malhação do judas: rito e identidade

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Apresentação para a defesa da dissertação de mestrado Malhação do Judas: rito e identidade no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRN.

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MALHAÇÃO DO JUDAS: RITO E IDENTIDADE

Andreia Regina Moura Mendes

andreia.mendez2@gmail.com

Os desafios do campo

Formação anterior em História e ingresso recente na Antropologia Social.

Tema inédito nas Ciências Humanas.

Dificuldades para o estabelecimento de um novo campo empírico e problemas com os novos contatos.

“Descrição tensa”.

Malhação do Judas

A Malhação do Judas é um ritual católico que se inscreve nas celebrações da Semana Santa. O rito compreende três fases:

1- seleção de materiais para composição do boneco;

2- confecção do boneco chamado de Judas;

3 – Malhação, imolação, ou queimação do Judas.

O rito ocorre na passagem da “Sexta – Feira da Paixão” para o “Sábado de Aleluia” à meia- noite.

A observação do rito foi realizada no bairro das Rocas e adjacências nos anos de 2006 e 2007.

Revelando o bairro das Rocas

Historicizando as Rocas

Povoamento inicial na segunda metade do século XVIII a partir de uma vila de pescadores.

Ampliação da população no século XIX com as obras do porto de Natal.

Acréscimo populacional no começo do século XX com a abertura das oficinas de trabalho para a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte.

Caracterização tradicional enquanto “bairro operário”.

Sinhá Rocas Palmyra Wanderley

“À beira da água Nasceu um dia, Ninguém estranhe, Linda praieira Tão desditosa, Nasceu sem mãe... A água salgada Da maré rente Encheu-lhe a boca... E ela nem pôde chorar, coitada! Com a boca cheia de água salgada, Que ainda amarga na sua boca.”

AREAL Luis Serrano

“Meia-noite, O galo, relógio vivo da madrugada, Ressoa pelo espaço a primeira badalada... Descambo a ladeira, - escada de areia à beira do morro - Avistando, a sorrir, o clarão da Ribeira. De longe ainda escuto O ritmo exótico daqueles batuques - pancadas constantes do coração Alegre e ordeiro daquela gente. E evoco o Brasil, Negrinho de ontem em formação, Ao canto da raça, Sambando em espírito no afro ambiente!... E assim é a vida do velho Areal, Viveiro do “côco” e de estranhas cantigas, Favela pacífica da minha Natal!.”

Visões e invenções sobre as Rocas

A população das Rocas elabora uma visão positiva sobre o bairro e aponta a sua localização privilegiada e o caráter festivo da comunidade como os principais aspectos da vida social. Os moradores supervalorizam suas tradições festivas em oposição aos sinais de rivalidades e tensões que pontuam o cotidiano local.

As visões externas indicam as Rocas como lócus para a prostituição, consumo de drogas e violência. A cidade agrega uma imagem positiva ao bairro apenas no tocante às diversas festividades nas quais as Rocas tradicionalmente participa: o carnaval, a malhação do Judas e as festas juninas.

Os malhadores do Judas

O ritual envolve todas as faixas etárias e ambos os sexos, entretanto, percebe-se distinções nos papéis desempenhados pelas diferentes gerações e pelos gêneros em cada fase do rito:

A seleção de materiais é tarefa para as mulheres adultas e crianças de ambos os sexos;

A confecção cabe aos adultos de ambos os sexos;

A malhação é feita pelas crianças e adolescentes do sexo masculino.

As interpretações nativas: a festa do Judas

1- A primeira versão é apresentada pelos participantes que percebem a confecção do boneco e a sua malhação como uma “brincadeira”, uma “festa”, mais um momento de sociabilidade do grupo. Revelando a posição e o papel social dos interlocutores no seio da dinâmica do bairro, a interpretação local da “brincadeira” é elaborada por pessoas envolvidas e engajadas com as práticas culturais do bairro, como a agremiação de samba. No cotidiano destas pessoas é a festa que ocupa o espaço maior de suas preocupações. O Judas pode ser um artista da televisão ou simplesmente um boneco sem identidade definida e reconhecida por todos.

As interpretações nativas: Judas, o apóstolo traidor

2 – A segunda versão indica que o boneco é uma representação de Judas, sendo a sua malhação compreendida com uma “punição” merecida ao apóstolo acusado de traição. Esta percepção é muito forte entre os interlocutores mais idosos e mais participativos das celebrações católicas. Um sentido religioso é dado ao rito, característico de quem identifica o período como momento de transição das “trevas da morte” de Jesus para a sua “ressurreição gloriosa”.

As interpretações nativas: a crítica social

A terceira e última versão nos sugere uma “interpretação social nativa” do rito. A malhação do Judas, é uma “válvula de escape” para expor as frustrações sócio-econômicas da população do bairro e sua “revolta” com autoridades públicas, vizinhos falsos ou com personagens de alguma influência no bairro, podendo ser políticos, autoridades culturais ou sociais. O Judas pode assumir as características de um vizinho ou de uma figura popular mal quista pelo grupo.

Interpretando as interpretações

A partir dos estudos desenvolvidos por Marcel Mauss, Henri Hubert e René Girard acreditamos ser a Malhação do Judas um sacrifício simbólico dos elementos de tensão do grupo.

A violência é direcionada para o boneco como uma forma de solucionar os conflitos locais. Atuando no campo simbólico, se evita que esta violência volte-se contra o grupo, ameaçando a ordem estabelecida.

A vítima para o sacrifício precisa ser alguém indiferente ao grupo e por quem não será reclamada uma vingança. O Judas realiza esta função. Por ter sido tocado pela violência de sua traição, é a vítima ideal para solucionar a crise estabelecida e debelada ritualmente a cada Semana Santa.

Poderíamos acrescentar a festa como aspecto presente no rito da malhação do Judas, mas deixamos esta análise para outro momento.

A malhação do Judas pode ser vista de forma funcionalista, pelas soluções que apresentam para os conflitos locais, esta versão pode também ser melhor discutida em trabalhos posteriores.

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