mao de obra producao familiar
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ANÁLISE DA MÃO-DE-OBRA NO SISTEMA DE PRODUÇÃO FAMILIAR DE
UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA
Cayres, Guilhermina (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Brasil); Costa, Rosana (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Brasil).
1. Introdução
O sistema de produção tradicionalmente desenvolvido por pequenos produtores1
na Amazônia Brasileira envolve atividades agrícolas, extrativistas, domésticas e outras,
combinação significativa para a economia de subsistência dos mesmos. Os produtos
resultantes dessas atividades destinam-se ao consumo familiar e à venda do excedente.
A atividade agrícola está apoiada no sistema de “roça itinerante”, onde parte da floresta
é derrubada, queimada, plantada (principalmente com culturas de ciclo curto, como
arroz, milho e mandioca) e posteriormente deixada em pousio. A atividade extrativista é
caracterizada pela coleta de frutos, ervas medicinais e cipós; pesca; caça e extração de
madeira. Além destas, as atividades domésticas e as outras atividades (ex: atividades
comunitárias, estudo e trabalho remunerado) completam o conjunto de atividades
produtivas realizadas pelas famílias de comunidades amazônicas (Cayres, 1999).
Os produtos da agricultura familiar são as principais fontes alimentícia e
financeira das famílias que habitam as comunidades rurais do município de
Paragominas (PA), em particular, a comunidade de Nazaré, local de nosso estudo. A
agricultura extensiva é o sistema de produção tradicional das famílias de Nazaré, o qual
tem sido uma forma sustentável de uso do solo sob as condições de abundância de terra
e recursos florestais. O itinerantismo é o modo de compensar a redução da fertilidade
dos solos após o cultivo. A lógica do produtor é aproveitar a maior biomassa das áreas
1 A utilização do conceito de “pequena produção” não significa abandonar a referência ao conceito de “campesinato” estabelecido por Chayanov (1966; 1974). A identidade de “pequeno produtor” demonstra
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de floresta primária disponíveis para aumentar a produtividade da mão-de-obra no
sistema de produção (Boserup, 1987).
Todavia, no contexto da expansão da fronteira agrícola na região amazônica, a
agricultura itinerante vem pressionando os estoques de floresta devido ao aumento da
pressão demográfica e ao crescimento das áreas de cultivo, que aliados a outros fatores
como pressão de mercado e ausência de investimentos na agricultura familiar, vem
contribuindo para modificar o padrão de uso da terra e, conseqüentemente, alterando as
condições ambientais e sócio-econômicas das comunidades de pequenos produtores.
Apesar da agricultura itinerante existir em menor dimensão de área do que as áreas com
pastagens, este itinerantismo vem apresentando grande efeito cumulativo em áreas de
floresta alterada, que representam um potencial extrativo de coleta, mesmo após a
extração madeireira (Homma, 1989). Sob tais condições, a agricultura tradicional deixa
de ser visualizada como um sistema coerente de aproveitamento sustentável dos
recursos florestais tradicionalmente reconhecido, para estar, cada vez mais, relacionada
com desmatamento e queimadas na Amazônia, embora o desmatamento promovido
pelos pequenos produtores ainda seja relativamente em menor dimensão se comparado
àqueles promovidos pelas grandes propriedades (Fearnside,1993).
No município de Paragominas (PA), a redução dos recursos florestais está
determinando mudanças na organização do sistema de produção tradicional.
Atualmente, as organizações de pequenos produtores apontam para a necessidade de
desenvolver procedimentos tecnológicos, que procurem reduzir as taxas de
desmatamentos em áreas destinadas à pequena produção, aumentem a capacidade de
recuperação dos recursos florestais a fim de garantir um manejo sustentável dos
recursos disponíveis nas comunidades rurais e assegurem a melhoria da qualidade de
a atividade principal destes atores sociais: a produção de bens para consumo e venda (Porto, Siqueira, 1994).
3
vida no campo. Algumas estratégias envolvem a valorização dos recursos florestais e a
substituição das culturas anuais por perenes (Peter et al., 1985). Isoladamente, essas
estratégias parecem não gerar grandes efeitos, pois os pequenos produtores continuam
desmatando para produzir culturas alimentares. O problema é que os cultivos perenes e
os sistemas agroflorestais (SAF’s) não atendem às necessidades básicas das famílias,
como produção de alimentos e renda em curto prazo. Depois, a produção desses
sistemas é sazonal, enquanto que os produtos dos cultivos anuais fornecem alimento e
renda o ano todo. Além disso, outros fatores contribuem para o insucesso de tais
iniciativas, tais como: a falta de domínio das novas técnicas, a ausência de um serviço
de assistência técnica especializada, a incerteza de mercado para os novos produtos e a
falta de capital para investir em tecnologia. É evidente que esses sistemas têm seus
potenciais, porém necessitam de etapas de transição para chegar ao processo de
diversificação (Costa, McGrath, no prelo).
O desafio é, portanto, intensificar e diversificar o sistema de produção
tradicional para aumentar a produtividade das áreas desmatadas, antes que se esgotem
os recursos florestais, e inserir os produtos agrícolas no mercado. De outra parte,
qualquer alternativa tecnológica que se apresente ao sistema agrícola tradicional deve
envolver também o aumento da produtividade da mão-de-obra (Kitamura, 1982).
Independente dos demais fatores que determinam a organização das atividades
produtivas, a mão-de-obra familiar é o elemento fundamental que organiza e estabiliza
qualquer processo de produção camponesa (Chayanov, 1974). Por isso, os projetos de
desenvolvimento deveriam conhecer a organização da mão-de-obra local antes da
introdução de novas tecnologias, para que, posteriormente, pudessem avaliar os
impactos dessa intervenção na força de trabalho familiar. Qualquer interferência no
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sistema de produção afeta a organização das atividades tradicionais e modifica a
distribuição da mão-de-obra entre os membros da família.
Este estudo tem por objetivos: 1) identificar a distribuição da mão-de-obra e a
contribuição individual de cada membro da família nas atividades agrícolas envolvidas
no sistema de produção tradicional, antes da introdução de um projeto de
desenvolvimento agrícola; e 2) analisar as estratégias de adaptação dos pequenos
produtores mediante as novas técnicas introduzidas por esse projeto. O projeto em
questão intitula-se “Intensificação da agricultura tradicional em áreas de vegetação
secundária”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM),
o qual daqui em diante será identificado por “Projeto Agricultura”. Tal projeto, ainda
em andamento no local de estudo, interfere diretamente nas práticas agrícolas
tradicionais. Por isso, este estudo particulariza a análise sobre as atividades agrícolas,
sem deixar de reconhecer que as demais atividades (extrativistas, domésticas e outras)
também sofrem interferência das novas técnicas introduzidas, mas serão analisadas em
um próximo trabalho.
A metodologia de análise deste estudo consiste em observações de campo e
dados quantitativos. A análise da distribuição da mão-de-obra antes da interferência do
Projeto Agricultura está baseada na mensuração de diárias nas atividades agrícolas
durante o período de 12 meses em uma amostragem de sete famílias. A análise
comparativa da mão-de-obra antes e após a introdução de novas técnicas pelo projeto
apoia-se em trabalho de campo no local de estudo (no período de 1994 a atualmente) e
em dados quantitativos preliminares. Os resultados demonstram que não houve
mudanças significativas no total de carga horária de trabalho das famílias participantes
do projeto. Entretanto, a análise sobre a distribuição da mão-de-obra antes e durante o
período de adoção do projeto, verifica que as mulheres têm maior contribuição
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individual na força de trabalho familiar e na continuidade das atividades tradicionais.
Enquanto que os homens estão mais envolvidos com as novas técnicas introduzidas e os
treinamentos, a manutenção do sistema tradicional é assegurada pela sobrecarga das
atividades das mulheres.
2. Local de estudo
O município de Paragominas pertence à Mesorregião Sudeste Paraense (IDESP,
1996), cujas comunidades rurais estão distribuídas entre a região das Estradas (área de
ocupação recente formada por migrantes e em rápido processo de desmatamento) e a
região do rio Capim (área de ocupação antiga e com significativa proporção de floresta
em comparação à região das Estradas). A região do rio Capim é foco de transformações
da fronteira amazônica com fases sucessivas caracterizadas pela colonização de
pequenos produtores, pela expansão de fazendas e, mais recentemente, pelas indústrias
madeireiras. O processo de transformação vem reduzindo progressivamente a área de
floresta disponível aos pequenos produtores localizados ao longo do rio Capim.
Atualmente, as comunidades do rio Capim enfrentam as pressões da expansão das
fazendas, que, aliado ao crescimento interno dessas comunidades, passa a limitar a
disponibilidade de terras e recursos florestais, dificultando o desenvolvimento das
atividades agrícolas e extrativistas.
O local de estudo é a comunidade de Nazaré, na região do médio rio Capim,
distante cerca de 100 km a oeste do município de Paragominas (PA). Suas coordenadas
são 2º49’39”S e 47º46’55”W (IBGE, 1997). Um levantamento de dados realizado pelo
IPAM demonstrou que a comunidade de Nazaré estava constituída por 9% de áreas de
várzea e 91% de áreas de terra firme, sendo que a distribuição de terra firme consistia
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em floresta (51%), capoeira (31%), roças (6%), pastos (2%) e plantio de árvores perenes
(1%) (IPAM, 1998)2.
A comunidade de Nazaré é formada por um conjunto de pequenas localidades
conhecidas por: Patrimônio, Estrada, Jaoaroca Grande, Jaoaroquinha, São Raimundo,
Lago do Pó, João Correia, Ananaí, Região Luzia e Terra Vermelha. Alguns dos
habitantes mais antigos contam que os primeiros moradores chegaram há mais de 50
anos. A população local está estimada em 382 pessoas, distribuídas em 73 famílias
nucleares (pai+mãe+filhos solteiros). A média da composição familiar é de 5
pessoas/família nuclear. Freqüentemente, as famílias organizam-se em grupos formados
por parentes e não-parentes, os quais realizam coletivamente as atividades agrícolas
diárias.
A comunidade de Nazaré é considerada a mais organizada da região do rio
Capim. In locu observa-se que os pequenos produtores manifestam inquietações ao
verem a área de floresta diminuir a cada ano que passa, da mesma forma que diminuem
os rendimentos dos cultivos anuais. Para eles, isso é resultado da pressão de ocupação
das terras, falta de assistência técnica, crédito rural e tecnologias apropriadas às suas
condições sócio-econômicas. Uma forma encontrada para apoiar a permanência das
famílias no campo foi promover alternativas visando a melhoria da qualidade de vida
nas comunidades.
No início dos anos 90, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paragominas
(STRP) detectou, na região do rio Capim, o aumento da freqüência de abertura de roças
em áreas de floresta a cada novo ciclo agrícola. Em 1993, a chegada da máquina
beneficiadora de arroz incentivou ainda mais a abertura de roças na floresta. Para evitar
que a região do rio Capim chegasse no nível de escassez de recursos florestais
2 É possível que, atualmente, esta distribuição de áreas esteja alterada.
7
verificada na região das Estradas, o Sindicato articulou-se com outras instituições para
investigar alternativas que impedissem o avanço indiscriminado nas áreas de floresta.
O grande desmatamento provocado tanto pelos habitantes das comunidades
rurais quanto pelos fazendeiros para a formação de pastos e pelas madeireiras motivou,
em 1993, a criação de uma parceria entre Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Paragominas (STRP) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) /
Woods Hole, Research Center (WHRC) / Instituto de Pesquisas Ambientais da
Amazônia (IPAM). Este convênio resultou em alguns projetos para a região do rio
Capim, onde o último a ser implementado foi o Projeto Agricultura. Este projeto tem
interferido diretamente nas práticas agrícolas tradicionais. A comunidade de Nazaré foi
escolhida como o local de experiência das novas técnicas, cujas principais inovações
foram o uso da enxada na capina e o plantio alinhado (Costa, McGrath, no prelo). Antes
de avaliar os impactos do projeto é necessário conhecer a organização da mão-de-obra
nas atividades agrícolas tradicionais, antes das famílias adotarem as novas práticas.
3. Distribuição da mão-de-obra nas atividades agrícolas tradicionais
A amostragem investigada foi constituída por 7 famílias totalizando 48
indivíduos, sendo que houve o registro da mão-de-obra de apenas 29 desses indivíduos
(17 homens e 12 mulheres). No período de 12 meses foram identificadas 42 atividades
realizadas pelas 7 famílias. Dessas atividades, 22 foram selecionadas em virtude da
maior freqüência apresentada ao longo destes 12 meses e o maior grau de importância
dessas atividades para a subsistência da família. A unidade adotada para a contagem da
mão-de-obra empregada nas atividades agrícolas foi a diária, cujo tempo de trabalho na
comunidade de Nazaré equivale à média de 7 horas, sendo quatro horas pela manhã e
três à tarde.
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As 22 atividades consideradas principais são aquelas que permitem a produção e
o consumo de alimentos, além de suprirem as necessidades básicas dos membros da
família. Em todas essas atividades, classificadas nas categorias agrícolas, extrativistas,
domésticas e outras, a mão-de-obra familiar é a principal força de trabalho. As
atividades agrícolas são as que mais absorvem força de trabalho familiar (74,54%).
FIGURA 1: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA NAS QUATRO CATEGORIAS DE ATIVIDADES DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA), DURANTE O PERÍODO DE 12 MESES.
Fonte: Cayres, 1999; n=6.865 diárias.
Foram identificadas 14 atividades agrícolas mais freqüentes, as quais estão
classificadas em: preparo de área (broca e coivara), plantio (de mandioca, arroz, milho,
banana e capim), manutenção de área (capina e limpeza de pasto), colheita (de
mandioca, arroz e milho), produção de farinha e troca de diárias. Dessas atividades, a
que mais absorve mão-de-obra familiar é a produção de farinha e, em seguida, estão as
atividades referentes ao plantio, manutenção de área, colheita, preparo de área e troca de
diárias.
Agrícolas74,54%
Extrativistas3,22%
Domésticas11,10%
Outras11,14%
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FIGURA 2: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA NAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS DAS FAMÍLIAS DA COMUNIDADE DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA), NO PERÍODO DE 12 MESES.
Fonte: Cayres, 1999; n=5.117 diárias.
No padrão geral, quem dedica a maior mão-de-obra às 14 atividades agrícolas
são os homens, principalmente os homens adultos. Este padrão é revisto sob o aspecto
da contribuição individual da mão-de-obra em cada atividade. Dependendo da atividade
agrícola, as mulheres empregam maior mão-de-obra individual que os homens.
Na coivara, capina e colheita de mandioca a contribuição individual da mão-de-
obra das mulheres é maior que a contribuição individual dos homens. No plantio de
mandioca, na colheita de arroz e na produção de farinha (principal atividade de
subsistência das famílias de Nazaré), os homens exercem mais mão-de-obra que as
mulheres, porém a maior contribuição de mão-de-obra individual nestas atividades é das
mulheres adultas e idosas. Entre as mulheres, normalmente as adultas e/ou idosas
empregam mais mão-de-obra individual que as meninas e as jovens.
O número de diárias trabalhadas individualmente por mulheres adultas e idosas é
maior que as diárias individuais dos homens adultos e idosos. Entre crianças e jovens,
os homens apresentam maior contribuição de mão-de-obra individual. Com estes dados
é possível afirmar que, durante a infância e adolescência, a contribuição individual da
mão-de-obra dos homens é maior que a mão-de-obra das mulheres. A partir dos 18
anos, quando chega a fase adulta, as mulheres passam a absorver maior carga horária de
trabalho. No conjunto de atividades agrícolas realizadas tradicionalmente na
Preparo de área5,76% Plantio
19,28%
Manutenção de área
18,39%Colheita10,57%
Troca de diárias3,84%
Produção de farinha42,16%
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comunidade de Nazaré, a maior carga horária de trabalho individual recai sobre as mães
(mulheres adultas e idosas).
FIGURA 3: VALORES MÉDIOS DA MÃO-DE-OBRA EMPREGADA POR CADA MEMBRO DAS FAMÍLIAS DE NAZARÉ (PARAGOMINAS-PA) NAS ATIVIDADES AGRÍCOLAS, NO PERÍODO DE 12
MESES. Fonte: Cayres, 1999.
4. Análise comparativa sobre a organização da mão-de-obra familiar antes e após a
implantação do Projeto Agricultura
A abordagem do Projeto Agricultura baseia-se em métodos participativos,
combinando o conhecimento técnico ao conhecimento empírico dos pequenos
produtores da região do rio Capim (Paragominas-PA). O objetivo da abordagem é levar
o processo de pesquisa para as áreas de cultivo destes produtores, envolvendo-os no
processo de geração e avaliação de novas práticas de produção, assegurando que o
processo de inovações deve atender às reais necessidades dos produtores, além de estar
fortalecendo a capacidade de experimentar em pequena escala as novas práticas
agrícolas. O Projeto Agricultura vem desenvolvendo-se numa série de etapas iniciado
com o monitoramento do sistema agrícola tradicional em diferentes ecossistemas
(floresta primária vs secundária), seguido da avaliação experimental de inovações ao
sistema agrícola local e, finalmente, o teste das inovações mais promissoras ao sistema
tradicional nas roças dos produtores participantes do projeto (Costa, McGrath, no prelo).
Foram selecionadas 21 famílias de pequenos produtores, considerando o interesse e o
134
134
224
213
105
60
225
194
0 50 100 150 200 250
Idosos
Adultos
Jovens
Crianças
Mulheres
Homens
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entusiasmo deles pela proposta do projeto (trabalhar roças em área de capoeira) e que
também estivessem associados na organização parceira – Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Paragominas (STRP).
A metodologia para coleta de dados consistiu em aplicação de questionários
abertos e fichas pré-elaboradas para coletar informações sócio-econômicas que
pudessem complementar as observações agronômicas. A mão-de-obra foi
especificamente monitorada por um membro das próprias famílias, em sua maioria
jovens estudantes, que se responsabilizaram pelo preenchimento das fichas. Os jovens
foram treinados pelo extensionista do projeto, que também garantia um suporte durante
as visitas de acompanhamento técnico.
Na primeira fase do projeto, pretendia-se entender e comparar o uso atual das
áreas de capoeiras e floresta primária no sistema agrícola, considerando as práticas
culturais, mão-de-obra, produção e rentabilidade. A segunda fase envolveu uma área
experimental denominada de “roça experimental”, um módulo de pesquisa com 1,25 ha
de ecossistema de capoeira, localizado na comunidade de Nazaré. Nesta área foram
testadas inovações agrícolas para o sistema tradicional local com base no primeiro
estudo e orientadas tecnicamente por pesquisadores do IPAM. Na roça experimental
foram avaliados os custos, benefícios e as potencialidades agronômicas de cada
experimento para identificar alternativas viáveis ecológica, social e economicamente.
Os resultados preliminares da roça experimental indicaram técnicas simples e baratas
com grande potencial para melhorar a produtividade agrícola dos cultivos anuais desta
região. Para avaliar o desempenho dessas alternativas sob o controle das famílias dos
produtores, foi dado início à terceira fase do projeto, com a experimentação nas
propriedades.
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A análise a seguir diz respeito à última fase do projeto, onde os produtores
comparam uma versão intensificada do sistema tradicional com o sistema tradicional
extensivo, os quais, daqui em diante, serão denominados apenas “sistema intensificado”
e “sistema extensivo”. Atualmente, os produtores desenvolvem simultaneamente os dois
sistemas em suas roças. Ao mesmo tempo, pesquisadores e produtores monitoram os
sistemas ao longo do ciclo agrícola, com o objetivo de avaliar o desempenho do sistema
intensificado em relação ao sistema extensivo. Os resultados preliminares ainda não
consideram a distribuição da mão-de-obra por gênero, porém indicam a reorganização
da mão-de-obra nas atividades agrícolas que mais sofreram interferência direta do
Projeto Agricultura (broca, coivara, plantio e capina).
No preparo de área (broca e coivara), a atividade que utiliza o maior número de
diárias é a broca, que não diferencia entre os sistemas, porque algumas famílias
realizam os mesmos procedimentos técnicos para os dois sistemas. Por outro lado, na
coivara, o sistema intensificado utiliza mais mão-de-obra do que o sistema extensivo. A
orientação técnica para o sistema intensificado é desobstruir a área, para permitir
melhores desempenhos das atividades de plantio, capina e colheita.
No plantio, o gasto total de mão-de-obra varia entre os sistemas, devido às
dificuldades de realizar as novas técnicas de plantio, em especial o alinhamento e o
espaçamento. No sistema intensificado, o produtor para plantar arroz, milho e mandioca
alinhados e com espaçamento definido, utiliza mais mão-de-obra do que para plantar de
forma misturada, no caso do sistema extensivo.
No controle das invasoras, a primeira capina do sistema intensificado gastou
mais mão-de-obra do que no sistema extensivo, porque os produtores realizaram a
capina de forma mais intensiva antes do plantio das culturas, enquanto que no sistema
extensivo, a primeira capina consiste de pequenas limpezas realizadas pelas famílias no
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intervalo entre a queimada e o plantio. Na segunda capina, o sistema intensificado
continuou utilizando mais mão-de-obra do que o sistema extensivo. Neste período, o
sistema intensificado estava plantado apenas com arroz e milho, disponibilizando
espaço para o desenvolvimento das ervas daninhas, enquanto que o sistema extensivo já
estava plantado com as três culturas (arroz, milho e mandioca). A terceira capina foi
realizada após a colheita do arroz nos dois sistemas, sendo que no sistema extensivo foi
investida mais mão-de-obra do que no sistema intensificado. No sistema intensificado o
tipo de consórcio e a distribuição espacial das culturas, proporcionaram uma maior
cobertura vegetal, fator determinante para dificultar a emergência das invasoras,
principalmente no consórcio de arroz + mandioca.
Na colheita, a mão-de-obra investida nas culturas do arroz, milho e mandioca
está relacionada com os rendimentos das culturas e a técnica de plantio. Segundo os
produtores, se não fosse o alinhamento do plantio, a produção alcançada pelo sistema
intensificado poderia ter utilizado muito mais mão-de-obra, pois, segundo eles, a
colheita no sistema intensificado é muito mais prática se comparada com o sistema
extensivo. O alinhamento permite melhor rendimento da mão-de-obra nesta atividade,
além de estimular a participação das crianças na colheita, pois é uma oportunidade de
realizar brincadeiras durante o serviço. O plantio misturado do sistema extensivo
dificulta a atividade, pois não há direção definida. O controle de invasoras é a atividade
que mais utiliza mão-de-obra, seja qual for o sistema. O que utiliza menos mão-de-obra
é o preparo de área, entretanto não esqueçamos que estamos tratando de vegetação
secundária (capoeira).
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FIGURA 4: DISTRIBUIÇÃO DE MÃO-DE-OBRA ENTRE OS SISTEMAS EXTENSIVO E INTENSIFICADO.
Fonte: Costa, McGrath, no prelo.
Os resultados da primeira etapa da proposta de inovações, ainda não foram
satisfatórios para todos. Obviamente que essas considerações são de ordem geral,
ocorrendo particularmente uma situação extrema, onde a produtividade em nível de
propriedade foi igual ou superior à da roça experimental, conseqüência de interações
entre fatores ambientais e sócio-econômicos favoráveis na propriedade e/ou pelo
próprio nível de conhecimento relativo do produtor. Em termos de mão-de-obra, os
sistemas tiveram resultados diferentes no investimento de trabalho. O sistema
intensificado, mesmo introduzindo novas técnicas, não causou aumento de diárias, pelo
contrário, acabou reduzindo o número de diárias totais, pois as inovações causaram
efeitos positivos sobre algumas atividades, como na última capina e na colheita de arroz
e milho.
5. Considerações finais
Longe de ser uma categoria em extinção, a organização camponesa tem definido
a racionalidade para o uso dos recursos, principalmente nos locais que apresentam
evidentes sinais de escassez, incorporando, quando necessário, inovações que garantem
sua manutenção e reprodução. A produtividade da mão-de-obra e a possibilidade de
novas alternativas que mantenham suas famílias no campo com maior qualidade de vida
1 0
7
1 3
1 7
1 3
9
1 6
5
5
5
1 5
1 0
5
7
1 0
1 7
1 1
1 7
7
6
6
1 5
0 5 1 0 1 5 2 0 2 5 3 0 3 5
C o l h e i t a d e m a n d i o c a
C o l h e i t a d e m i l h o
C o l h e i t a d e a r r o z
Cap ina 3
Cap ina 2
Cap ina 1
P l a n t i o d e m a n d i o c a
P l a n t i o d e m i l h o
P l a n t i o d e a r r o z
C o i v a r a
B r o c a / d e r r u b a
S i s t e m a E x t e n s i v o
S i s t e m a I n t e n s i f i c a d o
15
foram os elementos que estimularam os pequenos produtores da comunidade de Nazaré
a introduzirem mudanças no sistema produtivo tradicional. Com base nos resultados
obtidos por família, nosso estudo procurou avaliar a distribuição da mão-de-obra no
sistema agrícola tradicional e comparar o tempo investido em cada atividade agrícola
entre o sistema extensivo e o intensificado, promovido pelo Projeto Agricultura
(IPAM). Entre os sistemas, não houve diferenças significativas no número de diárias,
porém, no conjunto de atividades agrícolas, nota-se um melhor rendimento de mão-de-
obra no sistema intensificado. Até o momento, o Projeto Agricultura tem influenciado
as práticas agrícolas nos cultivos de subsistência, sendo que este melhor rendimento de
mão-de-obra no sistema intensificado apresenta indícios de futura alocação de mão-de-
obra em cultivos perenes e semiperenes.
Quanto à aceitação do novo sistema pelos pequenos produtores, as mulheres
apresentaram mais resistência às mudanças, principalmente em relação ao uso da
enxada na capina. As mulheres continuam utilizando o “ferro”, instrumento
tradicionalmente empregado na limpeza das roças. As técnicas adotadas no modo de
plantio tradicional permitem maior praticidade no uso deste instrumento se comparado à
enxada. A adoção da enxada está diretamente relacionada com mudanças nas técnicas
de plantio. Como as mulheres pouco estiveram presentes aos treinamentos, elas
apresentaram maior dificuldade de adaptação e, conseqüentemente, maior resistência
em aceitar o uso da enxada. Os homens treinados aprenderam a estruturar o instrumento
para a atividade de capina e adquiriram prática para trabalhar com o mesmo. Após a
experimentação e utilização da enxada nas atividades de limpeza de roçado, os homens
não querem mais trabalhar com o ferro.
Deve ser ressaltado que os treinamentos, assim como as avaliações públicas do
projeto denominadas “dias de campo”, têm maior participação dos homens. Apesar das
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mulheres serem convidadas a participar, a lógica do casal é o homem comparecer às
reuniões/treinamentos enquanto que a mulher permanece no âmbito doméstico
administrando as atividades da casa e da roça durante a ausência do marido. Por ocasião
dos eventos em que participam ambos, como é o marido quem está mais diretamente
envolvido, é ele quem mais se manifesta e opina. Desse modo, é a mulher quem fica
encarregada de manter a continuidade das atividades tradicionais durante o processo de
adoção das novas técnicas pelos homens.
Particularmente em relação ao uso da enxada, a análise sobre a distribuição de
mão-de-obra nas atividades tradicionais indica que a mulher é quem mais emprega mão-
de-obra na capina, porém o treinamento para introduzir o uso da enxada na capina teve
participação apenas dos homens. Devido não participarem diretamente do processo de
adoção de tecnologias, as mulheres não conseguem identificar os benefícios concretos
dos projetos de desenvolvimento para melhorar a qualidade de vida da família e passam
a perceber os projetos como vilões que apenas aumentam a penosidade do trabalho
individual. Tanto no sistema extensivo quanto no período de adoção do sistema
intensificado, a carga horária de trabalho das mulheres é maior que a carga horária dos
homens. Os homens estão sendo integrados mais rapidamente ao processo de
desenvolvimento, enquanto que as mulheres asseguram a continuidade do sistema de
produção tradicional.
6. Referências bibliográficas
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17
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