no tempo da minha infância - ismael gaião

Post on 12-Aug-2015

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Spiritual

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No tempo da minha infânciaNossa vida era normalNunca me foi proibidoComer muito açúcar ou salHoje tudo é diferenteSempre alguém ensina a genteQue comer tudo faz mal

Bebi leite ao naturalDa minha vaca QuitériaE nunca fiquei de camaCom uma doença séria

As crianças de hoje em diaNão bebem como eu bebia

Pra não pegar bactéria

A barriga da misériaTirei com tranquilidadeDo pão com manteiga e queijoHoje só resta a saudadeA vida ficou sem graçaNão se pode comer massaPor causa da obesidade

Eu comi ovo à vontadeSem ter contra indicaçãoPois o tal colesterolPra mim nunca foi vilãoHoje a vida é uma loucuraDizem que qualquer gorduraNos mata do coração

Com a modernizaçãoQuase tudo é proibido

Pois sempre tem uma LeiQue nos deixa reprimidoFazendo tudo que eu fiz

Hoje me sinto felizSó por ter sobrevivido

Eu nunca fui impedidoDe poder me divertirE nas casas dos amigosEu entrava sem pedirNão se temia a galeraE naquele tempo eraProibido proibir

Vi o meu pai dirigirNuma total confiança

Sem apoio, sem air-bagSem cinto de segurança

E eu no banco de trásSolto, igualzinho aos demais

Fazia a maior festança

No meu tempo de criançaPor ter sido reprovado

Ninguém ia ao psicólogoNem se ficava frustrado

Quando isso aconteciaA gente só repetia

Até que fosse aprovado

Não tinha superdotadoNem a tal dislexiaE a hiperatividade

É coisa que não se viaFalta de concentração

Se curava com carãoE disso ninguém morria

Nesse tempo se bebiaÁgua vinda da torneiraDe uma fonte naturalOu até de uma mangueiraE essa água engarrafadaQue diz-se esterilizadaNunca entrou na nossa feira

Para a gente era besteiraTer perna ou braço engessadoTer alguns dentes partidosOu um joelho arranhadoPapai guardava venenoEm um armário pequenoSem chave e sem cadeado

Nunca fui envenenadoCom as tintas dos

brinquedosRemédios e detergentes

Se guardavam, sem segredos

E descalço, na areiaEu joguei bola de meia

Rasgando as pontas dos dedos

Aboli todos os medosApostando umas carreiras

Em carros de rolimãSem usar cotoveleirasPra correr de bicicleta

Nunca usei, feito um atleta,Capacete e joelheiras

Entre outras brincadeirasBrinquei de Carrinho de Mão

Estátua, Jogo da VelhaBola de Gude e Pião

De mocinhos e CawboysE até de super-heróis

Que vi na televisão

Eu cantei Cai, Cai Balão,Palma é palma, Pé é péGata Pintada, Esta Rua

Pai Francisco e De MarréTambém cantei Tororó

Brinquei de Escravos de JóE o Sapo não lava o pé

Com anzol e jereréMuitas vezes fui pescarE só saía do rioPra ir pra casa jantarPeixe nenhum eu pagavaMas os banhos que eu tomavaDão prazer em recordar

Tomava banho de marNa estação do verão

Quando papai nos levavaEm cima de um caminhão

Não voltava bronzeadoMas com o corpo queimado

Parecendo um camarão

Sem ter tanta evoluçãoO Playstation não haviaE nenhum jogo de vídeoNaquele tempo existiaNão tinha vídeo casseteMuito menos internetComo se tem hoje em dia

O meu cachorro comiaO resto do nosso almoçoNão existia raçãoNem brinquedo feito ossoE para as pulgas matarNunca vi ninguém botarUm colar no seu pescoço

E ele achava um colossoTomar banho de mangueira

Ou numa água bem friaDebaixo duma torneira

E a gente fazia farraUsando sabão em barra

Pra tirar sua sujeira

Fui feliz a vida inteiraSem usar um celularDe manhã ia pra aulaMas voltava pra almoçarMamãe não se preocupavaPois sabia que eu chegavaSem precisar avisar

Comecei a trabalharCom oito anos de idade

Pois o meu pai me mostravaQue pra ter dignidade

O trabalho era importantePra não me ver adiante

Ir pra marginalidade

Mas hoje a sociedadeEssa visão não alcança

E proíbe qualquer paiDar trabalho a uma criança

Prefere ver nossos filhosVivendo fora dos trilhos

Num mundo sem esperança

A vida era bem mais mansa,Com um pouco de

insensatez.Eu me lembro com detalhes

De tudo que a gente fez,Por isso tenho saudade

E hoje sinto vontadeDe ser criança outra vez...

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