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1
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP
ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS - EESC DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO - SAP
MONOGRAFIA: UM ARQUITETO E UMA CIDADE
2
L O S A N G E L E S , C A L I F Ó R N I A
3
Danilo Eric dos Santos
Gabriel Nery Prata
Rafael Goffinet de Almeida
Rafael de Oliveira Sampaio
Rafael Neves Rodrigues Alves
Vítor Locilento Sanches
4
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 6 INFLUÊNCIAS E HISTÓRIA ............................ ........................................ 17 INFLUÊNCIAS ....................................... ................................................... 18
DESENHOS .............................................................................................. 24
NEUTRA E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL ......... ............. 31
DA ESLOVÁQUIA A SUÍÇA – DE TREN ČIN À ZURIQUE ..................... 38
SUÍÇA E ALEMANHA .................................. ............................................ 41
BRADENBURGO, ALEMANHA ............................. .................................. 51
ERIC MENDElSOHN ................................................................................ 56 CONCEITOS ............................................................................................. 62
INFLUÊNCIAS PRÁTICAS E TEÓRICAS ................... ............................ 63
RELAÇÕES HUMANAS ENTRE ARQUITETOS E CLIENTES ...... ........ 66
SOBRE DESENHOS ................................................................................ 74
DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZADO ............... ..................... 77
DO ORGÂNICO ........................................................................................ 85
RICHARD NEUTRA E OS ESTADOS UNIDOS ................ ...................... 88
INFLUÊNCIAS E REFERÊNCIAS ......................... ................................... 89
CONTEXTO HISTÓRICO ....................................................................... 105
LOS ANGELES........................................ ............................................... 106
PRINCIPAIS OBRAS 1925 - 1935 ...................... ................................... 133
LOVEL HEALTH HOUSE – 1927 ......................... .................................. 134
VAN DER LEEUW RESEARCH HOUSE - 1932 ............... ..................... 139
Conona School – 1935 .............................. ............................................ 157
5
CONTINUIDADE ..................................................................................... 168
DÉCADA DE 40 – NOVA YORK E CHICAGO ................ ...................... 169
DÉCADA DE 40 – LOS ANGELES ........................ ................................ 175
VIAGENS ................................................................................................ 178
ARQUITETURA SOCIAL ................................ ....................................... 182
O MUNDO RURAL PEDE ARQUITETOS ..................... ......................... 183
ESCOLAS RURAIS E CENTROS SOCIAIS EM REGIÕES DE CLIM A AMENO ................................................................................................... 189
A ESTRUTURA DA ESCOLA RURAL ....................... ........................... 196
ESCOLAS EM PEQUENAS CIDADES ....................... ........................... 202
O PRINCÍPIO DA FELXIBILIDADE....................... ................................. 204
A ÁREA BÁSICA DA SALA DE AULA ..................... ............................ 206
DEPÓSITO .............................................................................................. 210
ÁREAS SEPARADAS ................................... ......................................... 212
GABINETE DE CIÊNCIAS NATURAIS ..................... ............................. 214
OFICINA DE ARTES INDUSTRIAIS ...................... ................................ 216
SEÇÃO DE ECONOMIA DOMÉSTICA ....................... ........................... 219
REFEITÓRIO .......................................................................................... 221
ESCRITÓRIO DAMINISTRATIVO E SALA DE REPOUSO PARA O DOCENTE ............................................................................................... 223
INSTALAÇÕES SANITÁRIAS ............................ ................................... 224
RICHARD NEUTRA E O BRASIL ......................... ................................. 226
APROXIMAÇÕES ...................................... ............................................. 227
ÍNDICE DE OBRAS ................................... ............................................. 238
6
INTRODUÇÃO
7
Richard Neutra em seus pensamentos e trabalhos tem
sempre demonstrado grande preferência por projetos de alta significação social, como sejam escolas, serviços de saúde problemas de habitação, planejamento de cidades e seus arredores. Mesmo quando o cliente é um particular, Neutra considera a futura obra por seu duplo aspecto: primeiro, atendendo as necessidades do cliente, para o que estuda ate ao Maximo seus problemas e desejos; segundo, procurando ser útil a coletividade do lugar no qual será construído o novo prédio, de forma que este possa integrar-se harmoniosamente no conjunto. Para isso, realiza estudos e pesquisas especiais (integração entre o edifício e o ambiente).
8
Clara e conscientemente, Neutra teve sua atenção presa a muitos problemas originados pelo advento de novos métodos e processos de fabricação que tornariam a maior parte de seus desenhos aproveitáveis como padrões para a produção em serie, ou para a larga aplicação de utensílios e materiais modernos. Mas, por maior que seja a beleza e o significado de seus trabalhos e por mais que mereçam ser considerados do ponto de vista do individuo, Neutra durante três décadas apresenta ou em suas obras um amplo aspecto social, fértil e altamente instrutiva para uma geração destinada a agir no cenário mundial.
Neutra parte da noção de que a arquitetura nasceu das necessidades de se abrigar o homem, os historiadores traçam uma derivada da primeira caverna habitada por seres humanos. Mas tal abrigo, hoje muito mais do que naqueles períodos, não é somente uma moradia; é também escola, igreja, fabrica e teatro - a arquitetura desdobrou-se no urbanismo e em sua mais ampla acepção e a serviço da coletividade em todos os setores da atividade humana.
9
Sua concepção arquitetônica se embasa na funcionalidade,
que se destina a necessidades humanas, libertada de formalismos excessivos. São, dessa forma, necessariamente equilibradas e harmoniosas e sua compreensão humana se revela cada vez mais profunda.
Segundo Russel Hitchcock:
“A organização técnica de Neutra, a sua habilidade com relação à possibilidade e oportunidade nos planejamentos coletivos, é ainda mais significativa do que seu trabalho de arquiteto. Ele tem atuado também como crítico, não somente por nos trazer informações a respeito de métodos de construção. Seus livros, com suas informações de ordem técnica e
10
seus projetos minuciosos, são de tanta importância quanto os prédios que tem idealizado e construído”.1
Sua atividade literária tem alcançado todos os continentes
sendo traduzida em todas as línguas cultas do mundo, estimulando a opinião publica de muitos países, assim como a sua constante colaboração em numerosas revistas, tem esclarecido, guiando e interessando a milhares de pessoas, particularmente das novas gerações, muitas das quais nunca o viram pessoalmente, mas são por ele influenciadas através da publicação e reprodução de seus estudos e projetos.
Outro importante setor de influencia de Neutra sobre o
desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo são os numerosos projetos para iniciativas particulares e os que têm realizado para o governo norte-americano e outros. Todos estes projetos, uma vez entregues para estudos, têm merecido o melhor de seus esforços.
1 HITCHCOCK, Russel in NEUTRA, Richard. Arquitetura Social em países de clima quente, São Paulo: Gerth Todtmann, 1948, pp. 14.
11
Além disso, Neutra tem participado de comissões para concursos nacionais.
Apesar de todos os grandes problemas teóricos que é
constantemente obrigado a resolver, Neutra gosta de fixar sua atenção ate o menor detalhe das estruturas que lhe sai confiadas, pois, para ele, nenhum deles é tão pequeno que não mereça o melhor de seus interesses. Ele não é somente pesquisador de infinita paciência e rigorosos método que experimenta a utilização de algum material como também é sociólogo e psicólogo dos indivíduos para os quais é chamado para construir. Em todos seus trabalhos demonstra dedicação realmente escrupulosa, desde a elaboração do programa e dos preliminares até o mobiliário e o estudo da conservação e do funcionamento do edifício.
Neutra desenvolveu algumas inovações valiosas vinculadas
a proposições de âmbito social, uma delas foi a introdução a projetos e desenhos modernos para casas mínimas, o que seria, alias o dever social do projetista de tal momento. Neutra
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desenvolveu projetos de casas de 3000 a 3500 dólares executadas individualmente e com todo o mobiliário embutido, inovações no planejamento de projetos de habitação incluindo instalações especiais de uso das comunidades e um método de urbanização muito adiantando para o período que terminou com a segunda guerra mundial.
Projetos de escolas; combinação de salas de aula com
espaços ao ar livre, o que representa o primeiro estudo racional de salas de aula em escola públicas. Projeto de um complexo sistema de escolas urbanas e rurais em Porto Rico. Estudo racional para a solução de problemas dos serviços de a saúde publica, analise minuciosa e desenho de centros de saúde na cidade e no âmbito rural, especialmente em contrate com hospitais antigos, e estudos para clínicas de doenças pulmonares, venéreas, de maternidades com seus serviços de proteção a gestantes e a parturiente e clínicas para crianças.
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Estudo para o uso de fontes de luz indireta, do lado externo de paredes transparentes, para a iluminação de interiores, e outras idéias pratica do mesmo gênero. Também foi ele o primeiro a usar em casas pequenas, aquecimento e paredes e assoalhos através de radiadores embutidos, como fez em 1935, na casa Berad e pela qual mereceu a medalha de ouro no concurso “Better Hommes in America”, quando o júri que sempre fora conservador, impressionado com três trabalhos de Neutra, para a surpresa de todos rompeu com a tradição de voltar pelas sempre premiadas repetições convencionais.
Neutra apresentou também construções que serviram de
padrão para a construção em série. Desenvolveu um dos fundamentos de elementos pré-fabricados, apresentou tipos padronizados de construção em madeira e mostrou a aplicação destes em projetos contemporâneos, fez o uso sistemático e bem sucedido do “Plywood” e foi um dos primeiros a usá-lo como revestimento exterior. Neutra usou também chassis de aço padronizados em moradias como, por exemplo, a “Health House”,
14
em 1927, e ainda o primeiro a apresentar o esqueleto de aço previamente soldado, como se viu na “Backstrand House”, em 1938.
Neutra possuía ainda pesquisas vinculadas a mobiliário, foi
o autor de um mobiliário absolutamente novos em suas estruturas funcionais, inclusive poltronas de mola, assim como mesas de usos múltiplos para moradias pouco espaçosas , e um grande numero de outros desenhos de moveis econômicos para uma produção em escala industrial e uso popular.
Em prefácio para o livro “Arquitetura Social”, Gregory
Warchavichk faz uma abordagem bastante apaixonada sobre o arquiteto. De acordo com Warchavichik, os métodos de Neutra, as suas pesquisas e experiências da vida prática são refletidos em suas obras e em seus projetos de urbanização, muitas vezes bem avançados para sua época, mas realizados com absoluto senso das realidades humanas. A solução realmente aplicável, aquela
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para qual tendem tanto a técnica moderna como a consciência social, é sempre a que seu trabalho indica e talvez esteja melhor representada em seus trabalhos relativos a educação e a saúde publica.
De fato, em sua escola experimental para Los Angeles, Neutra prestou benefícios às crianças de duas cidades e à junta local de educação. Esses benefícios ainda atingiram a outros, pois pela primeira vez se combateu toda a oposição convencional da época, Neutra acabou criando uma combinação flexível da sala de aula ligada com o ar livre, própria para um método de ensino em que o aluno aprende variando suas ocupações. Condenou a antiga sala de aula em que o aluno era obrigado a permanecer sentado apenas ouvindo as preleções do professor e com isso mereceu elogios entusiasmados de diretores, professores e país.
Do ponto de vista econômico, técnico, estético e humano, essa estrutura oferece uma solução ideal, um melhoramento sobremodo feliz e que abre caminho para maiores
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aperfeiçoamentos. A fama dessa escola já se espalhou pelo mundo afora e ela foi considerara um exemplo único.
Os projetos de Neutra para o vasto programa de serviços de educação e de saúde da ilha de Porto Rico, incluindo neste volume que trata da arquitetura social, estão moldados no mesmo espírito dos projetos para os serviços de utilidade coletiva, idealizados para a Califórnia, e testemunham seu alto senso de consciência social.
Neutra não se limita ao pleno do mínimo de todos os recursos técnicos e nem aos seus tão proveitosos estudos a respeito das necessidades sociais, acima de tudo isso através da sensibilidade artística incomum, paira uma compreensão instintiva e uma extra-ordinária sabedoria sobre os homens e as coisas.
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INFLUÊNCIAS E HISTÓRIA
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INFLUÊNCIAS
Richard Neutra era filho de Elizabeth Glaser, irmão de
Siegfried Neutra, engenheiro mecânico, Guilermo Neutra, médico,
e Josefina, sendo o mais novo dos quatro filhos do casal. Os
irmãos tiveram um caráter muito marcante com relação as suas
influências artísticas. Schopenhauer chegou a ser o favorito de
Neutra em sua adolescência e começou a se interessar por
Nietzche devido a Siegfried através da obra O Nascimento da
Tragédia. Do irmão Guilermo, são provindas as influências médico-
19
fisiológicas, que guiarão Neutra ao longo de toda sua história e
produção arquitetônica.
Muito das influências que Neutra obteve vieram da
infância: a percepção infantil, o fato de que o espaço da casa
possuía peso significativo no desenvolvimento da criança e a
importância da criada, que representa uma época diferente. A
respeito de dias de faxina em casa, Neutra cita que “as tarefas
domésticas são nossas companheiras inseparáveis, porém de
nenhum modo prazerosas”2.
Siegfried sofrera uma hemorragia pulmonar quando tinha
seus 19 anos, quando voltara de Praga, onde estivera por nove
meses. Quando adoecera, Guilermo chamara um renomado
médico de Viena, o Dr. Schretter Von Cristelli. Neutra descreve a
cena que o impressionara durante sua juventude: o clínico
analisara o estado de seu irmão e dera um diagnóstico. Siegfried
era sangravam muito, porém o problema não era tão grave como
2 Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 37.
20
aparentava ser. Segundo Cristelli, com aqueles pulmões, viveria
bem até os setenta anos. Cinqüenta anos depois, Siegfried, com
seus 69 anos, falecera em uma clínica para tuberculosos, seis
meses antes de completar seus 70 anos. Neutra se diz
impressionado durante toda sua vida com a precisão do clínico que
avaliara o caso de seu irmão e de seu diagnóstico. Um fato
realmente extraordinário tal como a sagacidade clássica que o
impressionara naquela etapa inicial de sua vida. Cristelli
representara para Neutra um console em casos em que, como
arquiteto, apenas poderia apoiar-se em outras coisas que não
fossem meras observações.3 Acaba colocando que um arquiteto
também pode se converter neste destacado clínico caso identifique
em certos rastros as provas que lhe interessem. Pode, e deve
realizar sua tarefa sem respaldo de qualquer fundação Rockfeller.
Em 1900, aos oito anos, ainda que sem muita precisão e
certeza, Neutra seguramente decidiu se tornar arquiteto, devido a
uma viagem realizada em um ônibus metropolitano em Viena,
3 Ibid. Pág. 62.
21
cujas estações foram desenhadas por Otto Wagner. Passou a
sentir um grande apreço por Otto Wagner, por suas construções e
sua luta contra uma vigorosa oposição e ridículo públicos. Era um
missionário, o homem que viera para destruir um passado sem
vigência. Em seu caráter de mestre recentemente designado da
Academia Imperial de artes, iniciou seu curso com um manifesto
sobre a arquitetura moderna e contemporânea4. Para Neutra
naquela época, constituía em seu arquiteto ideal.
Neste período, Otto Wagner e Louis Sullivan – intitulados
por Neutra como o homem maior e o gênio mais jovem,
respectivamente – tinha que lutar contra uma oposição ao mesmo
tempo divertida e cruel de uma política ditatorial de Karl Lueger em
Viena5. Décadas depois, Neutra analisa tal contexto e afirma que
4 Ibid. Pág. 65. 5 Karl Lueger (1844-1910) foi o presidente da câmara de Viena entre 1897 e 1910 e foi o líder do partido social cristão que tomou o poder dos liberais alemães em Viena e combateu os sociais democratas. Sendo apenas uma pequena facção no parlamento austríaco, o partido social cristão ganhou uma posição minoritária câmara de Viena em 1895 e subseqüentemente ajudou Lueger a adquirir a maioria. Após três recusas, o imperador Franz Josef acabou por finalmente sancionar a sua eleição em 1897. Conhecido pelo seu Anti-semitismo, Lueger foi
Evocação de torres e campanários de uma igreja. A alma tem muitas portas. Tournay.
22
nem com um ditador experiente e com todas as ações políticas do
mundo poderia ser ponto de partida de uma época criadora ou de
trabalhos geniais. Critica o fato de ter um lento processo de
absorção de obras de um artista, podendo sobreviver trabalhos
mesmo depois da morte de seu autor, ou seja, a aceitação tardia.
Refere-se ao episódio como
“uma grande esperança de um futuro melhor sepultada
em uma tempestade que se iniciava por obra de uma
astuta e fria intriga política, que aos olhos do povo
parecia uma atitude de virtuosa solicitude pela nobre
herança comum.” 6
Posteriormente, em seus 48 anos, Neutra perceberia
como que se destruíam valores que ele mesmo, em colaboração
tido por Adolf Hitler como uma inspiração para a forma mais tarde ainda mais virulenta do Anti-semitismo. Ele também advogava políticas racistas contra todas as minoria de língua não-alemã na Áustria-Hungria. O seu racismo inspirou alguns dos líderes da república austríaca (entre 1918 e 1938), tais como Ignaz Seipel, Engelbert Dollfuss e Kurt von Schuschnigg. 6 Ibid. Pág. 69.
23
com amigos, havia criado em anos de trabalho árduo e, quase
literalmente, com o sangue e energia de seu coração.
24
DESENHOS
Neutra nascera com olhos cujas capacidades de visão
eram bem distintas, o que tomara como base para concluir, quando
adulto, que se tratava de uma condição que constituía parte vital de
sua estrutura. Havia incorporado um caráter e tendências
específicos, mas não somente uma visão específica e importante e
dúbia sobre o mundo, mas também percepção de dimensões
distintas, atmosferas diferentes e variadas conseqüências de
caráter criadora vida e ao mundo em que vivia. Seu olho direito era
25
bastante míope e acabara desenvolvendo hipermetropia no olho
esquerdo ao longo dos anos. Considerava tais características
como partes de um processo vital, assim como percebera a
mudança de coloração dos cabelos e dos olhos ao longo da vida e,
principalmente, o fato de seus pais terem a deficiência visual
ampliada com o tempo. Seu par de olhos nunca cooperava para
que ele tivesse a mesma visão que os demais, de modo que seu
mundo visual envelhecera de maneira distinta. E é esta a
substância que determinaria a evolução de um indivíduo, segundo
este seu pensamento.
Seus desenhos datados a partir de 1906 já começam a
evidenciar essa peculiaridade de seu olho direito. Em 1899,
desenhava diariamente com um método até bastante frio cenas da
Guerra dos Boers7, porém acabara despertando sentimentos que
se voltavam a favor dos valentes boers que lutavam pela liberdade.
7 As guerras boers ou guerras dos boers (ou bôeres) foram dois confrontos armados na África do Sul que opuseram os colonos de origem holandesa e francesa ao exército britânico que pretendia apoderar-se das minas de diamantes recentemente encontradas naquele território. A Primeira Guerra dos Bôeres deu-se em 1880-81 e foi ganha pelos boers, mas a segunda, entre 1899 e 1902, levou à
A Acrópole eterna, dominando o cemitério dos seres de vida curta, Atenas.
26
Admirava o caráter progressista da indústria e tecnologia
britânicas, considerando a marinha inglesa a materialidade disso
tudo e desenhava com prazer as embarcações de complexas
maquinas bélicas e nobre forma. Segundo seu irmão Siegfried, a
industrialização era o destino da época e a Inglaterra mantinha os
instrumentos de tal destino.
Neutra, em contato com os ensinamentos do irmão
acerca de motores e apitos a vapor, desenhos de seções
transversais e longitudinais de peças, tudo isso o preparara para o
que teria anos depois: os detalhados sistemas de tubulação
reproduzidos nos tabuleiros de desenho em Chicago.
Ao desenhar árvores no verão vienense, Neutra as
desenhava a partir do olho direito e as massas de folhagem
segundo o olho esquerdo e se perguntava qual de suas visões era
a autêntica.
anexação das repúblicas boeres do Transvaal e do Estado Livre de Orange à colônia britânica do Cabo.
Praça de touros espanhola, ao fundo o crucifixo. Ruído, crueldade e destreza,
também quietude e piedade. Chinchón.
O rio Tejo serpenteia calmamente e se solta abaixo de Toledo, a cidade orgulhosa de suas espadas.
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Em 1907-8 sua produção de desenhos já se encontrava
bastante desenvolvida. E aos 18 anos, dedicou-se durante 14 dias
a percorrer um bosque de Bohemia em companhia de Edmund
Kalischer, seu condiscípulo, levando consigo em uma mochila um
caderno de desenho, pincéis e uma caixa de aquarela, a fim de
produzir desenhos e enriquecer seu traço e sua forma de desenho.
Em 1911 viajara até Trieste, com Ernest Freud, filho de
Sigmund Freud, que se simpatizaram muito com a viagem e
acabaram discutindo o percurso com o professor Alexander, irmão
de Freud, viajante e homem de negócios, conhecedor de todas as
pousadas da pouca freqüentada costa do Adriático Oriental.
Visitaram várias localidades, dentre elas Pola, Split, Sebenico,
Trogir, Korcula, Lesina, Gravosa e Lacroma e o preparo de rápidos
croquis se convertera em hábito cotidiano. Levara uma câmera
fotográfica e, o mais importante que considerava, folhas de papel e
lápis de médias durezas. Costumava evitar ao máximo o uso da
borracha, pois ela destruía o estímulo de linhas desenhadas umas
atrás das outras.
28
No fim do verão de 1911, com outro condiscípulo,
conhecera Tirol, onde fora visitar a família de Freud que passava
suas férias em Bozen. De lá, conheceu Torbole, Verona, vales de
Bergano, Brescia, Milão, Florença, Gênova, Livorno, Bastia,
Bologna, Ferrara e Veneza. A velocidade com que passou a
realizar os croquis impressionava aos amigos, porém não possuía
pretensões com relação à esfera artística.
Em 1913, ingressou no curso de graduação de
Arquitetura na Universidade Técnica de Viena, aprendendo a
desenhar seminus com grande destreza , leveza e soltura no traço.
Linhas e movimentos quase contínuos, variando densidades e
outras propriedades do traço. Tivera aulas com o Prof. Heller,
anatomista que realizava conferências veementes e animadas
sobre morfologia humana, inclusive autópsias e dissecações de
corpos humanos perante seus educandos de arquitetura. Neutra
considerava Heller um artista de segunda ou terceira ordem, porém
um expositor robusto e tremendamente dinâmico.
A cidade das vias de água. Obra humana estática e perdurável entre água e as nuvens. Veneza.
29
Neutra acreditava que, enquanto muitas pessoas bebiam
café ou vodca para ativar o cérebro e estimular as glândulas, para
ele o hábito de desenhar realizava tais ações perfeitamente bem.
Entre seus dezoito e dezenove anos, enquanto estava no
serviço militar, aprendera a dar movimento aos desenhos, através
de croquis feitos enquanto observava Victor Imhoff Von
Reutlinghof, seu professor de equitação. Desenhara cavalos
trotando, galopando e saltando. Cponhecera Threska Sturn a qual
também desenhava quando se encontravam depois das horas de
faxina no ateliê de costura de Kroell.
Antes do começo da 1ª Grande Guerra Mundial,
participara de uma excursão ao longo do Rio Danúbio, cidade de
Krems e Stein. Continuava com seus desenhos à mão em uma
colaboração íntima com a visão e ruídos.
Em 1912, com 20 anos, no curso de Arquitetura, em
aulas com o professor Mayreder, desenhara templos jônicos e
coríntios, estudando minuciosamente seus detalhes, com inclusão Neve natalina, feita há muitos anos, velho, porém inesquecível. Austria.
Arbusto seco, afundado na neve profunda do inverno.
30
de sombras e indicações exatas das proporções medidas e
moduladas. Ficara fascinado com o quão humano era o material
com que os gregos aprenderam a produzir lentamente.
Aprenderam a refinar as matizes até que no fim tudo deveria
compreender em um objeto harmônico.
31
NEUTRA E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA MUNDIAL
Durante a 1ª grande Guerra Mundial, desenhava muito
nas horas vagas entre um serviço militar e outro em Hezergovina,
Montenegro e Albânia.
No verão de 1914, um mês antes do início da 1ª Grande
guerra mundial, o arquiduque Francisco Fernando fora
assassinado em Sarajevo e um mês depois seu herdeiro e sua
viúva foram vítimas mortais de um atentado, que muitos afirmaram
ter ocasionado a guerra.
32
Neutra ingressara nas Forças Armadas acreditando que
dali a seis meses estaria de volta e poderia viajar pela Itália. Porém
uma vez incorporado ao serviço como muitos, Neutra acabou
ficando obrigado no exército entre nove e doze meses. Mesmo
assim, durante julho de 1914, com seus 22 anos, Neutra tivera a
breve oportunidade de conhecer a antiga cidade provincial turca de
Moztar, a caminho da fortaleza de Trebinje, onde começou a
enxergar que o contexto em que se encontrava inserido era de
grandiosas proporções de preocupação. Via-se como um arquiteto
pacífico de Viena, onde estavam as suas figuras principais: Otto
Wagner, Joseph Hoffman, Fabiani e Adolf Loos, este em um lugar
especial, a quem Neutra se referia a como um revolucionário de
distinto caráter.
Otto Wagner fora ídolo de Neutra até antes de ele
conhecer Fank Lloyd Wright e Sullivan nos EUA, país para onde
posteriormente se instauraria e ao qual se referia como o amor não
correspondido de Loos. Pensava em ir para a Califórnia, onde,
segundo ouvia muito dizer, morava Wright.
Porta da cidade no deserto da Nigéria Setentrional – elo do mundo exterior ao mundo interior.
Do poço de água, argila para uma cidade. Saara Meridional.
33
Porém era obrigado a deixar tais pensamentos de lado e
se focar no cenário de guerra em que se encontrava. Lutara no
exército de Habsburgo. Durante a guerra, Neutra aprendera eslavo
meridional e, assim como seriam todas as outras línguas
aprendidas no decorrer da vida, sem a necessidade de livros.
“Durante o primeiro ano de guerra, não
participaram Itália nem África. As outras grandes
potências militares haviam comprometido em uma
terrível exibição de energia e armamentos acumulados
durante os tempos de paz. O destino de minha vida era
a construção, porém ali e então tudo se orientava era a
destruição em escala sem precedentes.”
Neutra elabora algumas reflexões em 1915, enquanto na
guerra, a respeito dos equipamentos sociais – escolas, centros
comunitários – e casas que haviam deixado de ser construídas
para se financiar aparatos bélicos e a economia da guerra.
34
Também refletiu sobre o desenvolvimento tecnológico e
orçamentário desde a expulsão dos filisteus, e calculou
“[…]o custo de duas horas de bombardeio
naval a uma curva ferroviária que havia sido reformada
na mesma tarde. Todavia, hoje procuro calcular quanto
menor é o custo da paz quando se utiliza de arquitetos
em atendimento civil, precisamente o que eu ansiava
então.” 8
“O arquiteto que não vivera sua própria
odisséia, que está vivendo em uma área metropolitana
e conhece apenas um pouco mais do que seu próprio
meio provinciano, em verdade, não pode servir à
humanidade em sua forma atual em um mundo que se
tem contraído notavelmente.” 9
8 Ibid. Pág. 111. 9 Ibid. Pág. 111.
Seiva de uma árvore se lançando sobre o rio Congo.
35
Com a 1ª Grande Guerra Mundial, Neutra percebera que
existiam várias regiões que necessitavam de desenvolvimento e
que, apesar de incapacitado de exercer a profissão, aprendera
muitas coisas que o ajudariam a posteriori em sua produção.
Destaca a região montanhosa de Montenegro, no leste europeu,
como sendo uma das áreas mais problemáticas dos centros
civilizados e que nem nas Américas, África ou Ásia havia tantos
lugares remotos e esquecidos pelo progresso cultural.
Durante as ocupações em período de guerra, com o
idioma mais decantado, Neutra se permitira participar mais da vida
civil das cidades onde permanecera, podendo ter uma apreensão
maior daqueles que habitavam aquelas cidades, sobre seus
costumes, arquiteturas, modos de vida, cultura e geografia.
“A viagem aportou muitos dadospráticos de
caráter antropológico.[…] Os habitantes das zonas
rurais de Montenegro davam a impressão de serem
provavelmente os camponeses mais nobres e dignos
que pudesse encontrar, quiçá ainda mais do que os
Pátio de um monastério protegido do vento. Lima.
36
espanhóis. Em uma cidade como Cetinje, é possível se
encontrar com pessoas que haviam vivido um par de
anos nos Estados Unidos e que se dedicam a vender
licores ou administrar bordéis. Porém a maioria dos
habitantes são maravilhosas réplicas do nobre
selvagem descrito por Chateaubriand em fins do século
XVIII, quando exaltou aos peles-vermelhas. Porém
quando alguém entrava em uma casa em modos de
caverna e inesperadamente veria a parede coberta por
tarjas postais e fotográficas de parentes de residiam
nos EUA, a coisa parecia incongruente e perdeu a
hierarquia e o caráter desse meio primitivo. É fácil
destruir a harmonia cultural dos seres humanos e dos
animais em um ambiente abundante de névoa, cuja
contemplação constitui uma experiência tão notável
para o arquiteto e ao projetista do meio humano.” 10
10 Ibid. Pág. 119.
Ladeira ensolarada no ártico. Quiçá no curso deste século o átomo transmitirá calor e fecundidade ao território do noroeste?
37
Durante a guerra, Neutra visitara várias localidades,
dentre elas, as cidades de Kotor, Nis, Podgorica, Cetinje,
assentamentos em Shkodër e a cidade de Lesh, ondeo batalhão de
345 soldados e 06 oficiais – dentre estes último, estava Neutra –
adoecera de malária, cólera e tifóide, restando apenas 65 das
centenas de soldados e apenas Neutra dos oficiais, que contraíra
malária nesse ínterim, logo no começo de sua grande busca por
hospitais para se tratar junto com os homens restantes. Além
destas, também conhecera Trenčin e Budapeste.
38
DA ESLOVÁQUIA A SUÍÇA – DE TREN ČIN À ZURIQUE
Quando na Albânia, durante a guerra, Neutra conhecera
o subtenente Herzka, que posteriormente o reconheceria em
Trenčin, Eslováquia. Por estar mais familiarizado do que Neutra na
cidade, porém infectados pela malária, Herzka encontrara um
quarto para Neutra fora do hospital, na casa da baronesa
Zahoransky, uma húngara cujo marido havia vivido na Inglaterra e
nos Estados Unidos e construíra sua residência seguindo o estilo
A colombiana Cartagena, outrora centro de atividade, agora sonolenta e pacífica.
39
anglo-saxão, com seus elementos característicos. Foi aí um
contato marcante de Neutra com esse estilo diferente.11
Aos 25 ou 26 anos, ainda em Trenčin, Neutra tem como
alimento arquitetônico os elementos e paisagens daquela região. O
castelo, a cidade, a igreja, as criptas da sinagoga, uma sinistra
catacumba em uma sombra estranha de um monte, com santos
solitários erguidos entre as sombras, restos de um monastério
abandonado, nas margens opostas do rio Trenčin.12
Na primavera de 1918, sob uma licença de três meses
do serviço militar, Neutra voltou para Viena e concluiu o curso e
retirou seu diploma universitário. No mesmo ano, após o
comandante militar conceder a permissão para Neutra sair de
Trenčin e atravessar o país recentemente liberado, a anfitriã donde
Neutra estava hospedado pediu que ele entregasse uma carta de
apresentação a uma prima dela que estava trabalhando como
enfermeira na Suíça e administrava uma casa de descanso
11 Ibid. Pág. 126. 12 Ibid. Pág. 129.
40
próxima ao lago de Zurich. Durante sua ida, perguntava-se o que o
povo dali de Trenčin poderia se dedicar a construir no lugar de
ruínas e destruição. Neutra conhecera o arquiteto vienense
naturalizado suíço o Sr. Steinhoff. Ao chegar à cidade, foi parar no
pequeno Hotal Simplon, projetado há 50 anos por Gottfried
Semper, cujo Teatro da Corte, em Viena, era objeto de admiração
de Neutra. Suíça era um país pacífico e equilibrado, segundo
Neutra, e isso o encantava demais. Porém era evidente a escassez
de oportunidades de trabalho.
O espaço e o tempo, medidos mais direta e intimamente por meio da dança do que instrumentos de medição. Sevilha.
Vagabundo mexicano diante de um mural moderno. Humilde desconcerto.
41
SUÍÇA E ALEMANHA
A caminho de Zurich, conhecera o novelista e poeta
Alfred Niedermann, autor de Dione Peutinger, A médica de
Ingolstadt, cujo retrato de sua neta, Regula, feito por Neutra,
encontra-se em Westwood, Califórnia, em um departamento-jardim
de um ambiente ocupado por padres construído por Neutra em
meados de 1948. Regula acompanhava o arquiteto quando este
fora para Califórnia depois da 2ª Grande Guerra Mundial e o
42
auxiliou muito na promoção da felicidade das pessoas através de
recursos da arqutietura.13
Neutra acreditava que Zurich oferecia muitas satisfações
do ponto de vista do campo da arqutietura, exceto pelo que talvez
fosse seu orgulho, a avenida principal, que ia da estação de trem
até a paisagem do lago. Via a cidade como uma moeda antiga:
pulcramente perfilada e peculiarmente sólida e prateada14.
Interessava-se profundamente pelas características daquele país
cheio de geleiras, cujos percursos entre as montanhas foram
franqueados por mais estrangeiros do que os que cruzaram os de
Caxemira, que Neutra conhecera muito tempo depois.
“Apesar de sua hospitalidade e universidade
cosmopolita, Suíça e ainda mais Zurich são lugares
ignorados por muitos estrangeiros. Porém cheguei a
senti-la muito próxima de meu coração.” 15
13 Ibid. Pág. 131. 14 Ibid. Pág. 132. 15 Ibid. Pág. 133.
Dois estilos em fusão religiosa. Gante.
Um império consagrado ao céu se sentindo confortável em Viena e em Flandres. E se estendia de Madrid a Manila. Malinas.
43
Trabalhara em Zurich em uma empresa dedicada ao
embelezamento de terrenos e paisagens, a Otto Froebel’s Erben –
dos herdeiros de Otto Froebel – sob a supervisão de Gustav
Amman, aluno de Jacobs Ochs e de Carl Foerster, de Hamburgo,
que veio a conhecer 40 anos depois e pôde comprovar que era um
velho entusiasta apaixonado pela arte de desenhar paisagens.
Neutra se relacionara com ele quando a Universidade da Berlim
Ocidental o honrara amavelmente com o título de doutor.
As noções de paisagismo de neutra foram adquiridas na
Suíça, através da idéias de Ammann e Foerster. O estúdio de
Ammann, os terrenos de cultivo com plantas perenes em floração e
os arbustos em latas e caixas, o sótão onde Neutra preparava
estacas sob a guia do capataz Brauchli e do jardineiro Rusterholz
foram o ponto de partida de experiências que abriram os olhos do
arquiteto vienense sobre vegetais e paisagens. A longo de
conversas com Ammann, conhecera idéias de Foerster sobre o
acondicionamento do ser pelas plantas no jardim; por parte dos
seres humanos, atribuem a elas um caráter secundário, apesar de Corpos humanos, desenhados antes da Primeira Guerra Mundial; envelheceram muito desde então. Viena.
44
que elas expressam sua própria biologia natural primária e,
portanto, colorem a paisagem com sua fisionomia. O projetista da
paisagem pode manipular tanto o caráter cultural quanto a
fisionomia natural para manter seu trabalho de criação de lugares e
a concordância destes últimos com o meio representado pela
paisagem natural e cultural. Tais conceitos refletem mais o modo
com que Neutra começou a trabalhar tais pensamentos.
Aprendera a classificar plantas de acordo com seu
crescimento, tamanho, cor, florescência, bem como associações
que pudessem vincular o caráter da paisagem de acordo com o
cenário que se tratava, bem como a fisionomia da paisagem
poderia se manifestar a todos.
Neutra gostava de observar os equilíbrios naturais da
ecologia vegetal e o micro clima gerador de lugares. Passou a
pensar que poderia prestar a mesma atenção ao crescimento e
45
biodinâmica dos seres humanos. Por que suas raízes e seu
florescimento haveriam de ser menos interessantes?16
Os laços afetivos com a família Niedermann começavam
a se estreitar, cheganod ao ponto de Neutra ser considerado um
membro adotivo, filho da senhora Antoinelle Niedermann, mãe de
Trude, Anita, Vrene e Dione. Esta última era a filha música da
família. Tocava violino e possuía educação musical voltada à
música clássica. Havia estudado em Genebra e praticava solos de
Bach e as danças de Franz Lachner. Neutra notara que Dione,
gradualmente e com certa audácia, começou a se adiantar de suas
irmãs e ele pôde afirmar que se tratava de uma espécie de noiva
informal. Ele sentia um profundo agradecimento pela hospitalidade
que encontrara na Suíça.
Quando Dione fora para Viena estudar violoncelo,
passando a morar com amigos da família, Neutra passou a
16 Ibid. Pág. 134.
46
trabalhar em Wädenswill, na orla meridional do lago Zurich, no
pequeno estúdio dos arquitetos Wernli e Staeger.
“O destino não é o fruto de um plano. E uma pessoa não
elege seu companheiro, nem o educa. Tais bendições
simplesmente recaem sobre nossas humildes cabeças.” 17
Segundo Neutra, Dione era movida por um espírito
devoto, penetrando quase silenciosamente na essência dos
problemas criativos e das relações humanas, sem perder sua
própria identidade, ao que tampouco jamais adotara atitudes
defensivas. Com sua sinceridade pôde conquistar corações em
Porto Rico, Guam, Vancouver, Cuzco, Karachi, Oslo e Viena. Sua
capacidade de assimilação é tão considerável tanto nas distâncias
sociais quanto nas geográficas. Jamais se mostrara dona de nada.
17 Ibid. Pág. 140.
Esquiadores canadenses descansando depois de sua fatigosa atividade. Alberta.
47
Neutra chega a estabelecer um paradoxo entre a função
do arquiteto como planejador e o destino que o toma e o faz
reconhecer sua própria condição.
“É surpreendente quanto dinheiro e quantas
esperanças se confiam a um arquiteto, quantos fundo e
quantas esperanças para que antecipe e preveja um
futuro, se ele mesmo deve reconhecer sua própria
ignorância. […] Os problemas do individualismo e a
coesão dos seres humanos, assim como o
conhecimento dos mesmos, se encontram na base da
vida. Muitas vezes tem-se pensado que as relações
matrimoniais e amorosas dos grandes e pequenos
arquitetos apontam dados de profundo interesse; por
suposto, à margem de qualquer forma de murmúrios. É
possível que não possa se afirmar o mesmo dos
engenheiros civis.” 18
18 Ibid. Pág. 141.
48
Neutra regressa à Viena pouco antes de 14 de abril de
1920 – 19º aniversário de Dione – e é acometido por uma gripe
junto com sua namorada. Gripe que já havia dizimado vários
homens, dentre eles, Egon Schiele, artista de grande admiração
dos vieneses, inclusive Neutra, e sua esposa. O pai de Neutra
também falecera pela tal gripe, não tendo oportunidade de
conhecer Dione, e sua mãe também, após doze anos viúva. Neutra
acreditava que a base mais firme para um casamento era ter tido
pais cuja união fora feliz.
Em junho de 1920, Dione partira de Viena e Neutra realizou
esforços desesperados para procurar emprego, até que tivera um
primeiro contato com a Missão dos Amigos Britanicos e Norte-
americanos, instituição que fora instalada nos palácios vienenses
de Singerdtrasse e Herrengasse. Neutra estava decidido a
aprender inglês e obter um visto para entrar nos Estados Unidos da
América. Enquanto aguardava o visto, aceitara trabalhar com
Ernest Freud em Berlim, com mais dois arquitetos, Pinner e
Neumann, sem se aprofundar muito nos projetos. Berlim o
desconcertava. A exceção de algumas grandes construções e
Dione Neutra, música e noiva há quatro décadas, 1923.
49
estações de transporte metropolitano, acreditava que havia
abundância de arquitetura de caráter duvidoso. De todo modo, as
proporções materiais e os museus eram fatores impressionantes
da cidade.
Aos 28 anos, passou a desenhar jardins em Dahlen,
enquanto Freud projetava casas. Morava em Gleditschstrasse.
Fora apresentado pela Sra. Niedermann a Otto Krueger, passando
a trabalhar com o proprietário de uma grande empresa de artefatos
de iluminação, realizando várias viagens de negócios pela
Alemanha Ocidental.
“Fosse como fosse, simpatizei-me com meus
cordiais anfitriões. Desejava-lhes bem e me confortava
em meus bons sentimentos. Era uma grande
experiência estar relacionado com seres humanos em
um lugar tão estranho como a grande Berlim daquela
época.” 19
19 Ibid. Pág. 144.
50
Acabou trabalhando também no escritório do professor K…,
um arquiteto de renome da sociedade alemã, cujo estilo heimat
(nativo) era bastante prestigiado. Pouco depois, Neutra soubera
que um dos empregados dali acabara de renunciar a um emprego
com Baurat Bischof na Oficina Municipal de Construções da cidade
de Luckenwalde, em Bradenburgo, substituindo o colega, deixando
o escritório do professor R.
51
BRADENBURGO, ALEMANHA
Neutra, em sua condição de estrangeiro capaz de
manifestar empatia, sempre acabava se incorporando à vida das
cidades por onde passava. Em Bradenburgo não fora diferente.
Aprendera a andar de bicicleta para se dirigir a um projeto de
habitações bastante afastado, concebido como obra semi-rústica.
Vivera com uma família cujo chefe maltratava a mulher e cuja única
filha possuía uma bela voz de soprano e cantava músicas
ensinadas pelo pai.
Tilly, cavalo de batalha de Neutra, encilhado, em 1914. Montenegro.
52
Trabalhara também em uma realocação de operários
industriais, muitos dos quais viviam em sótãos na cidade. Enquanto
trabalhava em projetos de habitação semi-rurais, Neutra via de
modo bastante próximo como se destituía uma família urbana ao
ser transportada para as condições rurais, pois cada membro se
ajustava num folheto distinto com determinadas instruções de
cultivo, colheita e de alimentação dos animais. Os problemas
humanos que se escondiam por trás dos eixos econômicos
concretos fascinavam Neutra e seus ecos o acompanhariam
durante toda sua vida de construtor de habitações.
A realocação de famílias a cargo de funcionários, bem
como qualquer outro tipo de transplante, gera fricções e indícios de
tensão. A observação deste fenômeno acompanhava e inquietava
o arquiteto permanentemente.
Neutra se via como um médico que receitava moradias
e, ao viver com seus pacientes, estava administrando a si mesmo
sua própria medicina e assistia à destruição da vida familiar. Deste Casas burguesas no Haiti negro, Era Pós-napoleônica. Tout comme chez nous.
53
ponto de vista estrutural e formal, todas as expressões
arquitetônicas eram excelentes, porém não se acabava por
entender os seres humanos. O desenho não se subordinava de
todo às necessidades da supervivência.
Neutra cita que, quando pequeno, fora educado como
confidente, o que pressupõe que permitiu a ele uma grande
utilidade em uma sociedade como arquiteto.
Richard Neutra, quando se tornara projetista oficial do
Cemitério do Bosque de Luckenwalde, um projeto municipal de
cunho socialista, recebera, pela primeira vez, uma crítica a um
projeto seu, por parte do conselheiro Bauchwitz, que atacara o
plano e o projeto com argumentos claros e convincentes,
demonstrando que a construção de um projeto de cemitério em um
bosque era loucura e insensatez do ponto de vista orçamentário,
político, moral e da engenharia civil. Neutra considera o episodio
como uma maravilhosa demonstração da política na engenharia
civil. Porem, como tinha apoio da maioria da cidade, dera
Uma religião universal como o budismo assume um colorido diferente segundo as distintas paisagens. Rangún.
54
continuidade aos planos.20 Enquanto analisava o sistema de
espaços distribuídos ao longo dos bosques, a elaboração e
promulgação de normas sobre as lápides permitidas, a vinculação
de todos os aspectos estéticos e da paisagem com a capela e a
entrada, Neutra apontava tal produto integral de seu cérebro com
um folheto que abundava dados de investigações e explicações
técnicas.
A empresa representava uma tremenda experiência no
domínio do silêncio. O resultado parecia conseqüência de um
pensamento filosófico e técnico posto a serviço dos mortos, ou dos
que sofriam e se recordavam. Concebera muitas idéias enquanto
passeava pelos bosques da cidade. Baurat Bischof atribuíra a
Neutra todo o mérito do projeto. Um gesto pouco habitual, mas que
significou, pela primeira vez a Neutra, que veria seu nome
estampado e vinculado a um tema que havia assimilado com
esforço tenaz e com um entusiasmo autodidata.
20 Ibid. Pág. 147.
55
56
ERIC MENDElSOHN
Certo dia, Neutra fora presenteado por Eric Mendelsohn,
arquiteto conhecido graças a seu projeto da Torre Einstein, com
croquis em cores vivas de uma fábrica de chapéus, que a Neutra
se pareceu uma manifestação de arte expressionista e algo
estranho para se presentear um inspetor municipal de construção
em Luckenwalde. Porém, um mês depois, Neutra trabalhava com
Mendelsohn em Berlim. Procuravam atingir os mesmo objetivos e
57
Neutra se simpatizara com Mendelsohn por este não se importar
com sua inexperiência.
Passou a morar na casa da família Boldin, na colônia de
Eich Kamp, trinta minutos do caminho da Reichskanzler Alle, onde
Mendelsohn ocupava o último piso de uma casa de três
pavimentos. Em Berlim, Neutra era o terceiro associado, junto com
Mendelsohn e com o conhecido escultor P. P. Henning. No ateliê,
Neutra assumiu imediatamente o projeto de ampliação do edifício
de Berliner Tageblatt, encargo que Mendelsohn revebera de
Lachman Mosse, o Willian Randolph Hearest. Lachman lembrava a
Neutra à figura do sereníssimus, caricatura alemã que
representava a grande arsitocracia. Só vinte anos mais tarde, na
Califórnia, que Neutra comprovou que Lachman era muito capaz e
um homem excelente.
“O edifício Mosse suportou muitas
vicissitudes, pois violava todas a s normas municipais
com sua estrutura monumental, bem aproveitada e ao
mesmo tempo heterodoxa, que se lançava no centro
Em todo o globo, cerimônias nas fronteiras; sem demora, a separação é uma ficção. Ahmedabad.
58
cuidadosamente regulamentado de Berlim. Eu
negociava com o Ministério do bem-Estar da Prússia e
recolhia impressões pessoais dos funcionários do
governo neste setor do mundo, comparando-os com os
austríacos. Desde então, quantos conheci em todos os
países do mundo! Em verdade, também eles são seres
humanos!
“De qualquer modo, o testemunho dos
experts se impulsiona à burocracia. No curso de um
ágape oferecido para promover o apoio de um jurado
de arquitetos ao projeto arquitetônico – que também
era nosso projeto – conheci o magnífico Hans Poelzig,
com seu estridente apoio às idéias modernas. Seu
título popular para a fama era o teatro que havia
construído para Max Reinhardt.” 21
21 Ibid. Pág. 151.
Edifício Mosse, E. Mendelsohn e R. Neutra
59
Com o projeto desse edifício, Neutra se deparou com a
experiência mais desastrosa do meio da construção civil que
poderia se dar na vida de um arquiteto. Durante a obra, uma
grande quantidade amontoada de areia sobre uma laje de cimento
vários pisos e levou ao chão outras lajes de outros pavimentos
inferiores, além de homens e mulheres que trabalhavam na obra,
gerando vítimas fatais.
Enquanto Erich Mendelsohn se encontrava no Oriente
Médio, antecipara em seus desenhos muitos aspectos do
expressionismo de Oscar Niemeyer. Entretanto, em Berlim,
encarreguei-me do projeto de desenho de quatro casas para o
subúrbio de Zehlendorf. Uma plataforma giratória que se movia ao
apertar um botão e apresentava qualquer uma da três seções
completamente fornecidas, era contigua a cada sala de estar, para
permitir um uso mais flexível. Essas seções consistiam em uma
sala de música, uma sala de jantar com mesa posta e uma
agradável biblioteca. Tal disposição caída no desuso chamou a
atenção de todos e provocou artigos periódicos, bem como
caricaturas e versos humorísticos nos jornais diários. Mãe e filho diante do santuário ancestral. Permanente
dependência ao longo das gerações. Ise.
60
Em 1922, Neutra e Dione se casam em Hagen,
Westfalia. Posteriormente, tiveram dois filhos, um chamado Frank
Lloyd e o outro Dion, masculino de Dione, em homenagem,
respectivamente, ao patrono de Neutra nos Estados Unidos e sua
esposa.
61
62
CONCEITOS
63
INFLUÊNCIAS PRÁTICAS E TEÓRICAS
Neutra afirma que começou a odiar coisas de difícil
manejo durante a infância, uma vez que tais objetos, como janelas
com portas-esquadria de bronze, perturbavam os sentimentos de
uma criança acerca do mundo no qual estava inserida,
principalmente com relação ao exterior.22 Destaca sua simpatia por
espelhos, vidros e demais materiais reflexivos, uma vez que
consideravam maravilhosas as janelas e vidros para uma criança
22 Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 38.
64
posta em um ambiente interno e fechado. 23 Com sensibilidades
acerca do universo infantil, o arquiteto evidenciaria o papel do
espaço na formação da criança, desde detalhes das paredes, das
pinturas, até dos eventos que aconteciam além das janelas, tudo
aquilo possuía amplo caráter de representação aos olhos de uma
criança.
Procura encontrar relações de projetos em andamento
com experiências já vividas anteriormente.
De modo geral, Neutra, tanto em física como na esfera
épica grega ou literatura alemã, obtivera uma educação muito mais
permanente no colégio secundário do que na universidade. Assim
como todos os idiomas que aprendera, fora através das dezenas
de viagens que lhe proporcionaram experiências, inclusive
lingüísticas, importantíssimas.
23 Ibid. Pág. 38.
65
Seus estudos formais foram complementados pelos
fatores que o estimulavam a participar de discussões seriais.
Freqüentava a biblioteca da universidade, onde tivera contato com
as primeiras investigações fundamentais sobre psicologia
fisiológica e experimental de Wilhelm Wundt, interessando-se ainda
mais pelas obras de Sigmund Freud e também por
condicionamentos psicológicos de uma pessoa, individual ou em
contexto social.
66
RELAÇÕES HUMANAS ENTRE ARQUITETOS E CLIENTES
A amizade entre ele e aqueles que trabalham consigo se
fundam na empatia com sentimentos e necessidades. Neutra adota
uma atitude bastante sistemática caracterizada por digestão de
sentimentos mediante o lóbulo frontal. Quando se sente só ou
querido, medita sobre o assunto utilizando termos fisiológicos.
Segundo os fisiólogos, existe uma tendência em localizar na
porção frontal do cérebro os processos que adotam formas
67
conscientes como pensamentos conceituados. 24 O desconcerto
intelectual não deve prejudicar a consciência. Neutra acredita que
o arquiteto nunca deve se permitir atitudes desconcertantes, muito
menos para com os clientes, aqueles cuja confiança representa a
possibilidade de realização de um trabalho criativo. Para ele, os
clientes são mais do que simples clientes. São verdadeiros
clientes-pacientes.
A palavra dita possui algo que eleva a confiança
perdurável, permitindo o nascimento de um edifício, e que
necessita se voltar constantemente a conversas com o cliente.
Além da palavra e do modo que o arquiteto e o cliente se
aconselham, o grau de instrução e experiência do arquiteto o
permite harmonizar tudo aquilo que aprendeu e aprende em
conjunto com o cliente. Um arquiteto necessita compreender os
sentimentos alheios, caso queira ser algo além de um simples
técnico, caso queira se mover pela necessidade e pela paixão – o
desejo o move e o transforma num artista da interação humana.
24 Ibid. Pág. 58.
Velas negras frente a Shangai.
68
Deve também calibrar as possíveis influências que se exerçam em
um grupo e sobre cada um de seus indivíduos, assim como as
manifestações em condições de um futuro imaginado e concebido
como sentido criador.
“Uma arte impregnada de ciência exerce sobre mim um
estranho atrativo25 […] A arte nunca pode se separar totalmente da
curiosidade científica do homem.“ 26
Conhecer as personalidade humanas e suas fisiologias,
a relação empática para com os clientes e percepções de
profundidade ocultas destes permitem ao arquiteto a formulação de
uma arquitetura mais exata de uma vida que lhe foi confiada com
esperanças e sentimentos. Conseqüentemente o arquiteto pode
elaborar uma profecia prática de uma vida saudável e feliz. Tudo
isso exige mais do que simples conhecimentos de materiais de
construção. Deve-se desenhar, através da Arquitetura, uma
situação biológica prolongada e previsível.
25 Ibid. Pág. 59. 26 Ibid. Pág. 60.
69
“De nenhum modo pretendo sugerir que se deva
descartar a pesquisa sistemática, ou que não seja
possível aplicar seus métodos à Arquitetura, no marco
da qual se desenha um meio para uma situação
biológica prolongada e previsível: para o homem, a
mulher e o menino, e para todas as atividades nos anos
futuros. Pelo contrário, estou convencido de que a
investigação metódica e muito detalhada é imperativa.
Porém também estou convencido de que o clínico
dotado de intuição – o artista médico assim como o que
se ocupa das individualidades biológicas representadas
pelos clientes de quem constrói ‘casas’ para o homem
– é a princípio a pessoa mais adequada para orientar e
oferecer linhas de experimentação ao pesquisador. O
pesquisador de laboratório necessita da experiência e
da opinião do clínico para indicar as mais adequadas
linhas de experimentação, e o que se falta clarear
70
mediante a investigação.27 […] É possível que a
profissão de arquiteto siga este curso que vai dos
tantos humildes à sistemática influente? Por acaso se
conhece alguma profissão que em um breve lapso
tenha sido capaz de realizar tamanha façanha?” 28
“Há se demonstrado que no curso de meio século
– mediante a ação coordenada e um sistema de
educação que tem consciência da psicologia social e se
fala intimamente vinculado à pesquisa contemporânea
que se desenvolve em algumas ciências afins – um
grupo ou organização profissional pode modificar sua
situação na sociedade e aos olhos do mundo. Nada
impede que a arquitetura alcance o mesmo objetivo,
sem adotar uma atitude missionária, baseada em
critérios objetivos que lhe permita demonstrar seu
próprio valor. Um arquiteto também pode ser um artista
intuitivo, porém pode confirmar e desenvolver sua
27 Ibid. Pág. 62. 28 Ibid. Pág. 63. A luta se transforma em jogo.
Oaxaca.
71
intuição aprendendo certas coisas que outras
profissões conhecem melhor e outros profissionais
manipulam com maior destreza. Geralmente se espera
que o arquiteto resolva problemas de engenharia;
apesar do qual, atribui-se a ele a condição de uma
versão medíocre e de segunda mão do que seria um
engenheiro. Há quem chega, inclusive, a crer que o
arquiteto se limita a ‘vender planos’. E ainda na própria
profissão, muitos poucos homens podem oferecer uma
explicação clara e comumente aceitada, ou um
diagnostico diferenciado de sua especialidade. Quiçá
pode se afirma que, em linhas gerais, necessita-se
menos de especialidade do que universalidade? Quais
podem ser as provas objetivas de uma decisão
arquitetônica válida? A incerteza neste ponto é
exatamente o que afetou e desmoralizou uma profissão
capaz de assumir a responsabilidade de fazer felizes
não somente aos clientes considerados
individualmente, e capaz de promover não somente o
bem-estar das pessoas ‘em um período de amortização
72
senão também a supervivência de da raça, grande
parte da qual está cada vez mais enclausurada em
meio artificiais e complexos. Se bem que um grande e
solitário arquiteto haveria de impressionar depois com
suas obras realizadas, comecei por presenciar a
maravilhosa ação de um famoso médico. Em meu
espírito infantil haveria de combinar ambas as imagens,
e, todavia, hoje retenho com amor esta fusão.” 29
A personalidade humana é, de maneira muito natural, a
fusão e o resultado de todas as circunstâncias. Estas, que são
estruturas e deficiências congênitas que guardam uma intrínseca
relação com o fenômeno de condicionamento. A própria vida,
segundo Neutra, observada e analisada, apelando-se a todos os
meios possíveis, é indubitavelmente educadora fundamental e
suprema. É a mais plasmante do que suas próprias seqüências.
Desenvolve seus próprios percursos, a princípio heterodoxos. Tudo
aquilo que se passara em uma juventude são experiências
29 Ibid. Pág. 64.
73
externas de uma vida jovem que exerceram seu próprio impulso
sobre ela mesma. Circunstâncias inatas têm o desenvolvimento da
missão de um homem – a destreza de suas mãos ou a perícia de
seus olhos, por exemplo. Características consideradas defeitos,
mas que podem converter em benefícios que podem contribuir
para o enigma fascinante da individualidade biológica. Neutra
colocara a idéia de indivíduo através de novas defesas, através do
fisiólogo, cuja observação é detalhista, ou do patologista, que
possui esperança de se converter em terapeuta. Questiona ainda o
que seria um homem natural e quais os elementos que
conformariam um indivíduo?
74
SOBRE DESENHOS
Neutra desenhava muito e tais fragmentos se registram
em uma série indeterminável de experiências de uma vida. Com
profundo sentido hospitaleiro, a Universidade da Califórnia, em Los
Angeles, dedicara uma pequena sessão de sua gigantesca
biblioteca para arquivar trabalhos do arquiteto. Ainda no âmbito da
discussão do hábito do desenho, Neutra busca ligações intrínsecas
ente tal processo e processos bioquímicos.
Decadência e crescimento… por toda parte.
75
“Seria falso ver este volume de linhas, em cores
ou em branco e preto, como uma colossal inversão de
tempo. Se medimos o tempo com relógios mecânicos,
advertimos que em suma se necessitava de breves
períodos de atenção cerebral. Esta importante
manifestação nervosa só revela centésimos de
segundos de uma vida. O olho humano é mais veloz do
que uma câmera, a retina é uma película que trabalha
com rapidez, e os dedos que seguram o lápis preto ou
colorido se acostumam a trbalahar com desenvoltura.
Enquanto se desenha uma linha ou se marca um ponto
no papel, as glândulas internas se ocupam em
descarregar moléculas de substâncias bioquímicas. De
um modo consciente ou semiconsciente, ativam
ligeiramente a manifestação de certas emoções: uma
linha estimula a seguinte, um ponto de cor que dará
continuidade ao se justapor ao primeiro, gerando
constraste ou harmonia. […] Quantos órgãos humanos
e capazes de expressar a individualidade aparecem
com esse começo, em um desenvolvimento que parte
76
de um bom princípio, evolui e conclui ‘detendo-se ao
tempo’?”
“Se alguma vez este reflexo de meu mundo
encostou-se à arte, devo ter feito muito casualmente.
De todos os modos, uma autêntica experiência humana
se derramou, gotejou e salpicou – e às vezes se verteu
abundantemente sobre todos os tipos de papel que
estavam ao alcance da mão. A palavra falada ou
escrita reflexivamente não pode expressar do mesmo
modo esta vida anterior, vivida em minúsculas frações
temporais.” 30
30 Ibid. Pág. 80.
77
DO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZADO
Tendo em vista a compreensão dos defeitos e virtudes,
Neutra afirma que trabalhar com um grande mestre e observá-lo
representava a influência mais profunda. Muitos outros, além dos
mestres, permitiam-se serem testemunhas de sua execução
exemplar. Alega que a escola possui pequena parcela na formação
humana. As pessoas aprendiam coisas muito antes que a inscrição
oficial e massiva de alunos se ajustasse à idade e às horas de
ensino. Muito antes que as escolas organizadas formalmente
começassem a funcionar e expedir certificados. Muito depois,
aceitaria em seu escritório, em seu ateliê, em sua sala de desenho, Antiga, porém sempre verde é a natureza.
Palomar.
78
um número elevado de aprendizes que possuíam ou não algum
grau de instrução formal. Ele conclui também que, em muitos
casos, os anos de instrução formal não valeram a pena, não
respondendo às expectativas. Não generaliza, porém sustenta a
afirmação que as escolas podem oferecer muito aos estudantes.
Reconhece que muitos mestres durante sua formação
colegial foram importantes influências sobre sua formação.
Destaca o Dr. Regen, zoólogo croata, professor que detestava os
alunos, lançando gritos e rugidos, assombrando a classe com
insetos e perguntas ininteligíveis que refletiam em notas não muito
agradáveis. A estupefação dos alunos era complacente ao Dr.
Regen. Neutra afirma nunca ter aprendido muito sobre artrópodes,
dedicando-se ao desenhod e edifícios com tendências cada vez
mais acentuadas de caráter fisiológico e biológico. A influência do
professor Regen se mostra indubitável jeito com que reconhecera
independente e espontaneamente a dívida que havíamos
comprado dele.
79
Posteriormente, procurou trabalhar em seu estúdio em
equipe, o que lhe permitiu gerar conclusões acerca da interação
orgânica percebida entre os indivíduos que tendia a alcançar certa
criatividade coletiva mutuamente estimulada e um problema
bastante sugestivo, bem como tanto os problemas humanos
quanto o modo como conseguimos fazer com que os outros sintam
e pensem são questões que sempre parecem importantes.
Neutra discorre sobre o processo de aprendizado de um
indivíduo inserido em coletivo, afirmando que do processo de
aprendizado não se deve absorver apenas as informações de
caráter técnico, mas também todas as atitudes e hábitos de
trabalho, um modo de pensar cujo indivíduo tenha predisposição
ao sacrifício e à animada cooperação. Afirma ser complicado de se
ensinar isso em uma escola, porém em um ambiente de trabalho
criador e fecundo, o indivíduo aprende a se compreender como um
membro útil e ativo de um grupo, devendo respeitar sempre pela
empatia a atitude considerada de cada membro diante da
intensidade de sentimentos dos outros. Independentemente da
tarefa, o aprendiz deve se relacionar com muitos outros seres
80
humanos comprometidos e os mestres devem adverti-lo que,
dependendo do modo como que se comunica, pode-se facilitar ou
prejudicar o esforço produtivo , pois cada ato, por mais minúsculo
que seja, influi sobre a confiança mutua de modo que esta pode se
desenvolver em um exercício permanente, como convém que
ocorra, ou se desmanche paulatinamente. Uma ação equivocada
neste contexto, pode colocar todo o progresso que vinha se
construindo até o momento em ruínas. E não somente em um
trabalho de equipe, mas em qualquer relação humana. No âmbito
do exercício da arquitetura, conquistar e manter a confiança do
cliente não é estratégia de venda, pois na arquitetura o produto não
está feito, mas se forma lentamente. Para o projetista de meios
destinados ao ser humano, a principal qualidade é a fascinação
com a riqueza e a variedade de outras individualidades, mais que o
excesso de complacência em sua própria personalidade. Tal
atitude permite adquirir confiança, sendo um instrumento natural
para a criação possível, um apoio intrínseco e apaixonante
desejado à contribuição de um indivíduo ao benefício social.
Permite-se que se degenere em um recurso comercial, é possível
conservar a confiança.
81
Para Neutra, ser compreendido é uma experiência
maravilhosa, pois é um sentimento que todo ser humano anseia e
que se vincula ao tipo particular de desenvolvimento de nosso
cérebro – alegando que talvez os animais não projetem tal
compreensão, nem se sintam isolados em meio a uma multidão,
nem busquem ou dêem conselho, sendo tudo isto traços humanos.
Receber a ajuda de profissionais experientes para realizar e
desenvolver motivações e aspirações íntimas é estritamente
humano, dotada de tensão, um drama humano e às vezes uma
tragédia.
A confiança profissional é uma glorificação para o
arquiteto. Neutra compara situações específicas do meio médico –
da confiança e seguridade que este deve ter e passar para o seu
paciente – e relaciona com o profissional da arquitetura, intitulando
o arquiteto como projetista da felicidade permanente.
Porém observar a permanente agitação do arquiteto em
seu esforço por produzir em pouco tempo valores destinados a um
82
grande período de amortização – ou ainda à infinita transição que
faz com que o homem imagine que é a eternidade – resulta
significativamente para o pulso contemporâneo.31
Neutra levanta ainda alguns pontos sobre o processo de
desenvolvimento da idéia. É interessante e necessário Aprender a
observar as qualidades de cada indivíduo, a capacidade de cada
cliente de interpretar planos e assimilar idéias durante a conversa.
As pessoas sempre têm direito a uma linguagem que seja
compreensível. Em certo sentido, todas as soluções são
temporárias, retrocessos e avanços à medida que a vida
prossegue a sua marcha. As experiências técnicas e espirituais
são os produtos mais significativos de cada episodio e é melhor
guardá-los e cuidar deles para benefício futuro.
A educação transcende além dos limites das tarefas
individuais. A equipe de colaboradores deve sentir e compreender
esta perpétua e fértil sedimentação no que se refere à
31 Ibid. Pág. 89.
83
superposição infinita de experiências de projeto, e há de se
relembrar e utilizar tais experiências como base de um
desempenho cuja estrutura se renova constantemente.
A correspondente imersão emocional de grande alcance
não deve ser fragmentada e nem se perder. São necessárias
ordem e claridade de pensamento, bem como registrar, arquivar e
cuidar das pequenas execuções de cada detalhe. Quando
cristalizados, contribuem para o esforço criador futuro. A
transmissão de idéias e diálogos é necessária através de desenhos
e palavras faladas. E tanto um quanto o outro possuem
gigantescos estímulos para desenvolver ou destruir relações
humanas ou gerar desconcertos durante a produção.
Neutra prefere o ensino prático em grupo ao ensino
teórico, pois o aprendiz deve ter oportunidades de vivenciar
inquietudes e entusiasmos de veteranos que assumem grandes
responsabilidades. Acredita ser mais eficaz o estudo da fisiologia e
biologia a partir da observação de processos funcionais vivos.
Posteriormente, passa a realizar reuniões em que seus aprendizes
84
e colaboradores se confrontavam e pressupunha-se que haveria
trocas de informações e experiências, a fim de se evitar o
confinamento de segredos entre os indivíduos do grupo. Neutra
afirma ter apreendido no decorrer de sua carreira orgânica que isso
era necessário, uma vez que se tratava de oferecer uma
compreensão humana e conceitualidades biológicas necessárias
ao desenvolvimento tanto de seus colegas veteranos quanto de
seus aprendizes. Ainda que cada um esteja envolto em sua
individualidade, em um mundo que apenas o assimila ou vive, cada
um nunca pôde detalhar ou descobrir com verdade total seu
próprio desenvolvimento interior e a característica intimidade
possibilidades humanas próprias. O aprendiz pode se projetar no
veterano mais facilmente do que o contrário. A princípio, supõe que
a sociedade não se ajusta uniformemente de modo algum a um
sistema de rápidos rearranjos.
85
DO ORGÂNICO
Tanto Regen como posteriormente Wilhelm Wundt
gravaram profundamente conceitos de necessidade de se
compreender a natureza orgânica. O elo ocorrera muitos anos
antes de Neutra projetar a Lovell Health House, ou de escrever as
páginas de Survival Through Design. Assemelhara-se a James
Joyce pelo fato de escrever diários a respeito de toda essa
discussão, mesclando esboços fisiológicos, citações de cientistas,
filósofos antigos e contemporâneos a sua época, descrições de
empregadas de restaurantes e de outros seres humanos, com
86
todos os detalhes da anatomia e dos elementos da postura e
expressão fisionômica.
Sobretudo, os seres humanos precisam estar consciente
dos arranjos de toda uma vida antes de depositar seus fundos nas
mãos de alguém que adotará critérios definitivos para organização
de seus espaços.
A concepção do homem arrancado de sua natureza
original induzira Neutra a respeitar o estudo do cenário pré-humano
e o fez se converter em um arquiteto naturalista. A arquitetura, por
pressuposto, também se desenvolvera a partir de um cenário
histórico de criações humanas, cuja responsabilidade é única e
exclusivamente deste último.
“A arquitetura é a arte menos abstrata.
Dedicam-se vinte e quatro horas diárias ao contato
mais estreito com respostas concretas. Respostas
elaboradas naturalmente e adquiridas ao longo da vida
87
e em todas elas se manifesta uma vital realidade: o
realismo biológico.”
88
RICHARD NEUTRA E OS ESTADOS UNIDOS
89
INFLUÊNCIAS E REFERÊNCIAS
Tudo começou quando Mendelsohn e Neutra ganham um
concurso em Haifa, no centro comercial do mediterrâneo. Para
Neutra, representou um projeto novo e grandioso de planejamento
e desenho urbano e, com o prêmio, permitiu que seu salto aos
Estados Unidos da America fosse realizado.
Adolf Loos, o mais heterodoxo dos arquitetos, foi o primeiro
patrono dos interesses de Neutra em ir para os EUA, sendo
90
considerado hoje uma das figuras mais importantes do incipiente
desenvolvimento da Arquitetura Moderna.
“Começou com uma arquitetura que procurou
retornar a uma consciência mais clara da coincidência,
um acordo e correspondência com sua própria época.
Como não se interessava por ornamentos, com relação
às produções arquitetônicas de sua época, Loos
apreciara aos olhos da maioria de seus
contemporâneos com um peso leviano, com um
divertido fracasso, um verdadeiro fanfarrão.”32
Neutra não conhecera ninguém que demonstrasse tanto
entusiasmo pelos EUA como Loos. Tal como este, Neutra afirmava
que o povo norte-americano era o povo mais amável do mundo,
porém que tanto a generosidade quanto a frieza de sentimentos
respondiam a razões econômicas. Loos considerara a situação do
novo país como um jogo socioeconômico33 que aprendera a
jogar.Apreciara os relatos de Loos, que se tornaram válidos às 32Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972.. Pág. 155. 33 Ibid. Pág. 160.
91
margens das próprias experiências de Neutra, e percebera que era
possível de se fazer carreira e ganhar benefícios através do amor e
simpatia com o povo norte-americano.34
Apesar dos jogos norte-americanos de poder, dívidas e
grandes empresários que alimentavam as esperanças dos
arquitetos e que depois, com o tempo, faziam-nos perder o brilho.
Loos e Neutra comentam que ainda assim gostavam daquele povo
e alguns norte-americanos, em especial de Walt Whitman,
correspondiam a um material humano valioso.35 Em relatos de
Loos, este afirmara que
“para melhor ou para pior, os Estados Unidos
representavam em todo o mundo um importante
catalisador a longa distância; em certos lugares, atrás
do áspero cortinado político, uma civilização
tecnológica de natureza igualmente quantitativa
também comprime ao indivíduo. Este desenvolvimento
misterioso da evolução permitirá que esta forma 34 Ibid. Pág. 159. 35 Ibid. Pág. 161.
92
sobreviva? Tal problema pode chegar a ser o aspecto
fundamental do crescimento humano.”36
Nem o Art-Nouveau ou o Jugenstiel ou até mesmo a
exaltação da máquina por Sullivan. Neutra acreditava que havia um
baixo sustenido orgânico e humano que não passaria, que
matizava permanentemente o que se poderia e se deveria fazer
para conservar nossa vitalidade.37
Além dos relatos de Loos, a produção de Frank Lloyd
Wright se mostra grande parcela das influências sobre Neutra.
Na biografia de Wright, Neutra encontrara aspirações
humanas expostas por aquele que acabavam merecendo a
simpatia dele. Conhecera Wright através de um pequeno
mostruário publicado na Alemanha em 1911, em que Neutra pôde
avaliar as obras de Wright e algo referente à produção
arquitetônica norte-americana.38
36 Ibid. Pág. 162. 37 Ibid. Pág. 163. 38 Ibid. Pág. 166.
93
“Os desenhos e os planos me maravilharam.
Pareciam completamente distintos de quando havia
conhecido. Em verdade, estas casas careciam de
paredes. As habitações se abriam em todas as
direções. Quase se poderia dizer que as havia
construído em um país tropical, onde sopravam ventos
de inverno, o qual, naturalmente, não era o caso.”39
Neutra quis conhecer aquele, seja lá quem fosse, e, por
mais obstáculos que tivesse, iria aos lugares onde Frank Lloyd
Wright respirava e trabalhava.
Em meados de 1904, lera em um jornal vienense um artigo
sobre Chicago, que eletrificara num raio de 65 km toda sua malha
ferroviária com o intuito de diminuir a poluição e melhorar as
condições de vida da população e, em tal época, eletricidade era
algo novo. Em 1924, já estabelecido nos EUA, comprovara que o
lugar era bem diferente daquilo que Wright descrevera – uma vez
que com tais publicações, imaginava que os EUA fosse um país
39 Ibid. Pág. 156.
94
romântico e rural –, diferente também de algumas versões que
Loos relatara e do que Lea em periódicos vienenses.40
Não existia um autentico Estados Unidos rural ao redor da
maioria das produções wrightianas. A maioria dos edifícios fora
construída em regiões de subúrbios de metrópoles que cresciam
velozmente e alguns cidadãos que ganhavam bem poderiam
gastar algumas somas com construção. Wright estava criando o
que lhe agradava se tratar de um renascimento do espírito da
pradaria nas casas ostentosas nos subúrbios, segundo Neutra, e a
paisagem circundante das obras vistas no catálogo de Wright
estavam no espírito de Neutra quando este saíra de Nova York,
depois de conhecer a apertada porção norte-americana que Loos
conhecera. Neutra ficara ansioso por conhecer as pradarias de
Chicago. Conhecia apenas James Jackson Forrestall, advogado
em Chicago, que o instalara no Centro de Assistência James
Adams. Conheceram-se em Viena, na Missão dos Amigos, durante
o período de guerra. O professor John Fischer, do Goshen College,
em Indiana, também trabalhara em Viena na Missão e também era
40 Ibid. Pág. 168.
95
estudioso de Kant. Foi a primeira pessoa que auxiliara Neutra a
obter o visto de entrada nos EUA.41
Ao chegar aos EUA, Neutra não se desanimara com a
sordidez da sociedade. Como fora aprender inglês depois de muito
tempo no Brooklyn e se aperfeiçoar em Boulevard Hollywood, era
normal a geração de mal-entendidos. O nível de imperfeição nos
idiomas falados transmitia certa simpatia, segundo Neutra, bem
como o uso de expressões faciais e gestos em Nova York eram
essenciais.42ao conhecer as cidades dos EUA, logo se encontrava
casas e pátios sombrios dos quais Loos sempre se referia com
otimismo humano. O que antes Neutra via com olhos críticos, com
a experiência dos relatos de Dickens, acabou se interessando
pelos bairros pobres, pois neles gerava certo tipo de bondade.
Percebera depois que Londres era maravilhosa por isso e deveria
descobrir uma dimensão de profunda humanidade nisso tudo.43
Não poderia se sentir decepcionado. Maravilhara-se por Nova York
41 Ibid. Pág. 170. 42 Ibid. Pág. 164. 43 Ibid. Pág. 165.
96
e, em suas visitas aos lugares mais sórdidos, concluía aquilo que
aprendera anteriormente com alguns relatos de Loos.
Em Chicago, Neutra começou sua carreira dando aulas de
desenho. Pouco tempo depois, passou a procurar as casas de
Wright. Sra. James Adams, administradora do centro no qual
estava instalado, dissera outrora que conhecera Wright quando
jovem, comentando também que ele largara da família e fugira com
uma esposa de um vizinho de Oak Park. Wright tinha uma
reputação não muito bem-vista. Quando Neutra pensara em levar
Dione pra conhecer o arquiteto, Sra. Adams achou tal atitude uma
loucura.44
“Chicago era por si mesma um lugar áspero,
porém no meio do continente. Não era uma ilha onde
se pudesse aterrizar, nem um porto natural do mundo
como Nova York.”45
44 Ibid. Pág. 172. 45 Ibid. Pág. 156.
97
Conhecera a Robie House, porém com sua já quinta
proprietária, que comprara a casa por um preço baixo e que, a
princípio nada funcionava muito bem. A casa tinha seus quinze
anos e havia sido vítima de descuidos.46
Neutra acabou não encontrando aquela população que
tinha sido afetada pela arquitetura, como imaginaria, ou os homens
que haviam se encarregado de produzir tal arquitetura do futuro e
que agora passavam os fins de seus dias dentro das casas e
felizes nela. A realidade era diferente e desconcertante. Os
moradores e os moveis pareciam lamentavelmente inadaptados.
Ao conhecer as obras de Louis H. Sullivan, que fora mentor
de Wright e, assim como este e Neutra, também era arquiteto da
segunda geração, Neutra logo comparara com o que Otto Wagner
produzira em Viena. Tal comparação era a suprema glorificação
que Neutra poderia das a um produto arquitetônico.47 Conhecera
Sullivan quando este possuía já seus 63 anos, dotado de uma
46 Ibid. Pág. 173. 47 Ibid. Pág. 174.
98
péssima saúde, desmoralizado, sem prestígio e na miséria. Um
gênio solitário.48
Neutra conhecera Frank Lloyd Wright no funeral de Sullivan
e, em uma conversa com o tão procurado arquiteto das pradarias,
acabou sendo convidado a fazer uma visita a Taliesin, onde Wright
estava trabalhando. Sullivan impressionara muito profundamente
ao jovem Wright tanto pelo pensamento quanto pela linguagem e a
criação entusiasta de floridos e originais adornos.49 Tanto Wright
quanto seu aluno Albert McArthur haviam explicitado o panorama
das possibilidades da arquitetura (ou ausência da mesma) em
território norte-americano.
“Um arquiteto moderno não consegue trabalho
digno desse nome neste país, especialmente em
Chicago.”50
48 Ibid. Pág. 175. 49 Ibid. Pág. 176. 50 Frase dita por Frank Lloyd Wright a Neutra. Ibid. Pág. 176.
99
A separação de Wright e Sullivan, para Neutra, fora mais do
que uma desavença e, sim, uma tragédia. E o fato de ele ter
começado a trabalhar com Wright e falando de Sullivan e de seus
sentimentos para com ele com muito apreço entristeciam Wright.
Neutra quisera conhecer não as casas de Wright, visto que já as
estudara profunda e detalhadamente em Viena, mas queria
conhecer as pessoas que nelas moravam. Mas nada perdurara.
Tudo caminha. O pessimismo de Wright; o mesmo pessimismo de
Sullivan.
Anos depois, Neutra percebera que, a princípio, ele mesmo
sobrepensava as necessidades o programa, os eixos e os lugares
físicos, retorcendo o fio para tecer sua própria trama quando
começava a desenhar. Afirmava que um arquiteto também poderia
ser um cientista, um contador de histórias.
Neutra percebia que a arquitetura horizontal de Wright à
cena social norte-americana – com questões de equidade e jsutiça
presentes nos projetos – eram bem-vistas e referenciadas no
exterior, mas não no contexto norte-americano. Wright acreditava
100
ser um regionalista, mas não era assim visto onde estava. Neutra
perguntava-se
“…se esta não era a sorte constante do
‘regionalismo intencional’, da forma conferida
ingenuamente, de tudo o que se cria com um propósito
e não se desenvolve a partir de um simples hábito
interior e de uma tradição externa comum.”51
As experiências comentadas por Loos despertaram uma
admiração em Neutra pela tecnologia industrializada dos EUA.
“Era evidente que, por razões econômicas e
políticas, se abarcava quase um continente, sem
barreiras aduaneiras e com mercado continental que se
ampliava tremendamente.
“Pelo menos aqui [nos Estados Unidos] havia
uma melhor oportunidade de servir a um comum
denominador orgânico da espécie, porque se contava
51 Ibid. Pág. 180.
101
com a amplitude e os meios para sustentar
precisamente tal atitude!” 52
“A juízo de um europeu, este tremendo mercado
deveria subministrar a oportunidade e o impulso inicial
de uma cautelosa investigação que daria origem a uma
indústria dinâmica e robusta, especialmente no campo
dos acessórios da construção, e criaria uma tecnologia
dotada de recursos abundantes e de uma informação
realmente atualizada. Deste modo, a humanidade
obteria um novo equivalente à produção dos pequenos
artesãos, que de todo modo, em sua condição,
haveriam perdido o contato tradicional com os seres
humanos. Estados nidos promoveria a arquitetura
moderna como não poderia fazer nenhuma outra
nação. Não apenas colocaria o engenho e as máquinas
indispensáveis para organizar uma nova produção
auxiliar de manufaturas amplamente adaptáveis, senão
que, por sobretudo, colocaria à disposição do êxito
52 Ibid. Pág. 181.
102
biológico, porque o consumo poderia ser, teria de ser,
amplo e exatamente observado. Cantava com o
sistema de distribuição, as organizações de venda por
correspondência e seu sistema de controle à distância.
Desde a dieta até o micro clima criado pelo homem em
sua vivência, a biologia poderia triunfar. Todo o
fundamental parecia estar ao alcance da estrutura
básica, e caberia supor que não estávamos muito
cansados da semana de trabalho de quatro dias. Quiçá
fosse possível o florescimento do individualismo
democrático, não a mera democracia numérica nem a
distribuição de artigos exatamente iguais. A
investigação fragmentária em pequena escala não era
coisa daquela época. Aqui e agora deveriam
subministrar os elementos de uma atividade em grande
escala.”53
53 Ibid. Pág. 182.
103
Com o passar dos anos, Neutra foi se animando cada vez
menos com a confiança no individualismo norte-americano e sua
manifestação com mais êxito do que ocorrera há séculos.
Analisando o contexto sócio-econômico dos EUA, Neutra
chegara à conclusão que, com tamanha amplitude de mercado,
uma arquitetura contemporânea seria criada, fosse ela seguindo
um estilo de pradarias, seja qualqer que fosse. A arquitetura
simplesmente se adaptaria ao consumidor.
Em 1920, Neutra expõe que, enquanto na Europa o
arquiteto era dedicado até os mais finos detalhes – dando ênfase
nos detalhes manuais – a lógica nos EUA consistia na
estandartização dos elementos da produção, fazendo com que o
detalhe, como ornamento, se perdesse.
104
105
CONTEXTO HISTÓRICO
106
LOS ANGELES
Los Angeles é atualmente uma das maiores metrópoles dos
EUA, e a mais importante do Estado da Califórnia. Concentra uma
população de mais de 3,9 mi de habitantes abrigando ainda em
seu condado cerca de outras 80 pequenas cidades.
Reconhecida como uma cidade global, se tornando
importante objeto de estudo para a arquitetura e o urbanismo
contemporâneos, Los Angeles apresenta-se como uma
“mercadoria, algo para ser anunciado e vendido para o povo dos
107
Estados Unidos, como automóveis, cigarros e desinfetante bucal” 54.
Porém, a Los Angeles de Richard Neutra corresponde
aquela certo que o arquiteto segue sua produção acompanhando a
trajetória metropolitana da cidade, trabalhando até por volta dos
anos 70. Contudo a análise empreendida debruça-se ainda nos
seus primeiros momentos no país, a parir de 1920, até meados de
1940, quando conquista um notável reconhecimento, alterando de
certa forma a natureza inicial de seus projetos.
O que seria, portanto, a Los Angeles do início do século
XX? Qual a perspectiva de Richard Neutra, uma vez inserido num
país onde a arquitetura moderna não encontrava o mesmo
estímulo substancial ao seu desenvolvimento?
Em verdade, havia nos EUA o que muitos teóricos e
historiadores chamaram de “espírito americano” com relação à
produção arquitetônica, um estado que apontava em direção
54 MAYO, Marrow. Los Angeles, Nova York 1933, pp. 319.
108
favorável à uma produção moderna. A atmosfera de liberdade que
acatava os aventureiros do “Novo Mundo”, mesmo em tempos
mais contemporâneos, era uma condição única de
desenvolvimento, o que naturalmente significava o desprendimento
a valores e normas pré-estabelecidos e ao peso da tradição, como
ocorria no ambiente Europeu. O solo norte-americano oferecia,
dessa forma, um campo de possibilidades novas. A essa
atmosfera, somam-se ainda as experiências arquitetônicas do
período de colonização, que oferecera ao passado arquitetônico
americano um respaldo importante na contemplação de uma
arquitetura fundamentada em termos de funcionalidade, de formas
simples e concisas e demais aspectos tão importantes à
arquitetura moderna.
De fato, o processo histórico de formação dos Estados
Unidos tem sua primeira fase marcada pelo período de
colonização, quando diversas nacionalidades européias enviaram
missões para a ocupação do vasto território norte-americano.
Esses grupos se instalaram em regiões distintas onde puderam
introduzir seus modos e suas culturas em virtude da própria
109
sobrevivência e prosperidade da colônia. Dessa forma é que, em
cada uma das regiões ocupadas, nota-se a influência de estilos
regionais (quase sempre rurais), correspondentes ao país
colonizador: no Vale do Mississipi encontra-se a influência da
técnica francesa “poste sobre añojal”; no Vale do Hudson e na Ilha
de Manhattam os holandeses introduziram a fachada de “arguilón”
e, em toda a Califórnia, a colonização espanhola nos apresenta as
residências coloniais, igrejas barrocas, etc.
Los Angeles fora fundada em 1781 enquanto “pueblo” da
colonização Espanhola, a fim de incrementar o suprimento de
comida e garantir a defesa da província. Não por menos, apresenta
forte influência da arquitetura espanhola - como também mexicana
em determinados pontos - durante o seu desenvolvimento.
Segundo Helene Trocme:
“Nas regiões colonizadas pela Espanha, desde a
Flórida até a Califórnia, se percebe muito mais
nitidamente a rigidez das regras de urbanismo
determinadas na Lei da Índias de Felipe II”
110
“Cada cidade deveria incluir uma praça principal,
orientada segundo os quatros pontos cardinais, de
dimensões precisas, e acessível por quatro ruas
principais”. 55
55 TROCME, Helene. Los Americanos y su Arquitectura, Madri: Ediciones Cétedras, 1983, pp. 77-78.
111
Plano de implantação e perspectiva da Missão de San Juan Capistrano, 1812
112
Embora pouco tenha restado desses planos, trata-se
de um fato facilmente observado na Old Spanish Plaza,
situado na então região histórica da cicidade Los Angeles.
Com relação aos edifícios, esses planos eram
basicamente constituídos por igrejas, para a evangelização
tão importante nas missões espanholas, edifícios militares,
para abrigar os soldados e possíveis prisioneiros, e algumas
residências. Como técnica construtiva nota-se a adesão de
técnicas vernaculares conhecida pelos brasileiros como o uso
do tijolo de adobe e a taipa de mão, sendo o clima tropical um
fator determinante.
No início do século XIX, as construções em adobe
começam a dar lugar para as soluções em pedra e madeira,
caracterizadas pelos ranchos californianos. É o momento em
que o domínio dos espanhóis começa a declinar devido ao
enfraquecimento do Império. A partir disso, o México passa
Imagem da Old Spanish Plaza, 1860.
113
avançar sobre tais territórios, concedendo terras californianas
a grandes proprietários.
Porém, como se refere a historiadora Sally
Woodbridge, o passado hispânico, não só de Los Angeles,
como de boa parte da Califórnia, sofre sua devastação a partir
de 1850, quando acontece um importante desenvolvimento
econômico do Estado com a descoberta de minérios
preciosos, como o ouro. Dá-se início ao “Gold Rush”,
marcando de sobremaneira a transformação das cidades do
oeste dos EUA com o progresso da exploração de minérios, a
posterior introdução de indústrias de madeira, além de um
grande fluxo de migrantes de todo o território dos Estados
Unidos.
Nesse momento a cidade de Los Angeles passa a
consolidar a configuração ortogonal com que se apresenta
atualmente, em decorrência da vigência do Plano Red. Votado
no Congresso Americano, em 1785, o plano nasce da
concepção de estabelecer um controle federal sobre o
114
território dos EUA, em especial “ao oeste dos Apalaches,
onde os colonos desejavam estabelecer-se livremente” 56, e
ao mesmo tempo também fundamentar um sistema simples
para facilitar a repartição e aquisição de terras, como uma
forma de impulsionar o desenvolvimento urbano57.
Em verdade, desde o início do século XIX o
desenvolvimento das cidades já seguia a configuração
estabelecida pelo plano. Porém, nesse sentido, tomando-se
em mente natureza do plano, é possível deduzir o quão
importante passou a ser para o país, com relação a essas
cidades, no período caracterizado pela expansão em massa
em direção ao “oeste dos Apalaches”.
56 Ibidem, pp. 87-88. 57 Vigorava, então, a divisão quadrangular de seis milhas cada lado, orientados em eixos norte-sul, leste-oeste (base line e range line) e subdividios em trinta e seis quadrados, estes com lados de uma milha de distância. Estes são numerados e vendidos ao preço de um dólar o acre. Uma das cosequências do plano foi justamente o desenvolvimento do processo de especulação, quando até mesmo cidades privadas acabaram surgindo.
115
Imagem de Los Angeles registrada de um balão, 1887 Mapa de Los Angeles, 1917
116
É a partir desse momento, também, que as
construções típicas do período colonial são substituídos pelas
tendências arquitetônicas provenientes da Europa. Conforme
Woodbridge:
“o ´Gold Rush´ atraiu arquitetos, como
todos os “boom times” fazem. Por um
momento, nos anos de 1850, a
arquitetura em emulou estilos
internacionais” 58
A influência européia que, então a princípio contribuíra
com o desenvolvimento do “espírito americano”, nesse
momento estabelecerá uma relação desinteressante nesse
aspecto. Contrariando a possibilidade de consolidação de
uma arquitetura norte-americana própria, boa parte dos
58 WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books, pp. 43, 1988.
117
arquitetos, durante muito tempo, irá se preocupar em importar
os estilos históricos europeus, que no mais, justamente
“refletiam as mudanças de gosto das classes cultas“ 59.
A partir de 1850, diversos estilos aportavam na
Califórnia, seja através de impressos, livros ou mesmo pelos
próprios arquitetos, estrangeiros ou não, a ponto de ser
possível identificar para cada qual um período
correspondente, conforme o entusiasmo provocado.
Woodbridge relacionará esse primeiro momento, os
1850s, como o referente aos estilos do neo-renascimento, das
mansões e edifícios comerciais inspirados nos estilos italianos
(italianate buildings). E os anos de 1880s e 1890s, como
contemplação dos estilos romanescos das igrejas
californianas - por adaptar a construção em pedra pela
madeira no estilo gótico.
59 TROCME, Helene. Los Americanos y su Arquitectura, Madri: Ediciones Cátedras,1983, pp. 19.
118
Há ainda, com maior destaque, a presença de estilos
bastante vinculados à idéia do pitoresco, gerando uma relação
de maior identidade com as condições locais e ambientais das
cidades californianas. Portanto, estilos como Queen Anne,
com seus planos irregulares e uma variedade de cor, textura e
também de materiais (madeira, tijolos e pedras), Eastlake
(uma variação muito próxima do Queen Anne) são mais
predominantes em terras do extremo oeste dos EUA, entre
1860 e 1890. Tratam-se de estilos trabalhados originalmente
na Inglaterra, sendo o Queen Anne consagrado por um dos
arquitetos mais importantes dos século XIX, Norman Shaw, e
introduzido nos Estados Unidos através da “Centenial
Exposition” de 1876, na Filadélfia. Já o estilo Eastlake, é
resultado do trabalho de Charles Lock Eastlake, disseminado
no oeste dos norte-americano a partir de 1872 quando da
edição de seus livros.
Residência no estilo Eastlake, Los Angeles
Contudo, paralelamente a tais estilos, o fluxo
migratório também trouxera algumas soluções técnicas, como
o “Salt Box”, comum em Nem Engalnd, porém de difícil
disseminação devido ao tempo e intensidade de trabalho que
demandava; as “Casas Ortogonias”, que prezavam pela
salubridade promovida pela constante circulação de ar,
resultado da ventilação cruzada que suas faces
contemplavam; além das casas pré-fabricadas, vale lembrar
que não se trata do sistema pré-frabricado atual, mas sim do
sistema muito recorrente logo no início do “Gold Rush”, por se
tratar justamente d eum sistema de fácil montagem e de custo
bastante reduzido com relação a um edifício tradicional,
porém com sérios problemas de padronizações de tamanho e
qualidade de material.60
60 “(…) they should have been easy to reassemble, enough accounts testify to the contrary to show why they failed to compete with local industry when it got to start” The majority of prefabs were probably samall, even miniature by today´s norm”. (WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books,, 1988, pp. 37).
Em meados do século XX, algumas cidades da
Califórnia, como San Francisco e até mesmo Los Angeles, já
estão muito distantes daquele cenário colonial de origem e se
apresentam como uma metrópole em potencial, abarcando
importantes setores industriais para o país. A prosperidade
econômica promovida pelo impulso industrial das atividades
mineradoras, atraía para as cidades californianas setores
importantes de atividades financeiras como banqueiros e altos
comerciantes, muitos deles vindos de cidades já consagradas,
como New York. Desse modo, ainda nos anos de 1890s dá-se
início a uma proliferação de edifícios inspirados nas escolas
de Belas-Artes, principalmente em San Francisco. Arquitetos
estrangeiros como Willis Polk ou Bernard Maybeck,
desempenham grande influência entre os novos homens
importantes da cidade, construindo bancos e residências com
a monumentalidade dos estilos neo-clássico e neo-
renascentistas.
À respeito de Los Angeles, novos centros urbanos são
formados peculiares à paisagem urbana de Chicago. Em
Imagem da cidade de Los Angeles, 1890
Centro comercial de Los Angeles, 1930
verdade, a cidade é palco de um desenvolvimento econômico
muito mais profundo quando participa do crescimento
industrial norte-americano com a instalação de indústria
petrolíferas. Uma nova dinâmica da cidade, pautada pelas
novas tecnologias de produção e de transporte, como os
automóveis,faz que os arquitetos transformem os edifícios em
função de um fator extremamente novo e fascinante: a
mobilidade das cidades capitalistas. É nesse contexto que
surgem projetos inspirados pelo estilo Art-Deco ou o
“Streamline Moderne”.
Portanto, ainda que alguns arquitetos insistissem no
emprego de recursos estilísticos, a arquitetura norte-
americana apresentava nesse período a influência de
arquitetos alinhados à uma produção descomprometida com
os modelos históricos europeus. Chicago era, nesse sentido,
um foco disseminador dessas idéias apresentando-se como
berço para a formação de nomes fundamentais para o
desenvolvimento da arquitetura moderna americana, ou
mesmo de uma arquitetura genuinamente americana. Foi a
partir de arquitetos como os Greenes, Irvin John Gill, Frank
Lloyd Wright, todos eles influenciados pelo arquiteto
americano Louis Sullivan, que surgiram as primeiras
manifestações arquitetônicas nesse sentido, tanto nos EUA
quanto mais especificamente na Califórnia - e em especial na
cidade de Los Angeles.
Charles Summer Grrene and Henry Mather Greene,
americanos, chegaram à Pasadena, Califórnia, em 1893, onde
desenvolveram projetos pautados nos parâmetros
desenvolvidos pelo movimento concepções estão fielmente
definidas em um questionário respondido em 1906 para
Charles Lummis, do Los Angeles Public Library Department of
West History, à respeito de sua apromiximação do design
doméstico, em que constava:
“1º para compreender tantas fases da
vida humana quanto possível;
2º para prover por seus requisitos
individuais no meio mais prático e útil;
3º para fazer tais coisas necessárias e
úteis agradáveis” 61.
Além disso, os Greenes contemplam habilidades com
materiais muito usados ao longo da história da Califórnia.
Suas obras se relacionam de uma maneira muito satisfatória
com a paisagem californiana, através do uso da madeira e
dos blocos cerâmicos, seus “Bangalows” chegam a ser
comparadas por Woodbridge às Casas de Pradaria de Frank
Lloyd Wright.
Irvin John Gill, natural de Nova Iorque, também
chegara a escritório de Sullivan em Chicago, um fato
determinante para a sua produção, reconhecida como
difusora de uma arquitetura fundamentada, justamente, na
construção de edifícios definidos por formas simples e
concisas. Em 1913, conclui a construção da La Jolla Women´s
Club, em San Diego, onde a forma retangular pura é marcada
por um rítimo de arcos que lhe definem as aberturas e uma 61 WOODBRIDGE, S. B. California Architectura, San Francisco: Chronicle Books, 1988, pp. 69-70).
marquise de pergolas estende o interior do edifício à
paisagem. Notadamente ainda se observa a marcante
referência colonial, o que sugere, portanto, uma busca pela
construção de uma arquitetura americana própria, valendo-se
de um repertório construtivo original do país, no caso, das
cidades californianas.
Outro projeto fundamental de Gill, nesse aspecto, e
tida pelos historiadores como sua obra-prima, é a casa Walter
P. Dodge e, Los Angeles. Construída em 1916, traz
explicitamente muitos dos preceitos consagrados pelo
movimento moderno da arquitetura, como o uso de formas
retangulares bem definidas, valendo-se das aberturas para
uma composição integral do edifício.
Casa Walter P. Dodge, Los Angeles, 1916
Como visto, a virada de século XIX para o XX
correspondeu aos Estados Unidos a um momento decisivo
para a constituição de uma nova arquitetura, tanto quanto na
Europa. Porém, há uma diferença fundamental e que pode ser
identificada desde agora, seguindo a passagem de Alan
Colquhoun à respeito da arquitetura moderna em solo norte-
americano:
“os avanços decisivos para a arquitetura moderna
se produziram no setor privado. Inclusive os
projetos públicos eram financiados por organismos
privados (...) e isto tendia a inibir o
desenvolvimento da arquitetura moderna
immpulsionada pela ideologia, mesmo que chegou
a eliminá-la de todo” 62.
O autor segue, assim, apontando para a contradição
existente entre o contexto cultural dos EUA a conjuntura 62 COLQUHON, Alan. La Arquitectura Moderna: Uma historia desapasionada, Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2005.
européia no processo de consolidação do movimento
moderno - o que resultaria, portanto, em movimentos
essencialmente distintos nesses lugares. Para tanto, discorre
sobre dois fatores fundamentais: primeiramente, a inexistência
de movimentos sociais e até mesmo de vanguardas artísticas
nos Estados Unidos; mais tarde, as conseqüências
provocadas pela II guerra mundial, tanto na Europa como na
América.
Colquhon explicará, então, a partir da exposição de
1932 no Museu de Arte Moderna (MoMA) em New York, o
processo pelo qual a arquitetura moderna receberia ampla
divulgação no país. Por meio do trabalho de Hitchcock e Philip
Johnson à respeito do chamado International Style, é
reforçado o fato de que a arquitetura moderna nos EUA
representa uma produção que se colocava distante de
debates políticos e sociais tal qual aquele movimento
europeu, sendo tratado mais como um modo conceber os
projetos.
A respeito da relação entre o movimento e a Segunda
Guerra Mundial, a contradição se terna evidente, uma vez que
fora justamente a condição precária em que se encontravam
os países europeus após a guerra, que estimulara mais do
que nunca o enfoque social da arquitetura. Além disso, a
recuperação das cidades destruídas pelas batalhas seria
financiada pelo dinheiro público decorrente dos programas
governamentais.
De fato, em 1925, Neutra já compreendia que os
Estados Unidos eram bastante diversificados e amplos e que
Nova York e Chicago eram lugares importantes do mundo.
Viajara para Califórnia no inverno com sua família, pois ali era
o único lugar onde Wright pudera realizar alguns trabalhos
durante o período em que Neutra estivera nos Estados
Unidos. Na Califórnia, Neutra diz ter encontrado um povo mais
flexível do que em outras regiões do país, não se
preocupando com opiniões heterodoxas, desde que não
fossem políticas.
Logo, a atmosfera lhe pareceu apta para ensaiar aquilo
que se destacaria dos hábitos até então trilhados, europeus e
até mesmo americanos, e também para tratar de se
familiarizar com pensamentos e pautas humanas de conduta,
por assim dizer, em uma sorte de esfoliação tropical.
“Muitas das pessoas que haviam ido à
Califórnia não haviam sido conduzidas por razoes
de tensão econômica, diferente das que haviam
migrado cem anos antes, desde os Catskills a
Ohio, desde Ohio a Illinois. Naqueles tempos,
antes das tempestades de areia de Oklahoma
ocidental, a fome não conduzia o povo para o
Oeste. Como trariam consigo seus bens,
acabaram ficando nas ‘terras meridionais’
simplesmente para melhorá-las. As principais
comunidades, por exemplo a colônia de Indiana
que agora se chama Pasadena, ou Redlands, ou
qualquer um dos assentamentos mais antigos na
região ‘naranjera’, foram fundados por populações
acomodadas. Haviam sido pessoas de êxito em
suas respectivas profissões – advogados,
médicos, profissionais variados – e depois
emigraram e fundaram ou um colégio ou uma
igreja, por suposto, sub bdividindo a terra
circundante para sua venda em lotes. Eram pion
eiros de espécie diferente e a campina era um
horto frutífero com sua própria ‘indústria no
campo’, granjas cheias de máquinas mais do que
fábricas e manufaturas. Nessa época, a Califórnia
tinha um céu azul e não existia poluição. Los
Angeles era uma cidade bastante pequena
quando eu cheguei; porém ainda na década de
1890, quando a população não ultrapassava os 50
ou 60 mil habitantes, teria arquitetos como o
britânico John S. Austin e John Parkinson […]
Continuavam praticando serenamente mais ou
menos a mesma arquitetura para a companhia de
gás, para os banqueiros locais e para os
comerciantes ; porém pude conseguir pelo menos
alguns pequenos trabalhos utilizando outros
enfoques das coisas.63
“Porém eu havia escutado e seguido o
chamado da distante Califórnia, a região de clima
benigno que me convidava aviver entre outros
seres transplantados, gozando e ainda
compartindo um pouco sua flexibilidade e a
faculdade de devolver a vida ao Sul, não de um
modo abstrato nem teórico, senão calidamente,
segundo ummodo novo, concreto e real. Creio que
Frank Lloyd Wright e Walter Gropius não tiveram
formulado conceitos muito favoráveis acerca da
Califórnia. Porém haveria de converter-se na mais
contemporânea região do sul em busca de um
modo de vida apropriado para nossa época. Pelo
que sei, Mies e Le Corbusier nunca a visitaram. Se
tivessem feito, dificilmente se teriam mostrado
cordiais com sua ingenuidade cultural, que por
toda parte a beira da desordem. Porém supondo 63 Ibid. Pág. 199.
que Loos me havia educado para que simpatizara
com a desordem de humilde origem social”.64
Los Angeles era um lugar muito especial e oferecia
uma posição que, para Neutra, mostrou-se bastante
vantajosa, pois se tratava de uma região meridional que não
era um lugar improvável e que poderia se constituir em um
local apropriado para o desenvolvimento da espécie humana
e das idéias acerca da criação de mecanismos e construções
que readaptassem a população ao meio em que se
encontravam, e não propor novos formalismos. Constituía-se
em uma situação agradável, ainda que os norte-americanos
não digerissem tão facilmente as idéias, porém tratava-se por
se projetar uma ampla visão de futuro e pressupostamente
permitiria por toda a parte a criação de um clima mais ameno
para a população.
A Califórnia, para Neutra, tratava-se de uma região
que se industrializara, porém mantendo características de sua
origem natural, cujo clima subtropical possuía muitos atrativos
64 Ibid. Pág. 202.
em prol da implantação da Nova Arquitetura, bastante
adaptável às necessidades biológicas e a um novo modo de
vida. A estrutura de tais idéias representaria a completa fusão
entre interior e exterior – tal qual foi o rótulo que a difundira.
Califórnia era, sem dúvida, um lugar estratégico para tais tipos
de ensaio.
PRINCIPAIS OBRAS 1925 - 1935
LOVEL HEALTH HOUSE – 1927
Colinas de Griffith Park Los Angeles – Califórnia
Em 1927, começara a trabalhar no projeto da
Casa de saúde, para o Dr. Philip Lovell, um protótipo no
sentido de seu profundo interesse em atitudes biológicas
incorporadas às intenções da arquitetura e também pelo fato
do cliente, o Dr. Philip, ter o estimulado, compartilhando dos
mesmos critérios.
A Sra. Lovell e sua irmã compartilhavam de certo
apreço pela arquitetura de Wright, o que facilitou a Neutra
implantar uma linguagem diferente da neocolonial espanhola
que se difundia sem barreiras pela costa oeste norte-
americana.
O Dr. Lovell queria participar de um experimento
futurista. Seria o homem capaz de antecipar a saúde e o
futuro em uma estranha e complicada estrutura de aço
revestida por uma fina camada de material sintético,
amplamente aberta, aplicada com destreza e exatidão
naquele fragmento inclinado de uma natureza inclinada. A
idéia de comunicação visual com aquela natureza original da
Califórnia seduzia Philip Lovell. O projeto constituía uma
aparição aparentemente estranha no cenário geral de 1927.
Segundo o projeto, poderia ser avistada de longe, incrustada
em uma encosta, quase escarpada, sobre o fundo das altas
colinas de Griffith Park, com ampla perspectiva do sul, sobre
as árvores que cresciam num primeiro plano e que se Imagem de 1932
prolongavam até atingirem o mar distante. Pela primeira vez
se utilizara estrutura metálica tão detalhada e específica em
uma residência.
Graças à fusão entre interior e exterior, pouco
conhecida até então, a saúde se beneficiara, mediante a
continuidade das esquadrias, que representavam o vínculo
com a paisagem, ponder-se-aria novamente a contribuição
dos elementos que haviam caracterizado uma cena natural
vitalmente dinâmica durante cem mil anos e lhe atribuía outra
vez a condição de habitat humano. Quando as cortinas eram
abertas, penetrava-se uma perspectiva e uma paisagem
esplendidas ao interior.
Fora uma das primeiras casas com fechamentos
têxteis por detrás dos vidros, em uma época em que todo o
continente, desde Montreal até Rio de Janeiro, Lima e Buenos
Aires, era virgem nesse aspecto. Gerações e gerações
posteriores foram influenciadas por Neutra e sua obra, que
foram reconhecidos e obtiveram destaque no contexto
arquitetônico da época.
A Lovell Health House fora concebida a parti de
estudos acerca das relações humanas entre os habitantes e
membros da família, das relações entre os habitantes e suas
atividades corriqueiras, da rotina familiar e da necessidade de
relação de todas as ações com a natureza. Neutra procurou
estabelecer um programa construtivo que deveria ser
interpretado como algo que contribuísse para o bem-estar
psico-fisiológico dos moradores, centralizando seus estudos
no impacto benéfico de um ambiente bem-projetado sobre a
saúde geral do sistema nervoso dos usuários. A planta aberta
refletia a personalidade expansiva de Lovell, que
representava em si atributos atléticos e progressistas do
International style.
Sala de estar
Vista interior
Projeto residencial onde o autor põe em prática
sua atitude fisiológica frente à arquitetura65.
Tal obra é considerada a apoteose do
International Style, incorporando vários aspectos das idéias
que vinha desenvolvendo até então a respeito de relações
biológicas e fisiológicas dos indivíduos com ambientes
saudáveis, colocando em prática suas conceituações acerca
do realismo biológico, tornando a Lovell Health House uma
forte e decisiva influência no decorrer da carreira de Neutra.
65 J. M. Borthagaray.
VAN DER LEEUW RESEARCH HOUSE - 1932 2300 E. Silver Lake Boulevard
Los Angeles – Califórnia
Neutra pretendia que seu novo complexo familiar fosse
um experimento entre tecnologia e espacialidade, uma casa
experimental, de modo que se promovesse a saúde e
comodidade aos seres humanos que nela se abrigariam, e
demonstrar que
“o homem é um ser estável, que a nova
arquitetura não é um estilo passageiro, podendo
se adaptar bem a qualquer geração subseqüente,
a quaisquer respostas humanas.”66
Foi a oportunidade de desenvolver uma casa de
estudos sobre os materiais e um protótipo de uma vida –
trabalho protótipo, um laboratório que parece muito mais
espaçoso que 214 m2. Neutra escolheu um terreno similar a
aquele de seu patrocinador, o magnata industrial holandês C.
H. Van Der Leeuw, cuja casa Roterdam se assemelha ao
Kralingse Plaslaan. A casa de Neutra ocupava uma suave
encosta de 18 x 21 m, área que se localizava a cerca de 30
metros de Silver Lake, aparentando fazer parte da paisagem
66Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 251.
e da vegetação da Califórnia, em uma acidentada vizinhança
residencial não muito longe do centro de Los Angeles, agora
muito conhecido pela forte presença de uma das pequenas e
brilhantes casas feitas por Neutra, J. R. Davison, John
Lauther, Rudolf Schindler e por Gregory Ain, H. H. Haris e
Raphael Soriano. Estes últimos três arquitetos trabalharam
para Neutra na sala de projeto da primeira VDL em 1930.
O material empregado constituía de uma gama dos
mais novos e variados produtos de pré-fabricação de
natureza standard, cuja utilização fora empregada de maneira
adequada, respeitando também as características dos
materiais.
O assimétrico complexo em forma de H foi
elegantemente resolvido num programa muito exigente. Como
um sofisticado kit de peças, e elasticamente respondia a um
número de diferentes ocupações, de um aprendiz de desenho
Imagem da construção
para grupos de música para membros da família. Para cunhar
as palavras de Neutra que o programa incluía uma
“família mínima convivendo com uma
kitinete e um estúdio na parte de traz; conviver
com um solteiro; viver em um alojamento com sala
de jantar, cozinha, varanda para o lago e uma ala
separada de quarto... um porão com área de
trabalho... um playground para crianças, dois
terraços no telhado, dois jardins”.
Existem duas portas na entrada da estrutura principal
de dois andares, uma para o norte visando o estúdio-
escritório de Neutra, e a outra voltada para a ala da família na
parte superior, onde há um jardim de cobertura (varanda) com
sua parte de trás baixa com um sofá de couro que separa a
vivência dos cômodos de dormir (quartos). A perna do H que
junta a parte oeste e a leste contem um quarto de empregada
(onde um pequeno terraço aberto se localiza agora); um
minúsculo quarto que futuramente foi utilizado por uma
variedade aprendizes ao longo dos anos; começando com
Raymond Neutra, uma lavanderia-quarto; e uma área de se
vestir que duplicava a área de trabalho interna.
A forma H estrutura um dos componentes que
conecta os volumes, empurrando a vista frontal e de trás para
as ruas. A estratégia permitiu a Neutra preencher os espaços
que sobraram com ambientes externos, desta maneira
garantia que tais ambientes permitissem um contato com a
natureza em mais dois lados da casa. O novo código de
construção e zoneamento permitiu a Neutra construir seus
principais edifícios de 1932 quase até a calçada.
Neutra apresentou o quarto de hóspedes ao
departamento de construção como sendo uma garagem para
qualificá-lo de novo e construí-lo sem problemas. Uma peça
integral do design com 1333 pés quadrados completada em
tempo para o natal de 1939. Ela continha uma área de Planta pavimento de acesso
vivência/área de jantar de 5 x 7 m e uma cozinha; e custou
US$ 4,3 mil para construir, escreveu Neutra. Uma das
principais características foi a adoção de três portas de ferro e
vidro que se abriam totalmente para o oeste e a sala de estar
para o jardim cujo pavimento estava isolado. Suaves luzes
fugazes poderiam ser projetadas à noite e se encontrar no
interior e exterior da residência, de forma a promover um
aumento to contato entre a casa e os ambientes externos.
Em uma exibição fotográfica etiquetada “Dione
Neutra´s Guesthouse” aparecem imagens em que grandes
ramos de palmeiras adentram a sala de estar de visitas tão
longos e horizontais que parece ter alguém segurando-os,
apresentando o fator que determina a integração entre
ambiente interno e externo.
Em contraponto a projetos já desenvolvidos,
direcionados a vivência de apenas uma família, o programa
desta casa e a relação da mesma com o terreno
reconfiguraram constantemente a vida da família Neutra.
Iluminação, mobiliário e acabamento foram mudados
constantemente, buscando-se sempre uma forma mais
apropriadapara a uma habitação que foi pensada para
responder a constantes condições de mudanças.
A intimidade das fachadas de vidro é guardada pelos
reflexos da iluminação natural exterior, estando incorporado
ao projeto todo um estudo de iluminação e também de
ventilação – direção e aproveitamento dos ventos dominantes
–, tudo relacionado com as atividades psico-fisiológicas dos
usuários, e não somente para preservar as atividades
rotineiras.
As fundações da residência foram feitas em madeira,
segundo Neutra, para a casa suportar os sismos que
ocasionalmente abalam a costa oeste norte-americana.
A estrutura modular de madeira foi queimada em 21
de março de 1963, no período em que Richard e Dione
viajavam pela Europa, devido a problemas nas instalações
elétricas. O quarto de visitas foi destruído. A vida da
empregada foi salva, pois ela conseguiu passar pela outra
porta que levava à área externa.
Dion Neutra foi creditado tenazmente por resgatar
muito dos arquivos do escritório e materiais sobre a casa
destruída. Com o aval e aceitação de Richard Neutra,
reconstruiu a casa, remodelando-a no mesmo terreno,
utilizando-se também da lógica de projeto de concepção da
obra de seu pai.
Planta subsolo Planta pavimento de acesso
Planta segundo pavimento Planta "penthhouse"
Cortes longitudinais
Cortes transversais
Vista pavimento de acesso Vista do boulevard Silverlake, para o sul
Abrigo do terraço, com visão parcial do plano envidraçado Abrigo do terraço, 1950
Garden house
Garden Room, interior Garden House, pátio e sala de estarGarden Room, canto sudoeste
Sala de estar com área de jantar
Conona School – 1935 3835 Bell Avenue
Bell, California
Construída no mesmo ano que a Academia militar da
Califórnia (feita toda com estrutura de aço), está escola de
ensino fundamental, feita com estrutura de madeira, foi a
primeira oportunidade de Neutra de implementar suas idéias
radicais de design escolar no qual ele já vinha trabalhando,
desde sua primeira formulação em “Rush City Reformed”, no
final da década de 20.
A obra, porém, só fora realizada graças a Nora Sterry, a
inteligente diretora da escola, e também à participação de
membros da Liga das Mulheres Votantes em uma reunião da
Junta de Educação de Los Angeles, que apoiaram Neutra em
sua concepção de educação mais voltada para um contato direto
com a natureza.
A educação, particularmente no ensino fundamental,
era visto por Neutra como um evento baseado em relações de
efeito e causa: assim uma boa arquitetura era fundamental para
gerar uma boa educação.
Neutra rejeitou assim o modelo tradicional de volume
monolítico múltiplo-pavimentado, descentralizando-o em uma
estrutura mono-pavimentada de classes térreas.
Incorporara todos os estudos preliminares sobre
edifícios de instituições educacionais que deveriam manter
algumas características relacionadas a questões naturais
externas às salas de aula, como estudos da Ring Plan School,
de 1926, que fora construída posteriormente em 1961, com o
nome em homenagem ao arquiteto, e também como o Activity
class room study, de 1928, no qual Neutra propôs salas de aula
uniformemente orientadas, bilateralmente iluminadas e com seus
próprios pátios externos de trabalho.
O contato com a natureza deveria ser facilitado,
utilizando-se métodos que permitissem dobrar o ambiente
destinado a atividades, através dos espaços destinados a aulas
externas. Assim as portas de todas as salas poderiam ser
abertas para modificar o espaço. Imagem de uma típica aula no pátio da classe
Na Corona School o bloco principal consiste em cinco
salas de aula vinculado a um bloco secundário que possui dois
jardins de infância, situados na ala sul do bloco principal.
Essa escola foi projetada para ser uma experimentação
da tentativa de articulação dos novos métodos educacionais. O
bloco principal consiste em cinco salas de aula, em que cada
uma composta por quarenta alunos de 6 a 10 anos, todas em
pavimento térreo. Áreas abertas separadas por vegetação baixa
servem para aulas ao ar livre, que são possíveis durante quase o
ano todo devido às temperaturas amenas e baixa amplitude
térmica.
Planta das salas de aula
Sismos são comuns na cidade de Los Angeles e por
isso as construções ficam sujeitas a estresses laterais. Por essa
razão, o arquiteto introduz à arquitetura californiana o uso de
materiais que respondem bem a essas condições, como madeira
leve, estruturas metálicas, gesso, etc. Enfim, o uso de métodos
que, depois de feitas pesquisas, provaram ser mais satisfatórios
que outros métodos e materiais, tanto tecnologicamente quanto
economicamente. As fundações foram todas feitas com concreto
reforçado. A cobertura possui um vazio que serve para isolar as
salas de aula do calor que incide na mesma e o teto foi tratado
com um eficiente sistema de absorção acústica à base de gesso.
Janelas e grandes portas de correr, em estrutura metálica, foram
cuidadosamente detalhadas pelo arquiteto. O chão é coberto
com um madeiramento resistente tratado com cera
antiderrapante.
Quando a escola foi finalizada, em 1935, uma
reportagem de um jornal de Los Angeles publicou que a
construção parecia ser um mercado drive-in ou uma cobertura
em Marte. Mas Neutra explicou aos repórteres que o método de
um professor que senta na frente dos alunos com lugares fixos
causa uma pobreza de instrução e que essa escola trazia um
novo método de ensino no qual os professores se tornam
membros de um grupo ativo em que podem circular livremente
pela sala e manipular materiais e ferramentas de ensino
juntamente com as crianças.
Após quinze anos de experiência, autoridades
educacionais declararam que essa escola experimental provou
ser um grande sucesso e se tornou um “protótipo” para uma
contínua produção em série.
Planta de implantação
Layout de uma sala de aulaCorte do edifício de salas de aula
Elevação leste
Elevação oeste
Vista do corredor de acesso às salas de aula Vista do pátio das salas de aula
CONTINUIDADE
DÉCADA DE 40 – NOVA YORK E CHICAGO
Neutra trabalhara em vários escritórios, uma vez que
sua investigação o levou a ocupar dezenas de empregos dos
quais alguns trabalhava como único desenhista, em outros,
apertado com mais seis ou oito pessoas em um pequeno
apartamento. Por fim, chegou a trabalhar na Holabird & Roche,
em Chicago, empresa que projetava muitos dos edifícios mais
notáveis do Meio Oeste e que mais tarde seria encarregada de
outras construções como os Hotéis Statler, em Washington, Los
Angeles e em outras grandes cidades. Neutra entrara no
escritório no projeto da Palmer House, a ser construída
posteriormente ao incêndio da primeira, em 1871. O hotel
possuía cerca de 2400 apartamentos e o mesmo número para
banheiros, 04 restaurantes distintos em quatro níveis diferentes.
Projeto de complexidade tamanha que Neutra começou a redigir
notas que utilizaria ele próprio posteriormente. Tais notas iam
por si só se ampliando, o que gerou o livro Wie baut Amerika,
publicado em 1926, sobre os interessantes recursos modernos
destinados a servirem ao homem através da criação de um meio
que, por hora, era viável. Não analisara apenas a construção de
um hotel e seu significado para o país, mas também sua
estrutura completa de um edifício multifuncional erguido no
centro da cidade de Chicago. Neutra alega que a verdadeira raiz
dessa obra era a exploração clínica intuitiva e sistemática da
interação humana e social.67
67Neutra, Richard. Vida y forma – Ed. Marimar. Buenos Aires, 1972. Pág. 187.
Colaborou também em outro livro, Amerika – Neues
Baunen in der Welt (Novos métodos de construção no mundo),
incorporado à obra tudo o que sabia de seus precursores.
Fotografias de trabalhos de Irving Gill, R. M. Schindler, Burleigh
Giffin, John W. Root e seu Monadnock Block, Louis Sullivan e
conceitos de Wright.68 Referia-se à arquitetura norte-americana.
Em 1926, desenvolvia-se num movimento em favor da
Arquitetura Moderna nos EUA, que achou uma grande falsidade
lisa e plana. Na época, qualquer desenho que pudesse ser
considerado contemporâneo se difundiria muito lentamente,
porém seguramente. A Costa Oeste era mais flexível do que a
Leste com relação a incorporações de valores modernos.
Neutra não aprenderia muito na Holabird & Roche
sobre desenhos seguindo lógicas biológicas, porém estava
disposto em aprender ao máximo tudo aquilo que iria obter de
experiência. Realizara progressos enormes do ponto de vista
técnico. Fora promovido de desenhista 208 ao posto oficial de
68 Ibid. Pág. 189.
mediador entre os diferentes departamentos da empresa e o
diretor de projetos, Sr. Pellini, vindo da Escola de Belas Artes de
Paris, cujas seqüências de pensamento arquitetônico
aparentavam ser estranhas, superpondo-se de modo
inverossímil ao concreto e ao real.
No escritório, percebia que a arquitetura obrigava cada
um a enxergar sua própria personalidade nos outros, mais do
que atender aos problemas técnicos de caráter meramente
técnico. Todos eram seres humanos. E uni-los de maneira
harmônica era a questão principal. Percebia isso também na
integração entre os departamentos. Cita que grande parte da
antiga curiosidade concreta do realismo técnico da cidade de
Chicago pertencia ao passado quando Neutra chegara ali. Os
escritórios tinham se fortalecido, mas importavam projetistas de
Paris e continuavam vendendo importações. O pequeno
arquiteto não tinha importância alguma perante os grandes
estúdios, verdadeiras máquinas eficazes, com seus projetistas
franceses aplicando toques superficiais.
Quando Neutra chegara em Nova York, considerava a
Singer Tower um dos maiores edifícios do mundo. Enquanto se
construía o edifício Woolworth, tinha-se o exemplar mais belo do
gótico, superior à Catedral de Canterbury, pois suas gárgulas e
adornos reforçados foram feitos de folhas de aço, reduzindo com
a tecnologia nova, o peso do edifício.
“Nova York é uma cidade profunda e
humanamente cálida, e povoada por homens
pateticamente dispostos a chorar sobre nossos
ombros em um bar ou em um restaurante
automático, e ainda frente ao volante de um táxi. De
todas as cidades de proporções gigantescas, por
acaso talvez seja a mais orgânica. Em Manhattan,
sobre um extremo de uma rua ou sobre outro,
sempre se pode ver uma bela linha horizontal de
água, e na primavera ou no outono, quase sempre
um céu italiano cobre tudo. Recordo-me, todavia, da
cidade de Loos, o lugar onde ele vira a todos os
pobres lutadores não assimilados que se animavam
depois de ter passado estupefatos, admirados e
quase como um rito, em frente à Estátua da
Liberdade em olhares sobrecarregados e devagar.
Logo chegavam à Oficina de Imigração de Ellis
Island, com seu severo São Pedro que guardava a
chave do paraíso. Para mim, com as associações
que se elevam em um horizonte longínquo e
promissor é em verdade um aspecto importante de
Nova York.” 69
Em 1930, Neutra passa a trabalhar no projeto do
Edifício da Universal Pictures, enquanto projetava casas em
Connecticut e em uma ilha no Atlântico, próxima de Manhattan.
69 Ibid. Pág. 196.
DÉCADA DE 40 – LOS ANGELES
No início dos anos 30, com os traçados da Corona
School Bells, conquistara lentamente, sempre em sua condição
de estrangeiro, a confiança de uma junta de escola firmemente
unificada em sua posição.
“Os seres que habitam a maior cidade do
mundo parecem indivíduos mais curiosos, mais
empreendedores do que os de outros lugares. Não é
fácil encontrar uma resposta. Nova York pareceu
sempre cheia de lições construtivas para oferecer ao
mundo e não cabem dúvidas de que é uma cidade
que transborda interesses humanos. Acredito que
nos próximos anos lhe atribuirão um papel ainda
mais destacado.”70
No início da década de 20, Neutra iniciara um trabalho
que só fora concluído dez anos mais tarde, a chamada cidade
Dinâmica Reformada, um núcleo cada vez mais amplo de
estudos de problemas urbanos, desde questões sociais até de
infra-estrutura de uma localidade. Profetizava tal estudo que era
inevitável uma renovação urbana de âmbito integral. Isto, mais
tarde, fez Neutra ser designado membro e presidente da Junta
de Planejamento Estadual em um estado que quintuplicara sua
população durante o período de elaboração de planos do
arquiteto. Durante os anos 1923 e 1930, atividades importantes
nas esferas de revisão geral e renovação de planificações
passaram a ser realizadas ao longo dos Estados Unidos e ao
redor do restante do mundo.
70 Ibid. Pág. 197.
A arquitetura californiana saudável, proposta por
Neutra, procurara prevalecer um conceito sereno, bem como no
projeto enviado para a Liga das Nações em Genebra, da qual
participara com Schindler.
VIAGENS
Neutra realizara várias viagens ao redor do mundo
durante sua carreira. Visitara com Le Corbusier, em 1929, a casa
Stocklet, de Hoffman e Klimt. Dione o acompanhara em suas
viagens a Lima, Rio de Janeiro, Boston, Copenhague, Tóquio,
Tailândia, Manila, Índia, Istambul, Cidade do Cabo e Caracas,
Suíça, Áustria, Holanda, África – do Egito a Nairobi, Cabo,
Congo belga, Senegal –, Canal do Panamá, México, Guatemala,
Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Argentina, Havaí,
Kamakura, Nara, Berlim, Hong Kong, Singapura, Colombo,
Aden, Port Said, Tóquio, Yokohama, Osaka, Kyoto, Macao, Ouro
Preto, Bruxelas, Paris, Londres, Anatólia e Grécia, Congo e
Zurique. Além de ser colaboradora de Neutra em tudo que fosse
necessário, e de ter sido responsável pela educação de seus
três filhos, Dione nunca descuidara de exercer sua própria arte e
talento criador.
Em meados de 1956, Neutra vira a realidade na África
do Sul, pronunciara conferências aos africanos, aprovara o
exame de arquitetura, fizera novas amizades e desenhara
croquis desde Stellenbosch, na província de Cabo, até a capital
em Transvaal. Bloemfontain.
“Pretoria e o Presidente Kruger me
pareciam ainda nomes cálidos e sonoros, e me
comovia ao desenhar as coisas dos povos de cor da
Ásia e dos negros a quem o destino havia empurrado
a essa confusa situação”.71
71 Ibid. Pág. 73.
Nestas viagens, Neutra aproveitava para analisar os
lugares, gerando verdadeiros estudos antropológicos, de
arquitetura e de geografia locais, tendo em vista as informações
que absorvia. Coletava dados e situações os quais analisara e
utilizara como parâmetros, exemplos e objetos de estudos para
suas conceituações acerca do realismo biológico e todas as
relações que procurava explicitar com a biologia, fisiologia e
arquitetura. Havia pessoas interessadas na atividade prática da
coletividade humana em quaisquer desses lugares. A discussão
fecunda recorria a uma variedade de terras, de geologia ao
tráfego.
ARQUITETURA SOCIAL
O MUNDO RURAL PEDE ARQUITETOS
Segundo Neutra a América Latina apresenta uma
variedade infinita de todos os pontos de vista; e nos impressiona
sobremaneira quando pensamos em seu grande futuro e em
todo o desenvolvimento que a próxima geração poderá ali
realizar. Neutra demonstra que se tem um grande respeito
quando relata essas assombrosas possibilidades de progresso
dentro da civilização técnica em marcha, civilização essa que
deveria ser aceita com lealdade, pois seria responsável por
cumprir o futuro destino de todos.
Neutra acredita que foram razões mais de ordem psico-
sociologica do que dificuldades técnicas que impediram a
civilização de se expandir uniformemente por todas as regiões
do planeta.
Os técnicos, sobretudo os arquitetos estavam se
aglomerando nas grandes cidades, já tão congestionadas de
todos os pontos de vista, e estavam concentrando sobre os
problemas relativos ás condições de vida das minorias
metropolitanas. Os arquitetos deveriam compreender que os
seus serviços seriam tão úteis quanto maiores fosse as áreas
por eles atingidas, eles deveriam se dedicar a isso como um
verdadeiro prazer.
Atualmente, a força política das zonas rurais, nos campos ou nas
montanhas, tende a aumentar e assim seria necessário dar mais
atenção a essas regiões, provendo-as de acordo com suas
necessidades físicas e espirituais, contribuindo para a execução
do planejamento cuidadoso de todos os melhoramentos. Os
governos deveriam assim, dar apoio à imensa tarefa de
desenvolver os recursos e as possibilidades das regiões
abandonadas.
Neutra explicita sua opinião sobre as próximas décadas
de seu tempo, ele acreditava que o afluxo exagerado da
população rumo à cidade grande teria de ser restringido,
combatendo-se a solidão, o tédio e a falta de saneamento e das
facilidades que tornam a vida mais suave, a técnica moderna e a
compreensão das necessidades humanas poderiam realizar
esse milagre.
Não seria necessário nem possível entrar nos detalhes de
planejamento em questão, suas modificações e proposições.
Nem todas as variantes e considerações relativas à escolha dos
terrenos apropriados, como soes acontecer como em
planejamentos concretos. Por mais importante que isto seja para
a realização desses planejamentos, a intenção de Neutra em seu
texto é a de apenas estimular outras atividades de planejamento
para as zonas rurais e paras as pequenas cidades situadas nas
belas regiões das zonas de predominância latina da America.
A nova civilização depende automaticamente de uma
economia democrática que faculte todos os gozos de seus
benefícios, e não poderia ser sufocado pelas condições restritas
impostas por uma oligarquia econômica de limitado poder
aquisitivo e concentrada em poucos pontos. Tudo aquilo que o
arquiteto moderno necessita para seu trabalho para seu
trabalho, como janelas, ferragens, aparelhos para a cozinha e
banheiros, todo e qualquer material a ser previamente fabricado,
tem de ser produzido e distribuído, o que somente seria possível
quando existe uma grande procura pelo mesmo. As indústrias
responsáveis pela produção de tais produtos não podem se
desenvolver sem a garantia de um consumo de massa.
Tal fato leva ao jovem arquiteto, mesmo que este esteja
livre de qualquer sentimentalismo, a tomar maior interesse pelas
necessidades da população deste globo em vez de permanecer
preso a algum ambiente abastado. Segundo Neutra, por razões
de ordem técnicas, seu tempo seria marcado pela indispensável
produção industrial do material necessário para a construção, a
produção industrial garantiria o material necessário para o
arquiteto trabalhar, seria o que é a pedra para o canteiro, o que é
a floresta para o carpinteiro nos tempos primitivos.
Tratando-se se um exemplo, segundo Neutra o sul da
Califórnia talvez seja a extensa região rural dentro do mundo
“civilizado”. Neutra explicita sua opinião, a Califórnia deveria
servir de base para estudos de adestramento concernentes ao
planejamento rural e, ao mesmo tempo, progressista. Durante as
múltiplas viagens feitas por Neutra pela a América Latina, o
arquiteto pode verificar as afinidades existentes entre estes e a
Califórnia, o que não ocorreria em outras regiões do norte dos
EUA. Surge assim a necessidade de modificar o conceito
largamente difundido, de que a fria Europa e fria America do
norte deveriam servir de exemplo para todos os
empreendimentos em planejamento.
A arquitetura do futuro é a de projeção mundial e,
partindo de um conceito cosmopolita mais flexível, pode ser
adaptada e desenvolvida segundo todas as exigências regionais.
Os projetos que se seguem se referem a estudos que Richard
Neutra planejou como arquiteto e consultor do Governo de Porto
Rico.
ESCOLAS RURAIS E CENTROS SOCIAIS EM REGIÕES DE CLIMA AMENO
A nossa civilização tecnológicas, mais do que qualquer outra,
está apta a se expandir para as vastas zonas rurais, e também
essas regiões quase desertas, distantes dos congestionados
mas tão atraentes centros urbanos , poderiam conter importantes
setores de vida civilizada.Excluindo as razões econômicas em
jogo, as constantes migrações das populações rurais para as
cidades, onde as populações esperam encontrar melhores
Croqui para escola rural
condições de vida, todo o conforto e assistência que por
enquanto somente a grande metrópole pode proporcionar.
O que a cidade e fácil, como por exemplo, a direção
central e o controle de toda a organização escolar, de acordo
com os programas estabelecidos, tornam-se quase que
impossível no campo.
As zonas rurais, de fato, possuem muito os problemas:
especialmente difícil é a fiscalização de tantas pequenas
unidades escolares espalhadas pelos vários distritos e, por
vezes, em regiões montanhosas desprovidas de boas vias de
acesso. Já a própria construção representa um problema;
depois, as manutenções de numerosas unidades escolares e as
uniformidades do processo educacional criam dificuldades de
organização.
Teoricamente, não há necessidade de imponentes
edifícios para se administrar uma boa instrução para as crianças,
sobretudo em zonas de clima ameno.
A escola rural tem sido tratada, na maioria dos casos,
como uma imitação barata da escola urbana e o preconceito de
que o caboclo não merece coisa melhor, parece prevalecer em
todos os espíritos. Deveria-se assim se desenvolver uma
arquitetura especifica voltada para a disseminação da educação
no ambiente rural, utilizando-se de métodos inovadores. Esses
métodos deveriam explicitar uma nova didática vinculada às
potencialidades do meio extra-urbano, onde o contato entre o
estudante e a natureza seria utilizado de forma a prover um
ensino de ótima qualidade.
Sabe-se que, no passado, filósofos e santos orientais
costumavam a sentar-se com seus discípulos à sombra de uma
mangueira, conseguindo transmitir-lhes a sua sabedoria sem
quaisquer edificações de concreto armado. Mas eram grandes
homens e grandes espíritos; souberam aproveitar o universo
inteiro como matéria didática e com simples recursos de sua
inteligência e sua fantasia.
Para se desenvolver a escola rural dever-se-ia assim
evitar qualquer excesso de teoria e abstrações nos programas
de ensino, dando-se maior importância à parte prática e às
realidades da vida, um centro voltado para a formação de futuros
núcleos sociais, tendo provavelmente de servir não somente as
crianças como também os adultos.
Esses projetos, com seus pátios abertos e bem arejados,
foram considerados bem eficientes mesmo em países de clima
mais rigoroso; em regiões quentes, o próprio clima se encarrega
de por a prova as suas vantagens. Diretores e professores que
trabalharam em escolas projetadas por Neutra na Califórnia,
manifestaram-se favoráveis a seu respeito.
Anexo à escola Neutra considera importante também a
construção de uma pequena oficina de carpintaria, provida das
mesmas ferramentas indispensáveis, onde os adolescentes
poderão aprender, à noite, os rudimentos necessários para a
confecção de moveis muito simples; poderiam ser fabricadas
peças de mobília para ser futuramente incorporada a mobília
original da escola.
A escola rural, dotada de um aparelho de radio - receptor,
também se presta para ponto de reunião, instrução e recreio de
adultos, congregados em escolas de costura, de agricultura e
pecuária, despertando assim na população um sentimento amplo
de simpatia pela escola, que se tornaria quase uma instituição de
formação coletiva.
Neutra ainda acredita que essas escolas rurais deveriam
dispor de uma área suficiente para nela se instalarem outros
serviços públicos, como centros de saúde, lactários, cozinhas
para a demonstração formas de alimentação, um grande pátio
para conferencias sobre educação das crianças, arte culinária,
nutrição, ciências domesticas, enfermagem e outras matérias
úteis.Tais ambiente poderiam também dispor de uma possível
fonte de água pura e saudável a disposição da população, assim
como uma grande pista cimentada que poderia servir de
ambiente para uma maior integração da população entre si e um
maior contato com a escola.
Assim, a escola rural teria dupla utilidade: servindo
durante o dia como escola primaria e a noite e transformaria num
centro de atividades culturais e sociais para a comunidade em
geral.
Proposta de agrupamento de escola rural
A ESTRUTURA DA ESCOLA RURAL
A primeira medida seria dividir a verba disponível e
construir o maior numero possível de unidades, mesmo que
modestas, em vez de poucas escolas modelo, mas de custo
elevado. A pré-fabricação de certas partes e elementos da
construção num ponto central, a padronização dos moldes de
concreto, e o transporte dos mesmos de um lugar para o outro,
contribuirão substancialmente para o barateamento das obras.
As unidades escolares apresentadas de modo a servirem
para um pequeno grupo de crianças numa região de
povoamento escasso em localidades mais populosas, onde haja
maior número de professores, constroem-se um grupo delas.
Calcula-se para cada sala de aula a dimensão mínima de
7,50 x10 m, dimensão essa apenas tolerável pela possível
extensão da sala para o espaço exterior, ao ar livre. Para fechar
as salas, podem-se usar portas; havendo, porém, falta de meios
suficientes, estas não devem ser consideradas tão essenciais
quanto outras características, como sejam: condições sanitárias
satisfatórias e eficiente métodos educacionais.
O corredor pelo qual estão ligadas as salas de aula nas
escolas urbanas de outras regiões é aqui substituído por uma
passagem protegida pelo beiral do telhado, com rústica
pavimentação de cimento. Uma série de armários pré-fabricados,
medindo 1,80 m de altura, estabelece meia separação entre
essa passagem e as salas de aula, nas quais se entra através de
uma abertura sem porta. Do lado oposto, a sala de aula abre
sobre o pátio interno que forma o prolongamento exterior da
sala, duplicando assim a área da sala sem aumentar a
dispendiosa cubagem do edifício.
Objetos miúdos, tais como livros, material de escrita,
desenho ou modelagem, e os trabalhos inacabados dos alunos,
podem ser guardados nesses armários e fechados a chave; os
bancos escolares e as mesas poderão ser colocados, fora das
horas de aula, perto da parede dos fundos e até presos por meio
de um cadeado num forte anel fixado na mesma. Em lugares
onde não for possível se cercar todo o terreno em que não seja
aconselhável conservar as salas completamente abertas, serão
usadas portas leves que se abrem em sentido horizontal e cujo
funcionamento permita que sejam usadas como toldos quando
levantadas. O seu eixo se acha a 2,30 m de altura do chão.
Conforme os projetos apresentados, essas portas poderão ser
de madeira ou de alumínio e permitem a livre circulação das
pessoas e a remoção dos moveis e de outros objetos de dentro
1. modelo de escola rural
Freqüentemente esses dois espaços, o de fora e o de
dentro, serão combinados de modo a formarem uma só unidade,
e em tais ocasiões, tem-se a impressão de não haver porta.
Assim a ampla abertura de frente da sala de aula é subdividida
pela porta basculante que, na posição aberta, intercepta os raios
solares, e passa a possuir a utilidade de um segundo beiral.
Essa é uma disposição bastante agradável nas regiões
de intensa irradiação solar, principalmente quando a orientação
do prédio teve de dar mais importância a direção dos ventos par
melhor ventilação das classes do que as conveniências de
insolação, muitas vezes excessiva. O telhado será levemente
inclinado; isto será útil para drenar as águas desviando-as para
uma cisterna higiênica e apropriada, o que será uma inovação
para as regiões rurais onde todos estão habituados aos telhados
de palha infestados de pragas e bichos. O teto inclinado, voltado
com a beirada alta para o lado da brisa predominante, produz,
devido às leis de gravidade, um constante movimento do ar e,
internamente pintado de cor clara refletira a luz a altura das
mesas de trabalho. Para a livre circulação das correntes de ar,
onde elas se fazem mais necessárias, isto é, logo abaixo do teto
bem como para o mencionado efeito óptico de distribuição de luz
natural, indireta ou refletida, é absolutamente necessário que na
existam vigas nem traves paralelas a frente que imprecam a
concretização dos objetivos visados.
Entre os tipos de estrutura possíveis, selecionados dois
esquemas que foram especialmente estudados e
experimentados. Um deles sugere a colocação de três vigas
longitudinais de secção retangular, no topo da laje do telhado,
que por sua vez, é suspensa em vigas e traves externas em
ambas as frentes. Onde for preciso drenar as águas, as vigas
serão perfuradas e nelas introduzidos os encanamentos
necessários. O segundo esquema apresentado sugere que seja
construída mais baixo do que o usual a viga frontal de concreto,
destacando-se do telhado. Este pousara sobre as vigas
transversais que, por sua vez, se apóiam sobre o topo da viga
frontal principal. O espaço aberto entre esta viga e a parte
inferior da laje do telhado, que obedece a dimensão standard de
12,5 cm, serve ao mesmo tempo para a livre passagem das
correntes de ar abaixo do teto e o tão desejado influxo livre da
luz que, incidindo no teto, é por ele refletida para baixo, sobre as
mesas escolares. Na mesma viga serão também fixados os pivot
das portas toldos basculantes.
Do projeto em questão, devido a varias simplificações,
resultariam certas economias que tornariam possíveis outros
melhoramentos, assim como maior espaço para guardar o
material de ensino, o que sem duvida, nos edifícios escolares
contemporâneos, tem mais importância do que a própria
cubagem de concreto e da alvenaria.
Modelo de escola rural
ESCOLAS EM PEQUENAS CIDADES Estudos de tipos apropriados para regiões de clima ameno
As instituições escolares tornam-se obsoletas
O período de guerras, segundo Neutra seria um fator que
apressariam a obsolescência de muitas instituições e edifícios,
de tal forma que foi necessário se reestruturar os métodos de
ensino para que a demanda de homens necessários, tanto no
frete de batalha quanto na retaguarda, fossem rapidamente
supridos. De certa forma foi criada assim uma mentalidade
Proposta de escola rural
adaptada a certos tipos de organização de trabalho,
especialmente de ação em conjunto ou de trabalho de equipes
que passaram a demonstrar um maior aproveitamento da
capacidade individual.
Esse novo sistema foi o objeto de analise para a
formação de novos planos de educação, que passariam a
permitir que países até então pouco desenvolvidos em virtude de
más condições políticas, geográficas e econômicas, passassem
agora a ter a possibilidade de construir edifícios inteiramente
novos. Esses países, segundo Neutra, não precisariam hesitar
na aceitação de tais idéias já que para eles, as novas
construções não significavam a desvalorização de investimentos
anteriores.
O PRINCÍPIO DA FELXIBILIDADE
Como a evolução dos métodos educacionais ainda não
haviam formando um corpo único, Neutra considerava que seria
essencial adotar um princípio de flexibilidade a suas construções
para que elas jamais se tornassem ineficientes ou antiquadas a
algum tipo de uso. Este princípio de elasticidade de adaptação,
para que um determinado edifício possa ser útil embora variem e
evoluam os vários setores da atividade humana, pode ser
aplicado, por exemplo, a salas de aula problemáticas, onde
professores matem sempre a mesma posição, na qual os alunos
sempre ocupam o mesmos lugares e onde os material de ensino
e o mobiliário estão sempre dispostos da mesma forma.
A ÁREA BÁSICA DA SALA DE AULA
Segundo Neutra, a área útil da sala de aula deveria ser
pouco obstruída, quanto mais a escola se apresentasse como
um simples auditório, mais espaços livres de circulação ela
deveria possuir. Neutra considerava a psicologia de seu tempo
muito avançada, ela garantiria novas formas de ensino as
crianças, graças a estudos já era possível se constatar que as
crianças não conseguiam permanecer atentas quando eram
obrigadas a permanecer muito tempo sentadas, isso mostrava
que os antigos métodos de ensino eram falhos e não deveriam
ser mais utilizados.
A demonstração pratica juntamente com a participação
ativa do aluno, possibilitariam ao aluno uma compreensão e
assimilação mais fáceis e profundas. Tal processo pedagógico
exigiria assim uma reformulação na estrutura espacial da escola:
espaços livres nos quais seja possível dispor os mais variados
objetos desde relevos de geografia ate problemas de geometria,
por conseguinte, os assentos deveriam ser removíveis, os
moveis deslocáveis e as portas das salas de aulas deveriam ser
largas para possibilitar o acesso para as salas adjacentes e
principalmente para o ar livre, aumentando-se a sala de aula
quando fosse necessário.
Essa extensão para o exterior tornaria-se mais
necessária quando se levasse em conta que muitas vezes por
motivo de economia as salas de aula são reduzidas para um
tamanho mínimo e ficam muitas vezes lotadas e insalubres.
Neutra considera que quanto melhores forem as salas de aulas e
melhores elas aproveitarem as características do ambiente como
a iluminação e a ventilação, menores serão os problemas com
doenças. Salas convencionais, sem um conforto ambiental
adequado, são suscetíveis a propagação de doenças em larga
escala como a tuberculose.
A ampla abertura para o pátio, proposta por Neutra,
possibilitaria como conseqüência varias e continuas renovações
de ar por minuto, mesmo em dias de aparente calmaria,
correntes inicialmente imperceptíveis de apenas 1,5 km/h
resolveriam o problema de circulação de ar de forma eficiente.
Tal fato permitiria também o aproveitamento da parte exterior
para o uso de outras atividades escolares, desde que tal área
estivesse rodeada de sebes e arbustos e também fosse
sombreada por árvores.
Ao se estruturar esses sistema espacial, foi sugerido
também, em escolas de 08 classes, a interligação entre 3 salas
de aula por meio de portas. Segundo Neutra tal dispositivo havia
sido incluído em todas as plantas apresentadas, pois poderiam
ser usadas como exemplo de utilidade geral das escolas assim
como a explicitação do conceito de flexibilidade. Essa
intercomunicação foi projetada, na maioria dos casos, para salas
do andar térreo em que é possível ampliar as salas por meio do
pátio externo, resultando assim num espaço bem grande, próprio
para reuniões de maior escala, como representações teatrais e
outras atividades comunitárias.
DEPÓSITO
Neutra demonstra preocupações também com áreas de
deposito, segundo ele, as plantas dos projetos apresentado, já
estão indicados espaços para armários e estantes, ocupando em
cada sala de aula, metade do comprimento da parede na parte
superior, ao lado da passagem coberta pelo beiral do telhado. A
altura desses armários é igual a porta da entrada do lado da
passagem.
Um grande espaço para depósitos, especialmente para
livros na usados no momento, foi planejado adjacente ao
escritório do diretor. Pode servir também para guardar material
de ensino e suprimentos de diversas espécies, o que é muito
mais importante em escolas rurais d que nas urbanas, pois estas
podem ser providas do que precisam com mais facilidade.
O deposito para apetrechos esportivos se localizaria
próximo aos banheiros e do chuveiro, fazendo parte da ala
reservada a administração.
ÁREAS SEPARADAS
Neutra demonstras preocupações com espaços
destinados a estudos específicos, principalmente para alunos de
séries mais avançadas.
A principal duvida acerca das vantagens dessa
separação sistemática no ensino de matérias que requerem
ambientes próprios e professores que especializados, está em
que os alunos terão contato com maior número de professores.
Tão grande a variedade de influencias não constituiria uma
condição pedagógica vantajosa para as crianças, pois Neutra
acreditava que quanto menor o numero de professores na vida
de escolar de uma criança, tanto mais seria eficiente o ensino,
dado pela maior intimidade e conhecimento mútuo entre o
professor e o aluno. Daí não representar grande desvantagem a
escassez de habilidades de mestres-escola nas pequenas
cidades.
GABINETE DE CIÊNCIAS NATURAIS
Por conseguinte, neutra concorda com muitos
especialistas que dizem que o ensino de ciências elementares e
gerais, a sala de aula não deve ser especializada demais, mas
adaptável aos diversos programas, sem desperdício de espécie
alguma. O currículo inicial de ciências deveria ser
essencialmente prático e possuir uma forte conexão com
problemas práticos.
As aulas deveriam ser feitas como conferencias
cientificas, ás quais podem assistir varias turmas juntas, e serem
também ilustradas com projeções de fotografias ou de fitas
cinematográficas, podem ser realizadas num salão formado por
várias salas de aula comunicáveis entre si, como já foi descrito
acima.
Esse ambiente seria equipado com uma mesa de
demonstração, uma mesa cumprida e colocada junto ás janelas
e carteiras escolares comuns, constituindo um arranjo mais
prático, uma sala assim preparada poderia ser usada em caso
de necessidade, por outro professor, para qualquer trabalho
escolar normal.
A riqueza da vida subtropical, nas vizinhanças da escola,
e as favoráveis condições de clima, permitem assim a reunião de
material de ensino muito mais atraente do que os existentes em
escolas urbanas de regiões mais frias. Era necessário, segundo
Neutra, somente tirar maior vantagem possível de todas as
facilidades oferecidas pelo local em vez de seguir métodos
importados.
OFICINA DE ARTES INDUSTRIAIS
Neutra também considera importante a introdução de
conhecimentos vinculados a maquinaria simples. Esses
conhecimentos se fariam mais necessário em regiões distantes
onde os profissionais vinculados a essa pratica são cada vez
mais raros.
Em climas amenos, muitas atividades de adestramento
manual possuiriam uma grande importância, Neutra acredita que
tais atividades poderiam ser ministradas em alpendres cobertos,
contanto que o respectivo pátio fosse isolado convincentemente,
para não gerar conflito com conjunto de atividades que ocorrerão
simultaneamente. Trabalhos de modelagem, cerâmica,
encanamento, de forja, consertos, de automóveis, aulas de
carpintaria em maior escala, assim como o trabalho com
cimento.
O interior da oficina serviria para várias modalidades de
trabalho, a serem praticadas naturalmente em horários diversos.
O trabalho com desenhos técnicos exigia mesas e pranchetas e
outros objetos que seriam guardados em compartimentos
próprios quando não estiverem em uso. Um automóvel,
caminhão ou trator, poderá entrar na oficina através de uma
larga porta corrediça, e posto em posição apropriada junto a
mesa de trabalho metalúrgico, a qual será provida de tornos para
trabalhar o metal, fornalha elétrica em miniatura, equipamentos
para a soldagem e a fundição.
A idéia de Neutra era que todo esse ambiente, assim
como o mobiliário disposto por ele, possuísse um intenso contato
pratica de todos os equipamentos de forma pratica, funcional e
acima de tudo segura.
Como a oficina era por sua natureza um lugar
relativamente ruidoso, ela deveria ficar afastada da área de
estudos. Tal consideração levava Neutra a deduzir que a cozinha
e o refeitório deveriam ficar no mesmo edifício da escola, assim
como a secção de economia domestica em que a culinária seria
uma das principais matérias ensinadas, gradativamente por
conta de uma espécie de programa, seriam obtidos
agrupamentos naturais de todas as instalações.
SEÇÃO DE ECONOMIA DOMÉSTICA
Seria também importante para Neutra, o ensino de arte
culinária, usando matérias primas do lugar, e de artes domestica
em geral, como seja a de servir s mesa, arranjar e conservar o
mobiliário, obedecendo sempre às condições próprias de cada
região, e ainda para aulas de corte e costura.
A ala do prédio que servirá aos objetivos acima referidos,
foi projetada por Neutra, exatamente com a seção transversal
das salas de aula comuns e dos laboratórios, do refeitório, assim
como as demais dependências, executando-se somente a oficina
de trabalhos manuais ou te artes industriais, que para serem
eficientes deveriam possuir uma maior metragem e
profundidade. Tal uniformidade permitiria assim, agrupar com
maior facilidade as partes elementares do edifício escolar
segundo as várias localizações e as condições do terreno, que
diferem de lugar para lugar.
Entre as varias possibilidades de localização, neutra
apresenta um conjunto: uma constituída pelo afastamento da
escola propriamente dita das seções em que o ruído é inevitável.
Outra se daria pela localização do refeitório escolar próximo a
cozinha. Uma terceira se formaria através de uma entrada
especial para a recepção do material.
Como previsto pelo conceito da flexibilidade, as paredes
não suportarão o peso do edifício, e a segurança necessária
será obtida através do uso de concreto armado não inflamável
na estrutura.
REFEITÓRIO
Os desenhos de Neutra mostram dois refeitórios e
cozinhas, de tamanhos diferentes, ambas com instalações de
serviço automático. Considerando que o refeitório seria dirigido
pelo professor de economia domestica, e que a dispensa poderá
servir tanto para abastecer a cozinha d refeitório quanto a
cozinha-escola, seria de grande utilidade situar as duas secções
no mesmo agrupamento. Como em ambas o ruído é inevitável,
convém construí-las na proximidade da oficina de artes
industriais, possibilitando assim o uso de uma única de material
para as três secções.
A cozinha , como Neutra apresenta, seriam equipadas
com um balcão no qual seriam embutidos uma ampla pia,
secadores de louça, gavetas e armários, ao lado do próprio
balcão de serviço, do fogão e do refrigerador. Foram previstos
também depósitos separados, com prateleiras e compartimentos
especiais, e armários embutidos para guardar utensílios
necessários ao serviço. O planejamento das refeições e a
discussão do valor nutritivo dos alimentos, a colheita de legumes
e frutas, em época certa na própria horta da escola, a elaboração
de listas para compras de gêneros, a aquisição a preparação e
os cuidados de acondicionamento dos mesmos, a ação de servi-
los, a lavagem dos pratos e a arrumação do refeitório são
atividades que tornarão esta sala algo mais do que um simples
cômodo que abriga crianças durante as refeições.
ESCRITÓRIO DAMINISTRATIVO E SALA DE REPOUSO PARA O DOCENTE
A recepção de visitantes seria feita no escritório principal
da escola, onde também se acham a escrivaninha e os fichários
da secretaria e do diretor. Essa área se localizara próximo da
entrada da escola e vizinha da biblioteca, essa secção também
possuirá uma sala de repouso do corpo docente. Sala esta
equipada com uma mesa para conferencias e discussões.
INSTALAÇÕES SANITÁRIAS
Banheiros para meninos e professores de um lado, banheiro
para meninas e professoras de outro, foram projetados de forma
a estabelecer dos grupos separados.
RICHARD NEUTRA E O BRASIL
APROXIMAÇÕES
Como visto, o arquiteto Richard Neutra ao longo de sua
carreira fora capaz de desenvolver suas próprias concepções
arquitetônicas. Através da influência de arquitetos pioneiros na
elaboração de uma arquitetura moderna, como Adolf Loos, Luis
Sullivan e de certo modo de Frank Lloyd Wright, Neutra pôde
oferecer ao movimento mais do que verdadeiras obras primas;
ele absorvera de tal maneira os novos métodos e conceitos da
arquitetura da sociedade moderna a ponto de, juntamente com a
suas experiências nos EUA, incrementá-la com outras questões
tão pertinentes quanto.
As influências do arquiteto no Brasil, embora muito pouco
estudadas, decorrem justamente da rica elaboração de uma
arquitetura preocupada com o conforto ambiental, bem como,
com as relações que o ambiente interno dos edifícios estabelece
com o exterior, no caso de Neutra, com o trabalho paisagístico –
naturalmente fundamental à cultura arquitetônica de regiões de
clima quente.
Nesse sentido, não é por menos que em arquitetos como
Osvaldo Bratke, Rino Levi, entre outros sugerem tal
aproximação.
Bratke, de acordo com o arquiteto Fernando Serapião,
apresenta três fases de produção: a primeira caracteriza-se por
obras ecléticas em bairros nobres de São Paulo; a segunda
trata-se de um período de transição para a última fase,
“francamente” moderna. A respeito da última, Serapião dirá,
justamente, ter fortes relações com a arquitetura Californiana e
segue, de maneira determinante:
“Bratke visitou a Califórnia em 1948 e conheceu
de perto algumas obras que já admirava. Um
ano mais tarde, desenhou uma casa para morar
com sua família na gleba do Morumbi. O projeto
- marcado pela modulação expressa nas
fachadas, pelo pátio interno (que divide os usos
entre diurno e nortuno) e por inovações técnicas
- tornou-se um clássico da arquitetura
brasileira”.
Casa Oswaldo Bratke, 1951 Planta casa Oswald Bratke
Com relação à Rino Levi, são obras como a casa de
Milton Guper, em São Paulo, de Castor Delgado Peres e a
residência Olívio Gomes que levantam a hipótese. Todas elas
são marcadamente constituídas por uma relação estrutural com
o paisagismo, sendo este parte constituinte do projeto. Tanto a
casa de Milton Guper, quanto a de Castor D. Peres, apresentam
uma configuração de planta pautada em torno de pátios com a
possibilidade de expansão, lateralmente, para ambientes
externos. Já na residência de Olívio Gomes, o destaque está
para o conforto térmico do edifício.
Casa Milton Guper, 1951 Casa castor delgado peres, 1958
Planta, casa castor delgado peres
Residência Olívio Gomes, 1960
Ainda com maior evidência, estão os projetos modernos
para as escolas públicas brasileiras, em meados dos anos de
1950. É sabido que Richard Neutra tem fundamental importância
na produção de edifícios escolares, fato que amplifica possíveis
referências em seu nome. E, de fato, trata-se de uma suposição
com bases bastante sólidas ao levar em conta, ainda, seu livro
“Arquitetura Social em países de clima quente”, produzido
justamente para servir como referência de soluções técnicas,
espaciais e construtivas. Além disso, o livro é resultado tanto das
obras empreendidas pelo arquiteto, em trabalho para os Estados
Unidos, em Porto Rico quanto de sua visita em 1945 ao Brasil.
Logo, é muito provável que o desenvolvimento da Escola
Parque, pelo arquiteto Hélio Duarte, tenha se inspirado em
soluções de Richard Neutra. Embora o programa provenha de
referências diretas às escolas fundamentas pelo pedagogo John
Dewey nos Estados Unidos e introduzidas aqui pelo educador
brasileiro Anísio Teixeira – após concluir seu curso de pós-
graduação naquele país -, o projeto de arquitetura em específico,
apresenta várias adaptações às condições climáticas, sociais e
culturais do Brasil. Dentre elas, a preocupação com a iluminação
e ventilação e a relação com espaço externo.
Porém, no artigo “Por uma arquitetura social: a influência
de Richard Neutra em prédios escolares no Brasil”, os autores
Luiz Amorim e Claudia Loureiro discorrem sobre uma notável
influência de Neutra na obra para o Instituto de Educação de
Pernambuco, elaborado pelos arquitetos Marcos Domingues da
Silva e Carlos Falcão Correia Lima.
Resultado de um concurso, em 1956, o projeto
compreende a edificação de quatro unidades: a sede do instituto,
uma escola primária, um colégio, e um jardim de infância. É
neste último que os autores identificam, com maior clareza, as
idéias “neutraianas” do projeto, conforme a descrição:
“O edifício tem, como foco central, o playground e recreio coberto. Em torno deste núcleo se organizam, em alas, os espaços didáticos e os
Maquete projeto IEP, Marcos DS e Carlos Falcão CL, 1956
Planta jardim de infância, projeto IEP, 1956
espaços administrativos. São quatro conjuntos de sala de aula, compostos, cada um, por um sanitário, uma área que serve de guarda-volume e vestíbulo de entrada para o conjunto e uma sala que se prolonga para um pátio exterior, através de uma porta pivotante que se abre horizontalmente, tal como proposto por Neutra (1948: 43).
Tais aproximações, muito embora, e como já dito, não
tenham um respaldo oficial dentro do cenário acadêmico da
arquitetura e urbanismo, podem ser tomadas como importantes
reflexões a respeito da produção tanto arquitetônica quanto
teórica de Richard Neutra. A possibilidade de identificar em
obras importantes como as dos arquitetos modernos brasileiros
apontam para a solidez das idéias formuladas por Neutra e o
quão válido é, dessa forma, a sua contribuição para o movimento
moderno na arquitetura.
ÍNDICE DE OBRAS
RESIDENCIAIS
The Health House, Los Angeles, 1927 Research House, Los Angeles, 1932 Residência William Beard, Altadena, 1935 Residência Dr. Grant Beckstrand, 1937 The All Steel Residence (Ayn Rand), San Fernand Valley, 1936 Residência J. N. Brown, Fishers Island, 1936 Residência H. G. McIntosh, Los Angeles, 1937 Casa David Malcolmson, Santa Monica, 1937 Casa Philip Gill, Glendale, 1938 Residência Dr. Scioberetti, Berkely, 1939 Casa Harry Berger, Hollywood, 1939 Residência Sidney Kahn, Telegraph Hill, 1940 Residência John B. Nesbitt, Brentwood, 1942 The Desert House, 1946 Residência Warren Tremaine, Santa Barbara, 1947
APARTAMENTOS
Apartamentos Beach, Los Angeles, 1926 Apartamentos Garden, Los Angeles, 1927 Apartamentos Strathmore, Westwood, 1938 Apartamentos Landfair, Westwood, 1938 Apartamentos Kelton, Westwood, 1942 Casa Holiday, Malibu Beach, 1948 Apartamentos Elkay, Westwood, 1948
CONSTRUÇÕES EXPERIMENTAIS E INDUSTRIAIS Casas Pré-fabricadas Diatom, 1923 Ladies Home Journal, Competição Casa Pequena Casa Pré-fabricada “One plus two”, 1926 Three Small Houses in an Orchard, Los Altos, 1935 Casa Modelo Plywood, 1936 Edifício Universal Pictures, Los Angeles, 1930 Edifício Schoits Advertizing, Los Angeles, 1937 Edifício Evans Plywood, Lebanon, 1940 Parque Garagem Open-air Multistory, 1940 Showroom e Garagem Kaiser-Fraser, Hollywood, 1948 Equipamentos de Saúde e Edifício de Suprimentos Aloe, Los Angeles, 1948 Milereek Summit Maintenance Yard, 1949
EDUCAÇÃO E SAÚDE
Projeto-Escola Ring Plan, 1926 Activity Class Room Study, 1928 Planetário de Los Angeles, 1931 Centro de Arte, 1935 Corona School Bell, Los Angeles, 1935 Academia Militar da California, Los Angeles, 1936 Emerson Junior High School, Westwood, 1938 Centros Administrativos National Youth, Sacramento e San Luis Obispo, 1939 Teatro e Centro de Arte para o Colégio Wheaton, Massachusetts, 1937 Colégio Goucher, Maryland, 1938
Escolas Urbanas Puerto Rico, 1944 Escolas Rurais Puerto Rico, 1944 Sub-centros Rurais de Saúde Puerto Rico, 1944 Centros de Saúde Puerto Rico, 1944 Colégio Palomar, 1944 Sanatório Universitário Italiano SUI, 1948/50
PROJETOS
University Library of the Near East, 1923 Congregation Building, 1924 Rush City Reformed, 1923/1935 Rush City Air-Transfer, 1927 Sea-Land-Transfer, 1930/1946
CIDADES JARDINS
Housing Project for Jacksonville, Los Angeles, 1939/41 First Study for “Amity Compton”, Compton, 1939 Progressive Builders Home, Los Angeles, 1942 Avion Village, 1941 Channel Heights, San Pedro, 1942
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
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