os ciclos da água

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Os ciclos da água

A água é o único composto químico a estar presentena Terra simultaneamente sob forma sólida (os glacia-res), líquida (os oceanos) e gasosa (as nuvens). Estes trêsestados desempenham importantes papéis no funciona-mento desta Terra que é justamente designada por pla-neta azul ou planeta da água.

A hidrosfera pode ser subdividida em três reserva-tórios: o oceano, os glaciares polares e a água doce con-tinental. O volume destes três reservatórios diferemuitíssimo: 97 por cento ela água de superfície encon-tram-se no oceano; os 3 por cento que restam são cons-tituídos por água doce, três quartos da qual estão retidosnos gelos polares.

A água doce dos continentes é composta essencial':mente pelas águas subterrâneas, superfícies freáticas pro-fundas e superficiais. A água de superfície, aquela quevemos, que utilizamos e que marca a nossa vida quoti-diana constitui um pequeníssimo volume do total: a águados lagos representa a décima milésima parte da água ter-restre de superfície, a água contida na atmosfera a centé-sima milésima e a água dos rios e ribeiras a milionésima.

Todavia, tanto em geoquímica corno nas outrasdisciplinas, a importância de um. reservatório não éexclusivamente função das suas dimensões, mas tam-bém do ritmo a que ele se renova, ou seja, da suadinâmica. Temos assim que a duração média de perma-nência de uma molécula de água no oceano é de 40 000anos, enquanto na atmosfera é de apenas uma semana.O que faz com que, em 40 000 anos, todo o volume dooceano terá passado pela atmosfera! E o que significaainda que um volume correspondente ao do oceano terátombado sob forma de água doce sobre os continentes,terá escorrido, erodido, sido absorvido e rejeitado pelosseres vivos para, finalmente, regressar ao seu local deorigem. Nesse meio tempo, o oceano terá desempenha-do o seu papel de reservatório ou de receptáculo, nãoinerte certamente, mas bem menos activo do que todaaquela água móvel transportada pela atmosfera ...

Este ciclo da água constitui a grande fonte de vidaà superfície terrestre: vida biológica, viela geológica.

A água é um líquido único devido às suas pro-priedades, ao seu comportamento e à sua importância.A água é a fonte da vida e a vida nasceu na água, tantoassim que os elementos químicos pouco solúveis naágua são aqueles que são mais tóxicos para os seresvivos. Se a água um dia faltar, a vida desaparece. Se aágua ficar poluída, a vida torna-se difícil.

O ciclo natural da água é simultaneamente (I grandedistribuidor e o grande purificador clã água doce, istoé, da água potável.

Vejamos alguns dados que, apesar de simples, sãofundamentais. A água do mar é salgada ._- ela contém35,5 gramas de sal dissolvido por litro --- enquanto aságuas doces que alimentam o oceano contêm apenas100 miligramas. Esta diferença de concentração em salresulta, em primeiro lugar, da evaporação, que retira aágua pura mas deixa os sais. Assim, se concentrarmos

água doce por evaporação, será necessário evaporar 354em 355 litros para que o litro restante fique tão salgadocomo a água do mar. Pensou-se, durante muito tempo,que a água elo mar se tinha tornado gradualmentesalgada ao longo dos tempos geológicos. No século XIX,o irlandês [oly chegou mesmo a tentar determinar aidade do oceano através deste fenómeno. Na realidade,a salinidade da água do mar é um problema bem maiscomplexo, pois se os rios transportam grandes qWUl-tielades de sais minerais dissolvidos, eles não são osúnicos - o vulcanismo submarino também o faz. Alémde que o próprio oceano não é inerte e, através de umasérie de complexos processos químicos nos quais osseres vivos têm uma função essencial (basta pensar nasconchas calcarias segregadas pelos moluscos), modificaa composição dos seus sais, tanto e tão bem que a com-posição química ela água do mar acaba por ser muitodiferente da da água doce. Mas o que é fado é que,pondo de parte esses pormenores, a água elo mar ésalgada em consequência da evaporação que sofree todos sabemos que os mares fechados dos paísesquentes (o mar Morto e o mar Cáspio) são bem maissalgados do que os grandes oceanos, na medida em quea evaporação é aí mais intensa.

A evaporação leva a urna purificação da água(a água pura é fabricada por destilação). Esta água étransportada pela atmosfera sob a forma de vapor. Aquie ali, quando a temperatura se torna bastante baixa. eexistem poeiras em quantidade suficiente, o vapor deágua condensa-se em gotículas que vão então formar asnuvens. Estas nuvens deslocam-se ao sabor do vento e,uma vez que constituem estruturas atmosféricas extre-mamente instáveis, auto destroem-se pelo fenômeno dachuva (ou da neve, em condições mais frias).

Esta chuva purificada pela evaporação, que noentanto não é totalmente pura dado que a sua interac-

ção com as poeiras a «poluiu» (por vezes na acepção«suja» do termo, como sucede no caso das precipitações

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ácidas), 'cai, em parte, sobre os continentes. A maneiracomo as chuvas são distribuídas por estes constitui umfenómeno de crucial importância, na medida em que vaideterminar o clima e, com ele, a vegetação. Consequen-temente, determina também o desenvolvimento da vidae do homem. Quando nos referimos à deterioração doclima, não estamos apenas a tomar em consideração aalteração das temperaturas médias do Globo, mas muitomais as novas distribuições das zonas de chuva (e, por-tanto, os desertos), as estações, enfim, toda uma série deparâmetros que são determinantes para a geografiahumana. E, nesta perspectiva, nada nos garante queo aumento dos teores de CO2 ou de metano (CH4) naatmosfera não induza uma modificação profunda destageografia das chuvas.

Regressemos à água no momento em que ela alcançao solo continental, momento esse que constituí umanova encruzilhada do seu devir. Parte dela torna a eva-porar-se, outra é absorvida pelas plantas, outra aindaescorre e uma última infiltra-se no solo. As proporçõesem que isso ocorre vão depender do local, da estação,da vegetação e da natureza do solo e do subsolo, maso facto é que influenciam a biosfera.

Debrucemo-nos sobre a parte que ~einfiltra no solo.Quando transpõe a camada de solo móvel e penetra nasrochas duras mas porosas, esta água torna-se subter-rânea e, no decurso do seu trajecto através das rochasporosas, vai purificar-se. Se a água da chuva estiverpoluída, se tiver ficado inquinada quando do seu tra-jecto à superfície ou se tiver estado incorporada emáguas usadas, este percurso subterrâneo vai purificá-lapor uma acção combinada de filtragem e de bactérias.Após uma viagem mais ou menos longa debaixo de

terra, podem acontecer duas coisas: ou ela fica armaze-nada em lençóis subterrâneos - alguns dos quais che-gam a atingir os 5000 metros de profundidade - outorna a surgir à superfície sob a forma de nascente,dando assim origem a uma ribeira ou a um rio. Quera ressurgência quer a armazenagem destas águas sub-terrâneas ocorre por vezes bastante longe dos locaisondeachuva caiu: 300, 1000e 1.500quilómetros são dis-tâncias correntes (os lençóis freáticos do Texas provêmdas Montanhas Rochosas; os do Languedoc, do MaciçoCentral) e obedecendo a uma lógica que deriva daestrutura geológica do subsolo.

Existem, deste modo, duas «etapas purificadoras»no ciclo da água: o trajecto atmosférico e o subterrâ-neo. Compreender-se-à facilmente que qualquer acçãohumana que tenda, quer a modificar a distribuição daságuas quer a poluí-las a estes níveis, constitui uma per-turbação importante cujas consequências podem serextremamente nocivas ao equilíbrio do planeta.

Após esta panorâmica explicativa, passemos a umaanálise sistemática da influência humana sobre os doisprincipais reservatórios da hidrosfera: o oceano e a águadoce.

o oceano constitui uma massa considerável, tantorelativamente à água doce como à atmosfera. Este «efeitode massa» tem consequências decisivas sobre as suaspropriedades, o seu funcionamento e, sobretudo, sobrea sua influência à escala planetária.

Em primeiro lugar, ele ocupa dois terços da super-fície do Globo. Não é, portanto, de admirar que as suaspropriedades de superfície (reverberação da luz, capa-cidade de absorção dos gases, etc.) sejam fundamentaisao equilíbrio térmico do planeta, à composição químicada atmosfera e ao desenvolvimento da vida marinhaque constitui uma parte importante da vida tout court.

E, para além disso, o oceano gira sobre si mesmo emistura-se, encaminhando-se as águas da superfície paraO fundo e vice-versa. Estes movimentos internos sãolentos: terão que decorrer mil anos para que uma águade superfície situada entre Brest e Boston atinja os qua-tro mil metros de profundidade ao largo de Taiti. Masesta agitação é suficientemente eficaz para garantirao oceano uma composição química assaz uniformedo Pólo Sul aos Trópicos, do Pacífico ao mar da Cro-nelândia.

Se, por um lado, a salinidade se reveste de umacerta constância, já a vida, por outro, não se encontra aíuniformemente distribuída. Uma vez que os raios lumi-nosos não penetram senão até cerca de cem metros,a fotossíntese fica restringida a esta camada de super-fície - bem oxigenada, aliás, mercê da sua proximi-dade com a atmosfera - sob a forma de algas e dessesseres microscópicos a que se dá o nome de fitoplâncton.Dado que a exposição ao sol atinge o seu máximo nazona intertropical, a vida é aqui muito mais abundantedo que em qualquer dos outros locais. Porque o plânc-ton tudo controla - o desabrochamento das microplan-tas fotossintéticas, a alimentação do zooplâncton e, emseguida, dos carnívoros -, está na origem da grandecadeia alimentar do oceano e garante-lhe a sua dinâ-mica. Todavia, se a luz controla a vida, ela não é a únicaa fazê-lo. Os elementos a que se dá o nome de nutrien-tes, dos quais se destacam o fósforo e o azoto, desem-penham igualmente uma função essencial. Estranhoelemento, este azoto que, embora uma componente fun-damental da atmosfera, tem que se associar ao oxigé-nio (ou ao hidrogénio), isto é, aparecer sob a forma denitrato (e, embora em menor grau, de amoníaco) parase tornar assimilável pela vida. Estranho elemento tam-bém, este fósforo, que entra em quantidades diminu-tas na matriz da vida, mas que controla o fabrico das

enzimas, esses catalisadores sem os quais não haveriavida e que figura, a par com o azoto, entre os agen-tes indispensáveis ao fabrico das proteínas e, portanto,do ADN. Fosfatos e nitratos, no mar como no campo,controlam a produtividade vegetal e, consequente-mente, a animal.'.

Ora, a fonte dos fosfatos e dos nitratos é a litosfera,o meio rochoso que forma os continentes e os fundosoceânicos. As zonas do oceano ricas em fosfatos serão,portanto, as margens continentais, onde as correntesmarinhas trazem as águas das profundidades para asuperfície (os famosos upioellinge dos autores anglo--saxões, que se encontram ao largo do Peru, da TerraNova, etc.).

Que riscos faz o homem correr a este imenso oceano,de que ele se tornará, por seu turno, vítima? É neces-sário, em primeiro lugar, fazer a distinção entre trêscampos bem definidos: o oceano na acepção pura dotermo, aquele que é constituído por volumes considerá-veis, em suma, o mar alto; seguidamente, ·as zonas cos-teiras, a' interface continente/oceano; e, por último,os mares fechados, onde o factor volume não tem qual-quer influência.

No que diz respeito ao mar alto, se exceptuarmosas questões biológicas ligadas à pesca sobre as quais nosdebruçaremos mais adiante, e ainda a presença de detri-tos que dela decorrem, eu diria que ele não parece estarmuito ameaçado pela acção do homem.

Os resíduos industriais, ou mesmo os nucleares, nãorepresentam qualquer perigo para o oceano ao largo.Fizemos, há uns tempos, o seguinte cálculo: se imergís-semos no oceano, durante um século, a produção mun-

1 A variação dos teores de fósforo e de azo\:o no oceano obedecea uma relação constante. Esta relação é explicada pelas condi cio-nantes exercidas pela biologia. Consulte-se W. Broecker, ChenticalOceauographu, Harcourt Brace, 1974.

dial de metais, o que é que aconteceria? No tocante aelementos como o urânio e o enxofre, não se verificariamquaisquer efeitos. O teor em níquel e em crómio dupli-caria, mas, uma vez que ele é ínfimo, isso não teria qual-quer importância. Quanto ao fósforo e ao ferro, as suaspercentagens no oceano seriam multiplicadas respecti-vamente por dois e por vinte e cinco mil. Estes aumen-tos, contudo, seriam benéficos: como eles participamnas cadeias alimentares, a sua presença acrescida «esti-mularia» o mar em termos da sua produtividade bio-lógica. O mesmo se passaria com respeito ao cobre.É, portanto, necessário que se deixe de bramar indistin-tamente contra a poluição do oceano porque, ao largo,este problema não existe. E, provavelmente, o aumentode resíduos sob a forma de fosfatos e de nitratos até lheé benéfico.

Já o petróleo derramado no mar representa umproblema mais grave. Mercê dos acidentes, da lavagemdos tanques dos petroleiros e do transporte pelos rios,o petróleo espalha-se numa camada monomolecular queimpede que o oceano respire e absorva os gases indis-pensáveis à vida que ele troca com a atmosfera e quesão o oxigénio, o azoto e o dióxido de carbono.

Os derrames de petróleo no mar atingem os três milmilhões de litros por ano; avaliada em termos globais,uma massa destas arriscar-se-ia a ter efeitos desastrosos.No entanto, há que realçar que o perigo é menor doque aquilo que um cálculo teórico fatia temer - isto é,a cobertura de extensões importantes da superfície dooceano por uma camada de óleo. Há três razões que ojustificam: os movimentos do mar alto dispersam rapi-damente o petróleo, como recentemente se constatouno Norte de Inglaterra; as pesquisas efectuadas pelasempresas petrolíferas permitiram desenvolver técnicasque dispersam e eliminam essa camada, havendo inclu-sivamente bactérias seleccionadas para esse efeito que

digerem o petróleo. E, por último, as normas tornaram--se mais rígidas, as penalizações mais severas e os méto-dos de vigilância mais eficazes, nomeadamente graçasaos meios espaciais. Portanto, no que diz respeito aomar alto, parece-nos que o perigo não será muito grande.Mas, tal como veremos seguidamente, já o mesmo nãoacontece perto das costas ou nos mares fechados.

Os principais riscos, para o oceano, parecem estarsobretudo ligados às flutuações do clima. Eles dizemrespeito, por um lado, à modificação do nível das águaspor via do degelo ou da dilatação térmica e, por outrolado, às alterações da circulação oceânica, como aquelacuriosa oscilação das correntes El Nil10/EI Nifia 1 que,no Pacífico, perturba a distribuição das zonas de pescae dos microclimas. Isto justifica plenamente que se con-tinuem activamente a efectuar estudos científicos dooceano; em contrapartida, se exceptuarmos a continua-ção da vigilância dos resíduos petrolíferos, nenhumdestes perigos exige medidas de emergência.

O facto de, por um lado, termos afastado todas asameaças graves relativamente ao mar alto, devido à suaenorme massa de cento e quarenta mil milhões de tone-ladas e aos seus ciclos geoquímicos naturais que absor-vem facilmente as poluições, não significa que deixemos,por outro, de denunciar com firmeza as ameaças quepesam sobre os mares fechados e as zonas costeiras. Elassão graves e urgentes. Elas não são nem irreparâoeis nemimparáoeis.

ECOLOGIA DAS CIDADES, ECOLOGIA DOS CAMPOS I CLAUDE ALLÉGRE ; TRAD. MARIA JOÃO REIS

AUTOR(ES):

PUBLICAÇÃO:DESCR. FlsICA:

COLECÇÃO:

NOTAS:

ISBN:

Allégre, Claude; Reis, Maria João, trad.Lisboa: Insl. Piaget, D.L. 1996

226 p.; 24 cm

Perspectivas ecológicas; 13

Tlt. orig.: Écologie des villes, écologie des champs

972-8245-97-1

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