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LETRAMENTO NO CONTEXTO INTERDISCIPLINAR: PERSPECTIVAS NO
ÂMBITO DA REFORMA DO PENSAMENTO
Hélen Fernandes MOREIRA (PPGL/FT)
helenfmoreira@ifto.edu.br
Dr. Wagner Rodrigues Silva
wagnerodriguesilva@hotmail.com
Universidade Federal do Estado do Tocantins
RESUMO
A Linguística Aplicada (LA) observa a linguagem como prática social, seja no contexto de
aprendizagem de língua materna, ou de outra língua, ou em qualquer outro contexto, que surjam
questões relevantes sobre o seu uso. A mesma é responsável pelo estudo dos campos de
investigação transdisciplinar, de novas formas de pesquisa e de novos olhares sobre o que é
ciência. Letramento, ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que
adquire um grupo social ou indivíduo, como consequência de ter-se apropriado da escrita, tem
sido o foco das pesquisas em LA. Apropriando-se do conceito de interdisciplinaridade, Fazenda
(2001) diz que o homem que se deixa perpetuar numa única abordagem do conhecimento, vai
adquirindo uma visão corrompida da realidade. Ao viver, encontra uma realidade multifacetada,
produto desse mundo, e, evidentemente, mais oportunidades terá em modificá-la, na medida em
que não a conhece como um todo em seus inúmeros aspectos. Nesse contexto, no que diz respeito
ao pensamento complexo, as novas óticas, as rotas alternativas restauradoras do sentido, a
proposta desse estudo alicerça- se em um diálogo investigativo, sustentado nos novos paradigmas
traçados pela necessidade de uma reforma do pensamento, tendo em vista a chamada educação
do futuro (MORIN, 2003), pautada no ensino centrado na condição humana. Propomos aqui
romper estruturas, bem como, alcançar uma visão unitária e comum do saber, considerando o ato
de tecer e a complexidade das teias, na qual abarcam o conhecimento.
Palavras-chaves: Linguística; Letramento; Complexidade
1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Embora a educação tenha evoluído nos últimos anos, estando mais
preocupada com a realidade social, percebe-se que ainda hoje, em pleno século XXI,
o quanto ela distancia-se da prática social dos alunos. Essa situação, segundo Paulo Freire
(1978, p. 67-8), é chamada “educação bancária”, em que a educação é um ato de
depositar, de transferir valores e conhecimentos sem uma conduta crítica, sem
relevância sociocultural.
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Quando Paulo Freire propôs o “método dialógico” para a educação (FREIRE
& SCHOR, 1987, p. 121-133), opondo-o aos métodos passivos e silenciadores de
transferência de conhecimentos, ele tinha em mente uma educação atrelada ao diálogo
como uma exigência existencial. Para Paulo Freire (1978, p. 93), o diálogo “é o encontro
em que se solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se ao ato de depositar ideias de um
sujeito no outro”.
Intrinsecamente ligado ao ambiente dialógico educacional de Paulo Freire
(1978), os educadores, atentando para a necessidade da otimização da qualidade ensino-
aprendizagem, têm buscado alicerces teóricos para concretização de um letramento
direcionado ao fator crítico e reflexivo da realidade social dos educandos, tornando-se
“cidadãos inteligentes e globalizados” (Morin, 2004).
O advento do interesse dos educadores brasileiros pelas ideias de Edgar Morin
deve-se em grande parte à profundidade da dimensão do caos educacional que
vivenciamos. Trata-se da crescente complexidade e incertezas que dominam os
horizontes da vida contemporânea de modo geral. No que concerne o pensamento
complexo, as novas óticas e as rotas alternativas restauradoras do sentido; esse tem
adquirido forças para a chamada educação do futuro1, pautada no ensino centrado na
condição humana.
No que diz respeito ao Letramento, tal termo foi criado nos anos 80 instaurada
no vocabulário de educação e ciências linguísticas. Diferentemente de literacy, que vem
do latim e retoma a ideia, não só de decodificação dos signos, e sim torná-la social. A
alfabetização no Brasil trata somente da habilidade do ato de ler e escrever, sem levar em
conta os aspectos sociais, culturais, políticos, cognitivos, linguísticos sociais, e até mesmo
econômicos que se fazem necessários (SOARES, 2009).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) estabelecem que o ensino deva
focar-se à realidade social dos alunos e, à luz desse postulado, a proposta deste estudo
consiste em verificar o estudo do Letramento, do ponto de vista da
interdisciplinaridade, sobretudo, considerando a necessidade de uma reforma do
1 Conforme Morin (2011, p. 15) “Há sete saberes fundamentais que a educação do futuro deveria
tratar em toda sociedade e em toda cultura, sem exclusividade nem rejeição, segundo modelos e
regras próprias a cada sociedade e a cada leitura.”
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pensamento, como apontada pelo do teórico Edgar Morin.
2 - PERCURSO METODOLÓGICO E IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA DA
PESQUISA
Essa discussão, inserida na complexidade do paradigma emergente, assume
postura indisciplinar, considerando a substituição de um pensamento “disjuntivo e
redutor por um pensamento complexo, no sentido originário do termo complexus:
o que é tecido junto” (MORIN, 2003, p. 89). Todavia, assumimos a noção de
interdisciplinaridade como uma abordagem de pesquisa.
Nessa breve apresentação, Trindade (2008, p. 72) afirma que “a
interdisciplinaridade apresenta-se como uma possibilidade de resgate do homem com a
totalidade da vida”, dessa maneira, estudos nessa abordagem revelam-se promissoras “no
desenvolvimento da ciência, em que o próprio conceito das ciências começa a ser
revistos”.
Mencionamos que estudo consiste em um recorte integrante de tessitura maior:
uma pesquisa preliminar de uma disciplina obrigatória cumprida pela autora deste
trabalho, realizada no Mestrado em Linguistica Aplicada, da Universidade de Brasília
(UNB). A disciplina cursada, em regime especial, objetivava entender os percursos
metodológicos que uma ciência deve seguir em todos os seus parâmetros. No referido
trabalho buscou-se resgatar o contexto histórico da Linguistica, bem como do
Letramento, sob uma visão de que ambas estão em constante movimento
(holomovimento).
A relevância dessa pesquisa alicerça-se como preâmbulo básico daquilo que
entendemos como vir a ser – processo de autoconhecimento. Interdisciplinaridade e
Letramento fazem um percurso dialógico no que tange a construção de um ser autônomo
e coletivo.
Pretendemos, assim, estar em conformidade com a perspectiva cientifica adotada
pelo Programa de Pós-Graduação em Letras: Ensino de Língua e Literatura (PPGL), da
Universidade Federal do Tocantins, ao submeter-se para reflexão e compreensão do
objeto complexo, tendo em vista o contexto do letramento e o cunho
interdisciplinar.
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Delimitamo-nos a uma abordagem qualitativa e de caráter bibliográfico. As
pesquisas de investigação qualitativas direcionam-se: “não busca enumerar ou medir
eventos e geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados; seu
foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada dos métodos
quantitativos.” (NEVES, 1996, p. 1). Sobre o parâmetro bibliográfico, ou de fontes
secundárias, compreende-se bibliografia adotada para concretização da pesquisa em
voga. “Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo que o foi
escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de
debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas quer gravadas”
(MARCONI & LAKATOS, 2007, p. 171).
Para realização deste estudo, como abordagem teórico-metodológica,
utilizaremos no âmbito do Letramento os trabalhos de Kleiman (2007) e Soares
(2006, 2007, 2009); e Fazenda (1994, 2001) e Morin (2004, 2011, 2013) serão
referências no campo da interdisciplinaridade.
3 - UMA SÍNTESE HISTÓRICA DA LINGUÍSTICA APLICADA E DO LETRAMENTO
A Linguística Aplicada (doravante LA) observa a linguagem como prática
social, seja no contexto de aprendizagem de língua materna, ou de outra língua, ou em
qualquer outro contexto. Ela é responsável pelo estudo dos campos de investigação
transdisciplinar, de novas formas de pesquisa e de novos olhares sobre o que é ciência.
O estudo de LA surgiu a partir da segunda Guerra Mundial com a obra de David
Bloomfield (1948) que escreve no primeiro editorial da revista Language Learning que a
filologia tinha artigos sobre os aspectos da linguística histórica e da crítica textual,
enquanto os da linguística tratavam somente da natureza descritiva da linguagem.
Sugeriu-se que novas descobertas indutivas, ou seja, uma pesquisa advinda de
observações do uso da linguagem no mundo real, fizessem oposição à língua idealizada.
Nesta época, outras ciências se fizeram necessárias, tais como: a etnografia, a
sociolinguística, a semiótica, a neurociência, a psicologia, a pesquisa educacional e a
ciência cognitiva. A intenção era que houvesse um diálogo entre essas disciplinas e que
as questões históricas trouxessem à tona temas associados ao aprendizado de línguas.
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Na década de 80, vários estudos apontavam a forte influência do
behaviorismo comportamental e do estruturalismo linguístico. Conceituar LA, em
contradição à linguística, é afirmar que a linguística teria como interesse a língua, como
um construto abstrato ou internalizado, enquanto que a linguística aplicada abordaria as
manifestações da língua externa, da língua em uso, contextualizada. Essa distinção é
fidedigna aos estudos de Chomsky (1971 p.2).
A LA se contrapõe a linguística geral, principalmente, no que diz respeito a sua
orientação explícita em direção a prática e aos revezes diários, relacionados com a
linguagem e a comunicação. São várias as problemáticas linguísticas relacionadas com a
linguagem e a comunicação: a discriminação, o multilinguismo, o conflito, a política e o
planejamento.
Os sociolinguistas não aderiram completamente à linguística aplicada, da mesma
forma que estudiosos de letramento se identificam como linguistas, contudo, fazem
estudos formais sobre a interlíngua. Segundo Preti (1982), o início da sociolinguística
aconteceu nos anos 50 e 60, tendo como precursor Bloomfield (fenômeno linguístico
integrado no mecanismo da comunicação social através de condicionamento de estímulos
e reações – divisão do trabalho).
O letramento foi o foco central das pesquisas do Centro de Linguística Aplicada
em Edinburgh. No Brasil, temos uma série de publicações e grupos de estudo, como:
LAEL da PUC-SP, Revista Delta, Poslin – UFMG e a ALAB. Letramento é o resultado
da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um
grupo social ou indivíduo, como consequência de ter-se apropriado da escrita. A palavra
illiteracy vinda dos Estados Unidos e Grã Bretanha ou de illettrisme, da França, adquiriu
força maior depois dos estudos complexos. O letramento constitui-se também, em um
fenômeno social, pois, é produto da transmissão cultural, inevitavelmente, uma análise
social. Soares (2009) categoriza o ato de ler e escrever como imagens espelhadas uma da
outra, com reflexos sob ângulos opostos de um mesmo fenômeno: a comunicação através
da língua escrita. O escritor em potencial é capaz de especificar de maneira não arbitrária
sua intenção ao escrever, de acordo com o seu texto, endereçado ao seu leitor.
4 - A PERSPECTIVA SOCIAL DO LETRAMENTO
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O processo educacional deve despertar a capacidade cognitiva, física, psíquica e
reflexiva dos alunos, em um processo crescente e desvelador das habilidades e
competências, tendo em vista os atores sociais envolvidos nessa esfera.
Sendo a educação um processo natural, a LDB - Lei de Diretrizes e Bases da
educação brasileira (1996), em seu artigo primeiro, estabelece:
A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições
de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996, p. 1)
Ora, se o artigo 4º dessas diretrizes assegura a educação básica como um
direito do cidadão e um dever do Estado, deve atender os indivíduos prontamente.
Acerca do ensino, a LDB (1996) é clara quando menciona:
Art. 3°. – O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios:
[...] III - pluralismo de ideias e concepções pedagógicas;
[...] VII - valorização do profissional da educação escolar;
[...] IX - garantia do padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extra-escolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais.
Apesar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1999) indicarem que o ensino vincula-se às práticas sociais,
observa-se que muitos professores conduzem suas práticas no ensino tradicional
mecanicista. O ensino sistemático de língua materna tem sido de fato, uma atividade
impositiva, já que antecedentes culturais e linguísticos dos educandos não são respeitados
pelo professor (BORTONI-RICARDO, 2005). A escola deveria prover novas
possibilidades de experimentação que estão ausentes, nas situações mais tensas e
competitivas, como as do local do trabalho.
A leitura é um dos principais meios que a escola dispõe para uma incessante
busca ao letramento. Sabe-se que uma das grandes dificuldades dos alunos está ligada
à proficiência na leitura, por isso, geralmente, alguns têm dificuldades em ler e entender
de forma significativa os textos didáticos, enunciados de exercícios, dentre outros
contextos linguísticos em todos os componentes curriculares. Em outras palavras, a não
proficiência na leitura mancha todas as perspectivas positivas na vida escolar dos
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alunos, comprometendo o sucesso destes. Soares (2006) afirma que a formação de
leitores em grande escala, por meio da escola, somente ocorrerá se houver uma prática
de leitura com a oferta de bons materiais escritos, instalação de bibliotecas e salas de
leitura bem equipadas, além de uma adequada formação de professores-leitores.
Conforme Kleiman (2007, p.4), a escola é uma agência de letramento por
excelência, e deveria criar espaços para experimentar novas formas de participação nas
práticas sociais e letradas, assim constituir múltiplos letramentos na vida social. Assumir
o letramento como objetivo do ensino no contexto dos ciclos escolares implica em adotar
uma concepção social da escrita, em contraste com uma concepção de cunho tradicional
que considera a aprendizagem de leitura e produção textual, como a aprendizagem de
competências e habilidades individuais. Por isso, a concepção de leitura e escrita forma
um conjunto de competências e os estudos do letramento pesquisam as práticas
discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis do contexto em que se desenvolvem.
Kleiman, ainda, argumenta contra a dicotomia que limita a relevância dos
estudos de letramento à prática de alfabetização. Os estudos de letramento têm como
objeto de conhecimento os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita. Após
esta nova concepção do termo “letramento” pretendia-se desvincular os estudos da língua
escrita dos usos escolares, a fim de marcar o caráter ideológico e distinguir as múltiplas
práticas de letramento na alfabetização.
Na prática social envolve-se uma atividade coletiva com vários participantes que
têm diferentes saberes e mobilizam (cooperativamente) segundo interesses, intenções e
objetivos individuais e metas comuns. Na prática coletiva, o ato de soletrar, ler em
voz alta, perguntar e responder, oralmente ou por escrito, fazer uma redação, fazer um
ditado, analisar uma oração ou fazer uma pesquisa, constituem em processos coletivos
que podem ser utilizados pelo professor.
Uma das grandes preocupações do professor é seguir os PCN’s e indicar qual a
melhor adequação dos conteúdos. Por isso, para escrever e ler o aluno precisa reconhecer
os componentes relativos ao domínio do código, o aprimoramento dos sintagmas, as
correspondências regulares fônicas e dentre. Outra função do professor é a escolha do
texto: qual deles seria mais apropriado para o aluno em cada atividade?
O professor pode e deve ser o mediador da relação: interação – leitor – texto –
autor, estabelecida no meio acadêmico, segundo Pêcheux (1983), sendo este processo de
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constituição do sujeito-leitor. Ainda segundo Pêcheux, as informações imaginárias
antecipam as representações do receptor por parte do emissor e sobre elas recaem um
quadro com uma série de estratégias.
Entendemos o letramento, dentro de uma amplitude social, como mediador entre
o signo linguístico e a capacidade critico-reflexiva em compreender e depreender acerca
do universo e a partir dele. O papel do letramento é substancial para que o leitor possa
refletir, criticar e compreender o mundo exercendo o papel de cidadão a partir da leitura,
porém, utilizando de seus saberes do mundo e das culturas locais. O mundo letrado é um
mundo socioeconômico que empodera o homem e o torna humanitário, ecológico,
globalizado, autônomo e coletivo.
5 - MODELO AUTÔNOMO E O MODELO IDEOLÓGICO DE LETRAMENTO
O modelo autônomo focaliza os aspectos técnicos do letramento como
independente do contexto social, uma variável autônoma cujas consequências para
sociedade podem ser derivadas em seu caráter intrínseco. O texto é uma substância
autônoma. Nesse modelo, a escola apodera-se de práticas de uso de escrita que são
características à concepção de letramento dominante na sociedade. A leitura é
percebida como um conjunto de habilidades linguísticas que vão desde a competência
de decodificação de palavras até a capacidade de compreensão de textos escritos. A
leitura é um processo de relacionar símbolos escritos a unidades de som, além de
relacionar o processo de construção de uma interpretação de textos escritos.
O modelo autônomo divide os grupos letrados dos iletrados, relacionando o
desenvolvimento social e tecnológico à mentalidade promulgada com a linguagem
escrita. Nessa concepção de letramento, há uma inter-relação entre o desenvolvimento
das habilidades cognitivas e a linguagem escrita. O letramento está associado ao
progresso, à modernidade e à sociedade tecnológica, sendo a escola a principal agência
de letramento, por isso, o letramento e a escolarização caminham juntos.
Segundo Street (1993, p. 7), o modelo ideológico, diferentemente do modelo
autônomo, estuda o letramento como prática social e seu relacionamento com outros
aspectos da vida social, não o letramento em si mesmo. As práticas de letramento não
estão unicamente relacionadas a aspectos culturais, mas também a aspectos de estruturas
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de poder. É importante salientar que este modelo não desconsidera as habilidades
técnicas ou os aspectos cognitivos do letramento. Por isso, o modelo ideológico abarca
o modelo autônomo, pois une os aspectos culturais e cognitivos das práticas de
letramento.
O conceito de letramento coloca em cena uma gama de fatores que variam de
habilidades e conhecimentos individuais a práticas e competências funcionais. De acordo
com Soares (2007, p.67), mesmo sob a perspectiva da dimensão individual, “é difícil
definir letramento, devido à extensão e diversidade das habilidades individuais que
podem ser consideradas como constituintes do letramento”.
Street (1984, p. 256) salienta que o conceito de letramento é híbrido,
compondo-se de práticas discursivas diversas submetidas a práticas sociais. Nosso
trabalho defende a proposta de letramento a partir do modelo ideológico de Street (2014,
p. 254-255). Tal modelo surge em oposição ao modelo tradicional (modelo autônomo)
que considera o letramento um fenômeno isolado, centrado no indivíduo, independente
do contexto social. O modelo ideológico de letramento é tido como fenômeno manifesto
de uma realidade, como objeto passível de ser analisado em uma perspectiva social.
Diante do exposto, acreditamos que o letramento perpassa o saber ler e
escrever; está relacionado às práticas de leitura e escrita que se apresentam na sociedade.
Conceituar letramento é uma árdua missão que requer atenção especial no que diz
respeito à concepção de trabalho empregada.
6 - CONCILIAÇÃO: LETRAMENTO E INTERDISCIPLINARIDADE
Considerando os conceitos utilizados na esfera dessa pesquisa - em que como
apontam Hamilton e Barton (1985), o “letramento é equiparado a progresso e, via
letramento, os benefícios crescem para as nações e indivíduos. Por conseguinte, os níveis
de letramento numa sociedade são postulados como correlatos positivos de todo e
qualquer outro indicador de progresso social e econômico” – propomos uma interconexão
entre letramento e a interdisciplinaridade. Para tanto, inicialmente, teorizaremos e
apontaremos a trajetória da segunda área referida, com a intenção de, a título de
esclarecimento e aprofundamento cientifico, compreender a dinâmica desse campo
teórico-metodológico e a possível relação com a primeira.
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A interdisciplinaridade é preponderante no que concerne a sua capacidade de
imprimir uma reflexão aprofundada, crítica sobre o funcionamento do cosmos,
desenvolvendo a consolidação da autocrítica, inovando a pesquisa e aguçando
criatividade. A Interdisciplinaridade pressupõe um comprometimento com a totalidade
no que tange as questões de alfabetização e letramento: “Interdisciplinaridade é uma
exigência natural e interna das ciências, no sentido de uma melhor compreensão da
realidade que elas nos fazem conhecer. Impõe-se tanto a formação do homem como as
necessidades de ação, principalmente do educador” (FAZENDA, 1994, p. 91).
Nesse caminho dialógico entre essas áreas, letramento e interdisciplinaridade, é
que buscamos a comunhão de um movimento aberto, em um pensamento holístico, em
que nada tenha um final. A interdisciplinaridade desperta no indivíduo a busca incessante
do aprendizado que o letramento proporciona. Cada final não é um término e sim um
recomeço. Um ponto final é simplesmente uma vírgula.
Na próxima seção abordaremos a possibilidade da realização entre as teias do
letramento e interdisciplinaridade, no que refere-se a inferência da união dessas tramas e
assim serem tecido conjuntamente.
6.1 - Letramento no âmbito da COMPLEXUS
Corroborando com as ideias propostas por Fazenda (1994) acerca da
interdisciplinaridade, comparamos com a trama de um tecido a ser fiado:
Interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação.
Seria, parodiando Platão em sua definição de arte política na sua teoria
idealista do Estado, a arte do tecido que nunca deixa que se estabeleça
o divorcio entre os diferentes elementos. Ação política assegurada
contra a irrepreensível contingência do real (FAZENDA, 1994, p. 89).
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Figura 1: Tecido junto
Fonte: http://pt.dreamstime.com/fotos-de-stock-royalty-free-tiras-do-couro-tecido-
image23174558. Acesso: 28/06/2015
A figura retratada demonstra cada fio, que são os saberes, com suas
especificidades, formando o tecido. Injutivamente está o letramento, via
interdisciplinaridade, fortificando a trama. O que para Morin (2011) é entendido como
complexus, é aqui teorizado: elementos constitutivos (econômicos, políticos, sociológico,
psicológico, mitológico e afetivo). Todavia, há de se mencionar a complexidade,
conferindo a esta, a união entre unidade e a multiplicidade.
O letramento, aliado a interdisciplinaridade, deve em sua essência ser
construído em sua totalidade, na busca permanente da melhoria da condição humana.
Se tudo está relacionado e faz parte de uma mesma trama, como pensar
o indivíduo fora de seu contexto? Se existe uma teia em que tudo está
relacionado, interconectado, o homem constitui um fio particular dessa
teia, uma parte de toda trama, uma estrutura dissipadora em interação
como seu meio ambiente, um sistema aberto que transforma tudo aquilo
que recebe, que ordena e reordena, que tenta criar uma coerência e
incorpora o novo. (MORAES, 2012, p. 177)
À luz da maiêutica, a progressão e o avança na determinação do objeto de
pesquisa é o caminho do aprofundamento dessas aberturas.
7 - LETRAMENTO E OS POSSÍVEIS CAMINHOS DENTRO DA
INTERDISCIPLINARIDADE
Entendemos a necessidade de reconstrução da visão política educacional para
otimizar a postura do professor em relação ao conhecimento de si próprio e de como
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lecionar. Segundo Possenti (2004, p. 24), “ter uma concepção clara sobre os processos de
aprendizagem pode ditar o comportamento diário do professor de língua em sala de aula”.
Por isso, o domínio de uma língua é o resultado de práticas efetivas, significativas e
contextualizadas.
Ressaltamos o princípio apontado por Vygotsky (1996) ao discutir os
problemas do método, em que a análise psicológica deve incidir sobre os processos nunca
entendidos como objetos fixos e estáveis. Não existe nada eterno, fixo, absoluto. Tudo
o que existe na vida humana e social está em permanente mudança, tudo é perecível.
Um pressuposto básico de Vygotsky é que a origem das formas superiores de
comportamento consciente encontra-se nas relações sociais que o homem mantém, com
o outro e com aquilo que o cerca, de forma harmoniosa. O professor deve trabalhar com
os alunos por meio das relações sociais, em que o mesmo seja um sujeito ativo e em
construção. Desse modo, o professor terá uma maior possibilidade de formar um cidadão
crítico-reflexivo, bem como a si mesmo.
O ensino de Língua Portuguesa voltado ao desenvolvimento do letramento é
algo que está intimamente relacionado ao papel do professor em sua prática de sala de
aula. Segundo Soares (2006), não basta apenas saber ler e escrever, é preciso saber
responder às exigências da leitura e da escrita que a sociedade faz continuamente e cabe
ao professor ser o mediador desse processo. O ensino de Língua Portuguesa deve
apresentar-se de maneira crítica e reflexiva, sendo o professor um mediador em sala de
aula e o responsável por adequar suas aulas à realidade social e linguística dos alunos.
A escola tem de formar verdadeiros cidadãos, não pessoas alienadas que apenas
reproduzem modelos, sem a preocupação crítica e reflexiva. O professor deve contribuir
para o desenvolvimento de uma “pedagogia sensível às diferenças sociolinguístas e
culturais dos alunos” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 130).
Este é o momento de substituir a ordem disciplinar por uma interdisciplinar.
Rever a função docente que se faz indispensável na orfandia educacional, pois não se
produz conhecimento sem práxis da pesquisa e nem pesquisa em ação. Vencer os buracos
negros do conhecimento, tratar dos desafios da complexidade, superar a visão
determinista, mecanicista, quantitativa e formalista, ainda são questões a serem extirpadas
do âmbito socioeducacional.
Para concretização dessa reforma engajamos na afirmação de que serão
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necessários: rupturas paradigmas tradicionais, religação dos saberes, reforma do
pensamento, aprendizagem da complexidade, e por fim, e não menos importante, a
constituição da interdisciplinaridade como policompetência.
REFERÊNCIAS
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