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Núcleo 31 de Março (1967/2014): planejamento didático- pedagógico para analisar o papel desempenhado
pela imprensa regional durante a ditadura1
DEMENECK, Ben-Hur (Mestre em Jornalismo)2 Doutorando ECA-USP
ROSA E SILVA, André Luis. (Mestre em Educação) Colégio Luterano Rui Barbosa/ PR
Resumo: o texto propõe a aplicação de jornal na escola como recurso para discutir a cidadania no contexto dos 50 anos do golpe militar no Brasil. Em se tratando de história da mídia impressa, a questão dos nomes de logradouros públicos demonstra quanto a luta ideológica da ditadura foi uma constante também fora das capitais. O exercício permite avaliar como a imprensa serviu de meio de propaganda ou como fez um contraponto a esse discurso interessa tanto à escola quanto à universidade e à redação. Este artigo complementa trabalho apresentando no VIII Encontro Nacional da Rede Alcar, em 2011, “Major,
viemos pagar o aluguel...” em que é narrada a história de um núcleo habitacional “31 de Março”, inaugurado e nomeado logo no terceiro aniversário do golpe. Embora o jornalismo seja campo ora de aproximação, ora de tensão da cidadania, nele se travam lutas sociais como a do direito à verdade e à memória. Especialmente por conta da Comissão Nacional da Verdade, instalada em 2012, cresceu a visibilidade midiática de episódios e de personagens identificados ao regime de exceção mantido entre 1964/1985. O lançamento de obras artísticas e científicas a respeito dessa época responde ao interesse público em saber mais dos anos de chumbo. Portanto, aplicar um plano de aula envolvendo política e história, permite contextualizar a imprensa que tivemos e a contrapor com aquela que temos e com aquela que queremos ter a fim de usufruirmos a cidadania em toda a sua extensão de direitos. Palavras-chave: 31 de Março, Imprensa regional, Direito à verdade, Plano de aula, Jornal na Escola. 1. INTRODUÇÃO
O dia 31 de Março de 1964 foi uma data considerada especial pelo regime
militar por representar a deposição do presidente João Goulart – para efeito de exatidão
seria mesmo o 1º de Abril, mas por ser este o “dia da mentira” foi negligenciado como
aniversário.
Fato é que o “31 de Março” se espalhou pelos logradouros brasileiros durante os
21 anos do regime de exceção, em extensa lista. O presente artigo irá propor um
planejamento pedagógico para abordar temas de cidadania entre alunos de ensino médio
e mesmo de ensino superior.
1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Impressa, integrante do 5º Encontro Regional Sul
de História da Mídia – Alcar Sul 2014. 2 Ben-Hur Demeneck é doutorando em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), pesquisador bolsista pela CAPES. É mestre em Jornalismo (UFSC, 2009). Contato: b.demeneck@usp.br. André Rosa e Silva é professor de Língua Portuguesa e Literatura. Mestre em Educação pela UEPG, é consultor de planos de aula da revista Nova Escola e colaborador da revista Profissão Mestre. E-mail: andrerosae@gmail.com
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Convém assinalar que a questão das homenagens feitas à ditadura em nomes de
logradouros serve tanto para analisar a história da mídia impressa quanto para
demonstrar, diante da efeméride de 50 anos do golpe militar, que a permanece realidade
longe do discurso de que no interior brasileiro não se travou uma guerra ideológica por
corações e mentes.
Em geral, essas homenagens são auto-homenagens como é o caso do núcleo “31
de Março”, localizado na cidade de Ponta Grossa (120 Km de Curitiba, com cerca de
350 mil habitantes). O conjunto foi inaugurado em 1967, no terceiro aniversário do
golpe com aproximadamente 1.000 casas. E uma de suas ruas se chama “Sargento
Carlos Argemiro de Camargo”, um dos elos para explicar o ciclo de auto-referências por
ser um herói fabricado pelos militares.
Para saber aos detalhes desse “31 de Março”, o leitor está convidado a procurar
os anais do VIII Encontro Nacional de História da Mídia para baixar o artigo “Major,
viemos para pagar o aluguel: um núcleo habitacional com o caso de homenagem e
auto-homenagem do regime militar a partir de diários de 1967 e de 2010 a opinião
pública de 25 anos de democracia” (DEMENECK & OLIVEIRA, 2011).
Para países interrompidos por ciclos ditatoriais, como o Brasil, um tema de auto-
homenagem promovido por um regime autoritário pode sintetizar o câmbio de papéis do
jornalista e da imprensa, permitir reflexões sobre cidadania dentro de democracias em
consolidação.
2. HISTÓRIA DA IMPRENSA E DIREITO À VERDADE
Nos anos 2010, A Comissão Nacional da Verdade representa um esforço em
assegurar ao brasileiro o direito à verdade e à memória e a ação tem começado a dar
frutos. Portanto, o ato de questionar esses símbolos autoritários serve como exercício de
cidadania, de participação política.
O jornalismo (e a imprensa, em especial), é um campo privilegiado de
observação porque nele se manifestam e se silenciam lutas sociais travadas dentro do
sistema capitalista desde a modernidade. A relação entre jornalismo e cidadania ora se
dá por aproximações, ora por tensionamentos. Afinal, os meios jornalísticos dispõem de
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uma dupla natureza. Embora sejam empresas, promovem direitos sociais na medida em
que são pressionados por indivíduos, grupos ou instituições.
O direito à memória e à verdade são direitos sociais em crescente visibilidade na
pauta midiática. Ao se desvendar a história do Sargento Camargo, tem-se a informação
de que ele foi um dos primeiros militares mortos em exercício de repressão, em março
de 1965. Apenas dois meses passados de sua morte, ganha projeto de lei para virar nome
de rua. Sargento Camargo era ponta-grossense.
A trama entre imprensa regional e a ação do regime de exceção sobre cidades
periféricas apenas começa para quem esquadrinhar os arquivos públicos. Ou seja, um
simples nome de rua serve não só ao jornalista, mas ao professor que quiser colocar
seus alunos diante de uma atitude interpretativa da história e da política do século XX.
Uma consulta à enciclopédia digital Wikipédia permite demonstrar que a história
de Argemiro alcançou diferentes regiões brasileiras. O militar é lembrado nesses
logradouros e espaços públicos:
o Rua Sargento Carlos Argemiro Camargo, Ponta Grossa, Paraná
o Colégio Estadual Carlos Argemiro Camargo, Capitão Leônidas Marques, Paraná
o Escola Sargento Camargo, Recife, Pernambuco
o Rua Carlos Argemiro Camargo, Vila Militar, Fortaleza, Ceará
o Rua Carlos Argemiro Camargo, Blumenau, Santa Catarina
o AV Carlos Argemiro Camargo,Sgt, 96, Anil, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
o Rua Tenente Camargo, Francisco Beltrão, Paraná
No Brasil, a discussão acerca da memória vai ao encontro do período de exceção
1964-1985, sob o qual estão silenciadas diversas histórias sob a forma de proteção de
arquivos públicos considerados secretos e mecanismos jurídicos em favor de uma Lei
da Anistia que garantiu a impunidade aos crimes praticados pelo Estado. Portanto,
contextualizar as referências ligadas ao regime favorece a prática democrática.
Ponto a se colocar em questão não é apenas a reparação simbólica mais direta,
aquela que restitui a reputação de perseguidos políticos e a que faz ver o lado obscuro
dos heróis de ocasião, mas também a que procura criar um contraponto às histórias
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consolidadas pelo regime. Por exemplo, no caso de haver uma vila “31 de Março”,
procurar que seja construído em sua praça um monumento a Vladimir Herzog.
A prática do direito está contida na atualidade, àquilo que é vigente. Conforme
esclarece o jurista italiano Norberto Bobbio, “uma coisa é um direito; outra, a promessa
de um direito futuro” (1992, p. 83). E o direito à verdade acabou se constituindo um
direito social. Seguindo a classificação do autor de “A era dos direitos”, há os direitos
civis, os políticos e os sociais.
O direito civil é aquele que protege o cidadão do poder do Estado; o direito
político é o que estabelece os mecanismos de participação no Estado e os direitos
sociais são aqueles a serem garantidos pelo Estado (BOBBIO, p. 128). Curiosamente, a
luta pelo direito à memória e à verdade passa por um embate jurídico numa tradição de
formar leis inclusive para arbitrariedades.
O decreto 20.493/1946 dispunha sobre o trabalho do censor. Profissão regulada
por lei cujo ingresso se dava por concurso público. Para se candidatar, era preciso
apresentar “diploma devidamente registrado de conclusão de curso superior de Ciências
Sociais, Direito, Filosofia, Jornalismo, Pedagogia ou Psicologia” (KUSHNIR, 2004, p.
103). Esse aparato jurídico só caiu com a Constituição de 1988.
Fator igualmente interessante é considerar que durante o período militar é que se
deram condições para o surgimento do capitalismo tardio no Brasil, o que propiciou que
a indústria cultural se estabelecesse, como ficou evidente com o movimento tropicalista
(RIBEIRO, 1994).
3. DITADURA CONTADA EM LIVROS E FILMES
A considerar o ano de 2012, com o estabelecimento da Comissão Nacional da
Verdade, houve avanços simbólicos e esse processo não se deixa de acompanhar por um
interesse de pesquisadores e de artistas pelo tema da memória do país relativa aos “anos
de chumbo”, basta perceber o número e a qualidade de produções bibliográficas e
cinematográficas sobre o tema considerando os últimos três anos.
Muitas produções artísticas e científicas procuram preencher as lacunas de
conhecimento existentes durante esse hiato democrático de 21 anos. Elas respondem à
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demanda social por esclarecimentos referentes à política nacional, mas também
regionais. O direito à verdade se configura, pouco a pouco, cultura e juridicamente num
direito social procurado e “consumido”.
Seguem duas tabelas com amostras de livros e filmes produzidos nos últimos
três anos, a ponto de começar a ser difícil acompanhar tantos lançamentos:
Tabela 1 – amostra de filmes lançados em 2012 em contexto à ditadura
Cara ou Coroa (Ugo Giorgetti, 110 min, 2012). Sinopse: uma peça do dramaturgo alemão Bertold Brecht é o fio condutor da história de um grupo de jovens atores em 1971, durante o regime militar no Brasil. Com foco no velho embate entre esquerdistas e militares, o filme traz a história de uma garota que precisa abrigar dois prisioneiros políticos em sua casa, escondendo a dupla da vigília do avô, um general na reserva avesso a comunistas. Elenco: Walmor Chagas, Otávio Augusto, Emilio de Mello, José Geraldo e Julia lanina. Marighella (Documentário de Isa Grinspum Ferraz, 107 min., 2011)
Sinopse: o documentário conta a história do líder comunista e parlamentar Carlos Marighella sob a ótica de Isa Grinspum Ferraz, sua sobrinha. Autor do "Manual do Guerrilheiro Urbano", ele foi considerado o inimigo número um da ditadura militar. Além de trazer imagens de arquivo, o longa conta com depoimentos da viúva de Marighella, Clara Charf, e de intelectuais como Antônio Candido. Vozes: Lázaro Ramos. Uma Longa Viagem (Documentário de Lucia Murat, 97 min., 2011, estreia 11/05/2012) Sinopse: o longa mistura documentário e encenação para recriar as viagens que o irmão da cineasta, Heitor, fez entre 1969 e 1978, quando foi enviado ao exterior pela família para evitar que se envolvesse com a luta armada contra a ditadura. O documentário é construído a partir das cartas que Heitor enviou a família durante esses nove anos, encenadas por Caio Blat, contrapostas a depoimentos do personagem real e a comentários da cineasta sobre sua vivência da época, em que se envolveu com a resistência à ditadura e acabou sendo presa. Elenco: Caio Blat. Tropicália (Documentário de Marcelo Machado, 100 min., 2012) Sinopse: Marcelo Machado revisita o movimento da Tropicália em documentário homônimo, cinquenta anos após o auge dos artistas que mudaram a configuração da cultura brasileira e foram interrompidos pela ditadura militar. Com um recorte entre os anos de 1967 e 1969, o filme conta com relatos e imagens inéditas de figuras centrais no movimento como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Fonte de informações das sinopses: UOL Cinema
Tabela 2 – amostra de livros nos três últimos anos em contexto à ditadura Marighella - o Guerrilheiro Que Incendiou o Mundo (Mário Magalhães, Cia das Letras, 2012, 792 p.)
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Sinopse: O jornalista Mário Magalhães reconstitui a trajetória do legendário revolucionário Carlos Marighella, militante do Partido Comunista Brasileiro e fundador do maior grupo armado de oposição à ditadura militar (1964-85). Passagens pela prisão, resistência à tortura, assaltos a bancos (e a um trem pagador), tiroteios, espionagem internacional, tudo é apresentado em ritmo de thriller, com revelações desconcertantes. Memórias de uma Guerra Suja (Cláudio Guerra, Marcelo Netto, Rogério Medeiros; Topbooks, 2012, 292 p.) "Memórias de uma Guerra Suja" revela os bastidores de uma parte do trabalho de destruição da esquerda brasileira durante os anos 1970 e início dos 1980. É o depoimento, em primeira pessoa, de um ex-delegado do Dops que foi o principal agente de um grupo de militares fora da cadeia de comando oficial das Forças Armadas. Política dos quartéis: revoltas e protestos de oficiais na ditadura militar (Maud Chirio, Editora Jorge Zahar) Sinopse: narra a história política da ditadura militar brasileira, desde os antecedentes do golpe de 1964 até o final dos anos 1970, com o diferencial de reconstituir os acontecimentos a partir do olhar da oficialidade. Descrevendo suas trajetórias e redes, seus modos de organização e ação, suas convicções e estratégias de protesto, a autora mostra que as dissidências militares no interior das Forças Armadas não se resumem a uma pequena história ao lado da grande --esta, protagonizada por generais. Muito ao contrário, a análise dessas dissidências permite compreender a própria evolução do regime, com sua progressiva militarização e seu fechamento repressivo nos anos 1970. K (Bernardo Kucinski, 2011, 177 p.) Sinopse: em 1974, durante a Ditadura, um jovem casal desaparece sem deixar o menor sinal. Após buscas incansáveis e muito sofrimento, descobre-se que eles eram militantes da resistência e tinham sido sequestrados, torturados e assassinados. O senhor K., o protagonista, fica dilacerado em seu amor paterno e sente-se culpado por não ter percebido o que acontecia com a filha, justo ele que também fora um resistente judeu na Polônia Resistência e Repressão: censura a livros na Ditadura Militar (Sandra Reimão, Edusp, 2012, 184 p.) Sinopse: este livro aborda a censura oficial à cultura e às artes e, especificamente, a livros de ficção de autores brasileiros durante a Ditadura Militar Brasileira. O estudo dos atos censórios do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP) em relação a livros nos possibilita delinear alguns elementos dos mecanismos de censura e também refletir sobre a repercussão desta censura no universo da produção da cultura brasileira. Inicialmente, Sandra Reimão traça um panorama histórico da atuação censória nos governos militares em relação á cultura, às artes e aos livros em particular. Fonte das sinopses: portal virtual da Livraria da Folha e o da Livraria Cultura. 4. IMAGENS DE ARQUIVO DA IMPRENSA REGIONAL
Seguem umas fotografias de material de arquivo a fim de oferecer subsídios para
o planejamento pedagógico proposto neste artigo que, embora remeta ao plano nacional,
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finca pé na questão das cidades médias e pequenas, via de regra negligenciadas na
imprensa.
Todas as imagens de jornal foram recolhidas por Ben-Hur Demeneck no Museu
Campos Gerais e na Casa da Memória de Ponta Grossa e se referem a edições do Jornal
da Manhã (fundado em 1954) e do Diário dos Campos (fundado em 1907).
A) 31 de Março de 1965 – o primeiro aniversário do golpe militar
(a) “Povo princesino festeja hoje 1º aniversário da Revolução” – CAPA;
(b) “1º Aniversário da Revolução Democrática de 31 de Março:
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Ao Exército Brasileiro – Ordem do Dia” – 2º Caderno;
(c) “Salve Pátria Livre e Soberana”. Texto de autoridade local, Plauto Miró Guiramães;
(d) “Aniversário da Revolução Democrática”. Texto do então prefeito José Hoffmann;
(e) “Povo pontagrossense vibrou comemorando 31 de Março”.
As fotografias são de páginas do jornal Diário dos Campos. As quatro primeiras
imagens são de uma edição que circulou a 31 de março de 1965, apenas a última é que é
de 2 de abril. As imagens (b), (c) e (d) estão na mesma página, a primeira do segundo
caderno. O texto representado em (e) alude à repercussão das comemorações.
B) 31 de Março de 1967 – terceiro aniversário do golpe militar
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(a) “Nação comemora III Aniversário da Revolução” (31/03/1967)
(b) “Rua Sargento Carlos Argemiro de Camargo” (2006)
(c) “Gal. Carmo: Sarg. Camargo sobe ao Panteon da gratidão do povo”
(02/04/1965)
(d) “PG recebe hoje casas da COHAB” (31/03/67)
(e) Ônibus linha “31 de Março” (2006)
5. PLANO DE AULA (ENSINO MÉDIO)
A revisão acerca dos 50 anos do golpe militar, que instaurou a última ditadura no
Brasil, pode estimular discussões e debates sobre as instituições democráticas e seu
papel na consolidação dos direitos fundamentais dos cidadãos. Esse tema é sempre
bastante pertinente para ser utilizado como parte de planejamento didático-pedagógico
na escola e permite a realização de atividades transdisciplinares – que envolvam, por
exemplo, história, produção de textos, geopolítica, sociologia, filosofia – pode servir
como um instrumento para fazer emergir o debate fundamental a respeito do papel do
Brasil no mundo contemporâneo.
Essa discussão passa, necessariamente, pelo entendimento de que, sem o
fortalecimento das instituições democráticas (sejam as eleições e o direito ao voto, a
liberdade de escolha no campo político-partidário e ideológico, as instituições jurídicas,
as instituições educacionais, e também, as organizações populares e movimentos
sociais), nosso país não conseguirá se estabelecer enquanto nação determinante,
cultural, política e economicamente, no século 21.
Nas ditaduras, o debate e a discussão de ideias e pontos de vista não é livre, e é
sempre dirigido e determinado pelos governantes. Porém, somente através da
multiplicidade de ideias, propostas, pontos de vista e manifestações livres de
pensamento é possível que um povo tenha clareza de que a democracia é, com todos os
seus defeitos e limitações, o sistema político que pode garantir o acesso pleno aos
direitos fundamentais e o desenvolvimento integral de qualquer nação.
Para isso, como síntese ao texto que ora se apresenta neste congresso, sugerimos
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proposta de atividades dirigidas ao trabalho com alunos do Ensino Médio, fazendo uso
de conceitos como o uso do jornal na escola, do debate como estímulo à produção de
textos argumentativos e de pesquisa histórica.
5.1. OBJETIVOS
a) Analisar a origem do voto e das eleições como instrumentos de participação
popular ao longo da história.
b) Identificar monumentos, logradouros e locais públicos que tenham recebido
nomes referentes ao Golpe Militar de 1964.
c) Pesquisar sobre os projetos de lei que nomeiem logradouros e locais públicos.
d) Ler textos jornalísticos que debatam sobre a legitimidade da nomenclatura que
homenageie fatos históricos da Ditadura Militar.
e) Produzir textos opinativos e argumentativos, em forma de dissertação, sobre o
tema.
5.2. MATERIAIS NECESSÁRIOS
Textos jornalísticos selecionados sobre o tema. Máquina fotográfica para
registrar placas indicativas de topônimos.
5.3 AVALIAÇÃO
Ao final da sequência, avalie se os alunos foram capazes de compreender a o voto e as
eleições como instrumentos de participação popular e de solidificação da democracia; se
conseguiram identificar em suas cidades monumentos e logradouros que façam
referência aos fatos históricos da Ditadura Militar; produzir dissertações dentro das
normas, em linguagem formal, a respeito da temática proposta.
5.4. CONTEÚDOS
AS ELEIÇÕES
Através do viés histórico, é possível abordar a origem das eleições, a influência
do pensamento Iluminista na organização da democracia participativa, o conceito de
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democracia criado a partir da independência dos EUA e a ideia das eleições como um
evento em que a participação e a vontade popular, expressos através do voto universal,
devem ser respeitadas.
É possível utilizar destes conceitos como ponto de partida para o debate acerca
de serem ou não as eleições e o voto universal um sistema realmente participativo. Em
diversos momentos da história, no Brasil – e em outras partes do mundo – não foram
incomuns as fraudes eleitorais, a lista de voto aberto, o chamado “voto de cabresto” (em
que o eleitor é coagido a votar em determinado candidato apoiado por seu patrão ou
chefe regional, nem sempre manifestando sua vontade individual), a compra de voto, as
eleições indiretas (que em diversos períodos definiram os ocupantes de cargos
públicos), entre outras práticas não democráticas.
As eleições no Brasil nem sempre foram diretas. Durante a República – duramte
os anos 1891, 1933, 1964, 1966, 1969, 1974, 1979 e 1984 –, os presidentes foram
escolhidos por meio de um colégio eleitoral, composto por membros da elite política,
social ou econômica.
Uma abordagem específica para contextualizar essas datas e explorar os motivos
que levaram a eleições indiretas (em geral, golpes militares e revoluções políticas), e as
consequências sobre as decisões político-administrativas tomadas a partir da
concentração do poder e exclusão do voto popular.
É possível, então, abordar diretamente o tema do artigo – de que forma a
ditadura militar utilizou de seu poder coercitivo e centralizador para prestar
“homenagens” através da nomenclatura de logradouros, bairros, monumentos que
faziam referência aos acontecimentos ligados ao golpe. Demonstre que a nominação de
locais públicos e a construção de marcos ou monumentos funciona como forma de
exaltar tais eventos, e através disso, estabelecer uma visão unilateral dos acontecimentos
históricos como cânone.
Indique aos alunos que pesquisem logradouros, ruas, praças, bairros em sua
cidade ou em locais de seu conhecimento que façam referências ao Golpe Militar de
1964. Após essa coleta de dados, peça que continuem a pesquisa, buscando informações
sobre os acontecimentos homenageados. Finalize pedindo a eles que escrevam um texto
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opinativo, em forma de dissertação, expondo suas opiniões: está correto homenagear
acontecimentos históricos ligados a ditaduras? Os nomes dos monumentos ou
logradouros exprimem a verdade a respeito dos fatos ou pessoas homenageados? É lícita
a iniciativa de debater a respeito da mudança desses logradouros? Em caso positivo, que
personagens ou acontecimentos históricos devem ser usados para nomear os locais?
A PARTICIPAÇÃO POPULAR
A discussão pode avançar sobre os aspectos da democracia. O instrumento mais
importante de um regime democrático é o voto universal. Sugira uma pesquisa sobre o
voto como expressão da vontade popular: suas origens como sistema de participação
popular nas decisões remonta aos primeiros clãs e organizações sociais.
A história aponta a democracia ateniense como o primeiro sistema a utilizar de
eleições para decidir questões administrativas e operacionais do estado. No século de
Péricles (século V a.C.), Atenas dava o direito ao voto a cerca de 1/5 de sua população
(somente homens livres e nativos podiam votar). As votações nessa época eram
públicas, e o votante deveria anunciar em voz alta sua opinião – o que por vezes gerava
confusões e divergências. O voto secreto foi ideia dos romanos, que no século II d.C.
criaram o sistema de urna onde os votos eram depositados.
O voto também fez parte das monarquias: os príncipes do Sacro Império
Germânico recorriam à prática para definir quem seria o monarca. O voto, entretanto,
até o século XIX não era compreendido como um sistema universal que incluísse a
maioria da população. Somente alguns membros de elites – cuja configuração variava
de sistema para sistema – podiam votar. Em geral, mulheres, jovens e adolescentes,
cidadãos estrangeiros ou de minorias étnicas (ou de maiorias étnicas subjugadas ou
escravizadas), deficientes físicos, analfabetos, escravos e apenados não podiam votar.
No Brasil, somente na década de 1930 o voto foi considerado universal – pela
primeira vez, as mulheres puderam ter seus nomes incluídos nas listas de votantes.
Sobre esse aspecto, é interessante abordar o tema das chamadas “Ladies Suffragetes”:
movimento feminista do início do século passado, que pedia o direito de voto às
mulheres e até hoje é considerado um símbolo das primeiras manifestações em prol dos
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direitos das mulheres. Outro aspecto interessante é tentar compreender o voto como um
direito e também uma obrigação.
No Brasil, desde a chamada “redemocratização” (fim da ditadura militar e
implantação das primeiras eleições diretas em duas décadas, a partir da década de
1980), a Constituição de 1988 instituiu o voto como um “dever e um direito”,
assegurando ao cidadão o voto secreto, e estendendo o direito de votar a analfabetos,
índios, mulheres, maiores de 16 anos (até os 18, o voto é facultativo, e após os 70, passa
a ser facultativo também, assim como os analfabetos e indígenas não são obrigados a
votar).
Questione os alunos se é possível considerar democrático um sistema que obriga
seus cidadãos, sob penas de multa, perda de direitos políticos e sociais, a inscrever-se a
votar. Vários países no mundo, inclusive alguns vizinhos do Brasil (como a Venezuela e
o Chile), não utilizam o voto compulsório como parte de seu sistema eleitoral. Países
como os EUA, o Canadá, a Líbia, a Áustria, Itália, França, Japão também não obrigam
seus cidadãos a votarem.
Como referência ao artigo, peça aos alunos que reflitam sobre a validade/
necessidade de submeter ao escrutínio popular a nomeação de logradouros,
monumentos, praças, bairros e ruas. Lembre-os que essa é uma atribuição, nos
municípios, da Câmara de Vereadores. E não é incomum imaginar que o trabalho de um
vereador resume-se a nomear ruas, praças e logradouros.
Estimule os alunos a averiguar os projetos de lei que dão nome a logradouros em
sua cidade, e quais vereadores fazem isso com mais frequência. Peça que acompanhem
o trabalho de um ou mais vereadores, e que pesquisem se os projetos apresentados
contemplam outras demandas, além da nomeação de logradouros públicos.
Como síntese do trabalho, promova debates a respeito da política como parte da
formação do cidadão e do estudante. Se considerar pertinente, convide políticos com
mandatos ou candidatos de diferentes tendências a participar de conversas com alunos e
professores. Peça que os alunos produzam um texto sob o tema: “A democracia
brasileira e os 50 anos do Golpe Militar de 1964”.
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6. CONCLUSÃO
A questão dos nomes de logradouros públicos demonstra como a luta ideológica
da ditadura foi uma constante também fora das capitais. Avaliar como a imprensa serviu
de meio de propaganda ou como fez um contraponto a esse discurso interessa tanto à
escola quanto à universidade e às redações.
A Comissão Nacional da Verdade foi uma das responsáveis por dar visibilidade a
temas que passavam despercebidos nas pautas dos grandes diários nacionais. Os
trabalhos desse grupo conseguiram colocar na ordem do dia temas como: a) torturados,
mortos e desaparecidos no regime militar; b) a Guerrilha do Araguaia; c) a Operação
Condor; d) as violações de direitos de indígenas e, no campo; e) O papel da igreja
durante a ditadura; f) A perseguição a militares que se opuseram ao regime, entre outros.
Ao fim do 35º Congresso Nacional dos Jornalistas foi lançada a Carta de Rio
Branco (11/2012). Ela indicava o interesse dos profissionais da informação em
recuperar histórias do regime de exceção. O documento destaca o posicionamento dos
jornalistas brasileiros quanto ao direito à memória e à verdade, textualmente afirma que
“os jornalistas somam-se ao esforço de resgate da dívida histórica para com aqueles que
foram vítimas de violências praticadas pelo Estado Brasileiro quando sob domínio da
ditadura militar”.
Portanto, a contribuição desse artigo passa por um planejamento pedagógico que
prevê o debate como estímulo à produção de textos argumentativos envolvendo a
pesquisa histórica, inclusive a da mídia imprensa. Sobretudo pelo fato de os anos 2010
serem um período em que pipocam conteúdos culturais e científicos sobre o regime
militar.
Topônimos baseados em referenciais autoritários podem ser trabalhados em
atividades transdisciplinares capazes de indicar que o jornalismo ora se aproxima, ora se
distancia da prática da cidadania desde a modernidade. No entanto, ser cidadão passa
por usufruir do direito à verdade e de sua defesa como um direito social.
7. REFERÊNCIAS BELLONI, Maria Luisa. O que é mídia educação. Campinas: Autores Associados, 2001.
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BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa. Ijuí: Unijuí, 2002. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. CARTA DE RIO BRANCO Disponível em http://www.fenaj.org.br/materia.php?id=3737 CITELLI, Adilson. Comunicação e Educação: a linguagem em movimento. São Paulo: Senac, 1999. DEMENECK, Ben-Hur ; OLIVEIRA, T. A. D. . Major, viemos para pagar o aluguel: um núcleo habitacional com o caso de homenagem e auto-homenagem do regime militar a partir de diários de 1967 e de 2010 a opinião pública de 25 anos de democracia. In: VIII Encontro Nacional de História da Mídia, 2011, Guarapuava. 8º Encontro Nacional de História da Mídia-Rede Alcar, 2011. FARIA, Maria Alice. Como usar o jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1996. HIRSCHMANN, Alberto. A Retórica da Intransigência: Perversidade, Futilidade e Ameaça. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: Jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. LIPPMANN, Walter. Public Opinion. NY: Dover, 2004. Originaly published by Harcourt, Brace and Company, New York, in 1922. NASCIMENTO, Luciano. Comissão Nacional da Verdade faz balanço positivo de 2012. Agência Brasil. Matéria de 30/12/2012 - 17h07. Acessado em 2 Jan 2012 em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-12-30/comissao-nacional-da-verdade-faz-balanco-positivo-de-2012 RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre Alerta - Condições e Contradições do Trabalho Jornalístico. São Paulo: Editora Brasiliense e Olho Dágua, 1994. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Volume I. Florianópolis: Insular, 2004. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2002. MATERIAIS COMPLEMENTARES - Edições de jornal consultadas para este artigo: Diário dos Campos - 1967 (15, 16 29, 31 de março; 1º, 2 de abril) e Jornal da Manhã - 1965 (3 de abril). Listagem incompleta. - Projeto de lei - Maio de 1965 - projeto de lei do prefeito José Hoffmann. - Álbum de Ponta Grossa 1967-1968. Gestão Plauto Miró Guimarães. - Verbete Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Argemiro_Camargo - FICiP – “Festival Internacional de Cine Político”. Quarta edição (8-14/05/2014). http://www.ficip.com.ar/ - UOL CINEMA - http://cinema.uol.com.br/filmes/2012/cara-ou-coroa.jhtm - As fotografias da placa de rua e do ônibus interbairros foram feitas pelo fotógrafo Alceu Bortolanza, publicadas em matéria do jornal cultural Grimpa (#05 / Abril-Maio 2006).
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