nelson da cruz monteiro fernandes · 2019-10-25 · catalogação na fonte bibliotecária Ângela...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO - PROPAD
NELSON DA CRUZ MONTEIRO FERNANDES
O DISCURSO DE DESENVOLVEDORES NA [RE]ARTICULAÇÃO NO
CAMPO DA INOVAÇÃO DE BENS SIMBÓLICOS: um Estudo na
Comunidade de Software Livre PUG-PE.
Recife, 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o
acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal de Pernambuco é definido em três graus:
- "Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas);
- "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita a
consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada;
- "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto,
se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou
custódia;
A classificação desta tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as
condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração.
___________________________________________________________________________
Título da Monografia: O discurso de desenvolvedores na [re]articulação no campo da inovação
de bens simbólicos: um estudo na comunidade de software livre PUG-PE.
Nome do Autor: Nelson da Cruz Monteiro Fernandes
Data da aprovação: 19 de Setembros de 2013.
Classificação, conforme especificação acima:
Grau 1
Grau 2
Grau 3
Recife, de de
---------------------------------------
Assinatura do autor
X
Nelson da Cruz Monteiro Fernandes
O DISCURSO DE DESENVOLVEDORES NA [RE]ARTICULAÇÃO
NO CAMPO DA INOVAÇÃO DE BENS SIMBÓLICOS: um Estudo na
Comunidade de Software Livre PUG-PE
Orientador: Prof. Dr. Fernando Gomes de Paiva Junior
Tese apresentada como requisito
complementar para obtenção do grau de
Doutor em Administração, área de
concentração em Gestão
Organizacional, do Programa de Pós-
Graduação em Administração da
Universidade Federal de Pernambuco,
PROPAD/UFPE.
Recife, 2013
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773
F363d Fernandes, Nelson da Cruz Monteiro O discurso de desenvolvedores na [re]articulação no campo da inovação
de bens simbólicos: um estudo na comunidade de software livre PUG-PE /
Nelson da Cruz Monteiro Fernandes. - Recife : O Autor, 2013.
212 folhas : il. 30 cm.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Gomes de Paiva Junior.
Tese (Doutorado em Administração) – Universidade Federal de
Pernambuco, CCSA, 2013.
Inclui referências e apêndices.
1. Teoria do discurso. 2. Inovação. 3. Comunidades. 4. Software livre. I.
Paiva Junior, Fernando Gomes de (Orientador). II. Título.
658.4 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2013 – 127)
Dedico este trabalho aos meus pais, Manuel e Maria,
e aos meus irmão, Pedro, Ângela, Carlos e Raquel.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Fernando Gomes de Paiva Jr. pela confiança e amizade
com que pautou suas orientações e pelos questionamentos decisivos para a realização deste
trabalho.
A Cleo, Dandara e Willi, meu porto seguro, pelo carinho, pela paciência com que
suportaram tantas ausências, em nome do amor que nos une.
À banca de examinadores, pelas contribuições no processo de qualificação,
importantes no direcionamento dos esforços para chegar até aqui.
Ao meu amigo e conterrâneo Osíris Fernandes, presença fundamental em todos os
momentos desta caminhada.
Aos amigos do grupo de pesquisa, Roberto, Marcos, Jefferson, Zandra, Anderson,
Wemeson, Anderson, Thiago, Walery, Marcelo, Simone, Irâe, Cristiane e todos aqueles
que têm se unido neste ambiente amigo onde escrevemos nossos trabalhos.
Aos colegas do doutorado, pelo companheirismo inigualável e pelos bons
momentos proporcionados.
Aos meus pais, por todas as condições facultadas ao longo da minha vida e que
foram decisivas para eu chegar até aqui.
Aos entrevistados por doarem seu tempo com espírito de colaboração.
Enfim, a todos os amigos, principalmente àqueles que estiveram sempre presentes,
os quais sem a sua ajuda não teria conseguido superar os desejos que se colocaram ao
longo deste percurso.
As fronteiras da minha linguagem são as
fronteiras do meu universo.
Ludwig Wittgenstein
As nossas crenças mais justificadas não têm
qualquer outra garantia sobre a qual
assentar, senão um convite permanente ao
mundo inteiro para provar que carecem de
fundamento.
John Stuart Mill
RESUMO
Este estudo se insere em uma abordagem Pós-estruturalista, uma vez que tem por objetivo
utilizar do conceito de discurso desenvolvido por Laclau e Mouffe (2001) para aprofundar
as reflexões teóricas em torno de uma comunidade open source, estudando os significados
articulados nas atividades criativas de desenvolvimento e uso de software livre, situando o
debate nas esferas econômica, política e social. Essa perspectiva de produção de inovação
expõe os limites das teorias de inovação vigentes no campo da administração que tendem a
deixar o usuário final de fora da equação de valor ao não considerar a dinâmica de gostos,
preferências e demandas de produtos em função do fluxo contínuo entre atividades
desenvolvidas por produtores, distribuidores e intermediários, no âmbito das práticas de
produção e consumo de software livre como bem simbólico. Essa comunidade é portadora
de um discurso que os insere num cenário exposto à influência da rede internet que traz
uma retórica de empoderamento e personalização das demandas do usuário. Isso ocorre a
partir de um manancial de inovações que tendem a protagonizar tensões e aderências com a
lógica hegemônica do mercado. No estudo, são identificadas as estratégias de construção
discursiva articuladas pela comunidade PUG-PE, uma iniciativa de um grupo de mais de
500 desenvolvedores e usuários interessados em compartilhar e aprender experiências
relacionadas à linguagem de programação Python e software livre no estado de
Pernambuco. As análises indicam que o discurso da comunidade estudada expressa
sentidos que oscilam entre o trabalho voluntário caracterizado pela “governança bazar e
“ética hacker” e a adição de traços que reproduzem a lógica de empreendedores individuais
à procura de comunidades colaborativas para a realização dos seus projetos e tecnologias.
Isso acarreta a inserção de novos elementos discursivos que expandem a cadeia
equivalencial e a formação de significantes vazios.
Palavras chave: Teoria do discurso. Bens Simbólicos. Inovação. Comunidades. Software
Livre.
ABSTRACT
This study is part of a post-structuralist approach, since it aims is to use the concept of
discourse developed by Laclau and Mouffe (2001) to deepen the theoretical reflections
around an open source community, studying the meanings articulated in creative activities
of development and use of free software, placing the debate in to economic, political and
social spheres. This perspective of production of innovation exposes the limits of existing
theories of innovation in the field of administration that tend to let the last user out from
the equation of value by not considering the dynamics of tastes, preferences and product
demands according to the streaming between activities of producers, distributors and
intermediaries, within the practices of production and consumption of free software as
symbolic goods. This community is bearer of a discourse that inserts a backdrop exposed
byinternet network influence that brings an empowerment rhetoric and personalization of
user demands. It happens is from a wealth of innovations that tend to start tensions and
adhesions with the hegemonic logic of the market. In the study are identified the discursive
strategies articulated by PUG-PE community, an initiative from a group within more than
500 developers and users interested in sharing and learning experiences related to the
Python programming language and free software in the state of Pernambuco. The analyzes
indicate that the community discourse studied express meanings ranging from volunteer
work characterized by the "bazar governance and" ethical hacker"and adding features that
replicate the logic of individual entrepreneurs seeking collaborative communities for the
realization of their projects and technology. This entails the insertion of new discursive
elements that expand the equivalencial chain and formation of empty signifiers.
Keywords: Discourse Theory. Symbolic goods. Innovation. Communities. Free software.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Modelo linear de inovação. ------------------------------------------------------------ 15
Figura 2 - Focús Analítico. ----------------------------------------------------------------------- 42
Figura 3 - Conceitos da Teoria do Discurso Articulados -------------------------------------- 88
Figura 4 - Exemplo de uma lista de tópicos das entrevistas ---------------------------------- 105
Figura 5 - Árvore – código ----------------------------------------------------------------------- 112
Figura 6 - O processo de pesquisa em 3 estágios ---------------------------------------------- 119
Figura 7 - O corte Antagônico ------------------------------------------------------------------- 134
Figura 8 - Cadeia de Equivalência do open source -------------------------------------------- 146
Figura 9 - As equivalências da cadeia de significação de "comunidade bem sucedida" -- 147
Figura 10 - As especificidades do PUG-PE ---------------------------------------------------- 152
Figura 11 - As diferenças individuais superando as equivalências -------------------------- 154
Figura 12 - O papel da "comunidades" na representação de uma totalidade --------------- 160
Figura 13 - A operação dos agentes estratégicos ---------------------------------------------- 162
Figura 14 – Fantasia Plena ----------------------------------------------------------------------- 163
Figura 15 - Fantasia Renovada ------------------------------------------------------------------ 164
Figura 16 - Capacidade equivoca---------------------------------------------------------------- 165
Figura 17 - Legitimidade Renovada ------------------------------------------------------------ 166
Figura 18 - A lógica de inovação aberta do PUG-PE ----------------------------------------- 171
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACTA Anti-Counterfeiting Trade Agreement
AT&T American Telephone and Telegraph
CC Creative Commons
CCSL-USP Centro de Competência em Software Livre – Universidade de São Paulo
CEFET-PE Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco
CETIC. br Centro de Estudos sobre as Tecnologias de informação e da Comunicação
CGI Comitê Gestor da Internet
CISPA Cyber Intelligence Sharing and Protection Act
CTS-FGV Centro de Tecnologia e Sociedade – Fundação Getulio Vargas
DMCA Digital Millennium Copyright Act
FBV Faculdade Boa Viagem
FSF Free Software Foundation
FSF Free Software Foundations
GNU Gnu’s not Unix
GPL General Public License
GPL General Public License
INPI Instituto Nacional de Propriedade Intelectual
LIT Lei da Inovação Tecnológica
MIT Massachusetts Institute of Technology
NTIC Novas Tecnologias de Informação e comunicação
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica
P2P Peer to Peer
PC Personal Computer
PIPA Protect IP Act (Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and
. Theft of Intellectual Property Act of 2011).
PL Projeto de Lei
PUG Python User Group
PUG-PE Python User Group de Pernambuco
SL Software Livre
SLAK-PE Grupo de Usuários de Slackware de Pernambuco
SLCA Software Livre de Código Aberto
SOPA Stop Online Piracy Act
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
TIOBE Programming Community Index
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFRP Universidade Federal Rural de Pernambuco
UNICAP Universidade Católica de Pernambuco
UPE Universidade de Pernambuco
VOIP Voice Over Internet Protocol
WIPO World Intellectual Property Organization
XENSOL Décimo Encontro Nacional do Software Livre
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14
1.1 Contextualizando o processo de inovação em comunidades open source. ........... 18
1.2 Descrição do problema e formulação da hipótese ................................................ 24
1.3 Questão de Pesquisa .............................................................................................. 30
1.3.1 Questões secundárias ........................................................................................... 30
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................... 31
2.1 Compreendendo a lógica discursiva ..................................................................... 31
2.1.1 A teoria do discurso ............................................................................................. 32
2.1.2 Lugares do discurso, posições de sujeito e identidade ........................................... 37
2.1.3 Explanando a teoria do discurso ........................................................................... 41
2.1.4 Do Antagonismo .................................................................................................. 46
2.1.5 Da Hegemonia ..................................................................................................... 47
2.1.6 Do significante vazio ........................................................................................... 48
2.1.7 Outros conceitos chave articulados na Teoria do Discurso ................................... 50
2.1.7.1 Deslocamento ................................................................................................ 50
2.1.7.2 Ponto Nodal ................................................................................................... 51
2.2 O capitalismo cognitivo e as suas modalidades de inovação ................................ 52
2.3 As tensões em torno da produção de bens simbólicos .......................................... 57
2.4 As novas tecnologias desenhando cenários de colaboração ................................. 65
2.4.1 Linux e a produção colaborativa de software ........................................................ 73
2.5 O processo de transformação do conhecimento na comunidade PUG-PE .......... 82
2.6 Considerações ........................................................................................................ 85
3 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA .................................................................. 90
3.1 Estrutura analítica................................................................................................. 90
3.1.1 Identidade e estratégias discursivas ...................................................................... 91
3.1.2 Os requisitos dos dados do corpus........................................................................ 92
3.2 O desenho da pesquisa........................................................................................... 94
3.2.1 Estudo de Caso .................................................................................................... 94
3.2.2 A comunidade Python User Group de Pernambuco – O PUG-PE......................... 97
3.2.3 Entrevistas ......................................................................................................... 101
3.2.4 Documentos Observados .................................................................................... 106
3.3 Estratégias de Análise.......................................................................................... 108
3.3.1 Organização dos dados....................................................................................... 109
3.3.2 Mapeando os discursos ...................................................................................... 110
3.3.3 Identificando os equivalentes gerais da constituição do PUG-PE ........................ 113
3.4 Limitações e o processo de pesquisa ................................................................... 117
3.4.1 Limitações ......................................................................................................... 117
3.4.2 Resumo do processo de pesquisa ........................................................................ 118
3.5 Considerações ...................................................................................................... 119
4. O DISCURSO DO PUG-PE ................................................................................ 121
4.1 Identificando os discursos do PUG-PE ............................................................... 121
4.1.1 O Discurso do open source ................................................................................ 122
4.1.2 O discurso da “comunidade bem sucedida” ........................................................ 126
4.2 Considerações ...................................................................................................... 130
5 A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO PUG-PE ................................................ 132
5.1 Do Antagonismo .................................................................................................. 133
5.2 Construindo uma nova hegemonia discursiva .................................................... 141
5.2.1 A formação das cadeias de equivalência ............................................................. 146
5.2.2 Demarcando as Diferenças ................................................................................. 151
5.2.2.1 Nós e Eles ................................................................................................... 152
5.2.2.2 Eu e Eles ..................................................................................................... 154
5.2.3 A Lógica da Fantasia ......................................................................................... 155
5.3 Do Significante Vazio .......................................................................................... 158
5.4 Considerações ...................................................................................................... 168
6 A INOVAÇÃO COLABORATIVA CENTRADA NA COMUNIDADE. ......... 170
7 RETORNANDO AS INDAGAÇÕES ORIGINAIS ........................................... 175
7.1 Síntese do argumento primordial da tese ........................................................... 175
7.2 Uma volta à questão da construção discursiva do PUG-PE............................... 177
7.3 Contribuições do estudo ...................................................................................... 182
7.4 Reflexões e limitações .......................................................................................... 185
7.5 Novos rumos nas formas de organização e gestão de comunidades .................. 186
7.6 Considerações finais ............................................................................................ 189
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 192
APÊNDICES ............................................................................................................... 208
APÊNDICE A - ........................................................................................................... 209
14
1 INTRODUÇÃO
Para compreender o modo como se constitui a inovação na sociedade
contemporânea é preciso recuperar a história das últimas décadas e entender a natureza das
transformações que nela vêm ocorrendo. A sociedade contemporânea é caracterizada por
muitos cientistas sociais – a exemplo de Hall (1996), Lévy (1996), Giddens, (2003), Gorz
(2005), Benkler (2006), Hardt e Negri, (2006) e Castells (2010) – como a sociedade
interconectada em rede, onde as tecnologias da informação, como a Internet, estão se
tornando numa espécie de “tecido digital” do cotidiano da vida humana.
De modo geral, a partir da década de 1970, assistimos a conformação de uma nova
dinâmica tecnológica, com a substituição paulatina de tecnologias intensivas em material e
energia e de produção estandardizada e de massa, características do ciclo de
desenvolvimento anterior baseado no petróleo abundante e barato, para as tecnologias
intensivas em informação, flexíveis e computadorizadas, associadas ao paradigma baseado
na microeletrônica.
A velocidade com que as novas tecnologias são incorporadas pela sociedade e os
efeitos da comunicação instantânea na vida cotidiana incrementam mudanças estruturais
que vinham ocorrendo nas instituições como a flexibilidade e instabilidade do emprego, a
individualização da mão de obra e a transformação do tempo e do espaço (HARVEY,
2009).
São apontadas mudanças no entorno dos novos regimes produtivos com
conseqüências na visão tradicional que sugere que as atividades criativas e inovadoras são
raras, exógenas e concebidas em laboratórios acadêmicos, ou sucedem do resultado de
pesquisas científicas realizadas por grandes corporações industriais, tais como IBM, ICI,
15
Dupont, Siemens, Bell, Mitsubishi, Petrobras freqüentemente citadas na literatura sobre
inovação (BERNARDES; ANDREASSI, 2008).
Além disso, a simplicidade do modelo linear de inovação vem conferindo certo
poder explicativo ao longo dos anos, de acordo com Massey, et al. (1992) e Abrunhosa
(2005). Assim, esses autores lembram que o modelo consiste numa cadeia integrada e
sucessiva de atividades que começa com a pesquisa básica realizada nos laboratórios das
universidades, seguida de uma etapa aplicada de desenvolvimento de novos produtos,
processos e idéias, acompanhado da evolução e teste de protótipos, produção comercial e,
finalmente, difusão, conforme ilustrado no diagrama abaixo:
Figura 1- Modelo linear de inovação.
Fonte: Marques; Abrunhosa (2005).
Ainda, na esteira do sucesso econômico de países como Itália e Japão, ocorrido
nas décadas de 70, 80 e 90, autores como Lundvall (1995), Nelson (1993) e Freeman
(1995) forjaram modelos de inovação baseados na aprendizagem interativa. Entretanto,
esses modelos de inovação também apresentam limites explicativos para o entendimento
de um cenário caótico demarcado pela necessidade de produtos e processos mais
sofisticados, como a emergência de comunidades open sourceportadoras de tecnologias
que dispõe de condições para inovar.
P&D:
.
Comercialização Produção Investigação
básica/fundamenta
l
Desenvolvimento
experimental
Investigação
aplicada
Descoberta
Científica
Invenção Inovação
16
Flexíveis e de inovações incrementais, os software livres se aprimoram e se [re]
qualificam com o uso e consumo em comunidades open source, contrariamente às formas
industriais clássicas do ciclo de valorização das mercadorias. Dessa forma, os novos
arcabouços teóricos de inovação são originários de articulações decorrentes da “inovação
pelo uso” reconhecido como saber especializado prático ou know-how de difícil
codificação. Esses novos formatos de produção não exigem apenas o conhecimento
científico per se, mas a articulação dos discursos científico, do mercado, do Estado e do
usuário individual, esse visto como agente articulador e produtor.
Tendo isso em mente e analisando as premissas de um cenário em que a distinção
teórica entre invenção, inovação e difusão, desenvolvida por Schumpeter (1982), se torna
confusa, as oposições em relação ao modelo corrente de inovação permitem inferir
proposições alternativas que ampliam a concepção vigente.
Em primeiro lugar, não existe só um processo de inovação que vá da pesquisa
básica à comercialização (MARQUES; ABRUNHOSA, 2005), mas, em vez disso, temos
um cenário em que várias articulações discursivas podem surgir e ser desenvolvidas em
todos os estágios do processo, inclusive no consumo (MUÑOZ, 2010). Nesse sentido, a
inovação se torna um fenômeno ubíquo, ou seja, ele pode surgir de todo e qualquer lado.
Segundo, a pesquisa básica perde o posto de estágio primeiro do processo de
inovação (SOUZA, 2008). Isso significa que qualquer investigação isolada representa um
equívoco do processo de trabalho científico e tecnológico, como defendem Cooke,
Heidenreich e Braczyk (2004). Os projetos em software livre que surgem na denominada
sociedade informacional ilustram a emergência de novas formas de produção em rede
baseadas em colaboração, movida por indivíduos auto-motivados.
17
Terceiro, os processos criativos pautados pela articulação de bens simbólicos na
web 2.01 enfrentam certo grau de incerteza, instabilidade e descentralização ainda não
contemplado pela teoria clássica e neoclássica de inovação. Buscando entender essa
condição contemporânea que levanta o tema da descentralização Laclau e Mouffe (2001)
adotam o conceito de deslocamento para captar os eventos que tornam visíveis a
pluralidade de centros de poder, de modo a revelar as divisões e os antagonismos que
geram diferentes posições de sujeito individual ou coletivo.
Quarto, a relação entre pesquisa básica e sua comercialização é complexa e pode
não ser compreendida sob a condição de um relacionamento linear dividido em fases
(BERNARDES; ANDREASSI, 2008), ou demarcado com base na simples divisão entre
trabalho mental e trabalho manual.
Quinto, o modelo linear deixa fora da sua ordem discursiva contribuições da
maior parte dos envolvidos no processo de inovação, sejam profissionais, pessoas de
desenvolvimento e produção, ou grupos e comunidades envolvidos no uso, criação e
manutenção da produção compartilhada. Desse modo, tal modelo desvaloriza o papel e a
perspectiva dos usuários da tecnologia, cuja interação de idéias, possibilidades de
personalizações e mudanças realizadas nos processos e produtos podem constituir pontos
iniciais de outras inovações.
E, finalmente, a inovação, ao se tomada como um processo de aprendizagem
interativa pode integrar o conjunto variado de discursos que incluem as rotinas e os
conhecimentos tácitos que derivam de processos graduais e cumulativos de aprendizagem
e geradoras de pesquisas, resultando em novos símbolos, produtos, serviços e mercados,
1Web 2.0 é um termo criado em 2004 pela empresa americana O'Reilly Media para designar uma segunda
geração de comunidades e serviços, tendo como conceito a "Web como plataforma", envolvendo wikis,
aplicativos baseados em folksonomia, redes sociais e tecnologia da informação. Esse não se refere à
atualização nas suas especificações técnicas, mas a uma mudança na forma como ela é encarada por usuários
e desenvolvedores, ou seja, o ambiente de interação e participação que hoje engloba inúmeras linguagens e
motivações. Para Tim Berners-Lee, o inventor da World Wide Web (WWW), alega que o termo carece de
sentido, pois a Web 2.0 utiliza muitos componentes tecnológicos criados antes mesmo do surgimento da Web.
Alguns críticos do termo afirmam também que esta seria apenas uma jogada de marketing (buzzword).
18
conforme asseveram Cassiolato et al. (1998), Mota & Lucchesi (1998), Marques
&Abrunhosa (2005), Lessem &Schieffer (2010).
Assim, essas atividades vinculadas à aprendizagem pelo uso aumentam a
eficiência de sistemas complexos e fomentam a aprendizagem pela interação ao
envolverem usuários e produtores num processo de articulação e intercambio de
conhecimento que resulta em produtos inovadores (von HIPPEL, 2005). Nesse aspecto, a
definição de inovação aproxima-se mais de algo de natureza relacional, uma vez que adota
novas idéias, processos e técnicas organizacionais descentralizadas e compartilháveis.
Fundamentados na ontologia realista, os modelos dominantes de inovação que não
levam em conta a mediação sígnica que separa o sujeito da realidade são postos à prova no
cenário contemporâneo, repleto de formas de comunicação e trocas de informações
alinhadas com as promessas dos discursos da inovação aberta. Esse ambiente de
articulação corresponde a um cotidiano em que desenvolvedores e usuários podem se
tornar autores, agentes potenciais ou efetivos dessa mudança ao articularem elementos
discursivos que permitem sua inserção positiva nesse novo cenário de produção capitalista.
1.1 Contextualizando o processo de inovação em
comunidades open source.
Existem antagonismos entre processos criativos e inovadores clássicos desenvolvidos
pelas grandes corporações e os movimentos colaborativos e abertos de criação de valor,
como as comunidades open source de software, advindos dos avanços tecnológicos da
microeletrônica e das telecomunicações. Essas últimas transformações permitiram a
19
emergência de novos espaços de interatividade virtual a exemplo da ciber-infra-estrutura, a
rede internet “World Wide Web2”.
Tais mudanças são fruto das transformações tecnológicas que se consolidaram a
partir da segunda metade do século XX e está vinculado à hegemonia do chamado
“capitalismo cognitivo”, que resulta de reconfigurações no plano social, político e
tecnológico ao elegerem as novas tecnologias de informação e comunicação como ativos
simbólicos estratégicos do novo sistema de produção social (LEE; COLE, 2003; COCCO
et. al, 2003; GORZ, 2005; MUÑOZ, 2010).
O capitalismo cognitivo representa mais um esforço de compreensão de um
contexto de mudanças estruturais constitutivas do mundo contemporâneo, no qual
observamos a reconfiguração de disputas sociais, impulsionadas por uma miríade de forças
fragmentadas, paralelas e descentralizadas. Isso acontece porque as novas tecnologias de
informação e comunicação (TIC) abrem uma perspectiva sócio-técnica que permite aos
“praticantes3” a realização incessante de um trabalho de criação de novos usos e
aplicações, como bem explica Certeau (2011). Portanto, a anunciada convergência
multimídia constitui-se a base de articulação de novas ferramentas (softwares)para que o
usuário/consumidor se transforme em usuário/produtor. Com efeito, o softwarepassa a
representar formas de cooperação social que se estabelecem entre usuários, a exemplo de
programadores e desenvolvedores. Daí o embate discursivo entre as lideranças das
comunidades de software livre de código aberto (SLCA) e os defensores da propriedade
intelectual e coorporativa dos recursos operacionais dos computadores.
2 Rede Internet é a coleção de redes interligadas que usam: um esquema de numeração IP coordenado; o
conjunto de protocolos TCP/IP.
TCP: Transmission Control Protocol e IP Internet Protocol. Rede internet é uma rede ou segmento de rede
que usa tecnologia TCP/IP. 3 Os “sujeitos praticantes”, para Certeau (2008), são indivíduos que vivem um determinado contexto,
cotidiano, ou aqueles que fazem sua síntese intelectual, não pela forma de um discurso, mas pela própria
decisão, ato e maneira de “aproveitar a ocasião”.
20
Assim, o cenário contemporâneo se revela como uma intersecção de interesses
num jogo complexo onde, em cada uma das posições assumidas, estão presentes as
múltiplas formas de pertencimento, de acordo com a reflexão política de Burity (2011) e
Mouffe (2003). Nesse sentido, as limitações das partes envolvidas em processos de disputa
no sentido de produzir um discurso estável dão origem aos antagonismos e, portanto,
abrem espaço para fissuras que permitem a emergência de disputas discursivas em torno
dos significantes flutuantes. Esse artifício de construção discursiva acontece numa arena de
"indecidibilidades", decisões precárias e hypomnesis, que o tornam um processo político
em que alternativas que expandem a lógica comercial-mercantil vigente pode ser pensada e
viabilizada.
No caso em estudo a desconfiança de alguns setores do mercado em relação ao
modelo de inovação e de negócio das comunidades open source leva a que estas se
esforcem para se apresentar como portos seguros habilitados para o fornecimento de
tecnologias inovadoras para as empresas. Assim, os horizontes de possibilidades abertos
pela sociedade de informação provocam essas comunidades, por meio dos seus agentes
estratégicos, a forjar um discurso credível que anuncie a existência de um espaço de
inovação dinâmica e competitiva no qualas empresas e a sociedade podem confiar.
Essa realidade leva as comunidades a se esforçarem por produzir um discurso
político que deflagra seus objetivos, mas também que se constitua um sujeito em nome de
quem a representação política é almejada.Assim, essas comunidades tentam justificar e
legitimizar sua produção e inovação em software livre por meio de valores como
colaboração, co-construção, cooperação e confiança.
As divisões geradas por interesses antagônicos na órbita dos discursos acabam por
definir uma linha demarcatória principal que posiciona as opiniões de usuários e
desenvolvedores de software livre em situação de tensão com a lógica estrita do mercado e
21
das universidades representada pelo modelo industrial das fábricas de software. Essa
separação acaba por fazer surgir um embate no seio do mercado de tecnológica de
software, que permite ao analista mais atento, identificar as razões sustentadas pelas
comunidades, e como defendem suas idéias para a respeito da produção de software,se
esforçando para que seja a posição aceita pela maioria do setor.
Isso é o que ocorre com a comunidade Python User Groupe que tem seu capítulo
no estado de Pernambuco, o PUG-PE, constituída por um grupo de
usuários/desenvolvedores da linguagem Python no estado. Esta comunidade se alinha a
definição proposta por Prykop e Heitmann (2006) que consideram comunidades aquelas
cujos membros estão conectados por meio de interesses comuns. O conceito de
comunidade proposto pelos autores está pautado pela noção da teoria da identidade social
como grupos de auto-categorização.
Logo, o interesse compartilhado representa a razão da coesão entre os membros da
comunidade desde a sua fundação em 2007. O PUG-PE tem como objetivo desenvolver
projetos e ampliar o uso do Python em Pernambuco. Ele se apresenta como a linguagem de
programação de maior crescimento desde 2010, de acordo com o índice Tiobe4, sendo
utilizado por empresas reconhecidas no mercado como Google, NASA, Globo.com e
Serpro. Em suma, a proposta da criação do grupo era criar um canal de comunicação
permanente na web onde se pudessem trocar idéias, gerar soluções criativas e promover
encontros mensais entre usuários/desenvolvedores que operam com a linguagem de
Python. Esses encontros, que já fazem parte do calendário de eventos sobre tecnologia em
várias universidades do estado, têm por objetivo tornar disponível aos profissionais,
entusiastas e acadêmicos o acesso a palestras, práticas e discussões sobre a plataforma
4Índice TIOBE (do inglês, TIOBE ProgrammingCommunity Index) é uma lista ordenada de linguagens de
programação, classificada pela freqüência de pesquisa na web usando o nome da linguagem como a palavra-
chave.O índice contempla buscas no Google, Google Blogs, MSN, Yahoo!, Wikipedia e no YouTube. Sendo
atualizado mensalmente. http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_Tiobe.
22
Python e suas aplicações em diversos nichos como a web, sistemas embarcados,
computação científica, inteligência artificial e robótica.
Esse panorama de tensão propiciou a oportunidade para o desenvolvimento deste
estudo, que se justifica, em primeiro lugar, por tratar de um tema atual que está na pauta de
discussão desde formuladores de políticas públicas para a tecnologia e inovação, passando
por empresários, especialistas da área, juristas, estudantes e artistas.
Dessa maneira, o estudo apresenta sua relevância econômica e social, não apenas
por se tratar de um setor em ascensão, mas pela possibilidade de gerar direcionamentos
para os atores organizacionais/individuais ao trazer perspectivas de compreensão dos
processos e ações a partir do entendimento do político, para além das compreensões
racionais-funcionalistas já existentes.
Essas mudanças no vocabulário e nas metáforas sugerem transformações na natureza
do processo de inovação e, em última instância, do ambiente cultural em que se encontram
inseridas. Analisar tais processos de significação representa uma tarefa fundamental para o
futuro das novas políticas de inovação. Assim, apresentam-se a necessidade de uma
investigação que contemple o processo de inovação por meio das tecnologias open source,
tendo os bens simbólicos como matérias-primas significativas para a economia
informacional.
Além disso, faz-se necessário o conhecimento das especificidades das novas
tecnologias descritas por autores como Proulx e Couture (2006), Jollivet (2003), Corsani
(2003) Kumar (2006), Keen (2007), Castells (2010) e Lemos e Levy (2010) que autorizam
a formulação de questionamentos aos modelos lineares e sistêmicos de produção de
conhecimento inovador que ocorriam sobre condições de autoridade e hierarquia, onde a
produção de conhecimento para produtos sofisticados era efetuada sob um complexo
esquema de divisão do trabalho.
23
As conseqüências desse debate se expressam na vida cotidiana das comunidades
open source como o PUG-PE, mas que por certo, afetará também o futuro desses grupos e
como será a produção de softwares no futuro. Os estudos já existentes vêem
principalmente de áreas como filosofia, sociologia, antropologia, sociologia, ciências da
informação e tendem a abordar as mídias livres - conceito que excede o nosso escopo de
investigação, fazendo-se notar a ausência de trabalhos na área de administração.
Em segundo lugar a pesquisa se justifica por contribuir para uma melhor
compreensão da relação entre as forças do mercado e sua representatividade no discurso da
comunidade estudada.
Em terceiro lugar, tratando-se de uma justificativa de cunho metodológico, este
estudo busca enfocar o processo de construção discursiva da comunidade PUG-PE desde a
sua fundação em 2007, na sua estratégia de levar essa tecnologia da universidade para o
mercado estadual a partir da perspectiva emprestada pela análise dos discursos sustentados
nas narrativas que se desenrolam desde a sua fundação até o ano de 2013.
Sob essa lógica, ao procurar entender a constituição do discurso dos desenvolvedores
em torno do processo inovador de desenvolvimento de software livre em comunidades
open source, estamos interessados em como a teoria do discurso pode ajudar a
compreender essa demanda fora dos preceitos normativos e objetivistas que marcaram os
estudos de inovação, como os estudos de Tidd (2000), Tidd; Bodley (2002), Hoecht; Trott
(2006) e parte da literatura sobre a produção software livre em comunidades abertas como
os estudos de Reis(2003), Balieiro (2007), De Oliveira et al. (2012) e entende-lo como uma
arena de disputas políticas.
Na busca dos sentidos dados por esses discursos a análise do discurso é uma
concepção teórica/metodológica útil para entender esse processo de construção discursiva
24
de sentidos, entender a relação de sentidos dentro da comunidade e como os mesmos
objetivam obter a hegemonia.
1.2 Descrição do problema e formulação da hipótese
Uma comunidade de desenvolvimento de software livre de código aberto (SLCA)
será analisada para entender os processos emergentes de inovação aberta. Essa tarefa terá
como recorte o Python User Groups de Pernambuco e como recorte temporal o período
compreendido entre os anos de 2007 a Março de 2013. Nesse período, nota-se nesse grupo,
a existência de um ponto de fixação discursiva em torno do qualforam construídas cadeias
articulatórias. Logo, essas cadeias têm como característica fundamental o antagonismo
frente à lógica estrita da indústria de software vigente no mercado, ao assumirem posição
contrária à cadeia produtiva do software proprietário.
Como resultado da divisão no campo da produção de software, temos a emergência
de um discurso privilegiado que condensa as demandas sociais do grupo. Isso ocorre numa
situação em que a lógica proprietária de produção de software, dominante no mercado,
constitui o corte antagônico que separa as articulações dos momentos discursivos numa
cadeia equivalencial próprio, ou seja, nessa comunidade de desenvolvimento de software
livre, são facilitadas certas relações e ocorrências semânticas, ao passo em que outros são
dificultados.
Nesse processo, é notória a capacidade dos discursos “open source” de algumas
empresas, revistas especializadas, especialistas e hackers famosos no sentido de construir
um discurso que se pretende hegemônico na medida em que são articulados outros
discursos que, sem esse ponto nodal, seriam quase impossíveis de se articularem entre si.
Portanto, essa lógica de construção discursiva permite ver com certa clareza a capacidade
do discurso em: a) simplificar as questões referentes à produção de soluções em software
25
livre usando a linguagem de programação python, de forma a encontrar equivalências em
demandas diferentes, e b) denunciar os efeitos negativos na inovação tecnológica que
derivam da hegemonia da lógica proprietária de produção de software.
A hipótese central foi construída a partir da constatação de um processo de
construção identitária e de posicionamento de um grupo social, em uma arena de tensões
discursivas. No nosso caso em tela, essa tensão ocorre em torno do esforço de se colocar
em prática um discurso que busca posicionar o PUG-PE como centro irradiador da
tecnologia Python em Pernambuco por meio da argumentação dos princípios do SLCA.
Nesse grupo,existe uma cadeia equivalencial que tem como referência ao discurso
do código aberto, um instrumento de acesso ao conhecimento, segundo o qual os
programadores e usuários usam como insumo para desenvolver novos ciclos de inovação.
Essa coletividade é constituída de estudantes, professores, empresários, profissionais do
mercado, hackers e entusiastas que de uma forma geral acreditam no modus operandi do
modelo open source ao defenderem a liberdade de circulação de informação e
conhecimento como condição para a operacionalização desse modelo produtivo.
Na exposição para a sociedade dos motivos que justificam os posicionamentos
assumidos por esses grupos produtores e usuários de software livre, são apresentadas
razões genéricas tais como a liberdade de acesso a informação, a cultura hacker, a
solidariedade de cooperação entre estudantes e desenvolvedores de tecnologia para criação
de novos negócios e a possibilidade de se trazer mais inovação.
Tem-se, portanto, como hipótese a possibilidade de o discurso do PUG-PE unir-se
em torno do próprio interesse das seguintes formas:
a) por ser uma comunidade open source alguns usuários são incentivados a
participar do grupo de forma a ser um coletivo próspero de usuários e
desenvolvedores. Nesse espaço podem tanto exercer a sua afeição pela
26
tecnologia, como também aperfeiçoar suas habilidades e competências
como usuários e desenvolvedores.
b) pelo menos, alguns usuários têm incentivos para revelar voluntariamente
suas inovações como forma de se nutrirem com novas idéias e assim
aumentarem o alcance dos seus projetos quando apresentados para
empresas, governos, universidades e demais outros stakeholders;
c) a difusão de inovação pelos usuários/desenvolvedores do PUG-PE pode vir
a competir com a produção e distribuição comercial ao criarem suas
próprias startups.
d) constituição de uma cadeia equivalencial e de significantes vazios onde o
interesse particular do grupo justifica o tipo de relações estabelecidas entre
usuários e desenvolvedores, e destes com os stakeholders.
Diante dessa perspectiva, a produção de SLCA assume o significado de ganho
econômico e político no mesmo passo que a liberdade de acesso ao conhecimento gera
ganhos de progresso e inovação tecnológica maiores no modelo proprietário.
Assim, de maneira inicial, a hipótese central da tese diz respeito ao fato de que as
comunidades de usuários e desenvolveres de SLCA têm sucesso quando tal usuário
encontra algum incentivo para inovar e revelar, voluntariamente suas idéias, inclusive, o
conjunto delas, posteriormente, pode vir a se tornar competitivo no mercado. Essa
conjugação de fatores redundaria em ganho de protagonismo no cenário tecnológico local e
financeiro para os integrantes do grupo.
No que tange ao sentido dado ao “discurso open source” os significados são de
disseminação da linguagem Python em Pernambuco entre estudantes, empresas e outros
stakeholders de modo a fomentar a troca de experiências que podem servir de insumosà
inovação e criação de novos negócios com base noopen source. Literalmente, "open
27
source" ou "código aberto" significa que o código fonte do software está disponível aos
interessados, tanto programadores como o público em geral, possuindo restrições
intelectuais de cópia e reprodução reduzidas ou inexistentes quanto aos valores referentes
a propriedade intelectual ou direito autoral. A definição de Open Source foi criada por
Bruce Perens e Eric Raymond, sendo atualmente mantida pela Open Source Initiative,
adicionando significado ao termo. Como exemplo, temos a possibilidade de não somente
ter acesso total ao Código Fonte, como também o direito de usá-lo.
Quanto ao referencial metodológico, o presente estudo foi realizado a partir dos
discursos dos momentos destacados na cadeia equivalencial estudada, tendo por ponto de
partida o corte antagônico representado pela lógica proprietária de produção de software. O
suporte metodológico e teórico é dado pela teoria do discurso desenvolvida por Ernesto
Laclau e Chantal Mouffe, cujas categorias de antagonismo, hegemonia e significantes
vazios serão indispensáveis para compreender esse processo de construção discursiva.
A compreensão do poder de atribuição de sentido na da construção discursiva do
processo de inovação a partir das tecnologias open source com valores como coletividade,
conectividade, colaboração, objetivos compartilhados, socialização e posse coletiva,
freqüentemente mencionados por Benkler (2006), Lessig (1996) e von Hippel (2005),
podem representar uma oportunidade de se entender os projetos de software livre e suas
propostas inovadoras como uma construção política e socialmente localizada, abordagem
ainda ausente nos escritos acadêmicos e nos discursos dos defensores do software livre.
Os critérios de seleção do corpus discursivo utilizado neste estudo levaram em
conta a utilidade e a adequação de seu uso para a obtenção das informações necessárias
para se alcançar os objetivos e a constatação, ou não, da hipótese construída. Para tal, no
processo de seleção, foi levada em conta a utilidade e adequação do material no sentido de
28
propiciar elementos relevantes para a análise dos antagonismos, hegemonia e significantes
vazios dos discursos e suas construções.
O layout dessa tese está organizado da seguinte forma: O capítulo 2 apresenta os
elementos teóricos utilizados na construção da análise dos discursos do PUG-PE e a forma
inovadora de produção de software no modelo open source. O capítulo 3 apresenta as
escolhas metodológicas, e o capítulo 4 os “tipos” de percepção utilizados para agrupar os
elementos discursivos do PUG-PE nas construções articulatórias que compõe a cadeia
discursiva. O capítulo 5 apresenta as principais estratégias e lógicas discursivas articuladas
e, em seguida, a apresentação de uma lógica de inovação centrada nas comunidades e, a
conclusão que constitui um breve apanhado de todo a tese e a demonstração da
confirmação da hipótese apresentada.
Desta forma organizada, a tese apresenta ainda nesse capítulo 1 a questão de
pesquisa, as questões secundárias e a justificativa do estudo. No capítulo 2 apresentamos
os principais conceitos teóricos articulados tanto da teoria do discurso como os
relacionados ao capitalismo cognitivo, as novas modalidades de inovação, bens simbólicos
e o redesenho dos novos cenários de colaboração como as comunidades de software livre.
Entendemos que são apanhados teóricos relevantes para a boa compreensão do texto. Neste
são apresentados os argumentos chave, as lógicas constitutivas da teoria do discurso e uma
síntese da evolução do conceito de inovação, que completa a base necessária para a
compreensão da tese aqui apresentada. Essa parte permite o entendimento da visão
objetivos desse setor trazendo uma nova topologia semântica que não se adéqua a visão
vigente de inovação.
No capítulo 3 apresentamos como serão explorado os discursos do PUG-PE
desenvolvendo uma estrutura para entender a lógica de construção discursiva do PUG-PE e
29
as idéias embutidas nesses discursos. Explicamos como foi desenvolvido um estudo de
caso qualitativo sobre um corpus de entrevistas transcritas e outros documentos.
O capítulo 4 será composto pela construção dos “tipos” perceptivos “de
comunidade bem sucedida” e “discurso do open source”. Esses são artifícios analíticos que
permitem compreender as diferenças entre os elementos momentos que constituem a
cadeia discursiva estudada, bem como auxiliam na melhor percepção das ligações
equivalenciais que estabelecem os vínculos discursivos nesta cadeia de equivalências.
O capítulo 5 articula os conceitos teóricos de antagonismo, hegemonia e
significantes vazios para entender como as demandas vêem a se transformar cadeias
equivalenciais de uma longa cadeia de demandas e em significantes vazios. Essas
demandas têm o duplo papel de servir como equivalentes gerais e demandas particulares. E
à medida que mais demandas são adicionadas a cadeia as ligações entre os equivalentes
gerais e as sua identidades particulares são gradualmente rompidas.
O capítulo 6 traz um breve apanhado de como a lógica de produção open source do
PUG-PE expande os conceitos de inovação existentes. Faz isso ao trazer a perspectiva dos
usuários/desenvolvedores inseridos em comunidades que podem também vir a constituir
como um lócus de inovação descentralizada e realizada a partir de um ethos colaborativo.
O sétimo capítulo fecha essa tese com as conclusões e a elaboração da verificação
da hipótese, através da análise dos elementos momentos da cadeia articulatória estudada,
com o auxílio dos “tipos” discursivos. É desenvolvida a idéia de construção da cadeia
discursiva e demonstramos a satisfação dos argumentos apresentados retornando a questão
principal e secundárias de pesquisa.
30
1.3 Questão de Pesquisa
Uma investigação sobre os antagonismos, hegemonias e significantes vazios no uso
de plataformas abertas de geração de inovação requer uma epistemologia que se sustenta
na lógica da compreensão.
Assim sendo, nosso esforço investigativo em torno dos discursos dos
desenvolvedores na articulação de um discurso no campo da produção de inovações em
software livre será norteada pela seguinte questão: como a produção de inovações com
software livre em comunidade open-source é articulada discursivamente pelo PUG-PE?
1.3.1 Questões secundárias
Como se revelam as hegemonias e antagonismos em torno do processo de
produção/consumo do software livre na comunidade PUG-PE?
Como os discursos articulatórios constituem a constituição dos significantes
vazios no processo inovador do software livre?
31
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O presente capítulo tem por objetivo apresentar a discussão teórica e
epistemológica que orientam a composição do presente estudo. A primeira seção será
tomada por um debate acerca das principais categorias de análise, apropriadas da teoria do
discurso de Laclau e Mouffe, que serão utilizadas para compreender a construção social do
discurso da comunidade PUG-PE. Na segunda seção, apresentamos a forma como serão
relacionados os conceitos e teorias oriundas das ciências sociais – Sociologia,
Antropologia, Comunicação e Direito - de modo a se entender como estasse relacionam
com a produção de software livre em comunidades open sourcecomo o PUG-PE.
2.1 Compreendendo a lógica discursiva
A teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe representa o principal
elemento de fundamentação teórica deste estudo. Nesse sentido, a compreensão da lógica
discursiva se faz imprescindível tanto no aspecto lingüístico quanto do não lingüístico na
construção do discurso. Dessa forma, colocaremos as comunidades e os sujeitos sendo
construídos discursivamente. A significação das demandas dos desenvolvedores será
construída pela articulação dos conceitos de antagonismo, hegemonia e significantes
vazios, a considerar a multiplicidade de posições assumidas num campo de tensões e
disputas pela significação.
Para compreender a diversidade de relações sociais que se dispõe conforme a
vivência dos desenvolvedores é indispensável pensar esse sujeito como sendo descentrado
e constituído na interseção de uma multiplicidade de posições antagônicas. Assim, não
existe uma identidade discursiva prioritária, mas, sim, movimentos de articulação
32
contingentes e resultados de práticas hegemônicas, constituindo-se o terreno fértil para a
constituição dos significantes vazios.
Nesse ponto, existe a possibilidade de análise de novas perspectivas de ação que
nem o liberalismo, com a idéia do indivíduo que visa unicamente atender aos seus
interesses, nem o marxismo, com redução de todas as posições à condição de classe,
conseguiram sancionar (MARQUES, 2008).
A construção e manutenção de uma posição de fala numa sociedade complexa
demanda reconhecer o opositor, não como inimigo, mas, sim, como um exterior
constitutivo cuja existência é legitima e deve ser reconhecida.
É preciso entender, primordialmente, que a política, para Laclau e Mouffe (2001),
é uma categoria ontológica, ou seja, a definição do sujeito como ser político; de modo
semelhante, a transformação social se realiza por meio de lutas políticas e não por
autotransformações de caráter objetivo, e toda a construção política tem sempre lugar
contra um conjunto de práticas naturalizadas.
Sob esse marco, a ordemsocial pode ser vista como uma arena de disputas entre
diferentes discursos a fim de fixar significados em torno de um ponto nodal, tornando-se,
dessa forma, um movimento hegemônico. A teoria do discurso é uma empreitada
intelectual que agrupa essas e outras ferramentas teóricas para explicação de fenômenos
sócio-políticos. Dada a sua centralidade explicativa será tratada a seguir.
2.1.1 A teoria do discurso
A teoria do discurso é conseqüência e manifestação da “virada lingüística”,
precipitada por críticas ao positivismo, pelo impacto das idéias vindas do estruturalismo e
pós-estruturalismo e pelos ataques pós-modernistas à epistemologia dominante na época
(MARQUES, 2008). Sua origem tem como base a crítica à ciência social tradicional, o que
33
significa que ela possui uma fundamentação diferenciada das outras epistemologias e
metodologias. Segundo Lincoln e Guba (2007), sua proposta revela uma forma de
investigação denominada de construcionismo social e construtivismo.
Essa perspectiva rejeita a noção realista ingênua de que a linguagem representa
um meio neutro de refletir ou de descrever o mundo, e atribui ao discurso uma importância
central, uma vez que ele é visto como forma de ação no mundo e na realidade socialmente
construída.
Em geral, a teoria do discurso constitui uma das diversas vertentes das chamadas
epistemologias pós-modernas, embora a definição deste último termo não seja isenta de
ambigüidades, como defende Hamlin (2008), uma vez que as idéias básicas dessas
abordagens epistemológicas giram em torno das seguintes premissas: nenhuma pessoa ou
grupo pode sustentar uma perspectiva neutra ou "descolada" de pontos de vistas
específicos; toda compreensão ou explicação alcançada será sempre parcial (assim como
falível e transitória); e as identidades não constituem totalidades fechadas e homogêneas.
Nesse sentido, a prática de pressupor ou afirmar a relevância ou validade geral de
uma posição é, na melhor das hipóteses, um equívoco metodológico com conseqüências
políticas significativas (LAWSON, 1997).
Em razão de sua abrangência, essa teoria se adéqua como fundamento teórico para
diferentes abordagens construcionistas sociais no âmbito da análise do discurso
(FAIRCLOUGH, 2001; SPINK, 2004;). Por outro lado, os estudos de Ernest Laclau e
Chantal Mouffe visam o desenvolvimento teórico, e não contemplam tantas ferramentas
práticas para análises textualmente orientadas (JØRGENSEN & PHILLIPS, 2002). Como
resultado, pode ser proveitoso completar sua teoria com métodos oriundos de outras
abordagens de análise do discurso.
34
A concepção geral da teoria do discurso reside em expor os fenômenos sociais
como eventos nunca conclusivos ou totais. O significado não pode ser fixado de modo tão
definitivo, como faz crer a lingüística crítica (FAIRCLOUGH, 2008), e isso abre o
caminho para constantes lutas sobre as definições de sociedade, gerando efeitos sociais de
contingência e precariedade5 na fixação dos significados, já que não há qualquer
previsibilidade ou inexorabilidade social, como garantem Mendonça e Rodrigues (2008).
Sob essa marcação e de acordo com Southwell (2008), a tarefa do analista do
discurso consiste em traçar o curso dessas lutas e interlocuções para fixar sentidos - sempre
parciais - em níveis específicos de determinada estrutura social. Exemplo disso é
representado pelas atuais tecnologias digitais que, ao terem condições de se abrirem para
uma multiplicidade de fontes geradoras de inovação, tornam possíveis as apropriações de
tecnologia6, ou seja, permitem que um maior número de empresas, comunidades, usuários,
e certos setores do estado entrem na arena de significação do software livre, expandindo
polissemicamente seus significados.Essas práticas, para Haddon (2005), representam
essencialmente novos usos potenciais de uma tecnologia, que já traz, em si, as condições
apropriadas para a inovação.
Laclau e Mouffe (2001) desenvolveram sua teoria a partir da desconstrução de
outros corpos teóricos como o behaviorismo, funcionalismo estrutural e escolha racional.
A análise dos argumentos dessas teorias acabou revelando suas premissas equivocadas,
contradições internas e conteúdo ideológico, podendo ser transformados em ferramentas
para o pensamento posterior.
5 Segundo Mendonça (2008), a precariedade se projeta na medida em que toda a produção de sentido está sempre tendente a ser alterada em função da natureza relacional que envolve a constituição de um sistema
discursivo. 6 A questão de apropriação da tecnologia é interessante no trabalho de Ferreira e Rocha (2009), uma vez que
para estes a redução das tecnologias de informação e comunicação a uma dimensão francamente
performativa, tal como encontramos nas ciências da informação desde seus primórdios, representa somente a
questão de garantir o fluxo seguro e veloz de signos sem que as questões do sentido das mensagens, de sua
apropriação, da orientação da arquitetura que permite este fluxo, constituam uma preocupação primeira. Para
este projeto, entendemos que as ciências de informação não possibilitam uma compreensão crítica dos
processos inovadores com o software livre, e nem apreender seu sentido político.
35
O método desconstrucionista torna a leitura de Laclau e Mouffe (2001) bastante
inacessível, uma vez que pressupõe conhecimento amplo das teorias em que se baseiam
(Fenomenologia de Heidegger, Concepção de Jogo de Linguagem de Wittgenstein e Pós-
Estruturalismo francês).
Mas para Jørgensen& Phillips (2002), Ernesto Laclau e Chantall Mouffe têm
construído sua teoria, combinando e modificando essencialmente duas grandes tradições
teóricas, o marxismo e o estruturalismo.
O marxismo fornece um ponto de partida para pensar o social, e o estruturalismo
provê uma teoria do significado. Nesse sentido, Laclau e Mouffe (2001) fundem estas
tradições em uma teoria pós-estruturalista única que contempla a contingência e o
paradoxo como dimensões ontológicas do social.
Para entender a teoria da criação de significado e seu conceito de "discurso", faz-
se necessário começar pela lingüística estrutural de Saussure. As críticas pós-estruturalistas
à tradição saussuriana podem ser entendidas pelo fato de o signo ser arbitrário e
convencional, e o referente não contar para a compreensão e funcionamento dos signos
(ARAUJO, 2004), ou seja, entre o significante e o significado não há qualquer relação
interior (SAUSSURE, 1988).
Para Araujo (2004), na lingüística de Saussure o que importa é a relação intra-
signica, ou seja, o significado é fixado por oposição a outros signos no jogo de regras
internas do sistema da langue.
A objeção pós-estruturalista se centrava no pensamento de que o significado não
pode ser fixado de forma inequívoca e definitiva. Os pós-estruturalistas concordam que os
signos adquirem significados ao serem diferentes uns dos outros, e no uso da linguagem
corrente (parole) ao posicionarmos os signos em diferentes relações com outros de modo a
adquirirem novos significados (BURUTY, 2008).
36
Assim, o uso da linguagem é um fenômeno social, ou seja, através das
convenções, negociações e conflitos em contextos sociais as estruturas de significado são
fixadas e desafiadas.
Nesse aspecto, a criação de significado como processo social ocorre a partir da
fixação de sentidos em relações particulares com outros signos. Esse projeto, todavia, é,
em última análise, impossível, uma vez que cada fixação concreta de significado é
contingente e exige esforço permanente para complementar essa lacuna (LACLAU &
MOUFFE, 2000; ŽIŽEK, 2008). Portanto, aqui não se confere uma ênfase unilateral sobre
a ação ou estrutura na reprodução e transformação como se fossem mutuamente
exclusivas.
Então, o objetivo desse tipo de análise se expressa em mapear os processos pelos
quais lutamos para impor os sentidos que queremos que sejam fixados, e identificar como
algumas fixações se tornaram tão naturalizadas ao ponto de pensarmos nelas como
entidades únicas. Assim, Ernesto Laclau e Chantall Mouffe (2001) apresentam uma
definição teórica para discurso:
[a] totalidade estruturada resultante da prática articulatória, nós chamaremos de
discurso. As posições diferenciais, na medida em que elas aparecem articuladas
dentro de um discurso, nós chamaremos momentos. Em contraste, nós
chamaremos elemento qualquer diferença que não é discursivamente articulada.
(Laclau e Mouffe 2001: 105; itálico no original)
O efeito de totalidade de uma formação discursiva, no entanto, é meramente
contingente, ou seja, trata-se de uma totalidade incompleta e, assim, continuamente sujeita
a movimentos de reconfiguração de sentidos. Por essa pauta, um discurso é compreendido
como a fixação de sentido no interior de um domínio particular, de modo que os signos de
um discurso acabam se tornando momentos, uma vez que são fixadas por meio de suas
diferenças com outros significados (posições dos diferenciais) (MENDONÇA, 2008).
37
Então, um discurso é formado pela fixação parcial de sentido em torno de alguns
pontos nodais, conforme lecionam Laclau e Mouffe (2001). Assim, um discurso é
estabelecido como uma totalidade na qual cada signo é definido como um momento que se
apresenta por intermédio de suas relações com outros signos (SOUTHWELL, 2008).
Isso ocorre pela exclusão de outros significados possíveis, isto é, todas as outras
formas possíveis em que os signos poderiam ter sido relacionados com os demais.
Portanto, um discurso compreende uma redução de possibilidades, até por ser a tentativa
de parar o deslizamento dos signos na relação de uns com os outros como sistema
unificado.
As possibilidades que o discurso exclui são denominadas por Laclau e Mouffe
com “campo da discursividade” (LACLAU E MOUFFE, 2001, p. 112). O campo de
discursividade é um reservatório para o “'excedente de significados”produzido pela prática
articulatória, isto é, os significados que cada signo tem, ou teve em outros discursos, mas
que são excluídos pelo discurso específico a fim de criar uma unidade de significado.
2.1.2 Lugares do discurso, posições de sujeito e
identidade
A discussão precedente aborda a questão de que os discursos tentam estruturar os
signos como se todos tivessem um sentido fixo, permanente e inequívoco em uma
totalidade estruturada. Lógica semelhante se aplica a práticas sociais com um todo, uma
vez que agimos como se a "realidade" a nossa volta tivesse uma estrutura estável e a
sociedade e os grupos representassem fatos inquestionáveis (LACLAU & MOUFFE,
2001). Mas, assim como a estrutura da linguagem nunca é totalmente fixa, sociedades,
identidades e entidades também não podem ser vistas como estruturas completamente
fixas.
38
Nesse sentido, Mendonça e Rodrigues (2008) entende que o objetivo da análise
discursiva não está centrado em desvelar a realidade objetiva, no caso do estudo, descobrir
como a comunidade PUG-PE "de fato" participam dos processos de produção de inovação,
mas explorar como são criadas estas realidades para que pareçam objetivas e naturais e
assim entrar no campo de disputas legitimas sobre a definição do campo em que estão
inseridas.
Na teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2001), portanto, o ponto de partida para
uma trajetória de análise consiste na noção de que construímos a objetividade por meio da
produção discursiva do significado, ou seja, por intermédio da construção contingente de
equivalências entre diferentes elementos discursivos. Assim, esse processo de construção
discursiva do objeto que deve ser o alvo de análise.
Nessa perspectiva, Laclau e Mouffe (2001) transformam a tradição marxista de três
maneiras. Em primeiro lugar, eliminam a divisão entre base e superestrutura e
compreenderam toda a sociedade em formação como produto de processos discursivos. Em
segundo lugar, rejeitam a concepção marxista de sociedade, em que a sociedade pode ser
descrita objetivamente, como uma totalidade constituída por determinadas classes
(MENDONÇA & RODRIGUES, 2008). Os autores concebem a sociedade não como um
fenômeno objetivo existente, mas como tentativa de determinados agentes de definir o seu
significado, o que nos termos de Marques (2008, p. 112) significa que, “existe uma
impossibilidade estrutural de representar a totalidade do espaço social como sistema sem
exclusões”.
Em terceiro lugar e como resultado deste ponto de vista sobre a constituição do
social, Laclau e Mouffe (2001) rejeitam a compreensão marxista de identidade e formação
do grupo. Para o marxismo, as pessoas têm uma identidade de classe objetiva, mesmo que
não percebam. Para Laclau e Mouffe não se pode determinar de antemão quais grupos se
39
tornarão politicamente relevantes. Ou seja, a identidade das pessoas (tanto coletivas como
individuais) resulta de processos discursivos contingentes, e, como tal, constituem parte de
lutas discursivas.
Entretanto, como podemos conceituar os atores que participam das tensões pela
significação do software livre? Os estudiosos da abordagem de análise do discurso são
críticos quanto à compreensão clássica ocidental do indivíduo como um sujeito autônomo
(BOUCHER, 2008).
Visto isso, a identidade individual e coletiva é organizada de acordo com os
mesmos princípios dos processos discursivos, conforme assevera Burity(1997). Nesse
sentido, a categoria de sujeito é permeada pelo mesmo caráter faltoso, ambíguo,
incompleto e polissêmico que a sobredeterminação atribui a todos os discursos de
identidade (idem, p. 121).
A noção de sujeito no pensamento de Jaques Lacan não apenas evoca essa
incompletude como também as tentativas por eliminar essa falta. Conforme defende
Southwell (2008), o sujeito lacaniano é compreendido como ser dividido e alienado e se
converte no lócus de uma identidade impossível, posicionando-se para além de toda a
noção essencialista de subjetividade. Para o autor, a identificação simbólica é estruturada
em torno da “aceitação” dessa falta constitutiva, nessa linha, a realidade é simbolicamente
construída e articulada na linguagem.
No entanto, para melhor compreensão do conceito de „posições de sujeito‟, faz-se
necessário reportar-se ao conceito de interpelação, como sugestão de Althusser (1987) no
esforço por desenvolver uma visão alternativa ao entendimento clássico ocidental sobre o
assunto. Os indivíduos são interpelados ou colocados em posições determinadas por
formas particulares de falar ou mecanismos de “interpelação do indivíduo como sujeito”
(ALTHUSSER, 1987, p. 101).
40
Se um desenvolvedor de software diz que prefere “Licenças de software GPL”,
então ele será interpelado com uma identidade particular – a de oposição às restrições
padrão determinadas pelo copyright - ao qual determinadas expectativas sobre seu
comportamento já são esperadas. Em termos da teoria do discurso, as posições que os
indivíduos adotam acontecem dentro dos discursos.
Por sua vez, as concepções de Louis Althusser e Michel Foucault revelam um
determinismo econômico e estrutural incompatível com a teoria do discurso aqui em
debate. Althusser (1987) compreende a interpelação dos sujeitos como ideológica, uma vez
que esconde as verdadeiras relações entre as pessoas, já Foucault (2009) exagera nos
efeitos constitutivos do discurso, uma vez que os agentes, que mesmo quando estão
resistindo ao poder acabam se sucumbindo às estruturas.
Para Laclau & Mouffe (2001), não existem verdadeiras relações sociais “objetivas”
ou um “assujeitamento total” determinados, em última instância, pelas estruturas, como
querem defender os estudos positivistas (ALVESSON & SKOLDBERG, 2000; SAUKKO,
2003). No entanto, as pessoas ainda assim são interpeladas por discursos: os sujeitos
devem ser entendidos como "posições de sujeito" dentro de uma estrutura discursiva
(ALVESSON & SKOLBERG, 2000, p. 115).
Nesse sentido, sob a perspectiva pós-estruturalista de Laclau & Mouffe (2001) um
discurso nunca pode se estabelecer com total fixidez de forma que se torne o único
discurso presente na estrutura social. Ali sempre haverá vários discursos conflitantes em
jogo. Nesse particular, tal como acontece com Althusser (1987), o sujeito não é entendido
como soberano na teoria pós-estruturalista: o sujeito não é autônomo, mas é determinado
por discursos.
Em contraste com a teoria de Althusser (1987), o sujeito é também fragmentado,
não sendo posicionado tão somente por um discurso, mas sim, são a ele atribuídas muitas
41
posições ou “funções de sujeito” por diferentes discursos, (ARAUJO, 2007, p.224;
FAIRCLOUGH, 2001). Uma usuária de software livre é um sujeito que no local de
trabalho pode ser “administradora de sistemas”, numa comunidade open source uma
“hacker", em família uma “mãe”, “esposa” e “filha”. A maior parte dessas mudanças
ocorre de forma despercebida e o desenvolvedor nem percebe que ele ou ela ocupa
diferentes posições de sujeito no decorrer do dia.
Mas, o indivíduo, na sua relação consigo mesmo, também pode ser interpelado em
posições de sujeito diferentes ao mesmo tempo. Nesses casos, acontece a
sobredeterminação demonstrada por Jørgensen& Phillips (2002). Ou seja, o sujeito é
posicionado em vários discursos contraditórios, entre os quais podem surgir conflitos. Para
Laclau e Mouffe (2001), o sujeito é sempre sobredeterminado porque as posições são
sempre contingentes. Posições de sujeito que não estão em conflito visível com outras são
o resultado de processos hegemônicos (tratado no tópico 2.4.2) em que as possibilidades
alternativas são excluídas e um discurso particular se torna naturalizado.
Nesse sentido, Žižek (2008) traz o conceito de sujeito sem qualquer forma de
essencialismo, entendendo-o não como substancial cogito da tradição filosófica da
modernidade, mas como um lugar de falta em torno da qual se desenvolvem tentativas de
preenchê-lo com identidades específicas, se opondo assim a idéia de sujeito e sociedade
como totalidades fechadas e centradas, colocando o conflito no coração do social, mas em
uma perspectiva não objetivista.
2.1.3 Explanando a teoria do discurso
Nos tópicos anteriores descrevemos a concepção de sujeito e identidade na teoria
do discurso adotada que, no entanto, não nos dá um instrumental metodológico para a
análise de material empírico, ou seja, existe um desafio metodológico, na medida em que
42
existe uma separação entre os conceitos ontológicos abstratos e a necessidade de conceitos
que lidem com o nível ôntico. Em outras palavras como se constituem nos discursos dos
desenvolvedores do PUG-PE os antagonismos, hegemonia e significantes vazios? Que
aspectos do processo inovador de desenvolvimento de software em comunidades são
adequados para uma abordagem da teoria do discurso? Ao considerar tal lacuna, fizemos a
opção por realizar uma “construção metodológica” tomando por base as sugestões
proferidas por Jørgensen& Phillips (2002).
Para Jørgensen& Phillips (2002), Ernesto Laclau e Chantal Mouffe estão mais
interessados em fenômenos abstratos, quando identificam determinados discursos
específicos, em vez de investigar como discursos constituem recursos que as pessoas usam
para transformar suas práticas da vida cotidiana (ver Figura 2). Não significa, entretanto,
que os conceitos teóricos de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe não possam ser usados em
análises empíricas detalhadas.
Figura 2 - Focús Analítico.
Fonte: Adaptado de Jørgensen& Phillips (2002).
Para a investigaçãoda dinâmica dos discursos em diversos materiais empíricos
levantamos questões basilares como: de que modo cada discurso representa o
conhecimento, a realidade, as identidades e as relações sociais? Onde os discursos
funcionam discretamente lado a lado, e onde existem antagonismos abertos? Quais
Discurso do dia-dia Discurso abstrato
Psicologia discursiva
Análise do discurso crítico Teoria do Discurso
de Laclau e Mouffe
Foucault
43
intervenções hegemônicas estão se esforçando para substituir os conflitos? De que forma e
com que conseqüências?
Para alcançar o propósito do presente estudo utilizaremos conceitos de
antagonismo, hegemonia e significantes vazios, uma vez que partimos da hipótese de que
os discursos articulados pelos usuários e desenvolvedores visam tanto à criação de um
sistema de vínculos, solidariedade e compartilhamento intersubjetivo dentro da
comunidade, como criar limites simbólicos à determinados discursos externos que colocam
os usuários e desenvolvedores numa situação permanente de negociação.
Nesse sentido, os discursos dos usuários/desenvolvedores podem ser vistos como
uma estratégia para assegurar as condições de possibilidade para a produção e reprodução
de software livre nas condições tecnológicas atuais permite. Nesse sentido, os discursos
dos usuários/desenvolvedores de software livre nunca são completamente estáveis e
irrefragáveis, podendo, assim, ser transformados em orientações metodológicas relativas à
localização das linhas de tensão no próprio material empírico.
Pode-se, então, questionar quais entendimentos diferentes da realidade estão em
jogo e onde eles estão em oposição antagônica entre si? E quais são as conseqüências
sociais se um ou outro sair vitorioso e hegemonicamente imobilizar os sentidos do
significante vazio?
No entanto, a concepção de que os discursos e articulações são contingentes, isto
é, todos os aspectos do social são fixações precárias (BUTLER, et al., 2004) tem
provocado críticas a Laclau e Mouffe por superestimarem a possibilidade de mudança (por
exemplo, JØRGENSEN; PHILLIPS (2002). CHOULIARAKI 2002; CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 1999).
As críticas ocorrem no sentido de que esses autores ignoram o fato de nem todos
terem possibilidades iguais para rearticular elementos em novas formas discursivas e,
44
assim, gerar mudanças sociais (JØRGENSEN; PHILLIPS, 2002). Os discursos das pessoas
freqüentemente estão sujeitos a restrições que não emanam do nível discursivo, mas a
partir de relações estruturais de dependência como etnia, classe e gênero.
Para Chouliaraki e Fairclough (1999), os autores da Teoria do Discurso esquecem
os constrangimentos estruturais porque eles se concentram mais na contingência. Sob essa
lógica, tudo está em fluxo e todas as possibilidades estão abertas. Lilie Chouliaraki e
Norman Fairclough consideram importante identificar os domínios estruturais nos quais as
estruturas são socialmente criadas e fixadas, pelo menos para os grupos dominados.
No entanto, quando Laclau e Mouffe (2001) afirmam que tudo pode ser diferente,
não significa que tudo está em fluxo, ou que a mudança é necessariamente fácil. Eles
distinguem entre o objetivo e o político para salientar que, apesar de tudo ser contingente,
há sempre um campo objetivo de discurso sedimentado - uma longa série de arranjos
sociais que tomamos por certos e garantidos e, portanto, não questionamos ou tentamos
mudar.
Os conceitos de “discurso" e “campo de discursividade” de Laclau e Mouffe
(2001, p 105, 112) podem ajudar a entender melhor essa relação entre estabilidade e
permanência. Enquanto “discurso "é o termo para a fixação parcial de sentido”, o campo de
discursividade" é termo que se refere ao excedente de sentido, ou seja, todos os
significados possíveis que são excluídos de algum discurso específico (SALES Jr., 2008;
SEIDMAN; ALEXNDER, 2003).
Não obstante os dois conceitos, Jørgensen e Phillips, (2002, p. 56) acrescentam a
"ordem do discurso" que passaria a denotar um espaço social em que diferentes discursos
cobrem parcialmente o mesmo terreno no qual competem entre si para preencher e fixar
sentidos, ou seja, construir uma hegemonia, de acordo com as suas próprias
especificidades.
45
O estudo de Fremman (2012) que mostra os discursos contraditórios entre os
desenvolvedores e usuários do modelo aberto de desenvolvimento de software é
elucidativo, nesse sentido. As análises apontam que, apesar de fazerem parte de uma
mesma ordem discursiva, diferenças existem entre a ética hacker ou governança no estilo
bazar, e as comunidades profissionalizadas e estrategicamente reguladas, fazendo com que
ambas estejam envoltas na mesma competição discursiva para fixar seus sentidos
hegemônicos do que seriam modelos de produção aberta de software.
Berry (2004; 2006), ao analisar projetos de “cultura livre” que protestam contra a
lógica de cultura proprietária e da privatização dos bens simbólicos, percebeu outros
conflitos discursivos dentro do próprio domínio da “cultura livre” entre os movimentos do
Creative Commons7, Free Software Foundation
8e Open Source Movement
9, apesar de, no
senso comum, serem usadas uma pela outra, com pouco rigor conceitual.
Nas conclusões do estudo, longe de constituírem um enfraquecimento da
formação discursiva, tais fricções e antagonismos constituem o combustível que manterá a
cultura livre viva e se expandindo e, portanto, tal multiplicidade de redes singulares
representa algo produtivo e construtivo para o crescimento e consolidação da “cultura
livre” como movimento hegemônico.
Os conceitos de "antagonismo" e "hegemonia" irão, nessa construção, pertencer
ao nível da "ordem do discurso" - "antagonismo" é o conflito aberto entre os diferentes
discursos em uma determinada ordem de discurso, e "hegemonia" é a dissolução do
conflito por meio do deslocamento das fronteiras entre os discursos.
O “campo de discursividade” é, assim, concebido como o reservatório geral dos
significados não incluídos em um discurso específico (BOUCHER, 2008). O conceito é
7 Apresenta um discurso mais legalista. Tem como principal protagonista Lourence Lessig. 8 Apresenta um discurso pautado na ética e na liberdade do conhecimento. Tem como principal protagonista
Richard Stalman. 9 Apresenta o discurso do liberalismo econômico e da eficiência técnica. Tem como principal protagonista
Raymond Williams.
46
necessário na medida em que enfatiza a contingência e a abertura fundamental de todos os
fenômenos sociais, o que permite chegar ao conceito de significantes vazios.
Sob essa lógica, para a análise dos materiais empíricos buscou-se desenvolver
uma aproximação e articulação da análise do discurso com a Teoria do Discurso, segundo
a qual, nos termos de Burity (2007), a primeira se apresenta como método de tratamento da
linguagem, aqui em forma de texto, e a segunda como referencial teórico-metodológica ou
gramática analítica geral.
2.1.4 Do Antagonismo
O antagonismo na teoria do discurso ocorre a partir do processo de identificação,
dentro do discurso, da constituição de um “outro”, um exterior constitutivo que não guarda
nenhuma medida comum com as demandas de um discurso (LACLAU, 1990: 17). Esse
outro tanto estabiliza o discurso como, simultaneamente, previne “o seu fechamento”. Ele
é mais uma ameaça do que simplesmente uma diferença. A diferença pode ser acomodada
e estará sempre presente no discurso, mas as ameaças estão fora do discurso e, ao mesmo
tempo, estabilizam e desafiam a equivalência discursiva.
No que diz respeito ao bloqueio à expansão de sentidos de um discurso em relação
a outro que o antagoniza, como condição de impossibilidade, a Teoria do Discurso enfatiza
que tal antagonismo representa, também, a condição de possibilidade da própria
constituição discursiva. Portanto, segundo Laclau (1996), ao mesmo tempo em que o
exterior é constitutivo (discurso antagônico) ele também ameaça a constituição do interior
(discurso antagonizado); assim, ele consiste na própria condição da existência do interior,
na medida em que esse interior se constituiu sob a ameaça da presença do exterior.
A produção de sentidos pelo interior discursivo está limitada pelo exterior
antagônico, supondo-se da garantia de Mendonça (2008) que o primeiro nunca poderá
47
articular elementos do segundo sem que isso altere radicalmente suas estruturas, ou seja, o
antagonismo é condição de possibilidade e de impossibilidade de um discurso, e isso é o
que impede a constituição da objetividade como o sentido completo e totalmente
transparente de um discurso.
Isso quer dizer que os projetos hegemônicoscontam, ao menos,com um projeto
contra-hegemônico ou evento contingente contendo demandas que não podem ser
acomodadas. Essa ameaça continua quer dizer que existirá a chance de esse discurso sofrer
deslocamentos. Esse conceito de deslocamento, dado ser um conceito central da teoria do
discurso, será tratado brevemente no tópico 2.2.1.
2.1.5 Da Hegemonia
Hegemonia refere-se ao estabelecimento de um sistema de liderança moral e
intelectual de significados. A articulação deste sistema de significados, ou articulação
hegemônica, é central para a compreensão da teoria discurso. Para Laclau e Mouffe (2001),
a articulação é "qualquer prática de estabelecer uma relação entre esses elementos de forma
que sua identidade é modificada como resultado da prática articulatória" (2001: 105).
Articulação hegemônica, então, é a "formação de uma liderança política e moral-intelectual
que envolve a articulação de uma variedade de elementos ideológicos em um projeto
político comum que modifica a identidade das forças políticas por trás dele" (TORFING,
2005, p. 12).
Três lógicas fundamentais da teoria do discurso entram em jogo aqui: diferença,
equivalência e fantasia. Atores estão envolvidos na elaboração de equivalência entre as
demandas, mas também na articulação de uma fronteira que define os limites de seu
projeto. Na prática, a hegemonia é revelada por um consenso aparente ou por categorias
que são tomadas como certas, aceitas ou inquestionáveis.A lógica da fantasia fornece os
48
meios para entendermos por que os sujeitos aderem a determinados regimes, sendo que,
nesse contexto, a fantasia serve para garantir que a contingência radical da realidade social
permaneça no fundo (STAVRAKAKIS, 1999; JEFFARES, 2007; GLYNOS, 2008).
Como as equivalências são fundamentadas nos discursos, o objetivo dos atores
hegemônicos é articular a equivalência como totalmente fixa. Dessa forma, os atores se
envolvem em uma série de projetos hegemônicos. A motivação para esse envolvimento
não deve ser confundida com atores racionais que buscam unicamente satisfazer seus
interesses, mas, em vez disso, são atores cuja identidade é dependente do discurso e a
incompletude do discurso obriga o ator a construir uma "identidade ilusória plena através
de atos de identificação" (TORFING, 2005, p. 27). Nesse sentido, os atores, são mais
estratégicos do que racionais.
Ocorre que a própria multiplicidade constitutiva da sociedade representasse um
fato ontológico primordial que instiga várias tentativas para se preencher a lacuna de um
significante vazio (ŽIŽEK, 2008). Portanto, o conceito de hegemonia nos afasta de
qualquer modelo “estrutural-funcionalista” em que a integração a uma estrutura ou função
resulta na institucionalização de controles (BULCI-GLUCKMANN, 1980).Desta feita, a
impossibilidade de um fechamento implica, ao mesmo tempo, na sua necessidade, uma vez
que sem tal fixação fictícia de sentido não haveria qualquer significação (LACLAU, 1996,
205; EAGLETON, 1997).
2.1.6 Do significante vazio
O paradoxo do significante vazio é que ele não tem nem significante nem
significado. Isso é possível porque o sentido de ausência é, em si, um significante. Por
exemplo, uma comunidade como o PUG-PE que coletivamente se mobiliza em torno da
49
ausência de uma entidade particular como o apelo por liberdade, abertura e colaboração já
traz consigo a totalidade.
O interesse de Laclau e Mouffe (2001) pelos significantes como uma unidade de
análise levou outros autores a começar a identificar os significantes vazios em seus casos e
eles pareciam unir atores em torno de uma plenitude particular ausente. Em todos os casos
a estratégia dos atores era implicitamente “preencher” o significante vazio como algum
conteúdo que atenda seus interesses.
O discurso da comunidade funciona como uma simbolização de uma presença que
está por vir. Nesse sentido, os diferentes componentes dessa comunidade estão
abstratamente relacionados com suas queixas individuais e as reivindicações são
simbolicamente projetadas como reivindicações gerais e uniformes.
Os significantes vazios começam como demandas. Como discutido acima, os
equivalentes gerais serão divididos por uma negação no sentido de que haverá alguma
forma de “outro” que impede a sua total realização. Se outras demandas compartilham a
mesma negação eles irão formar uma cadeia de equivalência (LACLAU, 2000 p, 302). A
medida que os atores articulam mais demandas, eles expandem a cadeia até alcançaram um
ponto onde um “equivalente geral” é requerido para representar a cadeia.
Para que uma demanda seja correspondente a uma equivalente credível deve ser
possível se inscrever nele equivalências, diferenças e simbolizar a fantasia de completude.
Logo, a credibilidade advém do alinhamento com os princípios básicos do grupo. Caso
haja algum deslocamento, ou seja, se esses princípios forem anulados ou suspensos por um
deslocamento radical a credibilidade importa menos (LACLAU, 1990, p. 66).
Dito de outra forma, em tempos do Social (calma, política normal), a credibilidade
importa muito, enquanto que no tempo da Política (deslocamento) é o papel do ator que
têm suas agências intensificadas e sua capacidade de identificar e promover demandas "que
50
traçam equivalências, articulam diferenças ou se referem a uma fantasia de plenitude.
Mesmo que tal exigência não tenha sido possível sob uma ordem anterior, o deslocamento
discursivo abre essas oportunidades.
2.1.7 Outros conceitos chave articulados na Teoria
do Discurso
A seguir vamos descrever outros conceitos chaves desta abordagem articulados ao
longo texto. Apesar dos conceitos de antagonismo, hegemonia e significantes vazios serem
os argumentos centrais articulados a circularidade da Teoria do Discurso demanda a
mobilização da maior parte do seu arcabouço conceitual. Esse exercício deve permitir uma
apropriação mais adequada, facilitando a compreensão das relações que fixam as ligações
dentro do grupo.
2.1.7.1 Deslocamento
Apesar de resultarem de eventos traumáticos, os deslocamentos também podem ser
produtivos: "Se por um lado eles ameaçam identidades, por outro lado, eles são a base
sobre asquais novas identidades são constituídas" (LACLAU, 1990: 36, apudHOWARTH
E STAVRAKAKIS 2000, p. 13). Deslocamentos onde a ordem simbólica é completamente
ou parcialmente interrompida é uma oportunidade para novas formas discursivas.
Indiscutivelmente, em períodos de deslocamento de decisões políticas, o papel da agência é
acentuado. O processo mobiliza agentes para articularem uma nova ordem discursiva e de
significados tornando-se uma disputa. Pode ser que a nova formação se assemelha muito à
constituição anterior.
A motivação do ator é estabelecer uma identidade dentro do social e então agir
estrategicamente para evitar que escorregue para a política, onde significados e
51
equivalências são abertamente questionados. O processo de manutenção de um projeto
hegemônico bem sucedido é a partir da articulação de equivalências para alcançar a
reiteração do discurso. É preferível compreender discursos ao longo do tempo como
reiterados em vez de mantidos,ao levar em consideração a natureza mutávelde todos os
discursos, independentemente do quanto estejam sedimentados.
2.1.7.2 Ponto Nodal
A categoria de ponto nodal é de importância fundamental para o entendimento da
prática articulatória dentro do grupo estudado. Laclau e Mouffe (2001) se inspiraram em
Jaques Lacan para defini-lo como ponto privilegiado na constituição discursiva, uma vez
que fixa os sentidos da articulação numa cadeia de equivalência, sempre precária e
contingente. Assim, um ponto nodal constitui um signo privilegiado em torno do qual os
outros signos são ordenados e articulados e adquirem os seus significados, a partir de suas
articulações com o próprio ponto nodal.
Nos discursos referentes à internet, por exemplo, "a neutralidade de rede” é um
ponto nodal em torno dos quais muito outros significados são cristalizados. Signos como
“liberdade”, “inovação” e “proteção de dados” adquirem os seus significados por estarem
relacionados com a "neutralidade de rede" de formas específicas. Assim, um ponto nodal
nos discursos políticos é "democracia", e em discursos nacionais, é 'o povo'.
A partir disso, um discurso reúne as condições para agregar demandas dispersas,
que mesmo não compartilhando nenhuma base comum mantém precariamente uma relação
de equivalência que tem seu sentido de articulação mantida por um ponto nodal.
Além desses elementos teóricos, que serão apropriados ao longo desse estudo,
oriundos da teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2001), outros elementos teóricos serão
indispensáveis para o enfrentamento do problema proposto. Por abranger problemas
52
relativos à emergência do capitalismo cognitivo e às formas de produção de inovação a
partir das novas TIC, alguns conceitos e valores concernentes a essa problemática serão
também apropriados. Nos tópicos seguintes passamos a discuti-los.
2.2 O capitalismo cognitivo e as suas modalidades de
inovação
O sistema tecnológico relacionado às novas TIC não terá projeção no campo
social se não o reconhecermos como componente chave do denominado capitalismo
cognitivo que, por sua vez está atrelado à dinâmica de inovação emergente.
No âmbito dos estudos organizacionais, os discursos sobre o novo e a inovação
têm sido explanados sob a temática de transformação social da “sociedade do
conhecimento”, em que a informação se manifesta como principal matéria-prima e “força
produtiva” no cenário contemporâneo, conforme asseveram Cocco et. AL, (2003) e Hardt e
Negri (2006). Assim, os softwares de código aberto (Open Source Software), expressão
cunhada por Eric Raymond10
, podem ser apresentados como exemplo de implementação
do diagrama capitalista-cognitivista.
Teóricos como Friedman e Markus Becker destacam a importância da inovação
tecnológica e organizacional para o desenvolvimento capitalista (CARDON, 2005;
POSSAS, 2008). De acordo com esses estudiosos, a abordagem neo-schumpeteriana tem
produzido bons estudos sobre a fecundidade do conhecimento para gerar o fato inovador.
No entanto, ao considerar que circunscrevem o processo de produção de
conhecimento inovador aos limites da firma (NONAKA; TAKEUCHI, 1995) e à
capacidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento, podemos fazer as seguintes
perguntas: será que essa visão é representativa de um cenário marcado pela ininterrupta
necessidade de diferenciação e personalização de produtos e serviços? Como enfrentar as
10
Em seu artigodenominado A Catedral e o Bazar(RAYMONDE, 2001).
53
codificações culturais manifestadas por movimentos como os do software livre, segundo os
quais o processo de produção, consumo e distribuição operam de modo simultâneo?
Mas, diante da multiplicidade de visões sobre o assunto, Slappendel (1996) veio
sugerir sintetizar três perspectivas de pesquisa: a corrente individualista, a corrente
estruturalista e a corrente do processo interativo.
Tendo como premissa básica serem os inovadores dotados de qualidades
excepcionais e que orientam a sua ação em cima de escolhas racionais (CRESPI;
FORNARI, 2000), a perspectiva individualista tende a eleger as características pessoais, a
valorizar o papel dos líderes transformacionais (SOUZA; BASTOS, 2010;
GUMUSLUOGLU; ILSEV, 2009) e dos empreendedores de perfil heróico
(SCHUMPETER, 1982; PAIVA Jr, GERRA E ALMEIDA, 2008) na promoção da
inovação. Sendo assim, o empresário movido pelo lucro e pelo espírito empreendedor seria
o responsável pela inovação (SHUMPETER, 1982).
Por outro lado, dispondo de uma visão essencialmente cognitivista da inovação,
essa perspectiva teórica não parece responder à mudança no regime de acumulação que o
capitalismo cognitivo promove, e do paradigma sociotécnico que coloca em segundo plano
um sistema de produção de mercadorias marcado por raridade de recursos, rendimentos
decrescentes dos bens e serviços e rivalidades no uso, a exemplo do sistema
taylorista/fordista, pautado pela economia política clássica e neoclássica. Segundo Boutang
(2004), trata-se de uma transição no interior do capitalismo tão radical quanto o que
aconteceu na transição do capitalismo mercantil escravagista e absolutista para o
capitalismo industrial assalariado e “democrático”.
O mote principal da perspectiva estruturalista redunda no determinismo, já que a
inovação ocorre em função de características estruturais da organização em intercâmbio de
recursos com seu ambiente, além disso, sua sobrevivência está atrelada ao processo
54
contínuo de ajuste com determinados grupos (TOMAEL et al., 2005). Tal dinâmica é de
ajuste unilateral, de modo a manter-se em equilíbrio com as demandas de consumidores,
fornecedores e governo, os quais estariam na base do processo de geração de inovação
(SLAPPENDEL, 1996).
Essa perspectiva de âmbito organizacional acaba se revelando estática porque não
consegue atender a um ambiente competitivo e emoldurado pela economia política dos
bens simbólicos, dinâmica que acelera o processo de inovação, demandando, por exemplo,
modelos de negócios que conectam firmas, territórios e consumidores em redes de
governança inter-organizacionais (VALE et al., 2006). No entanto, segundo Begnettti
(2002), até bem poucos anos, a perspectiva estruturalista continuava a integrar a maior
parte da literatura de estratégia e de inovação em instituições brasileiras.
Tanto a abordagem individualista como a estruturalista tendem a se pautar pelo
reducionismo temático e por uma perspectiva parcial do processo de inovação. No entanto,
a perspectiva interacionista, proposta por Slappendel (1996), pode representar um esforço
para reduzir a lacuna entre aquelas duas visões ao inseri-las num mesmo processo,
elaborando um modelo que traz a interface entre os fatores individuais e estruturais.
Essa visão,Julien (2010) descreve a inovação como um processo coletivo e
interativo, cujos resultados, de certa forma imprecisos, advêm do esforço de alinhamento
de elementos individuais, organizacionais e contextuais.
Mesmo assim, a perspectiva do processo interativo não parece escapar da
unilateralidade da maioria dos estudos de inovação, nem se adequar às particularidades do
capitalismo cognitivo. Por encarar o conhecimento como um recurso neutro, continuam a
suprimir do processo os aspectos políticos e culturais ao designar uma fronteira entre
criadores e utilizadores, tirando dos últimos a oportunidade de participar na continuação da
55
inovação. Assim, não contempla a abertura de fronteiras proporcionadas pelas novas TIC
como suporte para a geração de novos processos de inovação e modelos de negócio.
A apropriação crítica do paradigma tradicional de inovação representa um esforço
de compreensão do fenômeno emergente da inovação disruptiva, operacionalizada em
fluxo e desenvolvida por agentes com aptidão para a bricolagem. Desse modo, fica a
pergunta: a emergência desse processo horizontal e aberto não estaria promovendo a
descentralização dos centros de inovação, ou seja, a emergência de novos antagonismos
dentro do processo de produção informacional?
Nessa perspectiva, o deslocamento provocado pela economia dos bens simbólicos
e a aprendizagem interativa confirmam a perspectiva defendida por autores como
Dougherty (2009), Begnetti (2002), Bessant e Tidd (2009) e Julien (2010), segundo a qual
o processo de inovação, em função do seu caráter coletivo, interativo, interno e externo,
representa um emaranhado líquido de difícil organização.
Assim, autores como von Hippel e Von Krogh (2003), von Hippel (2005), Ortt e
Duin (2008), Chesbrough (2011), começam a mostrar uma tendência de substituição dos
modelos de inovação lineares e endógenos da firma individual para um modelo que Moura
(et al., 2008) chama de processo em rede, exógeno, multidirecional e caótico. Sob essa
ótica, historicizando a evolução do processo de inovação tecnológica, é possível encontrar
o modelo de ordem seqüencial dos eventos chamado de science push, ou seja, o modelo
dominante na primeira metade do século XX, predominantemente atrelado ao investimento
em ciência e tecnologia (SOUSA, 2006).
Mas, a partir dos anos 60, temos uma inversão no processo de inovação chamada
de market pull, em que as necessidades do mercado passariam a ser as principais fontes de
informação para os processos inovadores. Essa fase foi propícia à emergência dos
primeiros estudos sobre os sistemas regionais de inovação, de novos conceitos como
56
“especialização flexível”, redes de negócio e pós-fordismo. Além disso, a aceleração do
movimento de globalização e a crescente complexificação do mercado a partir dos anos 70
fez emergir modelos interativos de inovação descritos por autores como Johannessen
(1999) e Scarbrough (2003).
Esses requerem formas de gestão voltadas para a práxis, alinhado com o senso
comum, reunindo recursos internos e externos da organização(BESSANT e TIDD, 2009;
STANDIND; KINITI, 2011). Concomitantemente, demandam modelos teóricos que
abordem a não linearidade do fato inovador; nem a ciência, nem o mercado, por si sós,
podem ser considerados fontes absolutas e elementos determinantes das inovações no
cenário da NTIC.
Sob essa lógica, o cenário do capitalismo cognitivo, permeado pela economia das
trocas simbólicas, demanda mais do que uma integração dos modelos de technology push e
market pull. Deve-se privilegiar, portanto, visões equilibradas com abertura para múltiplas
interações não sistêmica que ocorrem entre as diferentes fases de um processo
interconectado, cujas sinergias vão além das fronteiras organizacionais e do ambiente de
mercado, como bem descrevem Nelson (1992), Lundvall (1995), Johannessen (1999),
Scarbrough (2003) e Standind e Kiniti, (2011), chegando, agora, ao usuário/desenvolvedor
de TI.
A fim de entendermos as modalidades de inovação que o capitalismo cognitivo
comporta, investigaremos a comunidade PUG-PE que pode trazer questões relevantes
sobre as novas configurações sociais nos quais o ambiente de produção de inovação é o
mesmo utilizado pelos usuários dos artefatos produzidos. Os significados e motivações
presentes nos discursos dessa comunidade são elementos que podem constituir uma chave
para se compreender como as ações coletivas e colaborativas são utilizadas nos processos
de inovação emergentes.
57
2.3 As tensões em torno da produção de bens simbólicos
Uma chave primordial para se entender o processo de inovação a partir das
comunidades open sourcediz respeito à análise dos condicionamentos econômicos, sociais
e políticos que moldam as formas de acesso, produção e consumo de bens simbólicos,
migrando de um estado aberto e livre para um estado restrito e controlado.
Os cerceamentos das terras comunitárias durante a Idade Média são até hoje uma
referência sempre citada nos estudos sobre a apropriação de bens simbólicos comuns e
restrição ao uso e desenvolvimento de bens geridos comunitariamente (LESSIG, 2005;
LEMOS, 2007; SIMON; VIEIRA, 2008).
As críticas aos cerceamentos das terras coletivas acontecem devido ao fato de que
foram impostos por meio de elevados custos sociais, políticos e econômicos à sociedade.
Além das perdas de ordem material, alguns danos são difíceis de classificar, entre os quais
a perda de uma forma de vida, a migração do poder para novas áreas, e até o
relacionamento dos sujeitos com o ambiente (BOYLE, 2003).
Por outro lado, a entrada dos bens simbólicos no circuito do comércio capitalista
não pode ser pensada como a simples e imediata passagem da produção e circulação do
domínio público para o cerceamento monopólico do século XX. Num esforço de reflexão
desenvolvido por Habermas (2003), para entender as tensões e transformações culturais
geradas pelo capitalismo a partir do século XVIII, o autor se refere à passagem para um
ambiente monopólico em que as instituições do público intelectualizado passam a ser
comercializadas e a se concentrar no aspecto econômico, técnico e organizacional.
Nesse sentido, Habermas (2003) constata grandes mudanças nos aspectos
socioempresariais do capitalismo concorrencial (representado pela emergência das
pequenas empresas artesanais, a atuação capitalista de marchands e editores), até a forma
centralizadora das novas mídias do século XX (rádio, cinema falado e televisão) no
58
capitalismo monopólico. Jürgen Habermas dá uma atenção especial à imprensa, uma vez
que em The structural transformation of the public sphere ele explica como no século
XIX, graças à ampla circulação de jornais, os bares e cafés tornaram-se o lócus de uma
nova forma de discussão política, exprimindo, assim, transformações gerais na forma de
circulação dos bens simbólicos (DREYFUS, 2001).
A extensão e a eficácia alcançadas pelas indústrias de massa fizeram com que a
esfera pública burguesa se expandisse, uma vez que esses meios foram sendo reinseridos
na esfera privada pelo intercâmbio de mercadorias (HABERMAS, 2003; DREYFUS,
2001). Nesse aspecto, a eficácia da indústria de massa torna a esfera pública vulnerável à
pressão dos interesses privados, sejam individuais ou coletivos, tornando-a um campo
propício para a emergência de cadeias de diferenças ou de sucessões de antagonismos.
Para Mutzenberg (2002), nesse aspecto, o antagonismo tem dupla função:
estabilizar, por ser condição para a constituição e sustentação das identidades sociais, e
desestabilizar, por ser uma ameaça à própria identidade.
No presente estudo, o antagonismo se revela entre os processos inovadores
desenvolvidos pelas grandes corporações, no estilo proprietários de desenvolvimento de
softwares. Assim, no caso das indústrias culturais que regulam a circulação de bens
simbólicos, todas as estratégias visam, nos termos de Bourdieu (2009), conservar a posição
ocupada e, portanto, perpetuar o status quo ao manter e fazer durar os princípios que
servem de fundamento à dominação.
Por conseguinte, é possível entender a hegemonia dos detentores dos instrumentos
de difusão, uma vez que os autores sempre foram levados a ceder seu direito patrimonial a
editores, marchands, em troca de terem seus livros, músicas, produções teatrais, montagens
plásticas etc, financiados, impressos e distribuídos, tornados públicos e passíveis de
59
usufruto pelo público, graças às condições materiais daqueles que as tinham para oferecer
(LATOUNERIE, A., 2001).
Segundo Da Costa Junior (2010), o fato descrito é omitido, ou não recebe a devida
atenção na história da propriedade intelectual. Nesse sentido, o autor entende que a
indústria do entretenimento se desenvolveu com base nas possibilidades oferecidas pela
legislação que permite ao criador alienar a gestão dos ganhos de sua produção como forma
de materializá-la, vinculando-se ao financiador por meio de um contrato.
Contudo, as possibilidades de digitalização a partir das redes telemáticas
desenvolvidas nos últimos 30 anos adicionaram novos capítulos a essa história. Mas, ao
mesmo tempo, segundo Andrade et al. (2007), as novas TIC constituem um marco do
aumento dos cerceamentos legais que ocorreram em 1996, com os tratados adotados por
cerca de 100 países filiados à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, em
inglês).
Como justificativa de adequação aos Tratados de 1996, os EUA aprovaram, em
1998, o Digital Millennium Copyright Act, voltado para o comércio digital. Segundo
Lemos (2010) e Andrade et al. (2007), o DMCA gerou polêmicas pela excessiva restrição
ao uso de software, particularmente o art. 1.2016 que introduziu medidas de proteção
contra a violação de esquemas de proteção de softwares. Para certos autores o
entendimento é de que iniciativas dessa natureza podem inibir a pesquisa científica e a
livre expressão de idéias, ou seja, restringem a capacidade de inovação e competitividade,
colocam em risco a figura do fair use e conferem direito ao distribuidor do conteúdo digital
de limitar os mecanismos de acesso à informação sob o pretexto de controlar as cópias
(ORTELLADO, 2005).
Sob essa lógica, tanto o acordo do tratado WIPO (WIPO Copyright Treaty, WCT)
quanto o Acordo de Fonogramas e Performances (WIPO Performances and Phonograms
60
Treaty, WPPT) se prestam a atualizar e servir de suporte aos acordos internacionais já
existentes. Além disso, a Convenção de Berna e a Convenção de Roma continuam a
orientar os países que as subscreveram na implementação de legislações suplementares, as
quais entraram em vigor em 2002.
Em 2012, as polêmicas em torno de Projetos de Lei (PL) como a ACTA11
,
PIPA12
, SOPA13
, CISPA14
, Lei Azeredo15
no Brasil, e no momento que escrevo o Marco
Civil da Internet16
, constituem as atuais medidas que especificamente se dirigem ao
controle do impacto das tecnologias digitais na economia de bens simbólicos de base
informacional. Portanto, o desenvolvimento dos mecanismos de digitalização e o avanço
das redes telemáticas colocaram novas questões a esse ambiente normativo, tornando mais
evidente os antagonismos existentes.
As leis de propriedade intelectual são as garantias que protegem o direito de
propriedade dos donos sobre as suas idéias, de forma parecida, as outras leis que garantem
o direito a posse de bens ou imóveis, fornecendo aos inventores de produtos e novos
processos os meios para que se beneficiem da sua criatividade (MENDES; BUAINAIN
2007).
Mas, considerando que boa parte dos processos criativos com as novas
tecnologias, tem valor comercial e cultural, a regulação da propriedade intelectual deveria
11ACTA (Acordo Comercial Anticontrafação) é um tratado comercial internacional que está sendo negociado
entre os países participantes, com o objetivo de estabelecer padrões internacionais para o cumprimento da
legislação sobre marcas registadas, patentes e direitos autorais. 12 PIPA, em inglês PROTECT IP Act- Preventing Real Online Threats to Economic Creativity and Theft of
Intellectual Property Act - é uma lei proposta nos Estados Unidos para combater sites relacionados à
pirataria, especialmente sites hospedados fora dos Estados Unidos. 13SOPA - Stop Online Piracy Act(em tradução livre, Lei de Combate à Pirataria Online), é projeto de lei que
amplia os meios legais para que detentores de direitos de autorpossam combater o tráfego online de propriedade protegida e de artigos falsificados. 14Cyber Intelligence Sharing and Protection Act- é um projeto de lei nos Estados Unidos que visa autorizar o
compartilhamento de informações dos usuários da internet entre o governo dos EUA e as empresas. 15
O Projeto de Leinº 84/1999 trata de crimes cibernéticos e foi proposto pelo ex-senador, e atualmente
deputado, Eduardo Azeredo (PSDB – MG). 16 É um projeto de lei que visa estabelecer direitos e deveres na utilização da internetno Brasil. Fruto de um
processo colaborativo entre a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, e o Centro de
Tecnologia e Sociedade, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, para a
construção de um marco regulatório da internet no Brasil.
61
procurar equilibrar tais interesses antagônicos. O estudo de Carneiro (2007) junto à
indústria de software assinala a importância da proteção dos ativos tecnológicos por parte
das empresas, no contexto de aumento da importância da propriedade intelectual na
apropriação dos retornos do esforço inovativo, bem como, dada à evolução histórica do
setor de software, que os regimes de proteção devem ser heterogêneos, em razão da
existência de diferentes necessidades de proteção.
Além disso, estamos falando do mercado brasileiro de software e serviços que,
segundo informações da ABES (2011) atingiu um faturamento de US$ 21,4 bilhões em
2011, incluindo exportações de US$ 1,9 bilhão, o que representa um crescimento de 12,6%
em relação a 2010. O segmento de software foi responsável por uma receita de US$ 6,3
bilhões, com elevação de 14,9% na comparação anual. Os serviços responderam por US$
15,1 bilhões, desempenho 11,9% superior ao registrado em 2010.
Esses dados colocam o Brasil entre os 1017
maiores mercados mundiais software,
o que torna a questão da regulação dos ativos baseados em conhecimento uma arena tensa
no que diz respeito a inovação.Isso ocorre porque proliferaram iniciativas inovadoras de
desenvolvimento em ambientes de código aberto como o PUG-PEque modificavam o
modelo de negócios, transformando os sistemas de remuneração por produtos e serviços e
desestabilizando a lógica dominante da indústria internacional hegemônicaCOLCHER,
(2012).
Assim, o regime de proteção à propriedade intelectual tem significativas
implicações para o processo de inovação em meio às novas TIC, constituindo-se em um
tema interdisciplinar de natureza técnica, jurídica, econômica, social e política para o
desenvolvimento tecnológico.
17IDC Worldwide Black Book, Q4, 2011
62
Portanto, existe uma trade off entre o estímulo à inovação, por meio da proteção à
propriedade intelectual18
, como é o caso da Lei de Inovação Tecnológica – LIT (Lei
Federal n.º 10.973 de 02.12.2004)19
, e o estímulo à difusão, por meio da liberdade de
circulação de tecnologias e bens simbólicos (ANDRADE et al., 2007).
Um dos principais argumentos a favor do patenteamento de software diz respeito
ao conceito de “programa” que precisa ser protegido para favorecer a atividade inventiva,
uma vez que o software interage com o hardware, oferecendo um conjunto de instruções
que permitem à máquina desempenhar determinada função. Ambos precisam ser
protegidos por meio de patentes ou direitos de autor (TIGRE; MARQUES, 2009).
Por outro lado, existe oposição ao patenteamento de software e modelos de
negócios relacionados em função de suas implicações econômicas e sociais, visto que
podem inibir a competição em função das características da inovação em software.
Ao contrário do que ocorre em áreas onde a inovação é centralizada, o
desenvolvimento de software envolve a cumulatividade, reuso de módulos em novos
programas e a inovação seqüencial promovida pelos usuários - em se tratando de códigos
abertos.
Por conseguinte, constitui preocupação das comunidades de desenvolvimento de
SLCA a apropriação exclusiva e prolongada de direitos sobre inovações, uma vez que
podem restringir a difusão do conhecimento ao implicar maiores custos para os usuários,
oferecendo, principalmente, pouca transparência técnica. O software proprietário constitui
uma caixa-preta cujo código-fonte não está aberto a terceiros e, nesse sentido, há pouca
troca de conhecimentos e insuficientes incentivos para o processo de aprendizado
interativo em comunidades, e aperfeiçoamento por parte dos usuários.
18Em termos dos discursos dos empresários, o copyright protege contra a pirataria, enquanto as patentes
evitam a cópia por concorrentes. 19 Segundo Nelson (2006), em questões de direito de propriedade e lei de patente, quanto mais amplos
maiores os estímulos à inovação e, quanto mais forte, melhor para o crescimento econômico.
63
Para Andrade et al. (2007), as tecnologias proprietárias, quando bem sucedidas,
constituem um monopólio natural progressivamente reforçado pelas economias de rede que
geram para seus usuários.
Por isso, as mudanças radicais que a internet tem gerado podem abrir brechas para
um amplo controle sobre os bens simbólicos taxativamente protegidos por direito de autor,
podendo chegar a situações em que as patentes relacionadas a software farão com que haja
problemas de interoperabilidade de sistemas e, considerando que dentro de um único
software se encontram trechos de código-fonte de diversos outros softwares, levaria as
grandes corporações a apropriarem-se das criações intelectuais dos desenvolvedores de
software livre (ANDRADE, et al., 2007; SAITO, 2012).
As conseqüências de tais antagonismos no momento são decorrentes do
esvaziamento de conteúdos sob domínio público, ou seja, acentuando os cerceamentos
sobre a res commune (LEMOS, 2005) ou commons (BENKLER, 2007), a partir da
implantação de cerceamentos legais e tecnológicos, como mostram as análises deTigre &
Marques (2009) e Santos (2012), aliadas aos discursos de contestação que emergem em
decorrência do aumento da duração e da abrangência dos direitos autorais que beneficia os
monopólios de informação e conhecimento. Dentre os movimentos antagônicos, destacam-
se a cultura livre (LESSIG, 2005), o copyleft (STALLMAN, 2002) e o Creative Commons
(RAYMOND, 2001).
O objetivo de resgatar essas informações é um esforço de compreender as tensões
e antagonismos criados em torno dos monopólios de bens imateriais instituídos a partir dos
cerceamentos tecnológicos e legais. A partir dessa compreensão,é possível explanar como
se convertem em instrumentos de supressão das possibilidades de produção, circulação e
uso de informação na contemporaneidade e, sendo assim, a supressão das potencialidades
64
discursivas dos usuários e produtores de tecnologias abertas em trazer novos elementos que
geram novos momentos discursivos, ou seja, novas possibilidades de inovar.
Os discursos que defendem as medidas restritivas do copyright, por exemplo,
constituem limites para a inscrição do potencial de desenvolvimento das forças produtivas
aliadas das novas tecnologias, visto que estão ainda centradas num marco de compromisso
com as velhas forças da economia.
No entanto, as externalidades positivas20
da rede das novas TIC têm evidências no
chamado capitalismo cognitivo, ao converter-se em um mecanismo de virtualização das
relações sociais, de fomento a novos modelos econômicos (LÉVY, 1996;
VENKATRAMAM E HENDERSON, 1998; GORZ, 2005; JAMESON, 2006; PRETTO,
N.; SILVEIRA, 2008; HARVEY, 2009; CASTELLES, 2010) e de geração de mudanças no
próprio processo inovativo (DOGSON, et al., 2006), ampliando seu potencial deexpansão e
virtualização das áreas de P&D (PITASSI, 2011).Esse aspecto mostra a insuficiência dos
discursos da economia política clássica e neoclássica para pensar as atuais tensões em
torno da propriedade, e a produção social de bens simbólicos num novo regime sócio-
técnico e de acumulação capitalista que a OCDE21
denomina de Knowledge-based
Economy (BOUTANG, 2004).
Para Lessig (2005) - um dos fundadores do Creative Commons (CC) e um dos
maiores defensores da Internet livre, do direito à distribuição de bens informacionais e à
produção de trabalhos derivados - as formas hegemônicas de propriedade criadas sobre
software geram danos a criatividade, a inovação ao ambiente cultural. Assim, as leis do
regime do copyright e o direito de autor francês, ao qual a legislação brasileira se filia,
protegem algumas indústrias e alguns criadores, mas causam danos à indústria criativa de
20Externalidades de rede estão relacionadas ao grau crescente de adoção de uma solução tecnológica, ou seja,
quanto mais adotada e difundida, mais utilidade tem para seus usuários, o que resulta em mais
desenvolvimento e aperfeiçoamento técnico (ROSELINO, 2006). 21 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
65
forma mais ampla ao cercearem o acesso aos bens simbólicos que as novas TIC deixam
amplamente disponíveis.
2.4 As novas tecnologias desenhando cenários de
colaboração
A pervasividade do atual sistema tecnológico conseguiu não somente restringir a
circulação de informação, cultura e conhecimento, mas também monitorá-la e definir as
suas formas de consumo, como defende Blondeau (2004).
Para integrar o caráter racional da organização do consumo, Lefebvre, (1991, p.
64) define esta sociedade como “sociedade burocrática de consumo dirigido”, em que o
controle acontece na vida cotidiana.
Esse controle traz à discussão as análises que se filiam à tradição européia de
pensar a técnica e a tecnologia numa corrente que vai de Martin Heidegger a Jürgen
Habermas, passando por Herbert Marcuse e Jacques Ellul, transpassada pela preocupação
da autonomização crescente da técnica (BLONDEAU, 2004).
Essa tradição consiste numa postura de reificação da técnica que se encarna numa
corrente tecnofóbica e oscila entre o protesto romântico contra a técnica e o essencialismo,
privilegiando as noções de instrumentalidade e performatividade (DA COSTA JUNIOR,
2010).
Visto isso, o sistema tecnológico que permitiu o desenvolvimento da indústria de
bens simbólicos durante o século XX fornece alguns subsídios para a interpretação de
como as tecnologias foram fundamentais para a regulação da sua produção, circulação e
consumo (MARCUSE, 1967).
Mas, as possibilidades de apropriação tecnológica a partir dos anos 80,
representadas na forma dos modelos alternativos de produção e distribuição de softwares
66
nas comunidades de SLCA, podem sugerir uma superação dessa postura de reificação da
técnica para lidar com os novos sistemas tecnológicos que emergem na sociedade de
controle (DELEUZE; GUATTARI, 1995).
Dessa forma, a indústria se processa num ambiente social crescentemente de base
informacional, contando com a passividade do sujeito em relação ao objeto técnico, cujo
conhecimento de seu funcionamento constitui atributo exclusivo de uma elite profissional.
Além disso, os artefatos tecnológicos são dotados de certa obsolescência acelerada que
expressa uma necessidade financeira do sistema produtivo.
Então, de acordo com Marcuse (1967), um grande sistema tecnológico foi erguido
para a produção e disponibilização dos bens simbólicos na sociedade moderna, de forma
cômoda e insuspeita para os usuários, à custa de se aliená-los e doutriná-los de acordo com
os mandamentos da produção industrial.
No entanto, a mundialização das técnicas de comunicação e de produção em
massa atrelada à globalização econômica capitalista transformaram-se em novas forças
reguladoras do acesso a bens simbólicos, como defende Gorz, (2005). Nesse cenário, os
processos comunicacionais e cognitivos emergem como fenômenos relevantes ao serem
entendidos como tendo potencial de mudar vidas e desafiar hierarquias (RHEINGOLD,
2000), a partir das interações em redes que abrem espaço para a participação em ambientes
que vão além das fronteiras da organização, incluindo usuários e outros atores externos,
como as universidades, agentes do governo, terceiro setor e associações de empresas (LEE
e COLE, 2003; HEMETSBERGER , REINHARDT, 2009; CASTELLS, 2010).
Variados processos podem ser identificados como componentes estruturantes
dessa dinâmica de articulação a partir de tecnologias construídas colaborativamente, a
considerar os avanços que estão permitindo a edificação da infra-estrutura de
67
telecomunicação, além do processo de digitalização e escoamento de bens simbólicos
viabilizados por essas mesmas redes.
Assim, os avanços na microeletrônica no último quarto de século XX, não apenas
serviram de suporte para o surgimento dos telefones celulares, computadores e dispositivos
de mídias móveis, como também um processo irreversível de barateamento desses bens
que resultou na sua ampla disseminação e uso, impactando sobre as formas de registro e
usufruto dos bens informacionais, ainda que a distribuição deles não tenha se tornado
universal em países como o Brasil, conforme mostram os estudos de Mattos e Chagas
(2008).
Um estudo feito entre 1° de setembro de 2012 e 13 de fevereiro de 2013 divulgada
pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias de informação e da Comunicação (CETIC.br)
aponta que 74,9 milhões de brasileiros nunca acessaram a internet. O número equivale a
45% da população. Os dados também apontam que somente neste ano de 2013 é que a
proporção de brasileiros com 10 anos ou mais que acessam a internet (49%) superou
aqueles que nunca acessaram a rede. Mas ainda continuam muito grandes as diferenças
entre os acessos nas zonas urbanas (44%) e rural (10% e a qualidade dos serviços (as
empresas chegam a oferecer somente 20% da velocidade contratada); Esses e outros dados,
como as referentes às tecnologias 4G, indicam ainda uma grande dificuldade dos governos
em gerarem políticas públicas de inclusão digital.
Temos, então, uma série de estudos que começam a realçar o impacto dessas
estruturas interconectadas sobre a sociedade e que vão de abordagens tecnofóbicas ao
estilo de Joy (2000) e Keen (2007), como perspectivas tecnófilas, como os de Levy (1996),
Lemos (2007), Tapscott& Williams (2007), Burgesse Green (2009) e, de certa forma,
Castells (2010).
68
É na discussão sobre essas redes que autores como Lazzarato (2001), Gorz (2005),
Benkler (2006) e Silveira (2007) constatam a emergência da possibilidade de antagonismos
que moldam o cotidiano da rede internet e ameaçam os modelos hegemônicos do
capitalismo industrial e da indústria cultural.
Os autores coadunam á idéia de que ao se tornarem bens acessíveis “a todos”,
esses artefatos se convertem em possibilidades tecno-sociais de inovação, não obstante
serem mantidos artificialmente como propriedades privadas e escassas, por meio de
cerceamentos legais e tecnológicos.
Por outro lado, autores como Da Costa Junior (2010) comentam que, ao permitir-
se a transição de uma ação verticalizadora para outra que opera de forma horizontalizada,
as redes digitais acabam se convertendo em sofisticadas formas de exercício de poder. Essa
lógica de pensamento adere à proposta de Foucault (2003), segundo a qual toda prática de
liberdade implica a presença de relações de poder, em que cada um procura dirigir a
conduta do outro, mas, ao mesmo tempo, a presença de margens de manobra nessas redes e
as possibilidades de ação podem provocar o surgimento de interferências e antagonismos.
A rede internet representa uma arena de tensões políticas socialmente construídas
e culturalmente estruturadas, e na sua condição de construção coletiva, influencia e é
influenciada tanto pelos produtores/usuários de internet como pelas organizações que
detêm o poder econômico e político.
Nesse sentido, num esforço de compreensão dessa heterogeneidade constitutiva,
Castells (2010) caracteriza a internet como uma estrutura dividida em quatro camadas: a
cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura
empresarial. Juntas, elas contribuem para a construção do discurso da liberdade e inovação
que é disseminado no mundo da internet (CASTELLS, 2010).
69
Para Silveira (2007) - um defensor e divulgador do software livree dainclusão
digital no Brasil e um dos grandes implementadores dos telecentros na América Latina e
presidente do instituto nacional de tecnologia da informação - isso ocorre porque, em se
tratando de um bem governado coletivamente, a internet vem funcionando melhor assim,
ou seja, através de um sistema ubíquo, aberto, e não proprietário.
Além disso, desde o Projeto da Arpanet22
, os desenvolvedores e arquitetos sempre
privilegiaram a comunicabilidade, interatividade e interoperabilidade23
, mais do que
atender aos requisitos do mercado ou aos mecanismos de cobrança e controle estatal
(MOUNIER, 2006). Ao voltar atenção para a velocidade de comutação de pacotes de
informação independentes, fez-se com que softwares produzidos com código fechado em
relação ao de código aberto, não tivessem qualquer tipo de prioridade na rede, por
exemplo.
O tráfego aberto na rede acontece por causa da autonomia das diferentes camadas
que compõe a arquitetura da internet. Nesse caso, a não interferência da camada lógica
(empresas que projetam os sistemas operacionais como Ubuntu-Linux24
ou Windows25
)
sobre a camada física (controlada pelas empresas de telefonia, TV via cabo, detentores da
infra-estrutura de redes físicas e das licenças de transmissão que nos remete ao atual
mercado altamente concentrado da comunicação comercial no Brasil e no mundo todo26
)
22Advanced Research and Projects Agency - Agência de Pesquisas em Projetos Avançados. Criada em 1969,
é vista como a origem da internet, e tinha o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de
pesquisa do governo americano. Esta rede teve o seu berço dentro do Pentágono e foi batizada com o nome
de ARPANET ou ARPANET (MICHEL, 2003). 23 Habilidade de sistemas distribuídos de trocar dados entre si. 24Ubuntu é o sistema operacional baseado em Linux e desenvolvido pela comunidade; é utilizado para
notebooks, desktops e servidores. 25
É o sistema operacional mais utilizado em computadores pessoais no mundo, no qual o impacto é muito
grande devido ao enorme número de cópias instaladas. A atual versão estável do Windows para desktops é o
Windows 8. 26 No Brasil, essa camada é basicamente controlada pela Global Info (rede de micros, pequenos e médios
provedores de internet), a Telebrasil (Associação Brasileira de Telecomunicações) e a Sinditelebrasil
(Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal).
70
impede o controle deste último sobre o fluxo de dados, ou seja, não interfere na
disponibilidade dos conteúdos que alimentam o conjunto da internet (BENKLER, 2006).
A forma como a rede internet foi projetada permite uma propagação eficaz de
conteúdo. Todavia, para a indústria de conteúdo tal característica pode ser um bug 27
, já
que é difícil controlar esse fluxo (LESSIG, 2005, p. 199). Isso faz com que as empresas
gerem marcos normativos e tecnologias de vigilância que se propõem a criar monopólios
dentro da estrutura.
Na visão de Lessig (2005), essa regulação do estado e do mercado se daria pela
arquitetura do código28
, a forma mais efetiva de regulação em meio digital, e essas
mudanças ocorreriam para atender a fins comerciais das grandes empresas da web.
Atuando sobre a camada física e sobre a camada lógica, o código acaba tendo
reflexos sobre a camada de conteúdo, ou seja, o código, atuando em cima da infraestrutura
de redes (hardwares), impacta sobre os protocolos (softwares) minerando os conteúdos
indesejáveis (interferindo nos protocolos P2P29
ou pacotes de dados de VoIP30
) de acordo
com os interesses dos proprietários dessa malha física - aqui temos a situação de uma
camada atuar sobre outra, o que fere o princípio da não intervenção e da neutralidade31
, os
quais moldaram os primeiros anos da internet (SILVEIRA, 2007).
27 Termo usado para denotar erro de operação em um sistema informático. O sentido é o mesmo de 'defeito'. 28O termo 'código' é usado por Lessig em alusão às instruções contidas em um software para um equipamento
(hardware) no qual o software está instalado. O termo pode aparecer numa variedade de formar: o código
que um programador escreve pode ser referenciado como código fonte (source code); depois que o código é
compilado, pode ser referenciado como 'código objeto' (object code); o código que está pronto para funcionar
é chamado código executável, código de máquina ou simplesmente 'código'. 29 Conhecido por peer-to-peer, trata-se de uma arquitetura de sistemas distribuídos caracterizada pela
descentralização das funções na rede, onde cada nodo realiza tanto funções de servidor quanto de cliente. 30Voz sobre IP, também chamada de VoIP (Voice over Internet Protocol), telefonia IP, telefonia internet, telefonia em banda larga ou voz sobre banda larga é o roteamento de conversação humana usando a internet
ou qualquer outra rede de computadores baseada no Protocolo de Internet, tornando a transmissão de voz
mais um dos serviços suportados pela rede de dados. 31
No Brasil é a Resolução no. 272 da Anatel, de 9 de agosto de 2001, que regulamenta o Serviço de
Comunicação Multimídia (SCM). O documento que assegura o direito a provedores de SCM dispor de forma
não discriminatória das redes ou de elementos das redes de outras prestadoras e o dever destas disponibilizar
suas redes também de forma não discriminatória (Capítulo II, Art. 7 e 8); o documento também obriga os
prestadores do SCM a oferecer o serviço em condições não discriminatórias a todos os assinantes (Título IV,
Capítulo I, Art. 45), bem como zelar pelo sigilo inerente aos serviços de telecomunicações e pela
71
Num mercado pouco competitivo e marcado por oligopólios, como é o caso do
Brasil, tais restrições podem ter conseqüências negativas, do ponto de vista de geração de
processos descentralizados de geração de inovação, visto que são efetuadas por empresas
que administram a estrutura física e detêm posição de força diante de seus usuários.
Além disso, tais cerceamentos acontecem em torno de bens que são comuns. O
termo em inglês para denominar esse fenômeno é commons32
, relacionado às trocas
comunitárias ou à produção simbólica compartilhada.
Os commons são espaços institucionais nos quais ninguém tem controle exclusivo
de uso, como é o caso das fórmulas matemáticas, obras intelectuais de domínio público,
patentes expiradas, obras literárias, oceanos, iluminação pública e outros bens passíveis de
serem compartilhados sem gerar nenhum tipo de competição com outros bens, conforme
declaram autores como Benkler (2006) e Silveira (2007).
As restrições aos protocolos podem trazer prejuízos ao compartilhamento de
arquivos em rede, afetando as trocas entre desenvolvedores de software livre ou formação
de iniciativas wiki33
, além da criatividade das pequenas e médias empresas brasileiras que
usam software livre, ao restringirem o acesso a obras de domínio público ou licenciadas
com a CC34
(LEMOS, 2007).
Exemplo desse esforço de cerceamento são os esforços atuais do INPI (Instituto
Nacional de Propriedade Industrial) ao fazer uma consulta pública para o patenteamento de
confidencialidade quanto aos dados e informações do assinante (Título III, Capítulo III, Art. 57). O uso não
discriminatório e sigiloso do serviço de SCM pelos assinantes ainda é garantido no Artigo 59 do Capítulo IV
do Título IV dessa mesma resolução. 32 O comum se refere às noções tradicionais de comunidade ou de público, baseia-se na comunicação entre
singularidades e se manifesta mediante processos sociais colaborativos de produção (LIMA E SANTINI, 2008). 33O termo wiki é utilizado para identificar um tipo específico de coleção de documentos em hipertexto ou o
software colaborativo, usado para criá-lo. Este software colaborativo permite a edição coletiva dos
documentos usando um sistema que não necessita que o conteúdo seja revisto antes da sua publicação. 34A CC é uma organização não governamental sem fins lucrativos localizada em São Francisco, Califórnia,
nos Estados Unidos, voltada a expandir a quantidade de obras criativas disponíveis, através de suas licenças
que permitem a cópia e compartilhamento com menos restrições que o tradicional “todos direitos
reservados”. Para esse fim, a organização criou diversas licenças, conhecidas como licenças Creative
Commons.
72
softwares, que podem bloquear o uso de um conjunto de rotinas escritas em determinada
linguagem de programação por 20 anos. Esse precedente judicial de patentear os inventos
implementados por programas de computador abrem as portas para o efetivo
patenteamento de softwares. Além disso, podem impossibilitar a compatibilidade
necessária entre hardwares e softwares, podendo até bloquear o uso de padrões. Essa ação
gerou uma iniciativa conjunta entre a CTS-FGV35
e a CCSL/USP36
contra patentes de
software37
.
A técnica, ao se abrir à multiplicidade fora das amarras da determinação, torna
possíveis as apropriações de tecnologia. Essa perspectiva põe em evidência a necessidade
de se repensar à relação dos humanos com os artefatos tecnológicos que, no caso dos
softwares livres, tendem a gerar um número maior de agenciamentos tecno-humanos. As
práticas contemporâneas de produção do software livre e as comunidades que se formam
por diferentes motivos na internet representam, para Haddon (2005), a emergência de
novos usos de uma tecnologia que já traz, em si, as condições apropriadas para se inovar.
Essas possibilidades nos permitem pensar que o relacionamento com o objeto
técnico típico da época industrial não é mais adequado para se analisar os processos de
inovação contemporâneos. Então, no chamado capitalismo cognitivo, paralelamente aos
fechamentos e a formação dos oligopólios, faz-se necessário levar em conta os processos,
as zonas intermediárias de maior complexidade - sem pensar nas sínteses - as práticas
35O CTS é o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de
Janeiro. Sua missão institucional é estudar as implicações jurídicas, sociais e culturais advindas do avanço da
tecnologia da informação, desenvolvendo projetos relacionados àquelas áreas. No campo específico do
direito, o CTS desenvolve estudos e projetos em áreas como propriedade intelectual e software Livre. Em
todos estes campos, o foco do CTS é sempre de fomentar a inovação. 36 O CCSL (Centro de Competência em Software Livre - FLOSS Competence Center), da USP, integra a
Rede Internacional de Centros de Competência em Software Livre, a qual, além do Brasil, possui
representação em inúmeros países, tais como Espanha, Alemanha, Itália, França, Índia, China e Japão. Seu
objetivo principal é incentivar o desenvolvimento, a pesquisa e o uso do software livre dentro e fora da
universidade. Para isso, ele atua como um polo centralizador de projetos de pesquisa científica e tecnológica,
projetos de desenvolvimento de software livre, eventos para a comunidade, cursos de capacitação e assessoria
técnico-científica em tópicos relacionados a software livre e informação aberta. 37 Disponível em: <http://softwarelivre.org/patentes-nao/inpi-contribuicao-ccsl-usp-cts-fgv.pdf>. Acesso em
22 de nov. de 2012.
73
colaborativas, a formação de uma economia da dádiva, o sujeito artesão em vez dos
indivíduos constituídos.
2.4.1 Linux e a produção colaborativa de software
A emergência do software livre trouxe grandes transformações aos debates sobre
os escopos e fundamentos da produção de conhecimento e o papel fundamental da cultura
na construção de processos de inovação, especialmente no contexto das modificações em
torno da propriedade intelectual, direitos autorais e neutralidade de rede (BENKLER,
2006).
Uma forma de desenvolver algum tipo de compreensão desse fenômeno é por
meio do entendimento da relevância do que se chama “código” para a elaboração de um
software. Com a tecnologia digital, avanço da internet e o acesso maciço ao meio digital
acabaram lidando, basicamente, com o resultado do “código” (HOWE, 2008; STAIR;
REYNOLDS, 2009), e hoje a relevância do acesso ao código se dá não somente em relação
aos que lidam com computadores, mas também com outros meios que se sofisticam com o
passar do tempo, como smartphones e smarttvs, por exemplo.
Todos esses dispositivos estão condicionados às instruções previamente
estabelecidas pelo “código” de programação sobre as quais se baseiam as novas estruturas
comunicativas e de informação. Esse código é chamado, geralmente, de código-fonte,
quando diz respeito a um software (FALCÃO, 2005; HOWE, 2008).
Segundo Howe (2008), o código-fonte é formado por comandos em inglês que,
uma vez traduzidos em zeros e uns, dizem ao computador o que deve ser feito, ou seja, é a
linguagem que permite ao desenvolvedor desenhar instruções lógicas para o computador
sobre aquilo que deve ser executado.Dessa forma, as instruções dadas pelo programador
por meio do código-fonte são posteriormente “compiladas” pelo computador, isto é,
74
traduzidas da linguagem intermediária do código-fonte para a linguagem da máquina,
composta de zeros e uns.
Nesse sentido, Richard Stallman, presidente da Free Software Foundation38
,
costuma comparar o software a uma receita de bolo - ambos correspondem a um conjunto
de instruções, e com o acesso à receita é possível compreender o conjunto de processos de
confecção desse bolo. Sem a receita, é até possível entender o processo, mas a
compreensão vai depender de uma série de experimentações, como tentativa e erro, que
podem ou não levar à replicação perfeita do resultado alcançado. Esse conjunto de
tentativas e erros é chamado de “engenharia reversa” (idem, p.4).
Portanto, o acesso ao código-fonte compilado no código objeto/binário/byte
permite o estudo do conhecimento incorporado à construção do software e, principalmente,
a possibilidade de modificações no programa, como bem descreve Ulbrich (2007).
Entretanto, ao analisar a maioria dos programas utilizados por um usuário de
computador doméstico (onde temos a hegemonia do sistema operacional Windows, da
Microsoft), é de se notar que o acesso ao código-fonte não faz parte do conjunto de
informações constantes nos programas, ou seja, a maioria dos softwares utilizados
cotidianamente, por razões históricas já vistas, são programas cujo código-fonte foi
suprimido ao usuário.
E, na verdade, os discursos do software-proprietário promoveram uma
interpretação dogmática e estrita sobre determinados programas. Isso promove certos
argumentos com status de senso comum. Assim, de acordo com Fairclough (2001), eles
38
A Free Software Foundation(FSF - Fundação para o Software Livre) é uma organização sem fins
lucrativos, fundada em 04 de outubro de 1985por Richard Stallman, e se dedica a eliminação de restrições
sobre a cópia, redistribuição, estudo e modificação de programas de computadores – bandeiras do movimento
do software livre, em essência. Faz isso promovendo o desenvolvimento e o uso de software livre em todas as
áreas da computação, mas, particularmente, ajudando a desenvolver o sistema operacional GNU e suas
ferramentas.
75
constituem discursos que assumem a aparência de neutralidade, que os transformaram em
versão "oficial" da verdade e, em decorrência, tornaram-se difíceis de serem rediscutidos.
No jargão técnico, o programa de computador que não vem acompanhado do
código- fonte é chamado de programa de código fechado. Quando o código fonte é
suprimido de um programa de computador, são suprimidos também dois outros elementos:
(a) o conhecimento em torno do programa; (b) a possibilidade de inovação a partir deste
programa, corroborando, assim, com a tese de Lawrence Lassig (2005), segundo a qual as
barreiras legais que foram sendo erigidas ao longo das últimas duas décadas sobre os bens
imateriais geram danos sobre a criatividade e a inovação, pois, ao proteger as indústrias e
determinados criadores, tende a causar danos à própria indústria e à inovação em geral –
com conseqüências indesejadas para o ambiente cultural.No entanto, esse cenário em que
os programas de computador possuem seu código-fonte suprimido, é produto de um
contexto sócio-histórico, fruto de tensões entre partes com interesses divergentes.
Para Cunningham (2007), analisando-se a história do software, percebe-se que o
domínio do software proprietário nos PCs não representou sempre uma situação
majoritária. No embalo dos avanços tecnológicos propiciados pela corrida espacial, ainda
na década de 60, os programas de computador eram incorporados fisicamente a seu
hardware, tornando cada software específico para cada computador. Isso gerava
problemas, especialmente no que tange à interoperabilidade dos sistemas, ou seja, a
capacidade que um software e um hardware possuem de se comunicar por meio dos
protocolos abertos e comuns da rede mundial de computadores (SILVEIRA, 2004).
Uma forma de fomentar a questão fundamental da interoperabilidade entre
computadores veio a partir de uma reação originada na empresa norte americana AT&T39
,
39AT&T (abreviação, em inglês, para American Telephone and Telegraph) Corporation é uma companhia
americana de telecomunicações. A AT&T provê serviços de telecomunicação de voz, vídeo, dados e
internetpara empresas, particulares e agência governamentais. Durante sua longa história, a AT&T foi a
maior companhia telefônica e o maior operador de televisão a cabo do mundo. No seu auge, cobriu 94% da
76
ao comprar computadores de diversos fabricantes para gerenciar as redes de telefone
naquele país, como assegura Falcão et al. (2005).
Dois programadores da empresa, sediados na Bell Labs, decidiram enfrentar esse
problema ao escrever um sistema operacional multiusuário, multitarefa, e que oferecesse
grande capacidade de armazenamento de dados e programas, permitindo o
compartilhamento de dados entre usuários (ULBRICH, 2006).
O nome dado a esse sistema operacional aberto que abriu novos horizontes para a
computação foi UNIX. Aqui, aberto está no sentido de padrões abertos; já a discussão sobre
software livre e código aberto é uma questão mais ampla, como será discutido
posteriormente.
Uma vez que a AT&T, por causa de restrições legais, não tinha autorização para
vender o sistema operacional que criara, optou por distribuí-lo livremente. Os
programadores responsáveis pela criação do software, Ken Thompson e Dennis Ritchie,
convenceram, assim, a empresa a distribuir o UNIX para qualquer interessado. Então, a
partir de 1971 começaram a distribuir o sistema UNIX para as universidades, onde os
departamentos de ciência da computação começaram a aperfeiçoar e complementar o
software.
Por esta razão tem início, entre os usuários de informática, a construção de um
saber especializado a partir do conhecimento contido no código-fonte do UNIX que por
todo esse período funcionava como um bem de “todos”, especialmente para acadêmicos e
cientistas. Ao mesmo tempo, era atribuída a qualquer pessoa com os conhecimentos
necessários, a possibilidade de inovar a partir daquele corpo de conhecimento. Não havia
necessidade de se pedir autorização à empresa AT&T para se acessar, estudar ou modificar
área dos Estados Unidos, constituindo um monopólio. Depois de um longo processo, a AT&T foi dividida
em diversas empresas menores a fim de estimular a concorrência. As empresas-filhas da AT&T são
conhecidas nos Estados Unidos como "Baby Bells". A AT&T original ficou apenas com as ligações de longa
distância.
77
o código-fonte do programa, uma vez que o dinheiro do mercado de informática circulava
apenas entre fabricantes de hardware, e não havia, ainda, empresas de software destinadas
à venda (ULBRICH, 2006; KELTY, 2008).
Em resumo, nos primórdios da computação comercial, os programas de
computador já nasceram, no termos de Stallman (2002), “livres” ou "abertos" nos mesmos
termos que a implementação do software livre de código aberto postula atualmente.
Apenas posteriormente esses programas deixaram de ser livres, dando origem às
primeiras rupturas ideológicas na ordem do discurso no campo das tecnologias de
informática.
À medida que o tempo foi passando, a disseminação e acesso a computadores,
bem como o aparecimento das primeiras empresas produtoras de software destinado à
venda, tornam o compartilhamento de informações, antes algo trivial entre usuários de
informática, uma prática social com uma narrativa própria (KELTY, 2008), ou, nos termos
foucaultianos, adquire os contornos de uma formação discursiva (FOUCAUT, 2009).
E o marco dessa mudança ocorreu no Massachusetts Institute of Technology
(MIT) nos Estados Unidos, com o pesquisador Richard Stallman. Se durante a maior parte
dos anos 1970 a computação permanecia tendo como regra a abertura do código, o seu
fechamento era exceção, inclusive, mal vista por parte de programadores de maneira geral.
Richard Stallman era um programador que trabalhava numa empresa privada e
que escreveu um programa o qual achou realmente bom, e por isso quis compartilhá-lo
com a comunidade Unix de então, mas foi impedido pelo seu empregador. Stallman
interpretou a atitude da empresa como uma ofensa moral, pois, para ele, o conhecimento
contido no programa era produto de um esforço coletivo, e a supressão do mesmo deu
início à reação e contestação.
78
Em 1985 foi criada a Fundação do Software Livre (FSF40
), entidade com o
objetivo de fomentar o desenvolvimento de software que permitisse à sociedade o acesso
ao conhecimento nele incorporado, na forma de código-fonte.
Aproveitando o crescimento da comunicação em rede, hackers, geeks e
apaixonados pela programação trocavam mensagens contendo pedaços de programas e
linhas de código (SILVEIRA, 2004). Segundo Lessig (2005), Kelty (2008) e
SÖDERBERG (2013) vários componentes do sistema operacional foram desenvolvidos,
enquanto ganhava corpo o discurso do compartilhamento.
Em 1984, outro evento deu ainda mais impulso ao movimento do software livre.
Graças ao processo de reestruturação legal da empresa, a AT&T, desmembrada em
empresas menores, viu-se livre das restrições históricas a ela aplicadas quanto às
limitações de área de atuação. Com isso, a empresa decidiu ingressar no ramo
computacional e sua primeira decisão foi passar a exercer controle sobre o UNIX,
decidindo que o software não seria mais livre (FALCÃO, et al., 2009).
Qualquer pessoa interessada na utilização do programa teria de obter autorização
por meio de uma licença da AT&T. A resposta da FSFfoi ambiciosa, uma vez que o
UNIX, deixando de ser livre, oferecia como proposta desenvolver um sistema substituto
que fosse definitivamente livre. Surgiu, então, o projeto de criação do programa GNU,
sigla que significa “GNU is Not Unix” (KELTY, 2008).
O projeto teve continuidade pelos anos seguintes, até que em 1991 um estudante
finlandês chamado Linus Torvalds desenvolveu o componente que faltava para o sistema
40É uma organização sem fins lucrativos, fundada em 04 de outubro de1985porRichard Stallman, e que se
dedica a eliminação de restrições sobre a cópia, redistribuição, estudo e modificação de programas de
computadores – bandeiras do movimento do software livre, em essência. Faz isso promovendo o
desenvolvimento e o uso de software livre em todas as áreas da computação, particularmente ajudando a
desenvolver o sistema operacional GNU e suas ferramentas.
79
operacional GNU, o chamado kernel41
. Surgiu, assim, o sistema operacional chamado
GNU/Linux, popularmente conhecido como Linux42
.
O instrumento para garantir que o GNU/Linux fosse mantido sempre aberto
consistiu em um contrato jurídico, chamado de GNU GPL (GNU General Public License)
(FALÇÃO, 2007). Segundo Lessig (2008), a técnica de Stallman foi usar a lei do copyright
para construir um mundo no qual o software continuaria livre.
Por intermédio da GNU GPL, foram estabelecidos os quatro pilares básicos do
software livre, que consistem em quatro liberdades fundamentais definidoras de ser o
software livre ou não, ou seja, estão garantidos os valores de compartilhamento não só da
funcionalidade da ferramenta, mas também do conhecimento sobre como a ferramenta
funciona, de forma que os outros se tornem também construtores dessa ferramenta,
aumentando, assim, o leque de outputs que o sistema gera.
Zittrain (2008) os expõe resumidamente da forma descrita a seguir:
A liberdade de executar o programa;
A liberdade de estudar como o programa funciona;
A liberdade para alterar o programa;
A liberdade de compartilhar os aperfeiçoamentos com o público, de modo a
beneficiar toda a comunidade.
O lançamento da versão do GNU/Linux por meio da licença GPL, contendo as
quatro liberdades acima, constitui a base para a elaboração de um discurso que tem
respaldado programadores de todo o mundo a dedicação ao desenvolvimento do programa,
41 O kernel, em sistemas operacionais, é o núcleo do sistema, o próprio “coração” do sistema. Embora o
kernel não faça muita coisa sem outros softwares, outros softwares não podem acessar o sistema sem usá-lo,
pois é ele quem faz a conversação entre o computador e os programas. Entre outras tarefas, um kernel
controla o acesso à memória e discos, lê dados de entradas e saídas, gerencia conexões de rede e assim por
diante. 42 Frequentemente se usa o termo Linux, mas é importante lembrar-se sempre de que o Linux, propriamente
dito, é apenas o kernel que utiliza programas GNU para ser útil.
80
assegurando que todos esses desenvolvimentos sejam mantidos com as mesmas liberdades
originais.
O resultado é que o discurso dos defensores do software livre tem enfatizado essa
estrutura de licenciamento como uma plataforma para modelos de negócios inovadores,
baseados na venda de software como serviço e não como uma mercadoria (RAYMOND
2001; LIVINGSTONE, 2012). Conforme foi intuído pelos primeiros defensores do SLCA,
os serviços são a melhor maneira de lucrar com um produto que é facilmente disponível
com custo nenhum ou insignificante (SHAVER, 2010).
Alguns pesquisadores acreditam que a GPL é a melhor licença para determinados
projetos, enquanto outros a consideram restritiva quando comparadas com licenças mais
permissivas como o BSD43
, ou as licenças do MIT44
.
Além disso, convém lembrar que o sistema operacional GNU/Linux é apenas um
dentre vários outros SLCA, mas todos baseados na filosofia da liberdade do conhecimento.
Como exemplo de sistemas e programas que utilizam softwares livres, encontra-se o
servidor Apache, o grupo de programas para escritório Open Office e o paginador
(browser) do Internet Firefox.
Um software livre pode não ser necessariamente gratuito, mas seus códigos
devem ter acesso liberado a quem quiser consultá-lo; um software gratuito não é também
necessariamente livre, na medida em que o modelo proprietário dá margem para que seus
produtos sejam oferecidos a preço zero, conforme Villarim (2011).
43
Caracteriza-se por ser a primeira licença de software livre, criada originalmente para o Berkeley Software
Distribution, um sistema derivado do UNIX. Disponível em: <http://www.opensource.org/licenses/bsd-
license>. Acesso em 12 de out. 2012. 44 É similar à Licença BSD. Também podem ser conhecida em algumas variantes como Licenças MIT/X11,
pois foi criada para disponibilizar o gerenciador de janelas X11 desenvolvido pelo MIT. Disponível em:
<http://www.opensource.org/licenses/mit-license>. Acesso em 28 de out. de 2012.
81
Se a questão é centrada na liberdade, o que se quer então é a promoção de um
discurso de cooperação fluida entre cérebros e a eliminação dos elementos que posicionam
o usuário como um agente meramente passivo.
Conseqüentemente, o discurso da liberdade do conhecimento embutido em
determinadas tecnologias tem o objetivo de eliminar as fronteiras existentes entre
usuários/produtores/desenvolvedores, uma vez que, no caso dos softwares, minimiza-se
uma hierarquia de saberes entre estes e maximiza-se a natureza reticular das inovações,
como aponta Jollivet (2003) e De Lima, e Santini (2008)
Por esta razão, o discurso dos usuários de sistemas de código aberto defende que a
superioridade tecnológica do sistema que usam advém do fato dos projetos colaborativos
de produção estarem sujeitos ao exame de centenas de pessoas, todos presumivelmente à
procura de falhas técnicas (RAYMOND 2001; SHAVER, 2010).
Os objetivos dos usuários de SLCA passam, por um lado, pela crítica aos canais
hegemônicos de trocas comerciais de conteúdos digitais, ou identificados com o poder
estatal e do mercado, e às restrições legais e tecnológicas (como os ataques à neutralidade
da rede) que as instituições reguladoras impõem ao acesso a bens imateriais – cultura,
informação e conhecimento (DA COSTA JUNIOR, 2010).
Por outro lado, esses usuários se detêm na construção de ambientes digitais e
plataformas abertas de trabalho que protagonizam um lugar de fala que viabiliza a
construção identitária das comunidades open sourcee produção coletiva de conhecimentos.
A questão da constituição das comunidades será tratada a seguir.
Nesse sentido, tomando como base a Teoria do Discurso de Laclau e Mouffe
(2001), percebe-se que ao se posicionarem com suas particularidades no campo de disputas
pela produção de inovação em software, compreende-se a emergência de uma ação cujo
objetivo central é criação e difusão dos conhecimentos em comunidades visando à
82
construção de soluções que permitam intervir nas trocas hegemônicas de conhecimento na
sociedade contemporânea.
2.5 O processo de transformação do conhecimento na
comunidade PUG-PE
A atividade de transformação do conhecimento é entendida como um processo
recursivo em que as atividades de articulação envolvem mecanismos de realimentação e
relacionamentos interativos entre os agentes envolvidos e, sobretudo, de criação e
aplicação do conhecimento, que são inextricavelmente interligados (LUNDVALL, 1995).
Atualmente o conhecimento articulado e intercambiado dentro de comunidades geram o
desenvolvimento eaplicação de know-how, tirando, assim, proveito das potencialidades
inovadoras das novas TIC, que facilitam o surgimento de comunidades e redes de
interesse.
Esse compartilhamento de informações nas comunidades não impede o surgimento
de empreendimentos comerciais em torno das oportunidades criadas pelas novas
tecnologias ou produtos, ao contrário (JOLIVET, 2003von HIPPEL, 2005; COCCO e
VILARIM, 2009). O processo gera externalidades positivas a partir do efeito multiplicador
das comunidades organizadas em rede. Os ganhos de conhecimento de cada um aumentam
com o tamanho da rede, assim como as perspectivas de ganhos financeiros (PARREIRAS
et al. , 2004)
As comunidades, como o PUG-PE, são mantidas pelos interesses comuns e pela
confiança e o conhecimento é acumulado ao longo de sua existência. Assim, outras
denominações têm sido usadas, especialmente para a análise de produtos ligados ao
software livre, como commons-based peer production ou, ainda, gift economy, que tem
esse nome em função da criação de uma obrigação não escrita de quem recebeu o
83
“presente” de devolvê-lo, de alguma forma, no futuro, como no caso da troca de presentes
entre amigos nos aniversários.
O fenômeno do desenvolvimento do software de fonte aberta pode fazer parte
desse processo auto-organizado, de difícil compreensão porque as suas propriedades são
difíceis de serem previstas com o uso de modelos tradicionais de inovação que são ligados
especificamente às estruturas hierárquicas ou institucionais (SLAPPENDELL, 1996;
BEGNETTI, 2002; MENDES; BUAINAIN, 2007). As comunidades de prática como o
PUG-PE possuem fronteiras difusas, com a filiação aberta, o que difere de uma típica
unidade funcional de uma empresa, e potencializa as oportunidades de aprendizagem em
situações concretas. Por exemplo, um aspecto que mantêm a comunidade unida não é a
tarefa específica a ser cumprida, como ocorreria em uma equipe, mas sim o conhecimento
compartilhado, a participação e o interesse pessoal de cada membro.
Na literatura, diferentes aspectos são citados para caracterizar as comunidades
envolvidas nos processos de inovação. Por exemplo, alguns estudiosos falam sobre as
comunidades de prática (WENGER, 1998), outros acerca de comunidades de
conhecimento (LEYDESDORFF, 2012), e outros ainda sobre as comunidades de
significado (YANOW, 2003). Estes não são conceitos diferentes. São vários termos usados
apenas para destacar as dimensões específicas das comunidades. Aqui, usamos o termo
"comunidade de prática" para entender o surgimento e a expansão de novas formas sociais,
que se constituem como redes de conhecimento, onde seus agentes compartilham
experiências e informações de forma criativa, com o objetivo de promover novas
abordagens para resolução de problemas (WENGER; SNYDER, 2000).
Ao contrário de outros coletivos como as redes informais e os grupos de trabalho,
as comunidades de prática se propõem a desenvolver as competências dos seus membros e
a construir e compartilhar conhecimentos entre seus membros, que são selecionados a
84
partir de critérios vinculados a expertise ou o interesse pelo tema tratado pela comunidade
(BROWN; DUGUID, 1991; PARREIRAS et al., 2004).
Brown e Duguid (1991) entendem que a manutenção em longo prazo de uma
comunidade de prática vai além do estabelecimento de uma rede de relacionamentos. Esta
envolve a constituição de uma identidade como comunidade que, através da prática
compartilhada, origina uma dinâmica coletiva de aprendizagem.
Aqui vale analisar a definição dos limites de uma comunidade de prática. Como é
uma prática de aprendizado coletivo a determinação de fronteiras ocorre através da
delimitação da competência que cria e fortalece a identidade da comunidade que, por sua
vez, molda a identidade dos seus membros (WENGER, 1998).
As identidades, aqui entendidas como totalidades precárias e contingentes, são
elementos que possuem importância crucial na estrutura das comunidades, pois não cessam
de definir o que é realmente importante compartilhar, entre as pessoas com as quais se
pode compartilhar conhecimento, e para a própria identificação dos membros entre si.
Estes membros desempenham o papel de intermediadores, visto que podem fazer parte de
mais de uma comunidade, como mostraram os dados empíricos recolhidos para a essa tese.
Dessa forma, esses elementos enriquecem a troca de informação e conhecimento das
comunidades, pois carregam elementos de uma comunidade para outra.
Finalmente, é importante destacar o papel da rede mundial de computadores como
meio de comunicação barato, rápido e flexível que catalisa o desenvolvimento do que se
tem chamado de “comunidades virtuais de prática”. Nesse aspecto o PUG-PE se define
como uma comunidade virtual e uma comunidade real uma vez que compreende um
cenário onde a tecnologia assume um papel fundamental, e onde a comunicação se
constitui também a partir de encontros presenciais. O papel da tecnologia nesse contexto
fica claro pela crescente disponibilidade de canais de comunicação como fator
85
potencializador de criação e desenvolvimento de comunidades virtuais de prática. Nesse
caso, de fato, o advento da internet constitui um marco, como a rede que viabiliza a
construção de outras redes.
2.6 Considerações
Ao final desse capítulo, faz-se necessário estabelecer relações entre os conceitos e
noções apresentados e o tema do presente estudo. De certa forma essas conexões irão se
justificar com mais detalhes no discorrer do restante do texto.
As comunidades open source que se caracterizam pelo desenvolvimento de
software livre são coleções de entusiastas conectados pela internet, compartilhando um
ethos de que o software deve ser livre, enquanto se esforçam para construir alternativas
abertas que substituem a Microsoft e outras corporações que tem frustrado muitos usuários
e desenvolvedores quanto a suas práticas de produção de software. Peça por peça, vão
provendo alternativas de softwares, muitas das quais acabam por melhorar suas
contrapartes comerciais.
O Python, sendo uma linguagem de programação aberta, tem uma lógica de
produção e fluxo de trabalho com abordagens técnicas, culturas e expectativas de trabalho
colaborativas, com listas de tarefas, gerenciamento de e-mails e organização de
documentos de forma a alcançar o maior número possível de pessoas,colocando os
usuários em primeiro lugar. Para isso concede-lhes a liberdade de controle na execução e
adaptação a sua computação e processamento de dados às suas necessidades. A maior parte
dessas práticas tem restrições no modelo corporativo e em negócios comerciais elaborados
em torno do software.
Em Pernambuco os desenvolvedores e usuários de Python se esforçam para levar
essa tecnologia da universidade para o mercado ao mesmo tempo em que tentam reverter
86
os discursos que apelam para a pouca experiência do mercado das comunidades, as
dificuldades em lidar com o software livre e o próprio fato do software ser, em geral,
gratuito, geram dúvidas sobre a viabilidade econômica ou a qualidade do software. Nesse
embate discursivo, o PUG-PE tem tomado partido em favor do SLCA diante do tema da
produção de software.
As justificativas e motivos para tal posicionamento frente a essa questão são os
mais variados. Vão desde científico e técnico até justificativas políticas e econômicas. A
compreensão de tais motivações e justificativas pode se dar de muitas formas, partindo de
várias posições de observação e estudo. A teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal
Mouffe nos parece um arcabouço conceitual apropriado para a observação e discussão a
fim de responder as questões formuladas e o problema de pesquisa. Assim, o processo de
construção desse discurso será analisado, tendo por ponto de partida os discurso
sustentados pelos elementos-momentos frente a questão em discussão.
A maneira singular como as noções de antagonismo, hegemonia e significantes
vazios, e outros conceitos centrais usados no texto,são apresentados permite que sejam
apropriados de forma adequada nessa pesquisa, ao buscar estabelecer relações que fixam a
comunidade PUG-PE como contrária à lógica estrita do mercado de produção de software,
ao mesmo tempo se colocam como os agentes imbuídos do esforço de levar a tecnologia
Python da universidade para mercado.
Em se tratando de uma questão que se apresenta tendo como corte antagônico a
lógica proprietária de produção acaba se estabelecendo um ponto discursivo, aqui
caracterizado como o “discurso do open source” que penetra o campo de produção de
software e geração de inovação, com compreensões opostas a respeito da produção de bens
simbólicos e modalidades de inovação no atual estágio do capitalismo, aqui denominado
87
de capitalismo cognitivo.Isso caracteriza um antagonismo acerca da compreensão de uma
suposta realidade a respeito de temas no processo de produção de software.
Para a análise desse campo discursivo, torna-se imperativo compreender os sentidos
dados nesse processo de construção. Assim temos de compreender o cenário
contemporâneo onde o capital se transformou em um bem “imaterial”: informação e o
conhecimento governam agora o mundo da produção. As TIC oferecem a possibilidade de
a gestão dos fluxos imateriais não fiquem restritos as corporações privados. Oferecem
horizontes políticos abertos na sociedade da informação como as experiências do software
livre, que constituem espaços tensos em que outra perspectiva instrumental pode ser
forjada dentro do próprio capitalismo contemporâneo.
Daí a importância de se levar em conta recursos decisivos como a “inteligência
coletiva” que pelo fato de serem de difícil mensuração e quantificação não são permutáveis
no mercado. Além disso, a “capacidade do prazer” e a “aptidão ao lazer” nas atividades de
produção de software contribuem para a construção de espaços que permitem a expansão
do potencial inovador e desvio da relação industrial entre projeto e produto. Tal atividade
permite outro tipo de apropriação das linguagens de programação, que, por si só,
contribuem para a inserção de alternativas no mercado, de preparação de mão de obra e do
“produto” que fazem parte das linguagens de programação abertas.
Para a compreensão desse contexto, teremos de apropriar conceitos relacionados ao
capitalismo imaterial para entender esse novo modo de produção social, da construção da
tecnologia para análise das possibilidades técnicas que potencializam as atitudes e
comportamentos individuais para transformação da cultura e da inovação no cenário
contemporâneo. Esse deslocamento redefine a tradicional relação entre pesquisa
universitária e empreendimentos da iniciativa privada, uma vez que as comunidades
88
surgem como lócus de desenvolvimento aberto e o futuro modelo de produção de
conhecimento e trabalho distribuído.
Temos, assim, a articulação de várias áreas de conhecimento, na análise que busca a
compreensão do que realmente move a comunidade estudada no estabelecimento, de modo
contingencial e precário, da sua cadeia de equivalência, tendo como ponto de fixação um
posicionamento antagônico representado pelo “discurso do open source”.O quadro 1
abaixo representa a forma como os conceitos da teoria do discurso devem auxiliar na
compreensão do processo de construção discursiva da comunidade PUG-PE.
Figura 3 - Conceitos da Teoria do Discurso Articulados
89
Fonte: Elaboração própria (2013).
90
3 CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA
Este capítulo apresenta a estrutura analítica do estudo para a aplicação empírica da
teoria do discurso. O desafio empírico é compreender o processo de construção discursiva
da comunidade PUG-PE a partir da emergência dos antagonismos, hegemonia e
significantes vazios. Pretendemos demonstrar como a aplicação de arcabouço conceitual
contribui tanto para o avanço da teoria do discurso como responder as questões de
pesquisa. A primeira secção apresenta a estrutura analítica que considera a identidade,
projetos e o discurso de governança open spource do grupo. O objetivo é entender como as
cadeias equivalenciais vêem a se estabelecer nesse processo. A segunda secção apresenta
os dados requeridos para a aplicação empírica dessa estrutura a uma comunidade open
source. Isso sugere um estudo de caso de um discurso que fixa os significados da produção
de SLCA.Na terceira parte será apresentado os métodos utilizados para construir esses
dados e abordagens de análise.
3.1 Estrutura analítica
Esta estrutura analítica é oferecida como uma forma de preencher a teoria do
discurso filosoficamente fundamentada e a análise da produção imaterial no capitalismo
cognitivo. O ponto de partida é a aceitação de que todo significado está baseado na
identidade discursiva, e, portanto, toda a problemática do “open source”, os projetos, os
problemas e os quadros que estruturam a comunidade são discursivos. Segundo a discussão
registrada no capítulo anterior a nossa posição é a de que a identidade fundamentada no
discurso nunca é totalmente fixa, não importando quão sedimentada esteja.
Além disso, as discussões em torno de produção de software são profundamente
politizadas e tal vulnerabilidade do discurso oferece oportunidade para reforçar
determinadas combinações discursivas particulares. Portanto, mais do que sugerir uma
91
arcabouço familiar para entender a comunidade estudada, sua organização, interesses
defendidos, atores envolvidos, as ações estratégicas e ideais, a nossa armação foca as
estratégias discursivas para a constituição da comunidade, analisando os antagonismos,
hegemonias e significantes vazios nos processos de identificação, significação do SLCA e
estratégias de ação. Vamos começar essa secção delineando como esboçamos cada uma
dessas estratégias e enfatizar a importância de compreender como os discursos são forjados
e como chegam a gerar os equivalentes gerais e significantes vazios. Finalmente traremos
que tipo de material é requerido para suportar a aplicação empírica da teoria do discurso.
3.1.1 Identidade e estratégias discursivas
Existem três variedades de discurso que são relevantes para a análise do processo
de construção discursiva da comunidade PUG-PE. São os discursos de identificação,
governança open source e estratégicos.
Primeiro existem os discursos de identificação comuns que constituem desde as
identidades espaciais, formação acadêmica, posições de liderança, tecnologias adotadas,
relacionamentos e setores de aplicação. Estes estão em constantes mudanças e,
ocasionalmente, podem sofrer deslocamentos, mas são discursos relativamente
sedimentados e reiterados com o passar do tempo, uma vez que delimitam os limites
antagônicos da comunidade. Esse processo de identificação pode partir da universidade
onde se estuda até o tipo de software que se utiliza no seu desktop.
Segundo, existem os discursos de governação da comunidade que procuram
hegemonizar um determinado contexto político. Tais discursos irão se manifestar
empiricamente a partir dos apelos aos equivalentes gerais ou nas exposições retóricas das
lógicas de diferença, equivalência e fantasia. Os discursos de governação operam em
diferentes níveis: no nível micro e meso.Vão desde destacar a sua formação discursiva ou a
92
coalizão de diferentes atores em torno do fenômeno e, no nível meso, quando articulam em
um grau maior de abstração, como acontece nos discursos que atravessam outras
formações discursivas e identitárias, permitindo que problemas sejam identificados,
legitimados e inscritos no discurso.
Terceiro, se destacam os discursos estratégicos. Esses são cadeias de demandas
articuladas por uma identidade de governação para um propósito específico.
De forma a compreender a emergência dos equivalentes gerais nesse processo de
construção discursiva estaremos direcionados a avaliar as condições que sustentam tais
políticas. Portanto, embora nossa abordagem seja sobre o estabelecimento e constituição de
uma identidade discursiva, o nosso foco é na identificação dos antagonismos, hegemonia e
significantes vazios que forjam esses discursos e o papel dos atores estratégicos, cujas
identidades são construídas dentro desses discursos.
3.1.2 Os requisitos dos dados do corpus
Os requisitos dos dados empíricos que precisamos para explorar as estratégias
discursivas da comunidade são os dados que, primeiramente, sejam suficientemente ricos
para permitir a desconstrução. A leitura desconstrutiva de um fenômeno envolve uma
análise crítica de como tem sido apresentado, estudado e analisado nas pesquisas existentes
e na literatura teórica (DENZIN; LINCOLN, 2006).
Esses autores sugerem que a desconstrução possui as seguintes características:
desnudar as concepções a priori em termos de observação e definições. Envolve uma
interpretação crítica das definições e observações tomadas como certas. Ele também
examina criticamente os modelos teóricos subjacentes da ação humana que sustentam os
pressupostos tomados como certos dos fenômenos. Finalmente, apresenta as
preconcepções e vieses que circundam as compreensões existentes sobre o fenômeno em
93
questão. Desconstrução, dessa forma, auxilia na compreensão dos discursos existentes
sobre a produção de SLCA em comunidades open source, uma vez que os significados dos
elementos são definidos no interior dos jogos de linguagem (OLIVEIRA, 2012)
Um segundo requerimento para os dados corresponde aos que informam a
genealogia dos “discursos do open source” e seus equivalentes gerais. Genealogia é uma
forma de análise histórica popularizado pelo último Foucault (2010). A nossa abordagem
genealógica traça a relação entre os discursos delineados ao longo do tempo, o que permite
problematizar as narrativas existentes. Dessa forma, necessitaremos de dados que não só
cobrem a situação atual do grupo, mas também acessar os atores envolvidos no passado e
os arquivos existentes.
Uma terceira exigência referente aos dados é que capturem a riqueza retórica
existente. O uso da retórica pelos atores investigados é uma manifestação importante na
articulação das equivalências, diferenças e fantasia. A retórica é freqüentemente
minimizada em análises sociais e políticos rejeitando sua importância no dualismo
“retórica e realidade”. Em vez disso, enxergaremos como os atores articulam e interpretam
certas formas retóricas como centrais para a reiteração dos discursos do open source e
estratégicos. Por exemplo, o trabalho de Skinner (2002) aponta que sua aplicação pede a
transcrição completa das falas em vez de transcrições seletivas. Seu estudo também
enfatiza o uso de buscas eletrônicas e softwares de recuperação do corpus do texto.
Os dados primários requerem acesso às falas do atores de modo a se entender os
pressupostos tidos como certos sobre a identidade, governação e estratégias. Tal
abordagem também requer o acesso à documentos tanto públicos como internos (HAJER,
2005). Limitações de ordem financeira e de tempo impediram um estudo de natureza
longitudinal, de forma a rastrear os equivalentes desde a fundação do grupo. Mas a
94
natureza do nosso estudo requer o acesso a todo o tipo de arquivos disponíveis sobre os
atores estudados.
3.2 O desenho da pesquisa
Este tópico apresenta os métodos para a aplicação da teoria do discurso de modo a
entender o processo de construção discursiva das comunidades open source. Na secção
anterior apresentamos o interesse de se desconstruir os discursos sedimentados sobre a
governação open source e traçar a emergência dos equivalentes gerais desses discursos.
Como dissemos isso exige o acesso a dados que capturem retóricas passíveis de
investigação desconstrutiva e genealógica.
Nos tópicos a seguir sugerimos um estudo de caso qualitativo de uma comunidade
open source. A primeira parte apresenta a justificativa pela escolha de um estudo de caso e
apresenta a escolha pela comunidade PUG-PE. Finalmente, serão apresentados os métodos
qualitativos para se captar os antagonismos, hegemonia e significantes vazios: entrevistas,
documentos e observação.
3.2.1 Estudo de Caso
Este estudo aplica a teoria do discurso a um estudo de caso que agrega as
estratégias discursivas articulados pelos desenvolvedores de software livre da comunidade
Python de Pernambuco (PUG-PE). São várias as razões que levaram a optar por um estudo
de caso e, especificamente, o estudo de caso de uma comunidade. Os estudos de caso estão
agora firmemente estabelecidos como estratégias de pesquisa (STAKE, 1995; YIN, 2001)
e os equívocos anteriores sobre estudos de casos estão sendo limitada a geração de
hipóteses, ao invés da construção de teoria (FLYVBJERG, 2006).
95
A primeira razão da escolha de um estudo de caso é o acesso: existem mais
possibilidades de falar com um leque maior de desenvolvedores e usuários. O caso também
permitiu o acesso regular aos atores envolvidos e as suas listas de discussão on-line.
A segunda razão é a de que comunidades que forjam os discursos dos
desenvolvedores e usuários são espaços de governança e troca em redes, tem alguns
procedimentos estabelecidos, relacionamentos, tensões e estratégias políticas.
Dado os recursos limitados de um estudante de doutorado um único caso de uma
comunidade é o ideal (STAKE, 1995). Isso é devido ao fato de que a identificação das
categorias discursivas de antagonismo, hegemonia e significantes vazios ser um trabalho
complexo e as fronteiras entre estas não serem claramente definidas. Neste sentido, o
estudo de caso permite ao pesquisador investigar essas ambigüidades dentro de um
contexto de vida real (YIN, 2001, p. 2).
Existe também um numero de estudos precedentes que desenvolveram análises
interpretativas em torno de estudos de caso de comunidades de desenvolvimento de
software livre. Da Rosa (2008), a partir de um olhar das ciências de comunicação, adota
como estudo de caso o Grupo de Usuários Debian do Rio Grande do Sul (DEBIAN-RS).
As opções metodológicas provêm de uma combinação de técnicas de pesquisa com relação
a práticas de aproximação etnográfica e observação participante em nível off-line
conjugadas com evidências do objeto a partir dos espaços virtuais de interação.
O estudo teve como objeto a dinâmica de comunicação e a construção identitária a
partir de comunidades de usuários e desenvolvedores de SLCA, fornecendo uma discussão
sobre o político nas tecnologias. Como resultado, a pesquisa aponta três elementos chave:
(1) a identidade com o software livre como cosmovisão (2) o dialogismo e os repertórios
culturais em relação à formação instável dos discursos e (3) uma lógica global apartir de
necessidades locais para o posicionamento do grupo.
96
No entanto, é importante notar que os dados gerados nestes exemplos não
necessariamente apoiaram o nosso objetivo que passa por entender as estratégias
articulatórias para a legitimação da produção e inovação de SLCA dentro da uma arena de
disputas. Em geral, o estudo de caso de comunidades permite acessar os lideres engajados
na reiteração de um discurso que respalde seus processos de produção de inovação, que
proclama a abertura dos códigos fontes e a liberdade do conhecimento. A comunidade
PUG-PE como um discurso sedimentado demarca uma história particular e um conjunto de
identidades a serem estudados.
Projetos de SLCA - como o Python e Linux45
, por exemplo - têm sido retratados
como exemplos globais e bem-sucedidos de integração de usuários para a colaboração
online, como ilustram os trabalhos pioneiros de Lee e Cole (2003), Von Kroghe Von
Hippel (2006). Em milhares de projetos de SLCA programadores colaboram em uma base
online, de larga escala, inovando velocidades superiores ao modelo proprietário, como
mostram o estudo de Toral e Barrero (2010). Desenvolvedores com vários níveis de
expertise e usuários desenvolvem novos softwares a partir do compartilhamento de código
e colaboram em um processo descentralizado e altamente interativo (KOGUT; METIU
2001; RAYMOND, 2001).
Finalmente, as comunidades de desenvolvimento de software livre constituem a
unidade básica de agregação que expressam uma solidariedade orgânica, nos termos
descritos por Durkheim (1977), ou seja, a integração que resulta da especialização
demanda interdependência. As comunidades open source de certa forma confirmam a
45Linux é um termo utilizado para se referir a sistemas operacionais que utilizem o núcleo Linux. O núcleo
Linux foi desenvolvido pelo programador finlandês Linus Torvalds, inspirado no sistema Minix. O
seu código fonte está disponível sob a licença GPL (versão 2) para que qualquer pessoa o possa utilizar,
estudar, modificar e distribuir livremente de acordo com os termos da licença. Inicialmente desenvolvido e
utilizado por grupos de entusiastas em computadores pessoais ou sistemas operacionais com núcleo Linux
passaram a ter a colaboração de grandes empresas como IBM, Sun Microsystems, Hewlett-
Packard (HP), RedHat, Novell, Oracle, Google, Mandriva e Canonical.
97
ênfase de Durkheim na divisão social do trabalho, uma vez que as ligações entre as pessoas
estão baseadas na variedade e complementaridade de suas habilidades.
E tendo por base a nossa proposta teórica a comunidade e as suas experiências são
criadas através do discurso. A comunidade do software livre é reconhecida como um grupo
de indivíduos que participam da dinâmica do desenvolvimento colaborativo de softwares
sob uma licença livre. Castells (2010, p. 36) enuncia alguns valores presentes na cultura
tecnomeritocrática como o reconhecimento pelos pares da comunidade, o respeito
conseguido a partir de contribuições relevantes, o comprimento das regras observadas e, o
mais importante, o cerne do processo deve ser a fonte aberta, de forma que os programas
efetivamente propiciem o desenvolvimento colaborativo.
Portanto, o interesse reside em compreender como os atores inseridos nessa
comunidade negociam demandas por inovação, produção colaborativa, performance no
mercado ao mesmo tempo que reiteram os discursos de governação open source e administram
sua paixão pela tecnologia como parte da construção identitária do grupo. Em suma, as
comunidades de desenvolvimento de software livre como o PUG-PE já são unidades
maduras para a aplicação da teoria do discurso.
3.2.2 A comunidade Python User Group de
Pernambuco – O PUG-PE
A comunidade de desenvolvedores e usuários da distribuição Python de
Pernambuco, chamado de PUG-PE, é a comunidade de software livre mais atuante de
Pernambuco e uma das mais atuantes do país. Escolhemos essa comunidade por três
razões. Primeiro porque ela é representativa de uma típica comunidade de desenvolvimento
e uso de SLCA, com seu núcleo reduzido de lideranças e uma grande periferia de
colaboradores contribuindo para os projetos do grupo.
98
Segundo ela é atípica porque o PUG-PE é uma comunidade que atua a partir de
websites, salas de bate-papo e de uma rede de contatos por correio eletrônico chamada de
lista de discussão, e também por meio das experiências presenciais dos sujeitos que, ao
mesmo em que mantêm espaços de representação no ciberespaço, promovem eventos e
participam de encontros, seminários e workshops off-line.
Além de constituir uma organização própria e enunciar seu pertencimento
geográfico, o estado de Pernambuco, o PUG-PE faz parte de uma rede mundial de grupos
de usuários e desenvolvedores da linguagem de programação Python, que passa pelo
Python Brasil46
e o PSF47
. Este último tem como missão central promover, proteger e
difundir essa linguagem de programação e facilitar o crescimento de uma comunidade
internacional diversificada de programadores. A implementação do Python ocorre sob
licenças abertas, o que o torna possível o livre uso e distribuição,inclusive para uso
comercial.
Lançado por Guido van Rossum48
em1991, atualmente se propõe a ter um modelo
de desenvolvimento tecnológico comunitário, aberto e gerenciado democraticamente. O
PUG-PE tem procedimentos de funcionamentos e processos de trabalho delimitados por
regulamentos com aplicações específicas.
Basicamente, todos os participantes do PUG-PE se dividem em usuários, com
diversos níveis de engajamento, que vão desde esclarecimento de dúvidas sobre a
plataforma de desenvolvimento até envolvimento na organização de eventos e outros
projetos, como mostra trecho de entrevista a seguir.
46A comunidade Python Brasil reúne grupos de usuários em todo o Brasil interessados em difundir e divulgar
a linguagem de programação Python, abrigando em seu domínio todo o material editado sobre esta
linguagem em nosso idioma (português do Brasil). Ele utiliza o software MoinMoin que é
um Wiki inteiramente escrito em Python. Esse sistema foi escolhido por sua facilidade de uso e por ser uma
ferramenta bastante democrática, permitindo que se desenvolva conteúdo rapidamente. 47 Python Software Foundation 48 É um programador de computadores dos Países Baixos que é mais conhecido por ser o autor da linguagem
de programação Python
99
Participo mais dessa parte de organização do PUG, desta parte de estar
organizando os eventos, de colaborar em qualquer coisa para que as coisas
aconteçam, do que a parte de desenvolvimento em si. Por exemplo, para a
criação do site não participei de praticamente nada porque meu tempo não deixa.
Mas sempre estou tirando dúvidas, porque tenho um perfil mais de professor do
que de programador dentro do grupo. [E9] – referência 4.
E também tem os desenvolvedores, que efetivamente desenvolvem os softwares
livres. Essa divisão envolve uma organização política do projeto, no sentido dos
desenvolvedores assumirem um compromisso maior e terem responsabilidade de
governança e definição das estratégias do grupo. No PUG-PE existem hoje em torno de
500 inscritos, somando as lideranças, os usuários/desenvolvedores regulares e os
participantes periféricos.
No Brasil existe em torno de 21 grupos que compõe o mapa de associados do
Python-Brasil, divididos entre os estados de origem, como é o caso do PUG-PE. Então,
este projeto do PUG-PE está inserido na comunidade do software livre que se caracteriza
pela produção de uma linguagem de programação para computador com licenças de uso
livre. Isso permite que os programas sejam distribuídos sem o pagamento de royalties e
que os usuários possam visualizar e modificar o código fonte dos programas
(SCHWINGEL, 2006).
O PUG-PE é um grupo com seis anos de existência, fundado no ano de 2007 na
cidade do Recife, por alguns usuários que, de acordo com a história contada pelo grupo,
“perceberam a pequena divulgação que a linguagem de programação Python tinha em seu
meio”. Mas, no entanto, o grupo só entrou numa trajetória de crescimento consistente a
partir de 2010, com a entrada de Marcel que se auto-intitula como o “agente caótico” que
fez as coisas saírem da inércia do imobilismo para começarem acontecer.
A condição necessária para participar do grupo é ter interesse na linguagem Python,
nos softwares livres e na cultura digital. No entanto, a inscrição junto à lista de discussão,
tem uma importância simbólica no sentido de pertencimento. O PUG-PE também possui
100
usuários que auxiliam o grupo em outras áreas como a tradução de textos, desenvolvimento
de documentação e suporte aos usuários, embora o desenvolvimento de soluções em
softwares seja a atividade primordial, Este último ocorre nos eventos para programação
chamados de Coding Dojo. Um Coding Dojo é um encontro onde um grupo de
programadores se reúne para trabalhar em conjunto em um desafio de programação. Eles
estão lá para se divertir, e, através de uma metodologia pragmática, melhorar
suas habilidades de programação e de trabalho em grupo49
. As regras de execução do
coding dojo se encontram o Apêndice A.
Em um parâmetro com a postura dos demais grupos de comunidades de software
livre, podemos dizer que os usuários/desenvolvedores do Python reclamam para si a posse
de uma linguagem de programação arrojada, dinâmica e flexível50
que é usado num grande
leque de domínios e aplicações.
Por ser uma linguagem de alto nível não necessita se preocupar com questões
como o gerenciamento de memória, o que permite ao desenvolvedor se concentrar na
solução do problema, em vez de se concentrar na linguagem propriamente dita. Distingue-
se do Tcl, Perl, Ruby ou Java por priorizar a legibilidade do código sobre a velocidade.
Combina uma sintaxe concisa com recursos abundantes de sua biblioteca padrão e por
módulos e frameworks desenvolvidos pelo exército de pythonistas espalhados pelo planeta.
Outras promessas desse software colaborativo dizem respeito ao fato de ser
possível escrever exatamente o código que se precisa e de forma rápida, graças a um
compilador de bytes otimizado e à vasta biblioteca de apoio, documentação completa
integrados na linguagem e com páginas separadas, ou seja, o ecossistema para projetos de
software livre em Python é rico e diversificado. Consegue rodar na maioria dos sistemas
operacionais: Windows, Linux/Unix, OS/2, Mac e Amiga. As suas comunidades prometem
49http://codingdojo.org/ 50 Essas informações se encontram disponíveis no site do Python Software Fundation.
101
ser as mais amigáveis já que os usuários e desenvolvedores entusiasmados mantém uma
edição coletiva de documentos que o tempo todo tiram dúvidas, corrigem erros,
complementam e inserem novas idéias e informações.
Essa forma de trabalho está associada ao conceito de Wiki e crowdsourcing que,
para Tapscott e Williams (2007), representam a nova e crescente ferramenta de inovação
ao utilizar a inteligência, os conhecimentos coletivos e voluntários espalhados pela rede
para solucionar problemas e criar conteúdos e soluções, gerando novos fluxos de
informação. Sua implementação ocorre sob a licença aberta que o torna livre para uso e
distribuição, inclusive para uso comercial. A licença é administrada pela Python Software
Foundation.
Em muitos países, de forma especial nas nações que compõem a América Latina, o
software livre está vinculado a iniciativas de inclusão digital da população e à criação de
novos modelos de negócios e redução dos custos de produção de software, como
demonstra Silveira (2004, p.45) e Michelazzo (2003 p. 268).
A nossa inserção no PUG-PE começou no segundo semestre de 2011 e teve duas
fases: a primeira focou-se na identificação dos discursos ea segunda se concentrou na
identificação dos equivalentes gerais, antagonismo e significantes vazios. A primeira fase
de entrevistas focou-se nas identificações já estabelecidas, os discursos de governaçãoopen
source e as políticas estratégicos do grupo, como o discurso de “comunidade bem
sucedida”. As entrevistas iniciais foram conduzidas no período entre novembro de 2012 e
Março de 2013. As entrevistas eram focadas nas estratégias de articulação discursivas, com
o uso da análise de notícias e a lista de discussão do grupo.
3.2.3 Entrevistas
102
As entrevistas são particularmente adequadas para o estudo da compreensão das
pessoas sobre os significados existentes no seu mundo vivido, uma vez que descrevem suas
experiências e a compreensão que têm sobre si ao elaborarem suas próprias perspectivas
com respeito os fenômenos estudados,embora não exista um acesso direto à experiência
vivida do indivíduo. Tal olhar é sempre filtrado pelas lentes da linguagem, gênero, classe
social, raça e etnicidade (KVALE, 1996). De acordo com esse autor não existem
observações objetivas, uma vez que estes estão socialmente situadas no mundo do
observado e do observador. Os indivíduos raramente conseguem dar uma explanação
completa das suas ações ou intenções: tudo o que podem oferecer são histórias, versões e
contos sobre o que fizeram e o porquê (DENZIN; LINCOLN, 2006).
No início, entrevistamos 6 integrantes do PUG-PE com o objetivo de compreender
a forma de articulação discursiva dos integrantes. Essas eram estruturadas em torno de uma
conversa sobre a revisão da constituição e expansão do grupo. Isso era um ponto de partida
para se explorar os discursos reiterados dentro do grupo. Foram conduzidas como uma lista
de temas, em lugar de estruturação de questões e gravadas num dispositivo eletrônico
móvel por meio do aplicativo Recorded Plus.
Nesse sentido, as entrevistas “são uma ferramenta útil para conseguir uma grande
quantidade de dados de forma rápida [...] tem-se um feedback imediato e esclarecimentos
são possíveis [...] e permite ao pesquisador compreender os significados que as pessoas
operam no seu cotidiano” (MARSHALL; ROSSMAN, 1995, p. 80). Durante o processo de
entrevista uma conexão é estabelecida com o usuário/desenvolvedor a partir da interação
face-a-face. Logo, entendemos que os conteúdos absorvidos das entrevistas são suficientes
para se entender como os atores constroem sentido no seu universo, e de que modo ocorre
o processo de construção discursiva do grupo.
103
As limitações da entrevista como método são presentes quando os assuntos tratados
são delicados ou desconfortáveis para os atores (MARSHALL; ROSSMAN, 1995). No
entanto, o propósito do nosso estudo está entre os assuntos considerados “normais” em vez
de controversos, podendo chegar, no máximo, a tópicos sensíveis que revelam
contradições, paradoxos e fronteiras de certos argumentos – não ditos ou pensados.
Em essência, deixamos o entrevistado controlar o fluxo e o ritmo da discussão, a
não ser que fosse necessário questionar algum ponto para esclarecimento. A maioria dos
desenvolvedores e usuários são, principalmente, profissionais com curso superior
completo, e estudantes engajados de classe média, com bom domínio da linguagem e do
discurso, de modo que possuem conhecimentos de certos domínios e usam determinados
conceitos e acrônimos que podem demandar a recorrência à esclarecimentos.
Marshall e Rossman citam questões de veracidade como um problema das
entrevistas, ou seja, se o entrevistado não estiver falando a verdade (1995). No entanto, a
semelhança de Hansen e Sorensen (2005), entendemos que os entrevistados não podem
mentir, uma vez que o que escolhem dizer (independentemente de ser verdade ou não) é o
que escolhem e querem que o entrevistador saiba, isto é, estão projetando sua identidade e
demandas a partir de histórias e mitos que contam. Mentir, nesse sentido, revela mais do
que dizer a verdade,e, mais importante, esse não é um obstáculo para o tipo de análise que
estamos empreendendo nesse projeto.
No que diz respeito aos questionamentos elaborados, tivemos o cuidado de não
fazer questões muito restritivas e predeterminadas. Rubin e Rubin (2011) definem três
tipos de questões: as principais (main), as exploratórias (probe) e as de acompanhamento
(follow up). As questões principais são a “espinha dorsal” da entrevista, uma vez que
estruturam a entrevista, marcam o passo do dialogo e definem o ritmo da abordagem.
104
Num primeiro momento, as questões principais eram pautadas em torno de assuntos
relacionadas às formas de ingresso dos atores no universo do SL e ao contexto da criação e
organização do PUG-PE: quem eram os envolvidos, quais os papeis de cada um, como
escolhem seus relacionamentos e como projetam a sua visão sobre a comunidade. Nessa linha
podia-se passar ao segundo tipo de questões: as questões exploratórias que permitem que o
assunto se desenvolva e se aprofunda. Uma terceira variedade de questões são as perguntas de
acompanhamento. A oportunidade de questões de acompanhamento é uma clara a vantagem de
entrevistas qualitativas e o que torna a entrevista a forma hegemônica de análise
política.Questões de acompanhamento, para Denzin e Lincoln (2006)são sobre a exploração de
narrativas parciais, não explicadas e descrições parciais do comportamento. No entanto, eles
afirmam que esses quebra-cabeças talvez não ocorrem com o pesquisador durante a entrevista,
mas sim depois da sua realização. Daí a importância de se entrevistar certos atores mais de
uma vez de forma a ter-se a oportunidade de explorar o mesmo assunto de diferentes ângulos.
Entendemos esses requisitos de conduzir uma segunda leva de entrevistas com outros
atores como uma forma a completar certas lacunas que aparecem depois de se familiarizar com
os dados. Nesse caso realizamos mais 4 entrevistas com outros atores de forma a atendermos
essas demandas. No entanto, a habilidade de fazer questões de acompanhamento, vem com a
prática, e freqüentemente essas só se manifestam na fase de transcrição das entrevistas. Isso,
por si só, já constitui uma razão suficiente para o pesquisador fazer a transcrição das suas
próprias entrevistas de forma a revelar as dúvidas quando estiver conduzindo uma entrevista.
Os tópicos das entrevistas sãos reproduzidas abaixo na Figura 3e são exemplos de
questões elaboradas durante o período das entrevistas. Mas nem todas percorreram,
necessariamente, esse roteiro, uma vez que dependendo do tipo de entrevistado (usuários,
desenvolvedor, novato, veterano) determinados tópicos eram acentuados. Além disso,
existiram casos em que a entrevista com um usuário/desenvolvedor, que durou 1h: 44min
105
resultou num total de 5.603 palavras e outra que, devido a agenda apertada do entrevistado
durou somente 32 min.
Figura 4 - Exemplo de uma lista de tópicos das entrevistas
Como veio a conhecer o universo do SL.
Conte a sua história do PUG-PE
Como é que suas demandas se alinham com as da comunidade
Como é a organização do grupo
Suas impressões sobre as estratégias da comunidade e as sugestões para coisas que
necessitam de melhoras e serem mantidas Fonte: Elaboração própria (2013).
A escolha dos entrevistados resultou dos papeis que desempenhavam dentro da
comunidade, sua participação na governação do grupo e na definição das estratégias.
Alguns foram escolhidos deliberadamente pela posição de liderança que exerciam e pelo
respaldado dos colegas.
Essa abordagem traz o debate de quantas entrevistas são necessárias. Seguimos a
orientação de Kvale (1996) de que as entrevistas devem ser em número necessário para se
descobrir o que se precisa saber. Depois de falar com uma gama de atores, em torno de 12
entrevistas, alcançamos a saturação em certas questões, particularmente aquelas
relacionadas à constituição do grupo, sua organização interna e as estratégias de
manutenção e expansão. Não era necessário para atingir a saturação em cada tema. No
entanto, para poder identificar os antagonismos, os movimentos hegemonizantes e os
significantes vazios foi necessário parar de fazer entrevistas e começar a ler e refletir.
Seguindo a orientação de Kvale sobre os seus estudos anteriores "teria lucrado
mais commenosentrevistasno estudo,e tendomais tempo para prepararas entrevistase
analisá-los"(Kvale 1996, p. 103).
Existem também as demandas éticas a considerar antes de se lançar nesse tipo de
entrevistas: consentimento, confidencialidade e conseqüências (KVALE, 1996). Essas
questões foram tratadas antes de iniciar as entrevistas. Tivemos o cuidado de pedir
permissão para gravar todas as entrevistas, e confirmamos que não haveria atribuição
106
directa dos entrevistados na tese. Nos capítulos seguintes deste estudo todas as citações de
entrevistas serão anônimos. Eles foram referenciados com um número no relato da
transcrição, compondo um descritor de identidade simples representado como E1 e E6. Nas
transcrições da lista de discussão, os nomes estão listados diretamente porque as
informações contidas nelas já são de natureza pública.
3.2.4 Documentos Observados
Embora as entrevistas constituíssem o principal meio de acesso aos elementos
constituintes da construção discursiva do PUG-PE, outros documentos também exerceram
um papel chave nesse processo. Este estudo se baseou ainda em 1654 mensagens trocadas
entre ao usuários/desenvolvedores presentes na lista de discussão do grupo, além do acesso
e análise de 9 edições da revista Espírito Livre que continham reportagens relacionados aos
membros do PUG-PE, à linguagem de programação Python, inovação com software livre,
modelos de negócio open source e sobre algumas figuras chave que tem servido de
influência discursiva para a comunidade PUG-PE.
Algumas variedades de documentos acessados incluem e-mails, blogs e vídeos
postados no Youtube relacionados ao PUG-PE, além de apresentação em Power Point dos
integrantes apresentados nas reuniões presenciais. Esses são os chamados encontros off-
line realizados mensalmente pela comunidade
Esses documentos foram úteis de diferentes formas. Possuem dados que podem ser
cruzados com as informações das entrevistas, além de possuírem informações que revelam
as tensões do grupo de forma mais explícita do que transparece nas entrevistas, ou seja,
análises mais politizadas. Os outros documentos analisados estão sistematizados seguir.
Lista de e-mails: um recurso para secaptar o que acontece no PUG-PE é
por meio das discussões que ocorrem no seu googlegroups. Esse tem
107
acumulado 1642 trocas de mensagens desde 2007. Lá tivemos acesso ao e-
mail da fundação do grupo de 02/08/2007, a mensagem da chegada de
Marcel Caraciolo em 24/01/2010, que representa um momento de virado e o
início da trajetória de crescimento do grupo.Portanto, trata-se de uma grande
quantidade de dados onde se encontram as discussões que apontam as
convergências e divergências manifestas na construção da cadeia
equivalencial do grupo e a articulação do modo como negociam com os
sentidos do mercado que valoriza as patentes e o modelo proprietário de
produção de software
Revistas Especializadas: A Revista Espírito Livre é uma publicação
mensal que teve seu início de atividades em Janeiro de 2009, tendo lançado
a sua primeira edição em Abril de 2009. Ela tem como foco tecnologia,
cultura livre e a Internet, sempre tendo como plano de fundo as iniciativas
como o software livre. Além disso, essa revista é uma fonte de referencia
para os atores do grupo PUG-PE, e alguns integrantes já publicaram artigos
nele. Ela traz as narrativas das principais figuras do mundo do software
livre, as iniciativas globais referentes aos novos modelos de negócio open
source. A revista anuncia algumas noções básicas usadas na articulação
hegemônica do grupo, ao mesmo tempo em que reitera as ameaças que são
usadas pelo grupo na definição do seu corte antagônico.
Notas de campo: Na primeira fase desse estudo nos engajamos numa serie
de observações documentadas de alguns eventos. Realizamos observação
nos encontros presenciais do PUG-PE e outros grupos envolvidos como o
SLAKEWARE-PE51
. As notas foram enriquecidas com dados recolhidos no
51Grupo de Usuários Slackware - Pernambuco
108
encontro do X ENSOL na Paraíba, o II Fórum Internet Brasil, realizado pelo
CGI Brasil, e o Campus Party Recife 2012. Esse conjunto de observações
auxiliou na clarificação de algumas questões como as referentes a escolha
da comunidade a ser estudada e do tipo de abordagem teórica a ser adotada.
Vídeos: Vídeos postados no youtube que são referentes ao PUG-PE, com
apresentações das lideranças comentando sobre as estratégias do grupo. O
que se destaca aqui é a grande quantidade de vídeos do Python Brasil que
tem apresentações técnicas sobre a linguagem de programação, informações
sobre o mercado nacional de Python, dicas para os profissionais e usuários
de Python e comparações com outras linguagens constituindo um manancial
rico de dados
Blog: É um espaço onde fazem resumos dos encontros com a postagem de
textos, fotos e apresentações em ppt. Além disso, fornece links para espaços
de convivência virtual como a página do Facebook do grupo, o Twitter, G+
e GitHub.
3.3 Estratégias de Análise
A seguir vamos descrever a abordagem analítica para identificar os discursos
articulados, rastrear equivalentes gerais e significantes vazios. Primeiro, vamos delinear a
abordagem para gestão de dados e como usamos o programa de computador NVIVO para
auxiliar no processo de codificação, armazenamento e estabelecimento das conexões entre
os códigos,em uma abordagem sistemática. Em segundo lugar, mostraremos como essa
estratégia foi usada para se aproximar do discurso de identificação do grupo e os discursos
que regem a chave da governação e ação estratégica do grupo. Em terceiro lugar, será
109
descrito como optamos por concentrar em “discursos do open source” e de “comunidade
bem sucedida” como exemplos de equivalente gerais e as justificativas das suas escolhas.
3.3.1 Organização dos dados
Um estudo qualitativo sobre a produção de software livre em comunidades open
source produz uma grande quantidade de dados, e em função disso optamos por gerir as
transcrições e documentos por via eletrônica. Baseando-se em estudos anteriores (GUIZZO
et al. 2003; BLANCO, 2009; SCHMIDT, 2011.) o NVIVO vai além das possibilidades de
um software de busca que simplesmente recupera a incidência de texto. É um gerenciador
de base textual utilizado para todos os tipos de arquivos eletrônicos. Ele pode ser usado
para codificar e recuperar os códigos em documentos (BAZELEY;RICHARDS, 2000).
Além disso, NVIVO tem a capacidade decodificara construção discursiva, fazendo
conexões entre os códigos. Há claras vantagens para a utilização deste software, uma vez
que todos os dados eletrônicos estão localizados em um único lugar, permitindo o acesso
rápido a uma grande quantidade de dados. Desse modo a sofisticação dos esquemas de
codificação não seria possível se os dados estivessem ainda no papel (ROBSON, 2002).
No entanto, existem limitações. Robson (2002) afirma que o software impõe
determinadas abordagens na codificação que vão moldar a forma como os dados serão
analisados. Existe uma série de formatos de codificação no NVIVO, mas há uma tendência
no sentido de formação de hierarquias ou árvore genealógica de códigos - com códigos
pais, filhos e irmãos. O autor também observa o tempo que uma pessoa leva para se tornar
proficiente no uso do programa.
Esse software de tratamento de dados qualitativos também exige que a codificação
dos dados seja feita na tela. Neste caso, não encontramos esta problemática, uma vez que o
nosso corpus foi totalmente eletrônico. Isso pode não ser o procedimento ideal, mas
110
revelou-se inestimável para o desenvolvimento da compreensão do processo de construção
discursiva do PUG-PE.
3.3.2 Mapeando os discursos
A análise foi focada nos discursos prevalentes que operavam dentro da
comunidade. Assim, temos a constituição de um discurso privilegiado que pode coordenar
as demandas de cada usuário/desenvolvedor, como estabelecer a lacuna que demarca as
especificidades da comunidade que o diferencia das práticas do mercado e da indústria do
software em geral.
A constituição discursiva do PUG-PE passa pela capacidade de elaborar um
discurso hegemônico na medida em que são articulados outros discursos, fato que mostra a
importância de se identificar um ponto nodal. Essa lógica de construção do discurso
permite se reconhecer a capacidade “do discurso do open source” e de “comunidade bem-
sucedida”em simplificar as questões envolvidas de forma a se encontrar equivalências,
mesmo que precárias, em demandas tão diferentes.
A análise desenvolvida, sendo um processo contínuo, passa pelo trabalho de campo,
escrita da notas, transcrição, acompanhamento de entrevistas e elaboração de capítulos.
Portanto, o desafio para o entendimento do processo de construção discursiva reside em
manter uma visão geral dos dados. Esses dados das entrevistas estão registrados de duas
formas: como os arquivos eletrônicos de áudio e em texto escrito na íntegra. Para Kvale
(1996) uma vez que a transcrição das entrevistas é feita, elas tendem a ser consideradas
como dados empíricos sólidos do projeto de entrevista. As transcrições são, no entanto
“construções artificiais que saem de um modo oral para um modo de comunicação escrita
"(idem: 163).
111
Com base nisso, Kvale (1996) argumenta que as transcrições são conversas
descontextualizadas, são abstrações na mesma medida em que os mapas topográficos são
abstrações da paisagem original de onde são derivados. Os mapas enfatizam alguns
aspectos do campo e omitem outras. Da forma, tão importante quanto o que as transcrições
revelam são também o que elas não dizem
Portanto, o desafio era como preservar os elementos de contextualização em nossos
"mapas". Uma forma ideal de contextualizar transcrições não é transcrevendo todos os
dados, em vez disso, analisar os dados das entrevistas em sua forma de áudio. Há um
interesse crescente sobre o mérito de se manter o registro de áudio como um suplemento
ou se acabar com a necessidade de transcrever todas as entrevistas (CARTWRIGHT,
2006). No entanto, por causa da nossa dependência dos documentos eletrônicos, optamos
por integrar as transcrições e notas das entrevistas no corpus do NVIVO.
Começamos pela livre codificação de tudo o que sugeria apelo aos antagonismos,
hegemonia e significantes vazios. Nisso, destacamos posteriormente os discurso de
governação e identificação do grupo que giram basicamente em torno do “discurso do open
source” e os apelos e uso de metáforas que mostravam o discurso de “comunidade bem
sucedida”. Desde as primeiras transcrições até chegar à organização de todos os dados
resultou em mais de 30 códigos.
Nesse sentido, usamos o software de codificação NVIVO para construirá "árvore-
código", de forma a relacioná-los à lógica chamada de “pai-filho-irmão”. Esse processo de
organização permitiu colocar alguns direcionamentos sobre o que começou como confuso
e disperso, como mostra a figura 4 abaixo.
112
Figura 5- Árvore – código
Fonte: Elaboração própria (2013).
Durante a análise inicial das entrevistas os questionamentos foram sendo
aperfeiçoados com temas que surgiram depois que a gravação era desligada. A
conservação das entrevistas no formato digital permitia que a qualquer momento fossem
113
acessados, revisados, trazendo familiaridade com os dados e insights para explorar
algumas lacunas nas entrevistas subseqüentes
Então, começamospor concentrar nos discursos mais recorrentes dentroda
comunidade. As discussões eramcentradas nas questões desoftware livre, transformação
nas formas de inovar em software, o potencial da governança descentralizada do
opensource e a importância do grupo expandir suas atividades da universidade para o
mercado.
Entre todos estes discursos que regem esse processo de articulação discursiva, o
“discurso do open source” e “comunidade bem sucedida” destacaram-se como discursos
predominantes que a comunidadeadotou. A próxima tarefa foi, então, identificar os
equivalentes gerais que traçam as articulações ao longo do tempo.
3.3.3 Identificando os equivalentes gerais da
constituição do PUG-PE
O nosso interesse estava em identificar os equivalentes gerais que incluem os
antagonismos, a hegemonia por meio de qualidades como equivalência, diferença e
fantasia e os significantes vazios. Isso passava por examinar como o “discurso do open
source” e de “comunidade bem sucedida”ajudaram na construção do discurso em análise.
Com isso não queremos dizer que esses equivalentes sejam os únicos ou mais importantes
na constituição do PUG-PE, mas podemos afirmar que foram os mais predominantes
durante o processo de pesquisa, e destacaram-se pelas seguintes razões:
Estiveram presente em 80% das entrevistas.
Destacaram-se nos e-mails da lista de discussão, no blog e canal de vídeo do
grupo.
114
O “discurso do open source” apresenta-se nas transcrições literais dos
trabalhos apresentados nas reuniões presenciais.
O equivalente “comunidade bem sucedida” esteve no título do artigo que o
líder do grupo mandou para a revista Espírito Livre e na palestra
apresentada no Python Brasil 7, cujo tema era “Construindo comunidades
bem sucedidas”.
Têm múltiplos significados
O discurso do open source, por exemplo, resulta do fato de ser veiculado
frequentemente nas revistas especializadas da área e fazer parte dos enunciados dos
principais líderes do universo do software livre e da linguagem de programação Python.
Além disso, a atuação estratégica da principal liderança do grupo levou a enxergar
oportunidades nas iniciativas regulatórias e políticas públicas de incentivo á projetos open-
source, item que o governo Brasileiro está em terceiro lugar, apenas atrás da França e
Espanha no que diz respeito a iniciativas dessa natureza (GHOSH, 2007).Paralelamente, a
visão da liderança de que as empresas desenvolvedoras fazem uso ainda restrito do open
source e a idéia de que open source e softwares comerciais são antagônicos constituem um
excelente nicho para a atuação e crescimento do PUG-PE. Além de estratégia de negócio
ou oportunismo, o open source diz respeito às seguintes demandas:
Oportunidade de satisfazer a paixão ou curiosidade pelo Python de forma
plena.
Participar de um projeto de software que gosta de forma voluntária.
Participação ativa de alunos em comunidades de desenvolvimento
desoftware livre depurando código, conseguindo assim experiência prática
que serve de diferencial na hora de contratação;
115
Aprender a trabalhar de forma colaborativa com profissionais do mercado e
alunos de outras instituições
Aprender a lidar com projetos que tem vida longa, que vão além de um
simples trabalho de final de curso ou de um semestre.
Manter o currículo atualizado com projetos que usam as tecnologias mais
modernas.
Esse exercício revela não só os significados divergentes, mas, também, os
significados compartilhados,pois, embora existam variações na forma como o open source
seja definido, tem uma quantidade considerável de repetições dos atores fundamentais por
meio da retórica. Por exemplo, um usuário e um desenvolvedor definiram separadamente
“comunidade bem sucedida” pelo nível de êxito alcançado, o que permite fazer as
atividades de forma descentralizada e conferir maior autonomia aos outros
usuários/desenvolvedores. Em outros exemplos, vários atores definiram a comunidade
como próspera pela sorte de ter escolhido as pessoas certas e interessadas em propagar o
uso da tecnologia Python. Incluímos nesse grupo o líder do grupo que, enquanto
dirigíamos a entrevista profere as seguintes palavras:
Acho que uma grande chave de sucesso para o PUG-PE ter durado 2 anos – a
gente começou ai em 2010 e vai fazer agora 3 anos em 2013 - é que o PUG-PE
está formado por pessoas interessadas em trabalhar e divulgar a tecnologia
Python e querem também encontrar pessoas interessadas para trocar idéia sobre Python [E4] – referência 2
E também no grupo de discussão encontramos
Pessoal,
Hoje pela manhã foi ministrada a palestra "Construindo Comunidades Bem
Sucedidas" por Yuri Malheiros (@yurimalheiros) no V Encontro Nordestino de
Software Livre (@ENSOL) onde uma das comunidades exemplo utilizadas foi o
nosso Grupo!! :D Este trabalho foi submetido por mim e pelo Yuri e está trazendo uma ótima
conotação para o nosso estado e especialmente ao nosso grupo, servindo de
exemplo como uma comunidade de software livre de sucesso que está crescendo
continuamente aqui em Pernambuco e no Brasil.
Atenciosamente,
M.S.C. Candidate at. CIN/UFPE
e
116
E ratifico as palavras de Guilherme, o sucesso deste grupo é devido ao trabalho
contínuo de todos aqui presentes. Cada um tem uma participação neste processo.
Eu fui apenas o catalisador para provocar o caos e logicamente a organização
desse grupo. Vamos em frente pessoal!
E se preparem que em março já tem XI Encontro do PUG-pE! :D
At.
O êxito de alguns encontros presencias também contribui para a reiteração do
discurso de sucesso como mostram o título de alguns posts como “[pug-pe] III Encontro do
PUG-PE foi um sucesso!” Outros significados atribuídos seriam: o interesse que a
comunidade conseguiu despertar em algumas empresas estabelecidas, startups e outros
projetos; despertar o interesse de outras universidades do estado e outros institutos de
pesquisa do estado como o IFPE e o CESAR; a própria história de superação contada no
grupo que, a partir de 2010, sofre uma virada que lhe permite sair de um grupo adormecido
para um coletivo relevante na distribuição da linguagem Python no estado; o fato de
conseguir manter-se independente52
da estrutura econômico-mercantil que a rodeia; a
audiência de alguns projetos como o Pycursos53
, um curso on-line sobre as ferramentas do
Python
Esses múltiplos significados desencadeiam mais um passo no sentido de se explorar
essas cadeias equivalenciais que funcionam tanto como discursos hegemonizantes, como
também significantes vazios no processo de construção do discurso do PUG-PE. Como
significantes vazios conseguem abarcar uma enorme gama de significados e intenções e
cada significado particular aumenta a extensão da cadeia de equivalência. No próximo
capítulo vamos nos caminhar para a fase final do trabalho para compreender por que, como
e quando o “discurso do open source” e de “comunidade bem sucedida” tornam-se
antagonismos, hegemonia e significantes vazios no processo de construção do discurso do
PUG-PE. Mas antes, vamos nos ater às limitações e ao desenho de pesquisa.
52 Aqui independente não está no sentido de separado, mas sim o esforço para colocarem os seus próprios
termos nos processos de negociação com os sentidos do mercado. 53O PyCursos é uma plataforma de ensino a distância para cursos de Python realizadas por alguns integrantes
do PUG-PE. Essa plataforma fornece diversas ferramentas que dão suporte ao desenvolvimento de
conhecimentos nessa linguagem de programação.
117
3.4 Limitações e o processo de pesquisa
A nossa análise se baseia na teoria do discurso de Laclau e Mouffe (2001) para
entender a produção da hegemonia e as condições de possibilidade do discurso. A análise
política, nesse sentido, começa com a identificação das práticas hegemônicas e, em
seguida, envolve a desconstrução dessas equivalências para revelar as ameaças e
significantes vazios.
3.4.1 Limitações
O primeiro ponto a se notar é o papel do pesquisador. Ao entrar em uma conversa
sobre as estratégias de ação do PUG-PE e, em seguida, tentar identificar as equivalências,
já estamos fazendo parte do caso. Ao estabelecer a reificação de discursos “do open
source” e de “comunidade bem sucedida”, estamos identificando discursos que não têm
forma material além da nossa pesquisa, e, desse modo, estamos envolvidos na produção
conjunta deste discurso. Nesse sentido, não temos como operar a partir de algum tipo de
posição extra discursiva, por exemplo. Nesse sentido, fazemos parte do caso.
Além disso, estamos lidando com atores bem articulados, com uma habilidade
distinta para contar o seu lado da história. E depois de certo tempo de convivência com
eles, vasculhar seus e-mails seria ingênuo sugerir que não fomos afetados por suas
opiniões.
A nossa preocupação, desde o início, foi estabelecer as condições de possibilidade,
em vez de avaliar as políticas específicas. Portanto, o interesse estava nesse ponto capaz de
agregar similaridades, onde atores de diferentes setores defendem o mesmo ponto. Este
enfoque permitiu ter uma visão única do discurso sem, no entanto,estar “fora” dele.
Sobre a questão da generalização, uma crítica comum ao estudo de caso é dizer que
o pesquisador não pode generalizar para além do caso (STAKE, 1999). Uma provável
118
resposta a isso é dizer que cada comunidade é única. Nisso, o PUG-PE é um bom exemplo,
porque tem um conjunto rico e variado de práticas estratégicas e de governança que se
adéquam a investigação empírica. Nesse sentido, não é possível generalizações estatísticas
ou então comparar com outras comunidades. No entanto, é possível fazer generalizações
analíticas a partir da aplicação da teoria do discurso em outras comunidades ao se
concentrar em identificar e desconstruir discursos predominantes e, em seguida, isolar e
traçar as ameaças,as cadeias equivalenciais, e os significantes vazios. Esta tese é um
esforço de desenvolvimento de uma lógica explicativa, no sentido de Yin (2001), e
aplicação da teoria do discurso ao invés de procurar generalizações entre comunidades.
Neste caso, estamos articulando um determinado conjunto de equivalências com
base no referencial teórico desenvolvido acima, no capítulo 2. Nosso papel é o de orientar
a leiturapor meio do caso e apontar os antagonismos, hegemonias e significantes vazios ao
longo do caminho.
3.4.2 Resumo do processo de pesquisa
Para resumir, existem três estágios a percorrer que vai da identificação de um caso
até compreender a produção dos significantes vazios (descrito na Figura 3 abaixo).
Primeiro, é a identificação dos discursos que governam a comunidade. Isto requer a
imersão em uma determinada área de tensões para compreender os discursos de
identificação e fazer perguntas sobre as estratégias do grupo. Os métodos usuais de
interpretação aplicáveis são: entrevistas, coleta de documentos e observação. Trata-se de
identificar a sobredeterminação, os usos da retórica, os conflitos com os discursos
antagônicos para, então, iniciar um cuidadoso processo de codificação para extrair os
padrões. Em seguida, explorar o papel dos atores na reiteração desses discursos e as
119
estratégias que adotam. Em terceiro lugar, há uma necessidade de identificar os discursos
hegemônicos e antagônicos, tanto como os significantes vazios.
Figura 6 - O processo de pesquisa em 3 estágios
1. Identificação dos discursos da comunidade
a. Desenvolver uma análise minuciosa do contexto
b. Realizar entrevistas não estruturadas
c. Acessar a base de dados da lista de discussão do grupo, blogs e revista especializadas.
d. Seleção e transcrição dos dados
e. Codificação no NVIVO
2. Explorar as estratégias dos atores na reiteração do discurso
a. Analisar como os atores usam a comunidade b. Concentre-se nas principais lideranças do grupo
c.
3. Identificar os antagonismos, hegemonia e significantes vazios
a. Explorar as lógicas de equivalência, diferença e fantasia b. Identificar as ameaças
Explorar as idéias/demandas com múltiplos significados
Fonte: Elaboração própria (2013).
3.5 Considerações
Este estudo versa sobre a identificação de um contexto político (as estratégias de
construção discursiva do PUG-PE) para traçar os discursos do open-source e de
comunidade bem sucedida, de modo a identificar as ameaças,equivalências e o processo
pelo qual se tornam significantes vazios.
Portanto, este capítulo expõe a abordagem para a análise da política hegemônica do
PUG-PE. Issorequer uma compreensão política sobre os discursos que circulam na
comunidade e as identidades no interior desse contexto. Governança de uma comunidade
de software livre proporciona um contexto delimitado rico em histórias, antagonismos
sociais e uso da retórica, mas, ao mesmo tempo, pequeno o suficiente para ser acessível e
prático, considerando tempo e recursos disponíveis. Escolhemos o PUG-PE concentrando
nos discurso de governação e estratégicas do grupo. Desenvolvemos uma descrição densa
do PUG-PE, construindo um corpus de transcrições de entrevistas, e materiais eletrônicos
120
diversos. Identificamos os antagonismos, hegemonia e significantes vazios codificando
eletronicamente os dados.
O próximo capítulo é o primeiro de dois capítulos do estudo de caso. Estabelecem
os discursos predominantes que regem o processo de constituição discursiva e mostra
como as identidades dos atores estratégicos são constituídas mediante a reiteração contínua
desses discursos. Capítulo 4, em seguida, explora como os discursos do “open source”e de
“comunidade bem sucedida”respondem às pressões internas e externas que o PUG-PE está
sujeito e como isso pode, potencialmente, reordenar a relação entre discursos que circulam
na comunidade. O capítulo 5 mostra como os antagonismos, hegemonias e significantes
vazios nascem de uma necessidade de estabilizar a identidade do grupo de modo de modo
a apaziguar as diferenças internas e se posicionar estrategicamente no campo de produção
de SLCA.
121
4. O DISCURSO DO PUG-PE
Não é objetivo desse estudo fazer juízo de valor sobre as posições assumidas pelo
PUG-PE e sobre as justificativas que adotam para fundamentar seus atos, nem classificá-
las como boas ou más. Assim, construímos como critério para caracterizar cada um dos
momentos que compõe a cadeia equivalencial estudada a análise dos “tipos” constituídos a
partir da relação estabelecida entre os atores que se relacionam com o PUG-PE e suas
demandas que transparecem como primordiais para a formação do seu discurso. Para
Vieira Junior (2009) “tipos discursivos” representam um conjunto de categorias utilizadas
para a classificação de elementos-momentos que, a partir da observação dos seus
momentos e posicionamentos nas cadeias equivalenciais, permitem a identificação de
algumas características comuns que permitem agrupá-las em função das semelhanças na
construção discursiva do tema estudado. É importante levar em consideração as condições
de precariedade e contingência inerentes nessa análise
4.1 Identificando os discursos do PUG-PE
Durante a análise dos dados colhidos para a pesquisa, principalmente nas entrevistas e
a lista de discussão, foi possível construir dois tipos perceptivos, nos quais a comunidade
sustenta posições que se equivalem em torno de um discurso, que se pretende hegemônico.
Os dois tipos podem ser caracterizados como o “discurso do open source” e o de
“comunidade bem sucedida” em razão do padrão discursivo que produzem. Em cada um
deles é possível encontrar elementos diversos que preservam posicionamentos contrários
ao patenteamento, software proprietário e a lógica estrita do mercado.
Cabe ressaltar que outros modos de diferenciação entre os momentos são possíveis.
No entanto, pelo corte estabelecido nas premissas dessa tese, entendemos que esta forma
de diferenciá-los atende ao escopo de um trabalho em Administração, além de possuírem
122
características marcantes apontadas pela teoria do discurso, o principal marco teórico do
presente estudo. De acrescentar ainda que os “tipos”podem se entrecruzar, uma vez que
não se encontram em estado puro, mas sim,são o resultado da forma de percepção do
observador dos discursos.
Como toda a cadeia de equivalência discursiva, os momentos do “discurso do PUG-
PE” não se subordinam totalmente a pluralidade de demandas que compõe essa
articulação, mesmo que essa variabilidade de demandas seja a condição para existência
desta equivalência. Essa variabilidade, no entanto, não impede a precária estabilidade
dessas demandas, o que permite que ocorram dentro dos parâmetros estabelecidos por toda
a cadeia equivalencial estudada.
4.1.1 O Discurso do open source
O primeiro “tipo” apreciado representa o que se faz notar com maior clareza. Dessa
forma, seus momentos se constituem como possibilidade de agregar uma disputa político
ideológica à construção do discurso do open source que busca sua hegemonia. O discurso
do open source surge originalmente em 1997 quando dissidentes da Free Software
Foundation queriam retirar do desenvolvimento do software livre, como eles mesmos
afirmam54
, o componente ideologizante e o componente social. Nesse sentido, o código
aberto não deveria fazer nenhuma menção a aspectos políticos, sociais ou de liberdade,
dando a possibilidade de o código aberto ser fechado e vendido como proprietário. Isso
deveria trazer maior eficiência econômica e inovadora ao projeto.
No entanto, a partir do momento em queRaymond (2001) vê o movimento open
source como sendo unicamente a expressão de comunidades meritocráticas, no qual a
competência técnica seria a base da autoridade, acaba negligenciando as relações de poder
no desenvolvimento da tecnologia.
54 http://www.opensource.org
123
Nesse sentido, a análise empírica mostrou que esse “tipo” tem se afastada dos
argumentos originais vinculados à emissão de licenças open source e às comunidades
acadêmicas que enxergavam uma oportunidade de um novo modo de trabalho pautado por
uma “ética hacker”(HIMANEN, 2007) e “governança de bazar”(ERIC RAYMOND‟S 2000)
característico do capitalismo cognitivo (GORZ, 2005; BENKLER, 2006; WEBER, 2004;
TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007), e se aproximando de argumentos ideológicos mais
afeitos à disputa de nichos no mercado de produção de software, servindo de base para
novos modelos de negócios, de inovação e produção em software.
Raymond (2001) associava o Linux ao bazar, na medida em que é diferente de uma
catedral, freqüentemente associada a um planejamento e tomada de decisão centralizada e
uma forte divisão hierárquica do trabalho. A comunidade Linux funciona como “um grande
e barulhento bazar com diferentes agendas e aproximações (adequadamente simbolizada
pelosrepositórios do Linux, que aceitaria submissões de qualquer pessoa) de ondeum
sistema coerente e estável poderia aparentemente emergir somente poruma sucessão de
milagres” (RAYMONDE, 2001, p.3).
Nesse sentido é fácil entender o objetivo de demonizar o discurso antagônico e
deificar o seu, sem apresentar necessariamente apreciações que fundamentam seu
posicionamento pelo modelo do “open source”, ao menos com justificativas defensáveis
fora dos limites das idéias vigentes dentro da comunidade. Tal tipo “open source” passa
também a apresentar um viés de “empreendedores individuais” procurando comunidades
colaborativas para a realização de seus objetivos. E a partir do momento em que a
comunidade ganha certa visibilidade a tendência dos atores é somaremao discurso do
“open source”o sentido da liberdade e empoderamento, o discurso de maior
profissionalização e regulação estratégica da comunidade.
124
Assim, nesse modo de agir a comunidade apresenta algumas justificativas para
sustentar esse posicionamento. Essas justificativas se encontram fundadas em uma prática
discursiva, que apresenta um viés político ideológico, condizente com a eficiência
econômica e técnica para fortalecer a competição e disputa de espaço no mercado de
software. Portanto, aqui a liberdade de interagir com os recursos parece implicar num
maior acesso aos recursos e, conseqüentemente, melhor retorno sobre o investimento.
Para reforçar o entendimento exposto acima, sobre a questão de aumentar a
eficiência econômica e técnica na produção de softwares com kernel Linux, cabe destacar
esses dois relatos de um desenvolvedor:
Portanto, [as empresas] tem todo o interesse em financiar comunidades open
source porque é de lá que vão resgatar os seus melhores funcionários. Lá que vão
encontrar pessoas boas, engajadas porque gostam de trabalhar com aquela
linguagem de programação. Porque quem vem de uma comunidade dessas gosta
de trabalhar, porque como a comunidade em si não tem fins lucrativos
aparentemente ele está lá porque gosta daquilo e gosta de trabalhar. Então elas
apóiam porque sabem que vão ter um retorno. A Globo.com faz isso. A Globo é
a principal patrocinadora do evento Python Brasil. A doação dela é na faixa de 40 mil reais por evento, se não for mais. Ela quer muito que essa linguagem se
fortaleça e se amplie porque ela usa bastante o Python e boa parte do ótimo
sistema que ela tem se deve aos bons talentos que ela conseguiu trazer. Se ela
não ajudar essas comunidades ela provavelmente vai perder essas pessoas ou
sempre que alguém sair não, vai conseguir substitutos a altura. Então ela utiliza
toda a experiência e a força do profissional engajado para ganhar com isso.[E2] –
referencia 3
e Mas na construção de software a principal ferramenta é a mente e então isso é
importante. É por isso que empresas como Google e Facebook publicam algumas
coisas e até empresas como a Microsoft, tida como a maior vilã de todas com
mente fechada e proprietária, ela está começando a mudar a cara dela publicando
muita coisa opensource. Acho que uma empresa bem fechada hoje é a Apple,
talvez porque ela ter uma marca muito forte, tem pessoas apaixonadas pela
máquina. Conheço muitos desenvolvedores que não suportam trabalhar com a
Apple. Tanto que se você olhar bem, mesmo que o Iphone e o Ipad vendam
muito, hoje o número de smartphones que usam Androides é muito maior.
[E10]- referência 1.
Esse discurso direciona o modo de agir estratégico da comunidade. Podemos
reconhecer que o objetivo central não se encontra unicamente na defesa da concepção
original de open source, uma vez que articulam elementos discursivos relativos à eficiência
econômica e técnica valorizada pelas empresas no mercado de software.
125
A análise desses primeiros relatos mostra que não existe um discurso unitário sobre
o open source, o que corrobora com as análises de Berry e Moss(2006). Os
usuários/desenvolvedores tendem a simultaneamente extrair e contribuir para uma
variedade de diferentes discursos, tornando, assim, a dicotomia entre eficiência técnica
versus liberdade e ética uma interpretação demasiadamente restrita. Isso ocorre porqueos
valores ligados ao SLCA têm de lidar com um espaço de tensões onde as retóricas que
competem entre si colidem.
Nesse sentido, o equivalente geral “open source” direciona a estratégia da
comunidade no sentido de se orientar em direção a múltiplos objetivos e de se apelar para
um público multifacetado de hackers, desenvolvedores profissionais, usuários avançados e
usuários finais presentes em todo o espectro da web.Assim, enquanto articula a
comunidade com uma multiplicidade de audiências o discurso do “open source” também
articula a diversidade de demandas dentro da própria comunidade, uma vez que existe um
esforço para fixar os elementos polissêmicos que diz respeito à produção de software
livreao estabelecer estabilização (cadeias de equivalência) em torno de determinados
significados dentro da comunidade (LACLAU; MOUFFE, 2001, p. 110; PHILLIPS &
JØRGENSEN, 2002).
Além disso, o “opensource” identifica também um discurso de eficiência técnica e
conquista de mercado a partir de argumentos tidos como racionais, naturais e de bom
senso, diferenciando-se daquela da FSF que se limita a definição deuma ética para a
orientação prática dos desenvolvedores e usuários, desconsiderando questões de eficiência
e utilidade. Sob essa lógica, Raymond (2001) acaba entendendo o open source como uma
questão de engenharia e de eficiência econômica “eu defendo open source porque
126
pragmaticamente acho que leva a melhores resultados de engenharia e melhores resultados
econômicos"55
.
Essa ambigüidade é que confere ao conceito de open source a sua força. Assim,
principais lideranças do grupo podem ser vistos como seres retóricos articulando
discursivamente a comunidade interna e externamente. Esse aspecto estratégico não é
destacado na literatura sobre a construção de comunidades open source, como mostram os
estudos de Cargano (2012) e Piva (2012)
O discurso do open source usa o sucesso do Linux, e dos softwares livres em geral,
como estratégia para mostrar os argumentos de eficiência e confiabilidade e, desse modo,
ter apelo junto aos stakeholders do grupo quando defendem que: a) os usuários podem ser
desenvolvedores; b) a forma aberta de desenvolvimento sempre permite a adição de novos
desenvolvedores e criar um processo de melhoria continua; c) o software livre é mais
confiável que o software proprietário; d) a forma de gestão de uma comunidade é diferente
das empresas porque os desenvolvedores são voluntários.
Esse discurso do open source é apresentado como uma forma inovadora de
desenvolvimento de software e uma via para se obter sucesso nessa área.
4.1.2 O discurso da “comunidade bem sucedida”
Essa lógica de construção do discurso permite ver com clareza a capacidade do
discurso “de comunidade bem sucedida”, de simplificar as questões envolvidas a ponto de
encontrar equivalências, mesmo que precárias, em demandas diferentes. Se o discurso do
“open source” é relacional e contingente o discurso de “comunidade bem sucedida” é uma
resposta dos atores da comunidade a essa contingência pela reiteração desse discurso de
55RAYMOND, E. S.The law is an ass http://www.opendemocracy.net/debates/article. Acessado no dia
23/02/2013.
127
modo a torná-lo algo com que outros atores queiram se identificar tanto na práxis como na
verbis.
Para tal, em primeiro lugar destacam o sucesso inequívoco da produção do Linux e
outros softwares livres e, em seguida, destacam a trajetória potencial do grupo como
difusor da tecnologia Python no mercado local
Esse tipo de enunciado é decorrente da confiança no grupo, em que os colaboradores
acreditam nos compromissos e na qualidade da liderança, fato já constatado no estudo de
Arroyo et al. (2008) quando estuda a economia do software de fonte aberta e elenca a
confiança como uma das razões que levam os desenvolvedores de software a participar das
comunidades de fonte aberta, aumentando as chances de êxito desses projetos. Nesse
sentido, o discurso de “comunidade bem sucedida” encontra também respaldo na confiança
dos programadores na comunidade de usuários que testam os códigos identificando
possíveis problemas e propõe melhorias.
Assim, a construção da comunidade do PUG-PE se torna bem sucedida ao reunir
pessoas que partilham interesses,mas sob diferentes perspectivas ou com experiências
diversas, atendendo a uma série de propósitos e interesses balanceados entre uma
diversidade rica de experiências entre seus stakeholders como, por exemplo, mostram os
trechos a seguir:
Quem sabe em fevereiro do ano que vem, quando o grupo fizer, novamente, um mega evento como foi esse ano, não tenhamos uma enorme quantidade de
projetos e startups e começaram a partir dessa união, e que passam a ser case de
sucesso e estudo. Boa sorte para nós. Listas de Discussão\\PUG PE nas células
empreendedoras> - Referência 1 - 0,21% Cobertura
Olá pessoal, Neste sábado (14/08/2010) realizamos o nosso VI Encontro mensal
do Grupo de Usuários de Python de Pernambuco. Muitas palestras legais, um
público extremamente engajado com o evento e para complementar, contando
com uma excelente infra-estrutura em relação aos últimos encontros realizados.
Isto prova que a cada encontro a qualidade do encontro está cada vez mais se
superando e atingindo um público cada vez maior. Nosso evento foi sediado na UFRPE e no intervalo um coffeebreak improvisado, mas que foi aprovado pelo
público presente.Listas de Discussão\Antigo Blog do PUG-PE -
Referência 1 - 1,90% Cobertura.
128
Esses relatos criam a impressão de uma atmosfera cooperativa de desenvolvimento
que indica um relacionamento gerador de capital social entre o colaborador e o usuário. E
como esses encontros não implicam em compensação monetária para os envolvidos, a
perenidade desse projeto significa que tem conquistado respeito e fama entre os usuários
desenvolvedores.
Outra característica favorável as comunidades bem sucedidas é a existência de uma
liderança confiável, no nosso caso foi constatado empiricamente com a liderança
reconhecida de Marcel Caraciolo, e uma organização consistente com a natureza do projeto
do grupo, como mostram os relatos acima. Além dessas características que contribuem
para o sucesso das comunidades open source Lerner e Tirole (2002) ainda acrescentam a
modularidade na produção de SLCA em que o projeto é dividido em partes menores e com
tarefas bem definidas; e a existência de desafios a perseguir. O trecho a seguir retirado da
revista Espírito Livre que fornece vários elementos que fazem parte do discurso do PUG-
PE, e de onde a principal liderança do PUG-PE costume escrever artigos, ilustra as formas
exitosas de gerenciamento de comunidades open source:
O grupo de colaboradores de um projeto Open Source é diverso em suas
competências técnicas (desenvolvedores super-seniores a estudantes), que tomam
decisões por si e se engajam por motivos diversos, que vão do ideológico e
messiânico ao financeiro, em busca de projeção e novas oportunidades
profissionais. Não existe o contato direto nem reuniões de projeto e, portanto
ambigüidades de comunicação e muitas vezes a falta de uma estratégia bem
definida dos rumos do projeto, além de inexistência de cronogramas e prazos criam toda uma nova dinâmica de gerenciamento de projetos. Basicamente um
projeto de Open Source deve, como qualquer outro projeto, gerenciar os
processos necessários a desenvolver as tarefas, bem como gerenciar as próprias
tarefas. Um grande desafio a estes projetos é a construção dos mecanismos de
controle e coordenação, uma vez que os membros são autodirigidos e controlam
por si mesmo seus ritmos e intensidade de colaboração. Assim, um fator crucial
no projeto Open Source é a criação da motivação e confiança entre os membros
do projeto. A colaboração voluntária só acontece quando motivada. Conquista-se
a confiança dos colaboradores quando o trabalho individual é considerado
adequadamente, os conflitos de opinião são julgados e decididos com base em
critérios bem definidos e transparentes, e todas as informações sobre o projeto estão disponíveis a todos. A questão da livre disponibilização das informações é
muito importante. Quanto mais compartilhadas forem as informações referentes
ao projeto, maiores as chances dos colaboradores contribuírem de forma mais
eficaz. Um exemplo é a inspeção de código fonte. Nenhum código deve ter
restrições para visualização. Qualquer membro da comunidade pode ter acesso a
ele e fazer comentários ou modificações. Se estas forem aceitas ou não é outra
129
questão, mas o acesso deve ser livre. Outro exemplo são os processos de tomada
de decisão. De maneira geral o mantenedor do projeto e seus auxiliares não
devem restringir o acesso às informações e opiniões sobre a aceitação ou não de
determinado código, mas sim disponibilizá-las sempre em discussões abertas
para a comunidade. É um modelo diferente dos projetos convencionais, onde
muitas informações são restritas e trafegam apenas entre os gerentes
responsáveis, sendo inacessíveis aos demais membros do projeto.
Tendo por base o estudo de Gallivan (2001), percebemos três tipos de confiança
que tem contribuído para o sucesso do projeto open source do PUG-PE: 1) confiança na
liderança de Marcel, uma vez que os stakeholders têm acreditado nos compromissos de
longo prazo e na qualidade da liderança – confiança e fidelidade são aspectos importantes
no crescimento de um projeto open source; 2) confiança no julgamento de outros atores,
que é fundamental no processo de avaliação – os desenvolvedores confiam na comunidade
de usuários que testam os códigos de software identificando possíveis problemas e
apresentando relatórios de erros; 3) confiança na comunidade de estranhos, isto é, nos
desenvolvedores de software que contribuem com sua “propriedade intelectual” para
projetos de fonte aberta do PUG-PE e se beneficiam diretamente de seus trabalhos por
também serem usuários desses produtos.
Nos termos de Porter (1992) essa é a base fundamental para a perpetuação e
desempenho acima da media no longo prazo e a geração de vantagem competitiva. As
comunidades open source ao acentuarem as possibilidades de diferenciação e
flexibilização potencializam a realização de valor no futuro, por meio da venda de serviços
(consultoria) ou também pela migração dos usuários (coletivos e individuais) para formas
de produtos e soluções alinhados com o open source. De acordo com Castells (2010), o
valor esperado é a regra prática do investimento na nova economia.
Essa cadeia articulatória possui elementos momentos que, diante do corte
antagônico estabelecido, apresentam demandas que se equivalem por diversas razões, mas
tendo características de buscar a hegemonia do discurso favorável ao SLCA produzido em
comunidades de prática. Os elementos momentos articulados unem-se equivalencialmente
130
pela lógica econômica, já que os atuais e futuros usuários e desenvolvedores buscam
oportunidades de negócios diversos, como iremos constatar no capítulo seguinte.
4.2 Considerações
O intento de utilizar os “tipos” visa permitir melhor compreender a diversificação de
justificativas utilizadas pela comunidade no discurso caracterizado pelo corte antagônico
com as estratégias estritas do mercado proprietário de produção de software. A
compreensão desses tipos se faz necessário no sentido de compreender as diferentes visões
de mundo, que se equivalem nesse ponto de fixação discursiva, mantendo equivalências
em suas demandas na produção de SLCA no PUG-PE.
Apesar de os momentos se equivalerem na cadeia equivalencial do discurso do open
source e do discurso de “comunidade bem sucedida”, e de serem importantes meios para
buscar estabelecer a hegemonia destes discursos, não guardam uma definição unificada e
estável do que sejam. Isso ocorre porque as demandas que os ligam equivalencialmente aos
demais elementos que constituem a cadeia equivalencial parecem ser baseada numa
estratégia de apelo a uma audiência variada e multifacetada.
Essas cadeias articulatórias apresentam elementos-momentos distintos, mas que, diante
do corte antagônico apresentam demandas que se equivalem pelas mais diversas razões,
tendo todas elas características de buscar a hegemonia do discurso favorável a produção de
SLCA na comunidade. Esses passam a adquirir também uma forte lógica utilitária e
econômica como servir para melhorar as oportunidades econômicas, como será mostrado
no seguimento do texto.
Neste capítulo acabamos apresentando um perfil dos momentos de maior destaque no
discurso do PUG-PE. Para tal lançamos mão de características que se repetem nos
integrantes de cada grupo a fim de identificá-los a cadeia equivalencial a qual se ligam. É
131
necessário destacar que essas características se repetem e se cruzam tornado-se por vezes
difícil distinguir um de outro. A utilização desta compreensão da organização desses
elementos momentos no espaço discursivo estudado coloca-os como favoráveis ao discurso
do SLCA.
132
5 A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DO PUG-PE
A análise dos dados se desenvolve a partir do estabelecimento de um ponto de
fixação discursiva em torno do qual se desenvolve cadeias articulatórias. Essas cadeias
articulatórias se caracterizam pelos antagonismos frente à lógica estrita e privada do
mercado que privilegia o modelo industrial/proprietário de desenvolvimento de software.
Essas cadeias se caracterizam pela hegemonia em torno do discurso que contempla a
inovação centrada nas contribuições e idéias do usuário/desenvolvedor de SLCA a partir de
uma produção coletiva, imaterial e desenvolvida em fluxo vigente em comunidades de
desenvolvimento open source.
No esforço de expandir o discurso hegemônico da comunidade de modo a se
inserirem nos circuitos de criação, manipulação e comercialização de informação e
conhecimento acabam gerando significantes vazios, que são as generalizações das
relações de representação de forma a criar uma ordem social em que o discurso
hegemônico do grupo se expande.
Temos assim a constituição de um discurso privilegiado que condensa diversas
demandas individuais dispersas entre si, em uma situação em que as estratégias do
mercado para articular as práticas de inovação emergente constituem o corte antagônico.
Dito em outros termos, no contexto do trabalho do conhecimento,dos novos
processos de tratamento da informação e do caráter imaterial da matéria prima obrigam a
levar em consideração novas formas geração de inovação que não estão condicionados pela
lógica vigente do mercado, o que se constitui em um corte antagônico que particulariza as
articulações discursivas do PUG-PE. Assim, as articulações dos momentos ocorrem numa
cadeia de equivalências própria.
133
Nesse processo de constituição do discurso do PUG-PE torna-se evidente a
capacidade do grupo em constituir um discurso que se pretende hegemônico na medida em
que articula outros discursos que, sem um ponto de fixação, ou nodal, não teriam a
capacidade de articular. Essa lógica de construção do discurso permite ver com clareza a
capacidade do discurso do “open source” e de “comunidade bem sucedida”, de simplificar
as questões envolvidas a ponto de encontrar equivalências, mesmo que precárias, em
demandas tão diferentes como mostram as análises a seguir.
5.1 Do Antagonismo
O mercado e a sua lógica estrita de só vislumbrar o ganho em cima da tecnologia (a
visão utilitarista) se distancia da dimensão do apego dos usuários/desenvolvedores pela
tecnologia (a dimensão lúdica). Neste quesito sobre a paixão pela tecnologia o trabalho de
Trovalds (2001) é bem elucidativo, uma vez que para ele e muitos outros programadores,
programar é gratificante, o consideram como uma forma de entretenimento.São felizes
com seu trabalho e o fazem por prazer. Para autores com Brunet (2010) o sucesso do
projeto Linux de Linus Trovalds é tão significativa que esse tipo de entusiasmo pode ser
constatado na vida de artistas, escritores, músicos e maior parte dos trabalhos colaborativos
online.
Uma vez que a paixão pela tecnologia constitui mais uma prática discursiva dentro
do coletivo a lógica estrita do mercado é identificado como uma ameaça na construção do
discurso do PUG-PE. Esse é o papel do antagonismo. Identificar o momento de percepção
das ameaças. Para Mendonça, (2012, p. 225) “tal percepção gera uma identificação entre
elementos, e essa identificação produz um processo articulatório e, conseqüentemente, um
discurso”.
134
O trabalho de Benkler (2006) já é elucidativo nesse sentido quando defende que o
processo de desenvolvimento de softwares de código aberto pautado no mecanismo de
produção peering56
não guarda similaridades com o modelo do mercado dominante. Se
partirmos do entendimento de (idem, p. 48) que a “produção transparente, baseada em
comunidade, com um modelo de gestão colaborativa foi a maior inovação do Linux” então
a lógica estrita do mercado pode se constituir o corte antagônico que define o “outro”, o
exterior constitutivo que no nosso estudo de caso tem uma relação dicotômica com as
demandas do discurso da comunidade Python de Pernambuco como pode ser constatado no
Figura abaixo.
Figura 7 - O corte Antagônico
E4 - § 3 E5- § 2
A Lógica Estrita do mercado
Eu vejo como uma ameaça futura para determinado tipo comunidade são as empresas.
Mas para o Python eu acho isso difícil de
acontecer porque a comunidade em si é formada
por muitas pessoas e não tem uma empresa
controlando tudo que acabe que isso acontece. Mas
nunca se sabe do dia de amanhã, nê?
Vai continuar sim. Eu tenho do que o mercado pode vir a fazer. Justamente isso que falo de o
Brasil ter de acordar para isso é que o pessoal está
começando a ter uma visão política da coisa e o
mercado já é politizado, já é elitista, só quer é
ganhar e ganhar. O meu maior medo é que o
mercado tome conta desse movimento e passe a
ditar as regras daqui para frente.
O foco das empresas é gerar dinheiro e as de
comunidades de software livre não
O uso do software livre ou a questão de participar
de comunidades, ao contrário da maioria das
pessoas pensam, não é só o pinguinsinho, mas eu
vou à essência disso. Então hoje eu uso software
livre, e passo isso nas aulas que eu dou, sem gerar e alimentar as disparidades que estão ai no
mercado.
A minha conclusão pessoal é que a insegurança as
comunidades é legítima. As comunidades não
pensam com foco nas estratégias empresariais. O
caráter delas é social. Empresas pensam no lucro e
têm foco nos negócios. Por isso, acredito ser um
erro permitir que projetos importantes dependam
de uma única grande empresa para sobreviver.
Permitir isso é abrir mão do que mais se preza no
software livre: a liberdade.Empresas têm de ser
Por exemplo, a ORACLE é uma empresa que tem
um histórico de sempre estar fechado e comprar
empresas open-source. Imagina se ela comprasse a
TROLL TECK. O que ela fazer. Ela ia dizer que
poderiam continuar a usar o KT só que agora o
código dela seria fechado ou terão de me pagar
para poderem usar. Mas são decisões da empresa
para defender seus interesses.Mas quem é da
comunidade de software livre não vai achar legal
56Peering é um esforço colaborativo, seja de pessoas ou organizações, onde cada parte contribui
voluntariamente e de forma aberta para a formação de determinado conteúdo. Essa definição é mais adequada
para sua utilização no tráfego de dados na Internet, significando uma interconexão onde as partes envolvidas
não necessitam de um acordo explícito. Tapscott (2007) em sua obra Wikinomics, discorre sobre o peering
como ferramenta fundamental da Web2.0, onde o colaboracionismo é sua característica principal. As
transformações que a Internet sofreu ao longo dos anos, resultando no barateamento e nas inovações de sua
infraestrutura, correspondem ao surgimento de estruturas colaborativas de baixo custo, como a telefonia via
Internet, softwares de código aberto e plataformas globais de terceirização.
135
consideradas como contribuidoras, não como os
pilares principais. Essa é a lição que tiro dessa
história que ainda não terminou.
porque a maioria das pessoas gostam dos
princípios de liberdade de poder usar, ver como é
feito, poder alterar
Fonte: Elaboração própria (2013).
A ameaça maior do mercado advém do entendimento de que o código desenvolvido
pelo programador é tratado como uma commodity, uma peça na engrenagem de geração de
valor para o capital. A programação como paixão é extinta e o desenvolvedor se torna um
número, como mostra esse trecho de vídeo de Henrique Bastos57
, durante uma palestra na
Python Brasil onde estavam presentes vários atores do PUG-PE:
Acordem pessoal. A cultura é outra. Ou fazemos por nós ou nada vai
mudar.Nada vai acontecer. E esse processo é árduo porque você precisa acreditar
em alguma coisa. Confiança, diversidade, transparência, auto organização,
empoderamento, experiências, paciência. Na comunidade você tem a
oportunidade de exercer sua liberdade, e fazer as suas escolhas58
Esse discurso emerge num contexto que tem como pano de fundo um cenário de
produção de softwares em equipes a partir dos anos 60 e 70, nomeadamente nos centros do
MIT, passando a fazer parte do conjunto de “processos inovadores emergentes” agora
protagonizados pelos auto-declarados hackers, desenvolvedores e usuários de software
livre.
Os hackers viam o compartilhamento de informação como “algo positivo e
poderoso” (HIMANEN, 2001, p. 13) tornando então o dever ético dos hackers
compartilharem suas expertises escrevendo softwares de código aberto e facilitando o
acesso à informação e aos recursos de computador. Assim, em um contexto de trabalho de
base informacional onde a matéria-prima tem um caráter imaterial, obrigam a levar em
57 Henrique Bastos é um dos programadores mais conhecidos entre as comunidades Python no Brasil e é
freqüentemente citado pelas participantes do PUG-PE como referência e inspiração para ações que
consolidem e expandem os grupos de usuários/desenvolvedores de software livre. Sendo um dos atores
estratégicos que articula as demandas discursivas das comunidades Python entendemos que o seu discurso é mais um elemento constituinte no processo de construção discursiva do PUG-PE. 58
Construindo comunidades bem sucedidas. 2012. Henrique Bastos Community Overflow.[Visto em
06/05/2013] proveniente da World Wide Web: http://www.youtube.com/watch?v=N5uradJQf2g.
136
consideração as novas formas de organização da produção de inovação (ANTUNES,
2009). Essa fala de E7 é elucidativa nesse sentido:
o bacana dessa nova onda é você saber que o código que você fez vai ser
utilizado por outros programadores e projetos. Como a academia é muito fechada
e você não vê uma conversa franca entre academia e empresas a sua pesquisa
tende a ficar morta. Você fez pesquisas, estudou, viu que a sua pesquisa inovou,
pode trazer algumas vantagens e tal, e depois que você defendeu sua dissertação
e sua tese se não for utilizado pelo mercado serviu de quê? Pode vir a compor a
literatura de fato, mas é legal que isso servisse para alguma coisa. Uma maneira
fácil de você encontrar isso é tornando esse conhecimento livre, botar uma licença legal que dê a permissão das pessoas modificarem o código, enfim, que
dêem procedimento a esse trabalho e estendendo a sua pesquisa. [E7] –
referência 3.
Sob essa lógica, o processo emergente acaba mostrando os limites do modelo
empresarial de produção de inovação. Nesse aspecto, é relevante conhecer o sentido dessas
"ameaças" que são articuladas uma vez que podem constituir deslocamentos que tendem
inviabilizar o projeto do PUG-PE como comunidade open-source bem sucedida.
Outro elemento de destaque na eficiência do SLCA diz respeito ao fato de que ele
“evita as ineficiências” dos regimes de propriedade intelectual. Nesse processo, as patentes
acabam por se constituir em outro foco de antagonismo.Os principais argumentos dos
agentes do mercado a favor do patenteamento de software dizem respeito ao conceito de
programa que precisa ser protegido para favorecer a atividade inventiva, uma vez que o
software interage com o hardware, oferecendo um conjunto de instruções que permitem à
máquina desempenhar uma determinada função. Argumenta-se que ambos precisam ser
protegidos por meio de patentes ou direitos de autor (TIGRE; MARQUES, 2009).
Considerando que dentro de um único software se encontram trechos de código-
fonte de diversos outros softwares, isso pode abrir brechas para as grandes corporações se
apropriarem das criações intelectuais dos desenvolvedores (ANDRADE et al., 2007; KON
et al., 2012). Do ponto de vista das comunidades a oposição ao patenteamento de software
se justifica uma função de suas implicações econômicas e sociais, visto que podem inibir a
realização de projetos open source em função das características da inovação em software.
137
Ao contrário do que ocorre em áreas onde a inovação é centralizada, o desenvolvimento de
software envolve, tipicamente, a comutatividade, reuso de módulos em novos programas e
a inovação seqüencial promovida pelos usuários/desenvolvedores inseridos em
comunidades como mostramos relatos a seguir:
Aqui na universidade tem muita gente que gosta dessa coisa de patente. Eu acho
isso ridículo. Acho que cada um deveria fazer o seu melhor para ser o mais requerido. A idéia da patente é não deixar mais ninguém fazer e acho que quando
você tem concorrente você ganha mais do que quando cria esses artifícios para
ficar sozinho [no mercado], não no sentido de ganhar dinheiro, mas no sentido de
ganho de qualidade do seu software. A concorrência é saudável.[E6] -
referencia 1.
Bem o que são as patentes? A idéia é linda cara. Imagina que você quer
desenvolver uma idéia nova, como os software que a gente está desenvolvendo
para as salas de aula que gastam 500 mil, 600 mil reais. Como é que vou convencer alguém a me dar os 600 mil para fazer isso? Olha me da essa 600 mil
que no final eu te dou esse total mais um lucro X e mais alguma coisa. Esse é o
modelo normal. Qual a garantia que eu tenho de que quando lançar a idéia
alguém não vai pegar isso e dar de graça, ou ganhar dinheiro para ele. Bom, para
isso você tem as patentes. Então você vai lá, patenteia aquela idéia. Você chega
lá e diz que aquela idéia é inovadora, ninguém ainda inventou aquilo. Mas esse
modelo de patente eu acho que está muito velho e ultrapassado para o que a
gente está vivendo hoje. Ele serve é para inventar cadeira. Para a questão do
software eu acho que é maluco. Porque qualquer um quebra patente de software.
Eu acho que fazem isso para ser quebrado. Essas empresas como a Microsoft e
outras grandes criam esses edifícios para serem quebrados. Até essa briga ai da Samsung e da Apple é ridícula. Estão gastando mais dinheiro com processos
judiciais do que em investimentos em inovação. [E3] – referência 5.
O discurso do PUG-PE coloca como antagônica a apropriação exclusiva e
prolongada de direitos sobre inovações, visto que pode restringir a difusão do
conhecimento ao implicar maiores custos para os usuários, oferecendo, principalmente,
pouca transparência técnica. O software proprietário constitui um deslocamento temido
pela comunidade,uma vez que constitui uma caixa-preta cujo código-fonte não está aberto
a terceiros e, nesse sentido, há pouca troca de conhecimentos e insuficientes incentivos
para o processo de aprendizado interativo, colaborativo, e aperfeiçoamento por parte dos
usuários. Esse aspecto é comprovado pelos estudos de Tigre e Marques (2009) quando
constatam que as tecnologias proprietárias, quando bem sucedidas, constituem um
138
monopólio natural progressivamente reforçado pelas economias de rede que geram para
seus usuários.
Além disso, os monopólios de produção de software também se antagonizam com
o discurso da inovação dirigida pelos desenvolvedores/usuários de SL. Para os membros
do PUG-PE esse novo modelo de inovação antecipa um futuro em que os usuários
avançados estão aptos a inovar e haverá políticas públicas incentivadoras dessa estratégia
de forma a responder a um mercado cada vez mais heterogêneo. E as ferramentas para isso
já estão sendo usadas no PUG-PE, como mostra esse convite do MPC:
Olá pessoal,
Estamos divulgando o terceiro evento do PUG-PE o HACKYDAY do Summer-of-
Code. A idéia é juntar uma galera que queira aprender a programar, que queira
desenvolver ou até trocar idéias com o pessoal no local em variados projetos
open-source. Muita programação, comida e até brindes serão distribuídos durante
todo o evento. Como participar? É simples basta comparecer no dia e trazer
muita vontade de programar! :D Se tiver interesse já pode ir lá na própria página
do evento e selecionar os projetos ou lançar algum novo projeto que queira codificar. Simples, assim! O evento será no Instituto Federal de Pernambuco,
IFPE dia 28/04 (Abril) Sábado - a partir das 08h00min. Evento é gratuito!
Compareçam e venham conhecer Python ou por suas idéias em ação com o
pessoal rochedo que já sabe Python! Quem sabe não saem futuras startups deste
encontro?
M.S.C. Candidate at. CIN/UFP
Listas de Discussão\\HackDay Python> - § 1 Referência 1
Essa lógica de empoderamento do usuário atende a ação antagonizadora estratégica
do grupo, no sentido de que a partir do momento que o PUG-PE se torna o centro
irradiador da inteligência em Python em Pernambuco permite que as novas empresas e
start ups venham a se envolver com a comunidade e a produzir e desenvolver novos
produtos e serviços com tecnologia Python. Essa noção já é vislumbrada pelo E1, como
mostra esse trecho abaixo:
As empresas vão querer participar mais das comunidades, as pessoas vão querer
participar mais [das comunidades]. As empresas hoje não podem se limitar aos
seus produtos. Tem que levar em conta essa nova cultura. Mesmo porque as
novas empresas que estão surgindo estão inseridos nesse novo universo. Se você
pegar as empresas de comida nos EUA estão surgindo lojas que vendem comidas
verdes que eles mesmos fazem a própria comida. Fizeram isso porque sentiram
essa necessidade e tinha demanda. Gostam daquilo e se formam comunidades em
torno dessas empresas. Nas sei como as empresas existentes vão reagir, mas a
tendência é imitarem ou se aproximarem das comunidades.
139
O desenvolvimento dessa cadeia equivalencial que se antagoniza com o modelo
monopolístico se alinha as críticas de Von Hippel (2005) e Benkler (2006) ao modelo
tradicional de produção de software que não consegue dar conta desses padrões de
inovação emergentes.
Sob essa lógica, o discurso antagonizado pelo corte antagônico se justifica na
medida em que suas conseqüências implicam no esvaziamento de conteúdos sob domínio
público, ou seja, acentuam os cerceamentos sobre a res commune (LEMOS, 2007) ou
commons(BENKLER, 2006) a partir da implantação de cerceamentos legais e
tecnológicos, como mostram as análises de Tigre e Marques (2009) e Santos (2012).
Dentre as cadeias que se caracterizam pelo antagonismo frente ao tema das patentes
podemos incluir o discurso da cultura livre (LESSIG, 2005), do copyleft (STALLMAN,
2002) e do o Creative Commons (RAYMOND, 2001), todos elementos-momentos
fundamentais na construção dos discursos hegemônicos das comunidades de
desenvolvimento de SLCA.
Dessa maneira, o antagonismo deve ser visto como a condição de possibilidade
discursiva, uma vez que a dicotomização é uma forma de identificação de identidades
políticas. Atrelada à dicotomia do espaço social está a idéia de que o antagonismo não
equivale a uma exclusão radical, tendo em vista que tanto o discurso construído pelo PUG-
PE como o discurso antagonizante reproduzido são necessários para criar um espaço único
de representação.
Em vista disso, existea possibilidade de se pensar que, apesar de antagônicos, os
discursos podem compartilhar alguns sentidos entre si. Este é o caso de significantes
vazios, ou seja, significantes que são preenchidos com dois, ou mais, lados antagônicos
que são palcos de disputas para se definir qual das fronteiras antagônicas conseguirá
hegemonizar os sentidos, estes sempre contingentes, Assim, a contingência dos espaços
140
discursivos e das posições identitária se torna visível. Desse modo, os antagonismos podem
ser encontrados onde os discursos colidem (BUTLER, et al., 2008), ou onde existem duas
cadeias de equivalência incompatíveis como mostra o trecho abaixo do entrevistado E4
sobre a relação entre o mercado e a comunidade:
Mas isso é meio difícil de acontecer [propaganda de empresas dentro das
comunidades] porque a própria comunidade tem suas regras internas, nê, uma
etiqueta interna que não permite que ela seja influenciada pelas empresas, certo?
O foco das empresas é gerar dinheiro e as de comunidades de software livre não.
Pelo menos a minha participação dentro do PUG-PE nunca foi essa [ter fins
lucrativos] e a gente nunca teve a finalidade de ter uma comunidade lucrativa,
pelo contrário. [E4] – referência 2.
Um exemplo de corte antagônico está no estudo desenvolvido por Barcellos e
Dellagnelo (2012) em torno das experiências alternativas no campo cultural, realizadas
pelo Circuito Fora do Eixo, uma organização que constitui uma rede de cerca de 80
coletivos situados em diferentes regiões do país e que trabalha com diferentes
manifestações culturais, entre as quais música, poesia, teatro, design e cinema, com base
em software livre. Os resultados apresentam o projeto “Fora do Eixo" como uma forma
coletiva de resistência à cadeia equivalencial dominante que não consegue construir um
discurso compatível com as experiências desses diferentes grupos que trabalham
enfatizando o uso de ferramentas colaborativas na produção cultural.
Assim, as tecnologias digitais, ao auxiliarem na democratização do acesso aos
bens simbólicos, configuram um espaço de socialização dos meios de produção, resultado
que projeta, nos desenvolvedores, um discurso que amplia a participação sobre o processo
de produção social/cultural dentro de uma ótica auto-gestionária, contrariando a lógica de
escassez e controle promovido pelo mercado.
Elucidativo nesse sentido é o estudo de Talleras (2008) ao analisar os discursos
das livrarias frente à contenda em torno das leis de propriedade intelectual na Noruega. A
discussão identificou basicamente dois discursos - o primeiro caracteriza o autor como
141
sendo um agente vulnerável contra o desenvolvimento das novas TIC, uma vez que este
facilita a cópia, distribuição e adaptação dos conteúdos, contrariando a lógica tradicional
do ciclo produtivo; o segundo discurso se alinha às perspectivas que celebram a web 2.0,
na qual “todo criador é um consumidor e todo consumidor é um potencial criador” (IBID,
p. 105), anunciando uma nova era de participação nos processos de (re)produção social
sem a intermediação das editoras e livrarias - o que, num primeiro momento, constitui um
antagonismo à lógica proprietária de mercado.
Assim, essa nova retórica pragmática amigável com o mercado, típico do
capitalismo cognitivo (GORZ, 2005) critica o discurso corrente que legitima o que
Ortellado e Machado (2007) chamam de apropriação capitalista dos bens imateriais e
simbólicos nos moldes tradicionais de direitos autorais e patentes, por exemplo, e faz uma
intervenção hegemônica em favor de um novo modo de produção social e relações de
produção fundamentados numa governança bazar (RAYMOND, 2001) e ética hacker
(HIMANEN, 2001). Nesse sentido, a precariedade e a contingência no sistema discursivo
se justificam, uma vez que os sentidos neles constituídos tendem a alteração em função do
vínculo desse discurso com os demais sistemas discursivos compreendidos no campo da
discursividade.Nessa perspectiva, passamos a enfatizar o político como constitutivo da
dinâmica de estruturação do PUG-PE, marcado pela pluralidade de demandas e
antagonismo na articulação dos stakeholders sob sínteses parciais e transitórias.
5.2 Construindo uma nova hegemonia discursiva
No que concerne ao marco teórico principal deste trabalho a noção de hegemonia,
assim como o de antagonismo,são fundamentais. A noção tratada anteriormente nos levou
a conhecer os limites do discurso do PUG-PE, o que já justifica sua posição nessa
pesquisa. A noção de hegemonia pode ser relacionada para analisar a relação de ordem, ou
142
seja, o ponto nodal que fixa significados e articula elementos dispersos nessa cadeia. Em
outros termos, é o conceito que compreende a organização do PUG-PE.
Como um conteúdo particular que assume a função de encarnar, uma plenitude
ausente (LACLAU, 2005a), o processo de constituição da lógica articulatória da
hegemonia tem como ponto de partida a cadeia de discursos que enuncia a preservação do
sentido comunitário de um grupo de pessoas que compartilham experiências, projetos
profissionais e pessoais que envolvam Python e sua disseminação no estado de
Pernambuco.Por terem uma narrativa particular, estes agentes os demarcam de outros
coletivos e outras propostas do mercado ao manterem um status de um “grupo de
compartilhamento de experiências”, como mostra a transcrição de um vídeo do líder do
grupo apresentando o PUG-PE no Python Brasil 7:
PUG-PE é uma equipe, um conjunto de pessoas interessadas que compartilham
alguns pontos em comum, para tentar chegar a um objetivo, que no nosso caso é
disseminar o Python. É também uma celula de pessoas com forte interesse de
trabalhar em comum. também é uma escola porque todo o mundo está lá para
aprender e ensinar as tecnologias existentes. Também é uma rede social porque
você faz network nessa comunidade, conhece novas pessoas e troca
conhecimento com pessoas de outros estados inclusive. E, lógicamente, é um grupo e é por isso que se chama Python User Group, como podem ver também
estampado na nossa camisa. E como vocês vêm até o Google confirma já que é
só botar lá que aparece. Éntão é um conjunto de pessoas com intersses em
comum, que formam network ... Eu gosto muito desse conceito de comunidade
usado por Henrique Bastos que "é um grupo de pessoas que interagem e
compartilham um mesmo conjunto de valores. E quais são esses valores que
estão em jogo ai. Mas antes de mais nada existe a questão de comunidade ser real
ou virtual. Existe a discussão de uma comunidade ficar só na discussão virtual,
mas a nossa experiência mostra que não funciona. Você pode até tirar uma
dúvida mas quando quiser dar um passo além da questão do contato pessoal, a
confiança para fechar projetos é importante esse contato face a face. Eu sou de
acordo com a idéia de que uma comunidade deve ser a junção do real e do virtual. Outra idéia que eu gosto muito é o de Osvaldo de que um grupo de
usuários não é somente um cadastro organizado, mas é a realização de eventos,
de encontros regulares e fazer mini cursos. Eu acho que é um modo a
comunidade de mostrar o seu verdadeiro papel na sua cidade, estado,
universidades e em geral. Eu gosto também de mostrar esses dados que mostram
como o Python é uma linguagem que já conquistou seu espaço no mercado
mundial pela capacidade que está tendo de agregar pessoas. Fui num evento de
Python nos estados unidos no início desse ano e encontrei gente interessada em
fazer computação científica com Python. Eu não encontrei em nenhum outro
evento de outra linguagem capaz de oferecer isso. O Python realmente tem essa
capacidade de agregar pessoas.[1:35.0 - 5:50.31]
143
O relato acima quando aliado a abordagem discursiva não nos permite tomar o
PUG-PE como grupo dado a priori ou, nos termos de Burity (2007) uma expressão
ideológica de uma realidade sociológica pré-construida. Temos uma dispersão de posições
de sujeito, de modo que a explicação da unidade do grupo, a partir de uma dispersão de
pontos de demandas, ocorre a partir do entendimento da lógica hegemônica que consegue
criar uma solidariedade entre todas as demandas. A pluralidade de formas de identificação
do PUG na transcrição acima é o ponto de partida para a constituição do coletivo que
precisa, a partir desse esforço, criar uma cadeia equivalencial que abarque as
particularidades de cada demanda.
No embate de interesses que se estabelece nesse processo de construção discursiva,
existe uma busca da hegemonia do discurso de “comunidade bem sucedida” e do discurso
do “open source” que se alinha a elementos como o fato de se constituir um grupo de
software livre que “cultiva a diversidade e a inovação” (E7) num contexto em que circula o
discurso da competitividade do mercado demandando profissionais capacitados, criativos e
autônomos no trabalho, como elucida trecho de entrevista a seguir:
As empresas como Google e a Globo.com acreditam que os melhores
desenvolvedores estão ali comunidades de software livre como o PUG-PE. A
partir do momento que eles disponibilizam essa ferramenta [seus códigos] eles
podem captar a atenção desses desenvolvedores de software livre[E2] –
referência 6
A gente tem que entender que o mercado tem vida própria nê? Ela contrata profissionais de qualidade, e são esses profissionais que contribuem mais para
essas comunidades e projetos open source. Então é assim, não me impressionaria
se por dentro lá do Windows estiver funcionando alguma coisa que algum
programador viu no Linux. O mercado se alimenta disso, dessas inovações,
informações em de outros campos como, por exemplo, as comunidades de
software livre [E7] – referência 2.
Se você olhar foi o Google que mudou a mentalidade do mercado. Antes do
Google quem mandava no mercado era a galera da certificação. Quem tivesse
certificação x ou y já era meio caminho andado. Para um cara pensar em
trabalhar, mesmo fazendo o certificado da Microsoft, tinha de ter uma
certificação do Java. Sem isso não tinha muito papo com o cara não. As
comunidades open source mudaram isso, ou melhor, quando o Google começou
a olhar para essas comunidades e via que ali estavam os melhores. Se antes se
procuravam quem tivesse uma vasta experiência acadêmica mudaram o foco para
fora disso. O Google mudou isso. Contrata o cara não pela certificação ou pelos
20 anos de experiência, mas pelo que ele realmente sabe e pode trazer de idéias
144
novas ou promissoras. É melhor você ver o GitHub do cara e ver o código que
ele escreve do que ver o certificado dele [E9] – referência 4.
Sob essa lógica, são construídas cadeias de equivalências que estabelecem núcleos
em torno dos quais elementos discursivos se alinham, tendo por ligação, a preocupação
para com o regozijo com os ganhos que esperam amealhar com a inserção numa cadeia de
inovação aberta, organizada em rede de fluxo de informação em que o PUG-PE se
colocaria como um disseminador da inteligência em Python, ao estabelecer conexões com
os diferentes stakeholders, podendo chegar ao ponto de competir com a produção e
distribuição comercial.
Esse discurso hegemônico decorre da mescla de argumentos pós-fordistas,
reivindicadas pela expansão da noção de “nova economia”, que ganha notoriedade, em
termos acadêmicos, com a obra Sociedade da Informação de Manuel Castells, que
denomina esse novo modelo produtivo hegemônico de “informacionalismo”, além de
contribuições de Gorz (2005), Kumar (2006),Hardt e Negri (2006) e Lemos e Levy (2010)
que trazem formulações a respeito da “imaterialidade” e perda das tradicionais medidas de
valor do trabalho.
Um exemplo de estabelecimento de uma fixação de sentido pela articulação da
hegemonia é o trabalho de Cocco e Villarim (2009), ao utilizar a produção de software
para identificar e analisar as características do trabalho imaterial. Os resultados indicam
uma desconstrução hegemônica protagonizada por movimentos recentes, como os do
software livre, que revelam o discurso ilusório de controle “industrial” sobre trabalho “pós-
industrial”. Esses movimentos explicitam o fato de que a acumulação capitalista na era do
trabalho em redes digitais passa por dinâmicas políticas que superam os sentidos
hegemônicos vigentes pela construção de novos enclosures(realizados pela aplicação de
uma legislação de propriedade intelectual e das patentes), uma vez que eles não
reconheceram a dimensão social, cooperativa e criativa do trabalho humano.
145
Ao mesmo tempo, as novas formas de fixação de sentidos hegemônicos
elaboradas pelos segmentos mais avançados do capitalismo cognitivo, em empresas com
modelos de negócio parecidos com o Google, RedHat Enterprise Linux59
, Facebook e
Mercado Livre, servem para problematizar ainda mais as possibilidades de lutas
hegemônicas em espaços onde o trabalho em comunidades open source é a principal fonte
de inovação (COCCO E VILLARIM, 2009).
E para que tal lógica se concretize é necessária a criação de uma nova hegemonia
discursiva. Um exemplo de esforço para a criação de uma nova hegemonia discursiva se
encontra no estudo de DA FONSECA BUENO, (2012) ao buscar nas enunciações de
imprensa temas atrelados ao significante “sustentabilidade”. O estudo mostra que a
formação de uma nova hegemonia discursiva empresarial acabou criando uma rede de
equivalências, na qual assuntos como preservação ambiental, direitos das minorias,
condições dignas de trabalho e relações com o governo passaram a convergir no mesmo
significante estudado. Desse modo, o discurso hegemônico, embora se constituindo pela
articulação de elementos diferenciais, visa a projeção de uma fantasia de objetividade e
closure pela demarcação de outro, o não sustentável, que ameaça a natureza e a sociedade,
que está fora da sua rede de equivalências. No entanto, esse exterior é constitutivo, uma
vez que sem ele o discurso de sustentabilidade não faria sentido algum.
O cenário contemporâneo é enredado com discursos que apelam para novos
modelos de produção e distribuição de conhecimento,da inovação, uma nova abordagem
para os serviços com as licenças open source e constituição de novas identidades coletivas
que vão de encontro às hierarquias rígidas da era industrial. Essas questões se destacam no
discurso hegemonizante dos desenvolvedores a partir das lógicas de equivalência,
diferença e fantasia tratadas a seguir.
59É uma empresa dosEstados Unidos que disponibiliza soluções baseadas nosistema operacional GNU/Linux,
incluindo várias distribuições.
146
5.2.1A formação das cadeias de equivalência
Como em toda cadeia de equivalência o momento de constituição discursiva da
comunidade como “projeto open-source de desenvolvimento de software” não se
subordina a pluralidade de demandas que compõe esta articulação, mesmo que esta
variabilidade de demandas seja condição para a existência dessa equivalência, como já
constatou empiricamente Vieira Junior (2009) ao buscar compreender os posicionamentos
e argumentos dos grupos que sustentam as tensões (se colocando contra e a favor numa
disputa por hegemonia) em torno do estabelecimento do ciclo produtivo da celulose nos
municípios gaúchos.
No que se refere à tecnologia Python, como parte do discurso open-source,
algumasdemandas articuladas nessa cadeia de equivalências podem ser resumidos assim:
Figura 8 - Cadeia de Equivalência do open source
Olá a todos,
Novas turmas estão sendo
abertas no Pycursos. São cursos on-line ligados à área de
programação com a plataforma
Python, uma das linguagens
open-source que mais crescem
no mundo.
Eu quero que Python se
popularize, assim quem
sabe a Microsoft passa a dar
suporte a linguagem como
vem fazendo com várias
iniciativas open-source,
como o PHP...
Python é um exemplo de FLOSS. Traduzindo, você
pode distribuir livremente cópias deste software, ler seu código-fonte, modificálo, usar trechos em novos
programas livres e tudo o que você quiser fazer.
FLOSS é baseado no conceito de uma
comunidade que compartilha conhecimento. Este é
um dos motivos pelos quais Python é tão
bom ele vem sendo criado econstantementemelhorado p
or uma comunidade que simplesmente
quer ver a Python cada vez melhor. Pode parecer
pouco, mas ao ser salientado a empresa que ela está
adotando padrões abertos, com legalidade e licenças
a custo zero causa uma excelente espiral positiva. Isso porque ela está acompanhando as tendências mundiais
que incluem a adoção em massa do software livre,
além de garantir toda a continuidade,
porque software livre significa solidez.
Olá pessoal,
Gostaria de divulgar a participação do PUG-PE
em mais uma ação evangelizadora da plataforma
Python e a cultura colaborativa, open-source e
software livre por trás dela em mais uma instituição de ensino em Pernambuco. Desta vez
o Marcel Caraciolo (@marcelcaraciolo) foi até o
Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) em
Recife- Antigo CEFET para apresentar a
palestra „Apresentando Python e 8 motivos por
que devo conhecê-la ?
Me chamou muito atenção essa
comunidade de software Python por
ela ser altamente guiada ao software livre, então todo o seu projeto, as
suas diretrizes e até as comunidades
que a regem usam muito essa cultura
do open-source e software livre.
Então naquela época de 2007-2008,
embora já existia vários projetos
open-source em grande escala, não
era comum as empresas utilizarem
projetos open-source [como o PUG-
PE] para avaliar seus possíveis
candidatos a funcionários.
147
Fonte: Elaboração própria (2013).
Essas equivalências são fundamentais para o objetivo de preservar um ambiente
inclusivo para todos os usuários/programadores existentes e para os novatos, angariar o
apoio dos stakeholders, além de buscar imprimir um discurso que defende a lógica de
inovação aberta liderada pelo usuário “No caso do Linux a usabilidade e a inovação quem
faz é o usuário. O cara tem um conhecimento razoável e consegue mexer em alguma coisa,
o cara muda o que quiser” (E6 § 1, referência1), por causa da maior eficiência técnica e
econômica do open source.
É fundamental reconhecer que a sustentação de uma cadeia de equivalência exitosa é
necessária uma continua reiteração desses discursos. Assim,a emergência dos equivalentes
gerais como “open source”ou “comunidade bem sucedida” são formas (ou dispositivos)
para reiterar o discurso do PUG como um espaço para projetos inovadores em Python.
As diferenças de visões de mundo se equivalem nos pontos de fixação discursiva
como “comunidade bem sucedida”, mantendo as equivalências nas suas demandas (Figura
8), como acontece quando os desenvolvedores reiteram, por exemplo, que os encontros
exitosos do PUG-PE são um dos mais importantes eventos de tecnologia de Pernambuco,
ao estimular a programação, participação e a colaboração, ou que traz uma áurea de um
espaço compartilhado e inclusivo como mostra trechos da lista de discussão do PUG-PE.
Figura 9 - As equivalências da cadeia de significação de "comunidade bem sucedida"
Listas de Discussão - § 1
referência codificada
[33,71% Cobertura]
Olá pessoal
Depois de realizarmos mais de 20 palestras somente no mês de fevereiro com um público
estimado de mais de 3500 pessoas que passaram por estes vídeos, ficamos muito felizes
pela recepção do pessoal e dos palestrantes que se envolveram na causa [---]Estamos
promovendo melhorias na app do hangout em parceria com PyCursos/Pingmind que vai
facilitar ainda mais a divulgação das palestras durante todo o mês. As palestras são
gratuitas e quaisquer pessoas podem participar! Se você tem algumas idéia ou projeto
relacionado a python, eis uma ótima oportunidade de você apresentar o que conhece com
pessoas interessadas sobre o assunto ou especialistas em Python para trocar networking e
experiências técnicas.
Listas de Discussão - § 3 referências codificadas
[47,55% Cobertura]
Referência 1 - 36,39%
Cobertura
Olá pessoal, Gostaria de parabenizar a todos envolvidos para a realização do III Encontro do PUG-PE
realizado hoje no Centro de Informática- UFPE. Gostaria de dizer que fiquei hoje
bastante feliz ao ver uma quantidade de pessoas que eu jamais imaginei para o nosso
encontro. Muita gente me parou nos corredores, perguntando: "É aí mesmo o encontro?!"
148
Sem acreditar! Isso é prova do esforço e do trabalho que estamos realizando para que
esse grupo continue adiante. Não estou exagerando, mas temos todo o potencial para ser
um candidato-sede nos próximos anos do Python-Brasil. A prova disso?! Hoje tínhamos
gente de Alagoas (PUG-AL), gente da Paraíba e gente de Recife. Essa integração é
fantástica!
[E9] – referência 3
Acho que o que mais deu mais certo não foi nem o fato de ser puxado por uma pessoas,
mas sim pelo fato de ser realizado ambientes fácil de as pessoas encontrarem, que já faz
parte do seu dia a dia. Então se a gente diz que vamos nos encontrar no laboratório daqui
da escola vai ser difícil de as pessoas virem, fica meio distante de algumas pessoas. Mas
marcar num lugar onde uma parte desse grupo estuda foi a fagulha que permitiu que o
grupo deslanchasse. Luciano
Listas de Discussão - § 1
referência codificada
[11,35% Cobertura]
Pessoal,
Com muita satisfação que a matéria sobre a nossa comunidade saiu na Revista Espírito
Livre, uma das mais destacadas revistas brasileiras sobre software livre. A reportagem
está na página 72!!
http://revista.espiritolivre.org/pdf/Revista_EspiritoLivre_029_agosto2011.pdf
Parabéns a todos daqui, vocês construíram isso: D Avante!
Listas deDiscussão - § 3
referências
codificadas[17,08%
Cobertura]
Pessoal,
Informo que o grupo de usuários Python de Pernambuco aderiu a rede de Células
Empreendedoras. Segue formalização do grupo que se torna nossa primeira célula
empreendedora PHYTON. Acredito que este grupo pode motivar e liderar a criação de
células em PHYTON em todo o estado. Que este grupo sirva de exemplo para muitos de
nós, pela organização empreendedora que possuem.
Fonte: Elaboração própria (2013).
Isso representa a disposição de elementos de constituição da identidade dos atores
que se vêem num grupo que pode lhes proporcionar boas experiências, aliado ao fato do
PUG-PE, após 2010, ganhar mais visibilidade e expandir para várias outras
universidades60
, e de, como será mostrado mais a frente, chamar atenção de empresas
locais que começam a usar essa linguagem de programação nos seus projetos.
Assim, o esforço de posicionamento do PUG-PE como um dos principais encontros
de tecnologia de Pernambuco advém do fato de seus membros se colocarem como
representantes da comunidade de desenvolvedores mais ativa na cidade, competindo para
se igualar ou ultrapassar o tradicional Java61
.Vem daí o esforço para se construir uma
cadeia equivalencial que permita conquistar apoio junto a universidades e empresas. Muito
disso é decorrente da liderança bem sucedida de Marcel, e do discurso de eficiência e
60 Aqui podemos incluir a UFRPE, UPE, UNICAP, POLI, IFPE, Universidade Mauricio de Nassau, FBV,
Faculdade Marista 61
Java é uma linguagem de programação orientada a objeto desenvolvida na década de 90 por uma equipe de
programadores chefiada por James Gosling, na empresa Sun Microsystems. Diferentemente das linguagens
convencionais, que são compiladas para código nativo, a linguagem Java é compilada para um bytecode que
é executado por uma máquina virtual. A linguagem de programação Java é a linguagem convencional
da Plataforma Java, mas não sua única linguagem. Fonte: Wikipédia.org.
149
simplicidade da linguagem que, por causa disso, atrai outros interessados, aumentando a
massa crítica do grupo.
O êxito atual do grupo se alinha à narrativa de sucesso da maior parte dos
empreendimentos relacionados a área de TI, que geralmente começa pela ação de um
agente sozinho que acredita na sua idéia que consegue agregar pessoas chaves ao entorno,
pavimentando o caminho para o sucesso. A transcrição do vídeo a seguir de Marcel
Caraciolo revela a reiteração dessa retórica nesse processo de construção discursiva da
comunidade:
[min. 07:35/15:00] a gente começou pequeno lá Centro de Informática da UFPE.
Tudo começou lá, mas a gente foi se evoluindo, evoluindo e hoje temos um
portal do site, lista de discussão, blogs, canal de vídeos e está bem organizado
agora ... começamos bem lentamente promovendo pequenos cursos lá por 2009.
Em 2010 começamos a ter encontros com novos participantes e quanto mais
encontros fazíamos mais gente aparecia[...] Então, a gente já fez muita coisa que
justifica o que somos hoje [...]Temos um bom conjunto de empresas que usam
essa tecnologia, como a Nokia, por exemplo, e particularmente as startups, e chegamos até a fazer uma ferramenta que media o êxito dos candidatos a eleição
junto aos seus eleitores...Então o aprendizado disso tudo é se entregar ao trabalho
e faça, faça, faça. Não adianta ficar parado. Eu cheguei lá no Cin., vi o que tinha
de fazer e juntamente com alguns amigos começamos a fazer as coisas
acontecerem.
Então as metáforas que dominam essa narrativa da história do grupo é a de um
"início difícil", com "várias tentativas fracassadas" até aparecer um "agente caótico", que
vem a dar um novo rumo aos destinos do grupo. Aqui é útil abordar a questão das redes e
pensar a forma como modificam os processos sociais e informacionais de nossa sociedade,
uma vez que são influenciadas pelas interações e, portanto, sujeitos a processos de ordem,
caos, agregação, desagregação e ruptura (RECUERO, 2009).
Nesse processo de constituição do PUG-PE podemos identificar a cooperação, como o
processo formador dessa estruturas social, responsável pela constituição da própria
comunidade. Ela é motivada pelos interesses individuais, pelo capital social envolvido e pelas
finalidades do grupo. Já a competição compreendeu as luta, mas não a hostilidade, que é
característica do conflito. A competição no interior do PUG-PE é no sentido de gerar
cooperação por parte dos atores da rede no sentido de competir e suplantar outras comunidades
150
e outros atores antagônicos. Esses processos sociais não devem ser vistos como processos
distintos e não relacionados, mas como fenômenos próprios e emergentes das redes sociais. No
entanto, é preciso compreender que para que a estrutura da comunidade se sustente a maioria
das interações precisa ser colaborativa, pois de outra forma (sendo conflituosa) poderiam gerar
desgastes e rupturas a um nível que a estrutura social não suportaria (RECUERO, 2009).
As redes sociais mediadas ou não por computador representam o mundo em
movimento e o compartilhamento que movimenta a rede depende do fator humano, mas
também de tecnologia e recursos de informação (CARVALHO, 2009). A autora, ao resgatar a
presença humana nas redes sociais, salienta que essas, espaços plurais, tornam possível a
manifestação de formas de ação coletiva e de solidariedade entre pessoas. Nesse sentido, ações
e comportamentos orientados por uma racionalidade comunicativa em busca do consenso e do
entendimento desenvolveriam uma lógica de integração social, portanto de cooperação.
No entanto, por mais que se busquem relações harmoniosas e o consenso, as redes são
locais ao mesmo tempo de compartilhamento e de divergência, motivo pelo qual emerge a
importância dos processos de negociação e dos mecanismos de governança. Nesse aspecto, o
esforça para o grupo “ganhar massa crítica” e visibilidade no cenário de TIC local
necessita chamar a atenção de “pesquisadores, empresas, entusiastas, desenvolvedores e
pára-quedistas" que tem interesse na tecnologia e se esforçam para que a rede da
comunidade Python avance no estado, que é o principal objetivo assumido pelas lideranças
atuais.
Assim, é possível a constatação de que,no estabelecimento da cadeia equivalencial
doopen source, a produção descentralizada de conhecimento não constitui a preocupação
central, ou a única preocupação do PUG-PE. Quando perguntamos sobre as razões de
participarem do PUG-PE houve uma preocupação principal com o uso do discurso do open
source como oportunidade de trazer maior eficiência econômica e técnica para os seus
projetos e uma preocupação secundária com a visão acadêmica que enxergava no open
151
source basicamente como trabalho voluntário caracterizado pela “ética hacker” e
“governança bazar”. Mas, como vamos mostrar no tópico referente aos significantes
vazios, essa opção se revela como a melhor estratégia dada a natureza das demandas dos
integrantes do grupo.
A função dessas narrativas, portanto, se alinham a perspectiva de Hajer (2003)
quando afirma que estas se referem às estratégias de simplificação do discurso de modo a
enunciar um repertório mais acessível aos outros discursos que fazem parte da cadeia
equivalencial, ou seja, as pessoas de diversas origens, com diferentes perspectivas sobre o
grupo. Isto é, construindo uma rede de equivalência a partir dos diversos argumentos e
significados em torno do PUG-PE.
Assim, os dados recolhidos para essa pesquisa, de certa forma, endossam a
perspectiva de Laclau (2005a)quando defende que é preciso enxergar as diferentes redes
sociais atuais não como algo dado, mas sim como relações de equivalência que tem como
base a idéia de dispersão de posições de diferentes sujeitos.
5.2.2 Demarcando as Diferenças
Enquanto que a lógica da equivalência conduz à simplificação da heterogeneidade
do social a lógica da diferença trata de trazer à tona a complexidade do social. Essas duas
lógicas andam juntas e, como tal, são constitutivas de um mesmo processo: a lógica da
equivalência apenas existe a partir da existência de um efeito discursivo, decorrente da
lógica da diferença.
A compreensão das diferenças é um artifício analítico que permitem melhor
compreensão das pendências entre os elementos momentos que caracterizam o discurso
das comunidades de software livre. As diferenças aqui ocorrem tanto entre a comunidade
PUG-PE e outras comunidades open source e entre os próprios autores constituintes do
152
coletivo. As diferenças tornam mais claras os posicionamentos e as motivações políticas
(individuais e coletivos) e as conseqüências deste na busca de hegemonia de seu discurso.
Ou seja, é o que permite a articulação (LACLAU E MOUFFE, 2001, ANDERSEN, 2005).
5.2.2.1 Nós e Eles
A idéia de identidade infere a necessidade da diferença, ou seja, se não houver
diferença estaremos tratando do mesmo, pois o PUG-PE constitui a sua identidade a partir
da existência de outras identidades distintas como é o caso de comunidades com outras
abordagens, como mostra o trecho da entrevista de E5:
A galera troca pedaços de código em Python sem complicação. Você vê o caso
do PUG, você vai lá e tem uma lista de discussão aberto. É só cadastrar. Ese você tiver alguma dúvida a respeito do código você vai ter aquele grupo de
pessoas disposta a trabalhar com você sobre aquilo. Não tem nenhum tipo de
restrição do tipo, ah você não é sócio, tem de pagar x, como fazem algumas
comunidades por ai. Não tem nada disso [E6] referência 10.
Sob essa lógica, a condição da diferença é o que permite que a prática articulatória
se dê a partir das mesmas diferenças que se unem, de forma precária e contingente, num
ponto nodal que possui a característica de expressar um sentido comum a elas. Uma vez
mais, é diferença que permite a articulação. A questão de definir a identidade do PUG
como sendo também diferente das outras comunidades era aparente nas outras entrevistas,
como mostra o quadro a seguir.
Figura 10 - As especificidades do PUG-PE
O PUG-PE é uma
comunidade de software
livre porque a gente defende
essa bandeira, se diverte,
divulga. O problema é que
quando são [outras
comunidades] xiitas você
não conversa com o outro lado.
O Ubuntu, por exemplo, para
você participar e contribuir
diretamente com o software lá
tem uma serie de pré-requisitos
que você tem que ter para poder
contribuir, ou você tem até que
pagar em alguns casos.
Não é aquele negócio fechado como
o Java e a Oracle. Como é que você
vai contribuir com o Java hoje? É
totalmente diferente do Python que
você pode ver, baixar e contribuir
sem nenhum tipo de restrição.
153
Fonte: Elaboração próprio (2013).
A possibilidade de diferença com outras comunidades como as comunidades de
“xiitas”, do Ubuntu, do Java, Oracle desencadeia práticas articulatória que fortalecem o
PUG-PE a partir das diferenças que os unem.
A universalidade dessa lógica da diferença extrapola o campo político para chegar
ao campo normativo. O entrevistado E8argumenta que o PUG é diferente dos outros com
base em determinados dados como número de encontros mensais, quantidade de membros,
quantidade de empresas startups que usam Python, número de universidades que
estabeleceram parcerias, número de filmagens nos seu canal de vídeos, quantidade de
projetos no GitHub.
As demandas normativas desse discurso são diferenças que justificam a existência
do PUG-PE como centro mediador da inteligência em Python para empresas, universidades
e curiosos. Em vista disso, a proposta tem sido articular tais elementos como estratégia
para preservar a comunidade como lócus de inovação em software livre e um exemplo para
outras comunidades open source.
Além disso, a "comunidade bem sucedida" demanda também a projeção do PUG
como "centro irradiador de inteligência em Python", uma vez que tem o mesmo “outro”
que são as empresas ou o estado e “a sua forma interesseira” de conduzir o uso de software
livre e projetos open source de forma geral. É um discurso que faz o PUG-PE tomar para si
como o lugar mais legítimo para se produzir conhecimento em Python
É interessante que aqueles
[comunidades] que mais
defendem a liberdade são os
que mais restringem o
dialogo.
Em contraste, uma comunidade aberta respeita e promove a liberdade de
cada individuo. Ela age no interesse de muitos enquanto que uma
comunidade gerenciada atua no interesse de poucos. Os membros de
uma comunidade aberta não têm que subordinar sua paixão individual
sobre tecnologia para os objetivos de uns poucos líderes. Pessoalmente,
acho que viver e trabalhar em um ambiente livre é muito mais desejável
do que participar de uma comunidade gerenciada.
(Memos - § Referência 1 - 13,65% Cobertura)
154
5.2.2.2 Eu e Eles
No entanto, nas analises das entrevistas, revistas especializadas e listas de discussão
foram destacadas também as diferenças individuais que tornam claros os posicionamentos
e motivações políticas particulares de cada usuário/desenvolvedor secundando o discurso
das equivalências em suas demandas de proteção e fortalecimento do grupo frente a outras
comunidades.
Fonte: Os autores
Fonte: Elaboração própria (2013).
As coalizões de discursos vão reunir atores com diferentes histórias pessoais, em
que os elementos das diversas idéias e motivações são combinados em um todo mais ou
menos coerente ou simplificado (JEFFARES, 2008; HOWARTH et al., 2000).
Figura 11 - As diferenças individuais superando as equivalências
Nesse último campus party tinha os
jovens nerds que lotavam as
palestras dos nerds famosos só
porque estavam bombeando na
internet. Já a palestra e oficina que
ministrei tinham umas 40 pessoas
que realmente estavam interessados
no assunto e não estavam lá
somente pela fama da pessoa que
estava apresentando. É diferente.
Eu não gosto deste estrelismo. Me incomoda muito essa história dos
15 minutos de fama porque faz com
que muitas pessoas se lancem em
algumas coisa por ai não por
idealismo mas por fama. A fama,
em alguns casos ela corrompe. (E5
§ 10, referencia 4)
No meu caso estar numa comunidade
e ser reconhecido é importante, não
por ser Mxxxx, mas pelo trabalho
que tenho feito, e isso para mim é
importante. A loucura que vou
fazendo vai infectando os outros e
nisso a loucura vai se espalhando e temos mais pessoas fazendo a
loucura. Isso fortalece. (E9 § 4,
referencia 4)
Tem gente que
radical e defende que
tudo deve ser livre.
Eu já não sou dessa
linha. Eu gosto
muito, ajudo, não
tanto quanto eu
gostaria, mas eu contribuo, reporto
bug, faço tudo, mas
eu acho que ainda
existe um limite. (E6
§ 4, referencia 2)
Tem gente que é mais radical que vai fuçar o código, quer
burlar os sistemas, mas no geral a maior parte que entra em
comunidades de software livre vejo que tem um interesse
em aprender um assunto específico, tipo tem um problema
na empresa dela, no seu emprego, na sua faculdade, na sua
gradução, mestrado e quer resolver e acha que um cara na
comunidade de software livre pode tirar a dúvida dele. (E4
§ 6referencia 4).
RREeferência 4
.
As pessoas têm seus egos,
seus desejos “pô quero ser
famoso”. Tem gente que é
famoso pra caramba
escrevendo software livre.
Numa empresa você não
teria essa visibilidade. O
legal das comunidades de
software livre é isso. É você
ter essa visibilidade legal.
Então, numa comunidade
você não vai ter alguém lhe
dizendo que tem que fazer
isso, aquilo e aquele outro
como fazem os gerentes de
uma empresa (E1 §
3,referencia 1
155
A função dos agentes em apelar para a lógica da diferença lhes permite demarcar o
“nós” e “eles” e o “eu” e “eles” que são as fronteiras do discurso. E diferentemente das
ameaças que estão fora do discurso, e, portanto, exercendo o papel de estabilizador e
ameaça, a diferença pode ser acomodada internamente e sempre estará presente no
discurso. E é essa condição que permite a articulação discursiva dentro do PUG-PE, ou
seja, os tipos “comunidade bem sucedida” e o discurso do “open source” são construídos a
partir da articulação das diferenças que constituem a estrutura discursiva que compõe os
sentidos hegemônicos da comunidade.
5.2.3 A Lógica da Fantasia
A lógica da fantasia fornece suporte para os projetos políticos da comunidade e
para as escolhas individuais dos usuários/desenvolvedores. As fantasias sustentadas pela
busca de um ambiente colaborativo, inclusivo e exitoso na geração de idéias criativas e
inovadoras, são formas obvias de pensar em como a comunidade é afetada e sustentada
pelas fantasias.
Esses desejos estruturados fantasmaticamente moldam a natureza e o conteúdo das
demandas dos usuários desenvolvedores, assim como a forma como são respondidas. Os
dois trechos abaixo são indicativos disso quando se referem a linguagem de programação
Python:
É uma linguagem de alto nível usada em vários ambiente como Linux, Windows,
Mac. É o que se chama interoperabilidade, multiplataforma. Outra chave
importante que eu gosto de chamar atenção em Python é que ela está sendo usada
muito nas universidades para ensinar programação. Então é uma coisa fantástica
([E5] – referência 10)
O Python já é uma linguagem que ganhou o seu lugar no coração de muitas
empresas, e empresas grandes como Google, NASA, o Governo Fed. Brasileiro,
entre outras, mas ainda o mercado local, o mercado daqui, aquele que me
emprega e paga minhas contas, ainda não está muito visível, mas aos poucos as
vagas vem aparecendo. E quanto mais agente, nós programadores home - Office,
utilizarmos o python e mostrarmos o seu poder, mais esta linguagem vai estar
disponível em vagas de emprego remuneradas. O Python ainda vai crescer muito
quando entrar em definitivo nas escolas. E porque Python? Porque Python é uma
linguagem que foi pensada e desenhada com foco no programador. Python dá
156
muitas liberdades ao programador, mas com bastante segurança. Além disto, é
uma linguagem que roda em muitas plataformas, sendo possível fazer um script
python compatível com qualquer sistema operacional. Imagina seu script Python
controlando a sua geladeira?Hã? Que tal? Isto é possível. Com python
conseguimos atingir praticamente todo e qualquer mercado de programação:
Web sites Rotinas de processamento Mineração Comunicação com periféricos
Controle de máquina Servidor Cliente Desktop Celular/Tablet… Na verdade,
isto que falei sobre python não é novo, é o que todos sabem, é o que todos falam
sobre Python. Você vai ver mesmo é no seu dia a dia programando Python, o porquê de trabalhar com esta linguagem. Programar python é algo que te deixa
feliz. Programar python é que nem ter um filho pequeno e vê-lo crescer, a cada
dia tem uma palavra nova, uma ação diferente e sempre tem algo a para te
alegrar! Isto é Python, para mim é uma qualidade de vida! .(Trecho da lista de
discussão do PUG-PE, numa discussão a respeito das vantagens de programar
em Python).
O artefato (aqui a linguagem de programação Python) é investido com propriedades
que excedem as suas propriedades puramente técnicas – quando, por exemplo, aparece nas
narrativas individuais como sendo algo fantástico, superior, divertido, inovador e
competitivo – torna-se o objeto a partir do qual os usuários/programadores experienciam
heroísmo, liberdade e autonomia no esforço de controlar a sua performance.
Assim, a fantasia, joga um papel fundamental na construção e sustentação do
discurso da comunidade e nas relações estabelecidas entre os integrantes. E na visão de
Glynos (2008), nesse processo existem, ou convivem, tantos aspectos ideológicos como
normativos, feições que são freqüentemente confundidas.
O ideológico estaria no discurso da comunidade que tenta apresentar o PUG-PE
como uma totalidade fechada e homogênea, através da fixação de um ponto nodal e no não
reconhecimento do jogo infinito das diferenças (LACLAU, 2000) tratada no tópico
anterior, ou seja, a ideologia estaria no desejo de se construir o discurso do PUG-PE como
uma totalidade. Já o significante normativo da dimensão ideológica da fantasia estaria na
função de manter o caráter político das relações na comunidade,relacionadas ao processo
de produção, apropriação e distribuição do conhecimento e informação.
A fantasia promete uma resolução harmoniosa dos antagonismos sociais, um
enchimento para os vazios do discurso. Para Stavrakakis (2005), somente assim o discurso
pode se constituir como um objeto desejável de identificação como mostra o trecho abaixo:
157
A comunidade realmente atrai muitas pessoas. E nem todo o mundo está lá
necessariamente pelo interesse no Python. Você vai ver pessoas vão lá porque
tem uma idéia e querem compartilhar, tem um problema e procura uma solução e
acha que a comunidade pode ajudá-lo. Então a comunidade sai do âmbito da
tecnologia e começa a se expandir [E4] - referência 6.
Então, o cenário da fantasia organiza e apóia a aparente multiplicidade de
identidades, se alinhando assim ao estudo de Glynos (2008) quando explora as práticas do
local de trabalho a partir do ponto de vista das fantasias. E os resultados indicaram que
uma das fantasias estruturantes do local de trabalho eram as fantasias da liderança,
nomeadamente as fantasias individuais sobre os seus superiores hierárquicos: exemplos
disso seriam o líder cuidadoso, o líder acessível e o líder onipotente.Para Glynos (2008), é
possível, a partir do insight da fantasia, serem estabelecidas conexões com a questão da
ideologia tornando o componente político e o significante normativo de fantasia mais
claros.
Assim, a motivação dos usuários/programadores para estabilizar o discurso da
comunidade pelo suporte da fantasia não deve ser confundida com a prática de atores
racionais procurando satisfazer seus interesses, mas sim comoatores cuja identidade é
dependente do discurso, e, logo, a incompletude do discurso obriga esse ator a construir
uma identidade completa ilusória por meio de atos de identificação como sugere Torfing
(2005). Nesse sentido, os usuários/desenvolvedores do PUG-PE são estratégicos e não
racionais. Além disso, a lógica fantasmática do discurso opera quando o sujeito se encontra
investido de alguma fantasia, de forma que qualquer coisa que venha desestabilizar a
narrativa fantasmática do sujeito é visto como uma ameaça- tratada no tópico5.1.
Como resultado, a atuação estratégica dos usuários/desenvolvedores permite atender a
demanda do PUG-PE no sentido de transformar o Pythonem uma linguagem de programação
não restrita as fronteiras da universidade, mas num significante vazio que articula demandas de
empresários, profissionais de TI, servidores públicos e outros agentes. Ao mesmo tempo, essa
demanda teve êxito em mascarar certas diferenças entre relações potencialmente antagônicas
158
entre a comunidade e o mercado, e desvelar as diferenças entre os atores. Os discursos de
“comunidade bem sucedida” e do “open source” podem ser vistos como cadeias de
equivalências, com os atores tendo a missão de se engajarem em articulações hegemônicas de
forma a manterem um sentido para essas cadeias pela articulação das equivalências, diferenças
e fantasias. Essas cadeias são dinâmicas, uma vez que não cessam de crescer e se modificarem
ao longo do tempo.
Nesse processo, surgem os significantes vazios, que são requeridos no processo de
construção da cadeia equivalencial, portanto, da relação hegemônica, uma vez que as
generalizações das relações de representação são o elemento condicional para a
constituição de uma ordem em que essa hegemonia se expande, como mostraremos a
seguir.
5.3 Do Significante Vazio
A melhor forma de entender o funcionamento dos significantes vazios na comunidade
é a partir do entendimento das condições históricas e sociais que levaram a emergências do
PUG-PE para, a partir disso, compreender, como a partir de adição de novas demandas vão
adulterando o significado original de comunidade.
Laclau (1996, p.69) tem uma noção de significante vazio que é o seguinte: “um
significante vazio é um significante sem significado”. Mas apesar disso ele tem seus
limites, que segundo o autor são sempre antagônicos. No nosso caso os limites do discurso
do PUG-PE seriam aqueles com potencial de subverter os seus sentidos como os alertas em
relação à lógica estrita do mercado, os cerceamentos da propriedade intelectual ou a
desmobilização dos integrantes que podem resultar na extinção do grupo.
Esses discursos estão além dos pontos nodais que delimitam o espaço comunitário,
ao mesmo tempo em que indicam uma cadeia equivalencial que criará a idéia de uma
plenitude comunitária (significante vazio), que é contingente e precária.
159
O PUG-PE ao se originar de um grupo de usuários e desenvolvedores que
começaram a compartilhar experiências e a se articularem de forma a criar uma identidade
compartilhada alinham sua demanda a narrativa típica da sociedade informacional. Uma
dessas narrativas é a dos hackers que a partir da década de 70, movidos pela paixão pela
tecnologia, começam a se articular numa rede para explorar as potencialidades das novas
TIC, culminado na criação do Linux, que passou a ser a base dos projetos de SLCA até
hoje (TORVALDS, 2001).
Na década de 90, a literatura especializada começa a produzir uma abundância de
trabalhos a respeito das comunidades virtuais, comunidades de prática ou coletividades de
prática, como novas formas organizativas adequadas às demandas do mercado da era
informacional. Pouco antes do estouro da bolha dos dotcom o software livre e as
comunidades que lhe dão suporte, começam a ocupar as páginas dos jornais, fazendo parte
da agenda estratégica dos executivos e “confundindo os radares de líderes políticos,
reguladores de todo o planeta conquistando os corações e mentes dos jovens da década de
90 que se perguntavam como as pessoas até então tinham sobrevivido sem o e-mail”
(KELTY, 2008, p.2).
A circulação desses discursos acaba tendo impacto na formação do PUG-PE que
hoje agrega outras demandas como um lócus de mão de obra especializada em software
livre, parceiro inovador das empresas. Dessa forma,a comunidade se adéqua a estrutura
contingente, circunstancial parecido com o que certas empresas demandam no cenário de
inovação contemporâneo. E para os agentes estratégicos fortalecerem o discurso do grupo
num cenário onde o Python tinha pouca ou nenhuma inserção desenvolveram, nas suas
práticas discursivas, os significantes vazios de “comunidade bem sucedida” e o discurso do
“open source”. Então, ao mesmo tempo em que simbolizam o deslocamento original no
processo de produção de software na década de 70, não cessam de receber novos
160
significados com o passar dos anos como mostra a figura 11 que identifica algumas
demandas em torno da comunidade que foram identificadas ao longo das entrevistas com
os integrantes do PUG-PE.
Figura 12 - O papel da “comunidade" na representação de uma totalidade
D - Demanda
D1 – Espaço dos hackers apaixonados pela tecnologia d4 – Onde são feitos os melhores programadores d1 – Espaço dos hackers apaixonados pela tecnologia d5 – Local de briga de egos dos programadores
d2 – Ambiente de Pessoas dispostas a ajudar d6 – vitrine para o mercado/sociedade
d3 – Onde se aprende a programar de graça d7 – Espaço de pessoas interessadas em divulgar o
Python
Fonte: Adaptado de Jeffares (2008)
Isso ocorre porque à medida que vão sendo inseridas novas demandas na cadeia de
equivalências representada pelo ponto nodal “comunidade bem sucedida” há a necessidade
de se estabelecer novas estabilizações, fundamentais para a articulação de uma completude
e manutenção da identidade do grupo. De acordo com Laclau (2000) a medida que vão
sendo adicionadas mais demandas a cadeia, o equivalente geral se torna menos particular e
se torna cada vez mais universal.
Sob essa lógica, as comunidades de desenvolvimento de software livre,como o
PUG-PE, se expandem para além das práticas de tarefas técnicas detalhadas e complexas
de programação para abarcarem outros domínios da vida e da criatividade, inclusive
D1
d1
d2
d3
d4
d5
dn
161
práticas que estão fora do domínio da programação com a emergência de várias
possibilidades de colaboração que tem a internet como o meio.
Howarth e Stavrakakis (2000) reforçam que o esvaziamento é uma qualidade
importante e condição de possibilidade fundamental para o sucesso da hegemonia. No
entanto, ao discutirem as condições requeridas para a produção de significantes vazios
escolheram as noções de “disponibilidade”, “agentes estratégicos” e “credibilidade”,
descriminadas nas figuras a seguir, como condições a serem satisfeitas para a emergência
dos significantes vazios. Para Jeffares (2008), essa questão é resultado de uma discussão
anterior de Laclau (1990) de que certos discursos precisam estar “disponíveis” e ser
“credíveis” se movimentos de agentes estratégicos estão para emergir e construir novas
ordens sociais.
A disponibilidade ocorre pela presença de significantes potenciais que podem ser
articulados (utilizados) por projetos hegemônicos do mercado e pelos defensores das
patentes de software. E o foco na disponibilidade indica que qualquer demanda que se
transforma num equivalente geral e depois num significante vazio irá se originar dentro do
campo e não fora dele como mostram os relatos a seguir:
Quase toda a minha rede de contatos profissionais veio da minha participação em
comunidades opensource principalmente esse de Python onde à medida que
ficavam mais ativos mais projetos me apareciam. E posso usar esses projetos
para botar em currículo. Algumas empresas a primeira coisa que querem saber é
que contribuições você já fez para algum projeto de software, e os projetos de
software livre são uma excelente oportunidade para fazer isso (E2 – referencia
5).
- A área, logicamente como tudo que envolve alta tecnologia, tem escassez de
mão de obra, a gente sabe que hoje a mão de obra é escassa e tá todo o mundo
atrás dessas comunidades porque sabem que lá estão os melhores (MC - § 10)
- Você tem a Globo que usa Python no Portal G1. Você tem o Google e ouvi
dizer que a Microsoft usa Python. Então é assim, como se trata de uma coisa
aberta é natural que esses caras usem também. Mas assim, é natural que
disponibilizem para a comunidade um pedaço daquilo sempre para o
desenvolvimento (MC - § 10).
Esses relatos mostram que os elementos articulados dentro da comunidade passam
a ser reconhecidos e requeridos por outras formações discursivas, como as empresas, que
162
passam a demandar profissionais com participação em projetos de software livre, a criarem
rede de contatos com as comunidades, para suprimento de mão de obra chegando a fazer
parcerias com comunidades de software livre, como fazem os administradores do portal de
informações da globo.com. Isso significa a presença de atores estratégicos que não só
reconhecem as cadeias equivalências existentes como também se esforçam para expandi-la
para além das fronteiras do grupo. Esse processo é feito por meio de escolhas estratégicas
que maximizem as demandas do grupo ou que projetam uma identidade coerente, como
mostra a figura a seguir:
Figura 13 - A operação dos agentes estratégicos
Fonte: Elaboração própria (2013).
No entanto, para que as pendências dos agentes estratégicos do PUG-PE tenham
êxito é preciso que as demandas se tornam credíveis. E essa qualidade das demandas do
PUG-PE pode ser medida pela capacidade de se tornarem em significantes vazios, Como
mostram as discussões de Griggs e Howarth (2001). A credibilidade do discurso do “open
source” não depende de provas ou de uma suposta racionalidade, mas sim nas afirmações
concisas, continuamente repetidas até ocuparem o inconsciente dos atores que estão
Agentes estratégicos - Irão atuar
estrategicamente pela hegemonização do terreno que habitam por meio de
projetos hegemônicos e irão articular
equivalências, e identificar e destacar
os inimigos e ameaças. Esforçam-se
para alcançar o êxito na construção de
uma identidade completa (Howarth and
Stavrakakis 2000).
No PUG-PE mesmo quando entrei tinha uma única empresa que mexia com Python. Hoje são umas 4 ou 5
empresas como pessoas do Grupo que estão mexendo com Python. Se o projeto vai para frente ou não, inclusive o
meu, é questão de negócio. Mas estou vendo que é uma tendência esses grupos fomentarem o empreendedorismo
Digital. Como são empresas de TI os custos de desenvolvimento dos projetos é muito baixo, como alugar um
servidor o custo é baixo, você não precisa alugar um escritório porque pode trabalhar em casa. Então estou vendo
aumentando muito essas startups que vem dessas comunidades de software livre [E2] - referência 5.
No caso do PUG-PE tivemos
uma pessoa muito chave que foi
Marcel que tomou a liderança,
gostava muito e outras pessoas
vieram apoiar ele. Hoje em dia
ele não precisa mais fazer isso porque ele já fomentou um
monte de pessoas ao redor que
hoje dois ou três pessoas
organizam dois ou três
encontros depois param para
fazer outras atividades e outros
assumem [E2] - referência 5.
Empresas já foram
criadas por gente do
PUG-PE. Gileno, por
exemplo, nos últimos três anos os contatos
profissionais dele foram
criados graças ao PUG-
PE. Ele está com uma
empresa com Marcel e
eles se conheceram no
PUG [E6] – referência 2.
163
expostos a esses discursos. Nesse sentido, tem pouca importância a significação original
do conceito. O discurso de “comunidade bem sucedida” pode significar qualquer coisa,
desde êxito econômico, profissional ou a riqueza do “networking” que a comunidade
possui.
No entanto, as aspirações utópicas do open source não são sinônimas de
credibilidade. É importante considerar o contexto, que no nosso caso coincide com o
período de 2007 a 2013, quando há um esforço para mover essa tecnologia das
universidades para o mercado, e há a necessidade de tornar o Python uma linguagem de
programação com o seu nicho no mercado. Isso demanda a articulação de uma serie de
stakeholders para que os projetos do PUG se realizem. Assim, a credibilidade de um
conceito não pode ser compreendida fora do seu contexto
Existem pelo menos quatro aspectos que ajudam a revelar a credibilidade dos
discursos que circulam dentro do PUG-PE: Fantasia Plena, Fantasia Renovada, Capacidade
equivocada e Legitimidade Renovada. A fantasia plena aparece na Figura 13 abaixo.
Figura 14 – Fantasia Plena
Fonte: Elaboração própria (2013).
Fantasia Plena – Os discursos do PUG-PE são
fantasmáticos como uma comunidade ainda por vir.
A fantasia é um apelo para a comunidade num
sentido de "Real" Lacaniano.
Foi provado que Python é ideal parasatisfazernão
só as premissas da empresa, como também a do
desenvolvedor moderno: robustez,
portabilidade e software livre.
Muitas empresas já conhecemas
vantagens de se utilizar Python e um exemplo disso
são as vagas disponíveis para desenvolvedores
Python [E9] – referência 6.
Um profissionalPython mostra muito mais do que
saber a linguagem. Ele mostra que está preparado
para o futuro e para as grandes mudanças,
significando que seu trabalho será de qualidade e
alto nível técnico, em um mundo que não estamos
mais aceitando padrões proprietários e linguagens
de um lado só (Revista EL - referencia4)
Se bem que uma questão de tecnologia ou outra
não faz diferença, o que importa são as pessoas
manterem essas idéias vivas e essa paixão pela
tecnologia nas comunidades [E2] -referencia 1.
Eu vejo que hoje uma comunidade opensource, do
século XXI é cada vez mais online, conectada em
rede de modo que você não tem mais aquela
sensação de Pernambuco, mesmo que a maioria
seja de Pernambuco ela vai se expandindo numa
malha sem fronteiras [E4] - referencia4 .
164
As fantasias articuladas suportam o projeto político e as escolhas da comunidade.
Ela visa, ao mesmo tempo, colocar o grupo com um discurso que os stakeholders desejam
se identificar, ao organizar os argumentos de forma que o que importa não é o seu valor
verdade, mas sim, porque, “se alinham as fantasias dos próprios atores expostos a tais
discursos”, como sugere Stavrakakis (2005).
Figura 15 - Fantasia Renovada
Fonte: Elaboração própria (2013).
E quando a fantasia dos atores é articulada juntamente com as fantasias da
comunidade se tornam fantasias repetidas. E a não realização dos projetos leva a que seja
impossível a completa realização da comunidade. A fantasia renovada também serve para
reacender algumas demandas que podem cair no esquecimento. Aqui o desafio passa a ser
como os atores podem voltar a articular tais demandas no projeto hegemônico do grupo.
A questão da articulação de demandas nos leva ao conceito de capacidade
equivocada. Se a credibilidade das demandas é relevante nesse processo articulatório, este
se revela equivocado, visto que se propõe, a partir de conceitos vagos e imprecisos, a
representar uma totalidade que não pode ser representada de forma direta. Ao se despojar
de conteúdos precisos e concretos permite a articulação de elementos que são heterogêneos
entre si, como mostra a figura 15 a seguir.
Fantasia
Renovada -
Quando a
credibilidade é
articulada como
uma fantasia
repetida. O não
alcance da
totalidade impede reiteradamente a
completa
realização da
comunidade
O conhecimento deve ser dividido. As comunidades de software livre vão
continuar existindo não somente pela questão do software em si, mas deve
continuar enquanto tiver aqueles que tiverem procurando pelo bem comum
[E5] - referência 2.
Dos anos 2000 para a frente a indústria potencial de jogos de tabuleiro se
tornou imensa. Então tinha muita vontade de fazer uma coisa diferente
tinha muitas outras pessoas querendo fazer coisas parecidas. E aí a
comunidade como o PUG só fez unir as pessoas. Como é que tinha uma
revista direcionada exatamente para aquilo que você gosta que tem um
cara no Vietnam que também faz a mesma coisa que você está fazendo
[E1 - referencia 1.
165
Figura 16 - Capacidade equivoca
Fonte: Elaboração própria (2013).
Alguns conceitos como “alcance mundial”, “comunidade fora do comum”, “mão de
obra altamente especializa” não são definidos pelo PUG-PE e isso permite que vários
stakeholders se identifiquem e adotem esses discursos. E o êxito dos elementos articulados
depende da legitimidade que pode dar uma identidade coerente a esses discursos. Isso
acorre porque outros campos discursivos atribuem uma face pública unificada ao PUG-PE.
Assim o estabelecimento do grupo acorre a partir do momento em que é reconhecida pelos
alunos como uma opção viável de complementação da sua aprendizagem acadêmica e um
incremento no seu currículo. A partir do momento que empresários, grandes corporações e
outras fontes externas atribuem uma identidade coerente e, portanto, legitimidade aos
Capacidade equivocada – Os discursos
do PUG-PE são credíveis pela
capacidade que tem de acomodar uma
serie de diferentes demandas dentro do seu conceito de open source.. E, ao
mesmo tempo em que se alia ao Python
Brasil e ao Python internacional mantém
as suas especificidades locais. O principal fato que me levou a participar foi querer aprender
as novas ferramentas. Por você ser estudante não tem dinheiro
para estar a pagar os cursos por aí, então na comunidade tem
pessoas dispostas a ajudar e você acaba conseguindo isso de
forma gratuita. [E2] - referencia 1.
A empresa que incentiva projetos open-source é bem quisto nas comunidades de software livre e as empresas
ganham certo respeito e, dependendo do tamanho da comunidade, isso pode dar uma certa visibilidade e ao
mesmo tempo mão de obra que ela consegue atrair, uma mão-de-obra especializada e promissora, aquela que é valorizada no mercado, que está com todo o fôlego para dar e as empresas estão procurando trazer. É uma mão
de obra altamente especializada, recém formada e de baixo custo e que as empresas facilmente transformam
em mão de obra de ponta [E4] - referencia 1)
Uma coisa particular da comunidade Python que ai me
chamou atenção e desde então decidi contribuir com Python é
porque, como te falei, Python é uma linguagem muito voltada
ao software livre ela conseguiu criar um regimento de
comunidades fora do comum e é por isso que a linguagem
vem evoluindo bastante nos últimos 8 anos [E8] – referência
4.
E todo esse intercâmbio é graças a internet. E ainda tem o Python Software Foundation que patrocina o
Python Brasil. É uma cadeia, um negócio impressionante. E essa ligação, esse elo que é interessante. Você
tem comunidades, comunidades locais na Europa, nos Estados Unidos, tem na China. Então você que é um
Desenvolvedor Python daqui pode estar participando de um evento de Python nos Estados Unidos, na China.
Então essa coisa que tem um alcance mundial é legal e isso me despertou o interesse pela linguagem
Python [E4] - referência 1.
166
projetos do grupo, é sinal de que os agentes estratégicos tem sido bem sucedidos em
articular os significantes vazios e, nesse sentido, em construir o discurso do PUG-PE. Esta
observação é importante para a nossa análise porque a partir do momento em que se
legitimam os discursos tendem a se fortalecer e passam a ser pouco questionados. A figura
16 abaixo traz alguns exemplos de como esse discurso se legitima a partir do seu
reconhecimento pelos stakeholders.
Figura 17 - Legitimidade Renovada
Fonte: Elaboração própria (2013).
Na questão da constituição da legitimidade mostramos tanto as falas dos atores
como dos atores externos ao PUG que já acessam diretamente o grupo a procura de
tecnologia Python. E a legitimidade maior vem justamente dessas fontes externas que,
posteriormente são usados pelos agentes estratégicos como elementos para a sua expansão
Legitimidade Renovada – É a legitimidade
que vem de fontes diferentes com o passar
do tempo. É dado por identidades externas
que atribuem ao PUG-PE uma identidade
coerente.
Os alunos que não interagem em comunidades vêm
muito a mim perguntar as coisas, empresas me procuram
antes de terminar o curso só porque eu participo
ativamente dessas comunidade [E3] – referência 7.
Tenho um colega que recentemente participou de um processo seletivo e ai ele mandou o currículo dele e,
especificamente, a única que chamou atenção deles foi
ele ter participado de um projeto open source que era
do PUG-PE. Ele até veio me agradecer depois “pó,
Marcel, valeu cara” por ter participado e dado aquela
contribuição. Eu vejo uma tendência maior das
empresas procurarem o que você contribuiu com
comunidades de software livre, certo? [E1]
Hoje tive a oportunidade de apresentar um
dos projetos que estou envolvido que é a
rede social para concurseiros. Até passar por
um time de empreendedores e investidores
da IBM SmartCamp. Foi uma excelente
experiência, pois pude conhecer diversos
outros projetos aqui em Recife com muito
potencial com grande potencial e muita
startup ai com extremo potencial. E assim o PUG-PE vai progredindo! A jornada é
árdua, mas é proveitosa: D. [Lista de
discussão]
Boa noite.
Busco pessoas interessadas em desenvolver (de forma
remunerada) Software Livre. Faço parte de um
projeto chamado chimera que visa desenvolver um
código aberto para controle de telescópios
robóticos.Necessitamos pessoas com experiência na contribuição para projetos opensource (uma lista de
projetos onde contribui é o melhor currículo) e que
estejam dispostas a dedicar tempo à construção de
módulos para este software. O projeto é financiado
pelo CNPq e FAPESP e será oferecida remuneração
para desenvolvimento de módulos do software. [Lista
de discussão].
Pessoal, Sou Gestor da área de desenvolvimento da Globo.com, e estamos
procurando bons pythonistas.Não vou me
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[Lista de discussão].
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167
hegemônica. As figuras13, 14, 15 e 16 mostram que a credibilidade é relevante para o
sucesso dos discursos articulados. Uma vez que o discurso do PUG-PE concorre com
outros discursos é importante que as demandas que justificam sua constituição discursiva
se tornem possíveis pela na prática articulatória a partir da formação de cadeias
equivalenciais e significantes vazios que possam ser julgados positivamente pela sua
credibilidade. O discurso do “open source” representa a fantasia do PUG-PE como uma
comunidade que alcança seus objetivos plenamente numa sociedade interconectada em
rede de base informacional e que carrega certa legitimidade por forjar o discurso de
“comunidade bem sucedida”.
Resumindo, o PUG-PE constrói uma linguagem que na prática articulatória
configuram significantes vazios como “open source” e “comunidade bem sucedida” que
possam ser articulados por projetos hegemônicos concorrentes. As empresas que operam
na lógica do software proprietário e legisladores de patentes podem anunciar também esses
conceitos porque oferecem margem para a adição dos seus próprios significados. Aqui
temos de destacar o papel dos agentes do grupo que conseguiram articular demandas
credíveis que passam a representar o grupo e, ao mesmo tempo, interpela a linguagem dos
sujeitos empresarias e os sujeitos do direito através de processos discursivos que criaram
estereótipos para os usuários/desenvolvedores de tecnologias open source.
Esse quadro é elucidativo das formas como os significantes vazios operam, e o
próprio fracasso, ou não fechamento, em definir “comunidade de desenvolvimento de
software livre” desde os anos 70 é que tem permitido que lhe sejam aplicadas várias
interpretações. Isso permite que em Recife, um agente estratégico se utilize desse
significante para preenchê-lo com as suas demandas específicas.
É interessante notar que entre as particularidades de Pernambuco, que se posiciona
no mercado nacional de TI como lócus de inovação, empreendedorismo e mão de obra
168
especializada,está o cluster de TI, Porto Digital, um arranjo produtivo de tecnologia da
informação e comunicação e economia criativa. Assim, a imprecisão e a pouca
determinação institucional do significante vazio, nesse caso, são a condição necessária para
a construção do discurso performativo do PUG-PE para arregimentar essas especificidades
locais.
5.4 Considerações
O discurso do PUG-PE enfrenta um processo continuo de ameaças e oportunidades de
demandas contingentes e antagônicas. Este capítulo tentou explorar como os discursos do
PUG-PE articulam as demandas internas e externas por meio da articulação dos
antagonismos, hegemonia e significantes vazios.
As cadeias articulatórias se desenvolveram a partir da fixação de um ponto nodal de
onde emanaram as lógicas discursivas do antagonismo, hegemonia e significantes vazios.
Os antagonismos se revelaram a partir da identificação do modelo de negócio atualmente
dominante no mercado que representa uma ameaça ao SLCA e aos mecanismos de
produção peering no PUG-PE. A ameaça é identificada como a possibilidade de o
conhecimento se tornar uma commodity, geradora de patentese transformar o
desenvolvedor em mais uma peça que se encaixa no sistema das empresas. Essa lógica,
aparentemente, restringiria o tipo de atuação voluntária e passional que os usuários e
desenvolvedores nutrem pelo Python. É a partir dessa dispersão de antagonismos e de
diferentes demandas que se pode compreender os processos de articulação hegemônica, ou,
nos termos de Mendonça e Rodrigues (2008, p.30), os “discursos de unidade, mas unidade
de diferenças”. As citações demonstram a hegemonia do discurso do “open source” e de
“comunidade bem sucedida” que acomodam demandas mutantes em torno da comunidade
e dos seus atores.
169
O renascimento a partir de 2010 é baseado em equivalências que preservam um
sentido de atores compartilhando experiências, projetos que tem como base a tecnologia
Python e sua disseminação no estado de forma a se tornar um player importante no cenário
de TI de Pernambuco. Essa opção estratégica é baseada mais no discurso de maior
eficiência técnica e econômica do open source do que um modelo de trabalho voluntário da
era do capitalismo cognitivo.
Nesse processo as diferenças vêm a permitir que a prática articulatória, de forma
precária e contingente, expresse sentidos comuns aos atores integrantes do grupo, e dessa
forma, constituem uma cadeia equivalencial que particulariza o PUG-PE frente a outras
comunidades e tornam claras as motivações políticas para proteger e fortalecer a
comunidade. O fortalecimento e expansão da comunidade ocorrea partir do momento em
que se constitui como objeto discursivo desejável de identificação. Isso acontece porque a
fantasia aqui vai atuar como a lógica estruturante da multiplicidade de demandas existentes
em torno do grupo. Isso ocorre porque as liderançasdo grupo constroem uma identidade
ilusória completa, que permite a adesão de empresas, estudantes, profissionais de TI e
curiosos por meio de atos de identificação, permitindo a expansão da hegemonia.
Esse processo de expansão da hegemonia se dá por meio da constituição dos
significantes vazios que permitem a adição de novas demandas que vão adulterando os
sentidos dos discursos adotados pela comunidade, como o discurso da “ética hacker” e
“open source” quando são articulados com demandas referentes mão de obra especializada
em python, propagação da tecnologia python no estado e de parceiro inovador das
empresas. E à medida que a cadeia equivalencial se expande por meio dos significantes
vazios, adquire uma feição mais universal.
170
6 A INOVAÇÃO COLABORATIVA CENTRADA
NA COMUNIDADE.
A literatura vigente em inovação aberta, sobretudo aquela produzida por autores
como Chesbrough (2011), von Hippel (2005), Helfat (2006), Laursen and Salter (2006)
tem produzido um arcabouço conceitual que define e classifica diferentes dimensões de
abertura “openness” no nível da firma e, geralmente, a partir de interações díadicas. Isso
se justifica porque o conceito é um esforço para entender o processo pelo o qual as firmas
cada vez mais procuram recursos e idéias fora das suas fronteiras para a inovação. No
nosso caso, o PUG-PE se esforça para se colocar estrategicamente como uma opção
externa viável para as empresas, ou seja, como um input. Os economistas justificam essa
tendência das empresas pela crescente redução dos custos de transação propiciada pela
economia de rede.
No entanto, este estudo se enveredou por um caminho contrário, ou seja, pelo
reconhecimento do papel das comunidades na criação e disseminação de inovações
tecnológicas. Nessa lógica aparece o papel dos usuários de tecnologia na criação de
inovações funcionais, como constatado num estudo pioneiro de von Hippel (2005). O
relativo sucesso do movimento open source começa a chamar atenção das empresas que
procuram colher benefícios das comunidades ou as comunidades começam a voltar contra
as empresas ou a trazer dificuldades, como mostra o estudo de Mollick (2005). Os conflitos
entre empresas e comunidades é algo pouco estudado e a teoria do discurso pode trazer
bons insights a respeito.
Quatro mudanças ajudam a explicar a emergência do processo de inovação aberta
com base em comunidades. Em primeiro lugar a inovação aberta reflete mudanças sociais e
econômicas nos padrões de trabalho, a partir do momento em que estudantes e
171
profissionais passaram a construir carreiras próprias, em vez de um trabalho com um único
empregador a vida toda. Assim, as organizações precisam encontrar novas formas de
acesso aos talentos que podem não querer ser empregados exclusivos. Em segundo lugar, a
globalização ampliou a extensão do mercado que permite uma maior divisão do trabalho.
Em terceiro lugar, o mercado melhorou certas instituições, tais como direitos de
propriedade intelectual (DPI), capital de risco(venture capital), e padrões de tecnologia
para permitirem a organização de comércio de bens simbólicos. Em quarto lugar, as novas
tecnologias permitem novas formas de colaboração e coordenação em que o usuário passa
a ter condições de exercer o papel de produtor e se organizarem em comunidades próprias.
A Comunidade PUG-PE quer se projetar como um lócus de inovação quando se
posiciona como porta voz da linguagem de programação Python que agrega profissionais,
entusiastas e acadêmicos que desenvolvem soluções em nichos como a Web, sistemas
embarcados, computação científica, etc.
Figura 18 - A lógica de inovação aberta do PUG-PE
Fonte: Elaboração própria (2013).
172
A figura 18 é uma atualização do modelo de três hélices de inovação que aqui se
revelou tendo 5 hélices. Mas o entendimento essencial disso, a semelhança do estudo de
Leydesdorff (2012), é que quem quer inovar (e freqüentemente, a partir daí, empreender)
tem que entrar num processo articulatório que envolve múltiplos atores e, além disso,
múltiplas demandas que precisam ser adicionadas a cadeia equivalencial construída. Nesse
sentido, é fundamental que os usuários e desenvolvedores sejam portadores de um discurso
que os stakeholders estejam dispostos a se identificar, e não somente esperar que a
existência das potencialidades da internet seja a condição necessária para se posicionarem
estrategicamente nesse cenário.
A partir disso, o modelo de Slappendel (1996)que sistematiza o processo de
inovação que se irradia das comunidades fica claro que não é o modelo estrutural, centrado
nas organizações, o modelo individual, centrado no lado da demanda e nem o modelo
interativo, um vez que não conseguem sair de uma visão de mundo limitado pela visão da
firma para explicar os processos de inovação emergentes, em que as novas TICs permitem
que as informação antes tidas como acadêmicas e científicas, estejam publicamente
disponíveis.
Ao serem escolhidas as comunidades, vieram à tona as lacunas dessas abordagens
de inovação que tendem a ter como foco os centros de P&D das empresas que dependem
de grandes insumos das empresas, dos governos e de programas de pesquisa de longo
prazo da academia, além de um grande esforço de investimento para chegarem ao
mercado.
A inserção das comunidades nesse contexto criando uma base para “comunity-
driven-innovation”, ou inovação centrada e puxada pelas comunidades inclui: o
conhecimento das comunidades de usuários e desenvolvedores de projetos open source, no
173
nosso caso, o potencial de inovação inscrito neles; as startup que emergem a partir de
iniciativas de integrantes dessas comunidades.
Mas, acima de tudo, destacar essa abordagem de inovação que vem de baixo para
cima, perto da demanda, enquanto os modelos anteriores como o triplo X ou as abordagens
sintetizadas por Slappendel (1996) tendiam sempre a ficar perto do modelar a oferta. Nesse
sentido, a inovação pelo uso associada com uma tecnologia aberta traz em si as condições
de inovar, um elo tradicionalmente negligenciado da cadeia de geração de valor, ao inserir
o usuário programador dentro do processo de representação da inovação.
Mas, ao adotarmos uma abordagem pós-estruturalista, cujos estudiosos tentam
entender a série de estruturas em crise da sociedade contemporânea, não temos a intenção
de propor um modelo fechado, uma vez que outras demandas discursivas não cessam de
emergir, é condição suficiente para rediscutirmos e atualizarmos as abordagens vigentes.
Isso sugere o surgimento de modelos generalizados de “n” atores envolvidos que explicam,
a partir de determinado centro, o funcionamento dos sistemas globais, nacionais, regionais,
locais e individuais de inovação.
Sob essa lógica, a nossa proposta de tese reside em representar uma ação específica
expressa no contexto local protagonizado pelo núcleo de soluções criativas, o PUG-PE. A
emergência de comunidades dessa natureza nos instigou a compreender as conexões desse
fenômeno com o capitalismo de base informacional e a reconhecer como esses coletivos
formados por especialistas em softwares são essenciais para a geração de soluções para os
problemas típicos do capitalismo cognitivo.
Para compreender esse fenômeno pode-se levar em conta que o PUG-PE está em
um ambiente fomentador de inovação com as novas TIC. Neste aspecto, podemos citar o
Porto Digital que a excelência nos produtos e serviços oferecidos, trabalha em equipe e
busca formas criativas de motivação para o trabalho. Todos esses elementos já são
174
estrategicamente articulados no discurso do grupo que, desse modo, pode se posicionar
como um ator relevante nesse processo de geração de soluções inovadoras para as
empresas e outras organizações inseridas nesse contexto.
Nesse em especial podemos teorizar que determinado setor será tão mais criativo
(medida pela capacidade de criar startups, criar parcerias com empresas e universidades)
quanto maior for o número de comunidades engajadas e adotantes de determinada
ferramenta tecnológica. É isso que o PUG-PE pode representar para o cenário de inovação
e tecnologia, no que concerne as empresas locais. Portanto, as oportunidades de negócio
com os Portos Digitais, e arredores, serão maiores quanto mais expressivo o número de
usuário Python. Isso fomenta a diversidade, sofisticação, penetração e conectividade dos
membros do PUG nesse cenário.
175
7 RETORNANDO AS INDAGAÇÕES ORIGINAIS
Esta conclusão está dividida em cinco partes. A primeira resume o argumento do
estudo de caso e a segunda retorna à questão de como a produção de inovações com
software livre em comunidades open-source é construída discursivamente pelo PUG-PE?
A terceira seção apresenta a contribuição da tese, na quarta, refletimos sobre o processo de
pesquisa, as limitações da nossa abordagem e,expomos, como pode ser promovido como
um projeto intelectual.A quinta parte é uma síntese de algumas adaptações organizacionais
mais propícias as comunidades, de forma a potencializar os processos de inovação.
7.1 Síntese do argumento primordial da tese
Nos capítulos 4 e 5 aplicamos a teoria do discurso a um estudo de caso de uma
comunidade de desenvolvimento de software livre. Começamos por desenvolver um
entendimento compreensivo e qualitativo do discurso estratégico da comunidade de 2007 a
2013. Estávamos interessados nos discursos articulados ao longo do processo de
construção identitária da comunidade estruturada por meio da identificação dos
equivalentes gerais e a operaçãodos significantes vazios no discurso do “open source” e de
“comunidade bem sucedida”. Os tópicos de cada capítulo estão focados nos diferentes
aspectos desse processo de construção.
O discurso do open source se mostra vulnerável a eventos contingentes e demandas
antagônicas, o que indica como os atores, a partir de estratégias de reiteração do discurso
de “comunidade bem sucedida”,é possível a identificação da criação de um ponto nodal de
onde outras demandas seriam articuladas, expandindo a cadeia equivalencial, como mostra
o capítulo 4. O capítulo 5 abordou a questão focal de como essa construção discursiva de
176
produção de inovação a partir de comunidades open source é significada pelo PUG-PE,
explorando como essas demandas se tornam equivalentes gerais e significantes vazios.
A relação entre esses discursos que circulam no PUG-PE, durante a nossa fase de
pesquisa, tinham uma estabilização precária, mas as entrevistas analisadas, os vídeos do
grupo e trechos da lista de discussão revelaram relações antagônicas com os discursos que
defendem a lógica proprietária, o patenteamento de software nos moldes da economia
industrial e as restrições existentes na empresas que limitam as potencialidades de
inovação com SLCA. A abordagem teórica auxiliou na compreensão das relativas
estabilizações discursivas existentes como sinal de articulação hegemônica e do modo
como tal articulação é fundamental para a constituição identitária do grupo.
Neste capítulo exploramos ainda a emergência dos significantes vazios. Mostramos
os “tipos” discursivos identificados como demandas retóricas que os atores começaram a
usar estrategicamente a partir de 2010, e não cessam de receber novos significados por
causa do processo contínuo de adição de novas demandas. Nesse processo, a questão da
credibilidade é fundamental para o êxito desse projeto. Ali mostramos que essa
credibilidade pode ser entendida de 4 formas: como fantasia plena, fantasia renovada,
legitimidade renovada dos eventos e atores envolvidos e a capacidade equivocada que
desenha algumas fronteiras.
Em resumo, este estudo teve como objetivo explanar as estratégias de construção
do discurso do PUG-PE por parte dos seus integrantes. São desenvolvedores e usuários de
SLCA que querem colocar a produção coletiva, imaterial e desenvolvida em fluxo da
comunidade no circuito de produção de inovação tecnológica do estado, mas sem se
sucumbirem a lógica estrita de inovação linear do mercado e o regime de propriedade
intelectual vigente. Na prática, a questão primordial do debate reside em construir um
discurso que efetive métodos de concepção e desenvolvimento de idéias inovadoras que
177
permitam a incorporação da perspectiva do que estamos denominando de o
usuário/desenvolvedor.
Essa demanda resultados avanços contínuos das tecnologias de informação e
comunicação que trazem, em si, as condições de inovar, colocando o utilizador de
determinada tecnologia como um agente cada vez mais relevante. No entanto, esse
discurso tecnológico precisa ser articulado com outras demandas de forma a produzir uma
cadeia equivalencial e significantes vazios que permitam a agregação de outras demandas
aumentando as chances de êxito da comunidade de desenvolver suas atividades inovadoras
de modo a beneficiar os seus stakeholders.
7.2 Uma volta à questão da construção discursiva do
PUG-PE
Aqui recapitulando a questão norteadora do estudo de como a produção de
inovações com software livre em comunidades open-source é significada pelo PUG-PE,
procuramos entender esse processo de construção a partir da articulação dosdiscursos de
antagonismos, hegemonia e significantes vazios. Assim sendo, nosso esforço investigativo
foi norteada por duas questões secundárias: Como se revelam as hegemonias e
antagonismos em torno do processo deprodução/consumo do software livrecomo bem
simbólico?Como ocorre a constituição dos significantes vazios no processo inovador do
software livre?
Para responder a essas questões a tese começa expondo os limites das teorias de
inovação vigentes no campo da administração que não levam em conta o usuário final no
processo de geração de valor para o capital, uma vez que não atentam para a lógica
emergente de produção que ocorre em função do fluxo contínuo entre atividades de
178
produtor, distribuidor e intermediário, no âmbito das práticas de produção e consumo de
bens simbólicos.
Nesse aspecto, o PUG-PE aparece como entidade composta de indivíduos auto-
motivados que dispõe de uma retórica de empoderamento e personalização das demandas
do usuário a partir de um manancial de inovações que tendem a protagonizar tensões e
aderências com a lógica hegemônica do mercado. Mas, a nossa proposta de pesquisa não
foi na direção de analisar esse embate discursivo, no sentido de identificar as razões e
objetivos de cada um numa disputa por hegemonia. Em vez disso, buscamos compreender
os posicionamentos e argumentos que vem sustentando o grupo em sua suas inter-relações
internas e externas.
A teoria do discurso de Laclau e Mouffe é um interessante meio para a análise e
compreensão da constituição discursiva desse grupo que vive uma relação de amor e ódio
com o mercado, além de permitir uma interpretação das razões do PUG-PE nesta disputa
por hegemonia. Assim, concluímos que a teoria do discurso tem o potencial de responder
bem a cada aspecto chave desta tese.
O primeiro aspecto chave tratado foi mostrar os limites do modelo de inovação
centrado na manufatura, no qual as empresas lançavam mão de patentes, copyrights e
outras medidas de cerceamento do conhecimento para “evitarem o parasitismo sobre os
seus investimentos em inovação” (VON HIPPEL, 2005, p.64). Hoje,com o avanço das
novas TIC, os usuários têm o potencial de desenvolver soluções perfeitamente adequadas
para as suas necessidades e, não menos importante, podem se beneficiar de inovações
desenvolvidas e livremente compartilhadas por outros. Como resultado, essa lógica
emergente que democratiza a inovação aplicada a produtos informacionais como o
software, entra em tensão com firmas e indústrias que ainda não estão conseguiram
179
desenvolver um sistema de remuneração plenamente adequado e esse novo cenário do
capitalismo cognitivo.
A literatura revisada também não acompanhou essa mudança de cenário, agora
emoldurado pela economia política dos bens simbólicos. Permaneceu regulada pelo
reducionismo temático e entendendo o conhecimento como um recurso neutro no processo
de inovação. Portanto, o ato de deixar de lado os aspectos políticos faz com que não
consigam captar as tensões que advêm do suporte das novas TICs aos novos processos de
inovação e modelos de negócio, nem o trade off existente entre o estímulo a inovação por
meio de propriedade intelectual, como é o caso do LIT, nem o estímulo a inovação por
meio de concessão de maior liberdade de circulação de informação e conhecimento na
rede.
O PUG-PE, assim como outras comunidades open source, estão inseridos num
cenário onde esses embates discursivos ocorrem e circulam e, no seu processo de
constituição e significação da produção de SLCA acabam lançando mão desses discursos
para constituir seus argumentos e se posicionar nesse campo. Nesse sentido, a teoria do
discurso oferece unidade na análise das demandas e dos discursos. O foco do estudo foram
as estratégias discursivas utilizadas pelos agentes para a constituição do PUG-PE como
uma entidade plena. Dentre essas estratégias temos a constituição de algumas equivalentes
gerais que ganharam notoriedade, e, portanto, se tornaram hegemônicas e em significantes
vazios que reiteram esse discurso. E o estudo do caso do PUG-PE foi para elucidar como,
em meio a um cenário de tensão discursiva, os discursos de ameaças e equivalentes gerais
tornam o grupo o que ele é.
A teoria do discurso é estruturalista, na medida em que reconhece que toda prática
social tem lugar dentro das estruturas de significado, e, também, é pós-estruturalista na
medida em que diz que todas as estruturas, não importa quão estáveis sejam, são
180
vulneráveis aos deslocamentos por causa da presença do “outro” socialmente antagônico.
No estudo de caso do PUG-PE isso foi demonstrado, pelo foco sobre a hegemonia do
discurso do “open source” e de “comunidade bem sucedida” que ao mesmo tempo em que
eram estruturas de significação também são estabilizações precárias expostos a
movimentos antagônicos.
Ao longo dos capítulos deste estudo de caso discutimos, reiteradamente, os desafios
enfrentados pelos usuários/desenvolvedores do PUG-PE, cujas identidades dependiam do
fortalecimento do discurso de “comunidade bem sucedida”. Mostramos como os
significantes vazios ajudaram no processo de estabilização do discurso e, particularmente,
na suavização dos antagonismos potenciais entre as exigências e demandas contrastantes
dos integrantes do grupo. Em paralelo, as narrativas fizeram o papel da ponte que faz a
coalizão dos discursos criando uma afinidade discursiva compartilhada.
Para a teoria do discurso as lógicas importantes são de equivalência, diferença e
fantasia. Através da lógica da equivalência como o discurso do “open source” é possível
juntar uma serie de equivalências entre conjunto heterogêneo de demandas (ou os atores
que proferem essas demandas). Os significantes vazios, através de lógicas de diferença e
fantasia, reforçam as fronteiras do grupo. Os dados empíricos coletados mostram como os
atores usam dos significantes vazios para criar uma identidade coletiva. Por exemplo,
mostramos como o conceito de “comunidade” tem funcionado como equivalência no PUG-
PE, apesar de não haver um consenso em torno deste ao longo dos anos e dentro do próprio
grupo. Este é um exemplo de como a imprecisão e a pouca determinação institucional do
significante vazio, é útil para suplantar as diferenças.
Por esse motivo, nem todos aqueles que compartilham o uso de certa retórica
devem ser entendidos como parte de uma coalizão discursiva. O símbolo de "open source"
181
tem uma série de interpretações, algumas das quais mantiveram suas origens particularistas
dos ativistas hackers do início da década de 70.
Essa discussão nos levou a concluir que ao discurso da “ética hacker” e da
“governança bazar” do início da década de 70 foi acrescentado o discurso que Stephani e
Freeman (2011, p. 98)descreve como de "empreendedores independentes" buscando
encontrar uma"Comunidade colaborativa" de usuários e co-desenvolvedores para seus
próprios projetos e tecnologias”.
A teoria do discurso entende os esforços (sempre fracassados) dos atores em
definir uma identidade estruturada como a tentativa de forjar, manter e proteger essa
identidade. As idéias e conceitos em torno dos quais os usuários/desenvolvedores do PUG
concordam e discordam irão se modificar continuamente para integrar e absorver as
demandas hegemônicas contingentes.
Visto isso, a teoria do discurso acrescenta a exigência dos atores articularem
ativamente demandas que possam se tornar hegemônicas e significantes vazios depois de
uma série de exigências. Mesmo assim, para que os atores notem os potenciais destes
equivalentes gerais julgam a demanda pela sua disponibilidade, a ação dos agentes
estratégicos e credibilidade
Sugerimos, através do caso do PUG-PE, que o discurso do “open source” era
credível porque representava a fantasia das comunidades de software livre e das empresas
que valorizam esse modelo de produção de software. Devemos notar que o discurso do
“open source” em torno do Python traz consigo o peso da legitimidade pelo seu uso por
empresas como a Globo.com e o Google, que tem ajudado no fortalecimento e expansão
dessa linguagem de programação patrocinado eventos e contratando profissionais
diretamente do PUG-PE.
182
A hipótese central do estudo, apresentada na introdução, diz que o discurso do open
sourceé uma de forma apelar aos usuários e desenvolvedores para exercerem a sua paixão
pela tecnologia e aperfeiçoar suas habilidades e competências como usuários e
desenvolvedores. Esses incentivos aumentariam o alcance do projeto do grupo junto aos
seus stakeholders e, sendo assim podem vir a competir com a produção distribuição
comercial ao criarem suas próprias start ups.Nesse sentido, constitui-se uma cadeia
equivalencial e de significantes vazios onde o interesse particular do grupo justifica o tipo
de relações que se estabelece entre os usuários/desenvolvedores e destes com o mercado.
Desse modo, a hipótese central apresentada se confirmou na medida em que, no
desenvolvimento do trabalho de pesquisa, os sentidos foram confirmados a longo das
posições assumidas pelos discursos apresentados. Esta comprovação apresenta-se
fundamentada, salvo poucas exceções, em um viés político ideológico centrado nas tensões
em torno da circulação dos bens simbólicos no capitalismo cognitivo e ao modelo de
produção de software em comunidades open source. Esse fato, sempre aparece
subordinado aos interesses dos momentos equivalenciais na cadeia discursiva pesquisado..
7.3 Contribuições do estudo
Com esta tese oferecemos contribuições relacionadas à aplicação da teoria do
discurso a questão da construção discursiva de uma comunidade open source, o
desenvolvimento e aplicação empírica da teoria do discurso e a oportunidade de entender
os projetos de software livre como uma construção política e socialmente localizada,
suplantando as abordagens ideacionais como a de “governança bazar” de Raymond (2000)
e “ética hacker” de Himanen (2001)
A primeira contribuição do estudo reside na tradução dos conceitos da teoria do
discurso em um arcabouço conceitual que nos permite questionar o discurso do SLCA e os
183
equivalentes gerais. Os principais argumentos de Laclau e Mouffe em torno do discurso,
hegemonia, antagonismo, deslocamento e o sujeito dividido fornecem uma explicação
abrangente do mundo social e político. No entanto, foi necessário adaptar esses
argumentos-chave em uma moldura conceitual para entender as significações atribuídas a
um processo de constituição discursiva da comunidade.
Além disso, conseguimos trazer alguns entendimentos sobre o processo de
produção de software em comunidades abertas, as estratégias adotadas e os discursos que
regem equivalentes gerais e podem representar a diversidade de pedidos dentro do discurso
de PUG-PE.
Além disso, demonstramos como atores estrategicamente colocados promoveram
estes equivalentes gerais ao longo do tempo, podendo vir a se tornaram significantes
vazios. Mostramos como um significante vazio, como o open source consegue forjar
alianças, mascarar diferenças e se defender contra os deslocamentos. Além disso,
mostramos como as tensões e lutas para hegemonizar determinado significado será um
processo contínuo.
O desenvolvimento da teoria do discurso não pode ser somente um processo da
filosofia. Há um número crescente de estudos desenvolvendo a teoria do discurso através
de um processo de aplicação empírica. De qualquer forma, essa tese pode ter contribuído
nesse sentido, ao mostrar como certa demanda torna-se uma cadeia de equivalência
tornam-se significantes vazios.
A posição de partida para esta tese foi o acordo estabelecido entre os
usuários/desenvolvedores para a constituição política do grupo, em vez de antagonismo em
relação ao outro constitutivo. Isso foi marcada no início do trabalho de campo com a busca
dos discursos que circulavam dentro do PUG.
184
Este projeto, de certa forma, atende a uma sugestão de Torfing (2005) de que a
teoria do discurso deveria ser aplicada a temas concretos, nesse caso, a construção
discursiva de uma comunidade as novas estratégias políticas de inovação. Esta tese
reconhece que a teoria do discurso explica a constituição discursiva de uma comunidade,
como também é adequado para problematizar o consenso.
Finalizando, a teoria do discurso permite ver as tensões, conflitos e mudanças
constantes que fazem parte do processo de inovação dos interagentes inseridos nas
organizações, dando um passo além dos reducionismos das determinações estruturais,
como as leituras economicistas pautadas unicamente pela lógica do mercado, deixando de
lado a lógica do social e do político. Além disso,a teoria do discurso permite questionar as
visões utópicas das novas tecnologias da informação e comunicação que tendem a anunciar
uma nova época de transformação benéfica para a sociedade, colocando esse discurso em
perspectiva e enxergando as demandas particulares que encobre.
A teoria do discurso também fornece a oportunidade de entender os projetos de
software livre como uma construção política e socialmente localizada, abordagem ainda
ausente nos escritos acadêmicos e nos discursos das comunidades de desenvolvimento de
software livre. Paralelamente permite pensar a inovação como um processo relacionado
com questões de disputas políticas e estratégias discursivas.
Os exemplos desta tese podem dar pistas de como os analistas de discurso podem
querer começar a fazer perguntas do tipo.
Como a hegemonia e os significantes vazios tornam esse discurso possível?
Qual a origem particular do conceito de “open source” antes de se virar um
cadeia de equivalências?
Porque determinada demanda é um equivalente geral credível?
Porque certos discursos se tornam determinantes?
185
Qual é o status de quem promoveu determinada particularidade antes que se
torne um equivalente geral? Que Identidade é dependente deste discurso do
“open source” e “comunidade bem sucedida”?
Que discursos são priorizados (e marginalizados) em decorrência do
estabelecimento de determinada cadeia equivalencial?
Que projetos são possíveis como resultado de um discurso que se torna
hegemônico e significante vazio?
7.4 Reflexões e limitações
A teoria do discurso revela a motivação subjacente de um projeto de pesquisa que
reside em articular uma série de entidades díspares como equivalentes, marcar os outros
como diferentes e disfarçar a falta que impede a sua plena realização com lógica da
fantasia plena. E por responder a uma significação de processo de constituição discursiva é
um projeto que marca o início e não o fim.
O caso do PUG-PE revela atores engajados na articulação de um projeto
hegemônico ao longo do tempo, e os esforços para evitarem deslocamentos. No entanto,
este estudo de caso não apresentou deslocamentos no sentindo de uma reorganização
completa do discurso do open-source. Os dados não foram suficientes para documentar
plenamente o processo de se tornarem hegemônicos, tarefa que requeria uma pesquisa
longitudinal.
Esta aplicação foi uma maneira de mostrar como os analistas podem identificar
discursos de antagonismo, hegemonia e significantes vazios que dão coesão a cadeia de
demandas que constituem o discurso do PUG-PE. No entanto, em última análise, este é um
caso. Esforçamos para mostrar que esse não é um caso típico, apesar de algumas
186
similaridades apresentadas em relação a outras pesquisas, ou que resultados podem ser
generalizados para outras comunidades ou contextos políticos.
Em vez disso, entendemos que os estudiosos devem continuar a aplicar estas
questões e categorias para outros contextos. As comunidades se mostramadequadas para
este tipo de investigação, uma vez que são liderados pela hegemonia ao invés de
deslocamentos. Pesquisas futuras devem continuar a desenvolver a teoria do discurso como
forma de problematizar os processos de constituição discursiva, além de compreendera
formação de comunidades e outros agrupamentos sociais.
Há perguntas sobre o quanto os assuntos tratados pelo pesquisador são relevantes.
Alguns poderiam dizer que o pesquisador enviesa a pesquisa, trazendo com ele uma série
de maneiras de ver o mundo e discursos que o determinam. Os discursos que encontramos
em nossa pesquisa pertencem à pesquisa. Pode ser que fizéssemos um exercício para ver se
os entrevistados reconhecem o discurso. Essa verificação envolve voltar aos entrevistados
para ver se eles vêem na análise alguma “verdade”. Mas pode-se questionar se são capazes
de sair de suas limitações estruturais e dar uma visão geral dos discursos que os
constituem. Entendemos que esse processo é difícil, e o que importa é a forma como a
identificação dos discursos que regem determinados grupos leva a novas perguntas, que
podem ser feitas num estudo de caso, e problematizar os discursos antagônicos,
hegemônicos e significantes vazios.
7.5 Novos rumos nas formas de organização e gestão
de comunidades
As comunidades dependem fundamentalmente dos indivíduos que dela fazem parte,
mais do que os seus aparatos tecnológicos e de infra-estrutura para a realização de
inovações. Nesse sentido, torna-se necessário a adoção de processos inovadores
distanciados da rotina organizacional tradicional, desenvolvendo um ambiente criativo
187
alheio a tarefas administrativas clássicas e a forte divisão do trabalho, permitindo a criação
de novas idéias. Nesse sentido, as regras, os regulamentos, as estratégias de governança
precisam estar alinhados com as demandas individuais, para que haja a necessária
identificação entre os objetivos da comunidade e os dos indivíduos.
Como atores estratégicos podem exercer a sua agência, que não sendo plenamente
realizada, faz com que tenham que se articular com as estruturas organizacionais para
atenderem seus objetivos, num processo recursivo e dialógico, dada o processo
contingencial que envolve os atores e as estruturas. Essa relação harmoniosa é necessária
na relação da comunidade de usuários com as firmas para que sejam ampliadas as chances
de se alcançar objetivos individuais e coletivos.
O intercâmbio de idéias nesses coletivos demanda dos atores estratégicos que
levem em consideração o conhecimento, os processos e o estilo de trabalho de cada
membro a fim de se criar um espaço simbólico que estimule o compartilhamento, um
ambiente organizacional receptivo aos novatos e receptivo de situações que protagonizem
eventuais diversidades e reconduções nas investidas de soluções criativas. Essas formas de
governança se adéquam a um cenário que gradativamente favorece as organizações com
capacidade de mobilizar conhecimentos e utilizar os avanços tecnológicos, de modo a
incrementar novidades em seus produtos e serviços e nas formas de concepção e difusão
desses bens e serviços. Logo, essa nova lógica desafia as organizações que costumam ter
vantagem competitiva derivada do patrimônio e da sua projeção deporte.
A atmosfera de compartilhamento, os objetivos claramente especificados e a
possibilidade de desafiá-los, além de controvérsias construtivas, desafios no trabalho,
confiança e participação das equipes nos fluxos de idéias e relações abertas entre colegas e
as lideranças são fatores que contribuem para a criação de uma ambiência favorável aos
novos modos de desenvolvimento do processo inovador.
188
Os sujeitos individuais ativos e protagonistas no processo de inovação precisam do
suporte organizacional, o que requer uma governança que permita o sujeito criativo
alcançar todo o seu potencial. Isso requer um foco que agregue a perspectiva financeira, a
eficiência técnica e a satisfação da paixão pela tecnologia utilizada podem representarações
organizacionais a serem adotadas pelas comunidades. Ou seja, as ações gerenciais
tradicionais, tais como o treinamento profissional, as certificações, os processos
burocráticos e o monitoramento concebido a partir da visão clássica são úteis em outros
contextos, todavia, não alcançam a mesma efetividade no contexto das comunidades open
source.
Como resultado, os fatores físicos, estruturais e reguladores devem se alinhar com
as especificidades dessas formas organizacionais emergentes de modo a permitir o fluxo de
idéias e soluções inovadoras. Dessa forma, esses conceitos podem ser expandidos no
sentido de abarcar formatos organizacionais flexíveis e contingentes voltadas para a
inovação.
O desafio dessas estruturas organizacionais em rápida mutação reside na criação de
ambientes compatíveis com o que demandam esses sujeitos criativos. Tal condição põe de
manifesto os fatores convencimento, persuasão e a capacidade de mobilizar suporte de
apoio ao novo, como condição fundamental para o desenvolvimento de idéias criativas.
Isso reforça a assertiva de que o comportamento inovador, seja por intermédio de cultura,
liderança ou clima organizacional, requer a junção de um indivíduo criativo e um ambiente
propício para o aperfeiçoamento das suas aptidões.
Características organizacionais como tempo de convivência, recursos disponíveis e a
qualidade das interações são exemplos de ações que podem ser valorizadas para se
alcançar a necessária convergência entre indivíduo e a comunidade. A partir dessas novas
estruturas criativas temos a condição para criar produtos e processos inovadores. Nesse
189
sentido, a organização em comunidades open source não significa garantia de geração de
processos/produtos inovadores, mas está relacionada à criação de padrões culturais e
estruturais que são desenvolvidas nas comunidades com vista a potencializar a inovação.
7.6 Considerações finais
Os resultados indicam que não existe comunidade PUG-PE se não estiverem os
agentes estratégicos articulando, a partir de uma base regular, os discursos que constituem
os discursos hegemônicos e os significantes vazios da comunidade. Eles fazem isso por
meio da articulação de equivalências, diferenças e fantasias. Há certos discursos que têm
credibilidade para representar toda a cadeia de demandas e por sua vez, tornarrm-se o
equivalente geral. Demonstramos isso através do caso do discurso do “open source” e de
“comunidade bem sucedidas” como equivalentes gerais, que se tornam significantes vazios
na gestão estratégica do PUG-PE.
Ao escolher a via do político para entender as estratégias do grupo do PUG-PE
mostramos as limitações da abordagem funcionalista que tenderia a tomar a questão dos
desdobramentos e avanços das novas TIC como algo normal, que faz parte da própria
lógica de funcionamento da realidade e do avanço inexorável da tecnologia. Ao contrário,
mostramos que os caminhos que acabam se delineando são o resultado de disputas
políticas que ocorrem na ordem do discurso. E, sendo assim,não fazemos juízo de valor,
porque as coisas são o que são derivados de lutas que não cessam de gerar novos
significados e transformações.
Pode-se dizer que as estratégias discursivas do PUG-PE se consolidam cada vez
mais no cenário de TI local, uma vez que o êxito em fomentar a adoção da linguagem de
programação fora dos muros da universidade são crescentes. Saiu do zero para 500
membros em 2013. Somente um mutirão de palestras da Pycursos em Fevereiro de 2013
190
teve uma audiência estimada de 3500 pessoas de pessoas que virão os vídeos dos
“especialistas em Python”. A sua plataforma de cursos online já formou centenas de
desenvolvedores, o que aumenta o leque de profissionais e projetos realizados em Python,
reforçando o discurso de que é a linguagem de programação que mais cresce. Contribui
para isso também os quase 30 encontros realizados nos últimos 3 anos, entre esses de
destacar o realizado na livraria cultura que teve um público de quase 200 pessoas.Além
disso, temos workshops e oficinas realizadas em faculdades de tecnologia de Recife e
interior do estado, e encontros no IBTC no Porto Digital. A menção do grupo na revista
Espírito Livre e a participação regular no Python Brasil na trilha de comunidades bem
sucedidas confirmam a trajetória ascendente do grupo.
Pela projeção que tem vindo a conquistar no estado participou da organização do
primeiro encontro do Python Nordeste realizado em Fortaleza e já assumiu a realização do
Python Nordeste e do Python Brasil em 2014. As lideranças entendem que terão apoio das
universidades, do Porto Digital e das empresas que passaram a usar essa linguagem de
programação. As empresas fazem requisição de profissionais diretamente na sua lista de
discussão.
Os integrantes do grupo prevêem um futuro promissor para cada um, com seus
projetos e empresas tendo êxito e, dessa forma, retribuir auxiliando o PUG-PE com todo o
tipo de ajuda para que consolide esse nome no cenário de TI no estado, no nordeste e no
Brasil, como gostam de responder quando questionados sobre o futuro do PUG-PE.
Os novos ventos de crescimento econômico do estado alimentam o discurso do
PUG-PE. As lideranças têm conseguido se posicionar estrategicamente nesse cenário,
contornando os obstáculos, articulando suas particularidades e expandindo a cadeia
equivalencial. Dessa forma, conseguem construir o discurso do PUG-PE.
191
A emergência das comunidades exige uma reinterpretação de nossa experiência à
luz dos novos desafios e ameaças associadas á hegemonia do capital e do mercado,
suscitando alternativas à lógica estrita do modelo industrial. Nesse sentido, esforços
articulatórios de outras naturezas vêm sendo costurados a exemplo das lutas pela
reconfiguração do espaços urbanos, demandas ecológicas, antiautoritárias, feministas,
antirracistas étnicas, regionais, sexuais – que assumem a forma de “particularismos” que
valorizam as diferenças e os discursos de defesa que tornam visíveis as oposições as
alternativas surgidas
Essas mudanças acontecem como efeito do processo globalizante do capitalismo
cognitivo que cria possibilidades de conexões inéditas entre os atores coletivos. Os
avanços das novas TIC se mostram como um apoio inovador para uma dinâmica de auto-
organização e automobilização da sociedade de forma a conceber mudanças no próprio
sistema capitalista, por meio do questionamento do caráter excludente da ordem vigente e
o debate sobre alternativas de desenvolvimento.
Assim, as transformações nas relações de poder entre corporações e comunidades
requerem uma renovação do quadro analítico voltado à compreensão da construção de
identidades políticas coletivas, e das formas possíveis de emergências de antagonismos
numa variedade de relações sociais bem como de conexões estratégicas entre diferentes
atores voltados para desafiar as ordens vigentes.
A lógica que deve orientar o desenvolvimento capitalista é colocada em pauta uma
vez que o discurso inovador centrada em comunidades [re] articula significados diversos,
com desdobramentos importantes sobre os conteúdos e práticas da produção e consumo,
podemos hegemonizar os rumos do desenvolvimento capitalista.
192
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207
208
Apêndices
209
APÊNDICE A -
Segundo o http://codingdojo.org/: “Um Coding Dojo é um encontro onde um grupo
de programadores se reúne para trabalhar em conjunto em um desafio de programação.
Eles estão lá para se divertir, e, através de uma metodologia pragmática, melhorar
suas habilidades de programação e de trabalho em grupo.”
O Coding Dojo tem algumas regras básicas:
Desenvolvimento guiado por testes: Antes de fazer qualquer implementação, deve
ser escrito um teste, que ao passar indica que a implementação está correta.
“Passos de bebê”: Se um teste não está passando, você deve escrever o
código mais simples possível que faça o teste passar. Quando for escrever um novo
teste para o mesmo método, escreva um teste que teste só um pouquinho a mais da
funcionalidade desejada.
Pair programming: A programação é feita em duplas. Cada dupla tem um piloto e
um co-piloto. Ambos pensam em como passar no teste atual, mas só o piloto digita.
Cada par tem por volta de 5 a 10 minutos no seu turno. Quando esse tempo acaba
O piloto volta para a platéia
O co-piloto assume o lugar do piloto
Um novo co-piloto vem da platéia
Todos devem entender: O piloto e o co-piloto devem sempre explicar em voz
alta o que estão tentando fazer para solucionar o problema. Qualquer um na platéia
pode pedir explicações se não entender algum raciocínio.
Três fases: Um Coding Dojo sempre está em alguma dessas 3 fases, dependendo
do estado dos testes:
Vermelha: Pelo menos um teste não está passando. A dupla da vez deve se
concentrar em fazer o teste passar. A platéia não deve falar nessa fase, para
não atrapalhar piloto e co-piloto.
Verde: Os testes acabaram de ser rodados e todos estão passando. Essa é a
hora de quem está na platéia dar sugestões para melhorar o código.
Cinza: O código foi modificado de acordo com as sugestões, mas a bateria
de testes ainda não foi rodada. Deve-se evitar fazer grandes modificações no
código nessa fase.
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