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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014
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O PROGRAMA NACIONAL DE USO E PRODUÇÃO DE BIODIESEL-
PNPB: ANÁLISE DE UMA RELAÇÃO COM O AGRONEGÓCIO
Gemeriane Pereira gemerianepereira@gmail.com
Geografia Universidade Cruzeiro do Sul
Resumo
Esta pesquisa trata-se da análise das intencionalidades e ações do Programa
Nacional de Uso e Produção de Biodiesel – PNPB, buscando entender a existência de
uma relação de apropriação deste Programa pelos agentes do agronegócio. Para a
realização do objetivo é fundamental a análise da periodização das políticas públicas
de incentivo à produção e uso de biodiesel no Brasil com foco nos principais eventos
e, principalmente, na compreensão dos objetivos e legislação do PNPB; além da
distribuição das unidades produtoras de biodiesel no espaço geográfico brasileiro;
buscando assim entender o uso das diretrizes do Programa pelos produtores de
matéria-prima vinculados ao agronegócio, considerando como e porque esta
apropriação ocorre.
Abstract
This research comes from the analysis of the intentions and actions of the National
Program for Biodiesel Production and Use - PNPB, seeking to understand the e
xistence of a relationship of ownership of this program by agribusiness agents. To
achieve the fundamental goal is the analysis of the periodization of public policies to
encourage the production and use of biodiesel in Brazil with a focus on major events
and especially the understanding of the main objectives of the legislation and PNPB;
addition to the distribution of units producing biodiesel in the Brazilian geographical
space; thus seeking to understand the use of the guidelines of the program by
producers of raw materials linked to agribusiness, considering how and why this
appropriation occurs.
Palavras chave: PNPB; espaço geográfico; agronegócio; agricultura familiar.
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Key words : PNPB; geographic space; agribusiness; family farming.
Eixo Temático: Geografia Agrária
Introdução, objetivos e metodologia
Esta pesquisa tem por objetivo analisar o Programa Nacional de Uso e Produção de
Biodiesel (PNPB) observando a existência de uma relação entre este Programa e o
cultivo de matéria-prima pelos agricultores familiares e por produtores vinculados ao
agronegócio, para a produção de biodiesel; considerando os principais objetivos e a
legislação do PNPB.
Além disso, pretende também mostrar que a inclusão sócioeconômica dos agricultores
familiares proposta pelo Programa (através dos objetivos, leis e diretrizes) não está
sendo cumprida. Pelo contrário, os agentes do agronegócio se apropriaram dos
benefícios concedidos pelo PNPB, para incentivar a produção deste biocombustível; e
a legislação modificou em benefício deste setor.
O objetivo geral consiste na análise das intencionalidades e ações do Programa
Nacional de Uso e Produção de Biodiesel, observando se a legislação do mesmo
contribui para fortalecer a presença do agronegócio no setor de abastecimento de
matéria-prima e produção de biodiesel no espaço geográfico brasileiro e,
principalmente, na mesorregião do Norte de Minas1.
A mesorregião do Norte de Minas recebeu no município Montes Claros (MG) a
instalação da Usina Darcy Ribeiro, uma das três unidades de produção de biodiesel2
da Petrobrás Biocombustíveis S/A (Pbio)3; com o intuito de promover o
desenvolvimento socioeconômico regional através do incentivo ao cultivo de
oleaginosas por agricultores familiares para abastecer a produção desta Usina.
Assim, também está sendo realizada uma revisão bibliográfica sobre o biodiesel no
Brasil e o PNPB; além de buscar teorias geográficas e pesquisas acadêmicas para
entender a atual realidade da produção e consumo deste biocombustível, das matérias
1O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide o Estado de Minas Gerais em 12
mesorregiões e 66 microrregiões. De acordo com o órgão, este sistema de divisão tem aplicações importantes na elaboração de políticas públicas e nas decisões quanto à localização de atividades econômicas, sociais e tributárias. Contribuindo para as atividades de planejamento, estudos e identificação das estruturas espaciais de regiões metropolitanas e outras formas de aglomerações urbanas e rurais. (MG.GOV.BR, 2010). O Norte de Minas é uma dessas 12 mesorregiões.
2Unidades produtoras ou unidades de produção, usinas e plantas são instalações de processamento
dotadas de infraestruturas e tecnologia onde se produz biodiesel, portanto, são sinônimos. 3A Petrobrás Biocombustíveis S/A é uma subsidiária integral da Petrobras, criada em 2008 e
presente em todas as regiões do Brasil atuando na produção de biocombustíveis (álcool e biodiesel). Possui três usinas próprias, em Montes Claros-MG, Candeias-BA e Quixadá-CE, e parceria na empresa BSBIOS, que tem duas unidades, uma no Paraná e a outra no Rio Grande do Sul.
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primas utilizadas e do cultivo de oleaginosas pela agricultura familiar para a
comercialização com as usinas de biodiesel no país e na mesorregião do Norte de
Minas.
Esta pesquisa (ainda em fase de desenvolvimento) também pretende realizar uma
visita técnica à campo, afim de comprovar empiricamente o que está sendo
identificado na pesquisa teórica e nos dados coletados disponíveis por órgãos oficiais
do governo (ANP, MDA, MME, dentre outros) responsáveis pelo Programa. E por fim,
comprovar as hipóteses iniciais através de mapas, tabelas e gráficos elaborados a
partir dos dados coletados.
Este estudo abrange então uma análise do atual panorama do PNPB no Brasil. A
produção de biodiesel no Brasil se tornou necessária devido a demanda de consumo
produzida pela normatização, criada a partir da implantação do Programa. Sabendo
que o PNPB é o resultado de um processo histórico4 e que pouco tem sido tratado nas
publicações existentes sobre o tema é importante fazer uma análise crítica que venha
colaborar com estudos futuros incentivando e promovendo o conhecimento geográfico
acerca da temática.
A aplicação da legislação do PNPB no espaço geográfico brasileiro
A questão de uma bioenergia sustentável e renovável no Brasil é permeada por
interesses, pois trata de um tema que envolve as questões sociais, políticas e
econômicas numa relação intrínseca, acontecendo simultaneamente e materializando-
se no espaço geográfico.
Sendo assim, o Estado como um grande produtor, consumidor e regulador do território
vêm formular o Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB)
formalmente constituído pelo Governo Federal através da definição da implantação do
PNPB estabelecida por meio do Decreto de 23 de dezembro de 2003 (BRASIL,
2005a), e definiu como ambiente favorável ao envolvimento da agricultura familiar na
produção de biodiesel criado pelo Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004
(BRASIL, 2005b) e o enquadramento legal trazido à produção de biodiesel pela Lei nº
11.097, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2005c).
4 Ainda na década de 70, a Universidade Federal do Ceará (UFCE) desenvolveu pesquisas
experimentais que acabaram por revelar um novo combustível originário de óleos vegetais, o biodiesel. (LIMA, 2005, p.7). Na década de 1990, acompanhando o movimento mundial, o Brasil dirigiu sua atenção aos projetos destinados à pesquisa do tema. Em 2003, a Presidência da República instituiu um Grupo de Trabalho que ficou encarregado de apresentar estudos sobre a viabilidade de utilização do mesmo como fonte alternativa de energia. Assim, ficou definida a forma de implantação do PNPB e criando uma Comissão Executiva Interministerial Brasileira (CEIB), que seria responsável pela estrutura do Programa e para desenvolver o incentivo a produção de biodiesel no país estimulando o uso de matérias-primas produzidas por agricultores familiares. (MME, 2005).
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Esse aparato legal tem como objetivo traçar as diretrizes do Programa e detalhar os
procedimentos a serem seguidos tanto na autorização para a operação e
comercialização das usinas quanto da concessão do Selo Combustível Social (SCS)5
e assistência à agricultura familiar. Abrangendo assim em todas as suas dimensões,
seja ela econômica, social, jurídica ou institucional.
Dessa forma, como diria Milton Santos (2006), ao levarmos em consideração a inter-
relação existente entre os fenômenos é possível perceber o espaço geográfico como
território usado, pois ele é o resultado do processo histórico e base material das novas
ações humanas. Ao compreender o espaço geográfico como espaço social, como um
espaço de todos, o espaço do homem, da instituição pública, da empresa;
independente das diferenças, da força ou do poder, reconhecê-lo-emos como espaço
banal.
Aplicando a teoria deste pensador é possível explicar a utilização do aparato legal
utilizado na formulação do PNPB onde as ações são as leis, as diretrizes e as políticas
públicas que compõem este Programa. Já os objetos serão representados pelas
usinas produtoras de biodiesel, criado através da técnica pelo homem para ser a
fábrica de ações, assim, agindo em conjunto, de forma indissociável, as ações e os
objetos, completando o que ele chama de conjunto indissociável de sistemas de ações
e sistemas de objetos.
A partir destas considerações, compreende-se que a análise relacionadas dos
conceitos são fundamentais para entender geograficamente os objetivos principais
desta pesquisa. O espaço geográfico é observado aqui como toda a extensão do
território nacional, no qual corresponde a delimitação definida pelo Programa para a
abrangência do mesmo. (MME, 2013). O espaço ainda complementa a leitura deste
contexto por ser o palco das ações humanas, é nele que acontece o PNPB; a
localização no território da agricultura familiar e do agronegócio.
A metodologia desta pesquisa utiliza como base principal em seu desenvolvimento a
definição de espaço geográfico do Professor e Geógrafo Milton Santos, entendido
como conceito chave para a Geografia. O autor propõe que,
5 Um conjunto de medidas específicas, lançado pelo Governo Federal, visando estimular a inclusão
social da agricultura nessa cadeia produtiva, conforme Instrução Normativa nº 01, de 05 de julho de 2005. Em 30 de Setembro de 2005, o MDA publicou a Instrução Normativa nº 02 para projetos de biodiesel com perspectivas de consolidarem-se como empreendimentos aptos ao SCS. O enquadramento social de projetos ou empresas produtoras de biodiesel permite acesso a financiamento junto ao BNDES e outras instituições financeiras. As indústrias produtoras também terão direito a desoneração de tributos, mas deverão garantir a compra da matéria-prima à preços pré-estabelecidos. Os agricultores familiares também terão acesso a linhas de crédito do Pronaf e assistência técnica, fornecida pelas próprias empresas detentoras do SCS, por meio de parceiros públicos e privados. Com isso, o produtor terá uma possibilidade a mais de gerar renda, sem deixar a atividade principal de plantio de alimentos.
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O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. (SANTOS, 2006, p.39).
Para a análise geográfica é fundamental compreender os conceitos de espaço
geográfico e território como indissociáveis, pois este é formado a partir do espaço.
Também é no espaço que se realizam as técnicas; que “são um conjunto de meios
instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo
tempo, cria espaço”. (SANTOS, 2006, p.16).
Pode-se considerar então, que é através da técnica, das ações e das normas que o
objeto é executado, construído, ganha vida. Pois é necessário um conjunto de meios
instrumentais para a instalação das unidades produtoras que são os objetos, por isso
são chamados de objetos técnicos.
O uso da técnica no território é responsável tanto pela implantação do PNPB quanto
pelas instalações das usinas. Nesta pesquisa, a implantação do Programa é analisado
como um evento (SANTOS, 2006, p.93); pois trata-se de um marco na política
energética brasileira. Contudo, algumas instalações de usinas, como as da Petrobrás
Biocombustíveis (PBIO) também se configuram como um evento no território. Já que
“os eventos são, pois, todos novos.” (SANTOS, 2006, p.94).
Sendo assim, o PNPB se apresenta como um evento histórico (SANTOS, 2006, p.96)
das políticas energéticas nacionais e do processo histórico de desenvolvimento da
produção do biodiesel no Brasil. “Os eventos históricos supõem a ação humana. De
fato, evento e ação são sinônimos. Desse modo, sua classificação é, também, uma
classificação das ações.” (SANTOS, 2006, p.96).
A relação entre os sistemas de objetos e sistemas de ações possibilitam explicar a
espacialização no território, no espaço geográfico. Pois as ações humanas não se
restringem aos indivíduos, incluindo também, as empresas, as instituições. E as
empresas se aliaram à política (do Programa) para se expandirem espacialmente.
Os conceitos de espaço geográfico e território6, aqui definidos, são utilizados como
direcionadores das elaborações e análises. Do conceito de espaço geográfico temos
como referência a necessidade de considerar sistemas de objetos e sistemas de
ações de forma indissociável, construindo e reconstruindo o espaço através do seu
trabalho (realização das ações). Esta concepção leva a pensar na interação entre as
forças criadoras; os sujeitos sociais que, por meio de suas estratégias, influenciam a
produção do espaço. (GIRARDI, 2013).
6Nesta pesquisa, os conceitos de espaço, espaço geográfico e território de Milton Santos são
analisados de forma relacionadas, portanto complementam um ao outro. Espaço geográfico tem uma definição mais voltada a referencia da distribuição espacial e território, identifica o espaço numa visão política (poder).
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Para fundamentar a base teórica desta pesquisa, agricultura familiar será aqui
analisada a partir da ideia de uma produção agrícola de pequeno porte. Na década de
1990, observa-se a inserção da reforma agrária na agenda política, resultando na
criação, em 1996, do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF)7,
representando a primeira política federal de abrangência nacional voltada
exclusivamente para a produção familiar. (ALTAFIN, 2009, p.1).
A agricultura familiar associa família-produção-trabalho, ao mesmo tempo que é
proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo.
(WANDERLEY,1996 apud ABREU; LEAL; OLIVEIRA, 2012, p.53). Daí surge o
interesse do PNPB pela inserção da agricultura familiar como instrumento importante
para promover o desenvolvimento econômico regional. Pois, segundo ABREU, LEAL e
OLIVEIRA,
[…] dentro deste programa, a inclusão social da agricultura familiar tem como objetivos gerar alternativas de emprego e estimular que o agricultor permaneça no campo, diminuindo o êxodo rural. O PNPB promove e subsidia a compra de matéria prima da agricultura familiar, principalmente, daqueles que têm suas propriedades em áreas geográficas menos atraentes para outras atividades econômicas. Neste cenário, este modelo agrícola pode vir a ser mais próspero e sustentável deixando de ser somente uma agricultura de auto sobrevivência para ser autossustentável economicamente, ambientalmente e socialmente. (ABREU; LEAL; OLIVEIRA, 2012, p.8).
Ao pensar nesta inserção, a característica da diversificação e versatilidade de plantio
das atividades agrícolas pelo pequeno produtor foi um fator considerável. Na
produção, a direção do processo produtivo é assegurada diretamente pelos
proprietários, pois trabalho e gestão estão intimamente relacionados. (VEIGA, 1996
apud ABREU; LEAL; OLIVEIRA, 2012, p.54). O Programa mantém o pequeno produtor
em sua plantação, agregando à matéria-prima para produção do biodiesel ao seu
sistema produtivo.
Assim, a diversificação do sistema de produção é uma característica marcante da
agricultura familiar, que adota essa estratégia para diminuir os riscos de perdas totais,
racionalizando o uso da mão-de-obra e tirando o máximo de proveito da interação
entre diversas culturas e criações. (FUNK, 2008 apud ABREU; LEAL; OLIVEIRA,
2012, p.54).
O PNPB faz uso da definição de agricultura familiar conforme a legislação Nº 11.326,
de 24 de julho de 2006, da Presidência da República, que
7 O PRONAF foi criado pelo Decreto n° 1.946/1996, alterado pelo Decreto n°3.991/2001 (MME,
2005), com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria de renda. (MDA, 2004).
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Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
A proposta de apresentar definições e conceitos de vários autores tem por objetivo a
melhor compreensão. No entanto, por se tratar de um estudo que analisa uma política
pública, considera-se primordial usar como principal referência a definição da legal.
Por fim, entende-se aqui, agricultura familiar como forma de produção com interação
entre gestão e trabalho em que se produz para abastecimento do próprio sustento da
família e comercializa o suficiente para adquirir renda econômica para comprar bens e
insumos que não produz. Neste modelo de produção, o objetivo não é o lucro.
Buscando distinguir a atividade econômica de produção dos alimentos necessários e
fundamentais à existência da humanidade, e, a atividade econômica da produção de
commodities (mercadorias) para o mercado mundial, o monocultora de exportação até
então chamado de agribusiness chegou ao Brasil e ganhou uma nova expressão na
língua portuguesa: o agronegócio. (OLIVEIRA, 2007, p.147).
Entende-se aqui que, o agronegócio nada mais é do que um marco conceitual que
delimita os sistemas integrados de produção de alimentos, fibras e biomassa,
operando desde o melhoramento genético até o produto final, no qual todos os
agentes que se propõem a produzir matérias-primas agropecuárias devem fatalmente
se inserir, sejam eles pequenos ou grandes produtores, agricultores familiares ou
patronais, fazendeiros ou assentados.
O Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB)
O Programa surgiu em um período que muito se falava na busca por combustíveis
limpos e sustentabilidade, apresentando como objetivo principal a implementação de
forma sustentável da produção e uso do biodiesel, com enfoque na inclusão social e o
desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda de agricultores familiares,
com foco na diversificação das matérias primas e no fortalecimento das
potencialidades regionais. (MME, 2005).
A tabela a seguir sintetiza as principais informações sobre o Programa.
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Tabela 1: Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel (PNPB)
PROGRAMA NACIONAL DE USO E PRODUÇÃO DE BIODIESEL (PNPB)
PRINCIPAIS OBJETIVOS
Implementar de forma sustentável à produção e o uso de biodiesel;
Promover o desenvolvimento sócioeconômico regional através do incentivo à produção de matérias primas para produção de biodiesel por agricultores familiares;
PRINCIPAIS NORMAS
Instrução Normativa N°01 e Instrução Normativa 02, de 2005 – Ambas dispõe sobre os critérios e procedimentos relativos à concessão de uso do Selo Combustível Social;
Lei nº11.097/2005 - Introduziu o biodiesel à matriz energética brasileira ao tornar obrigatória a adição de 2% de biodiesel (B2) ao diesel comum;
Lei n°11.116/2005 - Regulamenta a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas decorrentes da venda do biodiesel dos produtores;
PRINCIPAIS ÓRGÃOS
RESPONSÁVEIS
Agência Nacional e Petróleo e Gás - ANP Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA Ministério de Minas e Energia - MME
Elaboração própria, 2014. Fonte: MDA, 2004.
Além dos benefícios esperados do ponto de vista ambiental e econômico, o PNPB
apresentou um diferencial ao instituir o aspecto social como um de seus principais
alicerces. Para isso, foi criada a Lei nº11.097/05, que introduziu o biodiesel à matriz
energética brasileira ao tornar obrigatória a adição de 2% de biodiesel (B2) ao diesel
comum (MME, 2005); contribuindo para a expansão da ideia do uso de energia
renovável, limpa e sustentável.
Como incentivo para que as usinas comprassem oleaginosas produzidas pelos
agricultores familiares, o PNPB criou o Selo Combustível Social (SCS). Um
componente de identificação concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) ao produtor de biodiesel e que confere ao seu possuidor o caráter de promotor
de inclusão social dos agricultores familiares enquadrados no PRONAF.
As empresas produtoras de biodiesel que compram matéria-prima provenientes do
agricultor familiar enquadrado no PRONAF recebem descontos em impostos federais
como o PIS/PASEP e COFINS e acesso às melhores condições de financiamentos
junto à Bancos8 (ABREU; LEAL; OLIVEIRA, 2012). No caso de empresas que
8 Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas Instituições Financeiras
Credenciadas ao Banco do Brasil S/A, ao Banco da Amazônia S/A – BASA, entre outras instituições financeiras que prestam financiamento diferenciado ao produtor de biodiesel.
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adquirem matérias primas produzidas nas macrorregiões Norte, Nordeste e no
Semiárido9 as isenções (de impostos) podem chegar a 100%. (MME, 2005).
Analisando a implantação do Programa no território e observando sua abrangência no
espaço geográfico, é possível buscar compreender através da legislação e da
espacialização se o mesmo beneficia mais o agricultor familiar ou o agronegócio. Pois,
ao observar o artigo 3° da Instrução Normativa 2 (IN)10, percebe-se que ao estabelecer
apenas 10% como percentuais mínimos de aquisições de matéria-prima da agricultura
familiar nas macrorregiões Norte e Centro-Oeste11, possivelmente o agronegócio está
sendo mais beneficiado que o pequeno produtor.
O produtor de biodiesel ao comprar e utilizar a soja como matéria-prima perde o direito
aos incentivos citados no Decreto. O insumo “soja” não cumpre todos os requisitos
exigidos que reduz as alíquotas dos impostos apresentados. Por esse motivo, não
deveria ser a oleaginosa mais utilizada na produção de biodiesel (ABREU; LEAL;
OLIVEIRA, 2012).
Porém, a situação da produção de biodiesel no Brasil é o uso da soja como principal
matéria-prima. Segundo o boletim mensal disponibilizado pela ANP, em fevereiro de
2014, o percentual do uso desta oleaginosa ultrapassa 70% do total. (ANP, 2014). O
gráfico a seguir apresenta uma comparação entre dois períodos.
Gráfico 1: Matérias primas utilizadas na produção de biodiesel
9 O Semiárido Brasileiro (SB) é composto por 1.133 municípios distribuídos em oito estados da
Região Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia) mais o norte de Minas Gerais, ocupando 969,5 mil km².
10 Art.3º - Os percentuais mínimos de aquisições de matéria-prima do agricultor familiar que trata o
art. 2º desta IN ficam estabelecidos em 50% para a região Nordeste e Semiárido, 30% para as regiões Sudeste e Sul e 10% para as macrorregiões Norte e Centro-Oeste. (BRASIL, 2005).
11 A macrorregião Centro-Oeste é caracterizada por grandes propriedades de soja, sendo a principal matéria-prima (considerando as potencialidades regionais) para produção de biodiesel nesta macrorregião.
Novembro de 2008
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Fonte: Boletim Mensal de Biodiesel, referentes aos meses de Novembro de 2008 e Fevereiro de 2014.
Desde o início do PNPB12, a produção de biodiesel é pautada no uso de soja como
principal oleaginosa. Analisando os gráficos referentes à novembro de 2008 e janeiro
de 2014, a porcentagem do uso das matérias primas mudaram pouco. Cabe ressaltar
que trata-se de um intervalo de cinco anos.
Usina da Petrobrás Biocombustíveis Darcy Ribeiro
Para melhor observar a situação apresentada, pretende-se partir da totalidade ao
lugar. Aplicando a teoria do Professor Milton Santos (2006), a totalidade aqui abordada
é o território nacional e o lugar é espaço do estudo de caso. Busca-se desconstruir a
totalidade, que é o Programa Nacional de Uso e Produção de Biodiesel no espaço
geográfico brasileiro para fazer uma análise do lugar. Será necessário entender a atual
situação do PNPB no espaço geográfico brasileiro a fim de chegar ao foco que é a
Usina da Petrobrás Biocombustíveis Darcy Ribeiro, localizada no município de Montes
Claros-MG.
Esta Usina chama atenção por ter sido instalada em um município13 que se diferencia
dos demais da região. A maioria dos municípios da mesorregião do Norte de Minas
são dependentes da assistência direta e constantes dos governos. Apresentam,
segundo o Plano de Ação Estadual (PAE-MG, 2010), em relação às outras regiões do
Estado, precariedade da malha ferroviária e exportações; precariedade na utilização
das terras e na estrutura fundiária; na renda per capita e índice de desenvolvimento
humano.
12 Com base em dados do ANP, disponibilizados a partir de novembro de 2008. 13 Montes Claros faz parte da mesorregião do Norte de Minas Gerais, sendo considerado o
município mais desenvolvido, o que facilitaria a contratação e atração de mão de obra qualificada para trabalhar na usina; além de ser cortado por importantes rodovias: BR 135, BR-251, BR-365, BR-122 e a MGT-401, MG-308. (SOUTO, 2009).
Fevereiro de 2014
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Por estar localizada numa região de clima semiárido devia ser abastecida por
mamona14. Entretanto, em 2011, a soja comercializada, principalmente do estado de
Goiás (75%), respondia por 98% da matéria-prima utilizada. (PBio-MC, 2012).
Figura 1: Origem de matéria-prima da Usina Darcy Ribeiro
Fonte: Petrobrás Biocombustíveis Montes Claros-MG, 2012.
O agronegócio além de instalar unidades produtoras onde em que já impera, também
comercializa sua produção com as demais regiões. Assim, as usinas que eram para
produzir biodiesel com oleaginosas comercializadas com a agricultura familiar regional
acabam sendo abastecidas pela soja do Centro-Oeste.
A Usina da Petrobrás em Montes Claros, como apresentado anteriormente, é
abastecida com soja que vem da Macrorregião Centro-Oeste (87% do total, em 2011).
Sendo assim, o agronegócio apropria “legalmente” dos benefícios do Programa tanto
14 O cultivo da mamona tem sido praticado tradicionalmente no País, por pequenos e médios
produtores. Esse fato caracteriza sua produção como uma importante alternativa agrícola para o semiárido brasileiro, por sua resistência à seca e seu manejo.
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no Centro Sul15 quanto no Semiárido. Configurando um exemplo de descompasso
entre legislação e prática.
O distribuição espacial do PNPB no espaço geográfico brasileiro
A distribuição espacial das unidades produtoras no espaço brasileiro sofre constantes
mudanças. Atualmente existem 63 plantas produtoras autorizadas pela ANP para
operação no país. As macrorregiões Sudeste e Sul, juntas, possuem 26 unidades, a
Norte 4, no Centro-Oeste são 30 e no Nordeste 3. Cabe ainda ressaltar que, só no
estado do Mato grosso são 20 unidades instaladas operando. (ANP, 2014).
Gráfico 2: Distribuição de unidades de produção de biodiesel por macrorregiões
Elaborado por: PEREIRA, G. 2014. Fonte: ANP, 2004.
O gráfico apresentado (gráfico 2) demonstra nitidamente que a espacialização do setor
se concentra, principalmente, no Centro-Oeste e, Sul e Sudeste. Estas três
macrorregiões juntas, possuem 55 das 63 usinas.
O PNPB foi elaborado com foco principal para contribuir com o desenvolvimento
sócioeconômico do semiárido brasileiro, no entanto, o mapa abaixo mostra entre o
total das usinas no território brasileiro, apenas seis estão localizadas no semiárido. E a
maioria da matéria-prima (no caso da usina de Montes Claros) vem do Centro-Oeste.
Figura 2: Unidades produtoras de biodiesel no Brasil
15 Compreende os estados das macrorregiões Sudeste, Sul e parte de Goiás e Mato Grosso.
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A proximidade com a principal fonte de matéria-prima (soja) pode ser considerado
como importante indutor da concentração de instalações no Centro-Oeste. Percebe-se
que o Programa pouco está incentivando a produção de matérias-primas pela
agricultura familiar com base nas potencialidades regionais; pelo contrário, está
sofrendo uma apropriação pelo agronegócio no Centro Sul do país.
Considerações preliminares
O PNPB gerou uma demanda pelo biocombustível no país e o agronegócio aproveitou
da necessidade do governo de suprir esta demanda e apropriou-se do mesmo visando
seus benefícios. Perante a este cenário, a agricultura familiar está perdendo espaço.
Por fim conclui-se, ainda preliminarmente, que o PNPB gerou uma demanda por este
biocombustível no país e o agronegócio aproveitou da necessidade do governo de
suprir esta demanda e apropriou-se do mesmo visando seus benefícios. Perante a
este cenário, a agricultura familiar está perdendo espaço.
A possível relação entre o PNPB com o agronegócio acontece por meio da
apropriação do mesmo pelo Programa conforme apresentado. Nota-se ainda que a
legislação vigente da respaldo, enquanto os órgãos públicos do governo responsáveis
ignoram com um discurso de exaltação do mesmo. Sendo assim, é possível ainda que
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preliminarmente, notar um descompasso entre os objetivos principais do Programa e a
realidade da execução.
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