sem
o recurso da linguagem avaliativa associada ao significado interpessoal, caso em
que sua interpretação depende em grande parte do sistema de valores
compartilhados.
Esses instrumentos retóricos, empregados no nível interpessoal como
veículos para recuperar, no nível do discurso, um argumento do “não-dito” (KITIS;
MILAPIDES, 1997, p. 579), mas que realizam o importante papel de estabelecer a
coerência subjacente do texto. Tais instrumentos ajudam a transformar o discurso
em uma sedutora crypto-argumentação, a argumentação que subjaz ao texto
descritivo e narrativo, contribuindo assim para a construção geral da ideologia do
texto, segundo Kitis e Milapides (1997).
A seguir, apresento o Quadro 5, que resume as considerações feitas até aqui.
Quadro 5 – Considerações contextuais gerais
A crise financeira de 2007/2008; contexto histórico
Lehman Brothers
O jornal como um lugar do pensamento nacional
O editorial de jornal como um gênero
A linha editorial da Folha de S.Paulo
A linha editorial do The New York Times
II. Fundamentação Teórica
Gramática Sistêmico-Funcional
Modalidade
Avaliatividade
Ideologia
Linguística Crítica
Persuasão
40
3 METODOLOGIA
A pesquisa de caráter qualitativo é caracterizada pela investigação e pela
interpretação do pesquisador e tem o apoio da Gramática Sistêmico-Funcional
(GSF), que possibilita relacionar as escolhas lexicogramaticais do texto à estrutura
da ideologia e das relações de poder do discurso. Esse apoio leva em conta as
propostas de Kitis e Milapides (1997) e Li (2010).
Segundo Kitis e Milapides, é possível, por meio de uma análise linguística,
empregando todos os métodos e instrumentos que a disciplina oferece, revelar as
condições sociais de produção e de interpretação dessas condições no nível do
discurso. Ao mesmo tempo em que se presta atenção às estruturas lexicais e
gramaticais do texto, a análise considera essas estruturas dentro de um enquadre
mais amplo que contém suposições de natureza ideológica, que, embora não
formem parte da estrutura formal do texto, são aspectos de interpretação sub-
repticiamente insinuados no sub-texto do texto. Assim, também, Li (2010), com base
em van Dijk (2008), focaliza a investigação das relações entre escolhas de certas
formas linguísticas e as ideologias e relações de poder que subjazem a essas
formas, e assim o faz guiado por propostas de análise do discurso crítica e com o
apoio do contexto analítico oferecido pela GSF.
2.1 Dados
O corpus desta pesquisa compõe-se de dois editoriais publicados no dia 16
de setembro de 2008, um dia após o anúncio público da falência do Lehman
Brothers, fato que se deu no dia 15 de setembro de 2008.
Esse critério justifica-se pelo fato de que, no calor do momento, os editoriais
estariam, a princípio, impregnados de marcas avaliativas e modais, diferente se
tivessem sido escolhidos, por exemplo, uma semana ou mais, após o incidente. Da
plataforma norte-americana, decidimos pelo editorial do jornal The New York Times,
pois se trata do jornal mais visto por usuários espalhados por todo o mundo, o que
afeta as escolhas linguísticas feitas pelo editor, já que seu público é muito mais
vasto do que a versão impressa do jornal, restrita apenas aos cidadãos americanos.
41
Além do mais, os EUA são o lugar onde a falência do Lehman Brothers ocorreu, e o
quartel-general do The New York Times encontra-se na mesma cidade do incidente,
o que, naturalmente, causou maior impacto em todos aqueles que acompanharam o
drama do Lehman Brothers, em Nova York.
Da plataforma sul-americana, decidimos pelo editorial da Folha de S. Paulo.
Trata-se de um jornal localizado em São Paulo, a cidade mais influente da América
Latina10. Com uma circulação online maior que a impressa, a Folha de S. Paulo
conta com milhões de usuários, seja por meio de celulares, seja por meio de tablets
e computadores pessoais. A escolha de um grande jornal, do país mais influente da
América Latina, deveu-se também ao fato de que, no contexto regional em que
vivemos, a crise financeira não casou grandes impactos, tais como os sentidos pelos
países desenvolvidos11. A seguir, os editoriais selecionados:
a) “Cada vez pior”, editorial do jornal Folha de S. Paulo, publicado em
16/09/2008. Texto na íntegra em Anexo A.
b) “Wall Street Casualties”, editorial do jornal The New York Times, publicado em
16/09/2008. Texto na íntegra em Anexo B.
2.2 Procedimentos de Análise
Para responder às perguntas de pesquisa: (a) que escolhas no sistema de
transitividade e da Modalidade/Avaliatividade contribuem para suas representações?
e (b) Como esses sistemas contribuem para revelar as ideologias subjacentes aos
editoriais em análise? e atenuar a subjetividade de interpretação (GOATLY, 1997),
esta pesquisa inicia a análise dos editoriais, examinando o registro (contexto
situacional) por meio de suas variáveis: campo (assunto), relações (os interactantes)
e modo (a organização linguística das referida variáveis).
Para tanto, a análise segue o seguinte procedimento:
10 https://noticias.r7.com/internacional/fotos/sao-paulo-e-a-cidade-mais-influente-da-america-latina-veja-a-lista-19082014#!/foto/1 11 https://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/a-rea%C3%A7%C3%A3o-dos-bric-%C3%A0-crise-econ%C3%B4mica
42
(a) Transcrição, na íntegra, do editorial a ser analisado;
(b) Configuração do contexto situacional (Campo, Relação e Modo);
(c) A análise divide-se em duas partes: (i) na linha seguinte após o trecho a
analisar, serão feitas considerações sobre a transitividade; (ii) na linha
seguinte, a análise passa a enfocar a Modalidade e a Avaliatividade,
marcando em negrito os termos analisados;
(d) Em cada parágrafo, segue um comentário sobre a análise feita;
Para que a leitura da análise seja compreendida sem comprometimentos de
outra ordem, faz-se necessário sistematizá-la, a partir do seguinte procedimento:
• Caixa alta – indicação do Processo
• Sublinhado – Participantes e Circunstâncias
• Negrito – análise da Avaliatividade e da Modalidade
• (+) ou (-) se a Avaliatividade for positiva ou negativa, respectivamente.
• (↑) ou (↓) se a Avaliatividade for intensificada ou diminuída
43
4 ANÁLISE DE REGISTRO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este capítulo analisa os editoriais “Cada vez pior”, da Folha de S. Paulo, e
“Wall Street Casualties”, do The New York Times antecedidos pela apresentação
dos textos na íntegra, sublinhando-se os trechos selecionados.
4.1 Análise de “Cada vez pior”.
Texto na íntegra
Editorial
CADA VEZ PIOR
Folha de S.Paulo (16/09/2008)
EUA MUDAM TÁTICA E DEIXAM GRANDE BANCO QUEBRAR, O QUE GERA REAÇÃO
NEGATIVA BRUTAL NO MERCADO FINANCEIRO
“E aqui chegamos, com Paulson [secretário do Tesouro] aparentemente acreditando que
jogar roleta-russa com o sistema financeiro dos EUA era sua melhor opção”. A frase, do
economista Paul Krugman, descreve com argúcia os riscos implícitos na mais nova cartada
do governo Bush na tentativa de domar a crise.
Neste fim de semana, a administração republicana mudou o padrão adotado e decidiu
deixar um grande banco quebrar. A reação imediata dos mercados à concordata do Lehman
Brothers, entretanto, foi devastadora. Uma violenta onda de liquidação varreu as Bolsas no
planeta, que bateram recordes de desvalorização diária. Nova York perdeu 4,4%, e a
Bovespa, 7,6%.
Os bancos centrais na Europa e nos Estados Unidos foram obrigados a oferecer bilionárias
linhas de crédito emergencial ao setor bancário. O Fed abriu um leque de US$ 70 bilhões –
a maior linha de empréstimo de urgência desde os atentados de 11 de setembro de 2001 –
e relaxou as garantias para as instituições tomarem recursos.
As inevitáveis especulações sobre quem seria o próximo na lista da insolvência empurraram
a AIG, gigante mundial dos seguros, para o córner. Uma inusitada intervenção do
governador de Nova York, permitindo à empresa um socorro de US$ 20 bilhões, apenas
adiou para hoje a sequência do drama, o qual, longe de estar restrito à seguradora, abrange
outras instituições financeiras de grande porte.
Criticado por ter socorrido outras empresas ameaçadas, transferindo prejuízos e riscos
privados para o contribuinte, o governo Bush mudou de estratégia não apenas por
motivação política. Por trás do movimento também está a intenção de forçar o enxugamento
44
do setor financeiro, livrando-o de instituições, como certos bancos de investimento,
responsáveis pela especulação, tanto opaca como desenfreada, que originou a crise.
O que a resposta virulenta dos mercados evidencia, contudo, é um ambiente desfavorável a
esse tipo de abordagem. Na ânsia de fazer caixa e escapar do redemoinho da insolvência,
está em marcha uma corrida em manada para vender quaisquer títulos privados que se
tenham em mãos e que ainda sustentem preço. O recado da Casa Branca, de que não
haverá necessariamente ajuda aos “perdedores”, alimenta o pânico dos vendedores.
Mas, quando há um impulso avassalador para desfazer-se de patrimônio, ele acaba se
desvalorizando de modo generalizado e acentuado, como ocorre agora com as Bolsas, as
commodities e as moedas e os papéis de países emergentes. A ação do governo norte-
americano neste fim de semana pareceu fiar-se na convicção de que é possível controlar o
ritmo e a distribuição das perdas numa crise de enormes proporções como esta, fazendo
emergir de seus escombros um sistema mais robusto.
Eis aí uma opção arriscada. Se a hipótese não se comprovar, os custos econômicos e
sociais desta derrocada brutal tenderão a ser ainda maiores.
4.1.1 Análise de registro
Esta seção trata da análise do Registro ― contexto de situação em que se
insere o Editorial ― explicando o Campo: a informação sobre as circunstâncias em
que ocorre a situação exposta no Editorial; Relações: a descrição dos participantes
no Editorial; e Modo: a linguagem em que é feito o Editorial.
Campo: O editor narra sucintamente as causas da falência do Lehman Brothers –
evento ocorrido no dia 15 de setembro de 2008 – um dia antes da produção do texto
editorial. Afirma que, por meio de uma manobra tática dos EUA (hiperonímia para
Paulson, governo Bush e administração republicana) o Lehman Brothers foi deixado
à deriva, o que acarretou sérias consequências às Bolsas de Valores e Mercados
Financeiros espalhados pelo mundo. No decorrer do texto, evidenciam-se as
tentativas (frustradas) de as entidades em jogo para salvar a situação.
Relações: Trata-se do autor do editorial e os leitores da Folha de S. Paulo. O editor
segue as diretrizes do jornal de “selecionar, didatizar e analisar12” informações as
mais diversas. Seu leitor tem, em média, 40 anos, e alto índice de escolaridade.
Nesse universo de leitores, a visão Liberal é predominante. 12 http://www.publicidade.folha.com.br/folha/. Acesso em 10/09/2017.
45
Modo: Texto escrito, formal.
4.1.2 Análise da transitividade, modalidade e avaliatividade.
CADA VEZ PIOR Atributo
Avaliação Social (-)
Comentário: O título recebe uma Avaliação Social Negativa, que se manifesta no Atributo
“pior”. Embora o Portador do Processo Relacional tenha sido omitido, não é difícil retomá-lo
por meio do contexto: as consequências da concordata do Lehman Brothers. Aliás, a menção
ao nome do banco só aparece tardiamente no 3º. estágio, o que pode demonstrar que esse
nome estivesse no frame do leitor, bem como no da maioria da população americana, tal foi o
impacto que causou no mundo financeiro americano.
EUA MUDAM tática e DEIXAM grande banco QUEBRAR, Ator Pr. material Meta Existente Pr. Existencial
Julgamento (-) Mod. Obrigação Avaliação Social (+) Aprec. Reação (-)
o que GERA reação negativa brutal no mercado financeiro. Proc.Existencial Existente Circunstância
Avaliação Social (-) ↑
Comentário: O lide mostra os EUA como Ator do Processo Material, cuja mudança de
tática causa a quebra de um grande banco, embora não cite o nome do banco (Lehman
Brothers), com implicações catastróficas no mercado financeiro. Assim, os EUA são
representados por Julgamento Negativo, já que, deliberadamente, são causadores – via quebra
de um grande banco – acarretam “reação negativa brutal” com Avaliação Social Negativa.
46
“E aqui chegamos, com Paulson [secretário do Tesouro] Experienciador
Avaliação Social (+)
aparentemente ACREDITANDO que jogar roleta-russa Adjunto Comentário Proc. Mental Portador...
com o sistema financeiro dos EUA ERA sua melhor opção”. Portador Proc. Relacional Atributo
Avaliação Social (-) token Avaliação Social (-)
A frase, do economista Paul Krugman, DESCREVE com argúcia Dizente Proc. Verbal Circunstância Julgamento (+)
os riscos implícitos na mais nova cartada do governo Bush Verbiagem Circunstância
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) token
na tentativa de domar a crise. Circunstância Avaliação Social (-) token
Comentário: O Processo Mental “acreditando”, que aponta para Paulson, secretário do
Tesouro, como o Experienciador do Processo, insere a crítica do editorial a uma personalidade
que não poderia “jogar roleta-russa” em sua importante função, atingindo desastradamente o
mercado financeiro americano. Para justificar essa posição do jornal, o editorial traz as
palavras do economista, o Dizente dos “riscos implícitos” da mais nova cartada do governo
Bush. Significativa é a expressão “nova cartada do governo Bush” com Avaliação Social
Negativa, que, assim, trazendo o fato para o contexto, parece incluir uma crítica ao próprio
governo.
47
Neste fim de semana, a administração republicana MUDOU o padrão adotado Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) token
e DECIDIU deixar um grande banco QUEBRAR. Proc. Comportamental Existente Proc.Existencial
Avaliação Social (-) token Mod. Permissão Avaliação Social (-)
A reação imediata dos mercados à concordata do Lehman Brothers, Portador
entretanto, FOI devastadora. Uma violenta onda de liquidação Proc. Relacional Atributo Ator
Avaliação Social (-) ↓ Avaliação Social (-)↑
VARREU as Bolsas no planeta, que BATERAM recordes de Proc. Material Meta Proc.Material Meta ...
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)...
desvalorização diária. Nova York PERDEU 4,4%, e a Bovespa, 7,6%. ... Meta Proc. Material
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
Comentário: De modo semelhante ao primeiro parágrafo, o editorial retoma a linha de
responsáveis da falência do Lehman Brothers, citando o nome do banco pela primeira vez no
texto. Desde o título até aqui, o editor responsabiliza os Atores numa sequência de coesão
lexical por reiteração de léxico: EUA > Paulson > governo Bush > administração republicana.
Suas ações refletem-se, mais uma vez, no equacionamento entre o Portador – representado
pela nominalização “reação” e seu atributo “devastadora”, avaliado negativamente pelo
editorial. Por meio de Processos Materiais, segue-se uma série de Avaliações Negativas sobre
os efeitos das ações irresponsáveis dos Atores dentro do mercado financeiro. Embora o
editorial não teça uma crítica direta ao governo, as escolhas lexicais – noção importante para a
GSF – feitas no texto, mostram certa tendência em representar a falência do banco como um
meio de mostrar a desorientação do governo americano na figura de seu presidente Bush.
48
Os bancos centrais na Europa e nos Estados Unidos foram Meta
OBRIGADOS a OFERECER Proc. Material Proc. Material Mod. Obrigação (-)
bilionárias linhas de crédito emergencial ao setor bancário. O FED Meta Beneficiário-cliente Ator Avaliação Social (-) ↑ Avaliação Social (-)
ABRIU um leque de US$ 70 bilhões – a maior linha de empréstimo Proc. Material Meta ... Avaliação Social (-) ...
de urgência desde os atentados de 11 de setembro de 2001 – ... Meta
... Avaliação Social (-)
e RELAXOU as garantias para as instituições TOMAREM recursos. Proc. Material Meta Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) token
Comentário: Estágio marcado por Processos Materiais e Avaliações Sociais Negativas, dá
início à série de tentativas (frustradas) das entidades em jogo para salvar a situação. Para
mostrar as incomensuráveis consequências da decisão de Paulson e do governo Bush, o
editorial mostra, em bilhões de dólares, as cifras que bancos europeus e americanos foram
obrigados a dispor para garantir as instituições. Nesse contexto, o editorial cita os atentados
de 11 de setembro de 2001, objetivando fazer o leitor relacionar os dois eventos com a ajuda
de seu conhecimento de mundo (o frame). Pode-se então inferir, a partir da proximidade de
referência, que a falência do Lehman Brothers poderia ser considerada como o segundo maior
evento trágico da história moderna.
Notemos, no entanto, que o editorial evita expressar a opinião do jornal sobre o caso,
limitando-se a relatar fatos de conhecimento dos leitores. É como se a Folha de S.Paulo se
mantivesse como um relatador e não um julgador.
49
As inevitáveis especulações sobre quem SERIA o próximo Ator Portador Proc. Relacional Atributo...
na lista da insolvência EMPURRARAM a AIG, gigante mundial dos seguros, (...) Atributo Proc. Material Meta
para o córner. Uma inusitada intervenção do governador de Nova York, Circunstância Ator
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) token
permitindo à empresa um socorro de US$ 20 bilhões, Beneficiário-Cliente Meta
Mod. de permissão Avaliação Social (-) token
apenas ADIOU para hoje a sequência do drama, o qual, Adjunto Modal Proc. Material Meta Portador Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
longe de ESTAR restrito à seguradora, Circunstância Proc. Relacional Atributo Beneficiário
Avaliação Social (-)
ABRANGE outras instituições financeiras de grande porte. Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) token
Comentário: O editorial continua a mostrar as várias instituições atingidas pela queda do
Lehman Brothers, incluindo a gigante seguradora, a AIG, o que faz prever que a situação se
estenderá a outras instituições. As avaliatividades negativas revelam a enormidade do
“drama” que atingiu os EUA e o mundo, embora ainda não tivesse atingido o Brasil. Talvez,
por isso, o tom narrativo continua, sem a interferência crítica direta do editorial que, do
contrário, aconteceria.
50
CRITICADO por ter SOCORRIDO outras empresas ameaçadas, Proc. Verbal Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
TRANSFERINDO prejuízos e riscos privados para o contribuinte, Proc. Material Meta Beneficiário-Cliente
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
o governo Bush MUDOU de estratégia não apenas por motivação política. Ator Proc. Material Meta Circunstância
Julgamento (-) token Adjunto Modal
Por trás do movimento também ESTÁ a intenção de Circunstância Proc. Existencial (existe) Existente
FORÇAR o enxugamento do setor financeiro, LIVRANDO-o de instituições, Proc.Material Meta Proc. Material Meta
Avaliação Social (-)
como certos bancos de investimento, responsáveis pela especulação Identificador Atributo Alcance
Avaliação Social (-) Julgamento (-) Julgamento (-)
tanto opaca como desenfreada, que originou a crise. Atributo Atributo Proc. Existencial Existente
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
Comentário: Neste estágio, o editor mostra uma tendência positiva da situação vigente,
algo como: devido a críticas que recebeu por ter agido em detrimento do contribuinte, o
governo Bush tem um bom motivo para enxugar o setor financeiro, ora em atividade, marcado
por Avaliação Social Negativa. Em termos de representação do evento, o editorial mostra a
falência não só do Lehman Brothers, mas também de todo o sistema financeiro da maior
potência do mundo, e o modo como em processo de avalanche todas as instituições são, de
algum modo, atingidas.
51
O que a resposta virulenta dos mercados EVIDENCIA, contudo, Ator Proc. Material
É um ambiente desfavorável a esse tipo de abordagem. Proc. Relacional Atributo Beneficiário
Avaliação Social (-)
Na ânsia de FAZER caixa e ESCAPAR do redemoinho da Circunstância Proc. Material Meta Proc. Material Circunstância...
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)...
insolvência ESTÁ em marcha uma corrida em manada Circunstância Proc. Existencial Existente Circunstância
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
para VENDER quaisquer títulos privados que se Proc. Material Meta Avaliação Social (-)
TENHAM em mãos e que ainda SUSTENTEM preço. Proc. Relacional Circunstância Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) token
O recado da Casa Branca, de que não HAVERÁ necessariamente Ator Processo Existencial
Necessidade
ajuda aos “perdedores”, ALIMENTA o pânico dos vendedores. Meta Proc. Material Meta
Julgamento (-) Julgamento (-)
Comentário: Estágio sobre o desdobramento das causas da mudança do jogo elencadas no
estágio anterior, o editorial evidencia as graves consequências das ações anteriormente
tomadas: o mercado financeiro não dispõe de mecanismos de controle específicos para esse
tipo de ação, o que força os vendedores a livrarem-se de seus títulos o quanto antes, no intuito
de evitarem a insolvência. Todo esse processo é marcado por Avaliações Sociais Negativas.
52
Esse efeito é ainda mais intensificado por conta da posição defensiva assumida pela Casa
Branca: aos insolventes, não haverá necessariamente ajuda financeira.
Mas, quando HÁ um impulso avassalador para DESFAZER-SE Proc. Existencial Existente Proc. Material
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)↑
de patrimônio, ele acaba se DESVALORIZANDO de modo generalizado Proc. Material
Avaliação Social (-)
e acentuado, como OCORRE agora com as Bolsas, as commodities Proc. Existencial Existente...
e as moedas e os papéis de países emergentes. A ação do governo Existente Experienciador... Avaliação Social (-) token...
norte-americano neste fim de semana pareceu ... Experienciador Proc.Relacional
Avaliação Social (-) token... Modalização:Probabilidade
FIAR-SE na convicção de que é possível Proc. Mental Fenômeno
Modalização: Probabilidade
CONTROLAR o ritmo e a distribuição das perdas Proc. Material Meta Meta
Avaliação Social (-)
numa crise de enormes proporções como esta, fazendo Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) ↑
EMERGIR de seus escombros um sistema mais robusto.
53
Proc. Material Circunstância Meta
Avaliação Social (-) Avaliação Social (+)
Comentário: Ainda com relação aos desdobramentos da mudança de tática do Governo,
esse estágio visa às severas consequências a que as “vítimas do jogo” estão expostas. O
editorial avalia como negativas as ações da “manada”, uma vez que, como exposto, a
desvalorização de patrimônio, no sistema capitalista, dá-se de modo diretamente proporcional
à necessidade de descartá-los. Esse estado de coisas está intimamente ligado, tal como sugere
o editor, à modalização de probabilidade “parece” e ao Processo Mental “fiar-se”, cujo
Fenômeno está marcado por diversas Avaliações Sociais Negativas, referentes ao possível
estado mental dos responsáveis diretos pelas táticas assumidas, isto é, o Governo norte-
americano.
Eis aí uma opção arriscada. Se a hipótese não se COMPROVAR, Atributo Proc. Existencial
Avaliação Social (-)
os custos econômicos e sociais desta derrocada brutal Portador Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) ↑
tenderão a SER ainda maiores. Proc. Relacional Atributo
Modalização: Probabilidade Avaliação Social (-) ↑
Comentário: Estágio de conclusão, de caráter eminentemente avaliativo, expressa, em
apenas um período longo, as opiniões do editor. Considerados todos os responsáveis pela
falência do Lehman Brothers, todas as vítimas de sua falência e algumas avaliações acerca
dos prováveis contextos desta tragédia econômica, o editorial lança mão de uma hipótese
sobre a hipótese, que prevê um cenário de grandes catástrofes, marcado por quatro Avaliações
Sociais Negativas, dentre as quais duas são intensificadas. O Modalizador “tenderão” deixa
54
clara a perspectiva hipotética, ancorada no Processo Relacional, cujo atributo se trata de uma
Avaliação Social Negativa intensificada.
4.1.3 Discussão geral de “Cada vez pior”
A análise do editorial “Cada vez pior” teve como meta responder às perguntas
de pesquisa: (a) Como a transitividade da metafunção ideacional pode construir a
representação referente à falência do Lehman Brothers? (b) Que papel têm a
modalidade e a Avaliatividade nesse processo?
Com relação à transitividade, os EUA, a administração Bush e o Governo
Bush aparecem em Processos Materiais como Atores de uma desastrosa mudança
tática nas regras do jogo econômico, cuja repercussão é tida como o segundo maior
evento trágico do século XXI. Ao permitirem a quebra do quarto maior banco de
investimentos dos EUA, o Lehman Brothers, os responsáveis desencadearam uma
violenta onde de choque no mercado financeiro – Participante/Circunstância – que
aparece como vítima em Processo Existencial. Embora o editorial oscile entre as
entidades culpadas pelo desastre, é possível recobrar, na frase do economista Paul
Krugman, o grande precursor dos acontecimentos: Paulson – secretário do Tesouro
americano. Descrito como Experienciador em Processo Mental Cognitivo, Paulson
vale-se de todo a sua expertise apenas para “jogar roleta-russa com o sistema
financeiro dos EUA”. Como se sabe, esse jogo às escuras do secretário causou um
enorme pânico nos quatro cantos do mundo.
Os Processos Materiais desencadeadores do evento geraram, por sua vez,
Processos Materiais avaliados negativamente pelo editorial [(...) “Uma violenta onde
de liquidação varreu as Bolsas”(...)/(...) “Nova York perdeu 4,4%, e a Bovespa
(perdeu) 7,6%”]. Além do mais, geraram outros Processos Materiais que dizem
respeito às tentativas frustradas dos Atores em jogo de salvar a situação [(..)
“obrigados a oferecer bilionárias linhas de crédito”(...)/ “O Fed abriu um leque de 70
bilhões (...) e relaxou as garantias (...) tomarem recursos(...)”]. De acordo com o
editorial, as ações desencadeadoras do evento foram tomadas tendo em vista não
só o quadro político, mas econômico: o corte com gastos de outras empresas de
investimento, cujas especulações financeiras teriam originado a crise. O editorial, no
55
entanto, alinha-se com a frase de Krugman, ao afirmar, por meio de Processo
Mental Cognitivo, que a ação do governo americano se trata apenas de um “fiar-se”
em possíveis cenários de controle de uma crise de enorme repercussão como essa.
Na tentativa de predizer as consequências da hipótese tomada pelos Atores em
jogo, o editorial, em tom heteroglóssico, equaciona, por meio do Processo
Relacional, os custos dessa manobra arriscada ao Atributo “ainda maiores”, caso a
“jogada” do governo não se concretize.
Em se tratando da Modalidade e Avaliatividade, perpassa sobre o texto um
tom monoglóssico, haja vista o significativo número de frases declarativas, que não
permitem um olhar dialógico sobre as representações da falência do Lehman
Brothers. Soma-se a isso, o caráter avaliativo do texto, que percorre quase toda sua
extensão, na maioria das vezes, com Avaliações Sociais marcadamente negativas.
Assim, por meio de escolhas lexicogramaticais adequadas, a análise com
base na proposta teórico-metodológica da GSF, incluindo em especial a Metafunção
Ideacional, bem como a Metafunção Interpessoal, por meio da Modalidade e da
Avaliatividade, permitiram lançar um olhar crítico e desvendar a representação que o
jornal Folha de São Paulo faz da falência do Lehman Brothers. Ou seja, por meio de
um texto que relata fatos reais, faz correr na subjacência do discurso – à moda de
uma crypto-argumentação (argumentação secreta) – uma representação da falência
como decorrente dos desencontros das instituições financeiras sob o comando de
um dirigente que joga “roleta russa” com implicações negativas para o planeta,
atingindo com sua atitude o próprio governo americano.
56
4.2 Análise de “Wall Street Casualties”
Texto na íntegra
Editorial
WALL STREET CASUALTIES
The New York Times (16/09/2008)
It is oddly reassuring that the Treasury Department and Federal Reserve let
Lehman Brothers fail, did not subsidize the distress sale of Merrill Lynch to Bank
of America, and tried to line up loans for the American International Group, the
troubled insurer, rather than making a loan themselves. Government
intervention would have been seen either as a sign of extreme peril in the global
financial system or of extreme weakness on the part of federal regulators.
Instead, the dizzying events on Wall Street suggest that the system may be
strong enough to absorb the downfall of Lehman and Merrill — though the chaos
at A.I.G. seems harder to swallow. However, the stock market’s initial reaction —
a brutal drop, but not a Black Monday style selloff — offered a ray of hope that
the disruptions may be manageable. And, more important, barring the risk of
cascading failures, regulators finally seem willing to hold Wall Street accountable
for its mistakes.
Lehman’s bankruptcy filing may even provide much needed transparency to
a financial system that has been hamstrung for more than a year by a lack of good
information — on who owns what and who owes how much and to whom.
Lehman’s creditors and other firms involved in its trades will now have to line up
in bankruptcy court, detailing their positions for all to see — and learn from. That
did not happen in the spring when the Fed prevented a bankruptcy filing from
Bear Stearns to avoid what it said would have been a system wide failure.
Still, the disappearance in one weekend of two icons of American capitalism
has negative repercussions, for taxpayers and for the economy.
The Fed has broadened yet again its emergency loan programs for Wall
Street banks, agreeing to take risky and poor quality collateral, like junk bonds.
That puts taxpayers at ever greater risk. Remember, the Federal Reserve already
put the taxpayers on the hook by offering $29 billion in guarantees to quell the
Bear crisis in March. This month, the Treasury Department pledged to make good
if need be on trillions of dollars of obligations of Fannie Mae and Freddie Mac.
In addition to the sheer size of the government’s commitments, the
weakening economy is upping the odds that taxpayers will be footing the bill for
the wipeout on Wall Street. As job losses have risen inexorably this year,
foreclosures hit another record high in August — 304,000 homes in some stage of default
and 91,000 families losing their homes, according to RealtyTrac, an
online marketer of foreclosed properties.
57
As long as foreclosures continue, housing prices will continue to decline and
banks and other financial firms will continue to suffer losses. Continuing losses,
in turn, could force more taxpayer bailouts, by reigniting fears that ongoing
failures may threaten the entire financial system. Preventing foreclosures is the
key to stanching the crisis, but policy makers have been unconscionably slow to
address that aspect of the crisis.
It will require political will, but is not too late to try to decrease foreclosures
by allowing homeowners to restructure their unaffordable mortgages in
bankruptcy court. It is also not too late to stimulate the economy with intelligent
government support, like aid to state and local governments, rather than
campaign year gestures like the tax rebates for virtually everyone that dominated
the first stimulus package.
And it is certainly not too soon to look beyond the current crisis to the flaws
and fallacies of the antiregulatory ideology that has held Washington in its grip
since the Reagan years and allowed the financial excesses that are now stressing
the system to the breaking point.
Making and enforcing new rules is necessary, but that will not be enough.
The nation needs a new perspective on the markets, one that acknowledges the
self destructive bent of unfettered capitalism and its ability, unchecked, to wreak
havoc far beyond Wall Street.
4.2.1 Análise de registro
Esta seção trata da análise do Registro ― contexto de situação em que se
insere o Editorial ― explicando o Campo: a informação sobre as circunstâncias em
que ocorre a situação exposta no Editorial; Relações: a descrição dos participantes
no Editorial; e Modo: a linguagem em que é feito o Editorial.
Campo: Diferentemente do editorial brasileiro, o editor do The New York Times
afirma a responsabilidade da falência do Lehman Brothers por conta de Wall Street,
e não do Departamento de Tesouro e da Reserva Federal, legitimando a posição do
governo americano. Mais ainda, afirma que os eventos ocorridos em Wall Street não
afetam de modo incisivo a economia mundial.
Relações: Trata-se do autor do editorial e os leitores do The New York Times. Com
uma linguagem que reflete o inglês padrão americano e que pode ser entendido
58
tanto pelos cidadãos educados, como pelos não-educados (ROBERTS, 2002), O
The New York Times declara-se como um jornal liberal.
Modo: Texto escrito, formal.
4.2.2 Análise da transitividade, modalidade e Avaliatividade
WALL STREET CASUALTIES Avaliação Social (-)
Comentário: O título tem início por meio de uma Avaliação Social Negativa, que se
manifesta no item lexical “casualties”. Embora, a princípio, “casualties’ refira-se
negativamente a uma pessoa morta ou ferida em uma guerra ou um acidente, ou ainda, a uma
pessoa ou coisa severamente afetada por um evento ou situação, o título esconde uma
armadilha: trata-se da falência do Lehman Brothers que, aos olhos do editor, como se verá,
não representa um acidente no sentido estrito do termo.
It IS oddly reassuring that the Treasury Department and Federal Proc. Relacional Ator
Avaliação Social (+) Avaliação Social (+)
Reserve LET Lehman Brothers FAIL, did not SUBSIDIZE the distress
...Ator Existente Proc. Existencial Proc. Material Meta...
Mod. Obrigação Aprec. Reação (+) Avaliação Social (+)
sale of Merrill Lynch to Bank of America and TRIED TO LINE UP loans
...Meta Proc. Material Meta
Beneficiário-cliente (+) Avaliação Social (+)
for the American International Group, the troubled insurer,
59
Beneficiário-cliente (+) Avaliação Social (-)
rather than MAKING a loan themselves.
Proc. Material Meta
Avaliação Social (+)
Government intervention would HAVE BEEN SEEN either as a sign Fenômeno Proc. Mental Mod. Probabilidade (-)
of extreme peril in the global financial system or of extreme weakness Circunstância
Avaliação Social (-) ↑ Avaliação Social (-) ↑
on the part of federal regulators. Circunstância
Comentário: A despeito do título, este estágio contradiz a Avaliação Social Negativa das
“baixas em Wall Street”: o editor pende a balança para o seu lado positivo, por meio da
Avaliação Social “oddly reassuring”. Embora veja as ações dos Atores em jogo como
negativas, elas justificam-se por meio do modalizador de probabilidade “would”, avaliado
negativamente, já que a ajuda financeira ao Lehman Brothers, poderia ter sido vista como um
sinal de extremo perigo ou extrema fraqueza por parte do sistema global financeiro e dos
reguladores federais (Circunstâncias), respectivamente. O editor sugere, assim, a legitimidade
das ações tomadas pelos Atores envolvidos. Em termos de representação do ocorrido, o
editorial tende a diminuir a gravidade da situação, assim como evita o tom monoglóssico,
preferindo expressões como “tried to line up” ou “would have been seen...”, que suavizam a
opinião do editorial.
Instead, the dizzying events on Wall Street SUGGEST that the system may Ator Proc. Material Portador
Avaliação Social (-) Mod. Probabilidade (+)
BE strong enough TO ABSORB the downfall of Lehman and Merrill Proc. Relacional Atributo Proc. Material Meta
60
Avaliação Social (+) Avaliação Social (-)
– though the chaos at A.I.G. SEEMS harder TO SWALLOW. However, Portador Proc. Relacional Atributo Proc. Material
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) ↑
the stock market’s initial reaction - a brutal drop, but Avaliação Social (-) ↑
not a Black Monday style selloff – OFFERED a ray of hope that Proc. Material Meta
Avaliação Social (+) Avaliação Social (+)
the disruptions may BE manageable. Proc. Relacional Avaliação Social (-) Mod. Probabilidade (+) Avaliação Social (+)
And, more important, BARRING the risk of cascading failures, regulators Proc. Material Meta Portador
Avaliação Social (-) ↑
finally SEEM willing TO HOLD Wall Street accountable for its mistakes. Proc. Relacional Atributo Proc. Material Meta
Avaliação Social (+)
Comentário: Neste estágio, o editor equaciona o Portador “the system” com o Atributo
“strong enough”, no intuito de reforçar a legitimidade das ações dos reguladores, já que o
sistema, como aponta o editor, pode ser capaz de absorver não só a falência do Lehman
Brothers, mas também a do Merril & Co., Inc. – outro banco de investimentos e provedor dos
mais diversos tipos de serviços financeiros. Embora, a princípio, o mercado tenha reagido de
maneira extremamente negativa, o editor avalia-o positivamente, já que o modal de
probabilidade sustenta a hipótese de que eventos financeiros traumáticos podem ser
administráveis e absorvidos pela lógica do mercado. O último período sedimenta o
posicionamento do editor e, por extensão, do The New York Times, uma vez que, como
sugere, ao culparem Wall Street por seus erros, os reguladores evitariam o risco de falências
múltiplas entre os bancos de investimentos e seguradoras de grande porte.
61
Nesse sentido, o editorial, ao contrário do da Folha, acolhe com certa esperança o correr dos
eventos, não esquecendo, em nome da coerência, o caso do A.I.G, mas omitindo o nome de
Paulson ou de Bush.
Lehman’s bankruptcy filing may even PROVIDE much needed Proc. Material Meta …
Mod. Probabilidade (+) Avaliação Social (+)
transparency to a financial system that HAS BEEN HAMSTRUNG for more …Meta Meta Proc. Material
Avaliação Social (+) Avaliação Social (-)
than a year by a lack of good information — on who OWNS what and Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-)
who OWES how much and to whom. Lehman’s creditors and other firms Ator Proc. Material Meta Beneficiário-Cliente Ator …
involved in its trades will now HAVE TO LINE UP in bankruptcy court, …Ator Proc. Material
Mod. Obrigação (+) Avaliação Social (+)
DETAILING their positions for all TO SEE — and LEARN from. That did Proc. Material Meta Proc.Mental Proc. Mental
Mod. Obrigação (+) Julgamento (+) Julgamento (+)
not HAPPEN in the spring when the Fed PREVENTED a bankruptcy filing
Proc. Existencial Ator Proc. Material Meta…
Avaliação Social (+)
from Bear Stearns TO AVOID what it said would HAVE BEEN …Meta Proc.Material Proc. Relacional
Avaliação Social (+) Mod. Probabilidade (-)
a system wide failure. Atributo Avaliação Social (-)
Comentário: O editorial do TNYT vê um ponto positivo decorrente do desastre que
acometeu o Lehman Brothers; a necessidade de transparência no mundo dos negócios.
62
Notemos para isso, a escolha de “provide” relacionado à falência, Avaliação Social Positiva.
Além disso, o modalizador de obrigação will deixa claro que a questão envolve, além do
Lehman, outras empresas que precisarão “detailing their positions to see and learn from”.
No entanto, o editor faz uma crítica sobre a intervenção do governo no resgate de outro banco
de grande porte – o Bear Stearns – por meio do modalizador de probabilidade would, na
medida em que sua falência poderia acarretar uma grande falha no sistema, o que mostra a
inconsistência dos mandatários do setor financeiro.
Continua o tom heteroglóssico, como em “may even provide trades” com modalização de
probabilidade, sem inclusão da modulação de obrigatoriedade. E, mesmo quando lança mão
da obrigação, o editorial o faz em situação em que, tendo aprendido a lição, “will now have to
line up”, agora precisa enfrentar a bancarrota.
Still, the disappearance in one weekend of two icons of American Possuidor …
Avaliação Social (-) Avaliação Social (+)
capitalism HAS negative repercussions, for taxpayers and for the economy. Possuidor Possuído Circunstância
Avaliação Social (-)
Comentário: Apesar do tom que acolhe certa esperança, o editorial não pode deixar de
mencionar a realidade da queda de dois grandes bancos. Faz parte da argumentação recorrer a
fatores reais e de conhecimento do mundo dos leitores, para, assim, envolver com tom de
veracidade os demais argumentos citados futuramente.
The Fed HAS BROADENED yet again its emergency loan programs Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-)
for Wall Street banks, AGREEING TO TAKE risky and poor quality collateral, Beneficiário-Cliente Processo Material Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
like junk bonds. That PUTS taxpayers at ever greater risk.
63
Circunstância Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
REMEMBER , the Federal Reserve already PUT the taxpayers on the hook Ator Proc. Material Circunstância
by OFFERING $29 billion in guarantees TO QUELL the Bear crisis in March. Proc. Material Circunstância Proc. Material Meta
This month, the Treasury Department PLEDGED to make good if need be
Dizente Proc. Verbal Verbiagem… Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
on trillions of dollars of obligations of Fannie Mae and Freddie Mac. …Verbiagem
Comentário: Este estágio inicia-se com Avaliações Sociais Negativas, na medida em que
encara com maus olhos a ajuda do Ator Fed a bancos com pouco ou quase nenhum poder de
barganha. Essa atitude significa uma mudança de comportamento da entidade, que, até então,
dizia que não emprestaria dinheiro para o setor privado. Dentro dessa nova lógica, o
contribuinte aparece como Meta das ações do Banco Central americano. O editor relembra
aos leitores do editorial a armadilha em que o Fed já havia colocado os contribuintes –
novamente na posição de Meta – quando, em março daquele ano, organizou a venda do Bear
Stearns para o JPMorgan, em uma operação em que o Fed teve de empenhar US$ 29 bilhões,
às custas dos contribuintes. Nesse sentido, o editor avalia como negativo o resgate prometido
às duas maiores financiadoras de hipotecas do país – Fannie Mae e Freddie Mac.
Notemos o volume de informações que o TNYT apresenta em comparação com a FSP. E,
nesse volume, pode-se notar, à semelhança com o editorial brasileiro, a situação
inconsistência que domina o mercado financeiro americano. Nesse sentido, a representação
que os dois editoriais fazem do sistema americano se assemelham.
64
In addition to the sheer size of the government’s commitments, Circunstância
Avaliação Social (+)
the weakening economy IS upping the odds that taxpayers will BE FOOTING Portador Proc. Relacional Atributo…
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) Mod.Probabilidade
the bill for the wipeout on Wall Street. As job losses HAVE RISEN inexorably Atributo Ator Proc. Material
Avaliação Social (-) ↑ Avaliação Social (-)
this year, foreclosures HIT another record high in August - 304,00 Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-)
homes in some stage of default and 91,000 families LOSING their homes, Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
according to RealtyTrac, an online marketer of foreclosed properties.
Comentário: Este estágio evidencia as repercussões negativas para os contribuintes, em
meio a uma já cambaleante economia americana. O Processo Relacional equaciona-as às
chances de que contribuintes tenham de arcar com as consequências da má gestão financeira
dos culpados em Wall Street. As crescentes taxas de desemprego, 6,1%, embora distantes das
taxas da crise de 1929 (25%), preocupam o editor, avaliando-as negativamente, uma vez que
repercutem no grande número de hipotecas executadas no mês de agosto de 2008. Além disso,
as famílias – vítimas das hipotecas – estão em posição de Ator, por meio do Processo material
“perder”, também avaliado negativamente pelo editor.
A argumentação em favor da precariedade da gestão financeira é fortalecida pela citação de
várias consequências da falência do Lehman. Não se culpa diretamente o secretário do
Tesouro, nem o governo Bush, mas a situação americana como um todo, atingindo poderosos
e contribuintes do sistema. Esse fato distancia a representação do TNYT do editorial
brasileiro.
65
As long as foreclosures CONTINUE, housing prices will CONTINUE Ator Proc. Material Ator Proc. Material
Mod. Probabilidade (-)
TO DECLINE and banks and other financial firms will CONTINUE TO SUFFER Ator Proc. Material Meta...
Mod. Probabilidade (-)
losses . Continuing losses, in turn, could FORCE more taxpayers bailouts, …Meta Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (+)
by REIGNITING fears that ongoing failures may THREATEN the entire financial Proc. Material Meta Ator Proc. Material Meta…
Mod. Probabilidade
system. Preventing foreclosures IS the key to stanching the crisis, but policy …Meta Portador Proc. Relacional Atributo Portador...
makers HAVE BEEN unconscionably slow TO ADDRESS that aspect of the crisis. …Portador Proc. Relacional Atributo Proc. Material Meta
Julgamento (-)
Comentário: Como Portador em Processo Relacional, as hipotecas, segundo o editor, são
os principais elementos de controle da crise. Esse argumento é reforçado pelo fato de que,
com a quebra do mercado imobiliário e o consequente colapso das hipotecas, os contribuintes
teriam de arcar com uma conta de 190 bilhões de dólares, o que forçaria ainda mais o resgate
financeiro dos contribuintes por parte do governo. Ao avaliar negativamente as perdas dos
bancos e empresas financeiras, o editor reafirma suas preocupações com as consequências da
falência do Lehman, nomeadamente com os contribuintes, o que o leva a equacionar, também
em Processo Relacional, os reguladores (policy makers) ao Atributo “unconscionably slow”,
julgados, naturalmente, como negativos pelo editor. Notemos a ausência de tom acusatório,
66
limitando-se o editorial a narrar os fatos certamente negativos que poderiam ensejar outro
modo de abordagem do assunto.
It will REQUIRE political will, but IS not too late to try TO DECREASE Ator Proc. Material Meta Proc. Relacional Atributo Proc. Material
Mod. Obrigação (+) Avaliação Social (+)
foreclosures by ALLOWING homeowners TO RESTRUCTURE Meta Proc. Material Meta Proc. Material
their unaffordable mortgages in bankruptcy court. Meta Circunstância
Avaliação Social (-)
It IS also not too late TO STIMULATE the economy with intelligent government Proc. Relacional Atributo Proc. Material Meta
Avaliação Social (+)
support, like aid to state and local governments, rather than campaign year gestures Atributo
Avaliação Social (+) Avaliação Social (-)
like the tax rebates for virtually everyone that DOMINATED the first stimulus package. Ator Proc. Material Meta
Avaliação Social (-)
Comentário: O editor sugere, por meio de Processos Relacionais, uma saída para as graves
consequências da falência do Lehman Brothers: vontade política, a fim de diminuir as
hipotecas e de permitir aos proprietários a renegociação de suas dívidas nos tribunais. De
modo implícito, este estágio também sugere como não inteligentes as medidas tomadas pelo
governo Bush, ao assinar o Ato de Estímulo Econômico em fevereiro de 2008, sete meses
antes da falência do Lehman, que propunha o reembolso dos descontos de impostos aos
americanos, de modo a prevenir uma possível recessão econômica. As escolhas
67
lexicogramaticais do texto mostram a ideologia do editorial do TNYT, na sua tentativa de
minimizar a tragédia, com expressões tais como: “but is not too late to try to decrease”,
insistindo mais adiante com “it is also not too late to stimulate the economy with intelligent
government”.
And it IS certainly not too soon TO LOOK beyond the current crisis Portador Proc. Relacional Atributo Proc. Mental Fenômeno
Mod. Probalidade (+)
to the flaws and fallacies of the antiregulatory ideology that Circunstância Ator
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
HAS HELD Washington in its grip since the Reagan years Proc. Material Meta Circunstância
Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
and ALLOWED the financial excesses that ARE now stressing the system Proc. Comportamental Comportante Atributo Proc. Relacional Atributo
Mod. de Permissão (-) Avaliação Social (-) Avaliação Social (-)
to the breaking point.
Circunstância
Avaliação Social (-)
Comentário: Em um único e longo período, o editor, por meio do modal de probabilidade
certainly, resgata os pilares dos diversos problemas enfrentados pelos EUA, para os quais o
Lehman Brothers seria apenas mais uma faceta da mesma moeda: a ideologia antirregulatória
da era Reagan. Essas medidas, iniciadas na década de 80, incluíam cortes de gastos públicos,
controle de oferta de moeda, redução de impostos sobre a renda etc. Tais medidas, como o
próprio editor afirma, permitiram todo tipo de excessos na economia americana e que agora
mostram suas garras impiedosas sobre o sistema financeiro dos EUA. Todo este estágio é
avaliado negativamente pelo editor.
68
Making and enforcing new rules IS necessary, but that will not BE Portador Proc. Relacional Atributo Portador Proc. Relacional
Avaliação Social (+) Mod. Probabilidade (-)
enough. The nation NEEDS a new perspective on the markets, Atributo Experienciador Proc. Mental Fenômeno Circusntância
one that ACKNOWLEDGES the self destructive bent of unfettered Experienciador Proc. Mental Fenômeno…
Avaliação Social (-)
capitalism and its ability, unchecked, to wreak havoc far beyond Wall Street. …Fenômeno Circunstância
Avaliação Social (-)
Comentário: Neste estágio final, o editor opina sobre a necessidade de mudança do sistema
financeiro. O Portador “making and enforcing new rules” e o Fenômeno “the self destructive
bent of unfettered capitalism” retomam, implicitamente, as considerações feitas no penúltimo
estágio, acerca das falhas do sistema antirregulatório, criado na era Reagan.O editor urge pela
necessidade de novas perspectivas nos mercados, na medida em que reconheçam os fracassos
do sistema vigente, porquanto sua capacidade destrutiva afeta não só o mercado interno
americano, como o restante do mundo.
4.2.3 Discussão geral de “Wall Street Casualties”
A análise do editorial “Cada vez pior” também teve como meta responder às
perguntas de pesquisa: (a) Como a Transitividade da Metafunção Ideacional pode
construir a representação referente à falência do Lehman Brothers? (b) Que papel
têm a Modalidade e a Avaliatividade nesse processo?
69
Com relação à Transitividade, os reguladores aparecem como Atores em
Processos Materiais, cujas ações são positivas, embora, a princípio, possam ser
vistas como negativas, uma vez que elas preservam a integridade moral das
instituições governamentais dos EUA, no sentido de não alavancar consequências
ainda mais danosas não só aos mercados financeiros mundiais, como também aos
contribuintes americanos. Assim, a gravidade da situação é atenuada por meio da
legitimidade das ações tomadas pelos reguladores. Processos Materiais como
“suggest”, “absorb”, “offered” e “barring” conformam-se com as ações tomadas pelos
reguladores, na medida em que sustentam a atenuação da gravidade proposta pelo
editor. Nessa lógica, o editor eleva a argumentação para um nível ainda mais
positivo, por meio do Processo Material “provide”, em que aponta a falência do
Lehman como algo positivo e que incita a transparência nas regulamentações do
mercado financeiro, tendo em vista a crise desencadeada pela falência do Lehman
Brothers. Apesar do otimismo frente aos eventos, o editor lança mão de Processos
Materiais, cujos Atores são o Federal Reserve e o Treasury Department, a fim de
criticar as ações de resgate do Bear Stearns, que incidiram diretamente sobre os
contribuintes (em posição de Meta). Ainda com relação às críticas, há Processos
Materiais que contribuem na construção do argumento em favor de contribuintes,
bancos e outras instituições e que poderiam ser afetados diretamente pela má
gestão financeira de Wall Street. Como solução, o editor aponta, em Processo
Relacional, a prevenção de hipotecas, a fim de estancar a crise. Além disso, em
Processos Relacionais e Materiais, o editor sugere como medidas necessárias
vontade política, estímulo econômico e uma visão para além dos problemas
imediatos da crise, isto é, para os anos 80, época das políticas antirregulatórias
desencadeadas por Ronald Reagan, e que agora mostram sua face mais violenta.
Em se tratando da Modalidade, percebe-se a alta incidência da modalidade
epistêmica. As informações são expressas, em sua maioria, por meio da
probabilidade. O único caso de modalizador de obrigação (have to) ocorre em
função dos credores do Lehman e de outras empresas envolvidas na falência do
Lehman Brothers terem de prestar contas nos tribunais, o que reforça o argumento
de culpabilidade de Wall Street pelo editor. O modalizador “would’ sustenta a
argumentação do editor sobre eventos passados que poderiam manchar a imagem
das instituições reguladores da economia americana (Federal Reserve e Treasury
70
Department), caso os Atores em jogo resgatassem o Lehman Brothers da falência.
Nesse sentido, funciona como um salvo-conduto da legitimidade das ações dos
reguladores americanos. Já o modalizador “will” aponta para eventos futuros sobre
predições de graves consequências aos poderosos (bancos e outras instituições
financeiras) e aos contribuintes do sistema. O modalizador “may” surge em Processo
Relacional e Material, na medida em que sustenta o posicionamento do editorial
sobre a atenuação da gravidade da situação em curso.
Por fim, no que diz respeito à Avaliatividade, as Avaliações Sociais Positivas
visam à manutenção dos argumentos do editor, já que sustentam o não resgate do
Lehman Brothers, a culpabilidade de Wall Street (credores e instituições) e a
esperança de uma maior transparência futura dos regulamentos do mercado
financeiro e a capacidade de o sistema financeiro mundial em lidar com eventos
traumáticos como este. Quanto às Avaliações Sociais Negativas, surgem na medida
em que o editor critica não só o desaparecimento de duas grandes instituições
financeiras dos EUA, mas também a abertura de programas de resgate financeiro, o
risco assumido em prejudicar instituições e contribuintes e, mais importante, ainda
que indiretamente, ao problema de fundo que possibilitou todo o fracasso do sistema
financeiro americano: o programa antirregulatório da era Reagan.
4.3 Discussão dos resultados das análises
Ao retomar as perguntas de pesquisa, a) como a Metafunção Ideacional, por
meio da Transitividade, pode construir a representação referente à falência do
Lehman Brothers? e b) que papel tem a Metafunção Interpessoal, por meio da
Modalidade e da Avaliatividade nesse processo?, algumas considerações se tornam
necessárias.
Em primeiro lugar, e no que diz respeito à análise da Transitividade, a Folha
de S. Paulo, diversos Atores são elencados como agentes de Processos Materiais
que culminaram na falência do Lehman Brothers. Desde os EUA, passando pela
administração e governo Bush, até Paulson, secretário do Tesouro Americano, o
editorial enfatiza as desastrosas ações desses Atores, cuja repercussão foi
catastrófica no cenário financeiro mundial. Em posição de Experienciador de
71
Processo Mental, encontra-se Paulson, que, no editorial, é o grande responsável
pela falência do banco. Suas ações desencadearam uma ampla gama de novos
Processos Materiais dentro e fora dos EUA e, embora o editorial evite o julgamento
das ações decorrentes dos Atores em jogo, constrói uma representação subjacente
da falência, a partir do caos criado entre a irresponsabilidade das instituições
financeiras e as ações premeditadas de um dirigente que joga “roleta russa” com o
sistema financeiro, o que, por sua vez, culminou com problemas inimagináveis não
só para o próprio governo americano, como para o resto do mundo.
Diferentemente do editorial da Folha de S. Paulo, o The New York Times
aponta como responsáveis o próprio Wall Street – personificados nos credores do
Lehman Brothers e outras empresas envolvidas nos eventos – tal como aparecem
nos Processos Materiais “have to line up”, “detailing” e “hold...accountabble”. Nesse
sentido, a representação do editorial americano atenua as ações dos reguladores
financeiros, já que, por meio de Processos Relacionais e Materiais, defende o
argumento de que eventos deste tipo são prontamente absorvidos e manejáveis pelo
sistema, à maneira de um laisse faire. Assim, a representação da falência do
Lehman Brothers pelo The New York Times distancia-se do editorial brasileiro, na
medida em que não culpa o secretário do Tesouro nem o governo ou a
administração Bush, mas a situação dos EUA como um todo, que recai tanto sobre
os poderosos como sobre os contribuintes.
Em segundo lugar, a respeito da Modalidade/Avaliatividade, o editorial da
Folha de S. Paulo delega à Modalidade o papel de construir a representação da
falência do Lehman Brothers por meio de frases declarativas, que não permitem a
interlocução, haja vista o escasso número de adjuntos, verbos e expressões
modalizadoras. Embora o editor não julgue os eventos descritos e narrados,
mantendo-se, assim, neutro a maior parte do tempo, o editorial está repleto de
Avaliações Sociais Negativas, como consequência direta das ações irresponsáveis
tomadas pelos Atores em jogo, nomeadamente o secretário do Tesouro, Pauslon.
Quanto ao editorial americano, a incidência da modalidade epistêmica
expressa, na maioria dos casos, a probabilidade. Essa constante sugere a quase
ausência do tom acusatório por parte do editorial, e mesmo quando precisa tratar de
aspectos negativos, utiliza-se de modalidade de probabilidade e não de
obrigatoriedade. Ainda quanto à ausência de tom acusatório, encontra-se, em
72
Processo Relacional e Material, o modalizador may, em situações em que o editorial
afirma que o sistema financeiro é capaz de lidar com tragédias anunciadas como
esta. Nesse sentido, o editorial sugere aspectos positivos da derrocada. Já os casos
de modalidade de obrigação ocorrem, por exemplo, em função dos credores do
Lehman e de outras empresas envolvidas na falência do Lehman Brothers terem de
prestar contas nos tribunais (have to), ou ainda, quando reconhecidos os culpados, é
preciso fazê-los detalhar suas posições nos tribunais (will now have to line up). Em
ambos os casos, reforça-se o argumento de culpabilidade de Wall Street. No
entanto, mesmo quando fala em tom de obrigatoriedade, é para mostrar que se
submete à obrigação como resultado de um aprendizado.
Por fim, no que diz respeito à Avaliatividade, as Avaliações Sociais Positivas
alinham-se à posição do editorial em sustentar as ações dos reguladores em não
resgatar o Lehman Brothers. Mais ainda, reforçam a culpabilidade de Wall Street na
presença de seus credores e instituições. Nesse sentido, as Avaliações Sociais
Positivas sustentam a opinião do editor, na medida em que argumenta não só a
favor de maior transparência na regulamentação do mercado financeiro, mas
também da capacidade do capital em lidar com eventos traumáticos como este. As
Avaliações Sociais Negativas, por fim, criticam desde o desaparecimento de grandes
bancos americanos, passando pela abertura de linhas de crédito de resgate
financeiro a bancos, até o risco assumido em prejudicar instituições e contribuintes.
Nesse sentido, as consequências da falência do Lehman Brothers elencadas acima,
resultam, de acordo com o editor, de um problema mais antigo e sistemático: o
programa antirregulatório da era Reagan.
73
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa tratou da representação da falência do Lehman Brothers
em editoriais brasileiros e americanos durante a crise financeira de 2008.
Como pesquisador na área da Linguística Aplicada, a leitura de editoriais me
fez refletir sobre as diferentes construções de um mesmo evento por meio de vieses
ideológicos completamente distintos e que conduzem, por sua vez, o leitor a modos
distintos de percepção da realidade desse mesmo evento. Por meio da Gramática
Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) e suas
ampliações como a Linguística Crítica (FOWLER, 1991) e a Avaliatividade (MARTIN,
2000, 2003), pude identificar as estruturas de linguagem que contribuíram para
leituras tão diferentes como as que foram apresentadas nos dois editoriais.
Minha intenção precípua foi compreender que escolhas semânticas em
ambos os editoriais construíram a representação de uma das maiores tragédias da
primeira década do século XXI. Grandes eventos que marcam e moldam nossa
história devem ser entendidos por meio da pesquisa linguística, pois é na
linguagem que se forjam os instrumentos de pensamento e de ação que
possibilitam tais eventos. A crise financeira de 2008 é um desses grandes
acontecimentos e, por isso, merece um olhar detalhado a partir dos Estudos da
Linguagem, para que sejam fornecidos alguns elementos que permitam nosso
melhor entendimento.
Uma vez que é o uso a marca fundamental de caracterização de uma língua
(HALLIDAY,1985) a compreensão de eventos desta magnitude dá-se por meio da
análise das inúmeras possibilidades representacionais a que os leitores estão
sujeitos diariamente, e só por meio da análise crítica e detalhada podemos
desvendar os significados implícitos que contribuem para o processo persuasivo
como um todo.
Creio que a importância deste trabalho advém do fato de que a representação
de diferentes grupos sociais é ideologicamente motivada, o que pressupõe uma
leitura crítica e aprofundada por parte do leitor. Pode-se, assim, justificar a
preocupação da escola bem como dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em
proporcionar ao discente a capacidade de, por meio da palavra escrita, não só
desenvolver uma leitura crítica, mas também defender seu próprio ponto de vista,
74
por meio de uma argumentação sólida, que, em última instância, permita-lhe o
exercício pleno da cidadania.
75
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ANEXO 1 – EDITORIAL: FOLHA DE S. PAULO – 16/09/2008
CADA VEZ PIOR
EUA MUDAM TÁTICA E DEIXAM GRANDE BANCO QUEBRAR, O QUE GERA REAÇÃO
NEGATIVA BRUTAL NO MERCADO FINANCEIRO
“E aqui chegamos, com Paulson [secretário do Tesouro] aparentemente acreditando que
jogar roleta-russa com o sistema financeiro dos EUA era sua melhor opção”. A frase, do
economista Paul Krugman, descreve com argúcia os riscos implícitos na mais nova cartada
do governo Bush na tentativa de domar a crise.
Neste fim de semana, a administração republicana mudou o padrão adotado e decidiu
deixar um grande banco quebrar. A reação imediata dos mercados à concordata do Lehman
Brothers, entretanto, foi devastadora. Uma violenta onda de liquidação varreu as Bolsas no
planeta, que bateram recordes de desvalorização diária. Nova York perdeu 4,4%, e a
Bovespa, 7,6%.
Os bancos centrais na Europa e nos Estados Unidos foram obrigados a oferecer bilionárias
linhas de crédito emergencial ao setor bancário. O Fed abriu um leque de US$ 70 bilhões –
a maior linha de empréstimo de urgência desde os atentados de 11 de setembro de 2001 –
e relaxou as garantias para as instituições tomarem recursos.
As inevitáveis especulações sobre quem seria o próximo na lista da insolvência empurraram
a AIG, gigante mundial dos seguros, para o córner. Uma inusitada intervenção do
governador de Nova York, permitindo à empresa um socorro de US$ 20 bilhões, apenas
adiou para hoje a sequência do drama, o qual, longe de estar restrito à seguradora, abrange
outras instituições financeiras de grande porte.
Criticado por ter socorrido outras empresas ameaçadas, transferindo prejuízos e riscos
privados para o contribuinte, o governo Bush mudou de estratégia não apenas por
motivação política. Por trás do movimento também está a intenção de forçar o enxugamento
do setor financeiro, livrando-o de instituições, como certos bancos de investimento,
responsáveis pela especulação, tanto opaca como desenfreada, que originou a crise.
O que a resposta virulenta dos mercados evidencia, contudo, é um ambiente desfavorável a
esse tipo de abordagem. Na ânsia de fazer caixa e escapar do redemoinho da insolvência,
está em marcha uma corrida em manada para vender quaisquer títulos privados que se
tenham em mãos e que ainda sustentem preço. O recado da Casa Branca, de que não
haverá necessariamente ajuda aos “perdedores”, alimenta o pânico dos vendedores.
Mas, quando há um impulso avassalador para desfazer-se de patrimônio, ele acaba se
desvalorizando de modo generalizado e acentuado, como ocorre agora com as Bolsas, as
commodities e as moedas e os papéis de países emergentes. A ação do governo norte-
americano neste fim de semana pareceu fiar-se na convicção de que é possível controlar o
ritmo e a distribuição das perdas numa crise de enormes proporções como esta, fazendo
emergir de seus escombros um sistema mais robusto.
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Eis aí uma opção arriscada. Se a hipótese não se comprovar, os custos econômicos e
sociais desta derrocada brutal tenderão a ser ainda maiores.
ANEXO 2 – EDITORIAL: THE NEW YORK TIMES – THE OPITION PAGES –
09/16TH/2008
WALL STREET CASUALTIES
It is oddly reassuring that the Treasury Department and Federal Reserve let
Lehman Brothers fail, did not subsidize the distress sale of Merrill Lynch to Bank
of America, and tried to line up loans for the American International Group, the
troubled insurer, rather than making a loan themselves. Government
intervention would have been seen either as a sign of extreme peril in the global
financial system or of extreme weakness on the part of federal regulators.
Instead, the dizzying events on Wall Street suggest that the system may be
strong enough to absorb the downfall of Lehman and Merrill — though the chaos
at A.I.G. seems harder to swallow. However, the stock market’s initial reaction —
a brutal drop, but not a Black Monday style selloff — offered a ray of hope that
the disruptions may be manageable. And, more important, barring the risk of
cascading failures, regulators finally seem willing to hold Wall Street accountable
for its mistakes.
Lehman’s bankruptcy filing may even provide much needed transparency to
a financial system that has been hamstrung for more than a year by a lack of good
information — on who owns what and who owes how much and to whom.
Lehman’s creditors and other firms involved in its trades will now have to line up
in bankruptcy court, detailing their positions for all to see — and learn from. That
did not happen in the spring when the Fed prevented a bankruptcy filing from
Bear Stearns to avoid what it said would have been a system wide failure.
Still, the disappearance in one weekend of two icons of American capitalism
has negative repercussions, for taxpayers and for the economy.
The Fed has broadened yet again its emergency loan programs for Wall
Street banks, agreeing to take risky and poor quality collateral, like junk bonds.
That puts taxpayers at ever greater risk. Remember, the Federal Reserve already
put the taxpayers on the hook by offering $29 billion in guarantees to quell the
Bear crisis in March. This month, the Treasury Department pledged to make good
if need be on trillions of dollars of obligations of Fannie Mae and Freddie Mac.
In addition to the sheer size of the government’s commitments, the
weakening economy is upping the odds that taxpayers will be footing the bill for
the wipeout on Wall Street. As job losses have risen inexorably this year,
foreclosures hit another record high in August — 304,000 homes in some stage of default
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and 91,000 families losing their homes, according to RealtyTrac, an
online marketer of foreclosed properties.
As long as foreclosures continue, housing prices will continue to decline and
banks and other financial firms will continue to suffer losses. Continuing losses,
in turn, could force more taxpayer bailouts, by reigniting fears that ongoing
failures may threaten the entire financial system. Preventing foreclosures is the
key to stanching the crisis, but policy makers have been unconscionably slow to
address that aspect of the crisis.
It will require political will, but is not too late to try to decrease foreclosures
by allowing homeowners to restructure their unaffordable mortgages in
bankruptcy court. It is also not too late to stimulate the economy with intelligent
government support, like aid to state and local governments, rather than
campaign year gestures like the tax rebates for virtually everyone that dominated
the first stimulus package.
And it is certainly not too soon to look beyond the current crisis to the flaws
and fallacies of the antiregulatory ideology that has held Washington in its grip
since the Reagan years and allowed the financial excesses that are now stressing
the system to the breaking point.
Making and enforcing new rules is necessary, but that will not be enough.
The nation needs a new perspective on the markets, one that acknowledges the
self destructive bent of unfettered capitalism and its ability, unchecked, to wreak
havoc far beyond Wall Street.
20/04/2017 Wall Street Casualties The New York Times
http://www.nytimes.com/2008/09/16/opinion/16tue1.html
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