julio cesar gabrich ambrozio (1)
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO REA DE GEOGRAFIA HUMANA
JLIO CSAR GABRICH AMBROZIO
O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrpolis . Uma Histria Territorial .
So Paulo 2008
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PS-GRADUAO REA DE GEOGRAFIA HUMANA
O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrpolis
. Uma Histria Territorial .
Jlio Csar Gabrich Ambrozio
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia Humana do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, como pr-requisito para a obteno do ttulo de Doutor em Geografia.
Orientadora: Profa. Dra. Odette Carvalho de Lima Seabra
So Paulo 2008
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RESUMO
AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrpolis (Uma Histria Territorial). 2008. 376 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2008.
Debruado sobre o presente espacial da cidade de Petrpolis, localizada ao norte da metrpole do Rio de Janeiro, entre as coordenadas de 43 00 4315W e 22 15 22 30S, este trabalho tambm investiga o passado espacial petropolitano. Desse complexo de formas do presente e do passado decorre a realidade scio-espacial de Petrpolis. Esta tese se constitui como uma histria territorial, pois, sombra dessas formas, melhor dizendo, desse mtodo, o espao no pode ser compreendido sem uma investigao de sua origem e desenvolvimento, e nem o territrio deve ser avistado despregado do histrico relacionamento entre a sociedade e esse mesmo espao. A urbanizao de Petrpolis ocorre hoje nucleada pelo turismo; fez-se necessrio, ento, uma investigao sobre a urbanizao passada determinada pela vilegiatura, sem esquecer a atividade industrial. A vilegiatura, aqui, foi conceituada como gnero diverso do turismo. Por conseguinte, Petrpolis foi planeada e construda como capital suburbana do Segundo Imprio, sendo, adiante, absorvida pela Repblica. Petrpolis foi demarcada como certa espcie de campo de poder um espao urbano constitudo como territrio, i., espao determinado por relaes de poder historicamente delimitadas: um espao conquistado, distinguido e nomeado por grupamento da elite brasileira que buscou estremar a forma da regncia do espao urbano de Petrpolis. A histria desse territrio parece demonstrar uma linha continuada de territorialidade focalizada em determinaes exteriores. Se a vilegiatura e a indstria deram no passado o vis forneo da ordem urbana de Petrpolis, hoje, com o turismo, o fator exterior continua atravs de uma reconquista territorial levada a cabo por uma coalizo local gerenciada pelo poder pblico.
Palavras-chaves: Indstria. Petrpolis. Territrio. Turismo. Urbanizao. Vilegiatura.
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ABSTRACT
AMBROZIO, J. C. G. The Present and the Past in the Urban Process of
Petrpolis City (A Territorial History). 2008. 376 f. Thesis (Doctoral) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo,
2008.
Bent forward the spacial present of Petrpolis city, localized at the north of Rio de Janeiro metropolis, between the co-ordination of 43 00 4315W e 22 15 22 30S, this work also investigates the spatial past of Petrpolis people. From this compound with present and the past shapes, occur the social and spatial reality of Petrpolis. This proposition constitutes as a territorial history as by this way the space cannot be understood without an investigation of its origin and development, and neither the territory must be seen without a link of the historical relationship between the society and this same space. The urbanization of Petrpolis nowadays is based in the tourism; so it has been necessary an investigation about the past urbanization determinated by the summer resort without forgiven the industrial activity. Here the summer resort has been judjed as a class different from tourism. By the way, Petrpolis was planned and built as a suburban capital of the Second Monarchy, and before it was absorbed by the Republic. Petrpolis was demarcated as kind of power field an urban space built as a territory, a space determinated by power relations delimitated by history: a conquested space, distinguished and denominated by the brazilian elite group that tried to demarcarcate the way of the urban space regency of Petrpolis. The history of this territory seems demonstrate a continual line of territoriality focalized exterior determinations. If the summer resorts and the industry have given in the past the outside look of the urban order of Petrpolis, today, with tourism, the exterior fact remains through the reconquer of land done by the local coalition managed by the public power.
Key words: Industry. Petrpolis. Territory. Tourism. Urbanization. Summer Resort.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................9
PARTE I A URBANIZAO PELO TURISMO NO PERODO ADENSADO E NO INDUSTRIAL DE PETRPOLIS
CAPTULO 1 Turismo no Perodo Morto da Indstria....................30
1.1 O Pr-Centro e a Produo do Centro Histrico...................34
1.2 O Distrito Turstico de Itaipava..........................62
CAPTULO 2 Mancha Urbana e Marcha Demogrfica..............................74
CAPTULO 3 Paisagem Industrial Desfibrada..........................101
3.1 Os Fatores Comuns aos Velhos Centros Industriais.....................108
3.2 A Extenso da Desindustrializao...........................112
PARTE II O PASSADO DO TURISMO: A URBANIZAO PELA VILEGIATURA
CAPTULO 1 O Territrio Colonial como Herana Primitiva.........................125
1.1 A Montanha dos rgos......................125
1.2 Da Sesmaria Fazenda Imperial...........................134
1.3 Notcias Caminheiras.......................148
CAPTULO 2 A Viagem do cio e o Percurso das Frias..............................157
CAPTULO 3 A Determinao da Propriedade.............................171
3.1 O Imprio Legal do Espao.............................174
CAPTULO 4 O Territrio Monts de Descanso do Imprio.........................188
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4.1 Rio de Janeiro: Capital Popular e Mals ....................................................193
4.2 A Vila de Recreio na Obra Central do Segundo Imprio.............................204
4.3 Petrpolis: Estao de Cura Serrana...........................................................213
4.3.1 A Fazenda Imperial e a Cmara do Municpio..........................................214
4.3.2 A Configurao Urbana............................................................................234
4.3.3 A Colnia Industrial....................................................................................252
PARTE III O PROCESSO URBANO
CAPTULO NICO O Presente e o Passado..................................................290
A A Cota Enfitutica e o Quinho da Vilegiatura................................................291
B Mido Complemento: Guardados Psquicos e Sociais....................................298
C O Lugar dos Bairros........................................................................................301
CONCLUSO..........................................................................................................330
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................................................333
ANEXOS..................................................................................................................352
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INTRODUO
Antes de tudo, desejaria fazer meno relao filial desta tese com uma monografia de Philippe Arbos.1 Eu tinha lido este Arbos l pela segunda metade da
dcada de 1970; tinha avistado a lhaneza de sua prosa ao lado do seu agrado em
dar a cada idia uma expresso de beleza. Porm, o curso das coisas e da vida
seguiu e, depois dessa leitura, jamais retomei esse texto. Anos depois, debruado no projeto de pesquisa desta tese, tendo j escrito algumas pginas e buscando complementar a bibliografia, foi com certo espanto que recuperei este Philippe
Arbos: estava tudo ali a exposio totalizante do objeto, alis, provavelmente
propiciada pela metodologia de estudos urbanos da geografia tradicional de corte
francs,2 e a clara descrio de Petrpolis como cidade de residncia estival e centro
industrial. quilo que imaginara absolutamente original em meu trabalho, descobri ser, sob metodologia e conceitos diversos, uma atualizao, qui outra ou nova
1 ARBOS, P. Petrpolis, esboo de Geografia urbana, Comisso do Centenrio de Petrpolis, PMP, Vol. VI, Petrpolis, 1943, P. 173-225. Esse professor no obteve a notoriedade abundantemente justificada que Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines alcanaram na histria da geografia no Brasil; lecionando em 1937 na Escola de Economia e Direito da Universidade do Distrito Federal, contudo, em relao aos estudos geogrficos sobre Petrpolis, Philipe Arbos teria importncia notvel, pois foi o primeiro a investigar essa cidade sob o vis metodolgico explicitado por Pierre Monbeig que motivou o pensamento geogrfico brasileiro por mais de 25 cinco anos. Refiro-me ao O estudo Geogrfico das Cidades, de Pierre Monbeig, originalmente publicado na Revista do Arquivo Municipal de So Paulo, em 1941. 2 As pesquisas da situao urbana, do local urbano, da evoluo urbana, das funes
urbanas, permitiriam certa espcie de aproximao ampliada ou total do urbano. No seria difcil, ademais, enxergar no trabalho de Philippe Arbos o seu conceito de totalidade. Arbos inclusive nomeou a ltima subseo de seu trabalho de Organismo Urbano. Para ele, a cidade (de Petrpolis) se aproximaria do orgnico; cidade (de Petrpolis), por exemplo, que teria um traado cujas partes eram ao mesmo tempo meio e objeto final. Em Arbos, a totalidade no o poder do todo sobre as partes, mas orgnico equilbrio das partes de uma cidade constitudas pela situao urbana, local, evoluo e funes urbanas.
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leitura da pesquisa urbana e petropolitana de Arbos. Seria interessante, sob esse
ngulo, ler esta passagem:
Assim, certas vantagens que fazem Petrpolis uma colnia de veraneio do Rio,
fazem-na igualmente, uma colnia industrial. Como cidade de veraneio no teria
passado de propores modestas e continuaria limitada a atividade
essencialmente peridica que tornava outrora o inverno um perodo de pavor
para o comrcio. Como cidade industrial, ela fixou uma populao permanente
e fortemente acrescida que a mantm durante o ano todo em movimento e em
atividade.3
Esta tese comearia a partir do ponto onde Arbos parou, portanto,
podendo ser enxergada como uma investigao e exposio acerca da cidade
de Petrpolis contempornea que experimenta o fim urbano de seus dois esteios:
nos termos de Arbos, a Colnia de veraneio e a colnia industrial.4
Para tanto, foi essencial a dialtica do mtodo regressivo-progressivo,
pois comparvel neste ponto chave metodolgica de Philippe Arbos esse
mtodo dialtico permitiu que no escapasse desta tese a preocupao com a
totalidade do espao urbano revelada atravs de uma orientao espacial e
histrica, de cariz territorial, que deu sentido ao processo urbano de Petrpolis.5
3 ARBOS, P. Petrpolis, Esboo de geografia Urbana (P. 217), Trabalhos de Comisso,
vol. VI, PMP, 1943, p. 173-225. 4 Sob esse aspecto, ademais, poder-se-ia dizer que esta tese pedestre exemplar da
cincia geogrfica compreendida como permanente atualizao do mundo, visto que procura dar uma resposta ausncia de estudos acerca das modificaes do espao urbano experimentadas hoje por Petrpolis. 5 Diferentemente de Philippe Arbos, esta tese compreende a totalidade como o poder
superior ou hegemnico do todo sobre as partes. Desse modo, a totalidade o urbano enquadrado como um campo de poder territorial que ordena s suas partes: o turismo, a vilegiatura e mesmo a atividade industrial, concretamente enquadrados nos vrios captulos, sees e subsees. Exatamente a atividade industrial porque gostaria de acrescentar
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Foi tambm necessrio buscar a origem da segunda residncia de descanso, por
conseguinte, estabelecendo ou procurando se aproximar de um conceito de
vilegiatura, originalmente, vinculado formao das vilas de recreio da aristocracia e
constituio de subrbios,6 conseqentemente, separando a prtica da vilegiatura
da prtica turstica. Igualmente, foi importante se aproximar do conceito de territrio
para empreender um novo percurso espacial que desse outra compreenso para os
termos de Arbos mencionados acima.7 Trs exigncias exatamente prximas
pretenso deste trabalho em buscar um outro ou novo enquadramento para a
pesquisa urbana sobre Petrpolis. Enquadramento que teria um importante
corolrio, pois procurei deixar evidente certa espcie de vu que por exemplo
torna ininteligvel o rosto psquico e social do petropolitano.8 A tecedura desse
obscurecimento figura no tempo e se encontra na quase totalidade de textos
debruados sobre Petrpolis. A despeito de seus pertinentes saberes, a pesquisa
geogrfica acerca de Petrpolis no fica apartada dessa tecelagem, sendo mesmo
possvel no balano bibliogrfico que segue imediatamente divisar a urdidura:
De imediato, seria interessante mencionar o livro de Paulo Monte9 127
pginas arranjadas em bonita edio composta de sete captulos: Municpio,
a despeito de ter chegado pela porta dos fundos no plano de Estado para Petrpolis, penetrado como parte no interior dessa determinao do poder territorial, essa atividade propiciou a transformao de quarteires em bairros. Sobre este ltimo ponto, ver: Parte II, Captulo 4, subseo 4.3.3 e Parte III, Captulo nico, seo C. A vilegiatura, ao contrrio da atividade industrial, guardou cariz urbano mais cerrado no interior das determinaes oriundas dessa totalidade enquadrada como poder territorial. A criao de Petrpolis vinculada obra central do Segundo Imprio, por exemplo, encontrou na vilegiatura melhor expresso urbana do que na atividade industrial. O turismo, contraparente da vilegiatura, parece ter igualmente este carter cerrado o encarceramento virio apontado adiante na Parte I, Captulo 1, seo 1.1, seria uma expresso eloqente desse cariz. 6 Sobre este ponto, ver: Parte II, Captulo 2 A Viagem do cio e o Percurso das Frias.
7Por exemplo: em sua monografia, Philippe Arbos enxergou a funo estao de veraneio separadamente da funo centro industrial. 8 Sobre este passo, ver: Parte III, Captulo nico, segmento B Mido Complemento:
Guardados Psquicos e Sociais.
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Histria, Lendas, Geografia Fsica, Geografia Poltica, Geografia Econmica,
Costumes, alm de dois subttulos que descrevem a fauna e a flora. A despeito de
Paulo Monte estar em campo oposto ao de Carlos M. Delgado de Carvalho,
Chorographia..., sendo livro laudatrio e descritivo, leitura saborosa e cheia de
informaes para eventual leitor deste sculo interessado em Petrpolis.10
Afastada desse livro de Paulo Monte, a posterior monografia urbana de
Philippe Arbos , tambm, um dos primeiros estudos de geografia tradicional de
corte francs no Brasil. Petrpolis, Esboo de Geografia Urbana,11 configura-se
9 MONTE, P. Chorographia do Municpio de Petrpolis, Typographia Ypiranga, Petrpolis,
1925. 10
Infelizmente, Paulo Monte parece ter publicado seu livro desconhecendo o de Carlos M. Delgado de Carvalho, que j antes da fundao da USP e da vinda de Pierre Monbeig e de Pierre Deffontaines, guerreava contra o ensino enciclopdico e de relao. Delgado de Carvalho publicara Methodologia do Ensino Geogrphico introduo aos estudos de geographia moderna no mesmo ano e cidade em que Paulo Monte editara: Petrpolis, 1925. Delgado de Carvalho pela Typographia Vozes. Sobre Delgado de Carvalho, ver ABREU, M.A. O Estudo Geogrfico da Cidade no Brasil: evoluo e avaliao, contribuio histria do pensamento geogrfico brasileiro. (p. 204-205). In: CARLOS, F. A. (org.). Os Caminhos sobre a Cidade e o Urbano, Edusp, SP, 1994, pp.199-322. 11
ARBOS, P. Petrpolis, Esboo de Geografia Urbana, Trabalhos de Comisso, vol. VI, PMP, 1943, p. 173-225. Maurcio Abreu, alis, em seu O Estudo Geogrfico da Cidade no Brasil (vide nota anterior) no d notcia da primeira edio em portugus, 1943, do esboo urbano e petropolitano de Arbos. Est indicada na bibliografia (p. 284) do trabalho de Abreu, afora a editada pela Revue de Gegraphie Alpine, 1938, apenas duas publicaes, ambas de 1946, da monografia do professor Philipe Arbos. As duas no Boletim Geogrfico: 4(37): 18-25 e 4 (38):133-146, ambos boletins de 1946. A traduo do Esboo... para a edio petropolitana de 1943 foi feita dessa Revue de Geographie Alpine, Universidade de Grenoble, pelo prof. Dr. Odilon Nogueira Matos, da USP. As duas publicaes do Esboo... no Boletim Geogrfico tem origem nesta traduo. Seria interessante, ademais, reproduzir o que escreveu Alcindo Sodr na apresentao dessa monografia de Arbos para a primeira edio petropolitana e brasileira. Informa Sodr que estava sentado na Biblioteca Municipal de Petrpolis, quando adentrou certo indivduo, [...] baixo, grosso de corpo, o crnio calvo, olhos claros e penetrantes, barbas cheias, longas e brancas, como acontece ver-se na reproduo das respeitveis personagens dos episdios bblicos, procurando por Nereu Rangel Pestana, diretor de Educao e Cultura do Municpio, para algumas indagaes. Alcindo Sodr, datando o vero de 1937 como o perodo da visita de Arbos, escreveu ainda que Arbos anotava com preciso e [...] profundidade prpria de quem possue um plano prvio e seguramente estabelecido. Sodr acrescentou ainda que ...munido de alguns dados e esclarecimentos por ns fornecidos s suas largas pesquisas bibliogrficas j realizadas, Arbos conseguiu escrever este seu aprecivel Esboo... O que parece confirmar o domnio do mtodo por Philippe Arbos antes da publicao, em 1941, do texto de Pierre Monbeig, O estudo Geogrfico das Cidades. A monografia de Arbos sobre Petrpolis, alis, no apenas est citada na
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como perfeito exemplar da seqncia metodolgica encontrada em Pierre
Monbeig,12 pois a aplicara integralmente em Petrpolis: a preocupao com a
situao urbana, o local urbano, com a evoluo histrica e as funes urbanas,
claramente, vive nesse Esboo.... Philippe Arbos gostou de Petrpolis. Organismo
Vivo o nome da ltima subseo desse trabalho, concluso que, apreendendo as
partes da cidade, enxergava orgnico equilbrio entre todas elas. Configurando-se a
indstria como a grande responsvel pelo crescimento populacional, escrevia Arbos,
ela porm no manchava a natureza e com esta formava s vezes
pitorescas cenografias.13 possvel que, em 1937 ano da pesquisa de Arbos ,
no tenha sido difcil para esse professor grafar em texto o amor pelo seu objeto de estudo. quela altura, Petrpolis poderia bem ser uma bela cidade. A monografia do gegrafo Arbos, todavia, no deixou de ser espcie de um gnero que subsumiu
em suas pginas o olhar da elite brasileira para a cidade.
De Virglio Corra Filho,14 apesar de tratar de trs cidades serranas
fluminenses, possvel ler outro estudo intra-urbano. No trabalho sobre as
eventuais redes ou hierarquias urbanas entre Petrpolis, Terespolis e Friburgo
nem ao menos um subttulo existe acerca do tema. As trs cidades a esto unidas
devido posio de proximidade que ocupam em uma seo da serra do Mar,
nordeste da baa da Guanabara. Esse arranjo exterior impediu que esse engenheiro sopesasse a atrao que a calha do rio Piabanha15 exerce sobre Petrpolis, desse
bibliografia do importantssimo artigo sobre metodologia de Monbeig, mas est comentada no prprio corpo desse texto. 12
MONBEIG, P. O estudo Geogrfico das Cidades, Boletim Geogrfico, ano 1 (7), outubro de 1943, p. 7-29. Esse estudo j fora publicado, em 1941, pela Revista do Arquivo Municipal de So Paulo. 13
Cf. ARBOS, P., op. cit., p. 223 14CORRA FILHO, V. Cidades Serranas, Terespolis, Nova Friburgo, Petrpolis, Revista Brasileira de Geografia, n1, ano IX, janeiro-maro, 1947, pp.4-56. 15O rio Piabanha, escoadouro dos rios e riachos petropolitanos, nasce oeste do municpio e atravessa a cidade em busca do norte, desaguando no Paraba do Sul, prximo
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modo, vinculando Corra Filho a cidade petropolitana mais a este lado friburguense
e teresopolitano da serrania fluminense do que s Minas Gerais. Cidades Serranas
recebe influncia do mtodo proposto por Pierre Monbeig, porm, no carrega a
beleza do texto de Arbos.
Sete anos aps a primeira edio petropolitana e brasileira do monts
delineamento de Philippe Arbos, em 1950, Alberto Ribeiro Lamego, no interior de
seu livro O Homem e a Serra,16 enxergou Petrpolis em um subttulo O Halo da
Coroa.17 Parecendo ver a serrania fluminense a partir da Guanabara e da Baixada,
a sua ocupao compreendida como conseqncia de um esforo de civilizao
serra-acima. Lamego leu essa fixao como a maior sntese civilizadora, no
Imprio, [..] das enrgicas atividades do povo brasileiro.18 Os personagens mais
vigorosos da baixada caminharam escarpa acima; insatisfeitos paulistas e mineiros
desceram dos planaltos.19 O caf foi o elemento de atrao fulcral no
desbastamento florestal e no aparecimento de uma nobreza da terra senhores de
grandes domnios na serrania fluminense do sculo XIX. possvel concordar com Lamego: de Resende a Itaperuna ou Bom Jesus, o itinerrio do caf, advindo da
antiga Guanabara, fundo marcaria o Estado do Rio de Janeiro e o prprio Imprio.
No difcil tambm enxergar o nascimento de Petrpolis como desdobramento
dessa expanso guanabarina e da Baixada Fluminense, a despeito de seu stio no
ter permitido a grande lavoura, pois, por exemplo, as escarpas ngremes e a
da cidade de Trs Rios, cujo nome, alis, advm da sua localizao: stio de unio do Piabanha, Paraba do Sul e Paraibuna, este com suas nascentes nas Minas Gerais. O Rio Piabanha foi a linha fsica que inspirou, paralelo a ela, parte do trao da antiga e macadamizada estrada Unio e Indstria Petrpolis-Juiz de Fora inaugurada em junho de 1861. 16
LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra, IBGE, Setores da Evoluo Fluminense, IV, RJ, 1950. 17
Id. Ibid., p. 143-158. 18
Id. Ibid., p.63. 19
Id. Ibid.
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estreiteza dos vales anulariam o plantio em grande escala. Petrpolis, no sculo
XIX, jamais gerou senhores de grandes domnios rurais, tal como o caf fizera nascer em outras reas fluminenses; foi como determinao de Estado que
Petrpolis nasceu; Estado cujo centro de governo estava na cidade do Rio de Janeiro.
Para Alberto Ribeiro Lamego em seu O halo da Coroa , Petrpolis
somente interessara naquilo que os guanabarinos fizeram da cidade. Todavia, o
que Lamego no alcanou, foi a tenso scio-espacial entre os trabalhadores ou
moradores da cidade e um tipo de nobreza citadina advinda de projeto imperial que fez nascer uma cidade ligada vilegiatura,20 atraindo esses mesmos guanabarinos,
neste passo confundidos com a prpria elite do pas que, dir-se-ia, instalara-se em
Petrpolis como senhores de domnios residenciais urbanos.21
A Funo Industrial de Petrpolis22 outro texto sobre a cidade
petropolitana. relevante trabalho sobre um aspecto da cidade a indstria. Cezar de Magalhes, debruado sobre as linhas da paisagem, constri a sua
pesquisa valorizando o lugar e os fatores locais, tais como os transportes, recursos
hidrulicos, clima, mo-de-obra, etc,23 descrevendo o clima mido como elemento
de influncia de localizao, pois deixando os fios da indstria txtil de algodo
menos quebradios. Cezar de Magalhes percebeu o papel da atividade industrial
na formao do espao urbano petropolitano.24 Importante e informativo, A funo
20 Cf. AMBROZIO, J. Geografia Petropolitana, ed. Ponte da Cadeia, 2 ed, So Joo Del
Rei, 2005. 21
Diga-se antecipadamente, contudo, que a histria primitiva da serrania petropolitana foi empreendida por homens da baixada fluminense. 22
CEZAR DE MAGALHES, J. A Funo Industrial de Petrpolis, Revista Brasileira de Geografia, IBGE, ano XXVIII, janeiro-maro, 1966, n 1, pp. 20-55. 23Cf. ESTALL, R. C. e OGILVIE BUCHANAN, R. A Atividade Industrial e Geografia Econmica, Zahar, editores/MEC, 2 ed., RJ, 1976. 24
Cf. CEZAR DE MAGALHES, J., segmento: A Localizao das Indstrias e a Evoluo do Espao, op. cit., pp. 29-33.
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14
Industrial de Petrpolis captulo industrial da Geografia tradicional realizada no
Brasil.
Outro trabalho mencionado aqui, Movimentos de Massa na Cidade de
Petrpolis (Rio de Janeiro),25 valendo como subsdios ao planejamento estatal urbano, embora trazendo pertinente contribuio ao saber ambiental dessa cidade,
no permite melhor compreender o significado do impacto urbano que afeta o
ambiente serrano e petropolitano, pois frgil a articulao entre esses
movimentos de massa e sua apreenso scio-espacial.
Guardados na estante geogrfica da literatura petropolitana, poder-se-ia
ainda citar o Carter Geogrfico da Cidade Industrial,26 a Monografia do
Municpio de Petrpolis,27 os Aspectos da Geografia Industrial de Petrpolis28 e
Geografia Petropolitana29. O segundo um dos ttulos da srie de monografias
urbanas realizadas pelo CNE/IBGE. O primeiro e o terceiro, unidos em seus
esforos de conhecimento econmico da cidade, so artigos intra-urbanos da
geografia clssica. Se bem que meritrios por seus esforos no conhecimento da
cidade de seus autores, de fato, circunscritos bibliografia reveladora, esses artigos
no arranham o movimento mais geral e influente da dinmica industrial e
urbana brasileira, presos a uma preocupao localista e descritiva que os isolam de
25GONALVES, L.F.H e GUERRA, A.J.T. Movimentos de massa na Cidade de Petrpolis, Impactos Ambientais Urbanos no Brasil, org. Guerra, A.J.T. e Cunha, S.B., Bertrand Brasil, RJ, 2001. Ver tambm: Gonalves, L.F.H. Avaliao e diagnstico da distribuio espacial e temporal dos movimentos de massa com a expanso da rea urbana em Petrpolis-RJ. Dissertao de Mestrado, Departamento de Geografia, UFRJ, 1998. 26Santos, J. E. D. dos. Carter Geogrfico da Cidade Industrial, Boletim Geogrfico, IBGE, ano XXV, n 194, setembro/outubro, RJ, 1966. 27
Monografia do Municpio de Petrpolis, Coleo de Monografias, CNE/IBGE, 1950 e 1969. 28
CARVALHO. P.R.P. de. Aspectos da Geografia Industrial de Petrpolis - Petrpolis e seu destino industrial. O Retorno da Princesa, org. Joaquim Eloy Duarte dos Santos e Paulo Gernimo Gomes dos Santos, P.M.P./ Cmara Municipal, Petrpolis, 12-13/05/1971. 29AMBROZIO, J. Geografia Petropolitana, ed. Ponte da Cadeia, segunda edio, So Joo Del Rei, 2005.
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determinaes mais gerais e comuns. Embora Aspectos da Geografia Industrial de
Petrpolis, de Pantolla de Carvalho, permanea como importante descrio ou
ltimo retrato instantneo do perodo de ouro da indstria de Petrpolis.30 O quarto
trabalho permaneceria como uma pequena geografia, que procuraria afirmar o valor
do plano de composio como realizador de conhecimento. Raiano de vrios
saberes, afastando-se muitas vezes de seu prprio ttulo, esse pequeno livro
percorreria a paisagem, o lugar e o territrio serrano-petropolitano com
procedimentos vizinhos aos da literatura e da arte.31
Delineado o que talvez pudesse ser considerado como o estgio atual da
biblioteca de Geografia Humana sobre Petrpolis, trata-se neste passo de finalizar a
argumentao sobre a referida face psquica e social ininteligvel do petropolitano.
Ao chamar a ateno para o poder territorial que determinou a constituio e a
configurao urbana de Petrpolis, este trabalho exerceria uma crtica aos textos
que enxergaram e continuam avistando a cidade de Petrpolis com os olhos
dos senhores de domnios urbanos. Enorme problema, pois [...] a funo normal
da idia, quando resulta de um processo endgeno de formao, a de mediadora
transparente do real.32 Se bem que os trabalhos mencionados dem contribuies,
algumas notveis, ao conhecimento geogrfico de Petrpolis, esto privados33 da
liberdade de um olhar que enxergasse as tenses scio-espaciais advindas de uma
territorialidade historicamente determinada pelos senhores de domnios fundirios
30Descrio da indstria de Petrpolis na passagem dos anos de 1960 para os de 1970, o artigo de Pedro Rubens, publicado no incio da dcada de 1970, aqui compreendido naquilo que preservaria de retrato de poca de um centro industrial originado em 1873, valendo como medida assustadora da desindustrializao petropolitana que os anos posteriores revelaram. 31
AMBROZIO, op. cit., p.11. 32
CORBISIER, R. Formao e Problema da Cultura Brasileira, ISEB, RJ, 1959, p. 79. 33
Eventualmente, apenas com uma exceo.
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urbanos. Problema que alimentaria a baixa auto-estima do petropolitano:34 face
complementar de uma territorialidade unida enfiteuse e construo da estao
petropolitana de vilegiatura oriundas do Imprio e mantidas pela Repblica. Mais
uma vez Roland Corbisier quem escreve:
O Senhor se v a si prprio atravs do escravo, refletido na sua humilhao,
no seu temor, na sua docilidade. O escravo, porm, no se encontra, porque o
espao da sua conscincia e da sua existncia est ocupado pelas
objetivaes (produtos manufaturados e idias) do esprito do senhor.35
Interessante notar que no seria uma urdidura somente vinculada ao
carter livresco e palavroso de muitos textos sados da caneta de intelectuais e
pesquisadores diretamente petropolitanos; autores como Arbos e Lamego, por
exemplo, no compreenderam ou no puderam enxergar o ethos territorial da
cidade de Petrpolis,36 a despeito de suas investigaes serem viscerais para a
matria geogrfica acerca de Petrpolis. Desse modo, Arbos estudou Petrpolis
atravs do olhar da elite que a forjou;37 Lamego, como j foi dito, fez o encmio
34 Especialmente, a auto-estima do petropolitano do primeiro distrito.
35 CORBISIER, R. Formao e Problema da Cultura Brasileira, ISEB, RJ, 1959, p. 78.
36 Essa dificuldade do olhar recebe alguma explicao na bibliografia e no uso que fizeram
dessa mesma bibliografia. 37
Sob esse aspecto, alis, a forma como o referido Alcindo Sodr fez a descrio fsica de Philippe Arbos, reproduzida na nota de nmero 11, talvez tenha sido propiciada por esse exato ponto. Alcindo Sodr, escritor e primeiro diretor do Museu Imperial, a despeito de seus textos contriburem para o conhecimento da cidade, alimentou o referido obscurecimento da face psquica e social do petropolitano. O aulicismo de sua escrita estaria refletido nessa descrio fsica de Arbos, pois transformou este em uma espcie de simulacro divino, independentemente, claro, da relevncia do artigo de Arbos. O caso que, como foi mencionado, ao subsumir o enquadramento da elite brasileira em relao Petrpolis, Arbos deu margem a Sodr para qualificar o esboo atravs da descrio fsica do autor e no propriamente pelo texto. Ou seja: Sodr fez o elogio do artigo atravs da figurao divina do autor Arbos, desse modo, legitimando o reflexo no texto do vis territorial da elite brasileira em relao Petrpolis. Descrevendo Philippe Arbos como uma espcie de divino sbio, Alcindo Sodr parece confirmar esta perspectiva, ao mesmo
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sobre aquilo que os guanabarinos fizeram da cidade; Hansen Gonalves articulou
precariamente, com trabalho ligado geografia Fsica, os movimentos de massa
com a sua apreenso scio-espacial.38 O fato que, sem esquecer Cezar de
Magalhes, esses importantes trabalhos sobre Petrpolis enxergaram, no espao
urbano, a industrializao e a cidade de veraneio separadas uma da outra. Embora
Philippe Arbos tenha apontado com todas as letras esses dois fatores e Cezar de
Magalhes objetivasse apenas a funo industrial de Petrpolis. Ao acentuar a unidade desses fatores atravs do aspecto territorial, esta tese revelaria uma leitura
possvel desses textos sobre Petrpolis: instrumentos ideolgicos de senhores
territoriais urbanos senhores de domnios fundirios, residenciais e industriais.
de se notar ademais que os anos de formao dessa coleo de textos de Geografia Humana sobre Petrpolis, possivelmente, impediram a matria
geogrfica alcanar, com os anos de 1970 e depois, o esgotamento da importante
determinao da vilegiatura,39 a desorganizao citadina para a produo e o
embarao urbano ante a inflexo da marcha demogrfica de Petrpolis, por esse
vis, desejando ser esta tese, com mtodo diverso, a seqncia temporal e, qui, necessria dessa biblioteca geogrfica comentada anteriormente.
Debruado, ento, sobre o presente espacial de Petrpolis, devo dizer
que este trabalho partiu tambm para a investigao do passado espacial de
tempo em que tira uma casquinha do texto de Arbos, ao acrescentar, na mesma descrio, que teria fornecido informaes para o gegrafo produzir o seu pertinente e importante esboo sobre Petrpolis. 38
Diga-se a propsito que na imensa e quase inteira maioria do conjunto de textos acerca de Petrpolis, para alm do estudo geogrfico, a rua, os bairros, o movimento ou mesmo a vida operria no foi estudada ou sequer conhecida. Duas notveis excees, salvo engano, ficariam por conta dos livros: Memrias da Rua Paulino Afonso, de Edmundo Jorge, e Histrias e Lendas das Ruas de Petrpolis os dois mencionados no interior deste trabalho , existindo tambm alguns poucos artigos de jornais acerca da histria do Movimento Operrio levado a cabo por Oazinguito Ferreira. De resto, no seria arriscado escrever que as pesquisas estariam fixadas exatamente nos espaos de circulao da elite imperial e republicana que constituiu nessa serrania o seu espao de cura.
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Petrpolis, uma vez que a realidade scio-espacial, sendo complexidade horizontal
e vertical, no pode prescindir da importante contribuio da histria. Poder-se-ia
escrever, melhor dizendo, que a despeito de perquirir o presente ou beneficiando-
se de um presente que se forma como realidade scio-espacial, um dos desejos
desta tese ponto assaz importante foi pesquisar a formao territorial de
Petrpolis.
A urbanizao de Petrpolis,40 RJ, ocorre hoje nucleada pelo turismo, todavia, segundo o meu ponto de vista, fez-se necessrio um estudo sobre a
urbanizao passada determinada pela vilegiatura, sem esquecer a atividade
industrial, buscando, ademais, compreender a passagem dessa mesma vilegiatura
para o turismo. A vilegiatura, aqui, foi conceituada como gnero diverso do turismo.
Vilegiatura como velho contraparente do turismo. Uma designao renascentista
para a estada ou permanncia no campo, vida de campo ou morada no campo
durante a estao calmosa, gerando vilas aristocrticas, diferentemente do turismo,
variante do vocbulo tour, que, de fato, apenas surgiu quando os trabalhadores dos
paises altamente industrializados foram incorporados, como scios menores, aos
benefcios do aumento da produtividade do trabalho, dentre esses proveitos, a
reduo da jornada de trabalho gerando maior tempo livre remunerado as frias.
O vocbulo turismo nasceu no sculo XIX na Inglaterra. No existiria tal prtica de
deslocamento antes desse sculo e mesmo a fora apenas organizado para a
burguesia. At ento, deslocamento de cura ou descanso fora prtica usual da
39 Provavelmente, com apenas um desvio de regra.
40O municpio de Petrpolis localiza-se ao norte da cidade do Rio de Janeiro, entre as coordenadas de 4304 4314W e 22 33 2235 S. Sua rea de 811 quilmetros quadrados. A sua altitude mdia de 845 metros. O nmero de pessoas residentes de 286.537 habitantes 138.114 homens e 148.423 mulheres. 94,46% residentes em rea urbana. (IBGE, 2000). Embora a populao total estimada, em 2004, alcance 302.477 habitantes.
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aristocracia, com ritmo e lugares distantes vinculados vilegiatura e, no tempo,
apartados do turismo. Recuperar esse territrio do passado a vilegiatura e
detectar a sua presena, atravs de Petrpolis, na formao de subrbios foi uma
das necessidades deste trabalho.
O caso que Petrpolis nasceu de um projeto do Estado Imperial, anexo ao fundamental processo centralizador do Segundo Imprio,41 que encontrou no
plano de construo de uma cidade serrana o sucedneo urbano da Europa nos
trpicos, realizando, ento, a desejada europeizao,42 seno do povo, da elite, auferindo, ademais, renda para as precrias finanas da Casa imperial brasileira ao
aforar as terras de sua fazenda.
Sob esse aspecto, Petrpolis foi planeada e construda como territrio de
subrbio elegante, uma capital suburbana43 do Segundo Imprio e da Repblica
localizada em serrania menos circunvizinha e com distncia mais alargada da
41 Sobre este ponto, ver: Parte II, Captulo 4, seo 4.2 A Vila de Recreio na Obra
Central do Segundo Imprio. 42Esta europeizao, alis, encontrava grande dificuldade na cidade do Rio de Janeiro. Nireu Cavalcanti, por exemplo, anota que a Misso Francesa, em 1816, encontrou ... cidade moldada e construda 252 anos por reinis, brasileiros, cariocas, brancos, pretos, pardos, cabras, ndios e caboclos. (p.100). CAVALCANTI, N. O Rio de Janeiro Setecentista, a vida e a construo da cidade da invaso francesa at a chegada da corte, Jorge Zahar editor, RJ, 2004. Sobre o significado da europeizao, ver: Parte II, Captulo 4, especialmente, segmento 4.1 Rio de Janeiro: Capital Popular e Mals. 43
Nelson Nbrega chama a ateno para a designao de Lewis Mumford para as cidades reais nascidas em reas suburbanas: as capitais suburbanas, demonstrando [...] a polissemia do subrbio [...] (Nbrega, p.18), que, ento, historicamente no esteve apenas vinculada rea ao largo dos muros das cidades da alta Idade Mdia, quando, diferentemente da cidade antiga e da cidade renascentista, o subrbio teria sido o arrabalde fora das muralhas presa fcil de ataques armados. rea que no era [...] aldeia, no era cidade, nem lugarejo, seus habitantes viviam sob o escrnio de burgueses complacentes atrs de suas muralhas. (Stilgoe, J. R. Borderland: origins of the american suburb, Yale University Press, 1988. In: FERNANDES, N. da N. O Rapto Ideolgico da Categoria Subrbio: Rio de Janeiro (1858-1945), PPGG, IGEO, UFRJ, 1996, p. 17. De fato, Nbrega acentua as cidades suburbanas, sendo possvel confirmar a sua citao de Mumford: [...] a partir do sculo XV, deu-se maior nfase amplido horizontal: o poder se propagou. No tendo espao na cidade, escapava para os subrbios, como fez Luiz XIV, que, lembrando como tinha sido forado a abandonar Paris por causa de um levante popular em sua juventude, resolveu refugiar-se em Versalhes: uma capital suburbana.
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cidade do Rio de Janeiro zona montesa transformada pela vilegiatura em capital
suburbana e que manteve, a despeito de alcanar independncia administrativa
poucos anos aps a sua fundao, dependncia dos fluxos e das funes ligadas
ao Rio de Janeiro.
Espao urbano de cenografias verdejantes e europias, a vilegiatura petropolitana era destinada s classes abastadas, guardando parentesco com as
antiqssimas circunvizinhanas, para as quais chama a ateno Mumford ao
observar, to antigo quanto s cidades, o subrbio44 como paisagem sazonal da
nobreza e local dos trabalhos agrcolas. Embora este no tenha medrado em terras
petropolitanas, pois Petrpolis nasceu urbana: o palcio, a igreja, hotis, comrcio, as residncias, tudo ao mesmo tempo.
Exatamente, o singular na criao desse espao urbano, que no
mesmo instante em que nasce Petrpolis herdeira de imemorial tradio que a
vincula aos suburbanos territrios de convivncia das classes abastadas, tais como
as reas extramuros da Grande Ur,45 regio Sabina, ou mesmo as cidades
residncias ou capitais suburbanas da alta nobreza, nascidas entre os sculos
XVI e XIX, como Versalhes, Kalsruhe, Potsdam,46 pela porta dos fundos no
interior de territorialidade que ecoava a antiga vilegiatura assentada na propriedade,
residncia, fortuna, qui no prestgio e na autoridade , em 1873, surgia a primeira
fbrica de fiao e tecelagem de algodo47, distante cerca de quinhentos metros do
Mumford, L. O Subrbio - E depois, in: A Cidade na Histria -, suas origens, transformaes e perspectivas, Martins Fontes, 3 ed. SP, 1991, p. 410. 44MUMFORD, L. O Subrbio - E depois, in: A Cidade na Histria -, suas origens, transformaes e perspectivas, Martins Fontes, 3 ed. SP, 1991, pp. 521-566. Veja tambm: Fernandes, N.N., O Rapto Ideolgico da Categoria Subrbio: Rio de janeiro (1858 -1945), dissertao mestrado, Departamento de Geografia, UFRJ, 1996. 45
Id. Ibid., p.522. 46
Id. Ibid., p. 419. 47Rennia, mais tarde So Pedro de Alcntara, 1873; Cia. Petropolitana, 1874; D. Isabel, 1889.
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Palcio de vero de Pedro II. Poder-se-ia escrever: instalava-se o subrbio industrial
e proletrio no padro descrito por Lefebvre: A indstria nascente tende a se
implantar fora das cidades [...] A indstria nascente se instala perto de fontes de
energia [...] de meios de transporte [...] de matrias primas [...] de reservas de mo-
de-obra.48
Alm disso, era a cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro exemplo,
nos trpicos, das antigas cidades as quais se refere Lefebvre49 que portava as
fontes de capitais e a banca de onde se originavam esses capitais, os mercados, a
residncia principal das elites econmicas e polticas. Petrpolis, desde sempre, foi
colnia industrial50 absolutamente dependente do Rio de Janeiro, pois as
indstrias estabelecidas aqui no resultaram de acumulao de capital intra-urbano,
mas de inverses que vieram da mesma elite residente na capital do pas, e que
fundara essa cidade serrana como simulacro europeu conexo a obra central do
Segundo Imprio.
Petrpolis, ento, arranjou-se como um territrio no qual o subrbio elegante maneira da vilegiatura criaria inibies, mas no proibiria, a existncia de
subrbio industrial-proletrio em um mesmo espao monts e urbano.
O que se passaria hoje que o presente turstico petropolitano se organiza sobre as figuraes desse antigo arranjo territorial que no mais existe, pois, de fato, a urbanizao de Petrpolis no mais determinada por esse
importante fator poltico a vilegiatura e nem pelo econmico a indstria ,
sendo hoje essa urbanizao produzida pelo turismo; diga-se provisoriamente,
. No caso, fora da cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro.
48LEFEBVRE, H. O Direito Cidade, editora Documentos, SP, 1969, p.13. 49Id. ibid., p.13. 50Nos termos, mas no no sentido de Philippe Arbos, op. cit. p. 217.
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urbanizao turstica estribada nas antigas formas da vilegiatura e no turismo de
segunda residncia e rural.
Pesquisar esse presente urbano e turstico de Petrpolis como
realidade scio-espacial procurar compreender a intrincada coexistncia, no
espao, entre presente e passado, cujas formas, unidas em suas contradies, existiriam no presente com dataes diversas. O espao sem cessar, um
presente resultante de inseparvel nexo [...] de sistemas de objetos e sistemas de ao [...].51 Objetos que regulam ou configuram o sistema de aes; objetos que, a despeito de ecoarem o passado, existem demarcados pelo presente, quase ia
dizendo, pela ao que define as formas desse passado, em um processo de
permanente atualizao ou, qui, de renovada fundao que leva em conta as
decises imediatas de uma dada sociedade. Investigar a urbanizao atual de
Petrpolis, desse modo, tambm inquirir acerca do passado espacial dessa
cidade a partir de indagaes determinadas pelo presente.
Este presente geogrfico-espacial, diga-se a propsito, no um tempo
que escapa no instante mesmo de sua enunciao. Tal como Milton Santos
observou, esse presente conseqncia do tempo do modo de produo ou
tempo mundial, do tempo do Estado nacional e do tempo especfico de um dado
lugar.52
51 SANTOS, M. A natureza do Espao: tcnica e tempo, razo e emoo, Hucitec, SP,
1996, p.51. 52
Se bem que [...] a palavra lugar [seja] [...] prenhe de ambigidades, j que a regio , tambm, um lugar e a prpria expresso regio serve para designar extenses diferentes [...] a dimenso geogrfica do tempo mais externo o mundo, mas no sabemos qual a extenso do tempo mais interno. [...] O que fundamental [...] o reconhecimento de que cada lugar o teatro de tempos externos mltiplos. SANTOS, M. Ibid., p. 111.
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Produto articulado desses trs tempos ou remate espacial de elementos
gerais e singulares,53 ento, esse presente, valendo aqui o petropolitano presente
geogrfico-espacial, tambm a sntese de duas complexidades que constituem a
prpria realidade scio-espacial, pois Em cada lugar [...] o tempo atual se defronta
com o tempo passado cristalizado em formas.54 Exatamente, refiro-me quelas
complexidades horizontais e verticais que Henri Lefebvre55 reconhecera como de
maior evidncia no mundo rural, mas que prolongaram-se em um mtodo dialtico
que desembaraa a vida de formas scio-espaciais coetneas, embora com
dataes histricas diversas.
Lefebvre escreve que a realidade rural duplamente intrincada,
encerrando uma complexidade horizontal em cujas
53 A definio lukcsiana de particularidade como categoria central da esttica parece
projetar este presente espacial resultante de elementos gerais e singulares: a base do reflexo cientfico, escreve Lukcs, a universalidade: [...] a aspirao a uma generalizao que compreenda o mximo nmero possvel de casos singulares, aparentemente heterogneos, mais compreensiva generalizao possvel. (p. 183). Essa universalidade, diz ainda Lukcs, concreta, deixando claro que o geral ou universal cientfico a concreticidade universal mxima, o afastamento extremo, formal, [...] das formas do mundo da evidncia imediata. (p. 183). Por outro lado, a forma do reflexo esttico no afasta, em Lukcs, o singular; ao contrrio, articula universal e singular, gerando o particular. Existiria ento [...] um movimento da particularidade universalidade (e vice-versa), bem como da particularidade singularidade (e ainda vice-versa), e em ambos os casos o movimento para a particularidade o conclusivo. (p. 161). O presente geogrfico-espacial, tal como Milton Santos observou, parece ecoar essa definio lukcsiana, pois os elementos especficos de um lugar, os elementos gerais do modo de produo e, dependendo da escala, os prprios elementos gerais do Estado-Nao, garantiriam o carter diverso desse espao, sendo mesmo esse presente anunciado por Milton Santos uma espcie de campo em movimento ou particularidade. Cf. LUKCS, G. Introduo a uma Esttica Marxista, Civilizao Brasileira, RJ, 1978. 54
SANTOS, M., op. cit., p. 113. 55Cf. LEFEBVRE, H. Problemas de Sociologia Rural e Perspectivas da Sociologia Rural. In: MARTINS, J. de S.(org.). Introduo Crtica Sociologia Rural, 2 ed., Hucitec, 1986, pp.144-162 e pp. 63-177, respectivamente. Ver tambm MARTINS, J. de S. As Temporalidades da Histria na dialtica de Lefebvre. In: MARTINS, J. de S. (org.). Henri Lefebvre e o Retorno da Dialtica, Hucitec, 1996, pp. 13-23. Diga-se de passagem, ademais, que os nexos inseparveis de conjuntos de objetos e conjuntos de ao, delimitadores do presente social-geogrfico encontrado em Milton Santos, teriam, em sua origem, forte presena desse caminho ou roteiro de Lefebvre, pois no se trata de permitir que a histria consuma a geografia e nem que a prpria geografia dispense a importante cota auxiliar da histria.
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[...] formaes e estruturas agrrias da mesma poca histrica em
particular naquelas determinadas pelos grandes conjuntos sociais e polticos atuais manifestam-se diferenas essenciais, que chegam ao antagonismo.56
E uma complexidade vertical, na qual o mundo agrrio mostra ao olhar
[...] a coexistncia de formaes de pocas e datas diferentes.57 No cosmo rural
[...] ainda mais nitidamente do que no artesanato, nada desapareceu
inteiramente.58
Essa horizontalidade e verticalidade complexas [...] entrecruzam-se,
recortam-se e agem uma sobre a outra.59
O caminho de Lefebvre no interior dessa dupla complexidade,
ultrapassando a sua origem ou preocupao rural, alcanou um mtodo que
mesmo o prprio movimento dialtico, i.: o momento ou movimento descritivo, o
analtico-regressivo e o histrico-gentico. O primeiro momento a tese a
descrio informada do visvel, restaurando o poder ou a fora explicativa da
diversidade das relaes sociais, reconhecendo e detectando questes que se
podem ver atravs dessa descrio do presente geogrfico-espacial; o segundo
movimento a anttese o esforo de datao da descrio anterior do
presente espacial, a compreenso das formas consolidadas do passado, ou seja, a descoberta da existncia simultnea de relaes scio-espaciais com tempos
desiguais; o terceiro momento a sntese o retorno ao presente j agora
articulado ao passado, buscando evidenciar ou explicar que as contradies das
formas espaciais no so apenas oposies no interior do tempo presente, mas,
56 LEFEBVRE, H. Perspectivas da Sociologia Rural, ibid., p. 165.
57 Id. Ibid., p. 166.
58 Id. Ibid., p. 166.
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igualmente, dissonncias de temporalidades, contradies que no se extinguem
em conflitos de natureza espacial coeva, revelando-se tambm como histricas
contradies scio-espaciais.60
Precisamente, a estrutura deste trabalho quereria ser a expresso
dessas complexidades horizontais e verticais que constituem a realidade scio-
espacial de Petrpolis e que assentariam um mtodo que permitiria geografia
perquirir o espao e suas formas sem prescindir da assistente contribuio da
histria. A Parte I, composta de 3 Captulos, procura descrever a urbanizao
turstica petropolitana enredada em uma cidade espessa, demograficamente
adensada, e com indstria desfibrada; a longa Parte II, com 4 Captulos, busca os
elementos do passado colonial e imperial que contriburam para a constituio de
uma cidade como campo urbano de poder, valendo territrio de vilegiatura cujas formas, especialmente as arquitetnicas, hoje propiciam a figurao turstica; a Parte III, assentada em Captulo nico e perquirindo o processo de tenses das temporalidades urbanas, por conseguinte, desejando afastar a nvoa da realidade scio-espacial de Petrpolis, quereria evidenciar que a turstica urbanizao do
presente Petropolitano guardaria conflitos no somente de natureza
contempornea, mas portaria tenses espaciais advindas de uma histria territorial
serrana com antecmara no perodo colonial fundada no Segundo Imprio.
Sob esse aspecto, este trabalho sobre o espao urbano de Petrpolis se
constitui como histria territorial, pois, sob esse mtodo, o espao no pode ser
compreendido sem uma investigao de sua origem e desenvolvimento, e nem o
territrio deve ser avistado despregado do histrico relacionamento entre a
59 Id. Ibid., p. 166.
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sociedade e esse mesmo espao.61 Desse modo, Petrpolis foi demarcada como
certa espcie de campo de poder,62 um espao urbano constitudo como territrio,
i., espao determinado por relaes de poder historicamente delimitadas, ou
ainda, uma frao do espao conquistada, demarcada e nomeada por grupamento
da elite brasileira que buscou estremar a forma da regncia do espao urbano de
Petrpolis. Territrio, ademais, no necessariamente ligado propriedade, mas a
sua apropriao na histria territorial de Petrpolis legitimada pelos domnios
fundirios, residenciais e industriais, mas, igualmente, legitimada por um corpo de
prticas materiais e simblicas vinculadas especialmente vilegiatura; duas
legitimadas apropriaes que garantiram sem tremores dignos de nota at o
nuclear decnio de 197063 a constituio de uma territorialidade urbana sob o
controle de uma elite brasileira imperial e, posteriormente, republicana.
Por fim, tudo se passaria como se a histria desse territrio pudesse
demonstrar a permanncia de uma linha no linear e imersa em pedestres
conflitos focalizada em determinaes exteriores. Se a vilegiatura e a indstria,
claramente, deram no passado o vis forneo da ordem urbana de Petrpolis, hoje, com o turismo, o fator exterior continua atravs de uma reconquista territorial levada
a cabo por uma coalizo local gerenciada pelo governo municipal, cujo objetivo se encontra to somente na recuperao das taxas de lucros que outrora a cidade
produziu; reconquista territorial ou urbanizao turstica visando o uso mercantil
60 Cf. LEFEBVRE, H. Id. Ibid., p. 173. Cf. Tambm MARTINS, J. de S. As Temporalidades
da Histria na Dialtica de Lefebvre. In: MARTINS, J. de S. (org.). Henri Lefebvre e o Retorno da Dialtica, Hucitec, SP, 1996, pp. 20-23. 61
Sobre este ponto, ver: MORAES, A. C. R. Territrio e Histria no Brasil, Annablume, 2. ed., SP, 2005, especialmente, Captulo III. 62
[...] o territrio se apia no espao, mas no o espao. uma produo, a partir do espao. Ora, a produo, por causa de todas as relaes que envolve, se inscreve num campo de poder. RAFFESTIN, C. Por Uma Geografia do Poder, ed. tica, SP, 1993, p.144.
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o consumo turstico de uma cidade em detrimento do cotidiano urbano e popular de
Petrpolis.
63 Embora, bem antes da dcada de 1970, a passagem dos quarteires para bairros j
fosse realidade.
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PARTE I A URBANIZAO PELO TURISMO NO PERODO ESPESSO E NO INDUSTRIAL DE PETRPOLIS
CAPTULO 1 Turismo no Perodo Morto da Indstria
Cidade desorganizada para a produo, agitar-se-ia Petrpolis em busca
de soluo para seus males econmicos. A desindustrializao parece ter colocado,
em Petrpolis, o turismo como o servio de maior relevncia competitiva com as
outras cidades.64 A noo presente do turismo como uma espcie de panacia para
problemas urbanos e econmicos de cidades esvaziadas de indstrias cada vez
mais obsedante: ecos ideolgicos alocados em um setor de servio, pois, se o
prprio meio ou complexo processo industrial deixou de assegurar o eventual
favorecimento do desenvolvimento scio-econmico de uma cidade, no seria
64 Cf. HARVEY, D. Condio Ps-Moderna, Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudana
Cultural, ed. Loyola, quinta ed. SP, 1922. Se bem que Petrpolis no faa parte das cidades grandes localizadas no mundo do capitalismo avanado, nem tenha sido ou mesmo seja centro financeiro, alm de somente no incio do sculo XXI reverberar aes urbanas fortemente influenciadas pelas determinaes tursticas advindas das zonas avanadas do capitalismo, com a desindustrializao das suas grandes plantas txteis, possvel enxergar nesta cidade projetos e intervenes urbanas que buscam atrair capital e pessoas. Refiro-me a esta citao de Harvey: O fato de estarem [as cidades e os lugares] to pressionadas e de o resultado [de projetos urbanos e arquitetnicos] ser uma repetio em srie de modelos bem-sucedidos (como Harbor Place, de Baltimore) compreensvel, dada sombria histria da desindustrializao e da reestruturao, que deixaram a maioria das cidades grandes do mundo capitalista avanado com poucas opes alm da competio entre si, em especial como centros financeiros, de consumo e de entretenimento. Dar determinada imagem cidade atravs da organizao de espaos urbanos espetaculares se tornou um meio de atrair capital e pessoas (do tipo certo) num perodo (que comeou em 1973) de competio interurbana e de empreendimentismo urbano intensificados. (P. 92).
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possvel somente uma nica ao ser inspiradora desse mesmo desenvolvimento.65
Reflexos ideolgicos, dizia, anexados financeirizao da economia mundial.
O perodo financeiro atual tem procurado reservar para pases como o
Brasil a funo de servirem como simples colnias de frias ou de fim de semana
dos pases do ncleo orgnico da economia mundial. O caso que, j anteriormente enquadrados em uma situao de dependncia, na qual existe uma relao de
subordinao entre Estados nacionais, em cujo campo de ao [...] as relaes de produo das naes subordinadas so modificadas ou recriadas para assegurar a
reproduo da dependncia,66 pases como o Brasil h muito exportam matrias-
primas, produtos semi-industrializados e industrializados e, dependendo do cmbio,
turistas, conseqentemente, podendo ser avistado esse perodo financeiro como
uma inflexo na configurao dessa dependncia, pois o que est agora sendo
exportado a paisagem.
No caso de Petrpolis, no recebendo em profuso turistas norte-
americanos, europeus, e japoneses, sobrariam os brasileiros, a despeito da financeirizao da economia que, entre outras conseqncias, promove tambm no
Brasil a
[...] passagem de uma situao de pleno emprego e de ampliao do tempo
livre para uma sociedade em que prevalece a ameaa constante de desemprego
(alimentada pela existncia de um enorme contingente de desempregados) e a reduo efetiva do tempo livre [...].67
65 Cf. RODRIGUES, A. M. In: OURIQUES, H. R. A. A Produo do Turismo, fetichismo e
dependncia, ed. Alnea, Campinas, p. 9. 66
MARINI, R. M. Dialtica da Dependncia, Vozes, Petrpolis, 2000, p.109. 67
MUSSE, R. Fenomenologia da Reificao: Adorno e o Lazer. In: BRUHNS, H. T. (org.). Lazer e Cincias Sociais, Dilogos Pertinentes, ed. Chronos, SP, 2002, p. 179.
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Deslocar-se-iam menos brasileiros cada vez mais. Petrpolis, contudo,
procura o seu espao como territrio do setor turstico.
preciso dizer que, alm de cidade industrial, desde a origem Petrpolis tambm foi configurada como cidade de descanso da elite brasileira. Ponto
importante abordado na posterior Parte II deste trabalho. Contudo, seria necessrio
escrever que essa velha cenografia um dos principais pressupostos do turismo na
cidade; ruas e prdios apresentados como vestgios de uma paisagem imperial e,
marginalmente, republicana. O primeiro distrito, embora sendo o depositrio urbano
e arquitetnico da antiga vilegiatura, no seguiria hoje como local privilegiado da produo espacial realizada pelo turismo em Petrpolis, pois a industrializao e o
adensamento urbano atulhou68 a paisagem desse distrito, restando com seu
casario apenas algumas ruas no ncleo central, alm de cinco representativos
Relatrio da OIT Organizao Internacional do Trabalho informa que, em 2005, mesmo com o crescimento da economia mundial estimado pelo FMI, 4,3%, o nmero de desempregados em todo o planeta aumentou 2,2 milhes, passando dos 189,6 milhes de 2004 para os 191,8 milhes verificados no final de dezembro de 2005. O relatrio informa tambm que 1,4 bilho, metade dos 2,8 bilhes de trabalhadores de todo o mundo, continua recebendo U$ 2 dirios de salrio. Se considerarmos 1995 como incio de uma dcada terminada em dezembro de 2005, o aumento do nmero de desempregados, nesses dez anos, foi em todo o mundo de 34,4 milhes. Informa ainda o relatrio que a maior taxa de desemprego, por regio, foi registrada na Amrica Latina e Caribe, onde passou de 7,4% para 7,7%, embora a mais elevada taxa continue sendo a do Oriente Mdio e norte da frica, de 13,1% em 2004 para 13,2% em dezembro de 2005. Na Unio Europia e demais economias desenvolvidas a taxa de desemprego caiu de 7,1%, em 2004, para 6,8% em 2005. Desse relatrio possvel depreender (1) que o turismo estaria cotidianamente ameaado pelo desemprego instalado pela financeirizao da economia mundial, e, (2) uma vez que esse mesmo desemprego maior na parte dependente ou pobre do mundo, o deslocamento turstico, substantivamente, continua ocorrendo no interior das economias desenvolvidas e a partir delas em direo s regies mais solares do planeta, podendo-se ademais inferir, a despeito do relatrio da OIT noticiar dados regionais e no por pases, que o turismo interno e externo do brasileiro estaria fraturado pelo desemprego. Portanto, cada vez mais no mundo e no Brasil, viajam apenas aqueles que ainda no foram dispensados de seus empregos, transformando o turismo em deslocamento a lazer cada vez mais restrito frao social que receberia os benefcios do excedente econmico produzido.
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prdios objetos de visitao: o Museu Imperial, antiga residncia de campo de D. Pedro II; o Palcio Rio Negro, residncia sazonal dos presidentes brasileiros at a
fundao de Braslia; o Museu Casa de Santos Dumont, pequeno chal instalado
em uma encosta; o Palcio de Cristal, estrutura de ferro e vidro inaugurado, em
1884, como abrigo de exposies de flores e local de festas; a Catedral So Pedro
de Alcntara, prdio catlico em estilo neogtico, em cujo interior encontram-se os restos mortais e as estatuarias morturias de Pedro II e da Imperatriz, da princesa
Isabel e do conde DEu. O Manual de Comercializao para Organizadores de
Viagens, Eventos & Convenes,69 alm desses prdios, divulgou outras
edificaes todas no primeiro distrito passveis de interesses tursticos, a
maioria j fazendo parte de fortuito circuito de visitao, tais como a casa do Colono, a antiga residncia da Princesa Isabel, a velha residncia do baro de Guaraciaba e
atual sede da Cmara Municipal, etc.
No obstante toda essa paisagem do primeiro distrito estar venda
turstica, ou disponvel para o turismo,70 parece ser problemtico esse comrcio,
pois, substantivamente, nesse distrito ocorre a visitao sumria e no a estadia
noturna que caracteriza o turismo. Apndice turstico da cidade de So Sebastio do
Rio de Janeiro, Petrpolis recebe neste primeiro distrito a circulao de carros de
passeio, micro-nibus ou mesmo nibus transportando turistas nacionais e ou
estrangeiros, muitas vezes, hspedes da metrpole carioca e brasileira que
transitam pelos prdios indicados acima e um ou outro ponto turstico no interior
68 Inclusive com sistemticos engarrafamentos no trfego de automveis.
69 Manual de Comercializao para Organizadores de Viagens, Eventos & Convenes,
PMP, Petrpolis, 2005. 70
Cf. SEABRA, O. C. de L. Santos: Estao de Veraneio, Revista Cadernos de Lazer 2, Brasiliense, SP, s.d: Faz-se necessrio ressaltar que numa economia de mercado [...] qualquer abordagem do problema que privilegie um enfoque das necessidades est fadado a enveredar por caminhos enganosos, pois o lazer, antes de existir como meio de satisfazer
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desse distrito,71 contribuindo, com seus veculos, para o agravamento dos cotidianos
engarrafamentos citadinos, eventualmente, remunerando vendedores de postais,
contratando agncias ou mesmo guias de turismo disposio, com chuva ou sem,
junto s portas dessas edificaes histricas.72 Sob o especfico ngulo do turismo, ademais, a descoberta do litoral
como privilegiada regio de frias ou descanso de fim de semana retira,
especialmente do primeiro distrito, a ocasional seduo climtica de Petrpolis ante
os terrores calorficos do vero, desse modo, inibindo possveis picos de ocupao
turstica hoteleira no primeiro distrito, fixando-se, qui, nos meses mais frios do
ano.
O fato que, atualmente abrigando tnues rastros de um lado
arquitetnico e urbano da histria imperial e republicana, esse mesmo distrito
parece servir apenas como uma das mais antigas iscas tursticas de Petrpolis: a
denominada cidade imperial73 instalada no primeiro distrito, mas, cirrgica e
concretamente, hoje apenas designao estribada no ncleo central.
1.1 O Pr-Centro e a Produo do Centro Histrico.
necessidades humanas, como condio necessria reproduo material da vida, existe como um produto a escoar. (P. 33). 71
Por exemplo: o antigo Hotel Quitandinha e a casa do Colono, na zona sul do primeiro distrito. 72
Sobretudo porta do Museu Imperial, geralmente, local inicial de encontro e de visita. 73
Ttulo, alis, assinado pelo presidente e general Joo Figueiredo, em decreto assinado na dcada de 1980.
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A utilizao do centro de Petrpolis como isca turstica recebe agora
notvel inflexo. necessrio acentuar que a Prefeitura Municipal realizou nos anos de 2006 e 2007, com projeo final para este ano de 2008, decisiva interveno no chamado Centro Histrico, dando encaminhamento ao Projeto de
Valorizao do Centro Histrico de Petrpolis doravante, Pr-Centro
divulgado publicamente pela anterior Administrao, em maio de 2000.74
Ao que parece, as cidades e lugares hoje tomam muito cuidado para criar uma imagem positiva e de alta qualidade de si mesmos, e tem procurado uma
arquitetura e formas de projeto urbano que atendam a essa necessidade.75
Se no terceiro distrito de Itaipava ostensivo a presena dos
incorporadores como agentes tursticos modeladores do solo para a segunda
residncia, no primeiro distrito exatamente, no denominado Centro Histrico a
interveno do poder pblico. O secretrio de Obras e o prefeito da Administrao
atual, apresentando o plano de obras para a rua do Imperador, iluminam esta
afirmao e confessam a origem na Administrao anterior dessa revalorizao
urbana, alm do objetivo dessa requalificao do ncleo urbano para o consumo
turstico:
74 Petrpolis O Sonho de um Imperador. Pr-Centro. Secretaria de Planejamento e
desenvolvimento Econmico, Administrao PSDB Leandro Sampaio, 1997-2000, Prefeitura Municipal de Petrpolis. O Programa foi divulgado em detalhes atravs de meio eletrnico, em maio de 2000; porm, o Pr-Centro, cujas atividades estariam ligadas Secretaria de Planejamento, j fora institudo atravs do Decreto nmero 107, de 09 de dezembro de 1997, D.O. 18/12/1997, Considerando a necessidade de recuperar o Centro Histrico, revitalizando seu aspecto arquitetnico e reativando seu papel de referncia cultural desta cidade.
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[...] A reurbanizao da rua do Imperador faz parte do Projeto de Revitalizao do Centro Histrico [...] algumas aes j foram realizadas pela Prefeitura, como a reurbanizao das ruas Epitcio Pessoa e 16 de Maro, alm da restaurao
do Teatro Municipal Paulo Gracindo, a iluminao da Catedral So Pedro de
Alcntara e a do Palcio de Cristal, feitas em parceria com o Governo do Estado
[...]. 76
Trata-se de uma das obras mais importantes da cidade. desejo dos petropolitanos resgatar a rua do Imperador. Estamos pensando no futuro,
projetando a cidade para daqui a 50 anos. Vamos atrair mais turistas e incrementar a economia. [...]77
Apesar da importncia e de seu valor histrico, o Centro Histrico enfrentou a
degradao ao longo dos anos. Caladas que no comportam mais o grande
nmero de pedestres, emaranhados de fios que prejudicam a visualizao das fachadas e o trnsito conturbado arranham a imagem da regio. As
intervenes urbansticas esto previstas no Plano Diretor do municpio,
aprovado no incio dos anos 90. No entanto, somente o atual governo optou por
realiz-las, reconhecendo o valor da regio.78
75 HARVEY, D. Condio Ps-Moderna, Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudana
Cultural, ed. Loyola, quinta ed. SP, 1922, p. 91. 76
Prefeito apresenta obras na rua do Imperador, Release ASCOM Assessoria de Comunicao da Prefeitura de Petrpolis, 31/03/2006. Citao do secretrio. Naturalmente, o secretrio no mencionou as intervenes iniciadas na Administrao anterior. Por exemplo: o remodelamento de duas praas e o incio da obrigatoriedade da retirada das marquises no originais das fachadas dos imveis da rua do Imperador e adjacncias substitudas, apenas no pavimento trreo, por toldos retrteis; retiradas de marquises e colocao de toldos consoantes Lei municipal de Petrpolis de n 5571, Art. 3, de 15 de dezembro de 1999, D. O. do Municpio de Petrpolis, 16 de dezembro de 1999. O itlico de minha autoria. 77
Prefeito apresenta obras na rua do Imperador, Release ASCOM, PMP, 31/03/2006. Citao do alcaide. tambm de minha autoria o itlico.
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De fato, a interveno na rua do Imperador,79 afora detalhes, em linha
reta advm do planeamento reabilitador do Pr-Centro, cuja nfase foi e continua
sendo a calha viria principal do centro de Petrpolis a rua do Imperador , no
esquecendo, ademais, as ruas e/ou quarteires que para ela convergem e nem as
praas existentes nesta rea: 3 hectares de interveno, soterrando fiaes de
energia eltrica, de telefonia e de outros servios, eliminando postes, inserindo
novo mobilirio urbano80 e propondo recuperao e enquadramento cenogrfico do
casario segundo legislao pertinente que estabelece normas de instalao para
anncios, letreiros, retirada de marquises e substituio por toldos.81
Sem esquecer as iluminaes de cena da catedral So Pedro de
Alcntara e do palcio de Cristal, alm da nova modelagem das ruas 16 de Maro,
78 Prefeito apresenta obras na rua do Imperador, Release ASCOM, PMP, 31/03/2006.
79 Prefeitura d incio s obras de reurbanizao do Centro Histrico, Release ASCOM,
PMP, 25/04/2006. O primeiro trecho, 1.200 metros, o investimento foi de R$4,2 milhes. A interveno no lado impar da rua do Imperador tem investimento noticiado de R$6.445.737,03 milhes. Os investimentos para a execuo total do projeto, lado par e mpar dessa rua, so de R$18 milhes, partilhados entre o Bradesco, o Ministrio do Turismo e a prpria prefeitura. 80
Cf. Release ASCOM, PMP, 25/04/2006: O prefeito Rubens Bomtempo assinou, na manh desta tera-feira [25/04/2006], os contratos que permitem a reurbanizao do Centro Histrico, mais um importante passo para valorizar o acervo arquitetnico e contribuir para o desenvolvimento sustentvel do municpio [...]. O projeto do Centro Histrico prev, alm do alargamento das caladas [...], a instalao de novos equipamentos urbanos, como bancos, jardineiras, postes e lixeiras, o enterramento de toda a fiao suspensa de energia eltrica, telefonia, TV a cabo e outros servios. Com a concluso das obras e a passagem subterrnea das redes, ser possvel visualizar melhor as fachadas do corredor de sobrados tombados. 81
No seria ocioso acentuar que essas normas oriundas da Lei n 5.571, de 15/12/1999, D. O. 16/12/1999, alterando a Lei n 5.513, de 23/06/1999 foi legislao elaborada pela Administrao PSDB anterior. Mesmo a Lei nmero 6.240, de 21/01/2005, D.O. 22/01/2005, que institui o Cdigo de Postura do municpio de Petrpolis, salvaguarda a legislao de 1999. Em seu Captulo III acerca dos letreiros, no Art. 104, possvel ler: Sem prejuzo de quanto estabelecido na Lei n. 5513/99, a colocao de letreiros em todo o Municpio dever respeitar os seguintes critrios [...]. Desse modo, o vnculo da interveno em curso, o Pr-Centro, no est demonstrado apenas pela citao anterior da entrevista de um casual Secretrio de Obras, pois esta, eventualmente, poderia refletir somente uma opinio ou desejo; porm, tambm est comprovado atravs dessa herana ou intimidade legal.
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Epitcio Pessoa e da praa da Inconfidncia,82 essa interveno do poder pblico
no eixo principal do ncleo central da cidade a rua do Imperador seria o
principal marco,83 em Petrpolis, de um urbanismo transformador de centros de
cidades em centros histricos vinculados ao turismo.
Embora observando o Pr-Centro84 que o projeto do Imprio na construo de Petrpolis envolvera toda a antiga propriedade da Fazenda Imperial,
desse modo, planeando mais de 40 quilmetros quadrados85 e no somente o
ncleo central, conseqentemente, apontando para a possibilidade da cidade, toda
ela, ser um enorme ncleo histrico, esse Projeto de Valorizao pressupe valores diferenciados para as diversas partes da cidade, enobrecendo turstica e
culturalmente apenas um local cuja centralidade fora determinada pelo poder
imperial e mantida pela Repblica, por conseguinte junto com as fiaes de todo
tipo , soterrando o Pr-Centro todos os bairros de Petrpolis menos beneficiados
82 A rua 16 de Maro comemora, com esse nome, o Decreto assinado por Pedro II
autorizando o arrendamento de sua fazenda ao Major Koeler, em 1843. Paralela rua do Imperador, foi inaugurada, em 1943, j calada com paraleleppedos e sem iluminao pblica. Somente quando o servio de energia eltrica passou para a Cia. Brasileira de Energia Eltrica que a 16 de Maro, em 1945, recebeu iluminao. Das ruas do bairro central, a 16 de Maro foi a que mais sofreu processo de verticalizao, sendo mesmo uma estreita via exprimida entre edifcios. Nessa rua, alis, foi construdo o edifcio Centenrio o primeiro prdio de treze andares do centro de Petrpolis. A rua Epitcio Pessoa, perpendicular rua do Imperador, foi aberta em 1926. A praa da Inconfidncia um dos pontos extremos da rua do Imperador ao lado da antiga estao rodoviria; em 1875 era ainda um capinzal quando, em 1876, construiu-se a capela Nossa Senhora do Rosrio que, demolida, deu lugar, em 1926, a Igreja de Nossa Senhora do Rosrio. 83
Diga-se a propsito, sinal demarcatrio sem retorno. Pois mesmo que, eventualmente, as diversas etapas dessa interveno pblica no fossem executadas integralmente pela atual Administrao, ela seguiria seu curso com as futuras administraes do municpio. Gostaria de lembrar que o Pr-Centro projeto nascido na segunda metade dos anos de 1990, no interior de Administrao PSDB partido, no Brasil, umbilicalmente ligado ao capital financeiro. Exatamente, o curioso ou, quem sabe, revelador, o fato de uma Administrao municipal de oposio sada de quadros polticos esquerda tornar concreto esse projeto, que escancara o domnio do espao pelo Capital atravs do urbanismo, tcnica de ao, em um regime mundial de acumulao flexvel, que possibilita ao capitalismo transformar o centro de Petrpolis em mercadoria histrica e cultural acoplada ao consumo turstico. 84
Histrico do Processo de Preservao do Patrimnio Cultural de Petrpolis. In: Petrpolis O Sonho de um Imperador, Pr-Centro, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econmico, PMP, maio de 2000.
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por aquele poder. Tudo se passaria como se apenas um lugar central da cidade
merecesse pelo senso comum o adjetivo de histrico, restando aos bairros o modesto vnculo com os registros de fatos comuns:
No decorrer do desenvolvimento do Municpio, construiu-se pelo senso
comum, uma centralidade fundamentada primordialmente por questes de
uso do solo e funcionais. No prprio perodo imperial, a rua do Imperador, que
integrava o ento quarteiro da Vila Imperial, torna-se grande fator comercial
diversificado e hierarquizado, principalmente pela presena nos seus arredores
do palcio imperial e de residncias de personalidades da corte. Com a queda
do Imprio e instalao da Repblica, cristaliza-se esta regio como plo atrativo
aliado ao incremento de centro de negcios e local administrativo.86
de se notar que a tica ou a perspectiva qui o partido, na dico
de arquitetos e urbanistas que o Pr-Centro apresenta no sopesou as diversas
fases por que passou o processo de preservao do patrimnio cultural de
Petrpolis, uma vez que no faz referncia ao processo mais geral de proteo
Federal do patrimnio cultural no Brasil. Esse vis descreve o percurso da histria
da preservao de Petrpolis87 em linha contnua, desde os tombamentos iniciais
do Departamento do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional88 o antigo DPHAN,
85 Hoje o primeiro distrito, mas outrora a prpria cidade.
86 Histrico do Processo de Preservao do Patrimnio Cultural de Petrpolis, Petrpolis
O sonho do Imperador, Pr-Centro, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econmico, Prefeitura Municipal de Petrpolis, 2000. 87
Histrico do Processo de Preservao do Patrimnio Cultural de Petrpolis, 2000, passim. 88
O antigo DPHAN, em Petrpolis, tombou a Casa do Padre Corra, segundo distrito, em 1940; a casa da Fazenda Samambaia, segundo distrito, e a casa da Fazenda Santo Antnio, terceiro distrito, em 1951; a Casa Santos Dumont, primeiro distrito, em 1952; o acervo paisagstico e urbanstico da Avenida Koeler, primeiro distrito, em 1964; o acervo
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atual IPHAN at os dias de hoje, desse modo, forjando-se ou legitimando-se o
Pr-Centro e suas concretas intervenes como inflexo natural e sem ruptura
dessa histria da preservao em Petrpolis. Essa posio linear, poder-se-ia dizer,
ideolgica, do Pr-Centro no periodizou esse processo de proteo, portanto, no
fez meno primeira fase, 1937-1970, na qual as edificaes e stios urbanos
barrocos ou coloniais o sculo XVIII como referncia nacional prioritria eram
passveis de tombamentos como testemunhos de uma brasilidade em formao.
No faz o Pr-Centro sequer aluso segunda fase, 1970-1990, perodo que,
distanciando-se desse cariz barroco ou colonial da fase anterior, com a idia de
ambincia,89 absorveu por exemplo o ecletismo que marcara um nmero
elevado de edificaes urbanas brasileiras do sculo XIX, Petrpolis inclusive;
segundo perodo, ademais, que serviria de apoio luta contra a especulao
imobiliria e a expanso de reas urbanas espessas; perodo, por fim, que
concebeu a noo de patrimnio como documento,90 enfatizando a dico da
forma, valendo stios urbanos despregados de um determinado estilo e que
expressariam
paisagstico e urbanstico da praa da Confluncia, inclusive o Palcio de Cristal, primeiro distrito, em 1967. 89
Cf. MOTTA, L A Apropriao do Patrimnio urbano: do Esttico-Estilstico Nacional ao Consumo Visual Global. In: ARANTES, A. A. O Espao da Diferena, Papirus editora, Campinas, 2000, pp.257-287. Pode-se dizer que a associao do tema preservao com o da qualidade de vida foi o grande avano que se processou nessa rea, em decorrncia da participao e do interesse das comunidades urbanas pelo assunto. Buscava-se a manuteno de uma escala urbana que os prdios mais antigos garantiam. Adotou-se, assim, na prtica, a idia de ambincia que possibilitou a incluso de outros estilos na composio do patrimnio cultural. (P. 266). Sobre as fases do processo de proteo do patrimnio, ver tambm: FONSECA, M. C.L. O Patrimnio em Processo, trajetria da poltica federal de preservao no Brasil, 2 edio, Editora UFRJ / MINC / IPHAN, RJ, 2005. (sobretudo a Parte 2). 90Cf. MOTTA, L. Ibid., pp. 266-267. A compreenso do patrimnio como documento, na dcada de 1980, afastar-se-ia da idia de um necessrio estilo unitrio no interior dos eventuais conjuntos tombados. At a apreenso do documento o critrio esttico ainda guardaria validade, a despeito do estilo Barroco, nesta segunda fase, no mais portar a nica ateno para os eventuais tombamentos.
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[...] toda a srie de operaes que caracteriza a vida do homem no seu modo
de estar no mundo. Isso inclui o traado urbano, as parcelas de subdiviso dos
lotes, a organizao dos espaos de moradia, os volumes edificados, detalhes
de ornamentao etc. A forma o resultado dos materiais e do territrio natural
moldados diante das possibilidades e limites dos homens ao se apropriarem de
um espao e de estruturas preexistentes ao longo do tempo.91
Esquecendo ou no desejando saber dessas duas fases anteriores o Pr-Centro falaria de si mesmo com olhar indulgente, dir-se-ia, ideologicamente
constrangedor, pretendendo legitimao em sua interveno enobrecedora do bairro
central e enxergando-se como simples e conseqente inflexo no interior de seu
Histrico do Processo de Preservao do Patrimnio Cultural de Petrpolis.92
Datando as aes efetivas desse processo em 197893 quando, em
Petrpolis, a preservao do patrimnio direcionou-se sobretudo para stios e
conjuntos urbanos, cujo exemplo notrio foi o Anteprojeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional por uma deputada federal, Lygia Lessa Bastos, propondo o
91 Manual do mtodo inventrio stios urbanos tombados. Departamento de Identificao
e documentao, [mimeo], RJ, 1998, p.9. Apud MOTTA, L. A Apropriao do Patrimnio urbano: do Esttico-Estilstico Nacional ao Consumo Visual Global, pp. 257-287. In: ARANTES, A. A. O Espao da Diferena, Papirus editora, Campinas, 2000. 92
Histrico do Processo de Preservao do Patrimnio Cultural de Petrpolis. In: Petrpolis O Sonho de um Imperador, Pr-Centro, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econmico, PMP, maio de 2000. O que o Pr-Centro esconde a sua leitura do espao, diversa da apreenso das fases anteriores, sobretudo da segunda fase. Sob esse ngulo, valeria reproduzir Harvey: Enquanto os modernistas vem o espao como algo a ser moldado para propsitos sociais e, portanto, sempre subserviente construo de um projeto social, os ps-modernistas o vem como coisa independente e autnoma a ser moldada segundo objetivos e princpios estticos que no tem necessariamente nenhuma relao com algum objetivo social abrangente, salvo, talvez, a consecuo da intemporalidade e da beleza desinteressada como fins em si mesmas. (o itlico meu). HARVEY, D. Condio Ps-Moderna, Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudana Cultural, ed. Loyola, quinta ed. SP, 1922., p. 69.
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integral tombamento de Petrpolis94, essa descrio histrica feita pelo Pr-
Centro tambm fixa que, a partir dessa proposta parlamentar, o IPHAN em conjunto com a antiga FUNDREM e a Cmara de vereadores local, dando parecer acerca
desse Anteprojeto, gerariam sugestes nucleadas na reviso da Lei de Regulamento do Uso do Solo do Municpio. Simultaneamente, lembra ainda essa
narrativa que o INEPAC Instituto Estadual do Patrimnio Artstico e Cultural
realizara pontuais tombamentos: pontes de madeira, a residncia do Baro de
Oliveira Castro, os edifcios da reitoria da Universidade Catlica de Petrpolis, os
prdios do Matadouro Municipal e da prpria Cmara dos vereadores pontes e
edifcios localizados no entorno da rua do Imperador e protegidos no ano de 1978.
Menciona, alm disso, esse histrico de preservao levado a cabo pelo Pr-Centro
o Decreto Federal de nmero 85.849, de 27/03/1981, que atribuindo a Petrpolis o
ttulo de Cidade Imperial do Brasil, dava prazo de noventa dias para o IPHAN
(naquela altura, SPHAN) demarcar as reas de entorno dos bens tombados, relacionando edificaes, paisagens e conjuntos urbanos indicados para tombamento, determinando, alm disso, que nesse perodo qualquer licenciamento
de obra privada dependeria da anuncia antecipada do antigo SPHAN.
O caso que, direto desdobramento dessas aes de preservao,
especialmente desta ltima, a descrio histrica executada pelo Pr-Centro
culmina no Decreto 90, de 25/06/1981, pois resultado da necessidade de
reavaliao da legislao do uso, parcelamento e ocupao do solo ante as novas
proposies de proteo ao patrimnio. Passo importante, uma vez que, de fato, o
Decreto 90 resultou de cmara tcnica constituda por tcnicos municipais das
93 Se bem que mencione os antigos tombamentos realizados entre as dcadas de 1940 e
1960.
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Secretarias de Obras, Planejamento e CAEMPE, por rgos estaduais FUNDREM e INEPAC , por rgos federais SPHAN/MEC e CNDU/MINTER ,
pela Cmara de vereadores e por associaes e instituies petropolitanas como a
APPANDE, APEA, UCP, IHP, CDL, ACIRP, alm da FLUMITUR e de personagens
despregados dessas organizaes. Dessa Comisso saiu legislao demarcando
as bacias hidrogrficas, mananciais, cobertura vegetal original, as reas de entorno
de bens tombados, os conjuntos e stios urbanos e paisagsticos tombados pelo antigo SPHAN, dividindo o municpio em reas e setores para o desenvolvimento do
municpio. A partir desse passo dado pelo Decreto 90, possvel ler no histrico
dessa marcha da preservao escrito pelo Pr-Centro uma espcie de acelerao:
em 1984 o CPPHAP Conselho de Preservao do Patrimnio Histrico e
Artstico de Petrpolis criado, reafirmando o tombamento de imveis j protegidos pelo IPHAN e INEPAC e alargando o nmero de imveis e conjuntos urbanos tombados que ainda no tinham sido protegidos; em 10 de dezembro de
1998, o INEPAC tombou imveis j provisoriamente protegidos, em 1986, pelo antigo CPPHAP, uma vez que, em 8 de novembro de 1991, no captulo I do Plano
Diretor publicado, alm de ser criado a Poltica Setorial de Meio Ambiente e
Patrimnio Cultural, surgiu o novo Conselho Municipal de Cultura e Tombamento
Histrico, Cultural e Artstico, substituindo o velho CPPHAP; por fim, em dezembro
de 1997, como desdobramento necessrio de toda essa descrio, o Decreto de
nmero 107 da Prefeitura municipal criava o Pr-Centro.
Nesta centralidade, no perodo final da dcada de 1980, j com o todo do processo de preservao praticamente concludo, o termo Centro Histrico
94Proposta, ademais, avistada pelo prprio IPHAN (naquela altura, SPHAN) como
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torna-se corrente por vrios setores da sociedade petropolitana, aliando-se
ainda a este, o fato de terem se espalhado por vrias cidades do Brasil, projetos de revitalizao e ou revitalizao de seus Centros Histricos, com objetivos direcionados ao turismo cultural. A realidade que [...] se almeja solidificar [...] intervenes que representem verdadeiramente os anseios de toda a sociedade,
contribuindo para a melhoria da qualidade de vida [...] e para o incremento do
turismo, com a conseqente gerao de empregos diretos e indiretos.
Pelas caractersticas peculiares da cidade de Petrpolis, a denominao de
Centro Histrico dada didaticamente ao setor central da cidade que abrange
os principais conjuntos tombados 95
Independentemente do Histrico do Processo de Preservao do
Patrimnio Cultural de Petrpolis,96 empreendido pelo Pr-Centro, ser efetivo em
sua traduo concreta dos fatos, o caso que este mesmo Pr-Centro, como foi
dito em pargrafo anterior, utilizou-se desse histrico para estabelecer a
legitimidade de sua interveno reabilitadora do centro de Petrpolis. Esse
Histrico..., iniciado com a tentativa de tombamento integral de Petrpolis, no
apreendeu e, portanto, escondeu, que todo esse narrado processo de preservao
cuja inflexo o Decreto 90, de 1981 estava anexado trajetria da segunda fase, constituindo-se como parte de um planejamento urbano97 destinado ao
demasiada. 95
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