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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES DE PALETÓ – MODA E CULTURA MATERIAL
NO BRASIL DO SÉCULO XIX
Guilherme Domingues Gonçales1
Resumo: O objetivo deste trabalho é investigar, no contexto da sociedade brasileira
oitocentista, a adaptação de itens masculinos à indumentária feminina. Para além dos
vestidos, joias e chapéus ornamentados, os jornais dedicados ao público feminino, a
partir da década de 1850 até início do século XX, apresentavam às mulheres a
possibilidade de usar coletes, paletós, gravatas sem perder a elegância. Questiona-se,
assim, se a citação de artefatos originalmente masculinos teria agido como uma
estratégia simbólica e performática feminina de empoderamento em um período que
discussões sobre o papel da mulher ganha fôlego na imprensa.
Palavras–chave: Moda, Artefato, Brasil, Século XIX,
Ao vestir, moldar e dotar os corpos de sentidos culturais diversos, a vestimenta
torna-se chave primordial para compreender como grupos sociais se posicionam em seu
espaço de inter-relações, buscando aproximações e diferenciações. O vestuário interage
com o corpo, o indivíduo e a sociedade, sendo mais que uma cobertura funcional, as
roupas, na condição de artefatos, criam comportamentos, constroem identidades,
funcionando como produtos e vetores das relações sociais (Meneses, 1983, p. 112-113).
A partir dessas primeiras afirmações, podemos entender a roupa e a moda como partes
ativas de um fenômeno social denso e fontes constitutivas da experiência histórica
(Simioni, 2011, p.9). É nessa perspectiva que se almeja compreender como o vestir-se
das mulheres brasileiras abastadas do século XIX participou ativamente das mudanças
na sociabilidade e na identidade feminina. Especificamente, pretende-se analisar itens
comumente referidos ao vestuário masculino e que passaram a ser utilizados por
mulheres.
Na década de 1850, observa-se um aumento nos números de periódicos
destinados ao vestuário, em especial na capital da corte, a cidade do Rio de Janeiro
(Rainho, 2012, p.77). Nessa mesma década aparecem os primeiros elementos do
vestuário masculino apropriados pela vestimenta feminina. O colete e o paletó, agora
1 Mestrando pelo programa de pós-graduação em História social da Universidade de São Paulo - SP
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também femininos, começam a ser descritos como itens de elegância e da moda
europeia, principalmente a francesa. Apresentado pela primeira vez no Jornal das
Senhoras em sua segunda edição, o colete feminino recebia uma curiosa adjetivação –
de emancipação – que não aparecia junto a uma explicação. Uma peça para uso
cotidiano que a colunista afirma já estar usando em seus passeios no campo, em suas
visitas e cogitava ir a um baile com um na cor canário. O colete foi caracterizado desde
o início pelo periódico como algo revolucionário:
O colete de emancipação é uma destas modas distinctas e especiaes,
que de tempos em tempos Paris offerece as suas elegantes para n’ellas
produzir uma revolução e um furor que como a eletricidade, vae tocar
todos os pontos da França, todos os círculos da sociedade e por fim
percorrer victoriosa a europa toda, e chega a America para ahi fazer
outro tanto, sempre bem acolhida em toda parte. (sic)2
O colete era o furor e o delírio de toda parisiense, e a autora acreditava que seria
o de toda mulher que tivesse contato com essa peça, pois as outras modas não tinham
nada de novo, diferenciavam-se por ter mais ou menos babados tornando o vestuário
repetitivo. Além do mais, seria uma moda útil e econômica visto que: “as senhoras em
geral podem fazer, mesmo em casa, os seus coletes, bordal-os de marca ou ponto real, e
fantasial-os conforme seu bom gosto (sic).”3 Feito, preferencialmente, de seda, lã, fustão
ou metim, o “colete de emancipação” deveria ser usado com uma saia, um paletó muito
curto arredondado nas mangas que não poderia ser fechado para poder mostrar toda a
beleza da nova peça chave do guarda-roupa feminino de bom-tom. Tudo sobre uma
finíssima camisa de peito de renda, cambraia de linho ou tiras bordadas. Para arrematar
o traje uma “gravatinha” de fita de veludo.
A autora apresenta à sua leitora como os tecidos deveriam ser coordenados para
manter a harmonia da veste: seda com seda, lã com lã – não seria elegante misturar
esses dois tecidos – o mesmo não aconteceria com os de metim ou fustão, que
combinariam com qualquer tipo de saia, contanto que elas fossem da mesma “fazenda”
do paletó. A prova da peça era extremamente importante para acertar o molde ao corpo
2 O Jornal das Senhoras. Tomo I, quinta-feira, 11 de janeiro de 1852, p.9 3 O Jornal das Senhoras. Tomo I, quinta-feira, 11 de janeiro de 1852 p.10
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da assinante do jornal, sendo a costura feita do mesmo jeito que o de um colete
masculino. O colete era uma peça que ficaria bem em uma menina ou até mesmo em
uma senhora, da cidade ou do campo.
Mas um colete, um colete de homem (ora vejão que differença!) bem
talhado, com sua gollinha em pé, ou de rebuço, ou de traspasse,
empregado sobre o corpo esbelto e piramidal de uma menina de
quinze a vinte annos, ou mesmo de uma senhora até aos seus trinta e
cinco, é por certo mai bonito. Não se me dá de apostar, à vista do que
em mim se passa, que o colete de emancipação vae ser uma das peças
mais queridas, o talisman e o encanto, do guarda-roupa das elegante. É
a moda que faz ficar engraçado até o corpo das moças da roça! (sic)4
Pelo relato do dia 18 de janeiro de 1852, uma semana após a publicação que
continha o molde e a descrição do “colete de emancipação”, mesmo com os moldes dos
figurinos esgotados, já se podia observar a utilização da peça nos espaços públicos. A
colunista encontrou uma senhora usando colete no teatro S. Januário, outras três lindas
meninas em uma soirée na noite de quinta e na sexta à tarde, em um passeio, duas
jovens. Dessas a escritora fez questão de descrever a veste completa, atendo-se a
descrição da mais alta que usava saia, paletot e um colete branco bordado com a gola
em pé, quase fechado até em cima, com oito lindíssimos botões de pedras azuis e com
cabecinhas de ouro. Uma larga fita de chamalote azul ferrete prendia em forma de laço
de pontas fluentes um colarinho de uma camisa rendada, que se deixava perceber apenas
pela pequena abertura do colete. Chama a atenção o modo como a colunista descreve o
comportamento da jovem ao se vestir daquela forma:
O que porém rematava este lindo toilette de campo com inexplicável
graça era a feliz e bem combinada mistura expliquemo-nos assim, que
a elegante fazia, da sua gentileza com um bocadinho de garbo
masculino: ella passeava com uma das mãos apoiada ao seu colete e
com outra graciosamente brincava com os sinetes de seu relogeo. Era
um semi-homem cheio de feitiço e encantos. (sic)5
4 O Jornal das Senhoras. Tomo I, quinta-feira, 11 de janeiro de 1852 p.10 5 O Jornal das Senhoras. Tomo I, quinta-feira, 18 de janeiro de 1852, p.18.
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A jovem moça, segundo a colunista, era quase um homem, mas não perdia seu
charme e atrativo feminino mesmo brincando com os apetrechos masculinos. Uma
mulher feminina, nesse período até início do século XX, era facilmente reconhecida
pela sua aparência e tanto em textos quanto nos suportes visuais, as roupas eram usadas
para sinalizar desvio ou adesão ao ideal feminino (Rolley, 1990, p.47-48). Nesse trecho,
a jovem descrita desafiava convenções sociais sobre o que era ser homem e mulher ao
utilizar uma vestimenta que mesclava elementos típicos do vestuário masculino sem
perder a feminilidade, parece mais do que sinalizar uma adesão ou não ao ideal
feminino, a moça transitava entre os dois, experimentando as possibilidades criadas
pelos artefatos que possuía. A colunista afirma ter gostado tantos das duas meninas
dizendo que se fosse homem teria pedido uma das duas em casamentos, só não saberia
dizer qual.
Em 21 de Março de 1852, o Jornal das Senhoras trouxe desenhos de modelos de
paletós e coletes, pois fazia-se necessário que suas leitoras avaliassem o corte e a graça
dos pequenos paletots. Como descrito na seção de modas, “nesta estampa vereis pois os
differentes feitios dos paletots de melhor tom e os mais procurados em Paris (sic)”6. Os
modelos apresentavam, segundo a colunista, todas as partes principais que
caracterizavam as peças, funcionando como um guia para quem quisesse prepará-los em
casa. Sem descrever os tecidos, o corte, a costura e sem dizer se iria junto da edição os
moldes, a leitora que quisesse reproduzir uma dessas peças teria que contar apenas com
a estampa publicada no jornal. Nela os dois primeiros modelos de paletós apresentam
aplicações, possivelmente de renda, nos punhos e nos fechos das peças; os outros três
modelos de paletós são mais sóbrios, de corte mais reto e possuem lapela e punho bem
definidos, todos mostram uma peça usada por baixo podendo ser coletes, visto que o
texto dizia vir modelos de paletós e coletes, mas não se pode excluir a possibilidade de
serem camisas. Na figura 1, o quarto desenho (o do canto direito, na segunda fileira)
indica ser o modelo de um colete.
6 O Jornal das Senhoras. Tomo I, Domingo, 21 de Março de 1852, p.94
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Figura 1 – Estampa com seis diferentes modelos de paletós e coletes
O Jornal das Senhoras. Tomo I, Domingo, 21 de Março de 1852.
A associação do paletó como uma peça do vestuário masculino fica clara em um
artigo apresentado no semanário Novo Correio de Modas. No texto intitulado Negócios
de emancipação feminil é relatado uma exibição em Nova Iorque do “fato à bloomer”,
vestuário que não é descrito no texto – pode-se se supor ser as saias-calças,
popularizadas por Amelia Bloomer nos Estados Unidos, a partir de 1851. No entanto,
para mostrar que novidades em um primeiro momento causam estranhezas, mas depois
são incorporadas por fazem sentido, a senhora que conduzia a exibição discursa sobre os
paletós:
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Qualquer inovação provoca sempre murmúrios. Quando as senhoras
começarão a usar paletós, dizia-se que a moda não pegaria; parecia
que andavão vestidas com os paletós de seus maridos (riso). Lembre-
me agora que, no dia em que uma gravura de modas inglezas chegou a
America, uma de minhas amigas exclamou vendo o paletó: “Oh! que
deliciosa invenção! quando eu tiver pressa de sahir, vestirei o paletó
de William!” (sic)7
Após a leitura desse trecho presume-se que o paletó feminino já era aceito e
usado mesmo que em seu início tenha encontrado uma resistência, talvez por se
assemelhar aos vestuários dos maridos. A praticidade de uma veste masculina traria
graciosidade de forma rápida, permitindo as mulheres que o usassem se livrar de mais
uma preocupação: o vestir-se elegantemente. A roupa masculina, ao longo século XIX,
passa por uma grande transformação tornando-se mais padronizada, como um uniforme,
facilitando a movimentação nos seus afazeres fora e dentro de casa. A alfaiataria
moderna, feita em partes separadas, ordenadas em camadas e destacáveis, possibilitou
ao homem uma grande mobilidade física sem que fossem criados inconvenientes
estéticos em sua composição final. Estando em uma posição descontraída, de
relaxamento, o traje masculino se ajustaria a tal condição corporal sem causar
constrangimentos, proporcionando um conjunto fluido e gracioso, como acontecia se o
homem que o vestisse estivesse em uma posição ereta. Seria uma roupa socialmente
formal e informal ao mesmo tempo, obediente ao fluxo das circunstâncias, flexível
(Hollander, 1996, p.19-20). O uso de paletós por mulheres pode indicar a necessidade
das mesmas características produzidas pelo vestuário masculino na vida daquelas que os
usam, sugerindo que o papel feminino naquele período passava por transformações,
tanto em países da Europa, da América do Norte, quanto no Brasil.
A rápida urbanização de alguns centros urbanos brasileiros, ao longo do século
XIX, e os intercâmbios políticos e econômicos do Brasil com o exterior, possibilitaram
não só melhorias materiais na vida das mulheres dos segmentos médios e elites como
proporcionaram contatos com novos símbolos e modelos de comportamentos. A vida na
cidade oferecia alternativas de sociabilidade para além do meio familiar, incluindo a
7 Novo Correio de Modas, 1852, p. 37
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vivência nas ruas, nas igrejas, mas também em espaços como teatros e bailes, que
imprimiam uma nova dinâmica à vida social feminina. Para se sentirem integradas
àquela nova modernidade, novos hábitos e novos artefatos foram incorporados por estas
mulheres (Bicalho, 1989, p.81-82).
A década de 1850 no Brasil aparece como um período em que discussões sobre
o papel feminino ganha fôlego na imprensa, tendo como marco a publicação do Jornal
das Senhoras, primeiro jornal editado por uma mulher no país. Em um primeiro
momento a imprensa feminina reivindica melhores condições intelectuais às mulheres, o
acesso à educação faria com que elas desempenhassem melhor suas funções – como
mãe seria a primeira educadora de seus filhos, como senhora iria controlar o
funcionamento da casa. A dificuldade e o preconceito da entrada de mulheres no campo
da imprensa pode ser visto pelo número de participações anônimas no periódicos
(Hahner, 2003, p. 84-100). Em seus primeiros seis meses as colunas de moda do Jornal
das Senhoras eram escritas por uma colaboradora anônima que assinava apenas com o
nome da freguesia onde, possivelmente, morava: Catete. Com o passar dos anos as
colaboradoras dos diversos jornais femininos criados, passaram a assinar com o
primeiro nome ou com suas iniciais.
Com a possibilidade de inserção no campo escolar aberta desde 1827, com a
oportunidade de meninas frequentarem as escolas elementares e o ingresso a educação
superior permitido a partir de 1879, a imprensa feminina do final do século XIX passa a
reivindicar o exercício político por mulheres. No periódico A Família (1888-1897),
editado por Josefina Álvares de Azevedo, era possível acompanhar os debates, as
conquistas e as participações políticas das mulheres brasileiras. Junto com outras
escritoras, a gazeta reivindicou o direito da mulher ao voto, ao divórcio, informavam
sobre as primeiras mulheres a se formarem em cursos superiores no país, relatavam as
condições da mulher em outras partes do mundo e defendiam a independência
econômica do sexo feminino, apontando a necessidade do trabalho, muitas vezes fora de
casa (Prado; Franco, 2013, p.211).
Se, por um lado, em textos do A Família havia críticas à preocupação da mulher
com a moda e aos constrangimentos que algumas toilletes causavam, por outro, o jornal
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indicava às suas leitoras o periódico A Estação, considerado um dos de maior sucesso
nas últimas décadas do século XIX (Duarte, 2016, p.223-226). O periódico trazia uma
quantidade considerável de paletós, coletes, gravatas, colarinhos e até fraques
femininos. Os paletós corriqueiramente retratados no quinzenário, assim como os da
figura do Jornal das Senhoras, acompanhavam a silhueta de um corpo espartilhado,
mesmo quando o corpo feminino não se fazia presente (figura 2). Peça versátil usada no
espaço doméstico, para passeio ou viagens, o paletó apresentado pela A Estação podia
ser feito de diversos tecidos, fazendo par ou não com os vestidos, de diversos
comprimentos e geralmente, na sua descrição, o adjetivo justo acompanhava sua
denominação para reforçar a ideia de que a veste seguia o formato do corpo feminino.
No ano de 1890, o periódico traz pela primeira vez a figura de um paletó largo, que
depois passaria também a ser chamado “paletó-sacco” (sendo grafado também com
apenas um C), nome igualmente utilizado nas peças de mesmo corte masculino. Como o
próprio nome já diz, o paletó teria uma modelagem larga no corpo se contrapondo aos
modelos que até então eram apresentados, impedindo de perceber de forma clara as
linhas do corpo feminino. Indicado para ser usado nas mesmas situações que o de
modelagem justa, o paletó largo também era adequado para a prática de esporte. Os dois
modelos eram publicados, muitas vezes na mesma edição, sendo o modelo largo de
maneira muito menor.
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Figura 2 – Paletó justo Figura 3 – Costume de sport com sacco
A Estação, 15 de setembro de 1879 A Estação, 15 de outubro de 1901
O costume de sport, publicado na edição de 15 de outubro, na Estação, seria um
traje juvenil feito de tecido diagonal inglês e imitaria o “paletó-sacco” dos homens.
Com bolsos no lado esquerdo, na figura 3 ainda percebe-se um colarinho alto com o
possível uso de uma gravata; um chapéu de abas curtas, sóbrio; e um guarda-chuva na
mão esquerda. Salienta que a peça forma um conjunto com uma saia, possivelmente de
mesmo tecido, sendo quase improvável seu uso com uma calça ou uma saia-calça.
Comparando tal traje ao paletó justo (figura 2) sugere a ausência do espartilho no paletó
largo (figura 3), talvez para garantir um maior conforto e melhor desempenho no
esporte. A prática esportiva para mulheres ganha forte divulgação nas páginas da
Estação, para além do tradicional hábito de andar a cavalo; jogar tênis, pescar e nadar
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passam a ser mais uma atividade da mulher moderna, para um melhor desempenho as
roupas deveriam tornar-se mais funcionais aos movimentos (Riello, 2012, p.74). Ao que
parece, essa funcionalidade é adquirida por empréstimo das técnicas e tecidos usados na
construção do vestuário masculino.
Nesse processo de debates para ampliação dos direitos da mulher e incorporação
de novos hábitos e costumes, uma moda que parece tencionar as restritas identidades do
masculino e do feminino é divulgada, possivelmente produzindo novos comportamentos
naquelas que usassem e mobilizando o corpo a ter novas posturas. Ao analisar o nome
sugerido pelo Jornal das senhoras ao colete, de emancipação, percebe-se que tal peça
poderia proporcionar a autonomia daquelas que o vestisse. Produzindo uma síntese
dinâmica entre objeto, corpo e espaço, tal peça de roupa permitiria a produção desses
novas identidades sociais, nesse caso a de uma mulher emancipada, como aponta
Warnier (Rede, 2001, p.283-284).
Parte integrante dessa subjetivação, o colete e o paletó não podem ser entendidos
apenas como suportes de sentidos, como mera materializações dos discursos produzidos
em torno das reivindicações femininas. Como defende Latour, os artefatos são
mediadores sociais, exercendo um papel social como qualquer humano nas redes em
que estão inseridos (1991). Os coletes funcionavam, pelas leituras que as colunas de
moda dos jornais aqui analisados, como atores sociais da mesma forma que mulheres e
homens que estavam advogando pela emancipação feminina ou os jornais,
possibilitando que papéis sociais fossem repensados. Ao vestir-se com um colete e um
paletó, peças comuns ao vestuário masculino, as mulheres reconstruíam os sentidos
associados em torno de tal veste e apresentavam mais um meio para refletir sobre o
papel feminino naquela sociedade.
Vestir-se com peças tipicamente masculinas permitia à mulher expressar-se
socialmente ao mesmo tempo que garantia certa segurança, pois se mais senhoras
vestiam-se de forma parecida, ela não estaria sendo uma desviante. A moda tem essa
característica, ao mesmo tempo em que expressa a individualidade e contesta padrões,
produz uma homogeneidade, dificultando em um primeiro momento perceber os
desvios provocados ao ser adotada.
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Referências
a) Fonte
-A Estação – jornal ilustrado para a família. Ano I-XXV; 1879-1904. Rio de Janeiro:
Livraria Lombaerts & comp.
- O Jornal das Senhoras – modas, literatura, belas artes, teatros e crítica. Ano I-IV;
1852-1855. Rio de Janeiro: Tip. Parisiense.
- Novo Correio das Modas – novelas, poesias, viagens, recordações históricas, anedotas
e charadas. Ano I-III; 1852-1855. Rio de Janeiro: Tip. E. M. Laemmert.
b) Bibliografia
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Rio de Janeiro em fins do século XIX e início do XX. In: COSTA, Albertina de
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RIELLO, Giorgio. História da Moda – da idade média aos nossos dias. Lisboa: Edições
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historicidade no Brasil. In: BONADIO, Maria Claudia; MATTOS, Maria de Fátima da
S. Costa G. de (org.). História e cultura de moda. São Paulo: Estação das Letras e
Cores, 2011.
Women in suits - fashion and material culture in nineteenth-century Brazil
Abstract: This article aims to investigate the incorporation of male attires into female
pieces of clothing in eighteenth century Brazil. Despite dresses, jewelry and ornamented
hats XIX century publications presented their female audiences the possibilities of
wearing waistcoats, suits and ties without losing the elegance. The article’s question
focuses on whether originally male designed artifacts could be used as both a symbolic
and performatic strategy for female empowerment during a period in which women’s
role in society gains the public eye.
Keywords: Fashion, Artifacts, Brazil, nineteenth-century
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