imposto de rendas das empresas. 13 ed. edmar andrade filho
Post on 31-Oct-2021
2 Views
Preview:
TRANSCRIPT
O autor e a editora empenharam-se para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos
direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos caso,
inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida.
Não é responsabilidade da editora nem do autor a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens
que tenham origem no uso desta publicação.
Apesar dos melhores esforços do autor, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim,
são bem-vindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível
pedagógico que auxiliem o aprimoramento de edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser
encaminhados à Editora Atlas Ltda. pelo e-mail faleconosco@grupogen.com.br.
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright © 2018 by
Editora Atlas Ltda.
Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional
Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob
quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet
ou outros), sem permissão expressa da editora.
Rua Conselheiro Nébias, 1384
Campos Elíseos, São Paulo, SP — CEP 01203-904
Tels.: 21-3543-0770/11-5080-0770
faleconosco@grupogen.com.br
www.grupogen.com.br
Designer de capa: Monnerat
Editoração de capa: Caio Cardoso
Imagem de capa: ben-bryant | iStockphoto
Produção digital: Ozone
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
A567i
13. ed.
Andrade Filho, Edmar Oliveira
Imposto de renda das empresas / Edmar Oliveira Andrade Filho. – 13. ed. – São Paulo: Atlas, 2018.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-970-1736-6
1. Contabilidade tributária. 2. Imposto de renda. 3. Pessoa jurídica – Impostos. I. Título.
18-49055 CDD: 657.46
CDU: 657:336.22
Leandra Felix da Cruz – Bibliotecária – CRB-7/6135
ABREVIATURAS UTILIZADAS
Ac. Acórdão
ADI Ato Declaratório Interpretativo
ADN Ato Declaratório Normativo da SRF
CC Conselho de Contribuintes
CF Constituição Federal
CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
COSIT Coordenação-Geral do Sistema de Tributação
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CSRF Câmara Superior de Recursos Fiscais (Conselho de Contribuintes
MF)
CST Coordenadoria do Sistema de Tributação
CTN Código Tributário Nacional
CVM Comissão de Valores Mobiliários
Dec. Decreto do Presidente da República
DJU Diário da Justiça da União
DOU Diário Oficial da União
EC Emenda Constitucional
FCVS Fundo de Compensação de Variação Salarial
IN Instrução Normativa do Secretário da Receita Federal
IRPJ Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas
LALUR Livro de Apuração do Lucro Real
LC Lei Complementar
MF Ministério (Ministro) da Fazenda
MP Medida Provisória
NCC Código Civil de 2002
PGFN Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
PN Parecer Normativo da CST
PND Programa Nacional de Desestatização
RE Recurso Extraordinário julgado pelo STF
Resp Recurso Especial julgado pelo STJ
RF Região Fiscal
RIR/99 Regulamento do Imposto de Renda de 1999
SRF Secretária (ou Secretário) da Receita Federal
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TRF Tribunal Regional Federal
ZFM Zona Franca de Manaus
AGRADECIMENTOS
O primeiro agradecimento é a DEUS, de quem obtive todas as coisas e que guiou o meu
trabalho. Por isso, digo como Habacuc (3:17): “E, mesmo que a figueira não renove seus brotos,
mesmo que a parreira deixe de produzir e venha a falhar a produção de azeitonas, se as pastagens
nada mais tiverem para alimentar o gado, se as ovelhas desaparecerem dos pastos, mesmo que
não haja mais gado no curral, estarei feliz no Senhor.”
Agradeço à Claudete, minha esposa; à Fernanda, minha filha, pelos incentivos; e ao Edmar
Neto pela colaboração na produção deste livro.
Agradeço à minha mãe pela oração de sempre.
Agradeço a Deus pela Malu (Maria Luiza), minha neta, cuja presença é uma epifania diária.
Aproveito o ensejo para homenagear o garoto sírio Aylan Kurdi, morto no mar e encontrado
nas praias da Turquia e cuja imagem traz à lembrança a insensatez humana e sua vocação para
ser cruel e rejeitar o próximo.
SUMÁRIO
1O PODER JURÍDICO TRIBUTÁRIO E OS SEUS LIMITES
1.1A fonte do poder jurídico tributário
1.2Princípios e regras constitucionais
1.2.1Legalidade e tipicidade
1.2.2Irretroatividade
1.2.3Anterioridade
1.2.4Isonomia ou igualdade
1.2.5Capacidade contributiva
1.2.6Proibição de confisco
1.3Supremacia das normas constitucionais
1.4Normas gerais de direito tributário
1.4.1Código Tributário Nacional
1.4.2Conceitos de direito privado
1.4.3Interpretação e aplicação de normas tributárias
2FATO GERADOR DO IMPOSTO DE RENDA E DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
SOBRE O LUCRO
2.1Conceitos de renda e lucro
2.1.1Acréscimo patrimonial
2.1.2Tributação de ganhos obtidos em atividades ilícitas
2.1.3Transferências de capital
2.2O conceito de renda no Código Tributário Nacional
2.2.1Disponibilidade econômica ou jurídica
2.2.2Realização e separação da renda
2.3Fato gerador do IRPJ e da CSLL
3CONTRIBUINTES E RESPONSÁVEIS TRIBUTÁRIOS
3.1Modalidades de sujeitos passivos
3.2Pessoa jurídica, firma e sociedade
3.2.1Sociedade de prestação de serviços intelectuais
3.2.2Pessoa física equiparada à jurídica
3.2.3Sociedades de profissões regulamentadas
3.2.4Filiais, sucursais e agências de pessoas jurídicas com sede no exterior
3.2.5Mandatários e comissários de comitentes domiciliados no exterior
3.2.6Firma individual e EIRELI
3.3Imunidade
3.4Isenção
4ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL E FISCAL
4.1Registro e mensuração dos fatos contábeis
4.2Integridade e tempestividade dos registros contábeis
4.3Métodos e critérios
4.4Forma de escrituração
4.4.1Escrituração por meio eletrônico
4.4.2Livros contábeis e fiscais obrigatórios
4.5Sanções pela falta de escrituração
4.6Livros e comprovantes como elementos de prova
4.7Extravio e guarda dos documentos e livros
4.8Documentos em língua estrangeira
4.9Falsificação de livros e documentos
5O LUCRO CONTÁBIL COMO BASE PARA APURAÇÃO DO LUCRO REAL
5.1Normas societárias e tributárias
5.1.1Adições e exclusões
5.1.2Compensações
5.2A separação entre escrituração contábil e fiscal no Decreto-lei nº 1.598/77
5.3As mudanças introduzidas pelas Leis nos 11.638/07 e 11.941/09
5.4Período de apuração
6REGIME TRANSITÓRIO DE TRIBUTAÇÃO – RTT
6.1Finalidade do RTT
6.2Normas internacionais de contabilidade
6.3Caráter transitório do RTT
6.4Hipótese de incidência das regras do RTT
6.5Conceito de lucro real na vigência do RTT
6.6O valor justo contábil e a tributação
6.7O fim do RTT na Lei nº 12.973/14
7REGIME DE COMPETÊNCIA E REGIME DE CAIXA
7.1O registro das mutações patrimoniais
7.2Regime de competência
7.3Regime de caixa
7.4Reconhecimento de receitas
7.4.1Receita ganha ou realizada
7.4.2Receita diferida
7.4.3Receita ou ganho potencial
7.4.4Resultados abrangentes
7.4.5Negócio sob condição e valores sub judice
7.5Reconhecimento de custos, despesas, encargos e perdas
7.5.1Custos
7.5.2Despesas
7.5.3Encargos
7.5.4Perdas
7.5.5Provisões
7.5.6Participações
7.6Inobservância do regime de competência
8RECEITA BRUTA DE VENDAS DE BENS E SERVIÇOS
8.1As diversas fontes das receitas
8.2Mensuração das receitas
8.2.1Valores transferidos a terceiros
8.2.2Reembolso e rateio de despesas
8.3Receitas de venda de bens
8.3.1Operações de conta alheia
8.3.2Vendas com reserva de domínio
8.3.3Venda a termo
8.3.4Venda com preço a determinar
8.3.5Venda em consignação
8.3.6Venda para entrega futura
8.3.7Vendas em regime de distribuição
8.3.8Troca ou permuta
8.3.9Receita de exportação
8.4Receita da prestação de serviços
8.5Contratos de fornecimento de bens e serviços a longo prazo
8.6Receitas de contratos com entidades governamentais e contratos de concessão
8.7Receita da venda de bens imóveis
8.8Alienação de estoques para integralizar capital
8.9Arrendamento mercantil
9RECEITAS FINANCEIRAS
9.1Imputação aos resultados
9.2Juros sobre indenizações
9.3Variações monetárias e cambiais
9.4Receita de factoring
9.5Receitas financeiras nas operações de vendor
9.6Descontos obtidos
9.7Ajuste ao valor presente de passivos
10RENDIMENTOS DE PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS
10.1Lucros distribuídos e recebidos
10.2Recebimento de ações ou quotas bonificadas
10.3Participação nos lucros por debêntures e partes beneficiárias
10.4Distribuição desproporcional de lucros
10.5Instrumentos híbridos de participação e dívida
10.6Lucros impactados por resultados sujeitos ao RTT
11OMISSÃO DE RECEITAS
11.1Conceito e normas gerais
11.2Passivo fictício
11.3Saldo credor de caixa
11.4Falta de escrituração de pagamentos efetuados
11.5Suprimentos de caixa
11.6Falta de emissão de documento fiscal e subfaturamento
11.7Depósitos bancários
11.8Prova
11.8.1Prova emprestada
11.8.2Informação prestada por terceiro
11.9Critérios de arbitramento
11.10Custos e despesas
11.11Regime de tributação
12OUTRAS RECEITAS
12.1Reversão de provisões
12.2Devolução de tributos pagos indevidamente
12.3Indenizações
12.4Bonificações recebidas
12.5Créditos de PIS e COFINS
12.6Incentivos fiscais à solicitação de documentos fiscais
12.7Anistia de juros, multas e encargos tributários
12.8Ganho por compra vantajosa
12.9Ganho decorrente da avaliação de ativos e passivos pelo valor justo
13GANHOS DE CAPITAL
13.1Qualificação jurídica
13.2Fato gerador
13.2.1Momento do registro contábil e fiscal
13.2.2Forma de apuração
13.3Devolução de capital em bens ou direitos
13.4Venda de bens do ativo permanente a longo prazo
13.5Ganhos em desapropriação
13.6Alienação de títulos da dívida pública no âmbito do PND
13.7Ágio na emissão de ações
13.7.1Justificação econômica do ágio
13.7.2Critérios para fixação do valor do ágio
13.8Alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição
13.9Prêmio na emissão de debêntures
13.10Lucro na venda de ações em tesouraria
13.11Subvenções para investimentos
13.12Doações e perdão de dívidas
13.13Outros resultados não operacionais
13.14Ganho de capital na subscrição de ações, quotas e valores mobiliários
14CUSTO DOS BENS OU SERVIÇOS
14.1Custos e despesas
14.2Custos de revenda e produção
14.3Contabilidade de custos integrada
14.4Critérios de avaliação de estoques
14.5Arbitramento
14.6Produtos rurais
14.7Ajustes de estoques ou inventários
14.8Efeitos da subavaliação do valor dos estoques
14.9Tributos recuperáveis
14.10Prova
15DESPESAS OPERACIONAIS DEDUTÍVEIS E NÃO DEDUTÍVEIS
15.1Conceito
15.2Critérios gerais de dedutibilidade
15.3Fonte produtora e empresa
15.4Despesa necessária e normal
15.4.1Necessidade
15.4.2Normalidade e usualidade
15.4.3Operações com partes relacionadas
15.4.4Despesas pagas a pessoas com domicílio em paraísos fiscais
15.4.5Atos ultra vires e atos anormais de gestão
15.4.6Liberalidade
15.4.7Despesas decorrentes de atos ilícitos
15.5Despesa incorrida
15.5.1Despesas diferidas
15.5.2Despesas pré-operacionais
15.5.3Despesas pós-operacionais
15.5.4Aplicações de capital
15.6Despesas intrinsecamente relacionadas com a produção
15.7Prova
15.8Regime de competência e despesa não contabilizada
15.9Rateio de despesas
16PARTICIPAÇÕES NOS LUCROS
16.1Participações nos lucros ou resultados
16.2Participações atribuídas a debêntures e partes beneficiárias
16.3Participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados
16.4Remuneração sob a forma de stock option
17DEPRECIAÇÃO, AMORTIZAÇÃO, EXAUSTÃO E IMPAIRMENT
17.1Aplicações de capital
17.1.1Despesas de conservação de bens
17.2Depreciação de bens do ativo imobilizado
17.2.1Obrigatoriedade do registro
17.2.2Normas contábeis sobre depreciação
17.2.3Bens depreciáveis
17.2.4Taxas de depreciação
17.2.5Taxas de depreciação no RTT
17.2.6Bens intrinsecamente relacionados com a produção
17.3Bens em desuso ou imprestáveis
17.4Depreciação acelerada
17.5Amortização
17.6Exaustão de recursos minerais
17.7Impairment
18PROVISÕES E PERDAS NO RECEBIMENTO DE CRÉDITOS
18.1Dedutibilidade das Provisões
18.2Registro contábil e tipologia
18.3Comissões sobre venda
18.4Provisões técnicas
18.5Provisão para férias
18.6Provisão para pagamento do 13º salário
18.7Provisão para o Imposto de Renda
18.8Provisão para licença-prêmio
18.9Perdas no recebimento de créditos
18.9.1Devedor concordatário ou falido
18.9.2Vencimento antecipado da dívida
18.9.3Desistência da cobrança
18.9.4Créditos com pessoas ligadas
18.9.5Encargos financeiros
18.9.6Créditos recuperados
18.10Deságio na cessão de créditos de origem tributária
18.11Perda do direito de compensação de créditos tributários
18.12Ajuste ao valor presente de ativos
19TRIBUTOS E MULTAS POR INFRAÇÕES
19.1Dedutibilidade vinculada à ocorrência do fato gerador
19.2Suspensão da exigibilidade do crédito tributário
19.3Imposto de Renda e CSLL
19.4Assunção do ônus tributário
19.5Tributos pagos na aquisição de bens do ativo permanente
19.6Multas
19.7Juros de mora
20DESPESAS COM PESQUISAS, ROYALTIES E ASSISTÊNCIA TÉCNICA
20.1Despesas com pesquisas científicas ou tecnológicas
20.2Aluguéis, royalties e assistência técnica, científica ou administrativa
20.2.1Limitação em função da receita líquida de vendas
20.2.2Registro no INPI
20.3Contraprestações de arrendamento mercantil
20.4Remuneração paga a franqueador
20.5Incentivos à inovação tecnológica
20.6Incentivos à inovação tecnológica na Lei nº 11.196/05
21REMUNERAÇÃO DE ADMINISTRADORES
21.1Remuneração dos sócios e administradores
21.1.1Administrador e gerente
21.1.2Administrador empregado
21.1.3Administrador não residente no país
21.2Conselheiros fiscais e consultivos
21.3Remuneração indireta a administradores e terceiros
21.3.1Taxatividade
21.4Gratificações e participações
21.4.1Encargos sociais
21.5Serviços profissionais
22BENEFÍCIOS A EMPREGADOS
22.1Remuneração e fringe benefits
22.2Serviços assistenciais e benefícios previdenciários
22.3Planos de poupança e investimento – PAIT e FAPI
22.4Formação profissional, alimentação do trabalhador e vale-transporte
22.5Gratificações a empregados
22.6Despesas de confraternização e prêmios
23DESPESAS DE PROPAGANDA E EXPANSÃO DE VENDAS
23.1Despesas de propaganda
23.2Empresas exportadoras de bens e serviços
23.3Amostras
23.4Prêmios e incentivos
23.5Bonificações em mercadorias
23.6Brindes
24DOAÇÕES E OPERAÇÕES DE CARÁTER CULTURAL, ARTÍSTICO E
ATIVIDADE AUDIOVISUAL
24.1Contribuições e doações diversas
24.2Operações de caráter cultural, artístico e atividade audiovisual
24.3Outras doações
25DESPESAS FINANCEIRAS
25.1Conceito
25.2Juros sobre empréstimos e financiamentos
25.2.1Novas normas contábeis e a Lei nº 12.973/14
25.2.2Despesa com emissão de ações e demais encargos
25.2.3Aquisição de investimentos por sociedades holdings
25.3Variações monetárias
25.4Encargos financeiros de empréstimos entre empresas ligadas
25.4.1Juros pagos a coligadas ou controladas no exterior
25.4.2Juros pagos ou creditados a sociedades controladoras
25.4.3Repasse de empréstimos
25.5Correção monetária em adiantamentos para futuro aumento de capital
25.6Correção monetária de dividendos a pagar
26JUROS SOBRE O CAPITAL
26.1Caráter jurídico dos juros
26.2Condições gerais de dedutibilidade
26.3Base de cálculo
26.4Período da dedução
26.5Ações ou quotas em tesouraria
26.6Juros sobre ações ao portador
26.7Atualização monetária dos valores a pagar
26.8Individualização e identificação do beneficiário
26.9Assunção do ônus do imposto devido na fonte
27PERDAS EM OPERAÇÕES DE HEDGE
27.1Critérios gerais de dedutibilidade
27.2Operações realizadas no exterior
27.3Operações realizadas no país
27.4Contribuição social sobre o lucro
28SUBCAPITALIZAÇÃO
28.1Regras gerais
28.2Finalidade das normas
28.3Campo material de incidência
28.4Cálculo do valor dedutível
28.5Endividamento
28.6Patrimônio líquido
28.7Concorrência com outras normas
29PERDAS DE CAPITAL
29.1Condições gerais de dedutibilidade
29.2Perda na alienação de bens objeto de arrendamento mercantil
29.3Outras perdas de capital
29.4Perda na subscrição de capital
30LUCROS, RENDIMENTOS E GANHOS DE CAPITAL OBTIDOS NO
EXTERIOR
30.1Legislação aplicável
30.2Regimes de tributação dos rendimentos obtidos no exterior
30.3Tributação dos lucros no exterior na Lei nº 12.973/14
30.3.1Controle contábil: registros em subcontas
30.3.2Critérios para apuração e disponibilização dos resultados positivos
30.3.3Valor tributável
30.3.4Conversão em moeda nacional
30.3.5Deduções
30.4Imposto pago no exterior
30.5Resultados obtidos por intermédio de filiais e sucursais
30.6Consolidação
30.7Perdas e prejuízos
30.8Variação cambial dos investimentos
30.9Incentivo fiscal
30.10Arbitramento de lucros
30.11Acordos para evitar a dupla tributação
30.12Variação de percentual de participação
31PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
31.1Estrutura e funções das normas
31.2Bens, serviços e direitos
31.3Pessoas vinculadas e operações com paraísos fiscais ou equiparados
31.3.1Pessoas vinculadas
31.3.2Países com tributação favorecida
31.4Bens, serviços e direitos adquiridos do exterior
31.5Métodos de comparação nas importações
31.5.1Método dos Preços Independentes Comparados (PIC)
31.5.2Método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL)
31.5.3Método do Custo de Produção mais Lucro (CPL)
31.5.4Método do Preço de Cotação na Importação (PCI)
31.5.5Eleição do método
31.5.6Controle contábil
31.5.7Fonte de obtenção dos preços médios
31.6Exportações
31.7Registro contábil da receita de exportação
31.8Métodos de arbitramento da receita de exportação
31.9Margem de divergência
31.10Dupla tributação
31.11Pagamento ou crédito de juros
31.11.1Juros passivos
31.11.2Juros ativos
31.12Dispensa de comprovação
32LUCRO DA EXPLORAÇÃO
32.1Conceito e aplicação
32.2Adições e exclusões
32.2.1Receitas e despesas financeiras
32.2.2Rendimentos e prejuízos de participações societárias
32.2.3Resultados não operacionais
32.2.4Lucros, rendimentos, ganhos e perdas no exterior
32.2.5Reavaliação de bens
32.2.6Tributos com exigibilidade suspensa
32.2.7Outros ajustes
32.2.8Despesas não dedutíveis
32.3Forma de cálculo do lucro da exploração
32.3.1Transferência de produtos para estabelecimentos fora da área de
incentivo
32.3.2Modernização e ampliação
32.4Preços de transferência
33PREJUÍZOS FISCAIS, PREJUÍZOS NÃO OPERACIONAIS E PERDAS EM
TÍTULOS DE RENDA VARIÁVEL
33.1Fundamento da compensação dos prejuízos fiscais
33.2Validade constitucional da limitação
33.3Limite legal para compensação
33.4Regras para compensação dos prejuízos fiscais
33.5Prejuízos não operacionais
33.6Prejuízo fiscal apurado na atividade rural
33.7Mudança de controle societário e ramo de atividade
33.8Compensação de prejuízos fiscais em casos de incorporação, fusão e cisão
33.8.1Incorporação às avessas
33.8.2Dissolução e liquidação de sociedade
33.9Prejuízo fiscal apurado por Sociedade em Conta de Participação
33.10Perdas com títulos de renda variável
33.11Imposto de Renda diferido sobre prejuízos fiscais
34INVESTIMENTOS EM SOCIEDADES COLIGADAS OU CONTROLADAS
AVALIADOS PELO MÉTODO DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO
34.1Função da equivalência patrimonial
34.2Investimentos sujeitos ao método
34.3Cálculo e registro do ajuste
34.3.1Resultados abrangentes e reserva de ágio
34.3.2Momento do registro do ajuste
34.3.3Lucros e dividendos distribuídos
34.4Equivalência patrimonial sobre ajuste ao valor justo registrado pela investida
34.5Resultados na alienação e liquidação de investimentos
34.5.1Alienação
34.5.2Liquidação
34.6Ganho ou perda de capital por variação de percentual de participação
35ÁGIO, DESÁGIO, MAIS-VALIA, MENOS-VALIA E GANHO POR COMPRA
VANTAJOSA
35.1Regimes jurídicos e efeitos fiscais
35.2Desdobramento do custo de aquisição
35.2.1Custo de aquisição ou contraprestação transferida
35.2.2Valor patrimonial
35.2.3Ações ou quotas de sociedade com patrimônio líquido negativo
35.2.4Aquisição de ações ou cotas
35.2.5Eficácia da aquisição
35.3Apuração do ágio
35.3.1O ágio como parte indissociável do preço de aquisição
35.3.2Propósito negocial
35.3.3O “ágio interno”
35.3.4Fundamentos econômicos
35.3.5Ágio por rentabilidade futura
35.3.6Fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas
35.3.7Efeitos fiscais
35.4Mais-valia
35.4.1Registro contábil da mais-valia
35.4.2Ativos e passivos a serem considerados
35.4.3Critérios de apuração do valor justo
35.4.4Realização econômica e efeitos fiscais
35.4.5Laudo de avaliação
35.5Deságio, ganho por compra vantajosa e menos-valia
35.5.1Deságio
35.5.2Ganho por compra vantajosa
35.5.3Menos-valia
35.6Apuração do ganho ou perda de capital
35.7Problemas dos processos de avaliações
35.8Prova
35.9Poderes de verificação da autoridade fiscal
36COMBINAÇÃO DE NEGÓCIOS E REORGANIZAÇÕES SOCIETÁRIAS
36.1Modificações nas estruturas da sociedade
36.2Relações jurídicas e efeitos
36.3Incorporação de sociedades
36.4Incorporação de ações
36.5Fusão
36.6Cisão
36.7Transformação
36.8Protocolo e justificação
36.8.1Relação de troca
36.8.2Variações patrimoniais
36.8.3Motivos da operação
36.9Perda ou ganho de capital nas reorganizações societárias
36.9.1Alienação e liquidação ou baixa de investimento
36.9.2Efeitos nos resultados
36.9.3Período de vigência do Decreto-lei nº 1.598/77
36.9.4Período de vigência da Lei nº 9.532/97
36.10Reorganizações societárias após a Lei nº 12.973/14
36.10.1A proibição de dedução do goodwill
36.10.2Mais-valia
36.10.3Menos-valia
36.10.4Dedução do ágio por rentabilidade futura (goodwill)
36.10.5Ganho por compra vantajosa
36.10.6Avaliação com base no valor justo em caso de sucessão
37DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS
37.1Natureza jurídica
37.2Finalidade das normas
37.3Conceitos fundamentais
37.3.1Pessoa ligada
37.3.2Valor de mercado
37.4Hipóteses de distribuição disfarçada de lucros
37.4.1Alienação de bens a pessoas ligadas
37.4.2Aquisição de bens de pessoas ligadas
37.4.3Não exercício de direito à aquisição de bem
37.4.4Transferência de direito de subscrição de valores mobiliários
37.4.5Pagamento de aluguel, royalties ou assistência técnica
37.4.6Negócios em condições de favorecimento
37.5Distribuição disfarçada de lucros e preços de transferências
38AUMENTO E REDUÇÃO DO CAPITAL SOCIAL
38.1Introdução
38.2Aumento do capital social em dinheiro, bens e direitos
38.3Aumento de capital com lucros e reservas
38.4Aumento do capital social em incorporação e fusão
38.5Redução do capital social
38.6Imposto de Renda na fonte e na declaração
38.7Distribuição de reserva de isenção do IRPJ
38.8Devolução de patrimônio de entidade isenta
39ATIVIDADE RURAL
39.1Regime de tributação
39.2Conceito de atividade rural
39.3Resultado da atividade rural
39.4Exaustão e depreciação de bens vegetais
39.5Depreciação acelerada
39.6Atualização dos estoques e crias nascidas
39.7Compensação de prejuízos fiscais
40SOCIEDADES COOPERATIVAS
40.1Regime jurídico
40.2Atos cooperativos
40.3IRPJ e CSLL devidos pelas cooperativas
40.4Negócios jurídicos celebrados com cooperativas
40.5Alienação de ativo imobilizado e aplicações financeiras
40.6Prejuízos fiscais
40.7Cooperativas de trabalho
41LUCRO PRESUMIDO
41.1Presunção e acréscimo patrimonial
41.2Opção
41.3Forma da opção e desistência
41.4Da base de cálculo
41.4.1Regime de competência e regime de caixa
41.4.2Receita bruta de venda de bens e de serviços
41.4.3Exportação de bens e serviços
41.4.4Deduções da receita bruta
41.4.5Outras receitas
41.5Omissão de receitas
41.6Ganhos de capital
41.7Equivalência patrimonial e lucros recebidos
41.8Ágio ou deságio da aquisição de participação societária
41.9Reavaliação de bens
41.10Distribuição disfarçada de lucros
41.11Lucros e rendimentos obtidos no exterior
41.12Preços de transferências
41.13Prejuízos fiscais
41.14Valores controlados na parte B do LALUR
41.15Distribuição de lucros ou dividendos
42LUCRO ARBITRADO
42.1Hipóteses de arbitramento
42.2Base de cálculo
42.3Lucro arbitrado pela autoridade tributária
42.4Ganhos de capital e outras receitas
42.5Omissão de receitas
42.6Arbitramento no caso de vendas diretas do exterior
43CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO
43.1Fundamento constitucional
43.2Contribuintes
43.3Imunidade e isenção
43.4Período de apuração
43.5Base de cálculo
43.5.1Resultado ajustado
43.5.2Base negativa de períodos anteriores
43.6Lucro presumido e arbitrado
44PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
44.1Conceito e limites
44.2Desconsideração de atos ou negócios jurídicos
44.3Abuso do direito
44.4Simulação e dissimulação
44.5Fraude à lei
44.6Negócio jurídico indireto
44.7Essência em lugar da forma e propósito negocial
44.8Avaliação e redução de riscos
44.9Penalidades e erro de proibição
Bibliografia
1 - 1 - O poder jurídico tributário e os seus limites
1.1A FONTE DO PODER JURÍDICO TRIBUTÁRIO
A Constituição Federal é a fonte do poder jurídico tributário que o conforma, isto é,
circunscreve-o, fixando limites e estabelecendo as condições e a forma do seu exercício. É a
Constituição Federal que estabelece quem, em quais circunstâncias, pode instituir e cobrar tais e
quais tributos. Ao proceder dessa forma, distribui às pessoas políticas da União, dos Estados e
dos Municípios e do Distrito Federal aptidão para, por intermédio dos veículos normativos
apropriados, e com a conformação geral que de antemão estabelece, inovar na ordem jurídica,
editando as leis necessárias ao exercício desse direito e para criar um vínculo obrigacional válido
para os cidadãos. Em matéria tributária, as Constituições dos Estados devem fidelidade estrita às
regras e aos princípios da Constituição Federal.
O poder de tributar tem origem no pacto constitucional e sua legitimidade provém da
vontade do povo. É um poder autônomo e não soberano: tem limites imanentes que são ditados
pelas normas constitucionais expressas (regras e princípios) e implícitas. Essa divisão do poder
jurídico, debaixo de tais princípios, tem a finalidade de fornecer as coordenadas semânticas e
sintáticas de observância obrigatória quando da produção de leis tributárias. Sob o ângulo
pragmático, essa divisão do poder jurídico, feita de forma minuciosa, tem o objetivo de reafirmar
uma característica instrumental das normas de competência, que é a determinação de
incompetência para tratar de qualquer outra matéria que não a referida na regra atributiva da
competência.
O poder de tributar é exercido pelo parlamento, onde estão os representantes eleitos pelo
povo, e pelo chefe do Poder Executivo quando edita os atos normativos de acordo com as esferas
de competência estabelecidas pela Constituição Federal, pelas Constituições Estatuais e pelas Leis
orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal. A instituição e o aumento de tributos devem ser
feitos por intermédio de lei ordinária ou lei complementar, ou, ainda, por diploma com força de
lei, como são as medidas provisórias. Em casos especialíssimos, a Constituição Federal permite
a edição de decreto editado pelo chefe do Poder Executivo para aumentar tributo e em outros
casos o texto constitucional exige a adoção de lei complementar. Algumas leis complementares
têm caráter nacional e veiculam as “normas gerais de direito tributário” que devem ser obedecidas
pelos poderes legislativos e executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
1.2PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS
As normas jurídicas dividem-se em princípios e regras. Os princípios são espécies do gênero
“norma jurídica” que pertencem a determinado sistema normativo e nele desempenham papel de
maior importância que as regras, pois indicam valores a serem perseguidos e fundamentam grande
número de regras. As regras, por sua vez, estabelecem o que deve ser feito diante de situações
fáticas que ela mesma indica.
Os princípios têm, sempre, um conteúdo axiológico que aponta ou indica os objetivos a
serem perseguidos. A intensidade da carga de valor é variável, o que permite formular e fundar
critérios de hierarquia entre eles. Na Constituição Federal brasileira de 1988, os valores que a
sociedade persegue estão indicados principalmente no Preâmbulo e delineados nos arts. 1º a 4º.
Além desses, existem outros que aparecem por todo o arcabouço da Constituição Federal, de
forma implícita ou explícita. Assim, todos os atos normativos que compõem o direito positivo
brasileiro, em certa medida, são instrumentos de realização daqueles valores. As normas que
veiculam matéria tributária não fogem a essa regra.
1.2.1Legalidade e tipicidade
Segundo o enunciado linguístico do inciso I do art. 150 da CF, a instituição ou majoração
de tributos deve ser feita por lei. Essa é uma exigência dos princípios que fundamentam o Estado
Democrático de Direito. Para Bilac Pinto,
“o princípio da legalidade em matéria fiscal, que emana da nossa organização
constitucional, tem como decorrência, por um lado, que só pode ser atribuída uma
carga tributária a uma pessoa física ou jurídica mediante o comando de uma lei, e,
por outro lado, que o Estado não tem nenhum direito além daquele que a lei
expressamente lhe concede”.1
Na lição de Léon Duguit, o “Estado, elaborando a lei, obriga-se a respeitá-la enquanto
existir. Pode modificá-la, revogá-la, mas durante o tempo de sua vigência só pode agir no limite
fixado pela mesma lei”.2
O conteúdo normativo do princípio da legalidade requer que as situações de sujeição e de
obrigação estejam delineadas em lex praevia, promulgata e manifestaou scripta. O mandamento
da lex praevia requer a anterioridade da lei em relação ao fato por ela alcançado. Em razão dessa
exigência, quedam-se inválidas as normas que estabelecem, no presente ou para o futuro,
consequências mais graves que as previstas na norma secundária vigente ao tempo do fato.
Todavia, com ela não são incompatíveis as normas que dispõem sobre situações retroativas que
possam beneficiar os infratores em face do princípio da benignidade. Por exigência do
mandamento da lex promulgata, as normas jurídicas devem ser conhecidas por todas as pessoas
para que elas possam determinar se estão ou não sujeitas às suas prescrições e, para que isso
ocorra da melhor forma possível, as normas devem ser públicas.
Para a máxima efetividade do princípio da legalidade é exigida lex manifestaou lex
scripta. Em face desse mandamento, as normas jurídicas devem dizer, de forma precisa, clara e
compreensível, quem deve cumpri-las, o que deve ser feito e estipular diretamente as
consequências anteriores e posteriores à realização do fato jurídico ao qual se referem. Requer-
se, desta forma, que as normas jurídicas tenham determinação semântica suficiente para que as
pessoas possam saber se estão ou não alcançadas por suas disposições e que tenham condições de
estimar as consequências de seus atos ou omissões. Esse mandamento repele normas que utilizam
conceitos indeterminados ou demasiadamente gerais e exige a formulação exaustiva das ações ou
omissões que quer alcançar e das propriedades ou características dos fatos e de todas
circunstâncias necessárias e suficientes de sua incidência ou aplicação.
No direito tributário vige o princípio da legalidade estrita que exige que a lei tributária
descreva uma situação que, ligada a um fato de possível ocorrência, seja necessária e suficiente
para estabelecer uma relação jurídica. Essa relação pode ser decomposta em cinco aspectos, a
saber: (a) o aspecto pessoal, com a indicação dos sujeitos da relação, o sujeito ativo e o sujeito
passivo; (b) o aspecto espacial, que indicará as circunstâncias de lugar, para o nascimento, vida e
extinção da relação jurídica tributária; (c) o aspecto temporal, que diz respeito às circunstâncias
de tempo relevantes para o estabelecimento da relação e do cumprimento da obrigação respectiva;
(d) o aspecto material, que deve corresponder à descrição dos elementos substanciais do fato, ou
conjunto de fatos, que servirão de suporte ao estabelecimento da relação; e (e) o aspecto
quantitativo, que determinará o quantum da prestação. Na doutrina de Alberto Xavier, a
instituição ou aumento de qualquer tributo está sujeito ao princípio da tipicidade tal como ocorre
com as normas penais, cujos corolários são: o princípio da seleção; o princípio do numerus
clausus; o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou tipicidade fechada.3 Esses
corolários são aspectos do princípio da legalidade tributária que devem ser considerados pelos
legisladores e pelos intérpretes-aplicadores das normas tributárias em geral, porque eles têm a
finalidade de reduzir as possibilidades de arbítrio da interpretação e na aplicação das normas
jurídicas.4
O princípio da legalidade estrita tem intrínseca relação com o princípio da segurança
jurídica, o qual requer que as normas possuam densidade semântica suficiente para estabelecer de
forma razoavelmente clara o que deve ser feito, isto é, o que é proibido, o que é permitido e o que
é obrigatório fazer. Se não for possível estabelecer uma linguagem inequívoca, é necessário, no
entanto, que as normas sejam claras o suficiente para evitar o arbítrio. Enfim, os cidadãos devem
ter condições de saber o que deve ser feito (o que é permitido, obrigatório ou proibido) e estimar
quais as consequências de seus atos. O referido princípio é, por um lado, instrumento de proteção
e conformação da liberdade e, por outro lado, de freio ao arbítrio estatal e à intervenção não
autorizada em sua esfera particular. Na base do princípio da legalidade tributária está a ideia de
tributação consentida porque ela só se legitima se decorre de lei votada e aprovada pelos
representantes dos próprios cidadãos.
1.2.2Irretroatividade
Via de regra, as normas jurídicas devem prescrever consequências para situações que ainda
estão por acontecer; ou seja, elas não podem, no presente ou para o futuro, estabelecer
consequências diferentes das previstas antes da ocorrência dos fatos. Todavia, certas normas
visam a efeitos sobre fatos passados, isto é, tomam fatos já acontecidos e atribuem a eles
consequências não previstas quando da ocorrência deles. Assim, retroatividade ocorre “toda vez
que uma relação de direito ou de fato é influenciada ou empolgada pela nova norma, como se
desde o princípio tivesse estado sob a regência da mesma”, ou seja, assenta-se na ficção da
preexistência da nova norma.5
Em face do princípio que consagra a segurança jurídica, as normas devem, via de regra,
alcançar apenas fatos que ocorrem após o seu advento. A norma retroativa é sempre excepcional
e pode ser aceita como cláusula que dá maior efetividade às normas constitucionais que formam
o núcleo de justiça de um ordenamento jurídico. Assim, a finalidade primordial do princípio da
irretroatividade é proteger os indivíduos contra mudanças não válidas das “regras do jogo”.
Toda norma retroativa choca-se com o princípio da segurança jurídica porque atribui
consequências a ações ou omissões que não estavam postas no momento em que ocorreram e, em
razão disso, as pessoas não tinham condições de aquilatar o que deveria ser feito (o que era
proibido, permitido ou obrigatório) e as consequências respectivas. O princípio constitucional da
irretroatividade repele normas que veiculam retroatividade absoluta e, em certas circunstâncias,
repele também os casos de retroatividade relativa, o que ocorre quando fatos são colhidos por
novas regras depois do início de sua produção sem que as pessoas tivessem condições de prever
tais mudanças. Esse princípio deve ser entendido e aplicado juntamente com o princípio da
anterioridade e de outras medidas constitucionais que constituem o halo protetor da segurança
jurídica, tais como: o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Problemas com a aplicação do princípio da irretroatividade surgem quando do advento das
chamadas “normas interpretativas”, que são editadas com a finalidade de corrigir imperfeições
(lacunas ou obscuridades) de leis (normas) preexistentes ao seu advento. Para Oliveira Ascensão,
a emissão de uma lei interpretativa é o processo usual de realização da interpretação autêntica,
mas as normas nela contidas serão sempre retroativas. A norma interpretativa, diz o douto jurista,
é sempre retroativa porque “a fixação de um sentido da lei anterior como único admissível é uma
nova injunção” e seria uma ficção pretender que o sentido imposto pela nova norma “foi sempre
o verdadeiro”. Assim, a lei nova vem regular o passado, então é necessariamente retroativa.6
Discorrendo sobre as leis interpretativas, Caio Mário da Silva Pereira afirma que, “embora
cronologicamente posterior à lei interpretada, é considerada como se fosse contemporânea dela,
e, por uma ficção, entende-se que a lei interpretativa, tomando o lugar da outra, é a própria lei
interpretada”.7 Por sua vez, Limongi França considera que não existem critérios para se
determinar, a priori, se a lei interpretativa será ou não retroativa, de modo que somente “os dizeres
de cada texto e as circunstâncias do caso” é que fornecerão os critérios de decisão.8
Assim, uma norma com finalidade interpretativa, editada pelo mesmo órgão encarregado da
edição de leis, no âmbito da chamada interpretação “autêntica”, não é considerada produto de
uma atividade hermenêutica, mas sim um processo de integração normativa. Em certas
circunstâncias, a norma editada com esse propósito não será válida em face da proibição de
retroatividade e resguardo da coisa julgada e dos direitos adquiridos, consagrados no inciso
XXXVI do art. 5º da CF.
1.2.3Anterioridade
No campo do Direito Tributário há um importante mandamento que conforma o poder de
tributar. Trata-se do “princípio da anterioridade” previsto no inciso III, b, do art. 150 da CF, que
estabelece a proibição de cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Assim, salvo as exceções referidas no § 1º do art. 150 da Constituição de 1988, a lei tributária
que cria ou aumenta tributo só poderá produzir efeitos, vale dizer, obrigar alguém, no exercício
financeiro (que corresponde ao ano civil) subsequente. Existem situações em que o princípio da
anterioridade se manifesta de forma diversa da explicitada no art. 150, antes referido. Assim,
podem ser exigidos, logo que instituídos os impostos extraordinários de guerra, os empréstimos
compulsórios por motivo de guerra ou em razão de calamidade pública. As contribuições sociais
previstas no art. 195 da CF, e somente elas, devem observar o prazo de noventa dias para que
possam ser exigidas ou aumentadas. A Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003,
estabeleceu que não podem ser cobrados os tributos antes de decorridos noventa dias da data em
que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, sem prejuízo da exigência da
anterioridade anual, se for o caso.
A função teleológica do princípio da anterioridade da lei tributária é repelir a edição de leis
restritivas de direitos de surpresa, sem que seja dado aos sujeitos passivos um prazo razoável para
organizarem sua vida e seus negócios. O respeito ao princípio constitucional da anterioridade da
lei tributária repousa na garantia individual que têm os sujeitos passivos, ou os que se tornarão
sujeitos passivos, no caso de tributo novo, de conhecer, com razoável antecedência, a nova lei a
que deverão se submeter e possam avaliar o gravame que a tributação acarretará em sua vida ou
nos seus negócios diante de novas “regras do jogo”.
1.2.4Isonomia ou igualdade
À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado instituir qualquer dos
tributos de sua respectiva competência, atribuindo tratamento desigual aos sujeitos passivos que
se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos.
Esse princípio é uma das manifestações do magno princípio da igualdade, constante do
capítulo dos direitos e garantias fundamentais. Ainda no preâmbulo da Carta da República de
1988 há a primeira referência ao princípio da isonomia quando predica os valores supremos que
deverão guiar o Estado e a sociedade brasileira. A igualdade é reafirmada como princípio capital
da Carta Política de 1988 nas relações internacionais, no inciso V do art. 4º.
Trata-se de princípio fundamental da ordem jurídica brasileira. Para José Souto Maior
Borges,9 o princípio da isonomia, ao lado dos princípios da legalidade, da universalidade da
jurisdição, e do princípio do contraditório, forma o cerne dos direitos e garantias individuais da
CF de 1988. A igualdade é princípio fundamental do Estado de Direito e dos ideais republicanos,
daí ser atual a lição de Montesquieu segundo a qual “todos os homens são iguais no governo
republicano; são também iguais no governo despótico: no primeiro, por serem tudo; no segundo,
por serem nada”.10
A existência deste princípio, no texto constitucional, cria para os cidadãos um direito
subjetivo que consiste nas seguintes máximas: (a) se não há nenhuma razão suficiente para a
permissão de um tratamento desigual, então está ordenado o tratamento igual; e (b) se há uma
razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento
desigual.11 Em relação ao primeiro comando, há a obrigação do Estado de omitir determinados
tratamentos desiguais, enquanto no segundo há obrigação de omitir determinados tratamentos
iguais.
1.2.5Capacidade contributiva
O § 1º do art. 145 da Constituição dispõe que “sempre que possível os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
A cobrança de tributos e contribuições visam a dotar o Estado dos recursos necessários à
sua manutenção, retirando-se dos cidadãos uma parcela de sua riqueza. Todavia, para que um
cidadão possa ser incluído entre aqueles que irão contribuir para as receitas do Estado, é de
fundamental importância que revele condições de suportar a exigência que a lei tributária cria, ou
seja, a exação deve guardar proporcionalidade com essa capacidade. Essa exigência de
proporcionalidade se irradia para as contribuições, sem dúvida alguma. Também em relação a
elas, a obrigação tributária que surge da ocorrência do fato gerador deve ser dimensionada
segundo a capacidade que, virtualmente, o sujeito passivo deverá ter. Se assim não fosse, estariam
abertas as portas para o arbítrio, um absurdo que deve ser conjurado.
Na lição de Geraldo Ataliba, esse princípio traduz-se na exigência de que a tributação seja
modulada de modo a adaptar-se à riqueza dos contribuintes, e:
“Implica que cada lei tributária tenha por efeito atingir manifestações, ou aspectos
dessa riqueza, sem destruir sua base criadora.”12
Também Alberto Xavier adverte que “não basta que o imposto tenha como fato gerador e
base de cálculo fatos reveladores de capacidade contributiva: é ainda necessário que o imposto
seja graduado em face de manifestações diferenciadas dessa mesma capacidade”.13
O bem jurídico que o princípio da capacidade contributiva visa a proteger é a distribuição
da carga tributária de forma razoável; de um ponto de vista funcional, ele visa a estabelecer
critérios indispensáveis a preservar a fonte produtora da riqueza. A razão última do referido
princípio é a justiça do sistema tributário.
A concretização do princípio da capacidade contributiva é feita pela lei, segundo critérios
técnicos ou de valoração adotados pelos legisladores, e não está desconexa do postulado da
tributação consentida. Segundo Tulio Raúl Rosembuj, “a noção de tributo resulta da convergência
do princípio da legalidade e da capacidade contributiva, convergência que marca, frente a cada
tributo, sua legitimidade constitucional”.14 O nosso Alfredo Becker15 afirma que:
“somente o legislador ordinário está juridicamente obrigado por esta regra
constitucional e sua obrigação consiste no seguinte: ele deverá escolher para a
composição da hipótese de incidência da regra jurídica criadora do tributo,
exclusivamente fatos que sejam signos presuntivos de renda ou de capital. A
desobediência, pelo legislador ordinário a esta regra constitucional, tem como
consequência a inconstitucionalidade da lei”.
O princípio da capacidade contributiva (ao lado da isonomia e proporcionalidade) faz parte
do núcleo das normas que visam a realizar os ideais de justiça da ordem jurídica positiva de nosso
país. Portanto, nesta condição, ele adquire importância sistemática que o credencia a ostentar a
posição de princípio fundamental de proteção dos direitos e garantias individuais que se projetam
sobre a vida de todas as pessoas, individuais ou coletivas. Como princípio fundamental que é,
goza de supremacia sobre todas as demais normas do sistema de direito positivo e estabelece
pautas e conteúdos formais e materiais que não podem ser olvidados pelo legislador e pelo
aplicador das normas tributárias em geral. Os aplicadores (legisladores e intérpretes) devem dar-
lhe a máxima efetividade possível.
1.2.6Proibição de confisco
De acordo com o inciso IV do art. 150 da CF, as pessoas políticas que nele receberam
autorização para impor e arrecadar tributos ficam impedidas de utilizar os tributos para fins de
confisco patrimonial. É voz corrente que esse princípio se presta a proteger a liberdade e a
propriedade contra a investida desproporcional e abusiva do Estado contra os cidadãos. Além
dessa função protetora, esse princípio faz parte do núcleo dos princípios que conferem justiça a
determinado sistema normativo, na medida em que exige que a carga tributária seja determinada
debaixo de parâmetros de razoabilidade.16
Uma ideia conexa ao princípio da vedação ao confisco é a da vedação à exigência de tributos
proibitivos, assim considerados aqueles que asfixiam ou destroem determinada categoria de
pessoas ou atividade econômica, impedindo-a de desenvolver-se livremente.17 Além dessas
virtudes, traduz a ideia de justiça do sistema tributário.18
Existem pelo menos duas teorias que podem ser adotadas para justificar a existência ou não
de uma norma que contraria o princípio da vedação ao confisco. A primeira predica que essa
consideração quantitativa deve ser feita de forma individual, ou seja, cada tributo, em si, é que
deve se submeter ao teste de validade. Por outro, a segunda teoria afirma que a consideração deve
ser global, isto é, a soma de todos os tributos é que seria o parâmetro de verificação.
Qualquer uma das duas teorias não pode oferecer soluções seguras acerca dos problemas de
indeterminação semântica desse princípio. Logo, haverá situações em que a aferição da aderência
ou não das regras tributárias a esse princípio só poderá ser feita diante de casos concretos, segundo
as condições fáticas e jurídicas existentes. Ademais, há que se considerar que uma tributação
excessiva pode inviabilizar negócios e empresas, dependendo de situações cíclicas, permanentes
ou passageiras.
1.3SUPREMACIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
As normas constitucionais gozam de supremacia sobre todas as demais que fazem parte do
ordenamento jurídico vigente. Via de regra, a interpretação de princípios constitucionais se
converte na aplicação de regras que dizem respeito a importantes direitos fundamentais, como a
liberdade e o patrimônio, por exemplo, razão pela qual tal interpretação deve privilegiar o
desenvolvimento desses direitos. Tal interpretação deve ser conduzida com base em cânones que
estabelecem princípios, diretrizes ou pautas que devem conduzir a uma interpretação que prestigie
a mais ampla proteção e a menor restrição possível a esses direitos fundamentais.
Entre aquelas diretrizes está o princípio da unidade constitucional, o qual parte do
pressuposto de que o conjunto dessas normas constitui um todo, um “articulado de sentido”. Esse
postulado repele a interpretação fragmentária das normas constitucionais porque considera que
elas estão irremediavelmente ligadas por um efeito integrador que é cimentado pelo código de
valores vigentes em determinada comunidade.19 As normas constitucionais têm supremacia sobre
todas as outras, razão pela qual representam o fundamento último de validade de todas as normas
jurídicas positivas. Entre aquelas e essas há um vínculo lógico, uma relação de subordinação e de
coordenação, que pode ser de caráter formal ou material. Uma norma guarda congruência formal
com a Constituição quando é produzida (discutida, votada, promulgada e publicada) de acordo
com as regras do processo legislativo que a CF estabelece. Por outro lado, há compatibilidade
material quando a norma inferior não dispõe de forma contrária ao que a norma constitucional
estabelece.
As normas jurídicas constitucionais, em grande parte, dispõem sobre os chamados “direitos
fundamentais” e eles podem, em certas circunstâncias fáticas e jurídicas, entrar em colisão porque
têm o mesmo campo material de incidência. Para resolver questões atinentes a tensões ou colisões
entre aquelas normas, o intérprete deve buscar harmonização entre elas. Esse é o postulado do
princípio da concordância prática, segundo o qual, sem boas razões, as normas não se excluem,
mas se harmonizam sempre.
Por outro lado, as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas segundo
o princípio da máxima efetividade. Esse postulado desempenha importante papel quando estão
em jogo questões que dizem respeito a direitos fundamentais e liberdades públicas, porque ele
indica que seja dada a maior amplitude protetiva possível e permitida a menor restrição possível
a esses direitos fundamentais. O princípio da máxima efetividade é reforçado pelo mandamento
que proíbe restrições não razoáveis aos direitos fundamentais. Assim, as leis não podem restringir
esses direitos além do que a própria Constituição já faz, de modo que as interferências ou
restrições devem ser mínimas ou excepcionais, isto é, devem ser limitadas ao necessário para
salvaguardar outros direitos e interesses consagrados no texto constitucional.20 A regra é a máxima
efetividade; a restrição é a exceção.
1.4NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO
Como visto, na Carta Política de 1988, a distribuição do poder jurídico entre as pessoas
políticas de direito constitucional interno foi feita, em certos casos, de forma minuciosa, mas uma
parte do conteúdo e da extensão do poder de tributar é conformada pelas chamadas “normas gerais
de direito tributário” a serem veiculadas por lei complementar em face do disposto no art. 146 do
texto constitucional.
Uma lei complementar com tal conteúdo visa a dar condições de aplicação, em concreto, de
diversas normas constitucionais. Ela permite que princípios e regras da Constituição Federal
sejam postos em movimento no campo do poder de tributar atribuído às pessoas políticas.
Todavia, nem toda norma constante do corpus de lei complementar porta uma relação de
subordinação que é inerente a qualquer construção jurídica baseada na hierarquia;21 ou, dizendo
de outro modo, nem toda norma constante de uma lei complementar desempenha o papel de
“norma geral”.
O art. 146 da CF estabelece que às leis complementares cabem as funções de: (a) dispor
sobre os conflitos de competência entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal; (b) regular
as limitações ao poder de tributar; e (c) estabelecer normas gerais de direito tributário. O inciso
III do art. 146 da CF, por outro lado, prescreve que uma lei complementar deve estabelecer as
normas gerais de direito tributário, especialmente sobre: (a) definição de tributos e suas espécies
e o fato gerador, base de cálculo e os contribuintes dos impostos discriminados na Constituição;
(b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (c) o adequado tratamento
tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; e (d) definição de
tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.
1.4.1Código Tributário Nacional
O CTN, embora concebido como lei ordinária, alcançou, em virtude de formulação
doutrinária e principalmente da jurisprudência, o status de lei complementar, e com essa
dignidade, ainda hoje, cumpre o papel constitucional de norma geral de direito tributário a que se
refere o inciso III do art. 146 da CF de 1988. Assim, o CTN foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, consoante deflui da lição do ilustre Ministro Moreira Alves, por ocasião do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 101.084-PR.22 Ensina o ilustre Ministro que:
“Há, pois, inegável choque a esse propósito, entre o preceituado pelo CTN – que
se apresenta como lei complementar – e o dispositivo em causa que integra lei
ordinária.”
O CTN ainda é um diploma normativo que sempre esteve sujeito a metamorfoses. A
primeira ocorreu quando da sua edição em que uma lei ordinária foi convertida em lei
complementar, como vimos. Com o advento da CF de 1988, o CTN sofre nova mutação porque
passa a ter normas típicas e próprias de leis complementares ao lado de preceitos que não ostentam
esse atributo.
O CTN é lei nacional. As leis nacionais, segundo Geraldo Ataliba, não se circunscrevem ao
âmbito de qualquer pessoa política, mas transcendem a todas. Não se confundem com lei federal,
estadual, distrital ou municipal, e têm o seu campo próprio e específico, excludente do das leis
editadas pelas pessoas políticas, e reciprocamente.23 Assim, as normas tributárias editadas pela
União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão subordinadas a duplo controle; em face da
CF e em face do CTN; em qualquer caso, estamos diante de um problema de validade
constitucional.
1.4.2Conceitos de direito privado
O art. 110 do CTN estabelece que
“a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,
conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis
Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias.”
O preceptivo transcrito, a despeito dos diversos problemas semânticos, tem importante
função pragmática na medida em que estabelece um limite ao exercício da competência tributária,
reafirmando a densidade jurídica superior das regras e dos princípios da CF, onde a distribuição
de parcelas do poder jurídico é feita de forma bastante rígida e quase exaustiva. Por outro lado, o
preceito se refere, de forma indevida, às Constituições dos Estados e às Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios. Tal referência é equivocada porque a CF, e apenas ela, é fonte
normativa da competência tributária de todas as pessoas jurídicas de direito constitucional interno.
A interpretação do art. 110 do CTN, antes transcrito, não pode ser feita de forma dissociada
do art. 109 do mesmo texto normativo, segundo o qual “os princípios gerais de direito privado
utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e
formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”. De acordo com o art. 109 do
CTN, a pesquisa sobre os “institutos, conceitos e formas do Direito Privado” serve para esclarecer
as eventuais questões significativas das normas tributárias que a eles se referem, mas não para
definição dos efeitos tributários. A definição dos efeitos tributários é sempre dada pela norma
jurídica tributária que pode, na hipótese normativa, fazer referência a fatos ou situações que já
tenham qualificação jurídica. Tal definição, todavia, não é arbitrária nem inflexível.
1.4.3Interpretação e aplicação de normas tributárias
O CTN contém regras acerca da interpretação das normas tributárias e sobre seus efeitos. A
inserção no ordenamento jurídico de regras sobre interpretação e aplicação do Direito pode ser
justificada pelo fato de que elas podem prestar relevantes serviços à segurança jurídica, já que são
editadas com o propósito de fixar diretrizes e critérios para os intérpretes, evitando, tanto quanto
possível, a produção de decisões que sejam contraditórias.
No plano teórico, a interpretação jurídica visa à resolução de questões suscitadas em uma
situação interpretativa, que pode dizer respeito ao espectro normativo de dada norma ou sobre a
validade de normas, ou ainda sobre a existência e validade de um fato jurídico. No plano da
validade são discutidas questões relativas à compatibilidade formal ou material de uma norma em
face de outra ou outras; a validade de provas de atos praticados; existência de vícios formais ou
de vontade; capacidade das pessoas; prazos de decadência ou de prescrição; hipóteses de
preclusão do Direito postulado; a forma e o tempo das postulações; os indícios; a existência de
condição etc.24 É evidente que as questões sobre validade só podem ser suscitadas e resolvidas
quando superadas as questões atinentes ao campo normativo, ou de significação em sentido
estrito.
A aplicação das normas do Direito tributário se faz em distintos âmbitos. Aqueles que estão
sujeitos a elas as interpretam porque pretendem compreender o que deve ser feito (o que é
permitido, proibido ou obrigatório). Pretendem avaliar os efeitos econômicos das normas sobre
suas vidas e organizar as suas operações da maneira que melhor lhes convier. Aplicam as normas
quando realizam as condutas previstas no suposto normativo (cumprem obrigações tributárias e
deveres formais) ou quando se omitem. A administração tributária também aplica a lei quando:
(a) edita atos normativos de caráter regulamentar ou interpretativo, como são os pareceres
normativos e as soluções de consulta previstas na Lei nº 9.430/96; (b) expede o lançamento
tributário como ato final de um processo de fiscalização; e (c) quando julga as impugnações e
recursos apresentados pelos sujeitos passivos na forma das normas que regem o processo
administrativo. Os juízes e tribunais também interpretam e aplicam a lei tributária para resolução
das demandas que lhes são apresentadas e podem fazer juízos de validade (constitucionalidade ou
inconstitucionalidade) das leis e atos normativos.
1BILAC PINTO. Estudos de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1953. p. 73.
2DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone,
1996. p. 61.
3XAVIER, Alberto Pinheiro. Manual de direito fiscal. Lisboa: Almedina, 1974. v. 1, p. 118;
e Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 18.
4SEABRA FAGUNDES, M. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio
de Janeiro: Forense, 1967, p. 112-113.
5MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955.
p. 13 e 21.
6ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001. p. 601-602.
7SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. v. 1, p. 70.
8LIMONGI FRANÇA, Rubens. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 192-193.
9BORGES, José Souto Maior. A isonomia tributária na Constituição de 1988. Revista de
Direito Tributário, nº 64, p. 13.
10MONTESQUIEU, Barão de La Brède e de. O espírito das leis. São Paulo: Abril Cultural,
1973. p. 91.
11ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés.
Madri: CEC, 1997. p. 416-417.
12ATALIBA, Geraldo. Progressividade e capacidade contributiva. Em: Princípios
constitucionais tributários. Separata da Revista de Direito Tributário. São Paulo: Idepe, 1991.
p. 50.
13XAVIER, Alberto. Inconstitucionalidade dos tributos fixos por ofensa ao princípio da
capacidade contributiva. Em: Princípios constitucionais tributários. Separata da Revista de
Direito Tributário. São Paulo: Idepe, 1991. p. 50.
14ROSEMBUJ, Tulio. El hecho de contribuir. Buenos Aires: CDCS, 1975. p. 108.
15BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1972. p. 454.
16Sobre o assunto há decisão do STF quando do julgamento da ADIN (MC) 2010, cuja ementa
foi publicada no Diário de Justiça de 14 de abril de 2002.
17SAMPAIO DÓRIA, Antonio Roberto. Direito constitucional e due process of law. 2. ed. Rio
de Janeiro, 1986. p. 183-185.
18AGUERO, Antonio Aguilló. La prohibición de confiscatoriedad en el sistema tributario
español. RDT, nº 42, p. 32.
19Nesse sentido: PÉREZ LUÑO, Antonio Henrique. Derechos humanos, estado de derecho y
constitución. 6. ed. Madri: Tecnos, 1999. p. 276; MULLER, Friedrich. Métodos de trabalho
do direito constitucional. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 84;
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso
Bastos, 1999. p. 102.
20VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa
de 1976. Lisboa: Almedina, 1987. p. 228-229; MIRANDA, Jorge. Manual de direito
constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. t. 4, p. 306-320 passim; ALEXY,
Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madri:
CEC, 1997. p. 272-274.
21As leis complementares do nosso direito positivo assemelham-se às leyes orgánicas do direito
espanhol. Conferir: SIRVENT, José F. Chofre. Significado y función de las leyes orgánicas.
Madri: Tecnos, 1994. p. 63-94; e ROYO, Javier Peres. Las fuentes del derecho. 4. ed. Madri:
Tecnos, 1991. p. 61.
22Acórdão publicado na RTJ nº 112/394.
23ATALIBA, Geraldo. Leis nacionais e leis federais no regime constitucional brasileiro.
Em: Estudos em homenagem a Vicente Rao. Organizador: Péricles Prade. São Paulo: Resenha
Universitária, 1976. p. 131-132; BASTOS, Celso Ribeiro. Lei complementar: teoria e
comentários. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 29; ATALIBA, Geraldo. Normas gerais de direito
financeiro e tributário e autonomia dos Estados e Municípios. Revista de Direito Público. São
Paulo: Revista dos Tribunais, nº 10, p. 45, 1969; e LEAL, Victor Nunes. Problemas de direito
público. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 109.
24MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. p. 17-40; RÁO, Vicente. Ato jurídico. 4. ed. São Paulo: RT, 1994. p. 89-
156. passim; MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do ato jurídico: plano da existência. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 1995. p. 87-101.
2.1CONCEITOS DE RENDA E LUCRO
O art. 153, III, da Constituição Federal outorga à União o poder de instituir imposto sobre a
renda e proventos de qualquer natureza, e o inciso I do art. 195 autoriza a União a cobrar
contribuição social incidente sobre o lucro. O texto constitucional não contém elementos
linguísticos suficientes para que se afirme de pronto qual o sentido semasiológico de “renda” e de
“proventos de qualquer natureza”. Os termos são ambíguos, isto é, cada um tem mais de uma
significação e, além disso, existem várias teorias econômicas ou financeiras (da Ciência das
Finanças) que podem auxiliar na atribuição de sentido ao vocábulo “renda”, utilizado pela
Constituição Federal. José Artur Lima Gonçalves observa que essas diversas concepções
econômicas sobre a renda têm um núcleo e que neste estaria assentado um conceito constitucional
pressuposto de renda.1 Para o referido autor2o conceito constitucional de renda radica no de
acréscimo patrimonial, quando afirma:
“a restrição a ‘certas’ entradas e ‘certas’ saídas é imperativo do corte necessário à
análise, somente, daqueles eventos que tenham ontologicamente significado
relacionado ao conceito do acréscimo patrimonial que entendemos configurar
renda.”
O fato é que o “conceito constitucional de renda” tem sido traduzido por acréscimo
patrimonial, como tem decidido a nossa mais alta Corte de Justiça. De fato, o Plenário do STF,
por ocasião do julgamento do RE nº 117.887-6-SP, decidiu que “o conceito implica reconhecer a
existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o
ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso”. Existem outras manifestações daquele
tribunal no mesmo sentido, ou seja, de que a expressão renda e proventos de qualquer
naturezautilizada no texto constitucional significa que a lei tributária, ao erigir as hipóteses de
incidência desse imposto, deve erigir uma situação em que tenha ocorrido um acréscimo
patrimonial, isento de condições. No que diz respeito ao conceito de lucro, a Constituição é
igualmente omissa e existem dúvidas sobre a possibilidade de exigência da contribuição social
sobre os superávits de entidade que obtêm rendimentos que não decorram da exploração de
atividade empresarial, como são os denominados “fundos de pensão”.
2.1.1Acréscimo patrimonial
A noção de acréscimo patrimonial tem sido adotada como núcleo do fato gerador do imposto
de renda e como limite para fixação da base de cálculo; assim, a lei não poder tomar como base
tributável uma grandeza que não represente um acréscimo patrimonial ocorrido entre um período
estipulado na lei. Para as pessoas jurídicas, referida noção é normalmente associada ao conceito
de lucro que, segundo os preceitos das normas de direito contábil, é apurado quando o montante
das receitas sobeja o valor das receitas em determinado período. Ocorre que a adoção do lucro
como indicativo de um acréscimo patrimonial é problemática por pelo menos duas razões. Em
primeiro lugar, patrimônio de uma entidade, de acordo com as normas contábeis, pode sofrer
variação em razão do acréscimo ou decréscimo de lucro ou prejuízo e/ou por outros fatores que
interferem nos valores registrados como receitas e despesas, como são os denominados
“resultados abrangentes” que são apurados quando do registro de mutações patrimoniais que não
interferem nas receitas e despesas do período. Em segundo lugar, a lei estabelece uma série de
ajustes ao valor do lucro que é possível que uma entidade que apure prejuízo contábil venha a ter
que pagar imposto de renda e contribuição social. Além de tudo, há o fato de que a lei tributária
toma o valor de receitas como parâmetro de medição da renda ou do lucro auferidos que não
guardam nenhuma relação com a noção de lucro apurado segundo regras contábeis. Nesse caso,
a tributação recai sobre um acréscimo patrimonial presumido e só é adotado por opção do sujeito
passivo.
Com base no que acima foi dito, parece claro que a noção de acréscimo patrimonial não é
constituída por mores matemáticos, e, em decorrência, não é razoável negar que o legislador tem
algum poder de configuração para eleger a medida do acréscimo tributável, ou, dizendo de outro
modo, para determinar como deve ocorrer a mensuração do referido acréscimo patrimonial para
fins de cálculo do imposto de renda ou da contribuição social – que é, a rigor, um adicional
daquele em razão da identidade de bases de cálculo. O CTN indica que a base de cálculo possível
do imposto é o lucro real, presumido ou arbitrado, mas a configuração final das referidas bases
de cálculo é feita por lei ordinária. O mesmo raciocínio se aplica à contribuição social sobre o
lucro.
2.1.2Tributação de ganhos obtidos em atividades ilícitas
Muito se discute acerca da validade da tributação dos rendimentos provenientes da prática
de atividades ilícitas, caracterizadas como crimes ou não. Em alentado estudo, Alfredo Augusto
Becker3 reprova a ideia de que fatos ilícitos possam integrar a composição da hipótese de
incidência da relação jurídica tributária. Para Wilhem Hartz,4 a tributação é justificável porque,
de outro modo, “seria uma ofensa ao princípio da igualdade do direito tributário e até significaria
um prêmio para a conduta imoral, se o contribuinte pudesse alegar a sua conduta imoral e ilícita
para livra-se da tributação”. Em 25 de agosto de 1998, a Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 77.530 – RS, decidiu que é legítima a
tributação de produtos financeiros resultantes de atividades criminosas, nos termos do art. 118 do
CTN. Há que se ter presente, portanto, que se essa decisão não pode ser considerada a última
palavra da Suprema Corte sobre o assunto ao menos indica uma tendência. Na jurisprudência do
Conselho de Contribuintes há a decisão proferida quando do julgamento do Recurso nº 139.395
(acórdão 104-20.657, de 18.05.2005) que considerou cabível a exigência de imposto de renda
sobre rendimentos de atividades ilícitas.
2.1.3Transferências de capital
Há um campo de penumbra significativa entre as diversas concepções de renda e as
denominadas “transferências de capital”, de que são espécies as indenizações, as doações, as
subvenções e os pagamentos pela subscrição de capital nos casos em que parte dos recursos seja
destinada à formação de reservas na forma da lei.
(a)Indenizações
O termo “indenização” possui mais de uma acepção. Como conceito de base, serve para
designar a retribuição ou compensação por reembolso de despesas ou por danos sofridos. Há quem
afirme que os valores recebidos a título de indenizações não podem ser alcançados pelo Imposto
de Renda, porque elas não representam riqueza nova. Na lição do Professor Roque
Carraza,5 “nelas não há geração de rendas ou acréscimos patrimoniais (proventos) de qualquer
espécie. Não há riquezas novas disponíveis, mas reparação, em pecúnia, por perdas de direitos”.
Assim também sucede com a indenização recebida em virtude de desapropriação de bens por
utilidade pública, por necessidade, ou por interesse social. Nesse sentido, aliás, já decidiu o
Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Representação nº 1.260-3-DF,6 onde
ficou decidido que “o quantumauferido pelo titular da propriedade expropriada é, tão só, forma
de reposição, em seu patrimônio, do justo valor do bem, que perdeu”. Assim, a Corte Suprema
declarou a inconstitucionalidade de dispositivo legal que pretendera fazer incidir imposto sobre o
valor recebido a título de indenização por desapropriação.
(b)Doações
Também os valores recebidos a título de doação não se amoldam ao conceito de acréscimo
patrimonial tributável pelo Imposto de Renda. Valores recebidos a esse título não constituem
acréscimos patrimoniais tributáveis porque o item I do art. 43 do CTN os define como sendo o
produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Ora, a doação, enquanto espécie de
contrato definido no art. 538 do Código Civil de 2002, é liberalidade do doador e, por isso, não
representa fruto produzido pelo capital ou pelo trabalho. Igualmente, a doação não participa da
classe dos proventos de qualquer natureza, porque neles é consubstancial o caráter remuneratório.7
(c)Contribuições para o capital
As contribuições dos sócios ou acionistas para formação do capital social de uma sociedade
não constituem acréscimos patrimoniais tributáveis, porque tal contribuição é um fato meramente
permutativo. De fato, como contraprestação aos aportes de capital os acionistas ou sócios recebem
ações ou quotas do capital social que representam verdadeiros títulos de crédito emitidos em seu
favor. Logo, a contribuição dos sócios ou acionistas não aumenta o patrimônio social da empresa
porque o valor da entrada é contraposto a uma dívida representada pelo título de crédito que é a
quota ou a ação.
Dúvidas podem surgir em relação aos aumentos de capital social em sociedade em marcha
que são feitos por valor acima do nominal ou patrimonial, isto é, com ágio. Na doutrina de Rubens
Gomes de Sousa,8 o ágio é um preço de entrada que a sociedade cobra dos novos acionistas, para
restabelecer o equilíbrio patrimonial entre eles e os antigos, indenizando a estes pelo fato de que,
aqueles, pagando apenas o valor da subscrição (nominal), entram para a sociedade com iguais
direitos. Isto ocorrendo, a lei societária determina que o valor do ágio seja registrado em conta
Reserva de Capital, e a lei tributária estipula que não será tributada pelo imposto de renda no caso
de sociedades por ações.9 Ocorre que o valor do ágio passa a integrar o patrimônio social da
entidade, que dele pode dispor, e, deste modo, trata-se de um acréscimo patrimonial que poderia
vir a ser alcançado pela norma impositiva.
(d)Subvenções
Também em relação às subvenções existem diversos problemas interpretativos. Assim, de
acordo com a redação original da alínea “d” do § 1º do art. 182 da Lei nº 6.404/76, os valores
relativos a doações e subvenções recebidos pelas empresas deveriam ser registrados em conta de
Reserva de Capital, não compondo, portanto, o resultado e o lucro líquido do exercício. O preceito
da lei societária foi revogado com o advento da Lei nº 11.638/07. Independentemente do regime
jurídico legal, o fato é que os valores recebidos a título de doação e subvenções, nada obstante o
fato se serem signos representativos de incrementos patrimoniais, não decorrem – propriamente
– da exploração do capital e do trabalho, mas podem vir a serem qualificados como “proventos
de qualquer natureza”. As subvenções recebidas sob condição de haver prestação de contrapartida
(isto é, onerosas) em princípio não deveriam ser qualificadas como acréscimos patrimoniais
porque os recursos recebidos ficam comprometidos com o cumprimento das obrigações que a
pessoa jurídica recipiente vier a assumir, sendo considerada como ganho apenas a parte que
sobejar do confronto entre os valores recebidos e os empregados para cumprimento das
obrigações assumidas.
2.2O CONCEITO DE RENDA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
O art. 43 do CTN, com redação que lhe foi dada pela Lei Complementar nº 104/01, passou
a ter seguinte enunciado:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de
qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica
ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação
de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do
rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem
e da forma de percepção.
§ 2º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá
as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de
incidência do imposto referido neste artigo.”
O primeiro parágrafo prevê que a incidência do imposto independe da denominação da
receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem
e da forma de percepção. O § 2º prescreve que na hipótese de receita ou de rendimento oriundos
do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade para
fins de incidência do imposto de renda. Perceba-se que o § 2º comete à lei a faculdade de
determinar o momento da disponibilidade – vale dizer, da instauração da relação jurídico-
tributária – para “receita” ou “rendimento” e não o faz em relação aos “lucros”. Em linguagem
ordinária, lucro é um produto, um resultado do confronto entre valores positivos e negativos em
determinado período. Dentre esses valores positivos podem estar receitas e rendimentos, mas eles
não se confundem com os lucros.
O § 2º do art. 43 do CTN é norma de competência que defere ao legislador ordinário o poder
de estabelecer qual o momento em que pode ser exigido o imposto em relação a receitas e
rendimentos oriundos do exterior. Ele não cogita dessa mesma possibilidade em relação aos
“lucros” e ainda que o fizesse ele não poderia ser interpretado sem o concurso do caput. A norma
de competência é para estabelecer um momento, entre tantos possíveis, em que certas parcelas
podem ser tributadas desde que esse momento seja compatível com a aquisição e disponibilidade
do acréscimo patrimonial. Logo, o preceito do § 2º do art. 43 não tem significação dissociada do
contexto em que está posto; não se pode compreendê-lo senão em harmonia com o preceito
do caput. Não é ocioso lembrar que o pensamento jurídico é um pensamento sistemático, e isso
funciona como um postulado que não pode ser olvidado em qualquer atividade interpretativa;
logo, o direito exige o pensar sistemático, e, por conseguinte, não é razoável supor que o § 2º do
art. 43 possa ser interpretado de forma dissociada do caput.
Além disso, há que se considerar o fato de que o preceito do § 2º do art. 43 do CTN foi
concebido originalmente para “concordar” ou guardar pertinência lógica com a pretendida
modificação do texto do art. 44 do CTN que não vingou, isto é, não foi adotada pela Lei
Complementar nº 104/01. De fato, o projeto de lei complementar original que visava modificar o
CTN foi remetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional através da Mensagem nº
1.459, de 7 de outubro de 1999. Esse projeto, que recebeu o nº 77/99, propunha mudança também
no texto do art. 44 do CTN, o qual passaria a ter a seguinte redação:
“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante:
I – da receita ou do rendimento, ou da soma de ambos, deduzidos os valores
admitidos em lei, observados os limites por ela fixados, em função da atividade
econômica; e
II – do acréscimo patrimonial, de qualquer natureza.
§ 1º A lei especificará as hipóteses e as condições em que se admitirá seja a base
de cálculo do imposto determinada de forma presumida ou arbitrada.
§ 2º A base de cálculo presumida não poderá ser superior ao valor apurado na forma
do caput, determinado em função dos limites ali referidos.”
Como se vê, há uma indissociável relação de interdependência entre o art. 43 e o art. 44 do
Projeto de lei enviado ao Congresso Nacional. Ocorre que esse texto do art. 44 – na forma como
foi proposto – não se tornou direito positivo. Tivesse isso ocorrido, certamente o imposto sobre a
renda teria se convertido em imposto sobre receitas. O texto da “Exposição de Motivos” do
Projeto de Lei Complementar nº 77, subscrito pelo Ministro da Fazenda, enfatiza esse propósito
quando afirma:
“A nova redação dos arts. 43 e 44, que tratam do imposto sobre a renda, adota
como base primária de incidência a renda em seu conceito bruto, assim entendido
a receita ou rendimento, possibilitando, assim, a instituição, por meio de lei
ordinária, de um imposto de renda mínimo.”
Ocorre que a nova do art. 44 do CTN não foi aprovada, e, portanto, não se transformou em
Lei; todavia, foram votados e aprovados os acréscimos ao texto do art. 43, de modo que esse
arranjo acabou por quebrar a pertinência lógica entre eles estabelecida pelo projeto. Logo, o
propósito inicial de converter o imposto sobre a renda em imposto sobre receita não vingou. A
nova lei não operou essa conversão porque manteve inalterada a redação do caput do art. 43 que,
como é sabido, indica de forma expressa que o critério material do imposto é sempre um
acréscimo patrimonial. Logo, o imposto só pode incidir sobre acréscimo patrimonial,
representado pela diferença entre valores positivos e negativos ao cabo de determinado período.
Se a nova redação ao art. 44 do CTN fosse aprovada, alguma incompatibilidade existiria porque
teríamos um art., o 43, prescrevendo a tributação sobre acréscimos patrimoniais e outro, o art. 44,
autorizando a lei ordinária a instituir um imposto sobre a receita.
Portanto, parece claro e evidente que o Projeto enviado ao Congresso Nacional visava
modificar também o art. 44 do CTN, o que não ocorreu ao final. Em decorrência, a nova lei
manteve inalterada a redação do caput do art. 43 que, como é sabido, indica de forma expressa
que o critério material do imposto é sempre um acréscimo patrimonial. Logo, o imposto só pode
incidir sobre acréscimo patrimonial, representado pela diferença entre valores positivos e
negativos ao cabo de determinado período. O texto aprovado, e que introduziu dois parágrafos ao
art. 43 do CTN, não derrogou o caput e também não restringiu nem alargou o âmbito normativo
– o critério material – do imposto sobre a renda. Essa materialidade foi e continua a ser um
acréscimo patrimonial disponível, onde o conceito de “patrimônio” continua a desempenhar
importante função sistemática.
2.2.1Disponibilidade econômica ou jurídica
A lei tributária só pode alcançar a renda (sob a forma de acréscimo patrimonial) que estiver
disponível e essa disponibilidade deve ser qualificada, em cada caso, como
sendo jurídica ou econômica. A boa compreensão dos possíveis sentidos e do alcance do
vocábulo disponibilidade requer uma breve digressão sobre a incidência da norma jurídica
impositiva do Imposto sobre a Renda.
Disponibilidade, em sentido ordinário, traduz a ideia de atualidade, de possibilidade de
disposição sobre algo de forma incondicional; livre e desembaraçada. Na lição de José Luiz
Bulhões Pedreira, disponibilidade econômica é poder de dispor efetivo e atual, de quem tem posse
direta da renda; o que a caracteriza é a aquisição da posse da moeda ou de direitos dotados de
liquidez imediata (quasi-moeda). A disponibilidade jurídica, diz o autor citado, é presumida por
força de lei e abrange a aquisição virtual, e não efetiva, do poder de dispor de renda; a
disponibilidade é virtual quando já ocorreram todas as condições necessárias para que se torne
efetiva.10
É fato notório que as noções de disponibilidade referidas no texto do CTN evidenciam que
a tributação da renda só será consentida se estiver realizada. Pois bem, as diversas teorias
econômicas sobre a identificação da riqueza sob a forma de renda ou rendimento11 podem ser
resumidas a partir do singelo exemplo da “árvore e seus frutos” que serve para explicar os três
principais modelos de tributação da renda, que vêm a ser: (a) acréscimo; (b) consumo, e (c)
realização.12Assim, a noção de acréscimo é apropriada para fazer referência à valorização em cada
período considerado, de modo que a renda obtida é produto da valorização ocorrida entre uma
data e outra. Por outro lado, ocorre a realização quando houver a venda da árvore, de modo que a
riqueza aparece como realidade econômica com a transmissão da propriedade. Do ponto de vista
da tributação, no regime do acréscimo, o tributo é exigido quando constatada a valorização de
acordo com os critérios de mensuração previstos na lei; de outra parte, no modelo que leva em
conta realização, nenhum tributo é exigido durante o período de geração da riqueza pela
valorização, e, deste modo, a incidência tributária é diferida para o momento em que o bem vier
a ser trocado por outro.13 No modelo do consumo são tributos os frutos da árvore ou resultado da
venda dela própria, de modo que consumo pressupõe a realização.14
Os estudiosos da matéria afirmam que a questão da tributação com base na riqueza realizada
foi pioneiramente sancionada pela jurisprudência norte-americana quando do julgamento do
caso Eisner vs. Macomber no qual a Corte, no longínquo ano de 1920, decidiu sobre a validade
constitucional de uma lei que mandava cobrar imposto de renda sobre o montante dos dividendos
pagos em ações da própria sociedade (stock dividens).15 De acordo com Tomás Cantista Tavares:16
“A jurisprudência Eisner vs. Macomber é relevantíssima: dissocia, em termos
definitivos, a base fiscal da mera apreciação dos activos. Mas, vai ainda mais além:
conferiu dignidade e tutela constitucional ao rédito fiscal da realização.”
Logo em seguida, no entanto, no ano de 1921, a Corte, no julgamento do caso US vs.
Phellis, passou a admitir a validade da tributação dos stocks dividends, mas somente no casos em
que as ações entregues não fossem as da própria companhia que estava distribuindo os dividendos.
Nada foi dito acerca do princípio da realização, o que viria ocorrer mais tarde, em 1940, quando
do julgamento do caso Hervering vs. Horst, em que o princípio da realização
perdeu status constitucional para converter-se em regra técnica de política tributária.17
2.2.2Realização e separação da renda
Entre nós, Rubens Gomes de Souza18 escreveu vários trabalhos sobre a tributação da renda
que influenciaram os autores do CTN. Para o referido autor, o art. 43 do CTN tem como princípio
cardeal a ideia de “renda realizada”, sem, contudo, proibir que a tributação recaia sobre a “renda
separada”. Vejamos:
“A realização corresponde ao que o art. 43 do CTN chama ‘aquisição da
disponibilidade econômica’: ou seja, ao fato de ter a fonte produtora manifestado
um acréscimo de valor patrimonial ao qual (ou a parte do qual) o titular do
rendimento tem, ou virá a ter, direito adquirido em razão de uma título jurídico
atual ou futuro.”
Em seguida, discorrendo sobre a separação afirmou que ela está pressuposta na ideia de
“aquisição de disponibilidade jurídica” contida no mesmo preceito do CTN. Para o citado autor,
há realização quando a pessoa jurídica adquire lucro suscetível de distribuição como dividendo,
ou um ganho patrimonial suscetível de rateio como parte do ativo de liquidação. De outra parte,
há separação quando, neste mesmo exemplo, ocorre a efetiva distribuição dos dividendos ou do
ganho por ocasião do rateio do patrimônio remanescente aos sócios ou acionistas. E arremata,
dizendo:19
“Assim, o que o art. 43 do CTN realmente significa é que a tributabilidade do
rendimento pode preceder a aquisição, pelo contribuinte, da sua
disponibilidade jurídica (separação), mas não a sua disponibilidade econômica
(realização). O que vale dizer que a realização do rendimento é que configura na
realidade o fato gerador da sua tributação, e que a separação apenas exterioriza
aquela realização.”
Ao estabelecer que o imposto deva incidir sobre o rendimento realizado ou separado, o CTN
rechaça a tributação com base no mero acréscimo porquanto esta se baseia na simples valorização
do capital (do patrimônio como um todo, ou de alguns bens em particular), ou seja, sem que o
contribuinte tenha condições de pagar o imposto a menos que venha a se desfazer dos bens nos
casos em que estes não geram fruto ou se o valor destes frutos é ínfimo em relação ao total da
riqueza tributada. A incidência tributária sobre acréscimo nas atividades de venda de bens para
pronta entrega (prêt-à-porter) é plenamente justificável porque a realização da renda tende a ser
concomitante ou próxima do tempo de aquisição ou produção dos bens, e, portanto, a realização
de mensurações para se determinar o valor de mercado (valor justo) tornam-se inúteis e aumentam
os custos de cumprimento (compliance) e de fiscalização por parte da administração tributária.
Enfim, a tributação incidente sobre o acréscimo, ou seja, antes da realização, tende a ser
problemática porque requer a adoção de sofisticados critérios de valorização tornando impossível
o trabalho da fiscalização, e facilitando o caminho da evasão.20
A tributação com base na renda realizada atende a um critério de praticabilidade que
favorece tanto os contribuintes como o sujeito ativo, posto que ambos ficam em condições de agir
a partir de parâmetros mais ou menos objetivos para calcular e arrecadar os impostos incidentes
sobre a renda, o que favorece a segurança jurídica.21 A opção legal pela tributação da renda
realizada impede que o legislador estabeleça qualquer forma de tributação que recaia sobre ganhos
(ou mais-valias) não realizados; assim, a tributação com base na realização é compatível com a
ideia de separação, mas rechaça a tributação com base na valorização dos elementos patrimoniais.
A valorização, nesses casos, é um indicativo de lucro em potência que pode ou não se materializar;
algumas não passam de mera “esperança de lucro”, para adotar a expressão cunhada por Tullio
Ascarelli.22 Por ser contingente essa materialização, a lei tributária não pode alcançar tais
valorizações.
2.3FATO GERADOR DO IRPJ E DA CSLL
Em nível de legislação ordinária, o fato gerador do imposto de renda é medido com base no
lucro real, presumido e arbitrado. De outra parte, a contribuição social incide sobre o lucro líquido
ajustado. A base de cálculo é medida do fato gerador, de modo que, em ambos os casos, o fato
imponível é a obtenção de renda e de lucro, cuja expressão é dada, em cada caso, por um complexo
de normas.
A expressão lucro real consta do texto do art. 6º do Decreto-lei nº 1.598/77, que é a matriz
legal do art. 247 do RIR/99. Referido preceptivo legal estatui que o lucro real será obtido pela
soma algébrica das seguintes parcelas: (a) lucro líquido do período de apuração; (b) mais parcelas
de adição indicadas na lei como não dedutíveis; e (c) menos as parcelas relativas a exclusões
prescritas ou autorizadas em lei, e compensações de prejuízos anteriores. A palavra “real”
utilizada para qualificar lucro não designa algo determinável de acordo com a natureza das coisas,
e, deste modo, lucro real é conceito normativo construído pela lei, e, por isso, trata-se de realidade
relativa e cambiável. Por isso, nem o lucro real, nem o lucro contábil são conceitos absolutos. O
problema aqui não é de nomenclatura, mas sim o de saber em que medida o lucro real estipulado
pela lei ordinária “mede” ou não, com razoável precisão, um acréscimo patrimonial. Essa questão
se coloca, por exemplo, diante do fato de que certas normas de ajustes vigentes transformam
despesas em lucros escriturais sobre os quais fazem incidir o imposto.
O ponto de partida para determinação do chamado “lucro real” é o lucro líquido do período,
assim definido no art. 248 do RIR/99:
“Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do lucro
operacional, dos resultados não operacionais, e das participações, e deverá ser
determinado com observância dos preceitos da lei comercial.”
A expressão lucro líquido constante do enunciado linguístico do art. 248 do RIR/99 não
coincide, em termos semânticos, com o conceito de “lucro líquido” previsto no art. 191 da Lei nº
6.404/76. São expressões que têm a mesma grafia, mas designam diferentes aspectos da realidade.
O lucro líquido, como definido pela Lei nº 6.404/76, é o resultado do exercício menos as seguintes
parcelas: (a) o valor dos prejuízos acumulados; (b) o valor da provisão para o Imposto de Renda;
e (c) o valor das participações nos lucros atribuídas a administradores, empregados, partes
beneficiárias, fundos de previdência ou assistência de empregados e debêntures. Assim, dois
elementos que são considerados para efeito de determinação do lucro líquido pela lei societária
não são considerados pela legislação do Imposto de Renda. São eles: (a) os prejuízos acumulados;
e (b) a provisão para o Imposto de Renda.
Portanto, o lucro líquido que é base para determinação do lucro real não é o mesmo da Lei
nº 6.404/76, nada obstante o fato de que ambos devam ser determinados segundo os mesmos
critérios. De plano, fica claro que as normas que determinam os critérios de apuração do lucro
societário têm um propósito e as normas fiscais têm outros, nada obstante trabalhem com a mesma
matéria-prima, isto é, recortam a mesma porção da realidade.
Para fins de apuração do lucro real, ao valor do “lucro líquido” devem ser feitos ajustes
positivos (adições) e negativos (exclusões ou compensações) segundo a qualificação que é dada
por um vasto conjunto de normas jurídicas que estabelecem critérios gerais relativos: (a) à
dedutibilidade de despesas, custos e perdas em geral; (b) à retirada de certos acréscimos
patrimoniais do campo de incidência do imposto; e (c) à imputação temporal de cifras positivas
ou negativas.
Para determinação do cálculo da contribuição social também são exigidos ajustes ao valor
do lucro líquido, de modo que, na prática, as diferenças são mínimas.
1GONÇALVES, José Artur Lima. I mposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São
Paulo: Malheiros, 1997, p. 198. Para uma exposição sobre as diversas teorias sobre a renda,
vide: COSTA, Alcides Jorge. Conceito de renda tributável. Imposto de renda: conceitos,
princípios e comentários. Coordenador: Ives Gandra Martins. São Paulo: Atlas, 1996, p. 25; e
LEMKE, Gisele. Imposto de renda: os conceitos de renda e de disponibilidade econômica e
jurídica. São Paulo: Dialética, 1998, p. 60.
2Ob. cit. p. 182.
3BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1972, p.
546-561.
4HARTZ, Wilhem. Interpretação da lei tributária: conteúdo e limites do critério econômico.
Tradução: Brandão Machado. São Paulo: Resenha Tributária, 1993, p. 97.
5IR – Indenização – A Intributabilidade, por via de Imposto sobre a Renda, das Férias e
Licenças-Prêmios Recebidas em Pecúnia. Revista de Direito Tributárionº 52. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1990, p. 179.
6Publicado na LEX/JSTF 124/234.
7Vide, a propósito: MATTOS, Francisco Sousa. A doação e o imposto de renda. Estudos
Tributários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 186 a 206.
8SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres 2: imposto de renda. São Paulo: Resenha
Tributária/IBET, 1975, p. 142.
9Vide art. 442 do RIR/99.
10PEDREIRA, José Luiz Bulhões. I mposto sobre a renda: pessoas jurídicas. Rio de Janeiro:
Justec, 1979. v. 1, p. 119-120. No Recurso nº 121.969 (acórdão nº 101-93103, de 12.07.00),
do Conselho de Contribuintes, há seguinte trecho do voto do relator: “a disponibilidade jurídica
referida no artigo 43 do CTN, para ser considerada como fato gerador do imposto de renda, há
de ser líquida e certa”.
11Várias são as teorias econômicas que procuram explicar a origem da riqueza e suas
interferências na vida social, e, com a diversidade de teorias advém a multidão de nomes. Neste
trabalho adotamos o conceito amplo de rendimento e também o sinônimo renda para designar
a riqueza produzida por uma entidade e medida pela contabilidade, isto é, de acordo com as
leis contábeis vigentes no Brasil.
12TAVARES, Tomás Cantista. IRC e contabilidade : da realização ao valor justo. Coimbra:
Almedina, 2011, p. 50; TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital das pessoas
jurídicas. São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 24-25.
13Para Henry Tilbery (op. cit. p. 25): “O acréscimo gradativo pela valorização do bem enquanto
permanece em poder da pessoa – portanto não realizado – não deve constituir objeto da
tributação, pois o benefício ainda é hipotético e nem entrou na disponibilidade do contribuinte,
e mesmo podia, eventualmente, desaparecer antes de realizado.”
14Anoto que esses modelos não são prontos e apenas explicam certos aspectos do fenômeno
“tributação da renda”. O legislador ordinário pode seguir esses modelos, combinar um com
outros e estabelecer diferenças aqui e ali de acordo com os seus interesses e dos limites que a
ordem jurídica eventualmente lhe impõe.
15Um histórico do caso e uma análise das questões em jogo são encontrados na seguinte obra
de Rubens Gomes de Sousa: Pareceres 1: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária,
1977, p. 104-105.
16TAVARES, Tomás Cantista. IRC e contabilidade: da realização ao valor justo. Coimbra:
Almedina, 2011, p. 105.
17Idem, p. 105-106.
18SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres 1: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária,
1975, p. 117-118.
19Idem, p. 118.
20Esses problemas podem ser minimizados nos casos em que o capital valorizado é formado
por bens imóveis sujeitos ao imposto municipal sobre a propriedade cuja base de cálculo é, em
alguns Municípios, atualizada periodicamente pela edição de plantas de valores. Os problemas
são mais agudos para os capitais empregados na aquisição de participações em sociedades não
cotadas em Bolsa de Valores.
21TAVARES, Tomás Cantista. IRC e contabilidade: da realização ao valor justo. Coimbra:
Almedina, 2011, p. 107. Para autor: “ao fundar-se o rendimento fiscal na realização
contabilística acautelam-se, de uma assentada, vários interesses relevantes. O imposto não
interfere nos terrenos movediços do reconhecimento e mensuração do rendimento. O sistema
fiscal torna-se muito simples e seguro”.
22ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952, p. 210.
3.1MODALIDADES DE SUJEITOS PASSIVOS
O caput do art. 121 do CTN estabelece que sujeito passivo da obrigação tributária principal
é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e que pode ser revestido
da condição de: (a) contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que
constitua o respectivo fato gerador; e (b) responsável, quando, sem se revestir da condição
contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Por seu turno, o art. 122
estabelece que o sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que
constituam o seu objeto.
O art. 126 do CTN estabelece que a capacidade tributária independe: (I) da capacidade civil
das pessoas naturais; (II) de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação
ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração
direta de seus bens ou negócios; (III) de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando
que configure uma unidade econômica ou profissional. Por outro lado, o art. 128 do CTN declara
que, sem prejuízo do disposto no Capítulo V, a lei ordinária ou diploma normativo com força de
lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa,
vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte
ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
No mesmo texto legal são feitas referências ao responsável “solidário”, em decorrência de
“sucessão”, de “terceiros”, e “responsável por penalidades”.
No Brasil, o sujeito passivo do imposto de renda é sempre uma pessoa individualmente
considerada. O ordenamento jurídico não desconhece a existência de conglomerados ou grupos
societários, mas a tributação recai sobre os resultados que são apurados individualmente pelos
seus integrantes.
3.2PESSOA JURÍDICA, FIRMA E SOCIEDADE
De acordo com o art. 146 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999, são contribuintes
do imposto de renda as pessoas jurídicas e as empresas individuais. Em face do disposto no § 1º
daquele preceito, o mandamento compreende todas as firmas e sociedades, registradas ou não.
Todo contribuinte do IRPJ está obrigado a fazer a sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica – CNPJ; todavia, em situações extremas, a inscrição pode ser feita “de ofício” pela
autoridade competente. Nenhuma autoridade pode negar o registro, salvo nos casos previstos em
lei. De acordo com a decisão proferida pelo STJ quando do julgamento do Recurso Especial
1.103.009, de 2010, a administração tributária fica proibida de negar o registro ou criar
empecilhos ou restrições não razoáveis ao livre funcionamento de empresas fora das hipóteses
previstas em lei.
As sociedades podem ser personificadas ou não. Sociedade não personificada, na forma do
art. 986 do Código Civil, é aquela cujos atos constitutivos não forem inscritos (arquivados) no
órgão responsável. Antes do arquivamento há a sociedade em comum (a antiga sociedade
irregular), cujos traços essenciais constam dos arts. 987 a 990 do Código Civil. No que tange às
sociedades personalizadas elas são assim chamadas porque podem agir como sujeito de direito e
obrigações independentes de seus sócios ou acionistas. O marco inicial da personificação está
previsto no art. 45 do Código Civil, segundo o qual “começa a existência legal das pessoas
jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, procedida,
quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro
todas as alterações por que passar o ato constitutivo”. No tocante às sociedades empresárias, a
regra do art. 45 deve ser interpretada em consonância com a norma do art. 985 do Código Civil,
segundo a qual “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio
e na forma da lei, dos seus atos constitutivos” e também de acordo com a regra do art. 1.150, que
prescreve que a sociedade empresária vincula-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a
cargo das Juntas Comerciais ou do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, no caso de sociedades
simples que forem constituídas como sociedades empresárias.
Sociedades, no direito brasileiro, são de duas espécies: sociedade empresária e sociedade
simples pura: ambas são constituídas para explorar atividade econômica, mas somente a primeira
o faz por intermédio de uma “empresa”. O elemento fundamental para a qualificação de uma
sociedade como sendo “empresária” é a existência virtual de uma estrutura organizada para a
exploração da atividade econômica a que propõe. Na lição do professor Fábio Ulhoa
Coelho:1 “sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa”.
Para fins de aplicação das normas que tratam da sujeição passiva a distinção da lei civil é
irrelevante. Ademais, para esse fim, não importa a aquisição da personalidade jurídica, que é uma
decorrência do registro no órgão competente, de modo que, por conseguinte, o dever de pagar
tributos, segundo um dos regimes aplicáveis às pessoas jurídicas, independe da regularidade
formal ou material da sociedade ou da firma; basta que ela exista e que realize o fato imponível
previsto em lei.
O inciso I do art. 147 do Regulamento do Imposto de Renda veicula uma norma imperativa;
havendo uma pessoa jurídica – que surge como decorrência da aquisição de personalidade jurídica
(as sociedades não personificadas já estão contempladas nas regras do art. 146) – ela está apta a
ser contribuinte do Imposto de Renda corporativo e só não será no caso de haver – como há2 –
norma excludente desta obrigação.
São contribuintes, inclusive, as entidades submetidas ao regime de liquidação extrajudicial
e de falência em relação às operações praticadas durante o período em que perdurarem os
procedimentos para a realização de seu ativo e o pagamento do passivo. Se for decretada a
liquidação extrajudicial ou a falência, a pessoa jurídica continuará a cumprir suas obrigações
principais e acessórias nos mesmos prazos previstos para as demais pessoas jurídicas, inclusive
quanto à entrega da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ).
Neste caso, cabe ao liquidante ou síndico proceder à atualização cadastral da entidade, sem a
obrigatoriedade de antecipar a entrega da DIPJ.
São contribuintes do IRPJ as sociedades cooperativas, que calcularão o imposto sobre o
resultado do período de apuração, decorrente de operações com cooperados ou com não
cooperados. As sociedades cooperativas de consumo, que tenham por objeto a compra e o
fornecimento de bens aos consumidores (cooperados e não cooperados), sujeitam-se às mesmas
normas de incidência do IRPJ aplicáveis às demais pessoas jurídicas.
Da mesma forma, as sociedades em conta de participação (SCP) deverão calcular e recolher
a IRPJ com observância das normas fiscais aplicáveis às demais pessoas jurídicas. A Instrução
Normativa 1.470/14 impôs a obrigatoriedade de inscrição das sociedades em contas de
participação no CNPJ da Receita Federal do Brasil. O advento desse diploma normativo suscitou
pelo menos dois problemas; em primeiro lugar, surgiu a dúvida se a norma que impôs o registro
no CNPJ é ou não compatível com as normas do Código Civil que prescrevem que as SCPs não
têm personalidade jurídica. Em segundo lugar, existiam dúvidas se as novas normas alcançam ou
não as SCPs constituídas antes do advento da IN 1.470/14.
Os fundos de investimentos imobiliários, constituídos nos termos da Lei nº 8.668, de 25 de
junho de 1993, não são, em princípio, contribuintes do IRPJ; todavia, tornam-se contribuintes
aqueles que aplicarem recursos em empreendimento imobiliário que tenha como incorporador,
construtor ou sócio, quotista que possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada,
mais de 25% das quotas do fundo. Neste último caso, os fundos ficam obrigados ao cumprimento
de todas as obrigações acessórias por elas devidas, devendo ter inscrição própria no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). O conceito de pessoa ligada abrange: em se tratando de
pessoas físicas, os parentes até segundo grau e a empresa sob seu controle ou de qualquer de seus
parentes até o segundo grau; e, em se tratando de pessoa jurídica: a que seja sua controladora,
controlada ou coligada, conforme definido nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976.
Os consórcios de empresas não são pessoas jurídicas, mas têm capacidade jurídico-
tributária. As empresas participantes de consórcios de empresas que forem constituídos na forma
dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404/76 devem computar, em seus resultados, os ganhos gerados
pelas atividades exploradas pelo consórcio proporcionalmente à participação de cada uma no
empreendimento.
3.2.1Sociedade de prestação de serviços intelectuais
No passado a fiscalização tributária lavrou diversos autos de infração contra empresas
prestadoras de serviços sob a alegação de que, em face da natureza pessoal dos serviços
contratados, os rendimentos correspondentes deveriam ser tributados pela pessoa física do sócio
que seria o verdadeiro prestador dos serviços.
O art. 129 da Lei nº 11.196/05 muda o quadro normativo a respeito da sujeição passiva do
Imposto de Renda para certas empresas prestadoras de serviços. O referido preceito determina
que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de
natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a
designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços,
quando por esta realizada, ficará sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas,
sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 do Código Civil.
O art. 129 da Lei nº 11.196/05 faz referência a serviços intelectuais: todavia, não diz no que
eles consistem. De igual forma, menciona os serviços de natureza científica, artística ou cultural,
mas nada diz a respeito do significado de tais vocábulos.
A expressão serviços intelectuais tem o mesmo conteúdo significativo da
expressão profissão intelectual referida na parte final do parágrafo único do art. 966 do Código
Civil. Ademais, no Código Civil, a atividade cultural não é mencionada; em seu lugar é feita
referência à atividade literária.
O conceito de profissão intelectual nos é dado por Sylvio Marcondes, consagrado autor que
tem a autoridade de quem participou da Comissão que elaborou o Projeto de Código Civil que
deu origem ao texto da Lei nº 10.406/02. De acordo com ele, profissionais intelectuais são aqueles
que produzem bens ou serviços sem que haja organização dos fatores de produção, verbis:3
“Há, porém, pessoas que exercem profissionalmente uma atividade criadora de
bens ou serviços, mas não devem e não podem ser considerados empresários –
referimo-nos às pessoas que exercem profissão intelectual – pela simples razão de
que o profissional intelectual pode produzir bens, como fazem os artistas; podem
produzir serviços, como fazem os chamados profissionais liberais; mas nessa
atividade profissional, exercida por essas pessoas, falta aquele elemento de
organização dos fatores da produção; porque na prestação desse serviço ou na
criação desse bem, os fatores de produção, ou a coordenação de fatores, é
meramente acidental; o esforço criador se implanta na própria mente do autor, que
cria o bem ou o serviço. Portanto, não podem – embora sejam profissionais e
produzam bens ou serviços – ser considerados empresários.”
A ausência de organização dos fatores de produção é elemento importante para a
caracterização de profissão intelectual. Esses fatores, ainda de acordo com o citado autor, são:
trabalho, natureza e capital, e “é a conjugação desses fatores, para produção de bens ou de
serviços, que constitui a atividade considerada organizada”,4 que é elementar no conceito
normativo de empresário. Sociedade que explora atividade econômica sem empresa é considerada
sociedade simples pura.
Ao fazer menção ao “caráter personalíssimo” ou não dos serviços intelectuais, a norma do
art. 129 da Lei nº 11.196/05 indica que para sua aplicação basta a existência da sociedade
legalmente constituída.
Portanto, o referido preceito acaba por permitir, para fins fiscais, a existência de uma
sociedade (a lei menciona “sociedade prestadora”) sem empresa, e, neste ponto, adota o mesmo
tratamento que o ordenamento jurídico dispensava às “sociedades civis de profissão legalmente
regulamentada” (§ 3º do art. 146 do RIR/99), onde não é exigida a existência de uma empresa
para validar a sua constituição e a sua forma de tributação. Assim sendo, a exploração econômica
de atividade de natureza científica, artística ou cultural pode ser feita por intermédio de uma
pessoa jurídica sem que as autoridades possam contestar a natureza pessoal dos trabalhos que
geram as receitas, em cada caso.
3.2.2Pessoa física equiparada à jurídica
Pagarão o IRPJ como se pessoas jurídicas fossem as empresas individuais e as pessoas
físicas que promoverem a incorporação de prédios em condomínios ou loteamento de terrenos,
nas condições estipuladas nos arts. 151 a 166 do RIR/99. Na forma do art. 152 do RIR/99,
equipara-se, também, à pessoa jurídica o proprietário ou titular de terrenos ou glebas de terra que,
sem efetuar o registro dos documentos de incorporação ou loteamento, neles promova a
construção de prédio com mais de duas unidades imobiliárias ou a execução de loteamento, se
iniciar a alienação das unidades imobiliárias ou dos lotes de terreno antes de decorrido o prazo de
60 meses contados da data da averbação, no Registro Imobiliário, da construção do prédio ou da
aceitação das obras do loteamento.
3.2.3Sociedades de profissões regulamentadas
De acordo com o § 3º do art. 146, as sociedades civis de prestação de serviços profissionais
relativos ao exercício de profissão legalmente regulamentada são tributadas pelo imposto de
conformidade com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas.
A expressão sociedades civis não consta do texto do Código Civil de 2002; o art. 1.150
limita-se a estabelecer que sociedade simples será vinculada ao Registro Civil das
Pessoas Jurídicas. De acordo com o enunciado do art. 982 do citado Código Civil, “sociedade
simples” é aquela que não tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário, assim
considerada (art. 966) aquela que consiste na produção ou circulação de bens e serviços. Em face
do disposto na parte final do art. 982, são sociedades simples aquelas constituídas para a
exploração econômica de atividade típica de profissão intelectual, de natureza científica, literária
ou artística. A personalidade jurídica das sociedades simples decorre do registro feito nos termos
do art. 114 da Lei nº 6.015/73.
É conveniente deixar claro duas questões. Em primeiro lugar, a sociedade simples dedica-
se à exploração de atividade econômica com persecução de lucro e divisão do resultado entre os
sócios, na forma do art. 981 do Código Civil. A natureza intelectual de um trabalho não o torna
incompatível com a ideia de “atividade econômica”; importa se ele é oferecido ao mercado
mediante remuneração, pois ele também faz parte dos bens e serviços que circulam, na forma da
parte final do caput do art. 966 do Código Civil. De outra parte – em segundo lugar –, mesmo
uma atividade que seja própria de uma profissão regulamentada pode ser explorada por sociedade
empresária.
Não há, na lei, uma definição de legal acerca dos contornos jurídicos da expressão profissão
regulamentada. De fato, nenhum texto normativo traz um elenco ou definição sobre o sentido e
alcance da citada expressão.
O Parecer Normativo CST nº 15/83 define profissão como sendo a atividade ou ocupação
específica que visa a um determinado objetivo, para cujo desempenho sejam exigidos
conhecimentos especiais, de caráter artístico, técnico ou científico, ou apenas certas habilidades
físicas ou mentais.
No que diz respeito ao “regulamento” da profissão, a lei é igualmente omissa. Neste caso
vale recorrer ao citado Parecer Normativo nº 15, no qual as autoridades fiscais firmaram
entendimento no sentido de que profissão regulamentada é aquela atividade ou ocupação
específica, de natureza civil ou comercial que, além de ser privativa de pessoa devidamente
habilitada para o seu exercício, tenha sido reconhecida por lei ou decreto federal.
As condições necessárias para a caracterização de uma sociedade desta natureza devem estar
delineadas na lei. Aqui cabe relembrar que no longínquo ano de 1966 o Supremo Tribunal Federal
teve oportunidade de examinar uma questão relativa ao enquadramento de certa entidade como
“prestadora de serviços profissionais”. Por ocasião do exame do recurso de mandado de segurança
nº 16.809, em 4 de outubro de 1966, aquela Corte decidiu que não era óbice à qualificação fiscal
de uma tal sociedade o fato de: (a) haver a contratação de empregados assalariados de qualquer
espécie; (b) a prestação de serviços por não sócios, desde que profissionais habilitados; (c) a
existência de sócios que tivessem, individualmente, a mesma qualificação profissional que os
demais; e (d) a existência, como sócia, de pessoa jurídica sediada no exterior.5
O que a Suprema Corte decidiu em 1966 vale ainda hoje; apenas a lei pode estabelecer
condições e requisitos; as autoridades não podem adotar critérios que não os previamente
delineados na lei.
3.2.4Filiais, sucursais e agências de pessoas jurídicas com
sede no exterior
De acordo com os exatos termos do inciso II do art. 147 do Regulamento do Imposto de
Renda, consideram-se pessoas jurídicas as filiais, sucursais, agências ou representações no país
das pessoas jurídicas com sede no exterior.
Filiais, sucursais e agência ou departamento são estabelecimentos constitutivos de uma
pessoa jurídica que permitem que ela realize o seu objetivo em diversos lugares; são, pois,
“unidades de negócios”. Não existe uma diferença jurídica específica a distinguir uma figura e
outra.
O inciso do II do art. 146 do Regulamento do Imposto de Renda não abrange unicamente as
unidades (filiais, sucursais ou agências) de pessoas jurídicas que explorem atividade empresarial
no Brasil; o preceito abrange o gênero das pessoas jurídicas e, portanto, não se limita às sociedades
empresárias; ele abarca as unidades de todas as espécies de pessoas jurídicas que se estabeleçam
no país e aqui devem obedecer a todas as normas legais e regulamentares acerca do registro nos
órgãos competentes.6
Todavia, essa equiparação legal só ocorre nos casos em que há o registro específico nos
órgãos competentes; assim, se uma pessoa não residente ou não domiciliada no país vier a
explorar atividade empresarial sem o devido registro, entende-se que realiza operações em nome
próprio, como sociedade estrangeira e, neste caso, a equiparação tem fundamento no inciso I do
art. 146 do Regulamento. Se, por outro lado, realizar operações por intermédio de representantes,
a regra de equiparação é a do inciso III do mesmo art. 146; não pode ser descartada, ademais, a
possibilidade de enquadramento como “firmas individuais” ou “sociedades em conta de
participação” de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas de situações concretas.
Essa equiparação limitada às filiais, sucursais, agências ou representações não é
compreensiva de todas as formas de atuação empresarial reconhecidas por normas de tratados ou
convenções internacionais firmados pelo Brasil que disponham sobre a tributação da renda tendo
como elemento de conexão a figura do “estabelecimento permanente” que tem múltiplas
configurações que variam de acordo para acordo.
Não havendo possibilidade em se compatibilizarem essas normas aos diferentes perfis
jurídicos dos “estabelecimentos permanentes”, pode-se recorrer ao princípio da especialidade e,
neste caso, não haverá a equiparação, tendo de ser aplicada exclusivamente a norma do acordo
internacional,7 hipótese em que os eventuais ganhos obtidos pelo não residente serão tributados
de acordo com o regime de fonte, se for o caso. No entanto, essa solução não pode ser construída
senão depois de cotejados os fatos com as demais normas que dispõem sobre a equiparação
(comissário, agente, sociedade em conta de participação) etc.
3.2.5Mandatários e comissários de comitentes domiciliados
no exterior
De acordo com inciso III do art. 147 do Regulamento do Imposto de Renda de 1990, serão
considerados contribuintes do Imposto de Renda – por equiparação às pessoas jurídicas – os
comitentes domiciliados no exterior, quanto aos resultados das operações realizadas por seus
mandatários ou comissários no país.
O mandatário ou comissário, no país, pode ser uma pessoa natural ou uma pessoa jurídica.
Note-se que a norma que prescreve a equiparação não se dirige à pessoa natural ou pessoa jurídica
(esta será considerada contribuinte em relação às operações próprias, com fulcro no art. 147, I); a
condição de contribuinte é atribuída aos comitentes que, no exterior, constituam os mandatários
ou comissários. Aos comissários ou mandatários a lei reserva a condição de sujeitos passivos na
condição de “responsáveis” que devem apurar e recolher o tributo em face do disposto no inciso
V do parágrafo único do art. 398 do Regulamento.
Nos termos do art. 653 do Código Civil de 2002, opera-se o mandato quando alguém recebe
de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. Mandatário é aquele
que recebe tais poderes por intermédio de uma “procuração”; é ele o representante. De outra parte,
comitente é uma parte em contrato de comissão. Na falta de preceito legal específico da lei
tributária, o perfil jurídico do contrato de comissão deve coincidir com aquele delineado no art.
693 do Código Civil de 2002.
O campo normativo da regra do inciso III do art. 147 do Regulamento do Imposto de Renda
só poderá ser corretamente determinado com recurso às normas do art. 399 do citado Regulamento
que contém regras a respeito das vendas diretas por intermédio de mandatários; tais regras, a
despeito de disporem acerca da base de cálculo do tributo, acabam prescrevendo mandamentos
acerca da condição de sujeito passivo.
No passado, com base nesse preceito foram lavrados autos de infração contra pessoas
jurídicas que, no país, agiam como simples “coletoras de pedidos” e os enviavam a outras pessoas
não domiciliadas no país.8 As autoridades fiscais entenderam que a palavra
“representantes” abrangeria também os casos de avenças que, no nosso ordenamento jurídico,
são tipificadas como “contrato de representação comercial”, nos termos da Lei nº 4.886/65.
3.2.6Firma individual e EIRELI
As chamadas “empresas individuais” são equiparadas a pessoas jurídicas para fins de
apuração e recolhimento do Imposto de Renda corporativo.9 O art. 150 do Regulamento de 1999
declara que a equiparação compreende: (a) as firmas individuais; (b) as pessoas físicas que, em
nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de
natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiros de bens
ou serviços; e (c) as pessoas físicas que promovam a incorporação de prédios em condomínio ou
loteamento de terrenos.
O § 2º do art. 150 do citado Regulamento estabelece que não são consideradas “empresas
individuais” e, portanto, não são tributadas de acordo com os regimes próprios das pessoas
jurídicas, os rendimentos de pessoas físicas que, individualmente, exerçam as profissões ou
explorem atividades de: (a) médico, engenheiro, advogado, dentista, veterinário, professor,
economista, contador, jornalista, pintor, escritor, escultor e de outras que lhes possam ser
assemelhadas; (b) profissões, ocupações e prestação de serviços não comerciais; (c) agentes,
representantes e outras pessoas sem vínculo empregatício que, tomando parte em atos de
comércio, não os pratiquem, todavia, por conta própria; (d) serventuários da justiça, como
tabeliães, notários, oficiais públicos e outros; (e) corretores, leiloeiros e despachantes, seus
prepostos e adjuntos; (f) exploração individual de contratos de empreitada unicamente de lavor,
qualquer que seja a natureza, quer se trate de trabalhos arquitetônicos, topográficos,
terraplenagem, construções de alvenaria e outras congêneres, quer de serviços de utilidade
pública, tanto de estudos como de construções; (g) exploração de obras artísticas, didáticas,
científicas, urbanísticas, projetos técnicos de construção, instalações ou equipamentos, salvo
quando não explorados diretamente pelo autor ou criador do bem ou da obra.
A lei tributária não estabelece uma definição a respeito do sentido da expressão firma
individual; a existência desta lacuna remete o intérprete para as normas de direito societário que
regem a matéria. Há uma definição legal que consta do art. 2º do Decreto nº 916, de 24 de outubro
de 1890, nos seguintes termos:
“Art. 2º Firma ou razão comercial é o nome sob o qual comerciante ou sociedade
exerce o comércio e assina-se nos atos a ele referentes.”
Antes do advento do citado Decreto-lei, havia menção ao conceito nos arts. 314 e 315 do
Código Comercial, de 1850. No Código Civil de 2002, a matéria é tratada no art. 1.155, sob a
rubrica “nome empresarial”. Posteriormente, o enunciado do § 2º do art. 27 do Decreto-lei nº
5.844/43 estabeleceu que as firmas individuais fossem equiparadas a pessoas jurídicas. Mais
recentemente é feita referência a esse conceito no art. 2º da Lei nº 8.934/94. Segundo ele: “os atos
das firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público
de Empresas Mercantis e Atividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as exceções
previstas em lei”. Não existe norma com enunciado similar na Lei que trata dos Registros
Públicos; o art. 114 da Lei nº 6.015/73 faz menção apenas às sociedades.
O preceito da Lei nº 8.934/94, como se vê, trata unicamente das firmas mercantis
individuais, assim consideradas aquelas em que a atividade do titular tem como objeto o comércio
de bens. Isto permite concluir que, para fins fiscais, a figura da “empresa individual” só existe
para os comerciantes e não para os prestadores de serviços.
Todavia, a atividade de prestação de serviços é contemplada no inciso II do art. 150 do
citado Regulamento. Este preceito prescreve a equiparação a uma pessoa jurídica de todas “as
pessoas físicas que, em nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer
atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante
venda a terceiros de bens ou serviços”. As exceções são as citadas referidas no § 2º do art. 150 do
Regulamento.
A expressão venda de serviços é utilizada no texto do inciso II do art. 150 sem que haja uma
definição a respeito do seu conteúdo significativo.
A respeito deste conceito há uma antiga opinião das autoridades fiscais exarada no Parecer
Normativo CST nº 15/83, que tem a seguinte mensagem:
“5.3 – Por oportuno convém ressaltar que não se deve confundir ‘prestação de
serviços’ com ‘venda de serviços’.
5.3.1 – Na primeira hipótese, há uma efetiva prestação de serviços pessoais, pelos
componentes da sociedade ou profissionais por ela empregados, sendo exemplo os
consultórios e escritórios de profissionais liberais.
5.3.2 – A segunda hipótese – venda de serviços – pressupõe uma unidade
econômica e jurídica sob estrutura empresarial, na qual são agrupados e
coordenados os fatores materiais e humanos, inclusive de qualificação diferente
dos titulares da sociedade, necessários à consecução dos objetivos sociais e ao
desenvolvimento de atividade profissional lucrativa, com receita oriunda de
rubricas diversas, não só da prestação de serviços, configurando uma empresa
comercial cujos negócios ou atividades passam a ter natureza de atos de comércio.
Nesta hipótese há um conjunto de operações características de empresa, pela
atividade conjugada e indiscriminada de seus elementos na realização dos
objetivos sociais, as quais se configuram como operações de vendas de produtos,
bens, ideias ou serviços, que podem ser de informações, de propaganda ou
publicidade, de educação, de saúde, de transportes, de serviços de terceiros etc.”
Como se vê, de acordo com a interpretação que foi dada pelas autoridades fiscais, o conceito
de “venda de serviço” funda-se na diferença entre o serviço que é prestado de uma forma
individual e aquele que é oferecido ao mercado por uma empresa. No fundo, as normas sobre a
eleição dos sujeitos passivos excluem os trabalhadores autônomos que prestam serviços de caráter
intelectual que não estabelecer-se, para fins fiscais, como “empresário individual”.
A Lei nº 12.441/11 introduziu várias modificações no texto do Código Civil para permitir a
criação de empresa individual de responsabilidade limitada, a denominada EIRELI. De acordo
com a nova redação do § 5º do art. 980 do Código Civil, poderá ser atribuída à EIRELI constituída
para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos
patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa
jurídica, vinculados à atividade profissional.
3.3IMUNIDADE
A imunidade é uma limitação ao poder de tributar que advém da Constituição Federal que
não pode ser suprimida ou reduzida por lei ordinária ou complementar ou qualquer outro ato
normativo. As normas sobre imunidade tributária estão, quase todas, no preceito do inciso VI do
art. 150 da Constituição Federal e dizem respeito a impostos, tão somente. São imunes do Imposto
sobre a Renda: (a) os templos de qualquer culto; (b) os partidos políticos, inclusive suas
fundações, e as entidades sindicais de trabalhadores, sem fins lucrativos desde que observados os
requisitos do art. 14 do CTN, com redação alterada pela Lei Complementar nº 104, de 2001; (c)
as instituições de educação e as de assistência social, sem fins lucrativos.
Em relação às instituições de educação e assistência social, convém destacar que, na forma
do art. 12 da Lei nº 9.532/97, é imune a instituição de educação ou de assistência social que preste
os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral,
em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. Para fins de aplicação da
imunidade constitucional, define-se como entidade sem fins lucrativos a instituição de educação
e de assistência social que não apresente superávit em suas contas ou, caso o apresente em
determinado exercício, destine referido resultado integralmente à manutenção e ao
desenvolvimento dos seus objetivos sociais e observados os seguintes requisitos: (a) não
remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; (b) aplicar integralmente
no país seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos institucionais; (c)
manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades
que assegurem a respectiva exatidão; (d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos,
contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a
efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que
venham a modificar sua situação patrimonial; (e) apresentar, anualmente, a DIPJ, em
conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal; (f) assegurar a destinação
de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de
incorporação, fusão, cisão ou de extinção da pessoa jurídica, ou a órgão público; (g) não
distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; e (h) outros
requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades
citadas.
Pois bem, as entidades sem fins lucrativos de que trata o inciso I do art. 12 do Decreto nº
3.048/99, de 1999, que não atendam aos requisitos para gozo de imunidade ou isenção previstos
na Lei nº 9.532/97, estão sujeitas à CSLL, devendo apurar a base de cálculo e a CSLL devida nos
termos da legislação comercial.
A condição e vedação de não remuneração de dirigentes pelos serviços prestados não
alcançam a hipótese de remuneração, em decorrência de vínculo empregatício, pelas
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), qualificadas segundo as normas
estabelecidas na Lei nº 9.790, de 1999, e pelas organizações sociais (OS), qualificadas consoante
os dispositivos da Lei nº 9.637, de 1998. Essa exceção está condicionada a que a remuneração,
em seu valor bruto, não seja superior ao limite estabelecido para a remuneração de servidores do
Poder Executivo Federal, sendo aplicável a partir de 1º de janeiro de 2003 (Lei nº 10.637, de
2002, art. 34 e art. 68, III).
A imunidade não é subjetiva; ela abrange apenas os resultados relacionados com as
finalidades essenciais dessas entidades. Assim, os rendimentos e os ganhos de capital
auferidos em aplicações financeiras de renda fixa e variável não estão abrangidos pela imunidade
prevista na Constituição Federal.
A suspensão da imunidade impõe o pagamento do IRPJ com base no lucro real, presumido
ou arbitrado. A Câmara Superior de Recursos Fiscais, quando do julgamento do Recurso nº
103.111336, decidiu, que suspensa a imunidade tributária pela autoridade competente (art. 14, §
1º, do CTN), a instituição é inserta no universo das pessoas jurídicas sujeitas aos tributos e
contribuições sociais e deve ter todo o seu resultado tributado dentro de uma das modalidades
previstas na legislação. Todavia, para que a tributação concretize-se é necessário que a autoridade
administrativa demonstre, nos autos, a ocorrência do fato gerador e da respectiva base de cálculo.
Dessa forma, é improcedente a exigência fiscal fundada em procedimento que apura
irregularidades, tributando isoladamente valores correspondentes a glosas de custos e despesas e
certos fluxos financeiros, sem prévia apuração do resultado fiscal, como também sem verificar se
a contabilidade da instituição permite, ou não, a apuração do lucro real, por gerar insegurança e
incerteza quanto à ocorrência do fato gerador e exatidão da base de cálculo do tributo.
Em outra ocasião, a 7ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do
Recurso nº 134.391, ocorrido em 15 de outubro de 2003, decidiu que as mantenedoras de
estabelecimentos de ensino podem ter a imunidade tributária suspensa nos precisos termos do §
1º, do art. 14, do CTN, por descumprimento do inciso I do mesmo artigo. Porém, o pagamento
regular de salários e outras rubricas trabalhistas, em retribuição de serviços prestados ao
estabelecimento mantido, não caracteriza, por si só, desobediência ao comando legal, exceto
quando a fiscalização provar que a situação assim apresentada configura distribuição simulada de
resultados, o que não foi sequer aventado nos autos.
A suspensão da imunidade tributária foi aplicada à instituição de educação que fez
pagamentos a beneficiários não identificados e de despesas pessoais dos diretores. De fato,
quando do julgamento do Recurso nº 124.869, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes
decidiu que as instituições de educação podem ter a imunidade tributária suspensa nos precisos
termos do § 1º do art. 14, por descumprimento dos incisos I e II, do mesmo art., § 1º, do art. 9º do
CTN. Os pagamentos a beneficiários não identificados (empresas comprovadamente inexistente
e sem instalações) mediante utilização de notas fiscais inidôneas (Súmulas de Documentação
Tributariamente Ineficazes) e pagamento de despesas pessoais dos diretores caracterizam
distribuição de lucros ou rendas a dirigentes ou participação nos resultados.
3.4ISENÇÃO
Em face do disposto no art. 15 da Lei nº 9.532/97, são isentas as instituições de caráter
filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para
os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se
destinam, sem fins lucrativos. Considera-se entidade sem fins lucrativos a que não apresente
superávit em suas contas ou, caso o apresente em determinado exercício, destine referido
resultado, integralmente, à manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.
O gozo da isenção depende da observância dos seguintes requisitos: (a) não remunerar por
qualquer forma seus dirigentes pelos serviços prestados; (b) aplicar integralmente no país os seus
recursos na manutenção e desenvolvimento dos objetivos institucionais; (c) manter escrituração
completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a
respectiva exatidão; (d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contados da data da
emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas,
bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua
situação patrimonial; e (e) apresentar, anualmente, declaração de informações (DIPJ), em
conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal.
A isenção não é subjetiva; ela abrange apenas os resultados relacionados com as finalidades
essenciais destas entidades. Assim, os rendimentos e os ganhos de capitais auferidos em
aplicações financeiras de renda fixa e variável não estão abrangidos pela norma que assegura a
isenção.
A Receita Federal adota uma interpretação não razoável ao tratar da obtenção de
rendimentos outros que não os decorrentes da atividade alcançada pela isenção ou imunidade.
Segundo aquele órgão, não pode haver a convivência entre rendimentos decorrentes de atividade
essencial, portanto imunes, com os rendimentos que não estejam de acordo com a finalidade
essencial da entidade, rendimentos não imunes, sem descaracterizar a imunidade. Da mesma
forma, não é possível a convivência de rendimentos isentos com não isentos, tendo em vista não
ser possível o gozo de isenção pela metade, ou todos os rendimentos são isentos, se cumpridos os
requisitos da Lei nº 9.532, de 1997, ou todos são submetidos à tributação, se descumpridos os
requisitos (PN CST nº 162, de 1974). Essa interpretação não possui base legal.
1COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2, p.
5.
2Vide, a respeito, o art. 167 do Regulamento do Imposto de Renda.
3MARCONDES, Sylvio. Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 11.
4Idem, p. 10-11.
5Revista Trimestral de Jurisprudência nº 41/738.
6Vide: Instrução Normativa nº 81, de 5 de janeiro de 1999, editada pelo Diretor do
Departamento Nacional do Registro do Comércio – DNRC e o art. 1.136 do Código Civil de
2002.
7XAVIER, Alberto. Estudos sobre o imposto de renda. Belém: Cejup, 1988. p. 166.
8CANTO, Gilberto de Ulhoa. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975. p. 424.
9O Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº 149.703 (acórdão nº 105-
16.738, de 1º.10.07), decidiu: “Demonstrado que a pessoa física exercia com habitualidade
atividade mercantil, deve a fiscalização, de ofício, promover sua inscrição no CNPJ como
pessoa jurídica, de modo a estabelecer a exata sujeição passiva e proceder ao lançamento dos
tributos pertinentes”.
4.1REGISTRO E MENSURAÇÃO DOS FATOS CONTÁBEIS
Na ordem jurídica vigente, a determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, calculados
com base no lucro real, é feita a partir dos registros contábeis. A contabilidade é um sistema de
registros e de custódia de informações que é movimentado pela ocorrência dos fatos contábeis.
Fato contábil é todo evento de que resulta modificação quantitativa ou qualitativa dos elementos
patrimoniais de uma entidade e que, portanto, está sujeito ao registro nos livros exigidos por lei.
O registro contábil é também conhecido por “reconhecimento”, e está assim definido no
documento normativo denominado “Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das
Demonstrações Contábeis”:
“Reconhecimento é o processo que consiste em incorporar ao balanço patrimonial
ou à demonstração do resultado um item que se enquadre na definição de um
elemento e que satisfaça os critérios de reconhecimento mencionados no item 83.
Envolve a descrição do item, a atribuição do seu valor e a sua inclusão no balanço
patrimonial ou na demonstração do resultado.”
Há certa dúvida acerca da origem dos fatos contábeis. A doutrina contábil antiga dizia que
as mutações patrimoniais que geram os fatos contábeis são determinadas por decisões de caráter
gerencial ou administrativo. De acordo com Américo Oswaldo Campiglia:1
“A fenomenologia administrativa, entretanto, se manifesta, de principal, através da
realização dos fatos administrativos como objetivo direto e finalidade precípua do
sistema. O fato administrativo, pois, é a causa ou a origem da dinâmica
patrimonial, sendo seus efeitos as alterações específicas e econômicas que tocam
os elementos formativos do patrimônio.”
O ato de registrar (ou de contabilizar) constitui a parte derradeira de processo de qualificação
de um fato à luz de uma norma preexistente no ordenamento jurídico. Para que o registro seja
feito de acordo com ordenamento jurídico vigente é necessário o conhecimento do fato e da
norma; logo, antes do registro é necessário interpretar o fato, de modo a determinar a sua origem
e sua vinculação com o patrimônio da entidade. Todavia, antes da qualificação de um fato para
fins contábeis torna-se imprescindível realizar a interpretação desse mesmo fato à luz de outras
normas (de direito civil, de direito do trabalho, de direito tributário etc.).2Enfim, a qualificação do
fato contábil é um procedimento de interpretação do fato em si (a compra de um bem, o pagamento
de salários) e das normas que dispõem sobre o registro deste mesmo fato: assim, os bens podem
ser destinados a venda, a consumo ou utilização no Ativo Permanente e o salário pago pode ser
considerado como despesa ou custo.
A interpretação para fins de registro de um fato contábil constitui um filtro do qual resulta
uma tradução em símbolos dos fatos sujeitos ao registro, conforme a lição de Fábio Konder
Comparato3:
“O Balanço, como de resto toda a contabilidade, não pode jamais ser um simples
reflexo de fatos econômicos, porque se trata de uma interpretação simbólica e,
portanto, convencional da realidade. Os fatos econômicos não passam para os
livros contábeis no estado bruto, mas são traduzidos, simbolicamente, em conceitos
e valores: ou seja, são previamente estimados e valorados, segundo um critério
determinado e em função de uma finalidade específica.”
A determinação dos critérios que irão nortear a tradução apontada pelo douto jurista é feita
por normas jurídicas, de modo que parece ser livre de dúvidas que todo fato contábil possui caráter
jurídico, e, portanto, é fato jurídico.
A contabilidade não é feita unicamente de registro de cifras e acumulação de valores, de
modo que, nas hipóteses definidas em lei, será necessário submeter tais cifras a um processo de
mensuração ou avaliação4 para fins de ajustes, se for o caso. Há um conceito normativo de
“mensuração” no item 99 do Pronunciamento “Conceitual Básico do Comitê de Pronunciamentos
Contábeis”, denominado “Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das
Demonstrações Contábeis”:
“Mensuração é o processo que consiste em determinar os valores pelos quais os
elementos das demonstrações contábeis devem ser reconhecidos e apresentados no
balanço patrimonial e na demonstração do resultado.”
Toda mensuração deve ser feita de acordo com parâmetros normativos e tendo em vista a
finalidade das demonstrações contábeis. Todavia, esses parâmetros nem sempre são objetivos, de
modo que é natural que mensuração decorra de um processo de seleção entre critérios válidos ou
aceitáveis segundo as circunstâncias fáticas de cada caso concreto.
Todo registro, assim como toda mensuração, tem uma finalidade. O procedimento que
consiste em registrar e mensurar uma cifra contábil, em última analise, visa a produzir informação
a ser divulgada e esse processo requer a transformação de dados (cifras e relatos de eventos) em
mensagem que possa ser compreendida (decodificada) pelos destinatários.
4.2INTEGRIDADE E TEMPESTIVIDADE DOS REGISTROS
CONTÁBEIS
Os registros contábeis devem ser pautados pelo princípio da integridade, ou seja, a
contabilidade deve captar todos os fenômenos que acarretem mutações patrimoniais, sejam eles
decorrentes da prática de atos praticados por seus diretores ou por terceiros que lhes sejam
imputados em virtude de contrato ou de lei, ou que sejam provocados por fenômenos naturais sob
a forma de aluvião, por exemplo, ou decréscimos sob a forma de raios, enchentes, estiagem etc.
Para fins fiscais, o princípio da integridade é igualmente exigível, em razão do preceito do
art. 2º da Lei 2.354/54, segundo a qual a escrituração deve contemplar todas as operações.5 Assim,
a escrituração do contribuinte deve ser completa de modo a abranger todas as suas operações,
realizadas no país e no exterior. No mais, o princípio da integridade exige que todos os fatos
contábeis estejam devidamente documentados de acordo com o direito aplicável.6 Documentar
um fato contábil é manter provas acerca da sua ocorrência.
Integridade é sinônimo de completude: a palavra indica a propriedade de algo que é inteiro,
completo. As informações contidas nas demonstrações contábeis podem ser consideradas íntegras
se disserem respeito ao conjunto de todas as mutações patrimoniais do período e se contiverem
todos os elementos exigidos por lei. Esse atributo da informação colabora para que se atenda, da
melhor maneira possível, ao mandamento legal de que as demonstrações contábeis devem refletir,
tanto quanto possível, a situação real do patrimônio social em dado momento.
De acordo com o Código Civil, o Balanço deve atender ao princípio da fidelidade. A
palavra fidelidade, neste contexto, significa representação fiel (íntegra, sem fissuras) de uma
realidade; logo, integridade e fidelidade são lados de uma mesma moeda. Para que esse
mandamento seja plenamente atendido é absolutamente imprescindível que as
demonstrações contábeis reflitam todos os fatos contábeis que causaram qualquer espécie de
mutação patrimonial de uma entidade em determinado período. Assim sendo, todas as mutações
patrimoniais mensuráveis que tenham efeitos imediatos e futuros sobre o patrimônio social devem
ser captadas pela contabilidade e consideradas no Balanço e na demonstração dos resultados de
acordo com as normas vigentes.7
Para plena observância do cânone da integridade das demonstrações financeiras os registros
contábeis devem basear-se exclusivamente na ocorrência do fato contábil, independentemente da
sua licitude ou autorização; basta, para fins de registro, que os efeitos dos referidos fatos possam
ser validamente imputados à entidade como sendo um sujeito capaz de ser titular de direitos e
obrigações. Assim, devem ser objeto de registros contábeis toda e qualquer operação que acarrete
aumento ou diminuição do patrimônio social e também todas as que são meramente permutativas.
A lei impõe o dever de registro a cifras que não apresentam decréscimos patrimoniais definitivos
nos casos em que existam indícios de que se tornarão definitivos, como ocorre, por exemplo, com
as provisões para perdas potenciais que podem diminuir o valor dos ativos ou aumentar o
montante das obrigações da entidade. O registro, em tais circunstâncias, é imposto pela lei desde
que existam indícios razoáveis de que as citadas perdas vão ocorrer, de modo que há um fato
contábil por equiparação legal.
Os registros contábeis devem ser feitos no devido tempo e diante de provas adequadas acerca
da ocorrência dos fatos contábeis, de modo a evitar que as demonstrações financeiras sejam
distorcidas. Logo, os registros contábeis dos fatos que acarretam mutações patrimoniais de
qualquer espécie devem ser feitos no momento em que estas venham a afetar (qualitativa e
quantitativamente) o patrimônio da entidade de acordo com direito aplicável em cada
circunstância fática. Assim, os efeitos de negócios jurídicos que sejam condicionais não devem
ser registrados enquanto não estiverem perfeitamente delineados de acordo com o regime jurídico
que lhes é próprio. Há casos, no entanto, que o registro não é determinado por negócios jurídicos
celebrados com terceiros: é o que ocorre, por exemplo, com as situações quem envolvem o
registro de potenciais riscos: nestes casos, o registro deve ser feito em atendimento à lei que
determina a formação de provisões.
4.3MÉTODOS E CRITÉRIOS
O art. 177 da Lei nº 6.404/76 prescreve que a escrituração da companhia será mantida em
registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e aos princípios de
contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no
tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. Os métodos e
critérios referidos na Lei são aqueles de caráter universal e cuja utilidade e aplicação ultrapassam
as diversas fases do desenvolvimento da ciência contábil e do direito contábil. Com a recepção
das normas internacionais os critérios contábeis passaram a ser ditados por Pronunciamentos
Técnicos formulados pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis criado pela Resolução CFC
1.055/05. Os Pronunciamentos Técnicos se tornam obrigatórios (adquirem, portanto, o caráter de
normas cogentes) quando adotados pelos órgãos dotados de competência legal para dispor sobre
matéria contábil. Os referidos Pronunciamentos estabelecem normas com os métodos e critérios
a serem adotados, de modo que remanescem apenas alguns princípios contábeis dentre os
cogitados pela Lei nº 6.404/76, sobre os quais discorremos a seguir.
(a)Custo como base de valor
Todo registro contábil se refere a uma cifra ou valor que é traduzido em moeda
(denominador comum monetário) e este é, em geral, determinado pelo custo de aquisição dos
elementos patrimoniais, de modo que há um postulado no sentido de que o custo deve ser base de
valor do registro. Esse custo é, afinal, o valor de entrada dos elementos patrimoniais que pode vir
a ser ajustado, para mais ou para menos, em razão de posterior mensuração determinada por lei
ou pelas circunstâncias. Para Hilário Franco,8 o princípio do “custo como base de valor” é
justificável pela necessidade de compatibilizar os registros contábeis com os documentos que lhes
servem de arrimo:
“Sempre que um registro contábil é realizado, o valor da operação deverá ser
aquele constante do comprovante original que o suporta, que se presume seja um
documento legítimo. Esse é o único valor a ser tomado como base para
contabilização, mesmo que ele não corresponda, por razões negociais ou
circunstanciais, ao valor real da coisa negociada, mas desde que a operação seja
legítima.”
Esse princípio nunca foi absoluto porquanto os valores registrados eram (e são) submetidos
a ajustes decorrentes das diversas formas de mensuração exigidas ou permitidas. Antes do advento
da Lei nº 11.638/07, os valores de entrada dos elementos do ativo deveriam ser ajustados para
mais ou para menos para adequá-lo aos parâmetros do mercado ou para refletir o desgaste dos
bens por depreciação, amortização e exaustão; ou ainda, para refletir mudança de valor
determinada por flutuação de valor de moeda de conta ou em virtude do reconhecimento de perdas
efetivas ou ainda potenciais ou, ainda, para o reconhecimento de rendimentos auferidos. Após o
advento da citada Lei, a contabilidade passou a adotar o valor justo como critério ordinário de
mensuração de ativos e passivos. Para esse fim a Lei estabeleceu dois conceitos de valor justo, de
modo que há o valor justo em sentido amplo e o mesmo conceito é adotado em sentido estrito.
Em sentido amplo, o valor justo engloba o valor justo em sentido estrito (que, no contexto da Lei
nº 6.404/76, corresponde à antiga ideia de valor de mercado) e também os critérios de mensuração
com base no valor presente e no valor recuperável por imparidade (impairment).
Enfim, após o advento da Lei nº 11.638/07, o custo como base de valor perdeu importância.
Ele se justificava no momento histórico em que a visava ao interesse dos credores e, por esta
razão, sempre houve preocupação com a integridade da conta representativa do capital social, de
modo que as normas jurídicas cerceavam a formação de “reservas ocultas” ou de avaliações
patrimoniais irreais que pudessem colocar em risco os interesses dos credores. Com o
desenvolvimento do mercado de capitais em que mais empresas captam poupança popular, a
contabilidade passou a ser orientada para o exterior (o mercado), e, deste modo, tornou-se
plenamente justificável a adoção do valor justo para avaliação dos elementos patrimoniais em
lugar do custo como base de valor. Esse princípio, contudo, permanece vigente como fator
determinante do valor do registro inicial ou valor de entrada dos elementos patrimoniais.
(b)Continuidade
Em razão da observância do princípio da continuidade, os registros contábeis e a mensuração
do valor dos elementos patrimoniais – salvo fortes evidências em contrário – devem ser feitos no
pressuposto de que a entidade continuará a existir e a desempenhar o papel institucional para o
qual foi criada. A ideia de continuidade é denominada going concern em língua inglesa. O Black’s
Law Dictionary9apresenta um conceito de going concern nos seguintes termos:
“The term refers to an existing solvent business, which is being conduced in the
usual and ordinary way for which it was organized. When applied to a corporation,
it means that it continues do transact its ordinary business.”
O postulado da continuidade aplica-se a qualquer espécie de entidade: desde uma sociedade
empresária (que explora uma empresa) até uma sociedade beneficente. Se não existirem indícios
em contrário, os registros contábeis devem ser feitos no pressuposto de que a empresa ou entidade
tende a continuar a operar normalmente e este pressuposto interfere na avaliação do valor dos
elementos patrimoniais. De outra parte, quando existirem sinais inequívocos de que a entidade
está prestes a perder a sua capacidade de gerar recursos necessários ao seu regular funcionamento
no futuro, há uma quebra na confiança de sua continuidade e a avaliação do valor dos elementos
patrimoniais deve privilegiar o valor de liquidação dos bens e obrigações.
(c)Denominador comum monetário
A Contabilidade possui uma linguagem própria que tem um código específico de expressão
que são as cifras monetárias e, deste modo, os valores econômicos de todos os elementos que
afetam a estrutura patrimonial de uma entidade são traduzidos em valores monetários segundo
uma moeda eleita pela entidade ou determinada em norma jurídica de ordem pública. O
denominador comum monetário é sempre uma moeda, que pode ser aquela em curso no país ou
no exterior, no lugar onde são divulgadas as demonstrações contábeis.
Essa tradução – ou redução a um denominador comum monetário – tem a finalidade de
permitir uma representação homogênea dos diferentes elementos patrimoniais (créditos,
mercadorias, aplicações financeiras, obrigações etc.). Essa homogeneidade só pode ser obtida
medida a utilização de índice-padrão para tradução do valor dos elementos patrimoniais para fins
de mensuração dos mesmos, de acordo com os critérios estipulados em lei.
Enfim, para a Contabilidade, não importa a quantidade ou a qualidade dos elementos
patrimoniais: importa apenas saber quanto valem se forem avaliados em dinheiro de acordo com
os critérios de mensuração previstos na lei. É evidente, todavia, que a informação contábil não é
formada unicamente de cifras. As normas que dispõem sobre as “Notas Explicativas” e sobre o
“Relatório da Administração” devem conter informações sobre participação no mercado, sobre
as prováveis influências das decisões econômicas e políticas sobre as atividades de entidade, de
modo que possam contribuir para a adequada interpretação das informações contábeis em sentido
estrito.
(d)Separação
Em princípio, a Contabilidade reconhece a autonomia patrimonial, de modo que o
patrimônio de uma entidade deve ser tratado distintamente do patrimônio dos sócios. O Direito
positivo estabelece que há relativa autonomia dos sócios em relação à sociedade e os patrimônios
não se confundem. Essa distinção, no entanto, é afetada por outras normas que: (a) consideram
sua existência, mas estipulam efeitos que, na prática, negam-na; ou, (b) negam, em dadas
circunstâncias, aquela separação.
(e)Substância sobre a forma
Há um consenso entre os cientistas da contabilidade e os contadores em geral que o registro
dos fatos contábeis deve ser feito com base na substância (ou essência) dos mesmos e, deste modo,
em certas circunstâncias, deve ser desprezada a forma adotada. A esse propósito, em 1986 foi
editado um pronunciamento do IBRACON – Instituto Brasileiro de Contadores, com o título de
“Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade”, que foi recebida no ordenamento jurídico por
intermédio da Deliberação nº 29, de 5 de fevereiro de 1986, da Comissão de Valores Mobiliários
– CVM, que foi revogada pela Deliberação CVM nº 539/2008. A certa altura, o texto do referido
pronunciamento diz que contabilidade “deve guiar-se pelos seus objetivos de bem informar,
seguindo, se for necessário para tanto, a essência ao invés da forma”. Para ilustrar, o documento
diz que “um contrato pode, juridicamente, estar dando a forma de arrendamento a uma transação,
mas a análise da realidade evidencia tratar-se, na prática, de uma operação de compra e venda
financiada”.
De acordo com Pronunciamento CPC 00 (R1), que aprovou a Estrutura Conceitual das
normas brasileiras de contabilidade, para qualificação dos fatos contábeis é obrigatório adotar,
em qualquer circunstância, o princípio segundo o qual a substância econômica deve prevalecer
sobre a forma jurídica. No Prefácio do citado Pronunciamento está dito que “a representação pela
forma legal que difira da substância econômica não pode resultar em representação fidedigna”
das demonstrações contábeis. No mesmo documento, o enunciado do item 4.6 é claro ao enunciar
que: “ao avaliar se um item se enquadra na definição de ativo, passivo ou patrimônio líquido,
deve-se atentar para a sua essência subjacente e realidade econômica e não apenas para sua forma
legal”. Em 22 de setembro de 2011, ao divulgar o Parecer de Orientação nº 37, a CVM esclareceu
que:
“Dois conceitos inter-relacionados são essenciais para o entendimento dessa nova
realidade contábil: (i) a representação verdadeira e apropriada; e (ii) a primazia da
essência sobre a forma. A contabilidade somente cumprirá sua função essencial de
fornecer informações úteis ao processo de tomada de decisão de seus usuários se
refletir verdadeiramente a realidade econômica subjacente. Para que essa
representação apropriada (true and fair view) possa ser alcançada, é importante
observar a primazia da essência econômica sobre a forma jurídica dos eventos
econômicos.”
São compreensíveis a preocupação e o zelo dos contadores acerca da fidedignidade das
demonstrações contábeis, especialmente nos casos em que elas podem ser tomadas como
informação relevante para investimentos; todavia, esse zelo não pode desconsiderar a ordem
jurídica positiva. Afinal, as normas que integram o Direito da Contabilidade não gozam de
supremacia sobre as demais integrantes da ordem jurídica global.10 A interpretação com base na
prevalência da realidade é justificável e desejável; todavia, não pode servir de instrumento de
arbítrio do intérprete posto que as valorações deste não podem, sem justo motivo, sobrepujar as
valorações veiculadas pelas normas jurídicas.11
4.4FORMA DE ESCRITURAÇÃO
A forma de escrituração contábil é de livre escolha do contribuinte, mas a lei tributária exige
que ela seja completa e regular. O Parecer Normativo CST 347/70 dispõe que:
“A forma de escriturar suas operações é de livre escolha do contribuinte, dentro
dos princípios técnicos ditados pela Contabilidade e a repartição só a impugnará se
a mesma omitir detalhes indispensáveis à determinação do verdadeiro lucro
tributável.”
Escrituração completa e regular é aquele satisfaz aos seguintes requisitos: (a) é mantida nos
livros e registros contábeis exigidos pela lei, autenticados pela autoridade competente; (b) ter os
registros escriturados em idioma e moeda nacionais, segundo ordem uniforme de contabilidade,
em forma mercantil, com individuação e clareza, sem intervalos em branco nem entrelinhas,
borraduras, raspaduras ou emendas e em ordem cronológica; (c) compreender todas as operações
ou transações de conta própria e alheia e abranger todos os rendimentos, custos, despesas,
deduções, encargos ou perdas; (d) ter os lançamentos comprovados mediante documentação
mantida em boa ordem; e (e) estar sob a responsabilidade de profissional habilitado, salvo quando
a lei expressamente dispensar. Na forma do art. 252 do RIR/99, às pessoas jurídicas que possuírem
filiais, sucursais ou agências, é facultado manter contabilidade não centralizada, mas, nesse caso,
devem incorporar ao final de cada mês, na escrituração da matriz, os resultados de cada uma das
filiais.
Em razão de certas circunstâncias pessoais do contribuinte ou em decorrência da natureza
de suas operações, a lei tributária impõe outros requisitos, de caráter especial, que devem ser
observados por tais pessoas ao se efetuar a sua escrituração contábil e fiscal. Assim, nos casos de
filiais, sucursais, agências ou representações, no Brasil, das pessoas jurídicas com sede no
exterior, cabe ao agente ou representante do comitente com domicílio fora do país escriturar os
seus livros comerciais, de modo que demonstrem, além dos próprios rendimentos, os lucros reais
apurados nas operações de conta alheia, em cada período-base. Para apuração do resultado das
operações referidas, o intermediário, no país, que for o importador ou consignatário das
mercadorias importadas deverá escriturar e apurar o lucro de sua atividade separadamente do
lucro do comitente residente ou domiciliado no exterior.
Quando o contribuinte participar como sócio ostensivo em sociedade em conta de
participação, deverá observar o que dispõe o art. 254 do RIR/99. Assim, a escrituração contábil
das operações poderá, a sua opção, ser efetuada nos seus próprios livros ou em livros abertos e
escriturados especificamente para esse fim, observando-se o seguinte:
(a)quando forem utilizados os livros do sócio ostensivo, os registros contábeis
deverão ser feitos de forma a evidenciar os lançamentos referentes à sociedade em
conta de participação;
(b)os resultados e o lucro real correspondente à sociedade em conta de participação
deverão ser apurados e demonstrados destacadamente dos resultados e do lucro real
do sócio ostensivo, ainda que a escrituração seja feita nos mesmos livros;
(c)nos documentos relacionados com a atividade da sociedade em conta de
participação, o sócio ostensivo deverá fazer constar indicação de modo a permitir
identificar sua vinculação com a referida sociedade.
Na escrituração para fins fiscais é permitido o uso de código de números ou de abreviaturas,
desde que estes constem de livro próprio, revestido das formalidades estabelecidas em lei. Os
erros cometidos serão corrigidos por meio de lançamento de estorno, transferência ou
complementação.
Os registros contábeis que forem necessários para a observância de preceitos da lei tributária
relativos à determinação do lucro real, quando não devam, por sua natureza exclusivamente fiscal,
constar da escrituração comercial, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão
feitos no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR), ou em livros auxiliares.
Os livros contábeis e fiscais escriturados de acordo com tais princípios fazem prova a favor
dos contribuintes em eventual demanda administrativa ou judicial.
A escrituração contábil e fiscal, como um sistema de ordenação e custódia de informações
acerca do estado patrimonial da entidade, deve ser guiada por um critério geral de coerência, de
modo que as diversas partes sejam congruentes umas com as outras.
4.4.1Escrituração por meio eletrônico
Os livros comerciais e fiscais poderão ser escriturados por sistema de processamento
eletrônico de dados, em formulários contínuos, cujas folhas deverão ser numeradas, em ordem
sequencial, mecânica ou tipograficamente.
De acordo com o art. 265 do RIR/99, modificado pela MP 2.158-35, as pessoas jurídicas
que utilizarem sistema de processamento eletrônico de dados para registrar negócios e atividades
econômicas e para escriturar livros ou elaborar documentos de natureza contábil ou fiscal ficarão
obrigadas a manter, em meio magnético ou assemelhado, à disposição da Secretaria da Receita
Federal, os respectivos arquivos e sistemas durante o prazo de cinco anos. A IN nº 68/95 regula a
matéria, em detalhes, mas cabe às autoridades fiscais editarem um “Manual de Orientação para
Apresentação de Arquivos Magnéticos”.
Note-se que a lei não obriga a adoção de escrituração contábil por processamento eletrônico
de dados. Todavia, se o contribuinte adota esse sistema de escrituração contábil, deve manter os
registros, sob pena de aplicação das multas previstas no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.218/91 e no
art. 30 da Lei nº 9.249/95, que são a matriz legal do art. 980 do RIR/99.
O art. 38 da Lei nº 9.430/96, matriz legal do art. 267 do RIR/99, estatui que o sujeito passivo
usuário de sistema de processamento de dados deverá manter documentação técnica completa e
atualizada do sistema, suficiente para possibilitar a sua auditoria, facultada a manutenção em meio
magnético, sem prejuízo de emissão gráfica, quando solicitada.
A Lei nº 12.973/14 modificou a redação dos arts. 7º e 8º do Decreto-lei nº 1.598/77, para
reafirmar que a escrituração contábil e fiscal será entregue em meio digital ao Sistema Público de
Escrituração Digital (SPED). O LALUR deixa de ser um livro de demonstração do lucro real e
passa a contemplar também o cálculo do IRPJ devido e os cálculos necessários à determinação
do montante da CSLL devida em cada período-base. A lei exige que os ajustes do lucro líquido
informados no referido livro sejam devidamente identificados no plano de contas adotado pelo
contribuinte e indicação discriminada por lançamento na escrituração contábil, se for o caso.
Em face dessas novas normas se torna reduzida a liberdade de configuração do sistema
contábil pelo contribuinte. A lei exige detalhamento especialmente em relação às contas cujo
efeito fiscal é diferido no tempo, como são as que registram receitas que não são imediatamente
tributáveis a despeito de serem imputadas ao resultado e despesas que não são dedutíveis ao tempo
em que forem alocadas ao resultado.
Sem prejuízo do eventual arbitramento do lucro, a falta de entrega do LALUR passa a
constituir fato gerador de penalidade de multa variável e calculada sobre a receita, o lucro ou
sobre o valor omitido.
4.4.2Livros contábeis e fiscais obrigatórios
Sem prejuízo de exigências especiais da lei comercial, é obrigatório o uso de livro Diário,
que deverá ser encadernado com folhas numeradas seguidamente, em que serão lançados, dia a
dia, diretamente ou por reprodução, os atos ou operações da atividade que modifiquem ou possam
vir a modificar a situação patrimonial da pessoa jurídica.
É admitida a escrituração no Diário por totais que não excedam ao período de um mês,
relativamente a contas cujas operações sejam numerosas ou realizadas fora da sede do
estabelecimento, desde que utilizados livros auxiliares para registro individuado e conservados os
documentos que permitam sua perfeita identificação e verificação pelas autoridades fiscais. Em
tais circunstâncias, a transposição dos totais mensais dos livros auxiliares para o Diário deve ser
acompanhada por referência às páginas em que as operações se encontram lançadas nos livros
auxiliares registrados.
Quando pretender adotar outros livros na condição de auxiliares do livro Diário, o
contribuinte deverá providenciar a sua autenticação no órgão competente. A lei exclui essa
obrigatoriedade caso o registro das operações seja feito de forma pormenorizada no livro
principal, mas, se isso ocorrer, o livro auxiliar nenhuma utilidade terá.
Os livros, assim como as fichas do Diário e os livros auxiliares, deverão conter termos de
abertura e de encerramento, e ser submetidos à autenticação no órgão competente do Registro do
Comércio, ou, quando se tratar de sociedade civil, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou no
Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
As pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real deverão ainda adotar e manter um
livro Razão, que pode ser substituído por fichas. O livro Razão é destinado a resumir e totalizar,
por conta ou subconta, o movimento de cada uma delas e deve submeter-se às mesmas
formalidades previstas na legislação para os demais livros contábeis e fiscais. A pessoa jurídica,
além dos livros de contabilidade previstos em leis e regulamentos, deverá possuir os seguintes
livros: (a) para registro de inventário; (b) para registro de compras, que pode ser substituído pelo
Livro “Registro de Entradas”, instituído pela legislação do ICMS e do IPI; (c) Livro de Apuração
do Lucro Real (LALUR); (d) livro de registro permanente de estoque, para as pessoas jurídicas
que exercem atividades de compra, venda, incorporação e construção de imóveis, loteamento ou
desmembramento de terrenos para venda; e (e) de movimentação de combustíveis, que deve ser
escriturado diariamente pelos postos revendedores de combustíveis.
Exceto quanto aos livros de apuração do lucro real e de movimentação de combustíveis, as
pessoas jurídicas poderão criar modelos próprios que satisfaçam às necessidades de seu negócio,
ou utilizar os livros porventura exigidos por outras leis fiscais, ou, ainda, substituí-los por séries
de fichas numeradas, desde que observada a legislação relativa a outro tributo, se for o caso.
4.5SANÇÕES PELA FALTA DE ESCRITURAÇÃO
A ausência de escrituração contábil e fiscal, ou a sua imprestabilidade, além dos
desdobramentos que têm no campo do direito societário, poderão dar ensejo à aplicação de uma
série de sanções previstas na legislação tributária, de acordo com as circunstâncias de cada caso.
A primeira e mais direta sanção aplicável ao contribuinte que não possui escrituração comercial
e fiscal regular é o arbitramento da base de cálculo do imposto. As normas sancionatórias podem
atingir igualmente pessoas jurídicas que calculam o imposto com base no lucro presumido,
especialmente no que concerne à distribuição de lucros com isenção de imposto de renda incidente
na fonte. De igual modo, certas regras sobre o cálculo de contribuições previdenciárias também
estabelecem formalidades acerca da escrituração contábil sob pena de sanção.
As sanções mais comuns são as multas. Aliás, são pesadas as multas imputáveis às condutas
contrárias à lei adaptadas pelas pessoas que elegem o sistema de processamento eletrônico de
dados, senão vejamos: (a) a multa será igual ao valor correspondente a meio por cento do valor
da sua receita bruta no período, aos que não atendem à forma em que devem ser apresentados os
registros e respectivos arquivos; (b) a multa será de valor igual a cinco por cento sobre o valor da
operação correspondente, aos que omitirem ou prestarem informações incorretas limitada a um
por cento da receita bruta no período; e (c) multa equivalente a dois centésimos por cento da
receita bruta por dia de atraso, até o máximo de um por cento, aos que não cumprirem os prazos
fixados pela Secretaria da Receita Federal.
4.6LIVROS E COMPROVANTES COMO ELEMENTOS DE PROVA
Considerando que a escrituração contábil e fiscal deve oferecer os subsídios para a correta
apuração do Imposto de Renda, os livros e comprovantes deverão ser conservados durante o prazo
previsto legalmente para ocorrência de prescrição ou decadência que a União tem para arrecadar
o Imposto de Renda. Assim, o contribuinte é obrigado a conservar em ordem, enquanto não
prescritas eventuais ações que lhe sejam pertinentes, os livros, documentos e papéis relativos a
sua atividade, ou que se refiram a atos ou operações que modifiquem ou possam vir a modificar
sua situação patrimonial.
Todo registro contábil deve ter um suporte documental; todavia, em circunstâncias especiais
o registro dos fatos deve ser feito ainda que a prova definitiva destes não estejam devidamente
formalizadas. A contabilidade não cria a situação patrimonial da entidade, ela simplesmente relata
e demonstra o reflexo das operações realizadas, de modo que, em princípio, a produção dos
documentos de suporte das operações a serem registradas está a cargo da administração da
sociedade, que tem o dever de adotar todas as cautelas para que os negócios da sociedade sejam
feitos com transparência e seriedade e devidamente documentados.
Em direito, provar é apresentar elementos necessários a convencer alguém de que algo
aconteceu em algum lugar, em determinado momento, e que produziu um ou mais efeitos
jurídicos. Acerca dos meios de prova, o art. 369 do Código de Processo Civil é categórico:
“Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como
os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a
verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na
convicção do juiz.”
Esse preceito pode ser tomado como parâmetro para se determinar a natureza das provas dos
fatos contábeis, no pressuposto de que estes podem, em tese, virem a ser discutidos em
determinada lide processual.
Os fatos contábeis devem ser provados e a prova pode ter caráter formal ou material. Prova
de caráter formal é aquela feita com base nos documentos12emitidos para lastrear as operações
realizadas pela entidade em determinado período; de outra parte, a prova material diz respeito à
efetividade ou sinceridade das operações realizadas e declaradas nos documentos. Em outras
palavras, é necessário que os fatos declarados sejam corroborados por outras provas ou indícios
acerca do efetivo recebimento de bens e serviços ou da saída de bens do patrimônio social. Assim,
por exemplo, a nota fiscal que atesta a aquisição de bens destinados à venda é um indício de prova
de que houve a celebração de um contrato de compra e venda: todavia, para provar a operação,
não basta a simples existência desse documento formal; é necessária, por exemplo, a corroboração
da operação realizada com o registro do recebimento da mercadoria e do pagamento posterior do
preço.
Em certas circunstâncias, para que interesses de terceiros sejam resguardados, a lei prescreve
que os fatos contábeis devam ter justificativa econômica ou propósito empresarial (business
purpose). É o que ocorre, por exemplo, nos casos de fatos envolvendo as denominadas
“reorganizações societárias” que devem ser objeto de justificação para que os acionistas possam
tomar decisões com o devido esclarecimento a respeito da natureza dos fatos e de suas
consequências.13
Há casos em que a prova do fato a ser registrado requer a apresentação de um documento
certificação ou de legitimação de projeções, como são os Laudos de Avaliação. Em regra, um
“Laudo de Avaliação” é um documento firmado por um especialista que declara a existência de
um fato e lhe atribui um valor, de acordo com os diversos critérios de mensuração existentes e
pertinentes em cada caso. Como elemento de prova, todo Laudo deve ser pautado pelos princípios
da integridade e sinceridade para que as informações nele contidas sejam completas e verdadeiras.
4.7EXTRAVIO E GUARDA DOS DOCUMENTOS E LIVROS
Ocorrendo extravio, deterioração ou destruição de livros, fichas, documentos ou papéis de
interesse da escrituração, a pessoa jurídica fará publicar, em jornal de grande circulação do local
de seu estabelecimento, aviso concernente ao fato e deste dará minuciosa informação, dentro de
48 horas, ao órgão competente do Registro do Comércio, remetendo cópia da comunicação ao
órgão da SRF de sua jurisdição.
Se obedecidos os ditames da Lei nº 5.433/68, os documentos microfilmados não poderão ter
a sua validade negada pelas autoridades fiscais. Sobre esse assunto há entendimento expresso das
autoridades fiscais veiculado por intermédio do PN CST nº 21, de 1980.
Os documentos relativos à aquisição de bens destinados ao Ativo Imobilizado deverão ser
conservados pelo prazo em que o contribuinte estiver contabilizando quotas de depreciação, e,
observados, ainda, os prazos de prescrição ou decadência antes referidos.
Sobre essa matéria, há que levar em conta do disposto no § 3º do art. 264 do RIR/99, segundo
o qual os comprovantes da escrituração da pessoa jurídica, relativos a fatos que repercutam em
lançamentos contábeis de exercícios futuros, serão conservados até que se opere a decadência do
direito de a Fazenda Pública constituir os créditos tributários relativos a esses exercícios.
4.8DOCUMENTOS EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Qualquer documento de procedência estrangeira, para produzir efeitos legais no país e para
valer contra terceiros e em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios
e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal, deve ser vertido em vernáculo.
Além disso, deve ser legalizado em seu país de origem, ou seja, notarizado, consularizado e
registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Tais exigências decorrem do
disposto no art. 18, Decreto nº 13.609/1943; no art. 224 do CC de 2002 (corresponde ao art. 140
do Código Civil de 1916); no art. 157 do CPC, e no item 6º do art. 129 e no art. 148, ambos da
Lei nº 6.015/73.
4.9FALSIFICAÇÃO DE LIVROS E DOCUMENTOS
A falsificação, material ou ideológica, da escrituração e seus comprovantes, ou de
demonstrações financeiras, que tenha por objeto eliminar ou reduzir o montante de impostos
devidos, poderá, de acordo com as circunstâncias de cada caso, constituir crime contra a ordem
tributária, como previsto em qualquer das condutas delituosas referidas nos arts. 1º ou 2º da Lei
nº 8.137/90.
De acordo com o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.137/90, a simples falta de
atendimento à exigência da autoridade, no prazo de 10 dias, que poderá ser convertido em horas,
em razão da maior ou menor complexidade da matéria, poderá constituir crime contra a ordem
tributária.
É bem de ver, contudo, que para a ocorrência de crime contra a ordem tributária é necessária
a presença da figura do dolo, assim considerada a vontade preordenada de não apresentar a
documentação solicitada. Assim, se a fiscalização impõe obrigações absurdas em prazo não
razoável, não há como caracterizar o dolo, mas o contribuinte deve comunicar incontinenti esse
fato ao superior da autoridade fiscalizada ou impetrar Mandado de Segurança ou outra medida
acautelatória cabível contra o eventual ato abusivo.14
1CAMPIGLIA, Américo Oswaldo. Contabilidade básica. São Paulo: Pioneira, 1966, p. 127.
2Por isso Ernesto Simonetto (Il bilancio d’esercizio. Padova: Cedam, 1982, p. 151) afirma que
o lucro não decorre de uma mera operação aritmética, de modo que “l’utile è un’operazione
ponderata e seletiva e non un’operazione automática”.
3COMPARATO, Fábio Konder. E nsaios e pareceres de direito empresarial. São Paulo:
Saraiva, 1978, p. 31-32.
4A palavra “avaliação” é adotada na Lei nº 6.404/76 na alínea “a” do item IV do § 5º do art.
176, que trata das Notas Explicativas, e é mencionada em outros preceitos da mesma Lei.
5Vide parágrafo único do art. 251 do RIR/99.
6Para H. A. Finney e Herbert E. Miller (Principles of accounting introductory. 6. ed. New
Jersey: Prentice Hall, 1964, p. 238): “changes in account balances must be supported by
adequate evidence. Accounting entries based on mere whim or fancy would not be tolerated
by an accountant”.
7De acordo com Gaetano Nanula (Il nuovo bilzanzio delle societtà. Milão: Giuffrè, 1981, p.
174): “fornire il quadro fedele della società significa dunque, innanzitutto, predispore i dati di
bilancio secondo la regole valuative stabilite dalla direttiva, il cui dettato globale dev’essere
necessariamente inteso come un’interpretazione autentica delle esigenze di aderenza dei
previsti valori contabili alla realtà dell’impresa”.
8FRANCO, Hilário. Temas contábeis. São Paulo: Atlas, 1997, p. 50.
9BLACK, Henry Campbell. Black’s law dictionary. 4. ed. Minnesota: West, 1951, p. 821.
10COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 417.
11Tratei do tema no livro Planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 235-250.
12Documento, em sentido comum, é o suporte físico de uma (ou mais de uma) declaração e
pode ter caráter público ou privado, com forma e solenidades específicas ou não. Para Moacir
Amaral Santos (Primeiras linhas de direito processual civil. v. 2. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2000, p. 385), documento “é a coisa representativa de um fato e destinada a fixá-lo de modo
permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”. Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições
de direito civil. v. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 385), “a força probante do
documento decorre da observância de alguns requisitos: uns intrínsecos, que dizem respeito à
legitimidade e capacidade do agente para a declaração de vontade e sua conformidade com o
conteúdo dela; outros, extrínsecos, referem-se à observância das circunstâncias materiais que
envolvem o ato”.
13Vide art. 225, I, da Lei nº 6.404/76.
14Discorri sobre o tema no livro Direito penal tributário: crimes contra a ordem tributária. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 153.
5.1NORMAS SOCIETÁRIAS E TRIBUTÁRIAS
Desde o advento do Decreto-lei nº 1.598/77, por força do caput do seu art. 6º, lucro real é
definido como sendo o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou
compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. O art. 7º do citado diploma
normativo estabelece que o lucro real deverá ser determinado com base na escrituração que o
contribuinte deve manter, com observância das leis comerciais e fiscais. Portanto, em síntese, o
lucro real tem como ponto de partida o lucro líquido que deve ser determinado com observância
das leis comerciais. Esse cenário, em que normas com diferentes propósitos incidem sobre os
mesmos fatos, é propício ao surgimento de dúvidas acerca da prevalência de normas, umas em
relação a outras, e também de eventuais conflitos normativos.
As normas contábeis e as normas fiscais gozam de igual dignidade no ordenamento, e, por
esta razão, é impróprio cogitar da ocorrência de supremacia de umas em relação às outras.
Eventuais conflitos podem ocorrer porque as normas de direito tributário, no campo do imposto
de renda devido pelas pessoas jurídicas, incidem sobre fatos que são previamente qualificados
pelas normas contábeis, mas, em circunstâncias especiais, tais normas estabelecem critérios
contábeis que nem sempre se harmonizam com os estabelecidos pelas normas contábeis. Os
conflitos, no entanto, são meramente aparentes se considerarmos que as normas perseguem
finalidades distintas, e, deste modo, cada uma delas ostenta um caráter especial em relação à outra.
Enfim, essa “especialidade” tem caráter teleológico.
A norma tributária pode, em relação a conceitos e institutos de outras províncias do direito
positivo: (a) fazer remissões a fatos já qualificados por outras normas; (b) constituir, se lhe for
permitido,1 um conceito próprio de instituto já consagrado em outro ramo do direito positivo; (c)
deformar ou transfigurar conceito ou instituto de outro ramo do direito.2 Nos casos em que lei
tributária não cria institutos próprios ou em que é omissa deve prevalecer o sentido que o conceito
ou instituto adotado em outras normas,3 de modo implícito ou explícito. As normas sobre direito
contábil, por outro lado, incidem quando ocorrem os fatos contábeis e incidem sem afastar a
aplicação de normas do direito civil, societário etc.
A apuração do lucro real pressupõe a aplicação, em primeiro plano, das normas de direito
contábil que estabelecem diretrizes para apuração do resultado contábil, que se torna um fato
sobre o qual incidem normas de caráter tributário. Assim é que, para construção do conceito
normativo de “lucro real”, o art. 6º do Decreto-lei nº 1.598/77 prescreve seja tomado o lucro
contábil como ponto de partida. Referido preceito normativo, que é matriz legal do art. 247 do
RIR/99, assim redigido:
“Art. 247 – Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas
adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto.”
Em 1995, o § 1º do art. 37 da Lei nº 9.249 introduziu no ordenamento jurídico a regra do §
1º do art. 247 do RIR/99, para reafirmar que o mandamento de que o lucro líquido – na acepção
adotada na legislação do IRPJ – deve ser apurado de acordo com a legislação comercial
(societária). Vejamos:
“A determinação do lucro real será procedida da apuração do lucro líquido de cada
período de apuração com observância das disposições das leis comerciais.”
O conceito de “leis comerciais” é problemático. Com o advento da Lei nº 6.404/76, e em
face de disposição específica constante do item XI do art. 67 do Decreto-lei nº 1.598/77, lei
comercial era a Lei nº 6.404/76. Depois o advento da Lei nº 11.638/07, a concepção corrente
acerca do que seja “lei comercial” mudou, porque vários órgãos receberam poderes de legislar
sobre matéria tributária, inclusive o Conselho Federal de Contabilidade. Logo, o conceito de “lei
comercial” tornou-se mais abrangente, e o princípio da separação entre normas contábeis e
normas tributárias adquiriu maior importância sistemática.
Convém salientar, contudo, que o direito tributário não toma o conceito de lucro líquido
como um dado a priori, razão pela qual o termo “lucro líquido” constante do enunciado linguístico
do art. 248 do RIR/99, não coincide, em termos semânticos, com o conceito de “lucro líquido”
previsto no art. 191 da Lei nº 6.404/76. São expressões que têm a mesma grafia, mas designam
diferentes aspectos da realidade.
O lucro líquido, como definido pela Lei nº 6.404/76, é o resultado do exercício menos as
seguintes parcelas: (a) o valor dos prejuízos acumulados; (b) o valor da provisão para o Imposto
de Renda; e (c) o valor das participações nos lucros atribuídas a administradores, empregados,
partes beneficiárias, fundos de previdência ou assistência de empregados, e debêntures. Dois
elementos que são considerados para efeito de determinação do lucro líquido pela lei societária
não são considerados pela legislação do imposto de renda. São eles: (a) os prejuízos acumulados;
e (b) a provisão para o imposto de renda.
Percebe-se logo que a base de cálculo do IRPJ é formada por uma multidão de fatos que
devem ser qualificados e registrados pela contabilidade, de modo que esta é a fonte formal de
quase4 todos os elementos necessários à determinação do lucro real. É por essa razão que o
denominado “fato gerador” do imposto de renda é considerado complexo na medida em que se
forma e se aperfeiçoa com a conjunção de inúmeros fatos que devem ser captados pela
contabilidade;5 esta, por sua vez, serve como fonte de produção dos principais elementos que são
reunidos para a apuração do lucro real.
Para apuração do IRPJ devido com base no lucro real, as normas tributárias se aplicam a
alguns fatos previamente qualificados pelas regras e princípios contábeis, sem que essa “ligação”
consista em subordinação. As normas têm o mesmo campo de incidência (isto é, incidem sobre
os mesmos fatos), mas cumprem finalidades distintas e essa distinção foi evidenciada pelo STF
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 606.107. Na ementa do acórdão da referida
decisão está dito que: “ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado,
gestão e planejamento das empresas, possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a
determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A
contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara
pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário”. A superposição de normas sobre um
mesmo fato é inevitável nos ordenamentos jurídicos que tomam as informações contábeis como
suporte fático de normas tributárias. Entretanto, é necessário verificar, em cada caso, se existem
normas especiais de caráter tributário; assim, se não existe uma norma que imponha alguma
especificidade para atender às necessidades ou conveniências de política tributária, os fatos devem
ser considerados e qualificados de acordo com as normas contábeis. Não há hierarquia entre as
normas; a questão se resume à finalidade, que é distinta.
Ao dispor que as cifras relevantes para o cálculo do imposto devido sejam extraídas dos
sistemas contábeis, a lei prescreve que todas as receitas registradas devem ser tributadas, a menos
que haja norma que preveja a exclusão em caráter definitivo ou transitório. O modelo adotado
pela lei brasileira equivale à ideia de “all-inclusive income concept” vigente no direito norte-
americano, de modo que toda forma de manifestação de riqueza está sujeita à tributação a menos
que exista lei que a exclua.6
A eleição do “lucro contábil” como ponto de partida para cálculo do IRPJ e da CSLL tem
importantes consequências. Em primeiro lugar, torna irrelevante, salvo norma em sentido
contrário, todos os elementos que acrescem ou diminuem o patrimônio social sem trânsito pelo
resultado, como são, por exemplo, os “outros resultados abrangentes” que são registrados
diretamente no Patrimônio Líquido. Por igual razão, torna irrelevante, a menos que a lei o diga,
os eventuais acréscimos patrimoniais que, em virtude de lei, devam ser registrados como “reserva
de capital”, no Patrimônio Líquido. Receitas e despesas são elementos estruturais e naturais do
lucro contábil; assim, quando a lei toma essa grandeza como ponto de partida para determinação
da base de cálculo, fica o intérprete impedido de acrescer ou diminuir parcelas que não tenham a
qualificação de receita ou despesa a menos que haja por imposição ou autorização de lei.
5.1.1Adições e exclusões
Para fins de apuração do lucro real, ao valor do “lucro líquido” devem ser feitos ajustes
positivos (adições) e negativos (exclusões ou compensações), segundo as qualificações que lhes
são dadas por um vasto conjunto de normas jurídicas que estabelecem critérios gerais relativos:
(a) à dedução (integral, parcial ou vedada) de despesas, custos e perdas em geral; (b) à retirada de
certos acréscimos patrimoniais do campo de incidência do imposto; e (c) à imputação temporal
de cifras positivas ou negativas, inclusive sob a forma de benefícios fiscais. Esses ajustes podem
ter caráter definitivo ou temporário. O valor de uma despesa cuja necessidade não é comprovada
constitui uma adição definitiva, enquanto a dedução de depreciação em valores superiores aos
estabelecidos em lei constitui adições temporárias. As cifras que têm interferência na apuração
das bases de cálculos de mais de um período de incidência devem ser controladas na Parte B do
Lalur e ficam sujeita à lei vigente na data da exclusão e da adição ou vice-versa. Cifras relativas
a eventuais ganhos que não sejam imputados ao resultado por disposição da lei societária não
devem ser tributadas, a menos que exista norma que determine o cômputo no lucro real,
presumido, arbitrado ou na base de cálculo dos tributos devidos com base nas regras que regem o
SIMPLES.
5.1.2Compensações
A lei tributária diz que o lucro será afetado pelo valor das compensações admitidas em lei.
De acordo com o ordenamento vigente a única exclusão admitida é a do prejuízo fiscal – e da
base negativa da CSLL – observados os limites legais. Os valores dos prejuízos fiscais devem ser
controlados na Parte B do Lalur e serão computados em exercícios futuros sem adição de correção
monetária.
5.2A SEPARAÇÃO ENTRE ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL E FISCAL
NO DECRETO-LEI NO 1.598/77
Desde o advento da Lei nº 6.404/76, vigora, entre nós, o princípio da separação relativa entre
a escrituração contábil e a escrituração fiscal e que foi confirmada com o advento do Decreto-lei
nº 1.598/77. Embora tivesse sido editada para regular o funcionamento das sociedades por ações,
a Lei nº 6.404/76 foi adotada pela legislação tributária, de modo que, após o advento do Decreto-
lei nº 1.598/77, as demais sociedades (rectitus: os contribuintes em geral) ficaram obrigadas a
segui-la para fins de apuração do lucro contábil que é o ponto de partida para apuração do lucro
real.7
A lei societária editada em 1976 nunca impôs uma separação absoluta entre a escrituração
para fins contábeis e para fins tributários, mesmo tendo o legislador reconhecido explicitamente
que a contabilidade das sociedades por ações era fortemente influenciada por normas que ditavam
critérios contábeis para fins exclusivamente tributários e que destoavam dos princípios contábeis
geralmente aceitos, referidos no texto da citada Lei. De fato, deflui da leitura da “Exposição de
Motivos” do Projeto de Lei que deu origem à Lei nº 6.404/76, que a principal razão que justificou
a separação preconizada pelo preceito transcrito acima estava na distorção criada pelo “avanço”
das normas tributárias sobre matéria contábil em virtude das lacunas da lei societária vigente até
aquele momento.8 Vejamos:
“A omissão, na lei comercial, de um mínimo de normas sobre demonstrações
financeiras levou à crescente regulação da matéria pela legislação tributária,
orientada pelo objetivo da arrecadação de impostos. A proteção dos interesses dos
acionistas, credores e investidores do mercado recomenda que essa situação seja
corrigida, restabelecendo-se a prevalência – para efeitos comerciais – da lei de
sociedades por ações na disciplina das demonstrações financeiras da companhia.”
Nada obstante – em homenagem ao princípio da economia dos meios e das formas – a lei
societária jamais pretendeu exigir a adoção de dois ou mais sistemas contábeis dissociados ou
distintos. A redação original do § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/76 dispunha que:
“A companhia observará em registros auxiliares, sem modificação da escrituração
mercantil e das demonstrações reguladas nesta lei, as disposições da lei
tributária ou de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto, que
prescrevam métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem elaboração
de outras demonstrações financeiras.”
Essa separação preconizada na Lei societária foi operacionalmente viabilizada com a
instituição do Livro de Apuração do Lucro Real – LALUR, pelo Decreto-lei nº 1.598/77. Esse
diploma normativo também eliminou certas lacunas existentes na lei societária que acabara de ser
editada porquanto introduziu regras para aplicação prática de normas sobre “avaliação de
investimentos relevantes e influentes em sociedades coligadas e controladas” e sobre “correção
monetária do balanço”.9 O referido Decreto-lei estabeleceu uma série de conceitos normativos
que, em certas circunstâncias, se confundem com institutos próprios da contabilidade: assim é que
criou um conceito legal de “lucro líquido” diferente daquele mencionado na legislação societária;
introduziu as figuras do “lucro real”; redefiniu o conceito de “prejuízo fiscal”; e inovou ao criar
as figuras do “lucro da exploração” e do “lucro inflacionário”.
Já na ementa, o citado Decreto-lei esclarece que a sua edição decorreu da necessidade de
adaptar a legislação do imposto sobre a renda às inovações da lei de sociedades por ações. Na
“Exposição de Motivos” do citado Decreto-lei há um importante esclarecimento acerca da figura
do lucro tributável (lucro real) que deve ser apurado a partir do resultado produzido pela
contabilidade, com os ajustes determinados por lei de caráter tributário. No corpo do texto da
“Exposição de Motivos” está escrito:
“A determinação do lucro real continua a basear-se na escrituração comercial,
regulada pela legislação em vigor e pelos dispositivos do artigo 7º, mas os ajustes
do lucro líquido do exercício que forem necessários para determinar o lucro real,
assim como os registros contábeis para efeito exclusivamente fiscal, não
modificarão a escrituração comercial, pois serão feitos no livro de apuração do
lucro real.”
Em outro trecho da “Exposição de Motivos” do Decreto-lei nº 1.598/77, há uma explicação
adicional acerca da finalidade da separação instituída pela lei societária e levada a efeito pela lei
tributária:
“A lei de sociedades por ações seguiu a orientação de manter separação nítida entre
a escrituração comercial e a fiscal, porque as informações sobre a posição e os
resultados financeiros das sociedades são regulados na lei comercial com objetivos
diversos dos que orientam a legislação tributária, e a apuração de resultados e as
demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial não devem ser distorcidas
em razão de conveniências da legislação tributária.”
Para compreender os limites da separação imposta pela Lei nº 6.404/76 é necessário
reconstruir ao menos em parte os comandos normativos do Decreto-lei nº 1.598/77. Consoante já
demonstrado, a apuração do lucro real deve partir do lucro líquido do período e este deve ser
apurado de acordo com a legislação comercial; todavia, a lei tributária impõe o cálculo de ajustes
que podem ou não ser obtidos nos registros contábeis, ao mesmo tempo em que estatui regras
sobre contabilidade em sentido estrito, dispondo sobre o registro de cifras e sobre a mensuração
de valores dos elementos do patrimônio social. Vejamos, em primeiro lugar, o enunciado da regra
da alínea “a” do § 3º do art. 6º do referido Decreto-lei que trata dos valores que podem ser
considerados como dedução do lucro líquido:
“§ 3º Na determinação do lucro real poderão ser excluídos do lucro líquido do
exercício:
(a) os valores cuja dedução seja autorizada pela legislação tributária e que não
tenham sido computados na apuração do lucro líquido.”
Tomada no contexto da nova ordem jurídica inaugurada pela Lei nº 6.404/76, essa norma
visava a dar condições de aplicação prática de normas que permitiam a dedução de valores que,
em razão de regra constante da lei societária, não deveriam ser imputados aos resultados contábeis
ou estabelecessem critérios distintos dos previstos na lei tributária. O exemplo clássico era o da
denominada “provisão para devedores duvidosos”, cuja formação – de acordo com as normas
vigentes à época – poderia ser feita com base num percentual sobre o total dos créditos existentes
na data do balanço enquanto as normas contábeis exigiam a realização de uma análise mais
criteriosa sobre as probabilidades de perdas. De acordo com a regra transcrita, se a provisão
admitida pela lei tributária fosse constituída em valor maior que a necessária para o atendimento
das normas societárias, ao contribuinte seria autorizada a exclusão da diferença de modo a
compatibilizar a aplicação de ambas as normas.
Esse entendimento poderia ser reforçado em razão do texto do enunciado do § 2º do art. 8º
do Decreto-lei nº 1.598/77, que, ao regular o conteúdo do Livro de Apuração do Lucro Real,
estabeleceu que:
“2º Os registros contábeis que forem necessários para a observância de preceitos
da lei tributária relativos à determinação do lucro real, quando não devam, por sua
natureza exclusivamente fiscal, constar da escrituração comercial, ou forem
diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão feitos no livro de que trata o
item I deste artigo ou em livros auxiliares.”
Nada obstante a relativa clareza das regras transcrita, após a edição das mesmas criou-se
uma grande celeuma porquanto as autoridades fiscais não aceitaram pacificamente a tese de que
os referidos preceitos continham autorização para que os contribuintes considerassem os efeitos
fiscais de certas cifras na determinação do lucro real, independentemente do registro contábil.
José Luiz Bulhões Pedreira10 foi categórico a respeito dessa possibilidade ao dizer:
“Essa separação entre a escrituração comercial e a fiscal tem consequências
práticas importantes na interpretação e aplicação da legislação tributária. Muitos
dos preceitos dessa legislação contêm normas sobre métodos e critérios contábeis,
mas em virtude do princípio geral da separação da escrituração fiscal, essas normas
devem ser interpretadas sempre no sentido de que dizem respeito apenas à
determinação do lucro real, não são obrigatórias na escrituração comercial nem
dispensam o contribuinte do dever de observar as normas da lei comercial que
prescrevem outros métodos ou critérios contábeis.”
As autoridades fiscais trataram de “interpretar” as regras sobre a separação em diversas
oportunidades e acabaram por restringir os limites materiais da separação que, em certas
circunstâncias, deixou de existir.
O Parecer Normativo CST nº 96/78 trouxe importantes esclarecimentos sobre a matéria,
dizendo, em síntese, que: (a) na ocasião estava em vigor11 uma norma na legislação tributária (art.
2º da Lei nº 2.354/54) que determinava que a escrituração do contribuinte deveria abranger todas
as operações; e (b) considerando que a exclusão admitida deveria tomar como base o lucro do
exercício seria necessário que nele estivesse computado o valor a ser excluído, de modo que
custos e despesas não registrados contabilmente não poderiam ser excluídos ante a existência de
norma permissiva da dedução. Portanto, de acordo com o citado Parecer Normativo, os valores
que poderiam vir a serem excluídos do lucro líquido do exercício na determinação do lucro real
seriam unicamente aqueles que, em virtude de serem dotados de natureza exclusivamente fiscal,
não pudessem ser registrados na escrituração contábil, como é o caso do benefício financeiro
concedido sob a forma de “depreciação acelerada incentivada”.
Mais tarde, em 1979, o Parecer Normativo CST nº 11/79 mencionou que a separação
preconizada na lei deveria ser interpretada de forma a harmonizar as disposições legais:
“5. O Decreto-lei nº 1.598 e a Lei nº 6.404 tratam da mesma realidade, utilizam os
mesmos controles, não se opõem nem se sobrepõem – antes se completam. O livro
de apuração do lucro real tem a bem definida função de registrar os ajustes do lucro
líquido (Parte A) e memória para ajustes dos lucros líquidos dos exercícios futuros
(Parte B). Suas contas não são de natureza patrimonial, no sentido usualmente
empregado em contabilidade.”
Nesse Parecer, a harmonização preconizada pelas autoridades fiscais estava calcada no
pressuposto da validade da opinião exarada anteriormente que, como visto, adotou uma
interpretação restritiva das regras do Decreto-Lei.
Posteriormente, em 1981, as autoridades fiscais foram instadas a se pronunciar sobre a
eventual incompatibilidade de certas normas da legislação tributária que vinculam a dedução de
certas despesas ao efetivo pagamento e, deste modo, não permitem a dedução de despesas já
incorridas de acordo com o regime de competência consagrado na legislação societária e adotado
pelo Decreto-lei nº 1.598/77. Questionava-se, desta forma, a existência de uma eventual
incompatibilidade entre regras de direito tributário que diminuíam o campo de aplicação do
regime de competência instituído pela Lei nº 6.404/76. Em resposta, o Parecer Normativo CST
nº 34/81 esclareceu que a observância do regime de competência na escrituração comercial não
exclui a incidência das regras especiais sobre a adoção do denominado “regime de caixa” para
dedução de algumas despesas apenas por ocasião do efetivo pagamento. Vejamos o enunciado do
item 9 (nove) do Parecer Normativo 34/81:
“9. Destarte, a integração dos dois regimes estará plenamente assegurada na
medida em que o contribuinte cumprir o estatuído no parágrafo 2º do art. 8º do
Decreto-lei nº 1.598/77 (RIR/80, art. 68), promovendo os ajustes necessários no
livro de apuração do lucro real. As mutações patrimoniais serão registradas na
escrituração comercial segundo o regime de competência, cumprindo à pessoa
jurídica fazer as adições correspondentes ao lucro líquido do exercício quando, na
formação do lucro real, determinada despesa não atender aos requisitos de
dedutibilidade estabelecidos na lei tributária; posteriormente, no período-base em
que forem satisfeitas as exigências da lei fiscal, caberá a dedutibilidade, que
também será feita na determinação do lucro real.”
O tema foi mais bem esclarecido em 1982 quando a questão da dedução de despesa
vinculada ao pagamento e, portanto, desvinculada da observância do regime de competência,
voltou a ser analisada quando da edição do Parecer Normativo CST nº 26/82, de onde se extrai o
seguinte:
“5.1 – Aliás, e curiosamente, o que torna a despesa indedutível é justamente a sua
apropriação ao resultado tributável pelo imposto de renda com observância do
regime de competência e inobservância do regime financeiro ou de caixa, este
exigido pela lei fiscal para que a despesa possa ser deduzida.”
Em resumo, a separação entre a escrituração contábil e a escrituração fiscal é meramente
formal, posto que, do ponto de vista material, há verdadeira interpenetração de normas que
incidem sobre os mesmos fatos. Deste modo, a lei tributária toma os dados produzidos pela
contabilidade e lhes atribui efeitos fiscais e contém, ainda, normas de exclusivo caráter tributário
que não tem correspondência com os registros das mutações patrimoniais, exceto nos casos
previstos em lei, como ocorre com o incentivo fiscal sob a forma de “depreciação acelerada”, que
não é obtido dos registros contábeis e interfere na apuração do lucro real. De igual modo,
eventuais ganhos não computados na determinação do lucro contábil não são tributáveis, a menos
que exista norma dispondo em sentido contrário.
Os ajustes ao lucro líquido para determinação do lucro real podem ter caráter definitivo ou
temporário; neste último caso, as cifras são controladas na escrituração fiscal e produzirão efeitos
fiscais no futuro. O diferimento da tributação de certas receitas não equivale a uma dilação do
prazo de pagamento do tributo; as cifras somente produzirão efeitos no momento e nas condições
indicadas pela lei, e, por isso, as receitas serão tributadas de acordo com as alíquotas vigentes na
data em que devam ser computadas para fins de cálculo do tributo de modo definitivo, salvo
disposição legal em contrário.
Com o advento das normas internacionais de contabilidade (melhor dizendo: das normas
brasileiras alinhadas às normas internacionais), houve aumento substancial de assimetrias entre
as normas contábeis e das normas tributárias acerca de receitas e despesas, mas nenhuma norma
impede que os resultados contábeis sejam distribuídos ainda que receitas que estejam neles
integradas tenham a tributação diferida para exercício futuro, de acordo com a realização prevista
na lei tributária. Não importa se os lucros foram distribuídos ou retidos, se foi não constituída
reserva de lucros a realizar segundo os preceitos da lei societária.
5.3AS MUDANÇAS INTRODUZIDAS PELAS LEIS Nos 11.638/07 E
11.941/09
A Lei nº 11.683/07 deu nova redação ao § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/76 com a clara
finalidade de aprofundar os limites da separação entre a escrituração contábil e a fiscal na medida
em que previu a possibilidade de existirem dois ou até três Balanços; um elaborado para
atendimento às prescrições societárias, outro para o cumprimento das normas especiais sobre a
atividade que constitui o objeto da companhia e um terceiro para cumprir as prescrições de ordem
tributária. De fato, ao dar nova redação ao § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/76, dispôs:
“§ 2º As disposições da lei tributária ou de legislação especial sobre atividade que
constitui o objeto da companhia que conduzam à utilização de métodos ou critérios
contábeis diferentes ou à elaboração de outras demonstrações não elidem a
obrigação de elaborar, para todos os fins desta Lei, demonstrações financeiras em
consonância com o disposto no caput deste artigo e deverão ser alternativamente
observadas mediante registro:
I – em livros auxiliares, sem modificação da escrituração mercantil; ou
II – no caso da elaboração das demonstrações para fins tributários, na escrituração
mercantil, desde que sejam efetuados em seguida lançamentos contábeis adicionais
que assegurem a preparação e a divulgação de demonstrações financeiras com
observância do disposto no caput deste artigo, devendo ser essas demonstrações
auditadas por auditor independente registrado na Comissão de Valores
Mobiliários.”
A Lei nº 11.638/07 inovou na matéria ao prescrever que a separação entre a escrituração
contábil e fiscal pode ser feita também por outro modelo que não aquele estabelecido pelo
Decreto-lei nº 1.598/77 e posteriores alterações. Referida Lei passou a admitir a coexistência de
dois Balanços distintos para atender a finalidades igualmente distintas. Um desses Balanços é o
denominado “Balanço Fiscal”.
A figura do Balanço Fiscal foi cogitada por Fran Martins12 há muito tempo, ao oferecer
comentários ao preceito do § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/76:
“Em relação ao imposto de renda, principalmente, os critérios para elaboração de
demonstrações contábeis ou de demonstrações financeiras divergem dos critérios
puramente contábeis. E, como a tributação se estabelece em função dos resultados
do exercício, a apuração do chamado lucro tributável exige a elaboração de um
verdadeiro balanço fiscal.”
Mais remotamente, a figura do Balanço Fiscal foi cogitada por Erymá Carneiro,13 que fez as
seguintes observações:
“Diferencia-se, assim, desde logo, o balanço comercial do balanço fiscal, porque
este está em função não dos interesses da empresa ou dos empresários, mas em
função da necessidade de fiscalização dos tributos, que para isso fixa um conceito
fiscal de resultados.”
Para Amílcar de Araújo Falcão,14 o balanço fiscal tem caráter pro forma, de modo que: “é
um conceito teórico que se reduz ao de balanço comercial, com os ajustamentos ditados pela lei
tributária, sem necessidade de nenhuma exteriorização em cédula formal, autônoma”.
Portanto, a adoção do denominado Balanço Fiscal sempre esteve na consciência jurídica
nacional. O modelo engendrado pelo Decreto-lei nº 1.598/77 sempre funcionou bem, apesar de
alguma dificuldade inicial, mas não satisfazia a classe contábil, que pretendia uma contabilidade
separada e livre das amarras da legislação tributária.
Ocorre, todavia, que a norma da Lei nº 11.638/07, sobre esta matéria, teve curta duração
porque em dezembro de 2008 foi editada a Medida Provisória nº 449, convertida na Lei nº
11.941/09, que deu nova redação ao § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404/76, que passou a ter a seguinte
redação:
“2º A companhia observará exclusivamente em livros ou registros auxiliares, sem
qualquer modificação da escrituração mercantil e das demonstrações reguladas
nesta Lei, as disposições da lei tributária, ou de legislação especial sobre a
atividade que constitui seu objeto, que prescrevam, conduzam ou incentivem a
utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem registros,
lançamentos ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.”
O art. 38 da Medida Provisória (que corresponde ao art. 39 da Lei nº 11.941/09) modificou
também a redação do § 2º do art. 8º do Decreto-lei nº 1.598/77, que passou a ter a seguinte
redação:
“§ 2º Para fins da escrituração contábil, inclusive da aplicação do disposto no § 2º
do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, os registros contábeis que
forem necessários para a observância das disposições tributárias relativos à
determinação da base de cálculo do imposto de renda e, também, dos demais
tributos, quando não devam, por sua natureza fiscal, constar da escrituração
contábil, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão efetuados
exclusivamente em:
I – livros ou registros contábeis auxiliares; ou
II – livros fiscais, inclusive no livro de que trata o inciso I do caputdeste artigo.
§ 3º O disposto no § 2º deste artigo será disciplinado pela Secretaria da Receita
Federal do Brasil.”
O preceito em questão retorna ao modelo antigo, segundo o qual a escrituração comercial
deve contemplar todas as variações patrimoniais reconhecidas e mensuradas de acordo com as
normas contábeis derivadas de lei de atos normativos editados por quaisquer entidades habilitadas
a “legislar” em matéria contábil. Todavia, não afastou de vez a figura do Balanço Fiscal porque
o preceito pressupõe a edição de normas contábeis ditadas pela legislação tributária que,
eventualmente, destoem das normas do direito contábil. Esse modelo normativo foi uma vez mais
modificado com a edição das normas que dispõem sobre o Regime Tributário de Transição.
A Lei nº 12.973/14 decretou o fim do RTT e determinou que os registros contábeis das
operações sejam feitos com observância da legislação contábil e societária aplicável em cada caso
(há regras distintas, por exemplo, para instituições financeiras), e, com isso, exige a adoção dos
métodos e critérios alinhados com as normas internacionais. A escrituração deve ser feita em
moeda nacional, ainda que o contribuinte adote outra (a denominada “moeda funcional”) para
mensurar o valor de ativos ou passivos.
5.4PERÍODO DE APURAÇÃO
Período de apuração é aquele em que o sujeito passivo deve reunir os fatos que deram origem
ao surgimento da obrigação tributária e apurar o quantum do tributo devido. O art. 247 do RR/99
faz menção ao período de apuração e estabelece que o lucro real seja calculado a partir do lucro
contábil de um período determinado, na forma da lei. O enunciado do citado preceito é o seguinte:
“Art. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração ajustado pelas
adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas por este Decreto.”
A identificação do período em que ocorre o fato gerador da obrigação tributária é importante
em razão das seguintes consequências: (a) demarca o tempo em que as mutações patrimoniais
devem ser apropriadas contabilmente (imputadas ao resultado) para observância do regime de
competência ou de caixa; (b) marca o início do prazo de contagem para a realização do lançamento
tributário e da eventual decadência;15 (c) marca o início da contagem do prazo para recolhimento;
e (d) determina qual é a lei aplicável.
De acordo com o art. 220 do RIR/99, o imposto será determinado com base no lucro real,
presumido ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março,
30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, exceto nos casos de
ocorrência: (a) de incorporação, fusão ou cisão, em que a apuração da base de cálculo e do imposto
devido será efetuada na data do evento; e (b) extinção da pessoa jurídica, pelo encerramento da
liquidação, a apuração da base de cálculo e do imposto devido será efetuada na data desse evento.
O art. 221, por sua vez, permite que o contribuinte pague o imposto com base em balanço anual
levantado em 31 de dezembro de cada ano, desde que faça pagamentos antecipados com base em
estimativas, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 222. A lei permite a suspensão dos
pagamentos em certas circunstâncias e prevê a imposição de multa isolada pela falta de
recolhimento dos valores das antecipações.
As regras vigentes para apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL foram compiladas
nos arts. 32 a 58 da IN 1.700/17
(a)Suspensão do pagamento
Ao contribuinte que optar pelo pagamento com base no Balanço anual e fizer recolhimentos
mensais com base em estimativa a lei concede a faculdade de suspender o pagamento do imposto,
desde que demonstre que o valor do imposto devido, calculado com base no lucro real do período
em curso, é igual ou inferior à soma do imposto de renda pago por estimativa, correspondente aos
meses do mesmo ano-calendário, anteriores àquele a que se refere o balanço ou balancete
levantado. A referida suspensão pode ser parcial, de modo que o valor a ser recolhido a cada mês
poderá vir a ser reduzido ao montante correspondente à diferença positiva entre o imposto devido
no período em curso, e a soma do imposto de renda pago, correspondente aos meses do mesmo
ano-calendário, anteriores àquele a que se refere o balanço ou balancete levantado.
(b)Multa isolada
A aplicação da denominada “multa isolada” está prevista no art. 43 da Lei nº 9.430/96. O
percentual da multa e a sua hipótese de incidência estava previsto no item IV do § 1º do art. 44
da Lei nº 9.430/96, cuja redação original era a seguinte:
“§ 1º As multas de que trata este artigo serão exigidas:
IV – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de
renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2º, que deixar
de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para
a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente.”
O preceito em questão foi modificado com o advento da Lei nº 11.488/07 (que resultou da
conversão da MP 351, de 22 de janeiro de 2007) e a matéria passou a ser regida pela alínea “b”
do item II do art. 44 da Lei nº 9.430/96, com a seguinte redação:
“Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
II – de 50% (cinquenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do
pagamento mensal:
b) na forma do art. 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido
apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre
o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.”
O fato gerador da multa, no caso, é a falta de pagamento de antecipação. Logo, havendo a
lei estipulado a obrigação de antecipar e não sendo ela adimplida no prazo devido são devidas as
penalidades previstas na lei. Se ao final do período houver sido apurado prejuízo fiscal ou base
de cálculo inferior à utilizada para pagamento das antecipações, o sujeito passivo tem o direito de
reaver o montante pago a maior na forma do art. 165 do CTN, acrescido, se for o caso, do
montante das penalidades pagas na forma do caput do art. 167 do mesmo diploma normativo.
Logo, a imposição de multa isolada quando o valor exigido equivale, no total ou em parte, ao
montante restituível, é exigência não razoável. Se, no entanto, o sujeito passivo não fez os
recolhimentos, a aplicação da multa de ofício (também denominada “genérica”) exclui a
incidência da norma que autoriza a imposição da multa isolada, em face do princípio da absorção,
em que a penalidade mais agrave. De outra parte, se a multa isolada for imposta antes da multa
de ofício, a pretensão punitiva estatal estará exaurida, posto que, de outro modo, haveria bis in
idem que não passa pelo mais simplório filtro de razoabilidade. Por tais razões, considero
absolutamente corretas as decisões proferidas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais que
afastaram a concomitância de multas consoante se vê nos acórdãos CSRF/01.05.875 e
CSRF/01.05.844.
1O art. 110 do CTN contém regras sobre a proibição de mudança ou deformação de conceitos,
institutos e formas do direito privado nos casos em que estes foram adotados pelo texto
constitucional para distribuir parcelas do poder de tributar.
2BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1972, p. 113.
3LUPI, Rafaello. Diritto tributário: parte generale. 4. ed. Milão: Giuffrè Editore, 1996, p. 58;
e COSTA, Alcides Jorge. Direito tributário e direito privado. Direito tributário: estudos em
homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 221.
4Digo “quase todos” porque existem parcelas que interferem na determinação do lucro real que
têm origem extracontábil, como são, por exemplo, as relativas a “depreciação acelerada
incentivada”.
5A falta de escrituração contábil ou a existência de escrituração deficiente pode implicar a
tributação por arbitramento da base de cálculo.
6MURPHY, Kevin; HIGGINS, Mark. Concepts in federal taxation. 2. ed. Ohio: Cengage, 2011,
p. 55. De acordo com os autores: “Under this concept, all income received is considered taxable
unless some specific provision can be found in the tax law that excludes the item in question
from taxation.” E, ainda: “Exclusions are based on the legislative grace concept”.
7Vide mandamento que consta do item XI do art. 67 do Decreto-lei nº 1.598/77. Vide também
os itens 4.2 e 4.3 do Parecer Normativo CST nº 112/78.
8Na época da edição da Lei nº 6.404/76 estava em vigor o art. 10 do Código Comercial que
impunha o dever de levantamento de balanços anuais e nada dispunha acerca do conteúdo dos
mesmos. Na antiga Lei das sociedades por ações (Decreto-lei nº 2.627/40) havia parcas regras
sobre a avaliação e mensuração de ativos e nada mais.
9Neste caso, a lei tributária acabou se convertendo em norma contábil, isto é, o ordenamento
jurídico contábil acolheu normas ditadas para regular a tributação e que se tornaram prescrições
materialmente contábeis, sem prejuízo das funções para as quais foram editadas.
10PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda: pessoas jurídicas. v. 1. Rio de Janeiro:
Justec, 1979, p. 273.
11Ainda está: vide parágrafo único do art. 251 do RIR/99.
12MARTINS, Fran. Comentários à Lei das S.A. v. 2. t. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 561.
13CARNEIRO, Erymá. Aspectos fiscais da contabilidade. Rio de Janeiro: Financeiras, 1965, p.
71.
14FALCÃO, Amílcar de Araújo. Direito tributário brasileiro (aspectos concretos). Rio de
Janeiro: Edições Financeiras, 1960, p. 206.
15A jurisprudência do STJ, e que reflete nas decisões do CARF, é no sentido de que a decadência
começa a contar do fato gerador unicamente nos casos em que houve pagamento de tributo;
assim, a contagem do referido prazo passa a ser feita a partir do início do exercício financeiro
seguinte se não houve pagamento, na forma do art. 173 do CTN.
6.1FINALIDADE DO RTT
A Medida Provisória nº 449, convertida na Lei nº 11.941/09, dispõe, nos arts. 15 a 22, sobre
o RTT – Regime Tributário de Transição –, cuja finalidade é instituir um mecanismo que leve à
neutralidade tributária dos efeitos contábeis decorrentes da aplicação das normas da Lei nº
11.638/07 e das regras editadas após 1º de janeiro de 2008 pela CVM e por outros órgãos estatais
ou de regulação profissional. As normas que dispõem sobre o RTT visam a escoimar, para fins
de cálculo do IRPJ e CSLL, os efeitos nos resultados decorrentes da adoção das normas brasileiras
alinhadas com as normas internacionais que tenham sido editadas após 31 de dezembro de 2007.
O advento das normas introdutoras dos novos critérios contábeis alinhados às normas
internacionais criou várias lacunas no ordenamento jurídico tributário que poderiam ser resolvidas
por pelo menos duas vias, a saber: (a) pela submissão dos novos fatos contábeis às normas então
vigentes, num processo de adaptação e atualização do sentido e do alcance das referidas normas;
e (b) pela edição de novas normas tributárias que contemplassem os efeitos das mudanças no
lucro líquido que, grosso modo, é o ponto de partida para o cálculo dos tributos corporativos como
o IRPJ e a CSLL. O legislador brasileiro, ao invés de editar normas acerca dos efeitos fiscais
decorrentes da aplicação das novas contábeis, optou pela instituição do RTT, cuja adoção foi
facultativa nos anos de 2008 e 2009, e tornou-se obrigatória a partir de 2010. À vista disto, vários
problemas de interpretação são suscitados e serão analisados a seguir.
6.2NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE
A instituição do denominado “Regime Tributário de Transição” é uma decorrência do
processo de recepção, pelo ordenamento jurídico brasileiro, das normas internacionais
de contabilidade, a exemplo do que ocorreu em outros países. O marco inicial da mudança do
ordenamento jurídico contábil é o advento da Lei nº 11.638, promulgada nos últimos dias do ano
de 2007, que tem sido aclamado como fator determinante de uma verdadeira “virada copernicana”
na ordem jurídica contábil por estabelecer a obrigatória harmonização das normas brasileiras com
as normas internacionais de contabilidade. O processo de harmonização foi iniciado por dois
caminhos. O primeiro foi a edição de regras sobre novos procedimentos de contabilidade
constantes da Lei nº 11.638/07, enquanto o segundo caminho foi trilhado com a atribuição de um
poder de legislar mais amplo à Comissão de Valores Mobiliários e também a outros órgãos que
passaram a ter poderes normativos para editar normas cogentes sem que as mesmas passem pelo
demorado processo legislativo ordinário, cumprido na tramitação dos projetos de leis na Câmara
dos Deputados Federais e no Senado Federal.
6.3CARÁTER TRANSITÓRIO DO RTT
O RTT foi concebido para ter duração efêmera até que fosse editada uma Lei que viesse a
disciplinar os efeitos tributários dos novos métodos e critérios contábeis estabelecidos a partir de
1º de janeiro de 2008 pela Lei nº 11.638/07 (e modificações posteriores) e por atos editados pelos
diversos órgãos dotados de competência para editar atos normativos sobre matéria contábil. Os
efeitos da neutralização são sempre temporários, de modo que, abstraído o fator tempo, o
resultado final será zero.
A transitoriedade do RTT foi fixada, inicialmente, para os anos de 2008 e 2009, ou até que
outra lei viesse a ser editada para permitir a neutralidade fiscal prevista na Lei 11.638/07 e
reforçada (ao menos no campo das intenções) pelo § 1º do art. 15 da MP 449. De acordo com o
enunciado do § 3º do art. 3º da Medida Provisória 449, se até o dia 31 de dezembro de 2009 não
fosse editada uma lei com o propósito de regular a mencionada neutralidade fiscal, o RTT passaria
a ser obrigatório a partir do ano-calendário de 2010 para todas as pessoas jurídicas e em relação
ao IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS, e assim sucedeu.
O contribuinte que optasse pelo RTT em 2008 ficava obrigado a adotá-lo em 2009. Por outro
lado, o contribuinte que não optou pelo RTT para 2008 ficou impedido de fazê-lo para o ano 2009,
porquanto o item I do § 2º do art. 15 dispõe que: “a opção aplicar-se-á ao biênio 2008-2009,
vedada a aplicação do regime em um único ano-calendário”.
O sujeito passivo que não fez a opção pelo RTT para os anos de 2008 e 2009 ficou obrigado
a adotar, para fins fiscais, todos os efeitos normais decorrentes das novas disposições de caráter
contábil introduzidas pela Lei nº 11.638/07; por atos da CVM ou outro órgão; e, pelos arts. 36 e
37 da MP 449. Do ponto de vista pragmático, o contribuinte que não aderiu ao RTT naquela
oportunidade, de certa forma, renunciou à neutralidade tributária estabelecida pela Lei nº
11.638/07.
6.4HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DAS REGRAS DO RTT
A hipótese de incidência de uma norma diz respeito ao campo material de sua aplicabilidade
e eficácia normativa, e, portanto, essa expressão serve para designar os fatos alcançáveis pela
norma que estabelece um modo de agir com prescrições acerca do que é obrigatório; permitido
ou proibido. O campo material de incidência das normas que formam o RTT pode ser inferido a
partir do exame da finalidade das referidas. Tais normas visam a estabelecer uma neutralidade
temporária de certas cifras – qualificadas como receitas, custos e despesas – que compõem o lucro
contábil determinado com base nas regras brasileiras de contabilidade convergentes com as
normas internacionais. Assim sendo, para o adequado atendimento aos propósitos do “regime”, o
contribuinte deve submeter certos fatos a dois conjuntos de normas contábeis para fins de
comparação e apuração, se for o caso, de uma determinada cifra. Assim sendo, deve o
contribuinte:
(a)em primeiro lugar, fazer o registro de todas as mutações patrimoniais e as
mensurações exigíveis de acordo com as regras vigentes a partir de 1º de janeiro de
2008, sejam elas total ou parcialmente1 convergentes com as normas internacionais;
(b)em segundo lugar, deve identificar alguns fatos contábeis dentre aqueles
integrantes do resultado do período determinado de acordo com os critérios referidos
em “a”, acima, e qualificar esses mesmos fatos (em registros pro forma)2 de acordo
com as normas contábeis (ou métodos e critérios) vigentes em 31 de dezembro de
2007.
Feito isto, e se houver diferença matemática entre um “lucro” e outro, essa corresponderá
ao montante passível de neutralização temporária.3 O sujeito passivo tem o dever legal de fazer a
comparação citada exceto se não optou pela adoção das regras do RTT, o que só foi possível nos
anos de 2008 e 2009. Pode ocorrer que nenhum valor seja apurado, mas o dever de demonstração
permanece.
Esse procedimento é o que deflui das normas do art. 16 da Lei nº 11.941/09, que diz duas
coisas. Em primeiro lugar, diz que, para fins fiscais, são aplicáveis os métodos e critérios
contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007; e, em segundo lugar, diz que os métodos e
critérios estabelecidos pela Lei nº 11.638/07 e demais atos normativos não produzem efeitos
fiscais enquanto não forem efetivamente realizados de acordo com as circunstâncias fáticas e
jurídicas de cada caso. Exceção é feita aos casos tratados nos arts. 37 e 38 da Lei nº 11.941/09.
À vista do que foi exposto parece claro que o campo material de incidência das normas que
formam o RTT é constituído por fatos contábeis que devem ser qualificados por normas
pertencentes a dois sistemas jurídicos distintos. O primeiro sistema é aquele formado pelas
normas contábeis atualmente em vigor e que estão alinhadas total ou parcialmente com as normas
internacionais; e, de outra parte, o segundo sistema de normas contábeis é aquele já revogado por
normas do primeiro sistema e que, no entanto, mantém uma espécie de eficácia residual limitada,
para fins fiscais.
6.5CONCEITO DE LUCRO REAL NA VIGÊNCIA DO RTT
O art. 17 da Lei nº 11.941/09, estabeleceu normas acerca dos procedimentos que devem ser
adotados na escrituração contábil em relação aos ajustes necessários a dar efetividade à
neutralidade perseguida pela Lei. De acordo com o mandamento contido no citado artigo, todos
os fatos contábeis serão qualificados e registrados de acordo com as normas de direito societário
(Lei 6.404/76; Lei 11.638/07; Lei 11.941/09 e atos normativos editados pela CVM ou outro
órgão). Em seguida, depois de apurado o resultado do período de acordo com as normas contábeis
aplicáveis, o sujeito passivo deverá identificar as matérias que sofreram novo regramento (novos
métodos e critérios) em relação àqueles vigentes em 31.12.2007. Havendo diferenças entre as
cifras apuradas de acordo com um e outro sistema de referência, deve-se fazer um ajuste para
mais ou para menos, de modo que o lucro do período seja ajustado para servir de base aos demais
ajustes ordinários previstos na legislação tributária. Assim, são dois tipos de ajustes a serem feitos:
(a)aqueles de caráter exclusivamente contábil, destinados a expungir da base de
cálculo do IRPJ e CSLL os efeitos contábeis produzidos pela adoção dos “novos”
critérios e métodos contábeis;
(b)aqueles de caráter exclusivamente tributário, como são os relativos à dedução de
despesas e custos e exclusão de receitas e ganhos ou para consideração de parcelas
compensáveis (prejuízos fiscais e base negativa de CSLL) e também para contemplar
eventuais incentivos financeiros como são os relativos à depreciação acelerada
incentivada.
O assunto foi objeto da Instrução Normativa RFB nº 949/09, que criou o sistema FCONT,
que vem a ser uma espécie de escrituração “paralela” à escrituração contábil que se traduz numa
espécie de Balanço Fiscal, haja vista que o registro das cifras deverá ser feito em partidas dobradas
segundo os métodos e critérios vigentes em 31.12.2007. As cifras a serem registradas no sistema
FCONT são aquelas que não devem ser consideradas para fins de apuração do resultado contábil
que serve de base para cálculo do lucro real e base de cálculo da CSLL.
O resultado final dessas normas é que o lucro real teve mudado o seu ponto de partida. Sem
a interferência dessas regras de caráter transitório, o ponto de partida para cálculo do lucro real
era o lucro contábil, assim considerado aquele apurado de acordo com as normas contábeis. Na
vigência do RTT o valor do lucro contábil deve ser ajustado, se for o caso, para que dele sejam
expurgados os valores sujeitos à neutralidade, de modo que o lucro real pode ter como ponto de
partida um lucro contábil ajustado e apurado por normas contábeis já revogadas.
6.6O VALOR JUSTO CONTÁBIL E A TRIBUTAÇÃO
Após o advento da Lei nº 11.638/07, e das normas legais e regulamentares que lhe seguiram,
a contabilidade passou a adotar o valor justo como critério ordinário de mensuração de ativos e
passivos. Assim, a adoção das normas da Lei nº 11.638/07 e das demais normas introduzidas no
ordenamento jurídico para recepção de normas internacionais de contabilidade visa a produzir
registros contábeis que reflitam – na medida do possível – o valor justo dos ativos e passivos
registrados, de modo que:
(a)certos ativos devem ser mensurados pelo valor justo em sentido estrito, como os
investimentos temporários, as aplicações financeiras etc.;
(b)alguns ativos e passivos são avaliados pelo valor presente, que, em última
instância, conduz ao valor justo desses ativos e passivos; e
(c)outros ativos (imobilizados, intangíveis, e investimentos) devem ser mensurados
de acordo com o valor recuperável decorrente da aplicação do teste de impairment,
que também conduz a um valor justo.
Para certa categoria de investimentos representados por participações societárias o critério
de avaliação é o de patrimônio líquido ou de equivalência patrimonial que não coincide com o
custo de aquisição. Assim, o valor de aquisição é posteriormente ajustado para refletir os
acréscimos ou decréscimos no Patrimônio Líquido da sociedade investida. Esse critério de
mensuração pode ser compreendido no campo do valor justo em sentido amplo, conforme exposto
acima.4
Para fins fiscais, considerando que a base tributável toma como ponto de partida as cifras
contábeis que perseguem a apuração do “valor justo”, o normal seria que as normas tributárias
acolhessem os resultados produzidos pela aplicação das normas contábeis de modo a manter certa
simetria5 entre aqueles resultados e a base tributável; e, caso isto venha a ocorrer, o lucro
determinado com base no valor justo tornar-se-á o critério reitor da tributação.
O estabelecimento da mencionada simetria pode esbarrar em questões de ordem legal e
constitucional, todavia. Nos casos em que a adoção do valor justo conduz à atualização dos
elementos patrimoniais com reflexos imediatos nos resultados ocorre uma viragem no eixo da
base de apuração desses resultados de modo que o pressuposto da realização (em que as receitas
são reconhecidas somente quando forem ganhas e o “ganhar” implica a “troca” efetiva de ativos)
é substituído pelo “acréscimo” ou simples valorização dos elementos patrimoniais. Assim sendo,
as mais valias que antes ficavam escondidas por detrás do custo contábil se pronunciam e passam
a servir de base para: (a) remunerar os acionistas, sob a forma de dividendos de lucros afetados
pelo reconhecimento de ganhos até então tidos por potenciais; (b) orientar o mercado sobre
investimentos, que é o foco principal das normas que estabelecem a mensuração dos elementos
patrimoniais com base no valor justo; e (c) cálculo do IRPJ e CSLL. Convém sublinhar que a
filosofia do valor justo não é desconhecida na seara tributária; de fato, as normas que dispõem
sobre distribuição disfarçada de lucros, sobre preços e transferência e outras, visam a fazer com
certas operações sejam tributadas (rectius: consideradas na base de cálculo) pelo valor de
mercado, que é, ao fim e ao cabo, o mesmo que valor justo. Essas normas têm a finalidade de
evitar a erosão da base tributável por intermédio de alocação de receitas, e, portanto, não
estabelecem valores mínimos ou máximos para os negócios jurídicos que produzem os resultados
alcançados por elas. Logo, o valor justo, para fins tributários, é admitido em caráter excepcional,
para evitar patologias contrárias aos interesses do erário público.
A mudança pode implicar ofensa ao disposto no art. 43 do CTN, que foi erigido para permitir
que a tributação da renda levasse em consideração a “realização” ou a “separação” da mesma;
logo, o regime de tributação com base no “acréscimo” choca-se com esse propósito legal.
Se a tributação passa a incidir sobre um fato jurídico compatível com a ideia de “acréscimo”
ao invés de realização ou separação, fica claro que há um choque de propósitos que produz uma
ilegalidade. Essa ilegalidade fica mais bem pronunciada se considerarmos que as “perdas
potenciais” decorrentes da adoção do valor justo continuam a não interferir na base de cálculo
dos tributos incidentes sobre o lucro. A favor da mudança há o fato, inegável, de que se esse “novo
lucro” é bom para atender aos interesses dos acionistas e do mercado, não há porque negar a sua
utilização para fins fiscais. Vistas as coisas deste modo, estar-se-ia modificando o eixo reitor da
tributação da renda por intermédio de uma atualização do sentido do art. 43 do CTN. Essa
mudança, convenhamos, já ocorreu em alguns casos, como é o da tributação na fonte de certos
fundos de investimentos em que os rendimentos são tributados quando se verificam os acréscimos
e antes da realização ou separação.
A introdução de normas que impõem a mensuração de certos ativos com base no valor de
mercado (valor justo) e do reconhecimento contábil de receita antes da ocorrência de “troca” de
qualquer modalidade suscita um problema de conflito de normas.
Tomemos como exemplo o caso do CPC 29, que dispõe sobre “ativos biológicos” e que
impõe o registro de receita mesmo para os bens em estoque ou que ainda não produziram receita
e que estejam em condições de fazê-lo. Esse critério de mensuração contábil com base no valor
justo, nos casos em que este é superior ao custo de aquisição, implica no reconhecimento de
receita ainda não realizada, e, portanto, em desacordo com o disposto no § 1º, alínea a, do art. 187
da Lei nº 6.404/76. Ademais, parece certo que os valores correspondentes aos ajustes contábeis,
em cada Balanço, deveriam ser registrados em Ajuste de Avaliação Patrimonial, no Patrimônio
Líquido, em atendimento ao disposto no § 3º do art. 182 da Lei nº 6.404/76.
Ao determinar o reconhecimento contábil imediato de um ganho ainda potencial, o CPC 29
acaba por desprezar o texto da lei, o que pode suscitar a alegação de que os atos normativos que
o adotam (como é o caso dos atos editados pela CVM) são ilegais. Para refutar as alegações sobre
a ocorrência de ilegalidade, é possível afirmar que a Lei que impõe o reconhecimento contábil de
receita realizada (ganha) é a mesma que admite que outros órgãos legislem sobre a matéria, e que,
portanto, o reconhecimento de tais receitas seria válido se previsto em normas internacionais.
Logo, por esse ponto de vista, não há conflito de normas, posto que a norma geral, aquela
constante da alínea a do § 1º do art. 187 da Lei nº 6.404/76, deve ceder espaço para a norma
especial, que, no caso, é aquela que adota os critérios previstos no CPC 29. Essa linha de
interpretação é razoável nos casos em que o virtual conflito surge da possibilidade de aplicação
de diplomas normativos da mesma natureza ou pertencentes ao mesmo nível hierárquico na ordem
jurídica: todavia, no caso presente, há um ato normativo inferior à lei que conflita com esta, de
modo que a resolução do problema com base no critério de generalidade (ou especialidade) não
é o mais adequado. No caso, a lei é superior ao ato da CVM porque este depende daquela: o poder
de legislar em matéria contábil é concedido pela Constituição Federal ao Poder Legislativo; logo,
a lei não pode agir como se fosse a Constituição e transferir os poderes que dela recebeu a um
órgão subalterno à Lei, isto é, que existe e funciona por obra e graça da Lei. Portanto, parece claro
que a Lei, quando concede poderes a órgãos administrativos, não lhes dá o direito de revogá-la
porque estaria a suprimir a prerrogativa do Poder Legislativo que, no caso, pertence ao Congresso
Nacional. Assim, vistas as coisas desse ponto de vista, parece certo que é patente a ilegalidade da
norma do CPC.
A despeito de tudo, parece ser razoável admitir uma interpretação conciliatória de modo a
afastar a cogitada ilegalidade. Afinal, a própria Lei nº 6.404/76 admite o reconhecimento de
receita decorrente da valoração de ativos independentemente da troca efetiva. O preceito do art.
197 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº 10.303/01 e pela Lei nº 11.638/07, e que
dispõe sobre a formação da reserva de lucros a realizar, estabelece que na formação da referida
reserva devam ser tomadas as parcelas relativas a lucros, rendimentos ou ganho líquidos em
operações ou contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de realização
financeira ocorra após o término do exercício social seguinte. Portanto, o próprio ordenamento
jurídico contábil exige que receitas sejam imputadas ao resultado do período antes mesmo de
haver um negócio jurídico do qual derive o direito de receber ativos em troca de bens (ou do
controle sobre bens) transferidos a outrem. É o caso, por exemplo, do citado CPC 29, que dispõe
sobre o registro e mensuração de Ativos Biológicos, e que impõe a adoção do valor justo, assim
entendido o valor pelo qual um ativo pode ser negociado, entre partes interessadas, conhecedoras
do negócio e independentes entre si, com a ausência de fatores que pressionem para a liquidação
da transação ou que caracterizem uma transação compulsória. Portanto, é imprescindível lembrar
que o direito – em certas circunstâncias – cria realidades próprias por intermédio de normas que
veiculam hipóteses de ficção ou presunção. Por esse ponto de vista, é razoável considerar que a
receita registrada antes da troca constitui espécie de “receita ganha” por presunção legal e, por
isso, a própria Lei nº 6.404/76 a torna compatível com o preceito da alínea “a” do item II do art.
187. Essa interpretação se torna robustecida se considerarmos que a própria lei, ao dispor sobre a
formação da reserva de lucros a realizar, o faz para permitir que os administradores e acionistas
sopesem, em cada caso, as consequências da formação da mencionada reserva ou decidam pela
distribuição dos lucros de modo a evitar, tanto quanto possível, a descapitalização da empresa.
A Lei nº 12.973/14 decretou a extinção do RTT a partir de 1º de janeiro de 2014 ou 2015, a
critério do contribuinte. A mencionada Lei manteve o princípio da neutralidade originalmente
previsto na Lei nº 11.638/07, e dispôs que certas receitas imputadas aos resultados serão tributadas
apenas quando da realização econômica a despeito de, antes, serem computadas para cálculo dos
valores passíveis de distribuição aos sócios ou acionistas. Essas novas normas diminuíram, por
certo, os problemas decorrentes da opção – adotada pelas normas contábeis inspiradas nas normas
internacionais – por registrar receitas ainda não realizadas. Os eventuais problemas que podem
ocorrer na seara contábil continuam latentes. Aqui é necessário recordar que as normas que
instituem critérios jurídicos de qualificação de certos fatos contábeis como receita, bem como as
que dizem respeito ao seu registro e mensuração, têm a função de proteger os interesses da própria
sociedade que existe para explorar uma empresa e também os direitos e interesses dos
participantes nos lucros e de terceiros. A função primordial de tais normas é evitar o falseamento
dos resultados e dos valores dos ativos e passivos; por isso, o adequado cumprimento das referidas
normas impede que lucros sejam suprimidos em prejuízo dos sócios, acionistas e demais
participantes nos lucros e também cerceiam a apuração e distribuição de lucros não realizados,
isto é, sem lastro em ativos realizáveis. A distribuição de lucros formados com receitas não
realizadas implica na transferência ou alienação de ativos do patrimônio social para os sócios ou
acionistas e não afeta unicamente os interesses de credores; a ocorrência desse fato pode vir a pôr
em risco a continuidade operacional da própria empresa, ou, pelo menos, afetar a sua liquidez. É
certo que a existência de normas sobre formação de reserva de lucros a realizar pode mitigar os
efeitos citados; todavia, a possibilidade de manipulação não pode ser desprezada, haja vista que
os administradores controlam a apuração dos valores registrados em certas circunstâncias.
Convém recordar que a avaliação das cifras contábeis não é uma questão de caráter
eminentemente técnico: e, ademais, todo processo de avaliação, mesmo o que vier a ser confiado
a peritos independentes, é conduzido pelos administradores que têm interesses nos lucros e
circunstâncias como essas não podem ser desprezadas em razão do risco de atitudes oportunistas.
O reconhecimento contábil de lucro não realizado, ou seja, aquele que não advém de receita
ganha, não é admissível para fins de tributação em face do disposto nos arts. 43 e 44 do CTN, que
exigem que o fato gerador do IRPJ alcance apenas e tão somente fatos que revelam
disponibilidade de renda. Todavia, se o critério de reconhecimento de receitas previsto no CPC
29 vier a ser adotado para fins contábeis sem contestação, o mesmo deverá ser adotado para fins
fiscais. Não é razoável supor que um mesmo fato seja considerado como renda passível de
distribuição aos sócios e este mesmo efeito não seja produzido no campo tributário.
6.7O FIM DO RTT NA LEI Nº 12.973/14
A Lei nº 12.973/14 decretou a extinção do RTT a partir de 1º de janeiro de 2014 ou 2015, a
critério do contribuinte. A referida lei introduziu inúmeras modificações na legislação tributária
de modo a contemplar os efeitos tributários decorrentes da adoção das normas brasileiras de
contabilidade alinhadas com as normas internacionais. A referida Lei manteve o princípio da
neutralidade originalmente previsto na Lei nº 11.638/07 e dispôs que certas receitas imputadas
aos resultados serão tributadas apenas quando da realização econômica a despeito de serem
computadas para cálculo dos valores passíveis de distribuição aos sócios ou acionistas no período
em que ocorrer o registro contábil. É o caso, por exemplo, do ganho por compra vantajosa na
aquisição de investimento avaliado com base no método da equivalência patrimonial. De acordo
com a nova redação do enunciado do § 6º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77, o ganho por
compra vantajosa, que corresponde ao excesso do valor justo dos ativos líquidos da investida, na
proporção da participação adquirida, em relação ao custo de aquisição do investimento, será
computado na determinação do lucro real no período de apuração da alienação ou baixa do
investimento. Em igual sentido, o art. 13 da Lei nº 12.973/14 dispõe que a receita proveniente da
mensuração de ativos ou passivos com base no valor justo não será tributada enquanto não seja
economicamente realizada.
Como se vê, a lei tributária manteve e aprofundou a dissociação entre o lucro contábil que
deve servir de base para cálculo do lucro real e o apurado para medir o desempenho da empresa
e para fins de distribuição aos sócios e acionistas. A lei não exige a adoção de dois sistemas
contábeis distintos; ela apenas estabeleceu critérios de tributação mais consentâneos com a ideia
de renda realizada prevista nos arts. 43 e 44 do CTN, e, por isso, o fato de uma receita compor o
lucro distribuível não significa que deva ser imediatamente tributada. O modelo normativo
adotado pela referida Lei implicou no aumento considerável das hipóteses em que ocorrerão
diferenças temporárias que serão controladas no LALUR, que foi adotado também para controle
de parcelas que interferem na base de cálculo da CSLL.
No que concerne às despesas, a Lei nº 12.973/14 inovou em certas matérias. Assim, por
exemplo, o art. 40 da referida lei permite que a despesa de depreciação seja deduzida no período
determinado pela lei tributária ainda que sejam adotadas taxas menores para fins contábeis. Logo,
a lei passou a permitir que a eventual diferença entre os valores seja excluída na determinação do
lucro real. A lei permite a exclusão, na determinação do lucro real, de parcelas relativas a gastos
que ostentam o caráter de despesa e que, a despeito disto, não são imputados ao resultado, como
é o caso dos valores dos custos associados às transações destinadas à obtenção de recursos
próprios, mediante a distribuição primária de ações ou bônus de subscrição contabilizados no
patrimônio líquido (art. 38-A do Decreto-lei nº 1.598/77).
Esse modelo normativo exige cuidados especiais por parte dos contribuintes que deverão
adotar rígidos controles sobre as parcelas de receitas e despesas diferidas do ponto de vista fiscal.
Esses controles deverão ser adotados nos registros contábeis, nos casos em que lei exige a criação
de subcontas distintas para o registro de certas cifras, e também nos registros de caráter
eminentemente tributário, como é o LALUR.
Em síntese, a nova lei aprofundou os termos da separação entre as normas de caráter contábil
e das normas de índole tributária que dispõem sobre critérios de dedução e tributação distintos
dos adotados para fins de cômputo no resultado do período. A lei, neste particular, merece
encômios porque adota a separação de esferas, e, de certo modo, elimina grande parte das
divergências decorrentes da aplicação simultânea das normas de direito contábil e de direito
tributário sobre fatos que são tomadas por ambas que estão postas no ordenamento jurídico para
cumprir finalidades distintas.
A lei, no entanto, não trata de todas as matérias reguladas em normas contábeis, e, por
exemplo, nada dispõe sobre os efeitos fiscais do registro de benefícios a empregados tratados no
Pronunciamento CPC 33. Nestes casos, parece que o contribuinte deve qualificar as cifras de
acordo com as normas gerais aplicáveis ao registro e dedução de despesas que – em síntese –
proíbem a dedução de provisões não autorizadas e permitem a dedução de despesas em geral
quando incorridas e observadas as eventuais exigências previstas em lei. No mais, a própria lei
prevê a sua insuficiência ao dispor no art. 58 que:
“Art. 58. A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de
atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei
comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na
apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria.
Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, compete à Secretaria da Receita
Federal do Brasil, no âmbito de suas atribuições, identificar os atos administrativos
e dispor sobre os procedimentos para anular os efeitos desses atos sobre a apuração
dos tributos federais.”
A redação do preceito transcrito suscita alguns problemas interpretativos. Em primeiro
lugar, circunscreve o campo material de incidência da norma aos deveres ou mandamentos que
sejam editados por atos administrativos e silencia a respeito do que deva ser feito quando os
mesmos porventura forem estabelecidos por lei. Havendo lei e sendo esta omissa a respeito,
parece certo que os princípios estabelecidos na Lei nº 12.973/14 devam prevalecer, já que se
harmonizam da melhor maneira possível com as normas dos arts. 43 e 44 do CTN. Portanto,
nestes casos, parece justo que as receitas devam ser tributadas somente quando realizadas
economicamente e as despesas dedutíveis quando incorridas.
Em segundo lugar, para os novos critérios estabelecidos por atos administrativos, a lei não
é clara sobre a significação da seguinte expressão, contida na parte final do caput do art. 58,
segundo a qual “não terá implicação na apuração dos tributos federais”. Não ter implicação é,
segundo me parece, ser neutro, e, por isto, é razoável inferir que uma receita não deve ser tributada
e uma despesa não dedutível até que advenha norma de caráter tributário específica sobre a
matéria. Ocorre que a redação do preceito do parágrafo único permite cogitar que editor da norma
não quis estabelecer a neutralidade antes cogitada. Ora, se a norma tributária que vier a ser editada
pela Secretaria da Receita Federal do Brasil tiver a finalidade de “anular os efeitos”, parece claro
que estes foram cogitados pela regra do caput, e, portanto, as receitas são imediatamente
tributáveis e as eventuais despesas dedutíveis quando incorridas.
Por fim, cabe referir que os arts. 64 a 67 da Lei nº 12.973/14 dispõem sobre o tratamento a
ser dado às parcelas relativas a adições e exclusões temporárias geradas no período de vigência
do RTT que termina em 31 de dezembro de 2013 ou 31 de dezembro de 2014, a critério do
contribuinte. Em síntese, a lei permite que os efeitos fiscais continuem diferidos desde que os
contribuintes adotem critérios de identificação de cada parcela, de modo a permitir que o efeito
tributário seja reconhecido apenas quando da realização (mediante adição ou exclusão futura)
econômica verificável em cada caso de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas. Na
essência, a lei torna definitivo o que era transitório.
1Digo “parcialmente” porque as normas do novo ordenamento jurídico contábil instituído a
partir de 1º de janeiro de 2008 foram paulatinamente editadas nos anos que se seguiram, de
modo que o processo de convergência não resultou de uma substituição pura e simples de um
ordenamento por outro.
2Esse registro é “pro forma” apenas para fins contábeis. Para fins de atendimento à legislação
tributária eles são reportados no FCONT.
3E o mesmo deve ser adotado se o contribuinte estiver sujeito ao pagamento dos tributos com
base no lucro presumido ou arbitrado.
4A razão é simples: se todas as sociedades devem adotar critérios uniformes que estão baseados
no valor justo, o ajuste por equivalência patrimonial é afetado por eles.
5As assimetrias, que são inevitáveis, decorrem da aplicação das normas de ajuste sobre adições,
exclusões e compensações. As assimetrias contábeis, que ocorrem quando a lei tributária
estabelece critérios contábeis incompatíveis com os estabelecidos nas normas de direito
contábil poderiam ser consideradas também como normas de ajustes, se for o caso.
7.1O REGISTRO DAS MUTAÇÕES PATRIMONIAIS
Para atendimento ao princípio da integridade das demonstrações financeiras é
imprescindível que os registros contábeis captem todas as mutações patrimoniais ocorridas
durante o período ao qual se referem. Do ponto de vista da lei societária, a demarcação do período
de apuração do rédito empresarial é importante porque ele coincide com o período em que as
receitas e as despesas devem ser registradas, o que é fundamental para que o Balanço espelhe os
resultados das operações sobre os quais os sócios e terceiros têm interesses e para que os
acionistas e investidores possam medir o desempenho da entidade no período considerado. Na
legislação tributária as regras sobre a imputação temporal das mutações patrimoniais visam a
permitir que a apuração dos tributos devidos seja feita no período de apuração estipulado na lei.
Há variações patrimoniais que afetam o valor do patrimônio social para acrescê-lo ou
diminuí-lo e há as que não afetam em razão do seu caráter eminentemente permutativo. Assim, a
venda de uma mercadoria com margem de lucro produz uma mutação patrimonial aumentativa,
ou seja, representa um acréscimo de valor ao patrimônio social. De outra parte, o pagamento de
uma despesa produz o efeito inverso, ou seja, esse é um ato que reduz o patrimônio social no
momento em que os bens e serviços adquiridos são consumidos. Por outro lado, a venda de uma
mercadoria ao preço de custo de aquisição – ou seja, sem margem de lucro alguma – não altera o
patrimônio social, ainda que haja o registro de uma “receita” de vendas. Esse tipo de mutação
patrimonial (venda sem lucro), por não alterar ou diminuir o patrimônio social, é neutra do ponto
de vista fiscal em relação aos tributos incidentes sobre o lucro, mas tem grande importância
quando os tributos tomam como base de cálculo a receita, como é o caso da tributação no regime
do lucro presumido ou arbitrado.
A legislação do imposto de renda, desde o advento do Decreto-lei nº 1.598/77, estabelece
que as mutações patrimoniais sejam imputadas aos resultados de acordo com o regime de
competência, salvo disposição de lei em contrário que admite a adoção do regime de caixa.
7.2REGIME DE COMPETÊNCIA
O princípio geral que rege a imputação temporal das mutações patrimoniais para fins de
determinação do resultado de cada período é o denominado “princípio da competência”. No
ordenamento jurídico brasileiro as mutações patrimoniais sob a forma de receitas e ganhos em
sentido amplo devem ser reconhecidas quando puderem ser consideradas ganhas segundo as
circunstâncias fáticas e jurídicas de cada caso. No que tange às mutações patrimoniais
diminutivas, o reconhecimento ocorre, em regra, quando os custos, despesas e perdas forem
considerados incorridos, e, portanto, independentemente do pagamento.
Sob o prisma teleológico, as normas que impõem a observância desse princípio visam a dar
efetividade ao princípio contábil da integridade das demonstrações financeiras e, ao mesmo
tempo, atender ao postulado econômico da realização da riqueza para fins de repartição entre os
sócios ou acionistas e para pagamento dos tributos incidentes sobre o lucro. O princípio da
realização da riqueza exige que os registros contábeis reflitam mutações patrimoniais que possam
ser consideradas certas, isto é, cuja existência é incontroversa, e que sejam, também,
objetivamente determinadas.1
(a)Normas contábeis
Na legislação societária, a adoção obrigatória do regime de competência está prevista
no caput do art. 177 da Lei nº 6.404/76, cuja interpretação deve ser feita em conjunto com o § 1º
do art. 187 da mesma Lei. A primeira norma prescreve que a escrituração da companhia será
mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e aos
princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis
uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. Esse
preceito delimita o campo de aplicação do referido regime, que é formado pelos fatos que
importem em “mutações patrimoniais”, as quais, em face do que dispõe o § 1º do art. 187 da Lei
nº 6.404/76, assumem o caráter de:
a)receitas, rendimentos e ganhos;
b)custos, despesas, encargos e perdas.
A ideia subjacente a esse regime é a de período de apuração dos resultados da entidade, de
modo que as normas que impõem a sua adoção devem ser interpretadas no pressuposto de que
todo fato que produza uma mutação patrimonial pertence (isto é, se relaciona ou “compete”) a um
determinado período. Esse regime, também denominado “regime econômico”, visa a permitir que
os lucros repartíveis entre os sócios e acionistas sejam determinados de acordo com a ideia de
“renda realizada”. No entanto, a lei societária permite que as sociedades deixem de distribuir
lucros que tenham sido afetados por resultados ainda não realizados, como o faz ao permitir a
formação de “reserva de lucro a realizar”, ou, ainda, quando permite a retenção de lucros no
patrimônio social se a eventual distribuição dos mesmos vier a colocar em risco a saúde financeira
da sociedade.2
O regime de competência está baseado na ideia de tempestividade3 do registro das cifras que
modificam a estrutura, sob o aspecto qualitativo ou quantitativo, do patrimônio social de uma
entidade. Ao estabelecer critérios objetivos acerca do reconhecimento das mutações patrimoniais
a lei societária pretende impedir a geração de resultados contábeis sem consistência econômica e
a distribuição de lucros fictícios que implicam a erosão do capital empresarial que é uma garantia
dos credores.
O objetivo básico do regime de competência, diz José Luiz Bulhões Pedreira, “é distribuir
o fluxo contínuo de renda da pessoa jurídica entre os exercícios sociais segundo critérios que
atribuam a cada período a renda que lhe compete, ou cabe, por ser renda cuja disponibilidade foi
adquirida (e, consequentemente, acresceu ao patrimônio) no período”. Assim, continua o douto
jurista, “no regime de competência, o que importa é o momento em que a receita ou o rendimento
é ganho, ou acresce ao patrimônio, o que pode ocorrer tanto no recebimento da moeda quanto
antes ou depois desse recebimento”.4 Na visão de Ademar Franco, no regime de competência
“procura-se registrar o fato no momento em que jurídica e economicamente a receita integrou o
patrimônio social”, ao passo que, no regime de caixa, “somente no momento em que a receita é
efetivamente recebida”.5 Para Nilton Latorraca o referido princípio visa “a fazer com que a
demonstração do patrimônio social enquadre, em toda sua extensão, os efeitos contábeis dos atos
e fatos ocorridos no período de tempo a que essa demonstração reporta”.6
(b)Normas tributárias
Para fins fiscais, a adoção do regime de competência está prevista no enunciado do § 1º do
art. 37 da Lei nº 9.249, que introduziu no ordenamento jurídico a regra do § primeiro do art. 247
do RIR/99, e estabeleceu (a par do que já fizera o Decreto-lei nº 1.598/77) que o lucro líquido –
que serve de base para cálculo do luro real – deve ser apurado de acordo com a legislação
comercial (societária):
“A determinação do lucro real será procedida da apuração do lucro líquido de cada
período de apuração com observância das disposições das leis comerciais.”
A lei tributária estabelece que a base de cálculo do IRPJ deva ter como ponto de partida o
lucro do período determinado de acordo com o direito contábil aplicável, e este, por sua vez,
prescreve que o regime de competência é o critério que governa o reconhecimento das mutações
patrimoniais. A lei, nesse caso, procura atender aos interesses do erário porque estipula critérios
para registro de mutações patrimoniais e que permite a identificação do momento a partir do qual
os fatos contábeis representativos daquelas mutações passam a ter aptidão para serem alcançados
pela norma impositiva. Depois do advento das normas brasileiras de contabilidade alinhadas às
normas internacionais, não é mais admitida a adoção do regime de caixa para fins contábeis;
assim, todas as mutações devem ser registradas quando presentes as condições indispensáveis ao
reconhecimento das mutações patrimoniais e respetivos reflexos em contas representativas de
ativos, passivos, despesas, receitas etc.
As normas de caráter tributário que dispõem sobre a observância do regime de competência
devem ser interpretadas à luz do princípio da realização da renda previsto no art. 43 do Código
Tributário Nacional.7 Logo, em face do princípio da especialidade teleológica das normas de
caráter tributário, a aplicação das normas que dispõem sobre o regime de competência não pode
servir para que a base de cálculo do Imposto de Renda se converta em perspectiva dimensível que
não represente acréscimo patrimonial, em prejuízo do sujeito ativo e do sujeito passivo da
obrigação tributária.8 Em outras palavras, se da aplicação do regime de competência resultar o
reconhecimento de receita que não possa ser traduzida em renda, ou que determinada despesa seja
reconhecida antes de poder ser considerada meio de obtenção de renda,9 aí esse regime não terá
nenhum valor jurídico para fins de apuração do imposto calculado com base no lucro real.
7.3REGIME DE CAIXA
Há casos em que a legislação tributária adota o chamado “regime de caixa” para
reconhecimento de certas receitas e para autorizar a dedução de algumas despesas. Assim, pode
ocorrer que uma despesa deva ser imputada a um determinado período, porque pode ser
considerada incorrida, e a dedução não se faça nesse mesmo período porque a lei exige, por
exemplo, que a dedução seja feita apenas no momento em ocorrer o pagamento pelo bem recebido
e utilizado.
O regime de caixa, como o próprio nome evidencia, privilegia o aspecto financeiro dos
negócios jurídicos, de modo que os efeitos fiscais das mutações patrimoniais só serão
reconhecidos quando houver a realização financeira. Do ponto de vista jurídico, esse regime é o
que melhor se amolda ao conceito constitucional de renda porque é o que se identifica com maior
precisão com o conceito de acréscimo patrimonial disponível e porque dá maior efetividade ao
princípio da capacidade contributiva, posto que o tributo deve ser recolhido apenas e tão somente
quando o sujeito passivo já possui os recursos efetivamente disponíveis. Ou seja, de acordo com
os princípios que norteiam o regime de caixa, o contribuinte só deveria pagar o imposto quando
estivesse de posse dos recursos necessários para cumprir tal obrigação.
A adoção do regime de caixa para o reconhecimento de mutações matrimoniais suscita
diversas questões relacionadas à perfeita caracterização, em cada caso, do pagamento ou do
recebimento. Quando os recebimentos e pagamentos são feitos em moeda sonante não subsistem
dúvidas porque a tradição (entrega) da moeda fala por si (res ipsa loquitur). Os problemas surgem
quando os pagamentos são feitos mediante a entrega de títulos (notas promissórias, cheques etc.)
que podem ter eficácia pro soluto ou pro solvendo, ou, ainda, quando há dação em pagamento ou
qualquer outro modo de extinção de obrigação que implique na obtenção de ativos.
Há consenso doutrinário e jurisprudencial de que a entrega de título em caráter pro
soluto implica a extinção da uma dívida com a criação de outra, mas há controvérsia acerca da
ocorrência de novação prevista nos arts. 360 a 367 do Código Civil. De outra parte, se os títulos
são entregues com eficácia pro solvendo, a obrigação contraída permanece íntegra até a liquidação
dos títulos. Para Orlando Gomes:10
“Promissórias emitidas pro soluto, em razão de contrato bilateral, são títulos
autônomos, que operam extinção do débito para cuja solução se emitiram. Não é
outro seu alcance quando o credor os recebe, não em pagamento, mas como
pagamento.”
Várias decisões do Conselho de Contribuintes adotam esse mesmo entendimento. Assim,
por exemplo, por ocasião do julgamento do Recurso nº 154.94.3 (acórdão 2202-00.306), ocorrido
em 29 de outubro de 2009, pela Segunda Câmara do CARF, a Relatora, Maria Lúcia Moniz de
Aragão Calomino Astorga, faz uma percuciente diferenciação entre os efeitos dos títulos ofertados
em pagamento, dizendo:
“Os títulos de crédito pro soluto, quando dados em pagamento, são recebidos como
se dinheiro fossem, operando a novação do negócio que lhes deu origem. Assim,
as vendas efetuadas com emissão de notas promissórias ou outros títulos com
cláusulas pro soluto não se caracterizam como venda a prazo, pois a alienação é
efetuada sob caráter irrevogável, considerando-se que o preço pago foi recebido
como se venda à vista o fosse, não importando se em título, cheque ou moeda.”
Em 18 de agosto de 1988, a Quarta Turma do Primeiro Conselho de Contribuintes, ao
apreciar o Recurso nº 06.352 (acórdão nº 104-16.503), decidiu que entrega de notas promissórias
em caráter pro soluto é causa suficiente para considerar que houve quitação do preço de modo a
legitimar a incidência da norma tributária.11 No voto vencedor da Conselheira Maria Clélia Pereira
de Andrade há o seguinte trecho:
“Sendo a liquidação efetuada com notas promissórias, em caráter ‘pro soluto’, a
apuração do lucro imobiliário total será efetuada no mês de alienação,
independentemente de serem os títulos quitados ou não, no mês da venda ou
posteriormente (PN CST nº 130/75), entendimento este, consagrado pelo Egrégio
Conselho de Contribuintes no Acórdão nº 104-5.755, de 15/10/86.”
Em seguida, a douta Relatora acrescenta que a eficácia pro soluto das notas promissórias
afasta a figura da novação. Para ela: “a emissão de notas promissórias em caráter ‘pro soluto’,
prevista no contrato de compra e venda, enseja a completa e rasa quitação do preço de venda”.
Em igual sentido, quando do julgamento do Recurso nº 148.947 (acór-dão 101-96.512), ocorrido
em 28 de janeiro de 2008, a Primeira do Primeiro Conselho de Contribuintes, o Relator,
Conselheiro Valmir Sandri, consignou no seu voto (vencedor) uma douta lição acerca dos
diferentes efeitos dos títulos dados em pagamento, nos seguintes termos:
“Ou seja, o título de crédito – Nota Promissória –, foi dado com efeito de
pagamento, como se dinheiro fosse, operando a novação do negócio que lhe deu
origem, devendo essa operação ser considerada como à vista, para todos os efeitos
fiscais, computando-se, portanto, o valor do ganho obtido no mês da alienação,
com estrita observância ao regime de competência.”
Na ementa do acórdão nº 1301-002.567, consta que o CARF, em sessão de 15 de agosto de
2017, decidiu que: “No regime de caixa, as receitas devem ser reconhecidas no momento em que
forem efetivamente recebidas, ainda que por meio de cheque. E ainda que o cheque seja “pré-
datado”, sua natureza jurídica de ordem de pagamento à vista não se altera, haja vista que o
portador do cheque tem direito ao pagamento correspondente ainda que o apresente antes do dia
indicado como data de emissão, nos termos do parágrafo único do art. 32 da Lei nº 7.357, de 2 de
setembro de 1985”.
As decisões acima parecem acertadas quanto ao que deve ser feito em relação às receitas;
afinal, não é razoável que a tributação ocorra apenas se houver o ingresso de dinheiro. Se essa
tese fosse justificável, jamais haveria tributação nos casos em que: (a) o credor converte seu
crédito em empréstimo sem data para quitação; (b) o credor cede o seu crédito a terceiros; ou (c)
declara a perda do valor do crédito por inadimplemento.
Para fins fiscais, deve ser considerada pagamento toda e qualquer forma de obtenção de
ativos para extinção de obrigação pela aquisição de bens e serviços, tais como: dação em
pagamento, permuta, e também o eventual perdão de dívida, ou, ainda, nos casos em houver prova
de recebimento implícito.12 Assim, não é incompatível com o nosso ordenamento jurídico a adoção
(nos casos em que impera o regime de caixa para apropriação ou recolhimento dos tributos) do
denominado wherewithal-to-pay concept, segundo o qual o contribuinte deve pagar o tributo
quando detiver, por qualquer modo, recursos necessários para fazê-lo.13
7.4RECONHECIMENTO DE RECEITAS
Na seara do Direito da Contabilidade, receita é conceito universal da contabilidade pública
e privada. Em regra, como receitas são consideradas todas as espécies de ganhos e rendimentos
auferidos de modo oneroso (com o sacrifício de ativos) ou gratuito. Ganho é sinônimo de lucro
ou renda14 enquanto são denominados rendimentos os frutos produzidos pela aplicação de
capitais,15 como são os juros, os alugueres e royalties etc.16
O preceito do § 1º do art. 187 da Lei nº 6.404/76 é ao claro ao dispor que: “determinação do
resultado do exercício serão computados as receitas e os rendimentos ganhos no período,
independentemente da sua realização em moeda”. O item 4.25 do Pronunciamento Técnico CPC
00 (R1) explicita o conceito normativo de receita ao afirmar que: “receitas são aumentos nos
benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do
aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido,
e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais”.
Esse conceito contém uma impropriedade, já que as receitas não aumentam o patrimônio líquido;
o que aumenta é o resultado positivo ou lucro.
Acerca do reconhecimento de receitas, o preceito do item 4.47 do Pronunciamento Técnico
CPC 00 (R1) é claro ao dispor que uma “receita deve ser reconhecida quando resultar em aumento
nos benefícios econômicos futuros relacionados com aumento de ativo ou com diminuição de
passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade”. O Pronunciamento Técnico CPC 47, em
vigor a partir de 1º de janeiro de 2018, é igualmente claro ao estabelecer que o reconhecimento
de receitas derivadas de contratos com clientes deve acontecer por ocasião da transferência de
bens ou serviços prometidos a clientes. Esses dois preceitos contábeis estabelecem diretrizes para
guiar a interpretação dos fatos contábeis dão origem às diversas espécies de receitas: em primeiro
lugar, não pode ser desprezado o fato de que as receitas estão associadas, em relação de
causalidade, com acréscimos nos benefícios futuros dos ativos ou com a diminuição de passivos;
em segundo lugar, nas relações com terceiros só há que se cogitar de obtenção de receita que deva
ser reconhecida quando a entidade cumprir a obrigação associada à contrapartida a que faz jus em
cada caso. A rigor, uma receita pode ser gerada mesmo quando não houver incremento de ativos;
é o que ocorre, por exemplo, quando uma entidade vende mercadorias sem lucro algum; nesse
caso, não há, propriamente, incremento de ativo, mas simples troca de elementos patrimoniais –
dinheiro ou crédito por estoques.
Em virtude da relação de causalidade antes mencionada, parece certo que só há receita se
houver ativo, que, de acordo com as normas contábeis, é um recurso utilizável pela entidade. Um
ativo existe e deve reconhecido como tal se a entidade obteve um bem – tangível ou intangível –
que esteja sob o controle, isto é, que esteja em condições práticas e jurídicas de haurir (ainda que
em tempo futuro) os benefícios econômicos decorrentes da exploração ou troca. Esses benefícios
são representados pelo valor atual do potencial fluxo de caixa (ou equivalentes de caixa) futuro
para a entidade em virtude da exploração ou troca. Assim, por exemplo, se uma sociedade
empresária fornece serviços de energia elétrica a consumidores inadimplentes e sem capacidade
de pagamento, fica patente que aquele negócio não é capaz de gerar receita porque é incerta a
obtenção de caixa pelo pagamento dos serviços. Em relação às hipóteses de diminuição dos
passivos, há receita nos casos em que o devedor obtém um desconto financeiro em virtude de ter
efetuado o pagamento antes da data do vencimento, e há receita quando o devedor se exonera
total ou parcialmente de obrigação já contraída em virtude de perdão ou anistia, ou, ainda, em
razão do perecimento do direito do credor em virtude de prescrição ou decadência. Também será
registrado como receita o valor de reversão ou estorno de uma obrigação em virtude de ajustes
decorrentes de novas estimativas; esses ajustes não são meramente escriturais, posto que refletem
os efeitos das mudanças de perspectivas sobre as saídas ou entradas de fluxos financeiros para a
entidade. Em certas circunstâncias, os valores dos passivos indexados são diminuídos em virtude
de variações do valor de moeda estrangeira ou em índices de flutuação de preços. Por fim, receitas
podem derivar do decréscimo dos valores dos passivos nos casos em que devam ser registrados
ajustes para reconhecimento do valor justo, nos casos em que este é menor que o valor contábil.
Nos casos em que os fatos geradores das receitas derivem de contratos celebrados com
terceiros, o reconhecimento das receitas deve ser feito à luz das leis aplicáveis em cada caso e de
acordo com as prescrições contidas nos respectivos contratos, especialmente as que dispõem sobre
condições e o modo de cumprimento das obrigações e sobre a aquisição dos direitos
correspondentes. Essa diretriz foi consagrada no texto do acórdão do julgamento proferido pelo
STJ quando da apreciação do REsp nº 723.504, em 12 de setembro de 2006, em cuja ementa se
lê: “O que vai determinar quando uma receita pode ser considerada apta a integrar o lucro contábil
é o regime jurídico a que se subordina o negócio jurídico que lhe dá origem. Assim, se o negócio
jurídico tem por objeto a compra e venda de mercadorias, só haverá receita quando, nos termos
do Código Civil, a venda se considerar perfeita e acabada”. Por último, devem ser aplicadas as
normas de direito tributário, de modo que – em princípio – todas as receitas reconhecidas devem
ser tributadas, a menos que exista norma específica dispondo em sentido contrário.
O registro contábil de uma receita atrai a aplicação das normas de direito societário que
dispõem sobre o destino dos resultados para fins de atribuição de participações nos lucros, da
formação de reservas e da distribuição de dividendos, se for o caso. No mesmo instante, incidem
as normas de direito tributário que podem: (a) determinar a tributação das receitas separadamente
ou como parte integrante do lucro contábil que será ajustado na forma da lei; (b) autorizar o
diferimento da tributação para períodos posteriores; ou (c) excluir definitivamente a tributação
em razão de norma atributiva de não incidência; isenção ou imunidade.
Convém notar que a aplicação sucessiva e quase simultânea das diferentes normas não é
causa suficiente para estabelecer relações de subordinação entre elas: logo, é possível que a lei
tributária mande considerar como receitas eventuais cifras que não foram registradas; é o caso,
por exemplo, dos ajustes determinados para cumprimento das normas sobre preços de
transferências e sobre distribuição disfarçada de lucros; em tais circunstâncias, a lei impõe a
tributação de receitas que a entidade deixou de obter por realizar negócios em condições de
favorecimento a pessoas ligadas, e o faz sem exigir a retificação dos valores adotados nos
negócios celebrados e refletidos nos registros contábeis. As normas contábeis e tributárias nem
sempre são acordes entre si; como exemplo há o caso da norma do art. 12 do Decreto-lei nº
1.598/77, que dispõe que na receita de venda de bens devem ser incluídos os valores relativos aos
impostos sobre vendas, enquanto o item 47 do Pronunciamento Técnico CPC 47 dispõe que
alguns tributos sobre vendas não integram o valor das receitas. Em situações como estas, o
contribuinte deverá adotar a norma tributária para fins de cálculo e recolhimento do tributo em
razão do seu caráter especial, mesmo que cumpra a norma contábil para atender aos fins para os
quais foi editada.
7.4.1Receita ganha ou realizada
Para fins contábeis, desde o advento da Lei nº 6.404/76 está em vigor o mandamento –
constante do enunciado do § 1º do art. 187 – segundo o qual as receitas serão computadas no
resultado do período no momento em que forem consideradas ganhas independentemente da sua
realização em moeda. O texto normativo é claro ao estabelecer distinção entre o ato de “ganhar”
e o que consiste em “realizar” uma receita.
Em princípio, uma receita é considerada ganha quando da ocorrência de um evento que
garanta à entidade o direito de acrescer ativos (ou reduzir o montante de passivos)
independentemente do recebimento de dinheiro. Esse evento, se decorrer de ato ou negócio
jurídico, este deve garantir à entidade o direito incondicional de receber dinheiro ou bem
conversível em direito hic et nunc ou no futuro, ou, ainda, de receber bens que lhe propiciem a
obtenção de benefícios econômicos de qualquer natureza. De outra parte, se o evento tiver caráter
eminentemente econômico – como o decorrente da valorização de ativos ou depreciação do valor
de passivos –, a obtenção da receita ocorre com a valorização do ativo, ainda que a realização
dependa da ocorrência efetiva de algum negócio jurídico posterior.
São diversos os fatos que determinam o surgimento de uma receita ganha e todos estão
sujeitos a um regime jurídico próprio, de modo que devem ser consideradas, em cada caso, as
circunstâncias pertinentes. Receita realizada, por outro lado, de acordo com a lei, é aquela que
tendo sido considerada ganha, permita à entidade o efetivo recebimento de “moeda” ou
equivalente.
Para fins contábeis, o registro (e a própria existência) de uma receita é exigível quando ela
é considerada ganha; logo, a lei societária não exige a realização, embora seja de todos conhecida
a expressão princípio da realização da receita. Enfim, realizar uma receita é obter o ingresso de
ativos sob a forma de dinheiro; por isso, o reconhecimento de uma receita deve ocorrer mesmo
quando não há simultaneidade entre o ganho e a realização, posto que este, em tese, pode ocorrer
antes, durante, ou após a materialização do fato necessário ou suficiente para o surgimento do
“ganho”. A diferença entre “receita ganha” e “receita realizada” é também visível no enunciado
do caput do art. 177 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual a sociedade deve registrar as mutações
patrimoniais segundo o regime de competência e este, em oposição ao denominado “regime de
caixa” não exige o ingresso de dinheiro para legitimar o registro das mutações patrimoniais. Essa
mesma diferença pode ser vista também no preceito da Lei nº 6.404/76, que prevê a formação de
“reserva de lucros a realizar”, que, como é intuitivo, terá como base parte do montante das receitas
(diminuídas das despesas em sentido amplo) imputado ao resultado, porque as receitas foram
consideradas ganhas sem que tenham sido realizadas.
Para fins fiscais, a diferença entre “receita ganha” e “receita realizada” não tem relevância,
tendo em vista que a norma sobre tributação incide no montante das receitas reconhecidas nos
registros contábeis e estes devem ser feitos independentemente da realização financeira das
receitas; logo, em princípio, a observância das normas contábeis é causa suficiente para fazer
incidir as normas tributárias que podem exigir o pagamento do tributo ou diferir a tributação, ou,
ainda, aplicar norma atributiva de isenção, não incidência ou imunidade.
7.4.2Receita diferida
A expressão “receita diferida” é utilizada em sentidos distintos no direito contábil e na
legislação tributária. No primeiro caso, há receita diferida quando a entidade recebe pagamento
antecipado pela alienação de um bem ou prestação de serviço e assume obrigações a serem
cumpridas no futuro. No plano da legislação tributária, uma receita diferida é aquela que existe e
foi devidamente computada no resultado, e, portanto, reúne condições de vir a ser tributada, mas
a lei adia a incidência da norma impositiva para ocasião futura.
Do ponto de vista das leis contábeis, as receitas diferidas devem ser registradas no passivo.
Nesse sentido é o enunciado do item 24 do Pronunciamento Técnico CPC 07 (R1), que permite
que o valor de subvenções governamentais já recebidas possa vir a ser incluído no passivo como
“receita diferida”. Trata-se da parcela da subvenção que, a despeito de já ter sido recebida – não
reúne condições de ser registrada como receita tendo em vista que a beneficiária ainda não
cumpriu todas as exigências e obrigações vinculadas a essas subvenções. Outra hipótese em que
há receita diferida é a prevista no item 59 do Pronunciamento Técnico CPC 06 (R1), que trata de
operações de leaseback. O preceito estabelece que a eventual diferença entre o valor de venda e
o valor do arrendamento deverá ser tratada como “ganho diferido” e apropriado de acordo com o
tempo do contrato, mas esse diferimento só é admissível nos casos em que o contrato de
arrendamento possa ser qualificado como “financeiro”. Há receita diferida também nos casos em
que as sociedades seguradoras recebem o prêmio de seguro em tempo menor que o de cobertura
contratado e nos casos de recebimentos antecipados por fornecimento de mercadorias que ainda
serão feitos. Em todos esses casos, a receita só será considerada ganha quando a entidade vier a
cumprir a obrigação assumida e nos casos em que a obrigação é cumprida ao longo de um período
de tempo, a imputação ao resultado ocorrerá pro rata tempore.
7.4.3Receita ou ganho potencial
Certos acréscimos são apenas potenciais ou escriturais. É o que ocorre quando há
valorização econômica de bens e direitos já constantes do patrimônio como os terrenos, aplicações
em ações etc. A valorização, nesses casos, é um indicativo de lucro em potência que pode ou não
se materializar, e, deste modo, mais valias escriturais não passam de mera “esperança de lucro”,
para adotar a expressão cunhada por Tullio Ascarelli.17 Do ponto de vista contábil, no entanto,
passou a ser exigido o registro de receita com base em mera apreciação econômica de ativos ou
redução escritural do valor de passivos já registrados nos casos em que devam ser mensurados de
acordo com o valor justo, do valor de realização ou do custo atribuído. Assim, a Lei nº 6.404/76,
com a modificação introduzida pela Lei nº 11.638/07, estabeleceu um conceito “ampliado” de
receita ao dispor, no item II do § 1º do art. 197, que o valor dos ganhos derivados da
“contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado” e que forem imputados no resultado
podem ser utilizados para formação da “reserva de lucros a realizar”. Essa modificação no texto
da lei dá fundamento de validade ao preceito constante do enunciado do item 4.31 do
Pronunciamento Conceitual Básico (R1) que dispõe sobre a “Estrutura Conceitual para
Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro”, e estabelece que devam ser
considerados como receitas os ganhos não realizados decorrentes da reavaliação de títulos e
valores mobiliários negociáveis e os que resultam de aumentos no valor contábil de ativos de
longo prazo. Existem outros preceitos com o mesmo mandamento; é o caso, por exemplo, do CPC
29, que dispõe sobre o registro e mensuração de Ativos Biológicos e prescreve a adoção do valor
justo, assim entendido o valor pelo qual um ativo pode ser negociado, entre partes interessadas,
conhecedoras do negócio e independentes entre si, com a ausência de fatores que pressionem para
a liquidação da transação ou que caracterizem uma transação compulsória. Enfim, de acordo com
esse novo quadro, receitas derivam de simples apreciação econômica de ativos integrantes do
patrimônio societário. Trata-se, como se vê, de uma hipótese de receita “ganha” por presunção
legal, e que podem vir a integrar o lucro a ser distribuído aos acionistas. Do ponto de vista da lei
tributária, essas receitas não são tributáveis no momento em que são reconhecidas, porquanto a
Lei nº 12.973/14 autoriza a tributação apenas por ocasião da realização econômica.
7.4.4Resultados abrangentes
O Pronunciamento Técnico CPC 26 (R1) instituiu a obrigação de divulgação da
demonstração dos resultados abrangentes que inclui a demonstração do resultado, e, com isso,
adotou o modelo conhecido em outros países por “comprehensive income (or earnings)”. De
acordo com o referido Pronunciamento Técnico, resultado abrangente é a mutação que ocorre no
patrimônio líquido que resulta de eventos que não sejam derivados de negócios (transações)
firmados com os sócios enquanto tais, ou seja, na condição de proprietários.
As referidas normas não explicitam quais os critérios que devem ser adotados para
identificar, mensurar e registrar os tais “outros resultados abrangentes”; todavia, parece fora de
dúvida que as normas contábeis devem ser interpretadas em conjunto com o preceito do § 1º do
art. 187 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual os valores relativos a receitas e despesas devem ser
imputados ao resultado do período de acordo com o regime de competência. Por isso, é razoável
supor que as cifras qualificadas como “outros valores abrangentes” são receitas e despesas que
não estão sujeitas aos critérios ordinários de imputação com base no regime de competência; ou
seja, são parcelas que afetam o patrimônio líquido (e, por conseguinte, os valores relativos a ativos
e passivos), mas não podem ser distribuídos enquanto não houver a realização econômica dos
fatos que lhes deram origem, na forma definida em cada Pronunciamento Técnico. Enfim, tais
valores podem ser qualificados como ajustes de avaliação patrimonial a que faz referência o § 2º
do art. 182 da Lei nº 6.404/76, e só integrarão o resultado do período quando forem considerados
realizados em cada caso.
7.4.5Negócio sob condição e valores sub judice
Nos casos em que as receitas derivam de negócios jurídicos firmados por terceiros, por ato
ou voluntário ou em virtude de lei, é necessário atentar para os efeitos das condições. De acordo
com o enunciado do art. 121 do Código Civil, considera-se condição a cláusula que, derivando
exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e
incerto. As regras fundamentais acerca dos tipos de condições estão dispostas nos arts. 125 e 127,
que têm a seguinte redação:
“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva,
enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”.
“Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o
negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele
estabelecido”.
De modo geral, as condições atuam na eficácia dos negócios jurídicos: se a condição for
suspensiva, enquanto ela não for implementada, os negócios permanecem “em ponto morto”.18 O
enunciado do art. 121 do Código Civil diz respeito à eficácia do negócio jurídico: assim, em
decorrência dele, um ato ou negócio sob condição é aquele cuja eficácia depende da ocorrência
de um acontecimento futuro e incerto considerado pelas partes no entabulamento e
estabelecimento de seus pactos. Logo, a condição suspensiva “atua internamente, no bojo do ato
jurídico e, se ocorrida, determina-lhe a realização, dando-lhe eficácia”.19 Não é condicional
qualquer forma de incerteza: de acordo com o Código Civil, a incerteza “tem de ser objetiva, isto
é, real, não bastando que o evento seja desconhecido das partes”.20 Ao lado das condições
suspensivas, existem condições resolutivas que produzem efeitos contrários aos daquela, pois o
negócio jurídico já é, desde logo, considerado perfeito e acabado e assim continuará enquanto
estiver pendente a condição, mas quando esta se materializar, para todos os efeitos, se extingue o
direito a que ela se opõe. A título de exemplo, há o contrato de compra e de venda com cláusula
resolutiva denominado pacto comissório, ao qual faz referência o art. 1.163 do Código Civil, e
que traduz acordo pelo qual os contratantes estabelecem que a venda se desfaça caso o comprador
deixar de cumprir suas obrigações no prazo estipulado. As condições devem ser lícitas e possíveis:
todavia, a condição impossível não impede a celebração de condição resolutória.
A Câmara Superior de Recursos do Egrégio Conselho de Contribuintes, quando do
julgamento do recurso que deu origem ao Acórdão nº 01.02.353, decidiu que, enquanto eficaz a
cláusula suspensiva, não há que se cogitar da imputação de receita. Diz a ementa:
“independentemente do nome jurídico que possa ter, não caracterizado o negócio
como definitivo, em função da condição suspensiva, enquanto não satisfeita
esta, não há que se falar em aquisição de disponibilidade jurídica e ou econômica,
essenciais para caracterização da operação, e, consequentemente, para incidência
do Imposto de Renda”.
No mesmo sentido foram as decisões da 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando
do julgamento dos Recursos nos 128.661 e 124.124. Estas decisões consideraram, à luz do art. 116
do CTN, que, havendo a estipulação de condição suspensiva, o negócio jurídico não produz, de
imediato, os efeitos que lhe são próprios, ou seja: enquanto a condição suspensiva não se verificar,
não se terá adquirido o direito a que visa o negócio jurídico. Convém recordar que, nesta mesma
linha, o Parecer Normativo CST nº 11/76 prescreve que: “a receita que depende de evento futuro,
de resultado incerto, deverá ser apropriada no exercício em que se tornar juridicamente
disponível”. Em outra ocasião (acórdão 1401-001.115, de 11.02.14), o CARF decidiu que: “a
condição suspensiva pactuada impede que o negócio jurídico produza seus efeitos (enquanto não
ocorrido o evento a que sua eficácia ficou subordinada, não há que se falar em obrigação
tributária)” ainda que tenha havido antecipação de parte do preço.
Os valores decorrentes de negócios que estejam sub judice não constituem receitas enquanto
não houver o trânsito em julgado da ação que corresponder à execução do direito. Este regime de
imputação nada tem a ver com o regime de competência, pois este diz respeito ao critério de
imputação temporal de uma receita existente; no caso de um valor em disputa não há a receita
ainda.
O Conselho de Contribuintes tem decidido neste sentido. Em 20 de novembro de 1997, a 1ª
Câmara do 1º Conselho decidiu, quando do julgamento do Recurso nº 115.098, que “o valor
recebido a título de arras, por inadimplemento da promissária-compradora, encontrando-se sub
judice a resolução do contrato, somente se torna juridicamente disponível com a sentença
favorável à credora, momento em que esta última deverá efetuar o registro da receita, por
tributável”. O único reparo a ser feito, neste caso, é a menção à simples “sentença favorável”
como determinante da obrigação do registro da receita: a sentença favorável pode ser
desconstituída por apelação posterior. Em outra ocasião, em 14 de abril de 1999, quando do
julgamento do Recurso nº 117.854, o mesmo órgão decidiu que:
“Inexiste qualquer ganho na diferença apurada quando da substituição de depósitos
em dinheiro por Títulos da Dívida Agrária – TDA, vez que estes encontram-se
caucionados em Juízo onde tramita a respectiva ação, inocorrendo, assim,
disponibilidade econômica ou jurídica para a empresa. Eventual tributação dessa
diferença só poderá ser exigida após o trânsito em julgado da sentença que vier a
ser prolatada.”
Note-se que a existência de uma decisão transitada em julgado pode não ser suficiente para
determinar o registro do direito e da receita correspondente. Há casos em que será necessário
cumprir um processo de liquidação da sentença e há casos em que o ato final só ocorrerá com
expedição do precatório, se for o caso. Do ponto de vista da lei tributária, a diretriz geral a ser
seguida é a de que inexiste receita se o contribuinte não controla o ativo gerado em cada caso.
7.5RECONHECIMENTO DE CUSTOS, DESPESAS, ENCARGOS E
PERDAS
Para fins de observância do regime de competência contábil os valores relativos aos custos,
despesas e perdas, devem afetar o resultado do período quando forem considerados incorridos,
em face do disposto no § 1º do art. 187 da Lei nº 6.404/76. O enunciado da alínea “a” do § 2º do
art. 6º do Decreto-lei nº 1.598/77, por sua vez, diz que mutações patrimoniais diminutivas são
aqueles que assumem o caráter de “custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e
quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido”.
A lei societária prescreve que os registros contábeis de cifras qualificadas como custos,
despesas, encargos, e perdas, devem ocorrer em função ou em conexão com as receitas e
rendimentos, e, neste particular consagra a adoção do princípio da correspondência (matching
principle) que se inspira no fato de que os gastos qualificáveis como custo ou despesa visam à
obtenção de receitas e estas visam a gerar recursos que irão financiar novos gastos21 e
investimentos. O texto legal prescreve que, para atendimento ao princípio da correspondência, os
valores relativos aos custos e despesas atrelados à obtenção de receitas devem ser reconhecidos
contabilmente somente se puderem ser considerados como pagos ou incorridos.
Tanto para fins contábeis quanto para efeitos fiscais, a observância do regime de
competência para o registro dos diversos tipos de decréscimos patrimoniais que transitam pelo
resultado do período deve levar em conta ideia de “valor incorrido”, que traduz a noção de algo
que é perfeito e acabado, definitivo, e, portanto, isento de condições. O fato de uma despesa (ou
custo, ou perda) estar incorrida é que a diferencia de uma mera provisão, cujo traço principal é o
seu caráter contingencial e reversível.
O custo da produção de bens ou de aquisição de mercadorias torna-se incorrido quando
ocorre a venda dos referidos bens. As despesas são consideradas incorridas de acordo com a causa
respectiva. Sobre o conceito de despesa incorrida, há uma antiga lição de Sampaio Dória. Para
ele, despesa incorrida é a que: (a) resulta de obrigação formalmente contratada, líquida e certa,
vencida ou não; (b) seja precisamente quantificável; (c) independa de evento futuro e incerto, que
possa eliminar a respectiva obrigação, verificando-se automaticamente seu vencimento (decurso
de prazo, para exemplificar); e (d) possua titular (credor) identificado precisamente.22
Uma primeira definição sobre a expressão “despesa incorrida” é dada pelo Parecer
Normativo CST nº 110/71:
“2. Permite-se deduzir das pessoas jurídicas, para efeito de imposto de renda, as
despesas pagas ou incorridas no ano-base da declaração de rendimentos,
entendendo-se por incorridas as que embora realizadas e quantificadas não tenham
sido pagas.”
Posteriormente, no ano de 1976, foi editado o Parecer Normativo CST nº 07/76, em que uma
nova definição foi apresentada sem que destoasse da primeira, acima transcrita. No item 3 do
citado Parecer Normativo consta o seguinte enunciado:
“3. Como despesas incorridas, entendem-se as relacionadas a uma contraprestação
de serviços ou obrigação contratual e que, embora caracterizadas e quantificadas
no período-base, nele não tenha sido pagas, por isso figurando o valor respectivo
no passivo exigível da empresa.”
Mais tarde, em 1977, foi editado o Parecer Normativo CST nº 58/77, que apresentou uma
definição mais analítica de “despesa incorrida”, nos seguintes termos:
“Temos por assente que a obrigação de pagar determinada despesa (enquadrável
como operacional) nasce quando, em face da relação jurídica que lhe deu causa, já
se verificaram todos os pressupostos materiais que a tornam incondicional, vale
dizer, exigível independentemente de qualquer prestação por parte do respectivo
credor. Invariavelmente, tal despesa tem seu valor determinado ou facilmente
quantificável.”
Um conceito de “despesa incorrida” pode ser encontrado na Resolução nº 750/93, do
Conselho Federal de Contabilidade, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais de
Contabilidade. De acordo com o § 4º do art. 9º da citada Resolução:
“§ 4º Consideram-se incorridas as despesas:
I – quando deixar de existir o correspondente valor ativo, por transferência de sua
propriedade para terceiro;
II – pela diminuição ou extinção do valor econômico de um ativo;
III – pelo surgimento de um passivo, sem o correspondente ativo.”
Com base na doutrina de Fábio Fanucchi, o mesmo Sampaio Dória,23 ensina que o verbo
“incorrer”, neste contexto, significa:
“Assumir a responsabilidade por, muito embora sem pagar, ainda.”
Se for o caso,24 o critério da existência da contraprestação deve ser entendido sempre ao lado
de outros fatores; assim sendo, parece claro que despesa incorrida é aquela em que os bens
adquiridos já foram consumidos, de modo que o contribuinte já auferiu algum benefício,
independentemente de haver ou não pago o preço pela aquisição dos bens e serviços. Esta
observação é importante porque podem ocorrer casos em que a contraprestação já existe, mas o
serviço ou o bem ainda está sendo consumido ou em vias de ser, daí surgindo as “despesas pagas
antecipadamente”. Logo, parece certo que uma despesa não surge do contrato, ou seja, o fato de
haver assunção de responsabilidade ou pagamento pela aquisição de um bem ou serviço não é
determinante para a existência da despesa, que só será considerada incorrida no momento em que
o patrimônio social vier a ser afetado, pela fruição do benefício adquirido ou pela perda suportada.
7.5.1Custos
Em sentido comum, custo é valor equivalente ao montante de recursos (dinheiro ou outros
bens) transferidos para obtenção de alguma de coisa. Para José Luiz Bulhões Pedreira,25 custo, em
sentido amplo, é:
“Sacrifício, privação ou perda de valor financeiro sofrido pela pessoa como meio
ou requisito para alcançar objetivo.”
No Direito da Contabilidade, o vocábulo custo é normalmente adotado em acepção menos
lata, para fazer referência aos insumos adquiridos para utilização na produção de bens ou serviços.
Neste contexto, a definição oferecida José Luiz Bulhões Pedreira26 é a seguinte:
“Custo dos bens e serviços vendidos é o montante de capital financeiro aplicado
pela pessoa jurídica para adquirir ou produzir os bens ou serviços cuja venda gerou
a receita bruta.”
Diferentemente do que ocorre com as despesas em geral, que são imputadas ao resultado no
momento em os bens, serviços são utilizados ou consumidos, os custos são agregados em contas
de ativo (estoques ou serviços em andamento) e só afetam os resultados no momento em que a
empresa obtém receita pela venda das mercadorias ou pela prestação de serviços.27 Assim, do
ponto de vista contábil, a venda é o fator que faz com que os custos sejam considerados incorridos
e, deste modo, a realização da receita é a circunstância necessária e suficiente para que ocorra o
dever de registro das cifras no resultado do período para pleno atendimento às regras que impõem
o reconhecimento das mutações patrimoniais de acordo com o princípio da competência. O
mesmo critério de imputação ao resultado deve ser adotado nos casos em que os bens não são
propriamente vendidos, mas, sim, trocados por outros, como ocorre, por exemplo, na entrega para
integralização do valor do capital de outra sociedade.
7.5.2Despesas
A palavra despesa é polissêmica, isto é, pode ser utilizada para designar mais de uma coisa.
Numa primeira acepção, a palavra despesa é utilizada como sinônima de “gasto” com a aquisição
de bens (mercadorias e serviços) para uso ou consumo imediato nas atividades da entidade, sejam
elas atividades internas (de administração ou gestão) e externas (nas relações com terceiros,
clientes, governo, fornecedores etc.). Assim, por exemplo, o gasto com a aquisição de materiais
de uso no escritório de uma entidade é uma despesa, do mesmo modo que também o é o salário
pago aos empregados em certas circunstâncias.
Para fins de cumprimento das regras sobre o regime de competência, uma despesa deve ser
imputada ao resultado no momento em que for considerada incorrida. Se partirmos do pressuposto
de que despesa representa um dispêndio para obtenção de um benefício, teremos de concluir que
ela deverá ser imputada ao resultado – como despesa incorrida – se e quando os benefícios
esperados com a aquisição dos bens e serviços tenham sido efetivados. Em relação às despesas
derivadas de perdas de ativos (exceto as registradas a título de provisão), o momento em que elas
são consideradas incorridas coincide com o da redução patrimonial a título definitivo e de acordo
com causa respectiva; assim, por exemplo, no caso de uma multa, a causa é a infração cometida
e neste momento a despesa considera-se incorrida ainda que o pagamento só aconteça a
posteriori e que haja sido apresentada defesa contra a punição imposta, na forma da lei ou do
contrato.
7.5.3Encargos
Não há uma definição precisa do que seja um encargo: do ponto de vista jurídico, encargo é
uma obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. No direito contábil, o art. 184 da Lei nº
6.404/76, com modificação introduzida pela Lei nº 11.638/07, faz referência a “encargos e riscos”
sem apresentar definições acerca de qualquer um deles. Assim, por exemplo, o item I do art. 184
da citada Lei estabelece que, na formação do Balanço, “as obrigações, encargos e riscos,
conhecidos ou calculáveis, inclusive Imposto sobre a Renda a pagar com base no resultado do
exercício, serão computados pelo valor atualizado até a data do balanço”. A palavra “encargo”,
neste contexto, é utilizada para fazer referência a uma espécie de obrigação.
No § 2º do art. 73, ao dispor sobre as debêntures, a palavra é adotada como sinônima de
“custo do capital”, nos seguintes termos:
“§ 2º Em qualquer caso, somente poderão ser remetidos para o exterior o principal
e os encargos de debêntures registradas no Banco Central do Brasil.”
Neste contexto a palavra “encargo” assume o caráter de verdadeira despesa, na medida em
que representa a contrapartida pelo uso de um bem alheio, como são os capitais ingressados na
entidade sob a forma de debêntures. Assim, são considerados incorridos na medida da obtenção
do benefício gerado pelo capital injetado na entidade.
No enunciado do art. 13 do Decreto-lei nº 1.598/77, a palavra “encargo” é utilizada quatro
vezes para fazer referência a depreciação, amortização ou exaustão, que podem ser registradas
como custos ou despesas. Os encargos dessa natureza são registrados como custos quando os bens
forem empregados na produção de bens e serviços e são alocados em contas de ativo e imputados
ao resultado quando da alienação ou perda dos estoques de bens e serviços em andamento; nos
demais casos o registro se faz a título de despesa com efeito imediato no resultado do período.
7.5.4Perdas
Perda é uma diminuição patrimonial que recai sobre bens da entidade, que deixa de ter a
possibilidade de usufruir seus benefícios. Perdas são inerentes à vida, das pessoas e dos
empreendimentos; decorrem da álea natural do simples existir. Acerca da origem das perdas é
notório que elas decorrem de fatores voluntários e involuntários, internos ou externos, que podem
ou não demandar a transferência de recursos a terceiros.
Certo tipo de perda é aquela em que há desembolso de moeda ou equivalente, como é caso
de indenização por ato ilícito que é paga a alguém que foi lesado pela pessoa jurídica ou por
alguém a ela vinculado. Da mesma natureza são as perdas que não implicam necessariamente
saída de recursos monetários, mas decorrem da subtração de ativos como são, por exemplo, as
decorrentes de furto ou roubo de mercadorias. Há perdas, no entanto, que não representam a saída
ou subtração de ativos, como é o caso, por exemplo, daquelas geradas em virtude da obsolescência
de bens de uso ou destinados à venda, assim como as geradas por oscilações de preços e estoques,
aplicações financeiras etc. Qualificam-se como perdas, também, as decorrentes de ajustes para
determinação do “valor presente” de certos ativos e também aqueles derivados da aplicação das
regras sobre imparidade (impairment) e mensuração com base no valor justo e no valor presente
de ativos. Em quaisquer casos, as perdas são consideradas incorridas quando estiver perfeitamente
caracteriza a ocorrência do evento determinante da redução patrimonial. O registro da perda deve
ser feito mesmo quando houver a virtual possibilidade de reversão, como ocorre nas perdas
cambiais em razão da oscilação do valor da moeda estrangeira utilizada como parâmetro para
realização ou pagamento de ativos ou passivos. Certas perdas de caráter contingente são
registradas como “provisão”.
7.5.5Provisões
Em contabilidade a palavra “provisão” é normalmente utilizada para fazer referência a mais
de uma coisa. Assim, adota-se o nome de provisão para as contas integrantes do Passivo que
registram os valores relativos aos riscos e, de igual modo, há provisão pelo reconhecimento de
obrigação ilíquida, ou seja, aquela decorrente de fato já ocorrido sem que estejam presentes as
condições necessárias para caracterização da certeza objetiva, subjetiva ou quantitativa.28.
O Pronunciamento Técnico CPC 25 define provisão como sendo “um passivo de prazo ou
de valor incertos” e, ao mesmo tempo, diz que “passivo é uma obrigação presente da entidade,
derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da
entidade”.29 O reconhecimento de riscos corresponde, em verdade, ao registro de perdas estimadas,
e, portanto, não há obrigação devidamente materializada. Ao lado das provisões-perdas existem
as provisões-passivo. Assim, um fator determinante da constituição de uma provisão pode ser a
necessidade de fazer previsões de despesas, como é caso do registro de gastos a incorrer com
eventos extraordinários, como são os decorrentes de decisões de desinvestimentos, de onde
emergem os denominados Costs Associated with Exit or Disposal Activities, que decorrem do
fechamento de fábricas ou alienação de negócios. Tal é o caso, por exemplo, dos gastos com
desmontagens, reparação de danos ambientais, indenizações devidas aos trabalhadores etc.30 Em
certas circunstâncias, a constituição de uma provisão que tem como causa o registro de obrigações
acerca de gastos estimados (accrued liabilities)31 em decorrência da aplicação do princípio da
correspondência previsto na lei brasileira e que prescreve que despesas, custos e perdas, que
tenham íntima relação com as receitas – numa relação de meio e fim – devem ser imputadas ao
resultado do período em que as receitas foram ganhas.
Uma provisão que constitui um passivo permanecerá registrada como tal até que ocorra um
dos seguintes eventos: (a) baixa ou reversão em decorrência do desaparecimento da situação de
risco ou da situação esperada e que justificou o registro de previsões de despesas; (b)
materialização das obrigações, segundo o direito aplicável em cada caso. As provisões para riscos
tornam-se passivos definitivos – e, portanto, tornam-se incorridas as perdas decorrentes – quando
os riscos se tornam efetivos, ou seja, quando passa a existir certeza acerca da perda e sobre o
virtual dispêndio futuro de recursos e que o valor da obrigação possa vir a ser determinado ao
menos com aproximada exatidão e que não existam disputas acerca da identidade do credor.
7.5.6Participações
O enunciado do item VI do art. 187 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº
11.941/09, estabelece que as demonstrações dos resultados devem contemplar os valores relativos
à “participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo na
forma de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de
empregados, que não se caracterizem como despesa”. Participações são despesas ou partes do
lucro contábil. Em princípio, lucro é remuneração do capital aportado pelos sócios ou acionistas;
todavia, a lei admite que outras pessoas participem dos lucros, de acordo com as condições
estabelecidas em lei ou em atos societários ou contratos celebrados pela pessoa jurídica. Em
qualquer caso, os valores relativos às participações que se equiparam a despesas devem ser
registrados quando as condições para concessão da participação sejam devidamente satisfeitas. O
registro, portanto, deve ocorrer no período em que o participante adquire o direito de receber o
valor que lhe é devido.
7.6INOBSERVÂNCIA DO REGIME DE COMPETÊNCIA
A inobservância do regime de competência para fins contábeis ou fiscais acarreta problemas
para o erário ou para o contribuinte. Assim, a dedução antecipada de uma despesa dedutível faz
com que o contribuinte recolha menos imposto que o devido naquele específico período. De igual
modo, a tributação tardia de uma receita acarreta recolhimento a menor de tributo em relação ao
período de apuração em que deveria ser imputada ao resultado. A dedução tardia de uma despesa
dedutível ou a tributação antecipada de uma receita acarreta prejuízos aos contribuintes porque
antecipa o desembolso dos valores devidos. Essas consequências podem mudar no caso de
existência de prejuízo fiscal no período em que ocorreu o erro relativo à imputação fiscal das
referidas cifras. Do ponto de vista contábil, os efeitos decorrentes da inobservância do regime de
competência constituem um erro e, por isso, devem ser refletidos em conta de patrimônio líquido,
como “ajustes de exercícios anteriores”, se a regularização se referir a outro exercício, assim
considerado aquele fixado no contrato ou no estatuto social. Do ponto de vista da legislação
tributária, é irrelevante a forma pela qual é efetuada tal correção, de modo que eles tanto podem
ser considerados no resultado, como em conta de patrimônio líquido.
Os §§ 4º a 6º do art. 6º do Decreto-lei nº 1.598/77 estabelecem regras acerca do modo de
corrigir alguns dos principais problemas derivados da inobservância do regime de competência.
Vejamos:
“§ 4º Os valores que, por competirem a outro período-base, forem, para efeito de
determinação do lucro real, adicionados ao lucro líquido do exercício, ou dele
excluídos, serão, na determinação do lucro real do período competente, excluídos
do lucro líquido ou a ele adicionados, respectivamente.
§ 5º A inexatidão quanto ao período-base de escrituração de receita, rendimento,
custo ou dedução, ou do reconhecimento de lucro, somente constitui fundamento
para lançamento de imposto, diferença de imposto, correção monetária ou multa,
se dela resultar:
a) a postergação do pagamento do imposto para exercício posterior ao em que seria
devido; ou
b) a redução indevida do lucro real em qualquer período-base.
§ 6º O lançamento de diferença de imposto com fundamento em inexatidão quanto
ao período-base de competência de receitas, rendimentos ou deduções será feito
pelo valor líquido, depois de compensada a diminuição do imposto lançado em
outro período-base a que o contribuinte tiver direito em decorrência da aplicação
do disposto no § 4º.”
Editado para explicitar o sentido e o alcance de tais normas, o Parecer Normativo COSIT
02 (DOU de 29/08/96) é bastante claro, ao dizer:
“5.2 – O § 4º, transcrito, é um comando endereçado tanto ao contribuinte quanto
ao Fisco. Portanto, qualquer desses agentes, quando deparar com uma inexatidão
quando ao período-base de reconhecimento de receita ou apropriação de custo ou
despesas deverá excluir a receita do lucro líquido correspondente ao período-base
indevido e adicioná-lo ao lucro líquido do período-base competente; em sentido
contrário, deverá adicionar o custo ou despesa ao lucro líquido do período-base
indevido e excluí-lo do lucro líquido do período-base de competência.
[...]
7. – O § 6º, transcrito no item 5, determina que o lançamento deve ser feito pelo
valor líquido do imposto e da contribuição social, depois de compensados os
valores a que o contribuinte tiver direito em decorrência do disposto no § 4º. Por
isso, após efetuados os procedimentos referidos no subitem 5.3, somente será
passível de inclusão no lançamento a diferença negativa de imposto e contribuição
social que resultar após a compensação de todo o valor pago a maior, no período-
base de término da postergação...”
Os preceitos transcritos regulam os efeitos da postergação tributária. Postergação é
adiamento, e, deste modo, é um problema que tem relação com o tempo de cumprimento da
obrigação tributária e não ao seu incumprimento puro e simples.
Desde 1995 está em vigor o art. 26 da Instrução Normativa SRF 51/95, que tem a seguinte
redação:
“Art. 26. Para efeito de determinação do lucro real, as exclusões do lucro líquido,
em anos-calendário subsequentes ao em que deveria ter sido procedido o ajuste,
não poderão produzir efeito diverso daquele que seria obtido, se realizadas na data
prevista.
§ 1º As exclusões que deixarem de ser procedidas, em ano-calendário em que a
pessoa jurídica tenha apurado prejuízo fiscal, terão o mesmo tratamento deste.”
No ano seguinte, em 1996, foi editada a Instrução Normativa SRF 11/96, cujo art. 34 repete
o enunciado do preceito transcrito, dispondo:
“Art. 34. Para efeito de determinação do lucro real, as exclusões do lucro líquido,
em período-base subsequente àquele em que deveria ter sido procedido o ajuste,
não poderão produzir efeito diverso daquele que seria obtido, se realizadas na data
prevista.”
Há um precedente na jurisprudência do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda
(atual “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais”) em que foi considerada lícita a exclusão
feita em data posterior à devida, haja vista que as parcelas que podem ser excluídas na
determinação do lucro ostentam o caráter de “ajustes facultativos”. Essa decisão foi proferida
quando do julgamento do Acórdão nº 108-06173, de 14-7-2000. Em 28 de agosto de 2009, a
Primeira Seção de Julgamento do CARF, quando do julgamento do Recurso nº 156.575 (acórdão
nº 1102-00.060), decidiu que: “a administração não pode restringir a correção a apenas um dos
períodos abrangidos pela inexatidão, tendo o dever de ajustar também o outro”, e, “a consequência
desse ajuste das bases de cálculo dos períodos alcançados pela inexatidão vai variar, conforme se
verifique que a insuficiência do tributo relativa ao período fiscalizado já se encontre, ou não
regularizada em período anterior ou posterior”. A decisão está correta, a fiscalização está obrigada
a aplicar a lei ao fato, e, portanto, não pode ser seletiva em escolher ajustar apenas o que lhe for
favorável. As autoridades fiscalizadoras não devem substituir o sujeito passivo, mas, de igual
modo, não devem ignorar a lei.
Os textos normativos anteriormente transcritos prescrevem que as parcelas redutoras na
determinação do lucro real podem ser computadas ou não, o que permite concluir que tal
faculdade abrange também a escolha do momento mais adequado e efetuar a exclusão. Esses
mesmos atos normativos, todavia, não autorizam o contribuinte a – livremente – manipular as
exclusões ao seu bel prazer: ao contrário, há um limite a partir do qual o exercício extemporâneo
do direito torna-se ilícito e abusivo; tal ilicitude ocorrerá se – e somente se – do exercício do
direito por parte do contribuinte advier prejuízo ao Erário, consoante decisão da Primeira Câmara
do 1º Conselho de Contribuintes no julgamento do Recurso nº 133.562, de 18-6-2004. De outra
parte, a expressa permissão normativa para realização da exclusão fora do período de competência
afasta toda e qualquer cogitação acerca da ocorrência de eventual renúncia ou perda de direitos.
Em outras palavras, a inobservância do regime de competência tributário não traz consequências
para o contribuinte, salvo se provada a existência, em cada caso, de prejuízo ao fisco.
O § 6º do art. 65 da IN 1.515/14, modificado pela IN 1.556/15, trouxe uma novidade. De
acordo com o citado preceito, se o contribuinte deixar de deduzir a depreciação incorrida em
determinado período de apuração, não poderá fazê-lo acumuladamente por via de exclusão na
determinação do lucro real, e, ademais, fica impedido de recuperar os valores não deduzidos por
intermédio da utilização futura de taxas superiores às máximas permitidas. Esse mandamento,
segundo me parece, é ilegal, posto que a dedução extemporânea de uma despesa é plenamente
admissível pela ordem jurídica, e, ademais, isto não causa prejuízo ao erário público. Logo, parece
claro que a restrição é ilegal e odiosa, e, por isso, destituída de razoabilidade. Com a revogação
da IN 1.515, a matéria passou a ser regida pelo § 6º do art. 121 da IN 1.700/17.
A exigência de multa, em tais circunstâncias, é objeto de séria controvérsia, pois o art. 6º do
Decreto-lei nº 1.598/77 prevê apenas a cobrança de juros e de correção monetária. A falta de
menção expressa sobre a validade da exigência da multa permite pelo menos duas linhas de
interpretação. Em primeiro lugar é possível dizer que a multa não será exigida porquanto não está
ostensivamente prevista na norma específica; mas, por outro lado, é igualmente válido considerar
que a possibilidade da exigência da multa advém da regra geral a que está sujeito todo aquele que
deixa de adimplir a obrigação tributária no tempo devido. Quando do julgamento do Recurso nº
122.596, em 19 de abril de 2001, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes decidiu que não
há previsão legal para exigência de multa de mora sobre o imposto postergado. Em decisão
proferida em 22 de fevereiro de 2001, aquele Tribunal negou provimento ao Recurso de ofício nº
122.819 para cancelar auto de infração no qual as autoridades fiscais aplicaram, numa hipótese
de postergação, a chamada “multa isolada” prevista no art. 43 da Lei nº 9.430/96. No mesmo
sentido foram as decisões proferidas quando dos julgamentos dos Recursos nos 122.599, em 5 de
dezembro de 2001, e 123.073, em 7 de dezembro de 2000, pela 3ª Câmara.
1Para Enrico de Mita (Appunti di diritto tributário. Milano: Giuffrè, 1997, p. 190): “la certezza
riguarda la incontrovertibilità dell’esistenza del costo o del ricavo, l’oggettiva determinabilità
riguarda l’incontroversibilità della quantificazione del costo o del ricavo, anche se questo fosse
certamente existente”.
2A formação da reserva de lucros a realizar está prevista no art. 197 da Lei nº 6.404, de 1976,
enquanto que autorização para retenção de todo ou parte do dividendo obrigatório está prevista
no § 5º do art. 202 da mesma Lei.
3SÁ, Antônio Lopes. Normas técnicas em contabilidade. Rio de Janeiro: Apec, 1975. p. 37.
4PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda: pessoas jurídicas. v. 1, Rio de Janeiro:
Justec, 1979. p. 167.
5FRANCO, Ademar. Aspectos fiscais do balanço. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1979. p. 62.
6LATORRACA, Nilton. O regime de competência perante a legislação do imposto sobre a
renda. Revista do Advogado, São Paulo: AASP, ano 2, nº 5, p. 52-53, 1981. Na doutrina
estrangeira encontramos a seguinte definição de William W. Pile e Kermit D. Larson
(Fundamental accounting principles. 9. ed. Illinois: Richard Irwin, 1981, p. 81): “under this
basis revenues are credited to the period in which earned, expenses are matched with revenues,
and no consideration is given to the when cash is received and disbursed. As a result, net
income is the difference between revenues earned and the expenses incurred in earning the
revenues”.
7O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento, ocorrido em 25 de setembro de 2007,
do Recurso Especial nº 953.011 – PR, e decidiu que: “O Sistema Tributário Nacional fixou o
regime de competência como regra geral para apuração dos resultados da empresa, e não o
regime de caixa. Pelo primeiro regime, o registro dos fatos contábeis é realizado a partir de seu
comprometimento, vale dizer, da concretização do negócio jurídico, e não do efetivo
desembolso ou ingresso da receita correspondente àquela operação.” A questão foi ventilada
no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº 586.482-RS,
ocorrido em 23 de novembro de 2011.
8Observo que o registro contábil, em si e por si, não tem o condão de dar liquidez e certeza a
um ganho (ou receita). Neste sentido foi a decisão proferida pelo STJ quando do julgamento
do Recurso Especial nº 320.455 – RJ. No voto do relator, Ministro Garcia Vieira, está dito:
“Logo, não há como se falar que meros registros contábeis, que representam tão somente
expectativa de resultado positivo (já que não se sabe se quando a obrigação for cumprida, a
variação será positiva ou negativa) constituam acréscimo patrimonial, e que, por força do
regime de competência, esteja disponibilizado para o contribuinte no momento em que
registrado”.
9Ressalvados os casos de incentivos fiscais ou financeiros instituídos por lei, que, em tais casos,
recorta o campo de abrangência das normas que formam o regime de competência.
10GOMES, Orlando. Questões de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 322.
11No mesmo sentido é a decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais no acórdão CSRF/01-
0632/86.
12POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda: reconhecimento de receitas
e despesas para fins do IRPJ. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2012, p. 312.
13MURPHY, Kevin; HIGGINS, Mark. Concepts in federal taxation. 3. ed. Cengage: Ohio,
2011, p. 60.
14A espécie mais comum de ganho é o denominado “ganho de capital”, que, no nosso
ordenamento jurídico aplicável às pessoas jurídicas, decorre da alienação de bens de uso
permanente.
15Para Gilberto de Ulhoa Canto (Estudos e pareceres de direito tributário: imposto de renda.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 301), a ideia central do conceito de rendimento é a
reprodutividade, assim considerada “capacidade, pelo menos potencial, de o rendimento
repetir-se indefinidamente, a intervalos periódicos: este conceito liga-se, evidentemente, ao de
permanência da fonte produtora, no sentido de que um ganho, para poder ser definido como
rendimento, deve ser suscetível de separação da fonte que o produziu, sem reduzir ou destruir
materialmente a substância desta. Nesta ordem de ideias, o juro é indiscutivelmente um
rendimento, porque depois de percebido, permanece intacto o capital que o produziu”.
16PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia. Rio
de Janeiro: Forense, 1989, p. 249.
17ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952, p. 210.
18BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p.
417.
19REALE, Miguel; e REALE JÚNIOR, Miguel. Questões atuais de direito. Belo Horizonte:
Del Rey, 2000, p. 74.
20GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 341.
21Para Sérgio de Iudícibus (Teoria da contabilidade. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 168.):
“De forma geral, podemos dizer que o grande fato gerador de despesa é o esforço continuado
para produzir receita, já que tanto despesa é consequência de receita, como receita pode derivar
de despesa, ou, melhor dizendo, a receita futura pode ser facilitada por gastos passados ou
correntes (futuros)”.
22DÓRIA, Antônio Roberto. O regime de competência no imposto de renda e deduções de juros
contratados. Revista de estudos tributários no 3. São Paulo: IBET/Resenha Tributária, 1979, p.
24.
23Idem, p. 23.
24Faço a ressalva porque certas despesas podem vir a ser suportadas sem que tragam
contraprestação, como são, por exemplo, as perdas.
25PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia. Rio
de Janeiro: Forense, p. 459.
26PEDREIRA, José Luiz Bulhões. I mposto sobre a renda: pessoas jurídicas. v. 1. Rio de
Janeiro: Justec, 1979, p. 189.
27Do ponto de vista da teoria da contabilidade essa diferença entre custo e despesa tem pouca
ou nenhuma utilidade, conforme atestam HENDRIKSEN, Eldon; VAN BREDA, Michael
F. Teoria da contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999, p. 238.
28Para Clovis Bevilaqua (Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 92),
obrigação ilíquida é aquela em que “a prestação ainda não está perfeitamente acentuada ou
ainda depende de alguma circunstância”.
29Adoto, aqui, o conceito de passivo contido no Pronunciamento Técnico PME – Contabilidade
para Pequenas Empresas. No CPC 25 a definição de passivo fala em saída de recursos que
importam em benefícios para entidade, cuja significação ainda está por ser esclarecida.
30Vide Interpretação Técnica ICPC 12.
31Para Steven M. Bragg (GAAP 2011: interpretation and application of generally accepted
accounting principles. New Jersey, 2010, p. 710): “they represent an estimate of services
performed or benefits received during the reporting period for which payment will be made in
a later reporting period”.
8.1AS DIVERSAS FONTES DAS RECEITAS
No direito contábil, de acordo com o item 4.25 do Pronunciamento Técnico CPC 00 (R1),
receitas são “os aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da
entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em
aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos
detentores dos instrumentos patrimoniais”. A rigor, nem toda receita aumenta o patrimônio
líquido. Se um contribuinte vende uma mercadoria pelo preço de aquisição, registrará receita sem
que tenha havido aumento no patrimônio; por isso, receita é um elemento positivo da formação
do resultado que irá integrar o patrimônio líquido após a dedução de despesas e custos. No
passado, antes da recepção das normas internacionais de contabilidade pelo ordenamento jurídico
brasileiro, o conceito de “receita” era fortemente associado ao de “ingresso” e isto foi refletido
no texto do item 07 do Pronunciamento Técnico CPC 30 (R1), que diz: “receita é o ingresso bruto
de benefícios econômicos durante o período observado no curso das atividades ordinárias da
entidade que resultam no aumento do seu patrimônio líquido”, exceto os recursos recebidos pela
entidade como contribuições de capital feitas pelos acionistas. Esse preceito não foi repetido no
Pronunciamento Técnico CPC 47 que revogou ao Pronunciamento Técnico CPC 30. O conceito
de “ingresso” deixou de ser sinônimo de “receita” a partir do momento em que as normas
contábeis determinaram o reconhecimento de receita em razão apenas da valorização de ativos,
ou seja, independentemente da celebração de um negócio ou do efetivo ingresso de recursos
(ativos) oriundos de outro patrimônio. Enfim, o conceito de receita abrange os ingressos e também
outros fatos que denotam aumento de benefícios futuros por intermédio de fluxos de caixa.
Diversas são as fontes das receitas. Nas entidades que exploram atividade econômica de
qualquer espécie as receitas têm origem, principalmente, em negócios firmados com terceiros em
que há troca por cessão a título definitivo ou temporário de bens; é o que acontece quando ocorre
a entrega de mercadoria vendida ou da prestação de serviços (onde há entrega de um bem
imaterial). De igual modo, há troca quando o proprietário de um bem o arrenda a outrem que se
obriga a pagar-lhe aluguel; neste caso, a troca consiste na transferência dos bens a título precário
(não definitivo) com o consequente pagamento da retribuição contratada durante o período da
locação. O mesmo fenômeno (troca) ocorre, mutatis mutandis, no empréstimo com a cobrança de
juros, variação monetária ou cambial e outros encargos, e, ainda, no contrato de cessão de direitos
que geram royalties ou remuneração pela cessão de qualquer espécie de bem intangível. A noção
de troca está presente nas operações realizadas pelas sociedades seguradoras que auferem receitas
em negócio jurídico pelo qual assumem obrigação de garantia que consiste em indenizar o
contratado em virtude de eventual sinistro. De igual modo, as entidades que concedem fiança
obtêm receitas em razão da garantia que se obrigam a realizar.
Não há troca nos casos em que receitas advenham de eventos qualificados como
“superveniências ativas” como são as decorrentes dos frutos de árvores e do nascimento de
animais que possam ser explorados economicamente, isto é, que possam permitir o ingresso futuro
de ativos1. De igual modo, não há troca quando as receitas ganhas tenham origem em atos de
liberalidade de terceiro e que acarretam o ingresso no patrimônio social de ativos a título
definitivo sem obrigação de restituição ou compensação, como ocorre nos contratos de doação, e
também os recebimentos a título de subvenção governamental, ou qualquer outro título jurídico,
cuja causa seja a liberalidade de alguém.
Também podem ser consideradas como receitas decorrentes da liberalidade de terceiros os
valores relativos à redução total ou parcial de obrigações anteriormente contraídas, como é o caso
de um perdão total ou parcial de dívidas ou de anistia de penalidade pecuniária e que reduzem ou
eliminam os valores das obrigações já assumidas pela entidade sem dispêndio de recursos. É o
que ocorre na hipótese de aquisição de um “negócio” cujo preço é formado por parcelas que só
serão exigíveis em razão da ocorrência futura de evento futuro e incerto e que não se realizam no
tempo determinado, como ocorre nas hipóteses previstas no item 58 do Pronunciamento Técnico
CPC 15 (R1). Em tais circunstâncias, a receita surge porque parte da obrigação que foi contraída
não se materializará em razão da não ocorrência do evento após o período de tempo estipulado
pelas partes. Como consequência, fluxos de caixa não mais fluirão da entidade e isto constitui
receita.
Receitas podem advir como consequência de eventos naturais e que permitem que a entidade
adquira bens sem pagamento e sem a ação de outra pessoa; é o que ocorre, por exemplo, no caso
de aquisição de propriedade móvel ou imóvel por usucapião2 ou em virtude de acessão3 prevista
no art. 1.248 do Código Civil.
Outras fontes de receitas são: (a) a valorização de ativos e depreciação econômica de
passivos; (b) a reparação de direitos sofridos pela entidade; e (c) a obtenção de vantagem
econômica na aquisição de ativos e passivos.
Ocorre a valorização de ativos em virtude de flutuações de preços no mercado nos casos em
que os mesmos devam ser mensurados com base no valor justo nos casos em que este é maior que
o valor contábil. O reconhecimento da receita, nestes casos, ocorre independentemente de ter
havido um negócio jurídico de troca de ativos, em caráter definitivo ou temporário. A entidade
pode obter receita em virtude de indenização por ter tido seus direitos violados; é o que ocorre,
por exemplo, quando tem restaurados os seus direitos em razão de dano material ou moral causado
por outrem, ou, ainda, quando obtém de volta o valor de tributo pago indevidamente. Receitas
surgem também nos casos de passivos que têm o seu valor diminuído para reconhecimento do
valor justo nos casos em que este é menor que o valor contábil ou quando há diminuição em
virtude de oscilação de taxas de câmbio ou índices de atualização monetária. Certos fatos
contábeis que envolvem passivos podem gerar receitas que não derivam de acontecimentos
ocorridos no mercado: é o caso, por exemplo, do ajuste para estorno parcial ou total do valor de
uma obrigação em virtude de revisão nas estimativas e que dá origem a um estorno de despesa.
A entidade pode ter que registrar uma receita por ter obtido uma vantagem econômica
quando da aquisição de ativos ou passivos. É o que ocorre nos casos em que há registro de ganho
por compra vantajosa em virtude de aquisição um negócio na forma do disposto no
Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1); esse valor representa a expressão econômica de uma
vantagem em razão da aquisição de ativos líquidos ou participação societária por valor inferior
ao valor justo na data do evento. De igual modo, há receita decorrente de uma vantagem nos casos
em que entidade obtém subsídio em empréstimo que possa ser qualificado como subvenção
governamental na forma do disposto no Pronunciamento Técnico CPC 07 (R1). Os descontos
obtidos e bonificações recebidas quando da aquisição de mercadorias não constituem receita, mas
simples dedução do preço de aquisição na forma do disposto no item 11 do Pronunciamento
Técnico CPC 16 (R1).
Exceto quanto ao registro de receitas decorrentes da valorização de ativos ou desvalorização
de passivos para fins de mensuração com base no valor justo, todos os negócios que constituem
fontes de receitas são regidos por normas de direito público ou privado, ou seja, pelas leis de
ordem pública e pelas disposições contratuais, se for o caso. Por isso, só é possível cogitar do
reconhecimento de receita se houver uma mutação patrimonial isenta de condições, isto é, a título
definitivo, e que gere benefícios econômicos sob a forma de ativos ou em razão do
desaparecimento ou diminuição do valor de passivos.
Nas operações em que há fornecimento de bens ou serviços a clientes, é necessário ter em
conta a probabilidade ou risco associado em cada caso. Não há dúvida que a receita é obtida a
título definitivo quando a operação for liquidada em dinheiro ou equivalentes a caixa; todavia, se
o ativo recebido é um direito ou outro bem, a certeza do controle e da fruição de benefícios
econômicos deve ser verificada em cada caso levando-se em conta as condições fáticas e jurídicas
como é a eventual capacidade econômica do cliente devedor de solver obrigação contraída a
prazo. No caso de fornecimento de bens a clientes insolventes, não há receita, a despeito de haver
um direito ao recebimento da contraprestação, posto que em tais condições são ínfimas as
probabilidades de obtenção dos benefícios econômicos.
Por fim, se a receita tiver relação com conta de passivo, o reconhecimento se dá com o
surgimento de um fato suscetível de eliminar uma obrigação preexistente ou diminuir-lhe o valor,
de modo que a entidade passe a ter segurança de que não haverá saída presente ou futura de
recursos ou fluxos de caixa.
8.2MENSURAÇÃO DAS RECEITAS
A existência de diferentes fontes das receitas justifica a aplicação de diferentes critérios de
mensuração. Como regra geral, o valor a ser atribuído a uma receita para fins de registro
corresponde ao valor dos ativos que a entidade obterá em cada caso ou o valor dos passivos que
ela deixará de pagar em certas circunstâncias. Nas operações em que houver fornecimento de bens
e serviços aplica-se a regra geral contida no item 47 do Pronunciamento Técnico CPC 47 que
dispõe que a mensuração das receitas derivadas de contratos com clientes seja determinada em
função do valor do “preço da transação” pactuado, que vem a ser a contraprestação que a entidade
“espera ter direito em troca da transferência dos bens ou serviços prometidos ao cliente, excluindo
quantias cobradas em nome de terceiros (por exemplo, alguns impostos sobre vendas)”. A
exclusão do valor dos tributos choca-se com o preceito do art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, de
modo que, para fins fiscais, essa última norma é a que deve prevalecer em razão do seu caráter de
“norma especial” sem que isto implique na desobrigação de cumprimento da norma contábil.
Neste caso, o sujeito passivo deve observar as normas constantes da IN 1.771/17. Por outro lado,
a mensuração da receita a ser reconhecida em razão da valorização de ativos ou desvalorização
de passivos em razão da obrigatória adoção do valor justo será feita com base em comparação
com preços do mercado ou por intermédio de avaliação por projeção se não existirem dados de
comparação. Nesse caso, a receita só será tributada quando da realização e o contribuinte deverá
observar as normas da IN 1.700/17.
8.2.1Valores transferidos a terceiros
Muitas dúvidas são suscitadas acerca do tratamento contábil e fiscal a ser dado aos valores
que são recebidos pela entidade por conta e ordem de terceiros, isto é, que devem ser transferidos
a outrem. Disse o eminente Ministro José Delgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
quando do julgamento – pela Primeira Seção – dos Embargos de Divergência nº 648.368, ocorrido
em 14.11.2007:
“As receitas são entradas que modificam o patrimônio da empresa, incrementando-
o. Os ingressos envolvem tanto as receitas quanto as somas pertencentes a terceiros
(valores que integram o patrimônio de outrem); são aqueles valores que não
importam modificação no patrimônio de quem os recebe, porém mero trânsito para
posterior entrega a quem pertencerem.
[...]
É usual, comum, que, no caixa das empresas – prestadoras de serviços, agrícolas,
mercantis ou industriais – ingressem valores que tipificam meros movimentos de
fundo de caixa. Em outras palavras, esses ingressos têm exato correspondente no
passivo, para terceiro não societário, fato que, por si só, lhes tiraria qualquer
possibilidade de constituírem receita. Embora transitem no caixa da empresa, são
meras entradas ou ingressos financeiros. Assim, ao mesmo tempo em que
inscrevem esses valores nos seus ativos, registram nos seus passivos a necessária
contrapartida, de igual valor, para terceiro estranho à empresa. Não há, portanto,
nenhum incremento nos seus patrimônios.”
Os valores que tenham sido recebidos pelo contribuinte e que devam – por imperativo legal
ou norma contratual – ser transferidos incondicionalmente a terceiros não constituem receita sua,
de modo que devem ser registrados no passivo como obrigação. O registro no passivo só é
admissível nos casos em que o contribuinte aja por conta de outrem (conta alheia) e nos casos
expressamente previstos em lei ou ato normativo, como ocorre, por exemplo, com as gorjetas
recebidas pelos restaurantes que devem ser repassadas aos empregados. As gorjetas e demais
serviços cobrados dos clientes que devam ser transferidos aos empregados não constituem receitas
dos empregadores na forma do disposto no § 12 do art. 457 da CLT. As agências de publicidade
ou propaganda que contratam com o poder público devem observar a Lei nº 12.232/10, que, no
art. 19, prescreve: “para fins de interpretação da legislação de regência, valores correspondentes
ao desconto-padrão de agência pela concepção, execução e distribuição de propaganda, por ordem
e conta de clientes anunciantes, constituem receita da agência de publicidade e, em consequência,
o veículo de divulgação não pode, para quaisquer fins, faturar e contabilizar tais valores como
receita própria, inclusive quando o repasse do desconto-padrão à agência de publicidade for
efetivado por meio de veículo de divulgação”. Esse preceito, como se vê, diz taxativamente que
a remuneração devida à agência corresponde ao montante do desconto que será concedido ao
anunciante e que será apropriado pela agência, e diz que tal parcela não constitui receita do
anunciante no pressuposto de que o valor do desconto será transferido à agência.
Enfim, parece claro que receita corresponde ao valor do preço de bens ou da remuneração
pela prestação de serviços ou entrega de outros bens como dinheiro e ativos intangíveis que
propiciam o recebimento de royalties etc. e que se agregam de modo definitivo ao patrimônio do
contribuinte.
8.2.2Reembolso e rateio de despesas
É comum, em determinadas atividades, que adquirente e fornecedor de bens e serviços
pactuem que o primeiro se obrigue a reembolsar o segundo por “despesas” por ele suportadas no
curso da operação. No direito público, o art. 8º da Lei nº 11.107/05 faz menção ao “contrato de
rateio”. A rigor, não se reembolsam despesas (na acepção contábil), mas, sim, gastos suportados
por outrem. A qualificação jurídica-contábil desses reembolsos é controversa.
No mais das vezes, o valor do reembolso é tratado como uma parcela distinta do preço e
existem dúvidas se deve ou não compor o montante das receitas. O valor de uma receita, em face
do disposto no art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, alterado pela Lei nº 12.973/14, corresponde ao
preço dos bens e serviços que, em princípio, este pode ser livremente fixado pelas partes salvo
disposições de lei. Nos contratos de intercâmbio (do ut des), o preço corresponde ao valor da
contrapartida recebida pelo fornecedor em razão do cumprimento das obrigações assumidas
independentemente da forma contratada. Em suma: preço é questão de caráter material e não
formal. O preço é a contraprestação ou retribuição pela utilidade recebida, seja qual for o nomen
juris adotado pelas partes; logo, se as despesas, cujo valor é reembolsável, forem feitas no
cumprimento da obrigação objeto do contrato, não é possível dissociá-las do preço pactuado já
que o custo de aquisição, para o adquirente, corresponderá ao somatório de tudo quando ele vier
a pagar, de modo que não há distinção entre uma parcela e outra ainda que estejam discriminados
separadamente. Todavia, parece certo que um gasto reembolsável que foi feito em benefício de
outra pessoa, isto é, por conta e ordem de outrem, não constitui receita; exemplo clássico é o valor
de uma taxa paga em nome de um cliente de escritório de contabilidade que solicita o reembolso.
Neste caso, não há que se cogitar de receita tendo em vista que o gasto foi feito no interesse do
cliente e não para pagamento de insumo necessário à prestação dos serviços.
Nos casos em há “rateio de despesas”, não há fixação de preço, porquanto não se trata de
prestação de serviços. O valor rateado, em razão de contrato ou imposto por lei, constitui a parcela
do benefício que o utente (aquele que paga) obteve com o uso de bens ou serviços contratados
por outrem. Portanto, em tais circunstâncias, o valor pago por aquele que participa do rateio
constitui mera devolução do que foi pago por sua conta e ordem. Logo, não há, propriamente,
rateio de despesa (tomada essa palavra na acepção contábil), mas simples ressarcimento de gastos
feitos no interesse de outrem. Pelas razões expostas, resta claro que aquele que faz o rateio não
aufere receita alguma exceto se vier a cobrar alguma comissão ou fee de qualquer natureza.
8.3RECEITAS DE VENDA DE BENS
De acordo com o art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, “a receita bruta das vendas e serviços
compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços
prestados”. A expressão venda de bens apresenta alguns problemas semânticos. Em direito, o
vocábulo bem tem diversas acepções. Para De Plácido e Silva, “toda coisa, todo direito, toda
obrigação, enfim qualquer elemento material ou imaterial, representando uma utilidade ou uma
riqueza, integrado no patrimônio de alguém e passível de apreciação monetária pode ser
designada como bens”.4 Assim, por exemplo, são bens as ações do capital de uma sociedade
comercial, como título representativo de direitos de sócio. Portanto, em linhas gerais o
termo bens designa as mercadorias, bens móveis, imóveis, tangíveis, intangíveis etc. Pode ocorrer
que esses mesmos elementos adquiram diferente qualificação em função do uso. É o caso de uma
máquina que numa indústria é utilizada no processo produtivo, e que, se vendida, pode gerar
“ganho de capital” e não receita da venda de bens.
De qualquer sorte, o que vai determinar quando uma receita pode ser considerada apta a
integrar o lucro contábil é o regime jurídico a que se subordina o negócio jurídico que lhe dá
origem. Em princípio, o acréscimo patrimonial só ocorre no momento em que o negócio jurídico
estiver isento de condições suspensivas, de modo que será necessário verificar, em cada caso, as
condições a que estão subordinados os efeitos dos negócios jurídicos em geral.
Em face do disposto no art. 482 do Código Civil, salvo disposição em contrário, nas vendas
puras, o negócio jurídico da compra e venda produzirá os efeitos que lhes são próprios (a lei diz
que será “considerado obrigatório e perfeito”) desde que as partes acordem no objeto e no preço.
O preceito do art. 482 deve ser interpretado em solidariedade com o disposto no art. 491 do
mencionado diploma normativo, segundo o qual, “não sendo a venda a crédito, o vendedor não é
obrigado a entregar a coisa antes de receber o preço”. A regra do art. 491 não modifica a natureza
consensual do contrato de compra e venda posto que ela diz respeito ao cumprimento de uma
obrigação já assumida. De fato, segundo a lição de Fran Martins, a obrigação assumida pelo
vendedor é uma obrigação pessoal, de modo que o comprador, ao concluir o contrato de compra
e venda, não se torna imediatamente proprietário da coisa e sim credor do vendedor da entrega
dessa coisa.
Para que uma entidade obtenha uma receita, é indispensável que cumpra as obrigações que
assumiu ou lhes foram impostas por lei. O cumprimento da obrigação da entrega deve obedecer
ao disposto no contrato celebrado entre as partes. Na falta de estipulação, incide a norma do art.
493 do Código Civil, segundo o qual “a tradição da coisa vendida, na falta de estipulação expressa,
dar-se-á no lugar onde ela se encontrava, ao tempo da venda”. O preceito em questão estabelece
uma tradição por presunção que, evidentemente, não é aplicável nos casos em que a coisa vendida
ainda não existe. Outra espécie de tradição é a consistente na “entrega do título representativo”
nas vendas feitas sobre documentos, às quais faz referência o art. 529 do Código Civil de 2002.
Esses preceitos, lidos em conjunto, indicam que o contrato de compra e venda tem natureza
consensual cujos efeitos são produzidos, salvo disposição em contrário, independentemente da
tradição ou entrega da coisa vendida. As normas contábeis contidas no Pronunciamento Técnico
CPC 47 estabelecem que, nos contratos com clientes, a receita deve ser reconhecida por ocasião
do cumprimento da obrigação assumida e desde que o vendedor ou prestador de serviços obtenha
o direito incondicional de receber a contraprestação pactuada.
Para fins tributários, a receita derivada da venda de bens e serviços será considerada ganha
de acordo com as normas contratuais e com as prescrições contidas nas normas contábeis sobre a
qualificação, reconhecimento e mensuração. Essa regra geral só não será observada em caso de
haver norma tributária específica que disponha sobre o diferimento da tributação quando da
realização econômica ou do recebimento (regime de caixa). em qualquer caso, a receita só se
materializará quando cumpridas as eventuais condições suspensivas previstas no contrato ou na
lei.
No Código Civil de 2002, encontram-se diversas modalidades de venda em que a cláusula
suspensiva advém da lei e tem eficácia independentemente da vontade das partes. São exemplos
os casos das vendas a contento ou sujeitas a prova, definidas nos arts. 509 a 515 da Lei nº
10.406/02, assim redigidos:
“Art. 509. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob
condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará
perfeita, enquanto o adquirente não manifestar seu agrado.
Art. 510. Também a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição
suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja
idônea para o fim a que se destina.
Art. 511. Em ambos os casos, as obrigações do comprador, que recebeu, sob
condição suspensiva, a coisa comprada, são as de mero comodatário, enquanto não
manifeste aceitá-la.”
Nas modalidades de vendas a contento ou sujeitas a prova devem ser incluídas as vendas
sujeitas a um prazo legal de arrependimento, estipulado em contratos específicos ou em virtude
de normas de ordem pública, como são, por exemplo, as contidas no Código de Defesa do
Consumidor. As cláusulas de arrependimento funcionam, no contrato de compra e venda, como
verdadeiras condições, e, por essa razão, antes que tais condições sejam cumpridas, a obtenção
da receita é incerta.
Nem sempre será possível identificar, com clareza, a existência de cláusulas que podem ser
suspensivas ou resolutivas. Assim, a prudência recomenda que cada caso deva ser tratado de
forma individual, afastando-se, o quanto possível, a interpretação que não esteja fundamentada
em critérios jurídicos. É preciso não esquecer, todavia, que as referências a contratos feitas acima
não significam necessariamente contrato escrito, pois eles podem ser, além de escritos, verbais e
epistolares e no mais das vezes estão estampados em documentos aparentemente sem importância,
como “pedidos de compra”, “ordens de vendas” e similares. Os fatos posteriores à celebração do
contrato podem, também, fornecer importantes subsídios para a interpretação da efetiva vontade
das partes.
Cabe reafirmar que os efeitos jurídicos das condições estipuladas nos negócios em geral, ou
condições constantes do seu perfil normativo, são de fundamental importância para o direito
tributário em face do disposto no art. 116 do CTN. As condições fazem parte do “direito aplicável”
e influirão na configuração do fato gerador da obrigação tributária.
8.3.1Operações de conta alheia
O art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77 faz distinção entre operação de conta própria e operação
de conta alheia, mas não estabelece critérios de diferenciação. O preceito apenas diz nas operações
de conta própria que o valor a ser considerado como receita é o produto da venda, enquanto nas
operações de conta alheia o valor a ser registrado como receita corresponde ao montante do
“resultado” obtido pelo contribuinte.
Nas relações comerciais e civis de caráter econômico, as pessoas jurídicas podem vender
mercadorias, prestar serviços e contratar a transferência onerosa de bens intangíveis em caráter
definitivo ou temporário, agindo em nome próprio ou com a colaboração de terceiros que
assumem que atuam como intermediários e que são denominados “representantes”;
“mandatários”; “comissários”; “agentes”; “corretores” etc.
Os representantes, quando prestam serviços, perseguem dois interesses: os seus próprios e
os de seus clientes, e, por isso, exercem uma atividade por conta própria e por conta alheia. Agem
em seu próprio nome e por conta própria quando contratam a prestação de serviços e assumem os
riscos de a prestação ser exitosa ou insatisfatória, ou seja, agem no próprio interesse na busca de
uma remuneração; todavia, quando atuam no interesse de outrem, agem por conta alheia. Salvo
disposição de lei em sentido contrário, o traço característico fundamental de uma operação em
conta alheia é a presença de representação que pode ser derivada de lei ou de contrato.
Representação é a figura prevista no art. 116 do Código Civil, que diz: “a manifestação de vontade
pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado”. A
representação se exterioriza, dentre outros modos, pelo mandato; que, na forma prevista no art.
653 do Código Civil, se configura “quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome,
praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato”.5 Na lição de
Silvio Rodrigues,6 o mandatário assume a obrigação de agir em nome do mandante “com o
necessário zelo e diligência, transferindo-lhe as vantagens que em seu lugar auferir, pres-tando-
lhe, afinal, contas de sua gestão”. A representação pode ser estabelecida por lei de ordem pública
e isto torna desnecessária a confecção de um instrumento de procuração para cada ato; os poderes
de representação, nestes casos, derivam da própria lei e são automaticamente outorgados com a
celebração do contrato entre o representado e o representante (corretor, agente etc.), que pode ser
contrato escrito ou tácito
Os representantes, agentes e corretores agem por conta e ordem de outrem, e, por isso,
praticam operações de conta alheia. O art. 1º da Lei nº 4.886/65 que dispõe sobre o regime jurídico
da representação comercial afirma o representante age por conta de outrem exercendo a atividade
de mediação entre comprador e vendedor; a lei também diz que é possível que ele venha a praticar
atos inerentes à execução da operação de compra e venda se vier a receber poderes específicos.
Em qualquer caso, a remuneração a que faz jus o representante corresponde à contrapartida pela
prestação do serviço de mediação ou em razão da prática de outro ato em proveito do contratante
– o representado. De igual modo, age por conta alheia o agente que integre um contrato de agência
previsto no art. 710 do Código Civil, segundo o qual: “pelo contrato de agência, uma pessoa
assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta
de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona
determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser
negociada”. Nesses dois casos, o representante e o agente agem por conta alheia e fazem jus à
remuneração por serviços prestados que vier a ser pactuada; por isso, a receita que auferem em
cada caso corresponde à remuneração pelo cumprimento da obrigação assumida e que consiste
no êxito da intermediação realizada ou pela prestação de outros serviços devidamente
caracterizados. Portanto, um representante comercial, no exercício de suas atribuições legais,
nunca deverá registrar receitas de vendas dos produtos que o cliente irá adquirir – ele apenas
aproxima as partes e o vendedor é quem obterá a receita da venda e assumirá os riscos inerentes.
Outro caso de típico de operação de conta alheia é a decorrente do contrato de comissão
definido no art. 693 do Código Civil como sendo aquele tem por objeto a aquisição ou a venda
de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.7 Em face do disposto no art.
695, o comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente. O
comissário, em virtude de lei, é aquele que age por conta de outrem (o comitente) embora se
apresente no mercado como se fosse o proprietário dos bens que lhes foram enviados pelo
comitente; por isso, a remuneração a que faz jus é contrapartida pela prestação de um serviço de
caráter específico que não se confunde com mera representação.8Nesse caso específico não há
representação voluntária; o comissário recebe poderes diretamente da lei que dispõe sobre essa
espécie de contrato. Também neste caso o intermediário (o comissário) não registrará receita da
venda dos produtos embora emita documentos em seu próprio nome e fique com o encargo de
receber o preço e prestar contas ao comitente. A receita do comissário é a comissão contratada
com vendedor.
As agências de turismo e de publicidade praticam operações de conta alheia ao lado de
operações por conta própria.
Uma agência de turismo, em razão do disposto no art. 27 da Lei nº 11.771/08, exerce a
atividade econômica de intermediação remunerada entre fornecedores e consumidores de serviços
turísticos ou os fornece diretamente. Então, é necessário discernir qual a natureza do serviço
prestado: se for intermediação, a receita da agência corresponde à comissão recebida dos
fornecedores ou o valor que agregar ao preço de custo desses fornecedores, facultando-se à
agência de turismo cobrar taxa de serviço do consumidor pelos serviços prestados (§ 2º). Se o
serviço oferecido for o fornecimento direto de serviços típicos da atividade de turismo, a receita
corresponde ao valor dos serviços contratados, já que não se configura, no caso, a atividade de
simples intermediação.
A prestação de serviços pelas agências de publicidade é regulada pela Lei nº 4.680/65, e o
art. 3º diz que a agência de propaganda age por ordem e conta de seus clientes nas relações com
os veículos anunciantes. Nesse caso, a própria lei diz que a distribuição de propaganda aos
veículos é feita por conta e ordem do anunciante e a remuneração devida é feita sob a forma de
“desconto” (art. 11) que constitui a receita da agência. Nas relações com entidades públicas, deve
ser observado o disposto no art. 19 da Lei nº 12.232/10, que afirma: “para fins de interpretação
da legislação de regência, valores correspondentes ao desconto-padrão de agência pela concepção,
execução e distribuição de propaganda, por ordem e conta de clientes anunciantes, constituem
receita da agência de publicidade”. Nos casos em que agência não age por conta e ordem de seus
clientes, há prestação de serviços e o valor pactuado será considerado integralmente como receita
e os valores dos insumos necessários integram o custo de produção dos mesmos.
8.3.2Vendas com reserva de domínio
Dúvidas podem ser suscitadas a respeito do momento em que devem ser imputados como
receita os valores relativos às vendas com cláusula de reserva de domínio. Nesta modalidade de
compra e venda, o vendedor entrega o bem vendido, mas reserva para si o domínio (a propriedade)
até que o preço avençado seja integralmente pago. Na doutrina de Orlando Gomes, “o vendedor
continua dono da coisa até ser embolsado integralmente da quantia devida pelo comprador” e “a
transmissão do domínio verifica-se, integralizado o pagamento do preço, independentemente de
nova declaração de vontade das partes”.9
No Código Civil de 2002, o perfil jurídico do contrato de “compra e venda com reserva com
domínio” está delineado em oito artigos, dentre os quais cabe destacar os seguintes:
“Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a
propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende
de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível
de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida,
decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.
Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que
o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o
comprador, a partir de quando lhe foi entregue.”
A “reserva de domínio” é uma cláusula que subordina a perfeição do contrato de compra e
venda a um evento futuro e incerto. A existência da “reserva” retira do contrato de compra a
natureza de venda pura, assim entendida aquela não sujeita a pactos adjetos especiais. Logo, em
tais circunstâncias, a entrega do bem não torna perfeita e obrigatória a venda, não sendo aplicável,
pois a regra geral do art. 482 do novo Código Civil, segundo o qual “a compra e venda, quando
pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e preço”.
Portanto, em tais circunstâncias, a venda e a receita correspondente só serão consumadas com o
pagamento do preço, quando então ocorrerá a transferência da propriedade do bem vendido. A
venda com reserva de domínio não é simples modalidade de venda a prazo; trata-se de negócio
jurídico com contornos legais próprios, não sendo admitida, portanto, a interpretação por
analogia.
8.3.3Venda a termo
Certas condições não atingem o cerne do negócio jurídico, mas sim uma ou alguma de suas
consequências. Tal é o caso da chamada “venda a termo”, modalidade de compra e venda onde
há o pacto de uma condição suspensiva ou extintiva. Na lição de Fran Martins, será suspensivo o
termo quando as partes determinarem o momento em que as obrigações decorrentes do contrato
devem ser executadas. O douto autor dá o exemplo da venda a termo suspensivo, como aquela
em que o comprador contrata com o vendedor adquirirlhe uma partida de mercadorias, pelo preço
X, para entrega e o pagamento após noventa dias. Neste caso – afirma –, “o contrato fica, assim,
perfeito mas a sua execução, que se dará com o pagamento do preço e a entrega das mercadorias,
só terá lugar decorridos os noventa dias” e, “enquanto isso, o comprador agirá como o proprietário
das mercadorias, podendo, inclusive, revendê-las”.10
Como se vê, nas vendas a termo, a condição suspensiva não atua sobre a perfeição e
obrigatoriedade do negócio, mas diz respeito ao momento da execução da obrigação já assumida.
Em tais casos, a venda já é perfeita com a entrega das mercadorias.
8.3.4Venda com preço a determinar
Dúvidas razoáveis podem surgir a respeito das condições jurídicas de registro das receitas
de vendas nos casos em que o preço ainda está por ser determinado. Os arts. 485 e 486 do Código
Civil admitem a possibilidade de que o preço seja fixado por terceiro designado ou que vier a ser
designado ou fixado de acordo com o valor de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia
e lugar. Em adição, o art. 487 prescreve que é lícito às partes fixar o preço em função de índices
ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação. Para fins de imputação temporal
de uma receita, o valor registrável será aquele que corresponder ao preço preliminar ou provisório,
posto que não se pode cogitar da existência de venda sem preço. É necessário considerar, todavia,
que em certas situações a venda com preço a determinar realiza-se sob a forma de “venda em
consignação”, caso em que a receita de venda só surgirá no momento em que o consignatário fizer
a venda a terceiro.
A validade desta forma de contratação já foi discutida no Conselho de Contribuintes. Em
decisão proferida em 22 de maio de 1990, quando do julgamento do Recurso nº 94.948, a 3ª
Turma do 1º Conselho de Contribuintes decidiu ser “lícito às partes ajustarem no contrato um
preço preliminar ou provisório ou estimado, deixando para um momento futuro sua fixação, na
dependência de evento ou fato posterior, inclusive das partes, ou mesmo ao encargo de terceiro”.
Pois bem, os ajustes de preços, para mais ou para menos, são considerados acréscimos ou
decréscimos dos valores contabilizados em receitas, ainda quando a variação do preço estiver
atrelada a índice oficial de preços.11
8.3.5Venda em consignação
O novo Código Civil não conhece o contrato de venda em consignação; não com este nome.
Sob a epígrafe “contrato estimatório”, o art. 534 daquele Código prescreve:
“Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao
consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado,
salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.”
Trata-se, como se vê, de compra e venda sob condição; o contrato firmado entre o
consignante e o consignatário depende, para que seja perfeito e obrigatório, de que ocorra a venda
ao terceiro que pode ou não ocorrer; neste último caso, a mercadoria será devolvida ao
consignante. Assim, quando uma mercadoria é remetida a título de consignação, não se tem,
ainda, contrato de compra e venda perfeito e acabado, mas um acordo em que a venda do
consignante ao consignatário só ocorre quando este realiza a venda a terceiros. A palavra
“consignação” é utilizada para designar esse tipo de contrato porque nele há o ato pelo qual
alguém (o proprietário) remete mercadorias para venda para serem vendidas por outrem. Essas
mercadorias são “consignadas” e o consignatário poderá atuar no mercado: (a) por conta própria,
quando vier a agir como distribuidor ou revendedor, ou, (b) por conta e ordem de terceiro, se
firmado contrato de comissão. Se o contrato for firmado nos estritos termos do art. 534, não há
que se cogitar de operação por conta alheia. Nas relações com terceiros, o consignatário age em
seu próprio nome e por conta própria na medida em que assume os riscos da operação e assume
todas as responsabilidades perante terceiros; portanto, do ponto de vista pragmático, a única
utilidade dessa espécie de negócio é o adiamento da compra por parte do consignatário junto ao
consignante, de modo que aquele só se obriga perante este se houver venda; ausente esta há o
direito de restituir a coisa recebida. Há, portanto, neste caso, duas operações de venda sucessivas,
de modo que o valor da receita de cada uma das partes corresponderá ao montante da
contraprestação recebida ou a receber pela venda12. Em suma, o consignatário é mero revendedor
e deve contabilizar o valor integral contratado e não apenas o montante do lucro que obtiver.
Assim, uma venda em consignação também é regida pelas regras dos contratos de compra e
venda em geral, sendo aplicáveis todos os comentários já expendidos na seção precedente, mas
com algumas modificações, que são próprias dessa espécie de negócio jurídico. Portanto, quando
as mercadorias são remetidas a título de consignação, o consignante ainda não tem o direito ao
recebimento do preço, e, portanto, não apura receita de vendas e não pode ainda baixar o custo
das vendas. Há, no momento da remessa, apenas “estoques em poder de terceiros”.
Regime jurídico idêntico é o aplicável às operações realizadas entre sociedades cooperativas
e seus cooperados que entregam bens para serem vendidos. De acordo com o parágrafo único do
art. 79 da Lei nº 5.764/71, “o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de
compra e venda de produto ou mercadoria”, de modo que tal operação constitui simples outorga
de poderes, e, deste modo, o reconhecimento da receita, por parte do cooperado, ocorre quando a
cooperativa vier a realizar a venda. Esse entendimento consta dos Pareceres Normativos CST nº
77/76 e 66/86.
8.3.6Venda para entrega futura
A chamada “venda para entrega futura” é regulada no caput do art. 483 do Código Civil,
segundo o qual “a compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura”.
Estas espécies de venda podem ser celebradas debaixo de diversas circunstâncias e
condições. Assim, pode ser objeto de venda um bem existente ou que ainda vá ser produzido ou
adquirido pelo vendedor. Aqui a regra é a mesma aplicável ao contrato de compra e venda, ou
seja, a receita só surgirá quando satisfeitas as condições que o contrato respectivo previr. De
acordo com a Decisão nº 110, de 29 de junho de 1999, da 10ª Região Fiscal, publicada no Diário
Oficial da União, de 16 de agosto de 1999, “na venda para entrega futura, a receita deverá ser
apropriada em conta de resultado na medida em que for faturada a venda. Sem ter o produto em
estoque, deverá ser apurado o resultado quando da compra dos produtos antecipadamente
vendidos”.
A conclusão adotada por essa Decisão carece de base jurídica razoável. De fato, uma venda
para entrega futura é sempre uma venda sob condição (a da entrega futura), de modo que se pode
conceber a existência de receita, ou de resultado, desta venda, quando ocorre a entrega. Ora, a
simples emissão de uma fatura, ou mesmo o recebimento do preço, não supre a exigência do
cumprimento dessa condição.
8.3.7Vendas em regime de distribuição
Distribuição é uma atividade econômica que envolve intermediação entre produtores e
consumidores e pode ter pelo menos quatro configurações jurídicas: (a) revenda ou concessão
comercial; (b) consignação: (c) agência; e (d) comissão. Revenda, agência e consignação têm a
mesma função econômica; isto é, são negócios em que uma pessoa vende bens a outrem que os
adquire a título definitivo e os destina a nova venda. O adquirente que se torna distribuidor como
revendedor não age por conta e ordem do primeiro vendedor (geralmente, o fabricante ou
importador) já que assume os riscos inerentes à álea econômica que são associados ao produto ou
inerentes ao mercado, e, além disso, pratica operação de mercado com finalidade lucrativa. O
revendedor é um intermediário apenas sob a perspectiva econômica; do ponto de vista jurídico, é
alguém que age por sua própria conta e risco, e, por isso, deve reconhecer em sua escrituração
contábil e fiscal o montante das vendas que vier a realizar e não apenas o lucro que porventura
obtiver. Diversamente, o distribuidor que age debaixo de um contrato de comissão o faz na
condição de comissário, e, por isso, não assume os riscos associados ao produto e ao mercado e
almeja obter remuneração sob a forma de comissão. Portanto, o comissário é um agente
econômico que distribui mercadorias sem assumir os riscos inerentes, por isso, ele não se apropria
do proveito máximo que o mercado pode lhe oferecer – o lucro –, mas não suporta as
consequências do eventual prejuízo. Como representante de outra pessoa ele presta contas ao seu
contratante – o comitente; a receita que lhe cabe é a comissão contratada.
8.3.8Troca ou permuta
Nos exatos termos do art. 533 do Código Civil de 2002, aplicam-se à troca (ou permuta) as
disposições referentes à compra e venda. Trata-se do contrato pelo qual um dos contratantes
promete uma coisa em troca de outra, que não o dinheiro. Na troca, afirma Orlando Gomes, não
há preço como na compra e venda, mas é irrelevante que as coisas permutadas tenham valores
desiguais.13 Ela envolve “uma dupla alienação” em que pode ou não haver a figura da “torna” ou
saldo em dinheiro, sem que isto descaracterize o contrato.14 Se há dupla alienação, é razoável supor
que deve ser reconhecida, em cada caso, a receita respectiva (e os cursos correspondentes) pelas
partes, sem possibilidade da simples substituição de ativos. Nesse sentido, o item II do art. 252
da IN 1.700/17 é claro ao dispor que os contribuintes que exploram atividade rural devem
considerar como integrante da receita bruta “o valor da entrega de produtos agrícolas pela permuta
com outros bens ou pela dação em pagamento”.
Nas normas contábeis, a matéria foi primeiramente cogitada no item 12 do Pronunciamento
Técnico CPC 30, que dispunha sobre o registro de receitas apenas nos casos em que a permuta
envolvesse bens ou serviços não semelhantes. Em 1º de janeiro de 2018, entrou em vigor o
Pronunciamento Técnico CPC 47, que diz que não há reconhecimento de receita nos casos de
permutas não monetárias entre entidades na mesma linha de negócios para facilitar vendas a
clientes ou clientes potenciais, como é o caso do contrato entre duas empresas do setor de óleo e
gás que pactuem a permuta de petróleo para satisfazer à demanda de seus clientes em diferentes
locais. Nada é dito a respeito da adoção dos valores justos nos demais casos, o que é
absolutamente despiciendo nos casos de operações entre partes independentes.
Na legislação tributária, há a norma do § 6º do art. 13 da Lei nº 12.973/14, que permite o
diferimento do eventual ganho em operação de permuta de ativo ou passivo que devem ser
avaliados pelo valor justo. A matéria foi regulamentada pelo art. 43 da IN 1.515/14, segundo o
qual, quando da permuta, o ganho será registrado a crédito em conta de receita ou de patrimônio
líquido em contrapartida à subconta vinculada ao ativo recebido, e o respectivo valor poderá ser
excluído do lucro líquido na determinação do lucro real no período de apuração em que for
apropriado como receita. Em seguida, o § 3º dispõe que o valor registrado na subconta será
baixado à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização,
exaustão, alienação ou baixa. Com o advento da IN 1.700/17, a matéria é tratada no § 12 do art.
97. A regra que autoriza o diferimento da tributação, em qualquer caso, não se aplica se o ativo
recebido em permuta for qualificado como disponibilidade ou recebíveis (art. 99). O diferimento
é limitado à diferença entre o valor contábil e o valor justo nos casos em que as partes o adotam
para determinar o valor de troca; logo, se o contribuinte adotar valor maior que o valor justo,
deverá computar o ganho no resultado e submetê-lo imediatamente à tributação. A norma que
autoriza o diferimento da tributação não exclui as permutas com torna de dinheiro ou recebíveis;
neste caso, o contribuinte deve considerar que o diferimento é apenas parcial, ou seja,
proporcional à parcela ainda não recebida.
Para fins de aplicação da regra de diferimento, o contribuinte tem o dever de produzir prova
do valor justo; todavia, é razoável supor que ela é dispensável nos casos de negócios firmados
entre partes independentes e realizadas segundo os valores de mercado tendo em vista que o valor
justo é, por natureza, baseado em parâmetros de mercado. A exigência de avaliação, em tais
circunstâncias, é desnecessária, mas será em caso de operações entre partes relacionadas que
necessitam provar que atribuíram o valor de mercado às eventuais permutas que vierem a
contratar. Releva notar que a lei não exige laudo para apuração do valor justo exceto quando há
combinação de negócios; portanto, em princípio, uma simples memória de cálculo com
explicações sobre a origem dos valores e dos critérios de mensuração adotados em cada caso deve
satisfazer a exigência de prova que será corroborada pelos registros contábeis em contas
específicas.
8.3.9Receita de exportação
Em relação às vendas de mercadorias para o exterior (exportação), realizadas para
recebimento em moeda estrangeira, surge a dúvida de se saber como determinar o valor a ser
contabilizado como receita de vendas de bens ou serviços e identificar a partir de que momento
surgem as variações cambiais, que podem ser ativas ou passivas, o que é comum em situação de
mercado de câmbio flutuante. Essa questão é importante porque isso pode interferir na
determinação do montante do imposto pago no regime de estimativa e também pode distorcer o
cálculo do imposto devido por empresas que são exportadoras e que, ao mesmo tempo, gozem de
incentivos calculados com base no lucro da exploração.
A matéria é regulada pela Portaria nº 356/88 do Ministro da Fazenda, apenas no que
concerne à venda de produtos. Referido ato normativo estabelece que a receita bruta de vendas
nas exportações de produtos deve ser determinada pela conversão, em moeda nacional, de seu
valor expresso em moeda estrangeira à taxa de câmbio fixada no boletim de abertura pelo Banco
Central do Brasil, para compra, em vigor na data do embarque dos produtos para o exterior, assim
considerada aquela averbada, pela autoridade competente, na Guia de Exportação ou documento
equivalente. As diferenças, decorrentes de alterações na taxa de câmbio, ocorridas entre a data do
fechamento do contrato de câmbio e a data do embarque, devem ser consideradas como variações
monetárias ativas ou passivas.
8.4RECEITA DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Segundo Pedro Nunes, serviço é “o exercício ou desempenho de quaisquer atividades
materiais, ou intelectuais, com fim produtivo ou lucrativo; execução de determinado trabalho
físico ou mental”. Em regra, as receitas decorrentes da prestação de serviços devem ser
reconhecidas na contabilidade de acordo com as condições estipuladas no contrato respectivo.
Cuidados especiais devem ser dispensados aos serviços cuja produção demande uma série de atos
e providências por parte do prestador e cuja consecução se prolonga no tempo.
É comum que os contratantes pactuem um preço por cada uma das etapas do serviço ou
somente ao final de sua consecução. Nesses casos, uma vez mais, é o contrato, que é lei entre
partes, que vai balizar o critério jurídico aplicável para reconhecimento de receita.
Em relação aos serviços prestados a tomadores no exterior e contratados em moeda
estrangeira surge a questão da separação entre receita de vendas e variações monetárias. Como já
referido, em relação à venda de mercadorias para o exterior, há a Portaria nº 356/88 do Ministério
da Fazenda, que pode ser adotada por analogia, como admite o inciso I do art. 108 do CTN.
Aquele ato normativo estabelece que a receita bruta deve ser determinada pela conversão, em
moeda nacional, de seu valor expresso em moeda estrangeira à taxa de câmbio fixada no boletim
de abertura pelo Banco Central do Brasil, para compra, em vigor na data do embarque dos
produtos para o exterior, assim considerada aquela averbada, pela autoridade competente, na Guia
de Exportação ou documento equivalente. As diferenças decorrentes de alterações das taxas de
câmbio ocorridas entre a data do fechamento do contrato de câmbio e a data do embarque devem
ser consideradas como variações monetárias ativas ou passivas.
8.5CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE BENS E SERVIÇOS A
LONGO PRAZO
De acordo com o disposto no art. 407 do RIR/99, na apuração do resultado de contratos,
com prazo de execução superior a um ano, de construção por empreitada ou de fornecimento, a
preço predeterminado, de bens ou serviços a serem produzidos, serão computados em cada
período de apuração: (a) o custo de construção ou de produção dos bens ou serviços incorridos
durante o período de apuração; e (b) parte do preço total da empreitada, ou dos bens ou serviços
a serem fornecidos, que será determinada mediante aplicação, sobre esse preço total, da
percentagem do contrato ou da produção executada no período de apuração.
A percentagem do contrato ou da produção executada durante o período de apuração poderá
ser determinada contabilmente da seguinte forma: (a) com base na relação entre os custos
incorridos no período de apuração e o custo total estimado da execução da empreitada ou da
produção; ou (b) com base em laudo técnico de profissional habilitado, segundo a natureza da
empreitada ou dos bens ou serviços, que certifique a percentagem executada em função do
progresso físico da empreitada ou produção.
De outra parte, de acordo com o art. 408 do mesmo Regulamento, esse critério não é
aplicável às construções ou fornecimentos contratados com base em preço unitário de quantidades
de bens ou serviços produzidos em prazo inferior a um ano, cujo resultado deverá ser reconhecido
à medida da execução.
Parece-nos que não é correto atrelar o reconhecimento da receita à simples execução daquilo
que foi contratado. De fato, debaixo da perspectiva de que uma receita só pode compor um
acréscimo patrimonial quando ganha, é preciso atrelar o seu reconhecimento contábil a uma
circunstância jurídica que conduza a isso. Logo, a simples execução não representa o
cumprimento da obrigação de entregar o bem ou serviço; é preciso que o encomendante receba o
que contratou e dê o seu assentimento sobre a validade do objeto.
Na seara contábil foi editado em 2012 o Pronunciamento CPC 17, que dispõe sobre o
reconhecimento de receitas e despesas (inclusive custos) decorrentes de contratos de longo prazo.
O art. 29 da Lei nº 12.973/14 prescreve que, para fins fiscais, prevalece a regra do § 1º do art. 10
do Decreto-lei nº 1.598/77, para fins de determinação da percentagem do contrato ou da produção
executada. Todavia, se o contribuinte vier a utilizar outro critério (ainda que previsto em normas
contábeis) que implique em resultado diferente em cotejo com o previsto no citado preceito, a
diferença verificada deverá ser adicionada ou excluída, conforme o caso, por ocasião da apuração
do lucro real.
8.6RECEITAS DE CONTRATOS COM ENTIDADES
GOVERNAMENTAIS E CONTRATOS DE CONCESSÃO
Dispõe o art. 409 do RIR/99 que, no caso de empreitada ou fornecimento contratado, para
produção em curto ou em longo prazo, com pessoa jurídica de direito público, ou empresa sob
seu controle, empresa pública, sociedade de economia mista ou sua subsidiária, o contribuinte
poderá diferir a tributação do lucro até sua realização. O § 2º do art. 409 estabelece um conceito
de empresa subsidiária, que não consta no art. 10 do Decreto-lei nº 1.598/77, que é matriz legal
desse dispositivo regulamentar. Esse preceptivo afirma que no conceito de empresa subsidiária
de sociedade de economia mista inclui-se qualquer empresa cujo capital com direito a voto
pertença, em sua maioria, direta ou indiretamente, a uma única sociedade de economia mista e
com esta tenha atividade integrada ou complementar.
O art. 409 do RIR/99 não prevê o adiamento (diferimento) da tributação do valor da receita
de vendas, mas do lucro, que é representado pela diferença entre o valor da receita da venda de
bens e serviços e dos custos correspondentes. Os custos são dedutíveis de acordo com a regra
geral, isto é, quando pagos ou incorridos. Essa regra se aplica a todos os contratos de fornecimento
de bens e serviços para entidades governamentais, exceto contratos de concessão, porquanto os
bens ou serviços são postos à disposição de terceiros – consumidores ou não, e, portanto, o
reconhecimento de receitas segue as normas gerais contidas no Pronunciamento Técnico CPC 47
e os preceitos contratuais e as normas de ordem pública aplicáveis.
As novas normas contábeis editadas após o advento da Lei nº 11.938/07 estabeleceram
regras sobre o registro contábil de operações derivadas de contratos de concessão. A aplicação
dessas novas normas depende, em grande parte, da configuração do contrato firmado com a
entidade estatal que permite a exploração de serviços públicos sob o regime geral da Lei nº
8.666/93. De acordo com o enunciado do art. 35 da Lei nº 12.973/14, no caso de contrato de
concessão de serviços públicos em que a concessionária reconhece como receita o direito de
exploração recebido do poder concedente, o resultado decorrente desse reconhecimento deverá
ser computado no lucro real à medida que ocorrer a realização do respectivo ativo intangível,
inclusive mediante amortização, alienação ou baixa. De outra parte, em face do disposto no art.
36 da mesma lei, o lucro decorrente da receita reconhecida pela construção, recuperação, reforma,
ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo financeiro
representativo de direito contratual incondicional de receber caixa ou outro ativo financeiro,
poderá ser tributado à medida do efetivo recebimento. Esse último preceito dispõe sobre os efeitos
fiscais dos valores do eventual lucro embutido nos recebimentos a que o concessionário tiver
direito por ocasião da reversão dos bens ao término do contrato de concessão, e a tributação
ocorrerá de acordo com o regime de caixa e o contribuinte deve manter controles adequados dos
valores reconhecidos como receita antes do eventual recebimento. A matéria foi regulamentada
pelos arts. 81 a 85 da IN 1.515/14, e, a partir de 1º de janeiro de 2018, pelos arts. 166 a 170 da IN
1.700/17. Na seara contábil, os procedimentos a serem adotados constam da Interpretação do
Comitê de Procedimentos Contábeis 01 (R1).
8.7RECEITA DA VENDA DE BENS IMÓVEIS
A legislação do Imposto de Renda contempla três formas de reconhecimento de receitas nas
operações que envolvem a compra e a venda de bens imóveis. Essas formas diferem em razão:
(a) da atividade que desempenha a pessoa jurídica; (b) do emprego ou da função dos bens; e (c)
das condições da venda. As hipóteses referidas em a e b serão tratadas quando analisadas as regras
sobre a tributação dos ganhos de capital. Nesse momento, vamos tratar dos efeitos fiscais da venda
de bens imóveis por empresa que tem como atividade específica a negociação dessa espécie de
bens.
O RIR/99, nos arts. 410 a 414, contém regras sobre o reconhecimento do lucro (receitas
menos custos) pelos contribuintes que comprarem imóveis para venda ou para promover
empreendimento de desmembramento, ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou
construção de prédio destinado a venda. Não mais se admite a adoção, na escrituração contábil,
de receitas e custos com base no regime de caixa; do ponto de vista contábil, as receitas devem
ser reconhecidas pelo regime de competência por ocasião do cumprimento das obrigações
assumidas em face do disposto no Pronunciamento Técnico CPC 47, Portanto, se a obrigação
consiste em entregar um imóvel pronto, a receita deve ser reconhecida quando a construtora (ou
a incorporadora) cumprir a obrigação assumida e observadas as disposições contratuais e as
normas de ordem pública aplicáveis em cada caso. Diferente consequência ocorre nos casos de
contratos de construção em que as obrigações são contratadas para cumprimento em etapas; nestes
casos, a receita deve ser reconhecida no momento em que os serviços são prestados e o prestador
adquire o direito incondicional à prestação contratada.
A Lei nº 12.973/14 manteve a tributação vinculada ao recebimento do preço e dispôs sobre
as operações de permuta Assim, ao dar nova redação ao art. 27 do Decreto-lei nº 1.598/77, a
referida lei dispõe que na hipótese de operações de permuta envolvendo unidades imobiliárias, a
parcela do lucro bruto decorrente da avaliação a valor justo das unidades permutadas será
computada na determinação do lucro real pelas pessoas jurídicas permutantes, quando o imóvel
recebido em permuta for alienado, inclusive como parte integrante do custo de outras unidades
imobiliárias ou realizado a qualquer título, ou quando, a qualquer tempo, for classificada no ativo
não circulante, investimentos ou imobilizado. Sem embargo, de acordo com o art. 29, na venda a
prazo, ou em prestações, com pagamento após o término do período de apuração da venda, o lucro
bruto de que trata o § 1º do art. 27 poderá, para efeito de determinação do lucro real, ser
reconhecido proporcionalmente à receita de venda recebida, observado o seguinte: (a) por ocasião
da venda, será determinada a relação entre o lucro bruto e a receita bruta de venda e, em cada
período, será computada, na determinação do lucro real, parte do lucro bruto proporcional à
receita recebida no mesmo período; (b) a relação entre o lucro bruto e a receita bruta de venda,
referida no item precedente, deverá ser reajustada sempre que for alterado o valor do orçamento,
em decorrência de modificações no projeto ou nas especificações do empreendimento, e apurada
diferença entre custo orçado e efetivo, devendo ser computada na determinação do lucro real, do
período de apuração desse reajustamento, a diferença de custo correspondente à parte da receita
de venda já recebida. Em qualquer caso, os ajustes para atendimento das normas de caráter
tributário serão feitos no LALUR.
8.8ALIENAÇÃO DE ESTOQUES PARA INTEGRALIZAR CAPITAL
Dúvidas surgem a respeito do caráter jurídico da entrega de bens destinados à venda
(estoques) para quitação de obrigação assumida em razão da integralização de ações ou quotas do
capital de outra sociedade. Examinando a questão sob a ótica da legislação do PIS e da COFINS,
a 2ª Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes decidiu, em pelo menos duas oportunidades
(Recursos nos 125.269 e 125.272), que a transferência de mercadorias em estoque para integralizar
capital de outra empresa não constitui receita, inclusive por não representar aumento do
patrimônio da empresa. O assunto pode ter repercussões na determinação da base de cálculo do
IRPJ das empresas tributadas com base no lucro presumido e das empresas que gozam de
benefícios calculados com base no lucro da exploração, em que a receita da venda de bens e
serviços é parâmetro para quantificação do benefício.
A entrega de bens do estoque em pagamento de capital subscrito não constitui receita da
venda de bens ou serviços. Em obra clássica, Trajano de Miranda Valverde15 observa que a entrega
de bens em pagamento de subscrição de capital constitui alienação de caráter especial. De acordo
com ele:
“ato positivo de alienação, mas de natureza especial, pois não toma, nem a figura
da compra e venda, nem a da permuta nem tampouco se traduz na constituição de
uma comunhão ou de um condomínio. Não é comunhão ou condomínio, porque os
bens entram para o patrimônio da sociedade, que é juridicamente distinto do
patrimônio de cada um dos acionistas. Não é compra e venda, porque falta o
requisito essencial do preço, sempre expresso em dinheiro. Não é permuta,
escambo ou troca, porque as ações que o subscritor recebe pelo valor de seus bens
não extinguem as relações entre ele e a sociedade, são, antes de tudo, títulos de
sócio. O subscritor entra com dinheiro ou bens, com o fim de adquirir a qualidade
de acionista da sociedade. Se o conceito fundamental da alienação está na
transmissão de um direito de um patrimônio para outro, nenhuma dúvida surgirá
sobre a natureza do ato de versão de bens para a constituição do capital de uma
sociedade anônima, desde que não se pretenda incluí-lo em qualquer das outras
espécies de alienação”.
De acordo com Waldemar Ferreira:16
“a conferência de bens dos subscritores para a formação do capital da companhia
não constitui venda. Nem cessão. Nem toda translação de domínio de bens, imóveis
ou móveis, se realiza por venda, nem compra. Trata-se, no caso, de contrato de
natureza específica”.
Em face do caráter típico do negócio jurídico que consiste na entrega de bens para
integralizar capital subscrito, parece certo que não é correto – sem base em lei – equiparar tal
operação a uma compra e venda para qualquer fim. Eventual receita advirá apenas e tão somente
se a entrega das mercadorias for feita por valor superior ao do custo de aquisição ou produção,
registrado no Ativo. Neste caso, o valor da diferença entre o custo e o valor da entrega constituirá
receita eventual.
A partir de 2014 a matéria passou a ser regida pelo art. 17 da Lei nº 12.973/14, segundo o
qual o ganho decorrente de avaliação com base no valor justo de bem do ativo incorporado ao
patrimônio de outra pessoa jurídica, na subscrição em bens de capital social, ou de valores
mobiliários emitidos por companhia, não será computado na determinação do lucro real, desde
que o aumento no valor do bem do ativo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada
à participação societária ou aos valores mobiliários, com discriminação do bem objeto de
avaliação com base no valor justo, em condições de permitir a determinação da parcela realizada
em cada período. O diferimento da tributação não pode ser adotado e o eventual ganho não for
evidenciado por meio da subconta. A tributação do ganho ocorrerá:
(a)quando da alienação ou na liquidação da participação societária ou dos valores
mobiliários, pelo montante realizado;
(b)proporcionalmente ao valor realizado, no período-base em que a pessoa jurídica
que houver recebido o bem realizar seu valor, inclusive mediante depreciação,
amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou com ele integralizar capital de outra
pessoa jurídica; ou
(c)na hipótese de bem não sujeito a realização por depreciação, amortização ou
exaustão que não tenha sido alienado, baixado ou utilizado na integralização do
capital de outra pessoa jurídica, nos 5 (cinco) anos-calendário subsequentes à
subscrição em bens de capital social, ou de valores mobiliários emitidos por
companhia, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no mínimo, para cada mês do
período de apuração.
Havendo perda, a dedução ocorre com base nas hipóteses de realização previstas no art. 18
da Lei nº 12.973/14 (vide item 29.4, deste livro). A matéria é regida pelos arts. 110 a 113 da IN
1.700/17.
8.9ARRENDAMENTO MERCANTIL
As normas brasileiras de contabilidade editadas com o propósito de adotar as normas
internacionais instituíram várias regras acerca do registro contábil das operações de arrendamento
mercantil. Para fins contábeis, a operação de arrendamento mercantil não se limita às realizadas
por instituições financeiras e regidas pela Lei nº 6.099/74.
O Pronunciamento CPC 06 (R1) estabelece uma distinção entre arrendamento mercantil
financeiro e operacional. Um arrendamento mercantil é classificado como financeiro se a
operação contratada implicar na transferência substancial, para o arrendatário, de todos os riscos
e benefícios inerentes à propriedade. Um arrendamento mercantil é classificado como operacional
se ele não transferir substancialmente todos os riscos e benefícios inerentes à propriedade.
Na modalidade de arrendamento financeiro, na data da transferência dos riscos e benefícios,
os arrendatários devem reconhecer os valores contratados como ativos e passivos nos seus
balanços por quantias iguais ao valor justo da propriedade arrendada ou, se inferior, ao valor
presente dos pagamentos mínimos do arrendamento mercantil. Quaisquer custos diretos iniciais
do arrendatário são adicionados à quantia reconhecida como ativo. Os pagamentos mínimos do
arrendamento mercantil devem ser divididos entre o encargo financeiro e a redução do passivo
em aberto. O encargo financeiro deve ser imputado a cada período durante o prazo do contrato de
forma a produzir uma taxa de juros periódica constante sobre o saldo remanescente do passivo.
Pagamentos contingentes devem ser contabilizados como despesas nos períodos em que são
incorridas. O arrendatário deve contabilizar despesa de depreciação ou amortização se o bem for
depreciável, bem como as despesas financeiras para cada período contábil.
Para os arrendatários que contratarem arrendamento qualificado como “operacional”,
quando do pagamento das contraprestações, deve ser reconhecida a despesa numa base de linha
reta durante o prazo do arrendamento mercantil, a não ser que outra base sistemática seja mais
representativa do modelo temporal do benefício do usuário. Neste caso, a depreciação ou
amortizável – se cabível – será registrada pelo arrendador. Os arrendadores devem reconhecer
nos seus balanços patrimoniais os ativos mantidos por um arrendamento mercantil financeiro e
apresentá-los como uma conta a receber por um valor igual ao investimento líquido no
arrendamento mercantil. O reconhecimento da receita financeira deve basear-se num modelo que
reflita uma taxa de retorno periódica constante sobre o investimento líquido do arrendador no
arrendamento mercantil financeiro.
Do ponto de vista da legislação tributária, permanece em vigor a Lei nº 6.099/74, com as
alterações introduzidas pelos arts. 46 a 49 da Lei nº 12.973/14. Assim, para fins de determinação
do lucro real, o enunciado do art. 46 dispõe que nos contratos de arrendamento de caráter
financeiro (§ 2º), a arrendadora deve reconhecer o resultado proporcionalmente ao valor de cada
contraprestação durante o período de vigência do contrato, e, se necessário, deve fazer os ajustes
pertinentes no LALUR, mediante adição ou exclusão das eventuais diferenças. Resultado, para
esse fim, é o valor que corresponde à diferença entre o valor global do contrato e o somatório dos
custos diretos iniciais e os custos de aquisição ou construção dos bens arrendados.
1Por essa razão, o nascimento de uma árvore no jardim de uma propriedade fabril não é fato
contábil gerador de receita porque a árvore não será explorada economicamente e, por isso,
não poderá gerar fluxos financeiros futuros para a entidade.
2O Código Civil prevê a usucapião de bens imóveis e móveis nos artigos 1.238 e 1.260,
respectivamente.
3RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 5. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 93. Para o autor,
a acessão pode advir de causas naturais como a avulsão, a aluvião ou o abandono de álveo.
Para ele: “acessão é o aumento do volume ou do valor da coisa principal, em virtude de um
elemento externo”.
4SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Forense, 1973. v. 1, p. 237.
5Convém notar que o mandato não se confunde com representação. De acordo com Gustavo
Tepedino (Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. v. 3, p. 127): “O mandato
constitui-se em espécie contratual, negócio jurídico bilateral que depende da concorrência de
vontades para sua existência. Já a representação é técnica de atuação em nome de terceiro”.
6RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 279.
7MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
p. 343. Diz o autor: “Deve se considerar a comissão mercantil não como uma simples variante
do mandato, mas como um contrato que tem características próprias, se bem que a ele sejam
aplicadas muitas regras do mandato, razão pela qual está aproximada desse contrato mais que
qualquer outro”.
8THEODORO JÚNIOR, Humberto. Do contrato de comissão no novo Código Civil. Revista
dos Tribunais, v. 814. São Paulo: RT, 2003, p. 42. Para o autor: “Na comissão, por sua vez,
não há compra e venda alguma entre as partes, pois apenas se contrata uma prestação especial
de serviços, que vem a ser a promoção da compra e venda de bens do comitente por meio de
operação em nome e por conta do próprio comissário, mas em proveito do comitente (art.
693)”.
9GOMES, Orlando. Contratos. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 263.
10MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 181.
11Vide, a propósito, o Parecer Normativo CST nº 11/76.
12Ressalvadas as disposições legais em contrário como é o caso do preceito do art. 5º da Lei n.
9.716/98 que trata do cálculo da receita em caso de operações de venda de veículos, de modo
a permitir que o sujeito passivo considere como receita sua apenas o valor da diferença entre o
valor de venda de veículos automotores e o custo de aquisição de veículos usados
eventualmente recebidos em troca.
13Ob. cit. p. 269.
14ESPINOLA, Eduardo. Dos contratos nominados no direito civil brasileiro. 2. ed. Rio de
Janeiro: Conquista, 1956. p. 149-150.
15VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. v. 2.
p. 108-109.
16FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 4. p. 113.
Em igual sentido é a doutrina de Rubens Gomes de Sousa, no livro Pareceres-1: imposto de
renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1977, p. 44.
9.1IMPUTAÇÃO AOS RESULTADOS
Receitas financeiras são aquelas que derivam da remuneração do capital empregado na
aquisição de títulos de renda, públicos ou privados, ou para concessão de crédito sob a forma de
empréstimos. De acordo com o art. 373 do RIR/99, o valor correspondente aos juros, o desconto,
o lucro na operação de reporte e os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, ganhos
pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou
títulos com vencimento posterior ao encerramento do período de apuração, poderão ser rateados
pelos períodos a que competirem. A regra compreende, também, os juros sobre o capital social,
pago ou creditado por empresa na qual o contribuinte for sócio ou acionista. Juro, segundo a
definição que se encontra no Parecer Normativo CST nº 11/84, é o preço do crédito, o rendimento
certo do capital empregado; corresponde a qualquer modalidade de compensação pelo uso ou
detenção de capital alheio.
O critério de apropriação contábil das receitas financeiras é o rateio pro rata tempore.
Segundo o ilustre Alberto Xavier,1 o art. 17 do Decreto-lei nº 1.598/77, em relação ao regime de
apropriação das receitas financeiras, adotou o sistema rateio (averaging) em lugar do regime de
competência em sua feição ordinária. Esse sistema de rateio distribui o rendimento por todo o
período no qual se presume ter sido adquirido o benefício, independentemente do momento em
que foi juridicamente adquirido. As receitas financeiras que devem ser imputadas aos resultados
são as consideradas ganhas em caráter definitivo, isto é, que decorram de negócios jurídicos não
sujeitos a condição. A propósito, a Solução de Consulta COSIT nº 166, de 9 de março de 2017,
esclareceu que: “No caso de depósitos efetuados ao amparo do regramento estabelecido pela Lei
nº 9.703, de 1998, considerando-se a existência de previsão legal de ocorrência de acréscimos ao
montante depositado judicial ou administrativamente tão somente quando da solução favorável
da lide ao depositante, só se encontra caracterizada a ocorrência do fato gerador do IRPJ apurado
pelo lucro real: (a) quando desta solução e na proporção que favorecer o contribuinte-depositante
ou (b) quando o levantamento do depósito com acréscimos se der por autorização administrativa
ou judicial, antes daquela solução”.
9.2JUROS SOBRE INDENIZAÇÕES
Os valores relativos às indenizações não constituem produto do capital e do trabalho e,
portanto, existem dúvidas se podem ou não ser tributados pelo Imposto de Renda. Além disso, há
séria dúvida sobre a constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda sobre a parcela
correspondente aos juros decorrentes de: (a) pagamento tardio de indenização por desapropriação;
e (b) sobre valores relativos a tributos pagos ou recolhidos indevidamente. Antes de tudo, cabe
ressaltar que essas situações podem resultar da incidência de juros de duas espécies:
compensatórios e moratórios.
Os juros compensatórios não se confundem com os moratórios, porquanto diversa é a
hipótese normativa da incidência de um e de outro. Os juros compensatórios são exigíveis como
decorrência da aplicação da lógica do razoável, que encerra uma ideia elementar de justiça. Juros
dessa natureza representam a justa recompensa ou paga pelo uso de capitais de outrem, ou como
indenização a lesões promovidas ou causadas a outrem. Os juros moratórios, como o próprio
nome indica, decorrem da mora, ou seja, são devidos em virtude do retardamento do cumprimento
de obrigação.
Os valores que ingressam no patrimônio da pessoa jurídica em pagamento de indenizações
não são tributáveis, pois não representam acréscimos patrimoniais, e os juros compensatórios
integram a indenização e não são renda ou produto do capital ou do trabalho, daí a impossibilidade
de serem alcançados pelo Imposto de Renda. Nesse sentido decidiu, por unanimidade, a 1ª Turma
do STJ, ao apreciar o Recurso Especial nº 141.431-RJ, em 20 de novembro de 1997.2 Portanto,
não podem ser tributados os valores relativos aos juros compensatórios recebidos a título de
indenização por desapropriação de bens pelo Poder Público, assim como os juros compensatórios
recebidos em virtude de pagamento a maior ou indevidamente em virtude de ato inválido (ilegal
ou inconstitucional). Também a 2ª Turma do STJ decidiu que o montante dos juros, por integrar
a indenização, não constitui renda, não estando sujeito à tributação.3 O mesmo tratamento deve
ser dado aos juros recebidos por pagamento a maior de tributo em face de ato ilícito (norma
inválida) do Poder Público: também nestes casos há expropriação de bens.
9.3VARIAÇÕES MONETÁRIAS E CAMBIAIS
Até dezembro de 1999, o reconhecimento contábil das variações cambiais ativas deveria ser
feito de acordo com o regime de competência. De acordo com o art. 375 do RIR/99, na
determinação do lucro operacional deverão ser incluídas as contrapartidas das variações
monetárias, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis, por disposição
legal ou contratual, dos direitos de crédito do contribuinte, assim como os ganhos cambiais e
monetários realizados no pagamento de obrigações.
A partir de 1º de janeiro de 2000, por força do disposto no art. 30 da Medida Provisória nº
1.858-10, as variações cambiais dos direitos de crédito e das obrigações só serão consideradas
tributáveis ou dedutíveis, para efeito de determinação do lucro real e do lucro da exploração, no
período-base em que ocorrer a liquidação da correspondente operação. A matéria passou a ser
regida pelo art. 30 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Os §§ 1º e 2º do art. 30 da Medida
Provisória citada confirmam a obrigatoriedade da adoção do regime de caixa ao disporem que, à
opção da pessoa jurídica, as variações monetárias poderão ser consideradas na determinação da
base de cálculo de todos os tributos e contribuições referidos, segundo o regime de competência,
desde que a opção seja exercida durante todo o ano-calendário.
Assim, para feito de determinar o lucro real e o lucro da exploração, o valor das variações
monetárias ativas só poderá afetar o resultado do período-base quando houver liquidação da
correspondente operação. Logo, se o contribuinte contabilizar receitas desta espécie de acordo
com o regime de competência, quando vier a calcular o valor do lucro real, fará uma exclusão
correspondente ao valor das variações monetárias de operações ainda não liquidadas na data do
Balanço que serviu de base à apuração do lucro real. No futuro, isto é, quando ocorrer a liquidação
da operação que deu origem à variação monetária ativa, o contribuinte deve efetuar uma adição,
na determinação do lucro real, do valor correspondente. Esse valor será total ou parcial, porque
uma operação pode ser parcialmente liquidada. O mesmo procedimento deve ser adotado quando
do cálculo do Lucro da Exploração. Os depósitos feitos em instituições estrangeiras são
considerados como créditos na forma do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.705 e no Recurso Extraordinário nº 198.583-6.
Na forma do § 3º do art. 30 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, a partir de 1º de janeiro
de 2000, se ocorrer alteração de critério de reconhecimento das variações monetárias, em anos-
calendário subsequentes, para efeito de determinação da base de cálculo dos tributos e das
contribuições, serão observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal, contidas
na Instrução Normativa nº 345, de 28 de julho de 2003 e que foi substituída pela IN 1.079/10.
Essa última IN foi alterada em 2016 e 2017 e ocorreram modificações nas normas contábeis
aplicáveis, que afastam a possibilidade de adoção do regime de caixa para fins contábeis. Logo,
o contribuinte terá que fazer o registro com base no regime de competência e ajustar o lucro
líquido para fins de cálculo do IRPJ ou da CSLL de modo que as receitas sejam tributadas e as
despesas deduzidas quando houver a liquidação dos créditos e obrigações, pois essa é a regra geral
a ser adotada. A lei permite que o contribuinte adote o regime de competência para fins de dedução
de despesas e tributação de receitas, desde que faça a opção no tempo devido e a mantenha por
todo o ano-calendário. Durante o ano calendário, é possível mudar o regime desde que ocorra
elevada oscilação da taxa de câmbio, na forma definida no art. 5º da IN 1.079/10. Em qualquer
caso, o contribuinte deverá passar a adotar o mesmo critério para cálculo, se for o caso, dos
tributos devidos com base nas receitas.
Em 2017, foi editada a IN 1.753 para regular os efeitos fiscais da adoção, prevista no item
01 da Revisão de Pronunciamentos Técnicos nº 9, divulgado em 22 de dezembro de 2016 pelo
Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que autoriza as entidades a adotar, para elaboração
das demonstrações financeiras, de taxas de câmbio diferentes das divulgadas pelo Banco Central
do Brasil. Nesse caso, as receitas em excesso (em comparação com as obtidas pela adoção das
taxas oficiais) serão excluídas na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL e as
despesas em excesso não podem ser deduzidas. O contribuinte deve eliminar os efeitos da
diferença para fins de cálculo do Lucro da Exploração, se for o caso. Por ocasião da liquidação,
se a liquidação for feita por taxa distinta da adotada nos registros contábeis, a eventual diferença
será tributada (se receita) e deduzida (se despesa). O contribuinte deve eliminar os efeitos
decorrentes dessa assimetria para fins de cálculo do lucro da exploração. Em resumo, os efeitos
fiscais admitidos para as variações têm limites temporais e quantitativos: no primeiro caso, eles
podem ser produzidos na liquidação dos créditos e obrigações ou quando incorridos (pelo regime
de competência); no segundo caso, os limites são as taxas oficiais divulgadas pelo Banco Central
do Brasil.
9.4RECEITA DE FACTORING
Há dúvida se a receita de factoring possui a natureza jurídica de receita financeira. O negócio
jurídico denominado factoring, ou faturização, envolve diversos pactos. A própria legislação
tributária, no item VI do art. 246 do RIR/99, define empresas factoring como aquelas que
“explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria de crédito,
mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber,
compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis ou a prestação de serviços”. Como
se vê, segundo essa definição legal, para fins fiscais, o negócio jurídico
chamado factoring engloba acordos sobre mandato, prestação de serviços e aquisição de direitos
creditórios, institutos que têm perfis jurídicos próprios no nosso ordenamento jurídico. De outra
parte, a lei requer, para que esteja configurado o factoring, que esses negócios sejam cumulativos,
de modo que a ausência de um deles descaracteriza a operação como de factoring.
O conceito adotado pela legislação, à sua vez, elimina a dúvida sobre ser de natureza
financeira ou não a receita obtida por tais empresas. Parece claro que essa atividade gera receitas
de diversas naturezas, dada a pluralidade de relações jurídicas que envolvem. Logo, a
contabilização (para fins tributários) das receitas deve levar em consideração o valor atribuído a
cada uma dessas atividades (mandato, prestação de serviços e aquisição de direitos creditórios).
Não sendo possível essa identificação, o valor total recebido deverá ser tido como valor decorrente
da cessão de direitos de créditos que devem ser apropriados como receitas de acordo com o tempo
decorrido entre a aquisição e o vencimento do título, isto é, pro rata tempore.
9.5RECEITAS FINANCEIRAS NAS OPERAÇÕES DE VENDOR
É bem desenvolvida no Brasil a denominada operação de vendor, pela qual o vendedor de
um bem viabiliza o financiamento destinado ao comprador; em geral, o provedor dos recursos é
uma instituição financeira e que permite, ao fim e ao cabo, o recebimento a vista de uma venda
que, para o comprador, deve ser liquidada após certo prazo. Em certas circunstâncias, o vendedor
pode auferir alguma receita consistente nas diferenças de taxas de moedas estrangeiras ou outro
índice, o que ocorre com frequência a despeito de alguma dúvida acerca da validade da operação
em face da eventual cogitação da existência de intermediação de recursos financeiros, que é
atividade privativa de instituição financeira.
A despeito das questões sobre a validade da operação, no caso da diferença de taxas há típica
receita financeira. De fato, o eventual ganho decorre de uma arbitragem entre os valores
predeterminados e aqueles pelos quais as operações são liquidadas; o cunho financeiro da
remuneração, nestes casos, é evidente. Igual tratamento deve ser atribuído à remuneração
decorrente da prestação de fiança ao comprador; neste caso, a fiança visa permitir o financiamento
concedido ao comprador; deste modo, trata-se de uma operação meio para realização do
financiamento.
9.6DESCONTOS OBTIDOS
Dúvidas têm sido suscitadas acerca do caráter jurídico dos descontos obtidos.
No âmbito jurídico, existem duas espécies de descontos: o desconto-expurgo e o des-conto-
prêmio. No primeiro caso, o desconto está atrelado ao pagamento antecipado de uma dívida e tem
a finalidade de expurgar o montante de juros e acréscimos da mesma natureza que estariam
embutidos no valor da dívida. No segundo, o desconto é um prêmio em retribuição a um benefício
atribuído pelo devedor ou comprador ao credor ou vendedor.
A natureza “financeira” do desconto-expurgo é relativamente evidente: ele é obtido em
razão do ajuste das condições de pagamento com finalidade de escoimar encargos financeiros que
porventura tenham sido computados no preço de mercadorias (inclusive dinheiro) ou serviços,
especialmente nos casos em que os percentuais ou valores passíveis de abatimento estejam
previamente determinados.4Consequências diferentes ocorrem em relação aos descontos sob a
forma de prêmio: o seu caráter jurídico poderá variar em cada caso em razão de sua causa
específica. As reduções de preços de mercadorias adquiridas para revenda ou utilização na
produção ou prestação de serviços, seja qual for o nome a justificativa econômica, devem ser
registradas como redução dos preços e não mais como receitas na forma do disposto no item 11
do Pronunciamento Técnico CPC 16 (R1). Sobre o registro de bonificações, vide o idem 12.4
deste Livro.
9.7AJUSTE AO VALOR PRESENTE DE PASSIVOS
A Lei nº 11.638/07 introduziu modificações no texto da Lei nº 6.404/76 para determinar
que, a partir de 1º de janeiro de 2008, certos ativos e passivos deverão ser avaliados pelo valor
presente. Destarte, em face do disposto no inciso III do art. 184 prescreve que as obrigações,
encargos e riscos classificados no passivo exigível a longo prazo serão ajustados ao seu valor
presente e aos demais passivos quando houver efeito relevante. De acordo com o item 12 do
Parecer CVM nº 21/90, o ajuste ao valor presente visa a expurgar, dos elementos ativos e passivos,
os índices de inflação e juros reais embutidos nos valores registrados na contabilidade, de modo
a permitir a mencionada comparação da melhor maneira possível. Em tese, a adoção do valor
presente pode ser feita em pelo menos dois momentos: antes ou após o surgimento das obrigações,
encargos e riscos. No primeiro caso, o valor presente é obtido por via de ajuste que deve fluir para
o resultado; no segundo caso, o valor presente é valor de entrada no patrimônio social e eventuais
ajustes só ocorreriam em razão de fatos supervenientes, como os ajustes das taxas de desconto
por mudança nos níveis de inflação, por exemplo. Do ponto de vista contábil, os ajustes ao valor
presente devem ser feitos em obediência aos preceitos do Pronunciamento Técnico CPC 12.
O art. 4º da Lei nº 12.973/14 dispõe sobre os efeitos fiscais dos valores que forem imputados
ao resultado a título de ajuste ao valor presente de ativos vinculados a operações de compra e
venda a prazo. O preceito faz menção ao enunciado do item VIII do caput do art. 183 da Lei nº
6.404/76, segundo o qual “os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão
ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante”. De acordo
com o mandamento da nova Lei, os valores correspondentes aos ajustes que vierem a afetar o
resultado serão considerados na determinação do lucro real no mesmo período de apuração em
que a receita ou resultado da operação deva ser oferecido à tributação.
O preceito legal incide nos casos de vendas a prazo que, salvo exceções previstas em lei,
são tributadas no momento em que a receita é considerada ganha e imputada ao resultado do
período. O valor do ajuste faz com que uma parcela da receita seja diferida e imputada ao resultado
com o transcurso do tempo. De acordo com o mandamento legal, o valor do ajuste deve ser
submetido à tributação antes mesmo de serem imputados ao resultado do período, e, por isso, é
exigível a realização de ajuste aditivo no cálculo do lucro real. O contribuinte deverá manter o
controle do valor tributado na Parte B do LALUR, de modo a fazer a devida exclusão nos períodos
em que os encargos forem considerados incorridos e imputados aos resultados. Por isso, parece
claro que a lei considera que o ajuste ostenta mesma natureza da receita que deu origem ao ativo
cujo valor foi ajustado.
1XAVIER, Alberto. Regime tributário da diferença entre valor nominal e preço da cessão de
créditos nas operações de factoring. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos
Tribunais, nº 50, p. 50, 1989.
2Ementa publicada do Diário de Justiça da União de 15 de dezembro de 1997.
3Decisão proferida por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso
Especial nº 107.277 – SP, cuja ementa foi publicada no Diário de Justiça da União de 12 de
maio de 1997, p. 18783.
4Vide decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes quando do julgamento do Recurso nº
127.608 (acórdão nº 204-00.439, de 9 de agosto de 2005).
10.1LUCROS DISTRIBUÍDOS E RECEBIDOS
O tratamento fiscal, sob a perspectiva do beneficiário, dos lucros e dividendos distribuídos
ou capitalizados, é dado pelos arts. 379 e 383 do RIR/99. De acordo com art. 379 do RIR/99, os
lucros e dividendos recebidos de outra pessoa jurídica, quando puderem ser contabilizados no
resultado do período, serão excluídos do lucro líquido para efeito de determinar o lucro real, desde
que tenham sido sujeitos à tributação nas firmas ou sociedades que os distribuíram. Esse regime
não é aplicável ao valor dos lucros ou dos dividendos que forem recebidos após a data da alienação
ou liquidação de investimento avaliado pelo valor de patrimônio líquido, quando tais lucros não
tenham sido computados na determinação do ganho ou perda de capital.
Esse mandamento, da não tributação de lucros e dividendos recebidos por pessoa jurídica,
existe desde o advento do Decreto nº 5.844, de 1943. A partir de 1º de janeiro de 1996 entrou em
vigor o art. 10 da Lei nº 9.249/95, em relação aos lucros ou dividendos calculados com base nos
resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996. Assim, temos que, aos lucros apurados
até dezembro de 1995, aplicam-se as regras do Decreto nº 5.844/43, enquanto aos lucros apurados
a partir de janeiro de 1996 a norma de regência é o art. 10 da Lei nº 9.249/95, que tem a seguinte
redação:
“Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a
partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas
tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à
incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do
imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou
no exterior.”
O preceito transcrito contém duas normas. A primeira é endereçada à pessoa jurídica que
vier a distribuir lucros ou dividendos e estabelece uma hipótese de não incidência do imposto de
renda na fonte. Por outro lado, a segunda norma tem como destinatário o titular da participação
societária que recebe lucros ou dividendos e estabelece que tais cifras não são passíveis de
tributação como renda dos beneficiários com domicílio no país ou no exterior, desde que
advenham de fontes nacionais que estejam submetidas ao pagamento do imposto de renda
calculado com base no lucro real, presumido ou arbitrado.
As normas, como se vê, viabilizam a decisão política do legislador em concentrar a
tributação nos lucros enquanto eles pertencem às pessoas jurídicas, ficando a posterior
distribuição a salva da incidência do imposto na fonte ou como resultado obtido pelo beneficiário
que estiver revestido sob a forma de pessoa jurídica.
A determinação do sentido e do alcance das normas contidas no art. 10 da Lei nº 9.249/95
requer o conhecimento e a aplicação das normas de direito societário aplicáveis.
A percepção periódica de dividendos é um direito dos sócios ou acionistas que está
consagrado no enunciado do item I do art. 109 da Lei nº 6.404/76, que estabelece que nem o
estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de participar dos
lucros sociais. Por sua vez, o caput do art. 202 da citada Lei nº 6.404/76 estipula que os acionistas
têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros
estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as
normas que estabelece; nas demais sociedades a regra a ser seguida é do contrato social. A
distribuição de lucros ou dividendos requer o levantamento regular de Balanços e a deliberação
acerca dos valores a serem distribuídos, que é necessária porque a lei permite a retenção de lucros
em certas circunstâncias.
O lucro, do qual o dividendo1 é uma fração, é o resultado das operações sociais e pertence à
sociedade e não é algo que possa ser distribuído enquanto tal. Distribuir lucros é deliberar a
transferência de ativos para os sócios ou acionistas da vantagem obtida em decorrência da
exploração de atividade econômica, de modo que estes se tornam titulares de um direito de crédito
contra a pessoa jurídica.2 O lucro, em si considerado, não é distribuível; o que se distribui, na
verdade, são parcelas dos ativos que, no Balanço Patrimonial, representam o incremento do
patrimônio social em decorrência da exploração da atividade que constitui o objeto social.3 Se a
distribuição é feita regularmente, ou seja, de acordo com as leis de ordem pública e com o estatuto
ou contrato social, o sócio ou acionista passa a ser credor de dívida4 “líquida e certa” perante a
sociedade (ou, melhor, a pessoa jurídica).
A distribuição de lucros, em certas circunstâncias, pode ensejar a aplicação de penalidades
no âmbito civil e criminal. No âmbito do Direito Civil e Societário aplicam-se as normas dos §§
1º e 2º da Lei nº 6.404/76:
“Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido
do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de
capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.
§ 1º A distribuição de dividendos com inobservância do disposto neste artigo
implica responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor
à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso
couber.
§ 2º Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que em boa-fé tenham
recebido. Presume-se a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o
levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.”
Em primeiro lugar, o caput do preceito prescreve quais são as fontes legítimas dos
dividendos a serem distribuídos. Os dividendos só podem ser pagos à conta de lucros correntes
(lucro líquido do exercício) ou acumulados e com recursos decorrentes de reservas de lucros ou
de reserva de capital nos casos admitidos em Lei. A distribuição de dividendos com recursos de
reservas de lucros é admitida unicamente nos casos em que lei não a veda expressamente: tal é o
que ocorre com a Reserva Legal, que – em face do disposto no § 2º do art. 193 da Lei nº 6.404/76
– só poderá vir a ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o valor do capital social. As
reservas de capital só podem ser distribuídas de acordo com o disposto no inciso V do art. 200 da
Lei nº 6.404/76.
Em seguida, os preceitos transcritos impõem consequências à inobservância do mandamento
do caput que têm como destinatários os administradores, os fiscais, e os acionistas. Os
administradores e acionistas obrigam-se a repor o valor dos dividendos distribuídos em
desconformidade com a Lei, enquanto os acionistas também devem repor os dividendos se os
receberam de má-fé.
No Código Civil de 2002 há uma regra de bloqueio às distribuições de lucros fictícios ou
em montante que possa implicar erosão do valor do capital social. Tal regra consta do art. 1.059,
segundo a qual os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a
qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem
com prejuízo do capital. Regra de bloqueio com idêntica finalidade há na parte final do § 2º do
art. 201 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual: “presume-se a má-fé quando os dividendos forem
distribuídos sem levantamento do Balanço ou em desacordo com os resultados deste”.
As referidas regras de bloqueio determinam a reversão, para o patrimônio social, do valor
relativo aos lucros recebidos em prejuízo do valor do capital social. Essa regra impede que lucros
sejam distribuídos quando da existência de prejuízos pendentes de compensação, posto que estes
prejuízos constituem elementos patrimoniais negativos que indicam uma diminuição do valor do
patrimônio social, o que ocorre quando o somatório dos valores relativos a despesas, custos e
perdas, ultrapassar o montante das receitas e ganhos de capital.
Além disso, há a norma do inciso VI do § 1º do art. 177 do Código Penal5 que reprime a
distribuição de dividendos fictícios, assim caracterizados aqueles pagos em razão de falta de
Balanço; em desacordo com Balanço regularmente levantado, e, ainda, com base em Balanço
falso.
A Lei nº 12.973/14 modificou o texto original do art. 10 da Lei nº 9.249/95 que não constou
do texto original da Medida Provisória nº 627/13. A nova Lei estipulou que a não incidência
prevista no referido preceito alcança os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários
de todas as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei nº 6.404/76, ainda que a ação seja
classificada em conta de passivo ou que a remuneração seja classificada como despesa financeira
na escrituração.
10.2RECEBIMENTO DE AÇÕES OU QUOTAS BONIFICADAS
Os lucros podem ser simplesmente distribuídos aos sócios ou podem ser incorporados ao
valor do capital social. Também certas reservas podem ser distribuídas ou ter o seu valor
incorporado ao valor do capital social. Em qualquer desses casos, surgem as ações ou quotas
bonificadas, que são recebidas sem custo pelo sócio ou acionista. Nessas operações a época da
geração dos lucros é importante para se determinar o tratamento fiscal adequado.
Antes de tudo há que fazer uma distinção entre o investimento avaliado pelo custo de
aquisição e aquele avaliado pelo método da equivalência patrimonial. Quando uma sociedade tem
o seu capital aumentado com o aproveitamento de lucros ou reservas, são emitidas as ações ou
quotas bonificadas. Como o próprio nome sugere, essas ações ou quotas são recebidas sem custo
pela investidora, que, todavia, fica sem a possibilidade de vir a obter recursos com a posterior
distribuição dos lucros ou das reservas, de modo que é possível afirmar que o sócio ou acionista
emprega o valor dos lucros e das reservas na aquisição das ações ou quotas. Em outras palavras,
as ações ou quotas são pagas com os recursos dos lucros ou reservas, como se houvesse uma
distribuição desses valores e o retorno concomitante ao patrimônio da empresa em pagamento da
aquisição (por via de subscrição e integralização) dessas ações ou quotas.
De outra parte, se os lucros e reservas utilizados no aumento de capital, e que deram origem
a ações ou quotas bonificadas, já foram refletidos no resultado da investidora em virtude da
aplicação do método da equivalência patrimonial, nenhum registro contábil deve ser feito.
Nos investimentos avaliados pelo método do custo de aquisição, o valor das ações ou quotas
recebidas em bonificação pode ou não afetar o resultado. Assim, há que se investigar a origem
dos lucros e das reservas aproveitados para aumento do valor do capital social. Se os lucros e
reservas forem datados de antes de 1989, aplica-se a regra do caput do art. 381 do RIR/99, ou
seja: não haverá contabilização de qualquer valor. De outra parte, se os lucros e reservas tiverem
sido tributados pelo extinto Imposto sobre o Lucro Líquido (ILL), assim como se tiverem sido
apurados no ano-calendário de 1993, o valor das quotas ou ações bonificadas serão contabilizados
a débito da conta de investimento e a crédito de conta de resultado, que não será computado na
determinação do lucro real, como dispõe o parágrafo único do art. 382 do RIR/99. Em
decorrência, há uma lacuna sobre o tratamento a ser atribuído aos lucros e reservas apurados nos
anos de 1994 e 1996, posto que a partir do ano de 1996 vige o parágrafo único do art. 10 da Lei
nº 9.249/95.
Dúvidas surgem sobre o que deve ser feito em relação às ações ou quotas bonificadas que
forem recebidas em decorrência de aumento de capital com aproveitamento de Reservas de
Capital e de Reserva de Reavaliação. Em relação aos aumentos de capital ocorridos até 31 de
dezembro de 1989, que estão sob o pálio do § 3º do art. 11 do De-creto-lei nº 1.598/77, matriz
legal do art. 381 do RIR/99, essa questão se torna sem relevância jurídica diante da regra que
estabelece que o valor das bonificações decorrentes de aumento de capital com lucros não importa
aumento do valor do investimento. Se não há modificação no valor do investimento não se faz
registro em conta de resultado. O mesmo vale para as outras espécies de reservas, inclusive as de
lucro. Esse entendimento não é aplicável inteiramente aos aumentos de capital com lucros
tributados pelo extinto ILL, e apurados no ano de 1993 (art. 382 do RIR/99), porque aquele
preceptivo só se refere aos lucros e reservas que tenham sido tributados. Neste caso, havendo sido
realizada a Reserva de Reavaliação, vale dizer computada na determinação do Lucro Real, se esse
valor viesse a ser aproveitado para aumento de capital, o valor das ações ou quotas bonificadas
deveria ser contabilizado, a crédito de conta de resultado, que não seria tributável.
Em relação ao valor das quotas ou ações recebidas em bonificação decorrente do aumento
do capital social com Reservas de Capital, nenhum registro haveria de ser feito, porque estas não
são tributadas. Há, contudo, alguns problemas em relação às reservas oriundas de recursos
externos tais como Reservas de Ágio e Reserva de Subvenções recebidas. Para que não ocorra a
distorção que será mostrada adiante, o valor atribuído às quotas recebidas em bonificação deveria
também ser registrado a débito do valor de custo do investimento e a crédito de receita, que não
será tributável.
O problema apontado continua sob o pálio do art. 10 da Lei nº 9.249/95, pois ele não trata
de reservas. De fato, estabelece o citado parágrafo único do art. 10 da Lei nº 9.249/95 que,
“no caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por
incorporação de lucros apurados a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas
constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou
reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista.”
Essa regra só é aplicável aos investimentos avaliados pelo custo de aquisição. No caso de
investimentos avaliados pelo método da equivalência patrimonial, o lucro já é agregado ao valor
de custo do investimento na data do Balanço em que pode ser refletido pelo sócio ou acionista.
Como se vê, aqui há o mesmo problema já apontado sobre os efeitos decorrentes da capitalização
de Reservas de Capital, no caso de investimentos avaliados pelo custo de aquisição.
A diversidade de critério em razão da forma de avaliação de um investimento pode levar a
uma situação de injustiça. Assim, suponha-se que as empresas Alfa e Beta adquiriram, no mesmo
dia e pelo mesmo valor, 50% (cinquenta por cento) das ações do capital da sociedade Gama, sendo
que, para a primeira, esse novo investimento deve ser avaliado pelo custo de aquisição e, para a
segunda, será obrigatória a adoção do método da equivalência patrimonial. Cada uma das
adquirentes pagou R$ 1.000,00 (um mil reais) pelas ações adquiridas. A Gama é uma empresa
lucrativa que não distribui lucros, e aumentou o seu capital com lucros no valor de R$ 2.000,00
(dois mil reais).
Agora, as investidoras vão alienar as ações por R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada. Na
investidora Alfa, o custo de aquisição seria igual a R$ 1.000,00 (um mil reais), pois ela não refletiu
os lucros por equivalência patrimonial. Então, o ganho de capital por ela apurado seria de R$
4.000,00. De outra parte, a investidora Beta, que fez refletir o valor dos lucros por equivalência
patrimonial no valor de R$ 1.000,00 (50% do valor dos lucros), terá o seu investimento registrado
pelo valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) e terá, portanto, ganho de capital igual a R$ 3.000,00
(três mil reais).
Como se vê, os resultados finais são diferentes, e o fator de discriminação está no fato de
um investimento ser sujeito a regime contábil e o outro não. Essa circunstância, por si só, não é
suficiente para justificar essa discriminação, porque não tem qualquer justificativa lógica
razoável. É, por isso, inconstitucional.
Para que a situação absurda do exemplo fosse evitada, bastaria que os sócios determinassem
a capitalização ou distribuição dos lucros antes da alienação do investimento. Essa providência
só resolveria o problema se: (a) os lucros tivessem sido gerados no período para o qual é admitida
a contabilização do valor das bonificações; (b) os lucros tivessem sido apurados em período em
que a legislação previa a não incidência do imposto de fonte na distribuição.
Mas não é só. Recorde-se que o art. 383 do RIR/99 impõe uma condição para que os valores
recebidos não sejam tributados: que eles tenham sido distribuídos por empresa tributada com base
no lucro real. De fato, aquele preceito é bastante claro ao estabelecer que o valor correspondente
aos “lucros e dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro
de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real não
integrarão a base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica beneficiária”. Se assim for, o
valor decorrente de eventuais participações nos lucros distribuídos por empresas tributadas com
base no lucro presumido não poderia ser considerado como parcela não tributável. Ocorre que
essa limitação não existe no texto da Lei nº 9.249/95. É uma invenção do RIR que padece do vício
de ilegalidade.
10.3PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS POR DEBÊNTURES E PARTES
BENEFICIÁRIAS
No ordenamento jurídico existem regras que admitem que, além dos sócios, outras pessoas
possam participar dos seus lucros.6 Existem participações que são atribuídas a administradores,
empregados, partes beneficiárias, fundos de previdência ou assistência de empregados, e
debêntures. Logo surgem dúvidas sobre serem ou não tributáveis os valores relativos a
participações nos lucros atribuídas a debêntures e a partes beneficiárias, quando recebidos por
pessoas jurídicas. Essas dúvidas não se aplicam, por óbvio, às pessoas jurídicas que gozam de
imunidade tributária nos termos da Constituição Federal.
Na forma do art. 52 da Lei nº 6.404/76, debêntures são valores mobiliários que encartam um
título de crédito contra a companhia. Do mesmo modo, como dispõe o art. 46 da Lei nº 6.404/76,
as partes beneficiárias são títulos negociáveis, que conferem aos seus titulares direito de crédito
eventual contra a companhia.
Sob o pálio da legislação vigente antes do advento do art. 10 da Lei nº 9.249/95, as
autoridades fiscais editaram o Parecer Normativo CST nº 8/83, e esclareceram que “as
participações nos lucros atribuídas a partes beneficiárias, tributadas na pessoa jurídica
distribuidora dos rendimentos como participações indedutíveis, não se tributam na pessoa jurídica
beneficiária”. O fundamento legal apresentado foi o mesmo que tratava dos lucros e dividendos,
mencionados no item precedente.
Por essa linha, o que dizer das participações atribuídas a debêntures que, ao contrário
daquelas pagas ou creditadas a detentores de partes beneficiárias, são dedutíveis na determinação
do lucro real da empresa distribuidora? A resposta, à luz da legislação vigente antes do advento
do art. 10 da Lei nº 9.249/95, é uma só: os valores recebidos não são tributáveis, porque a
legislação anterior determinava a não incidência do imposto sobre o valor dos lucros recebidos
sem ressalvas, isto é, independentemente do tratamento fiscal que os lucros teriam na empresa
distribuidora.
Essa mesma conclusão é aplicável aos valores correspondentes às participações nos lucros
atribuídas a debêntures a partes beneficiárias a partir de 1º de janeiro de 1996, quando passou a
produzir efeitos o art. 10 da Lei nº 9.249/95, com as mesmas consequências já examinadas na
seção anterior.
10.4DISTRIBUIÇÃO DESPROPORCIONAL DE LUCROS
A distribuição desproporcional de lucros é uma providência legítima ostensivamente
admitida pelo ordenamento jurídico; desta forma, é obtusa qualquer tentativa de equiparar tal fato
a uma doação feita entre sócios.
Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que o lucro não pertence, de forma
incondicional, ao sócio ou acionista. Os lucros e dividendos pertencem à empresa, pois resultam
do crescimento do seu próprio patrimônio, o qual não se confunde com os dos sócios ou
acionistas. O direito aos lucros e dividendos é condicionado pela deliberação da distribuição,
salvo nos casos em que o próprio contrato ou estatuto determine que a distribuição seja feita de
forma automática. Mesmo neste último caso, o direito ao crédito depende da aprovação do
Balanço.7A distribuição, por outro lado, não pode ser feita sem observância das que prevejam, se
for o caso, a distribuição desproporcional.
Há casos, nas sociedades por ações, em que o estatuto social estipula a distribuição de
dividendos preferenciais e há casos em que há determinação de dividendos calculados sobre
outras bases. Assim, por exemplo, há o § 1º do art. 202 da Lei nº 6.404/76, que, ao dispor sobre
o dividendo obrigatório, admite que ele seja fixado como percentagem do lucro ou do capital
social, ou fixa. A lei prevê, ainda, que o estatuto poderá estabelecer outros critérios de
determinação desde que estes sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os
acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria. Nas demais
sociedades, a proporcionalidade pode ou não ser adotada; para Carvalho de Mendonça, no silêncio
do contrato, prevalece a regra da “proporcionalidade e não da igualdade”, de modo que a “quota
de participação nos lucros e nas perdas será em proporção às quotas entradas para o capital”.8
A distribuição desproporcional tem, via de regra, como causa de justificação a diferença de
contribuição de cada sócio para a empresa, que pode ocorrer sob a forma de quantidade de
trabalho, de prestígio ou outro fator. Quando os sócios estipulam cláusula contratual em que está
prevista distribuição desproporcional, não estão celebrando contrato de doação, mas exercendo
um direito típico societário que é legítimo e usual.
A distribuição desproporcional, por outro lado, não pode ser estendida aos juros sobre o
capital próprio. A remuneração a título de juros sobre o capital tem como causa o uso da
quantidade de capital aportada pelos sócios de forma individual; não há, neste caso, fundamento
para desproporções, exceto as relacionadas com o tempo da subscrição.
10.5INSTRUMENTOS HÍBRIDOS DE PARTICIPAÇÃO E DÍVIDA
Instrumentos híbridos de capital e dívida são títulos derivados de negócios jurídicos atípicos
celebrados com a finalidade de captar recursos no mercado de capitais ou em operações de caráter
privado. São chamados híbridos porque podem ser configurados como títulos de participação
(como são as ações), e, ao mesmo tempo, podem render juros que são próprios das operações de
crédito, como são os demais valores mobiliários. Exemplo desses títulos são as ações preferenciais
resgatáveis que são emitidas com prazo determinado de resgate, de modo que – na essência – o
acionista investidor é um mero prestador de capital.9
Do ponto de vista contábil são suscitadas dúvidas acerca da qualificação de negócios
jurídicos desta natureza que podem ser qualificados como: (a) participações, caso em que seriam
registrados em conta de Patrimônio Líquido, ou se (b) devem ser considerados como
exigibilidade, no Passivo.10 A dúvida surge porque a Deliberação CVM nº 604/10, que aprovou o
CPC 39, traz definições acerca de “passivo financeiro” e de “instrumento patrimonial”, que são
as possíveis qualificações para os instrumentos híbridos. Passivo financeiro é qualquer obrigação
de entregar caixa ou outro ativo financeiro e instrumento patrimonial é todo contrato que
evidencie uma participação nos ativos de uma entidade após a dedução de todos os seus passivos.
Essas definições, como se vê, não indicam critérios seguros para que se possa, com razoável
segurança, definir quando haverá de ser aplicada uma figura ou outra especialmente nos casos em
que os instrumentos são emitidos sem prazo de vencimento ou resgate (os títulos perpétuos).
O tratamento tributário da remuneração percebida pelo adquirente de instrumentos híbridos
fica a depender da qualificação do mesmo como título de crédito ou como ação, e, para tanto, é
necessário examinar as cláusulas e condições a que se subordinam os negócios em cada caso. As
diferenças fiscais entre tais figuras são evidentes: assim, os juros percebidos são tributáveis
enquanto os dividendos, não. Sob a perspectiva do emissor dos títulos, os juros pagos podem ser
deduzidos, observados os limites e condições legais, e os dividendos não podem. A qualificação
de um negócio jurídico como instrumento patrimonial não significa a priori que o mesmo
constitui uma participação societária; afinal, no ordenamento jurídico brasileiro, para que haja tal
participação é necessária emissão de ações com base nas rígidas regras e princípios previstos na
legislação societária e que garantem direitos patrimoniais e políticos, e, portanto não é qualquer
forma de participação nos lucros ou no acervo da sociedade emissora dos títulos que pode ser
considerada parcela do capital social.
A Lei nº 12.973/14, resultante da conversão da Medida Provisória nº 627/13, tratou da
matéria em pelo menos dois preceitos.
Em primeiro lugar, há a regra do art. 9º da mencionada Lei que deu nova redação ao art. 9º
da Lei nº 9.249/95, que dispõe sobre o cálculo dos juros sobre o capital próprio. De acordo com
essa nova norma, o valor das ações utilizadas como instrumentos híbridos – ainda que registradas
em conta de Passivo – podem ser consideradas como integrante do capital social para fins de
cálculo dos juros sobre o capital.
Em segundo lugar, foi acrescentado o preceito do § 3º ao enunciado do art. 9º da Lei nº
9.249/95: essa modificação decorre da própria Lei, já que constou do texto da Medida Provisória
no 627/13. De acordo com esse preceito, não é admissível a dedução, para fins de determinação
do IRPJ e da CSLL, dos valores relativos aos lucros ou dividendos pagos ou creditados a
beneficiários de qualquer espécie de ação prevista no art. 15 da Lei nº 6.404/76, ainda que
classificados como despesa financeira na escrituração comercial.
10.6LUCROS IMPACTADOS POR RESULTADOS SUJEITOS AO RTT
Durante o ano de 2011 surgiram diversos rumores acerca da suposta pretensão da Receita
Federal do Brasil de considerar que as parcelas integrantes do lucro líquido alcançadas pela
neutralidade das normas instituidoras do RTT não estariam no abrigo da regra do art. 10 da Lei
nº 9.249/95, que concedeu isenção do imposto devido na fonte pelos sócios ou acionistas quando
da distribuição de lucros. De acordo com o citado preceito, os lucros e dividendos calculados com
base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas
jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido e arbitrado, não estão sujeitos à incidência
do imposto de renda na fonte. A norma concessiva da isenção diz que tais rendimentos também
não devem integrar a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou
jurídica, domiciliada no país ou no exterior.
A justificativa para essa suposta pretensão não é conhecida, mas presume-se que esteja
ancorada na pressuposição de que a regra do art. 10 da Lei nº 9.249/95 deva ser aplicada
exclusivamente sobre os lucros apurados de acordo com a legislação vigente em 31 de dezembro
de 2007. Desse modo, a restrição seria aplicável nos casos em que o lucro contábil é maior do que
aquele apurado de acordo com as antigas regras.
Ocorre que a pretensão das autoridades fiscais é inviável em face do princípio da legalidade,
porquanto, o enunciado normativo é claro ao estatuir que a norma concessiva da isenção tributária
alcance a grandeza contábil formada pelo confronto entre receitas (sentido amplo) e despesas,
custos e perdas de capital. Assim sendo, a norma concessiva da isenção alcança o lucro contábil,
e, portanto, o seu suposto de fato é a distribuição de lucro ou dividendo que é uma categoria do
direito societário.
Para compreensão do sentido e do alcance da norma do art. 10 da Lei nº 9.249/95 é
necessário ter em mente que, em sentido comum, lucro é resultado das operações sociais em
determinado período que é medido de acordo com as regras e os princípios de direito contábil que
dispõem sobre o registro e mensuração de mutações patrimoniais de uma entidade. Trata-se,
portanto, de uma figura de direito societário, já que não se distribuem lucros (ou dividendos, que
são parcelas de lucros) que não tenham sido devidamente apurados com base em peças contábeis
preparadas segundo as normas do direito contábil vigentes. Não é por outra razão que a lei
societária considera ilegítima a distribuição de lucros fictícios ou não apurados em Balanço
regularmente levantado.
Ora, parece claro que suposto de fato da norma do art. 10 da Lei nº 9.249/95 é a existência
de lucros distribuídos que tenham sido apurados de acordo com a lei comercial, já que em
momento algum a regra faz menção a qualquer outro conceito de lucro apurado dessa ou daquela
forma. A isenção, no caso, tem como destinatário final o sócio ou acionista que recebe os lucros
e dividendos, e, desse modo, não diz respeito à apuração de tributos corporativos.
As regras que criaram o RTT, por outro lado, visam estabelecer um diferimento (um
adiamento) da dedução de certas despesas e custos e a tributação de determinadas receitas (sentido
amplo); a neutralidade, portanto, é apenas temporal, de modo que num determinado momento o
efeito da comparação entres os critérios contábeis e antigos será igual a zero. Essas parcelas
integrantes do resultado do período, e, por conseguinte, do lucro contábil, que estão ao abrigo das
regras instituidoras da neutralidade tributária, ostentam o mesmo caráter das parcelas não
abrangidas pelas referidas normas de caráter neutralizante, a menos que a própria lei dispusesse
em sentido contrário. Com efeito, a norma concessiva da isenção incide onde houver lucro que
tenha sido distribuído de acordo com as regras aplicáveis à apuração e à própria distribuição do
mesmo, e qualquer limitação do seu campo material de incidência deveria ser feita por lei e não
por via de interpretação das autoridades fiscais. A regra é clara e, para que venha a incidir, não
importa a repercussão tributária das parcelas que integram o lucro de modo que as parcelas não
dedutíveis fiscalmente reduzem o lucro contábil, assim como eventuais receitas e ganhos de
capitais não tributáveis acrescem-no. A lei escolheu o lucro contábil e só ela poderia fazer outra
escolha ou abandonar essa grandeza para fins de concessão da isenção e somente ela poderia
suprimir, total ou parcialmente, a isenção.
Em maio de 2013 foi editada a Instrução Normativa 1.397, que nos arts. 27 a 29 instituía a
cobrança do imposto de renda na fonte sobre as parcelas dos lucros e dividendos distribuídos que
ultrapassassem o valor apurado com base na legislação vigente em 31 de dezembro de 2007. A
legalidade da referida Instrução foi vigorosamente contestada pelas razões já expostas.
Em boa hora o art. 72 da Lei nº 12.973/14 pôs termo às discussões ao prescrever que os
lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados entre 1º de janeiro de 2008 e
31 de dezembro de 2013 pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou
arbitrado, em valores superiores aos apurados com observância dos métodos e critérios contábeis
vigentes em 31 de dezembro de 2007, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na
fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda e da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido do beneficiário, pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliado no País ou no
exterior. A lei, portanto, revogou a malsinada Instrução Normativa nº 1.397/13 na parte em que
dispunha sobre essa matéria; essa revogação, na verdade, corresponde a uma declaração de
ilegalidade da interpretação veiculada pelas autoridades fiscais com efeitos ex tunc, isto é, essas
normas foram declaradas ilegais desde a origem.
Antes do advento do art. 72 da Lei nº 12.973/14, a Medida Provisória estabeleceu que a
norma que concedia isenção seria aplicável às parcelas dos lucros derivadas de receitas e despesas
sujeitas ao RTT entre 2008 e 2013, desde que o contribuinte optasse por adotar as novas regras
em 2014. A lei, todavia, não encampou essa norma constante da Medida Provisória e deixou claro
(no art. 72) que a norma concessiva da isenção alcançava também as parcelas dos lucros derivadas
de resultados sujeitos às normas do RTT naquele mesmo período. Enfim, ficou claro que em
momento algum a isenção deixou de ser aplicável aos lucros e dividendos que tivessem sido
regularmente apurados com base na legislação comercial; portanto, a norma do art. 10 da Lei nº
9.249/95 vigeu e vige sem solução de continuidade, e, por conseguinte, em nenhum momento as
parcelas dos lucros advindos de resultados sujeitos às regras do RTT estiveram fora do campo de
incidência da norma que instituiu a isenção.
A regra do art. 72 da Lei nº 12.973/14, além de revogar a Instrução Normativa nº 1.397/13,
produz consequências para as autoridades fiscais e judiciais e para os contribuintes. Ela torna
ineficazes os autos de infração porventura lavrados e todas as soluções de consulta que foram
emitidas para justificar a interpretação das autoridades fiscais de que a norma do art. 10 da Lei nº
9.249/95, alcançava uma grandeza distinta do lucro contábil. De igual modo, interfere no curso
das lides judiciais sobre a matéria, e, dado o seu caráter retroativo – que deriva da função
interpretativa que desempenha – faz com que ocorra perda de objeto das ações porventura
ajuizadas pelos contribuintes ou pela União. Para os contribuintes, o efeito retroativo da norma
abre a possibilidade de repetição de eventuais valores recolhidos a maior.
A IN 1.492, de 17 de setembro de 2014, reavivou a polêmica exigência fiscal com base no
art. 72 da Lei nº 12.973/14, que, de acordo com a ótica fiscal, teria regulado a matéria apenas em
relação aos lucros apurados entre 2008 e 2013.
Até mesmo um neófito na arte de interpretar leis sabe que a IN 1.492 não se harmoniza com
o art. 10 da Lei nº 9.249/95. Sem disposição em sentido contrário parece claro que a norma
tributária incide sobre as parcelas que sejam qualificadas como lucros ou dividendos de acordo
com as regras e princípios do direito societário. A norma concessiva da isenção incide onde
houver lucro que tenha sido distribuído de acordo com as regras aplicáveis à apuração e à própria
distribuição do mesmo; por isso, qualquer limitação do seu campo material de incidência deveria
ser feita por lei e não por via de interpretação das autoridades fiscais. A lei escolheu o lucro
contábil e só ela poderia fazer outra escolha ou abandonar essa grandeza para fins de concessão
da isenção e, por conseguinte, somente ela poderia suprimir, total ou parcialmente, a isenção. O
intérprete, qualquer que seja a sua condição, não pode desprezar a lei e eleger outra grandeza sem
afrontar o mandamento do art. 111 do Código Tributário Nacional. Logo, me parece claro que as
normas da IN 1.492 vulneram, concomitantemente, três leis: a Lei nº 9.249/95, a Lei nº 12.973/14
e o CTN.
Os contribuintes que não optaram pela adoção, em 2014, das normas da Lei nº 12.973,
adiaram a vigência das normas do RTT e, por isso, devem cumprir as regras da IN 1.492. Esses
contribuintes podem se acautelar contra essa espúria exigência deixando de distribuir o “excesso”
quando isto for possível, ou, ainda, podem vir a ajuizar medida judicial que considerar cabível.
Quem estiver na contingência de ter de distribuir a parcela excedente deverá fazer a retenção na
fonte e os beneficiários domiciliados no país deverão submeter à tributação os valores recebidos
a título de rendimentos ou receitas.
As normas não são claras a respeito do cálculo do tributo a ser retido em cada caso.
Tomemos o exemplo da Companhia Alfa que apurou lucro líquido de 100, sendo que uma parte
– 30 – decorre de receita não tributável em razão da aplicação – em 2014 – das normas do RTT.
Neste caso surge a seguinte dúvida: pode o contribuinte isolar a parcela isenta – correspondente
a 70 – e distribuí-la sem incidência de imposto na fonte ou deve adotar a regra da
proporcionalidade? Explico: do lucro total, 70% corresponde à parcela isenta; assim, há dúvida
se o contribuinte, ao distribuir o valor integral dessa parcela (70), deve ou não considerar que
apenas 70% da mesma (que, no caso, corresponde a 49), goza de isenção ou não. Enfim, se a regra
da proporção tiver de ser aplicada, haveria tributação sobre 21 (70 menos 49).
Em princípio, parece razoável supor que a cifra denominada “lucro líquido” é a
representação de uma grandeza formada por diversos fatos que não podem ser decompostos ou
isolados. Logo, à primeira vista, a separação entre parcela tributável e isenta só pode ser obtida
por meio de relação percentual, e, por isso, não seria possível “carimbar” parcelas que são, por
natureza, indecomponíveis. No caso, todavia, há uma diferença que não pode ser ignorada ou
desmerecida: afinal, as normas do RTT exigem a separação, e, por isso, o “carimbo” não decorre
da vontade do intérprete, mas da vontade da própria lei. Por isso, estou convicto do desacerto do
cálculo proporcional da forma acima evidenciada – ou, para ser mais claro – considero que o
contribuinte do exemplo pode distribuir 70 sem tributação. Tenho recomendado que, em tais
casos, o ato societário faça expressa menção a essa circunstância, ou seja, que diga claramente
que a distribuição não contempla a parcela de receita sujeita às normas do RTT.
Há ainda outra questão em aberto. Vamos supor que no exemplo acima – da Companhia
Alfa – a parcela de 30 corresponda a uma receita que será tributada em 2015, ou seja, será
computada para fins de determinação do lucro corporativo em virtude da realização econômica
em 2015. A parcela de 30, se não distribuída antes da tributação por via do IRPJ e CSLL – em
minha opinião – fica livre para distribuição sem imposto na fonte depois de 2015. Enfim,
considero que as normas da IN 1.492 visam a manter a neutralidade fiscal e esse propósito deixa
de existir quando as receitas são tributadas pelo IRPJ e CSLL. Aplico, neste raciocínio, a figura
da “redução teleológica” do campo normativo da regra para atender às finalidades da mesma.
1Para Fábio Konder Comparato (Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. São Paulo:
Saraiva, 1981, p. 151): “O dividendo, como a própria forma gerundiva indica, é o lucro que
deve ser dividido, isto é, repartido entre os acionistas”.
2As questões jurídicas em torno da distribuição de lucros são tratadas, também, no Capítulo 30,
item 30.3.3.
3MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas . Rio de Janeiro: Forense,
1978. v. 2. t. II, p. 665.
4WALD, Arnoldo. Da licitude do pagamento de dividendo complementar em ações de outra
companhia. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 51. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1983, p. 23.
5PEDRAZZI, Cesare; DA COSTA JUNIOR, José Paulo. Direito penal das sociedades
anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 144-150.
6Vide Capítulo 26, sobre o pagamento de juros sobre o capital, e o Capítulo 16, sobre
participação nos lucros.
7VIVANTE, Cesare. Tratado de derecho mercantil. Madri: Réus, 1932. v. 2, p. 335; e LEÃES,
Luiz Gastão Paes de Barros. Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1989. p. 173.
8MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1956. v. 3, p. 44.
9GUINÉ, Orlando Vogler. O financiamento de sociedades por meio de valores mobiliários
híbridos (entre ações e obrigações). I congresso de direito das sociedades em revista. Coimbra:
Almedina, 2011, p. 75; MOSQUERA, Roberto Quiroga; PICONEZ, Matheus Bertholo.
Tratamento tributário dos instrumentos financeiros híbridos. Controvérsias jurídico-contábeis
(aproximações e distanciamentos). v. 2. Coordenação: Roberto Quiroga Mosquera e
Alexsandro Broedel Lopes. São Paulo: Dialética, 2011, p. 233.
10Vide, a propósito, a decisão da CVM proferida no julgamento do Processo RJ 2011/3.316 e
no Processo RJ 2010/1.058.
11.1CONCEITO E NORMAS GERAIS
O atual RIR contém diversas regras sobre omissão de receitas e as consequências desse
comportamento evasivo. Uma análise semântica dos termos desses preceptivos legais permite
inferir que eles hospedam regras de três espécies. Nos arts. 281, 283 e 287, encontramos regras
sobre as hipóteses de presunção de omissão de receitas, ao passo que os arts. 282, 284, 285 e 286
dispõem sobre os critérios de determinação do valor da eventual receita omitida. Por fim, há o art.
288, que prescreve que o cálculo do Imposto de Renda devido deverá levar em conta o regime de
tributação (lucro real, presumido ou arbitrado) a que estiver sujeita a pessoa jurídica.
Omitir receita é deixar de computar acréscimos tributáveis no resultado do período, ou seja,
é omitir-se em contabilizar receita ganha, isto é, obtida de modo definitivo e incondicional. A
omissão pode decorrer de comportamento intencional ou não: assim, o sujeito passivo pode agir
com dolo ou com simples erro, e os meios de prova fornecerão, em cada caso, os indícios de ter
ou não havido intenção de subtrair receitas da tributação. Omissão não intencional é aquela que
decorre de erro na aplicação das normas ou da qualificação dos fatos, e, em geral, produz mera
postergação da tributação. Por outro lado, a omissão dolosa pode vir a caracterizar crime contra
a ordem tributária e sujeitar o contribuinte faltoso à inflição de penalidade qualificada. A Súmula
CARF nº 14 é clara ao dispor que: “a simples apuração de omissão de receita ou de rendimentos,
por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício, sendo necessária a comprovação do
evidente intuito de fraude do sujeito passivo”. Igual preceito é encontrado na Súmula Vinculante
do CARF nº 25. Claro está, portanto, que a constatação de omissão de receitas não constitui, por
si só, espécie de sonegação fiscal a menos que os fatos revelem, acima de qualquer dúvida
razoável, que a conduta foi deliberada, ou seja, dolosa.
11.2PASSIVO FICTÍCIO
Na forma do disposto no art. 281 do RIR/99, estará caracterizada a omissão no registro de
receita, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção, se for configurada a
manutenção, no Passivo, de obrigações já pagas ou cuja exigibilidade não seja comprovada.
O denominado “passivo fictício” é formado por valores constantes do Balanço que não estão
apoiados em documentos fiscais que comprovem a aquisição de bens e direitos ou uso, venda ou
emprego nas atividades da empresa. Assim, há passivo fictício quando os registros contábeis
mentem a respeito da equação patrimonial e a mentira é ato final da dissimulação de fatos
tributáveis, que pode surgir de modo voluntário ou não. Simples erros de registro não dão lugar à
presunção de omissão de receitas, e o fisco não pode simplesmente fundamentar autuação com
base na renúncia da validade de documentos apresentados; incumbe-lhe a obrigação de
aprofundar os exames e demonstrar, com outros elementos seguros, que receitas foram
ilegitimamente retiradas do crivo da tributação.
Para incidência da norma, é indispensável que: (a) o contribuinte mantenha registrado, no
passivo, obrigação já paga ou cuja exigibilidade não seja devidamente demonstrada; e (b) o
contribuinte não logre demonstrar a ocorrência de erro capaz de infirmar a presunção de omissão
de receitas. A norma é aplicável sobre os passivos que estiverem refletidos no Balanço do período
que for objeto da fiscalização; isso significa dizer que o contribuinte não pode alegar, em seu
favor, a ocorrência de decadência do direito de lançar com a apresentação de provas de que a
origem do passivo fictício é anterior; por outro lado, a fiscalização não pode exigir tributo em
diversos períodos com numa mesma presunção de omissão de receitas. Nesse sentido, parece
correta decisão proferida pelo CARF no acórdão nº 1201-001.801, de 22 de junho de 2017, que
tem a seguinte ementa: “O passivo fictício é infração continuada. Não cabe afastar a autuação em
razão da possibilidade de a obrigação não comprovada já ter sido fictícia em exercício anterior ou
exercício fiscalizado. Todavia, um mesmo passivo fictício não legitima diversas autuações por
persistir na escrita por mais de um período de apuração, pois seria tributar duas vezes uma única
omissão de receitas”.
11.3SALDO CREDOR DE CAIXA
O caput do art. 281 do RIR/99 declara estar caracterizada omissão de receita, ressalvada ao
contribuinte a prova da improcedência da presunção, se a escrituração indicar saldo credor de
caixa. Se o sujeito passivo apresenta saldo credor de caixa, isto pode significar que: (a) há um
erro contábil que deve ser sanado com a adequada investigação; ou (b) receitas foram omitidas
porque ocorreram pagamentos em volume superior ao da capacidade da empresa espelhada nos
registros contábeis. A constatação de saldo credor de caixa (que pode, eventualmente, vir a ser
mascarado pelo uso de outras contas contábeis) não autoriza a imediata lavratura de auto de
infração; o contribuinte deve ser intimado no curso do processo de fiscalização para, querendo,
apresente prova da eventual improcedência da presunção de omissão. A escrituração contábil faz
prova a favor do contribuinte no pressuposto de que todos os fatos tenham sido considerados no
período; assim, há inversão do dever de prova que não ofende a direitos e garantias individuais
na medida em que o contribuinte é obrigado a documentar e provar os lançamentos contábeis.
Quando do julgamento do Recurso nº 132.125 (acórdão nº 103-21.404), ocorrido em 16 de
outubro de 2003, o Conselho de Contribuintes decidiu que:
“Os cheques emitidos pela contribuinte, compensados por instituição bancária,
lançados a débito da conta ‘Caixa’ como recurso, deverão ter seu correspondente
registro a crédito desta conta, pela saída de caixa para o pagamento do gasto, para
que se opere a neutralidade da sistemática contábil adotada, vulgarmente chamada
de lançamento cruzado na conta ‘Caixa’ Não comprovando a empresa o registro
desta saída, é legítima a recomposição do saldo da conta ‘Caixa’, com a exclusão
dos valores indevidamente registrados como ingressos. A consequente apuração de
saldo credor evidencia a prática de omissão de receitas.”
Neste caso, o contribuinte utilizava o sistema de registro conhecido como “caixa flutuante”
segundo o qual passam pela conta “Caixa” todas saídas e entradas de recursos, mesmo aquelas
que se realizam no sistema bancário. Em outra ocasião, o mesmo Conselho de Contribuintes
decidiu (Recurso nº 131.212 e acórdão 107-07.026, de 10 de março de 2003) que os cheques
emitidos e alocados a débito da conta caixa e posteriormente compensados sem destinação
comprovada, porém como se naquela conta ativa lá permanecessem, “deixam à mostra pelo menos
três claros objetivos: a) um véu tênue acobertador do saldo credor de caixa por omissão de receita
pretérita; b) ingresso, não contabilizado, de recursos omitidos advenientes do caixa marginal com
o objetivo de adimplir obrigações inadiáveis contraídas; e c) devolução desses mesmos recursos,
sob a forma de cheques compensados, como devolução ou ressarcimento ao caixa não escriturado
– dos respectivos numerários anteriormente utilizados”.
11.4FALTA DE ESCRITURAÇÃO DE PAGAMENTOS EFETUADOS
Prescreve o caput do art. 281 do RIR/99 que estará caracterizada omissão de receita,
ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção, se for identificada a falta de
escrituração de pagamentos efetuados. Presume-se que, a exemplo do que ocorre com a hipótese
de omissão baseada em saldo credor de caixa, a empresa omite receitas se gasta valor superior ao
que a contabilidade registra. A simples alegação de pagamentos feitos por terceiros, por conta e
ordem da pessoa jurídica, só poderá servir de prova com razoável poder de convencimento se
forem provadas a contabilização e a posterior liquidação da obrigação assumida pelo sujeito
passivo.
A falta de escrituração de pagamento de qualquer espécie é, tão somente, um indício de que
ocorreu omissão de receita. Ao fisco cabe provar a efetiva ocorrência do fato gerador e ao sujeito
passivo provar o que alega em sua defesa.
11.5SUPRIMENTOS DE CAIXA
O art. 282 do RIR/99 estabelece que, uma vez provada a omissão de receita, por indícios na
escrituração do contribuinte ou qualquer outro elemento de prova, a autoridade tributária poderá
arbitrá-la com base no valor dos recursos de caixa fornecidos à empresa por administradores,
sócios da sociedade não anônima, titular da empresa individual, ou pelo acionista controlador da
companhia, se a efetividade da entrega e a origem dos recursos não forem provadas
adequadamente. O preceito normativo, cuja matriz legal é o inciso II do art. 1º do Decreto-lei nº
1.648/78, não erige a entrega de recursos de caixa à empresa como hipótese de omissão de
receitas; diz que certos valores podem servir de base para cálculo da omissão, que, diz o texto
legal, já haverá de estar provada.
De fato, o texto normativo não elege os suprimentos como hipótese de omissão de receitas.
Em primeiro lugar, porque essa situação não consta do elenco das previstas no art. 281 e, em
segundo lugar, o texto diz claramente que “provada a omissão” é que se adotará o valor dos
recursos entregues como base para determinação do valor das receitas desviadas da tributação. O
preceito normativo estabelece critério de arbitramento do valor da receita que antes foi, mediante
prova irrefutável, omitido. Portanto, o que a regra do art. 282 enuncia é que o cálculo do valor
omitido não pode ser feito diretamente, isto é, os chamados suprimentos de caixa não são, em si,
aptos a servir de suporte à configuração da omissão de receita; logo, parece claro que, uma vez
provada a omissão, caberia o arbitramento com base nos suprimentos de caixa feitos à empresa.
Na prática, a aplicação do preceito tem dado suporte a atuações fiscais onde a simples
existência dos recursos supridos é suficiente para caracterizar a omissão de receitas. Inverte-se o
mandamento, de modo que a base de cálculo passa a constituir o fato gerador. A CSRF do
Conselho de Contribuintes decidiu, no Acórdão CSRF/01-797/88, que “a não comprovação da
origem e efetiva entrega à empresa dos recursos aplicados em integralização de capital autoriza
presumir que eles sejam originários de receitas omitidas”. Em inúmeras outras decisões, o mesmo
princípio tem sido adotado. Basta que o sujeito passivo não comprove a origem dos recursos para
que autos de infração sejam lavrados; foi o que ocorreu, por exemplo, no julgamento, pelo CARF,
do recurso que deu origem ao acórdão nº 1401-001.878, de 24 de maio de 2017. A Turma decidiu
que: “A legislação fiscal considera como omissão de receitas os suprimentos de caixa, quando
não for comprovada a origem nem a efetiva entrega dos recursos. Em se tratando de suprimentos
de numerário, as provas a serem produzidas devem atestar cumulativamente dois fatos, quais
sejam: a efetiva entrega e a origem dos respectivos recursos. Além disso, tais provas devem ser
coincidentes em datas e valores com os dados lançados nos registros contábeis e lastreadas em
documentos hábeis e idôneos emitidos por terceiros”.
Para fins de aplicação da norma, suprimento é qualquer forma de ingresso de caixa ou
equivalente a caixa, ou, ainda, outros bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. Se o suprimento
for feito por intermédio de depósito bancário, a eventual autuação pode ser também justificada
com base na regra do art. 287 do RIR/99. Todavia, a fiscalização não pode exigir tributo mais de
uma vez sobre os mesmos fatos
11.6FALTA DE EMISSÃO DE DOCUMENTO FISCAL E
SUBFATURAMENTO
Vejamos agora o sentido da regra do art. 283 do RIR/99. Segundo ela, caracteriza omissão
de receita ou de rendimentos, inclusive ganhos de capital, a falta de emissão de nota fiscal, recibo
ou documento equivalente, no momento da efetivação das operações de venda de mercadorias,
prestação de serviços, operações de alienação de bens móveis, locação de bens móveis e imóveis
ou quaisquer outras transações realizadas com bens ou serviços, bem como a sua emissão com
valor inferior ao da operação.
A falta de emissão de documento fiscal, em si, não será suficiente para demonstrar a
ocorrência de omissão de receitas se o contribuinte comprovar que os valores foram recebidos e
que a venda está registrada. Trata-se de hipótese de difícil, mas não de impossível, ocorrência.
No que tange à situação de ocorrência de omissão de receitas em razão de subfaturamento,
a jurisprudência do Conselho de Contribuintes registra um interessante caso.
O precedente, que é da Câmara Superior de Recursos Fiscais (Acórdão CSRF nº 01-01.226),
envolveu uma indústria que foi autuada sob a acusação de ter deixado de recolher Imposto de
Renda sobre receitas de vendas feitas a uma sociedade controlada em virtude da adoção, para as
operações, de preços menores que os normalmente praticados nas relações com terceiros. A
autuação por omissão de receitas foi motivada pelo fato de que a controlada, como empresa rural,
estava sujeita, na época, à alíquota especial de 6% (seis por cento); assim, as autoridades fiscais
consideraram que teria ocorrido desvio de receita que seria tributável de acordo com a alíquota
normal para uma empresa sujeita a uma tributação menor. O Tribunal acolheu integralmente as
razões do recurso manejado pela autuada, porquanto a diferença de preços era plenamente
justificável em face de causas industriais e comerciais ligadas aos custos atinentes a embalagem,
frete, volume etc.
Eventuais diferenças de estoques podem denunciar a ocorrência de omissão de receitas.
Assim, havendo divergências entre as quantidades constantes dos registros contábeis e relatório
da contagem física, faz-se necessária, após as investigações cabíveis, a contabilização desse fato.
11.7DEPÓSITOS BANCÁRIOS
Na forma do art. 287 do RIR/99, caracterizam-se também como omissão de receita os
valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira,
em relação aos quais o titular, pessoa jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante
documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações. Na abalizada
doutrina do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello,1 os lançamentos bancários, não são, em si e
por si mesmos, sinais exteriores de riqueza. Podem ser, apenas, indícios de riqueza, cabendo às
autoridades fiscais apurar se há, efetivamente, por detrás deles, a riqueza suspeitada. Por isso, a
eventual autuação só poderá ser levada a cabo se for dada ao contribuinte a oportunidade de provar
a origem dos recursos.
O valor das receitas ou dos rendimentos omitido será considerado auferido ou recebido no
mês do crédito efetuado pela instituição financeira. Os valores cuja origem houver sido
comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo do imposto a que estiverem
sujeitos, submeter-se-ão às normas específicas, previstas na legislação vigente à época em que
auferidos ou recebidos. Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão
analisados individualmente, mas não serão considerados os decorrentes de transferência de outras
contas da própria pessoa jurídica.
Após 1º de janeiro de 2003, por força do advento do art. 58 da Lei nº 10.637/02, apli-cam-
se novas regras posto que aquela lei acrescentou dois novos parágrafos ao texto do art. 42 da Lei
nº 9.430/96 (a matriz legal do art. 287 do RIR/99) para dispor que: (a) quando provado que os
valores creditados na conta de depósito ou de investimento pertencem a terceiro, evidenciando
interposição de pessoa, a determinação dos rendimentos ou receitas será efetuada em relação ao
terceiro, na condição de efetivo titular da conta de depósito ou de investimento; e (b) na hipótese
de contas de depósito ou de investimento mantidas em conjunto, cuja declaração de rendimentos
ou de informações dos titulares tenha sido apresentada em separado, e não havendo comprovação
da origem dos recursos naqueles termos, o valor dos rendimentos ou receitas será imputado a cada
titular mediante divisão entre o total dos rendimentos ou receitas pela quantidade de titulares. A
ocorrência de depósitos bancários sem a devida comprovação da origem dos mesmos pode ser
tida como uma hipótese de presunção de omissão de receitas com inversão do dever de prova, de
modo a justificar a tributação se o sujeito passivo não a desconstitui. Todavia, a investigação
acerca da natureza da receita é exigível em qualquer caso, mormente se o sujeito passivo está
sujeito à tributação com base no lucro presumido ou arbitrado em que a qualificação da receita
faz diferença em relação ao quantum do tributo devido em cada caso. Por fim cabe referir que, de
acordo com o enunciado da Súmula CARF nº 30: “na tributação da omissão de rendimentos ou
receitas caracterizada por depósitos bancários com origem não comprovada, os depósitos de um
mês não servem para comprovar a origem de depósitos havidos em meses subsequentes”.
11.8PROVA
As hipóteses legais de omissão de receitas requerem, na prática, dois tipos de prova. A
primeira espécie de prova deve ser produzida pela fiscalização, que tem o dever de demonstrar a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. As autoridades devem apurar o quantum e a
natureza da receita eventualmente omitida; não basta a consideração mecânica das hipóteses
legais, é imprescindível que o lançamento tributário seja pautado pela certeza da ação contrária à
lei. Ao contribuinte cabe provar os fatos que apresenta em sua defesa, de acordo com a lei e com
o Direito.
Por essas razões, é necessário bastante cuidado ao aplicar essas regras, pois os fatos com as
características dos mencionados nas referidas normas podem indicar a existência de meros
indícios de omissão de receitas que, por vezes, são elididos de simples erro e de deficiências do
sistema de informação contábil. As regras vigentes atribuem ao contribuinte o dever de dar as
explicações devidas e apresentar a documentação de suporte das informações contidas nas
demonstrações financeiras. O art. 42 da Lei nº 9.430/96 estabelece uma espécie de regra geral a
ser seguida pela fiscalização que fica obrigada a notificar o contribuinte para apresentação
documentos hábeis e idôneos. Se autoridade fiscal não cumprir o dever de intimar, se torna
obrigada a provar a omissão.
Em qualquer caso, se houver imputação de penalidade agravada por fraude ou sonegação,
os fatos ilícitos caracterizadores devem ser explicitados pela autoridade fiscal no auto de infração
já que em matéria de penalidades não cabe a simples inversão do ônus da prova. A produção da
prova incumbe a quem acusa, o que lhe impõe o dever de indicar elementos seguros sobre a falta
ocorrida e os elementos que servem de suporte à ocorrência dolosa de sonegação, fraude ou
conluio. Então, em tais circunstâncias, a autoridade fiscal tem o duplo dever de provar a
ocorrência do fato gerador e de provar a fraude ou sonegação.
11.8.1Prova emprestada
O simples empréstimo de prova, ou seja, o mero aproveitamento de trabalho alheio, sem
aprofundamento sobre os elementos de prova da efetiva ocorrência do fato gerador, não tem
prosperado. De fato, a CSRF tem decidido, reiteradas vezes, que “a utilização pura e simples da
autuação estadual não deve servir de exigência de crédito tributário relativo ao imposto de renda
se não vem complementada por outros exames e averiguações próprias do tributo federal”
(Acórdão CSRF/01.1.395/92).
11.8.2Informação prestada por terceiro
Nas fiscalizações, é comum realizar-se o cruzamento de informações obtidas do sujeito
passivo com outras produzidas por terceiros. O uso de tais informações pode ser problemático se
o sujeito passivo não tem condições de aquilatar a validade das mesmas porque não tem acesso
às informações ou porque não tem poderes para solicitar explicações que podem ser úteis à sua
defesa. Assim, é possível que o devido processo legal seja aniquilado em certas circunstâncias.
Assim, o sujeito passivo não pode sofrer as consequências de atos sobre os quais não tem
responsabilidade legal ou contratual de zelar, seja porque deles não participou, seja porque a eles
não tem acesso; em outras palavras, informações prestadas por terceiros só poderiam ser utilizadas
contra o sujeito passivo se a ele forem dadas condições materiais de refutá-las debaixo do
contraditório e da ampla defesa.
11.9CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO
Os arts. 284 e 285 do RIR elegem dois critérios de apuração do valor das receitas omitidas.
De acordo com o art. 284 do RIR/99, verificada por indícios a omissão de receita, a autoridade
tributária poderá, para efeito de determinação da base de cálculo sujeita à incidência do imposto,
arbitrar a receita do contribuinte, tomando por base as receitas, apuradas em procedimento fiscal,
correspondentes ao movimento diário das vendas, da prestação de serviços e de quaisquer outras
operações.
Para efeito de arbitramento, serão identificados pela autoridade tributária os valores efetivos
das receitas auferidas pelo contribuinte em três dias alternados desse mesmo mês,
necessariamente representativos das variações de funcionamento do estabelecimento ou da
atividade. A renda mensal arbitrada corresponderá à multiplicação do valor correspondente à
média das receitas apuradas nos três dias alternados, pelo número de dias de funcionamento do
estabelecimento naquele mês. Esse critério poderá ser aplicado a, pelo menos, três meses do
mesmo ano-calendário. A receita média mensal das vendas, da prestação de serviços e de outras
operações correspondentes aos meses arbitrados será considerada suficientemente representativa
das receitas auferidas pelo contribuinte naquele estabelecimento, podendo ser utilizada, para
efeitos fiscais, por até doze meses contados a partir do último mês em que foram tomadas as
vendas diárias para efeito de cálculo da média referida.
A diferença positiva entre a receita arbitrada e a escriturada no mês será considerada na
determinação da base de cálculo do imposto. A autoridade tributária poderá utilizar, para efeito
de determinar o arbitramento, outros métodos de determinação da receita quando constatado
qualquer artifício utilizado pelo contribuinte visando frustrar a apuração da receita efetiva do seu
estabelecimento.
Como se vê, as disposições do art. 284 do RIR/99, que tem como matriz legal a Lei nº
8.846/94, tratam de forma de arbitramento da receita omitida, o que pressupõe a comprovação da
omissão. A lei autoriza que o arbitramento seja feito com base em médias diárias e médias
mensais, mas diz que para compor essas médias devem ser tomados os valores das receitas
efetivas, o que parece paradoxal porque, se é identificado valor real, desnecessário seria o cálculo
a partir de médias, pois bastava o cálculo com base em quantidades. Esse é um mandamento legal
que visa facilitar o trabalho da fiscalização.
Já o art. 285 do RIR/99, que deve ser interpretado em conjunto com o art. 284, prevê que o
sistema de arbitramento com base em médias pode ser abandonado, sendo facultado à autoridade
tributária utilizar outros métodos de determinação do valor arbitrado. Essa cláusula legal é
inconstitucional porque deixa à mercê do aplicador da lei, vale dizer, da administração tributária,
o poder de determinar a base de cálculo do imposto. Há, pois, flagrante ofensa ao princípio
constitucional da legalidade tributária.
Em face do disposto no art. 286 do RIR/99, a omissão de receita poderá, também, ser
determinada a partir de levantamento por espécie de quantidade de matérias-primas e produtos
intermediários utilizados no processo produtivo da pessoa jurídica. Nessa hipótese, apurar-se-á a
diferença, positiva ou negativa, entre a soma das quantidades de produtos em estoque no início
do período com a quantidade de produtos fabricados com as matérias-primas e produtos
intermediários utilizados e a soma das quantidades de produtos cuja venda houver sido registrada
na escrituração contábil da empresa com as quantidades em estoque, no final do período de
apuração, constantes do Livro de Inventário.
Em tais casos, o valor da receita omitida será aquele que resultar da multiplicação das
diferenças de quantidades de produtos ou de matérias-primas e de produtos intermediários pelos
respectivos preços médios de venda ou de compra, conforme o caso, em cada período de apuração
abrangido pelo levantamento. Esse mesmo critério pode ser aplicado às empresas comerciais,
relativamente às mercadorias adquiridas para revenda.
Portanto, as regras do art. 286 do RIR/99 indicam outro possível critério de determinação
do valor da receita omitida, aplicáveis às empresas industriais e comerciais. Aqui, uma vez mais,
a lei autoriza a adoção de médias para apuração do valor das receitas omitidas.
11.10CUSTOS E DESPESAS
Para as pessoas tributadas com base no lucro real, todas as regras constantes do RIR/99, que
dispõem sobre as hipóteses e sobre as consequências da omissão de receitas, nos parecem
inconstitucionais, na medida em que não contêm regras sobre o estabelecimento dos custos
correspondentes. De fato, no regime de apuração com base no lucro real, o acréscimo patrimonial
disponível e tributável é sempre um valor líquido entre o montante das receitas e dos valores
pagos ou empenhados para produzi-las.
Portanto, o valor da receita omitida não pode ser, só ele, base de cálculo do Imposto de
Renda, pois, sem que sejam considerados os custos, o imposto passa a incidir sobre o total do
rendimento e não sobre a renda, no sentido de acréscimo patrimonial. Neste sentido decidiu a 3ª
Câmara do 1º Conselho de Contribuintes que “acrescenta-se ao lucro real o valor das vendas
realizadas e não escrituradas, sem se cogitar dos custos e despesas correspondentes, a não ser que
a pessoa jurídica faça prova inconteste da existência e do valor das quantias a serem deduzidas”.2
Logo, se for possível comprovar o valor dos custos e despesas relacionados com a obtenção
das receitas omitidas, não há como aceitar que esses valores não sejam levados em consideração.
Diante da falta de critérios legais de apuração dos valores, é de se considerar aqueles mesmos que
estão à disposição do Fisco.
11.11REGIME DE TRIBUTAÇÃO
Como regra geral, cabe às autoridades fiscais provar a omissão de receita, atividade que
decorre de seu poder institucional, previsto no art. 142 do CTN, de efetuar o lançamento, o que
inclui determinar a matéria tributária. Verificada a omissão de receita, a autoridade determinará
o valor do imposto e do adicional a serem lançados de acordo com o regime de tributação a que
estiver submetida a pessoa jurídica no período de apuração a que corresponder a omissão.
Conforme decidiu a 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes,3 se o contribuinte tem o seu
lucro arbitrado em virtude da imprestabilidade de sua escrituração contábil, descabe adjudicar à
base de cálculo dos lucros arbitrados, de receitas omitidas, em face da constatação de suprimentos
de caixa não comprovados detectados em escrituração considerada imprestável, porque, nesse
caso, a presunção legal é típica de lucro real.
Por outro lado, não cabe a aplicação das regras sobre omissão de receitas se o quadro fático
indica a existência de problemas e dúvidas sobre a validade e bondade da escrituração contábil.
Por tal razão, quando do julgamento do Recurso nº 128.962, em 22 de agosto de 2002, a 8ª Câmara
do 1º Conselho de Contribuintes decidiu ser incabível a tributação pelo lucro real quando a
autoridade fiscal procede à glosa da quase totalidade das despesas operacionais lançadas, bem
como considera como passivo fictício o saldo da conta “Fornecedores” nos períodos fiscalizados,
em razão da não apresentação dos documentos comprobatórios reiteradamente solicitados, sob a
alegação da ocorrência de incêndio no estabelecimento da empresa. Nesse caso, deve o Fisco
arbitrar o lucro da pessoa jurídica, pois a tributação pelo lucro real pressupõe escrituração regular,
assim entendida aquela que tem seus lançamentos lastreados por documentos hábeis e idôneos,
registrados em livros comerciais e fiscais.
1MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imposto de renda: depósitos bancários. Revista de
Direito Tributário nº 23/24, p. 91, 1983.
2Acórdão nº 103-19.994, com ementa publicada no DOU, I, de 31.8.99, p. 2.
3Acórdão nº 103-19.887, com ementa publicada no DOU, I, de 31.8.99, p. 2.
12.1REVERSÃO DE PROVISÕES
O resultado de uma empresa contribuinte do Imposto de Renda pode vir a ser afetado
positivamente por eventuais estornos de provisões. As provisões contábeis são débitos ao
resultado do período que representam valores relativos a estimativas de perdas futuras do valor
econômico de direitos e de bens do ativo para os quais não existem outros mecanismos de
mensuração (como a depreciação de bens, por exemplo), ou podem ser constituídas para fazer
refletir estimativas de gastos. Desaparecendo o motivo determinante da provisão constituída, ela
deverá ser estornada, e, nesse momento, afeta o resultado do período como valor positivo, sem
que, no entanto, ocorra ingresso de recurso novo. Nesse caso, há que se investigar qual foi o
tratamento fiscal dado ao valor da contrapartida da provisão no momento em que ela foi
constituída. Assim, se estivermos diante de provisão cuja contrapartida fora considerada não
dedutível na determinação do lucro real, o valor que vier a ser revertido para o resultado como
receita deverá ser excluído do lucro líquido na determinação do lucro real.1
Entretanto, se quando da constituição da provisão o valor da sua contrapartida, registrado a
débito do resultado, for considerado dedutível na determinação do lucro real (situação que só
ocorre nos casos em que exista expressa autorização legal), o valor da reversão irá compor a base
de cálculo do imposto sem qualquer ajuste. O mesmo raciocínio é válido para os casos em que a
provisão não é revertida, mas é exaurida por débitos feitos diretamente na conta que a registra
porque a hipótese de sua constituição se materializou.
12.2DEVOLUÇÃO DE TRIBUTOS PAGOS INDEVIDAMENTE
Havendo sido pago tributo em montante maior que o devido ou indevidamente, o sujeito
passivo tem direito à restituição que pode ser realizada por intermédio de compensação na forma
e nos limites da lei de cada tributo. Os valores devolvidos constituem receita. Desde o advento do
Ato Declaratório Interpretativo nº 25/03, ficou claro que os valores restituídos a título de tributo
pago indevidamente serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e
pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), se, em períodos anteriores, tiverem sido
computados como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Em relação aos juros, o art. 3º estabelece que o montante dos juros incidentes sobre o
indébito tributário recuperado é receita nova e, sobre ela, incidem o IRPJ, a CSLL e ainda as
contribuições ao PIS e COFINS. Dizem os arts. 4º e 5º que, no caso de reconhecimento das
receitas pelo regime de caixa, o indébito e os juros passam a ser receita tributável do IRPJ e da
CSLL no momento do pagamento do precatório; pelo regime de competência, o indébito passa a
ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define
o valor a ser restituído.
No caso de sentença condenatória onde não houver definição do valor a ser restituído, o
montante do indébito será tributável: (a) na data do trânsito em julgado da sentença que julgar os
embargos à execução, fundamentados no excesso de execução; ou (b) na data da expedição do
precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos à execução. Em tais
circunstâncias, a receita decorrente dos juros de mora devidos será imputada ao resultado e sujeita
à tributação, observando-se o seguinte: (a) se a sentença que julgar a ação de repetição de indébito
já definir o valor a ser restituído, é no seu trânsito em julgado que passam a ser receita tributável
os juros de mora incorridos até aquela data e, a partir dali, os juros incorridos em cada mês deverão
ser reconhecidos pelo regime de competência como receita tributável do respectivo mês; (b) se a
sentença que julgar a ação de repetição de indébito não definir o valor a ser restituído, é no trânsito
em julgado da sentença dos embargos à execução fundamentados em excesso de execução (art.
741, inciso V, do CPC) que passam a ser receita tributável os juros de mora incorridos até aquela
data e, a partir dali, os juros incorridos em cada mês deverão ser reconhecidos pelo regime de
competência como receita tributável do respectivo mês; e (c) se a sentença que julgar a ação de
repetição de indébito não definir o valor a ser restituído e a Fazenda Pública não apresentar
embargos à execução, os juros de mora sobre o indébito passam a ser receita tributável na data da
expedição do precatório.
De acordo com a decisão proferida pela 1ª Seção do STJ quando do julgamento do Recurso
Especial nº 1.138.695-SC, em 22 de maio de 2013, ficou decidido que os juros de mora na
repetição dos indébitos ostentam a natureza de indenização por “lucros cessantes” e são
tributáveis pelo IRPJ e CSLL. A matéria deve ser examinada pelo STF quando do julgamento, no
regime de repercussão geral, do Recurso Extraordinário nº 1.063.187 RG/SC, admitido para
julgamento no citado regime em 14 de setembro de 2017; em razão disso, é possível que a
Suprema Corte mantenha o entendimento adotado pelo STJ ou decida de modo contrário.
12.3INDENIZAÇÕES
Em 2017, foi editada a Solução de Consulta DISIT 4.040, com importantes orientações
acerca do tratamento tributário a ser dado às indenizações em geral. De acordo com o citado ato,
o recebimento de seguro destinado a indenizar custos, despesas e perdas por antecipações a
fornecedores, em decorrência de inadimplemento contratual, não se sujeita à incidência do
imposto sobre a renda da pessoa jurídica calculado sob a sistemática do lucro real. O montante da
indenização que exceder o valor anteriormente contabilizado como ativo deverá ser considerado
como acréscimo patrimonial, sendo devida sua inclusão na base de cálculo do imposto. No caso
de inadimplemento contratual parcial, para que a respectiva indenização seja admitida como não
tributável, o montante indenizável deverá ser identificado nos registros contábeis da pessoa
jurídica. O valor contabilizado que tiver reduzido a base de cálculo do imposto e que
posteriormente venha a ser recuperado deve ser tributado. Por outro lado, o ato normativo diz o
montante relativo à atualização monetária e juros contratuais, vinculado à indenização por dano
patrimonial, deverá ser computado na apuração do lucro tributável da pessoa jurídica. Nesse caso,
diferentemente do que fizeram em outras ocasiões, as autoridades fiscais não consideraram que a
atualização monetária e os juros contratuais sejam da mesma natureza da indenização; esse
entendimento, ao menos que diz respeito à correção monetária, é equivocado.
12.4BONIFICAÇÕES RECEBIDAS
Certas empresas recebem bonificações ou vantagem comerciais sob diversas formas: em
mercadorias; em dinheiro ou sob a forma de nota de crédito.
No direito contábil, as bonificações relacionadas com a aquisição de estoques devem ser
registradas como redução do custo de aquisição em face do disposto no item 11 do
Pronunciamento Técnico CPC 16 (R1). O caráter jurídico da bonificação foi definido pela 1ª
Seção do STJ quando do julgamento do Recurso Especial nº 923.012, em 9 de junho de 2016, no
regime dos recursos repetitivos. Na ocasião, a Corte decidiu que: “a bonificação é uma
modalidade de desconto que consiste na entrega de uma maior quantidade de produto vendido em
vez de conceder uma redução do valor da venda”. O preceito do item 11 do Pronunciamento
Técnico CPC 16 (R1) afirma que são consideradas reduções de custos os valores relativos aos
“descontos comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes” e as bonificações podem ser
qualificadas como uma espécie de abatimento, de desconto comercial ou incluídas “nos itens
semelhantes”, de modo que após o advento da norma não é mais aceitável o registro como receita.
Parece claro que o registro como redução do custo deve ser feito ainda quando a bonificação for
recebida em dinheiro, nota de crédito ou semelhante; afinal o item 70 do Pronunciamento Técnico
CPC 47 é claro ao dispor que, para entidade que concede qualquer espécie de bonificação, o valor
constitui redução de sua própria receita quando houver relação de inerência, ou seja, quando a
bonificação for parte da estratégia ou esforço de vendas. A regra, como se deduz claramente dos
seus termos, proíbe que todas as reduções de preço, sob qualquer forma jurídica ou nome, sejam
registradas em receita. Não há se cogitar, portanto, de haver qualquer espécie de doação de
mercadorias ou dinheiro; a concessão de bonificações é uma prática comercial legítima e comum
que tem a afinidade estrutural e funcional com um desconto comercial recebido que diminui o
custo de aquisição de mercadorias adquiridas.
12.5CRÉDITOS DE PIS E COFINS
A instituição do regime de não cumulatividade do PIS e COFINS, veiculada pelas Leis
nos 10.637/02 e 10.833/03, não foi tranquila; muitos problemas interpretativos surgiram e um deles
ainda causa uma certa celeuma. Trata-se da questão do tratamento contábil e fiscal a ser dado ao
valor que pode ser utilizado como crédito sobre os insumos, mercadorias, bens e serviços
adquiridos. Alguns defendem que esse valor constitui uma subvenção para investimento e, por
esta razão, deveria ser registrado em conta de Reserva, no Patrimônio Líquido, caso em que estaria
livre da incidência do IRPJ e da CSLL. Outra vertente de interpretação indica que os referidos
valores não seriam tributados em qualquer hipótese em face do disposto no § 10 do art. 3º da Lei
nº 10.833/03.
O registro do valor relativo a tais créditos diretamente no Patrimônio Líquido, em conta
representativa de “Reserva de Subvenção”, é defendido sob o argumento de que esse crédito tem
natureza de incentivo fiscal, posto que o regime de não cumulatividade – segundo as palavras
textuais da Exposição de Motivos que justificou a edição da Medida Provisória nº 135/03 – visa
a “estimular a eficiência econômica”. Contra esta tese há o fato de que a lei tributária e a lei
societária só admitem o registro em Reserva de Subvenções quando elas estejam vinculadas a um
“investimento”. As dúvidas acerca da pertinência (validade) do registro em Reserva têm trazido
problemas para as empresas sujeitas a auditorias externas, posto que o registro em Reserva – neste
caso – não atende claramente aos princípios contábeis geralmente aceitos.
A segunda vertente de interpretação, como foi dito, afirma que os valores relativos aos
créditos não devem ser tributados pelo IRPJ e CSLL em face do disposto no § 10 do art. 3º da Lei
nº 10.833/03, segundo o qual o valor dos créditos apurados “não constitui receita bruta da pessoa
jurídica, servindo somente para dedução do valor devido da contribuição”.
Se correta esta interpretação, seja qual for o tratamento contábil a ser adotado, os valores
relativos aos créditos de PIS e COFINS deveriam ser excluídos na determinação do lucro real e
da base de cálculo da CSLL.
Sobre o assunto foi editada a Solução de Divergência nº 9, editada em 4 de janeiro de 2007.
De acordo com este Ato, o § 10 do art. 3º da Lei nº 10.833 não institui, ainda que implicitamente,
nenhuma hipótese de exclusão do lucro líquido, para fins de apuração da base tributável da CSLL
e do IRPJ. A referida Solução de Divergência não tem efeito geral; ela aplica-se exclusivamente
àquele que foi parte no processo. De fato, de acordo com os termos do § 11 do art. 48 da Lei nº
9.430/96, “a solução da divergência acarretará, em qualquer hipótese, a edição de ato específico,
uniformizando o entendimento, com imediata ciência ao destinatário da solução reformada,
aplicando-se seus efeitos a partir da data da ciência”. Nem mesmo a edição de um ato de caráter
interpretativo como é um ADI tem o efeito de pôr termo (extinguir) os processos de consulta em
andamento. A questão, de qualquer modo, pode ser levada ao Poder Judiciário.
12.6INCENTIVOS FISCAIS À SOLICITAÇÃO DE DOCUMENTOS
FISCAIS
De acordo com o art. 4º da Lei nº 11.945/09, ficam isentas do Imposto sobre a Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) as
receitas decorrentes de valores em espécie pagos ou creditados pelos Estados, Distrito Federal e
Municípios, relativos ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e
ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), no âmbito de programas de concessão de
crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e
serviços.
12.7ANISTIA DE JUROS, MULTAS E ENCARGOS TRIBUTÁRIOS
Sendo concedida anistia de juros, multas ou encargos tributários os valores constantes do
passivo da entidade devem ser baixados.
De acordo com o texto do parágrafo único do art. 4º da Lei nº 11.941/09, não será computada
na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade
Social (Cofins) a parcela equivalente à redução do valor das multas, de juros e encargo legal em
decorrência do disposto nos arts. 1º a 3º da mesma Lei. Em decisão proferida em 08/05/14, o
CARF decidiu que não é válida a exclusão, na determinação do lucro real, de receita derivada do
perdão de encargos tributários (juros e multas) previsto na Medida Provisória 470/09, em razão
da falta de previsão legal.
O tema ressurgiu com a edição da Lei nº 13.496, de 24 de outubro de 2017, resultante da
conversão da Medida Provisória nº 783/17. A referida Lei foi sancionada com vetos, dentre os
quais o do preceito do § 2º do art. 12, que tinha a seguinte redação: “não será computada na
apuração da base de cálculo do imposto de renda, da CSLL, da Contribuição para o PIS/PASEP
e da COFINS a parcela equivalente à redução do valor das multas, juros e encargo legal”. Essa
regra, que não vigora em razão do veto, contém mandamento idêntico ao que foi veiculado pelo
parágrafo único do art. 4º da Lei nº 11.941/09, acima referido.
No plano tributário, para fins de apuração do IRPJ e da CSLL, o tratamento a ser dado a tais
receitas depende, fundamentalmente, de como foi tratada a despesa correspondente aos juros, às
multas e ao encargo legal. A parcela da anistia correspondente aos valores que foram deduzidos
no passado deve ser tributada; no que concerne aos valores que não foram deduzidos, parece claro
que os eles não devem ser submetidos à tributação porque a anistia apaga a transgressão com
efeitos pretéritos, e, por isso, produz efeito equivalente a um estorno fiscal. Para os contribuintes
que estejam no regime de tributação com base no lucro presumido as receitas não são tributáveis,
já que podem ser qualificadas como “recuperação de despesas”, desde que não tenham sido
deduzidas em anos anteriores em que o contribuinte esteve sujeito ao lucro real; essa conclusão é
que se extrai do preceito do item IV do art. 215 da Instrução Normativa nº 1.700/17. Se houve
anterior dedução, a receita é tributável para fins de apuração do lucro presumido.
12.8GANHO POR COMPRA VANTAJOSA
Nas operações que se enquadrem no conceito de “combinação de negócios” pode vir a
ocorrer a apuração de ganho por compra vantajosa, posto que em tais circunstâncias os bens
adquiridos (ativos líquidos) devem ser reconhecidos pelo seu valor justo, independentemente,
pois, dos valores transferidos (pagos ou empenhados para a aquisição). Bens adquiridos sujeitos
a esse regime contábil são aqueles que sejam qualificados como “negócio”, de modo que pode
ser um bem individualmente considerado (uma marca, por exemplo) ou um conjunto de bens (um
estabelecimento comercial, industrial ou produtor), ou, ainda, uma sociedade que explora
atividade econômica, seja ela empresária ou não. Neste último caso, o ganho será apurado quando
da aquisição do investimento.
O valor justo deve ser apurado num procedimento de avaliação posto que, em princípio,
serão desprezados os valores contábeis, e, além disso, devem ser considerados os ativos e passivos
que não estão registrados, mas deveriam estar ou que tenham existência sem individualidade.
Logo, a avaliação levará em conta as cifras apresentadas e também a qualidade delas. O valor
justo dos bens adquiridos (e dos passivos assumidos) será comparado com o valor da
contraprestação transferida para fins de apuração do ágio por rentabilidade e futura e do eventual
ganho por compra vantajosa.
Vejamos, a título de exemplo, como deve ser feito o registro no caso de uma entidade que
adquire uma fábrica em operação com ativos e passivos. Ela deve encontrar o valor justo dos bens
adquiridos que sejam identificáveis e o valor dos passivos assumidos e comparar o valor líquido
com o montante da contraprestação transferida de modo a determinar: (a) o valor do ganho por
compra vantajosa, que estará configurado se o valor líquido dos ativos adquiridos for superior ao
valor da contraprestação; e (b) o valor do ágio por rentabilidade futura, que corresponderá ao
valor da contraprestação transferida que sobejar o montante dos ativos líquidos adquiridos. Em
princípio, o registro contábil de um ganho em tais circunstâncias parece ser injustificável nas
operações entre pessoas independentes; ora, nestes casos, o preço pago pelos ativos líquidos
representa o valor justo acima de qualquer dúvida razoável, de modo que parece ser um exagero
a exigência de avaliações específicas para apurar um eventual ganho que não existe do ponto de
vista econômico. Essa visão, todavia, é apenas parcial, pois a apuração do ganho, na aquisição de
um negócio, visa identificar o valor do goodwill que mede o valor dos bens intangíveis que não
puderam ser identificados e que estará sujeito a critério distinto de amortização ao longo da vida
da empresa.
Do ponto de fiscal, o art. 2º da Lei nº 12.973/14 deu nova redação ao art. 20 do De-creto-lei
nº 1.598/77 e estabeleceu, no § 6º deste último preceito, que o ganho proveniente de compra
vantajosa, que corresponde ao excesso do valor justo dos ativos líquidos da investida, na
proporção da participação adquirida, em relação ao custo de aquisição do investimento, será
computado na determinação do lucro real no período de apuração em que ocorrer a da alienação
ou baixa do investimento.
12.9GANHO DECORRENTE DA AVALIAÇÃO DE ATIVOS E
PASSIVOS PELO VALOR JUSTO
A exigência de mensuração de ativos e passivos pelo valor justo foi uma das grandes
modificações introduzidas pelas normas internacionais adotadas pelo ordenamento jurídico
brasileiro após o advento da Lei nº 11.638/07. Os diversos Pronunciamentos do CPC impuseram,
em certas circunstâncias, a obrigatoriedade de avaliação de ativos e passivos pelo valor justo com
reconhecimento de receita ou despesa independentemente da realização. O caso paradigmático é
dos ativos biológicos que, por força do disposto no item 12 do CPC 29, devem ser mensurados e
pelo valor justo, menos o custo de vender, no momento do reconhecimento inicial e no final de
cada período de competência, exceto para os casos em que o valor justo não pode ser mensurado
de forma confiável. Enfim, o ato normativo exige o reconhecimento de receita ou despesa
independentemente da troca, ou seja, enquanto os bens ainda permanecem no patrimônio social.
Durante o período de vigência do RTT, os valores imputados aos resultados não eram
computados na determinação do lucro real, o que só ocorria quando da realização econômica do
ativo ou extinção do passivo.
A Lei nº 12.973/14 extinguiu o RTT, mas manteve o regime de tributação diferida para os
ganhos independentemente da formação de reserva de lucros a realizar ou da eventual distribuição
aos sócios ou acionistas. Assim, na hipótese de registro de receita (ganho) devem ser observados
os critérios previstos no art. 13 da citada lei. De acordo com o caput deste artigo, o ganho não
será computado na determinação do lucro real desde que o respectivo aumento no valor do ativo
ou a redução no valor do passivo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo
ou passivo. Trata-se, portanto, de hipótese de diferimento da tributação que ocorrerá no período
em que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação
ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado. A lei não elege o registro de ajuste por
imparidade como fator determinante da realização econômica. Em face do disposto no § 6º, no
caso de operações de permuta que tenham por objeto ativo ou passivo que deram origem ao ganho,
este poderá ser computado na determinação do lucro real na medida da realização do ativo ou
passivo recebido na permuta, por depreciação, amortização ou exaustão, alienação ou baixa.
Portanto, a lei permite que a tributação do ganho seja diferida. Assim, quando do registro da
receita o contribuinte fará uma exclusão na determinação do lucro real e passará a controlar o
referido valor no LALUR para posterior adição, exceto se o valor realizado, inclusive mediante
depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, for indedutível. Esse regime jurídico
tributário não se aplica aos ganhos apurados quando do reconhecimento inicial de ativos avaliados
com base no valor justo que decorram de doações recebidas de terceiros (§ 5º).
A lei exige um controle contábil minucioso do valor imputado ao resultado a ponto de o §
3º do art. 13 estipular que o valor do ganho será tributado na hipótese de não ser evidenciado por
meio de subconta mencionada na lei. A exigência do controle contábil – além dos registros no
LALUR – impõe ao contribuinte o dever de adequar seu sistema de registros contábeis e dotá-lo
de detalhamentos tais que o próprio nome das contas contábeis possa permitir a pronta
identificação da natureza do valor registrado a partir da simples leitura dos demonstrativos
contábeis. De toda sorte, é razoável esperar que as autoridades fiscais expeçam normas para
regulamentar a matéria.
A falta de evidência contábil do ganho implica no imediato cômputo do seu valor como
parte integrante do lucro tributável, mas o contribuinte atende ao comando do § 4º do art. 13,
segundo o qual o ganho não poderá acarretar redução de prejuízo fiscal do período, devendo, neste
caso, ser considerado em período de apuração seguinte em que exista lucro real antes do cômputo
do referido ganho. A tributação do ganho, na verdade, não acarreta a redução de prejuízo fiscal
do período; apenas impede que ele não seja formado em certas circunstâncias e é isto que o
preceito intenta; ou seja, a lei impede que o contribuinte passivo utilize a possibilidade de
tributação do ganho para abater perdas correntes nas hipóteses em que, sem o cômputo do referido
ganho, geraria prejuízo fiscal. Logo, a lei prescreve que em tais circunstâncias a tributação seja
diferida para períodos subsequentes em que seja apurado lucro real antes do cômputo do referido
ganho.
O texto da lei, neste particular, não é feliz. A aplicação da regra do § 4º está subordinada –
por expressa referência – à incidência da norma do § 3º, segundo o qual haverá tributação imediata
do ganho se o valor deste não for evidenciado em subconta vinculada ao ativo ou passivo que deu
origem ao registro do ganho. Assim sendo, a exigência de tributação do eventual ganho que
impede o abatimento das perdas correntes é uma consequência do não cumprimento do dever de
evidenciação; por isso, de acordo com o texto normativo, a lei não proíbe que o contribuinte venha
a renunciar ao diferimento se cumprir a norma que exige a adequada evidenciação e submeter o
ganho à imediata tributação nas hipóteses em lhe parecer bem.
1O conceito de provisão é encontrado no item 7.5.5, do Capítulo 7, e o conceito de despesa
incorrida foi discutido no Capítulo 15, item 15.5.
13.1QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Segundo consta do texto do art. 418 do RIR/99, devem ser classificados como ganhos e
perdas de capital, e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, na
desapropriação, na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na
liquidação de bens do Ativo Permanente.
Ganhos de capital são espécies de resultados não operacionais, consoante esclarece o
Parecer Normativo CST nº 11/78. A distinção entre resultados operacionais e não operacionais
foi primeiramente contemplada na lei societária. A redação original do item IV do art. 187 da Lei
nº 6.404/76 fazia expressa menção aos resultados não operacionais quando estipulava que na
demonstração do resultado deveria haver a discriminação do “lucro ou prejuízo operacional, as
receitas e as despesas não operacionais”. Todavia, a lei societária nunca estabeleceu critérios de
distinção e essa lacuna foi preenchida pela legislação tributária até que a Medida Provisória nº
449/09, convertida na Lei nº 11.941/09, modificou a redação do item IV do art. 187 da Lei nº
6.404/76, e deixou de fazer referência aos resultados não operacionais.
Depois do advento da Lei nº 11.941/09, o grupo contábil denominado “Ativo Permanente”
deixou de existir, mantidas, no entanto, as referências aos investimentos, imobilizado e intangível,
e também ao Ativo Diferido em relação aos saldos que existiam em 31 de dezembro de 2008.
Enfim, a lei societária editada em 2009, neste particular, apenas dá novos nomes a coisas antigas.
Para fins fiscais, no entanto, permanece a configuração legal vigente quando da edição do
Decreto-lei nº 1.598/77, em que o Ativo Permanente era formado pelas contas do Ativo
Imobilizado, Investimentos e Diferido.
(a)Ativo imobilizado
De acordo com a primeira parte do enunciado do inciso IV do art. 179 da Lei nº 6.404/76,
devem ser registrados no Ativo Imobilizado os valores relativos aos direitos que tenham por
objeto bens destinados à manutenção das atividades da sociedade ou da empresa, ou exercidos
com essa finalidade, inclusive os de propriedade comercial e industrial.1 O preceito legal citado
tem a seguinte redação:
“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos
destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos
com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à
companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.”
A classificação contábil, em decorrência deste preceito, deve ser feita tendo em conta a
finalidade da aplicação dos bens na produção dos rendimentos gerados pela exploração da
atividade da entidade. Em antigo pronunciamento veiculado pelo Parecer Normativo CST nº
108/78, as autoridades fiscais interpretaram a Lei societária nos seguintes termos:
“8. Portanto, o que caracteriza o imobilizado é a finalidade da aplicação, isto é, ser
o bem ou o direito destinado à exploração do objeto social e à manutenção da
atividade da companhia.”
A Lei nº 11.638/07, em vigor a partir de 1º de janeiro de 2008, modificou o art. 179, IV, da
Lei nº 6.404/76, para estabelecer que deverá ser registrado no Ativo Imobilizado o valor dos bens
vinculados a operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.
O registro no Ativo, nestes casos, deixa de ser feito em função da existência de direito de
propriedade e passa em levar em consideração um critério funcional baseado no controle gerencial
e da obtenção dos benefícios econômicos dos bens para fins de registro dos respectivos valores
no Ativo, ainda quando eles sejam de propriedade alheia.
Aparentemente a nova Lei cria uma situação estranha em que o valor de um mesmo bem
pode ser registrado como Ativo em duas entidades. Digo aparentemente porque há uma sensível
diferença entre o direito de propriedade e o direito de uso que o arrendatário adquire; assim, o
proprietário de um bem que o arrenda realiza a exploração econômica de um bem pertencente ao
seu Ativo Imobilizado e, neste caso, obtém benefícios derivados do direito de propriedade; de
outra parte, o arrendatário que utiliza os bens na produção obtém benefícios advindos do direito
de uso que adquiriu pelo contrato de arrendamento. No primeiro caso, o Ativo representa o valor
despendido na aquisição de direito de proprietário, que o habilita a usar e dispor dos bens e, no
segundo caso, o Ativo é representado pelo valor de uso dos mesmos bens por um período de
tempo.
(b)Ativo intangível
De acordo com o enunciado do item VI do art. 179 da Lei nº 6.404/76, com redação dada
pela Lei nº 11.638/07, o subgrupo do Intangível será formado pelo valor dos direitos que tenham
por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa
finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido. O conceito de “bens intangíveis” não foi
criado pela referida Lei nº 11.638: esta Lei limitou-se a fazer um desmembramento no subgrupo
do Imobilizado, porquanto, antes do advento desta Lei, os bens intangíveis estavam
compreendidos entre os bens do Ativo Imobilizado.
Os bens intangíveis faziam parte do grupo do Imobilizado, segundo a doutrina de Wilson de
Souza Campos Batalha:2
“O ativo imobilizado (fixed assets) abrange os direitos que tenham por objeto bens
destinados à manutenção das atividades da companhia (bens imóveis, maquinaria,
instalações, bens móveis não destinados à comercialização), ou exercidos com essa
finalidade, inclusive os direitos de propriedade industrial ou comercial (marcas,
patentes, modelos de utilidade etc.). O ativo imobilizado é representado por todos
os bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos que constituem inversões fixas
da sociedade.”
De acordo com tradicional classificação dos bens adotada pela dogmática jurídica, certos
bens são considerados intangíveis porque não é possível tocá-los. O item 37 da Resolução CFC
nº 1.157/09, esclarece que:
“37. Compõe, normalmente, o grupo Ativo Intangível, além do ágio por
expectativa de rentabilidade futura, patentes, direitos de franquia, direitos autorais,
marcas, luvas, custos com desenvolvimento de produtos novos, direitos de
exploração, direitos de folhas de pagamento etc.”
Somente os ativos intangíveis separados é que podem ser transferidos a outrem e gerar,
eventualmente, ganhos de capital. De outra parte, não se qualificam como ganhos de capital os
rendimentos obtidos com a cessão temporária dos bens intangíveis como são os decorrentes de
alugueres, royalties, franquia etc.
(c)Investimentos
De acordo o item III do art. 179 da Lei nº 6.404/76, nas contas contábeis representativas dos
“Investimentos” devem ser registrados os valores: (a) relativos às participações permanentes em
outras sociedades; e, (b) pertinentes aos direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo
circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa.
Acerca da caracterização das participações societárias permanentes, a doutrina aponta para
a necessidade de verificar, em cada caso, a existência de indícios necessários e suficientes para
caracterizar a intenção de permanência. De acordo a doutrina de Sérgio de Iudícibus, Eliseu
Martins e Ernesto Gelbcke:3
“Incluem-se aqui somente os investimentos em outras sociedades que tenham a
característica de aplicação de capital, não de forma temporária ou especulativa,
existindo efetiva intenção de usufruir dos rendimentos proporcionados por esses
investimentos.”
A intenção de permanência foi mencionada pelas autoridades fiscais fiscalizadoras do
cumprimento da legislação do Imposto de Renda quando da edição do Parecer Normativo CST nº
108/78 que trouxe importantes esclarecimentos acerca do conteúdo da rubrica contábil
denominada “Investimentos”. O item 7.1 do referido “Parecer Normativo” diz textualmente:
“7.1 Por participações permanentes em outras sociedades, se entendem as
importâncias aplicadas na aquisição de ações outros títulos de participação
societária, com a intenção de mantê-las em caráter permanente, seja para obter o
controle societário, seja por interesses econômicos, como, por exemplo, a
constituição de fonte permanente de renda.”
Verifica-se, portanto, que a ocorrência de indícios de intenção de permanência é um critério
adequado para determinar se uma participação societária ostenta ou não o caráter de permanente.
De acordo com esse critério não devem ser considerados como investimentos permanentes os
valores empregados na aquisição de ações do capital ou de direitos de sócios que sejam destinados
à pronta venda.
Também devem ser incluídos entre os itens integrantes do subgrupo Investimentos aos
valores pertinentes aos direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante, e que
não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa.
13.2FATO GERADOR
Nos termos do art. 418 do RIR/99, serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e
computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, na desapropriação, na
baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão ou na liquidação de bens
do Ativo Permanente. Suscetíveis de gerar ganhos de capital são os negócios que possam ser
qualificados como decorrentes da alienação, da desapropriação e da liquidação de certos bens.
O termo alienação compreende qualquer operação que importe transmissão ou promessa de
transmissão, a qualquer título, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação,
desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra
e venda, cessão ou promessa de cessão de direitos e contratos afins. Esse conceito consta do § 4º
do art. 117 do RIR/99. Alienação é toda operação que implica a transferência de um bem ou
direito para o patrimônio de outra pessoa, a título oneroso ou gratuito. Assim, por exemplo,
constitui alienação a entrega de bens em pagamento de subscrição de capital. Alienação também
ocorre no caso de entrega de bens a título de redução de capital, inclusive em caso de resgate de
ações. A alienação que impõe a apuração do eventual ganho de capital é unicamente aquela que
importa na troca de bens a título definitivo.
Desapropriação, em sentido amplo, é uma forma de perda da propriedade em virtude de ato
do poder público ou seus agentes. Na lição de Odete Medauar:4 “a desapropriação atinge o caráter
perpétuo do direito de propriedade, pois extingue o vínculo entre o proprietário e bem,
substituindo-o por uma indenização”. A desapropriação pode ser direta ou indireta, que ocorre
quando o Estado (sentido amplo) e seus agentes assenhoram-se de propriedade alheia sem
observar as formalidades legais e constitucionais.5
A legislação tributária não traz uma definição do significado da expressão “liquidação”.
Pode ocorrer liquidação de bens corpóreos integrantes do Ativo Imobilizado se houver o
recebimento de indenização por sinistro, o que equivale à baixa. Em relação às participações
societárias ocorre a liquidação em virtude: (a) do encerramento do processo de liquidação da
sociedade, mediante rateio do acervo entre os sócios ou acionistas, que têm os investimentos
substituídos pelo valor do rateio que lhes cabe; (b) o reembolso ou resgate de ações (que, na
verdade, são formas sui generis de alienação), inclusive em virtude de retirada ou exclusão de
sócio. Nas sociedades em conta de participação, a liquidação do investimento ocorre no momento
da devolução, pelo sócio ostensivo, do capital contribuído pelo sócio oculto.
A palavra “baixa”, neste contexto, tem mais de uma significação. Pode ser utilizada para
fazer referência à saída física de bens do patrimônio social em virtude de operações que não sejam
qualificadas como desapropriação ou alienação. Por esse ponto de vista, ocorre baixa quando há
derrubada de construção ou perecimento de animais ou árvores em virtude de ação da natureza.
Pode ser utilizada para designar as consequências dos atos gerenciais que implicam modificação
de destino de bens, como são os que deixam de pertencer ao ativo imobilizado e postos à venda.
A baixa pode ocorrer quando há deterioração econômica de bens que perdem o valor parcial ou
total sem mesmo estando em uso ou operação.
13.2.1Momento do registro contábil e fiscal
O enunciado do art. 418 do RIR/99 repete, com pequenas alterações, o texto do caput do art.
31 do Decreto-lei nº 1.598/77. Ocorre que, desde a edição deste preceito, permanecem dúvidas
acerca do momento em que os ganhos de capital devem ser tributados. O problema advém de uma
passagem da Exposição de Motivos do Decreto-lei nº 1.598/77, segundo o qual:
“17. O projeto adota a orientação geral de submeter os ganhos de capital ao imposto
somente quando realizados, isto é, quando a pessoa jurídica tem condições
financeiras de suportar o ônus tributário.”
O enunciado não comporta dúvidas de que a intenção da lei é tributar tais acréscimos
patrimoniais pelo regime de caixa sem prejuízo da incidência da norma que impõe o registro de
acordo com o regime de competência. Se assim é, tornam-se problemáticas as situações em que
não há dinheiro envolvido, ou seja, em que os ganhos de capitais decorram de simples permutas,
em sentido amplo, como é o caso, por exemplo, do negócio jurídico pelo qual há oferta de bens
em pagamento de capital subscrito em outra sociedade. O art. 17 da Lei nº 12.973 mantém essa
política ao prever o diferimento da tributação do ganho na entrega de bens para subscrição de
ações ou quotas, como exposto no item 13.15 deste Capítulo, a seguir.
Existem dúvidas acerca do momento da incidência das normas sobre a apuração do lucro
real nas operações em que há permuta. A tese da inocorrência do fato gerador do imposto foi
ostensivamente adotada no Parecer PGFN/PGA nº 970, de 23.9.1991, firmado pela Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional e aprovado pelo Ministro da Economia e Fazenda, no qual aquele
órgão conclui que a entrega, pelo participante de leilão no Programa Nacional de Desestatização,
de título da dívida pública federal e outros créditos para recebimento de ações de empresas é
considerada permuta e que eventual ganho de capital será apurado somente no ato da alienação
das ações. Em 12 de maio de 1992, o Ministro da Economia e Fazenda aprovou Parecer
PGFN/PGA nº 454, que reitera os termos do citado Parecer PGFN/PGA nº 970/91 e, em adição,
afirma que: (a) na permuta não ocorre o fato gerador do tributo; e (b) a desoneração tributária na
permuta não é um privilégio, e sim o reconhecimento da não incidência da regra de tributação
que, se existisse, seria considerada inconstitucional por fazer recair a incidência tributária sobre
o patrimônio e não sobre a renda, e, ainda, por vulnerar o princípio da capacidade contributiva.
Em outra passagem desse mesmo parecer, é feita menção aos cuidados que se deve ter em
distinguir a incidência tributária sobre o patrimônio ou sobre a renda gerada para o pleno
atendimento ao princípio da capacidade contributiva. Vejamos:
“20. O momento do fato gerador do imposto sobre mais-valia é o da alienação do
bem por um preço que ultrapasse a reposição do capital, realizando-se só neste
momento o ganho de capital. Ora, como bem acentuou Pontes de Miranda, na troca
há correspectividade sem preço, porque os figurantes da relação jurídica não
entram com dinheiro, consequentemente inexiste fato gerador do tributo. Poder-se-
ia dizer, no caso da permuta, sem torna de dinheiro, que o momento da incidência
seria deferido no tempo.
21. Criar-se, fictamente, na permuta de bens, um ganho de capital é violar o
patrimônio. A sua tributação configuraria, por conseguinte, imposto sobre a
propriedade e não sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Não existe lei
mandando cobrar imposto na permuta de bens, não onerosa. Ainda que existisse
tal diploma legal, seria fulminado pelo vício insanável da inconstitucionalidade.”
A análise, neste caso, se situa no nível constitucional. Logo, se não há renda, a lei que
pretenda tributar uma “não renda” é inconstitucional.
Ocorre, no entanto, que a matéria foi objeto de lei, no caso, o art. 31 do Decreto-lei nº
1.598/77. Logo, é necessário verificar “em que termos” a Lei (o Decreto-lei) dispõe sobre a
tributação dos ganhos de capital. Aqui é necessário considerar que uma receita (e o ganho de
capital é uma espécie de receita) pode vir a ser tributada quando, em cada caso, for considerada
“ganha” ou quando considerada realizada.
As normas sobre tributação dos ganhos de capitais obtidos por pessoas jurídicas adotaram –
desde o advento do Decreto-lei nº 1.598/77 – a decisão de exigir o tributo apenas e tão somente
nos casos em que se verificar a realização da renda. Logo, para fins de aplicação das normas
tributárias, neste campo, não basta que as receitas sejam consideradas ganhas; é imprescindível
que tenham sido consideradas realizadas. A tributação com base na renda realizada advém da
aplicação das normas dos arts. 43 e 44 do CTN, de modo que a tributação não pode “avançar”
sobre parcelas que não derivam de renda disponível.
Em resumo, a lei brasileira permite que a tributação recaia sobre renda simplesmente ganha;
todavia, no caso de ganhos de capital obtidos por pessoas jurídicas, a mesma lei estipula que a
tributação ocorre apenas nas circunstâncias em que houver a realização, que, no caso, requer o
recebimento de moeda sonante ou, ao menos, bens equivalentes a caixa, de acordo com a
qualificação dada pelas normas contábeis.
Para o doutor Henry Tilbery,6 um dos mais profícuos comentadores do Decreto-lei nº
1.598/77 a tratar dos feitos fiscais decorrentes da entrega de bens do ativo permanente para
integralização do capital subscrito em outra sociedade, afirma – de modo claro e insofismável –
que os bens de caráter permanente que são conferidos são simplesmente substituídos em razão da
operação permutativa e, por isso, “não há realização, ou seja, não há conversão em dinheiro”.
Para o citado autor, na essência, essa operação produz efeitos próprios de uma reavaliação de
ativos e não de ganho de capital imputável ao resultado do período:
“Na eventualidade de na subscrição de bens do Ativo Permanente lhes ser atribuído
um valor mais elevado do que consta na contabilidade da subscritora, não se trataria
de ganho de capital realizado, mas de novo valor atribuído – portanto, seria um
caso de reavaliação na subscrição de capital, que se rege pelo disposto no art. 36.”
Aqui há que se recordar que a lei que rege a tributação dos ganhos de capital – segundo
deflui de sua Exposição de Motivos – alcança apenas e tão somente as operações que sejam
liquidadas em dinheiro, de modo que a exigência tributária só se materializa nos casos em que o
sujeito passivo tiver “condições financeiras de suportar o ônus tributário”.
A tributação vinculada à realização financeira decorre da vontade expressa da lei na forma
do item 17 da Exposição de Motivos do Decreto-lei nº 1.598/77, antes transcrito. Ao discorrer
sobre essa figura o douto José Luiz Bulhões Pedreira7ensina:
“O DL nº 1.598/77 adota esse conceito de realização, que requer conversão em
direitos líquidos. O trecho acima transcrito da Exposição de Motivos do Ministro
da Fazenda o declara expressamente, ao considerar que somente na realização ‘a
pessoa tem condições financeiras para suportar o ônus tributário’.”
Portanto, está claro que a tributação dos ganhos de capital requer – como condição sine qua
non para a incidência da norma respectiva – que o sujeito passivo tenha dinheiro para pagar o
tributo. Logo, para incidência da norma impositiva não basta apenas a realização de um negócio
jurídico – ou, para simplificar, que tenha ocorrido uma alienação –, é imprescindível que o
beneficiário tenha recebido recursos disponíveis, ou seja, moeda sonante. Trata-se, como se vê,
de interpretação que se extrai tanto de norma constitucional (a Carta Magna rechaça a tributação
de uma “não renda”) como da norma de lei ordinária.
Consoante exposto no item precedente, após o advento do Decreto-lei nº 1.598/77, a
tributação dos ganhos de capital só é legítima se o sujeito passivo transformar os bens
permanentes (integrantes do antigo Ativo Permanente) em dinheiro. Por conseguinte, não basta
haver alienação – ou qualquer outro ato ou negócio jurídico que produza efeitos equivalentes – é
imprescindível que haja troca por dinheiro. Enfim, não basta que a receita seja considerada ganha
na forma do § 1º do art. 187 da Lei nº 6.404/76; a lei tributária exige mais; ela requer a obtenção
de ativos disponíveis sob a forma de moeda sonante.
A renda não advém apenas de um ato ou negócio jurídico; é necessário que ela seja
materializada. Renda realizada é, portanto, renda materializada, isto é, aquela que se prova pelo
ingresso de bens no patrimônio do beneficiário de modo incondicional e em condições de serem
utilizados. Logo, é fora de dúvida razoável que a lei tributária, ao exigir que a tributação ocorra
quando há uma realização juridicamente qualificada, outorga máxima efetividade ao princípio da
capacidade contributiva que – como é cediço – tem fundamento axiológico no ideal de justiça.
Ora, a efetividade de uma norma constitucional não pode ser obstada sem justo motivo. O
intérprete não pode aplicar um preceito de uma lei sem se ater às finalidades que ela pretende
alcançar; logo, há que se atentar que – em relação aos ganhos de capital – a lei tributária, ao exigir
a manifesta realização da renda, se distancia da lei societária, que exige o cômputo de receita
ganha como parcela integrante do resultado do período. A finalidade da norma tributária é
postergar o recebimento do tributo para o momento em que o sujeito passivo tenha condições de
pagar, em dinheiro, o montante do tributo devido.
13.2.2Forma de apuração
Via de regra, a determinação do ganho ou perda de capital terá por base o valor contábil do
bem, assim entendido o que estiver registrado na escrituração do contribuinte e diminuído, se for
o caso, da depreciação, amortização, exaustão acumuladas e de eventuais provisões para
perdas.8 Há casos, porém, em que certos valores são assim considerados mesmo não estando
agregados ao custo contábil; são exemplos a depreciação acelerada, o ágio e o deságio que já
estiverem sido amortizados na escrituração contábil e que estejam controlados na escrita fiscal do
contribuinte. Nesses casos, temos um valor contábil que é qualificado pela lei tributária, isto é,
ele não coincide com a ideia comum de valor contábil objeto de registro nos livros sociais.
13.3DEVOLUÇÃO DE CAPITAL EM BENS OU DIREITOS
De acordo com o art. 419, do RIR/99, os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica que
forem transferidos ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no
capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. Esse preceptivo tem como
matriz legal o art. 22 da Lei nº 9.249/95. Estabelece o § 1º do art. 419 do RIR/99 que, caso a
devolução realize-se pelo valor de mercado, será considerado como “ganho de capital” o valor
correspondente à diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos que forem
transferidos. Essa diferença será computada nos resultados da pessoa jurídica que for tributada
com base no lucro real. Assim, se a devolução for feita pelo valor contábil, nenhum resultado será
apurado, ao passo que, se adotado o valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil
será tratada como ganho ou como perda de capital.
A legislação societária contempla uma série de hipóteses, nas quais pode ocorrer devolução
de capital. Ocorre a restituição de capital nos casos em que há dissolução ou liquidação da
sociedade com o rateio do acervo líquido entre os sócios9 e também nos casos de reembolso,
amortização ou resgate de ações10 ou quotas, e, ainda, nos casos em que o sócio ou acionista se
retira da sociedade. Essa mesma situação pode ocorrer nas sociedades em conta de participação,
quando houver devolução, pelo sócio ostensivo do capital contribuído pelo sócio oculto.
Assim, em todos esses casos, sempre que o pagamento do valor “devolvido” for feito em
bens ou em direitos, cabe a aplicação da regra que permite a escolha entre o valor contábil e o de
mercado.
Essas normas vieram pôr fim a uma longa disputa entre autoridades fiscais e contribuintes.
Aquelas afirmavam que a devolução de capital em bens ou direitos deveria ser feita, sempre, a
valor de mercado, sob pena de estar caracterizada, em algumas circunstâncias, distribuição
disfarçada de lucros. Os contribuintes, por sua vez, arguiam que essa operação não constituía
alienação se era signo representativo de acréscimo patrimonial, dado o seu caráter meramente
permutativo.
O RIR/99 suprimiu o texto do § 4º do art. 22 da Lei nº 9.249/95, que determina que “a
diferença entre o valor de mercado e o valor constante da declaração de bens, no caso de pessoa
física, ou o valor contábil, no caso de pessoa jurídica, não será computada, pelo titular, sócio ou
acionista, na base de cálculo do imposto de renda ou da contribuição social sobre o lucro líquido”.
Portanto, quando o sócio ou acionista for uma pessoa jurídica tributada com base no lucro real,
poderá fazer uma exclusão, na determinação do lucro real, do valor correspondente à diferença
entre o valor contábil do investimento e o valor de mercado do bem recebido, adotado pela
empresa que está fazendo a devolução. Valor de mercado é o valor de realização, e existe
problema quando a devolução é feita em créditos etc. onde não é fácil estabelecer um valor de
mercado.
A matéria foi regulamentada pela Instrução Normativa SRF nº 11/96. De acordo com o art.
60 deste ato normativo, os bens ou direitos do ativo da pessoa jurídica que forem entregues ao
titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua participação no capital social, poderão
ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado.
No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor
contábil dos bens ou dos direitos entregues será considerada ganho de capital. Para o detentor da
participação societária, os bens ou direitos recebidos em devolução de sua participação no capital
serão registrados pelo valor contábil da participação ou pelo valor de mercado, conforme avaliado
pela pessoa jurídica que esteja devolvendo capital. Essa operação é suscetível de gerar ganho de
capital sempre que os valores recebidos suplantarem o valor contábil do investimento; no entanto,
a lei diz na investidora, a diferença entre o valor de mercado dos bens ou direitos e o valor contábil
da participação extinta: (a) poderá ser excluída do lucro líquido para determinação do lucro real
e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o lucro, no caso de pessoa jurídica submetida
ao regime de tributação com base no lucro real; (b) não será computada na base de cálculo do
Imposto de Renda nem da Contribuição Social sobre o lucro da pessoa jurídica submetida ao
regime de tributação com base no lucro presumido ou arbitrado.
A aplicação desses preceitos tem sido objeto de controvérsias na jurisprudência do CARF
especialmente quando há devolução de capital em bens que são posteriormente vendidos por
pessoas físicas que pagam menos imposto de renda sobre ganhos de capital. No acórdão nº 1201-
001.920, de 18 de outubro de 2017, o Tribunal considerou legítima essa prática dizendo: “Os arts.
22 e 23 da Lei nº 9.249, de 1995, adotam o mesmo critério tanto para integralização de capital
social, quanto para devolução deste aos sócios ou acionistas, conferindo coerência ao sistema
jurídico. O art. 23 prevê a possibilidade das pessoas físicas transferir a pessoas jurídicas, a título
de integralização de capital social, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração
ou pelo valor de mercado. O art. 22, por sua vez, prevê que os bens e direitos do ativo da pessoa
jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista, a título de devolução de sua
participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. Ademais,
o fato de os acionistas planejarem a redução do capital social, celebrando contratos preliminares
de que tratam os arts. 462 e 463 do Código Civil, visando a subsequente alienação de suas ações
a terceiros, tributando o ganho de capital na pessoa física, não caracteriza a operação de redução
de capital como simulação”. Em outra ocasião, o Tribunal considerou essa prática inaceitável por
ausência de propósito negocial (acórdão 1402-002.772, de 17 de outubro de 2017).
13.4VENDA DE BENS DO ATIVO PERMANENTE A LONGO PRAZO
Via de regra, os ganhos de capital são as receitas obtidas com a alienação de bens do Ativo
Permanente, e devem ser registradas como receita no momento da alienação do bem ou direito,
independentemente da data do recebimento do preço. No Ativo Permanente, segundo o disposto
no § 1º do art. 178 da Lei nº 6.404/76, devem ser registrados os valores que fazem parte do Ativo
Imobilizado, dos Investimentos e do Ativo Diferido.
Todavia, existem exceções. Assim é que o art. 421 do RIR/99 dispõe que nas vendas de bens
do Ativo Permanente para recebimento do preço, no todo ou em parte, após o término do ano-
calendário seguinte ao da contratação, o contribuinte poderá, para efeito de determinar o lucro
real, reconhecer o lucro na proporção da parcela do preço recebida em cada período de apuração.
Caso o vendedor tenha reconhecido o lucro na escrituração comercial no período de apuração em
que ocorreu a venda, os ajustes e o controle correspondentes serão efetuados no LALUR. Note-
se que a aplicação da norma que autoriza o adiamento do pagamento do imposto independe “da
finalidade da venda nem de qualquer outra condição”.11
Observe-se que o preceptivo regulamentar prevê o diferimento da tributação apenas para as
operações de venda. Não existe nenhum motivo para negar a aplicação desse mesmo tratamento
a todas as demais formas de alienação de bens do Ativo Permanente para pagamento em longo
prazo. Esse regime é o que melhor atende ao princípio constitucional da capacidade contributiva
e, portanto, deve ser aplicado a todas as situações que tenham o mesmo efeito econômico de uma
venda para recebimento a prazo. Nos casos em que a alienação desses bens se der por intermédio
de permuta, aplicam-se, por analogia, as regras da Instrução Normativa nº 107/88, também porque
à permuta aplicam-se as regras do contrato de compra e venda, conforme expressa disposição
contida no art. 533 do Código Civil de 2002.
13.5GANHOS EM DESAPROPRIAÇÃO
Segundo as regras constantes do atual RIR, em caso de desapropriação de bens, o valor da
diferença entre o valor contábil do bem e aquele pago pelo expropriante será considerado como
ganho de capital e computado na determinação do lucro real. O art. 422 daquele texto
regulamentar estabelece que o contribuinte poderá diferir a tributação do ganho de capital obtido
na desapropriação de bens, desde que: (a) transfira o ganho de capital para reserva especial de
lucros; (b) aplique, no prazo máximo de dois anos do recebimento da indenização, na aquisição
de outros bens do ativo permanente, importância igual ao ganho de capital; e (c) discrimine, na
reserva de lucros, os bens objetos da aplicação de que trata o item anterior, em condições que
permitam a determinação do valor realizado em cada período de apuração.
O valor da reserva, que será objeto de controle na Parte B do LALUR, será computado na
determinação do lucro real; (a) no período de apuração em que for utilizada para aumento do
capital social; ou (b) quando for utilizada para distribuição de dividendos. Em relação à condição
estipulada no item b, o texto regulamentar repete o enunciado de sua matriz legal, determinando
que a tributação só ocorrerá quando forem distribuídos dividendos.
Ocorre que, como já foi demonstrado, o valor das indenizações recebidas não representa
acréscimo patrimonial e, por essa razão, não pode ser tributado por via do Imposto de Renda.
Vale notar que a desapropriação não tem, sob o aspecto jurídico, nenhum parentesco com a venda.
Na venda, o preço é livremente fixado pelas partes contratantes, enquanto a desapropriação
decorre de ato administrativo do Poder Público.12
Já o art. 423 RIR/99 afirma que está isento do imposto o ganho obtido nas operações de
transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, e adota como matriz legal
o § 5º do art. 184 da Constituição Federal.
A regra do art. 422 do RIR/99 é inconstitucional. Com efeito, a Suprema Corte, quando do
julgamento da Representação nº 1.260-3-DF,13 decidiu que “o quantum auferido pelo titular da
propriedade expropriada é, tão só, forma de reposição, em seu patrimônio, do justo valor do bem,
que perdeu”. Com isso, aquele Tribunal declarou a inconstitucionalidade da
expressão desapropriação, contida no inciso II do § 2º do art. 1º do Decreto-lei nº 1.641/78, norma
dirigida às pessoas físicas. Ocorre que o § 4º do art. 31 do Decreto-lei nº 1.598/77, que é a matriz
legal do art. 422 do RIR/99, tem a mesma consistência semântica do preceito legal declarado
inconstitucional.
13.6ALIENAÇÃO DE TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA NO ÂMBITO DO
PND
Consoante dispõe o art. 431 do RIR/99, terá o tratamento de permuta a entrega, pelo licitante
vencedor, de títulos da dívida pública federal ou de outros créditos contra a União, como
contrapartida à aquisição das ações ou quotas leiloadas no âmbito do Programa Nacional de
Desestatização (PND). Em tais casos, o custo de aquisição das ações ou quotas leiloadas será
igual ao valor contábil dos títulos ou créditos entregues pelo adquirente na data da operação.
Todavia, quando se configurar, na aquisição, investimento relevante em coligada ou
controlada, avaliável pelo valor do patrimônio líquido, a adquirente deverá registrar o valor da
equivalência no patrimônio adquirido, em conta própria de investimento, e o valor do ágio ou
deságio na aquisição em subconta do mesmo investimento, que deverá ser computado na
determinação do lucro real do período de apuração de realização do investimento, a qualquer
título.
Essas mesmas regras aplicam-se, também, aos casos de entrega, pelo licitante vencedor, de
títulos da dívida pública do Estado, do Distrito Federal ou do Município, como contrapartida à
aquisição de ações ou quotas de empresa sob controle direto ou indireto das referidas pessoas
jurídicas de direito público, nos casos de desestatização por elas promovida.
De acordo com o art. 432 do RIR/99, o valor dos ganhos de capital na alienação de
participações acionárias de propriedade de sociedades criadas pelos Estados, Municípios ou
Distrito Federal, com o propósito específico de contribuir para o saneamento das finanças dos
respectivos controladores, no âmbito de programas de privatização, está isento do Imposto de
Renda, que, todavia, está condicionado à aplicação exclusiva do produto da alienação das
participações acionárias no pagamento de dívidas dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios.
Por fim, de acordo com o art. 433 do RIR/99, não incidirá o imposto na utilização dos
créditos de que trata o art. 5º da Medida Provisória nº 1.696, de 30 de junho de 1998, como
contrapartida da aquisição de bens e direitos no âmbito do PND. O pagamento do imposto que
houver de ser feito, a exemplo do que ocorre com as ações que forem alienadas pelos adquirentes,
só ocorrerá no momento da alienação.
13.7ÁGIO NA EMISSÃO DE AÇÕES
Prescreve o art. 442 do RIR/99 que não serão computadas na determinação do lucro real as
importâncias que forem registradas em conta de Reservas de Capital em virtude de ágio recebido
pela emissão de novas ações. Se o registro contábil deve ser feito em conta de reserva parece
improprio incluir a matéria no capítulo das normas que tratam sobre “ganhos de capital”, a menos
que houvesse uma norma tributária atribuindo a esse elemento o caráter de receita por
equiparação.
Na Lei nº 6.404/76 a constituição da reserva de ágio é regida pela norma do § 2º do art. 13
combinada com a regra constante da alínea “a” do § 1º do art. 182. De acordo com o enunciado
do texto da primeira norma, o valor da contribuição do subscritor que ultrapassar o valor nominal
constituirá reserva de capital à qual faz referência o § 1º do art. 182. O valor do ágio ou prêmio
decorre do contrato de subscrição de ações, e, portanto, submete-se ao mesmo regime jurídico do
capital social.
As regras para determinação do preço de emissão de novas ações estão previstas no
enunciado do § 1º do art. 170, da Lei nº 6.404/76. Esse preceito estabelece parâmetros para a
fixação do preço de emissão de ações, e, portanto, o órgão competente para determinar o aumento
do valor do capital pode fixar o preço de emissão das novas ações de acordo com o que entender
ser o melhor para a sociedade desde que observados os critérios fixados na Lei.
O preceito do art. 442 do RIR aplica-se exclusivamente às sociedades por ações. A 1ª
Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº 119.282, em 20
de março de 2002, decidiu que a previsão legal da exceção de incidência prevista neste preceito
aplica-se exclusivamente às empresas constituídas sob a forma de sociedade anônima, sendo
vedada a extensão a outros tipos de sociedades, em face do que dispõe o art. 111 do CTN. Em 5
de dezembro de 2014, o Tribunal decidiu que o valor da reserva de ágio, para as sociedades por
quotas, “deve compor o resultado comercial” (acórdão nº 9101-002.009). Essas decisões são
absurdas, porque esse elemento é qualificado pelas normas contábeis e deve ser recebido como
tais (como reservas que não afetam o resultado a partir do qual é calculado o lucro real) a menos
que exista norma tributária determinando a adição do respectivo para fins de determinação do
lucro real. Ao afirmar que o valor da reserva deve “compor o resultado comercial” da empresa, a
decisão ofende a regra contábil e distorce o sentido da regra tributária do art. 442 do RIR/99.
13.7.1Justificação econômica do ágio
A subscrição de capital com ágio é, em certas circunstâncias, necessária em razão da
existência, no patrimônio líquido da sociedade, de reservas formadas anteriormente14 à data da
subscrição das novas ações ou, ainda, de mais-valias ocultas, aparentes e latentes.15 O pagamento
do ágio, na verdade, representa a contrapartida pelo valor de mercado da empresa explorada pela
sociedade emissora das novas ações.16 Logo, quando um terceiro pretende tornar-se sócio de uma
sociedade que explora uma empresa em marcha, deve pagar pelo valor dela como um todo,
independentemente do que dizem os números da contabilidade; pois esta (a contabilidade) nem
sempre capta os chamados “valores intangíveis”, como são os que dizem respeito ao fundo de
comércio ou, como diz Francesco Galgano,17 o “avviamento dell’impresa sociale”, às marcas e
patentes, à fama etc.
A exigência do prêmio (ágio) é racionalmente justificável (razoável) porque a ordem jurídica
societária rechaça a diluição injustificada dos direitos dos acionistas em geral, em especial os
minoritários. Há muito tempo, Henry W. Ballantine18observou que os administradores das
companhias têm o dever de evitar a emissão de ações “por um preço inadequado, favorecendo
certas pessoas e com isso diluindo a participação proporcional dos outros acionistas”. Para Fran
Martins:19 “o estabelecimento de elementos a serem observados na fixação do preço das novas
ações tira aos administradores da companhia liberdade ampla para fixar o preço das ações novas,
já que na fixação não apenas devem eles ter em conta referidos elementos determinados pela lei”.
Por tais razões é que se considera que a exigência do prêmio na subscrição de capital, antes
de ser uma faculdade, é uma necessidade, porque constitui um meio de equilibrar20 a situação dos
antigos sócios com a daqueles que ingressam na sociedade. Assim, a lei contém regras estritas
que têm a finalidade precípua de evitar o enriquecimento sem causa dos novos acionistas, o que
seria contrário à equidade21 e à isonomia. Portanto, a subscrição de novas ações com ágio justifica-
se, segundo a lição de Aloysio Pontes, pelo fato de que “não arcaram, os novos subscritores, com
as dificuldades iniciais e não colaboraram para o bom sucesso da empresa”, daí por que
“corresponde tal ágio, à ‘joia’ cobrada, nas sociedades recreativas e desportivas, aos novos
sócios”.22
Na doutrina de Paulo de Tarso Domingues:23
“Há, porém, uma primordial razão que se associa à constituição do prêmio de
emissão e que se prende exclusivamente com a operação de aumento de capital. O
ágio visa fundamentalmente a compensar a diferença entre o valor nominal das
ações {subscritas no aumento de capital} e o valor venal das ações antigas; dito de
outro modo, visa a assegurar a igualdade entre o valor das entradas e o valor dos
direitos sociais, ou seja, com o ágio pretende-se fundamentalmente assegurar o
princípio da igualdade de tratamento entre os sócios.”
Há muito tempo o nosso J. X. Carvalho de Mendonça24 atentou para a necessidade da
utilização da figura do ágio nos aumentos de capital em certas circunstâncias, independentemente
da existência de norma legal que a previsse. Vejamos:
“Se a sociedade, existindo durante certo tempo, conserva intacto o seu capital,
acumula reservas, adquire freguesia e distribui bons dividendos, e o ativo social
representa valor superior ao capital, valor que, de ordinário, é indicado cotação na
Bolsa; seria injusto permitir aos novos acionistas, entrando com o valor nominal
da ação, isto é, com tanto quando os primitivos acionistas pagaram quando ainda
não se firmara o êxito da sociedade, gozar as mesmas vantagens destes.
Indispensável é, para estabelecer a igualdade entre os antigos e os novos acionistas,
exigir destes o preço correspondente aos valor intrínseco das antigas ações, o que
se obtém pela emissão acima do par.”
Enfim, a lei prevê o pagamento do ágio como um “meio de defesa” da posição dos antigos
sócios.25
O valor correspondente ao ágio não comporá o montante do capital e será levado a uma
conta de reserva, no patrimônio líquido, de modo que os recursos aportados a esse título
pertencem à sociedade e não aos acionistas que, todavia, se beneficiam ao menos indiretamente
do incremento patrimonial auferido pela sociedade. No direito alienígena as coisas se passam do
mesmo modo, ou seja, o prêmio pago pelo subscritor visa a remunerar a sociedade, e, de forma
oblíqua os seus acionistas, pela riqueza formada ao longo de sua existência, consoante a lição de
Leonardo G. Rodriguez:26
“La prima de emisión constituye el sobreprecio que debe pagar cada suscriptor de
una emisión de nuevas acciones de una sociedad existente respecto de su valor
nominal, siendo tal sobreprecio una de las condiciones de la respectiva emisión y
teniendo como fundamento el mayor valor que han adquirido las acciones emitidas
por la sociedad en el transcurso de los negocios sociales.”
Quando alguém pretende tornar-se sócio de uma sociedade que explora uma empresa em
marcha é natural que deva pagar pelo valor dela como um todo, inclusive pela perspectiva de
rentabilidade futura cujo valor econômico não é capturado pela contabilidade.27 Enfim, do ponto
de vista econômico o pagamento do ágio representa um ganho pela valorização da empresa
explorada pela sociedade emissora das novas ações. Esse ganho pode validamente ser apropriado
pelos acionistas se venderem diretamente as ações que possuem ou pode ser destinado ao
patrimônio da sociedade que, deste modo, torna-se receptora dos valores transferidos pelos
acionistas.
13.7.2Critérios para fixação do valor do ágio
Consoante foi exposto acima, a formação da reserva de ágio está sujeita às regras jurídicas
pertinentes ao aumento do valor do capital social. Essas regras atendem a um princípio básico que
visa a preservar a posição dos sócios ou acionistas nas hipóteses em que outras pessoas se
interessam por adquirir ações ou quotas da sociedade à qual pertencem. Por esta razão é que as
normas sobre a tutela do capital visam a não permitir a diluição injustificada da posição dos
antigos acionistas, e, por isso, a lei diz que o valor a ser recebido pela sociedade emissora pelas
novas ações não pode ser arbitrariamente estabelecido se disto resultar diluição injustificável.
A regra do § 1º do art. 170 da Lei nº 6.404/76 estabelece que, em caso de aumento de capital
mediante subscrição de ações, o preço de emissão poderá ser livremente fixado pelos acionistas,
levando-se em consideração, alternativa ou conjuntamente, o valor calculado com base: (a) na
perspectiva de rentabilidade futura;28 (b) no valor patrimonial; ou (c) no valor de cotação em Bolsa
de Valores, se for o caso.
Ocorre que a mesma norma proíbe a injustificada diluição da participação dos antigos
acionistas, o que pode ocorrer se o preço de emissão das novas ações não for adequadamente
determinado e causar prejuízo aos sócios que não subscreveram as novas ações ou o fizeram em
percentual menor que sua participação antes do evento. A norma proibitiva da diluição
injustificada da participação aponta para o fato de que a fixação de um preço de emissão aquém
ou além do que seria razoável pode ser encarada como abuso de poder de controle se o acionista
controlador vier a beneficiar-se à custa da diluição da participação dos demais acionistas.29
Em face da existência dessas regras que – ao fim e ao cabo – inserem-se no conjunto
daquelas que tutelam o capital social, parece certo que os sócios ou acionistas não têm a liberdade
para fixar – a seu talante – o valor do prêmio (ágio) a ser considerado como parcela a ser registrada
em conta representativa de Reserva de Capital. A liberdade de escolha diz respeito unicamente ao
critério de determinação do valor econômico das ações emitidas que deve ser adotado dentre
aqueles previstos na ordem jurídica para que sejam preservados os direitos dos acionistas e os
princípios inerentes à realidade (efetividade) do capital social como fator de garantia de direitos
de sócios e de terceiros. O uso da figura da Reserva, desse modo, deve ser feito de acordo com as
regras que estabelecem o regime jurídico do capital social e, por essa razão, os acionistas não
podem utilizar essa figura para atingir qualquer finalidade que seja incompatível com esse mesmo
regime jurídico.
Os efeitos fiscais da subscrição de capital social com prêmio (ágio) foram debatidos quando
do julgamento realizado pela Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes (atual
CARF), que deu origem ao Acórdão nº 101-95.537, de 26 de maio de 2006, na operação
popularmente conhecida como “casa e separa”. No caso julgado, uma pessoa jurídica integralizou
capital com ágio em sociedade por ações que imediatamente após foi objeto de cisão, de modo
que os antigos sócios levaram dinheiro e outros bens (notas promissórias pro soluto) na parcela
cindida e deixaram na sociedade por ações um investimento em empresa supermercadista que –
segundo os fatos acostados aos autos revelaram – era o objeto do negócio a ser adquirido pela
sociedade subscritora do capital com ágio. A fiscalização entendeu que a sociedade receptora do
prêmio de subscrição teria utilizado a figura para viabilizar a venda de participação societária em
empresa operativa que ficou sob o controle total da sociedade subscritora, enquanto os antigos
sócios levaram dinheiro e créditos dados em pagamento da subscrição. Nos votos dos julgadores
que entenderam como válido auto de infração lavrado, a questão do valor do ágio não foi a única
razão para o não acolhimento dos argumentos de defesa do autuado; todavia, ficou claro que os
julgadores consideraram que houve o uso inapropriado da figura. A leitura do Relatório e dos
votos permite inferir que houve, de fato, mais que um simples uso inapropriado da figura: houve,
sim, uma frontal vulneração da regra societária que rege a formação da Reserva de ágio, haja vista
que o acionista entrante entregou à companhia o montante de R$ 300.000.000,00 (trezentos
milhões de reais) para adquirir 9,96% das ações do capital, sendo que, deste total, R$
296.331.177,00 foram pagos a título de ágio. A rigor, o valor total pago por via da subscrição com
ágio correspondia ao que as partes atribuíram ao “negócio” segundo o contrato assinado entre
elas, e, desse modo, houve desproporção entre o valor atribuído ao aumento de capital e o valor
do ágio. Afinal, o valor atribuído ao ágio só seria justificável se o “negócio” tivesse valor superior
a mais de dez vezes o que as partes atribuíram a ele. O tema também foi suscitado quando do
julgamento, pela Sétima Câmara do 1º Conselho de Contribuintes (atual CARF) do Recurso nº
146.040, ocorrido, em 6 de dezembro de 2006, onde se discutiu caso com semelhanças estruturais
(subscrição de capital com ágio seguida de cisão parcial) e de propósitos (aquisição de um
negócio) com o acima referido. Em ambos os casos os contribuintes autuados foram acusados de
utilizar a figura da subscrição de capital com ágio para mascarar a venda de participação societária
e o órgão julgador deu razão às autoridades fiscais.
No entanto, e curiosamente, o problema da desproporção entre o valor econômico das ações
e o valor do ágio pago não foi ventilado quando do julgamento ocorrido em 28 de janeiro de 2010,
pela Quarta Câmara da Primeira Seção de Julgamento do CARF, que deu origem ao Acórdão nº
1401-00.155. Neste caso, a autuação foi mantida porque o Tribunal concordou que houve
verdadeira simulação de venda de participação societária e não negócio jurídico indireto.
Convém ressaltar que não existe óbice legal para a utilização da figura para fins de aquisição
de controle societário. Assim, parece claro que a subscrição de capital com ágio (ou sem ágio, se
houver justificativa econômica plausível e respeito pelos direitos dos demais acionistas) é um
caminho idôneo para aquisição do controle societário; todavia, a fixação do valor do prêmio (ágio)
deve ser feita de acordo com as regras societárias que regem a emissão de ações e fixação do
respectivo preço. Assim sendo, as partes são livres apenas para escolher um dentre os critérios
econômicos previstos na ordem jurídica, o que não significa dizer que têm liberdade ilimitada
para chegar ao número de suas conveniências.
13.8ALIENAÇÃO DE PARTES BENEFICIÁRIAS E BÔNUS DE
SUBSCRIÇÃO
Diz o art. 442 do RIR/99 que não será tributável pelo Imposto de Renda o valor dos ganhos
decorrentes da alienação de partes beneficiárias ou bônus de subscrição. Esses ganhos, consoante
dispõe a letra b do § 1º do art. 182 da Lei nº 6.404/76, devem ser classificados como reservas de
capital e, portanto, não fluem pelo resultado do período.
As partes beneficiárias, segundo o disposto no art. 46 da Lei nº 6.404/76, são títulos
negociáveis, sem valor nominal e estranhos ao capital social, que conferirão aos seus titulares
direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais. As
partes beneficiárias emitidas podem ser alienadas, isto é, podem ser utilizadas como forma de
captação de recursos financeiros junto a terceiros ou podem servir de instrumento para
gratificação dos fundadores da empresa ou outras pessoas.30 A Lei nº 10.303/01 acrescentou um
“parágrafo único” ao art. 47 da Lei nº 6.404/76 para proibir a emissão de tais títulos por
companhias abertas.
Na definição de Campos Batalha, bônus de subscrição são títulos negociáveis, emitidos por
companhias com capital autorizado, no limite da autorização, que conferem a seus titulares direito
de subscrição de ações do capital social.31 Esse conceito dogmático coincide com o enunciado do
art. 75 da Lei nº 6.404/76. Na forma do art. 77 da referida Lei, no entanto, os bônus de subscrição
serão alienados pela companhia ou por ela atribuídos, como vantagem adicional, aos subscritores
de emissões de suas ações ou debêntures.
O bônus de subscrição não se confunde com a “opção de compra” de ações que a companhia,
na forma do disposto no § 3º do art. 168, outorgue a seus administradores ou empregados, ou a
pessoas naturais que prestem serviço à companhia ou à sociedade sob seu controle. As opções de
compra, diz Modesto Carvalhosa, constituem contratos preliminares que outorgam o direito de
subscrever ações emitidas pela companhia, enquanto os bônus são títulos que incorporam o direito
de subscrever ações, na forma e condições previstas no estatuto e na deliberação do Conselho de
Administração; são títulos de crédito.32Os bônus não se confundem, também, com o direito de
preferência, regulado no art. 171 da Lei nº 6.404/76, e que pode ser cedido a terceiros por força
do § 6º daquele preceito. O direito de preferência é corolário do direto de quem já é sócio e tem
por objeto a preempção para subscrição de novas ações em decorrência do aumento do capital
social; ele pertence ao sócio enquanto o bônus de subscrição é título de crédito emitido pela
companhia.
13.9PRÊMIO NA EMISSÃO DE DEBÊNTURES
Não será tributado, quando registrado em conta representativa de reserva de capital, o valor
do prêmio na emissão de debêntures por companhias. Debêntures são títulos de crédito emitidos,
via de regra, por uma sociedade anônima para captação de recursos perante terceiros. Segundo a
definição legal constante do art. 52 da Lei nº 6.404/76, as debêntures conferirão aos seus titulares
direito de crédito contra a companhia, nas condições constantes da escritura de emissão e, se
houver, do certificado. Na emissão de debêntures, o traço essencial do negócio jurídico é o
empréstimo, vale dizer, o mútuo que é firmado entre o subscritor do título e a sociedade.33
O prêmio na emissão de debêntures é a remuneração que a sociedade emissora pretende
cobrar dos adquirentes dos títulos. Trata-se de valor que tem a natureza de um ágio que se justifica
em face do conjunto dos atrativos que o papel pode oferecer para o investidor, tais como a
qualidade das garantias e as perspectivas de remuneração. Diz o Parecer Normativo nº 30/84 que
a empresa emitente de debêntures que cobra do subscritor o valor dos juros produzidos entre a
emissão e a subscrição, fazendo tal valor compor o preço de colocação, deve escriturar como
receita o valor dos juros assim cobrados. Os juros, em tal circunstância, não remuneram capital
algum, servem como fator de ajuste do preço de emissão, sendo, portanto, errônea tal orientação.
Se os juros, em tais casos, forem considerados como parte do prêmio na emissão das debêntures,
o valor correspondente será levado a conta de Reserva de Capital, não tributável.
Não se confunde o prêmio na emissão com o prêmio de reembolso, previsto na parte final
do art. 56 da Lei nº 6.404/76. O prêmio de reembolso faz parte da remuneração que é paga pela
emissora e consiste na diferença entre o valor nominal e o valor de emissão nos casos em que este
é menor (há, portanto, um deságio) que aquele.34
No plano do Direito Societário, as coisas mudam a partir de 1º de janeiro de 2008, em razão
do disposto no art. 10 da Lei nº 11.638/07, que revogou as alíneas ce d do § 1º do art. 182 da Lei
nº 6.404/76. Em razão desta modificação legislativa, os valores recebidos a título de prêmios na
emissão de debêntures passam a ser registrados em contas de resultado (receitas) e não mais como
Reserva de Capital.
No Direito Tributário (na legislação do IRPJ), antes do advento da Lei nº 12.973/14, vigia a
regra do art. 38 do Decreto-lei nº 1.598/77, cujo inciso III do caput permitia o registro em conta
de Reserva dos valores recebidos a título de prêmios na emissão de debêntures. Logo, neste
período, havia uma evidente contraposição de mandamentos, já que a lei societária proibia uma
conduta (o registro de certas cifras em conta de Reserva), enquanto a lei tributária permitia.
Durante esse período, para fins fiscais, em face do princípio da especialização, permanecia a
possibilidade do registro em conta de Reserva, com os devidos ajustes para fins societários, como
impõe o art. 1º da citada Lei nº 11.638/07, na parte em que deu nova redação ao art. 177 da Lei
nº 6.404/76. O preceito citado foi revogado pela Lei nº 12.973/14.
A Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941/09, trouxe novas regras
contábeis para o registro dos valores relativos aos prêmios na emissão de debêntures. O art. 19 da
Lei nº 11.941/09 estabelece que os valores relativos aos prêmios na emissão de debêntures devem
ser registrados em contas de resultado. Para fins de apuração do lucro real é admitida a exclusão
dos valores registrados no resultado desde que sejam transferidos (até o limite do lucro líquido do
exercício, no ano do registro ou em períodos subsequentes) para uma conta de Reserva de Lucros
à qual se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404/76. Haverá tributação dos valores anteriormente
excluídos nos casos de: (a) capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou
ao titular, mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será o
valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de prêmios na emissão de
debêntures; (b) restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital social,
nos 5 (cinco) anos anteriores à data da emissão das debêntures com o prêmio, com posterior
capitalização do valor do prêmio, hipótese em que a base para a incidência será o valor restituído,
limitado ao valor total das exclusões decorrentes de prêmios na emissão de debêntures; ou (c)
integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios. O art. 19 da Lei nº 11.941 não repete a
regra do § 2º do art. 18 da mesma lei, que estabelece que essas novas disposições não têm o caráter
transitório das normas que regem o Regime Tributário de Transição (RTT) previstas na citada
Lei.
Convém salientar que a utilização dos valores registrados em conta de Reserva de Lucros
para aumento do valor do capital social não determina tout court a reversão da exclusão
anteriormente feita na determinação do lucro real. A lei diz que o dever de fazer a adição – na
verdade, trata-se de simples reversão e não de adição por descumprimento de condição, de modo
que não há penalidade a ser aplicada – surgirá no momento em que houver a posterior restituição
aos sócios sem estabelecer um prazo para que isso ocorra.
13.10LUCRO NA VENDA DE AÇÕES EM TESOURARIA
O item IV do art. 442 do RIR/99 é claro ao dispor que o eventual lucro obtido na venda de
ações em tesouraria não será tributado se registrado em conta representativa de reserva de capital.
O item 33 do Pronunciamento Técnico CPC 39 dispõe: “Se a entidade readquire seus próprios
instrumentos patrimoniais, esses instrumentos (ações em tesouraria) devem ser deduzidos do
patrimônio líquido. Nenhum ganho ou perda deve ser reconhecido no resultado na compra, venda,
emissão ou cancelamento de instrumentos patrimoniais da própria entidade”. A norma contábil é
omissa acerca do registro em conta de reserva e a lei societária não exige que assim se proceda.
Do ponto de vista do direito societário, a matéria é regida pelo art. 30 da Lei nº 6.404/76.
De acordo com esse preceito, a companhia não poderá negociar com as próprias ações salvo: (a)
nas operações de resgate, reembolso ou amortização, previstas em lei; (b) na aquisição, para
permanência em tesouraria ou cancelamento, desde que até o valor do saldo de lucros ou reservas,
exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; (c) na alienação das ações
adquiridas para permanência em tesouraria; e (d) na compra quando, resolvida a redução do
capital mediante restituição, em dinheiro, de parte do valor das ações, o preço destas em bolsa for
inferior ou igual à importância que deve ser restituída. A aquisição das próprias ações pela
companhia aberta obedecerá, sob pena de nulidade, às normas expedidas pela CVM, que poderá
subordiná-la à prévia autorização em cada caso.
A validade jurídica da operação de aquisição de ações para permanência em tesouraria
depende, portanto, da observância dos requisitos legais apontados que dizem respeito às
circunstâncias em que a operação é admitida; ou seja, que existam lucros ou reservas (de lucros
ou de capital) e, nos casos das companhias abertas, observados os demais requisitos impostos pela
CVM.
A observância dos requisitos legais é importante porque sem isso o sujeito passivo não
poderá invocar a regra do art. 442, como ocorreu em determinado caso concreto. Em 6 de
dezembro de 2001, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes negou provimento ao Recurso
nº 120.033, manejado por contribuinte que fora autuado por ter pretendido realizar um
“planejamento tributário” fundado na regra sob análise, com o objetivo de retirar do crivo da
tributação um ganho de capital na alienação de ações. Para alcançar tal desiderato a controladora
teria transferido, para a controlada, ações do próprio capital desta (a controlada) destinadas à
manutenção em tesouraria, mas que teriam sido vendidas pela titular das ações em tesouraria a
um terceiro, apurando um ganho nesta alienação. As autoridades fiscais viram neste conjunto de
atos a eiva de “simulação” porquanto: (a) a operação de aquisição de ações para manutenção em
tesouraria teria desatendido ao disposto no art. 30 da Lei nº 6.404/76; e (b) restou provado, nos
autos, que as ações da controlada foram vendidas pela controladora diretamente para a
compradora, como constava de Acordo ratificado em Protocolo firmado pelas partes e, também,
em virtude de os pagamentos terem sido efetuados e contabilizados pela compradora validando
os ajustes firmados.
13.11SUBVENÇÕES PARA INVESTIMENTOS
Antes do advento da Lei nº 11.638/07 estava em vigor a alínea d do § 1º do art. 182 da Lei
nº 6.404/76, que estipulava que os valores relativos a doações e subvenções recebidos pelas
empresas deveriam ser registrados em conta de Reserva de Capital, não compondo, portanto, o
resultado e o lucro líquido do exercício. O texto original da Lei nº 6.404/76 legal dizia que nem
toda subvenção podia ser registrada como Reserva de Capital, ou seja, somente aquelas
subvenções que forem concedidas “para investimentos” é que podiam.
No âmbito tributário, a matéria foi contemplada inicialmente na norma do § 2º do art. 38 do
Decreto-lei nº 1.598/77, alterada pelo Decreto-lei nº 1.730/79. Esta regra, que constitui a matriz
legal da norma contida no atual Regulamento do Imposto de Renda, estabelece que:
“§ 2º As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de
impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de
empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo Poder Público, não serão
computadas na determinação do lucro real, desde que: a) registradas como reserva
de capital, que somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser
incorporada ao capital social, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 19; ou b)
feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do
contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências
ativas.”
A partir do advento da Lei nº 11.638/07, após 1º de janeiro de 2008, o valor recebido a título
de subvenções para investimentos não mais poderia ser registrado em conta de Reserva, posto que
o art. 10 da citada Lei revogou as alíneas c e d do § 1º do art. 182 da Lei nº 6.404/76.
A Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941/09, modificou, uma vez mais,
as regras tributárias sobre a matéria. O art. 18 da Lei nº 11.941/09 estabelece que os valores
relativos às subvenções para investimentos, inclusive mediante redução e isenção de impostos e
as doações feitas pelo poder público, devem ser contabilizados em contas de resultado. Para fins
de apuração do lucro real é admitida a exclusão dos valores registrados no resultado desde que
sejam transferidos (até o limite do lucro líquido do exercício, no ano do registro ou em períodos
subsequentes) para uma conta de Reserva de Lucros à qual se refere o art. 195-A da Lei nº
6.404/76. Haverá tributação dos valores anteriormente excluídos se: (a) houver capitalização
seguida de restituição aos sócios mediante redução do valor do capital social; (b) nos cinco anos
anteriores à data da capitalização houver ocorrido redução de capital com restituição aos sócios;
(c) houver integração ao valor dos dividendos obrigatórios. Em face do disposto na parte final do
§ 2º do art. 18 da Lei nº 11.941, essas disposições não têm o caráter transitório das normas que
regem o Regime Tributário de Transição (RTT) previstas na citada Lei.
A Lei nº 12.973/14 modificou a legislação uma vez mais. De acordo com a redação
do caput do art. 30 da referida Lei, as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção
ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de
empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na
determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art.
195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: (a)
absorção de prejuízos contábeis, desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas
as demais Reservas de Lucros, com exceção da Reserva Legal; ou (b) aumento do capital social.
Ocorrendo a utilização da reserva para compensação de prejuízos contábeis, a pessoa jurídica
deverá recompor a reserva à medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
Se os requisitos acima não forem observados com rigor o contribuinte deve tributar o valor
recebido. Haverá o dever de tributar nas hipóteses de:
I – capitalização do valor e posterior restituição de capital aos sócios ou ao titular,
mediante redução do capital social, hipótese em que a base para a incidência será
o valor restituído, limitado ao valor total das exclusões decorrentes de doações ou
subvenções governamentais para investimentos;
II – restituição de capital aos sócios ou ao titular, mediante redução do capital
social, nos 5 (cinco) anos anteriores à data da doação ou da subvenção, com
posterior capitalização do valor da doação ou da subvenção, hipótese em que a base
para a incidência será o valor restituído, limitada ao valor total das exclusões
decorrentes de doações ou de subvenções governamentais para investimentos; ou
III – integração à base de cálculo dos dividendos obrigatórios.
Se, no período de apuração, a pessoa jurídica apurar prejuízo contábil ou lucro líquido
contábil inferior à parcela decorrente de doações e de subvenções governamentais e, nesse caso,
não puder ser constituída como parcela de lucros nos termos do caput, esta deverá ocorrer à
medida que forem apurados lucros nos períodos subsequentes.
A norma do art. 30 da Lei nº 12.973/14 não traz novidade alguma quando estabelece que a
condição essencial para que uma cifra seja qualificada e registrada como subvenção para
investimento é o fato de que ela seja concedida com a finalidade exclusiva de estimular à
implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Esse mesmo mandamento já
constava do texto do Decreto-lei nº 1.598/77, e, por isso, as autoridades fiscais têm, ao longo do
tempo, manifestado entendimento no sentido de que estão fora do âmbito de incidência da lei as
subvenções de qualquer natureza que não se destinem a criar ou modificar (expandir) estruturas
físicas.
O enunciado do § 7º do art. 198 da IN 1.700/14, regulamenta a aplicação da citada norma e
dispõe que: “não poderá ser excluído da apuração do lucro real a subvenção recebida do Poder
Público, em função de benefício fiscal, quando os recursos puderem ser livremente movimentados
pelo beneficiário, isto é, quando não houver obrigatoriedade de aplicação da totalidade dos
recursos na aquisição de bens ou direitos necessários à implantação ou expansão de
empreendimento econômico, inexistindo sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e
a aplicação dos recursos”. A norma adota o entendimento expressado pela Receita Federal do
Brasil em diversas Soluções de Consultas e que foi adotado em várias decisões proferidas pelo
CARF sobre a matéria. Ela reafirma a necessidade de vinculação dos recursos com bens físicos e
exige que os valores recebidos sejam imediatamente destinados a custear a aquisição dos referidos
bens. Todavia, a sincronia exigida pela norma não está prevista no texto da lei, e, se mantida,
exclui vários tipos de incentivos concedidos a empresas em fase pré-operacional ou em que o
limite temporal dos mesmos ultrapassa a fase de construção de bens físicos. Essa restrição é ilegal
já que a lei exige somente a vinculação dos recursos recebidos ao emprego numa espécie
determinada de ativos; logo, a exigência de sincronia financeira constitui uma modificação da lei
com a finalidade de restringir o seu campo de incidência.
A Lei Complementar nº 160/17 alterou o art. 30 da Lei nº 12.973, para estabelecer que os
incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ICMS são considerados
subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos
naquele preceito. O mandamento, como se vê, expande o conceito de subvenção para
investimento que passa a abranger todo e qualquer incentivo ou benefício de caráter financeiro
ou fiscal relativo ao ICMS. O novo preceito aplica-se inclusive aos processos administrativos e
judiciais ainda não definitivamente julgados. A norma, tal como está redigida, não tem campo de
aplicação limitado aos inventivos fiscais que possam ser convalidados por Convênio firmado
entre os Estados na forma da citada Lei Complementar; por isso, parece claro que ela abrange
toda e qualquer forma de desoneração tributária cuja finalidade seja incentivar ou remover
empecilhos para exploração de atividade econômica que sejam compatíveis com os objetivos
fundamentais da República mencionados no art. 3º da Constituição Federal. O fato de uma norma
concessiva de um incentivo não vir a ser convalidada não impede a incidência dessa norma,
porquanto as leis que concedem incentivos gozam de presunção de legalidade e moralidade, salvo
caso patológicos de evidente intuito de fraude.
13.12DOAÇÕES E PERDÃO DE DÍVIDAS
O art. 443 do RIR/99, com fulcro no § 2º do art. 38 do Decreto-lei nº 1.598/77, modificado
pelo Decreto-lei nº 1.730/79, prescreve que o valor das doações recebidas pelas pessoas jurídicas
será tributável salvo quando se referir à doação feita pelo Poder Público. Essa forma de disposição
é um tanto marota na medida em que não há dispositivo legal que determine a tributação de tais
valores, considerando que os mesmos devem ser registrados como Reserva de Capital; deste
modo, para que fosse admitida a tributação deveria haver uma norma específica, prescrevendo o
acréscimo de valores desta natureza para fins de apuração do lucro real. O art. 30 da Lei nº
12.973/14 dispõe que as doações feitas pelo Poder Público não serão tributadas se registradas em
conta de reserva e não distribuídas aos sócios ou acionistas e destinadas unicamente à absorção
de prejuízos contábeis e aumento do valor do capital social. A aplicação dessa norma foi
regulamentada pelo § 7º do art. 198 da IN 1.700/14.
Do ponto de vista econômico, um “perdão de dívida” produz os mesmos efeitos de uma
doação. Ocorre que o critério econômico pode não ser suficiente para resolver os problemas que
surgem de se determinar se os valores relativos à eliminação de passivos em decorrência de perdão
de dívidas são ou não são tributáveis, a exemplo do que ocorre com o valor das doações recebidas.
A expressão perdão de dívida designa o instituto jurídico da remissão de dívida a que alude o art.
385 do Código Civil de 2002. Remissão, em sentido lato, constitui a renúncia a um direito, ou a
forma de extinção de crédito sem que o devedor tenha satisfeito a prestação devida.35 Do ponto de
vista contábil, a eliminação de um passivo constitui receita cunho conteúdo econômico é evidente
na medida em que a entidade não mais transferirá recursos a terceiros para pagar a dívida objeto
da remissão em virtude de lei ou contrato. A norma contábil interfere na aplicação das normas
tributárias; assim, não havendo norma prevendo isenção ou não incidência, resta claro que os
valores perdoados são normalmente tributados.
13.13OUTROS RESULTADOS NÃO OPERACIONAIS
De acordo com art. 445 do RIR/99, não são tributáveis os valores recebidos pelas empresas
a título de capital das apólices de seguros ou pecúlio em favor da pessoa jurídica, pago por morte
do sócio segurado.
Da mesma forma, para as empresas concessionárias de serviços públicos de eletricidade, em
face do disposto no art. 444 do RIR/99, os lançamentos efetuados com valores da Conta de
Resultados a Compensar (CRC), decorrentes da aplicação das normas previstas na Lei nº 8.631,
de 4 de março de 1993, com as modificações da Lei nº 8.724, de 28 de outubro de 1993, não serão
considerados para efeito de determinação do lucro real da pessoa jurídica titular da conta.
13.14GANHO DE CAPITAL NA SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES, QUOTAS
E VALORES MOBILIÁRIOS
O art. 17 da Lei nº 12.973/14 prevê o diferimento da tributação do ganho apurado na entrega
de bens do ativo pelo valor justo para integralização de quotas ou ações e valores mobiliários
emitidos por companhia aberta na forma do disposto no art. 2º da Lei nº 6.385/76. Assim, o ganho
não será computado na determinação do lucro real desde que o aumento no valor do bem do ativo
seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada à participação societária ou aos valores
mobiliários, com discriminação do bem objeto de avaliação com base no valor justo, em
condições de permitir a determinação da parcela realizada em cada período. A epígrafe do art. 17
faz menção a “ganho de capital” e “subscrição de ações”: todavia, o enunciado do caput revela a
impropriedade dessas expressões porque a regra que autoriza o diferimento alcança quaisquer
bens, tenham eles caráter permanente ou não, e não se limita às sociedades por ações, uma vez
que o texto menciona “outra pessoa jurídica” que compreende todas as sociedades, inclusive, pois,
as sociedades por quotas. A impropriedade foi repetida no texto da IN 1.700/17, que dispõe sobre
o ganho de capital nos arts. 110 e 111.
Para que possa se beneficiar do diferimento da tributação, o contribuinte deverá manter um
histórico dos bens de qualquer natureza ou função que venham a ser ofertados em integralização
do capital social ou em pagamento de obrigação decorrente da aquisição de valores mobiliários.
O diferimento da tributação cessa quando acontecerem certos fatos na esfera jurídica da investida
– a sociedade que recebeu os bens – ou da investidora, a sociedade que entregou os bens para
liquidação das obrigações assumidas pela subscrição de ações, quotas, ou valores mobiliários.
Assim, o ganho será tributado mediante adição na determinação do lucro real:
(a)na alienação ou na liquidação da participação societária ou dos valores
mobiliários, pelo montante realizado;
(b)proporcionalmente ao valor realizado, no período-base em que a pessoa jurídica
que houver recebido o bem realizar seu valor, inclusive mediante depreciação,
amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou com ele integralizar capital de outra
pessoa jurídica.
Em razão do disposto nos §§ 4º e 5º do art. 17, na hipótese de subscrição de capital social
mediante a entrega de participação societária, a realização que determina o cômputo da receita
com tributação diferida ocorrerá:
(a)se houver a absorção do patrimônio da investida em virtude de incorporação,
fusão ou cisão, pela pessoa jurídica que teve o capital social subscrito por meio do
recebimento da participação societária;
(b)quando a investida absorver, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, o
patrimônio da pessoa jurídica que teve o capital social subscrito por meio do
recebimento da participação societária.
Em qualquer caso, se os bens entregues não forem sujeitos à depreciação, amortização ou
exaustão ou não tenham sido alienados, baixados ou utilizados na integralização do capital de
outra pessoa jurídica, a tributação ocorrerá depois de decorridos 5 (cinco) anos-calendário
subsequentes à subscrição em bens de capital social ou da aquisição dos valores mobiliários. Em
tais circunstâncias, o montante tributável corresponderá a 1/60 (um sessenta avos), no mínimo,
para cada mês do período de apuração.
A regra do § 3º do art. 17 dispõe que a tributação imediata do ganho em virtude do não
cumprimento do dever de evidenciação que é imposto pelo caput do art. 17 não poderá acarretar
redução de prejuízo fiscal do período e deverá, nesse caso, ser considerado em período de
apuração seguinte em que exista lucro real antes do cômputo do referido ganho.
O texto da lei, neste particular, não é feliz. A aplicação da regra do § 3º está subordinada –
por expressa referência – à incidência da norma do § 2º, segundo o qual haverá tributação imediata
do ganho se o valor do mesmo não for evidenciado em subconta vinculada ao ativo ou passivo
que deu origem ao registro do ganho. Assim sendo, a exigência de tributação do eventual ganho
que impede o abatimento das perdas correntes é uma consequência do não cumprimento do dever
de evidenciação; por isso, de acordo com o texto normativo, a lei não proíbe que o contribuinte
venha a renunciar ao diferimento se cumprir a norma que exige a adequada evidenciação e
submeter o ganho à imediata tributação nas hipóteses em que lhe parecer bem.
O preceito em questão é aplicável às operações de incorporação de ações, embora existam
ponderáveis opiniões no sentido de que esta operação não é suscetível de gerar renda, e, por isso,
não há fato gerador do IRPJ e nem da CSLL.
1O conceito normativo é idêntico ao adotado pela doutrina. Para H. A. Finney e Herbert E.
Miller (Principles of accounting introductory. 6. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1964, p. 201):
“fixed assets are assets of a relatively permanent nature used in the operation of the business
and intended for sale”.
2BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das S.A. v. 2. Rio de Janeiro:
Forense, 1977, p. 901.
3IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE. Manual de contabilidade das
sociedades por ações. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 136.
4MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996,
p. 379.
5Vide, a propósito, a decisão proferida pelo STJ quando do julgamento do Recurso Especial nº
894.911, ocorrido em 29.6.11.
6A tributação dos ganhos de capital das pessoas jurídicas. São Paulo: Resenha Tributária,
1978, p. 57.
7Imposto de renda. Rio de Janeiro: Justec, 1979, v. 2, p. 622.
8Sobre o tratamento tributário a ser dado às operações de permuta, ver o Parecer da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional nº 454, de 7 de maio de 1991, publicado no DOU de
12 de maio de 1992, p. 5898.
9Ver arts. 206 a 219 da Lei nº 6.404/76.
10Sobre os conceitos de reembolso, amortização e resgate de ações, ver arts. 44 e 45 da Lei nº
6.404/76.
11TILBERY, Henry. A tributação dos ganhos de capital das pessoas jurídicas. São Paulo:
Resenha Tributária, 1978. p. 70.
12Essa distinção pode ser vista em: NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Desapropriação e imposto de
renda. Em: Estudos tributários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. p. 439-457; SOUSA,
Rubens Gomes. Imposto de renda e desapropriação. Revista de Direito Público. São Paulo:
Revista dos Tribunais, nº 9, p. 152-166, 1969.
13Publicado na LEX/JSTF nº 124/234.
14ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1969, p. 495-504.
15COURET, Alain; MEDUS, Jean-Louis. Les augmentations de capital. Paris: Economica,
1994, p. 46. Para os autores: “la prime d’émission permet donc, aux anciens actionnaires de
préserver leur pouvoir, et d’égaliser les droit des anciens et nouveaux actionnaires sur les
réserves et plus-values occultes, apparentes et latentes”.
16Para Ives Guyon (Droit des affaires. 9. ed. Paris: Economica, 1996, p. 444) o ágio representa
um prêmio de emissão de caráter compensatório de modo que constitui “un droit d’entreé,
destineé à compenser la différence entre la valeur nominale et la valeur vénable des acctions
ancciennes”.
17GALGANO, Francesco. Diritto commerciale: le società. 5. ed. Bologna: Zanichelli, 2012, p.
399.
18BALLANTINE, Henry Whinthrop. Ballantine on corporations. Chicago: Callaghan, 1946, p.
488. No original: “the issue of shares at an inadequate price to favored persons, thereby diluting
the proportionate interest of other shareholders.”
19MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 177.
20ASCARELLI, Tullio. Saggi di diritto commerciale. Milão: Giuffrè, 1955, p. 431.
21FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. v. 5. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora
Nacional, 1958, p. 1530. No mesmo sentido: PONTES, Aloysio Lopes. Cobrança de ágio em
aumentos de capital de sociedades anônimas. Revista de direito mercantil, industrial,
econômico e financeiro nº 11. São Paulo: RT, 1973, p. 29-34.
22PONTES, Aloysio Lopes. Sociedades anônimas. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1954. v. 1, p.
154; e LACERDA, J. C. Sampaio de. Manual das sociedades por ações. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1967. p. 91.
23DOMINGUES, Paulo de Tarso. Variações sobre o capital social. Coimbra: Almedina, 2009,
p. 455.
24CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1963. v. 3, p. 394.
25MICCIO, Renato. Il diritto di opzione nell’aumento di capitale delle società per azioni.
Nápoles: Jovene, 1957, p. 2-3, a cobrança de um ágio (sopraprezzo) constitui, juntamente com
o direito de preferência um dos “mezzi di difesa” (meios de defesa) que a lei coloca em favor
dos antigos acionistas.
26RODRIGUEZ, Leonardo G. La prima de emisión de acciones. Buenos Aires: Depalma, 2001,
p. 34; FRENCH, Derek; MAYSON, Stephen; RYAN, Christopher. Company law. 27. ed.
Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 182.
27Para Geoffrey Morse (Charlesworth’s company law. Londres: Sweet & Maxwell, 2005, p.
145): “Where a company’s issued shares have a market value greater than the amount paid up
on them, then, when further shares are being issued, the company may require applicants to
agree to pay more than the nominal amount of the new shares, i. e. to pay a premium”.
28Para Fábio Konder Comparato (Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 146): “O
critério da lucratividade, obviamente, foi imposto pelo legislador, com o objetivo declarado na
parte final da norma: evitar a diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ou
seja, os efeitos do que a prática norte-americana denominou, desde o início do século, watered
capital. O novo subscritor passa, uma vez transformado em acionista, a participar não só do
patrimônio atual da companhia, inclusive reservas formadas ao longo dos exercícios passados,
mas também das perspectivas de lucro que se abrem no futuro próximo. A sua contribuição ao
capital corresponderá a esse amplo direito de participação, ou, ao contrário, a emissão de novas
ações representará um aumento do divisor sem correspondente aumento do bolo a ser
dividido”.
29COMPARATO, Fábio Konder. A fixação do preço de emissão das ações no aumento de
capital da sociedade anônima. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 81, p. 79, jan./mar. 1991.
30COSTA, Philomeno J. da. As partes beneficiárias. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 15-24.
31BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de
Janeiro: Forense, 1977. v. 1, p. 406.
32CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 3, p. 515.
33ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Tradução de Nicolau Nazo. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1969. p. 154.
34CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas . 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 1, p. 669.
35GOMES, Orlando. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 148.
14.1CUSTOS E DESPESAS
Existem diferenças entre custo e despesa. Ambos são tipos de mutações patrimoniais
diminutivas, mas os valores relativos aos custos de produção de bens e serviços transitam por
contas de Ativo antes de afetar o resultado de determinado período, enquanto as despesas, salvo
nos casos em que os bens e serviços ainda não forem consumidos, fluem direta e imediatamente
para o resultado. Assim, os valores relativos aos custos são agregados em contas de ativo
(estoques ou serviços em andamento) e só afetam os resultados no momento em que a pessoa
jurídica obtém receita pela venda das mercadorias ou pela prestação de serviços, ou quando os
estoques desaparecerem (por furto etc.) ou quando forem considerados imprestáveis para venda
em virtude de deterioração etc.
Na legislação contábil, com o advento do Pronunciamento CPC 16 os valores relativos aos
custos são tratados como “despesa”. O referido ato estabelece que os valores dos estoques sejam
baixados ao resultado como despesa quando reconhecida a receita a que se vinculam, ou quando
consumidos nas atividades a que se destinam se não estiverem vinculados à produção de bens ou
à prestação de serviços para a geração de receita futura. Na forma do disposto no item 11 do
Pronunciamento Técnico CPC 16 (R1): “o custo de aquisição dos estoques compreende o preço
de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis), bem como os
custos de transporte, seguro, manuseio e outros diretamente atribuíveis à aquisição de produtos
acabados, materiais e serviços”. O mesmo preceito prescreve que os descontos comerciais,
abatimentos e semelhantes – como são as bonificações de qualquer natureza, em dinheiro ou
mercadorias – devem ser deduzidos na determinação do custo de aquisição, e, por isso, não devem
ser registrados como receita.
O RIR/99 contém diversas normas sobre a determinação dos custos dos bens e serviços e
sobre os requisitos de dedutibilidade que devem ser observadas enquanto eles ainda estão fazendo
parte das contas do Ativo e também quando vierem a afetar o resultado. Os custos submetem-se
aos mesmos critérios de dedutibilidade aplicáveis às despesas em geral, isto é, devem ser normais,
necessários e devem estar suportados por documentos que comprovem a sua existência. Logo,
para os custos é aplicável a regra da necessidade e normalidade, de modo que a lei brasileira,
neste particular, segue o exemplo de uma antiga legislação italiana que dispunha sobre um
imposto sobre a riqueza e fazia menção à “spesa inerente”, assim consideradas aquelas assumidas
que permitem, numa íntima relação de causa e efeito, própria criação dos produtos.36
Percorrendo-se as normas constantes do texto do Regulamento do Imposto de Renda, é
possível identificar, de pronto, que existem basicamente duas espécies de regras sobre a
determinação dos custos e avaliação dos estoques. A primeira espécie é aplicável às empresas que
têm condições de determinar o valor dos custos (e dos estoques) por intermédio de informações
obtidas por um sistema de contabilidade de custos integrado com o restante da escrituração
contábil e fiscal. As normas da segunda espécie são dirigidas aos contribuintes que não possuem
sistema de contabilidade de custos adequado às exigências da legislação.
Em consequência, ou o contribuinte mantém um sistema de contabilidade de custos
integrada e coordenada, que lhe permita obter, a partir dos registros contábeis, dados sobre todas
as parcelas que compõem o custo das mercadorias vendidas, ou esse custo será determinado por
arbitramento.
14.2CUSTOS DE REVENDA E PRODUÇÃO
O enunciado do caput do art. 13 do Decreto-lei nº 1.598/77 dispõe que o custo de aquisição
de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o
estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação.
Para determinação do custo das mercadorias revendidas, o valor das aquisições de
mercadorias é entendido como sendo o preço pago menos o valor dos impostos e contribuições
recuperáveis e acrescido dos valores relativos a transporte e seguro até o estabelecimento do
contribuinte e eventuais gastos aduaneiros e congêneres.
Em relação às mercadorias importadas, a legislação do Imposto de Renda é silente quanto
ao tratamento fiscal que deve ser dispensado às eventuais variações de câmbio ocorridas entre a
data do embarque das mercadorias, no exterior, e a data da chegada das mesmas ao
estabelecimento do importador. Salvo convenção em contrário, a compra torna-se definitiva com
a entrega da mercadoria pelo exportador, que ocorre por ocasião do embarque, e, deste modo, as
eventuais variações do preço da moeda estrangeira devem ser tratadas como variações monetárias
passivas ou ativas. Note-se que esse entendimento não se modifica em razão da cláusula de
negociação, como FOB, CIF etc., pois ela diz respeito à responsabilidade por seguros, fretes etc.
Assim, tal cláusula diz respeito tão somente à incumbência de encargos decorrentes da operação
e não modifica, salvo nas vendas condicionais, o momento da transferência da propriedade, que
é o momento do embarque.
Em relação ao custo de produção dos bens e serviços, o § 1º do art. 13 do Decreto-lei nº
1.598/77 afirma que o mesmo compreenderá, obrigatoriamente:
(a)o custo de aquisição de matérias-primas e quaisquer outros bens ou serviços
aplicados ou consumidos na produção, observado o disposto neste artigo;
(b)o custo do pessoal aplicado na produção, inclusive de supervisão direta,
manutenção e guarda das instalações de produção;
(c)os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação dos bens
aplicados na produção;
(d)os encargos de amortização diretamente relacionados com a produção;
(e)os encargos de exaustão dos recursos naturais utilizados na produção.
Por fim, o § 2º do mesmo art. dispõe que a aquisição de bens de consumo eventual, cujo
valor não exceda de 5% do custo total dos produtos vendidos no exercício social anterior, poderá
ser registrada diretamente como custo.
A expressão “custo de produção”, contida no texto do § 1º do art. 13 do Decreto-lei nº
1.598/77, é ambígua porque a palavra produção pode ser utilizada para designar um processo e
um produto. Com a significação de processo, essa palavra pode ser usada para fazer referência a
uma linha de produção ou de fabricação: de outra parte, como produto, designa o resultado do
processo, ou seja, a quantidade daquilo que foi produzido em certo período.
Todavia, em sentido jurídico, produção é o processo de extração de bens da natureza que já
estão integrados ou solo, e, também da colheita de espécies vegetais nativas ou obtidas a partir do
processo de semeadura em solo preparado e devidamente tratado para que alcance maior
produtividade. Para De Plácido e Silva,37 produção significa: “a porção de riquezas, extraídas da
natureza ou obradas industrialmente, especializando-se, assim, em produção agrícola, produção
pecuária, ditas também de produção do solo, em produção fabril ou industrial”. De igual modo,
Silvio Rodrigues38 considera que “produtos são as utilidades que se retiram da coisa diminuindo-
lhe a quantidade, porque não se reproduzem periodicamente”, tal como ocorre com o carvão
extraído de uma mina, o petróleo de um poço etc. Pela mesma vereda, Orlando Gomes39 ensina:
“Denominam-se produtos as utilidades que se retiram de uma coisa, diminuindo-
lhe a quantidade até o esgotamento (minério, v. g.). São produtos: a lã do carneiro,
o leite, os cereais, a lenha.”
Na lição de Alcides Jorge Costa40 “produtores são os produtores agrícolas, pecuários e os
que se dedicam à indústria extrativa”. Produção, portanto, significa o processo de extração de
bens da natureza para utilização como matérias-primas ou como mercadorias a serem vendidas
em in natura. Os insumos da produção são – por natureza – aqueles necessários à extração ou
colheita (corte) de produtos. Em certas circunstâncias, a produção está atrelada à fabricação, numa
mesma empresa, de modo que há produtos (resultado da produção) que servem de matéria-prima
para a fabricação de outros bens.
A palavra produção, no contexto do art. 11 do Decreto-lei nº 1.598/77, pode ter o significado
de “fabricação”. De acordo com a definição de Plácido e Silva41, fabricar “quer significar a ação
de produzir artigo ou mercadoria pela transformação de certa matériaprima, como também pela
alteração operada em produto, gênero ou mercadoria, com a intenção de beneficiá-lo (melhorá-
lo), aumentando sua utilidade ou elevando seu valor”. Assim sendo, a rigor, fabricação é um
processo que pode ser empreendido em estabelecimento fabril devidamente aparelhado (empresa)
ou no âmbito de uma oficina de um artesão.
Na legislação tributária, o conceito próximo de fabricação é “industrialização”, de onde
advém a ideia de produto industrializado. De acordo com o art. 3º do Regulamento do IPI,
aprovado pelo Decreto nº 4.554/02, produto industrializado é o resultante de qualquer operação
definida como industrialização, mesmo incompleta, parcial ou intermediária. Fabricação, ou
industrialização em sentido amplo, é o processo de (conjunto de atividades) que visa a transformar
bens de uma espécie em outra, ou, ainda a introduzir modificações ou aperfeiçoamentos de sua
utilidade e aplicação. A propósito convém recordar que o parágrafo único do art. 46 do CTN
considera: “industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe
modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo”.
Prestação de serviços, por outro lado, ocorre quando há o “desempenho de qualquer esforço
humano objetivando proporcionar a outrem, sob regime de direito privado, um proveito, utilidade
ou comodidade, ou a satisfação de necessidade”.42Prestação de serviço é a atividade que visa à
produção de bens imateriais de acordo com a lista de atividades contidas na Lei Complementar
nº 116/03, que dispõe sobre o ISS, e que pode ou não envolver o concomitante fornecimento de
mercadorias.
Convém salientar que a lista dos elementos formadores dos custos indicados no art. 13 do
Decreto-lei nº 1.598/77 tem caráter meramente exemplificativo, e, deste modo, parece claro que
o preceito em questão impõe a adoção de um sistema contábil que capture todos os custos
inerentes à produção, consoante explicitado no item 3.2 do Parecer Normativo CST 6/79, que tem
a seguinte redação:
“3.2 – O Decreto-lei nº 1.598/77 fez clara opção pelo custeio por absorção. Sendo
assim, as matérias-primas são avaliadas a custo de aquisição (cf. subitens 2.1 e
2.2); os produtos em elaboração receberão a carga pelas matérias primas aplicadas
e pelos demais elementos formadores de custo (vd. lista, não exaustiva, no
parágrafo 1º do art. 13 do DL 1.598); a conta de estoque de produtos acabados,
eventualmente desdobrada em subcontas, será debitada pelo total dos custos
incorridos em produtos acabados no exercício.”
O enunciado do § 1º do art. 13 do Decreto-lei nº 1.598/77 ao fazer menção à lista de
elementos componentes do custo de aquisição emprega a expressão obrigatoriamente, que tem
sido interpretada como indicativa dos elementos mínimos que devem integrar os custos, podendo
o contribuinte vir a ampliar essa lista de acordo com as suas necessidades e especificidades.43 O
item 3.2 do Parecer Normativo CST nº 06/79, antes transcrito, segue pela mesma vereda ao
enunciar que a lista constante do preceito legal citado é “não exaustiva”. Quando a lei diz que os
custos serão obrigatoriamente formados por uma lista de elementos que enumera é possível
cogitar que os elementos ali indicados podem ser mínimos ou máximos, e, por esta razão, parece-
me contestável a conclusão ofertada pelo citado Parecer Normativo CST. O referido Parecer – é
justo que se reconheça – parte do pressuposto de que a lei adotou o critério de absorção total, e,
deste modo, tudo o quanto contribui (é útil) para a produção deve ser registrado como custo. Tal
interpretação, todavia, não exclui o entendimento segundo o qual a lei – ao enumerar os elementos
– construiu, ela própria, um critério de absorção que, como ela diz peremptoriamente, é
obrigatório. Por essa vereda, a absorção total seria aquela que é resultado da consideração dos
elementos obrigatórios indicados na lei.
(a)Matéria-prima
A qualificação do que seja matéria-prima é uma questão em aberto, que pode variar de
contribuinte para contribuinte. Assim, como matéria-prima deve ser considerada toda substância
com que se fabrica alguma coisa e da qual é obrigatoriamente parte integrante, como as chapas
de aço para uma fábrica de geladeiras. Algumas empresas também consideram como matéria-
prima os produtos que compõem ou integram os novos produtos, sem sofrer qualquer alteração
em sua estrutura, como vapores, álcoois etc. O mais adequado talvez fosse denominar esses itens
de “produtos intermediários”, expressão que, em sentido comum, serve para designar as
mercadorias que, embora não se integrem aos produtos novos, perdem as propriedades físico-
químicas ou se desgastam durante o processo produtivo. Todavia, o nome não é o mais
importante, pois este sempre ficará a depender das particularidades do processo produtivo de cada
empresa. São considerados como custos, também, os valores relativos aos materiais de
embalagem que acompanham o produto final e os materiais de acondicionamento eventualmente
utilizados durante o processo produtivo.
A aquisição de bens de consumo eventual, cujo valor não exceda a 5% do custo total dos
produtos vendidos no período-base anterior, poderá ser registrada diretamente como custo, sem
trânsito por conta de Ativo. O Parecer Normativo CST nº 70/79 arrola entre os bens de consumo
eventual, dentre outros: (a) materiais destinados a restaurar a integridade ou apresentação de
produtos danificados; (b) materiais e produtos químicos para testes; (c) produtos químicos e
outros materiais para remoção de impurezas de recipientes utilizados no processo produtivo; (d)
embalagens especiais, tais como as destinadas ao transporte etc.
Em relação às matérias-primas adquiridas de fornecedores localizados no exterior cabem
essas considerações, posto que, como visto, a legislação do Imposto de Renda não contém regra
expressa acerca do tratamento fiscal que deve ser dispensado às eventuais variações de câmbio
ocorridas entre a data do embarque das mercadorias, no exterior, e a data da chegada das mesmas
ao estabelecimento do importador. Depois da entrega da mercadoria pelo exportador, o que ocorre
por ocasião do embarque das mesmas, as eventuais variações do preço da moeda estrangeira
devem ser tratadas como variações monetárias passivas ou ativas, e independentemente da
cláusula de comércio exterior adotada. Assim, se adotarmos a lógica que a legislação prevê para
determinar o valor das receitas de exportação, chegaremos a essa conclusão, pois, nesse caso, o
fator de divisão entre o que é receita de venda e variação monetária é o embarque.
(b)Custo do pessoal
Os gastos com a mão de obra, própria ou adquirida de terceiros, que estão diretamente
ligados à produção, compõem o montante dos custos dos produtos produzidos. Estão abrangidos
os valores relativos aos salários e encargos sociais e previdenciários decorrentes, assim como os
benefícios atribuídos por lei, convenção sindical ou contrato coletivo ou mesmo por liberalidade
da empresa.
Problemas podem surgir em relação às atividades que estão no meio do caminho entre a
administração (que, portanto, geram despesas ao invés de custos) e a produção dos bens. Tais são
os casos dos salários e encargos pagos ou creditados a pessoas que supervisionam a produção,
mas agregam funções relativas à venda ou administração. O critério de divisão entre custo e
despesa, no caso, deve ser o de rateio segundo critério que possua razoável congruência com a
realidade.
(c)Aluguéis e outros custos
Os valores relativos a aluguéis e arrendamento mercantil de bens utilizados na produção
devem ser agregados aos custos dos bens que forem produzidos. Os valores relativos à
depreciação, amortização ou exaustão dos bens ligados à produção (intrinsecamente relacionados
com ela) comporão o montante dos custos dedutíveis se observadas as taxas legalmente admitidas.
Problemas podem surgir em relação aos custos relativos aos bens que são utilizados
concomitantemente em áreas de produção e de administração ou vendas; nesses casos, a
imputação dos valores aos custos dos bens produzidos deve ser feita por critério de rateio que seja
tecnicamente justificável.
(d)Depreciação de bens objetos de arrendamento
A Lei nº 12.973/14 modificou o texto do Decreto-lei nº 1.598/77 para dar nova redação a
alguns preceitos do art. 13 e vedar a dedução, pela pessoa jurídica arrendatária, de encargos de
depreciação, amortização e exaustão gerados por bens objeto de arrendamento mercantil e
imputados aos custos de produção, fabricação ou prestação de serviços. Por força do disposto no
art. 47 da Lei nº 12.973/14, os valores relativos ao aluguel são dedutíveis se os bens arrendados
(móveis ou imóveis) sejam intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos
bens e serviços, inclusive as despesas financeiras embutidas no valor da contraprestação. Demais
despesas financeiras, inclusive as decorrentes de ajuste ao valor presente, não podem ser
deduzidas em face do disposto no art. 48 da mesma Lei.
(e)Quebras e perdas na fabricação, transporte ou manuseio
Ao se referir às quebras, perdas e ajustes de estoques, o inciso I do art. 291 do RIR/99
estabelece que integrará o valor do custo das mercadorias revendidas e do custo dos produtos
vendidos o valor das quebras e perdas razoáveis, de acordo com a natureza do bem e da atividade,
na fabricação, no transporte e manuseio.
Como se vê, a norma legal citada faz referência a quebra e perdas razoáveis, sem, contudo,
oferecer critérios ou parâmetros para sua determinação. Para que essas perdas possam ser
consideradas dedutíveis a lei requer, além do aludido critério da razoabilidade, que elas ocorram
durante o processo de fabricação, transporte ou manuseio.
A determinação do que seja quebra razoável será feita em consonância com a natureza do
bem e das peculiaridades do processo produtivo adotado pelo contribuinte. Assim, é de se admitir
a perda por evaporação de alguns produtos químicos segundo parâmetros técnicos indicados
previamente pelas autoridades fiscais, que sempre ficam sujeitos a contestação, ou por instituição
especializada.
Cabe ao sujeito passivo comprovar a natureza e o montante das perdas por relatórios,
boletins ou outros documentos que contenham uma descrição do fato que originou a perda ou
quebra e o seu montante, que deve incluir, ainda, o valor dos créditos do ICMS e do IPI que devam
ser estornados na escrita fiscal do contribuinte, quando for o caso. Às autoridades fiscais cabe
aceitar, se razoáveis, as provas produzidas pelos contribuintes; a eventual recusa deve ser
motivada. De fato, quando entenderem que as provas apresentadas são imprestáveis, as
autoridades fiscalizadoras podem impugná-las desde que fundamentem e demonstrem a sua
inadequação, sob pena de nulidade do auto de infração, em face do princípio do contraditório e
da ampla defesa.
Há aqui um problema, porque as quebras podem ocorrer também no armazenamento dos
estoques de matérias-primas de produtos acabados. Desde que adequadamente comprovadas as
quebras, não há como negar a aplicação, por analogia, das regras sobre dedutibilidade das quebras
de outra espécie.
(f)Quebras e perdas por deterioração e obsolescência
Ocorrendo quebras e perdas por deterioração, obsolescência ou em razão de outros riscos
não cobertos por seguros, a lei fiscal impõe formas específicas para que se determine o valor do
custo operacional dedutível.
O item II do art. 291 do RIR/99 determina que a dedutibilidade fiscal somente é aceita
quando comprovada: (a) por laudo ou certificado de autoridade sanitária ou de segurança, que
especifique e identifique as quantidades destruídas ou inutilizadas e as razões da providência; (b)
por certificado da autoridade competente, nos casos de incêndios, inundações ou outros eventos
semelhantes; e (c) mediante laudo emitido por autoridade fiscal que certificou a destruição de
bens obsoletos, invendáveis ou danificados, quando não houver valor residual apurável.
Há que se ressaltar, todavia, que a dedutibilidade de tais valores está condicionada, também,
à inexistência de cobertura por seguro. Quando houver a cobertura por seguro, o valor da perda
ou quebra deverá ser contabilizado em conta de Ativo Circulante ou Realizável até a sua
liquidação. Entretanto, se o valor segurado for insuficiente para repor perda, a eventual diferença
deverá ser importada ao resultado como dedutível, pois isso equivale a ausência de seguro.
Parece ser plenamente justificável a existência de um único laudo para as quebras
decorrentes de fatores naturais e que, por serem recorrentes, não necessitam ser repetidas a todo
tempo. De fato, se as quebras são recorrentes e podem ser creditadas à consistência física ou
química de um produto, não é razoável a exigência de um laudo para cada quebra se é notório que
elas acontecem sempre e independentemente da vontade do sujeito passivo. De acordo com a
decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes quando do julgamento do Recurso nº 131.769
(acórdão nº 101-94.164, de 16.04.03), os valores relativos aos ajustes no estoque “decorrentes de
incineração/inutilização não comprovados por laudo/certificado da autoridade competente, bem
como sua dedução do lucro operacional, são considerados como despesas indedutíveis, passíveis
de tributação por adição ao lucro tributável do respectivo exercício”.
As empresas que exploram atividade de editoras estão autorizadas, pela Portaria nº 496/77,
a atribuir valor zero aos estoques de fascículos obsoletos não comercializados por falta ou
esgotamento de mercado e os recebidos em restituição pelos mesmos motivos.
(g)Capacidade ociosa e paralisação da produção
A existência de capacidade de produção não utilizada e a ocorrência de paralisações não
programadas das atividades industriais trazem, não raro, problemas contábeis e, principalmente,
problemas de ordem fiscal.
Quando há redução do nível de atividade econômica, é comum que a capacidade de
produção instalada de determinado empreendimento não esteja sendo plenamente utilizada. Com
maior frequência, pode ocorrer paralisação temporária da produção em razão de defeitos de
equipamentos, e até falta de pedidos. Nesses casos, é possível que, mesmo com a utilização parcial
de equipamentos, instalações ou na impossibilidade da utilização dos mesmos, a empresa venha
suportar alguns gastos que independem do volume de produção.
São os chamados “custos fixos”. A título de exemplo de custo fixo há o valor do aluguel de
um galpão industrial. Produza cem unidades, ou produza apenas uma unidade, o valor de aluguel
não diminui, já que, em regra, não é fixado tendo em conta a capacidade instalada de produção
ou a quantidade produzida. As autoridades fiscais, por intermédio do Parecer Normativo CST nº
6/79, firmaram entendimento de que o sistema de custeio preconizado pelo Decreto-lei nº
1.598/77 é o de “absorção total”, o que poderia significar que os custos fixos, em qualquer
hipótese, deveriam compor o valor dos estoques.
Decorrem de tais situações dúvidas acerca do adequado tratamento contábil e fiscal a tais
gastos. Quando não há produção, não se cogita da atribuição do total ou parte desses custos fixos
ao valor dos estoques, já que estes não existem. A dificuldade ocorre quando os custos fixos são
mantidos, e as quantias, reduzidas.
De acordo com o Pronunciamento CPC 16, “os custos fixos relativos à capacidade não
utilizada em função de volume de produção inferior ao normal devem ser registrados como
despesas no período em que são incorridos, não podendo ser alocados aos estoques”.
Se por um lado há segurança quanto ao critério técnico-contábil a ser seguido, do ponto de
vista fiscal persiste a dúvida sobre a dedutibilidade dos custos fixos lançados diretamente ao
resultado do exercício. O item 3.2 do Parecer Normativo CST nº 6/79, antes mencionado, afirma
que a legislação tributária adota o sistema de custeio por absorção total e, desse modo, havendo
produção, independentemente do seu volume, todos os custos fixos devem, do ponto de vista
fiscal, ser imputados ao valor dos produtos acabados ou em elaboração na data do Balanço. Assim,
se adotado o entendimento em consonância com a melhor técnica contábil, poderá estar
caracterizada, para fins fiscais, a postergação do pagamento do Imposto de Renda.
Não obstante o fato de se ter uma indicação do entendimento das autoridades fiscais a
respeito do assunto, parece-nos que este carece de melhor explicação e questionamento. A
absorção total a que se refere o Parecer Normativo CST nº 6/79 diz respeito a todos os gastos que
devem compor o custo de produção. Quando existem gastos sem produção, os mesmos deixam
de ter natureza de custo, melhor se amoldando ao conceito de despesa, sendo inaplicável, portanto,
a regra que predica a absorção total. Da mesma forma, quando a produção é reduzida de forma
drástica, o mesmo critério deve ser adotado, cabendo ao contribuinte considerar como custo dos
estoques apenas uma parcela dos custos fixos. Na falta de melhor critério para se determinar esse
valor, poder-se-ia adotar aquele que leva em conta o volume produzido, vis à vis à capacidade
produtiva histórica, dos últimos dois anos.
A dificuldade em se identificar, com exatidão, o montante dos custos fixos não imputáveis
à produção no período poderia vir a ser empecilho à dedutibilidade imediata de tais custos. Assim,
cabe ao contribuinte munir-se das informações necessárias a justificar esse procedimento.
14.3CONTABILIDADE DE CUSTOS INTEGRADA
O Decreto-lei nº 1.598/77, embora a ela se referisse, não ofereceu a conceituação legal do
que seja contabilidade de custos integrada e coordenada. O Parecer Normativo CST nº 6/79 supriu
esta lacuna legal, construindo um conceito que foi incorporado ao texto do RIR/99. Assim, de
acordo com o § 2º do art. 294 do RIR/99, sistema de contabilidade de custos integrado e
coordenado com o restante da escrituração é aquele:
(a)apoiado em valores originados da escrituração contábil (matéria-prima, mão de
obra direta e custos gerais de fabricação);
(b)que permite determinação contábil, ao fim de cada mês, do valor dos estoques de
matérias-primas e outros materiais, produtos em elaboração e produtos acabados;
(c)apoiado em livros auxiliares, ou fichas, ou formulários contínuos, ou mapas de
apropriação ou rateio, tidos em boa guarda e de registros coincidentes com aqueles
constantes da escrituração principal;
(d)que permite avaliar os estoques existentes na data do encerramento do período-
base de apropriação de resultados segundo os custos efetivamente incorridos.
O primeiro item do conjunto de regras que compõe o conceito normativo de contabilidade
de custos integrado e coordenado prevê que os valores relativos aos custos dos produtos vendidos
e dos produtos em estoque devem estar apoiados em registros contábeis analíticos em que sejam
identificados, com detalhes, os valores relativos a matéria-prima, mão de obra e gastos gerais de
fabricação etc., e que estes registros podem estar consubstanciados em livros fiscais previstos pela
legislação do IPI e ICMS. Esses livros são: o Livro Registro de Entradas, o Livro Registro de
Saídas, o Livro Registro de Controle da Produção e do Estoque e o Livro Registro de Inventário,
desde que eles estejam revestidos das formalidades legais. Esta possibilidade é confirmada no
item d acima transcrito, que admite ainda formalização dos registros ou mapas de apropriação ou
rateio.
A exigência mais controvertida é a de apuração mensal, ou em períodos menores, do valor
dos estoques e, por conseguinte, do valor dos custos das mercadorias ou dos produtos vendidos.
Referida exigência é totalmente despida de fundamentação legal, não obstante seja a apuração
mensal recomendável do ponto de vista de um controle gerencial eficiente sobre os custos e
estoques. Os valores dos custos e dos estoques só têm efeito por ocasião do encerramento do
período de apuração, e a exigência dessas formalidades antes dessa data não é razoável, isto é,
não pode ser racionalmente explicada.
Outro aspecto que tem causado polêmica é a necessidade ou não de que a contabilidade de
custo possua elementos identificados do custo de produção por espécie de produto, em razão de
bitola, medida, espessura etc. Tanto a legislação quanto o PN CST nº 6/79 são omissos em relação
a esse aspecto. Assim, pode-se indagar se possui contabilidade de custos integrada a empresa
fabricante de pregos que atribui custo a seus produtos segundo o peso de cada produto em relação
a sua bitola. Nessas circunstâncias, quando a matéria-prima é única para as diversas espécies de
prazos, respondemos afirmativamente.
Contudo, produtos da mesma espécie que utilizam materiais diferenciados ou sujeitos a
processos específicos de tintura, resfriamento etc. devem ser segregados contabilmente. Assim é
que uma calça de índigo que passe por um processo de branqueamento deve ter um custo diferente
daquela não submetida a esse processo. A embalagem também poderá determinar que a um
mesmo produto deva ser atribuído custo diferenciado de outro, embalado de forma diferenciada.
A falta de segregação poderá acarretar apenas distorções no resultado de exercício em razão da
diferença de prazo de rotação dos estoques.
Finalmente, não é demais lembrar que, sendo a contabilidade de custos parte da escrituração
contábil, os documentos de suporte das operações deverão ser mantidos em ordem e em boa
guarda para exibição às autoridades fiscais, quando solicitados.
14.4CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE ESTOQUES
De acordo com Pronunciamento CPC 16, o valor contábil dos estoques deve ser mensurado
pelo montante de custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois, o menor. No valor dos estoques
se incluem todos os custos de aquisição, de transformação e outros incorridos para pô-los em
condições de cumprir a sua finalidade. Assim, o custo deve compreender o preço de compra, os
impostos de importação e outros tributos, custos de transporte, seguro, manuseio e outros
diretamente atribuíveis à aquisição de produtos acabados, materiais e serviços. Descontos
comerciais, abatimentos e outros itens semelhantes devem ser deduzidos do preço na
determinação do custo de aquisição.
Os custos de estoques fabricados ou em processo de fabricação são aqueles diretamente
relacionados com as unidades produzidas ou com as linhas de produção, tais como: mão de obra
direta e matéria-prima e a alocação sistemática de custos indiretos de produção fixos e variáveis
que sejam incorridos para transformar os materiais em produtos acabados ou para a prestação de
serviços. A alocação de custos indiretos fixos às unidades produzidas deve ser baseada no volume
normal de produção, que é aquele que se espera atingir, em média, ao longo de vários períodos
ou de períodos sazonais, em circunstâncias normais, levando-se em consideração a não utilização
da capacidade total, resultante da manutenção planejada, de férias coletivas planejadas etc.
A legislação do Imposto de Renda prevê dois critérios alternativos de avaliação de estoques.
O primeiro diz respeito à fórmula para determinação do custo dos estoques para empresas que
possuem um sistema de contabilidade de custo coordenado e integrado à escrituração principal.
O segundo é de adoção obrigatória para empresas que não possuem contabilidade de custos que
atenda aos requisitos da legislação fiscal e consiste em arbitrar o valor dos estoques segundo
parâmetros previamente definidos.
A determinação do custo das mercadorias e dos produtos vendidos, que está intimamente
relacionada com critérios de avaliação dos estoques, é fundamental para a apuração dos resultados
contábeis e fiscais de uma empresa. Toda variação no valor dos estoques repercute imediatamente
no custo dos produtos e mercadorias vendidas ou consumidas e, por consequência, no resultado
do exercício. A incorreta avaliação para mais do valor dos estoques reduz o custo dos produtos e
mercadorias vendidas ou consumidas e aumenta indevidamente a base de cálculo do Imposto de
Renda, ao passo que avaliação para menos do valor dos estoques acarreta o efeito inverso.
O art. 14 do Decreto-lei nº 1.598/77, que é matriz legal do § 1º do art. 294 do RIR/99, prevê
que o contribuinte que mantiver sistema de contabilidade de custo integrado e coordenado com o
restante da escrituração poderá avaliar o valor dos estoques de acordo com os custos que aquele
sistema contábil produzir, observados os critérios legais para determinar o valor desses custos.
Por outro lado, o valor dos bens existentes na data do encerramento do período poderá ser o custo
médio ou dos bens adquiridos ou produzidos mais recentemente. Essa regra, que consta do art.
295 do RIR/99, só pode ser adotada pelos contribuintes que tiverem contabilidade de custos
integrada e coordenada. Constitui, portanto, um critério alternativo de avaliação do valor dos
estoques. Dentro, ainda, desse critério alternativo, é facultado ao contribuinte fazer a avaliação
do valor dos estoques de produtos acabados e de mercadorias destinadas à venda, pelo preço de
venda, subtraída a margem de lucro.
A adoção do critério de avaliação pelo custo médio consiste em atribuir aos estoques o custo
médio de aquisição, apurado em cada entrada de mercadoria ou matéria-prima, ponderado pelas
quantidades adicionadas e pelas quantidades anteriormente existentes. O Parecer Normativo CST
nº 6/79 oferece um exemplo de cálculo que ilustra bem o entendimento das autoridades fiscais.
Assim, a cada entrada, há preço unitário diferente do preço médio anterior, há modificação no
valor do preço médio. Outrossim, a saída não altera o preço médio, alterando, entretanto, o fator
de ponderação e, assim, o preço médio da entrada seguinte.
Conforme esclarece o Parecer Normativo citado, é aceitável do ponto de vista fiscal que as
saídas sejam registradas unicamente ao fim de cada mês, desde que avaliadas ao preço médio que,
sem considerar o lançamento da baixa, se verificar naquele mês. Em qualquer circunstância,
deverá o contribuinte adotar registros permanentes de estoques com base em livros, fichas ou
formulários contínuos emitidos por sistema de processamento eletrônico de dados. Como
alternativa ao critério de preço médio antes comentado, pode ser adotado o custo das aquisições
mais recentes pelo método contábil denominado Peps, abreviatura da expressão: “o primeiro a
entrar é o primeiro a sair”. Não é permitida a adoção do critério conhecido por Ueps (“o último
que entra é o primeiro a sair”).
Parece-nos que, se o contribuinte quiser adotar o critério Ueps, não estará impedido de fazê-
lo, mas deverá considerar como não dedutível na determinação do lucro real o valor excedente
que resulta da avaliação pelo critério do custo médio ou Ueps. Se isso ocorrer, no período-base
em que os estoques forem vendidos ou consumidos far-se-á a exclusão do valor anteriormente
tributado.
Se o contribuinte adotar o critério de avaliação dos estoques com base no custo médio,
deverá ter controles que permitam identificar a data da movimentação (entrada, saída ou
transferência etc.), a quantidade movimentada e o respectivo saldo. Deve ainda ter registros dos
dados alusivos ao preço médio e controle por valores, que devem coincidir com os registros
contábeis.
O enunciado da parte final do texto do caput do art. 295 do RIR/99 admite a avaliação dos
estoques com base no preço de venda menos a margem de lucro, é mais problemático. Ao se
referir a preço de venda, essa norma só é aplicável aos bens destinados à venda, como mercadorias
e produtos acabados. O valor dos estoques de matérias-primas e produtos em elaboração deverá
ser avaliado pelo custo de aquisição mais recente. Esse critério de avaliação contraria o preceito
do inciso II do art. 183 da Lei nº 6.404/76, que determina que “os direitos que tiverem por objeto
mercadorias e produtos do comércio da companhia, assim como matérias-primas, produtos em
fabricação e bens em almoxarifado, serão avaliados pelo custo de aquisição ou produção,
deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor de mercado, quando este foi inferior”. Esse problema
pode ser contornado a partir da constatação de que as normas fiscais e societárias têm funções e
objetivos diferentes, sendo perfeitamente aceitável essa diversidade de critérios.
Outro problema estaria relacionado com a determinação do preço a ser utilizado. Que preço
é esse? É um preço médio? Tratando-se de preço médio, qual é o período que deve ser tomado
para extração da média? Que média é essa, ponderada ou aritmética? Como calcular o valor das
vendas feitas em moeda estrangeira, em regime de flutuação de câmbio? Esses problemas
potencializam os seus efeitos quando se constata que, não raro, as empresas possuem preços
diferenciados em razão da quantidade vendida, prazos etc. E quando na data do balanço não
tiverem sido realizadas vendas? Adota-se o último preço praticado ou aquele praticado após a
data do balaço, mais próximo a esta data?
Ante esse manancial de lacunas, o contribuinte está autorizado a adotar o preço de venda
que entenda ser o mais razoável possível, isto é, aquele para o qual possa apresentar boas razões.
De qualquer sorte, entendemos que os contribuintes poderão adotar a média ponderada dos preços
praticados na data do balanço, ou, se vendas não tiverem sido efetuadas em tal data, a média
ponderada dos preços de vendas anteriores e posteriores, próximas à data do balanço. No caso de
vendas em moeda estrangeira, o valor a ser tomado é aquele que foi efetivamente recebido, que
pode ser maior ou menor que o preço em moeda nacional na data da contabilização.
14.5ARBITRAMENTO
Existem, ainda, as regras que tratam da avaliação dos estoques com base em arbitramento e
que são aplicáveis aos contribuintes que não tenham contabilidade de custo integrada com o
restante da escrituração. Assim, a falta de sistema de contabilidade de custos integrado impõe o
arbitramento do valor dos estoques com base nos percentuais previstos nas alíneas a e b do § 3º
do art. 14 do Decreto-lei nº 1.598, que corresponde ao art. 296 do RIR/99. Assim, o contribuinte
deve observar que:
(a)os materiais em processamentos, por uma vez e meia o maior custo das matérias-
primas adquiridas no período, ou em 80% do valor dos produtos acabados,
determinados de acordo com o item b, a seguir;
(b)os produtos acabados, em 70% do maior preço de venda no período, sem exclusão
do valor do ICMS, quando for o caso.
O maior preço de venda referido no diploma legal deve ser tomado em relação a todas as
operações realizadas pela pessoa jurídica, envolvendo o estabelecimento matriz e também as
filiais. O Conselho de Contribuintes, no Acórdão nº 101.75.889/85, decidiu que o maior preço de
venda deve ser tomado por ocasião de venda, sendo irrelevante a ocorrência de fatores posteriores
tendentes a reduzi-lo, como a concessão de descontos, por exemplo.
Sob o argumento de que o ICMS é parte indissociável do preço da mercadoria vendida, as
autoridades fiscais, pelo Parecer Normativo CST nº 14/81, firmaram entendimento de que, para
fins de arbitramento do custo dos estoques, o preço de venda deve ser considerado como o valor
do referido imposto incluso. Agora, o próprio RIR adota esse entendimento.
O Parecer Normativo CST nº 6/79, editado para esclarecer vários pontos dos arts. 13 e 14
do Decreto-lei nº 1.598/77 é claro ao explicitar que:
“2.4 – Pode ocorrer, entretanto, que o contribuinte não possua registro permanente
de estoques. Nesse caso o inventário, ao final do exercício, é definido: em
quantidades, por contagem física; em preço, segundo aquele praticado nas compras
mais recentes e constantes das notas fiscais (no caso trivial de que o estoque é
menor que a última compra, o preço unitário desta é relevante para avaliação); em
valor, pela multiplicação do preço por quantidade.”
A regra é clara: tomam-se as quantidades apuradas por contagem física e os últimos preços
de compra e faz-se o cálculo do valor dos estoques finais. No item 2.5, o referido Parecer
Normativo CST 6/79 esclarece que toda essa sistemática de cálculo pode ser traduzida numa
simples fórmula:
“2.5 – Entretanto, se de estoques é feito mediante contagem física, como descrito
em 2.4, o custo das mercadorias vendidas ou das matérias-primas utilizadas é
obtido pela expressão: CV = EI + compras no exercício – EF; onde EI e EF
significam valores inventariados conforme subitem 2.4, respectivamente no início
e no encerramento do período-base.”
As siglas “EI” e “EF” significam “estoque inicial” e “estoque final” respectivamente. Ao
contribuinte cabe manter em boa guarda os comprovantes da apuração dos valores e a escrituração
do Livro Registro de Inventário. A falta de um sistema de contabilidade de custos com o
consequente arbitramento do valor dos estoques não é suficiente, por si só, para autorizar o
arbitramento do lucro, porque este está autorizado unicamente nos casos em que a contabilidade
torna-se imprestável para permitir a apuração do lucro contábil de modo a atender ao princípio da
integridade do Balanço.
14.6PRODUTOS RURAIS
De acordo com o art. 297 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999, os estoques de
produtos agrícolas, animais e extrativos poderão ser avaliados aos preços correntes de mercado,
conforme as práticas usuais em cada tipo de atividade. Trata-se de exceção ao princípio do “custo
como base de valor”, pois a lei admite a adoção do preço corrente no mercado, se for o caso.
Trata-se de uma faculdade que pode ou não ser exercida pelo sujeito passivo.
Para fins contábeis, de acordo com o Sumário do Pronunciamento Técnico editado pelo
CPC, o denominado “CPC 29” estabelece o tratamento contábil para os ativos biológicos durante
o período de crescimento, degeneração, produção e procriação. Ele requer a contabilização pelo
valor justo menos as despesas de vendas, desde o reconhecimento inicial, exceto quando o valor
justo não estiver disponível. A mensuração contábil pelo valor justo deve ser objeto de contínuas
avaliações de modo que as variações no valor justo do ativo biológico são receitas ou despesas na
demonstração do resultado do período. Essa diretriz contábil modifica o marco jurídico contábil
estabelecido inicialmente pela Lei nº 6.404/76, segundo o qual apenas os estoques de produtos
agrícolas poderiam ser avaliados: (a) pelo custo de aquisição, ou; (b) pelo valor de mercado.
14.7AJUSTES DE ESTOQUES OU INVENTÁRIOS
Sendo o critério de avaliação dos estoques com base no custo ou mercado (realização
líquida) – dos dois, o menor –, será necessário, em certas circunstâncias fazer um ajuste. Nos
termos do Pronunciamento CPC n º 16, os valores relativos à redução ao valor realizável líquido
e quaisquer outras perdas (por deterioração, obsolescência etc.) devem ser reconhecidos como
despesas, e, portanto, não se faz o registro em conta de Ajuste de Avaliação Patrimonial.
Nos exatos termos do art. 298 do RIR, não são permitidas: (a) reduções globais de valores
inventariados, nem formação de reservas ou provisões para fazer face a sua desvalorização; (b)
deduções de valor por depreciações estimadas ou mediante provisões para oscilação de preços;
(c) manutenção de estoques “básicos” ou “normais” a preços constantes ou nominais; e (d)
despesa com provisão mediante ajuste ao valor de mercado, se este for menor, do custo de
aquisição ou produção dos bens existentes na data do balanço. As proibições, no caso, visam
proteger a arrecadação; trata-se, portanto, de normas que vedam a dedutibilidade das cifras
correspondentes, mas não impedem que o contribuinte adote qualquer uma das situações
referidas.
Por vezes a lei admite ajustes globais. Tal é o caso, por exemplo, da Lei nº 10.753/03, que
admite que os contribuintes que explorem as atividades de editores, livreiros ou distribuidores
considerem como dedutível na determinação do lucro real provisão igual ao valor correspondente
a um terço dos estoques de livros existentes no último dia do período de apuração do imposto. O
assunto foi objeto da Instrução Normativa nº 412, de 23 de março de 2004, que, todavia, não
revogou a antiga Portaria nº 496/77, que permite atribuir valor zero aos estoques de fascículos
obsoletos não comercializados por falta ou esgotamento de mercado e os recebidos em restituição
pelos mesmos motivos.
Ajustes de inventários podem ser feitos por outras diferentes razões. Assim, é prática comum
das empresas industriais e nas empresas comerciais a realização de contagens periódicas dos
estoques físicos para confronto com os dados constantes de seus registros contábeis. Havendo
divergências entre as quantidades constantes dos registros contábeis e relatório da contagem
física, faz-se necessária, após as investigações cabíveis, a contabilização desse fato. Referidos
ajustes têm importantes reflexos fiscais, posto que, se não decorrerem da constatação de perda ou
quebra, atrás referidas, a dedutibilidade dos valores correspondentes poderá ser contestada. Daí a
necessidade de se investigarem os motivos que determinaram a necessidade do ajuste, o que pode
ocorrer em decorrência de desvio, furto, roubo ou simplesmente por erros de apontamento.
Quando há furto ou apropriação indébita de algum item do estoque de uma empresa, o valor
correspondente perde a característica de custo, e deverá ser classificado contábil e fiscalmente
como despesa. Nessas circunstâncias, a dedutibilidade somente estará assegurada quando houver
inquérito instaurado nos termos da legislação trabalhista, caso o autor seja empregado da empresa,
ou quando apresentada notícia do crime perante a autoridade policial, nos demais casos, na forma
do disposto no art. 364 do RIR/99. De se notar que esse preceptivo legal não prevê a
dedutibilidade da perda nas hipóteses de roubo ou extorsão, que são figuras penais distintas do
furto, mas têm a mesma consequência deste; portanto, a dedutibilidade deve ser aceita por
analogia.
Outro aspecto de grande importância é a repercussão dos ajustes no campo de outros
impostos; de fato, em certas circunstâncias haverá a eventual necessidade de estorno do crédito
do ICMS, IPI, PIS e COFINS pela entrada das mercadorias ou insumos de produção. Ademais,
ajustes não adequadamente explicados poderão dar lugar à presunção de saídas ou entradas de
mercadorias desacompanhadas de documentário fiscal, tendo por consequência a aplicação das
penalidades, inclusive de natureza criminal, e cobrança do Imposto de Renda sobre receitas
emitidas.
14.8EFEITOS DA SUBAVALIAÇÃO DO VALOR DOS ESTOQUES
Quando o contribuinte deixa de adotar os critérios estipulados em lei para apuração do valor
dos custos e dos estoques, pode incorrer em postergação do pagamento do imposto, por
inobservância do regime de competência. No caso de subavaliação dos estoques, o procedimento
acarreta majoração do custo dos produtos vendidos ou consumidos, com redução da base de
cálculo do Imposto de Renda. Por outro lado, no período-base subsequente, o estoque inicial do
período começa subavaliado do mesmo valor, ensejando correspondente diminuição do custo dos
produtos vendidos ou consumidos. Por essa razão, caberá ao contribuinte ou à autoridade fiscal
impor a retificação do lucro real correspondente ao período-base em que ocorreu a postergação e
também ao período-base subsequente.
Em tais circunstâncias, o recolhimento do imposto postergado deverá ser feito com
acréscimo de juros de mora. A mesma consequência se observa quando o contribuinte contabiliza
como despesa valor que deveria compor o custo de estoque.
Por outro lado, a superavaliação dos estoques provoca aumento indevido no resultado do
exercício, o que é danoso para o contribuinte. De qualquer forma, toda inexatidão na
inobservância do regime de competência, além das repercussões fiscais mencionadas, provoca
distorções no cálculo dos dividendos e participações no lucro, além de evidenciar pouco zelo com
o sistema de informação contábil.
14.9TRIBUTOS RECUPERÁVEIS
De acordo com o enunciado do § 3º do art. 289 do RIR/99, não se incluem no custo os
impostos recuperáveis através de créditos na escrita fiscal. Em regra, todo valor relativo a tributo
compensável deve, em princípio, ser registrado em conta do ativo no pressuposto de que pode vir
a ser utilizado como moeda para compensação com débitos subsequentes ou ressarcidos pelo
erário público. Todavia, o registro em conta de ativo requer a demonstração de elementos seguros
de que o bem ou direito seja capaz de gerar benefícios futuros para a entidade. Com efeito, o item
49 da Norma Brasileira de Contabilidade NBC T1, introduzida no ordenamento jurídico contábil
por intermédio da Resolução CFC 1.121/08, diz que “ativo é um recurso controlado pela entidade
como resultado de eventos passados e do qual se espera que resultem futuros benefícios
econômicos para a entidade”. Deste modo, para a contabilidade, em certas circunstâncias, não
basta a existência do título jurídico e a existência de eventual valor econômico de troca para que
um bem ou direito seja considerado como ativo, é necessário que tenha condições de produzir. Se
os bens não podem trazer benefícios futuros devem constar no Balanço por valor igual a zero.
Para as empresas exportadoras, especialmente, os créditos de ICMS sobre bens adquiridos
nem sempre podem ser compensados no prazo legal e tornam-se perdidos. Em tais circunstâncias,
se não existem elementos seguros acerca da possibilidade de realização dos referidos valores –
como crédito para abatimento de débitos ou como ressarcimento em espécie ou a transferência a
terceiros – o ativo não deve ser contabilizado porque não existem elementos seguros de que trarão
benefícios futuros à entidade. Nesse sentido, está correta decisão proferida pelo STJ quando do
julgamento do Recurso Especial nº 1.011.531-SC, de maio de 2008, no qual decidiu que os valores
relativos ao ICMS que não serão aproveitados não devem compor o ativo. De acordo com a
ementa da decisão “a impossibilidade da consideração como custo do ICMS suportado na
aquisição de mercadorias, para fins de apuração do lucro, pode não afrontar a capacidade
contributiva quando haja, efetivamente, a utilização de tais créditos no pagamento de ICMS e⁄ou
funcione adequadamente a sistemática de ressarcimentos. Porém, em se tratando de empresa
exportadora imune ao pagamento de ICMS, que se vê acumulando créditos mês a mês sem que
consiga transferir a terceiros tampouco obter junto ao Estado o ressarcimento de tal custo
tributário, a norma do regulamento que proíbe que se considere o ICMS suportado como custo
(art. 289, § 3º, do Dec. 3.000⁄99) acaba por implicar a tributação de lucro inexistente, tanto a título
de IRPJ como de CSLL”. A decisão está correta porque o ativo não pode ser reconhecido se não
existirem elementos seguros de que trará benefícios futuros, e, deste modo, os valores devem ser
imputados aos custos dos produtos vendidos ou produzidos e registrados como receita se e quando
puderem ser realizados financeiramente.
14.10PROVA
Os valores registrados como custos devem ser adequadamente comprovados, de modo que
o sujeito passivo deve possuir todos os documentos externos e internos que comprovem a
aquisição (e o pagamento) dos bens ou serviços e que forneçam indicações seguras sobre o
emprego dos bens no processo produtivo.
Por outro lado, a prova da existência de erro na avaliação do valor dos estoques é encargo
da autoridade fiscal. Em decisão proferida em 16 de abril de 1997, quando do julgamento do
Recurso nº 109.723, o Conselho de Contribuintes afirmou que compete à fiscalização demonstrar
a subavaliação de estoque, mediante especificação discriminada da matéria-prima tida como não
escriturada em Livro Registro de Inventário do sujeito passivo, de modo a permitir a correta
identificação da mesma para fins de verificar o cometimento do ilícito fiscal. Na prática, todavia,
as autoridades fiscais invertem o dever de prova quando solicitam, no curso dos trabalhos de
fiscalização, os documentos e relatórios pertinentes, cuja produção é de responsabilidade do
sujeito passivo.
Problemas maiores surgem em relação aos documentos fiscais que suportam compras de
bens e serviços emitidos por empresas classificadas como inidôneas. Nem sempre os sujeitos
passivos conhecem tal circunstância, de modo que deve prevalecer a boa-fé. Se o sujeito passivo
adquiriu a mercadoria e pagou por ela, não há razão plausível para não permitir a dedução de
gasto legitimamente realizado. Eventuais falcatruas devem ser tratadas como fraude; mas isso
requer prova da vontade deliberada de não cumprir as normas jurídicas tidas por violadas.
36TRAINA-PORTANOVA, Salvatore. Spese e passività deductibili nell’imposta di richiezza
mobile. 3. ed. Milão: Giuffrè, 1956, p. 25. Para o autor: “È stato generalmente riconosciuto che
il rapporto dell’inerenza delle spese ala produzione del reddito implichi un nesso intimo tra le
une e l’altra, come da causa ad effetto, sì da far ritenere che la spesa sia inerente alla produzione
solo quando si incorpora, o comunque, si compenetra col prodotto, in modo che essa spesa,
man mano che vada devoluta alla produzione, dia vita al prodotto.”
37SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 2, p. 464.
38RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1, p. 134.
39GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 204.
40COSTA, Alcides Jorge. ICM : na constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha
Tributária, 1978, p. 139.
41SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. v. 1, p. 259.
42BARRETO, Aires. ISS e programa de alimentação do trabalhador. Revista de Direito
Tributário, nº 73. São Paulo: Malheiros, p. 33.
43TYLBERY, Henry. I novações no imposto de renda: comentários. São Paulo: Resenha
Tributária, 1980, p. 4.
15.1CONCEITO
Do ponto de vista contábil e fiscal, despesa é uma espécie de mutação patrimonial
diminutiva. De acordo com o enunciado da alínea “a” do § 2º do art. 6º do Decreto-lei nº 1.598/77,
as mutações patrimoniais diminutivas podem assumir o caráter de: “os custos, despesas, encargos,
perdas, provisões, participações e quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro
líquido”. Na prática, todas essas espécies de mutações patrimoniais são tratadas como “despesa”
ou “custo” enquanto eventuais perdas derivadas de bens de uso contínuo (ativo imobilizado ou
investimentos) são qualificadas como “perdas de capital”, que, na legislação tributária, têm caráter
não operacional.
A palavra “despesa” é utilizada, de um modo geral, como sinônima de “gasto”, e, nesse
sentido, representa o valor pago ou empenhado na aquisição de bens não vinculados ao processo
de produção de mercadorias, produtos e serviços destinados à venda. Logo, deste ponto de vista,
o conceito de despesa é primeiramente determinado por um processo de exclusão; ou seja, despesa
é toda espécie de gasto não computável entre os custos de produção. Outro elemento que deve ser
considerado em cada caso é a caracterização do gasto como aplicação de capital; despesa é
elemento do resultado, enquanto aplicação de capital é ativo. Em regra, a ideia subjacente ao
conceito de despesa (tomada a palavra na acepção de “gasto”) é a de retribuição, de modo que
uma cifra qualificada como despesa representa sempre um benefício adquirido, e que pode ser
fruído imediatamente ou não.
Ocorre que a palavra “despesa” tem outras significações, e, portanto, o seu conceito não se
resume à ideia de gasto. Há casos em que há dispêndio sem contrapartida para a pessoa jurídica:
assim, por exemplo, é considerado como despesa o valor pago a título de multa por infração à
legislação de trânsito, e que, na prática, trouxe um malefício para a entidade. O valor despendido
no pagamento dessa multa representa, de fato e de direito, uma perda patrimonial da mesma
natureza daquela que ocorre em caso de indenização por ato ilícito e que é paga a alguém que foi
lesado pela pessoa jurídica ou por alguém a ela vinculado. Esse tipo de perda, todavia, difere
daquela que decorre da diminuição da substância econômica de ativos em virtude de
obsolescência ou de oscilações de preços, cujos valores são também qualificados como “despesa”.
Ademais, despesa significa também o registro contábil de ajuste patrimonial para equalização,
como ocorre nos casos em que o valor de certos ativos é diminuído para refletir as diferenças
decorrentes do valor do dinheiro no tempo: tal é o caso do denominado “ajuste a valor presente”
e dos registros para refletir acréscimos de passivos ou decréscimos de ativos em virtude de índices
de inflação ou flutuação do valor de moedas estrangeiras.
Para fins tributários (IRPJ e CSLL, em algumas circunstâncias), as despesas são dedutíveis
ou não, de acordo com diversos critérios legais de caráter formal, material e temporal. Além da
observância desses critérios, o que habilita um gasto a ser dedutível é a sua existência e a certeza,
que são fatores importantes para a correta aplicação do regime de competência.
15.2CRITÉRIOS GERAIS DE DEDUTIBILIDADE
Em face do disposto no art. 299 do RIR/99, salvo as exceções legais, todo dispêndio feito
por uma pessoa jurídica – ou toda obrigação assumida –, para a aquisição de bens, serviços ou
utilidades, deve ser considerado dedutível se for feito com o propósito de manter em
funcionamento a fonte produtora dos rendimentos. O art. 299 do RIR/99 tem como matriz legal o
art. 47 da Lei nº 4.506/64, que tem a seguinte redação:
“Art. 47. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à
atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora.
§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das
transações ou operações exigidas pela atividade da empresa.
§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de
transações, operações ou atividades da empresa.”
O enunciado do caput do art. 47 da Lei nº 4.506/64 começa por explicitar que despesas
dedutíveis são aquelas que possam ser qualificadas como operacionais e que sejam necessárias à
atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora. Em seguida, o enunciado do
§ 1º do citado art. afirma que são consideradas necessárias todas as despesas pagas ou incorridas
para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa. De outro lado,
em face do disposto no § 2º do mesmo preceito, as despesas operacionais admitidas são as usuais
ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa.
Despesas operacionais, em sentido amplo, são aquelas realizadas em benefício da pessoa
jurídica e que tenham por finalidade custear a exploração da atividade econômica por intermédio
do funcionamento da empresa ou da fonte produtora dos rendimentos. Em contraposição ao
conceito de despesa operacional a lei tributária faz menção às despesas não operacionais que são
unicamente as perdas de capital e as provisões vinculadas aos bens do Ativo Permanente. Enfim,
fora dos casos estipulados em lei, devem ser tratadas como sendo operacionais todas as demais
despesas, seja qual for a sua causa ou classificação como financeira, administrativa, comercial
etc.
As regras do art. 299 do RIR/99 estabelecem critérios gerais para permitir a dedução de
despesas sem, todavia, esgotar o assunto posto que tais normas sofrem recortes no seu campo de
incidência em face da vigência de diversas outras normas que dispõem sobre o mesmo tema
(dedução de despesas) e que estabelecem condições especiais para autorizar a dedução, e
prescrevem que:
(a)certas despesas não são dedutíveis independentemente de averiguação acerca da
necessidade e normalidade do gasto, como são os casos referidos no art. 13 da Lei nº
9.249/95;
(b)a dedução está sujeita a limitações quantitativas de acordo com parâmetros ou
valores predeterminados ou não, como são, por exemplo, as depreciações e
amortizações de bens;
(c)certas despesas somente serão dedutíveis pelo regime de caixa e não pelo regime
de competência;
(d)certas cifras ficam sujeitas a um regime especial de dedutibilidade atrelado a um
acréscimo patrimonial específico, como são, por exemplo, os prejuízos não
operacionais;
(e)a dedução fica condicionada ao atendimento de requisitos especiais de
comprovação dos gastos;
(f)a dedução de perdas acumuladas sob a forma de prejuízos fiscais ficam sujeitas a
condições qualitativas e quantitativas.
Tem sido discutida, ao longo do tempo, a existência (ou inexistência) de limites ao poder de
configuração do legislador para negar a dedução a certas despesas tendo em vista que a
impossibilidade de dedução em certas circunstâncias pode fazer com que a tributação recaia sobre
algo distinto de um “acréscimo patrimonial”.
Em 11 de novembro de 2009, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar
o Recurso Especial nº 1.113.159, decidiu que “inexiste qualquer ilegalidade/inconstitucionalidade
da determinação de indedutibilidade da CSSL na apuração do lucro real”. A mesma Primeira
Seção do Egrégio Superior Tribunal Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº
1.168.038, ocorrido em 9 de junho de 2010, decidiu que “a fixação do regime de competência
para a quantificação da base de cálculo do tributo e do regime de caixa para a dedução das
despesas fiscais não implica em majoração do tributo devido, inexistindo violação ao conceito de
renda fixado na legislação federal”.
Para erigir os gastos que podem ou não ser considerados como dedutíveis, o legislador tem
certa liberdade de ação. Todavia, essa liberdade encontra limites, isto é, ela se esgota quando o
uso desmedido desse raio de arbítrio possa vir a desnaturar o conceito constitucional de renda.1 A
enumeração das despesas não dedutíveis ou dedutíveis apenas em parte é feita por normas de
ajustes que estabelecem, ao fim e ao cabo, uma espécie de ficção que nega a uma mutação
patrimonial diminutiva o seu próprio caráter2 e de modo a converter despesa em lucro escritural.3 O
espaço de configuração disponível ao legislador não pode ser tão amplo, de modo que a eleição,
pela lei, de uma cifra como não dedutível deve submeter-se “à bitola da constitucionalidade, e
acordo com o conceito jurídico constitucional de renda”.4
15.3FONTE PRODUTORA E EMPRESA
Um dos critérios legais adotados pelo art. 299 do RIR/99 para considerar dedutível uma
despesa é a finalidade do bem ou serviço adquirido, de modo que a despesa será ou não dedutível
se os referidos bens e serviços forem aplicados na manutenção da fonte produtora dos
rendimentos. O elemento “empresa” é mencionado no § 2º do art. 299 do RIR/99, que dispõe
serem necessárias todas as despesas que forem pagas ou incorridas para a realização das
transações e operações exigidas pela atividade da empresa.
Para compreender o sentido e o alcance dessas normas é necessário fazer uma pequena
digressão para explicar esses diferentes conceitos.
Em primeiro lugar é necessário recordar que as normas tributárias sobre a apuração do lucro
real e do recolhimento do IRPJ são dirigidas às pessoas jurídicas e não às empresas;5 afinal,
contribuintes são aquelas e não estas. Empresa é um conjunto de elementos organizados para
exploração de atividade econômica, enquanto pessoa jurídica é a sociedade personalizada, que,
por sua vez, também não se confunde com a empresa, daí existirem as sociedades empresárias e
as sociedades simples. A sociedade é a reunião de pessoas que afetam recursos para viabilizar a
exploração de empresa ou atividade econômica de qualquer natureza, e alcança esse objetivo por
intermédio da personalização.
O enunciado do art. 299 do RIR/99, embora de modo pouco claro, trata da dedução de
despesas tanto de uma sociedade empresarial como de uma sociedade simples que não explora
empresa, mas exerce atividade econômica, e o faz, quando vincula o direito à dedução à
pertinência das despesas com a fonte produtora. Fonte produtora, neste contexto, designa qualquer
espécie de negócio, seja uma empresa ou não; para caracterizar a sua existência basta que ela seja
capaz de gerar rendimentos que serão imputados ao patrimônio de uma pessoa jurídica que deva
inscrever nos órgãos fazendários como contribuinte. Em suma, a dedução estará autorizada
sempre que a despesa estiver vinculada ao normal desenvolvimento da atividade explorada pela
pessoa jurídica, que, como foi visto, pode ou não ter caráter empresarial.
A dedução, salvo disposição em contrário, é permitida independentemente do regime
jurídico aplicável às receitas com as quais se relaciona. Assim, dentre as normas que dispõem
sobre o cálculo do lucro real não há nenhuma que proíba a dedução de despesas atreladas
unicamente à obtenção de receitas tributáveis. Assim, por exemplo, é permitida a apuração de
prejuízo fiscal para futura compensação que, ao fim e ao cabo, constitui mecanismo de dedução
diferida de despesas que suplantam as receitas tributáveis no período em que forem apurados. Por
isso, a lei não proíbe a dedução de despesas operacionais necessárias ao regular funcionamento
de uma sociedade holding no período em que ela venha a obter exclusivamente receitas de
dividendos, que não são tributáveis.
Enfim, para interpretação das normas do art. 299 do RIR/99, é necessário considerar que
funcionamento normal de um negócio requer a realização de todos os atos imprescindíveis a esse
regular funcionamento e também exige a adoção de todas as medidas necessárias à proteção dos
bens sociais. Assim, por exemplo, a despesa com a contratação de um advogado para defesa de
um interesse qualquer não contribui diretamente para a realização da atividade de uma indústria
que fabrica bens de consumo duráveis, e que constitui o objeto social imediato da sociedade
revestida pela personalidade jurídica; todavia, essa mesma despesa é necessária para a própria
sobrevivência da empresa como fonte geradora de receitas.
Em outras circunstâncias pode ocorrer que gastos sejam realizados unicamente no interesse
dos acionistas, como são, por exemplo, os incorridos ou pagos para a realização de assembleias
gerais. A realização de assembleias gerais, em si, não constitui fato que tenha estreita ligação com
a fonte material de produção de receitas, mas atende aos interesses dos acionistas ou sócios que
formam a empresa ou viabilizam a exploração de uma atividade econômica, como ocorre nas
sociedades simples puras. Todavia, as despesas com a realização de assembleias, assim como os
gastos com a publicidade de atas, balanços etc. decorrem do cumprimento de uma obrigação legal,
e, portanto, o critério da necessidade da despesa advém da própria lei societária, que, neste campo,
instituiu normas de ordem pública.
Ao lado dos gastos que são estritamente necessários para a manutenção de uma fonte
produtora de receitas, podem ocorrer dispêndios com atos que são apenas convenientes para a
pessoa jurídica, sem que lhe tragam alguma contrapartida economicamente apreciável. Tais
gastos também devem ser submetidos ao filtro de normalidade (rectius: legalidade) em face dos
fins imediatos (a atividade explorada pela empresa) e mediatos (a apuração de lucros para
repartição entre os sócios). Convenientes são, por exemplo, os atos praticados para o cumprimento
da função social da empresa que é imposta pela ordem jurídica. O ordenamento jurídico atribui
relevância ao fato de que as empresas estão inseridas em determinada comunidade e lhes assina
o dever jurídico – embora de conteúdo não especificado – de atender às exigências do bem público
e da função social da empresa. Assim, por exemplo, o parágrafo único do art. 116 da Lei nº
6.404/76, dispõe que o “acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia
realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os
demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos
direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”. Por sua vez, o art. 154 da Lei nº 6.404/76,
dispõe que o “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função
social da empresa”.
Numa empresa estão concentrados interesses de diversas ordens, de modo que os contratos
de sociedades devem submeter-se ao filtro da “função social dos contratos”. O prestígio que o
ordenamento jurídico atribui à empresa decorre do reconhecimento de que ela constitui um centro
que catalisa diferentes interesses que transcendem, em importância, as figuras dos sócios e da
empresa em si,6 e, deste modo, estabelece ser necessário dar aos bens de produção em geral um
destino compatível com os interesses coletivos.7 Logo, por vontade da lei, a empresa, criada por
inspiração da vontade de colaboração entre os fundadores, passou a ter uma importância que
transcende o mero pacto entre pessoas e, desta forma, pode superar em importância, em certas
circunstâncias, a afinidade pessoal entre os sócios.
Diante do que acaba de ser dito, parece razoável supor que as normas sobre dedução de
despesas em geral devem ser interpretadas levando em consideração pelo menos quatro esferas
de interesses conexos entre si porque têm como objeto o empreendimento econômico que gera e
distribui riquezas. Em primeiro lugar, os interesses que giram em torno da empresa, como
organismo destinado a atuar no cenário econômico, e visa a: (a) manter-se como tal e agregar
valor a si própria de modo contínuo e crescente; e (b) cumprir o desiderato que é obter resultados
que possam ser repartidos entre os sócios ou acionistas. A sociedade, por outro lado, existe com
o propósito de: (a) manter-se perenemente, isto é, subsistir como agregado de capitais e pessoas;
(b) realizar a sua finalidade institucional precípua, que é a distribuição de resultados e a criação
de valor para os sócios ou acionistas. Os sócios ou acionistas têm interesse na manutenção e no
crescimento da empresa e na obtenção de ganhos econômicos sob a forma de lucros ou
valorização de sua riqueza aportada sob a forma de capital. Por fim, a pessoa jurídica, como
revestimento jurídico que dá capacidade de agir (atuar no tráfego econômico) à sociedade, não
tem interesses próprios senão os de servir de instrumento para a realização exitosa dos interesses
da sociedade, dos sócios e da empresa. Enfim, o interesse social – que resulta da conjunção de
todos os interesses que gravitam em torno da riqueza aportada a uma sociedade – exige que todas
as medidas de gestão e estratégicas sejam pautadas pela busca da prosperidade da empresa.8
Essa mútua implicação dos interesses é, por vezes, desprezada pelas autoridades fiscais,
como ocorreu em certa ocasião em que o Conselho de Contribuintes formulou juízo de
dedutibilidade de despesas realizadas no interesse dos sócios. A ementa da referida decisão é a
seguinte:
“VIAGENS AO EXTERIOR: Até prova em contrário, as despesas de viagens dos
sócios com a finalidade de contatarem com outros sócios, cuja residência seja no
exterior, são tidas como desnecessárias à manutenção da fonte produtora, ainda
mais quando fica demonstrada a existência de desavença entre os componentes do
quadro societário. Interesses dos sócios não se confundem com os interesses da
sociedade, necessariamente.”
Esse precedente é significativo porque traz a lume uma decisão baseada numa separação de
interesses que não existe; nem na prática, nem no direito. A boa convivência entre os sócios pode,
em certas circunstâncias, ser o fator decisivo para a continuidade da empresa; por tal razão, se as
pessoas do caso concreto queriam resolver as pendências entre os sócios, seria razoável considerar
que estavam a proteger a própria existência da fonte produtora, o que é mais relevante que sua
simples manutenção.
Enfim, em face de tudo o quanto foi exposto, parece razoável inferir que o critério mais
adequado para guiar a aplicação prática dessas normas parece ser o da vinculação da despesa ao
interesse social da pessoa jurídica, que engloba todos os interesses em torno da empresa e da
sociedade e de outros interessados que forem mencionados em lei.9 Afinal, todos esses interesses
estão imbricados na fonte produtora dos rendimentos.
A partir dessas considerações, é possível concluir que, em princípio, despesa operacional
dedutível é toda aquela que, tendo sido incorrida, tenha relação com a atividade explorada pelo
contribuinte por intermédio da pessoa jurídica. Essa relação é formada em função da necessidade
ou pertinência (ou inerência) dos bens e serviços adquiridos para o normal funcionamento da
fonte produtora dos rendimentos na persecução da sua finalidade institucional que é a geração de
lucro. Logo, despesa dedutível, em princípio, é toda aquela feita no interesse da pessoa jurídica
que catalisa os interesses dos prestadores de capital e da própria empresa. Sob essa perspectiva,
despesa necessária é aquela que traz benefício para atividade desempenhada pela pessoa jurídica,
isto é, que vise a mantê-la, desenvolvê-la ou modificá-la. O vínculo que a lei exige como condição
de dedutibilidade é com a fonte produtora de receitas, mas as despesas podem ser consideradas
dedutíveis mesmo quando as atividades ainda não foram iniciadas e também quando a empresa
torna-se inativa, porque a lei não restringe a dedução de despesas à efetiva percepção de receitas.
Basta, para que a despesa seja necessária, que ela tenha como causa a criação, a existência, o
crescimento, a modificação etc. da fonte produtora.
15.4DESPESA NECESSÁRIA E NORMAL
O enunciado do art. 299 do RIR/99 é uma reprodução fiel de sua matriz legal que é o art. 47
da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Curiosamente, essas normas não fazem referência
alguma à dedutibilidade das despesas e se limitam a enunciar os critérios gerais pelos quais certos
gastos podem ser qualificados como operacionais. Todavia, para Ricardo Mariz de Oliveira,10 esse
preceito indica que “todas as despesas relacionadas às atividades da empresa ou à manutenção de
sua fonte produtora têm vocação para serem deduzidas da base de cálculo do IRPJ, somente se
cuidando de acrescer a ela as despesas para as quais algum dispositivo legal imponha uma exceção
à regra de dedutibilidade das despesas”.
O caput principia por dizer que são operacionais as despesas não computadas nos custos,
necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora. O preceito enuncia duas
importantes distinções que devem ser consideradas na interpretação das normas gerais sobre
dedução de despesas. Em primeiro lugar, permite cogitar de que possam existir despesas cuja
imputação ao montante dos custos é, em tese, possível, e, por conseguinte, torna ainda mais tênue
a fronteira entre uma figura e outra. Em seguida, faz menção à “fonte produtora”, que, no caso,
só pode ser aquela de onde provêm as receitas e não os produtos (bens e serviços) porque isto já
está pressuposto no conceito ordinário de empresa.11
De acordo com a opinião das autoridades fiscais, veiculada pelo Parecer Normativo CST nº
32/81, um gasto é necessário “quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela
exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadas com as fontes
produtoras dos rendimentos”. De outra parte, despesa normal é “aquela que se verifica comumente
no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma
usual, costumeira ou ordinária”.
Ao que parece, as normas brasileiras foram inspiradas nas normas do direito norteamericano
que foram forjadas nos tribunais, especialmente a partir do caso Welch v. Helverig, de 1933. Tais
normas ainda estão em vigor, porque na página do IRS (Internal Revenue Service United States
Department of the Treasury) na rede mundial de computadores há informações acerca dos
critérios que orientam a dedução de despesas para fins de cálculo do imposto de renda, devido
por pessoas naturais e jurídicas. Assim, em primeiro lugar, há uma referência às “despesas
pertinentes ao negócio (business expenses)” que são aquelas que custeiam uma atividade negocial
(trade or business) e que são normalmente dedutíveis se realizadas com vistas à obtenção de
lucro.12 Em seguida, é dito que a dedução de uma despesa só é admissível se ela for, ao mesmo
tempo, “ordinary and necessary”. Ordinária é a despesa considerada comum e aceita (usual) em
seu comércio ou negócio, enquanto uma despesa necessária é aquela que é útil e adequada para o
negócio. Um gasto não tem de ser indispensável para ser considerado necessário.13
No voto que proferiu quando do julgamento do caso Welch v. Helveringe ao discorrer sobre
o conceito de despesa necessária, o julgador (Justice Benjamin Cardozo) afirma que para
caracterizá-las é imprescindível apenas que possam ser qualificadas como sendo apropriadas
(adequadas) e úteis, isto é, “appropriate and helpful”.14 No que concerne ao conceito de despesa
ordinária, o ilustre Justice Cardozo afirma que pode ser assim considerada uma despesa que não
tenha caráter habitual ou recorrente. Assim sendo: “does not mean that the payments must be
habitual or normal in the sense that the same taxpayer will have to make them often”. Para
concluir, afirma que: “a lawsuit affecting the safety of a business may happen once in a lifetime”.
Para Kevin Murphy e Mark Higgins, as despesas dedutíveis são unicamente aquelas que
sirvam a um “business or economic purpose that exceeds tax avoidance motive”, ou seja, que
tenham relação com a produção de rendimento (income).15 Parece claro, portanto, que a lei
brasileira, nesta matéria, estabelece que a dedução de despesas é admissível apenas se estas
visarem a atender a um propósito negocial, que é manutenção da fonte produtora de rendimentos.
15.4.1Necessidade
O atributo da necessidade está ligado à ideia de fonte produtora, de modo que dedutível será
a despesa que vise a manter a fonte produtora, que, como visto, pode ser uma empresa ou não.
Manter, neste contexto, é dar condições de operação (operacionalidade), é, enfim, contribuir ou
ser útil para permitir o normal e contínuo funcionamento ou a operação da fonte produtora dos
rendimentos. O texto do caput do art. 299 do RIR/99 faz expressa referência a “despesas
operacionais”, o que reforça o entendimento de que o requisito da necessidade está ligado ao
emprego dos bens e serviços adquiridos na operação (funcionamento) da fonte produtora. A
necessidade é atributo que está sujeito às variáveis das circunstâncias; num ambiente empresarial,
a necessidade de gasto pode ter em mira a manutenção e o incremento da produção, do bom
funcionamento da empresa como um todo, assim como a proteção aos direitos do consumidor, ao
atendimento das obrigações de índole trabalhista, fiscal etc.
A necessidade da despesa é, portanto, o primeiro critério jurídico para se determinar, em
cada caso, se uma despesa é ou não dedutível à luz das regras do art. 299 do RIR/99.16 A virtual
necessidade deve ser aferida em razão da função que os bens e serviços adquiridos (e qualificados
como despesas) desempenhem ou contribuam para a atividade econômica explorada pela pessoa
jurídica. Portanto, a interpretação das normas e dos fatos, nesta matéria, deve privilegiar o aspecto
funcional ou teleológico da norma que pretende vincular a despesa à fonte produtora dos
rendimentos como algo que é ao menos útil e adequando ao seu normal funcionamento.
Ao eleger o critério da necessidade, a lei requer a demonstração, em cada caso, de um
vínculo de inerência entre os bens e serviços adquiridos e a atividade explorada pela pessoa
jurídica e que constitui a fonte produtora dos rendimentos. Essa ideia de inerência se estabelece a
partir da identificação de uma relação de causa e efeito, de modo que a despesa será dedutível se
a causa do gasto é uma demanda (exigência) pelo emprego dos bens e serviços nas atividades da
pessoa jurídica.17 A verificação, em cada caso, do atendimento ao critério inerência, requer a
demonstração de que os mesmos tenham produzido benefício direto ou indireto para o patrimônio
social do sujeito passivo que faz o desembolso de recursos e não de outra pessoa. Em face do
princípio da separação entre sócios e sociedades e da individualidade tributária de cada pessoa
jurídica, não é admissível a dedução de um gasto feito em benefício de outrem, porque isto
denuncia o caráter “desnecessário” da despesa.
Para a legislação tributária basta a vinculação da despesa com a atividade, e esta pode ou
não coincidir com a noção de objeto social. O objeto social pode ser abordado sob o aspecto
formal e material, sendo que este último a diz respeito à atividade efetivamente explorada, que
pode ou não constar do Contrato Social ou Estatuto Social, onde está o delineado o objeto social
formal. O objeto social tem a importância que a lei lhe atribui em certas circunstâncias, mas, de
modo geral, não tem relevância alguma porque a lei tributária elege como contribuintes até as
“sociedades irregulares”, cujo funcionamento não se apoia e nem depende da existência de um
instrumento formal que delineie os fins que deve perseguir.
Para o adequado desempenho da atividade para a qual foi constituída, a pessoa jurídica
necessita praticar atos que são típicos da atividade e atos que são meios para a realização daqueles.
A realização dos atos da segunda espécie (atos-meios) pode ser feita nos confins da empresa ou
fora dela. Assim, por exemplo, a jurisprudência do CARF registra um precedente no qual foram
admitidos como dedutíveis os gastos com a realização de um evento em navio de cruzeiro,
denominado “Convenção Nacional dos Revendedores”. Louvando-se nos fatos apresentados, a
Quinta Turma do Conselho de Contribuintes decidiu, ao julgar o Recurso nº 138.139 (acórdão
105.14862, de 1º.15.2004) que “objetivo comercial não desnaturado pelo requinte e luxo do navio
utilizado no cruzeiro. Usualidade, normalidade e necessidade evidentes.”
Na prática, a necessidade de uma despesa depende das circunstâncias fáticas e jurídicas de
cada caso, já que não é possível nomear as despesas que podem ou não ser deduzidas. O
contribuinte tem liberdade de escolha sobre os bens e serviços que pretende adquirir porquanto a
ordem jurídica outorga aos administradores das sociedades empresariais um elevado grau de
discricionariedade no ato de administrar.18 Essa discricionariedade empresarial não pode ser
desmerecida ou negligenciada quando da interpretação das normas fiscais; afinal, o direito não
pode ser interpretado em tiras, isto é, as normas tributárias devem, na medida do possível, se
compatibilizar com as demais normas do ordenamento jurídico especialmente com as que têm
semelhantes finalidades. A gestão de uma empresa em marcha é algo complexo, sujeito a riscos
de variada natureza, e, portanto, é impossível determinar a priori quais são os gastos que o seu
regular funcionamento pode demandar em cada caso. Por isso, é razoável considerar que as
despesas necessárias são todas aquelas que são realizadas no interesse da sociedade e dos demais
titulares de interesse tutelados por lei.
Em razão do exposto, parece claro que o recurso às normas de direito societário é
absolutamente necessário e razoável. A discricionariedade na gestão, de acordo com as normas
de direito societário, visa a permitir que os administradores possam agir para fazer a empresa
gerar lucros que serão repartidos entre os sócios e também o tesouro público. Essa
discricionariedade, no entanto, não é absoluta; a lei societária impõe limites ou filtros de
legalidade para não permitir que os administradores ajam no seu próprio interesse ou que
privilegiem apenas os acionistas; enfim, as normas de direito societário visam a tutelar, também,
certos direitos de pessoas que não participam da sociedade ou que nela estejam em posição menos
favorável, como são os acionistas minoritários que não participam do bloco de controle societário
e não têm voz na administração. Por fim, não é absurdo inferir que o tesouro público deva ser
tratado como se fosse um acionista minoritário a despeito de deter amplos poderes de fiscalização
dos negócios sociais.
Vejamos, a respeito, a doutrina de José Alexandre Tavares Guerreiro:19
“Não se pode negar, na experiência concreta, que se defere aos administradores
certa margem de discricionariedade na condução dos negócios sociais, pois nem a
lei nem o estatuto poderão jamais definir, com exatidão e amplitude exaustiva, as
condições específicas de legitimação dos gestores à prática dos chamados atos
regulares de gestão, individualmente considerados.”
Prossegue o autor:
“na aferição da conduta dos administradores, dois fatores, porém, introduzem
elementos valorativos de singular expressão. Em primeiro lugar a relativa
discricionariedade de gestão tem por limite específico o objeto social, que há de
ser definido no estatuto de modo preciso e completo, segundo o preceito do § 2º
do art. 2º da Lei. Além dessa limitação de caráter objetivo, outro temperamento se
impõe: a liberdade de gestão somente se admite enquanto ordenada a perseguir um
escopo concreto: o atendimento do interesse social”.
Por isso, merece encômios a decisão proferida em 28 de junho de 2008, quando do
julgamento do Recurso 157.664 (acórdão 107-09.419), pela Sétima Câmara do Primeiro Conselho
de Contribuintes ao decidir que “ainda que não conste do objeto social da entidade empresarial a
realização de operações financeiras, não cabe à fiscalização tributária fazer juízo sobre a
administração da sociedade, ditando as operações que poderiam ou não ser realizadas”.
Em decorrência da garantia de liberdade de escolha, a fiscalização não tem o direito de
contestar o valor e a normalidade da despesa de aluguel de um prédio de luxo para instalação da
sede de uma sociedade empresária sob o argumento de que ela “poderia” ter se instalado num
edifício mais modesto e de aluguel mais baixo. Enfim, a administração tributária não tem poderes
de tabelar despesas, mas pode submetê-las a um teste de veracidade material (a existência fática
das mesmas) e quantitativa nos casos em que as cifras contabilizadas não mereçam fé.
Logo, a ordenação de despesas deve levar em consideração a atividade econômica explorada
pela pessoa jurídica contribuinte, tendo em vista também as necessidades relativas à existência e
ao regular funcionamento da sociedade, e, desse modo, parece certo que não é possível isolar a
atividade econômica como se ela pudesse existir sem a sociedade e sem a pessoa jurídica.
Portanto, uma despesa é necessária à atividade econômica quando ela visa a contribuir para o
normal funcionamento da empresa ou do negócio, e também dos outros elementos que viabilizam
a sua própria existência. Por isso, faço questão de insistir, a dedução está vinculada ao
atendimento do interesse da pessoa jurídica.
15.4.2Normalidade e usualidade
De acordo com o enunciado do § 2º do art. 299 do RIR/99, “as despesas operacionais
admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa”.
A palavra “normal” foi utilizada, neste contexto, como sinônima de usual. Em sentido comum,
normal é algo ordinário, comum, corriqueiro, ou, ainda, algo que pode ser racionalmente
justificado para convencer pessoas segundo o senso comum vigente na comunidade. A rigor, a
ideia de normalidade de uma despesa é absorvida pela ideia de necessidade, posto que uma
despesa que venha a ser qualificada como “necessária” torna-se normal por si mesma.
Nada obstante o esforço para se estabelecer uma moldura normativa sobre as condições de
dedutibilidade das despesas, o fato é que existem situações em que não é possível estabelecer-se,
de antemão, se um gasto é ou não necessário ou normal. Tomemos como exemplo o caso de uma
indenização que uma indústria tenha sido obrigada a pagar por danos causados a consumidor de
seu produto. Ora, essa indenização não pode ser considerada uma despesa normal na acepção
utilizada pelo Parecer Normativo CST nº 32/81, porque é, em geral, fortuita. Todavia, não há
como negar a dedutibilidade dessa espécie de gasto porque acidentes acontecem e é própria da
empresa a assunção desses e de outros riscos.20Logo, o requisito da normalidade é superado pela
ideia de necessidade; afinal, não parece razoável dizer que uma despesa é necessária e anormal.
Ora, se é necessária é porque é normal, ainda que ocorra uma única vez na vida.
Enfim, a normalidade pode ser ligada à causa da despesa, ainda quando aquela advém de
um negócio jurídico extraordinário. Com efeito, despesas podem surgir de negócios estranhos à
atividade explorada pela empresa, mas que visem à conservação e ao crescimento da fonte
produtora, como é o caso, por exemplo, da aquisição de participação societária em sociedade que
explora empresa em marcha. A assunção de despesas financeiras com a aquisição de participações
societárias não decorre de um ato ordinário de gestão até porque essa é matéria sujeita ao
escrutínio dos sócios ou acionistas; todavia, trata-se de operação normal posto que esta atividade
(a participação) é “modo de realizar o objeto social” na forma do disposto no § 3º do art. 2º da
Lei nº 6.404/76, desde, que, no entanto, a aquisição seja feita no interesse da pessoa
jurídica.21 Portanto, o conceito de normalidade ou usualidade, neste caso, não diz respeito ao
caráter recorrente da mesma; logo, a despesa pode acontecer uma única vez na vida e ser
considerada dedutível se trouxer benefícios para os negócios.
A verificação da necessidade ou normalidade do gasto envolve matéria fática, de modo que
só pode ser aquilatada diante de casos concretos. Um gasto não usual ou não ordinário pode, em
certas circunstâncias, ser útil para a sociedade e para a empresa se visa à boa marcha ou ao
incremento de suas atividades ou se tem por finalidade proteger bens tangíveis e intangíveis afetos
aos interesses delas. Dentro dessa perspectiva, mesmo os gastos realizados a título de liberalidade
podem, em certas circunstâncias, ser admitidos como dedutíveis; basta que o gasto tenha alguma
relação com a função social22 da empresa, princípio pelo qual o empreendimento econômico é
visto como um centro de aglutinação de interesses dos sócios, dos empregados, dos entes públicos
e, enfim, de toda a comunidade.23
Salvo disposição de lei em contrário, nem mesmo a ilicitude do ato que gerou o gasto pode
descaracterizar a sua normalidade e a qualidade de usual. De fato, num ambiente econômico
pautado pelo grande número de normas jurídicas e pela diversidade das obrigações a que estão
sujeitas as empresas, é até normal que fatos ilícitos sejam cometidos, ainda que sejam adotadas
medidas tendentes a evitá-los. Aqui cabe recordar que o direito positivo não pode voltar suas
costas para o fato notório de que a vida em sociedade envolve um risco e que, portanto, o erro ou
má compreensão das normas é algo comum. Todavia, a dedução não pode ser justificada diante
da criação de riscos desnecessários e de modo consciente (doloso): assim, se o sujeito passivo
adota um comportamento omissivo de modo a tirar partido do dano causado a outrem, a conduta
é anormal, e, em tais circunstâncias, a despesa deixa de ser normal porque advém de ato ilícito e
anormal.
Por fim, o requisito da normalidade pode ser encarado sob o aspecto quantitativo, caso em
que a noção passa a ter conexão com a ideia razoabilidade do valor dos bens ou serviços recebidos;
por esse ponto de vista, salvo em casos excepcionais justificados pelas circunstâncias, o valor
pago ou empenhado deveria corresponder a uma justa retribuição pelos bens e serviços obtidos
segundo as regras de mercado existentes em cada lugar e em cada época. Enfim, para atendimento
do critério da normalidade quantitativa o gasto suportado pela pessoa jurídica deve trazer
benefício para o patrimônio social que seja proporcional (justo) ao valor do dispêndio.
15.4.3Operações com partes relacionadas
Os problemas em torno da normalidade quantitativa são mais acentuados nos casos em que
os pagamentos são feitos a pessoas relacionadas, ou seja, sócios, acionistas, administradores, e
parentes ou pessoas (físicas ou jurídicas). A legislação tributária contém diversas regras sobre as
operações com partes relacionadas, que, de um modo geral, visam a evitar que a proximidade de
relações e os interesses comuns possam ser utilizados para erodir a base tributável. Tais normas
visam a cercear a transferência de receitas ou lucros para outros países ou para entidades sujeitas
a um regime de tributação mais ameno ou que permita o diferimento da tributação. Na legislação
do imposto de renda são normas de bloqueios a tais práticas, entre outras, aquelas que dispõem
sobre:
(a)distribuição disfarçada de lucros;
(b)preços de transferências;
(c)subcapitalização;
(d)identificação do benefício direto em operações com pessoas em paraísos fiscais.
De modo geral, essas normas limitam a dedução de certas despesas e custos e exigem o
cômputo de receitas em valores mínimos, e que, em ambos os casos, demandam ajustes na base
de cálculo sem se imiscuir nos valores efetivamente praticados. Assim, as diversas leis controlam
os valores praticados nos negócios entre pessoas ligadas de modo a fazer que a base tributável
seja determinada levando-se em consideração os valores justos ou de mercado, em franca adoção
do princípio do arm’s length. Várias são as figuras jurídicas utilizadas para que esses desideratos
sejam alcançados. Em primeiro lugar, há uso de presunções que são combinadas com formas de
desconsideração da personalidade jurídica.
As operações entre partes relacionadas são também coibidas pelas normas do direito
societário que visam a evitar o favorecimento de pessoas ligadas à sociedade por intermédio de
artifícios como o desvio de ativos para uso em proveito próprio. O enunciado da alínea b do § 2º
do art. 154 da Lei nº 6.404/76, dispõe ser vedado ao administrador “sem prévia autorização da
assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da
companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os
seus bens, serviços ou crédito”. O uso de bens da pessoa jurídica, como se vê, não é proibido, mas
a lei exige a prévia aquiescência da assembleia ou do Conselho de Administrador, se existente.
Sem a prévia autorização exigida pela lei o uso de ativos é ilegal constitui desvio ilícito.24 Do
ponto de vista fiscal, a autorização do órgão social não é capaz de tornar dedutível tout court as
despesas dedutíveis, salvo se houver, em cada, prova acerca da observância do interesse da pessoa
jurídica.
A lei societária também proíbe que a sociedade venha suportar gastos em valores exagerados
ou sem justa contraprestação.25 Assim é que, por exemplo, a parte final do caput do art. 152 da
Lei nº 6.404/76 estabelece que a remuneração dos administradores a ser fixada pela assembleia-
geral deve ser feita levando-se em consideração do valor de mercado dos serviços.
Certas operações realizadas com pessoas relacionadas, direta ou indiretamente, trazem a
marca da suspeição quando há negócio jurídico caracterizado como self-dealing. Em pelo menos
um caso foi cogitada a desconsideração de uma despesa com base na ideia do self-dealing, que é
uma espécie de negócio consigo mesmo ou em que uma mesma pessoa controla ambos os lados
de uma operação. É, em outras palavras, o negócio que, no jargão comum, é conhecida como
“operação zé com zé”. O tema foi ventilado quando do julgamento, pela Câmara Superior de
Recursos Fiscais do Conselho de Contribuintes, em 24 de agosto e 2009, do Recurso nº 101-
149.841 (acórdão nº 9101-00.288), que aquele órgão decidiu pela validade de auto de infração
pelo qual foram glosadas despesas financeiras decorrentes de empréstimos obtidos junto a pessoa
ligada no exterior, cujos recursos foram repassados imediatamente a outra sociedade, também
localizada no exterior.26
15.4.4Despesas pagas a pessoas com domicílio em paraísos
fiscais
Em certas circunstâncias, a lei veda a dedução de despesas decorrentes de operações com
pessoas com residência ou sede em países de baixa tributação ou que países com tributação normal
gozem de benefícios fiscais próprios dos paraísos fiscais. Assim, por exemplo, o art. 26 da Medida
Provisória nº 472/09, convertida na Lei nº 12.249/10, proíbe a dedução, na determinação do lucro
real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, dos valores correspondentes
às importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a qualquer título, direta
ou indiretamente, a pessoas físicas ou jurídicas residentes ou constituídas no exterior e submetidas
a um tratamento de país ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal
privilegiado, salvo se houver, cumulativamente: (a) a identificação do efetivo beneficiário da
entidade no exterior, destinatário dessas importâncias; (b) a comprovação da capacidade
operacional da pessoa física ou entidade no exterior de realizar a operação; e (c) a comprovação
documental do pagamento do preço respectivo e do recebimento dos bens, direitos ou a utilização
de serviço. Para efeito de aplicação da regra do item a, acima, considerar-se-á como efetivo
beneficiário a pessoa física ou jurídica, não constituída com o único ou principal objetivo de
economia tributária, que auferir esses valores por sua própria conta e não como agente,
administrador fiduciário ou mandatário por conta de terceiro.
A regra da comprovação da capacidade operacional da pessoa jurídica parece-me
desnecessária porquanto ela já está compreendida no enunciado da norma da letra c, acima, que
requer a prova do recebimento efetivo dos bens, direitos ou serviços. Logo, se houve a entrega
dos bens, direitos ou serviços, a prova da capacidade é notória porquanto é razoável supor que
aquele que não tem estrutura operacional pode obtê-la com a contratação de terceiros. Ao exigir
a prova do recebimento dos bens, serviços e direitos, a nova lei apenas repete o mandamento da
norma em vigor que requer a prova material de toda despesa ou custo. Logo, em síntese, a regra
cria apenas e tão somente uma hipótese de proibição de dedução para fins de cálculo da CSLL,
desde que seja observado o prazo de noventa de dias para que a norma possa ser efetivamente
aplicada. De todo modo, a regra quer cercear a dedução de gastos com empresas de papel (p.o.
box), mas não abrange as operações com pessoas jurídicas ligadas situadas fora dos denominados
“paraísos fiscais”, que continuam a ter que provar a necessidade das despesas, porque esse é um
mandamento geral cuja observância é imprescindível para legitimar a dedução.
15.4.5Atos ultra vires e atos anormais de gestão
Em certas circunstâncias a dedução de despesas pode ser confrontada com a questão relativa
à validade dos atos ultra vires e dos atos anormais de gestão. A construção teórica em torno dos
denominados atos ultra vires27 teve a finalidade de estabelecer critérios para a identificação dos
limites de ação dos dirigentes de uma sociedade em face das cláusulas do objeto social. Os atos
anormais de gestão, por outro lado, dizem respeito, em apertada síntese, aos atos realizados sem
observância do arm’s length, isto é, sem a devida contraprestação, ou seja, em que as
contrapartidas dos negócios jurídicos firmados pela pessoa jurídica sejam inexistentes ou menores
do que seria o normal ou razoável. Na jurisprudência francesa, de onde origina a ideia dos atos
anormais de gestão, são assim considerados aqueles contrários ao interesse social ou da empresa
e que beneficia acionistas ou dirigentes.28 Tais atos implicam a renúncia de receitas ou a assunção
de despesas não razoáveis, ou seja, são assim considerados os que atendem a interesses estranhos
ao da sociedade.29
A ação dos administradores é delimitada por normas de ordem pública e por normas internas
– constantes do contrato ou estatuto social –, editadas com base na autonomia privada e fundada
em regras e princípios editados pelo Estado-legislador e que lhes assina o campo material de ação
bem como as finalidades que devem perseguir. Essas normas (regras e princípios) formam o
ordenamento jurídico ao qual ficam vinculados os administradores eleitos, de modo que parece
ser razoável supor que a ação dos administradores deve ser conduzida de acordo com as balizas
de uma legalidade societária.
Ao administrador, portanto, não basta agir com labor e presteza, sem omissões ou
retardamentos; importa ainda atuar escrupulosamente na defesa dos interesses em função dos
quais o administrador detém as atribuições legais.30 Ser diligente é agir com cuidado, e, deste
modo, os administradores devem obedecer às finalidades inerentes à função técnica específica
que desempenham e que advêm da distribuição de tarefas ou competências feitas pelo objeto
social ao estabelecer os poderes de cada diretoria. Os administradores devem cumprir as funções
que lhes foram designadas de modo a atender, da melhor maneira possível, o interesse social. Para
que isso ocorra, a ordem jurídica lhes impõe deveres positivos e negativos, de modo que:
(a)não devem realizar negócios que sejam incompatíveis com o interesse social e que
exponham a riqueza acumulada na empresa a risco31econômico desmesurado;
(b)devem tomar todas as medidas necessárias para evitar o desperdício de ativos e
recursos da sociedade;32
(c)devem agir de acordo com a lei e o estatuto, ou seja, devem abster-se de praticar
atos fora do seu raio de competência;33
(d)devem tomar todas as medidas para que a sociedade venha a aproveitar todas as
oportunidades de negócios que possam agregar lucros à empresa.34
O fato de um ato ser qualificado como ultra vires ou anormal, segundo me parece, não tem
consequência tributária alguma salvo se a lei disser o contrário, e a lei o faz amiúde quando, por
exemplo, veda a dedução de despesas sem contraprestação ou com retribuição exagerada e quando
estabelece valores mínimos para dedução em operações com partes relacionadas ou com pessoas
com sede ou domicílio em paraísos fiscais. Fora desses casos, um ato ilícito do ponto de vista
societário que seja justificável para a manutenção da fonte produtora produz os efeitos tributários
que lhes são próprios.
15.4.6Liberalidade
Quando se perscrutam os conceitos de despesa “normal” e “usual”, surgem indagações
acerca dos atos praticados com liberalidade. As decisões dos tribunais administrativos, em geral,
declaram válida a glosa de despesas quando não há um benefício para empresa ou para a fonte
produtora dos rendimentos. Por outro lado, a questão dos “atos de liberalidade” é bastante
discutida no direito societário já que dizem respeito ao limite da atuação, às obrigações e aos
impedimentos, dos administradores das empresas em geral.
O administrador, com base no conteúdo do art. 154 da Lei nº 6.404/76, deve agir de acordo
com os interesses da sociedade, sendo-lhe vedado: (a) praticar atos de liberalidade à custa da
sociedade, salvo quando autorizado pelos sócios e ressalvados os casos definidos no contrato
social, (b) apropriar-se, sem autorização dos sócios ou sem a justa compensação, de bens e direitos
da sociedade, ou celebrar negócios em condições mais vantajosas para si do que as que a
sociedade contrataria com terceiros, (c) receber vantagens, diretas ou indiretas, de terceiros, sem
autorização do contrato ou dos sócios.
Na definição de Trajano de Miranda Valverde, atos de liberalidade são aqueles que
diminuem, de qualquer sorte, o patrimônio social, sem que tragam para a sociedade nenhum
benefício ou vantagem de ordem econômica.35 De forma mais incisiva, Valdemar Ferreira adverte
que “a missão dos diretores não é a de doar ou desfalcar o patrimônio da sociedade, senão acrescê-
lo, mercê da gestão prudente, honesta e produtiva de lucros”.36 Para Darcy Miranda Junior, não
pode o administrador “autorizar despesas que nenhuma relação tenham com o objetivo social”.37
Há atos gratuitos que, no entanto, visam ao incremento das receitas da empresa como são,
por exemplo, a distribuição de brindes, o patrocínio de eventos esportivos, ou a distribuição de
prêmios de concursos que visam a divulgar produtos e marcas, e que, portanto, têm finalidade
publicitária.38 Também não são atos de liberalidade, por exemplo, a celebração de contrato de
comodato de bens da sociedade quando este arranjo contratual visa a realizar o objeto social. De
igual modo, não se consideram atos de liberalidades aqueles que visam a renúncia de direitos
como ocorre, por exemplo, nos casos de transação para concessão de descontos no pagamento de
dívidas vencidas, que é uma prática comum no mercado financeiro e atividades congêneres. Aqui
é necessário atentar que as receitas geradas nas operações de crédito embutem uma parcela
relativa à inadimplência, e, portanto, a concessão de descontos é natural e normal, porque a
atividade tem um grau de risco próprio que está devidamente considerada na taxa de juros
pactuada.
A jurisprudência registra um bom número de casos de autuações fiscais em que foi glosada
a dedução de despesas vinculadas a contratos de compra e venda em relação a parcelas rotuladas
como “cortesia”, como ocorre no segmento de venda de automóveis em que certas empresas
oferecem aos compradores de veículos utilidades sob a forma de acessórios, gasolina, seguro etc.
As autoridades fiscais, em tais casos, consideram que se trata de liberalidade; no entanto, a Sétima
Câmara do Primeiro Conselho de Contribuinte decidiu a favor da dedução39 no acórdão nº
107.09316, que tem a seguinte ementa:
“IRPJ/CSLL – GLOSA DE CUSTOS/DESPESAS – CORTESIAS –
IMPROCEDÊN-CIA. A simples afirmação do fisco de que os dispêndios com
cortesia são indedutíveis ‘por caracterizar ato de mera liberalidade’, não é
suficiente para sustentar a glosa. Não parece, em princípio, mera liberalidade o fato
de uma concessionária de veículos oferecer aos adquirentes acessórios de valor
reduzido em função do bem vendido. É despesa usual e normal na atividade.”
A oferta de mimos ao comprador de um bem de valor significativo jamais pode ser
considerada como liberalidade de modo a justificar a glosa da dedução. Liberalidade é despender
recursos sem interesse algum, direto ou indireto, de modo que toda forma de atração de potenciais
compradores é esforço para geração de receita, o que é absolutamente normal e necessário em
certas circunstâncias. No caso do exemplo acima apresentado, a oferta é parte integrante do
contrato de compra e venda e corresponde, em essência, a um desconto no preço. Logo, em casos
como estes, a aplicação do princípio segundo o qual a substância deve prevalecer sobre a forma
mostra que há um só contrato (um único negócio), e não uma venda seguida de doação, como
supõem as autoridades fiscais.
Ademais, é necessário ter em consideração que, em face de disposição expressa, contida
no caput do art. 154 da Lei nº 6.404/76, os diretores devem desempenhar suas funções atentando
para que sejam “satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. A lei
estabelece que o dever de atender ao fim social desta cabe também ao acionista
controlador.40 Logo, a satisfação do bem público e o atendimento à função social da empresa
podem demandar a realização de gastos sem contrapartida, sem que possam caracterizar
liberalidade proibida.
A existência, na lei societária, de uma norma impondo a observância da função social tem
uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, legitima a intervenção estatal na autonomia privada
para criar obrigações de caráter social para a pessoa jurídica, que fica obrigada a despender
recursos (ou a abrir mão de receitas) no interesse da comunidade. Em segundo lugar, legitima a
realização de gastos liberais, isto é, sem contrapartida justa para a pessoa jurídica, de modo a
tornar plenamente justificável (normal) o direcionamento de ativos para a realização de ações
voluntárias de colaboração com o poder público ou para atender a certas carências de um grupo
de pessoas com o qual mantém proximidade. Para permitir que essa faceta da função social de
empresa seja observada concretamente é que o enunciado do § 4º do art. 154 da Lei nº 6.404/76
estipula que o conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos
razoáveis em benefício de empregados e da comunidade na qual a empresa está inserida. Para
Modesto Carvalhosa,41 os atos gratuitos em favor de empregados e da comunidade são justificáveis
porque são praticados em atendimento ao dever de cumprimento da função social da empresa:
“Atos gratuitos são aqueles que não têm retribuição econômica. No âmbito do
direito societário são distintos dos atos de liberalidade, pois, embora sem
contrapartida patrimonial, podem reverter em benefício indireto para a companhia,
na medida em que, com eles, atenda-se à função social da empresa, colaborando
para atividades comunitárias, sejam culturais, sejam de beneficência ou esportivas
etc.”
Ao admitir a realização de atos gratuitos dessa natureza, a lei recorta o campo de incidência
da norma proibitiva contida alínea a do § 2º do art. 154 da Lei nº 6.404/76, segundo a qual é
vedado ao administrar “praticar ato de liberalidade à custa da companhia”.
15.4.7Despesas decorrentes de atos ilícitos
Em princípio, as despesas decorrentes de ato ilícito podem ou não ser dedutíveis; tudo fica
a depender da análise do caso concreto, mas se há relação com os interesses legítimos da empresa
e da sociedade, então elas serão dedutíveis. Dedutível será, por exemplo, o valor das eventuais
verbas de sucumbência que o vencido terá de suportar se houver processo regular em que houve
a defesa dos interesses sociais. Estas verbas, disse o Conselho de Contribuintes, no Acórdão 103-
10.967/91, estão conectadas com o direito constitucional que toda pessoa tem de defender em
juízo os seus interesses.
Problemática, no entanto, será a dedução de despesa suportada em processo no qual o
contribuinte é condenado sem que tenha oferecido resistência razoável; sem que tenha procurado
a defesa de seus interesses. Nestes casos, há nítida liberalidade que impede a dedutibilidade do
valor suportado e seus consectários, a menos que seja possível provar que a desistência da defesa,
de algum modo, foi vantajosa em razão dos custos do processo e das reais possibilidades de êxito.
Outra importante questão que surge ordinariamente diz respeito às despesas que são, do
ponto de vista formal, bem suportadas, mas não trazem em si a marca da sinceridade; ou, dizendo
de outro modo, são fruto de operações montadas para fraudar a norma tributária. Nestes casos, a
dedutibilidade não pode ser admitida, como, aliás, ocorreu no caso objeto do julgamento do
Recurso nº 124.107, ocorrido em 21 de maio de 2002, no qual a 1ª Câmara do 1º Conselho de
Contribuintes decidiu que:
“quando uma empresa assina 150 contratos de promessa de compra e venda de
dólar comercial, com empresas que não têm qualquer posição naquela moeda e
nem têm capacidade econômica e nem financeira (microempresas, empresas de
pequeno médio porte) e empresas não identificadas e, ainda, desiste da compra ou
venda do dólar comercial e paga o ressarcimento (multa contratual) por desistência
de contrato, estas operações não preenchem os requisitos de necessidade,
normalidade e usualidade para serem apropriados como custos ou despesas
operacionais, independentemente da imputação da simulação de contratos.”
Nesse caso, como em tantos outros, houve uma simulação que impede a dedução da despesa
porque não houve benefício algum para a empresa. A legislação tributária admite, em certas
circunstâncias, as perdas decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. Assim, de acordo
com o art. 364 do RIR/99, somente serão dedutíveis como despesas os prejuízos por desfalque,
apropriação indébita e furto, por empregados ou terceiros, quando houver inquérito instaurado
nos termos da legislação trabalhista, ou quando apresentada queixa perante a autoridade policial.
A lei não arrola o roubo entre as formas de desfalque patrimonial decorrente de ação ilícita. Roubo
e furto produzem o mesmo resultado, de modo que a perda, nestes casos, deve ser admitida.
15.5DESPESA INCORRIDA
O enunciado do § 1º do art. 299 do RIR/99 diz que, para que possa ser considerada dedutível,
uma despesa, além de necessária, deve estar paga ou incorrida. O conceito de “despesa incorrida”
deve ser construído em conexão com o princípio da realização da renda, de modo que serão
consideradas incorridas as despesas que tenham sido suportadas pela pessoa jurídica para produzir
e realizar as receitas decorrentes da atividade que se propôs a explorar. Despesa incorrida é
despesa materializada, isto é, que produz uma diminuição patrimonial irreversível, e, portanto,
definitiva e quantificável.42
Antes de se verificar se uma despesa reúne os atributos necessários para ser considerada
“incorrida” é imprescindível determinar se ela existe, ou seja, é necessário reunir evidências de
que as cifras correspondem à contrapartida da aquisição de bens e serviços, de acordo com as
provas exigíveis em cada caso. A prova, no caso, não deve ser considerada apenas sob o aspecto
formal – como é a existência de um desembolso e de um documento comprobatório – haja vista
que o contribuinte tem um dever de corroborar a aquisição dos bens e serviços com indícios firmes
acerca da efetiva fruição dos benefícios pelos quais pagou ou assumiu a obrigação de pagar. Nesse
sentido cabe referir a Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais decidiu que: “A
existência, pura e simplesmente, do pagamento de um custo ou despesa não significa, ‘ipso facto’,
que seja dedutível.” (Acórdão CSRF/01-05302, de 21/09/2005). Ao sujeito passivo cabe
demonstrar a causa do desembolso que se dá com a contrapartida recebida: logo, qualquer
pagamento sem contrapartida não constitui despesa e sim redução indevida do lucro real. Em tais
circunstâncias é aplicável a regra sobre tributação na fonte por pagamentos sem causa ou a
beneficiário não identificado, prevista no art. 44 da Lei nº 8.541/92.43
Sobre a ideia de despesa incorrida há uma antiga lição de Sampaio Dória. Para ele, despesa
incorrida é a que: (a) resulta de obrigação formalmente contratada, líquida e certa, vencida ou
não; (b) seja precisamente quantificável; (c) independa de evento futuro e incerto, que possa
eliminar a respectiva obrigação, verificando-se automaticamente seu vencimento (decurso de
prazo, para exemplificar); e (d) possua titular (credor) identificado precisamente.44
Despesa incorrida tem existência, liquidez e certeza. A existência diz respeito à perfeição
de uma relação jurídica decorrente da realização de um ato ou negócio jurídico (abstraída a
questão da validade), pelo qual o contribuinte (como sujeito passivo da relação jurídica
decorrente) obriga-se a prestar algo de forma incondicional; logo, a existência diz respeito a uma
prestação, e a despesa é uma decorrência dela. A liquidez da prestação diz respeito à circunstância
de poder ela ser exigível, segundo o direito aplicável à espécie. No que tange à certeza, ela pode
ser qualitativa ou quantitativa; ou seja, tanto pode dizer respeito à existência do negócio jurídico
incondicional, como pode referir-se a alguma incerteza sobre a prestação ou sua exigibilidade.
Diz-se que algo goza de presunção de certeza quando ele é determinado ou objetivamente
determinável.
A legislação tributária indica os traços de uma despesa incorrida. Segundo um antigo ato
interpretativo, o Parecer Normativo CST nº 7, de 28 de janeiro de 1976, por despesas incorridas
“entendem-se as relacionadas a uma contraprestação de serviços ou obrigação contratual e que,
embora caracterizadas e quantificadas no período-base, nele não tenham sido pagas, por isso
figurando o valor no passivo exigível da empresa”. Há que se observar uma questão: o critério da
existência da contraprestação deve ser entendido sempre ao lado de outros fatores; assim sendo,
parece claro que despesa incorrida surge quando o contribuinte já auferiu algum benefício
propiciado pelo bem adquirido. Essa observação é importante porque podem ocorrer casos em
que a contraprestação já existe, mas o serviço ou o bem ainda está sendo consumido ou em vias
de ser. Enfim, uma despesa não surge de um contrato; este apenas é um modo de aquisição de
bens e serviços que podem ou não ser utilizados imediatamente, e, por conseguinte, a despesa
incorrida surge com o uso ou emprego dos bens e serviços adquiridos na atividade produtora de
receitas.
O conceito tradicional de “despesa incorrida” foi construído a partir do exame dos critérios
legais que devem ser observados quando do registro ou reconhecimento de certos fatos contábeis.
Portanto, é voz corrente que a dedução de uma despesa, salvo disposição legal em contrário, só é
autorizada quando a mesma é considerada incorrida e registrada contabilmente. A Lei nº
12.973/14 modificou radicalmente este quadro ao permitir a dedução de certas despesas que não
são imputadas ao resultado, como são, por exemplo, as suportadas pela pessoa jurídica com a
emissão de ações e que são registradas em conta do Patrimônio Líquido (art. 38-A do Decreto-lei
nº 1.598/77), e também prevê casos em que a dedução é postergada para o futuro e, portanto, a
dedução não ocorre no momento em que a despesa é considerada incorrida. Exemplo
paradigmático é o das despesas pré-operacionais que são imputadas ao resultado quando
incorridas, mas a dedução só é admissível depois que a empresa sai da denominada “fase pré-
operacional” (art. 11 da Lei nº 12.973/14). Em ambos os casos, a dedução é feita diretamente na
apuração do lucro real e registrada no Livro de Apuração do Lucro Real.
15.5.1Despesas diferidas
Certos gastos são imediatamente imputados aos resultados e há casos em que a fruição dos
benefícios propiciados pelos bens adquiridos é paulatina, como é caso das denominadas “despesas
diferidas”. Exemplos de despesas diferidas são os gastos com pesquisa e desenvolvimento que
assumem a feição de investimentos na medida em que visam a beneficiar resultados futuros ainda
que os bens ou serviços já tenham consumidos, como são, por exemplo, os gastos com a criação
de novos bens e serviços ou aperfeiçoamento de processos produtivos, comerciais, logísticos etc.
Depois do advento do Pronunciamento nº 04 do CPC, essa figura – a despesa diferida – deixou
de existir. Vejamos os enunciados dos itens 54 e 55 do referido Pronunciamento:
“54. Nenhum ativo intangível resultante de pesquisa (ou da fase de pesquisa de
projeto interno) deve ser reconhecido. Os gastos com pesquisa (ou da fase de
pesquisa de projeto interno) devem ser reconhecidos como despesa quando
incorridos.
55. Durante a fase de pesquisa de projeto interno, a entidade não está apta a
demonstrar a existência de ativo intangível que gerará prováveis benefícios
econômicos futuros. Portanto, tais gastos devem ser reconhecidos como despesa
quando incorridos.”
Na fase de desenvolvimento, o registro de um ativo intangível derivado de pesquisa interna
só é admissível se houver a geração de um bem identificável e transferível a terceiros, e, além
disso, que possa vir a gerar fluxos financeiros futuros. Do ponto de vista fiscal, a imputação de
tais despesas ao resultado é uma faculdade atribuída pela lei ao sujeito passivo em face do disposto
na alínea “b” do § 3º do art. 58 da Lei nº 4.506/64, que é a matriz legal da alínea “b” do item II
do art. 325 do RIR/99.
15.5.2Despesas pré-operacionais
As normas que dispõem sobre os critérios gerais de dedução de despesas constantes do art.
299 do RIR/99 pressupõem a vinculação das despesas a uma fonte produtora
devidamente caracterizada e estabelecida, mas são omissas a respeito da dedução de eventuais
gastos com a criação de infraestrutura para realização de atividades econômicas ou para expansão
das atividades já exploradas. Exemplos desses gastos são aqueles suportados para a realização de
pesquisas, estudos e experimentos para criação de novos produtos e a também os relacionados à
prospecção de novos negócios. Nesta categoria se enquadram também os gastos de um
empreendimento industrial em fase de pré-operacional ou de expansão.
Em relação às despesas pré-operacionais (ou pré-industriais) havia a regra especial contida
no art. 325 do RIR/99, que admitia o diferimento contábil das mesmas para posterior amortização,
e a dedução era permitida tanto que o sujeito passivo deve fazer a devida separação entre gastos
dedutíveis e não dedutíveis na forma dos Pareceres Normativos 72/75 e 110/75. A aplicação dessa
regra, no entanto, deixou de existir com as novas normas contábeis editadas após o advento da
Lei nº 11.638/07, que eliminaram a possibilidade de diferimento contábil de gastos desta natureza.
O art. 11 da Lei nº 12.973/14 manteve o regime de dedução previsto na legislação anterior.
A dedução permanece diferida para o momento a partir do qual as operações são iniciadas;
todavia, o controle do diferimento deve ser feito no Livro de Apuração do Lucro Real ao invés
dos registros contábeis em que a dedução era admitida em quotas de amortização. O assunto é
tratado no item 17.5.1 deste livro.
Para regulamentar a aplicação da Lei nº 12.973/14 foi editada a IN 1.700/17 que, no art. 128,
dispõe que para fins de determinação do lucro real, não serão computadas, no período de apuração
em que incorridas, as despesas: (a) de organização pré-operacionais ou pré-industriais, inclusive
da fase inicial de operação, quando a empresa utilizou apenas parcialmente o seu equipamento ou
as suas instalações; e (b) de expansão das atividades industriais. Os valores relativos a tais
despesas poderão ser excluídas para fins de determinação do lucro real, em quotas fixas mensais
e no prazo mínimo de 5 (cinco) anos, a partir do início das operações ou da plena utilização das
instalações, ou do início das atividades das novas instalações.
Os valores não computados no lucro real deverão ser adicionados na Parte A do LALUR e
registrados na parte B para controle de sua utilização.
15.5.3Despesas pós-operacionais
Em certas circunstâncias pode ocorrer que a entidade deva suportar gastos para alienação de
negócios ou descontinuidade de operações, como se dá quando há decisão política pelo
fechamento de uma fábrica ou quando negócios devam ser desativados em razão de imposição
legal de caráter geral ou especial, como é o caso de uma decisão judicial. Nestas circunstâncias
surgem os denominados “Costs Associated with Exit or Disposal Activities” que abrangem os
gastos com desmontagens, reparação de danos ambientais, indenizações devidas aos
trabalhadores etc. No plano contábil está em vigor o Pronunciamento Técnico CPC 25, que dispõe
sobre provisões, e contém regras sobre o registro de obrigações atuais e futuras por desativação
de estruturas (instalações) e compreende gastos com desmontagem e retirada de itens
(Interpretação Técnica ICPC 12). Esses gastos certamente não têm relação intrínseca com a
persecução do lucro futuro, porque são pós-operacionais; todavia, o caráter normal e necessário
dessas despesas decorre do fato de que a empresa deve suportar custos de caráter social que não
podem ser negligenciados ou excluídos por vontade da entidade. O dever de reparar bens coletivos
(ambientais) está ligado à obtenção de resultados econômicos que já foram obtidos e, portanto,
têm ligação com a fonte geradora de rendimentos e atendem ao interesse social.
O art. 45 da Lei nº 12.973/14 dispõe que os gastos de desmontagem e retirada de item de
ativo imobilizado ou restauração do local em que está situado somente serão dedutíveis quando
efetivamente incorridos. De acordo com o § 1º do citado preceito, caso constitua provisão para
gastos de desmontagem e retirada de item de ativo imobilizado ou restauração do local em que
está situado, a pessoa jurídica deverá proceder ao ajuste no lucro líquido para fins de apuração do
lucro real, no período de apuração em que o imobilizado for realizado, inclusive por depreciação,
amortização, exaustão, alienação ou baixa. O art. 125 da IN 1.700/14 regulamentou a matéria.
15.5.4Aplicações de capital
Certos gastos não podem ser imputados imediatamente ao resultado porque representam
valores empregados na melhoria das condições de funcionamento de ativos de uso. Esses valores
devem ser registrados em conta de ativo para futura depreciação ou amortização. A lei estabelece
a capitalização dos valores quando os benefícios propiciados pelos bens e serviços adquiridos têm
duração superior a um ano.
15.6DESPESAS INTRINSECAMENTE RELACIONADAS COM A
PRODUÇÃO
Há casos em que a lei afasta os critérios de dedutibilidade e cria outros, de caráter específico.
Exemplos são as regras dos incisos II e III do art. 13 da Lei nº 9.249/95 que vedam a dedução de
certas despesas normas e usuais se estas não estiverem intrinsecamente vinculadas à produção
dos bens e serviços. A lei proíbe a dedução das cifras contabilizadas como despesas que se refiram
a:
(a)contraprestações de arrendamento mercantil e do aluguel de bens móveis ou
imóveis, exceto quando relacionados intrinsecamente com a produção ou
comercialização dos bens e serviços;
(b)despesas de depreciação, amortização, manutenção, reparo, conservação,
impostos, taxas, seguros e quaisquer outros gastos com bens móveis ou imóveis,
exceto se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens
e serviços.
O preceito em questão cria uma espécie qualificada de despesa necessária. A vinculação,
nesse caso, não é com a atividade-fim desempenhada pela pessoa jurídica como um todo, mas
apenas e tão somente com as atividades essenciais de produção e comercialização de bens e
serviços ou que sejam indispensáveis à obtenção de receitas para as pessoas jurídicas que não se
dedicam à produção, à comercialização e à prestação de serviços. As restrições legais alcançam
também os valores que, por força de lei, devam ser agregados ao custo dos produtos vendidos,
mas a proibição da dedução, nestes casos, como soe acontecer, só é cabível em relação aos bens
e serviços vendidos, não alcançando, portanto, os valores agregados aos estoques enquanto ali
permanecerem.
Enfim, a dedução só é admissível se os bens estiverem afetados à produção e à
comercialização. Produção, nesse contexto, representa toda fabricação e produção de bens
mediante atividade extrativa ou reprodutiva; é também toda forma de prestação de serviços.
Comercialização é atividade que diz respeito às empresas comerciais e também às demais, porque
ninguém produz (em sentido amplo) se não for para vender. Logo, todos os gastos com quaisquer
espécies de bens vinculados ao departamento de vendas de uma indústria são dedutíveis. Para o
normal funcionamento de um departamento de vendas são necessários bens aplicados em várias
atividades intrinsecamente ligados ao esforço de vendas, como são os relativos à divulgação,
demonstração, experimentação etc. Assim, por exemplo, são plenamente dedutíveis os gastos com
veículos empregados na entrega de bens e na visita a clientes. De outra parte, não há razão jurídica
para ser negada a dedução do valor do aluguel de espaços para armazenamento de produtos em
elaboração ou já prontos, haja vista que a armazenagem situa-se exatamente no ponto intermédio
entre a produção e a comercialização.
A jurisprudência do CARF tem privilegiado a interpretação das referidas normas à luz da
cláusula do objeto social da sociedade e o faz com a finalidade de verificar a estrita vinculação
dos bens com a produção dos rendimentos, quando a lei exige a aplicação direta dos bens na
produção e na comercialização.
A fiscalização tem adotado como alvos preferenciais, para fins de glosa das despesas,
aquelas decorrentes do uso e manutenção de veículos de luxo e aeronaves. A glosa com base no
caráter luxuoso de um bem é, por si só, ilegal, de modo que a mesma só é admissível se não for
provada a ausência de relação intrínseca com a produção e a comercialização.
À fiscalização incumbe o dever de demonstrar a ocorrência ou não da pertinência estrita de
uma coisa em relação à outra, que constitui a base significativa da palavra intrinsecamente. De
fato, quando do julgamento do Recurso n º 139.120, a 7ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes
decidiu – por unanimidade de votos – que cabe à autoridade fiscal demonstrar, à sociedade, os
fatos referidos no art. 13 da Lei nº 9.249/95, que foi utilizado como fundamento de validade do
Auto de Infração ora impugnado. Vejamos a ementa de decisão:
“IRPJ E CSL – GASTOS COM VEÍCULOS – DEDUTIBILIDADE. A cláusula
aberta, prevista na parte final do inciso III do art. 13 da Lei nº 9.249/95, no sentido
de que somente seriam dedutíveis os gastos com veículos ‘intrinsecamente
relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços’, não pode
transformar em norma que afeta a segurança jurídica das relações entre
contribuinte e Fisco. Este, portanto, deve demonstrar, à saciedade, que os gastos
feitos por aquela não se enquadram em tal previsão legal. Todavia, não podem ser
considerados critérios alheios ao dispositivo legal, tal como o fato de serem ou não
os automóveis em questão ‘veículos de luxo’. Afinal, a questão fulcral não é o valor
do bem, mas a sua destinação, temperando-se, porém, tal afirmativa pela ideia de
razoabilidade. Ademais, no caso concreto, mesmo que se pudesse aceitar o critério
‘veículo de luxo’ como relevante para aplicar a norma supracitada, não
vislumbramos nos veículos considerados a ideia de ‘luxo’.”
O dever de prova não pode ser elidido com a simples referência à Instrução Normativa nº
11/96, que não leva em consideração a atividade da empresa. A referida Instrução Normativa não
relaciona com numerus clausus os veículos que podem ser considerados intrinsecamente
relacionados com a produção e a prestação de serviços: deste modo, cada caso deve ser
considerado individualmente sob pena de se criar um critério de indedutibilidade que não consta
da Lei. Neste sentido é a decisão proferida pela Quinta Câmara do 1º Conselho de Contribuintes
quando do julgamento do Recurso nº 135.567, ocorrido em 17.3.2004, que tem a seguinte ementa:
“IRPJ – ARRENDAMENTO MERCANTIL – CONCEITO DE GASTOS
‘INTRINSECAMENTE RELACIONADOS COM A PRODUÇÃO OU
COMERCIALIZAÇÃO DOS BENS E SERVIÇOS’ – A Lei nº 9.249/95 (Art. 13),
ao vedar a dedutibilidade das contraprestações de arrendamento mercantil de bens
que não fossem intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização
dos bens, não pretendeu promover a indedutibilidade de gastos legítimos, usuais,
normais e necessários à atividade empresarial, apenas aperfeiçoou o conceito de
dedutibilidade. Por outro lado, é de se reconhecer que as situações descritas na IN
SRF nº 11/96, art. 25, não são de caráter exaustivo.”
O art. 13 da Lei nº 9.249/95 não faz expressa menção ao tipo de veículo utilizado: deste
modo, o requisito primordial de dedutibilidade é a vinculação essencial dos bens para “produção
ou comercialização dos bens e serviços”. Se a autoridade fiscal não produz a prova da não
vinculação dos bens, exigida pela lei, os critérios de que passam a reger a dedução são os critérios
normais de necessidade, normalidade e usualidade. A lei é endereçada também ao sujeito passivo,
e este deve produzir prova da ligação intrínseca exigida.
15.7PROVA
As despesas, para serem dedutíveis, devem estar adequadamente comprovadas. A natureza
da prova varia de acordo com causa da despesa em cada caso: assim, por exemplo, para comprovar
despesa financeira com pagamento e encargos sobre empréstimos, a pessoa jurídica deve fazer
prova da obtenção dos recursos e emprego dos mesmos na atividade da pessoa jurídica.45
Se a lei não impõe requisitos específicos para formalização de atos e negócios jurídicos em
geral, é de se deduzir que o contribuinte pode pretender provar certos fatos de acordo com todos
os meios em direito admitidos. O sujeito passivo tem o ônus, em primeiro lugar, de fazer a prova
do atendimento aos requisitos legais; a lei tributária é a ele dirigida em caráter primacial e a ele
cabe comportar-se da maneira como ela prescreve. O sujeito passivo, sob esta perspectiva, tem o
dever de participar da busca da verdade material e as provas que vier a apresentar gozam de
presunção de boa-fé, até prova em contrário. Ao Fisco cabe a prova em contrário, de modo que
ele tem o dever de investigar os fatos além do que os papéis eventualmente declaram; ao Fisco
cabe investigar o que ocorreu antes e depois do fato.46
As autoridades fiscais não podem criar requisitos formais e exigir documentos com atributos
não previstos em lei.47 Por esta razão, é comemorável a decisão proferida pela 3ª Câmara do 1º
Conselho de Contribuintes, quando da apreciação do Recurso nº 110.279, de 16 de março de 1999,
no qual ficou decidido que: “existentes os contratos de mútuo firmados com empresas controladas
ou coligadas, a falta do registro no Cartório de Títulos e Documentos, bem como irregularidade
em sua contabilização, não são suficientes para determinar a indedutibilidade dos encargos
contabilizados”. A autoridade fiscal, neste caso, relegou a um segundo plano as provas sobre
movimentação de numerário e preferiu o caminho mais curto da desqualificação dos documentos
de suporte, apegando-se à formalidade não exigida em lei. Esqueceu-se de que os negócios
jurídicos firmados entre particulares são regidos por normas de direito privado que dispõem sobre
as condições de validade deles. O art. 82 do Código Civil de 1916 (art. 104 do Código Civil de
2002) prescrevia que a validade de um ato jurídico (do qual o negócio jurídico é espécie) se
assentasse em três exigências concomitantes, a saber: (a) agente capaz; (b) objeto lícito; e (c)
forma prescrita ou não proibida por lei.
Assim, nem mesmo a falta de documento escrito não significa, a priori, que a despesa não
possa ser provada. Essa comprovação será material ou formal. A prova material exigida é a
demonstração de que determinado serviço foi efetivamente prestado ou que determinado bem ou
utilidade foi realmente adquirido ou empregado em benefício da empresa que suportou o gasto.
Do ponto de vista formal, essa comprovação será feita por “todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos”, na forma do Código de Processo Civil. Além disso, em abono a tal
entendimento pode ser invocado o disposto no art. 212 do Código Civil de 2002, segundo o qual
os atos jurídicos podem ser provados mediante: (a) confissão; (b) documentos públicos ou
particulares; (c) testemunhas; (d) presunção; (e) perícia, exames e vistorias; e (f) arbitramento.
Há casos em que a lei dispensa a comprovação ou impõe requisitos especiais para a sua
produção. Assim, a pessoa jurídica poderá deduzir na determinação do lucro real, em cada período
de apuração, independentemente de comprovação, os gastos de alimentação, no local do
desempenho da atividade, em viagem de seus empregados a seu serviço, desde que não excedentes
ao valor de R$ 16,57 por dia de viagem. A viagem deverá ser comprovada por recibo de
estabelecimento hoteleiro, ou bilhete de passagem, quando não incluir qualquer pernoite que
mencione o nome do funcionário a serviço da pessoa jurídica.
Por outro lado, as despesas, cujos pagamentos sejam efetuados à pessoa jurídica, deverão
ser comprovadas por nota fiscal ou cupom emitido por equipamento Emissor de Cupom Fiscal
(ECF), observados os seguintes requisitos em relação à pessoa jurídica compradora: sua
identificação, mediante indicação de seu CNPJ; descrição dos bens ou serviços, objeto da
operação; a data e o valor da operação (Lei nº 9.532, de 1997, arts. 61, § 1º, e 81, II). Qualquer
outro meio de emissão de nota fiscal, inclusive o manual, depende de autorização da Secretaria
de Estado da Fazenda, com jurisdição sobre o domicílio fiscal da empresa interessada.
Note-se que, a partir de 1º de janeiro de 1997, em face do disposto no art. 82 da Lei nº 9.430,
de 1996, não será considerado como comprovado o gasto ou a despesa quando os documentos
comprobatórios forem emitidos por pessoa jurídica cuja inscrição no CNPJ tenha sido considerada
ou declarada inapta, não produzindo tais documentos quaisquer efeitos tributários em favor de
terceiro por se caracterizarem como uma hipótese de inidoneidade. Todavia, a dedutibilidade será
admitida quando o adquirente de bens, direitos e mercadorias ou o tomador de serviços comprovar
a efetivação do pagamento do preço respectivo e o recebimento dos bens, direitos e mercadorias
ou utilização dos serviços.
Ao Fisco é defeso, por outro lado, desconsiderar, sem razão jurídica sólida, os juízos de
valor realizados por outros órgãos estatais dentro do campo da competência que lhes for reservada
pelo ordenamento jurídico. Sob esta perspectiva é de ser considerada correta e bem lançada a
decisão proferida pela 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do
Recurso nº 127.268, em 17 de abril de 2002. Naquela ocasião, aquele Tribunal decidiu que:
“sendo o INPI o órgão técnico especializado para efetuar o registro e proteção dos
direitos relativos à propriedade industrial, e competindo ao mesmo averbar os
contratos que impliquem transferência de tecnologia, a fim de legitimar os
pagamentos deles decorrentes e permitir, quando for o caso, a dedutibilidade fiscal,
referida averbação implica presunção da efetividade e necessidade da
transferência, presunção essa que pode ser elidida pela fiscalização, desde que
traga provas em sentido contrário.”
De fato, as autoridades têm todo o direito de suspeitar da lisura dos atos produzidos por
outros órgãos, mas esse direito é contraposto ao dever de prova da mácula, ainda quando se vê,
como no caso, que o contribuinte estava munido de ato administrativo que goza de presunção de
legitimidade e validade. Em outras palavras, as autoridades fiscais têm o poder-dever de aquilatar
a efetividade da despesa, mas não podem, sem razões jurídicas sólidas, negar a eficácia de outro
ato estatal, sob pena de estarem revogando ou anulando ato administrativo de competência de
outra autoridade.
Interessante questão a respeito da prova foi decidida quando do julgamento do Recurso nº
133.233, em 26 de janeiro de 2005, pela 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes. Determinado
sujeito foi autuado por ter deduzido perdas em operações de hedge: para justificar a glosa da
dedução, o agente fiscal fez um intenso levantamento acerca da posição das dívidas e créditos da
empresa para concluir que as operações que deram origem à perda não poderiam ser qualificadas
como de garantia (hedge). O auto de infração foi cancelado pela 1ª Câmara com base no singelo
fato de que todas as operações realizadas foram comunicadas ao órgão fiscalizador – o Banco
Central do Brasil – que em momento algum se opôs a elas e à respectiva finalidade de hedge. Na
ementa da decisão está dito:
“Cumpridas as normas da autoridade monetária, com o registro da captação de
recursos em moeda estrangeira e comunicação da realização do hedge, sem
qualquer oposição manifestada pelo Bacen, não há razão para que a fiscalização
descaracterize o hedge.”
Nessa decisão, o órgão julgador estabeleceu um limite ao poder de desconsideração dos atos
privados. No caso, tendo sido a operação efetivamente realizada, e de acordo com as normas que
regem o mercado de capitais, a eventual glosa só poderia ser admitida caso a finalidade de garantia
(hedge) tivesse, por qualquer motivo, sido contestada pela autoridade que detém o poder legal de
fiscalizar tais operações. Ficou patente, neste caso, o que todos sabem: as autoridades fiscais não
detêm um poder de desqualificação superior ao poder de fiscalização outorgado pela ordem
jurídica aos órgãos encarregados de fiscalização e regulação.
O sujeito passivo deve ter bastante cuidado com as provas produzidas com base em
relatórios e demonstrativos. Embora produzidos por terceiros, eles são documentos do sujeito
passivo que se torna o responsável pela veracidade das informações que contiverem. Neste sentido
cabe referir que o Conselho de Contribuintes manteve autuação fiscal que glosou a dedução de
despesas insuficientemente provadas. O caso foi julgado, em 16-4-2003, pela 7ª Câmara do 1º
Conselho quando do julgamento do Recurso nº 133.297, que tem a seguinte ementa:
“Não se pode atestar – como dedutível – uma despesa oriunda da prestação de
serviços, consubstanciada na elaboração de relatório econômico-financeiro com
exacerbada simplicidade e exemplares lacunas e incongruências técnicas, onde
pontuam, entre outras: (01) falta de harmonização metodológica do sistema de
contabilidade doméstica com outro, ou com outros sistemas internacionais; (02)
falta de indicação da trajetória de conciliação dos objetivos dos diversos
indicadores estatísticos; (03) não decomposição das contas contábeis em sua menor
fração; (04) não indicação dos sinais que impliquem recuperação dos fluxos de
capitais, visando minimizar a aversão ao risco dos investidores internacionais; e
(05) não consideração dos valores intangíveis, associados ao potencial ou sucesso
da empresa nacional em seu próprio mercado.”
Em regra, um “Laudo de Avaliação” é um documento firmado por um especialista que
declara a existência de um fato e lhe atribui um valor, de acordo com os diversos critérios de
mensuração existentes e pertinentes em cada caso. Como elemento de prova, todo Laudo deve ser
pautado pelos princípios da integridade e sinceridade para que as informações nele contidas sejam
completas e verdadeiras. Tais informações devem observar certos critérios de coerência interna e
externa: no primeiro caso, o documento – como um todo – deve ser compreensível e as
informações nele contidas devem ter nexos lógicos entre si de modo que as premissas adotadas
produzam um resultado que seja em tudo com elas coerente. A coerência externa, por outro lado,
deve ser obtida pela necessária harmonia entre as informações contidas no Laudo e as demais
informações que são geradas e armazenadas em outros subsistemas de produção de informações
(livros contábeis, relatórios gerenciais etc.) existentes na entidade. Enfim, as informações
contidas no Laudo, salvo as de caráter analítico ou de mensuração, devem ser corroboradas por
outros registros que servem de fonte para as informações processadas para produção do
certificado ou a apresentação de projeções de caráter econômico, financeiro ou operacional. A
exigência de coerência externa está relacionada, também, com a adequação técnica dos critérios
de mensuração adotados, quando for o caso.
Os critérios técnicos devem guardar uma estreita relação de pertinência com a finalidade do
laudo e com o objeto da avaliação. Em geral, as projeções são indicativas de fatos que podem
acontecer e gerar este ou aquele resultado ou efeito: quem projeta não pode garantir a ocorrência
concreta das situações consideradas das premissas adotadas: todavia, é dever do avaliador adotar
premissas factíveis e agir de boa-fé. A independência do especialista em relação ao contratante
do laudo é desejável, mas não imprescindível, salvo nos casos previstos em lei; afinal, a exigência
fundamental é de que especialista realize o seu trabalho com honestidade técnica e que tenha boa
reputação moral. Em certas circunstâncias será imprescindível divulgar o critério de relevância
das amostras escolhidas para adoção das premissas técnicas. Enfim, o laudo deve ser bastante em
si para cumprir a função para a qual se destina e para permitir o controle da adequação técnica e
jurídica das premissas adotadas e das conclusões apresentadas.48
15.8REGIME DE COMPETÊNCIA E DESPESA NÃO CONTABILIZADA
A determinação do lucro real com base no lucro apurado de acordo com a lei comercial
impõe a observância obrigatória do regime de competência, salvo nos casos em que a lei permita
a adoção de outro critério de imputação temporal de cifras. Assim sendo, nem sempre a
observância concomitante do regime de competência e das condições gerais de dedutibilidade é
suficiente; há casos em que a lei impõe um requisito adicional, ou seja, há casos em que a dedução
só está autorizada a partir da data do pagamento do bem ou serviço adquirido.
Todavia, a não observância do regime de competência no registro de uma despesa não é, por
si só, causa suficiente para tornar não dedutível um gasto que reúne os requisitos de
dedutibilidade. A própria lei já prescreve critérios de correção que devem ser adotados em relação
às despesas (e receitas, custos, ganhos e perdas de capital) que não forem registradas no período
a que competirem; ela determina a recomposição dos lucros reais nos períodos correspondentes,
como visto.
Nada obstante, algumas decisões do Conselho de Contribuintes colocam entre os requisitos
gerais de dedutibilidade a comprovação tempestiva da despesa. Exemplo é o Recurso nº 116.691,
de 10 de julho de 2002, no qual ficou estabelecido que para que uma despesa possa ser aceita
como dedutível é necessário que a documentação que lastreia os lançamentos se constitua em
documentos fiscais hábeis e idôneos, contemporâneos à sua realização, acompanhados da devida
escrituração, no devido tempo. A exigência de escrituração, no devido tempo, é descabida porque
não prevista em lei; de fato, após o advento do Decreto-lei nº 1.598/77, foi suprimido da ordem
jurídica o “princípio da independência dos exercícios financeiros”, que constituía condição de
dedutibilidade das despesas em geral.
Outro problema sobre a dedutibilidade das despesas em geral decorre da falta de
contabilização das mesmas.
Se as despesas existem e são legítimas, vale dizer, são normais e usuais, as autoridades
fiscais não podem desconhecer o direito à dedução a despeito da falta de contabilização. O dever
de consideração dos valores relativos a despesas não contabilizadas decorre do fato de que a ação
fiscalizadora deve respeitar o princípio da verdade material que tem conexão com fato gerador do
tributo. A simples falta de contabilização não subtrai o direito do sujeito passivo de obter o
benefício da tributação dos valores relativos às receitas e, pelas mesmas razões, não deve ser causa
de subtração do direito ao benefício da dedutibilidade. Trata-se de questão de razoabilidade que
não pode ser relegada em caso de fiscalização; todavia, o sujeito passivo fica com o dever de
laborar em seu favor, de modo que o Fisco não está obrigado a defender os interesses dos
contribuintes (isto não quer dizer que possa olvidar aqueles que estão de acordo com a lei e o
direito).
Uma vez contabilizado o gasto, a eventual glosa da dedutibilidade só poderá ocorrer se o
valor respectivo afetou o resultado do período. A proposição é óbvia, mas não deve ser sempre
rememorada para que não aconteça o fato que ocorreu com a autoridade fiscal em determinado
caso, que lavrou auto de infração glosando a dedutibilidade de gasto que foi registrado no Ativo
Diferido. O caso foi parar na 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, que decidiu que:
“não cabe imputação de falta de adição ao lucro líquido na determinação do lucro
real (excesso de pró-labore e gratificações a dirigentes) e glosa de custos ou
despesas operacionais (depreciação de bens do ativo permanente) se a pessoa
jurídica não apropriou os respectivos custos ou despesas operacionais na conta de
resultados e nem apurou os resultados do período, por entender que se encontrava
em fase pré-operacional ou fase de implantação por etapa.”
Enfim, o sujeito passivo deve envidar todos os esforços para fazer o registro tempestivo de
adequado de todas as mutações patrimoniais; a dedução de eventual gasto não contabilizado é
admissível em caráter especialíssimo ainda que a em jogo esteja a busca da verdade material.
Afinal de contas, as autoridades fiscais não podem desconhecer a existência das despesas
legitimamente suportadas pelo sujeito passivo, mas não podem substituí-lo.
O registro de despesa fora do período de competência foi contemplado no § 6º do art. 121
da IN 1.700/17, segundo o qual “se o contribuinte deixar de deduzir a depreciação de um bem
depreciável do ativo imobilizado em determinado período de apuração, não poderá fazê-lo
acumuladamente fora do período em que ocorreu a utilização desse bem, tampouco os valores
não deduzidos poderão ser recuperados posteriormente mediante a utilização de taxas superiores
às máximas permitidas”. Esse mandamento, segundo me parece, é ilegal, posto que a dedução
extemporânea de uma despesa não é vedada pela ordem jurídica, e, ademais, não causa prejuízo
ao erário público. Logo, essa restrição é destituída de razoabilidade e é contrária a lei.
15.9RATEIO DE DESPESAS
É comum que empresas de um mesmo grupo ou conglomerado econômico compartilhem
bens e serviços adquiridos de terceiros, e, por conseguinte, o rateio de gastos é uma prática comum
e necessária em certas circunstâncias para se evitar a transferência ilegal de recursos de uma
sociedade para outra, ainda que ambas tenham vínculos societários ou operacionais entre si. A
propósito, o art. 274 da Lei nº 6.404/76 é claro ao prever que os administradores do grupo e os
investidos em cargos de mais de uma sociedade poderão ter a sua remuneração rateada entre as
diversas sociedades, e a gratificação dos administradores, se houver, poderá ser fixada, dentro dos
limites do § 1º do art. 152 da citada Lei, com base nos resultados apurados nas demonstrações
financeiras consolidadas do grupo.
O rateio de gastos de utilidade comum ou compartilhada ocorre com frequência nos casos
em que uma sociedade holding adquire bens e serviços que beneficiam a si e a outras empresas.
Em tais circunstâncias, as despesas, se necessárias, normais e usuais, são perfeitamente
dedutíveis, desde que o critério de rateio seja razoável e que, portanto, o ressarcimento seja
adequado ou fixado com bases equitativas. Esses critérios de rateio podem ser feitos de forma
direta, isto é, com base em tempo de utilização de recursos humanos e materiais etc., e podem
levar em conta critérios indiretos, como o faturamento, o patrimônio líquido etc. Decidiu a 5ª
Câmara do 1º Conselho de Contribuintes que “os dispêndios com propagandas rateadas entre
empresas beneficiárias da promoção, desde que diretamente relacionadas com a atividade da
pessoa jurídica pagadora, é de ser (sic) considerada dedutível da base de cálculo do imposto sobre
as rendas”.49
O compartilhamento de despesas pode surgir entre empresas com sede ou domicílio em
países diferentes, o que pode suscitar a aplicação das regras sobre “preços de transferência”.
Nesses casos, os critérios de rateio podem ser aqueles dois previstos no Relatório Transfer pricing
and mutinational enterprises: three taxation issues, emitido em 1984 pela OCDE.50 No primeiro
critério, chamado “método direto”, são cobradas apenas as remunerações por serviços concretos
e específicos, e que correspondem a um benefício concreto da sociedade associada em causa. De
outra parte, no segundo critério, chamado “método indireto”, a ideia central é de que o rateio é
feito a base de estimativas como o total do lucro, do faturamento, do patrimônio etc. As regras
sobre dedutibilidade, em tais circunstâncias, são as mesmas aplicáveis aos rateios de despesas
entre empresas no país, ou seja, é imprescindível que os gastos sejam feitos no interesse da pessoa
jurídica, isto é, que lhe traga benefícios palpáveis e devidamente comprovados.
Em qualquer caso, a questão da prova dos fatos requer redobrada atenção dos contribuintes.
A fixação dos critérios de rateio deve ser feita debaixo de justificativas técnicas que podem variar
caso a caso, sendo admissível a adoção de métodos diretos e indiretos de aferição da utilizada
compartilhada: todavia, em qualquer circunstância, o sujeito passivo deverá munir-se de provas
sobre a adequação e veracidade dos valores rateados e também de sua relação com a fonte
produtora dos rendimentos.
A 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes (atual Carf) decidiu, quando do julgamento
do Recurso nº 158.960, ocorrido em 18 de outubro de 2007, que se “demonstrado que os valores
foram rateados tendo em vista a efetiva utilização dos serviços e a necessidade das empresas, não
prevalece a glosa”. Nesse caso, a autuada era uma instituição financeira integrante de um grande
conglomerado financeiro que se esmerou em apresentar provas mediante laudos subscritos por
peritos independentes com justificativas econômicas acerca dos critérios de rateios adotados.
Enfim, também nesse caso, o contribuinte tem um dever de corroboração da veracidade e
adequação das cifras registradas em sua contabilidade. Os documentos contábeis e os livros fiscais
escriturados de acordo com as normas legais fazem prova em favor do sujeito passivo em face do
disposto no art. 923 do RIR/99. As autoridades fiscais, no entanto, não podem ignorar as provas
apresentadas pelos contribuintes sem qualquer razão, cabendo-lhe o dever de provar a
inveracidade dos documentos e fatos em razão do disposto no art. 924 do citado Regulamento.
De acordo com a Solução de Divergência nº 223, de 14 de outubro de 2013, para que os valores
movimentados em razão do citado rateio de custos e despesas sejam dedutíveis do IRPJ, exige-se
que correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas
e pagas. É exigível, ainda, que sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e
objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes;
que correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços;
que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe
cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as
empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem
ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e, finalmente, que seja mantida escrituração
destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.
Por fim, é indispensável considerar que os valores suportados devem estar alinhados com
os preços praticados no mercado, ou, ao menos, que haja contraprestação justa pelos bens
recebidos, de modo a evitar a alocação de receitas com base em critérios não racionais.
1PEIXOTO, Marcelo Magalhães. Imposto de renda das pessoas jurídicas. São Paulo: MP, 2011,
p. 146. Para o autor: “Para definir quais dispêndios podem ser dedutíveis ou indedutíveis na
determinação da base do lucro real, o legislador está limitado ao conceito de renda descrito na
Constituição: o legislador tem certa liberdade, todavia essa liberdade encontra limites”.
2O caráter de ficção dessas despesas é pronunciado por Rubens Gomes de Sousa (Pareceres 1:
imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 73-74), ao dizer que as ficções legais
visam a “atribuir a determinado fato material um determinado efeito jurídico diverso do que
lhe é próprio, a fim de permitir a aplicação, àquele fato material, das normas jurídicas
dispositivas previstas para fatos matéria diferentes”.
3Idem, p. 88.
4ROLIM, João Dácio. O conceito jurídico de renda e proventos de qualquer natureza: alguns
casos concretos – adições e exclusões ao lucro real. Revista de direito tributário nº 67. São
Paulo: Malheiros, 1996, p. 223.
5O Parecer Normativo CST nº 239/70 esclarece que na estipulação do conceito normativo de
despesa operacional “a lei refere-se às pessoas jurídicas em geral, não distinguindo entre firmas
individuais ou sociedades”.
6ETCHEVERRY, Raul Anibal. Interesses societarios y extra societarios en la administración
de las sociedades anónimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 55, p. 18, jul./set. 1994.
7COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade dos bens de produção. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Revista dos Tribunais,
nº 63, p. 76, jul./set. 1986.
8Para Arnoldo Wald (Interesses societários e extra societários na administração das sociedades
anônimas: a perspectiva brasileira. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro nº 55. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 17), “a companhia somente pode
prosperar se todos os interesses que lhes estão vinculados sejam atendidos”. Para Júlio Barreto
(O conflito de interesses entre a companhia e seus administradores. Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 110): “a formação do interesse social, assim, longe de confundir-se com o dos sócios
ou com qualquer dos demais stakeholders, passa a ser entendido como o resultado da
ponderação de todos eles”.
9Por vezes, os interesses sociais ordinários (obtenção de lucros e valorização da empresa)
sofrem restrições impostas pela necessidade de dar tutela a outros valores previstos no
ordenamento jurídico. Tal é o caso, por exemplo, das empresas estatais que, como entes de
direito privado, devem perseguir o lucro; todavia, estão sujeitas a princípios específicos de
direito público. Vejamos o trecho do voto proferido pelo Ministro Massami Uyeda, do STJ,
quando do Recurso Especial nº 745.739 – RJ, de 28.8.2012: “Então, uma sociedade de
economia mista tem, acima do lucro e dos interesses dos seus investidores privados, o interesse
do Estado. O Estado pode, por razões estratégicas e com amparo legal, adotar decisões bem
diferentes daquelas que um acionista privado faria, pois a existência desse tipo de companhia
não visa somente o lucro e sim “imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei”.
10OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin,
2008, p. 691.
11BLUMENSTEIN, Ernst. Sistema di diritto delle imposte. Tradução: Francesco Forte. Milano:
Giuffrè, 1954, p. 186, afirma que as despesas necessárias são aquelas realizadas “per il
conseguimento dell’utile” e que consiste “in quelle spese che il contribuente fa per conseguire
un reddito durante un determinado lasso di tempo (periodo de valutazione)”.
12No original: “Business expenses are the cost of carrying on a trade or business. These
expenses are usually deductible if the business is operated to make a profit”. Disponível em:
<http://www.irs.gov/businesses/small/article/0,,id=109807,00.htm>. Acesso em: jun. 2012.
13No original: “To be deductible, a business expense must be both ordinary and necessary. An
ordinary expense is one that is common and accepted in your trade or business. A necessary
expense is one that is helpful and appropriate for your trade or business. An expense does not
have to be indispensable to be considered necessary.”
14Obtido em: <http://supreme.justia.com/cases/federal/us/290/111/case.html>. Acesso em: jul.
2012.
15MURPHY, Kevin; HIGGINS, Mark. Concepts in federal taxation . 2. ed. Ohio: Cengage,
2011, p. 62 e 182. Em igual sentido: CHIRELSTEIN, Marvin. Federal income taxation. 15.
ed. New York: Foundation Press, 2009, p. 152.
16Para Marcelo Magalhães Peixoto (Imposto de renda das pessoas jurídicas. São Paulo: MP,
2011, p. 97): “Ainda que, em tese ou por sua natureza, a dedutibilidade de determinada despesa
esteja autorizada pela lei, é preciso que esta seja necessária, no caso específico da empresa”.
17Acerca do princípio da inerência Enrico de Mita (Appunti di diritto tributário. Milano:
Giuffré, 1997, p. 190) afirma que: “dottrina e giurisprudenza sono ormai concordi nel ritenere
sussistente il requisito dell’inerenza in ogni costo astrattamente idoneo a portare benefici,
diretti od indiretti, all’atività dell’empresa”.
18No voto proferido quando do julgamento do Processo Administrativo Sancionador nº 03, de
2003, ocorrido em 12 de fevereiro de 2004, o Diretor da CVM Luiz A. Sampaio de Campos
disse: “Assim, segundo penso, os administradores e os acionistas têm discricionariedade para
gerir o caixa da companhia e tomar as decisões que entenderem mais apropriadas ao interesse
da companhia. E, nesse sentido, vezes há onde o caixa disponível não é suficiente para fazer
face a todas as obrigações da companhia – inclusive com o estado, trabalhadores, credores e
acionistas – e nessas hipóteses, dentre as decisões imperfeitas ou possíveis, a administração
deverá decidir, discricionariamente, no tocante ao gerenciamento de caixa e o fluxo, a
prioridade de pagamentos. A CVM, a meu ver, não deve se imiscuir nessa discricionariedade
e, a bem dizer, nem tem este poder”.
19GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Responsabilidade dos administradores de sociedades
anônimas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1981. v. 42, p. 74.
20Não é por outra razão que o art. 2º da CLT diz empregador é aquele que “assume os riscos da
atividade econômica”.
21Nesses casos o atendimento ao interesse da pessoa jurídica é justificável se da aquisição da
participação societária advier os benefícios esperados nestes casos, que é a obtenção de lucros
ou valorização de ativos segundo as regras do mercado.
22Em alentado estudo, Alberto Xavier e Helena de Araújo Lopes Xavier (IR – distinção entre
remuneração do trabalho, instrumento de trabalho e liberalidades sociais para efeitos
trabalhistas, previdenciários e de imposto de renda. Revista de Direito Tributário no 65. São
Paulo: Malheiros, 1994, p. 51) afirmam: “importa, porém, frisar que as liberalidades sociais,
ao contrário das clássicas liberalidades do direito civil, não têm por motivo ou causa-função o
enriquecimento patrimonial do beneficiário, mas sim a realização de outras finalidades, tais
como a realização do “bem público”, da “função social” ou das “responsabilidades sociais” da
empresa, finalidades aliás que a própria Lei das S.A., no seu artigo 154, estabelece como
parâmetros de autuação dos administradores”.
23Logo, me parece acertada a opinião de Maurício Shirihal Werkema (Dedutibilidade de
despesas relacionadas com o cumprimento de termos de ajustamento de conduta e de
compensações ambientais. Revista Dialética de Direito Tributário nº 182. São Paulo: Dialética,
2010, p. 94-106) que defende a dedução das despesas necessárias a prover compensações
ambientais.
24REDENIUS-HOEVERMANN, Julia. La responsabilité des dirigeants dans les sociétés
anonymes em droit français et droit allemand. Paris: LGDJ, 2010, p. 185.
25O’NEAL, F. Hodge. Squeeze-outs of minority shareholders. Chicago: Callaghan, 1975, p.133.
Para o autor: “Sometimes majority shareholders drain off corporate profits by having other
enterprises they own perform services for the corporation under management or service
contracts which set fees considerably higher than the fair value of the services rendered”.
26Veja mais comentários sobre essa decisão no Capítulo 25, item 25.4.2.
27Quando do julgamento do Recurso Especial nº 704.506, em 1º.6.2010, o Superior Tribunal de
Justiça decidiu: “3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às
sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, parágrafo único e 1.053, adotou expressamente
a ultra vires doctrine”. Na doutrina: DAVIES, Paul L. Gower’s principles of modern company
law. 6. ed. Londres: Sweet & Maxwell, 1197, p. 202-232; SILVA, Alexandre
Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business judgement rule. Rio de Janeiro:
Elsiver, 2007, p. 96 e 208.
28COZIAN, Maurice. Précis de fiscalité des entreprises. 20. ed. Paris: Litec, 1996, p. 61. De
acordo com o autor, um ato anormal de gestão é aquele que, independentemente da licitude,
“est un acte contrarie à l’intérêt de l’entreprise; e’est un acte qui est passé dans l’intérêt
personnel des dirigeants ou de personnes étrangères à l’entreprise”.
29OUDENOT, Philippe. Fiscalité approfondie des sociétés. 2. ed. Paris: Litec, 2001, p. 236-
238.
30COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 512-513.
31Nenhum administrador pode renunciar ao risco, que será mais ou menos acentuado em razão
da atividade explorada e da complexidade do negócio administrado. Para Nuno Calaim
Lourenço (Os deveres de administração e a business judgement rule. Coimbra: Almedina,
2011, p. 20-21): “a atividade de administração é arriscada e frequentemente exercida em
cenários de incerteza e volatilidade”, de modo que “o gestor é confrontado, amiúde, com
conjunturas incertas, com múltiplas alternativas de decisão, com escolhas complexas e com um
sem número de variantes que não rara vezes sugerem uma contradição de possíveis soluções”.
Para Jorge Manuel Coutinho de Abreu (Responsabilidade civil dos administradores de
sociedades. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 22), os administradores têm o dever de “tomar
decisões (substancialmente) razoáveis”.
32SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A: business
judgenment rule. Rio de Janeiro: Elsiver, 2007, p. 209-210.
33HANNIGAN, Brenda. Company law. 2. ed. Great Britain: Oxford, 2009, p. 179.
34CLARCK, Robert Charles. Corporate law. New York: Aspen Law & Business, 1986, p. 223.
35VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1941. v. 2, p. 39.
36FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 4, p. 451.
37MIRANDA JUNIOR, Darcy Arruda. Breves comentários à lei de sociedade por ações. São
Paulo: Saraiva, 1977. p. 216.
38VON ADAMEK, Marcelo Vieira. Responsabilidade civil dos administradores de S/A e as
ações correlatas. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 151.
39Em igual sentido, a decisão proferida pela Quinta Câmara do Primeiro Conselho de
Contribuintes quando do julgamento do Recurso nº 138.139, Acórdão nº 105.14862, de
01.12.2004.
40COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 86. Para o
autor: “Mas o status do controlador difere, aí, sensivelmente, da posição do não controlador.
Enquanto aquele tem deveres e responsabilidades não só em relação aos demais acionistas, mas
também, perante os trabalhadores e a comunidade em que atua a empresa, os não controladores
devem pautar sua atuação na companhia por interesses estritamente societários”.
41CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 3, p. 290.
42Tratarei das participações no Capítulo 16 e das perdas de capital no capítulo, onde são feitas
menções acerca das condições em que tais cifras são consideradas incorridas.
43O tema foi tratado, com profundidade, no acórdão nº 107-06.869, de 6.11.2002, do Conselho
de Contribuintes.
44DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. O regime de competência no imposto de renda e deduções
de juros contratados. Revista de Estudos Tributários, São Paulo: IBET/Resenha Tributária, nº
3, p. 24, 1979.
45Quando do julgamento do Recurso nº 517.743 (acórdão 1201-00.438, de 25.2.11), o CARF
decidiu que: “Para se comprovar uma despesa, de modo a torná-la dedutível, face à legislação
do imposto de renda, é indispensável comprovar que o dispêndio corresponde à contrapartida
de serviços efetivamente prestados pelo beneficiário do pagamento”.
46Vide, a respeito do tema, a decisão proferida pela 8ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes,
quando do julgamento, em 28 de maio de 2008, do Recurso nº 152.907, e contida no acórdão
nº 108-09.622.
47Vide acórdão nº 9101-00.041 (Processo 1012.007410/2002-49), do Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais.
48Vide acórdão nº 121.449, de 07 de dezembro de 2002, do Conselho de Contribuintes.
49Acórdão nº 105.15.792, do Conselho de Contribuintes, com ementa publicada no Diário
Oficial da União, I, de 31-8-99, p. 5.
50XAVIER, Alberto Pinheiro. Aspectos fiscais de cost-sharing agreement. Revista Dialética de
Direito Tributário, nº 23, p. 7 a 24, ago. 1997.
16.1PARTICIPAÇÕES NOS LUCROS OU RESULTADOS
O enunciado do item VI do art. 187 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº
11.941/09, estabelece que na demonstração do resultado sejam discriminados os valores relativos
a “participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo na
forma de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de
empregados, que não se caracterizem como despesa”.
Em princípio, os lucros gerados pela sociedade pertencem a ela (porque com a obtenção dos
lucros há aumento dos ativos e estes são de propriedade da sociedade) e os sócios ou acionistas
têm sobre eles uma mera expectativa de direito, de modo que só podem ser exigidos após a
distribuição feita de acordo com a lei e o estatuto.1 Todavia, o ordenamento jurídico permite que
outras pessoas,2além dos sócios ou acionistas, participem dos lucros sociais, a saber: empregados,
portadores de partes beneficiárias, credores por debêntures, administradores etc.
Na Lei nº 6.404/76, a palavra “lucro” é utilizada em várias acepções; assim, há o lucro antes
das participações e compensação de perdas anteriores e há o lucro líquido final passível de
distribuição aos sócios. Lucro, em qualquer caso, é o resultado (em sentido econômico) obtido
pela exploração de atividade econômica ao término de um período determinado e que provém do
confronto (da soma algébrica) entre receitas e ganhos de qualquer natureza (ordinário ou não, isto
é, vinculados ou não ao objeto social) e os custos, despesas e perdas, registrados na contabilidade.
O ordenamento jurídico contém diversas normas que estabelecem os critérios para formação do
Balanço do qual o lucro contábil é uma parte; e, deste modo, o lucro, no sentido jurídico, é o
produto de uma soma aritmética de fatos qualificados e valorados de acordo com as normas
aplicáveis.3 A lei societária trata unicamente da participação nos lucros e, portanto, não faz
menção às eventuais participações nos resultados atribuídas aos empregados na forma da Lei nº
10.101/00.
Na prática, para fins fiscais, todas as espécies de participações são tratadas como o são as
despesas, isto é, os valores não decorrem da distribuição do lucro final, mas, sim, de participação
no resultado do período, do qual remanescerá o lucro a ser distribuído aos sócios ou acionistas ou
ser retido no patrimônio social como reservas prescritas ou autorizadas em lei.4 Tais espécies de
reduções patrimoniais tornam-se incorridas de acordo com os critérios estabelecidos pelas leis de
ordem pública e pelas normas de âmbito privado que as instituíram; assim sendo, há despesa
incorrida a partir do momento em que o beneficiário adquire o direito incondicional de receber
o quantum que lhe cabe, de acordo com a lei ou o contrato. O item 4 (quatro) do Parecer
Normativo CST nº 99/78 esclarece que o valor da participação dedutível é aquele fixado pela
assembleia que aprova o Balanço, com o que sugere que a despesa só se torna incorrida com a
deliberação. Essa interpretação é correta para os casos em que a obtenção do direito à percepção
da remuneração depende do ato da assembleia, o que ocorre se ela tiver o poder de conceder e de
negar a atribuição da participação. Nos demais casos, em que não exigível tal manifestação, a
despesa torna-se incorrida com a apuração do lucro, ainda que este sujeito a posterior aprovação,
que, se ocorrer, terá efeito retroativo, salvo deliberação em sentido contrário.
Os juros sobre o capital não ostentam o caráter de participação nos lucros, mas podem ser
computados como despesa do período. Esses juros representam remuneração pelo uso do capital
social, no pressuposto de que a lei, ao permitir o seu pagamento em certas circunstâncias, equipara
o sócio ou acionista a um credor.5 Os valores relativos a tais juros devem ser imputados ao
resultado no período em que houver a deliberação societária que autorize o pagamento ou na data
prescrita em cláusula do Contrato ou Estatuto Social.
16.2PARTICIPAÇÕES ATRIBUÍDAS A DEBÊNTURES E PARTES
BENEFICIÁRIAS
De acordo com o enunciado do inciso I do art. 462 do RIR/99 são dedutíveis as participações
atribuídas a debêntures; todavia, em face do disposto no caput do art. 463, não são dedutíveis as
participações atribuídas a partes beneficiárias. Na forma do art. 52 da Lei nº 6.404/76, debêntures
são valores mobiliários que encartam um título de crédito contra a companhia. Do mesmo modo,
como dispõe o art. 46 da Lei nº 6.404/76, as partes beneficiárias são títulos negociáveis, que
conferem aos seus titulares direito de crédito eventual contra a companhia.
Na forma do art. 52 da Lei nº 6.404/76, as debêntures são títulos de crédito emitidos pela
companhia. Logo, a finalidade da emissão desses títulos é captação de recursos financeiros e a lei
admite que a remuneração seja contratada sob a forma de outorga de participação nos lucros.
Logo, a utilização dessa figura só se legitima com a entrada de dinheiro novo na sociedade
emissora ou em face de renegociação de dívida já existente para alongamento dos desembolsos.
Afinal, as despesas com remuneração de debentures submetem-se aos critérios gerais para
dedução de despesas em geral que exigem a demonstração da necessidade das mesmas para
atividade da pessoa jurídica. O montante da remuneração, em qualquer caso, segundo me parece,
deve passar por um filtro de razoabilidade em relação ao custo do dinheiro no mercado em que a
empresa captadora atua. É bem verdade que os lucros (e as participações deles decorrentes) estão
sujeitas à álea econômica, de modo que nem sempre é possível afirmar-se de antemão e com
segurança se remuneração pactuada será ou não em montante razoável. Por outro lado, é
igualmente verdadeiro que dificilmente alguém se disporia a emprestar dinheiro a outrem com
quem mantém relação de independência correndo o risco de não obter remuneração alguma de
seu capital em virtude da álea inerente aos lucros. Enfim, cabe aqui a máxima segundo a qual “o
ordinário presume-se e o extraordinário prova-se” tendo em vista circunstâncias especiais de cada
caso, como o vulto dos recursos captados em relação à situação patrimonial e financeira do
tomador dos recursos e a eventual contribuição dos recursos para a fonte produtora de receitas.
Convém advertir, todavia, que parece fora de dúvida que o referido filtro de razoabilidade é
exigido especialmente se os subscritores são pessoas ligadas à sociedade emitente, de modo que,
em tais circunstâncias, o montante pactuado deve ser compatível com o valor de mercado do custo
do dinheiro, sob pena de ser caracterizada a anormalidade da despesa ou, ainda, ser considerada
distribuição disfarçada de lucros.
A jurisprudência do CARF registra diversos casos em que foi negada a dedução de despesa
em razão do valor exagerado da remuneração pactuada. No acordão 9101-002.973, de 3 de julho
de 2017, está dito: “A entrega de parcelas significativas de seus lucros a título de remuneração
das debêntures no contexto de empresas ligadas, caracteriza liberalidade, e desvirtua a natureza
de despesa necessária, tornando-a indedutível na apuração do lucro real”. Em 19 de janeiro de
2017, foi lavrado o acórdão 9101-002.538, onde se lê: “As despesas decorrentes de operações
com debêntures, oferecidas e subscritas exclusivamente pelos sócios da empresa, mediante
simples conversão de valores a eles devidos pela própria pessoa jurídica, e sem previsão de
remuneração fixa por meio de juros, mas tão somente com remuneração atrelada aos lucros da
empresa, em percentual substancial, não se enquadram nos conceitos de usualidade, normalidade
e necessidade, sendo, portanto, indedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL”.
16.3PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS LUCROS OU
RESULTADOS
As despesas com participação nos lucros atribuída a empregados surgem em virtude de
decisão interna da pessoa jurídica ou em razão de lei de ordem pública, como é a Lei nº 10.101/00.
No primeiro caso, aplica-se a regra do art. 359 do RIR/99, que dispõe que, para efeito de apuração
do lucro real, a pessoa jurídica poderá deduzir como despesa operacional as participações
atribuídas aos empregados nos lucros ou resultados, dentro do próprio exercício de sua
constituição. Outra espécie de participação é a instituída pela Lei nº 10.101/00, que dispõe sobre
a participação dos empregados nos resultados ou lucros das empresas, como instrumento de
integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do inciso XI
do art. 7º da Constituição Federal de 1988.
A dedução prevista no art. 359 do RIR/99 só será admitida se observadas as regras do art.
462 do Regulamento do Imposto de Renda, segundo o qual podem ser deduzidas, na apuração do
lucro real, as participações nos lucros da pessoa jurídica atribuídas a seus empregados segundo
normas gerais aplicáveis, sem discriminações, a todos que se encontrem na mesma situação, por
dispositivo do estatuto ou contrato social, ou por deliberação de assembleia ou reunião de sócios
ou acionistas. Nesse caso, a participação não pode ser discriminatória nos termos do item 1.2.2
do Parecer Normativo CST 99/78.
Por outro lado, a participação no lucro ou resultado atribuída com base na Lei nº 10.101/00
só poderá ser deduzida se observadas as condições previstas na própria Lei, segundo a qual
participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus
empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de
comum acordo: (a) comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante
indicado pelo sindicato da respectiva categoria; ou (b) convenção ou acordo coletivo.
Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas
quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e regras adjetivas, inclusive
mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade
da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados,
entre outros, os seguintes critérios e condições: (a) índices de produtividade, qualidade ou
lucratividade da empresa; e (b) programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.
A existência da lei prevendo a instituição de um programa de participação nos lucros ou
resultados não impede que a empresa adote outra forma de participação. Nesse sentido é o preceito
do § 3º do art. 3º da Lei nº 10.101/00, segundo o qual:
“todos os pagamentos efetuados em decorrência de planos de participação nos
lucros ou resultados, mantidos espontaneamente pela empresa, poderão ser
compensados com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas
de trabalho atinentes à participação nos lucros ou resultados.”
Portanto, em face desse preceito, se o programa de participação nos lucros ou resultados não
satisfizer aos preceitos da Lei nº 10.101/00, isso não implica impossibilidade de dedução da
despesa respectiva, a título de gratificação ou participação nos lucros prevista em Contrato ou
Estatuto Social.
As autoridades fiscais têm se ocupado, cada vez mais, em fiscalizar o cumprimento das
obrigações tributárias decorrentes da instituição de planos de participação nos lucros ou resultados
– PLR, de que trata a Lei nº 10.101/2000, modificada pela Lei nº 12.832/2013. As referidas
autoridades têm lavrado vultosos autos de infrações quando constatam que os programas: (a) não
contêm regras claras e objetivas: (b) não tiveram a intervenção de entidade sindical; (c) foram
firmados em caráter retroativo, (d) não foram respeitados os prazos mínimos para pagamento; (e)
incluem administradores etc.
Na jurisprudência do CARF está claro que as autuações mais frequentes são justificadas pela
inexistência de “regras claras e objetivas”. Isto ocorre em razão da indeterminação semântica
sobre o significado do que sejam – em cada caso – regras claras ou objetivas. A clareza é algo
subjetivo e isto facilita o trabalho da autoridade fiscal que, na mais comezinha dúvida, faz a
autuação com base no argumento da “falta de clareza”.
Em decisão proferida em 2013, o CARF manteve a autuação levada a efeito pela autoridade
fiscal em razão da “a inexistência de regras claras para o pagamento da remuneração, bem como
a falta de apresentação completa das avaliações individuais que permitiriam aferir a regularidade
dos critérios adotados no cálculo dos valores pagos, impedem o reconhecimento de que as
despesas, mesmo sob a forma de gratificação, seriam necessárias” (acórdão 1101-00.011). Neste
caso, a Corte não acolheu o argumento de que a requalificação jurídica da participação em lucros
e resultado a converte em gratificação, que é despesa dedutível em face do disposto no § 3º do
art. 299 do RIR/99.
Em maio de 2013, o Tribunal decidiu que “existindo acordo formal entre empregador e
empregado fixando as regras para pagamento da remuneração, a ausência de representação
sindical na negociação não é suficiente para impedir a dedutibilidade da despesa, para efeitos de
apuração do lucro real” (acórdão 1101.000.847).
O conceito de “regra clara” só pode ser inferido por interpretação contextual e finalística.
Para mim, uma regra – ou o conteúdo de uma cláusula do programa PLR – é clara se atender a
quatro critérios: (a) seja compreensível, (b) seja exequível; (c) seja tecnicamente idônea; e (d)
seja verificável.
Cláusula (ou regra) compreensível é a que permite que as partes e os terceiros interessados
(como são as autoridades fiscais) possam determinar – prontamente – as obrigações e os direitos
que pactuaram sem que seja necessária a intervenção de um perito em linguística ou na matéria
objeto do pacto. Exequível é a regra que pode ser cumprida na prática, e, portanto, o objeto do
pacto (as metas ou índices) deve fazer referência a atos ou fatos que estejam na esfera de ação dos
trabalhadores e que estes possam, de algum modo, contribuir para a melhora dos resultados. O
atributo da “idoneidade técnica” diz respeito à relação de causa e efeito; assim, as regras devem
constituir meios idôneos para atingir à finalidade da lei, que é impelir os trabalhadores a inovar e
criar soluções que melhorem o funcionamento da empresa ou que a torne menos dispendiosa. O
resultado a ser alcançado pelas regras deve ser verificável, isto é, deve ser suscetível de prova que
o contribuinte tem o dever de produzir.
Em qualquer caso, a eventual descaracterização de participações pode vir a ser qualificada
como “gratificação”, que pode ser dedutível se provado que o contribuinte obteve uma
contrapartida pelo pagamento e que sejam recolhidos os encargos sociais incidentes. Sobre o
assunto, há o recurso do antigo Conselho de Contribuintes nº 140.801.
16.4REMUNERAÇÃO SOB A FORMA DE STOCK OPTION
Em sentido comum, a expressão stock option serve para fazer referência ao direito à
preempção adquirido por uma pessoa que a habilite a obter, ao cabo de certo período, ações ou
quotas de uma sociedade por um valor predeterminado e independente da eventual cotação das
mesmas na data da opção.
A aquisição das quotas ou ações, no futuro, dependerá da existência das mesmas que serão
alienadas ou emitidas pela empresa que outorga a opção. Para empresas com ações negociadas
em bolsa, a aplicação desse mecanismo é mais simples; para as empresas fechadas (qualquer que
seja o tipo societário adotado), é possível lançar mão de “ações ou quotas virtuais” ou
“fantasmas”. No direito brasileiro, há o § 3º do art. 168 da Lei nº 6.404/76, que regula a opção de
compra de ações, ao dispor que:
“o estatuto pode prever que a companhia, dentro do limite do capital autorizado, e
de acordo com o plano aprovado pela assembleia-geral, outorgue opção de compra
de ações a seus administradores ou empregados, ou a pessoas naturais que prestem
serviços à companhia ou à sociedade sob seu controle.”
A finalidade de tais planos é propiciar um ganho aos participantes nos casos em que sejam
atingidas as metas propostas, de modo que é vedada a utilização desse mecanismo jurídico
negocial para conceder remuneração a diretores e empregados que não esteja vinculada à geração
de contrapartida, para a sociedade, de incremento econômico além do que poderia ser exigível no
cumprimento de contrato de trabalho.6 Por isso, o item XII da Instrução CVM nº 323/00, ao dispor
sobre o exercício abusivo do poder de controle prescreve que o mesmo estará caracterizado se
houver “a instituição de plano de opção de compra de ações, para administradores ou empregados
da companhia, inclusive com a utilização de ações adquiridas para manutenção em tesouraria,
deixando a exclusivo critério dos participantes do plano o momento do exercício da opção e sua
venda, sem o efetivo comprometimento com a obtenção de resultados, em detrimento da
companhia e dos acionistas minoritários”.
Os efeitos fiscais de cada operação dependem do desenho jurídico e operacional adotado em
cada caso. Para a empresa, só haverá de se falar em questão de dedutibilidade de despesa se houver
algum valor a ser pago ao empregado ou diretor ou se alguma perda tiver afetado o resultado. Em
algumas situações, se a operação envolver pessoa ligada, poderá ser caracterizada distribuição
disfarçada de lucros.
Nos termos do Pronunciamento nº 10 do CPC, a entidade que vier a se obrigar a emitir ações
ou opções de ações em troca do recebimento de serviços prestados por empregados, dirigentes ou
terceiros, deve reconhecer tais obrigações pelo seu valor justo na data da outorga. Havendo sido
contratada a futura emissão de ações, os valores respectivos serão registrados em conta do
Patrimônio Líquido porquanto se amoldam ao conceito de “adiantamento para futuro aumento de
capital”. Se, por outro lado, as ações forem tomadas apenas como parâmetro para cálculo dos
valores a serem pagos em dinheiro, a entidade deve contabilizar as cifras em conta do Passivo.
Há casos em que os planos outorgam apenas e tão somente o direito de adquirir ações por um
valor predeterminado; e, portanto, a pessoa jurídica não paga serviços em espécie; logo, os
eventuais ganhos serão auferidos pelos beneficiários quando houver a alienação das ações em
operação posterior sob o seu exclusivo alvedrio e domínio. A exposição patrimonial da pessoa
jurídica, em tais circunstâncias está limitada à diferença entre o valor de aquisição ou emissão das
ações e o valor da venda aos beneficiários que estejam habilitados a adquirir as ações.
A Lei nº 12.973/14, que decretou o fim do RTT, trata da matéria no art. 33, segundo o qual
o valor da remuneração dos serviços prestados por empregados ou similares, efetuada por meio
de acordo com pagamento baseado em ações, deve ser adicionado ao lucro líquido para fins de
apuração do lucro real no período de apuração em que o custo ou a despesa forem apropriados.
Em seguida, os preceitos dos §§ 1º e 2º do art. 33 estipulam que a dedução só ocorrerá no período
em que houver a liquidação da obrigação assumida pela pessoa jurídica, de modo que o
contribuinte poderá fazer uma exclusão na determinação do lucro real no período em que houver
o pagamento, quando liquidados em caixa ou outro ativo, ou depois da transferência da
propriedade definitiva das ações ou opções, quando liquidados com instrumentos patrimoniais.
Os preceitos da Lei nº 12.973/14 foram regulamentados pelo art. 161 da IN 1.700/17, que
explicita a significação da expressão “empregados e similares” que consta da Lei. De acordo com
o § 3º, empregados e similares são indivíduos que prestam serviços personalizados à entidade e
também: (a) são considerados como empregados para fins legais ou tributários; (b) trabalham para
a entidade sob sua direção, da mesma forma que os indivíduos que são considerados como
empregados para fins legais ou tributários; ou (c) cujos serviços prestados são similares àqueles
prestados pelos empregados, tais como o pessoal da administração que têm autoridade e
responsabilidade para planejamento, direção e controle das atividades da entidade, incluindo
diretores não executivos e membros de conselhos da entidade. Não são dedutíveis os valores de
remuneração dos serviços prestados por pessoas físicas que não estejam relacionadas acima,
mesmo que recebam pagamento baseado em ações.
1Mesmo nos casos em que há obrigação de distribuição de dividendos ditos “obrigatórios”, a
exigibilidade depende da existência de Balanço regulamente levantado e deliberação acerca da
distribuição, que pode ser presumida com a aprovação do Balanço.
2Bem a propósito, Rubens Gomes de Sousa (Pareceres 1: imposto de renda. São Paulo:
Resenha Tributária, 1977, p. 81) afirma que: “a própria terminologia ‘participação nos lucros’
é, do ponto de vista da sociedade, incorreta quando aplicada a terceiros, ainda que
simultaneamente sócios ou acionistas”.
3LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Do direito do acionista ao dividendo. São Paulo:
Obelisco, 1969, p. 82-83. Para o autor: “O lucro social está, pois, intimamente condicionado
às normas legais que estruturam e disciplinam o balanço de exercício, não sendo nenhum
absurdo dizer que o conceito de lucro de balanço não pode ser determinado aprioristicamente,
mas deve ser deduzido do sistema de normas de cada ordenamento jurídico considerado”.
4Para Rubens Gomes de Sousa (ob. cit. p. 81): “O pagamento por ela designado é medido pelo
lucro, mas não é uma distribuição desse lucro: é o cumprimento de uma prestação contratual
estranha ao contrato de sociedade (ainda que inserta no mesmo instrumento) e, por conseguinte,
uma despesa”.
5ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Perfil jurídico do juro sobre o capital próprio. São
Paulo: MP, 2006, p. 7-69.
6A expressão contrato de trabalho é utilizada, neste contexto, em sentido amplo e abrange as
relações regidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e por outra espécie de relação
jurídica, como a firmada por administradores e outros prestadores de serviços à sociedade a
que faz menção o § 3º do art. 168 da Lei nº 6.404/76.
17.1APLICAÇÕES DE CAPITAL
Os valores que constituem aplicações de capital não podem ser imediatamente registrados
como despesa; eles devem ser registrados no Ativo Imobilizado para futura depreciação,
amortização ou exaustão. Assim é que, por força do art. 301 do RIR/99, o valor correspondente
ao custo de aquisição de bens do ativo permanente não poderá ser deduzido como despesa
operacional, salvo se o bem adquirido tiver valor unitário não superior a R$ 326,61 (trezentos e
vinte e seis reais e sessenta e um centavos), ou prazo de vida útil que não ultrapasse um ano. A
Lei nº 12.973/14 modificou o texto do Decreto-lei nº 1.598/77 para dar nova redação a alguns
preceitos do art. 15 e estipular que o custo de aquisição de bens do ativo não circulante
imobilizado e intangível não poderá ser deduzido como despesa operacional, salvo se o adquirido
tiver valor unitário não superior a R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) ou prazo de vida útil não
superior a 1 (um) ano. Nas aquisições de bens, cujo valor unitário esteja dentro do limite referido,
a exceção contida no mesmo não contempla a hipótese em que a atividade exercida exija
utilização de um conjunto desses bens, na forma do disposto no art. 120 da IN 1.700/17.
O critério básico para que um gasto não constitua aplicação de capital é a presumida
durabilidade dos bens adquiridos; se os bens puderem ser usados em período superior a 12 (doze)
meses, os valores correspondentes devem se registrados em contas do Ativo Imobilizado para
futura depreciação, amortização ou exaustão. Em certas circunstâncias, no entanto, a legislação
admite que certos valores relativos à aquisição de bens duráveis sejam imediatamente imputados
aos resultados e que sejam considerados como dedutíveis. Tal é o caso, por exemplo, dos valores
relativos às aquisições de formas para calçados, de facas e matrizes ou moldes utilizados na
indústria calçadista, os quais, por força da Instrução Normativa nº 104/87, podem ser
imediatamente registrados como despesa. Em face do advento da Instrução Normativa nº 122/89,
os valores relativos às aquisições de guarnições de cama, mesa e banho e de louças, utilizadas por
empresas que exploram atividades de hotéis, restaurantes etc. podem ser imputados diretamente
ao resultado independentemente do prazo de utilização esperada ser eventualmente maior que
doze meses.
Por outro lado, quando não há regra escrita, esse é um problema de variadas espécies de
tensões entre os contribuintes e as autoridades fiscais. Assim, a 5ª Câmara do 1º Conselho de
Contribuintes, ao julgar o Recurso nº 108.863, em 10 de novembro de 1998, decidiu que os bens
de propriedade da empresa, por aquisição ou fabricação própria, destinados à locação a terceiros,
não podem ser contabilizados como despesas operacionais logo após a sua aquisição ou fabricação
e antes de sua locação. Segundo a referida decisão, a autorização para registrar o custo de
aquisição de bens do ativo permanente como despesa é aplicável unicamente aos casos em que os
bens estejam relacionados com atividades constitutivas do objeto da pessoa jurídica e que
requeiram o emprego simultâneo de certa quantidade deles. Assim, embora tais bens cumpram
individualmente a utilidade funcional, somente atingem o referido objetivo se estiverem em
conjunto. Esses bens, por serem necessários à exploração do objeto social ou à manutenção das
atividades da empresa, classificam-se no ativo permanente, até o momento de sua baixa, por
alienação, liquidação, obsolescência normal ou extraordinária.
17.1.1Despesas de conservação de bens
Problema conexo ao das aplicações de capital é o tratamento que deve ser dado aos gastos
com a conservação de bens. Na forma do art. 346, do RIR/99, será admitido, como custo ou
despesa operacional, o valor dos gastos com reparos e conservação de bens e instalações
destinadas a mantê-los em condições eficientes de operação. Todavia, se dos reparos, da
conservação ou da substituição de partes e peças resultar aumento da vida útil prevista no ato de
aquisição do respectivo bem, os valores gastos, quando aquele aumento for superior a um ano,
deverão ser capitalizados, a fim de servirem de base a depreciações futuras.
A referida incorporação permitirá que o contribuinte contabilize a depreciação do novo valor
contábil, no novo prazo de vida útil previsto para o bem recuperado, ou, alternativamente, a pessoa
jurídica poderá: (a) aplicar o percentual de depreciação correspondente à parte não depreciada do
bem sobre os custos de substituição das partes ou peças; (b) apurar a diferença entre o total dos
custos de substituição e o valor determinado na letra a; (c) escriturar o valor apurado de acordo
com a letra a, a débito das contas de resultado; (d) escriturar o valor apurado na forma da letra b,
a débito da conta do Ativo Imobilizado que registra o valor do bem. Esse novo valor contábil será
depreciado no novo prazo de vida útil previsto.
Somente serão admitidas como dedutíveis as despesas com reparos e conservação de bens
móveis e imóveis se intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens
e serviços. Aqui também os gastos se submetem ao filtro da normalidade e usualidade; se os bens
não estão sendo usados em atividades que contribuam para a produção de rendimentos, os valores
gastos com eles deixam de ser necessários. Problemas podem surgir com relação aos reparos e
conservações necessários a manter a funcionalidade e utilidade dos bens, ainda que não estejam
produzindo rendimentos; em tais casos, a dedutibilidade das despesas pode ser justificada pela
necessidade de manutenção da integridade da propriedade da empresa que tem uma função de
garantia dos credores sociais.
17.2DEPRECIAÇÃO DE BENS DO ATIVO IMOBILIZADO
De acordo com art. 305 do RIR/99, poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada
período de apuração, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo
resultante do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal. O valor da depreciação
será deduzido pelo contribuinte que suportar o encargo econômico do desgaste ou obsolescência,
de acordo com as condições de propriedade, posse ou uso do bem.
17.2.1Obrigatoriedade do registro
Existem dúvidas se, do ponto de vista fiscal, o registro da depreciação é uma obrigação ou
uma faculdade. A resposta a esta questão pode ser importante para o contribuinte que não tenha
interesse em contabilizar, linearmente, as depreciações, o que pode ocorrer em virtude de pelo
menos duas situações. A primeira é daquele contribuinte que vem apurando prejuízos fiscais, e
que não pretende que o valor das depreciações aumente ainda mais o valor daqueles prejuízos que
têm a sua compensação limitada, se a empresa retornar ao caminho do lucro. A segunda situação
é do contribuinte que goza de isenção ou redução do imposto, e que são calculadas com base no
lucro da exploração. Esse contribuinte, quando se aproximar o prazo de expiração do incentivo,
pode não querer contabilizar a depreciação, para utilizar esse valor para reduzir o resultado mais
tarde, quando não mais estiver no gozo de incentivos fiscais.
No passado, as autoridades fiscais emitiram o Parecer Normativo CST nº 79/76, em cuja
ementa está escrito:
“respeitados os limites, mínimo de tempo e máximo de taxas, a pessoa jurídica tem
a faculdade de computar ou não a depreciação dos bens do Ativo em qualquer
percentual. A omissão, ou o uso de taxas normais ou inferiores, em um ou mais
exercícios, não pressupõe renúncia do direito à utilização de taxas de depreciação
acelerada, quando for o caso.”
Se essa opinião ainda é válida, está resolvida a questão. O contribuinte contabiliza a
depreciação se e quando quiser (respeitados os parâmetros de tempo e taxa), porque a depreciação
é uma faculdade. Há que lembrar que esse Parecer Normativo foi emitido quando já estava em
vigor o art. 57 da Lei nº 4.506/64, que é a matriz legal do art. 305 do RIR/99. Portanto, não há
qualquer motivo aparente para pôr em dúvida a atualidade daquela opinião das autoridades fiscais
porque interpreta lei ainda vigente. Em parecer que ofertou antes do advento da Lei nº 6.404/76
e do Código Civil de 2002, o douto Gilberto de Ulhoa Canto sustentou não ser obrigatório registro
de depreciação, nada obstante o fato de que tal registro fosse sempre conveniente se os valores
pudessem ser considerados dedutíveis.1
Contra essa linha de interpretação só se pode aduzir que desde o advento da Lei nº 6.404/76
não permite a inferência de que a depreciação seja uma faculdade. O mesmo ocorre com as
sociedades sujeitas à observância do Código Civil em face do disposto no art. 1.187 daquele
diploma normativo. Com efeito, a alínea a do § 2º do art. 183 da Lei nº 6.404/76 estabelece que
a diminuição de valor dos elementos do ativo imobilizado será registrada periodicamente nas
contas de: “depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por objeto
bens físicos sujeitos a desgastes ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência”.
Em reforço, o art. 248 do RIR/99 prescreve que lucro do período deva ser apurado com base nas
leis comerciais, e estas impõem a observância dos princípios de contabilidade geralmente aceitos.
Logo, do ponto de vista contábil, a falta de registro de depreciação atenta contra a lei e contra o
princípio da veracidade do Balanço.
17.2.2Normas contábeis sobre depreciação
De acordo com a alínea “a” do § 2º do art. 183 da Lei nº 6.404, a diminuição do valor dos
elementos do ativo imobilizado será reconhecida como depreciação, quando corresponder à perda
do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade por
uso, ação da natureza ou obsolescência. Depreciação é um fenômeno de caráter econômico cuja
existência a contabilidade não ignora e que tem como pressuposto a perda de consistência
econômica do capital aplicado na aquisição de bens de uso e que são utilizados para manutenção
da fonte produtora da atividade explorada. O registro se faz sempre com base em estimativas
posto que, de outro modo, seriam necessárias mensurações e avaliações rotineiras que seriam
impraticáveis em face da complexidade e dos custos inerentes.
Como princípio geral, o valor depreciável de um ativo deve ser apropriado de forma
sistemática ao longo da sua vida útil estimada, que corresponde ao período em que a entidade
espera utilizar o bem, na forma do disposto nos itens 50 e 57 do Pronunciamento Técnico CPC
27. O item 56 do referido documento normativo afirma que todos os seguintes fatores são
considerados na determinação da vida útil de um ativo: (a) uso esperado do ativo que é avaliado
com base na capacidade ou produção física esperadas do ativo; (b) desgaste físico normal
esperado, que depende de fatores operacionais tais como o número de turnos durante os quais o
ativo será usado, o programa de reparos e manutenção e o cuidado e a manutenção do ativo
enquanto estiver ocioso; (c) obsolescência técnica ou comercial proveniente de mudanças ou
melhorias na produção, ou de mudança na demanda do mercado para o produto ou serviço
derivado do ativo. Reduções futuras esperadas no preço de venda de item que foi produzido
usando um ativo podem indicar expectativa de obsolescência técnica ou comercial do bem, que,
por sua vez, pode refletir uma redução dos benefícios econômicos futuros incorporados no ativo;
(d) limites legais ou semelhantes no uso do ativo, tais como as datas de término dos contratos de
arrendamento mercantil relativos ao ativo. Os critérios adotados devem ser adotados, quando
produzam efeitos relevantes, nas políticas contábeis da entidade.
Para determinação do valor depreciável o valor do custo (ou outro valor atribuído) será
diminuído do valor residual estimado no momento da aquisição (item 53). Para esse fim, valor
residual corresponde ao preço estimado que a entidade espera vir a obter ou supõe que possa obter
com a venda futura do ativo, após deduzir as despesas estimadas de venda, caso o ativo já tivesse
a idade e a condição esperadas para o fim de sua vida útil. Em qualquer caso, o valor residual e a
vida útil de um ativo são revisados pelo menos ao final de cada exercício e, se as expectativas
diferirem das estimativas anteriores, os efeitos da mudança devem ser divulgados e evidenciados
como mudança de estimativa contábil.
17.2.3Bens depreciáveis
Do ponto de vista fiscal, o art. 307 do RIR/99 estabelece regras sobre os bens que podem
ser depreciados. Assim, podem ser objeto de depreciação todos os bens sujeitos a desgaste pelo
uso ou por causas naturais ou obsolescência normal, inclusive: (a) edifícios e construções,
observando-se que a quota de depreciação é dedutível a partir da época da conclusão e do início
da utilização, e o valor das edificações deve estar destacado do valor do custo de aquisição do
terreno, admitindo-se o destaque baseado em laudo pericial; e (b) projetos florestais destinados à
exploração dos respectivos frutos.
Todavia, não será admitida a dedução de depreciação referente a: (a) terrenos, exceto em
relação aos melhoramentos ou construções; (b) prédios ou construções não alugados nem
utilizados pelo proprietário na produção dos seus rendimentos ou destinados a revenda; (c) bens
que normalmente aumentam de valor com o tempo, como obras de arte ou antiguidades; (d) bens
para os quais seja registrada quota de exaustão. As normas contábeis admitem a depreciação de
terrenos nos casos em que tenham vida útil econômica limitada, caso em que serão depreciados
de modo a refletir os benefícios a serem dele retirados naquele período, na forma do disposto no
item 59 do Pronunciamento Técnico CPC 27. Certos bens têm características especiais que
requerem a adoção de critérios distintos de segregação e evidenciação dos custos de aquisição
correspondentes. Assim, nos casos em que há perspectiva de que partes de um todo tenham vida
útil mais abreviada em virtude do desgaste – como o motor de uma máquina – é recomendável a
segregação do valor da parte. Na forma do disposto nos itens 43 e 44 do Pronunciamento Técnico
CPC 27, cada componente de um item do ativo imobilizado com custo significativo em relação
ao custo total do item deve ser registrado e depreciado separadamente. Por exemplo, pode ser
adequado depreciar separadamente a estrutura e os motores de aeronave, seja ela de propriedade
da entidade ou obtida por meio de operação de arrendamento mercantil financeiro. Para fins
fiscais, a depreciação de terrenos não é admitida como despesa dedutivel até que sobrevenha a
baixa do valor.
Ademais, o RIR/99 contém muitas outras regras sobre a dedutibilidade da depreciação para
algumas espécies de empresas ou de atividades. Assim, na forma do art. 314 do RIR/99, exceto a
terra nua, todos os bens do Ativo Imobilizado que forem adquiridos por pessoas jurídicas que
explorem atividades rurais, para uso nessas atividades, poderão ser depreciados integralmente no
próprio ano de aquisição.
Dúvidas existem acerca da possibilidade de depreciação de bens que não estão sendo
utilizados. Aqui é preciso recordar que a perda do valor econômico de um bem pode estar atrelada
ao seu uso, à ação da natureza e à obsolescência, de modo que a depreciação se funda, pelo menos,
nesses três fatores, sem que um exclua o outro. Sendo assim, mesmo um bem que não está sendo
utilizado pode vir a sofrer desgastes por ação da natureza ou obsolescência, e, por conseguinte,
ao contribuinte é lícito contabilizar a depreciação correspondente a qualquer um desses fatores
desde que comprove a perda do valor econômico. A comprovação da perda, em tais casos, deve
ser feita com base em laudos confeccionados fundamentados em critérios aceitáveis na
comunidade e no lugar dos fatos. Ademais, de acordo com enunciado do § 2º do art. 305 do
RIR/99, a quota de depreciação é dedutível a partir da época em que o bem é instalado, posto em
serviço ou em condições de produzir. Logo, se a própria legislação admite o cômputo da
depreciação quando o bem não produz, mas tão somente quando ele está potencialmente em
condições de fazê-lo, não há razão jurídica plausível para que negue essa possibilidade quando o
bem não está em uso.
Ainda em relação aos bens fora de uso, há outra questão de grande interesse. Há dúvida se
diante da existência de norma que vede a dedução de depreciação, esta proibição abrange ou não
ao custo contábil dos bens quando da alienação ou liquidação dos mesmos. Parece-nos que a
dedutibilidade do custo de aquisição é sempre admitida, porque é a única via que conduz a um
acréscimo patrimonial. Logo, se regra veda a dedução do valor registrado a título de depreciação,
não há razão, salvo se a lei disser o contrário, para negar a dedução do custo de aquisição. Assim
sendo, se o contribuinte tiver considerado alguma parcela como não dedutível, poderá fazer a
exclusão do mesmo valor da determinação do lucro real do período em que houver a baixa ou
alienação do bem. O art. 306 do RIR/99 estabelece que a empresa instalada em Zona de
Processamento de Exportação (ZPE) não poderá computar, como custo ou encargo, a depreciação
de bens adquiridos no mercado externo.
17.2.4Taxas de depreciação
O art. 40 da Lei nº 12.973/14 modificou o texto do art. 57 da Lei nº 4.506/64 que dispõe
sobre a dedução da depreciação. Ao dar nova redação ao preceito do § 1º do art. 57, a nova lei
reafirma que a dedução – em qualquer caso – tem como parâmetro o valor do custo de aquisição
do ativo depreciável. A regulamentação da dedução consta do art. 124 da IN 1.700/17,
cujo caput estabelece que: “A taxa anual de depreciação será fixada em função do prazo durante
o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus
rendimentos”. O prazo de vida útil admissível é aquele estabelecido no Anexo III da IN 1.700,
ficando assegurado ao contribuinte o direito de computar a quota efetivamente adequada às
condições de depreciação dos seus bens, desde que faça prova dessa adequação quando adotar
taxa diferente. No caso de dúvida, o contribuinte ou a RFB poderá pedir perícia do Instituto
Nacional de Tecnologia ou de outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica,
prevalecendo os prazos de vida útil recomendados por essas instituições, enquanto não forem
alterados por decisão administrativa superior ou por sentença judicial, baseadas, igualmente, em
laudo técnico idôneo.
Quando o registro do bem for feito por conjunto de instalação ou equipamentos, sem
especificação suficiente para permitir aplicar as diferentes taxas de depreciação de acordo com a
natureza do bem, e o contribuinte não tiver elementos para justificar as taxas médias adotadas
para o conjunto, será obrigado a utilizar as taxas aplicáveis aos bens de maior vida útil que
integrarem o conjunto. Caso a quota de depreciação registrada na contabilidade do contribuinte
seja menor do que a admitida como dedutível, a diferença poderá ser excluída do lucro líquido na
apuração do lucro real e do resultado ajustado com registro na Parte B do e-LALUR e do e-Lacs
do valor excluído, observando-se o disposto no § 3º do art. 121 da IN 1.700/14, que é claro ao
estabelecer que o limite da depreciação, em qualquer é o custo do bem. Por fim, a partir do período
de apuração em que o montante acumulado das quotas de depreciação computado na
determinação do lucro real e do resultado ajustado atingir do custo de aquisição, o valor da
depreciação, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao lucro líquido para
efeito de determinação do lucro real e do resultado ajustado com a respectiva baixa na parte B do
e-LALUR e do e-Lacs.
17.2.5Taxas de depreciação no RTT
Em 9.8.2011 foi publicado o Parecer Normativo nº 1, por meio do qual a RFB esclarece
acerca da aplicação das normas do RTT sobre as diferenças de cálculo da depreciação de bens do
ativo imobilizado decorrentes da aplicação da norma do § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404/76, com
redação dada pela Lei nº 11.638/07. Neste ato normativo as autoridades fiscais afirmam, em
resumo, que o critério contábil estabelecido no § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404/76 não vigia em
31.12.2007, e, por essa razão, trata-se de matéria sujeita às regras de neutralidade que formam o
RTT.
Com todas as vênias, considero que o Parecer não interpreta corretamente a lei, porquanto,
parte de erro de premissa. Explico: o Parecer silencia a respeito da interpretação das normas
contábeis e se esmera em interpretar as normas tributárias constantes do Regulamento do Imposto
de Renda. O erro do Parecer está em desconsiderar que as normas que tratam do RTT adotaram
– como elemento determinante da inclusão (e, portanto, também de exclusão) – a vigência dos
métodos ou critérios contábeis em 31.12.2007. A lei é suficientemente clara ao dizer que a
aplicação das regras do RTT deve ser feita à luz das normas contábeis e, desse modo, para que se
pudesse chegar à conclusão a que chegou o Parecer Normativo nº 1, seria necessário demonstrar
que aquele critério (modo de cálculo da depreciação) não estava em vigor em 31.12.2007, o que
é algo questionável tendo em vista que a depreciação com base na vida econômica estimada
sempre foi cogitada pelas normas sobre depreciação desde 1964, quando foi editada a Lei nº
4.570.
17.2.6Bens intrinsecamente relacionados com a produção
Na forma do § 5º do art. 305 do RIR/99, que tem como matriz legal o inciso III do art. 13
da Lei nº 9.249/95, somente será permitida depreciação de bens móveis e imóveis intrinsecamente
relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços. Aqui o problema é
determinar o que vem a ser uma coisa intrinsecamente relacionada com outra coisa. É certo que
o art. 25 da Instrução Normativa nº 11/96 diminuiu dramaticamente as questões semânticas que
poderiam advir da vagueza do vocábulo intrinsecamente, ao apresentar uma lista dos bens que
podem ser considerados intrinsecamente ligados à produção ou comercialização.
A 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº
128.799, em 21 de agosto de 2002, manteve autuação fiscal que glosou a dedução de valores
relativos à depreciação de aeronaves, que, segundo ficou provado, não eram usadas na produção
e comercialização de bens ou não estavam intrinsecamente com eles relacionadas. Evidentemente
que essa restrição não pode ser oposta à depreciação de aeronave de uma empresa que explora
atividade econômica em que o emprego daquele bem é imprescindível, ou nos casos em que não
haja estreita relação do bem com a atividade explorada pela empresa, mas o seu uso seja
imprescindível em face de razões fáticas e técnicas plenamente justificáveis. A norma proibitiva
da dedução do valor imputado ao resultado a título de depreciação não impede a aplicação da
regra sobre a apuração do eventual ganho ou perda de capital, de modo que os valores que não
puderem ser deduzidos a título de depreciação poderão sê-lo quando da apuração do eventual
ganho ou perda de capital.
17.3BENS EM DESUSO OU IMPRESTÁVEIS
O enunciado do § 4º do art. 305 do RIR/99, dispondo sobre os efeitos fiscais da depreciação,
declara que será imputado ao resultado o valor dos bens ainda sujeitos a depreciação que vierem
a ser considerados imprestáveis ou caírem em desuso. O preceito em questão tem a seguinte
redação:
“§ 4º O valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação, que se tornarem
imprestáveis ou caírem em desuso, importará redução do ativo imobilizado (Lei nº
4.506, de 1964, art. 57, § 11).”
No plano contábil, a Lei nº 11.638/07 deu nova redação ao enunciado do § 3º do art. 183 da
Lei nº 6.404/76, para prescrever que companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado, no intangível e no diferido, a fim de que
sejam “registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver decisão de interromper
os empreendimentos ou atividades a que se destinavam ou quando comprovado que não poderão
produzir resultados suficientes para recuperação desse valor”.
Ao sujeito passivo incumbe o dever de provar a ocorrência da imprestabilidade ou do
desuso: não se cogita, no caso, da existência ou não de algum valor recuperável ou de cobertura
por seguro etc. A perda, no caso, é presumida pela lei. De igual modo, não cabe cogitar da dedução
atrelada à baixa do bem do patrimônio do sujeito passivo em razão do disposto no Parecer
Normativo CST nº 146/75. Este Parecer Normativo foi editado sob égide de legislação já
revogada. O valor da perda, neste caso, tem caráter operacional porque a norma em questão trata
dos efeitos da depreciação para fins fiscais, e, portanto, não trata da apuração de perda de capital.
17.4DEPRECIAÇÃO ACELERADA
Ao lado da depreciação normal existem duas outras espécies de depreciação. A primeira é a
chamada “depreciação acelerada contábil”, que só pode recair sobre bens móveis. Tal espécie de
depreciação é, na verdade, um ajuste da taxa de depreciação normal em função do uso dos bens.
Assim, na forma do art. 312 do RIR/99, em relação aos bens móveis, poderão ser adotados, em
função do número de horas diárias de operação, os seguintes coeficientes de depreciação
acelerada: (a) um turno de oito horas – 1,0; (b) dois turnos de oito horas – 1,5; e (c) três turnos de
oito horas – 2,0.
Ao contribuinte cabe oferecer provas sobre a utilização dos bens em mais de um turno. Os
elementos de prova, no caso, são os cartões de ponto dos empregados, os mapas de apontamentos
da produção e tudo quanto possa ser utilizado como evidência segura daquela utilização.
A outra espécie de depreciação acelerada é chamada “incentivada”, porque está prevista na
legislação com a finalidade de incentivar a implantação, renovação ou modernização de
instalações e equipamentos. Essa espécie de depreciação acelerada é feita diretamente no
LALUR, e tem a finalidade de conceder um benefício de caráter financeiro, ao permitir a dedução
antecipada de uma despesa (ou custo).
O total da depreciação acumulada, incluindo a normal e a acelerada, não poderá ultrapassar
o custo de aquisição do bem. A partir do período de apuração em que for atingido o limite legal,
o valor da depreciação normal, registrado na escrituração comercial, deverá ser adicionado ao
lucro líquido para efeito de determinar o lucro real. Existem diversas regras sobre a aplicação
desses mandamentos, mormente as dos arts. 315 a 323 do RIR/99.
Em relação à depreciação acelerada cabem algumas considerações adicionais. Se o
contribuinte, quando submetido ao regime de tributação com base no lucro real, teve a base de
cálculo do imposto afetada por depreciação acelerada incentivada, deve repor tal benefício quando
alienar o bem objeto depreciação ou quando contabilizar depreciação que influencie o resultado
do período; a mudança do regime de tributação, por si só, não é fator que desobriga a reposição
do benefício usufruído sob condição. Este é, na verdade, um incentivo de natureza eminentemente
financeira, que, uma vez aproveitado, deve ser devolvido pela mesma via, ou seja, mediante ajuste
na determinação do lucro real. A reposição do incentivo está prevista no § 2º do art. 418 do
RIR/99.
Para compreender tal reposição é necessário recordar que a depreciação acelerada é um item
de exclusão do lucro líquido na determinação do lucro real que pode ser calculado a partir de pelo
menos dois parâmetros: (a) o valor a ser excluído será igual ao valor da depreciação que for
contabilizada e considerada parcela diminutiva na formação do lucro; ou (b) o valor a ser excluído
é o valor integral do bem adquirido, como ocorre em relação a certos bens vinculados à exploração
de atividade rural. Uma vez feita a exclusão, o valor respectivo será controlado na Parte B do
LALUR.
Por outro lado, a reposição passa a ocorrer a partir do momento em que o valor que foi
deduzido e acrescido do valor da depreciação acelerada atingir o custo de aquisição do bem; a
partir deste momento, os valores contabilizados a título de depreciação são considerados não
dedutíveis, posto que a dedução contábil é anulada pela adição do mesmo valor. Ocorrendo a
alienação do bem, o valor anteriormente excluído deve ser adicionado na determinação do lucro
real, com o que se realiza a reposição referida.
A baixa de um bem em relação ao qual foi aproveitado o incentivo pode ou não ter efeitos
fiscais. Nenhum ajuste deverá ser feito se o valor contábil do bem for igual a zero, isto é, quando
a eventual depreciação acelerada incentivada já foi devolvida ou baixada na forma acima
explicitada. Todavia, se o bem baixado ainda tiver um valor contábil naquele momento e se houve
fruição do incentivo de depreciação acelerada ainda não devolvido, o contribuinte deverá efetuar
um ajuste aditivo na determinação da base de cálculo do imposto em valor igual ao saldo do
incentivo controlado na Parte B do LALUR.
A fruição do benefício proporcionado pela depreciação acelerada incentivada suscita dois
importantes problemas.
O primeiro diz respeito ao valor a ser excluído, nas hipóteses em que da exclusão resultar
prejuízo fiscal compensável em períodos posteriores. O benefício é uma faculdade: portanto,
parece claro que o sujeito passivo tem o direito de fazer a exclusão apenas parcial do valor da
depreciação acumulada e, com isto, evitar a formação de prejuízo fiscal. A utilização do benefício
não é imposição, de modo que o sujeito passivo pode renunciar a ele; e se pode o mais – renunciar
o todo – pode o menos, que é renunciar a uma parte. De qualquer sorte, o sujeito passivo não pode
pretender recuperar – em períodos subsequentes – as exclusões que não realizou em razão da
citada renúncia; com efeito, o benefício tem sempre – em cada período – um valor máximo que
não pode ser suplantado sob pena de infração à lei tributária.
O segundo problema diz respeito à formação de “provisão para imposto de renda diferido”.
O registro de tal provisão é um imperativo em razão da natureza temporária do benefício; o IRPJ
que deixa de ser pago em determinado período – em decorrência da exclusão – será exigido no
período em que o contribuinte tiver de “devolver” o benefício, mediante adição na determinação
do lucro real. Sem esse registro, o Patrimônio Líquido ficará indevidamente majorado para cálculo
dos juros sobre o capital próprio, se for o caso.
17.5AMORTIZAÇÃO
A amortização está prevista na alínea b do § 2º do art. 183 da Lei nº 6.404/76. De acordo
com esse preceito, a diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado, intangível (após
o advento da Lei nº 11.638/07) e diferido será registrada periodicamente nas contas de:
“(b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado na
aquisição de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer outros com
existência ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização
por prazo legal ou contratualmente limitado.”
Amortização é uma palavra que indica, de um modo geral, a diminuição de uma dívida em
razão de pagamentos parciais que ocorrem ao longo do tempo. No Direito da Contabilidade, a
palavra tem outra significação: é utilizada para designar o valor contábil a ser registrado como
custo ou despesa em decorrência da utilização efetiva de direitos ou bens cuja fruição tem prazo
legal ou contratual determinado. Após o advento da Lei nº 11.638/07, a amortização é admitida
unicamente para os bens integrantes do Ativo Diferido formado antes da Lei nº 11.649/09 e do
Ativo Intangível. O Pronunciamento Técnico CPC 04 (R1) admite o registro de amortização
unicamente para os bens com prazo de utilização determinado; para os demais, a eventual perda
do valor econômico será obtida com a apuração do valor recuperável, na forma do disposto do
Pronunciamento Técnico CPC 01.
Alguns intangíveis têm prazo limitado de fruição dos benefícios: tal é o caso das patentes,
dos modelos de utilidade etc. A existência de prazo limitado para a utilização do bem ou para
fruição dos seus benefícios determina os critérios de amortização dos valores constantes do Ativo.
De acordo com o art. 40 da Lei nº 9.279/96, prazo de utilização de patentes de invenção será de
até 20 anos e o prazo mínimo não será inferior a 10 anos: de igual modo, os modelos de utilidades
são protegidos pelo prazo mínimo de sete anos e máximo de 15 anos. Em face do disposto no art.
108 da citada Lei, o prazo de registro dos desenhos industriais será de 10 anos, contado do
depósito no órgão competente, e prorrogável por três períodos sucessivos de cinco anos cada.
Decorrido o prazo de proteção, caducará o direito e os benefícios da proteção legal deixam de
existir, sem embargo da virtual possibilidade de que o bem continue a ser explorado
economicamente. No que tange ao registro de marca, o art. 133 da Lei nº 9.279/96 estabelece que
o registro da marca será concedido pelo prazo de 10 anos, contados da data de concessão do
registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos. A lei prevê casos em que poderá ocorrer a
caducidade do direito sobre marcas (art. 143).
O item 97 do Pronunciamento Técnico CPC 04 (R1) afirma que o valor amortizável de ativo
intangível com vida útil definida deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da sua vida
útil estimada. A amortização deve ser iniciada a partir do momento em que o ativo estiver
disponível para uso, ou seja, quando se encontrar no local e nas condições necessários para que
possa funcionar da maneira pretendida pela administração. A amortização deve cessar na data em
que o ativo é classificado como mantido para venda ou incluído em um grupo de ativos
classificado como mantido para venda. O método de amortização utilizado reflete o padrão de
consumo pela entidade dos benefícios econômicos futuros. Se não for possível determinar esse
padrão com confiabilidade, deve ser utilizado o método linear. A despesa de amortização para
cada período deve ser reconhecida no resultado, a não ser que outra norma ou pronunciamento
contábil permita ou exija a sua inclusão no valor contábil de outro ativo. Podem ser utilizados
vários métodos de amortização para apropriar de forma sistemática o valor amortizável de um
ativo ao longo da sua vida útil. Tais métodos incluem o método linear, também conhecido como
método de linha reta, o método dos saldos decrescentes e o método de unidades produzidas. A
seleção do método deve obedecer ao padrão de consumo dos benefícios econômicos futuros
esperados, incorporados ao ativo, e aplicado consistentemente entre períodos, a não ser que exista
alteração nesse padrão (item 98).
Para fins de apuração do IRPJ e da CSLL calculados com base nas regras do lucro real, o
art. 11 da Lei nº 12.783/14 dispõe que não serão computadas, no período de apuração em que
incorridas, as despesas: (a) de organização pré-operacionais ou pré-industriais, inclusive da fase
inicial de operação, quando a empresa utilizou apenas parcialmente o seu equipamento ou as suas
instalações; e (b) de expansão das atividades industriais. Essas despesas, no entanto, poderão ser
excluídas para fins de determinação do lucro real, em quotas fixas mensais e no prazo mínimo de
cinco anos, a partir do início das operações ou da plena utilização das instalações ou do início das
atividades das novas instalações. O art. 41 da Lei nº 12.973/14 estabelece que a amortização de
direitos classificados no ativo não circulante intangível é considerada dedutível na determinação
do lucro real desde que os bens estejam intrinsecamente vinculados à produção e comercialização
de bens e serviços.
O art. 42 da Lei nº 12.973/14 dispõe sobre a dedução dos gastos com desenvolvimento de
inovação tecnológica na forma do disposto no inciso I do caput e no § 2º da Lei nº 11.196/05 e
observados os requisitos dos arts. 22 a 24 da mesma Lei. De acordo com esse preceito, os valores
que forem registrados em conta de ativo poderão ser deduzidos no período em que incorridos
mediante exclusão na determinação do lucro real seguido de posterior adição do mesmo valor no
período em que ocorrer a realização do ativo intangível em virtude de amortização, alienação ou
baixa. A lei, neste particular, não exige que dedução se limite aos gastos com inovação
tecnológica que esteja ligada intrinsecamente à produção ou comercialização; logo, os valores
pagos ou creditados são dedutíveis se a inovação beneficiar qualquer setor ou atividade da
empresa.
17.6EXAUSTÃO DE RECURSOS MINERAIS
Consoante dispõe o art. 330 do RIR/99, poderá ser computada, como custo ou encargo, em
cada período de apuração, a importância correspondente à diminuição do valor de recursos
minerais, resultante da sua exploração. A quota de exaustão será determinada de acordo com as
regras sobre depreciação, com base no custo de aquisição ou prospecção dos recursos minerais
explorados.
O montante da quota de exaustão será determinado tendo em vista o volume da produção no
período e sua relação com a possança conhecida da mina, ou em função do prazo de concessão.
Esse regime não aplicável no caso de exploração de jazidas minerais inesgotáveis ou de
exaurimento indeterminável, como as de água mineral. Na forma do disposto no art. 331 do
RIR/99, para efeito de determinar o lucro real, as empresas de mineração, cujas jazidas tenham
tido início de exploração a partir de 1º de janeiro de 1980 até 21 de dezembro de 1987, poderão
excluir do lucro líquido, em cada período de apuração, uma quota adicional de exaustão de
recursos minerais. Essa quota, que tem o caráter de um benefício fiscal, será equivalente à
diferença entre 20% da receita bruta auferida nos dez primeiros anos de exploração e o valor
computado da exaustão normal contabilizada. Esse é um ajuste que é feito no LALUR, porque é
uma espécie de incentivo fiscal.
A receita bruta que servirá de base de cálculo da quota de exaustão incentivada
corresponderá ao valor de faturamento dos minerais. O limite global de dedução abrangerá
as quotas de exaustão que já tenham sido deduzidas como custo ou despesa. A utilização desse
incentivo não prejudica o direito à dedução de quotas de depreciação e de amortização.
Esse benefício fiscal é assegurado: (a) às empresas de mineração que, em 24 de março de
1970, eram detentoras, a qualquer título, de direitos de decreto de lavra; e (b) às empresas de
mineração cujas jazidas tenham tido início de exploração a partir de 1º de janeiro de 1980, em
relação à receita bruta auferida nos dez primeiros anos de exploração de cada jazida. O início do
período de exploração será aquele que constar do plano de aproveitamento econômico da jazida,
de que trata o Código de Mineração, aprovado pelo Departamento Nacional da Produção Mineral.
Na forma do art. 333, do RIR/99, o valor correspondente à quota de exaustão incentivada,
na parte em que exceder ao valor da exaustão contabilizada, será creditado em conta especial de
reserva de lucros, que somente poderá ser utilizada para absorção de prejuízos ou incorporação
ao capital social.
O RIR/99 contém, também, regras especiais sobre a exaustão de recursos florestais. Assim,
na forma do art. 334 daquele texto regulamentar, poderá ser computada, como custo ou encargo,
em cada período de apuração, a importância correspondente à diminuição do valor de recursos
florestais, resultante de sua exploração.
Para o cálculo do valor da quota de exaustão será observado o seguinte critério: (a) apurar-
se-á, inicialmente, o percentual que o volume dos recursos florestais utilizados ou a quantidade
de árvores extraídas durante o período de apuração representa em relação ao volume ou à
quantidade de árvores que no início do período de apuração compunham a floresta; e (b) o
percentual encontrado deverá ser aplicado sobre o valor contábil da floresta, registrado no ativo,
e o resultado será considerado como custo dos recursos florestais extraídos.
Essas regras aplicam-se também às florestas objeto de direitos contratuais de exploração por
prazo indeterminado, devendo as quotas de exaustão ser contabilizadas pelo adquirente desses
direitos, que tomará como valor da floresta o do contrato.
Na atividade de exploração de petróleo e gás, há a Lei nº 13.586/17, que prevê uma espécie
de exaustão acelerada de modo que, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), poderão ser integralmente deduzidas as
importâncias aplicadas, em cada período de apuração, na atividade de exploração de petróleo e
de gás natural, definidas no art. 6º da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Além disso, é admitida
dedução de quotas de exaustão para o ativo resultante de gastos aplicados nas atividades de
desenvolvimento, para viabilizar a produção de campo de petróleo ou de gás natural é dedutível
na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, na forma do regulamento estabelecido
pela IN 1.778/17.
17.7IMPAIRMENT
Os valores dos bens registrados no Ativo Imobilizado, Ativo Intangível e Ativo Diferido
devem – após o advento da Lei nº 11.638/07 – ser submetidos ao critério de análise baseado
no impairment. O enunciado do § 3º do art. 183 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº
11.638/07, prescreve que a companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a
recuperação dos valores registrados no imobilizado, no intangível e no diferido, a fim de que
sejam:
(i)registradas as perdas de valor do capital aplicado quando houver decisão de
interromper os empreendimentos ou atividades a que se destinavam ou quando
comprovado que não poderão produzir resultados suficientes para recuperação desse
valor; ou
(ii)revisados e ajustados os critérios utilizados para determinação da vida útil
econômica estimada e para cálculo da depreciação, exaustão e amortização.
Como resultado dessa análise sobre a recuperação do valor de um ativo é possível que
decorram um efeito imediato e um efeito mediato nos resultados da entidade. Haverá um efeito
imediato no resultado quando houver a necessidade do registro de perda decorrente da interrupção
de atividades ou empreendimento, ou, ainda, da comprovada incapacidade de recuperação do
valor contábil dos bens por intermédio de venda ou alienação futura ou por geração de caixa
líquido para a entidade. De outra parte, haverá um efeito mediato nos resultados se houver ajuste
nas taxas de depreciação, exaustão ou amortização, adotadas.
O registro da perda por imparidade (impairment) decorre do dever jurídico de submeter o
valor contábil dos ativos a um teste de equivalência (paridade) com o valor econômico dos
mesmos no contexto operacional da entidade e se os mesmos estão aptos a produzir receitas
(benefícios) em condições ótimas. Desse modo, impõe-se a eventual diminuição do valor contábil
sempre que esse deixar de manter uma relação de equivalência ou paridade com o referido valor
econômico, casos em que este último é menor que o primeiro.2 De qualquer modo, se não for
possível estimar a quantia recuperável de um ativo isoladamente, o sujeito passivo deverá
determinar a condição de imparidade da unidade geradora de caixa à qual o ativo pertence.
A Lei nº 12.973/14 trata da matéria em dois preceitos. Em primeiro lugar, o enunciado do
art. 32 prescreve que o contribuinte poderá reconhecer na apuração do lucro real somente os
valores contabilizados como redução ao valor recuperável de ativos que não tenham sido objeto
de reversão, quando ocorrer alienação ou baixa do bem correspondente. Em seguida, o art. 59 da
mesma Lei dispõe que “para fins da legislação tributária federal, as referências a provisões
alcançam as perdas estimadas no valor de ativos, inclusive as decorrentes de redução ao valor
recuperável”.
Da interpretação conjugada das referidas normas fica claro que os valores imputados aos
resultados não podem ser deduzidos; todavia, a dedução é permitida no período-base em que os
bens que tenham seus valores contábeis ajustados sejam alienados ou baixados, devendo o
contribuinte manter os controles no e-LALUR e no e-lacs. Se antes da alienação ou baixa houver
estorno de parcela anteriormente imputada ao resultado, o valor respectivo – registrado como
receita – será excluído na determinação do lucro real, devendo o contribuinte proceder aos ajustes
nos valores controlados no referido livro fiscal. O texto do parágrafo único do art. 32 estabelece
que, no caso de alienação ou baixa de um ativo que compõe uma unidade geradora de caixa, o
valor a ser reconhecido na apuração do lucro real deve ser proporcional à relação entre o valor
contábil desse ativo e o total da unidade geradora de caixa à data em que foi realizado o teste de
recuperabilidade.
O art. 130 da IN 1.700/17 é claro ao dizer que as reversões das perdas por desvalorização
de bens que foram objeto de redução ao valor recuperável de ativos não são computadas na
apuração do IRPJ e da CSLL.
1CANTO, Gilberto de Ulhôa. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975. p. 254-255.
2Não trato, aqui, da imparidade do ágio por rentabilidade futura, que farei mais adiante, em
capítulo específico.
18.1DEDUTIBILIDADE DAS PROVISÕES
Na forma do art. 335 do RIR/99, que tem por matriz legal o inciso I do art. 13 da Lei nº
9.249/95, na determinação do lucro real somente serão dedutíveis as provisões que a lei autorizar.
Sob a rubrica “provisão” devem ser registrados os valores relativos a obrigações potenciais
(ilíquidas) que podem afetar o patrimônio social por fatos ordinários ou extraordinários. Sob a
mesma rubrica devem ser registrados os valores relativos às perdas do valor econômico dos
elementos patrimoniais, inclusive os sujeitos à depreciação, amortização ou exaustão. No
primeiro caso, o dever de registro decorre da combinação das regras que impõem o registro das
mutações patrimoniais pelo regime de competência com regras que impõem a avaliação prudente
para tradução em cifras dos elementos patrimoniais. A avaliação prudente recomenda a
antecipação de eventuais perdas sempre que as circunstâncias permitirem um conhecimento
razoável dos motivos e uma adequada avaliação dos efeitos patrimoniais que podem advir. As
provisões são registradas no Passivo ou como parcelas redutoras ou “retificadoras” dos ativos.
Essas últimas são registradas para adequar o valor dos bens dos ativos realizáveis ao valor de
provável realização ou de mercado; ou, ainda, para registrar perdas substantivas nos valores dos
bens permanentes (imobilizado e investimentos) nas hipóteses previstas em lei.
A lei tributária não estabelece um conceito de “provisão”; todavia, no passado, elas foram
consideradas tributáveis como “reservas livres”, dado o caráter de sua inexigibilidade e porque
são criadas com base em estimativas. Essas circunstâncias – origem em estimativa e
inexigibilidade – estão perfeitamente delineadas no corpo do Parecer Normativo CST nº 110/71,
que estabeleceu uma diferença – ainda hoje perfeitamente válida – entre provisão e despesa
incorrida, nos seguintes termos:
“3. Assim, determinada despesa, originada de uma obrigação contratual ou da
contraprestação de um serviço, porém, perfeitamente identificada, gera um passivo
exigível enquanto não for paga e, logicamente, dedutível do lucro tributável.
4. Outra coisa será estimar-se um gasto, sem identificação e pretender-se onerar a
conta de resultado, sem mesmo conhecer sua quantificação definitiva, mediante a
constituição de uma reserva, ainda que sob a denominação de provisão.”
Importante, para aplicação das normas sobre a dedução das provisões, e das despesas em
geral, é o caráter da cifra imputada ao resultado, que está acima – em importância – que o nome
adotado nos registrados contábeis em prestígio ao princípio que prescreve que em certas
circunstâncias a essência deve prevalecer sobre a forma. Em outras palavras, não é o nome da
conta contábil que estabelece a qualificação da mesma, de modo que é necessário investigar, em
cada caso, a causa do valor imputado ao resultado do período.1
18.2REGISTRO CONTÁBIL E TIPOLOGIA
O Pronunciamento técnico CPC 25 define provisão como sendo “um passivo de prazo ou de
valor incertos” e, ao mesmo tempo, diz que “passivo é uma obrigação presente da entidade,
derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da
entidade”. De acordo com as regras do CPC, provisão é: (a) uma obrigação presente; (b) derivada
de eventos já ocorridos; (c) que pode, virtualmente, ensejar a transferência de recursos.
A probabilidade de eventual saída de recursos futuros, que é fator determinante para o
reconhecimento contábil de um passivo, não diz respeito unicamente à possibilidade haver
pagamento em dinheiro, mas deve, por outro lado, levar em consideração o fato de que a ordem
jurídica admite outros meios de extinção onerosa de uma obrigação, como são: a compensação, a
confusão, novação, a dação em pagamento etc. Enfim, todo meio oneroso de extinção de uma
obrigação implica, por via direita ou indireta, a transferência ou a extinção de outros ativos, que
não moeda sonante. O registro contábil, entretanto, só é exigível se e quando o valor da obrigação
puder ser determinado de modo confiável segundo os critérios técnicos (profissionais e
acadêmicos) aceitos pela comunidade em determinado lugar e época.
Como visto, dois são os tipos de provisões que têm repercussão tributária: (a) pro-visão-
passivo; e (b) provisão-perda estimada. Vejamos cada uma delas em seus aspectos fundamentais
e as diferenças específicas entre elas.
(a)Provisão-passivo
No caso de provisão-passivo, a causa que determina o seu reconhecimento é a existência de
uma obrigação ainda ilíquida, isto é, para qual não existem bases fáticas e jurídicas sólidas para
determinar a provável saída futura de recursos para liquidá-la. No Passivo devem ser registrados
os valores relativos às provisões que tenham caráter de previsão e também às que tenham caráter
contingencial, isto é, que sejam constituídas para refletir potenciais obrigações em decorrência de
riscos ou perdas suscetíveis de demandar a saída de ativos futuros.
Acerca dessas provisões qualificadas como “passivo”, Egberto Lacerda Teixeira e José
Alexandre Tavares Guerreiro,2 observam que elas: “são valores registrados para fazer face a
situações pendentes, que, no encerramento do balanço, não se acham definitivamente resolvidas”.
De outra parte, ao discorrer sobre as provisões cuja causa é existência de um risco, Fran
Martins3 ensina:
“As provisões são valores que se destacam do patrimônio da companhia, como
registro de obrigações que ainda não existem, nem mesmo de modo condicional,
mas que provavelmente ou possivelmente, virão a nascer. Constituem o registro de
um risco, e não de obrigação existente.”
A respeito delas, José Luiz Bulhões Pedreira4 observa que “prover” significa munirse ou
abastecer-se: deste modo, uma provisão aparta ou guarda recursos financeiros para absorver
diminuição do patrimônio líquido que provavelmente se efetivará no futuro, como efeito de fatos
ocorridos no exercício. De igual modo, Rubens Gomes de Sousa5 aponta para o fato de que as
provisões são inexigibilidades. De acordo com o aclamado autor:
“Mas, em qualquer dessas hipóteses a inexigibilidade caracteriza a provisão, e isto
se demonstra por um raciocínio elementar, cuja força reside justamente no seu
primarismo. Ei-lo: a natureza das contas é apreciada, para efeitos fiscais e outros,
no encerramento de cada exercício; ora, se as contingências financeiras
acobertadas pelas provisões se tivessem efetivado (isto é, se tivessem
tornado exigíveis) durante o exercício, elas não apareceriam no Balanço como
provisões, mas como despesas: logo, se aparecem no balanço como provisões, é
porque continuam inexigíveis.”
Para Alberto Xavier,6 as provisões referem-se a fatos ainda não ocorridos, mas que podem
vir a acontecer no futuro: de acordo com o citado autor, elas registram “uma probabilidade
quantitativamente determinável de decréscimo patrimonial futuro”, razão pela qual elas:
“São registros contábeis de mutações patrimoniais que, embora somente venham a
ser realizadas no futuro, são computadas na posição financeira da pessoa jurídica
na data do balanço, porque competem ao período decorrido, são previsíveis e seu
valor pode ser estimado.”
Em outra obra, José Luiz Bulhões Pedreira7 de modo excelente apresenta os caracteres de
uma provisão nos seguintes termos:
“Cabe ressaltar que o registro contábil da despesa já realizada, embora ainda não
paga, não se confunde com a provisão. Na despesa a pagar a obrigação de
pagamento já nasceu de modo incondicional e em quantia determinada, ou
quantificável com aproximação razoável. Na provisão há registro contábil de
reserva de recursos para atender a obrigação que ainda não existe, mas cuja
existência futura é possível ou provável.”
Esse tipo de provisão deixa de existir em pelo menos duas circunstâncias. Em primeiro lugar,
o passivo deixa de ter esse caráter a partir do momento em que exista certeza razoável de que não
será exigível desembolso de recursos em qualquer época. Em segundo lugar, uma provisão deixa
de existir quando perde o caráter contingencial – que pode ser mais ou menos acentuado em cada
caso – em razão da materialização de uma obrigação cuja exigibilidade é atual (hic et nunc)ou
diferida. Essa materialização ocorre a partir do momento em que passa a existir certeza razoável
de que a entidade despenderá recursos para quitá-la, e, a partir de então, a despesa correspondente
torna-se incorrida. Os saldos das contas representativas de provisões integrantes do Passivo das
entidades podem variar em virtude de eventual mudança de critério de cálculo dos valores
estimados; em tais casos, pode haver complemento de valor ou baixa parcial, caso em que o
montante que vier a afetar o resultado constituirá receita não tributável.
(b)Perda estimada de ativos
As antigas provisões retificadoras de valores ativos passam a ser referidas, na nova ordem
contábil estabelecida a partir do advento da Lei nº 11.638/07, por “perdas estimadas”.
O registro contábil de uma perda estimada é exigível quando existam fundadas razões que
o valor de certos ativos não irá gerar recursos futuros para entidade, em virtude de qualquer
espécie de deterioração física, química ou econômica. A causa do registro de uma perda dessa
natureza é, portanto, a virtual perda de substância dos valores ativos não sujeitos a ajustes que
tenham igual finalidade, como são, por exemplo, os ativos sujeitos a ajustes por impairment. Perda
estimada, portanto, é aquela in fieri em que o caráter contingencial é pronunciado ou acentuado,
porque os indícios de que a perda se materializará são mais fortes que as probabilidades de
reversão num dado momento e de acordo com o contexto fático de caso. O registro contábil, em
tais circunstâncias, se faz para atendimento ao princípio cardeal da ordem jurídica contábil que
tem na ideia de valor justo o seu eixo central.
Também nesse caso a mensuração deve ser feita com apuro técnico, ou seja, o valor das
perdas a ser registrado deve emergir de cálculos patenteados pela comunidade técnica do lugar,
ou seja, é imprescindível que os cálculos sejam justificados pelas técnicas válidas e pertinentes
geralmente adotadas.
18.3COMISSÕES SOBRE VENDA
Há uma antiga controvérsia acerca do momento em que pode ser considerada uma despesa
com comissões sobre vendas nos casos em que, por contrato, o direito à percepção da mesma é
vinculado ao recebimento do preço da coisa vendida. O Parecer Normativo CST 07/76, que trata
da dedução das despesas de comissão, é claro ao dizer que, em tais circunstâncias, só há mera
provisão:
“4. Se, entretanto, o pagamento ou crédito da comissão está condicionado ao
recebimento do valor da venda – não sendo, antes deste, exigível pelo
representante, vendedor ou comissário – não pode a importância correspondente
ser considerada despesa incorrida no faturamento nem ser contabilizada como
exigibilidade, dado que corresponde a meras expectativas: de obrigação, para a
pessoa jurídica alienante do bem; e de direito, para o intermediário da transação
comercial.”
De acordo com o enunciado do art. 121 do Código Civil, considera-se condição a cláusula
que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a
evento futuro e incerto. O art. 125 do Código citado tem a seguinte redação:
“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva,
enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.”
De modo geral, as condições atuam na eficácia dos negócios jurídicos: se a condição for
suspensiva, enquanto ela não for implementada, os negócios não são reputados definitivos,
perfeitos e acabados. Se o recebimento do preço é uma condição para o reconhecimento jurídico
do direito à remuneração, parece claro que sem que aquele (o recebimento) ocorra não há
obrigação alguma. Por essa perspectiva, a opinião contida no citado Parecer Normativo está
correta.
Todavia, há que se perquirir se o referido Parecer Normativo em questão está ou não em
vigor após o advento do art. 725 do Código Civil de 2002, que dispõe:
“Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o
resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em
virtude de arrependimento das partes.”
A norma do Código Civil é norma estatal imperativa ou de ordem pública e que, portanto,
se sobrepõe às avenças entre os particulares e, de acordo com ela, basta o resultado para que o
corretor adquira o direito à remuneração (comissão). As normas imperativas são assim
denominadas porque não podem ser desprezadas sob pena de sanção.
Portanto, depois do advento do Código Civil, é fora de qualquer dúvida que a remuneração
devida ao corretor (que pode adotar a condição de vendedor pracista ou externo, representante
comercial ou comissão) decorre da realização da mediação, de modo que esta constitui o resultado
útil perseguido pelo contrato de corretagem ou de mediação. Assim, parece claro que, após o
advento do Código Civil, basta a realização da venda para determinar a obrigação de pagar a
remuneração pactuada; ademais, de acordo com o enunciado da parte final do preceito acima
transcrito, essa remuneração será devida ainda que haja posterior arrependimento das partes, o
que confirma que a cláusula que subordina o pagamento da remuneração ao pagamento do preço
não possui validade jurídica. É possível, no entanto, que, na prática, as partes se comportem como
se o efetivo pagamento da remuneração fique atrelado ao recebimento do preço; todavia, essa
circunstância (o recebimento do prazo) não atua como condição – no sentido do art. 121 do
Código Civil, acima transcrito – para obtenção do direito e, sim, como simples termo ou prazo
para pagamento. Portanto, o Parecer Normativo CST 07/76 não mais prevalece após o advento
do Código Civil que modificou os contratos, mesmo aqueles que tiverem sido celebrados antes
da edição do citado Código.
18.4PROVISÕES TÉCNICAS
De acordo com o art. 336 do RIR/99, são dedutíveis as provisões técnicas das companhias
de seguro e de capitalização, bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição é
exigida pela legislação especial a elas aplicável. Ora, se há uma regra que permite a dedutibilidade
em função de uma legislação especial, então, todas as provisões constituídas em obediência às
regras da CVM e do Banco Central do Brasil também deveriam ser consideradas dedutíveis.
Assim, da mesma forma que as companhias seguradoras, de capitalização e entidades de
previdência privada, as companhias abertas e as instituições financeiras têm um relevante papel
no mercado que, a cada dia, se submete a um teste de confiabilidade. Ora, as provisões, nesse
contexto, decorrem de práticas contábeis que visam manter essa confiabilidade, de modo que não
há nenhuma razão lógica que possa fundamentar esse tratamento diferenciado.
18.5PROVISÃO PARA FÉRIAS
Na forma do art. 337, do RIR/99, o contribuinte poderá deduzir, como custo ou despesa
operacional, em cada período de apuração, importância destinada a constituir provisão para
pagamento de remuneração correspondente a férias de seus empregados. O limite do saldo da
provisão será determinado com base na remuneração mensal do empregado e no número de dias
de férias a que já tiver direito na época do encerramento do período de apuração.
Diz o art. 129 da CLT que todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período
de férias, sem prejuízo da remuneração. O art. 130 do mesmo diploma normativo estabelece que
após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho o empregado terá direito a
férias, na seguinte proporção: (a) 30 dias corridos quando não houver faltado ao serviço mais de
5 vezes; (b) 24 dias corridos, quando houver tido de 6 a 14 faltas; (c) 18 dias corridos, quando
houver tido de 15 a 23 faltas; (d) 12 dias corridos, quando houver tido de 24 a 32 faltas. Esses
cálculos serão menores no regime de tempo parcial em face do disposto no art. 130-A,
acrescentado pela Medida Provisória nº 1.952/00.
O montante do valor a ser registrado como obrigação individualizada, vale repetir, será
calculado com base nos critérios fixados pelas normas gerais e contratuais (de acordos coletivos)
que regem as relações do trabalho, em cada caso. Assim, o montante será calculado sobre a
remuneração total recebida no período aquisitivo e segundo o montante que seria devido na data
do encerramento do período-base, incluindo, portanto, eventuais valores relativos a férias em
dobro, se a concessão das férias vencidas não ocorreu no prazo legal. Para apuração do valor a
ser contabilizado deverá ser observado o regime jurídico do contrato de trabalho, posto que a
legislação contempla, como visto, o regime de tempo parcial.
A remuneração que deverá ser tomada como base para cálculo do valor a ser registrado será,
em face do disposto no art. 142 da CLT, o valor desta na data da concessão, acrescido de médias
de outros valores (comissões etc.), do valor das utilidades e dos adicionais de horas extras,
insalubridade e periculosidade. A todo tempo as normas falam em “provisão”, o que é, no caso,
uma impropriedade. Na forma da legislação trabalhista, a remuneração de férias só não pode ser
exigida pelo empregado que conta menos de um ano de serviço. Depois dessa data, a exigência
das férias não mais se sujeita à ocorrência de eventos futuros e incertos, de modo que se convertem
em obrigação quantificada, isto é, determinada, e não mera provisão.
O valor contabilizado deve estar fundamentado em documento preparado pelo contribuinte.
Exige-se a preparação de demonstrativo analítico que contenha as informações necessárias à
verificação dos critérios adotados e dos valores apurados.
18.6PROVISÃO PARA PAGAMENTO DO 13O SALÁRIO
Consoante dispõe o art. 338 do RIR/99, o contribuinte poderá deduzir, como custo ou
despesa operacional, em cada período de apuração, importância destinada a constituir provisão
para pagamento de remuneração correspondente ao 13º salário de seus empregados. O valor a ser
provisionado corresponderá ao valor resultante da multiplicação de um doze avos da
remuneração, acrescido dos encargos sociais cujo ônus cabe à empresa, pelo número de meses
relativos ao período de apuração. Temos aqui o mesmo problema da impropriedade apontada em
relação à provisão de férias.
18.7PROVISÃO PARA O IMPOSTO DE RENDA
Por fim, o art. 339 do RIR/99 estabelece que é obrigatória, em cada período de apuração, a
constituição de provisão para Imposto de Renda, relativa ao imposto devido sobre o lucro real e
lucros, cuja tributação tenha sido diferida desse mesmo período de apuração. Essa provisão, se
constituída, não é dedutível para fins de apuração do lucro real.
O preceptivo do art. 339 do RIR/99 contém dois mandamentos. O primeiro trata da
constituição da provisão e o segundo dispõe sobre sua indedutibilidade. A rigor, essa provisão
pode deixar de ser constituída se o contribuinte tem prejuízos fiscais acumulados que possam ser
compensados com os lucros com tributação deferida.
18.8PROVISÃO PARA LICENÇA-PRÊMIO
Licença-prêmio é um direito que adquire todo funcionário público após certo tempo de
trabalho e que consiste em obter um período de descanso sem prejuízo da remuneração, a exemplo
do que ocorre com os empregados cujos vínculos laborais são regidos pela CLT. Portanto, é
razoável supor que podem ser consideradas dedutíveis as provisões (se é que elas podem ter esse
rótulo) para pagamento posterior de licença-prêmio que está previsto em lei.
18.9PERDAS NO RECEBIMENTO DE CRÉDITOS
Na forma do art. 340, do RIR/99, o valor das perdas no recebimento de créditos decorrentes
das atividades da pessoa jurídica poderá ser deduzido como despesa, para determinação do lucro
real, desde que observada uma série de condições.
A dedução de perda é admitida pela Lei no pressuposto de que as operações de crédito são
normais e usuais e que a ocorrência de eventuais perdas faz parte do risco normal dos negócios.
Por isso, as eventuais perdas qualificadas como “anormais” (assim consideradas as que não forem
justificáveis em razão do princípio da lucratividade) ou decorrentes de atos ou negócios ilícitos
não podem ser deduzidas, a menos que existam razões econômicas que justifiquem a dedução,
isto é, que as perdas se imponham por razões empresariais legítimas.
A Lei nº 9.430/96 substituiu o modelo normativo anterior pelo qual a dedução era baseada
em percentuais – a famosa provisão para devedores duvidosos – PDD – e passou a permitir a
dedução da perda com base em presunção de perda. A lei permite que a despesa seja imputada ao
resultado antes da liquidação da obrigação que deu origem ao crédito, e, portanto, ao contribuinte
é dado o direito de escolher entre adotar os critérios da lei ou aguardar a ocorrência da perda
definitiva para fazer o registro contábil.
A Lei nº 13.097 de 19 de janeiro de 2015, que resultou da conversão da Medida Provisória
nº 656/14, modificou a Lei nº 9.430/96 e estabeleceu novos critérios e limites para dedução de
perdas no recebimento de créditos decorrentes das atividades da pessoa jurídica. A matéria foi
regulamentada pelo art. 71 da IN 1.700/17, que faz a devida distinção entre os regimes de dedução
previstos na Lei nº 9.430/96 e na Lei nº 13.097/15.
Assim, em relação aos contratos inadimplidos até 7 de outubro de 2014, poderão ser
registrados como perdas dedutíveis os créditos:
(a)em relação aos quais tenha havido a declaração de insolvência do devedor, em
sentença emanada do Poder Judiciário;
(b)sem garantia, de valor: (i) até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por operação,
vencidos há mais de 6 (seis) meses, independentemente de iniciados os
procedimentos judiciais para o seu recebimento; (ii) acima de R$ 5.000,00 (cinco mil
reais) até R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por operação, vencidos há mais de 1 (um)
ano, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu
recebimento, porém mantida a cobrança administrativa; e (iii) superior a R$
30.000,00 (trinta mil reais), vencidos há mais de 1 (um) ano, desde que iniciados e
mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento;
(c)com garantia, vencidos há mais de 2 (dois) anos, desde que iniciados e mantidos
os procedimentos judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias;
(d)contra devedor declarado falido ou pessoa jurídica em concordata ou recuperação
judicial, relativamente à parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido
a pagar; neste caso, a dedução da perda será admitida a partir da data da decretação
da falência ou do deferimento do processamento da concordata ou recuperação
judicial, desde que a credora tenha adotado os procedimentos judiciais necessários
para o recebimento do crédito.
Em relação aos contratos inadimplidos a partir do dia 8 de outubro de 2014, os limites foram
aumentados e estipulados limites de dedução de perdas com créditos com garantia e vencidos há
mais de dois anos. Por isso, podem ser registradas como despesas dedutíveis as perdas com
créditos:
(a)sem garantia, de valor: (i) até R$ 15.000,00 (quinze mil reais), por operação,
vencidos há mais de 6 (seis) meses, independentemente de iniciados os
procedimentos judiciais para o seu recebimento; (ii) acima de R$ 15.000,00 (quinze
mil reais) até R$ 100.000,00 (cem mil reais), por operação, vencidos há mais de 1
(um) ano, independentemente de iniciados os procedimentos judiciais para o seu
recebimento, porém mantida a cobrança administrativa; e (iii) superior a R$
100.000,00 (cem mil reais), vencidos há mais de 1 (um) ano, desde que iniciados e
mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento;
(b)com garantia, vencidos há mais de 2 (dois) anos, de valor: (i) até R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) independentemente de iniciados e mantidos os procedimentos
judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias; e (ii) superior a R$
50.000,00 (cinquenta mil reais), desde que iniciados e mantidos os procedimentos
judiciais para o seu recebimento ou o arresto das garantias;
(c)contra devedor declarado falido ou pessoa jurídica em concordata ou recuperação
judicial, relativamente à parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido
a pagar; neste caso, a dedução da perda será admitida a partir da data da decretação
da falência ou do deferimento do processamento da concordata ou recuperação
judicial, desde que a credora tenha adotado os procedimentos judiciais necessários
para o recebimento do crédito.
Em qualquer caso, os créditos que podem ser considerados perdidos são os que derivam da
venda de bens, da prestação de serviços, da cessão de direitos, da aplicação de recursos financeiros
em operações com títulos e valores mobiliários, constante de um único contrato, no qual esteja
prevista a forma de pagamento do preço pactuado, ainda que a transação seja realizada para
pagamento em mais de 1 (uma) parcela. No caso de empresas mercantis, a operação será
caracterizada pela emissão da fatura, mesmo que englobe mais de 1 (uma) nota fiscal.
A norma faz emissão à fatura que é um documento que vem sendo substituído, na prática,
pelo denominado “boleto bancário”, previsto na Circular nº 3.598/12, do Banco Central do Brasil.
As normas não fazem menção aos cheques pré-datados (na verdade, pós-datados) que são
emitidos para garantia de dívidas e que se convertem em instrumentos de pagamento a partir da
data estipulada pelas partes. Parece razoável supor que a existência de qualquer espécie de
documento de crédito é suficiente para permitir a dedução em razão do princípio segundo o qual
“onde os mesmos fatos, o mesmo direito”.
Acerca da origem das perdas há decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes quando
do julgamento do Recurso nº 508.405 (acórdão 1103-09.380) ocorrido em 15 de dezembro de
2010, que considerou que a lei não faz distinção acerca da origem dos créditos. Logo, a dedução
alcança as eventuais perdas suportadas por empresas que recebem cheques de terceiros em
pagamento de bens e serviços e podem sofrer prejuízos em virtude da impossibilidade de cobrança
ou caducidade do direito de exigir o valor do depósito que o cheque indica.
O art. 146 da Lei nº 13.097 permite a dedução de despesas, perdas ou prejuízos suportados
por instituições financeiras em decorrência de inconsistências contábeis identificadas pelo Banco
Central do Brasil, durante o período em que estejam sob intervenção ou liquidação extrajudicial,
ou sob o regime de administração especial temporária, ou, ainda, em processo de saneamento. A
norma diz que a dedução só é admissível se a dedutibilidade seja autorizada pela legislação do
imposto sobre a renda e da contribuição social sobre o lucro líquido. A norma contém uma espécie
de tautologia quando admite a dedução desde que haja norma anterior autorizando a dedução; ao
que parece, o legislador pretendeu dispensar a produção de provas, autorizando a dedução com
base em ajustes globais quando determinados ou autorizados pelo Banco Central do Brasil.
As normas constantes da Lei nº 9.430/96, não fazem menção à dedução da eventual perda
decorrente da cessão de créditos e a decorrente da concessão de desconto para pagamento de
dívida vencida. A lacuna legal sobre a dedução da perda só existe para os casos em que o crédito
suplantar os limites previstos na lei. A dedução, portanto, deve ser analisada de acordo com os
critérios gerais de necessidade e normalidade da despesa. Se as operações forem realizadas com
terceiros, com base nos parâmetros do mercado, não há razão para negar a dedução, porque há
presunção de que o negócio foi – de algum modo – vantajoso para a empresa que suporta a perda.
Não se trata, obviamente, de liberalidade porque as perdas derivadas de créditos são previsíveis e
associadas ao risco normal, ou seja, decorrem da álea natural dos negócios.
18.9.1Devedor concordatário ou falido
São dedutíveis as perdas decorrentes de crédito contra devedor declarado falido ou pessoa
jurídica declarada concordatária ou em recuperação judicial, relativamente à parcela que exceder
o valor que esta tenha se comprometido a pagar, observadas algumas restrições. No caso de
crédito com empresa em processo falimentar ou de concordata, a dedução da perda será admitida
a partir da data da decretação da falência ou da concessão da concordata, desde que a credora
tenha adotado os procedimentos judiciais necessários para o recebimento do crédito.
A parcela do crédito, cujo compromisso de pagar não houver sido honrado pela empresa
concordatária, poderá, também, ser deduzida como perda, observadas as condições previstas em
lei.
18.9.2Vencimento antecipado da dívida
No caso de contrato de crédito em que o não pagamento de uma ou mais parcelas implique
o vencimento automático de todas as demais parcelas vincendas, os limites referidos acima serão
considerados em relação ao total dos créditos, por operação, com o mesmo devedor.
18.9.3Desistência da cobrança
Ocorrendo a desistência da cobrança pela via judicial, antes de decorridos cinco anos do
vencimento do crédito, a perda eventualmente registrada deverá ser estornada ou adicionada ao
lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao período de apuração em que se
der a desistência. Nesse caso, o imposto será considerado como postergado desde o período de
apuração em que tenha sido reconhecida a perda.
Todavia, se a solução da cobrança se der em virtude de acordo homologado por sentença
judicial, o valor da perda a ser estornado ou adicionado ao lucro líquido para determinação do
lucro real será igual à soma da quantia recebida com o saldo a receber renegociado, não se
aplicando a regra da exigência do imposto postergado, acima referida. O estorno – por via de
adição na determinação do lucro real – só é aplicável se a desistência ou o acordo acontecerem
dentro do período de cinco anos contados do vencimento do crédito.
Os valores registrados na referida conta redutora do crédito poderão ser baixados
definitivamente em contrapartida à conta que registre o crédito, a partir do período de apuração
em que se completar cinco anos do vencimento do crédito sem que o mesmo tenha sido liquidado
pelo devedor. Vê-se, portanto, que é condicional a dedução dos créditos objeto de cobrança ou
execução por via judicial; logo, a dedução definitiva depende da decretação da perda com base
em sentença irrecorrível ou do transcurso do prazo de cinco anos a contar o vencimento da
obrigação que deu origem ao crédito.
A lei é omissa a respeito da dedução definitiva dos créditos vencidos para os quais não foram
ajuizadas ações judiciais para cobrança ou execução. Nestes casos, é razoável concluir que a
dedução se torna definitiva com a satisfação dos requisitos de dedução que dizem respeito aos
limites, aos períodos de vencimentos e ao status da cobrança. Em tais circunstâncias, os valores
porventura recuperados serão normalmente tributados.
18.9.4Créditos com pessoas ligadas
Em qualquer caso, não será admitida a dedução de perda no recebimento de crédito junto à
pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada, bem como com pessoa
física que seja acionista controlador, sócio, titular ou administrador da pessoa jurídica credora, ou
parente até o terceiro grau dessas pessoas físicas.
18.9.5Encargos financeiros
O RIR/99 contém regras especiais sobre a dedutibilidade de encargos financeiros de créditos
vencidos nos casos em que a devedora é uma pessoa jurídica tributada com base no lucro real, e
também dispõe sobre o tratamento a ser dado às receitas obtidas pela credora que for tributada
com base no lucro real. A matéria é tratada no art. 73 da IN 1.700/17.
Assim, na forma do art. 342, após dois meses do vencimento do crédito, sem que tenha
havido o seu recebimento, a pessoa jurídica credora poderá excluir do lucro líquido, para
determinação do lucro real, o valor dos encargos financeiros incidentes sobre o crédito,
contabilizado como receita, auferido a partir desse prazo.
Todavia, tal exclusão só será admitida se a pessoa jurídica houver tomado as providências
de caráter judicial necessárias ao recebimento do crédito, salvo em relação aos créditos sem
garantia até os limites antes mencionados, vencidos há mais de um ano e que estiverem sendo
cobrados administrativamente. Os valores excluídos deverão ser adicionados no período de
apuração em que, para os fins legais, se tornarem disponíveis para a pessoa jurídica credora ou
em que reconhecida a respectiva perda.
A partir da citação inicial para o pagamento do débito, a pessoa jurídica devedora deverá
adicionar ao lucro líquido, para determinação do lucro real, os encargos incidentes sobre o débito
vencido e não pago que tenham sido deduzidos como despesa ou custo, incorridos a partir daquela
data.
Os valores que tiverem sido adicionados poderão ser excluídos do lucro líquido, para
determinação do lucro real, no período de apuração em que ocorra a quitação do débito por
qualquer forma. Como se vê, para a pessoa jurídica devedora que calcule o imposto de renda com
base no lucro real, a legislação considera que os encargos da dívida vencida e que sejam incorridos
após a citação para pagamento ostentam o caráter de mera provisão. Tais encargos se tornarão
despesas efetivas e dedutíveis (por via de exclusão na determinação da base de cálculo do
imposto) quando houver extinção da obrigação, por pagamento total ou parcial ou outra razão
jurídica e desde que observados os demais critérios legais que regem a dedução. Saliente-se que
este regime de dedução é aplicável unicamente aos créditos de que trata o art. 9º da Lei nº
9.430/96.
18.9.6Créditos recuperados
Na forma do art. 343, do RIR/99, deverá ser computado na determinação do lucro real o
montante dos créditos deduzidos que tenham sido recuperados, em qualquer época ou a qualquer
título, inclusive nos casos de novação da dívida ou do arresto dos bens recebidos em garantia real.
Os bens recebidos a título de quitação do débito serão escriturados pelo valor do crédito ou
avaliados pelo valor definido na decisão judicial que tenha determinado sua incorporação ao
patrimônio do credor. Na forma do disposto no § 2º do art. 74 da IN 1.700/17, os juros vincendos
poderão ser computados na determinação do lucro real à medida que forem incorridos.
Por fim, nas operações de crédito realizadas por instituições financeiras autorizadas a
funcionar pelo Banco Central do Brasil, nos casos de renegociação de dívida, o reconhecimento
da receita para fins de incidência de imposto sobre a renda ocorrerá no momento do efetivo
recebimento do crédito. Esse critério de tributação com base no regime de caixa deve ser adotado
por todos os contribuintes em razão do princípio da isonomia. As instituições financeiras estão
sujeitas a critérios prudenciais específicos para mensuração dos créditos, mas isto não é suficiente
para estabelecer uma quebra da igualdade em relação aos demais contribuintes.
18.10DESÁGIO NA CESSÃO DE CRÉDITOS DE ORIGEM
TRIBUTÁRIA
A lei não contém regras explícitas acerca do que deve ser feito em relação aos eventuais
deságios obtidos nas cessões de direitos que tenham por objeto eventuais créditos junto a qualquer
das pessoas políticas de direito público por tributos pagos indevidamente a maior ou outra razão,
nos casos em que a cessão é prevista em lei regularmente processada perante autoridade judicial.
Parece-nos que o deságio será dedutível se estiver dentro dos parâmetros do mercado ou do
costume do lugar. Não há razão alguma para negar a dedutibilidade em tais circunstâncias.
18.11PERDA DO DIREITO DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS
Problemas podem surgir em relação aos créditos que estejam registrados no Ativo e que, por
não terem sido transferidos no prazo legal, caducam. A caducidade ou decadência determina a
imediata baixa do valor registrado no Ativo, mas não existem regras explícitas sobre a
dedutibilidade, nestes casos. Ao menos em princípio, uma forma de contornar a ausência de regra
é considerar que a perda deva seguir a mesma sorte que é dada ao tributo respectivo, hipótese em
que, por exemplo, o valor imputado a título de IRPJ ou CSLL não poderia ser considerado
dedutível.
A interpretação acima é, no entanto, refutável. De fato, as regras da legislação tributária que
dispõem a respeito da dedução dos valores relativos aos diversos tributos pressupõem o
nascimento de uma obrigação tributária que decorre da prática do fato gerador previsto em lei.
Pois bem, nos pagamentos antecipados, ocorre o fato gerador da antecipação, mas não surge a
obrigação tributária definitiva; deste modo, a utilização dos critérios de dedutibilidade acima
expostos pode não ser adequada, porquanto não há identidade de situação. Portanto, restaria
considerar a perda dedutível nos casos em que a caducidade ocorreu por impossibilidade de
aproveitamento dos créditos; no entanto, a dedutibilidade estaria comprometida se a perda do
direito decorreu de inação do sujeito passivo, mas unicamente nos casos em que ele tivesse
condições materiais e jurídicas de evitar a perda do direito. Em outro falar, mesmo nos casos em
que a perda tenha ocorrido por caducidade, ela será considerada normal – e, portanto, dedutível –
se o sujeito passivo não teve como evitar o prejuízo.
Em algumas situações, o contribuinte poderá optar por constituir provisão para perdas sobre
ativos desta espécie; tal espécie de provisão não é dedutível e a eventual reversão é não tributável.
18.12AJUSTE AO VALOR PRESENTE DE ATIVOS
A Lei nº 11.638/07 introduziu modificações no texto da Lei nº 6.404/76 para determinar
que, a partir de 1º de janeiro de 2008, certos ativos e passivos deverão ser avaliados pelo valor
presente. Destarte, em face do disposto no inciso VIII do art. 183 da Lei nº 6.404/76, os elementos
do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, e os demais
ativos, quando houver efeito relevante.
Em tese, a adoção do valor presente pode ser feita em pelo menos dois momentos: antes ou
após o advento da aquisição dos ativos e do surgimento das obrigações, encargos e riscos. No
primeiro caso, o valor presente é obtido por via de ajuste que deve fluir para o resultado; no
segundo caso, o valor presente (ou valor justo) é o parâmetro de registro inicial e eventuais ajustes
só ocorreriam em razão de fatos supervenientes, como os ajustes das taxas de desconto por
mudança nos níveis de inflação, por exemplo.
Esse critério de avaliação dos elementos patrimoniais ativos e passivos não é propriamente
uma novidade. A Comissão de Valores Mobiliários, desde a edição da Instrução CVM nº 64/87,
exigia a adoção desse critério contábil de avaliação de elementos ativos e passivos para as
companhias abertas.
O art. 5º da Lei nº 12.973/14 dispõe sobre os efeitos fiscais dos valores que forem imputados
ao resultado a título de ajuste ao valor presente de passivos. O preceito faz referência ao enunciado
do item III do caput do art. 184 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual “as obrigações, os encargos e
os riscos classificados no passivo não circulante serão ajustados ao seu valor presente, sendo os
demais ajustados quando houver efeito relevante”.
De acordo com o mandamento da nova Lei, os valores correspondentes aos ajustes que
vierem a afetar o resultado serão considerados na determinação do lucro real do período em que:
(a) o bem for revendido, no caso de aquisição a prazo de bem para revenda; (b) o bem for utilizado
como insumo na produção de bens ou serviços, no caso de aquisição a prazo de bem a ser utilizado
como insumo na produção de bens ou serviços; (c) o ativo for realizado, inclusive mediante
depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, no caso de aquisição a prazo de ativo
distinto dos mencionados nas letras a e b; (d) a despesa for incorrida, no caso de aquisição a prazo
de bem ou serviço contabilizado diretamente como despesa; e (e) o custo for incorrido, no caso
de aquisição a prazo de bem ou serviço contabilizado diretamente como custo de produção de
bens ou serviços. Os valores relativos aos ajustes dos valores de ativos deverão ser evidenciados
contabilmente em subconta vinculada a tais ativos. A dedução não é admissível se: (a) o valor do
ativo que vier a ser imputado ao resultado não seja dedutível, inclusive mediante depreciação,
amortização, exaustão, alienação ou baixa não seja dedutível; (b) o valor da despesa não seja
dedutível; e (c) caso os valores decorrentes do ajuste a valor presente não tenham sido
evidenciados em conta contábil vinculada ao registro do valor dos bens ativos.
1Na ementa do acórdão 107-04.627 (Recurso 111.270) do antigo Conselho de Contribuintes
está dito: “IRPJ – DESPESAS INCORRIDAS – PROVISÕES – As obrigações incorridas,
identificadas e quantificadas no período-base e não pagas no curso do mesmo, constituem, face
ao regime econômico ou de competência, despesas dedutíveis do lucro líquido do período. A
contabilização da reserva de recursos para o pagamento, com a designação imprópria de
‘provisão’ não impede a dedução da despesa assegurada no art. 191 do RIR/80.”
2TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades
anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Bushatsky, 1979. v. 2, p. 568.
3MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense,
1977. v. 2, p. 682.
4PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda: pessoas jurídicas. Rio de Janeiro:
Justec, 1979. v. 1, p. 231.
5SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres 3: imposto de renda. São Paulo: Resenha Tributária,
1976. p. 29.
6XAVIER, Alberto. Regime tributário da diferença entre valor nominal e preço da cessão de
créditos nas operações de “factoring”. Revista de Direito Tributário, São Paulo: Revista dos
Tribunais, nº 50, p. 62, 1989.
7PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda. Rio de Janeiro: Justec, p. 6.34 (16).
19.1DEDUTIBILIDADE VINCULADA À OCORRÊNCIA DO FATO
GERADOR
Nos exatos termos do caput do art. 344 do RIR/99, são dedutíveis, na determinação do lucro
real, segundo o regime de competência, os valores correspondentes a tributos e contribuições
suportados pelo contribuinte. Essa regra diz respeito unicamente aos tributos e contribuições cuja
dedução não seja vedada por outras normas. A norma não alcança as despesas com outras exações
ou prestações pecuniárias compulsórias instituídas em lei como são as devidas a título de
direitos antidumping e os royalties devidos com base na Lei nº 12.734/12. As despesas
correspondentes a essas exações são consideradas incorridas quando surge o dever de pagá-las.
A menção ao regime de competência, no caso, significa que os tributos e contribuições são
dedutíveis no momento em que se estabelece uma relação jurídica da qual surge uma obrigação
tributária que decorre da prática do fato gerador mencionado na hipótese da norma tributária.
Assim, no momento em que ocorre o fato gerador da obrigação tributária, o montante desta torna-
se despesa incorrida, de modo que deve o sujeito passivo, para atendimento ao regime de
competência, fazer o registro contábil em razão da ocorrência da mutação patrimonial. O § 1º do
art. 41 da Lei nº 8.981/95 diz que a dedução não é admita em caso de haver suspensão da
exigibilidade do crédito tributário na forma dos itens II a V do art. 151 do CTN.
O enunciado do caput do art. 131 da IN 1.700/17 estabelece que: “as despesas realizadas
com o pagamento de tributos são dedutíveis na determinação do lucro real e do resultado ajustado,
segundo o regime de competência”. Pela primeira vez desde a edição da Lei nº 8.981/95, é
utilizada a palavra “pagamento” de modo a sugerir que a dedução, a partir do advento da referida
IN, é permitida apenas se e quando houver o pagamento. Esse preceito não tem base legal
porquanto o art. 41 da referida Lei não condiciona a dedução ao pagamento, mas, sim, à ocorrência
de mutação patrimonial que se materializa no momento em que o tributo se torna devido e que
deva ser reconhecido de acordo com o regime de competência.
As autoridades fiscais consideram que o sujeito passivo não pode deduzir o valor dos
tributos que são exigidos em autos de infração, como ocorreu no caso do Processo Administrativo
10920.002388/200811, em que um contribuinte foi autuado em 2008 por fatos ocorridos nos anos
de 2002 a 2006. O julgamento desse Processo deu origem ao acórdão nº 9101-002.996, de 7 de
agosto de 2017, em que a Primeira Turma do CARF decidiu que “a dedutibilidade dos tributos
segundo o regime de competência, para fins de apuração do Lucro Real e da base de cálculo da
CSLL, está restrita aos valores constantes da escrituração comercial, não alcançando os valores
das contribuições lançadas de ofício sobre receitas omitidas”. Essa decisão é contrária à lei que
dispõe que os tributos são dedutíveis quando da ocorrência do fato gerador; a lavratura do auto
de infração não constitui fato gerador de tributo algum; o ato administrativo que o veicula apenas
declara a existência de uma obrigação tributária não paga e o estado de mora do sujeito passivo
desde o dia seguinte ao do vencimento do tributo. Esse ato administrativo é editado com
presunção de validade e legalidade ainda que venha a ocorrer, no prazo legal, eventual
impugnação por parte do sujeito passivo. A fiscalização não pode negar a eficácia de seus próprios
atos porquanto está proibida de venire contra factum proprio. A interpretação dada pela
autoridade fiscal e endossada pelo CARF é abusiva na medida em que considera que o sujeito
passivo deveria se submeter aos efeitos da norma impositiva (a que cria a obrigação tributária e
também a que prevê a imposição de penalidades) e simplesmente “esquecer” a norma que lhe
garante a dedução. No mais, a tese adotada nesse caso choca-se com o preceito do art. 6º do
Decreto-lei nº 1.598/77, cujo sentido e alcance foram devidamente explicitados pelo Parecer
Normativo COSIT 02/96, conforme exposto no item 7.7 deste Livro. No exemplo acima, a
suspensão da exigibilidade só ocorreu em 2008 e os fatos tributáveis ocorreram em 2002 a 2006;
logo, parece cristalino que a norma determinante da suspensão não incidiu enquanto não foi
apresentada a impugnação no prazo legal – em 2008 –, ao passo que a norma impositiva da
obrigação tributária e a norma autorizadora da dedução incidiram antes disso, quando o
contribuinte entrou em estado de mora. Para refutar essa ilação, basta ler a parte final do texto do
item 16 da Solução de Consulta nº 11, COSIT, de 16 de fevereiro de 2016: “Frise-se que o não
reconhecimento contábil dos tributos no momento oportuno não tem o condão de subverter a
lógica do regime de competência de modo a admitir-se como ocorrida a despesa em posterior,
quando do seu registro. A despesa refere-se ao período em que incorrida, pouco importando o
instante em que o contribuinte admite contabilmente a sua existência”.
19.2SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Em razão do disposto no § 1º do art. 344 do RIR/99, não são dedutíveis os valores relativos
aos tributos cuja prestação não é temporariamente exigida em face do advento de causa suspensiva
de sua exigibilidade, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 do CTN.
O fundamento legal do preceito é o § 1º do art. 41 da Lei nº 8.981/95, que tem o seguinte
enunciado:
“Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real,
segundo o regime de competência.
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja
exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 da Lei nº
5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial.”
O preceito transcrito superou e revogou a regra que regia a matéria até então, o art. 8º da Lei
nº 8.541/92, que tinha a seguinte redação:
“Art. 8º Serão consideradas como redução indevida do lucro real, de conformidade
com as disposições contidas no art. 6º, § 5º, alínea b, do Decreto-Lei nº 1.598, de
26 de dezembro de 1977, as importâncias contabilizadas como custo ou despesa,
relativas a tributos ou contribuições, sua respectiva atualização monetária e as
multas, juros e outros encargos, cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do
art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial
em garantia.”
Como se vê, o preceito da Lei de 1992 era muito mais abrangente, de modo a vedar a
dedução do valor das despesas relativas a tributos e contribuições e, ainda, da atualização
monetária, dos juros e das multas. De acordo com a norma vigente, apenas os valores relativos a
tributos e contribuições não podem ser imediatamente deduzidos se advier a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário em certas circunstâncias.
As hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário estão delineadas no art. 151
do CTN, o qual, depois de modificado pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001,
passou a ter o seguinte enunciado:
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
I – a moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança;
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de
ação judicial;
VI – o parcelamento.”
A aplicação prática da regra prevista no § 1º do art. 344 do RIR/99 tem suscitado algumas
dúvidas a respeito do seu sentido e alcance especialmente no que diz respeito à dedução dos
tributos (e eventuais acréscimos a título de multa e juros) que deixaram de ser pagos em razão da
existência de questionamento, por parte do sujeito passivo, perante o Poder Judiciário. As
referidas dúvidas surgem em função de alguns argumentos que são esgrimidos – todos
desfavoráveis aos contribuintes – no sentido de que: (a) havendo questionamento de alguma
norma, a obrigação tributária nascida da incidência da mesma constitui mera provisão; (b) os juros
de mora e a multa de mora qualificam-se como acessórios do principal (o valor do tributo devido)
e, por tal razão, seguem a mesma sorte deste; ou seja, não são dedutíveis porque também ostentam
o caráter de provisão.
As discussões em torno do caráter da despesa (se constitui ou não espécie de “provisão”)
obscurecem o que é mais importante; a determinação do sentido e do alcance da regra do § 1º do
art. 41 da Lei nº 8.981, que faz expressa remissão aos itens II a IV1 do art. 151 do CTN. Logo, em
princípio, as normas do citado preceito não alcançam as hipóteses de suspensão da exigibilidade
em razão de moratória e parcelamento. A aplicação dessa regra deve ser feita concomitantemente
com a regra do caput do art. 41, porquanto a norma do parágrafo recorta o campo de incidência
da regra do caput nos casos que, em tese, ambas as normas possam ser aplicadas a um mesmo
fato.
Em caso de suspensão da exigibilidade em razão da efetivação de depósito do montante
integral na forma do item II do art. 151 do CTN, é necessário considerar as diversas situações em
que esse depósito poderá vir a ser feito. O depósito, como é notório, deve ser feito na data do
vencimento do crédito tributário, mas pode ocorrer que ele seja feito a posteriori, com a agregação
do valor das penalidades pecuniárias cabíveis. Logo, em princípio, a causa suspensiva – o depósito
objetivamente considerado – é feito depois da ocorrência do fato gerador, que é o evento
determinante da incidência da norma que autoriza a dedução; isso significa dizer que, em tais
circunstâncias, a norma do § 1º não incide se a regra do caput já exauriu seus efeitos. A ocorrência
do fato determinante da dedução atrai a incidência incondicional da norma que a autoriza e esta
não pode ser revertida porque em nenhum momento as regras da Lei nº 8.981 exigem tal reversão.
Diferente consequência ocorre nos casos em que o depósito ocorre durante a vigência de medida
liminar ou de tutela antecipatória, na forma do disposto nos itens IV e V do art. 151 do CTN; em
tais circunstâncias, a dedução não é autorizada, porquanto a norma do caput do art. 41 não incidiu
em razão da eficácia da norma atributiva da suspensão da exigibilidade em razão da vigência da
norma atributiva da suspensão da exigibilidade em razão da medida liminar ou tutela antecipada.
Nesses casos, as normas sobre suspensão da exigibilidade se sucedem no tempo sem interrupção
da eficácia e de modo a impedir a aplicação da norma do caput do art. 41 da Lei nº 8.981.
Em caso de suspensão da exigibilidade por força do disposto no item III do art. 151 do CTN,
quando da apresentação de recursos, a norma do caput do art. 41 que autoriza a dedução desde a
ocorrência do fato gerador já terá produzido os seus regulares efeitos. Com efeito, a apresentação
de qualquer espécie de reclamação perante a administração é fato posterior ao exaurimento dos
efeitos da regra do caput do art. 41 da Lei nº 8.981, e que exclui a incidência da norma do § 1º.
Em suma, como regra geral, a incidência da norma do 1º só ocorre nos casos em que o fato gerador
do tributo vier a acontecer enquanto estiver em vigor norma atributiva da suspensão da
exigibilidade do crédito tributário. Trata-se da pura simples aplicação do princípio hermenêutico
segundo o qual “tempus regit actum”, ou seja, a norma aplicável é aquela que estiver em vigor na
data da ocorrência dos fatos que ela pretende regular.
Nas hipóteses previstas nos itens IV e V do art. 151 do CTN, é possível que a obrigação
tributária nasça quando em vigor uma norma atributiva da suspensão da exigibilidade. Nesses
casos, a norma do § 1º é a que deve ser aplicada, de modo que a dedução não estará autorizada
enquanto vigorar a norma atributiva da suspensão da exigibilidade. Cessados os efeitos da norma
que determina a suspensão da exigibilidade, a dedução integral (valores relativos ao passado e
futuro) passa a ser autorizada para os tributos que são normalmente dedutíveis mesmo antes do
eventual ajuizamento de ação executiva por parte da Fazenda Pública ou do pagamento ou
solicitação de parcelamento por parte do devedor.
Em razão de todo o exposto, parece cristalino que o uso do vocábulo “provisão” é
inadequado porque a norma do § 1º do art. 41 da Lei nº 8.981 não o emprega como também não
a utiliza o art. 131 da IN 1.700/17, que foi editada para regulamentar a aplicação das normas
tributárias vigentes. Portanto, o que há é mera similitude de efeitos tributários: é verdade que a
proibição veiculada pelo § 1º do art. 41 da Lei nº 8.981 produz efeitos idênticos aos de uma
provisão nas hipóteses ali mencionadas, mas o intérprete não pode aplicar a norma sobre dedução
de provisão quando há norma cogente específica sobre o que deve ser feito em cada caso. Assim
sendo, depois do advento desse ato normativo, a fiscalização está proibida de utilizar argumentos
para justificar a formação de provisão.2 Portanto, o que há é mera similitude de efeitos tributários:
é verdade que a proibição veiculada pelo § 1º do art. 41 da Lei nº 8.981 produz efeitos idênticos
aos de uma provisão nas hipóteses ali mencionadas, mas o intérprete não pode aplicar a norma
sobre dedução de provisão quando há norma cogente específica sobre o que deve ser feito em
cada caso.
Além das razões expostas, é necessário considerar que o conceito normativo de provisão foi
aperfeiçoado pelo texto do item 10 do Pronunciamento Técnico CPC 25, assim redigido:
“Provisão é um passivo de prazo ou de valor incertos”. De acordo com esse conceito, nenhuma
obrigação tributária pode ser considerada como uma provisão porque tem prazo e valor
determinado; o prazo é identificado porque decorre da lei, de modo que o valor exigido no
lançamento decorre de dívida vencida, e o valor é determinado pela autoridade fiscal com base
nos critérios estabelecidos na lei e que – com o lançamento – constitui o crédito tributário. Enfim,
não há incerteza acerca da existência e do vencimento do débito, a incerteza recai sobre a virtual
modificação ou anulação do lançamento que fica a depender do acolhimento total ou parcial das
razões apresentadas pelo contribuinte, em juízo ou perante a administração tributária.
19.3IMPOSTO DE RENDA E CSLL
Na determinação do lucro real, a pessoa jurídica não poderá deduzir como custo ou despesa
o Imposto de Renda de que for sujeito passivo como contribuinte ou como responsável em
substituição ao contribuinte. A partir de 1º de janeiro de 1997, o valor da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL) não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real.
Essa determinação ofende o princípio da proporcionalidade, porque não existe um motivo
razoável para esse tratamento discricionário. Se os demais tributos são dedutíveis, e não existem
boas razões que justifiquem essa discriminação, então ela é arbitrária.
19.4ASSUNÇÃO DO ÔNUS TRIBUTÁRIO
Diz a regra do § 3º do art. 344 do RIR que a dedutibilidade, como custo ou despesa, de
rendimentos pagos ou creditados a terceiros, abrange o imposto sobre os rendimentos que o
contribuinte, como fonte pagadora, tiver o dever legal de reter e recolher, ainda que assuma o
ônus do imposto. Isso significa dizer que o valor do tributo que vier a compor o valor da operação
(via de regra o preço pactuado) terá sua dedução autorizada ou negada de acordo com a sorte do
gasto; em outras palavras, se o gasto é dedutível, o valor do imposto também é. O valor do tributo,
em tais casos, por ficção legal, é equiparado ao próprio gasto, isto é, adquire a mesma natureza
deste e, assim, submete-se aos critérios de dedutibilidade de cunho material (necessidade,
usualidade etc.); temporal (dedução segundo o regime de caixa ou de competência); e quantitativo
(submete-se aos limites impostos ao gasto).
A regra menciona apenas o imposto sobre o rendimento, o que poderia dar a impressão de
que a eventual assunção do ônus de outros tributos e contribuições não seria dedutível. Na falta
de norma expressa restritiva do direito de dedução, aplica-se a regra geral segundo a qual os
tributos são dedutíveis segundo o regime de competência. São descabidas, por outro lado,
conjecturas isoladas acerca da necessidade da assunção do encargo tributário em si considerada;
a análise deve ser feita em conjunto com a natureza do gasto, de modo que, se ele for dedutível,
o valor do tributo ou contribuição também será.
Uma outra questão que pode surgir é sobre o alcance da palavra terceirocontida no
enunciado do texto legal em análise. Podem surgir dúvidas se a regra alcança os casos em que a
assunção do ônus tributário é feita por pessoa ligada à pessoa jurídica. O vocábulo, nesse contexto,
abrange todo e qualquer prestador de serviços ou fornecedor de bens, de modo que alcança a todos
sem distinção. Se alguma restrição houvesse, ela deveria ser ostensivamente indicada na norma
em homenagem ao princípio da estrita legalidade.
19.5TRIBUTOS PAGOS NA AQUISIÇÃO DE BENS DO ATIVO
PERMANENTE
Estabelece o § 4º do art. 344 do RIR que os impostos pagos pela pessoa jurídica na aquisição
de bens do Ativo Permanente poderão, a seu critério, ser registrados como custo de aquisição ou
deduzidos como despesas operacionais, salvo os pagos na importação de bens que se acrescerão
ao custo de aquisição.
A dedução está atrelada ao pagamento e, segundo o Parecer Normativo CST nº 2/79, abrange
apenas os impostos de que a pessoa jurídica adquirente dos bens seja a contribuinte, razão pela
qual (diz o parecer citado) não alcança os tributos não recuperáveis que são cobrados juntamente
com o preço, tais como: ICMS, IPI, ISS etc. Por expressa previsão legal, a norma não abrange os
impostos pagos na importação dos bens.
O art. 32 da Lei nº 10.865/04 estabelece que as contribuições sociais incidentes sobre o
faturamento ou receita bruta e sobre o valor das importações, pagas pela pessoa jurídica na
aquisição de bens destinados ao Ativo Permanente, serão acrescidas ao custo de aquisição.
19.6MULTAS
Nos exatos termos do § 5º do art. 344 do RIR, não são dedutíveis como custo ou despesas
operacionais as multas por infrações fiscais, salvo as de natureza compensatória e as impostas por
infrações que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo. Esse mandamento é
repetido no enunciado do art. 132 da IN 1.700/17; em seguida, o art. 133 é claro ao dispor que:
“as multas impostas por transgressões de leis de natureza não tributária são indedutíveis como
custo ou despesas operacionais”. A interpretação conjugada desses preceitos permite concluir
que: (a) as multas tributárias de natureza compensatória são dedutíveis, assim como são as multas
por transgressão às normas que dispõem sobre obrigações acessórias; (b) não são dedutíveis as
multas por infração à legislação tributária que não tenham natureza compensatória e que, em
qualquer caso, decorra da falta ou insuficiência de pagamento de tributo; e (c) não podem ser
deduzidas as multas de qualquer natureza que decorram da transgressão a normas não tributárias.
O teste acerca da possibilidade ou não de dedução deve ser feito por ocasião da ocorrência
da mutação patrimonial, ou seja, quando da ocorrência da transgressão; por isso, a dedução –
quando autorizada – ocorre independentemente do pagamento. Tributo, nesse contexto, abrange
os impostos, as taxas, as contribuições em geral (de melhoria e contribuições sociais ou de
intervenção no domínio econômico) e empréstimos compulsórios. Interpretada de modo literal, a
norma não permite a dedução de multas sobre prestações compulsórias instituídas por lei como
são, por exemplo, a contribuição ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e a Contribuição
sob a forma de royalties sobre minerais etc. Essas exações não ostentam natureza tributária.
Segundo a orientação contida no Parecer Normativo CST nº 61/79, multa de natureza
compensatória destina-se a compensar o sujeito ativo da obrigação tributária pelo prejuízo
suportado em virtude do atraso no pagamento que lhe era devido; aí se enquadram as chamadas
multas de mora. Delas diferem as multas que a administração tributária rotula como punitivas, e
que são assim consideradas as propostas por ocasião do lançamento de ofício pela autoridade
administrativa e cuja aplicação é excluída pela denúncia espontânea a que se refere o art. 138, do
Código Tributário Nacional, em que o arrependimento, oportuno e formal, da prática da infração,
faz cessar o motivo de punir.
O enunciado do art. 133 da IN 1.700/17 não tem correspondência e norma alguma do art. 41
(caput e §§) da Lei nº 8.981/95. A existência de uma norma com esse mandamento permite a
conclusão oposta à preconizada pelo art. 133 da IN 1.700/17: assim, se as normas dispõem apenas
sobre multas tributárias, todas as demais se submetem às regras gerais de dedução de despesas.
Logo, é possível cogitar que a norma introduzida pela referida IN é ilegal. Se não fosse isso, a
interpretação literal desse preceito conduziria à conclusão de não são dedutíveis as multas por
transgressão às leis de ordem pública como são as impostas por infração às normas sobre direitos
do consumidor e sobre o meio ambiente e também não poderiam ser deduzidas as multas
contratuais em razão do inadimplemento de obrigações assumidas em regime de direito público
ou privado.
A interpretação literal não é a mais adequada, tendo em vista a questão da ilegalidade acima
referida e também o fato de que as valorações feitas pelo legislador indicam que a norma
pretendeu negar a dedução apenas e tão somente das multas que não tenham caráter
compensatório na forma explicitada no Parecer Normativo CST nº 61/79. Logo, é possível cogitar
da adoção de uma espécie de “redução teleológica” do sentido da norma para retirar do seu campo
de incidência as multas cuja finalidade é compensar o Estado ou a outra parte em razão do
inadimplemento de uma obrigação. Ao eleger o caráter compensatório da multa fiscal para
permitir a dedução, o legislador indica que essa característica pode ser utilizada para justificar a
dedução de outras multas infligidas com a mesma finalidade; logo, parece certo que a dedução
das demais multas estará assegurada sempre que elas tiverem compatibilidade estrutural e
teleológica com as multas fiscais dedutíveis. Essa afinidade é encontrada no texto do Parecer
Normativo CST 61/79, que explica que a dedução de multas fiscais moratórias é aceitável,
porquanto elas a compensar a vítima; disso é possível extrair a conclusão de que as demais multas
são dedutíveis quando visarem a compensar o ofendido em razão do comportamento ilícito.
Portanto, em linha com o estabelecido para as multas tributárias, as multas de caráter
moratório de quaisquer naturezas são dedutíveis. Afinal, vivemos numa sociedade onde o risco
de vulneração de normas é algo impossível; assim, cumpre lembrar a decisão proferida pelo
CARF no acórdão nº 1401-002.031, de 20 de novembro de 2017, em que se lê: “É da natureza da
prática empresarial submeter-se ao imponderável, inclusive no âmbito dos deveres jurídicos. Para
o exercício de atividades econômicas, é absolutamente necessário atirar-se num vasto campo do
imprevisível e suportar as suas consequências, inclusive aquelas de índole punitiva. Na verdade,
podemos dizer com a mais absoluta segurança que é praticamente impossível, em muitos setores
econômicos, conseguir guiar um empreendimento sem arcar com multas impostas pela
administração pública. O risco faz parte do negócio, e suas consequências também, inclusive
aquelas de cunho pecuniário punitivo. Desse modo, das multas impostas pela Administração
Pública correlatas ao exercício da atividade do empresário, apenas aquelas decorrentes do
descumprimento de obrigações tributárias principais não são dedutíveis em razão de expressa
previsão legal (§ 5º, art. 41, Lei nº 8.981/95)”.
19.7JUROS DE MORA
O art. 41 da Lei nº 8.981/95 não trata da dedução de juros de mora. Na falta de regra
específica, podem ser deduzidos os valores relativos aos juros de mora incidentes sobre obrigação
tributária não cumprida no devido tempo. Os juros de mora têm qualificação jurídica própria
embora, juntamente com as demais penalidades pecuniárias, irão compor o montante do crédito
tributário. Além disso, o juro moratório não é um simples acessório da obrigação tributária
principal porquanto diverso o pressuposto de sua exigência; dessa maneira, a sua dedutibilidade
não está atrelada à possibilidade de dedução do valor do tributo que deu origem à obrigação não
satisfeita no devido tempo.
Juro de mora não é acessório do tributo, porque ele não é um elemento necessário neste:
pode existir tributo devido e crédito tributário extinto sem que sejam devidos ou pagos juros de
mora. Ademais, a causa do juro não tem supedâneo no fato gerador: o dever de pagá-los é
consequência do descumprimento do dever de prestar (pagar o tributo devido) no prazo estipulado
em lei. Com efeito, de acordo com o enunciado do art. 161 do CTN:
“o crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora,
seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas
nesta lei ou em lei tributária.”
Ainda que se admita, para argumentar, que os juros são bens acessórios da obrigação
principal, o fato é que o CTN nega essa natureza ao dispor que o montante dos juros devidos
integre o crédito tributário com seus privilégios e eventuais vicissitudes. Os juros, como
penalidades pecuniárias que são, integram a obrigação tributária principal, por força do § 1º do
art. 113 do CTN.
Na linguagem contábil e fiscal, os juros de mora incidentes sobre débitos tributários
qualificam-se como “despesas financeiras”. No Parecer Normativo nº 174/74, encontramos o
seguinte enunciado:
“8. No que tange a juros de mora, por se tratar de compensação pelo atraso na
liquidação de débitos, caracterizam-se como despesa financeira, e, como tal são
dedutíveis.”
Portanto, parece claro que os juros de mora são dedutíveis em qualquer circunstância em
que esteja caracterizada a mora e, portanto, a dedução seria autorizada sempre que o seu “fato
gerador” ocorresse. Esse “fato” é a mora que é a causa do juro e, também, a condição necessária
e suficiente para determinar a sua exigibilidade e, portanto, tornar a despesa incorrida e, por
conseguinte, dedutível. Disto decorre que se a legislação vigente considera que há mora no
período da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, então os juros incorridos naquele
período são considerados incorridos e aptos a serem considerados dedutíveis.
Há um argumento adicional em favor da dedução dos juros, que pode ser justificada em face
do disposto no art. 52 da Lei nº 9.069/95, que permite a dedução do valor das variações monetárias
sobre tributos não pagos. A jurisprudência do STJ é firme3 no sentido de que os juros de mora
com base na SELIC embutem uma parcela relativa à correção monetária, e, deste modo, a
aplicação dessa regra vem reafirmar a possibilidade de dedução dos juros de acordo com o regime
de competência, ou seja, a partir do momento da ocorrência da mora e enquanto ela perdurar.
A Solução de Consulta 208/15 dispôs que não são dedutíveis os juros incidentes sobre a
multa de ofício cobrada sobre o valor do ICMS não recolhido. Nesse caso, prevaleceu, uma vez
mais, a ideia de que os juros são simples acessórios, o que – como demonstrado – é um erro.
1A Lei nº 8.981/95 foi editada antes do advento da Lei Complementar que modificou o texto
original do art. 151 do CTN para incluir a “concessão de liminar ou tutela antecipada” como
causa de suspensão da exigibilidade. O art. da IN 1.700/17 considera que essa nova hipótese
atrai a aplicação do preceito do § 1º do art. 41 da Lei nº 8.981/95, e isto parece razoável com
base no velho adágio “onde os mesmos fatos, o mesmo direito”.
2A rigor, a norma regulamentar sedimentou o entendimento da Receita Federal do Brasil sobre
as questões tratadas na IN 1.700/17. Portanto, se norma não utiliza o vocábulo “provisão”, ela
não mais permite que as autoridades fiscais venham a utilizá-la sob pena de cometimento de
falta funcional já que o ato também se destina à administração e foi editado por autoridade de
hierarquia superior no sistema da administração federal.
3Vide Recurso Especial nº 879.844, julgado em 11 de novembro de 2011.
20.1DESPESAS COM PESQUISAS CIENTÍFICAS OU
TECNOLÓGICAS
Na forma do art. 349 do RIR/99, serão admitidas como operacionais as despesas com
pesquisas científicas ou tecnológicas, inclusive com experimentação para criação ou
aperfeiçoamento de produtos, processos, fórmulas e técnicas de produção, administração ou
venda, quando elas não tiverem sido diferidas. Serão igualmente dedutíveis as despesas com
prospecção e cubagem de jazidas ou depósitos, realizadas por concessionários de pesquisa ou
lavra de minérios, sob a orientação técnica de engenheiro de minas.
Todavia, não serão incluídas como despesas operacionais as inversões de capital em
terrenos, instalações fixas ou equipamentos adquiridos para as pesquisas antes referidas, mas
poderá ser deduzida como despesa a depreciação ou o valor residual de equipamentos ou
instalações industriais no período de apuração em que a pesquisa for abandonada por insucesso,
computado como receita o valor do salvado dos referidos bens.
Na forma do art. 350 do RIR/99, poderão ser deduzidas como operacionais as despesas que
as pessoas jurídicas efetuarem direta ou indiretamente: (a) na pesquisa de recursos naturais,
inclusive prospecção de minerais, desde que realizadas na área de atuação da extinta
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em projetos por ela aprovados;
e (b) na pesquisa de recursos pesqueiros, desde que realizadas de acordo com projeto previamente
aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA).
Assim, gastos que normalmente deveriam ser contabilizados em conta de Ativo Diferido
podem ser imputados diretamente em despesas. Trata-se de mais um incentivo financeiro, que o
contribuinte utiliza se quiser. Com isso, queremos afirmar que a contabilização de tais gastos no
Ativo Diferido não está proibida.
As despesas com pesquisas científicas e tecnológicas têm características próprias de um
investimento na medida em que os gastos visam a criar utilidades que possam modificar a
aparência ou funcionalidade dos produtos existentes e criar novos produtos e aperfeiçoar
processos de fabricação, produção ou comercialização, o que inclui a logística de movimentação
de bens e pessoas.
Toda empresa que aspira ao crescimento deve investir em inovação de seus produtos e
processos de produção e distribuição. Em sentido comum, inovar significa criar coisas novas e
não conhecidas no mercado. Melhoria, por outro lado, é qualquer modificação criada em
determinado produto ou serviço de modo a mantê-lo em condições de permanecer no mercado
com a geração de lucro. Na Lei nº 11.196/05, há uma definição normativa do que seja considerada
uma inovação tecnológica, nos seguintes termos:
“§ 1º Considera-se inovação tecnológica a concepção de novo produto ou processo
de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características
ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de
qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.”
O que move as empresas para a inovação é a busca da eficiência, de modo que a busca por
novas fórmulas operacionais ou negociais é uma necessidade para toda empresa que atua num
mercado competitivo.
20.2ALUGUÉIS, ROYALTIES E ASSISTÊNCIA TÉCNICA, CIENTÍFICA
OU ADMINISTRATIVA
Nos arts. 351 a 355 do RIR/99 estão agrupadas as regras sobre a dedutibilidade de
aluguéis, royalties e assistência técnica, científica ou administrativa.
Assim, na forma do art. 351, a dedução de despesas com aluguéis será admitida: (a) quando
necessárias para que o contribuinte mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz
o rendimento; e (b) se o aluguel não constituir aplicação de capital na aquisição do bem ou direito,
nem distribuição disfarçada de lucros. Por outro lado, não são dedutíveis os valores relativos a
aluguéis pagos a sócios ou dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes, em relação
à parcela que exceder ao preço ou valor de mercado; e, ainda, as importâncias pagas a terceiros
para adquirir os direitos de uso de um bem ou direito e os pagamentos para extensão ou
modificação de contrato, que constituirão aplicação de capital amortizável durante o prazo do
contrato.
Note-se que as despesas de aluguel de bens móveis ou imóveis somente serão dedutíveis
quando relacionadas intrinsecamente com a produção ou comercialização dos bens e serviços.
Por seu turno, o art. 352 do RIR/99 trata da dedução de gastos a título de royalties. Assim,
a dedução de despesas a esse título será admitida quando necessárias para que o contribuinte
mantenha a posse, uso ou fruição do bem ou direito que produz o rendimento. Todavia, em face
do disposto no art. 353, não são dedutíveis: (a) os valores pagos a sócios, pessoas físicas ou
jurídicas, ou dirigentes de empresas, e a seus parentes ou dependentes; e (b) as importâncias pagas
a terceiros para adquirir os direitos de uso de um bem ou direito e os pagamentos para extensão
ou modificação do contrato, que constituirão aplicação de capital amortizável durante o prazo do
contrato. Não são dedutíveis, também, os valores correspondentes aos royalties pelo uso de
patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação, ou pelo uso de marcas de indústria ou
de comércio, quando: (a) pagos pela filial no Brasil de empresa com sede no exterior, em benefício
de sua matriz; e (b) pagos, pela sociedade com sede no Brasil, a pessoa com domicílio no exterior
que mantenha, direta ou indiretamente, controle do seu capital com direito a voto, exceto em
relação aos contratos que, posteriormente a 31 de dezembro de 1991, sejam averbados no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrados no Banco Central do Brasil, observados
os limites e condições estabelecidos pela legislação em vigor. Essa regra foi estabelecida pelo art.
50 da Lei nº 8.383/91.
Da mesma forma, não são dedutíveis os valores relativos a royalties pelo uso de patentes de
invenção, processos e fórmulas de fabricação pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no
exterior: (a) que não sejam objeto de contrato registrado no Banco Central do Brasil; ou (b) cujos
montantes excedam aos limites periodicamente fixados pelo Ministro de Estado da Fazenda para
cada grupo de atividades ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade, e em conformidade
com a legislação específica sobre remessas de valores para o exterior. Esses limites estão
definidos nas Portarias nos 436/58, 113/59, 314/70 e 60/94.
Também não podem ser deduzidos os valores pertinentes a royalties pelo uso de marcas de
indústria e comércio, que forem pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior: (a)
que não sejam objeto de contrato registrado no Banco Central do Brasil; ou (b) cujos montantes
excedam aos limites periodicamente fixados pelo Ministro de Estado da Fazenda para cada grupo
de atividades ou produtos, segundo o grau da sua essencialidade e em conformidade com a
legislação específica sobre remessas de valores para o exterior. O limite, nesse caso, é de 1% (um
por cento), e foi fixado pela Portaria nº 436/58.
No que tange à dedutibilidade de valores pagos ou creditados a título de remuneração por
Assistência Técnica, Científica ou Administrativa, o art. 354 do RIR/99 estabelece que as
importâncias pagas a pessoas jurídicas ou físicas domiciliadas no exterior a título de assistência
técnica, científica, administrativa ou semelhante, quer fixas, quer como percentagem da receita
ou do lucro, somente poderão ser deduzidas como despesas operacionais quando satisfizerem aos
seguintes requisitos:
(a)constarem de contrato registrado no Banco Central do Brasil;
(b)corresponderem a serviços efetivamente prestados à empresa através de técnicos,
desenhos ou instruções enviadas ao país, ou estudos técnicos realizados no exterior
por conta da empresa;
(c)o montante anual dos pagamentos não exceder ao limite fixado por ato do
Ministro de Estado da Fazenda, de conformidade com a legislação específica.
As despesas de assistência técnica, científica, administrativa, e semelhantes, somente
poderão ser deduzidas nos cinco primeiros anos de funcionamento da empresa ou da introdução
do processo especial de produção, quando demonstrada sua necessidade, podendo esse prazo ser
prorrogado até mais cinco anos por autorização do Conselho Monetário Nacional.
Todavia, não serão dedutíveis as despesas que o contribuinte vier a suportar a título de
remuneração por assistência técnica, científica ou administrativa quando pagas ou creditadas: (a)
pela filial de empresa com sede no exterior, em benefício da sua matriz; e (b) pela sociedade com
sede no Brasil a pessoa domiciliada no exterior que mantenha, direta ou indiretamente, o controle
de seu capital com direito a voto, mas essa restrição não se aplica às despesas decorrentes de
contratos que, posteriormente a 31 de dezembro de 1991, venham a ser assinados, averbados no
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrados no Banco Central do Brasil,
observados os limites e condições estabelecidos pela legislação em vigor.
De acordo com a Decisão nº 124, de 12 de maio de 1999, da 7ª Região Fiscal, publicada
no Diário Oficial da União, de 3 de agosto de 1999, não estão sujeitos aos limites de
dedutibilidades estabelecidos nos arts. 354 e 355 do RIR/99 os valores pagos a título de
remuneração por transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou
semelhante) se o beneficiário, com sede no exterior, coloca à disposição do contribuinte técnicos
especializados. Nesse caso, segundo a referida decisão, o critério de dedutibilidade é o geral,
previsto no art. 299 do RIR/99. Em decisão proferida em 1º de julho de 2004, ao apreciar o
Recurso nº 135.297 (acórdão nº 107-07.713), o Conselho Contribuintes disse que os limites de
dedução acima mencionados não aplicam aos valores pagos a sociedade controladora como
remuneração pela licença de comercialização de softwares. Em outra ocasião, no acórdão nº 1402-
00.404, de 21.01.11, o CARF decidiu que a revenda de software sem a transferência de tecnologia
com a entrega do código-fonte deve ser considerada como operação mercantil como outra
qualquer, e, deste modo, os pagamentos para o fornecedor, cujo contrato é de licença de uso ou
de comercialização/ distribuição, correspondem ao custo da mercadoria e não são
considerados royalties para o efeito de aplicação dos limites previstos na Lei 4.506/64.
20.2.1Limitação em função da receita líquida de vendas
Diz o art. 355 do RIR/99 que as somas das quantias devidas a título de royalties pela
exploração de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por
assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante não poderão ser deduzidas como
despesas operacionais até o limite máximo de cinco por cento da receita líquida das vendas do
produto fabricado ou vendido.
Serão estabelecidos e revistos periodicamente, mediante ato do Ministro de Estado da
Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções referidas, considerados os tipos
de produção ou atividades reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.
Uma antiga celeuma existe a respeito dos limites de dedução dos royalties em razão da
residência ou domicílio do beneficiário. Em decisão proferida por ocasião do julgamento do
Recurso Extraordinário nº 104.368-7, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os limites de
dedutibilidade deveriam ser aplicados tanto aos pagamentos feitos a residentes ou domiciliados
no Brasil como no exterior, sob o argumento de que o art. 71 da Lei nº 4.506/64 não houvera
revogado o preceito do art. 74 da Lei nº 3.470/58.
No âmbito administrativo, a questão foi decidida em outro sentido. De fato, quando do
julgamento do Recurso nº 103-121293, a Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais
decidiu que o art. 71 da Lei nº 4.560/64 deu nova redação ao art. 74 da Lei nº 3.470/58, operando-
se a revogação tácita (LINDB, art. 2º, § 1º). Logo, de acordo com esta decisão, que foi
posteriormente adotada em diversos outros julgamentos naquele Tribunal, não deve ser aplicado
o limite de dedução em relação aos valores pagos ou creditados a beneficiário com sede ou
domicílio no Brasil. Em 19 de agosto de 2002 a matéria foi julgada pela Câmara Superior de
Recursos Fiscais, quando da apreciação do Recurso RD/103-01.012 (acórdão CSRF/01-04.046,
de 19.08.02), que manteve esse entendimento.
20.2.2Registro no INPI
A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título de
aluguéis ou royalties pela exploração ou cessão de patentes ou pelo uso ou cessão de marcas, bem
como a título de remuneração que envolva transferência de tecnologia (assistência técnica,
científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados), somente
será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato no Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (INPI), obedecidos o prazo e as condições da averbação e, ainda, as demais
prescrições pertinentes, na forma da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.
Já vimos que ao Fisco é defeso, por outro lado, desconsiderar, sem razão jurídica sólida, os
juízos de valor realizados por outros órgãos estatais dentro do campo da competência que lhes for
reservada pelo ordenamento jurídico. Assim, é considerada correta e bem lançada a decisão
proferida pela 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº
127.268, em 17 de abril de 2002. Naquela ocasião, aquele tribunal decidiu que, “sendo o INPI o
órgão técnico especializado para efetuar o registro e proteção dos direitos relativos à propriedade
industrial, e competindo ao mesmo averbar os contratos que impliquem transferência de
tecnologia, a fim de legitimar os pagamentos deles decorrentes e permitir, quando for o caso, a
dedutibilidade fiscal, referida averbação implica presunção da efetividade e necessidade da
transferência, presunção essa que pode ser elidida pela fiscalização, desde que traga provas em
sentido contrário”.
É certo que as autoridades fiscais têm o poder-dever de aquilatar a efetividade da despesa,
mas não podem, sem razões jurídicas sólidas, negar a eficácia de outro ato estatal, sob pena de
estarem revogando ou anulando ato administrativo de competência de outra autoridade e que goza
de presunção de legitimidade e validade até que possa ser anulado pela autoridade competente ou
pelo Poder Judiciário.
20.3CONTRAPRESTAÇÕES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL
Na forma do art. 356 do RIR/99, poderão ser consideradas, como custo ou despesa
operacional dedutível pela pessoa jurídica arrendatária, as contraprestações pagas ou creditadas
por força de contrato de arrendamento mercantil celebrado na forma do ordenamento jurídico
vigente.
Todavia, a aquisição, pelo arrendatário, de bens arrendados em desacordo com as
disposições da Lei nº 6.099, de 1974, com as alterações da Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983,
será considerada operação de compra e venda a prestação, e como tal deve ser tratada para fins
fiscais. Nesse caso, o preço de compra e venda será o total das contraprestações pagas durante a
vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição.
Se isso ocorrer, as importâncias já deduzidas, pela adquirente, como custo ou despesa
operacional, serão adicionadas ao lucro líquido, para efeito de determinação do lucro real, no
período de apuração em que foi efetuada a respectiva dedução. O imposto devido será recolhido
com acréscimo de juros e multa, observado o disposto no art. 874 do RIR/99, quando for o caso.
O texto regulamentar silencia sobre a possibilidade de exclusão futura, dos valores revertidos para
fins fiscais acima. Trata-se de exigência lógica insofismável. De fato, se o contrato de
arrendamento mercantil vier a ser considerado como de compra e de venda, não é impeditivo para
dedutibilidade do valor pago via depreciação ou baixa do bem. Portanto, a exclusão é medida que
se impõe.
Por outro lado, as contraprestações de arrendamento mercantil somente serão dedutíveis
quando o bem arrendado estiver relacionado intrinsecamente com a produção e comercialização
dos bens e serviços. Esse é o mandamento do inciso II do art. 13 da Lei nº 9.249/95. Bens que
estejam intrinsecamente relacionados com a produção e comercialização são os indispensáveis ao
bom andamento da empresa, vale dizer, os que contribuem diretamente para a manutenção da
fonte produtora. Nesses termos, o vocábulo intrinsecamente reforça o conteúdo pragmático da
“necessidade”, reduzindo-lhe a amplitude.
O art. 47 da Lei nº 12.973/14 estipula que os valores das contraprestações de contratos de
arrendamento mercantil são dedutíveis se os bens arrendados (móveis ou imóveis) sejam
intrinsecamente relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços, inclusive
as despesas financeiras embutidas no valor da contraprestação. Por outro lado, em face do
disposto no art. 48 da citada Lei, as demais despesas financeiras, inclusive as decorrentes de ajuste
ao valor presente, não podem ser deduzidas para fins de apuração do IRPJ.
20.4REMUNERAÇÃO PAGA A FRANQUEADOR
Por meio do Ato Declaratório Interpretativo nº 2, de 22 de fevereiro de 2002, o Secretário
da Receita Federal esclareceu que a remuneração paga pelo franqueado ao franqueador é dedutível
da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, aplicando-se, cumulativamente, os
limites percentuais previstos nas portarias específicas do Ministro da Fazenda, para cada tipo
de royaltycontratado, classificando-os segundo as subdivisões daqueles atos administrativos. Diz
ainda que se aplica, ao caso, o limite máximo de cinco por cento previsto no art. 12 da Lei nº
4.131, de 3 de setembro de 1962, e no art. 6º do Decreto-lei nº 1.730, de 17 de dezembro de 1979.
20.5INCENTIVOS À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA
A Lei nº 10.637/02 instituiu uma série de incentivos fiscais à inovação tecnológica. Sobre o
assunto foi editado o Decreto nº 4.928/03.
De acordo com o art. 39 da Lei nº 10.637/02, as pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro
líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, as despesas operacionais
relativas aos dispêndios realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação
tecnológica de produtos. Para esse fim, considera-se inovação tecnológica a concepção de novo
produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou
características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e o efetivo ganho de
qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.
Os valores relativos aos dispêndios incorridos em instalações fixas e na aquisição de
aparelhos, máquinas e equipamentos, destinados à utilização em projetos de pesquisa e
desenvolvimentos tecnológicos, metrologia, normalização técnica e avaliação da conformidade,
aplicáveis a produtos, processos, sistemas e pessoal, procedimentos de autorização de registros,
licenças, homologações e suas formas correlatas, bem como relativos a procedimentos de
proteção de propriedade intelectual, poderão ser depreciados na forma da legislação vigente,
podendo o saldo não depreciado ser excluído na determinação do lucro real, no período de
apuração em que concluída sua utilização.
O valor do saldo excluído, na forma acima, deverá ser controlado na parte B do LALUR e
será adicionado, na determinação do lucro real, em cada período de apuração posterior, pelo valor
da depreciação normal que venha a ser contabilizada como despesa operacional. Para fins da
dedução, os dispêndios deverão ser controlados contabilmente em contas específicas,
individualizadas por projeto realizado.
No exercício de 2003, o benefício há pouco referido aplica-se também aos saldos, em 31 de
dezembro de 2002, das contas do Ativo Diferido, referentes a dispêndios realizados com pesquisa
tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica.
Sem prejuízo do gozo do referido benefício, a pessoa jurídica poderá, ainda, excluir, na
determinação do lucro real, valor equivalente a 100% (cem por cento) do dispêndio total de cada
projeto que venha a ser transformado em depósito de patente, devidamente registrado no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e, cumulativamente, em pelo menos uma das seguintes
entidades de exame reconhecidas pelo Tratado de Cooperação sobre Patentes (Patent
Cooperation Treaty – PCT):
“I – Departamento Europeu de Patentes (European Patent Office);
II – Departamento Japonês de Patentes (Japan Patent Office); ou
III – Departamento Norte-Americano de Patentes e Marcas (United States Patent
and Trade Mark Office).”
O valor que servirá de base para a exclusão deverá ser controlado na Parte B do LALUR,
por projeto, até que sejam satisfeitas as exigências previstas na Lei, quando poderá ser excluído
na determinação do lucro real. Os valores registrados deverão, a qualquer tempo, ser comprovados
por documentação idônea, que deverá estar à disposição da fiscalização da Secretaria da Receita
Federal.
Na forma do art. 42 da Lei nº 10.637/02, para convalidar a adequação dos dispêndios
efetuados, com vistas ao gozo do benefício fiscal previsto no art. 40, os projetos de
desenvolvimento de inovação tecnológica deverão ser submetidos à análise e aprovação do
Ministério da Ciência e Tecnologia, nos termos dispostos no § 5º do art. 4º da Lei nº 8.661/93.
Para o gozo dos benefícios fiscais citados, a pessoa jurídica deverá comprovar, quando for
o caso, o recolhimento da contribuição de intervenção no domínio econômico instituída pela Lei
nº 10.168/00, alterada pela Lei nº 10.332/01.
Os valores dos dispêndios a que se referem os arts. 39 e 40 da Lei nº 10.637/02 somente
poderão ser deduzidos se pagos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no país,
exceto os pagamentos destinados à obtenção e manutenção de patentes e marcas no exterior.
20.6INCENTIVOS À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA LEI NO11.196/05
A Lei nº 11.196/05 modificou o quadro normativo a respeito dos incentivos à inovação
tecnológica.
No âmbito da legislação do IRPJ e da CSLL, de acordo com o art. 17 da Lei nº 1.196/05, a
pessoa jurídica poderá usufruir incentivos fiscais de natureza temporária ou definitiva.
Em primeiro lugar, de acordo com o inciso I do art. 17, a pessoa jurídica poderá deduzir,
para efeito de apuração do lucro líquido, de valor correspondente à soma dos dispêndios
realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação
tecnológica classificáveis como despesas operacionais pela legislação do Imposto sobre a Renda
da Pessoa Jurídica (IRPJ). A dedução alcança os dispêndios com pesquisa tecnológica e
desenvolvimento de inovação tecnológica contratados no País com universidade, instituição de
pesquisa ou inventor independente de que trata o inciso IX do art. 2º da Lei nº 10.973/04, desde
que a pessoa jurídica que efetuou o dispêndio fique com a responsabilidade, o risco empresarial,
a gestão e o controle da utilização dos resultados dos dispêndios. A dedução abrange o IRPJ e a
CSLL.
Em segundo lugar, poderá valer-se de depreciação acelerada, calculada pela aplicação da
taxa de depreciação usualmente admitida, multiplicada por 2 (dois), sem prejuízo da depreciação
normal de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, novos, destinados à utilização nas
atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, para efeito de
apuração do IRPJ. Trata-se de incentivo de natureza temporária; o controle dos valores a serem
posteriormente tributados será feito na parte B do Livro de Apuração do Lucro Real.
Outra espécie de incentivo compreende a amortização acelerada, mediante dedução como
custo ou despesa operacional, no período de apuração em que forem efetuados, dos dispêndios
relativos à aquisição de bens intangíveis, vinculados exclusivamente às atividades de pesquisa
tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis no ativo diferido do
beneficiário, para efeito de apuração do IRPJ.
Em 2008, com o advento da Lei nº 11.774, a amplitude desses incentivos foi alterada. Assim,
a redação do item III do art. 17 da Lei nº 11.196/05 passou a admitir a depreciação integral, no
próprio ano da aquisição, de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, novos,
destinados à utilização nas atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação
tecnológica, para efeito de apuração do IRPJ e da CSLL. Como se vê, a lei modificou o critério
para cálculo do incentivo e passou a admitir que a dedução para fins fiscais fosse antecipada para
o ano da aquisição dos bens utilizados nas atividades incentivadas e também permitiu que a
dedução fosse feita para fins de determinação da base de cálculo da CSLL.
Para fins de fruição dos citados incentivos, considera-se inovação tecnológica a concepção
de novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou
características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de
qualidade ou produtividade, resultando maior competitividade no mercado.
Na hipótese de dispêndios com assistência técnica, científica ou assemelhados e
de royalties por patentes industriais pagos a pessoa física ou jurídica no exterior, a dedutibilidade
fica condicionada à observância do disposto nos arts. 52 e 71 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro
de 1964.
Na apuração dos dispêndios realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de
inovação tecnológica, não serão computados os montantes alocados como recursos não
reembolsáveis por órgãos e entidades do Poder Público.
A pessoa jurídica beneficiária dos incentivos fica obrigada a prestar, em meio eletrônico,
informações sobre os programas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, na forma
estabelecida em regulamento.
De acordo com o art. 18 da Lei nº 11.196/05, poderão ser deduzidas como despesas
operacionais, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei e de seu § 6º, as importâncias
transferidas a microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei nº 9.841/99,
destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de
interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa
jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do
produto resultante.
A dedução abrange os valores relativos às transferências de recursos efetuadas para inventor
independente, de que trata o inciso IX do art. 2º da Lei nº 10.973/04, e os valores recebidos pelas
microempresas e empresas de pequeno porte não serão tratados como receita, nem rendimento do
inventor independente, as importâncias recebidas, desde que utilizadas integralmente na
realização da pesquisa ou desenvolvimento de inovação tecnológica. O registro contábil dos
valores recebidos pelas pessoas jurídicas será feito em conta de “reserva de subvenção para
investimento”, no Patrimônio Líquido; todavia, os eventuais gastos com a execução de pesquisa
tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica não serão dedutíveis na apuração do lucro
real e da base de cálculo da CSLL.
Sem prejuízo do disposto no art. 17, a partir do ano-calendário de 2006, a pessoa jurídica
poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o
valor correspondente a até 60% (sessenta por cento) da soma dos dispêndios realizados no período
de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis
como despesa pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 17 da Lei nº
11.196/05.
O valor da referida exclusão poderá chegar a até 80% (oitenta por cento) dos dispêndios em
função do número de empregados pesquisadores contratados pela pessoa jurídica, na forma a ser
definida em regulamento. Para esse fim, se a pessoa jurídica se dedicar exclusivamente à pesquisa
e ao desenvolvimento tecnológico poderão também ser considerados, na forma do regulamento,
os sócios que exerçam atividade de pesquisa.
Sem prejuízo do benefício acima referido, a pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido,
na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 20%
(vinte por cento) da soma dos dispêndios ou pagamentos vinculados à pesquisa tecnológica e
desenvolvimento de inovação tecnológica objeto de patente concedida ou cultivar registrado.
Neste caso, os dispêndios e pagamentos serão registrados em livro fiscal de apuração do lucro
real e excluídos no período de apuração da concessão da patente ou do registro do cultivar; a
referida exclusão fica limitada ao valor do lucro real e da base de cálculo da CSLL antes da própria
exclusão, vedado o aproveitamento de eventual excesso em período de apuração posterior, salvo
nos casos de empresas que se dediquem exclusivamente à pesquisa e desenvolvimento
tecnológico.
Em face do disposto no art. 20 da Lei nº 11.196/05, os valores relativos aos dispêndios
incorridos em instalações fixas e na aquisição de aparelhos, máquinas e equipamentos, destinados
à utilização em projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, metrologia, normalização
técnica e avaliação da conformidade, aplicáveis a produtos, processos, sistemas e pessoal,
procedimentos de autorização de registros, licenças, homologações e suas formas correlatas, bem
como relativos a procedimentos de proteção de propriedade intelectual, poderão ser depreciados
ou amortizados na forma da legislação vigente, podendo o saldo não depreciado ou não
amortizado ser excluído na determinação do lucro real, no período de apuração em que for
concluída sua utilização.
Neste caso, o valor da exclusão deverá ser controlado em livro fiscal de apuração do lucro
real e será adicionado, na determinação do lucro real, em cada período de apuração posterior, pelo
valor da depreciação ou amortização normal que venha a ser contabilizada como despesa
operacional. Note-se que a pessoa jurídica beneficiária de depreciação ou amortização acelerada
nos termos dos incisos III e IV do caput do art. 17 da Lei nº 11.196/05 não poderá utilizar-se do
benefício previsto no art. 20 relativamente aos mesmos ativos.
De acordo com o preceito do art. 22 da Lei nº 11.196/05, os dispêndios e pagamentos de que
tratam os arts. 17 a 20 da Lei: (a) serão controlados contabilmente em contas específicas; e (b)
somente poderão ser deduzidos se pagos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas
no País, ressalvados os mencionados nos incisos V e VI do caput do art. 17 da mesma Lei.
Ademais, o gozo dos benefícios fiscais e da subvenção de que tratam os arts. 17 a 21 da referida
Lei fica condicionado à comprovação da regularidade fiscal da pessoa jurídica.
Os Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI) e Programas de
Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário (PDTA) e os projetos aprovados até 31 de dezembro
de 2005 ficarão regidos pela legislação em vigor na data da publicação da Medida Provisória nº
252, de 15 de junho de 2005, autorizada a migração para o regime previsto nesta Lei, conforme
disciplinado em regulamento.
Por fim, não podem usufruir os benefícios fiscais antes referidos as pessoas jurídicas que
utilizarem os benefícios de que tratam as Leis nos 8.248/91, 8.387/91 e 10.176/01.
21.1REMUNERAÇÃO DOS SÓCIOS E ADMINISTRADORES
Os requisitos de dedução dos valores pagos a dirigentes ou administradores constam de dois
grupos de normas constantes do Regulamento do Imposto de Renda de 1999. O primeiro grupo
diz respeito aos “pagamentos a pessoa física vinculada” e é formado pelos enunciados dos arts.
302 e 303. O segundo grupo de normas é formado pelos arts. 357 e 358.
O caput do art. 302 do RIR/99 estabelece que os pagamentos, de qualquer natureza, a titular,
sócio ou dirigente da pessoa jurídica, ou a parente dos mesmos, poderão ser impugnados pela
autoridade lançadora, se o contribuinte não provar: (a) no caso de compensação por trabalho
assalariado, autônomo ou profissional, a prestação efetiva dos serviços; e (b) no caso de outros
rendimentos ou pagamentos, a origem e a efetividade da operação ou transação. Esse preceito
alcança também as despesas feitas, direta ou indiretamente, pelas empresas, com viagens ao
exterior, equiparando-se os gerentes a dirigentes de firma ou sociedade. No caso em que o
contribuinte for uma empresa individual, a autoridade lançadora poderá impugnar as despesas
pessoais do titular da empresa que não forem expressamente previstas na lei como deduções
admitidas, se ele não puder provar a relação da despesa com a atividade da empresa. O art. 303
do RIR-99, por sua vez, declara não serem dedutíveis, como custos ou despesas operacionais, as
gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa
jurídica. A norma do caput do art. 302 é ociosa se considerarmos que a remuneração por prestação
de serviços, em qualquer caso, requer prova e inerência dos gastos com a atividade da pessoa
jurídica. Logo, deste ponto de vista, as referidas regras apenas confirmam as regras gerais sobre
despesas dedutíveis.
Na forma do art. 357, do RIR/99, serão dedutíveis na determinação do lucro real as
remunerações dos sócios, diretores ou administradores, titular de empresa individual,
e conselheiros fiscais e consultivos. Todavia, não são dedutíveis: (a) o valor das retiradas não
debitadas em custos ou despesas operacionais, ou contas subsidiárias, e as que, mesmo
escrituradas nessas contas, não correspondam à remuneração mensal fixa por prestação de
serviços; (b) as percentagens e os ordenados pagos a membros das diretorias das sociedades por
ações, que não residam no país.
A vedação à dedutibilidade referida nas letras a e b está prevista no parágrafo único do art.
357 do RIR/99, que indica como matriz legal o art. 43 do Decreto-lei nº 5.844/43. Esse dispositivo
legal não é mais vigente, está revogado desde o advento do Decreto-lei nº 401/68, que reformulou
inteiramente a matéria. Todavia, ainda que fossem admitidas como válidas essas restrições, elas
são problemáticas.
Com efeito, a primeira restrição diz que não são dedutíveis os gastos que não tenham sido
debitados em despesa ou custo. Se um gasto não é debitado em custo ou em despesa, só poderá
ser considerado como integrante de conta de Ativo, e a dedutibilidade pode ser diferida para o
momento da baixa de ativo ou amortização, se for o caso.
Ademais, como visto, o texto regulamentar veda a dedutibilidade de remuneração mensal
que não seja fixa. Segundo o Parecer Normativo CST nº 48/72, remuneração fixa é a que é
predeterminada, isto é, estabelecida com antecedência. Para Modesto Carvalhosa1 a remuneração
fixa pode ser direta ou indireta:
“Remuneração fixa – direta e indireta – é aquela deliberada pela assembleia-geral
e corresponde à contraprestação dos serviços prestados pelos administradores à
companhia. Deve ter equivalência jurídico econômica com o valor objetivo dos
serviços efetivamente prestados.”
Logo, a lei não nega a dedutibilidade de remuneração variável, mas, para isso, é necessário
que os métodos de apuração da mesma sejam estabelecidos antes do momento em que se torne
devida. Nas sociedades por ações, essa predeterminação é exigência de lei. De fato, o art. 152 da
Lei nº 6.404/76 prescreve que a assembleia-geral fixará o montante global ou individual da
remuneração dos administradores, inclusive os benefícios de qualquer natureza e verba de
representação. Nas demais espécies de sociedades, o “Contrato Social” disporá sobre o assunto,
ou regulará a forma pela qual os sócios deliberarão sobre ele.
Em sessão de 13 de maio de 2003, a Primeira Turma do Primeiro Conselho de Contribuintes,
quando do julgamento do Recurso nº 130.724 (acórdão 101-94.191), decidiu que a remuneração
paga a pessoa jurídica controlada por dirigentes constitui remuneração destes. A prestação de
serviços por dirigentes tem caráter pessoal se estes foram eleitos pela assembleia ou órgão
equivalente; todavia, a lei não impede que uma pessoa jurídica seja designada administradora de
outra. Logo, é necessário levar em consideração as particularidades de cada caso.
21.1.1Administrador e gerente
Para fins de aplicação das normas fiscais, desde o advento do Parecer Normativo 42/72, a
legislação considera como sendo diretor: “a pessoa que exerce a direção mais elevada de uma
instituição ou associação civil, ou de uma companhia ou sociedade comercial, podendo ser, ou
não, acionista ou associado” e que, em princípio, “são escolhidos por eleição de assembleia, nos
períodos assinalados nos seus estatutos ou contratos sociais”. Por outro lado, administrador é a
pessoa que “pratica, com habitualidade, atos privativos de gerência ou administração de negócios
da empresa, e o faz por delegação ou designação de assembleia, de diretoria ou de diretor”, dentre
os quais se inserem os membros do Conselho de Administração.
Administrador, nas sociedades por ações, é o diretor ou membro de Conselho de
Administração. Nos demais tipos de sociedade, são considerados administradores os que praticam
atos de gestão da sociedade com poderes oriundos do contrato social e que são aptos a obrigar a
pessoa jurídica. De fato, na forma do art. 47 do Estatuto Civil, “obrigam a pessoa jurídica os atos
dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”. O
gerente, por outro lado, em face do disposto no art. 1.172 do Código Civil de 2002, é o preposto
(art. 1.169) permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência.
Os prepostos são mandatários da sociedade e não dos sócios (art. 1.018 do Código Civil de 2002),
mas não representam a sociedade em juízo.
Nas sociedades por ações as regras gerais acerca da administração estão delineadas nos arts.
138 e 139 da 6.404/76, que têm a seguinte redação:
“Art. 138. A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto,
ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria.
§ 1º O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a
representação da companhia privativa dos diretores.
§ 2º As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoriamente,
conselho de administração.
Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração
não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.”
Os integrantes do Conselho de Administração e da Diretoria dividem as funções de
administração da sociedade segundo as diretrizes da Assembleia-Geral. Apenas os diretores
representam a pessoa jurídica perante terceiros posto que o enunciado do § 2º do art. 138, acima
transcrito, é claro ao estabelecer que a representação é privativa dos diretores. Segundo o modelo
da Lei nº 6.404/76 é permitido que um acionista, ao mesmo tempo, acumule a posição de membro
do Conselho de Administração e da Diretoria. O parágrafo único do art. 143 da citada Lei dispõe:
“§ 1º Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (um terço),
poderão ser eleitos para cargos de diretores.”
O caput do art. 146, por outro lado, estabelece a condição essencial para que alguém possa
eleito para ocupar a posição de membro do Conselho de Administração:
“Art. 146. Poderão ser eleitos para membros dos órgãos de administração pessoas
naturais, devendo os membros do conselho de administração ser acionistas e os
diretores residentes no País, acionistas ou não.”
Então, é possível que, concomitantemente, uma pessoa natural: (a) ocupe a posição jurídica
de acionista; (b) seja eleita membro do Conselho de Administração; e (c) seja eleita membro da
Diretoria.
Os membros do Conselho Consultivo previsto no art. 160 da citada Lei não são considerados
administradores nada obstante possam, em certas circunstâncias, responder como tais. Não é
considerado administrador o membro do Conselho Fiscal e, de igual modo, não o é o liquidante
da sociedade em liquidação.
Em sentido amplo, é considerado administrador toda pessoa que detém poderes de gestão,
isto é, aqueles que envolvem ações relativas ao planejamento; à organização; e à direção, e ao
controle de algo ou de algum empreendimento. Administrador é também aquele que representa
uma entidade (ou pessoa jurídica) ou pessoa e que dá curso à sua vontade, que é estabelecida no
documento de constituição.2 Nesse último contexto, administrar ou gerir uma entidade é dar
impulso à sua atividade-fim; é pô-la em ação na vida econômica ou social. De outra parte, são
gerentes – conforme averba Carvalho de Mendonça – os que, pela importância das funções e
extensão dos poderes, ocupam o primeiro lugar entre os prepostos. Eles, diz o douto mestre,
“exercendo, em nome de outrem, a indústria mercantil, um ramo, classe ou série de atos
pertencentes a essa indústria, representam o preponente em tudo quanto se refere às relações da
casa comercial para com terceiros”.3 A definição legal de gerente amolda-se perfeitamente ao
conceito exposto por Carvalho de Mendonça, de maneira que é possível inferir que, a figura do
gerente aproxima-se, em muito, da figura do administrador, posto que ambos podem, de fato,
exercer a empresa, isto é, podem adotar as ações necessárias ao seu desenvolvimento na realização
do objeto social. A separação das competências de um e de outro tem diferentes fontes.
Os poderes dos administradores advêm da lei e do contrato; já os poderes dos prepostos
devem constar de “autorização escrita” que conterá os requisitos dos arts. 1.169, 1.170, e 1.173 a
1.175 do Código Civil. O direito societário não desconhece a figura do “administrador de fato”,
de modo que em certas circunstâncias será necessário investigar a formal e material dos poderes
exercidos.
21.1.2Administrador empregado
O órgão da administração das sociedades pode ser composto por sócios ou acionistas ou por
terceiros. Portanto, alguém que ostenta a condição de empregado pode ser eleito diretor de
sociedade limitada ou sociedade por ações. Aceitando ser nomeado administrador e investido de
tal posição jurídica, ele submete-se a novas relações jurídicas que são, no mais das vezes,
incompatíveis com a condição de empregado cujo traço principal seja a existência de
subordinação. A investidura no cargo e a adesão ao regime jurídico próprio do administrador
determinam, de pronto, a suspensão do contrato de trabalho anteriormente firmado.
Ocorre que a jurisprudência consolidada dos nossos tribunais parece admitir a insólita
situação do diretor (administrador) que, dotado de poderes para gerir os negócios de uma empresa
é, ao mesmo tempo, subordinado a alguém. Nesse sentido é o Enunciado 269, editado pelo TST,
que tem a seguinte redação:
“O empregado eleito para ocupar cargo de Diretor tem o respectivo contrato de
trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se
permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego.”
Como se vê, deflui do texto da última parte do Enunciado transcrito que a suspensão do
contrato de trabalho não se opera pelo simples fato de o empregado vir a ser eleito ou designado
como diretor. Segundo esse ato normativo, a suspensão só ocorre se deixa de existir subordinação.
Esse Enunciado só pode ser entendido como uma norma de bloqueio para evitar fraudes às
normas que regem as relações trabalhistas. Se não for visto dessa forma, será imperioso admitir
que ele enceta um rematado absurdo, porque quando o empregado é eleito diretor de sociedade,
a relação de direito trabalhista fica sem eficácia, por força de norma jurídica posterior àquela que
estabelece a relação jurídica de direito societário com a pessoa jurídica, relação essa que se
submete, exclusivamente, ao regime jurídico do direito societário.
Ademais, há que se recordar que os administradores adquirem, com a investidura, um poder-
função que tem como contrapartida a responsabilidade pelas consequências de seus atos, perante
os demais administradores, se for o caso, perante a sociedade e perante terceiros. A existência
desse poder vinculado e regulado por normas jurídicas imperativas é absolutamente incompatível
com a relação de emprego, pautada pela subordinação.
Por essa vereda, se compreende que o Enunciado 269 do TST, antes transcrito, veicula duas
normas. A primeira diz que, quando o empregado é guindado à condição de diretor, ocorre a
suspensão do contrato de trabalho; a segunda norma tem função de proteger os direitos dos
empregados que possuem apenas o título de diretor, mas que continuam subordinados a órgão ou
pessoa dentro da organização empresarial.
Pois bem, essa questão tem grande importância para fins de determinação da base de cálculo
do Imposto de Renda. Assim, se, em determinada situação fática, alguém que tem o título de
diretor não possui os direitos e obrigações que lhe são inerentes, as restrições de dedutibilidade
da remuneração paga não são as discutidas anteriormente, mas, sim, as relacionadas com o
pagamento de salário a qualquer empregado, sem prejuízo das demais repercussões.
21.1.3Administrador não residente no país
Há ainda a questão da indedutibilidade da remuneração paga a administrador não residente
no país. Essa restrição se justificava em face do art. 146 da Lei nº 6.404/76, que exigia a residência
no país como condição de validade de eleição de pessoas naturais como administradores de
sociedade por ações. De fato, não faz sentido admitir que a legislação tributária pudesse aceitar a
dedutibilidade de uma despesa de realização impossível (proibida). Ocorre que essa restrição
prevista na lei societária foi revogada expressamente com o advento da Medida Provisória nº
1.754-16/99, que, pelo seu art. 12, deu nova redação ao art. 146 da Lei nº 6.404/76, para revogar
a proibição. Portanto, se havia o impedimento para dedutibilidade das despesas nesses casos, esse
não mais existe, de modo que ela está garantida se houver a efetiva prestação dos serviços. A
despeito disso, o parágrafo único do art. 78 da IN 1.700/17 afirma que: “Não são dedutíveis na
determinação do lucro real as percentagens e ordenados pagos a membros de diretorias das
sociedades por ações que não residam no País”.
21.2CONSELHEIROS FISCAIS E CONSULTIVOS
A partir de 1º de janeiro de 1997, a remuneração do conselho fiscal e consultivo será
totalmente dedutível como despesa operacional, independentemente de qualquer limite de valor.
Os critérios legais para eleição dos membros dos referidos conselhos estão previstos no art. 161
da Lei nº 6.404/76 e nos arts. 1.066 a 1.070 do Código Civil de 2002.
21.3REMUNERAÇÃO INDIRETA A ADMINISTRADORES E
TERCEIROS
A legislação do Imposto de Renda contém regras especiais acerca da dedutibilidade de
benefícios sociais pagos ou recebidos à margem da remuneração em dinheiro. Assim, existem
regras sobre o que a lei entende por remuneração indireta e sobre a dedutibilidade de tais despesas.
Nesse sentido, a regra do art. 358 do RIR/99 define os traços da chamada remuneração indireta,
dizendo que a ela se integram as seguintes verbas:
“I – a contraprestação de arrendamento mercantil ou o aluguel ou, quando for o
caso, o valor dos respectivos encargos de depreciação:
a) de veículo utilizado no transporte de administradores, diretores, gerentes e seus
assessores ou de terceiros em relação à pessoa jurídica;
b) de imóvel cedido para uso de qualquer pessoa dentre as referidas na alínea
precedente;
II – as despesas com benefícios e vantagens concedidos pela empresa a
administradores, diretores, gerentes e seus assessores, pagas diretamente ou pela
contratação de terceiros, tais como:
a) a aquisição de alimentos ou quaisquer outros bens para utilização pelo
beneficiário fora do estabelecimento da empresa;
b) os pagamentos relativos a clubes e assemelhados;
c) o salário e respectivos encargos sociais de empregados postos à disposição ou
cedidos, pela empresa, a administradores, diretores, gerentes e seus assessores ou
a terceiros;
d) a conservação, o custeio e a manutenção dos bens referidos no item I, acima.”
A empresa identificará os beneficiários das despesas e adicionará aos respectivos salários
os valores a elas correspondentes, observando o disposto no art. 622, do RIR/99, que trata da
exigência do Imposto de Renda Retido na Fonte. Todavia, se o contribuinte não identificar os
beneficiários e não fizer a retenção do imposto de fonte, esse fato implicará a tributação dos
respectivos valores, exclusivamente na fonte, pela alíquota de 35% sobre o valor da base de
cálculo reajustada (gross up), na forma do art. 675 do RIR/99.
Os dispêndios de que trata esse art. terão o seguinte tratamento tributário na pessoa jurídica:
(a) quando pagos a beneficiários identificados e individualizados, poderão ser dedutíveis na
apuração do lucro real; e (b) quando pagos a beneficiários não identificados ou beneficiários
identificados e não individualizados (art. 304 do RIR/99), são indedutíveis na apuração do lucro
real. Em relação à indedutibilidade prevista no item b, cabe referir que a mesma abrange inclusive
o valor do imposto incidente na fonte que for suportado pela pessoa jurídica.
21.3.1Taxatividade
Discute-se a natureza exaustiva ou exemplificativa da lista transcrita. Segundo o Parecer
Normativo CST nº 11/92, essa lista é exemplificativa, isto é, as hipóteses ali previstas não são as
únicas. Parece razoável esse entendimento a partir de uma interpretação funcional do art. 74 da
Lei nº 8.383/91, que é a matriz legal desse preceptivo regulamentar. De fato, vista a matéria sob
a perspectiva teleológica da lei, toda vez que houver um salário indireto, a regra aplicada deve ser
essa.
A despeito disso, há que se fazer uma distinção importante. De fato, existem certos gastos
que ostentam as características de uma remuneração indireta, mas que, na verdade, são meras
ferramentas de trabalho. Essas ferramentas de trabalho não se resumem a objetos físicos, mas
dizem respeito a políticas sociais e assistenciais das empresas. Assim, quando uma empresa
atribui uma verba de representação ou cede um automóvel a um empregado seu, pretende que ele
a represente adequadamente perante os seus clientes (as pessoas que se relacionam com a
empresa, e não apenas as que adquirem seus produtos e serviços). Nesse caso, as ferramentas (a
verba de representação e o automóvel com seus custos suportados pela empresa) são para o
trabalho e não pelo trabalho.
O próprio Parecer Normativo CST nº 11/92 reconhece a existência dessa distinção quando,
nos itens 13 a 17, admite a existência de utilização de um veículo para uso misto, isto é, para uso
em atividades de interesse da empresa e também para uso pessoal. Nesses casos, o referido parecer
normativo prevê a hipótese de proporcionalização do valor dos gastos, que podem ser
considerados como remuneração indireta ou não. Essas circunstâncias recomendam, pois, que
cada caso seja examinado de forma particularizada.
A interpretação do texto legal antes transcrito não pode ser feita sem considerar o conceito
de “remuneração” previsto no ordenamento jurídico. Afinal, de acordo com os termos dos itens
10 e 11 do Parecer Normativo CST nº 11/92, só existe o dever de computar tais valores como
rendimento atribuído ao cessionário nos casos em que os veículos forem atribuídos com caráter
remuneratório, entendido o conceito de “remuneração” de acordo com o perfil traçado pelas leis
trabalhistas ainda que os eventuais beneficiários não sejam empregados. O Parecer Normativo nº
11/02 diz textualmente o seguinte:
“Conceito de remuneração. 10. Segundo se infere da legislação trabalhista –
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além do pagamento em dinheiro,
compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação,
vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou
do costume, fornecer habitualmente ao empregado (art. 458 do Decreto-lei nº
5.452/43).
11. No âmbito da legislação tributária, e em sintonia com as disposições das leis
trabalhistas, serão computados, para fins de apuração do montante mensal da
remuneração, todos os pagamentos efetuados em caráter de remuneração pelos
serviços efetivamente prestados à pessoa jurídica, inclusive as despesas de
representação e os benefícios e vantagens concedidos pela empresa a título de
salários indiretos.”
A explicação contida no Parecer Normativo CST nº 11/92 é clara no sentido de que não
existe, no direito tributário, um conceito próprio de “remuneração”, e, deste modo, a norma
tributária deve ser aplicada levando-se em consideração o conceito que lhe é atribuído pela
legislação trabalhista na parte que trata do denominado “salário in natura” ou “salário-utilidade”.
O art. 458 da CLT dispõe que a remuneração é formada pelo salário e pelas prestações in
natura; assim, remuneração é gênero do qual salário é espécie. O § 2º do citado preceito estipula
que não devem ser considerados como remuneração os valores relativos aos bens fornecidos ao
empregado para prestação dos serviços.
Certos empregados e diretores recebem um veículo para que possam desempenhar funções
externas da pessoa jurídica perante terceiros de modo que, não raro, o adequado cumprimento de
tais funções exige locomoção. Assim, se um veículo é concedido a título de comodato para servir
como verdadeira ferramenta de trabalho descaracterizado está o caráter salarial e indevido o
cômputo dos valores suportados pela pessoa jurídica como parcela integrante da remuneração do
beneficiário para todos os fins. O Egrégio Tribunal Superior do Trabalho tem posição clara a
respeito desse assunto, tanto que fez editar a Súmula nº 367, item I (em conversão da OJ nº 246
do mesmo órgão), publicada no DJU de 25-4-2005, que tem a seguinte redação:
“A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao
empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza
salarial, ainda que no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também
em atividades particulares.”
A propósito do assunto (cessão de automóvel) cabe referir que o citado Parecer Normativo
CST nº 11/92 contém um tópico específico no qual cogita da possibilidade de haver “utilização
mista” de automóvel, nos casos em que o mesmo se destina a servir na atividade operacional da
pessoa jurídica e, ademais, ao uso particular do administrador. O item 17 do Parecer Normativo
citado é esclarecedor a esse respeito:
“Na impossibilidade de se quantificar o tempo efetivamente gasto pela utilização
extraoperacional do veículo pelo beneficiário, é admissível que a pessoa jurídica
adote o critério de proporcionalizar e ratear os custos e encargos em foco, em
função dos dias úteis e não úteis cobertos pela utilização do veículo. Caso a
empresa adote o regime ordinário de trabalho das segundas às sextas-feiras, os
sábados serão considerados dias não úteis.”
Esse rateio só é justificável para atribuir a uma parte dos gastos suportados pela pessoa
jurídica o caráter de remuneração, haja vista que, como foi anteriormente explicitado, a Lei manda
incluir na base de cálculo do imposto apenas e tão somente a parcela considerada remuneração
para fins trabalhistas. Ocorre que, por força do disposto na Súmula 367 do TST, o uso do veículo,
caracterizado como ferramenta de trabalho, mesmo fora do período normal de trabalho, não
constitui salário.
Portanto, se a lei tributária diz que a base de cálculo do tributo é a remuneração e não estipula
– ela própria – um conceito de normativo de remuneração, parece fora de dúvida razoável que o
conceito de remuneração, neste caso, deva ser aquele estipulado pelas leis trabalhistas. Logo, se
o carro cedido pela pessoa jurídica visa permitir o bom desempenho do trabalho contratado,
parece claro que não deve ser tributado o valor dos gastos suportados pela contratante-cedente.
Por outro lado, há que se ter presente que a cessão do direito de uso de um segundo carro (ou
terceiro etc.) para uso particular do empregado ou diretor dificilmente pode ser descaracterizado
como parcela de remuneração in natura, com todas as incidências tributárias.4
21.4GRATIFICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES
Prescreve o art. 303 do RIR/99 que não são dedutíveis, como custos ou despesas
operacionais, os valores pagos ou creditados a título de gratificações ou participações no resultado
atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica.
Essa limitação é questionável porque não atende a um critério de razoabilidade. As
participações são espécies de remuneração dos administradores. De acordo com o ordenamento
jurídico vigente, está à livre estipulação e convenção dos sócios o estabelecimento da
remuneração dos administradores. A ausência de limites explícitos não significa que eles não
existam. Há um limite imanente ao valor da remuneração a ser atribuída a um administrador; ela
deve guardar uma equivalência econômica entre o benefício auferido pela sociedade e o custo
suportado para sua obtenção.5 O limite, assim, pode ser considerado o preço de mercado do
trabalho oferecido, razão pela qual a remuneração deve levar em consideração não só o trabalho
em si, mas também a especialização e a reputação da pessoa do administrador e o tempo dedicado
ao desempenho de suas funções.
Por outro lado, não é proibida a atribuição de participação nos lucros da sociedade em favor
dos administradores que não são sócios ou atribuição de bonificações ou gratificações. Essas
verbas podem vir desde logo estipuladas no contrato social ou podem ser aprovadas em
deliberações dos sócios em reuniões ou assembleias. Na doutrina de Barros Leães, tais verbas se
caracterizam por não terem qualquer equivalência econômica com o valor objetivo dos serviços
prestados; são verbas de natureza premial, pagas para compensar o administrador pelos resultados
atingidos. O prêmio é atribuível à audácia, ao sentido de risco ou à visão do administrador.6
Diante dessas considerações fica fácil compreender por que a restrição à dedutibilidade de
tais cifras não passa pelo filtro da razoabilidade. A lei tributária, neste particular, penaliza a
audácia e a busca de melhores condições de negócios para as empresas que são as fontes
produtoras dos rendimentos e de grande parte dos tributos que são levados aos cofres estatais.
Nos termos do Pronunciamento nº 10 do CPC, adotado pela Deliberação CVM nº 562/08, a
entidade que vier a se obrigar a emitir ações ou opções de ações em troca do recebimento de
serviços prestados por empregados, dirigentes ou terceiros, deve reconhecer tais obrigações pelo
seu valor justo na data da outorga. Havendo sido contratada a futura emissão de ações, os valores
respectivos serão registrados em conta do Patrimônio Líquido porquanto se amoldam ao conceito
de “adiantamento para futuro aumento de capital”. Se, por outro lado, as ações forem tomadas
apenas como parâmetro para cálculo dos valores a serem pagos em dinheiro, a entidade deve
contabilizar as cifras em conta do Passivo.
O reconhecimento contábil das importâncias referidas foi mencionado no item 25.9 do
Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP nº 01/2005, no qual aquele órgão afirma que as companhias
deveriam reconhecer contabilmente (ou, ao menos, fazer referência em Notas Explicativas) o
valor das despesas referentes à concessão de ações como forma de remunerar os empregados
utilizando-se de método de precificação adequado. O mandamento contábil despreza as questões
jurídicas em torno da existência do direito efetivo ao recebimento das ações, e, desse modo, exige
que o registro se faça diante da simples existência do plano de outorga e da prestação dos serviços,
ainda que a aquisição definitiva do direito em si esteja sujeita a condições que podem ou não vir
a ocorrer. Essas condições variam de acordo com o desenho jurídico dos planos outorgados.
Ao determinar que o registro contábil seja efetuado independentemente da aquisição do
direito (que tem como contrapartida a obrigação assumida pela sociedade), o ato normativo citado
impõe o registro de despesa ainda não incorrida, mesmo que se considere que os benefícios da
outorga estejam sendo usufruídos pela sociedade, sob a forma dos serviços que lhe são prestados.
Logo, parece claro que essa despesa – enquanto não vier a tornar-se efetiva (líquida e certa) a
obrigação – qualifica-se como verdadeira “provisão”. De todo modo, mesmo após a virtual
materialização da despesa, a participação atribuída a diretores não empregados não pode ser
deduzida em face do disposto no art. 303 do RIR/99.
21.4.1Encargos sociais
A regra proibitiva da dedução das parcelas pagas a título de gratificação ou participação não
alcança as parcelas relativas aos encargos sociais porventura exigíveis. Os encargos sociais, por
vezes, são rotulados como parcelas acessórias do principal (cada espécie de remuneração) e, por
essa razão, deveriam ter, para fins jurídicos, a mesma sorte da principal (a participação nos
lucros). Essa interpretação é equivocada, no entanto.
Quando foi criado, em 1966, o regime de contribuição para FGTS deveria abranger única e
exclusivamente os empregados. Todavia, desde 1981 está em vigor o art. 1º da Lei nº 6.619, que
veio permitir que as empresas estendessem o regime do FGTS aos seus diretores não empregados.
Vejamos o texto normativo:
“Art. 1º As empresas sujeitas ao regime da legislação trabalhista poderão estender
a seus Diretores não empregados o regime do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS.
§ 1º As empresas que exercerem a faculdade prevista neste art. ficarão obrigadas a
depositar, até o último dia de expediente bancário do 1º (primeiro) decêndio de
cada mês, em nome de cada um dos Diretores abrangidos pela decisão, importância
correspondente a 8% (oito por cento) da remuneração paga ou devida no mês
anterior, aplicando-se, no que não contrariar esta Lei, o disposto na Lei nº 5.107,
de 13 de setembro de 1966.”
Para fins fiscais, a dedução da despesa correspondente aos valores depositados é
expressamente admitida por força do disposto no parágrafo único do art. 345 do Regulamento do
Imposto de Renda em vigor, que tem a seguinte redação:
“Art. 345. Os depósitos em conta vinculada efetuados nos termos da Lei nº 8.036,
de 1990, serão considerados como despesa operacional, observado o disposto no
inciso III do art. 392 (Lei nº 8.036, de 1990, art. 29).
Parágrafo único. A dedutibilidade prevista neste artigo abrange os depósitos
efetuados pela pessoa jurídica, para garantia do tempo de serviço de seus diretores
não empregados, na forma da Lei nº 6.919, de 2 de junho de 1981.”
O preceito do parágrafo único do art. 345 do RIR, acima transcrito, guarda semelhança com
a ementa do Parecer Normativo CST nº 35/81, que considerou plenamente dedutíveis as despesas
com depósitos do fundo de garantia de diretores:
“Os depósitos efetivados pela pessoa jurídica, na forma da Lei nº 6.919/81, para
garantia do tempo de serviço dos seus diretores, constituem custos ou despesas
operacionais dedutíveis, independentemente dos limites de remuneração
constantes da lei fiscal.”
Para justificar essa conclusão o emissor do citado “Parecer Normativo” afirma que há nítida
distinção entre a parcela sobre a qual será calculado o valor dos depósitos e os próprios depósitos.
São prestações de caráter diverso: a participação nos lucros decorre da prestação de serviços
enquanto os depósitos visam dar garantia aos diretores que prestam serviços sob o regime jurídico
estatutário. Vejamos o que diz o item 4.1 do Parecer Normativo nº 34/81:
“De fato, as inovações ora introduzidas pela Lei nº 6.919 não afetam a área
tributária. Elas representam uma ruptura com a origem trabalhista do instituto [o
FGTS], fazendo com que também o tempo despendido pelo diretor passe a ser
garantido pela mesma forma e modo, inclusive quanto aos aspectos tributários
envolvidos.”
A regra do parágrafo único do art. 345 do RIR não impõe qualquer limite de dedução e nem
estabelece que a dedução esteja atrelada à virtual possibilidade de dedução ou não da remuneração
sobre a qual são calculados os valores depositados e computados como custo ou despesa. À vista
disso, parece claro e insofismável que a despesa pode ser integralmente deduzida porquanto:
(a)ela não constitui parcela ou acessório da remuneração que não pode ser deduzida
em face da vedação expressa contida no art. 303 do Regulamento do Imposto de
Renda de 1999;
(b)o enunciado do parágrafo único do art. 345 do RIR/99 é claro ao prever que a
dedução está autorizada e o faz sem impor qualquer limite ou condição.
De outra parte, a dedução das despesas com contribuições previdenciárias está prevista
no caput do art. 344 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999, que tem a seguinte redação:
“Art. 344. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro
real, segundo o regime de competência (Lei nº 8.981, de 1995, art. 41).”
O preceito transcrito é claro ao prever que – em regra – são dedutíveis os valores relativos
às contribuições devidas pela pessoa jurídica, salvo se houver outra norma em sentido contrário,
como ocorre com a CSLL. A regra não diz que a dedução está autorizada apenas e tão somente
sobre as parcelas que – com base em outras regras – possam ser igualmente deduzidas. Se a lei
não faz qualquer distinção, não cabe ao intérprete fazêlo sob pena de afrontar a própria Lei.
Ademais, as contribuições previdenciárias são carreadas para a União Federal e decorrem do
dever constitucional7 segundo o qual toda a sociedade deve contribuir para a seguridade social, e,
desse modo, essas contribuições não têm afinidade estrutural e teleológica com a remuneração
paga ao administrador, com o que rui por completo a tese do suposto caráter acessório das
mesmas. Logo, na vedação legal à dedução, as parcelas suportadas pelos contribuintes são
integralmente dedutíveis.
21.5SERVIÇOS PROFISSIONAIS
Dúvidas são suscitadas a respeito da vigência do disposto no inciso II do parágrafo único do
art. 249 do RIR. Esse preceito tem como matriz legal o art. 4º do Decreto-lei nº 2.397/87, segundo
o qual não são dedutíveis, para efeito de determinar o lucro real, os pagamentos efetuados à
sociedade civil de que trata o art. 1º do citado Decreto-lei (sociedades civis de profissão
regulamentada), quando esta for controlada, direta ou indiretamente, por pessoas físicas que sejam
diretores, gerentes ou controladores da pessoa jurídica que pagar ou creditar os rendimentos, bem
como pelo cônjuge ou parente de primeiro grau das referidas pessoas.
O Decreto-lei nº 2.397/87 foi editado para instituir um regime especial de tributação para as
sociedades civis de profissão regulamentada. Os lucros obtidos pela sociedade eram imputados
aos sócios como rendimentos destes, independentemente de distribuição; deste modo, a tributação
não existia para a pessoa jurídica e o gravame recaía sobre os sócios. O § 4º do citado Decreto-
lei foi editado neste contexto e não há notícia de sua formal revogação.
O regime de tributação por via de imputação foi revogado pela Lei nº 9.430/96. É de se
supor que o art. 4º do Decreto-lei nº 2.397/87 foi igualmente revogado porque a restrição nele
contida deixou de ter sentido axiológico razoável, na medida em que deixou de haver diferença
de regime de tributação entre as tomadoras – tributadas pelo lucro real – e as prestadoras dos
serviços. Perceba-se que a restrição tem em mira não a natureza do serviço ou o fato de haver na
composição societária pessoas ligadas à pessoa jurídica ou a seus dirigentes: o objeto da restrição
é a realização de despesa com serviços prestados por sociedade de profissão regulamentada; deste
modo, serviços prestados por outras sociedades – ainda que do quadro societário participem
pessoas ligadas – não se submetem à regra restritiva, sendo aplicáveis, no entanto, às regras
comuns de dedutibilidade de qualquer despesa.
A restrição, portanto, só guarda pertinência lógica com o regime instituído pelo Decre-to-
lei nº 2.397/87; se não fosse por isso, seria em razão da contrariedade do mandamento ao princípio
da isonomia; afinal, a discriminação escolhida pela lei – fora do contexto em que foi editada –
tornou-se arbitrária na medida em que os mesmos serviços tomados por terceiros são dedutíveis.
Portanto, a discriminação não pode prevalecer.
1CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas . 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 3, p. 264.
2De acordo com PONTES DE MIRANDA (Tratado de direito privado. v. 50. 2. ed. Rio de
Janeiro: Borsoi, 1965, p. 384), administrar significa, neste contexto, “toda a gestão, toda a
gerência, inclusive a função de presentação”.
3MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 6. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1959. v. 6, parte II, p. 459.
4Sobre a incidência do IRF, nos pagamentos de fringe benefits, vide o acórdão 104-16.533
(Processo 13710.001486/96-45).
5XAVIER, Alberto Pinheiro. A remuneração dos administradores da sociedade
anônima. Sociedades por ações: estudo nº 1. São Paulo: Resenha Universitária, 1977. p. 10.
6LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 185.
7Caput do art. 195 da Constituição Federal de 1988.
22.1REMUNERAÇÃO E FRINGE BENEFITS
Os gastos com o pagamento de salários e demais verbas trabalhistas são dedutíveis se
atenderem aos critérios de dedução aplicáveis às despesas em geral. Assim, a dedução está
vinculada à obtenção, pela pessoa jurídica, dos serviços contratados, e desde que observadas todas
as demais disposições contidas em normas de ordem pública e em acordos individuais ou
coletivos de trabalho. Ocorre que, com a celebração do contrato de trabalho, surgem obrigações
de pagar certas verbas ao empregado que não decorrem propriamente do pagamento de salário,
como são os casos, por exemplo, da gratificação natalina sob a forma de “décimo terceiro salário”
e de remuneração de férias. Essas verbas, a despeito de terem características distintas do salário
propriamente dito decorrem do contrato de trabalho, e, portanto, podem ser consideradas como
espécies de remuneração. Nestes casos, a necessidade da despesa está indiretamente atrelada à
obtenção da mão de obra, posto que tais pagamentos são exigíveis por lei de ordem pública e
ostentam o caráter de remuneração adicional do valor dos serviços prestados.
Por vezes, os empregadores fornecem benefícios de caráter social,1 como são os serviços de
médicos, dentistas etc. Os valores pagos a esse título não ostentam o caráter de remuneração se
forem fortuitos ou se forem feitos a terceiros, nada obstante o fato de serem feitos em benefício
dos empregados.
22.2SERVIÇOS ASSISTENCIAIS E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
O RIR/99, nos arts. 360 e 361, faz uma distinção entre “Serviços Assistenciais” e
“Benefícios Previdenciários”. Assim, de acordo com o art. 360, consideram-se despesas
operacionais os gastos realizados pelas empresas com serviços de assistência médica,
odontológica, farmacêutica e social, destinados indistintamente a todos os seus empregados e
dirigentes.2
A permissão de dedutibilidade alcança os serviços assistenciais que sejam prestados
diretamente pela empresa, por entidades afiliadas para esse fim, constituídas com personalidade
jurídica própria, e sem fins lucrativos, ou, ainda, por terceiros especializados, como no caso da
assistência médico-hospitalar.
Por outro lado, os gastos que as empresas vierem a suportar com a manutenção de programas
assistenciais somente serão considerados dedutíveis quando devidamente comprovados mediante
manutenção de sistema de registros contábeis específicos capazes de demonstrar os custos
pertinentes a cada modalidade de assistência e quando as entidades prestadoras também
mantiverem sistema contábil que especifique as parcelas de receita e de custos dos serviços
prestados. De acordo com decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes quando do
julgamento do Recurso nº 131.769 (acórdão nº 101.94-164, de 16.4.03): “consideram-se despesas
operacionais os gastos realizados pelas empresas com serviços assistenciais destinados
indistintamente a todos os seus empregados e dirigentes. A dedutibilidade alcança as despesas
com seguro de vida em grupo pagos pelo empregador indistintamente para todos seus empregados
e dirigentes, bem como os medicamentos, quer sejam eles usados em ambulatório, quer sejam
reembolsados aos empregados, bastando que os benefícios sejam disponibilizados indistintamente
a todos”.
Na forma do art. 361 do RIR/99, são dedutíveis as contribuições não compulsórias
destinadas a custear planos de benefícios complementares assemelhados aos da Previdência
Social, que forem instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica. Como se
verifica, a lei não exige, para fins de dedutibilidade, que os benefícios sejam estendidos a todos
os empregados.
Todavia, para determinação do lucro real, a dedução referida, somada às contribuições ao
Fundo FAPI, cujo ônus seja da pessoa jurídica, não poderá exceder, em cada período de apuração,
a 20% do total dos salários dos empregados e da remuneração dos dirigentes da empresa,
vinculados ao referido plano.
Na forma da Decisão nº 14, de 4 de fevereiro de 1999, da 8ª Região Fiscal, publicada
no Diário Oficial da União de 23 de abril de 1999:
“o valor total das despesas com contribuições para a previdência privada não pode
exceder a 20% (vinte por cento) do total dos salários dos empregados e da
remuneração dos dirigentes da empresa, vinculados ao referido plano, não havendo
limitação individual em relação ao salário individual dos funcionários ou em
relação à remuneração individual dos dirigentes.”
Segundo esse mesmo ato normativo, os valores despendidos para custear planos de
previdência privada, instituídos exclusivamente em favor dos sócios-dirigentes da empresa, não
são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda.
Para cálculo do excesso referido, o termo salário será tomado na acepção que tem na
legislação trabalhista. Assim, na forma do § 1º do art. 457 da CLT, “integram o salário, não só a
importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas,
diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador”. Esse dispositivo legal, todavia, não pode
ser interpretado de forma isolada, sendo necessário o concurso do art. 458 do mesmo diploma
normativo, que diz: “além do pagamento em dinheiro, integram o salário, para todos os efeitos
legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força
do contrato de trabalho ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado”.
Dúvidas podem surgir em relação à possibilidade de dedução dos gastos com benefícios que
vierem a ser suportados pelo sujeito passivo em favor de seus colaboradores após o término do
contrato de trabalho. Pode ocorrer que os beneficiários sejam os dependentes dos colaboradores,
nos casos de extinção do contrato de trabalho em razão de morte.
Em princípio, se houve a extinção do contrato de trabalho, a despesa não pode ser deduzida
com base no art. 360 do RIR/99, porquanto este preceito regula a dedução de despesas com
empregados e dirigentes. Logo, se não há contrato de trabalho, não há a figura do empregado e a
norma torna-se não aplicável. No entanto, dependendo das circunstâncias de cada caso, a dedução
poderia ser feita com base no art. 361, somente se os benefícios puderem ser “assemelhados aos
da previdência social” e observados os limites estabelecidos na lei.3
Pode ocorrer que a obrigação de suportar certos gastos após o término do contrato de
trabalho decorra de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho ou de qualquer forma de acordo
para demissão voluntária. Nestas circunstâncias, o único argumento em favor da dedução está no
fato de que tais gastos prestam-se perfeitamente ao atendimento da função social da empresa, que
não desampara aqueles que ajudaram a construí-la.
Para fins de dedução dos gastos com benefícios previdenciários, na forma do art. 361 do
RIR/99, não basta coincidência de nomenclatura entre os benefícios contemplados e aqueles
referidos na Lei de Benefícios da Previdência Social; torna-se necessário que haja entre um e
outro benefício uma afinidade teleológica, a de servir – verdadeiramente – como instrumento a
serviço de uma política de previdência social. Enfim, os programas de previdência social não
podem ser utilizados para mascarar benefícios. Deste modo, é de se compreender a decisão
prolatada pela 7ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes quando do julgamento, em 15 de
outubro de 2003, do Recurso nº 135.495, em cuja ementa está dito o seguinte:
“São indedutíveis as contribuições não compulsórias destinadas a custear planos
de benefícios complementares não assemelhados aos da previdência social,
instituídos em favor dos empregados e dirigentes da pessoa jurídica. A previsão
contratual de resgate independentemente da ocorrência de um estado de
necessidade como o que ocorre na previdência social, descaracteriza a semelhança,
tornando indedutíveis os pagamentos. (Lei nº 9.249/95 art. 13 inciso V c/c Lei
8.213/91 arts. 1º e 18).”
Outro problema recorrente acerca desse mesmo assunto é a questão do período de dedução
dos gastos que são suportados por empresas patrocinadoras de planos de previdência privada. A
3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº 130.924, de 19
de março de 2003, decidiu:
“Os repasses efetuados pelo empregador a entidade de previdência privada da qual
participam seus empregados e destinada a custear certos benefícios previdenciários
a par dos oficialmente concedidos no âmbito tributário são despesas operacionais
a serem fruídas segundo o regime de competência e não o regime de caixa. Não
são assim passíveis de glosa aquelas que resultam da contabilização da obrigação
e não do efetivo pagamento.”
A decisão está correta; não há nenhuma regra que excepcione esse tipo de despesa do regime
de competência. Logo, o período da dedução ocorre no momento em que a patrocinadora se obriga
a fazer a contribuição.
Em face do disposto no art. 4º da Lei nº 11.053/04, a partir de 1º de janeiro de 2005, a
dedução das contribuições da pessoa jurídica para seguro de vida com cláusula de cobertura por
sobrevivência fica condicionada, cumulativamente: (a) ao limite de que trata o § 2º do art. 11 da
Lei nº 9.532/97, com a redação dada pela Lei nº 10.887/04; e (b) que o seguro seja oferecido
indistintamente aos empregados e dirigentes.
22.3PLANOS DE POUPANÇA E INVESTIMENTO – PAIT E FAPI
Na forma do art. 362 do RIR/99, poderão ser deduzidas, como despesa operacional, as
contribuições pagas pela pessoa jurídica a plano PAIT por ela instituído, na forma do Decreto-lei
nº 2.292, de 1986, desde que obedeçam a critérios gerais e beneficiem, no mínimo, 50% de seus
empregados.
Por outro lado, de acordo com o art. 363 do mesmo RIR/99, a pessoa jurídica poderá deduzir
como despesa operacional o valor das quotas adquiridas em favor de seus empregados ou
administradores, do Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), instituído na forma
da Lei nº 9.477, de 1997. A dedução só é admissível se o plano beneficiar, no mínimo, a 50% dos
seus empregados, e desde que o ônus suportado pela pessoa jurídica não exceda a 20% da
remuneração dos vinculados ao Fundo. Assim, o valor excedente a esse limite será considerado
parcela não dedutível, não permitida a compensação de valores. O cálculo do limite de
dedutibilidade é global e não individual.
22.4FORMAÇÃO PROFISSIONAL, ALIMENTAÇÃO DO
TRABALHADOR E VALE-TRANSPORTE
Poderão ser deduzidos, como despesa operacional, os gastos realizados com a formação
profissional de empregados.
De outra parte, a teor do art. 369 do RIR/99, admitir-se-ão como dedutíveis as despesas de
alimentação fornecida pela pessoa jurídica, indistintamente, a todos os seus empregados. Quando
a pessoa jurídica tiver programa aprovado pelo Ministério do Trabalho, além da dedução como
despesa, fará também jus ao benefício previsto no art. 581 do RIR/99, que consiste em dedução
feita diretamente do valor do imposto devido.
Todavia, a dedutibilidade contida nesse permissivo não abrange os gastos com alimentação
de sócios, acionistas e administradores que não tenham sido computados na remuneração dos
mesmos, para fins de cálculo do Imposto de Renda Retido na Fonte. Essa interpretação decorre
da aplicação conjunta dos seguintes arts. do RIR/99: (a) o caput do art. 369; (b) o inciso V do
parágrafo único do art. 249; e (c) a letra a do inciso II do art. 622.
De acordo com o art. 370 do RIR/99, poderão ser deduzidos, como despesa operacional, os
gastos comprovadamente realizados, no período de apuração, na concessão do vale-transporte a
que se refere a Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985.
Essa espécie de gasto merece algumas considerações. Os enunciados linguísticos dos arts.
368, 369 e 370 do RIR/99, que tratam da dedutibilidade dos gastos com formação profissional,
alimentação e vale-transporte, respectivamente, têm em comum o fato de admitirem como
dedutíveis as “despesas” realizadas a esses títulos com seus colaboradores.
Se a lei admite o cômputo como despesa de forma indistinta, sem ressalvas, é razoável
concluir que assim deverão ser considerados os gastos com todo e qualquer empregado, ainda que
o mesmo esteja ligado à produção de bens ou serviços. Portanto, valores que, a rigor da técnica
contábil, deveriam ser imputados aos custos dos produtos e serviços vendidos, podem ser lançados
diretamente em despesas. É o direito criando as suas próprias realidades.
22.5GRATIFICAÇÕES A EMPREGADOS
No Direito do Trabalho, gratificação não se confunde com participação nos lucros. Com
efeito, na Consolidação das Leis do Trabalho as gratificações podem assumir natureza salarial ou
não. A natureza salarial de uma verba – qualquer que seja o nome adotado – decorre do seu caráter
de contraprestação por serviços prestados. A respeito das gratificações (também denominadas
“prêmios” ou “bonificações”), o § 1º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho é claro ao
dispor que apenas as “gratificações ajustadas” têm natureza salarial:
“Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos
legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como
contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.
§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as
comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos
pagos pelo empregador.”
Gratificação ajustada é aquela prevista no Contrato de Trabalho, de forma expressa ou tácita;
ou, ainda, aquela constante de cláusula de Acordo Coletivo. Gratificação eventual e aleatória é
denominada pela doutrina e pela jurisprudência como “gratificação stricto sensu”.
As gratificações são dedutíveis em face do disposto no § 3º do art. 299 do Regulamento do
Imposto de Renda, independentemente de limitação do valor na forma da Instrução Normativa
SRF nº 93/97. A respeito do tema cabe mencionar a existência de um importante precedente do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antigo Conselho de Contribuintes) adotado quando
do julgamento, ocorrido em 12-9-2005, do Recurso nº 140.801, da Oitava Câmara do Primeiro
Conselho, que tem a seguinte ementa:
“IRPJ – GRATIFICAÇÃO A FUNCIONÁRIOS – NECESSIDADE DA
DESPESA – A remuneração a todos os funcionários, a título de gratificação ou
liberalidade, é considerada como despesa necessária e, portanto, dedutível na
apuração do lucro real.”
Como gratificações devem ser tratadas as verbas pagas a título de Participação nos Lucros
ou Resultados (PLR) sem que fossem obedecidos os preceitos da Lei nº 10.101/00. Nessa questão
foi ventilado voto do Conselheiro José Henrique Longo quando do julgamento do Recurso acima,
nos seguintes termos:
“Assim, se não foi possível que a remuneração complementar dos funcionários
fosse a título de PLR, o que lhes retiraria o direito de exigir tal pagamento em face
do acordo coletivo, e o cumprimento da remuneração foi denominado gratificação,
em nada altera a sua natureza de despesa dedutível.”
Correta esta decisão. Afinal, a simples descaracterização da verba denominada PLR a
converte – para fins previdenciários e tributários – em verba de caráter remuneratório cujo traço
é retribuição por serviços prestados. Logo, a autorização para a dedução ou não deve ser feita à
luz da nova qualificação atribuída pela autoridade fiscal à verba, de modo que, nestes casos, a
dedução não pode ser negada a despeito da descaracterização.
22.6DESPESAS DE CONFRATERNIZAÇÃO E PRÊMIOS
A Lei tributária não contém regra explícita acerca da vedação da dedutibilidade de despesas
com confraternização entre empregados. Gastos desta natureza são plenamente justificáveis e,
portanto, dedutíveis, em razão da imperiosa necessidade de melhorar as condições de convivência
entre as pessoas que, ao final, são as que contribuem para a produção de receitas tributáveis.
A jurisprudência do Conselho de Contribuintes não é insensível a esses argumentos de
caráter social como provam alguns importantes precedentes daquela Corte. Em primeiro lugar, há
a decisão proferida quando do julgamento do Recurso nº 147.940, da 1ª Câmara do 1º Conselho
de Contribuintes, em 22.10.2006, que por unanimidade decidiu:
“DESPESAS COM CONFRATERNIZAÇÃO. Desde que razoáveis os gastos
efetuados com confraternização e normais ao tipo de atividade da empresa, é de se
admitir como despesas necessárias.”
Em segundo lugar, há a decisão proferida pela 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes,
em 15.4.2004, no julgamento do Recurso nº 138.765, no qual, por unanimidade, ficou decidido:
“DESPESAS COM FESTIVIDADES. As comemorações do aniversário da
empresa, cumuladas com as festividades de fim de ano, visando a promover o
congraçamento entre todos os funcionários e seus respectivos familiares, fazem
parte do programa de relações humanas da empresa. Os gastos com tais
festividades são dedutíveis, desde que razoáveis face à receita bruta ou ao tamanho
do quadro funcional.”
Em terceiro lugar, cite-se a decisão prolatada pela mesma pela 1ª Câmara do 1º Conselho de
Contribuintes, que, ao julgar, em 17.3.2005, o Recurso nº 137.987, por unanimidade, decidiu:
“IRPJ – CUSTOS E DESPESAS OPERACIONAIS – DESPESAS COM
FESTIVIDADES NATALINAS – PERÍODO-BASE DE 1985 – A jurisprudência
administrativa admitia a apropriação como despesas operacionais de dispêndios
efetuados com comemorações natalinas e outras festividades que visem o
congraçamento, integração e motivação dos empregados desde que razoáveis para
o tipo de atividade desenvolvida pela pessoa jurídica.”
Em quarto lugar, veja-se a decisão proferida quando o julgamento do Recurso nº 138.804,
pela 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, em 24.2.2006:
“DESPESAS COM CONFRATERNIZAÇÃO. DEDUTIBILIDADE. Na medida
em que contribuem para melhoria do ambiente de trabalho, humanizando o
relacionamento empresa e empregados, aumentando a motivação para a
consecução dos objetivos sociais, as despesas com confraternização de fim de ano,
erroneamente apontadas como despesas com brindes, acabam beneficiando a
empresa, afigurando-se normais, usuais e necessárias, sendo, por isto mesmo,
dedutíveis.”
Portanto, indevida é a glosa da dedução, se os gastos têm finalidade social e se são módicos
em relação à receita bruta total da empresa.
De igual modo, os prêmios esporádicos e concedidos a funcionários, em valores módicos,
são normais e usuais. As despesas com esses benefícios, portanto, são dedutíveis.
A concessão de prêmios a empregados por via de sorteios periódicos é prática que se insere
na perseguição do bem-estar dos que prestam serviços à empresa, como forma de motivação que
visa – em última análise – à melhoria da eficiência dos resultados econômicos produzidos em
razão da relação de trabalho. A concessão de tal benefício decorre de cláusula tácita do contrato
de trabalho; logo, é no Direito do Trabalho que deve ser encontrada a sua natureza jurídica.
Pois bem, no Direito do Trabalho, prêmio é modalidade de gratificação que pode ser
considerada como parte indissociável do salário, segundo a doutrina de Orlando Gomes e Elson
Gottschalk,4 verbis:
“A gratificação que, na forma do contrato, da lei ou de outra fonte normativa, faz
parte integrante do salário, incorpora-se a este para todos os efeitos jurídicos.”
A vinculação ao contrato de trabalho afasta toda e qualquer consideração acerca do caráter
liberal (de liberalidade) da gratificação. Veja-se, uma vez mais, a doutrina dos referidos autores:
“Realmente, a vontade de obrigar-se ao pagamento da gratificação pode estar
implícita na conduta de quem o efetua. Inúmeros atos denunciam-na, gerando a
presunção de que ao efetuá-la cumpre o empregador um dever. Se tal presunção
não é destruída por atos outros, deve prevalecer como prova do ânimo de obrigar-
se.5
[...]
A possibilidade do nascimento da obrigação de gratificar por ajuste tácito é
reconhecida pelos tribunais de muitos países. A comprovação do acordo tácito
atinge sua etapa definitiva quando se forma na empresa o uso de gratificar os
empregados, ao qual o empregador não manifestou a vontade de interromper.”
Acerca da dedução de despesas com gratificação, a única vedação existente na legislação é
aquela do art. 302 do RIR/99, que se refere unicamente às gratificações a sócios, a dirigentes ou
a parentes destes. Não sendo este o caso, as despesas são dedutíveis, se em montante ínfimo, em
relação ao total das receitas obtidas no período.
1Em alentado estudo, Alberto Xavier e Helena de Araújo Lopes Xavier. IR – distinção entre
remuneração do trabalho, instrumento de trabalho e liberalidades sociais para efeitos
trabalhistas, previdenciários e de imposto de renda. Revista de Direito Tributário no 65. São
Paulo: Malheiros, 1994, p. 48.
2Para Eduardo de Sousa Carmo (Relações jurídicas na administração da S.A. Rio de Janeiro:
Aide, 1988, p. 127): “A assistência alimentar, social, médica, habitacional e educacional não
podem ser atendidas, a nível satisfatório, pela administração pública. As sociedades – e não
apenas as macroempresas – ganham em produtividade quantitativa e qualitativa quando
promovem uma honesta integração entre o emprego e o empregado”. Deste modo, “ganham,
então, os empregados, em conforto, e, especialmente, em segurança” e “ganham as empresas
com o trabalho aplicado e interessado de seus servidores”.
3Vide acórdão nº 1101-00.357, de 2.9.10, com a decisão proferida quando do julgamento, pelo
Conselho de Contribuintes, do Recurso nº 156.815.
4GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. C urso de direito do trabalho. 14. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 244.
5Idem, p. 242.
23.1DESPESAS DE PROPAGANDA
De acordo com o art. 366 do RIR/99, são admitidos como despesas dedutíveis os gastos com
propaganda, desde que os serviços de propaganda tenham pertinência direta com a atividade
explorada pela empresa, mas não são dedutíveis as despesas com brindes. Incluem-se entre as
despesas de propaganda: (a) os rendimentos específicos de trabalho assalariado, autônomo, ou
profissional, pagos ou creditados a terceiros, e a aquisição de direitos autorais de obra artística;
(b) as importâncias pagas ou creditadas a empresas jornalísticas, correspondentes a anúncios ou
publicações; (c) as importâncias pagas ou creditadas a empresas de radiodifusão ou televisão,
correspondentes a anúncios, horas locadas ou programas; e (d) as despesas pagas ou creditadas a
quaisquer empresas, inclusive de propaganda.
As despesas de propaganda, pagas ou creditadas a quaisquer empresas, somente serão
admitidas como despesa operacional quando a empresa beneficiada for registrada no Cadastro
Nacional da Pessoa Jurídica e mantiver escrituração regular. As despesas dessa natureza deverão
ser escrituradas destacadamente em conta própria.
Basicamente, dois são os tipos de propaganda: a institucional e a comercial. Propaganda
institucional visa a divulgar algum aspecto da empresa em si, das marcas que ela explora
(branding) ou dos valores que a movem. A propaganda comercial, por outro lado, tem como foco
o produto (um bem ou serviço) e visa a criar ou desenvolver um mercado consumidor para ele.
No primeiro caso, a despesa é dedutível porque o gasto visa a fortalecer a marca e tornar a empresa
conhecida, com o que se obtém aumento do seu valor de mercado. Afinal, uma marca bem
conceituada – isto é, estimada pelo mercado consumidor – aumenta a confiança dos clientes nos
produtos e contribui para o aumento da fatia de mercado (market share). De outra parte, os gastos
suportados pela pessoa jurídica para realizar uma propaganda comercial são intrinsecamente
ligados à geração de receitas porque visam a divulgar os valores positivos dos produtos com a
finalidade de aumentar as vendas e enfrentar a concorrência.
Também podem ser qualificadas como propaganda as ações que visam a divulgação de atos
exigidos por norma de ordem pública, como são as atas de assembleias, demonstrações financeiras
etc. Os gastos com a realização de tais eventos são normais e necessários em razão de lei. A
ligação com a fonte produtora é evidente nestes casos porque os serviços tomados visam a manter
a empresa (e a pessoa jurídica) em funcionamento normal, o que é indispensável para geração de
receitas.
Parece evidente, por outro lado, que não poderá ser considerada normal a despesa com
propaganda enganosa ou abusiva a que faz menção o art. 37 do Código de Defesa do Consumidor.
De acordo com o § 1º do citado preceito, é enganosa qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo,
mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e
serviços. Na forma do § 3º, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar
sobre dado essencial do produto ou serviço. Em relação à publicidade abusiva, o enunciado do §
2º do preceito antes mencionado a define como sendo aquela discriminatória de qualquer natureza
e que: incite a violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir
o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. O caráter
enganoso ou abusivo da publicidade deve ser declarado por quem de direito, de modo que a
autoridade fiscal não pode utilizar tais conceitos como pretexto para glosa de despesas.
23.2EMPRESAS EXPORTADORAS DE BENS E SERVIÇOS
De acordo com o art. 367, do RIR/99, é permitido às empresas exportadoras de produtos
manufaturados, inclusive às sociedades cooperativas, consórcios de exportadores, consórcios de
produtores, ou entidades semelhantes, imputar ao custo, destacadamente, para apuração do lucro
líquido, os gastos que, no exterior, efetuarem com promoção e propaganda de seus produtos, com
a participação em feiras, exposições e certames semelhantes, na forma, no limite e nas condições
determinados pelo Ministro de Estado da Fazenda.
23.3AMOSTRAS
É igualmente dedutível o valor das amostras, tributáveis ou não pelo IPI, distribuídas
gratuitamente por laboratórios químicos ou farmacêuticos e por outras empresas que utilizem esse
sistema de promoção de venda de seus produtos, sendo indispensável: (a) que a distribuição das
amostras seja contabilizada, nos livros de escrituração da empresa, pelo preço de custo real; (b)
que a saída das amostras esteja acompanhada de notas fiscais; e (c) que o valor das amostras
distribuídas em cada ano-calendário não ultrapasse os limites estabelecidos pela Secretaria da
Receita Federal, tendo em vista a natureza do negócio, até o máximo de 5% da receita obtida na
venda dos produtos, mas esse limite pode ser alterado, a critério da Secretaria da Receita Federal.
Essa limitação à dedutibilidade das amostras grátis não é aplicável ao valor das mercadorias
remetidas a título de bonificação, que têm uma outra finalidade, como será visto.
23.4PRÊMIOS E INCENTIVOS
São também dedutíveis os valores que o contribuinte suportar para concessão de prêmios
em campanhas promocionais, observadas as regras legais pertinentes e a vinculação desses gastos
a benefícios comerciais ou institucionais para a empresa.
Por vezes, as empresas oferecem prêmios e incentivos que não estão, necessariamente,
vinculados ao incremento de vendas ou à conquista de mercados: há casos em que visam colaborar
com o Poder Público e com a comunidade para preservar culturas ou patrimônio histórico ou,
ainda, quando pretendem incentivar o descobrimento e desenvolvimento de novas tecnologias.
Nesses casos, a dedutibilidade estará assegurada porque decorre da valorização da função social
da empresa e dos benefícios à comunidade.
23.5BONIFICAÇÕES EM MERCADORIAS
No desenvolvimento das relações comerciais é comum a prática da concessão de descontos
ou de bonificações em mercadorias, surgindo, então, expressões exóticas como a dúzia de treze e
semelhantes. Essa forma de comercialização visa, como é notório, ao aumento das vendas e dos
lucros das empresas, mas pode representar, também, uma forma de manutenção de uma fatia de
mercado, abalado por crescente aumento da competitividade entre os agentes econômicos. Trata-
se de estratégia de venda que traduz uma vantagem que o vendedor concede ao comprador que
preenche certos requisitos, como a compra de quantidades mínimas etc.
As mercadorias remetidas a título de bonificação não se enquadram no conceito de amostra,
pois visam a dar a conhecer suas características, suas propriedades físicas e químicas. As
bonificações, por outro lado, são descontos no preço das mercadorias vendidas e não simples
doação ao comprador. A venda com bonificação é operação de venda pura sujeita a modificações
que não a desnaturam. Portanto, os valores das mercadorias bonificadas são despesas dedutíveis
para a concedente se essa for a prática usual de mercado.
23.6BRINDES
A partir de 1º de janeiro de 1996, por força do art. 13 da Lei nº 9.249/95, passou a ser vedada
a dedução das despesas com brindes. Esse é o tipo de restrição que não passa por nenhuma bitola
de razoabilidade; é fruto de um espírito de miséria do legislador.
Os brindes, via de regra, são pequenos mimos que visam dar a conhecer a marca da empresa
e seus produtos. De acordo com o item 7 Parecer Normativo CST nº 15/76: “os brindes se
destinam a promover a organização ou empresa e não necessariamente seus produtos,
distinguindo-se, portanto, das amostras. Podem, todavia, ser a elas assemelhados, desde que
representados, exclusivamente, por objetos distribuídos gratuitamente, com a finalidade de
promoção”. A proibição de dedução das despesas com brindes, em valores moderados, não é
razoável em face da normalidade da distribuição de pequenos presentes, logo, parece certo que a
norma proibitiva deve sofrer uma espécie de redução teleológica de modo a excluir da proibição
os mimos que tenham evidente caráter promocional, da empresa ou dos produtos que ela fabrica
ou vende.
24.1CONTRIBUIÇÕES E DOAÇÕES DIVERSAS
As doações são, via de regra, liberalidades que podem ter uma finalidade beneficente ou
não. Quando as doações são feitas a entidades pias e beneficentes, elas se tornam manifestação
de apreço para com a comunidade e uma forma de colaboração para a diminuição da pobreza e
das desigualdades sociais; logo, as doações feitas com esses propósitos deveriam ser dedutíveis
sem qualquer restrição. Por outro lado, as contribuições visam a uma retribuição material ou moral
direta ou indireta, e, portanto, deveriam ser consideradas dedutíveis.
Todavia, na forma do caput do art. 365 do RIR/99, são vedadas as deduções decorrentes de
quaisquer doações e contribuições, exceto as seguintes:
“I – as efetuadas às instituições de ensino e pesquisa cuja criação tenha sido
autorizada por lei federal e que preencham os requisitos dos incisos I e II do art.
213 da Constituição, até o limite de um e meio por cento do lucro operacional,
antes de computada a sua dedução e a de que trata o inciso seguinte;
II – as doações, até o limite de dois por cento do lucro operacional da pessoa
jurídica, antes de computada a sua dedução, efetuadas a entidades civis, legalmente
constituídas no Brasil, sem fins lucrativos, que prestem serviços gratuitos em
benefício de empregados e respectivos dependentes da pessoa jurídica doadora, ou
em benefício da comunidade onde atuem, observadas as seguintes regras:
a) as doações, quando em dinheiro, serão feitas mediante crédito em conta corrente
bancária diretamente em nome da entidade beneficiária;
b) a pessoa jurídica doadora manterá em arquivo, à disposição da fiscalização,
declaração, segundo modelo aprovado pela Secretaria da Receita Federal,
fornecida pela entidade beneficiária, em que esta se compromete a aplicar
integralmente os recursos recebidos na realização de seus objetivos sociais, com
identificação da pessoa física responsável pelo seu cumprimento, e a não distribuir
lucros, bonificações ou vantagens a dirigentes, mantenedores ou associados, sob
nenhuma forma ou pretexto;
c) a entidade civil beneficiária deverá ser reconhecida de utilidade pública por ato
formal de órgão competente da União, exceto quando se tratar de entidade que
preste exclusivamente serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa
jurídica doadora, e respectivos dependentes, ou em benefício da comunidade onde
atuem.”
Há um sério problema de redação e de fundamento legal no caput do art. 365, do RIR/99,
acima transcrito. Esse preceito pretende fazer uma fusão entre os dispositivos dos itens V e VI do
art. 13 da Lei nº 9.249/95. Ocorre que o item V daquele preceptivo legal veda a dedução apenas
das “contribuições não compulsórias”, salvo daquelas que, mesmo não sendo compulsórias,
podem ser consideradas dedutíveis se observadas as regras do art. 360 do RIR/99. O texto
do caput do art. 365 do RIR/99 não faz essa distinção entre contribuições compulsórias, que
seriam dedutíveis na forma da lei, e contribuições não compulsórias. Ele se refere simplesmente
a “contribuições”, o que torna a regra muito mais abrangente que o texto da lei. Temos, aí, um
problema de ilegalidade.
Existem muitas situações em que essas regras podem ser aplicadas, e não são poucas as
dificuldades daí decorrentes. Tomemos um exemplo bastante comum, o de uma empresa que faz
doações periódicas a pessoas jurídicas constituídas para oferecer opções de lazer, esporte,
consumo etc. (os conhecidos “grêmios”, “associações desportivas classistas”, dentre outros), em
prol de seus empregados. Essas pessoas jurídicas são constituídas, salvo em casos específicos, no
interesse de um grupo determinado de pessoas, sem se converter em entidade filantrópica ou algo
semelhante. Nesses, e em outros casos semelhantes, há dúvida sobre a dedutibilidade das
despesas.
Essas dúvidas não são meras conjecturas. Elas já existiam mesmo antes do advento do inciso
VI, do caput e dos incisos II e III do § 2º do art. 13 da Lei nº 9.249/95, que é matriz legal do art.
365 do RIR/99. Esses dispositivos legais revogaram os anteriores que, de forma direta e explícita,
admitiam a dedutibilidade: (a) de doações a organizações desportivas, recreativas e culturais
constituídas para os empregados de empresa; (b) a pessoa jurídica de direito público; (c) a
instituições filantrópicas e de educação, pesquisas científicas e tecnológicas, desenvolvimento
cultural ou artístico; e (d) sob a forma de bolsas de estudos e prêmios de estímulo à produção
intelectual.
As respostas que podem ser oferecidas dependem da situação de cada caso individualmente
considerado. De qualquer sorte, a dedutibilidade das quantias doadas está assegurada quando
visam proporcionar benefícios sociais em favor dos empregados, tais como os referidos no art.
360 do RIR/99, que dispõe sobre a dedutibilidade de gastos com serviços assistenciais. Afora
essas circunstâncias, as doações não podem ser tidas por dedutíveis.
Mesmo as doações que podem ser consideradas dedutíveis têm o seu valor dedutível
limitado a um percentual do lucro operacional. Assim, se o lucro operacional é negativo, não há
qualquer parcela a ser considerada dedutível.
24.2OPERAÇÕES DE CARÁTER CULTURAL, ARTÍSTICO E
ATIVIDADE AUDIOVISUAL
Sem prejuízo da dedução do imposto devido, e observado o disposto no art. 475 do RIR/99,
a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir integralmente, como despesa
operacional, os valores efetivamente contribuídos em favor de projetos culturais ou artísticos, na
forma da regulamentação do Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC). Essa permissão,
todavia, não se aplica aos dispêndios com doações e patrocínios na produção cultural dos
segmentos de que trata o art. 476 do RIR/99.
Os investimentos em atividade audiovisual, observados os requisitos da lei, sem prejuízo da
dedução do imposto devido, poderão ser considerados como despesa operacional. Há que se
observar, todavia, que esse abatimento deverá ser efetuado mediante ajuste ao lucro líquido para
determinação do lucro real.
24.3OUTRAS DOAÇÕES
Como regra geral, as doações são não dedutíveis, todavia, algumas normas autorizam
deduções de valores gastos a esse título em situações especiais. Assim, são dedutíveis as doações
feitas em favor: do PRONAC (Lei nº 8.313/91; a instituições de ensino e pesquisa cuja criação
tenha sido autorizada por lei federal, sem finalidade lucrativa – limitadas a 1,5% do lucro
operacional); de entidades civis sem fins lucrativos legalmente constituídas no Brasil que prestem
serviços em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e respectivos dependentes, ou
em benefício da comunidade onde atuem – limitadas a 2% do lucro operacional). A partir de 2001,
incluem-se também como dedutíveis as doações efetuadas às Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), qualificadas segundo as normas estabelecidas na Lei nº 9.790/99 e art.
59 da Medida Provisória nº 2.158-35/01.
25.1CONCEITO
Por despesas financeiras devem ser entendidos os custos relativos à obtenção de recursos
para a manutenção da fonte produtora. Neste conceito estão abrangidos os valores relativos à
atualização monetária ou cambial de obrigações assumidas pela pessoa jurídica, inclusive as
relacionadas com aquisições de mercadorias e serviços.
As despesas financeiras submetem-se a todos os critérios de dedutibilidade previstos para
as despesas em geral; em outras palavras, elas também devem ser usuais, normais, necessárias e
devem estar adequadamente provadas, além de estarem submetidas a regras especiais de dedução,
como são as relativas à distribuição disfarçada de lucros, preços de transferências,
subcapitalização e obtidas de residentes em países com tributação favorecida. A imputação
temporal das despesas deve ser feita, via de regra, segundo o regime de competência que, no caso,
deve guardar consonância com o tempo de uso do capital de terceiros. Em resumo, as despesas
financeiras devem ser imputadas pro rata tempore e esse critério satisfaz ao princípio norteador
do regime de competência.
Participam do caráter de despesas financeiras os valores imputados ao resultado que derivem
de ajustes ao valor presente de ativos, na forma exigida pela Lei nº 11.638/07.
25.2JUROS SOBRE EMPRÉSTIMOS E FINANCIAMENTOS
Na forma do caput do art. 374 do RIR/99, o valor dos juros pagos ou incorridos pelo
contribuinte será dedutível como custo ou despesa operacional, desde que observado o seguinte:
(a)os juros pagos antecipadamente, os descontos de títulos de crédito, e o deságio
concedido na colocação de debêntures ou títulos de crédito deverão ser
apropriados, pro rata temporis, nos períodos de apuração a que competirem;
(b)os juros de empréstimos contraídos para financiar a aquisição ou construção de
bens do ativo permanente, que forem incorridos durante as fases de construção e pré-
operacional, podem ser registrados no Ativo Diferido, para serem amortizados
futuramente.
Os juros podem ser imputados diretamente ao resultado do período-base ou podem ser
registrados em conta do Ativo Diferido, se relativos a obrigações decorrentes da aquisição ou
construção de bens do Ativo Permanente em certas circunstâncias. Os valores relativos aos juros
que devem ser imputados ao resultado de acordo com o tempo de utilização do capital (pro rata
temporis) são aqueles que forem pagos antecipadamente e que, por essa razão, devem ser
registrados em conta de Ativo, como despesa paga antecipadamente ou “juros a transcorrer”. Por
outro lado, numa empresa em marcha, os juros imputáveis ao Ativo Diferido são os incorridos no
período da construção dos bens; nas sociedades já constituídas, mas em fase pré-operacional, todo
o montante dos juros relacionados aos bens pode ser registrado no Ativo Diferido. O preceito em
questão é claro ao estabelecer que registro do valor dos juros no Ativo Diferido é uma faculdade
que pode ou não ser exercida.
25.2.1Novas normas contábeis e a Lei nº 12.973/14
As novas normas contábeis editadas após o advento da Lei nº 11.638/07 determinaram a
extinção do grupo de contas que formava o Ativo Diferido. Por outro lado, o item 8 do CPC 20
estabelece que “a entidade deve capitalizar os custos de empréstimo que são diretamente
atribuíveis à aquisição, à construção ou à produção de ativo qualificável como parte de custo do
ativo”. De acordo com o item 9 do mesmo CPC 20, “custos de empréstimos que são diretamente
atribuíveis à aquisição, construção ou produção de ativo qualificável devem ser capitalizados
como parte do custo do ativo quando for provável que eles irão resultar em benefícios econômicos
futuros para a entidade e que tais custos possam ser mensurados com confiabilidade”. A rigor,
essa norma contábil estabelece que também os juros vinculados ao financiamento de certos ativos
realizáveis – como são os estoques – devem ser registrados em conta de Ativo; com efeito, o item
5 do CPC estabelece o conceito de “ativo qualificável” como sendo “um ativo que,
necessariamente, demanda um período substancial para ficar pronto para seu uso ou venda
pretendidos”.
O cotejo das normas contábeis com a regra insculpida no item II do art. 374 do RIR/99
revela que há entre elas uma espécie de conflito que se resolve com base no princípio da
especialidade. Desse ponto de vista, é possível cogitar que as despesas financeiras que forem
capitalizadas – em face da obrigação imposta pelas normas contábeis – poderão, a critério do
sujeito passivo, virem a ser excluídas na determinação do lucro real posto que a capitalização é,
para fins fiscais, uma faculdade e não uma imposição. Essa exclusão tem caráter temporário e
funciona como uma espécie de depreciação acelerada incentivada. Se, por outro lado, o
contribuinte pretender atrelar a dedução ao registro contábil, o valor capitalizado será imputado
ao resultado como parte integrante da depreciação ou custo de aquisição na eventual alienação ou
baixa. Essa depreciação, a rigor, deve ser tratada como “despesa financeira”, para seguir o modelo
antigo, quando os valores eram registrados em conta do Ativo Diferido, de interesse especial para
os contribuintes que calculam benefícios fiscais com base no Lucro da Exploração.
A Lei nº 12.973/14, que decretou o fim do RTT, manteve íntegra a norma da Medida
Provisória nº 627/13, que deu nova redação ao art. 17 do Decreto-lei nº 1.598/77. De acordo com
o enunciado do § 1º do preceito citado, sem prejuízo do disposto no art. 13 da Lei nº 9.249, de 26
de dezembro de 1995, os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo
ou despesa operacional, observadas as seguintes normas: (a) os juros pagos antecipadamente, os
descontos de títulos de crédito, a correção monetária prefixada e o deságio concedido na
colocação de debêntures ou títulos de crédito deverão ser apropriados, pro rata tempore, nos
exercícios sociais a que competirem; e (b) os juros e outros encargos, associados a empréstimos
contraídos, especificamente ou não, para financiar a aquisição, construção ou produção de bens
classificados como estoques de longa maturação, propriedade para investimentos, ativo
imobilizado ou ativo intangível, podem ser registrados como custo do ativo, desde que incorridos
até o momento em que os referidos bens estejam prontos para seu uso ou venda. Em face do
disposto no § 2º da referida norma, considera-se como encargo associado a empréstimo aquele
em que o tomador deve necessariamente incorrer para fins de obtenção dos recursos.
Para correta interpretação e aplicação das novas normas, é necessário separar os juros e
demais encargos de caráter financeiro incorridos em cada período-base de acordo com o destino
e utilização dos recursos financeiros que deram origem aos juros.
Os valores relativos aos juros e encargos incorridos e vinculados a operações de crédito
destinadas a financiar a aquisição, construção ou produção de bens classificados como estoques
de longa maturação, propriedade para investimentos, ativo imobilizado ou ativo intangível,
podem ser registrados como custo do ativo até o momento em que os referidos bens estejam
prontos para seu uso ou venda. Esses juros ou encargos, portanto, podem ser registrados em conta
de Ativo ou serem imputados diretamente aos resultados do período, de acordo com as normas
contábeis aplicáveis em cada caso. Em razão do disposto no § 3º do art. 17 do Decreto-lei nº
1.598/77, em tais circunstâncias, para fins de determinação do lucro real, os valores relativos aos
juros e outros encargos poderão ser excluídos na apuração do lucro real quando incorridos,
devendo ser adicionados quando o respectivo ativo for realizado, inclusive mediante depreciação,
amortização, exaustão, alienação ou baixa. A dedução, portanto, está autorizada (observados os
limites e requisitos de dedutibilidade pertinentes) nos períodos em que os juros e encargos se
tornarem incorridos e independentemente de serem imputados aos resultados. A exclusão
autorizada pela regra do § 3º do art. 17 do Decreto-lei nº 1.598/77 tem o caráter de exclusão
temporária, de modo que o contribuinte deve manter controles contábeis e fiscais para segregar e
apurar os valores que afetarão resultados futuros por via de depreciação, amortização, exaustão,
alienação ou baixa. Deverá o contribuinte manter controles adequados para distinguir tais parcelas
das relativas a ajustes por imparidade e os impostos por normas sobre preços de transferência e
eventuais outras, de modo a evitar duplicidade favorável a si ou para o fisco.
A principal modificação, no entanto, decorre da determinação legal de submissão dos juros
e demais encargos financeiros aos critérios de dedução previstos no art. 13 da Lei nº 9.249/95.
Esse preceito dispõe que certas despesas somente podem ser deduzidas se guardarem uma relação
de inerência com a produção ou comercialização de bens e serviços; de modo mais preciso, a lei
exige que os bens recebidos (no caso o capital obtido de outrem) sejam “intrinsecamente
relacionados com a produção ou comercialização dos bens e serviços”. A dificuldade de aplicação
prática deste preceito pode ser inferida a partir do adágio popular segundo o qual “dinheiro não
tem carimbo” e porque a lei é omissa acerca dos mecanismos de controle e sobre critérios de
determinação dos limites de dedução. Em geral, os empréstimos e as operações de crédito em
geral visam a prover recursos necessários ao financiamento das operações da empresa como um
todo, e, por isso, os recursos ingressados podem estar atrelados à produção e comercialização do
mesmo modo que podem vir a serem utilizados para pagar obrigações decorrentes de gastos
qualificados como despesas comerciais, administrativas, tributárias etc. Além disso, fica difícil
aplicar a norma aos contribuintes que produzem ou comercializam bens.
A Lei contém apenas e tão somente uma definição contida no enunciado do § 2º do art. 17,
segundo o qual “considera-se como encargo associado a empréstimo aquele em que o tomador
deve necessariamente incorrer para fins de obtenção dos recursos”. Essa estipulação normativa se
torna demasiadamente vaga e imprecisa quando se constata que a lei não indica como a
necessidade do recurso deve ser provada e como o montante respectivo deve ser determinado ou
calculado. Enfim, a lei não diz como deve ser feita alocação dos eventuais recursos próprios
(gerados pela operação da empresa) que, juntamente com os recursos obtidos de terceiros visam
a financiar o funcionamento da empresa como um todo e a alocação de recursos em medidas
gerenciais destinadas ao crescimento e inovação de processos e produtos na e da empresa. Numa
indústria, o custo da produção ou fabricação abrange os bens vendidos no período e os estoques
formados existentes no fim deste mesmo período; por isso, parece razoável supor que o limite de
dedução dos juros deve ser calculado pela aplicação da taxa média de juros no período (praticada
pelo sujeito passivo ou no mercado) sobre o montante corrigido (de acordo com os índices oficiais
de inflação) do valor resultante da seguinte fórmula: A + B – C, onde: “A” corresponde ao valor
total dos custos imputados ao resultado; “B” corresponde ao valor dos estoques finais e que deve
ser diminuído do montante dos estoques iniciais e dos eventuais acréscimos para registro de
mensuração com base no valor justo; e “C” corresponde ao montante dos passivos associados à
formação dos custos dos produtos vendidos ou em estoque, inclusive eventuais provisões.
25.2.2Despesa com emissão de ações e demais encargos
A Lei nº 12.973/14 modificou o texto do Decreto-lei nº 1.598/77 para inserir os arts. 38-A e
38-B e que dispõem sobre o tratamento fiscal das despesas com emissão de ações ou outros
valores mobiliários e sobre a remuneração de títulos utilizados como instrumentos híbridos de
participação e dívida. O primeiro preceito estabelece que os custos suportados pela pessoa jurídica
para obtenção de recursos próprios, mediante a distribuição primária de ações ou bônus de
subscrição contabilizados no patrimônio líquido, poderão ser excluídos, na determinação do lucro
real, quando incorridos. A norma permite a dedução de despesas incorridas e suportadas pela
pessoa jurídica quando da captação de recursos sob a forma de ações ou bônus de subscrição,
ainda que os respectivos valores não sejam imputados ao resultado do período em razão de
exigência imposta por norma de caráter contábil. A exclusão tem caráter permanente, mas a lei
faz menção apenas à dedução para fins de cálculo do lucro real e, portanto, silencia a respeito do
efeito na base de cálculo da CSLL.
A regra do art. 38-B, por outro lado, estabelece que os valores relativos à remuneração, aos
encargos, despesas e demais custos, ainda que contabilizados no patrimônio líquido, referentes a
instrumentos de capital ou de dívida subordinada, exceto ações, poderão ser excluídos na
determinação do lucro real e da base de cálculo de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
quando incorridos. Neste caso, a dedução é também autorizada, mesmo que os valores não sejam
imputados ao resultado período e a exclusão – que o meio de viabilizar a dedução – tem caráter
permanente. O preceito trata das despesas suportadas pela pessoa jurídica para remunerar titulares
de títulos de qualquer natureza que tenham sido emitidos para obtenção de recursos para o
patrimônio social e que sejam considerados como instrumentos híbridos de participação e dívida,
exceto ações. A remuneração paga a titulares de ações utilizadas como instrumentos híbridos de
participação e dívida, sob a forma de dividendos ou juros, ainda que registradas como despesa
financeira, não são dedutíveis para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL com base no disposto no §
3º do art. 10 da Lei nº 9.249/95, com redação dada pela Lei nº 12.973/14. Em relação às ações é
admitida a dedução de juros sobre o capital na forma do disposto no § 12 do art. 9º da Lei nº
9.249/95. Em face do disposto no § 3º do art. 38-B, na hipótese de estorno por qualquer razão, em
contrapartida de conta de patrimônio líquido, os valores anteriormente deduzidos deverão ser
adicionados nas respectivas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
25.2.3Aquisição de investimentos por sociedades holdings
Em 2008 foi editada a Lei nº 11.727, que, no art. 31, estabelece um regime tributário
específico para as despesas financeiras vinculadas à aquisição de investimentos. O preceito em
questão tem a seguinte redação:
“Art. 31. A pessoa jurídica que tenha por objeto exclusivamente a gestão de
participações societárias (holding) poderá diferir o reconhecimento das despesas
com juros e encargos financeiros pagos ou incorridos relativos a empréstimos
contraídos para financiamento de investimentos em sociedades controladas.
§ 1º A despesa de que trata o caput deste artigo constituirá adição ao lucro líquido
para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social
sobre o lucro líquido e será controlada em livro fiscal de apuração do lucro real.
§ 2º As despesas financeiras de que trata este artigo devem ser contabilizadas
individualizadamente por controlada, de modo a permitir a identificação e
verificação em separado dos valores diferidos por investimento.
§ 3º O valor registrado na forma do § 2º deste artigo integrará o custo do
investimento para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação ou
liquidação do investimento.”
A regra estabelece um diferimento da dedução das despesas para o momento em que ocorrer
a eventual alienação ou liquidação de investimentos adquiridos por sociedades holdings puras.
Com isso evita-se a formação de prejuízo fiscal cuja compensação é limitada.
25.3VARIAÇÕES MONETÁRIAS
Na forma do art. 377 do RIR/99, na determinação do lucro operacional deverão ser
computadas, de acordo com o regime de competência, as contrapartidas das variações monetárias,
em função da oscilação da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes contratados, aplicáveis
em virtude de disposição legal ou contratual, sobre o valor das obrigações do contribuinte, assim
como as perdas cambiais e monetárias realizadas no recebimento de créditos. As variações
monetárias serão consideradas, para efeito da legislação do imposto, despesas financeiras.
Compreendem-se, nas disposições dos arts. nos 375 e 377 do RIR/99, as variações monetárias
apuradas mediante:
(a)compra ou venda de moeda ou valores expressos em moeda estrangeira, desde que
efetuada de acordo com a legislação sobre câmbio;
(b)conversão do crédito ou da obrigação para moeda nacional, ou novação dessa
obrigação, ou sua extinção, total ou parcial, em virtude de capitalização, dação em
pagamento, compensação, ou qualquer outro modo, desde que observadas as
condições fixadas pelo Banco Central do Brasil;
(c)atualização das obrigações em moeda estrangeira, registrada em qualquer data e
determinada no encerramento do período de apuração em função da taxa vigente.
De acordo com o art. 30 da Medida Provisória nº 1.858-10, de 26 de outubro de 1999, a
partir de 1º de janeiro de 2000 as variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do
contribuinte, em função da taxa de câmbio, serão consideradas tributáveis ou dedutíveis, para
efeito de determinação do lucro real e do lucro da exploração, no período-base em que ocorrer a
liquidação da correspondente operação.
Assim, o valor das variações monetárias passivas só pode ser considerado dedutível no
período-base quando houver a liquidação da correspondente operação, ainda que os registros
contábeis tenham sido feitos com observância do regime de competência. Assim, se o contribuinte
contabilizar despesas dessa espécie de acordo com o regime de competência, quando vier a
calcular o valor do lucro real, fará uma adição correspondente ao valor das variações monetárias
de operações ainda não liquidadas na data do balanço que serviu de base à apuração do lucro real.
No futuro, isto é, quando ocorrer a liquidação da operação que deu origem à variação monetária
ativa, o contribuinte deve efetuar uma adição, na determinação do lucro real, do valor
correspondente. Esse valor será total ou parcial, porque uma operação pode ser parcialmente
liquidada. O mesmo procedimento deve ser adotado quando do cálculo do Lucro da Exploração.
A lei permite que o contribuinte adote o regime de competência para fins de dedução de
despesas e tributação de receitas, desde que faça a opção no tempo devido e a mantenha por todo
o ano-calendário. Durante o ano calendário, é possível mudar o regime desde que ocorra elevada
oscilação da taxa de câmbio, na forma definida no art. 5º da IN 1.079/10. Em qualquer caso, o
contribuinte deverá passar a adotar o mesmo critério para cálculo, se for o caso, dos tributos
devidos com base nas receitas.
Em 2017, foi editada a IN 1.753 para regular os efeitos fiscais da adoção, prevista no item
01 da Revisão de Pronunciamentos Técnicos nº 09, divulgado em 22 de dezembro de 2016 pelo
Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), que autoriza as entidades a adotar, para elaboração
das demonstrações financeiras, de taxas de câmbio diferentes das divulgadas pelo Banco Central
do Brasil. Nesses casos, o contribuinte deverá: (a) adicionar, na parte A do e-LALUR e do e-Lacs
as variações cambiais passivas reconhecidas no período de apuração com base em taxa de câmbio
diferente da divulgada pelo BCB; e (b) excluir, na parte A do e-LALUR e do e-Lacs, as variações
cambiais passivas que teriam sido reconhecidas no período de apuração caso tivesse sido utilizada
a taxa de câmbio divulgada pelo BCB. No cálculo do lucro da exploração de que trata o art. 19
do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, o contribuinte deve desconsiderar as
variações cambiais ativas e passivas reconhecidas com base em taxa de câmbio diferente da
divulgada pelo BCB, substituindo-as pelas variações cambiais ativas e passivas que teriam sido
reconhecidas com base na taxa de câmbio divulgada pelo BCB.
25.4ENCARGOS FINANCEIROS DE EMPRÉSTIMOS ENTRE
EMPRESAS LIGADAS
São várias as questões em torno da contratação de empréstimos entre empresas ligadas, seja
sob a forma de contrato de mútuo ou contrato de conta-corrente. Algumas questões, que dizem
respeito aos preços de transferências, serão tratadas em capítulo específico.
Um primeiro problema diz respeito à formalização da movimentação de recursos. Ela pode
ser feita por intermédio de contratos de mútuos ou de conta-corrente, e há casos em que não existe
um instrumento formal, em que o regime jurídico de um desses contratos é que deverá ser aplicado
à espécie. Na Solução de Consulta nº 225/01, da 8ª RF, ficou esclarecido que seriam dedutíveis
como custo ou despesas operacionais os juros abonados aos empréstimos e saldos credores de
contas-correntes de sócio, acionista, dirigente, administrador ou participante nos lucros da pessoa
jurídica, desde que haja contrato escrito com cláusula expressa. As taxas percentuais ajustadas,
segundo a referida Solução de Consulta, não poderão ser superiores às comumente utilizadas no
mercado financeiro nem às relativas aos empréstimos menos onerosos obtidos pela pessoa
jurídica.
Pois bem, a exigência de contrato escrito não tem base em lei; a exigência é absurda,
porquanto nos casos em que a lei não exige forma ou solenidade especial a prova pode ser
produzida por todas as formas em direito admitidas, especialmente as mencionadas no art. 212 do
novo Código Civil. Trata-se de exigência anacrônica veiculada por intermédio do Parecer
Normativo CST nº 10/85.
Existem outras questões de ordem material que interferem decisivamente na aplicação das
normas que dizem respeito à dedutibilidade de encargos financeiros nas operações realizadas
entre empresas ou pessoas ligadas. É o que será visto, a seguir.
25.4.1Juros pagos a coligadas ou controladas no exterior
De acordo com o parágrafo único do art. 374 do RIR/99, não será dedutível, na determinação
do lucro real, o valor dos juros, pagos ou creditados, a empresas controladas ou coligadas,
domiciliadas no exterior, relativos a empréstimos contraídos, quando, no balanço da coligada ou
controlada, constar a existência de lucros não disponibilizados para a controladora ou coligada no
Brasil. Depois de uma mudança operada pela Lei nº 9.959/00, a matéria foi sensivelmente
modificada com o advento do art. 35 da Medida Provisória nº 2.037-24, de 23 de novembro de
2000, que modificou o § 3º do art. 1º da Lei nº 9.532/97, que fora modificado pela Lei nº
9.959/2000. De acordo com aquele preceito:
“não serão dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da
contribuição social sobre o lucro líquido os juros, relativos a empréstimos, pagos
ou creditados a empresa controlada ou coligada, independente do local de seu
domicílio, incidentes sobre valor equivalente aos lucros não disponibilizados por
empresas controladas, domiciliadas no exterior.”
A regra que determina a indedutibilidade dos juros pagos ou creditados a empresa coligada
ou controlada, após o advento da Medida Provisória nº 2.037-24, só será aplicada diante da
presença de duas condições cumulativas. A primeira é de que os empréstimos tenham sido
tomados junto a empresa coligada ou controlada com domicílio no Brasil ou exterior; a segunda
é a de que a tomadora dos empréstimos seja controladora de empresa domiciliada no exterior com
lucros não disponibilizados. Essa norma deve ser interpretada de acordo com as disposições que
tratam da disponibilização dos lucros apurados por controladas no exterior. Ela foi editada quando
o regime de tributação dos lucros do exterior se baseava na efetiva distribuição ou distribuição
presumida, de modo que a controladora brasileira não podia deduzir despesas financeiras por
tomar capitais de empresa no exterior nos casos em que ela preferia não distribuir lucros e
transferir recursos à controladora com a finalidade de evitar a exigência do imposto sobre o lucro
apurado no exterior. Pois bem, considerando que a lei prescreve que a disponibilização dos lucros
passou a ser automática, a condição para não incidência da norma que veda a dedução está
cumprida de antemão, sendo desnecessária qualquer forma de distribuição efetiva e transferência
de capitais. Portanto, a rigor, a norma deixou de ter eficácia porque o seu suposto teleológico não
mais existe; todavia, isso não impede que a norma geral sobre dedução de despesas seja aplicada
em cada caso para se aquilatar a eventual “necessidade” da despesa.
25.4.2Juros pagos ou creditados a sociedades controladoras
A dedução dos juros pagos ou creditados a sociedades controladoras, no exterior, está sujeita
a pelo menos quatro espécies de regras. Em primeiro lugar, aplicam-se as normas gerais sobre
necessidade e normalidade da despesa; em segundo lugar, a dedução não pode ultrapassar aos
limites estipulados pelas regras que dispõem sobre preços de transferências. Em terceiro lugar, há
que observar as condições de dedução impostas pelas normas sobre distribuição disfarçada de
lucros. Finalmente, em quarto lugar, não se pode excluir a possibilidade de aplicação, em certas
circunstâncias, das regras sobre endividamento abusivo por intermédio de subcapitalização.
O Conselho de Contribuintes se pronunciou sobre um rumoroso caso em que o contribuinte
autuado recebeu recursos de sua controladora no exterior e que, sem que tivessem passado por
suas contas bancárias, foram remetidos a uma sociedade controlada no exterior. Os recursos foram
utilizados para adquirir participação societária de empresa localizada no Brasil, que foi logo em
seguida incorporada pela pessoa jurídica autuada. A autuação foi feita sob o fundamento de que
as despesas financeiras assumidas não eram necessárias à manutenção de suas atividades haja
vista que a mutuante (controladora com sede no exterior), por dispor de recursos segundo o relato
de suas demonstrações financeiras, poderia ter injetado os recursos sob a forma de capital em vez
de empréstimos. O caso foi levado ao Conselho de Contribuintes, que acolheu as razões do
contribuinte e determinou o cancelamento do auto de infração com base nos seguintes
argumentos, extraídos da ementa do acórdão nº 101-96.053 (recurso nº 149.841, julgado em 28
de março de 2007) da 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes:
“EMPRÉSTIMOS CONTRAÍDOS NO EXTERIOR COM CONTROLADORA –
DEDUTIBILIDADE DOS ENCARGOS – IRPJ CSLL – Tendo em vista (1) a
inexistência de regras referente a indedutibilidade por subcapitalização, (2) a
efetividade do empréstimo contraído, (3) a natureza de mera condução do repasse
do valor para operações instantâneas no Uruguai (em benefício do vendedor de
participação societária e não do comprador, ora recorrente), (4) a possibilidade
jurídica do empréstimo, bem como (5) a tributação dos valores dos encargos
creditados ou pagos ao exterior, há de se admitir a dedutibilidade dos encargos com
variações passivas e juros. Recurso voluntário provido.”
Em grau de Recurso Especial, a referida decisão foi apreciada pela Câmara Superior de
Recursos Fiscais, em sessão de 24 de agosto de 2009, onde o recurso recebeu o número 101-
149.841 (acórdão nº 9101-08.288). De acordo com o relatório, várias questões forma suscitadas
com o objetivo de justificar a autuação, a saber:
(a)em primeiro lugar, foi questionada a veracidade do mútuo, haja vista que os
recursos não transitaram pelo patrimônio da pessoa jurídica autuada. Essa questão foi
superada com as provas apresentadas;
(b)em segundo lugar, foi ventilada a questão do beneficiário efetivo dos empréstimos
porque a mutuante detinha o controle absoluto da controlada (a pessoa jurídica
autuada), de modo que a operação foi tratada como sendo self-dealing, com
desconsideração1 das personalidades jurídicas;
(c)em terceiro lugar, foi cogitada a hipótese de ter havido escolha injustificável,
posto ao fazer empréstimos em lugar de aportar capital,2 a mutuante quis criar
despesas que poderiam ter sido evitadas se houvesse optado pela capitalização, de
modo que as despesas seriam fruto de uma liberalidade;3
(d)em quarto lugar, cogitou-se que a decisão pelo empréstimo teria sido fruto de um
“ato anormal de gestão”;
(e)em quinto lugar, houve o uso de conduit companies, sendo uma delas de duração
efêmera, quando – a juízo da relatora – havia um caminho mais simples de adquirir a
participação societária da empresa brasileira.
Na ementa da decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais essas questões
não transparecem, sendo que – ao longo do julgamento – algumas foram consideradas irrelevantes
e outras foram superadas pelas provas apresentadas. A ementa da decisão está assim redigida:
“DESPESAS NÃO NECESSÁRIAS. Caracterizam-se como desnecessárias e,
portanto, indedutíveis do Lucro Real, as despesas de juros e variações cambiais
relativas a empréstimo efetuado por meio de um contrato de mútuo, em que a
mutuante é sócia-quotista que detém 99,99% do capital social da mutuaria e
dispunha de recursos para integralizar o capital.”
O ponto de apoio da decisão foi o fato de que a capitalização dos recursos era possível, e,
deste modo, as despesas poderiam ter sido evitadas. Ocorre, todavia, que inexistia (ou ainda não
existe) norma alguma que proibisse a contratação de empréstimo junto a pessoa ligada, e, no caso,
tendo sido provado o emprego dos recursos na aquisição de uma empresa rentável, parece certo
que a necessidade da despesa foi devidamente demonstrada. É óbvio, todavia, que a licitude dos
negócios de captação de recursos, por si só, não constitui causa suficiente para justificar a
dedução; afinal, no Brasil, toda despesa, para ser dedutível, deve passar pelo filtro na normalidade,
necessidade ou usualidade. A normalidade de uma despesa financeira é algo notório se
considerarmos que todo capital alheio tem um custo, de modo que comprar a prazo e pagar juros
é algo absolutamente normal.4No caso concreto, os encargos financeiros decorrem de
financiamento para a aquisição de uma empresa em marcha, e que, a despeito de não ser uma
operação corriqueira, visou a realizar o objeto social da mutuária, e, o que é mais, importante,
visou a gerar riqueza5 para a adquirente; logo, o requisito da normalidade parece ter sido plena e
devidamente atendido. A razão da decisão, no entanto, teve como foco a questão da necessidade
da despesa, cuja verificação, no caso concreto, se torna complexa em razão do desenho da
operação, que envolveu um “passeio” dos recursos por empresas de duração efêmera. O resumo
da operação, no entanto, é bastante claro: a pessoa jurídica autuada adquiriu uma participação
societária em sociedade que posteriormente incorporou e assumiu o compromisso de pagar uma
dívida que contraíra e cujos recursos foram entregues a outra sociedade para adquirir a
participação societária e que lhe foi “paga” com os títulos.
O argumento utilizado na decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos para negar a
dedução é problemático porque envolve um juízo de valor acerca da decisão da sociedade
controladora, que – segundo as provas dos autos – obteve recursos de empréstimos externos que
foram repassados à pessoa jurídica autuada. Ao emprestar – a juros – os recursos para a controlada
no Brasil adquirir uma empresa em marcha, a controladora agiu de modo plenamente lícito,
normal e justificável, nada obstante o fato de que tinha ao seu dispor outros caminhos com o
mesmo resultado final. O CARF julgou a decisão política de uma pessoa que não fazia parte do
processo em julgamento, e o fez porque considerou que se tratava de um contrato consigo mesmo,
que, todavia, não prevaleceu para fins de pagamento dos tributos devidos na fonte. Enfim, o
contribuinte brasileiro teve contra si fatos sobre os quais não pôde decidir, e, deste modo, parece
insustentável dizer que a operação produziu despesa por liberalidade quando esse suposto ato
liberal é imputado a alguém que não foi acusado e não se defendeu no processo.
Essa decisão foi proferida antes do advento da lei que dispõe sobre o regime tributário das
despesas incorridas em caso de subcapitalização, mas na vigência das normas sobre preços de
transferência e sobre distribuição disfarçada de lucros. O que prevaleceu, no entanto, foi a
discussão acerca da necessidade da despesa, e o órgão julgador, para justificar suas razões, fez
juízo de valor acerca das escolhas empresariais. No caso, a fiscalização entrou no mérito de
decisão sobre modo de aquisição de participação societária em empresa existente e rentável. Não
se cogitou, desde a autuação, de ter havido alguma fraude à lei ou abuso do direito; mas a decisão
considerou inválida a opção adotada porque entendeu que havia um caminho alternativo pelo qual
as despesas poderiam ter sido evitadas.
Em princípio, o valor da parcela dedutível, em cada caso, deve ser determinado com as taxas
de encargos que sejam compatíveis com as praticadas no mercado.6 A apuração do valor dedutível
deve ser feita após a constatação da necessidade da despesa e, observados, ademais, os limites
constantes das regras sobre preços de transferências ou sobre subcapitalização, se for o caso.
25.4.3Repasse de empréstimos
Quando uma pessoa jurídica contrata um empréstimo ou financiamento com terceiro e
repassa parte dos recursos a empresas ligadas, ela deve exigir encargos financeiros em montante
ao menos equivalente ao que tiver de pagar ao terceiro. Se isso não ocorre, e sendo ela tributada
com base no lucro real, a diferença entre o valor dos encargos que suportar e aquele que cobrar
da empresa ligada constituirá despesa não dedutível, posto que não atenderá, em relação a essa
diferença, ao requisito da necessidade para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos.
Nada obstante isso, poderão ocorrer casos em que o repasse não pode ser feito. O problema
aqui está ligado, em primeiro lugar, à validade da contratação de obrigações exequíveis no Brasil,
em moeda estrangeira, nos casos em que as partes estão, ambas, sediadas ou domiciliadas no
Brasil. Essa situação pode ocorrer com frequência nos casos em que a supridora, sediada no
Brasil, toma recursos em outra moeda de fonte em outro país e repassa parte ou a totalidade deles
à empresa ligada igualmente sediada no Brasil.
Em princípio, as estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis no
território nacional deverão ser feitas em real, pelo seu valor nominal, mas são admitidas, em certas
circunstâncias, correções monetárias com base em índices gerais de preços. Por outro lado, são
vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de pagamentos expressas ou vinculadas a
ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2º e 3º do Decreto-lei nº 857, de 11 de
setembro de 1969, e na parte final do art. 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994 e no art. 1º
da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001.
Ademais, em face do disposto no art. 6º da Lei nº 8.880/94, será nula de pleno direito a
contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado
por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e
domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior.
Desse modo, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, a
operação terá o seguinte tratamento:
(a)no repasse do empréstimo à pessoa ligada (controlada, coligada ou controladora),
se a tomadora do empréstimo perante organismos internacionais é tributada pelo
lucro real, quando for repassá-lo à pessoa ligada, deverá reconhecer como encargo,
no mínimo, o valor pactuado na operação original, sob pena de sofrer a glosa da
despesa relativa a essa operação. Nesse caso, todo o rendimento auferido pelo
repasse é considerado como receita de aplicação de renda fixa, sujeito à retenção do
Imposto de Renda na fonte à alíquota de 20%;
(b)a pessoa jurídica que recebe o empréstimo de pessoa ligada, se tributada com base
no lucro real, não poderá considerar como dedutível a parcela do encargo pactuada
como variação cambial, em face da restrição legal existente acerca dessa forma de
remuneração ou indexação.
Se a operação de repasse não puder ser evitada, a tomadora dos empréstimos não poderá
deduzir a totalidade da despesa, o que compromete o custo do dinheiro. Uma alternativa seria a
contratação de índices de preços referenciados na moeda estrangeira contratada, se for o caso, ou
a transferência das obrigações.
25.5CORREÇÃO MONETÁRIA EM ADIANTAMENTOS PARA
FUTURO AUMENTO DE CAPITAL
Em 20 de maio de 2005, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, quando do
julgamento do Recurso nº 139.408, decidiu ser “vedada na determinação do lucro real, a
dedutibilidade das variações monetárias passivas relativas à atualização dos valores recebidos de
empresas coligadas e controladas a título de adiantamento para futuro aumento de capital”.
O conteúdo da referida decisão deve ser tomado com reservas. De fato, não existe regra que
proíba a contratação de encargos financeiros sobre valores recebidos ou enviados a título de
adiantamento para futuro aumento de capital; tais adiantamentos, como foi muito bem exposto no
antigo Parecer Normativo CST nº 23/81, são considerados obrigações contraídas perante
terceiros. Com efeito, a relação jurídica que se forma a partir da concessão de adiantamentos para
futuro aumento de capital (seja ela em caráter irrevogável ou não) tem natureza obrigacional, haja
vista que o aumento de capital é, em geral, ato jurídico complexo cuja perfeição depende, ao fim
e ao cabo, do registro nos órgãos competentes. De acordo com o item 5 do Parecer Normativo
CST nº 96/77:
“5. Ademais, o aumento de capital é ato complexo que a lei não considera perfeito
e acabado senão depois de cumpridas as etapas sucessivas em que se decompõe,
ou seja (a) deliberação do aumento; (b) subscrição do total autorizado; (c)
realização, como entrada, de 10%, no mínimo, das ações subscritas em dinheiro; e
(d) reconhecimento, pela assembleia-geral, do cumprimento de todas as
formalidades.”
Alguns desses passos não são exigidos para efetivação de aumento de capital em outro tipo
de sociedade que não as regidas pela Lei nº 6.404/76; todavia, isto não muda a conclusão de que
os adiantamentos para futuro aumento de capital ostentam o caráter de obrigação para quem os
recebe. Ora, nas obrigações firmadas entre particulares, a contratação de encargos financeiros
pode ou não ocorrer; caso seja pactuada a cobrança de encargos, a despesa suportada pelo
recebedor do adiantamento deve ser considerada, em princípio, dedutível para fins de
determinação do lucro real. Se o concedente do adiantamento não cobra juros pode sofrer glosa
de despesas que tenha, eventualmente, suportado em decorrência de operações de créditos com
terceiros. Nesse sentido, cabe fazer menção ao que foi decidido no Acórdão nº 9101-002.396, de
13 de julho de 2016, onde está dito: “São desnecessárias, para fins tributários, as despesas
financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos contratados no mercado financeiro, ao
mesmo tempo em que fornecidos recursos a empresas ligadas, sem remuneração, a título de
Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital (AFAC), capitalizados parcialmente após o
transcurso de longo período de tempo ou empregados em outras finalidades”. Por fim, para
demonstrar a normalidade da cobrança de encargos em tais circunstâncias, é necessário fazer
menção ao disposto no art. 2º do Decreto nº 2.673/98, que dispõe sobre as empresas estatais
federais. O preceito diz: “Sobre os recursos transferidos pela União ou depositados por acionistas
minoritários, para fins de aumento do capital de empresa ou de sociedade de que trata o artigo
anterior, incidirão encargos financeiros equivalentes à Taxa Selic, desde o dia da transferência até
a data da capitalização”. Logo, em razão de todo o exposto, parece que a cobrança de encargos
na concessão de adiantamentos para futuros aumentos de capital é normal e necessária em certas
circunstâncias.
25.6CORREÇÃO MONETÁRIA DE DIVIDENDOS A PAGAR
Dúvidas têm sido suscitadas acerca da possibilidade jurídica da atualização monetária (por
índices de correção monetária ou variação cambial) dos valores relativos aos dividendos
distribuídos e ainda não pagos. Antes de tudo é necessário ter em conta que os lucros apurados
por uma sociedade podem ser retidos para reinvestimento na atividade por ela explorada ou
podem ser distribuídos, de acordo com limites preestabelecidos em lei – como são os dividendos
mínimos obrigatórios –, ou em ato constitutivo (contrato ou estatuto social). Um lucro é apurado
por ocasião da formação do Balanço e permanece (devida ou indevidamente, não importa) no
Patrimônio Líquido enquanto não houver a distribuição, haja vista que, de acordo com a lei
brasileira, é necessário que os sócios ou acionistas venham a deliberar sobre a aprovação do
Balanço para que as cifras nele estampadas possam ser consideradas definitivas. Distribuição (ou
declaração) é o ato que cria a obrigação de pagar os valores devidos aos sócios ou acionistas e
que possui a virtude jurídica de transformar um direito expectado em direito de crédito. Por vezes
a distribuição coincide com o pagamento; mas há casos em que há estipulação de um prazo para
pagamento dos dividendos distribuídos. Esse prazo, na forma do disposto no § 3º do art. 205 da
Lei nº 6.404/76, será de 60 (sessenta) dias, salvo se a assembleia deliberar de outro modo, mas,
em qualquer caso, o pagamento deve ocorrer dentro do exercício social. Pode ocorrer, também,
que a assembleia venha a determinar a retenção, no patrimônio social, dos dividendos
obrigatórios, se o pagamento for incompatível com situação financeira da companhia, na forma
do disposto no § 4º do art. 202 da Lei nº 6.404/76.
Tanto num caso, como noutro, havendo sido aprovada a declaração dos dividendos, há
direito de crédito que pode ser objeto de atualização monetária até a data do pagamento. Ainda
quando os valores devidos não forem pagos por questões de fluxo de caixa, a correção monetária
é legítima, porque os acionistas são, neste caso, credores como os outros e não devem sofrer
discriminação, e, deste modo, o valor da atualização não decorre de liberalidade da companhia.
Essa atualização monetária tem caráter jurídico distinto do dividendo, porque não é
remuneração sob a forma de lucro, mas, sim, simples atualização de direito creditório. Tanto é
verdade que os valores pagos a esse título não gozam da isenção instituída pelo art. 10 da Lei nº
9.249/95. Tais parcelas sujeitam-se à tributação na fonte com base na Instrução Normativa SRF
nº 12, de 10 de fevereiro de 1999. Releva notar que a atualização do valor dos dividendos a pagar
é exigida por norma imperativa no âmbito federal em razão do disposto no § 4º do art. 1º do
Decreto nº 2.673/98, que dispõe: “Sobre os valores dos dividendos e dos juros, a título de
remuneração sobre o capital próprio, devidos ao Tesouro Nacional e aos demais acionistas,
incidirão encargos financeiros equivalentes à taxa SELIC, a partir do encerramento do exercício
social até o dia do efetivo recolhimento ou pagamento, sem prejuízo da incidência de juros
moratórios quando esse recolhimento ou pagamento não se verificar na data fixada em lei,
assembleia ou deliberação do Conselho Diretor, devendo ser considerada como a taxa diária, para
a atualização desse valor durante os cinco dias úteis anteriores à data do pagamento ou
recolhimento, a mesma taxa SELIC divulgada no quinto dia útil que antecede o dia da efetiva
quitação da obrigação”.
1No voto proferido pela Relatora Adriana Gomes Rêgo, e que foi acolhido por maioria segundo
o voto de qualidade, está dito: “Por conseguinte entendo que a decisão de contrair empréstimos
ou capitalizar é uma conveniência da empresa. Contudo, afirmar que as despesas advindas do
empréstimo são necessárias para que a empresa funcione e se mantenha, extrapola os limites
da lógica porque se ‘A’ empresta para ‘A’, ‘A’ não precisa deste empréstimo, porque detém os
recursos emprestados”. Em seguida diz; “Logo, se Kolynos Corporation era praticamente a
única sócia-quotista das atuada, esta era devedora de dívida para consigo, ou seja, tem-se que,
na essência do negócio, ela figurou, simultaneamente, como credora e devedora da mesma
operação, ou seja, ‘A’ empresta para ‘A’. E, repisando, se o credor e devedor se confundem na
mesma pessoa, é porque o empréstimo não se faz necessário”.
2No voto vencedor, proferido pela Relatora Adriana Gomes Rêgo há a seguinte afirmação: “No
entanto, neste aspecto já divirjo da tese da defesa pois, ainda que as operações estruturadas em
sequência (step transaction) tenham sido concebidas por parte do grupo vendedor, não
vislumbro justificativa para a não integralização do capital”.
3A relatora disse: “Nem mesmo os empréstimos contraídos no exterior justificam a necessidade
da despesa financeira, ou melhor, de emprestar ao invés de integralizar, porque, como já foi
dito, a controladora era uma empresa que dispunha de condições para integralizar. Se não o
fez, certamente, é porque visualizou outras oportunidades, como, além de reduzir os lucros no
Brasil, poder dispor de capital que detinha no exterior. No entanto, é preciso deixar claro que
isso é uma liberalidade e não uma necessidade”.
4Vide Recurso nº 142.675 (acórdão nº 9101-00.589, de 18/5/10), da Câmara Superior de
Recursos Fiscais do CARF. De acordo com a ementa: “A despesa financeira é, em regra, uma
despesa operacional, salvo quando utilizado o recurso para fins estranhos à atividade fim”. Em
igual sentido foi decisão tomada quando do julgamento do Recurso nº 173.882 (acórdão 1302-
00.565, de 25.05.11).
5No voto vencido, proferido pelo Conselheiro Valmir Sandri há informação de que a empresa
autuada duplicou, de um ano para o outro, o montante das receitas, que passou de R$ 496
milhões para pouco mais de R$ 1 bilhão.
6Vide, a propósito, o Parecer Normativo CST 138, de 13.11.75. Quando do julgamento do
Recurso nº 159.970 (acórdão nº 1402.00-562, de 26.05.11), o CARF decidiu: “Na
determinação da base de cálculo do IRPJ e CSLL, somente são dedutíveis os encargos
financeiros de empréstimos indispensáveis à manutenção da fonte produtora. Considera-se
liberalidade o repasse, a terceiros, de valores sem a cobrança de encargos ou em percentuais
inferiores.” Em igual sentido foi a decisão proferida quando do julgamento do Recurso nº
160.365 (acórdão 101-97.057, de 16.12.08).
26.1CARÁTER JURÍDICO DOS JUROS
A figura do “juro sobre o capital” é bastante conhecida no âmbito do Direito Societário, no
Brasil e no exterior. Na Itália, segundo noticia Cesare Vivante, a lei admitia o pagamento de juros
sobre o capital apenas por certo período de tempo nos casos de empreendimentos que exigiam
investimentos vultosos e de longa maturação econômica.1 Entre nós, Trajano de Miranda Valverde
informa que o Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, no parágrafo único, d, do art. 129,
continha uma regra sobre contabilização dos valores pagos a título de juros sobre o capital social,
segundo a qual “nas despesas de instalação deverão ser incluídos os juros pagos aos acionistas
durante o período que anteceder o início das operações sociais; os estatutos fixarão a taxa de juro,
que não poderá exceder a 6% (seis por cento) ao ano, e o prazo para a amortização”.2 A vigente
Lei nº 6.404/76 faz referência aos juros sobre o capital no inciso V do art. 179, que foi revogado
pela Lei nº 11.941/09.
A existência de previsão, na lei societária, da possibilidade de pagamento de juros sobre o
capital em certas circunstâncias permite concluir, em adesão à certeira a lição de Fábio Ulhoa
Coelho, que o pagamento de juros sobre o capital social “nunca foi propriamente proibido”.3 Os
juros sobre o capital não ostentam o mesmo caráter jurídico dos dividendos. Aqueles remuneram
os investidores em razão da indisponibilidade dos recursos enquanto os dividendos os remuneram
pelo sucesso do empreendimento.4 Essa doutrina coincide, em essência, com uma antiga opinião
de U. Navarrini e G. Fagella:5
“A oposição entre dividendos e juros é aqui marcada de maneira decidida: os
primeiros representam o lucro da sociedade, os outros deveriam representar a
compensação pelos riscos que os sócios correm.”
A diferença entre as causas – do lucro e do juro6 – não desaparece se considerarmos que a
Lei (a Lei tributária, em especial) venha a proibir o pagamento de juros sobre o capital nos
períodos em que não existam lucros.7 De fato, a Lei, em tais circunstâncias, pode estar
pretendendo preservar a essência econômica do valor do capital social.8 Isto significa que a figura
do “juro sobre o capital” não surgiu com o advento da Lei nº 9.249/95; esta Lei, embora contenha
algumas prescrições de ordem societária, trata essencialmente de questões relacionadas aos
diferentes tributos federais incidentes sobre os valores que tenham tal natureza.
26.2CONDIÇÕES GERAIS DE DEDUTIBILIDADE
De acordo com o art. 347 do RIR/99, a pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos de
apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou
acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio
líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). O RIR/99
contém regras sobre a dedutibilidade de juros sobre o capital em outras circunstâncias. Assim, na
forma do art. 348, são dedutíveis os seguintes encargos: (a) a amortização dos juros pagos ou
creditados aos acionistas na fase pré-operacional e que tenham sido diferidos; e (b) o valor dos
juros pagos pelas cooperativas a seus associados, de até 12% ao ano sobre o capital integralizado.
A Lei nº 12.973/14 revogou a alínea “b” do § 1º do art. 15 do Decreto-lei nº 1.598/77, que
autorizava a dedução de juros aos acionistas na fase pré-operacional. Em razão da citada
revogação, os eventuais juros pagos aos acionistas nesta fase também se submetem às condições
estipuladas pela Lei nº 9.249/95, com modificações estabelecidas pela Lei nº 12.973/14. A
referida Lei também modificou a base para cálculo dos juros que deixou de ser o “patrimônio
líquido” e passou a ser, unicamente, a soma algébrica das seguintes contas contábeis: (I) capital
social; (II) reservas de capital; (III) reservas de lucros; (IV) ações em tesouraria; e (v) prejuízos
acumulados. A taxa aplicável para cálculo dos juros continua a ser TJLP.
O enunciado do § 1º do art. 347 do RIR/99 estabelece que “o efetivo pagamento ou crédito
dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de
lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os
juros a serem pagos ou creditados”. A aplicação desse preceito foi primeiramente regulamentada
pelo art. 29 da IN 93/97. Posteriormente, foi editada a IN 1.700/17, que dispõe no § 2º do art. 75
que o montante dos juros remuneratórios passível de dedução não poderá exceder o maior entre
os seguintes valores: (a) 50% (cinquenta por cento) do lucro líquido do exercício antes da dedução
dos juros, caso estes sejam contabilizados como despesa; ou (b) 50% (cinquenta por cento) do
somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros. Para esse fim, o lucro a ser adotado como
parâmetro (item “a”) será aquele apurado após a dedução da CSLL e antes da dedução do IRPJ.
A partir dos dispositivos legais e regulamentares transcritos ou referidos, é possível inferir
que a dedutibilidade de despesa relativa a juros sobre o capital próprio está subordinada a critérios
quantitativos objetivos. Assim, há um primeiro limite que diz respeito à taxa de juros aceita como
dedutível; o segundo limite, que, a rigor, absorve o primeiro, diz respeito ao montante máximo
do encargo que pode ser deduzido. Por fim, há um limite relacionado à base de cálculo para
cômputo dos juros dedutíveis em cada período base de incidência. A existência desses limites, em
princípio, não impede que uma empresa remunere, da forma como melhor lhe aprouver, o capital
de seus sócios ou acionistas, posto que uma coisa é a possibilidade jurídica do pagamento dos
juros e outra, completamente diferente, é o tratamento fiscal que deverá ser dispensado a tais
juros.
26.3BASE DE CÁLCULO
O preceito do art. 9º da Lei nº 12.973/14 deu nova redação ao § 8º do art. 9º da Lei nº
9.249/95, que dispõe sobre a base para cálculo dos juros sobre o capital. A partir do momento em
que a nova lei entrar em vigor, a base de cálculo deixa de ser o valor do patrimônio para ficar
restrita ao somatório dos saldos das seguintes contas do patrimônio líquido: (a) capital social; (b)
reserva de capital; (c) reserva de lucros; (d) ações em tesouraria; e (e) prejuízos acumulados. A
mesma Lei introduz o mandamento do § 12 do art. 9º da Lei nº 9.249/95, para dizer que no
montante da conta representativa do capital social devem ser consideradas todas as espécies de
ações previstas no art. 15 da Lei nº 6.404/76, ainda que classificadas em contas de passivo na
escrituração comercial.
Em relação à conta representativa do capital social, a nova lei é omissa a respeito de que
procedimento a ser adotado nos casos em que o contribuinte registra parcelas de capital a
integralizar que são redutoras das contas do patrimônio líquido. Capital a integralizar é parcela
do capital subscrito pelo sócio ou acionista que não foi paga, ou seja, a obrigação decorrente do
ato de subscrição ainda não foi cumprida ou extinta. Normalmente, o registro contábil é feito com
base no documento de subscrição e pelo valor do montante subscrito, e, nos casos, em que a
integralização é diferida, o montante do capital a integralizar é registrado como parcela redutora
da conta representativa do capital, na forma do disposto no art. 182 da Lei nº 6.404/76; ademais,
em algumas sociedades há a figura do “capital autorizado”. Considerando que a finalidade do
capital é fazer com que a sociedade (a pessoa jurídica) adquira bens ou liquide obrigações, parece
claro que a parcela a integralizar não pode ser considerada como capital até que o propósito da
figura seja cabalmente cumprido mediante o efetivo ingresso de ativos ou da baixa de passivos
que ocorre quando o titular de crédito contra a pessoa jurídica consente em trocá-lo por títulos
patrimoniais sob a forma de ações ou quotas. Por tais motivos, parece razoável concluir que o
cálculo dos juros deve tomar como base apenas o montante das parcelas subscritas que tenham
sido efetivamente pagas pelo sócio ou acionista, mediante a entrega de dinheiro ou outros bens
avaliáveis em dinheiro, ou em virtude de conversão de crédito em capital.
A norma é omissa a respeito do que deve ser feito em relação às mutações do patrimônio
líquido que venham a ocorrer durante o período-base (ou ano-calendário). Essas mutações podem
ser positivas ou negativas: as da primeira espécie decorrem da apuração de prejuízos acumulados
com base em balanços intermediários ou intercalares que não sejam absorvidos por lucros em
suspenso ou acumulados, enquanto que as da segunda espécie decorrem do aproveitamento de
lucros acumulados e reservas de capital para aumento do valor do capital. As reservas de capital,
enquanto mantidas nas contas originais, não constituem base para cálculo dos juros até que sejam
utilizadas para aumento de capital ou absorção de prejuízos contábeis. Em ambos os casos, essas
parcelas passam a ter repercussão para fins de cálculo dos juros a partir do ato jurídico de aumento
do valor do capital social ou da absorção dos prejuízos. Acerca dos prejuízos acumulados, parece
claro que devem ser considerados como integrantes do Patrimônio Líquido apenas quando
apurados em Balanços levantados de acordo com a lei ou com os estatutos e em que haja
encerramento das contas de resultados na forma explicitada no Parecer Normativo CST 20/87.
A nova norma é igualmente omissa acerca do que deve ser feito em relação às parcelas dos
aumentos do valor do capital social o aproveitamento de lucros acumulados ou suspensos. A conta
de lucros acumulados não está arrolada entre as que formam a base de cálculo dos juros, e, por
essa razão, parece certo que o aproveitamento de tais cifras para o aumento de capital não é neutro
do ponto de vista da lei tributária, ainda que os lucros advenham de resultados apurados em
períodos anteriores. Em tais circunstâncias, os valores podem ser considerados como integrantes
do valor do capital social quando do aperfeiçoamento jurídico do aumento; afinal, ao decidir que
os lucros disponíveis sejam agregados ao valor do capital, os sócios ou acionistas fazem
verdadeiro aporte, como se, por ficção, recebessem os recursos e incontinenti os devolveriam à
sociedade para pagamento das novas ações que receberão.
A lei – ao fazer menção unicamente às “ações em tesouraria” – não considera que os valores
relativos às “quotas em tesouraria” sejam diminuídos da base para cálculo dos juros sobre o
capital. O tratamento diferenciado não passa por um lasso filtro de razoabilidade. A lei nada
dispõe a respeito dos encargos de capitalização e os ganhos ou perdas em operações com ações
ou quotas em tesouraria que devem, em ambos os casos, ser registrados diretamente em conta do
Patrimônio Líquido. A IN 1.700/17, que regula a aplicação das normas para cálculo e dedução
dos juros sobre o capital, é omissa acerca da aplicação do preceito do § 2º do art. 45 da Lei nº
10.637/02.
Por fim, cabe mencionar a norma do art. 34 da Lei nº 12.973/14, segundo o qual as ações
que forem alienadas no âmbito de programas de stock optionssomente serão excluídas para fins
de apuração da base de cálculo dos juros sobre o capital quando ocorrer a transferência definitiva
da propriedade das mesmas.
26.4PERÍODO DA DEDUÇÃO
A dedução dos juros, observados os limites instituídos por lei, poderá ser feita no período
em que forem considerados incorridos. O juro pode ser considerado incorrido quando se verifica,
em concreto, a realização de sua causa, que é a remuneração pelo uso do capital social. O
pressuposto do pagamento do juro (ou a sua causa) é a utilização de capital; todavia, não basta,
para que se materialize a despesa, a existência desse fato. Com efeito, a utilização do capital, por
si só, não garante qualquer remuneração ao sócio ou acionista; assim, para que seja exigível a
contagem dos juros é necessário que a pessoa jurídica se obrigue a pagá-los e isto só ocorre se
houver uma decisão nesse sentido, por parte do órgão competente. O dever de remunerar pode
advir, também, dos atos constitutivos da sociedade.
A atribuição desse tipo de remuneração aos sócios ou acionistas é uma faculdade que é
garantida por um feixe de normas jurídicas que constituem a esfera particular de ação das pessoas.
Nessa esfera as ações são governadas pelos princípios da livre-iniciativa e da autonomia da
vontade, que são delimitados e orientados pelo ordenamento jurídico. Portanto, em princípio, uma
sociedade pode – no presente – deliberar a respeito do pagamento de juros sobre o capital para
períodos passados, ou seja, pode adotar como marco inicial para a contagem dos juros o momento
em que a empresa passou a utilizá-lo ou outro momento qualquer. Todavia, é necessário salientar
que a despesa não existe antes da decisão de pagar, porque enquanto houver simples faculdade o
patrimônio social não se altera e os sócios ou acionistas não têm direito algum. O direito dos
sócios, que é a contrapartida da obrigação da pessoa jurídica, não existe senão diante de uma
ordem de pagar, que advém de uma deliberação social ou de cláusula contratual ou estatutária.
Sem esse direito não existe despesa incorrida.
O art. 29 da Instrução Normativa nº 11/96 determinava que a dedutibilidade dos juros sobre
o capital seria feita de acordo com o regime de competência, como, aliás, é regra geral aplicável
a toda e qualquer despesa. A IN 1.700/17 não repete esse mandamento; em seu lugar, a regra do
§ 4º do art. 75 é clara ao dispor que: “A dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser
efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do § 2º”.
A norma, como se vê, afirma que os limites só podem ser utilizados no período em que houver
sido registrada a despesa. Como consequência, o contribuinte não pode, em períodos posteriores,
recuperar “limites” para deduzir juros em outros períodos.
A atribuição de juros para remunerar o capital é medida voluntária, de modo que o simples
aporte do capital não dá ao acionista o direito de receber juros, haja vista que, no direito societário,
os sócios ou acionistas têm apenas dois direitos que não podem ser suprimidos nem mesmo pelo
contrato ou estatuto social: (a) participar dos resultados sob a forma de lucros ou perdas; e (b)
participar do rateio do acervo líquido que remanescer na liquidação da sociedade.
A observância do regime de competência surge, no caso dos juros sobre o capital, no
momento em que eles são pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas.
O que determina a exigibilidade do pagamento ou do crédito é a existência de uma deliberação
nesse sentido e que não imponha condição suspensiva para o aperfeiçoamento do direito e da
correspondente obrigação. Antes da formalização do ato jurídico que determine o pagamento dos
juros, os titulares do capital não têm nem mesmo um direito expectativo, a exemplo do que ocorre
com os lucros e dividendos. Ora, se os dividendos, que estão previstos em norma de ordem
pública, não existem como crédito antes de deliberação societária, o que se dirá dos juros sobre o
capital que não ostentam essa mesma natureza jurídica? O pagamento ou crédito de juros sobre o
capital é uma faculdade e, como tal, pode ou não ser exercida pelos próprios sócios, razão pela
qual os juros não decorrem de um direito subjetivo inerente à condição de sócio ou acionista.
Portanto, o período da competência do encargo relativo aos juros sobre o capital é aquele
em que ocorre a deliberação de seu pagamento ou crédito de forma incondicional. Sem essa
deliberação a sociedade não se obriga (não assume a obrigação) e o sócio ou acionista nada pode
exigir por absoluta falta de título jurídico que legitime a sua pretensão. Do ponto de vista fiscal,
é no momento (período) em que o valor dos juros é imputado ao resultado do exercício que o
sujeito passivo deverá observar os critérios e limites existentes segundo o direito aplicável.
Portanto, é fora de dúvida que enquanto não houver o ato jurídico que determine a obrigação de
pagar os juros não existe a despesa ou encargo respectivo e não há que se cogitar de dedutibilidade
de algo ainda inexistente.
Em princípio não existem normas que proíbam que os sócios ou acionistas deliberem o
pagamento de juros tendo como base de cálculo o patrimônio líquido de outro exercício já
encerrado. Todavia, o fato de tomar como parâmetro um fator do passado não significa que a
decisão retroage a esse passado para fazer com que os juros fossem devidos desde então. O ato
jurídico que delibera sobre o pagamento dos juros outorga ao beneficiário um direito subjetivo
que nasce com ele próprio, salvo se houver convalidação de ato anterior produzido por erro ou
com defeito jurídico de qualquer natureza. Sem aquele ato jurídico não existe relação jurídica
válida, isto é, não há o direito subjetivo do beneficiário e, em contrapartida, não há obrigação para
a sociedade.
Se em determinado exercício social passado não foram pagos ou creditados juros sobre o
capital e se demonstrações contábeis já tiverem sido aprovadas pelos acionistas, é lícito inferir
que eles deliberaram pelo não pagamento ou crédito dos juros. Se as pessoas que detinham
competência para deliberar sobre o pagamento dos juros não o fizeram e aprovaram as
demonstrações financeiras sem que tal obrigação fosse considerada, parece fora de dúvida que
elas renunciaram à faculdade prevista em lei. Em decorrência dessa renúncia, e considerando que
demonstrações contábeis, depois de aprovadas pelos sócios ou acionistas, são consideradas “ato
jurídico perfeito”, impõe-se a conclusão de que elas só podem ser modificadas em caso de erro,
dolo ou simulação. Portanto, lógica e juridicamente, não há como imputar a exercícios passados
os efeitos de deliberação societária (sujeita a uma disciplina jurídica específica) tomada no
presente. Essa imputação só poderá ocorrer se o Balanço vier a ser retificado por determinação
dos sócios ou acionistas, mas tal retificação só poderia ser juridicamente justificada se
demonstrada a anterior ocorrência de erro, dolo ou simulação.
26.5AÇÕES OU QUOTAS EM TESOURARIA
Pode ocorrer que no período-base em que foram declarados ou pagos juros sobre o capital
social o sujeito passivo tenha ações ou quotas em tesouraria. Nessas circunstâncias, surge a dúvida
se os valores dos juros apropriados sobre essas ações ou quotas podem ser considerados dedutíveis
na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Em primeiro lugar, há que se considerar que a aquisição de ações ou quotas para manutenção
em tesouraria é negócio jurídico legítimo. Nas sociedades por ações a matéria é regida pelo art.
30 da Lei nº 6.404/76 e, para as companhias abertas, existem regras específicas ditadas pela CVM.
As demais sociedades não estão impedidas de adquirir quotas para manutenção em tesouraria.
As quotas ou ações adquiridas pela sociedade, enquanto mantidas em tesouraria, não
conferem à sociedade o direito a participar dos lucros e de votar nas deliberações sociais.
Igualmente, não dão direito à sociedade de participar dos aumentos de capital por novas
subscrições em dinheiro, se for o caso. De fato, o direito de participar dos lucros, de votar e de
subscrever aumentos de capital é inerente à condição de sócio que deixa de existir enquanto as
quotas pertencerem à sociedade. Logo, é absurdo imaginar que a sociedade pudesse ser sócia de
si própria e seria igualmente inusitado cogitar da hipótese de que a sociedade pudesse votar em
assuntos que dizem respeito a interesses seus, em evidente conflito de interesses, e ainda viesse a
exigir um pagamento a si própria. Mais inusitado seria admitir, como se logicamente possível
fosse, que a sociedade retirasse recursos de seu patrimônio para fazê-los retornar a esse mesmo
patrimônio, contrariando o princípio elementar dos aumentos de capital em dinheiro, que é a
entrada de “dinheiro novo” para a sociedade e o consequente aumento do valor da garantia dos
credores que é inerente ao capital social.
As ações e quotas em tesouraria ficam na esfera de titularidade da sociedade, mas não no
regime que lhe é próprio: o de legitimar a condição de sócio ou acionista. Elas pertencem à própria
sociedade debaixo de um regime jurídico especial no qual existe a parte do capital social que
pertence a outra pessoa que não é sócia ou acionista. Em outras palavras, a sociedade não é sócia
de si mesma e, por conseguinte, é inusitado admitir que ela possa pagar juros a si. Ademais, há o
fato de que, se tal pagamento fosse possível, haveria uma despesa que teria como contrapartida
uma receita, sendo impertinente a contabilização do valor eventualmente pago como acréscimo
ao custo de aquisição das ações ou quotas.
Por tais razões, parece fora de dúvida que, se não há pagamento de juro a sócio ou acionista
(como estipula a lei), não há que se cogitar de valor dedutível. Em tais circunstâncias, o valor das
quotas ou ações em tesouraria não compõe o montante do capital para fins de cálculo do montante
dedutível.
Se, por outro lado, houve crédito de juros em tais condições com o consequente
recolhimento do imposto de fonte, a glosa fiscal não pode desconhecer esse fato e permitir a
compensação do valor do tributo (regime de fonte) que foi pago indevidamente. Negar o direito
à compensação é ato abusivo e imoral.
26.6JUROS SOBRE AÇÕES AO PORTADOR
Desde o advento da Lei nº 8.021/90, não é admitida a emissão de ações ao portador e as
ações existentes quando do advento daquela lei deveriam ser convertidas em ações nominativas
no prazo de dois anos. Ocorre que, na prática, há ainda casos de ações em que os portadores ainda
não se apresentaram perante as sociedades anônimas de capital aberto para realizar a
transformação.
Assim, surge a dúvida se podem ser considerados dedutíveis, observados os demais
requisitos legais, os juros creditados a ações ao portador em tais circunstâncias. A regra é clara:
uma das condições para que os juros possam ser deduzidos é a identificação – individualização –
do sócio ou acionista. Dessa forma, os juros porventura creditados não seriam dedutíveis. Além
desse fato, há a questão da impossibilidade jurídica desse pagamento ou crédito na medida em
que a ordem jurídica não admite a realização de negócios jurídicos com pessoas não identificadas.
26.7ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS VALORES A PAGAR
Nos casos em que a deliberação do pagamento de juros é feita com termo determinado, surge
a dúvida sobre ser ou não legítima a dedução de atualização monetária do valor a ser pago
futuramente.
A possibilidade jurídica da atualização monetária passou a ser ostensivamente admitida pela
ordem jurídica após o advento do Decreto nº 2.673, de 16 de julho de 1998,9 que determinou, para
as empresas estatais federais, a atualização monetária dos juros – dos créditos relativos aos juros
– pela taxa SELIC.
Em reforço, a lisura da atualização monetária ganhou foros de generalidade após o advento
da Instrução Normativa SRF nº 12, de 10 de fevereiro de 1999, que no art. 1º dispõe:
“Art. 1º Os juros e outros encargos pagos ou creditados pela pessoa jurídica a seus
sócios ou acionistas, calculados sobre os juros remuneratórios do capital próprio e
sobre os lucros e dividendos por ela distribuídos, sujeitam-se à incidência do
imposto de renda na fonte à alíquota de vinte por cento.10
Parágrafo único. Aos juros e encargos referidos neste artigo aplicam-se as normas
referentes aos rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, inclusive
quanto ao informe a ser fornecido pela pessoa jurídica.”
Portanto, não existem dúvidas de que os pagamentos de obrigações podem ser feitos com
atualização monetária segundo os índices eleitos pelas partes, apurados e divulgados por entidades
públicas ou privadas. Portanto, em princípio, o valor da eventual correção monetária poderia ser
considerado dedutível, observados os critérios gerais de dedutibilidade das regras de bloqueio,
como são as relativas à distribuição disfarçada de lucros e de outras que tenham a finalidade de
delimitar os efeitos tributários em operações realizadas com pessoas ligadas, no Brasil ou no
exterior.
A questão é saber se a atualização monetária não participa, no caso, da mesma natureza do
juro. Em termos econômicos, a atualização monetária representa a mera recomposição do poder
de compra da moeda, de modo que ela é um acessório que segue a sorte do principal. Tal não
ocorre, ao menos de forma automática, no campo do Imposto de Renda, no qual as variações
monetárias ficam sujeitas a um regime jurídico próprio de dedutibilidade e imputação temporal,
o que lhes dá ares de “parcela autônoma”. Assim, diante da falta de lei em sentido contrário, é
esse regime “próprio” que deve prevalecer, de modo que a dedutibilidade, em tais circunstâncias,
deve ser aferida individualmente, ou seja, os juros ficam sujeitos a um conjunto de normas e as
variações monetárias, a outro.
26.8INDIVIDUALIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO
De acordo com o disposto no art. 347 do RIR/99, a pessoa jurídica poderá deduzir, para
efeitos de apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular,
sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio.
Quando a lei se refere a juros “pagos ou creditados”, supõe-se que, propositadamente, ela
não atribui relevância à fluência desses juros no tempo. Aqui há que se recordar que existem
diferenças sensíveis entre juro pago, juro creditado, e juro incorrido. A ideia do que seja um juro
pago não apresenta maiores problemas interpretativos porquanto se há pagamento, de se supor
que seja devido e incorrido; tal proposição não deve ser aplicada nas remotas hipóteses em que
há pagamento antecipado. O conceito de juro creditado é mais complexo em virtude da
ambiguidade da palavra crédito, mas, se fizermos uma interpretação em harmonia com o art. 43
do CTN, não será difícil concluir que juro creditado é aquele posto à disposição do beneficiário,
segundo o direito (o contrato entre as partes) aplicável. Juro incorrido, por outro lado, é aquele
que é exigível pelo credor em razão do aperfeiçoamento das condições jurídicas necessárias ao
nascimento do direito ao recebimento.
A individualização, por outro lado, diz respeito à perfeita identificação do beneficiário do
rendimento sob a forma de juros.
O art. 1º da Instrução Normativa SRF nº 41, de 22 de abril de 1998, estabelece que o crédito
individualizado ocorre no momento em que a despesa for registrada na escrituração contábil da
pessoa jurídica, em contrapartida a conta ou subconta de seu passivo exigível, representativa de
direito de crédito do sócio ou acionista da sociedade ou do titular da empresa individual.
O pagamento ou crédito faz nascer a obrigação de retenção e pagamento do Imposto de
Renda devido na fonte. De fato, de acordo com o § 2º do art. 9º da Lei nº 9.249/95, os juros ficarão
sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota básica de 15% (quinze por cento)
que pode ser modificada em certas circunstâncias, e a retenção deve ser feita na data do pagamento
ou crédito ao beneficiário. A exigência do imposto na fonte permanece mesmo nos casos em que
o valor dos juros seja imputado ao valor dos dividendos de que trata o art. 202 da Lei nº 6.404/76.
O pagamento será feito ao sócio ou acionista ou ao usufrutuário no caso de haver sido
instituída tal figura, nos termos análogos ao disposto no art. 205 da Lei nº 6.404/76. A instituição
do usufruto é usualmente indicada como forma legítima de eliminar a incidência de contribuições
sobre receitas sobre os valores recebidos por sociedades holdings que recebem e distribuem – elas
próprias – juros sobre o capital.
Convém salientar que os juros sobre o capital devem ser pagos de acordo com a participação
de cada sócio ou acionista no capital, e, deste modo, não é aplicável a regra que permite a
distribuição desproporcional de lucros, posto diferentes são as causas dos juros e dos lucros. Em
sessão de 1º de dezembro de 2010, quando do julgamento do Recurso nº 158.977 (acórdão nº
2401-01.504) a Quarta Câmara do CARF manteve auto de infração lavrado para exigência de
contribuição previdenciária sobre o excesso de juros sobre o capital. No caso, a autoridade fiscal
considerou que parte dos juros sobre o capital pago deveria ser tributada como pro labore porque
os juros foram calculados sem observar o percentual de participação no capital social. Na ementa
está escrito: “os valores pagos ou creditados aos sócios a título de juros sobre capital próprio,
além do que lhes seria devido pela aplicação do percentual correspondente a participação de cada
um no capital social, devem sofrer a incidência de contribuição previdenciária, por representar
pró-labore indireto”.
26.9ASSUNÇÃO DO ÔNUS DO IMPOSTO DEVIDO NA FONTE
Dúvidas podem ser suscitadas a respeito da possibilidade jurídica da eventual assunção, pela
fonte pagadora, do encargo relativo ao Imposto de Fonte incidente sobre o pagamento ou crédito
de juros sobre o capital próprio.
A questão deve ser analisada à luz da regra geral contida no § 3º do art. 344 do Regulamento
do Imposto de Renda de 1999. Antes do advento da Lei nº 9.430/96 vigorava o § 9º do art. 9º da
Lei nº 9.249/95, que dispunha sobre a assunção do encargo em certas circunstâncias.
De acordo com preceito regulamentar citado, a dedutibilidade, como custo ou despesa, de
rendimentos pagos ou creditados a terceiros, abrange o valor do imposto sobre os rendimentos
que o contribuinte, como fonte pagadora, tiver o dever legal de reter e recolher, ainda que assuma
o ônus do imposto. Isto significa dizer que o valor do tributo que vier a compor o valor da operação
(no caso, o valor do juro ou encargo sobre o crédito) terá sua dedução autorizada ou negada de
acordo com a sorte da despesa respectiva; assim, se a despesa é dedutível, o valor do imposto
também é. O valor do tributo, em tais casos, por ficção legal, é equiparado à própria despesa, isto
é, adquire a mesma natureza deste e, assim, submete-se aos critérios de dedutibilidade, a saber:
(a) de cunho material, pertinentes à necessidade, usualidade etc.; (b) temporal, atinentes à dedução
segundo o regime de caixa, de competência, ou outro critério definido em lei; e (c) quantitativo,
submetendo-se aos limites impostos à despesa, custo ou perda de capital, salvo disposição legal
em contrário.
Em relação aos juros sobre o capital, na vigência do § 9º do art. 9º da Lei nº 9.249/95, a
assunção dos encargos pelas fontes pegadoras não importava o reajuste da base de cálculo e nem
era admitida a dedução da parcela correspondente ao encargo que era imputada ao resultado.
Todavia, essas regras só eram aplicáveis aos casos em que o crédito do sócio ou acionista –
decorrente dos juros sobre o capital próprio – fosse utilizado para aumento do capital social ou
para manutenção em conta de Reserva destinada a aumento de capital. Esse preceito, todavia, foi
revogado pela Lei nº 9.430/96, com o que a matéria volta a ser regida apenas e tão somente pelo
citado art. 344 do RIR/99, ainda quando houver o aproveitamento do valor do crédito para
aumento do valor do capital social, na forma admitida pelo parágrafo único do art. 1º da Instrução
Normativa SRF nº 41/98.
Portanto, se a fonte pagadora assumir o ônus do imposto de renda devido da fonte, o valor
respectivo – obtido pelo reajustamento da base de cálculo – comporá o montante dos juros pagos
ou creditados para fins de aplicação dos parâmetros legais de dedutibilidade. Esses parâmetros
são, unicamente, aqueles estabelecidos no § 1º do art. 9º da Lei nº 9.249/95, ou seja, os
relacionados aos limites em função: (a) do lucro líquido do período corrente; (b) do montante de
lucros e reservas de lucros acumulados. Se o valor do encargo tributário assumido for computado
no montante dos juros calculados de acordo com a variação da TJLP, estar-se-ia negando vigência
do preceito do art. 344 do Regulamento do Imposto de Renda de 1999.
Em resumo, a assunção do encargo tributário pode ocorrer em qualquer caso, ou seja, se os
juros forem efetivamente distribuídos ou se o respectivo crédito do sócio ou acionista for
convertido em aumento de capital; tenham sido eles ou não imputados ao montante dos
dividendos obrigatórios distribuídos. De igual forma, poderá haver a assunção do encargo
tributário incidente na fonte sobre juros ou correção monetária incidente sobre créditos dos sócios
ou acionistas decorrentes de juros sobre o capital próprio; a dedutibilidade, nestes casos, será
plena se adotados os parâmetros de mercado.
O assunto foi examinado pela 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes (atual CARF)
que, ao julgar o Recurso nº 135.873, em 20.10.05, decidiu que: “ainda que a fonte pagadora
assuma o ônus do IRRF este continua a ser parte integrante da despesa com juros”. No direito
societário, a CVM decidiu, quando do julgamento dos Processos CVM nº RJ 2001/6637 e nº RJ
2003/2398, que a companhia não pode pagar valores diferentes para os acionistas mesmo quando
vier a assumir o ônus pelo imposto de renda na fonte.
1VIVANTE, Cesare. Tratado de derecho mercantil. Madri: Reus, 1932. v. 2, p. 329-331.
2VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1941. v.
2, p. 82; e GUI-MARÃES, Ruy Carneiro. Sociedades por ações. Rio de Janeiro: Forense, 1960.
v. 3, p. 163-164.
3COELHO, Fábio Ulhoa. Aspectos atuais do direito do mercado financeiro e de capitais.
Coordenador: Roberto Quiroga Mosquera. São Paulo: Dialética, 2000, p. 39.
4Idem, p. 41.
5NAVARRINI, Umberto; FAGGELLA, G. Das sociedades comerciais. v. 2. Rio de Janeiro:
José Konfino, 1950, p. 532.
6Para Fábio Konder Comparato (Direito empresarial. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 164-165):
“Os juros calcu-lam-se sobre quantia fixa (principal), em função do tempo decorrido. Os
dividendos, embora calculados sobre quantia fixa, só podem ser pagos com os resultados
positivos obtidos na exploração empresarial, resultados esses cuja variação não está ligada à
fluência do tempo”.
7Escrevi longamente sobre o assunto (juros sobre o capital) no livro: Perfil jurídico do juro
sobre o capital próprio. São Paulo: MP, 2006, p. 7-76.
8Escrevi sobre a tutela jurídica do capital social no livro: Sociedade de responsabilidade
limitada. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 125-128.
9O Decreto no 2.673 foi modificado pelo Decreto no 3.381, de 13 de março de 2000.
10Em face do disposto no art. 3º da referida Instrução Normativa – e em razão de norma de
índole constitucional – essa regra não se aplica às pessoas jurídicas imunes.
27.1CRITÉRIOS GERAIS DE DEDUTIBILIDADE
Sob o aspecto funcional, o hedge (também referido por “operação de cobertura”) é uma
política de proteção patrimonial. Do ponto de vista jurídico, o hedge não é um tipo contratual, eis
que pode ser realizado por uma série de negócios jurídicos em diversos mercados. Em regra, o
instrumento jurídico do hedge é o contrato de swap (troca), nas diversas modalidades (índices,
moedas, mercadorias etc.) permitidas no mercado de capitais do Brasil e de outros países.
Em princípio, todo o arcabouço jurídico das operações de hedge é instituído de autoridades
monetárias que regulam e fiscalizam as operações financeiras em sentido amplo. As regras
tributárias, neste campo, são normas de superposição, nada obstante o fato de que as normas
tributárias possam estabelecer condições para a consideração de uma operação como de cobertura
ou não.
Após o advento da Lei nº 8.981/95, foi instituído um conceito normativo de hedge. De fato,
de acordo com o § 1º do art. 77 da citada Lei nº 8.981, são consideradas como tais (de cobertura)
as operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço
ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado: (a) estiver relacionado com as atividades
operacionais da pessoa jurídica; (b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa
jurídica.
O que o conceito normativo está a explicitar é que proteção faz parte do caráter de uma
operação de cobertura e isto pressupõe a preexistência de um objeto a ser protegido. Logo, é uma
contradição em termos dizer que há “hedge com finalidade especulativa”; ao menos no
ordenamento jurídico brasileiro, para ser considerada como de hedge, uma operação deve ter
finalidade de proteção. A Lei não exige que os negócios com a finalidade de hedge sejam elevados
à categoria de atividade econômica que deva ser inscrita ou mencionada nos objetos sociais das
sociedades empresárias: a lei exige apenas que exista algo a ser protegido e que este algo
(contratos) decorra do giro normal dos negócios. As operações de hedge – observadas as normas
editadas pelas autoridades monetárias – não podem ser referidas unicamente aos ativos e passivos
já contabilizados: afinal, por vezes, a proteção pode ser requerida para operações futuras
contratadas (e ainda não finalizadas ou realizadas efetivamente) com base em preços flutuantes e
sujeitos às oscilações dos mercados. Portanto, é temerário qualificar uma operação como
“especulativa” unicamente se ela não estiver atrelada a valores que possam ser identificados no
Balanço Patrimonial como ativos e passivos já registrados em razão de fatos contábeis já
ocorridos.
Portanto, a partir do advento da Lei nº 8.981, o hedge genuíno ou verdadeiro, assim
considerado aquele que é realizado com finalidade de proteção de bem ou dívida presentes ou
futuros e que atende a todas as regras formais de documentação e liquidação, tem um propósito
negocial em si mesmo.
O cumprimento das regras sobre fluxo de capitais torna-se um requisito de validade das
operações e também uma prova preconstituída para fins tributários. Desse modo, as autoridades
tributárias não podem se considerar acima das autoridades monetárias para negar efeitos a
operações tidas por legítimas pelas autoridades que têm o poder-dever de regular e fiscalizar o
mercado de capitais e o mercado financeiro. Nesse sentido é decisão proferida no julgamento do
Recurso nº 133.233, ocorrido em 26 de janeiro de 2006, na 1ª Câmara do 1º Conselho de
Contribuintes, em cuja ementa está dito:
“Cumpridas as normas da autoridade monetária, com o registro da captação de
recursos em moeda estrangeira e comunicação da realização do hedge, sem
qualquer oposição manifestada pelo Bacen, não há razão para que a fiscalização
descaracterize o hedge.”
No caso vertente, a autuação decorreu da desconsideração da operação realizada pelo sujeito
passivo como sendo de hedge. A decisão é importante porque sinaliza que as auto - ridades fiscais
não têm um poder de desconsideração ilimitado e, portanto, a legalidade formal de uma operação
milita em favor do sujeito passivo até que a operação venha a ser anulada ou considerada inidônea
pela autoridade do poder de regulação e fiscalização.
27.2OPERAÇÕES REALIZADAS NO EXTERIOR
Salvo erro ou omissão, a primeira referência legislativa ao tratamento tributário dos
resultados nas operações de cobertura (hedge) data do ano de 1975. Naquele ano, o art. 5º do
Decreto-lei nº 1.418/75 instituiu uma isenção do IRPJ sobre o montante dos proventos líquidos
auferidos por empresas exportadoras nacionais em operações realizadas em Bolsa de Mercadorias
no exterior, desde que observadas as condições que viessem a ser estabelecidas em ato do Ministro
da Fazenda. O preceito em questão tinha a seguinte redação:
“Art. 5º Serão excluídos da apuração do lucro tributável pelo imposto de renda os
proventos líquidos auferidos por empresas exportadoras nacionais, em bolsas de
mercadorias no exterior, obedecidas as condições estabelecidas pelo Ministro da
Fazenda.”
Em 1984, o art. 4º do Decreto-lei nº 2.182 deu nova redação ao art. 5º do Decreto-lei nº
1.418/75, para excluir a referência às “empresas exportadoras nacionais” e limitar o benefício às
operações a termo em Bolsa de Mercadorias. Em razão da mudança, o art. 5º do Decreto-lei nº
1.418 passou a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º Para efeito de determinação do lucro real da pessoa jurídica, os resultados
obtidos com operações a termo em bolsas de mercadorias no exterior terão o
seguinte tratamento:
I – os resultados positivos não serão tributáveis, desde que obedecidas as condições
estabelecidas pelo Ministro da Fazenda;
lI – os resultados negativos não serão dedutíveis.”
O citado preceito dispôs que, para fins de apuração do lucro real: (a) os resultados positivos
não serão tributáveis se obedecidas as condições fixadas por ato do Ministro Fazenda; e (b) os
resultados negativos não poderiam ser deduzidos. Tal mudança, em comparação com o modelo
anterior, baseado na isenção sobre o valor líquido positivo, acabou por modificar a situação dos
contribuintes que experimentassem perda líquida: a partir de então, o valor das perdas que viessem
a exceder ao montante dos ganhos seria considerado como não dedutível.
Em 1987 foi editado o Decreto-lei nº 2.397, com novas e importantes modificações sobre a
tributação dos resultados obtidos em Bolsa de Mercadorias no exterior. O art. 6º do Decreto-lei
nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, dispôs:
“Art. 6º Serão computados na determinação do lucro real da pessoa jurídica os
resultados líquidos obtidos em operações de cobertura realizadas nos mercados de
futuros, em bolsas no exterior, iniciadas a partir de 1º de janeiro de 1988.
1º No caso de operações que não se caracterizem como de cobertura, para efeito de
apuração do lucro real os lucros obtidos serão computados e os prejuízos não serão
dedutíveis.
2º O Poder Executivo expedirá instruções para a apuração do resultado líquido,
sobre a movimentação de divisas relacionadas com essas operações, e outras que
se fizerem necessárias à execução do disposto neste artigo.”
O caput do art. 6º, lido em harmonia com o § 1º, dispõe que, em relação às operações
qualificáveis como “de cobertura” (hedge), na determinação do lucro real, serão computados os
resultados líquidos, sendo omisso em relação aos casos em que as perdas ultrapassassem os
ganhos, o que permite concluir que, nestas circunstâncias (em que as perdas superam os ganhos),
o excesso seria considerado dedutível. Por outro lado, em relação aos resultados obtidos em Bolsa
nas operações que não pudessem ser consideradas como “de cobertura”, os ganhos seriam
tributáveis e as perdas não seriam admitidas como dedução. A matéria foi regulamentada pela
Instrução Normativa nº 173/88.
Posteriormente, o art. 63 da Lei nº 8.383, de 20 de dezembro de 1991, determinou a
aplicação do regime previsto no Decreto-lei nº 2.397/87 às operações de cobertura de
riscos realizadas em outros mercados futuros, no exterior, além de bolsas, desde que tais
operações fossem admitidas pelas autoridades monetárias. O preceito em questão dispôs que:
“Art. 63. O tratamento tributário previsto no art. 6º do Decreto-lei nº 2.397, de 21
de dezembro de 1987, aplica-se, também, às operações de cobertura de riscos
realizadas em outros mercados de futuros, no exterior, além de bolsas, desde que
admitidas pelo Conselho Monetário Nacional e desde que sejam observadas as
normas e condições por ele estabelecidas.”
Esse preceito vigeu até 2004, quando foi expressamente revogado pelo art. 24 da Lei nº
11.033. Após essa revogação passou a vigorar unicamente o art. 6º do Decreto-lei nº 2.397, que
disciplina os efeitos tributários dos resultados obtidos em operações realizadas em Bolsa de
Valores, excluindo-se, portanto, as operações realizadas por intermédio de instituições
financeiras. A partir de então, em face da falta de norma específica, os resultados produzidos por
operações realizadas fora de Bolsa que pudessem ser qualificadas como “de cobertura”, ou não,
ficaram submetidas aos critérios gerais de tributação e dedução de perdas, de modo que podem
ser considerados tributáveis ou dedutíveis segundo os critérios gerais de dedução previstos na
legislação tributária.
Em 1996 ocorreu uma nova mudança introduzida por intermédio da Lei nº 9.430/96. Assim,
o art. 17 da citada Lei, editada em 27 de dezembro de 1996, dispõe que:
“Art. 17. Serão computados na determinação do lucro real os resultados líquidos,
positivos ou negativos, obtidos em operações de cobertura (hedge) realizadas em
mercados de liquidação futura, diretamente pela empresa brasileira, em bolsas no
exterior.”
Em 2004, por intermédio da Lei nº 11.033, foi acrescido um parágrafo único a esse preceito,
com o seguinte enunciado:
“Parágrafo único. A Secretaria da Receita Federal e o Banco Central do Brasil
expedirão instruções para a apuração do resultado líquido, sobre a movimentação
de divisas relacionadas com essas operações, e outras que se fizerem necessárias à
execução do disposto neste artigo.”
O art. 17 da Lei nº 9.430/96 não revogou expressamente o art. 6º do Decreto-lei nº 2.397/87.
Todavia, a partir da leitura do enunciado do art. 396 do Regulamento do Imposto de Renda,
editado em 1999, é possível afirmar que – ao menos sob ótica do legislador regulamentar –
o caput do art. 6º do Decreto-lei nº 2.397/87 deixou de vigorar e foi substituído pelo enunciado
do art. 17 da Lei 9.430/96.
Se o caput foi revogado, surge a dúvida se a norma do § 1º do art. 6º do Decreto-lei nº 2.397
continua ou não em vigor a partir de então, considerando que a mesma não foi mencionada no
texto do art. 17 da Lei nº 9.430/96. A rigor, não é possível afirmar que o art. 17 da Lei nº 9.430
revoga toda a legislação anterior porque não contém normas que regulem inteiramente a matéria,
caso em que ocorreria revogação com fulcro no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código
Civil. De outra parte, a confirmar a vigência do § 1º do art. 6º do Decreto-lei nº 2.397, há o
enunciado do § 2º do art. 386 do Regulamento, que adota literalmente os seus termos para dizer
que, no caso de operações que não se caracterizem como de cobertura, para efeito de apuração do
lucro real, os lucros obtidos serão computados e os prejuízos não serão dedutíveis.
Se não existem dúvidas sobre a vigência do parágrafo único do art. 6º do Decreto-lei nº
2.397/87, torna-se necessário estabelecer a abrangência do seu campo de incidência. A dúvida
que surge é a seguinte: o tratamento tributário previsto no citado preceito abrange apenas as
operações realizadas em Bolsa ou, ao contrário, abrange também as operações realizadas fora de
Bolsa?
O texto do § 1º do art. 6º do Decreto-lei nº 2.397 regula os efeitos fiscais das operações
referidas no caput, a saber: as operações realizadas no âmbito bursátil. O texto do art. 376 do
Regulamento do Imposto de Renda confirma essa assertiva a resolve facilmente a questão
cogitada porque visa a regular – como diz o seu epítome – os resultados em operações de cobertura
em Bolsa, no exterior. Logo, estão excluídas desse regime jurídico: (a) as operações de cobertura
realizadas fora de Bolsa; (b) as operações que não sejam caracterizadas como “de cobertura”,
realizadas em Bolsa ou fora dela. Enfim, para fins tributários, para estas operações, se não existe
regra específica, os resultados são tributáveis ou dedutíveis de acordo com as normas gerais
contidas na legislação tributária.
Portanto, após o advento da Lei nº 11.033, para fins de cálculo e recolhimento do IRPJ, em
face do disposto no art. 17 da Lei nº 9.430/96 e no § 1º do art. 6º do Decreto-lei nº 2.397/87, são
integralmente tributáveis os ganhos e inteiramente dedutíveis as perdas geradas por operações
qualificáveis como de hedge que tenham sido realizadas diretamente por empresas brasileiras em
mercados de liquidação futura em quaisquer Bolsas. Por outro lado, são tributáveis os ganhos e
não dedutíveis as perdas decorrentes de operações não consideradas de cobertura que tenham sido
obtidas em Bolsa, no exterior. Deste modo, a partir do advento da citada Lei nº 11.033, em face
da falta de norma específica, os resultados produzidos por operações realizadas fora de Bolsa,
qualificadas ou não como “de cobertura”, ficam submetidos aos critérios gerais de tributação e
dedução de perdas, de modo que podem ser considerados tributáveis ou dedutíveis segundo os
critérios gerais de dedução previstos na legislação tributária.
Não pode ser descartada a aplicação, no caso das operações realizadas fora de Bolsa e que
não sejam qualificadas como de hedge, da regra dos §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei nº 8.981/95 que
limita a dedução das perdas ao montante dos ganhos em cada período-base e permite o
carregamento do excesso (perdas que suplantam os ganhos) para compensação em anos seguintes,
ao modo do que ocorre com os prejuízos fiscais. Analisando o contexto em que estão inseridos os
referidos preceitos, considero que os mesmos aplicam-se exclusivamente às operações realizadas
no país. Em relação às operações de hedge realizadas fora de Bolsa, há de se considerar, ainda,
que – quando do advento da Lei nº 8.981/95 – tais operações estavam sob a égide do art. 63 da
Lei nº 8.383, que foi revogada somente em 2004. Ora, no momento em que foi publicada a Lei nº
8.981, tais operações eram regidas por norma específica e, portanto, não poderiam estar no campo
de incidência da norma recém-editada. A revogação posterior da norma específica (o art. 63 da
Lei nº 8.383) não coloca automaticamente tais operações ao abrigo da Lei nº 8.981 exceto se
admitirmos, no caso, a validade de uma interpretação extensiva. A ideia de equivalência, que
poderia justificar a aplicação dos citados §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei nº 8.981 às operações
realizadas fora de bolsa no exterior, com finalidade de hedge ou não, me parece razoável, mas
essa razoabilidade só se justifica com a invocação dos préstimos do juiz Hércules do Prof. Ronald
Dworkin ou do “legislador racional” do Prof. Tércio Sampaio Ferraz. Um ordenamento jurídico
como este nosso é um desafio até para essas figuras que são dotadas de potências humanas
superiores.
27.3OPERAÇÕES REALIZADAS NO PAÍS
Até o ano de 1992, os resultados produzidos por operações de hedge, no país, nunca foram
objeto de normas específicas, de modo que eram tratados como receitas e despesas financeiras e
considerados tributáveis ou dedutíveis de acordo com as normas gerais pertinentes a essa
categoria de acréscimo ou decréscimo patrimonial.
Em 1992, foi editada a Lei nº 8.542 que, no art. 29, dispôs sobre a matéria. Os incisos I e II
do § 4º do citado art. 29 estipulavam que os ganhos líquidos nas operações realizadas em Bolsas
e assemelhados seriam tributados em separado e excluídos na determinação do lucro real,
enquanto que as perdas líquidas não poderiam ser consideradas dedutíveis. A rigor, a dedução das
perdas estava atrelada e limitada ao montante dos ganhos: o eventual excesso deveria ser
adicionado na determinação do lucro real.
Em 1995, o marco jurídico tributário das operações financeiras sofreu uma grande
reformulação com o advento da Lei nº 8.981. Os §§ 4º e 5º do art. 76 da citada Lei trataram dos
resultados apurados em Bolsa de Valores de um modo geral, sem qualquer referência específica
aos ganhos obtidos no exterior. O referido art. dispôs sobre os efeitos tributários, no campo do
IRPJ, das operações referidas nos arts. 72 a 74, que são: (a) operações realizadas nas bolsas de
valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas (caput do art. 72); na alienação de ouro, ativo
financeiro, fora de bolsa; e, ainda, na alienação de participações societárias, fora de bolsa (§ 3º do
art. 72); (b) operações de resgate de quota de fundo de ações, de commodities, de investimento no
exterior, clube de investimento e outros fundos da espécie (art. 73); e (c) operações de swap (art.
74). O enunciado do § 4º do art. 76 da Lei nº 8.981 exclui as operações de day trade (operações
iniciadas e encerradas no mesmo dia).
Como visto, os §§ 4º e 5º do art. 76 da Lei nº 8.981/95 instituíram um novo regime de
dedução das perdas em operações financeiras, sem fazer qualquer menção aos resultados obtidos
em operações realizadas fora do território nacional. Os efeitos fiscais decorrentes da obtenção de
resultados obtidos em Bolsa ou fora de Bolsa, no exterior, a esta altura, estavam contemplados no
art. 6º e no § 1º do mesmo artigo, do Decreto-lei nº 2.397, posto que a Lei nº 9.430/96 não havia
sido editada. Essas normas eram consideradas normas especiais em relação àquelas introduzidas
no ordenamento jurídico pela Lei nº 8.981.
Os preceitos dos §§ 4º e 5º do art. 76 da citada Lei têm a seguinte redação:
“§ 4º Ressalvado o disposto no parágrafo anterior, as perdas apuradas nas
operações de que tratam os arts. 72 a 74 somente serão dedutíveis na determinação
do lucro real até o limite dos ganhos auferidos em operações previstas naqueles
artigos.
§ 5º Na hipótese do § 4º, a parcela das perdas adicionadas poderá, no ano-
calendário subsequente, ser excluída na determinação do lucro real, até o limite
correspondente à diferença positiva apurada no mesmo ano, entre os ganhos e
perdas decorrentes das operações realizadas.”
Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.065/95 que deu nova redação ao texto do § 5º do art.
76 da Lei nº 8.981/95, que passou a ter o seguinte enunciado:
“§ 5º Na hipótese do § 4º, a parcela das perdas adicionadas poderá, nos anos-calen-
dário subsequentes, ser excluída na determinação do lucro real, até o limite
correspondente à diferença positiva apurada em cada ano, entre os ganhos e perdas
decorrentes das operações realizadas.”
Portanto, após o advento da Lei nº 9.065/95, as perdas em operações realizadas em Bolsa e
em outras operações financeiras referidas nos arts. 72 a 74 da Lei nº 8.981/95 passaram a ser
dedutíveis até o limite dos ganhos em operações da mesma natureza. Outra novidade estava na
autorização legal de “carregamento” do valor das perdas excedentes aos ganhos para abatimento
futuro com ganhos da mesma natureza em períodos subsequentes ao da apuração, de modo que
tais perdas passaram a ser consideradas como uma espécie sui generis de prejuízo fiscal. Todavia,
à época, surgiu uma séria dúvida acerca da possibilidade de “carregamento” das perdas nas
operações qualificáveis como hedge em face do disposto no item V e § 1º do art. 77 da citada Lei
nº 8.981/95:
“Art. 77. O regime de tributação previsto neste Capítulo não se aplica aos
rendimentos ou ganhos líquidos:
V – em operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de
mercadoria e de futuros ou no mercado de balcão.
§ 1º Para efeito do disposto no inciso V, consideram-se de cobertura (hedge) as
operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às
oscilações de preço ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado: a) estiver
relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; b) destinar-se à
proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.”
O capítulo ao qual se refere o caput do art. 77 é o Capítulo VI, que trata “Da Tributação das
Operações Financeiras”, cujas normas dispõem sobre a tributação na fonte. Ocorre que entre essas
normas sobre a tributação na fonte está a regra do § 4º do art. 76 que trata sobre o cálculo do lucro
real.
Portanto, se considerarmos que a regra que admite o “carregamento” das perdas não se aplica
às operações hedge, então teríamos de admitir que esse benefício aplica-se a todas as demais
operações realizadas em Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros e no Mercado de Balcão, exceto
as que tiverem finalidade de hedge. É difícil encontrar uma razão de ordem econômica ou social
para essa discriminação.
Outra vertente interpretativa pode ser esboçada no sentido de considerar que a regra do art.
77 da Lei nº 8.981 visa excluir a limitação da dedução das perdas para as instituições financeiras.
Vejamos, a respeito, o voto da douta Conselheira Sandra Faroni, proferido por ocasião do
julgamento do Recurso nº 123.264, ocorrido em 18 de abril de 2001, na 1ª Câmara do 1º Conselho
de Contribuintes:
“A partir de 1995, de acordo com o art. 76, § 4º, da Lei 8.981/95, permaneceu a
limitação da dedutibilidade (as perdas são dedutíveis até o limite dos ganhos) para
as empresas não financeiras, e pelo art. 77, passaram, as perdas, a ser integralmente
dedutíveis para as instituições financeiras, desde que cumpridas as obrigações
acessórias pertinentes (no caso de swap, registro das operações).”
Essa vertente tem o mérito de superar a apontada discriminação na medida em que considera
o direito de carregamento das perdas para o futuro. Assim, os contribuintes que não exploram
atividade de caráter financeiro (que são privativas de instituições financeiras) e que vierem a
apurar perdas líquidas ficam impedidos de deduzir o respectivo valor no período em que as perdas
forem apuradas, mas conservam o direito de fazer a posterior compensação com ganhos líquidos
de exercícios seguintes. As instituições financeiras, por outro lado, podem deduzir integralmente
as perdas independentemente da obtenção, no mesmo período, de ganhos da mesma natureza.
A descaracterização de uma operação rotulada como hedge – em virtude da ausência de
finalidade de proteção – não significa que as perdas experimentadas pelo sujeito passivo sejam
inteiramente não dedutíveis com base no critério geral de ausência de necessidade da perda. Se
não há o que proteger ou não há exigência de proteção, não há hedge senão apenas sob o ângulo
formal ou nominal, e, se não há hedge, não se aplicam as regras pertinentes a tais operações, de
modo que a dedução das perdas far-se-á com base nos critérios gerais de dedutibilidade previstos
na legislação tributária. Em circunstâncias como estas – em que não há algo a proteger – o contrato
de aplicação deve ser tratado como uma forma normal de obtenção de lucros financeiros, salvo
se houver, em cada caso, circunstâncias que indiquem a ausência desse propósito de obter ganhos.
Havendo o propósito de obtenção de ganhos, as perdas tornam-se normais porque decorrem da
álea ou do jogo econômico. A especulação, afinal, faz parte da álea: quem constrói uma fábrica
não tem garantia alguma de que terá lucro: o lucro é um resultado e este pode ser favorável ou
desfavorável de acordo com as circunstâncias. Afinal, parece razoável supor que ninguém em
perfeito juízo queira perder dinheiro; todavia, muitos correm riscos de perder quando perseguem
ganhos, e o mercado de capitais é o lócus adequado para isto. No voto proferido quando do
julgamento do Recurso nº 147.360 (acórdão nº 101-95.632, de 26.07.07), a conselheira Sandra
Faroni disse:
“Portanto, o mercado de opções compreende operações usuais e normais, e não
havendo disposição específica em contrário a legislação tributária, as perdas nessas
operações são dedutíveis para fins de IRPJ, a não ser que as operações tenham suas
finalidades desvirtuadas, ou seja, tenham caráter de artificialismo, sejam operações
cujos parâmetros estão fora dos estabelecidos pelo mercado.”
Essas operações de risco são normais e corriqueiras para pessoas jurídicas que atuam no
mercado de capitais de modo contínuo; todavia, podem ser consideradas atípicas se realizadas por
outras pessoas jurídicas, de modo que só as circunstâncias fáticas e jurídicas de cada caso é que
confirmarão, ou não, a normalidade da despesa.
27.4CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO
As referências às diversas normas que regulam os efeitos tributários dos resultados
produzidos em operações revelam que todas, sem exceção, cuidam do cálculo e recolhimento do
IRPJ: nada é dito a respeito da CSLL. A falta de normas específicas atrai a incidência das normas
gerais sobre a dedução de despesas e a tributação de receitas, de modo que assim devem ser
tratados os resultados em operações de cobertura, no exterior ou no Brasil, em Bolsa ou fora de
Bolsa.
28.1REGRAS GERAIS
Subcapitalização – ou capitalização insuficiente ou inadequada – é uma figura do direito
societário que surge quando os sócios ou acionistas de uma sociedade não aportam recursos
necessários ao funcionamento normal das atividades exploradas ou quando preferem aportar
recursos sob a forma de empréstimos ao invés de capital.1 Se a capitalização insuficiente for
utilizada como ardil para prejudicar terceiros que contratam com a sociedade, a lei permite que
esse fato seja considerado como causa legitimadora da desconsideração da personalidade
jurídica.2
Do ponto de vista fiscal, há uma antiga preocupação dos países em geral em evitar a erosão
da base tributável com a concessão de empréstimos ao invés de aporte de capital.3 Essa
preocupação tem justificado a edição de normas que vedam a dedução de despesas financeiras
pela obtenção de recursos de pessoas ligadas sem sopesar as vantagens, para a tomadora dos
recursos, de modo que tais operações são presumidas como sendo abusivas quando a ordem
jurídica as trata como normais e usuais. De acordo Heleno Torres:4 “A obtenção de linha de crédito
de uma empresa do mesmo grupo é, normalmente, menos burocrática e menos onerosa do que é
a contratação de empréstimo bancário junto a instituições financeiras.” E, ademais, – prossegue
o autor: “empréstimos e financiamentos entre empresas do mesmo grupo são operações usuais,
normais e permitidas em nosso sistema jurídico”.
As regras tributárias sobre a subcapitalização estão dispostas em dois artigos da Lei nº
12.249/10. O primeiro artigo é o de número 24 e contém regras sobre a dedução dos juros pagos
ou creditados a pessoas vinculadas no exterior que não tenha sede ou domicílio em país ou
dependência com tributação favorecida ou com regime fiscal privilegiado. As normas do art. 25,
por sua vez, são mais abrangentes na medida em que alcançam operações com qualquer pessoa
física ou jurídica – vinculada ou não – sendo relevante para sua aplicação unicamente o fato de
os credores serem residentes ou domiciliados em país ou dependência com tributação favorecida
ou com regime fiscal privilegiado. Tais regras ostentam o caráter de normas especiais em relação
às normas gerais que regem a dedução das despesas financeiras em geral.
28.2FINALIDADE DAS NORMAS
Toda norma jurídica tem uma finalidade, isto é, busca atingir um determinado objetivo que
visa realizar um valor consagrado pela ordem jurídica. Para encontrar o vetor axiológico do
conjunto de normas sobre subcapitalização é necessário recorrer à Exposição de Motivos da
Medida Provisória nº 472, segundo o qual as referidas regras visam: (a) controlar o endividamento
abusivo; e (b) evitar a geração artificial de juros. Vejamos o texto da Exposição de Motivos:
“29. O art. 24 visa evitar a erosão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL mediante
o endividamento abusivo realizado da seguinte forma: a pessoa jurídica
domiciliada no exterior, ao constituir subsidiária no País, efetua uma capitalização
de valor irrisório, substituindo o capital social necessário à sua constituição e
atuação por um empréstimo, que gera, artificialmente, juros que reduzem os
resultados da subsidiária brasileira.
29.1. A dedução desses juros da base de cálculo do IRPJ (alíquota de 15% mais
adicional de 10%) e da CSLL (alíquota de 9%) gera uma economia tributária de
34% do seu valor. Mesmo considerando que as remessas para pagamento de juros
são tributadas pelo Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) à alíquota de
15%, resta uma economia tributária de 19%.
29.2. A medida torna os juros considerados excessivos indedutíveis, segundo
critérios e parâmetros legais. O objetivo é controlar o endividamento abusivo junto
a pessoa vinculada no exterior, efetuado exclusivamente para fins fiscais.
30. O art. 25 segue o mesmo princípio do art. 24, entretanto, é aplicado na hipótese
de a pessoa jurídica domiciliada no Brasil contrair empréstimos com pessoa
jurídica domiciliada em país ou dependência com tributação favorecida, ou que
goze de regime fiscal privilegiado. Da mesma forma, esses empréstimos geram
juros que reduzem, artificialmente, o resultado tributável no Brasil e, ao mesmo
tempo, geram lucros que não serão tributados de maneira representativa no
exterior. A medida restringe a dedutibilidade das despesas de juros de pessoas
jurídicas residentes no Brasil quando pagos a entidades ‘off-shore’,
independentemente de vínculo societário.”
A lei nada diz acerca da validade de tais operações, mas a “Exposição de Motivos” parte do
pressuposto de que elas são abusivas porque a dedução dos juros, descontados os valores pagos a
título de imposto de fonte, geram economia tributária de 19% e isso seria um fator de incentivo
para que as detentoras de recursos preferissem emprestar dinheiro a subscrever capital na
sociedade brasileira. A caracterização do abuso baseada na diferença de carga tributária é um
paralogismo ou uma meia verdade. Estão corretos os cálculos e as premissas adotadas pela
Exposição de Motivos; todavia, os juros pagos a pessoas não vinculadas com sede ou domicílio
no exterior (em qualquer jurisdição tributária) produzem os mesmos efeitos tributários apontados
nas razões justificativas e não estão abrangidos pelas normas em questão. Bem se vê, portanto,
que esse argumento é falacioso e revela uma predileção por impedir ou embaraçar os negócios
entre pessoas ligadas impondo cargas a par das regras de bloqueio existentes na ordem jurídica
que exigem que os efeitos tributários dos negócios jurídicos sejam pautados pelo princípio
do arm’s length. As autoridades fiscais ao redor do mundo, e também as do Brasil, colocam as
operações internacionais entre pessoas ligadas numa espécie de index de anátemas econômicos
atribuindo-lhes consequências fiscais diferentes das operações realizadas com outras pessoas com
sede ou domicílio no exterior, em evidente amesquinhamento do princípio da igualdade que só
será preservado nos casos em que houver acordo internacional que impeça qualquer forma de
discriminação de caráter tributário. Essas regras aumentam o custo de captação de recursos por
parte das empresas brasileiras e quebram a lógica da existência de conglomerados ou grupos
empresariais em que a combinação de recursos e esforços é a tônica.
No mais, a Exposição de Motivos justifica a edição de tais normas para coibir a geração
artificial de juros que reduzem a base tributável do IRPJ e CSLL. Eis, aqui, um novo paralogismo:
com efeito, só haveria geração artificial de juros se não houvesse financiamento e, em tais casos,
eles não poderiam ser deduzidos posto que inexistentes. Enfim, parece claro que se as operações
forem consideradas como abusivas prima facie não seria necessária edição de regra alguma sobre
subcapitalização, eis que os valores integrais dos juros seriam considerados como não dedutíveis
por não atenderem ao critério da normalidade da despesa, que é um requisito de caráter geral que
preside a interpretação das regras sobre dedução de despesas.
28.3CAMPO MATERIAL DE INCIDÊNCIA
Os arts. 24 e 25 da Lei nº 12.249/10 dispõem sobre a dedução dos juros pagos ou creditados
a pessoas residentes ou domiciliadas no exterior que sejam vinculadas ou não. As regras não
excluem a aplicação das normas sobre preços de transferência e o conceito de “pessoa vinculada”
deve ser entrado nessas mesmas normas. As regras sobre dedução alcançam apenas os juros e,
portanto, não tratam da dedução de variação cambial ou outros encargos financeiros de qualquer
natureza que não tenham a finalidade de dissimular a cobrança de juros em quaisquer negócios
que possam gerar endividamento para a pessoa jurídica brasileira e independentemente de registro
no Banco Central do Brasil.
Esses preceitos dispõem, basicamente, sobre a dedução de juros pagos ou creditados a
pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior. O art. 24 trata das operações
em que os beneficiários dos juros pagos ou creditados sejam pessoas vinculadas que tenham ou
não participação no capital da sociedade brasileira sujeita ao regime de tributação com base no
lucro real. Assim, no caso de endividamento com pessoa jurídica vinculada no exterior que tenha
participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o valor do endividamento com a
pessoa vinculada no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior a
2 (duas) vezes o valor da participação da vinculada no patrimônio líquido da pessoa jurídica
residente no Brasil. No caso de endividamento com pessoa jurídica vinculada no exterior que não
tenha participação societária na pessoa jurídica residente no Brasil, o valor do endividamento com
a pessoa vinculada no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior
a 2 (duas) vezes o valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil. Em qualquer
caso, o valor do somatório dos endividamentos com pessoas vinculadas no exterior, verificado
por ocasião da apropriação dos juros, não seja superior a 2 (duas) vezes o valor do somatório das
participações de todas as vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil.
Como se vê, a apuração dos limites para fins de dedução será feita em duas etapas, já que a lei
exige a observância de dois limites individuais para cálculo do endividamento que serão
mensurados em função da participação vinculada do beneficiário no patrimônio da pessoa jurídica
brasileira ou em razão do patrimônio líquido global nos casos em que os juros forem pagos ou
creditados a pessoas vinculadas que não participam do capital da sociedade brasileira. Por fim,
em qualquer caso, é imprescindível que o valor do somatório dos endividamentos com pessoas
vinculadas no exterior não seja superior a 2 (duas) vezes o valor do somatório das participações
de todas as vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil. Essas regras
são aplicáveis também às operações de endividamento de pessoa jurídica residente ou domiciliada
no Brasil com pessoa residente ou domiciliada no exterior (não vinculada) em que o avalista,
fiador, procurador ou qualquer interveniente na operação de endividamento for pessoa vinculada.
Para fins de aplicação dessas normas, os valores do endividamento e da participação da vinculada
no patrimônio líquido serão apurados pela média ponderada mensal.
O art. 25 da Lei nº 12.249/10 trata da dedução dos juros em operações de endividamento
contratada com qualquer pessoa não vinculada que tenha sede ou domicílio no exterior, em país
ou dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado. Nesse caso, é
necessário atender cumulativamente ao requisito de que o valor total do somatório dos
endividamentos com todas as entidades situadas em país ou dependência com tributação
favorecida ou sob regime fiscal privilegiado não seja superior a 30% (trinta por cento) do valor
do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil.
Em face do disposto no § 7º do art. 24 da Lei nº 12.249/10, as regras sobre subcapitalização
não se aplicam às operações de captação feitas no exterior por instituições financeiras referidas
no § 1º do art. 22 da Lei nº 8.212/91, e utilizados em operações de repasse.
28.4CÁLCULO DO VALOR DEDUTÍVEL
De acordo com o disposto no § 3º do art. 24 (e o mesmo ocorre em relação ao art. 25),
verificando-se excesso em relação aos limites legais, o valor dos juros relativos ao excedente será
considerado despesa não necessária à atividade da empresa, e, portanto, não dedutível para fins
do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. O cálculo do valor
dedutível (e, por conseguinte, do valor não dedutível) dos juros imputados ao resultado é
relativamente simples; assim, nas operações previstas no art. 24, toma-se o valor integral do
patrimônio líquido ou da parcela pertencente à pessoa vinculada, multiplica-se por dois e o
resultado obtido deve ser comparado com o valor do endividamento. Se o endividamento for
maior, será considerada não dedutível a parcela (proporção) dos juros equivalente à relação
percentual entre o valor do excesso apurado e o valor do endividamento. A fórmula de
determinação do valor do patrimônio líquido a ser comparado com o valor do endividamento varia
de acordo com as diversas hipóteses legais: assim, essa expressão pode vir a representar:
(i)o valor total do patrimônio líquido contábil da sociedade devedora (inciso II e § 6º
do art. 24, e caput do art. 25);
(ii)a parcela resultante da aplicação do percentual de participação no capital social
sobre o valor total do patrimônio líquido contábil da sociedade devedora (incisos I e
III do art. 24).
Nas operações previstas no art. 25 a mecânica do cálculo é a mesma, modificando-se o
critério de determinação do valor do patrimônio líquido para fins de comparação, o qual será
considerado, em qualquer caso, na base de trinta por cento do seu valor total. Em qualquer caso,
os §§ 1º e 2º do art. 7º da Instrução Normativa nº 1.154/11, estabelecem que o patrimônio líquido
a ser considerado é o constante do último Balanço, mas, opcionalmente, o contribuinte poderá
utilizar o patrimônio líquido ajustado pelos resultados obtidos até o mês anterior ao da apropriação
dos juros, desde que, neste último caso, os Balanços e as demonstrações de resultados estejam
transcritos no Livro Diário.
28.5ENDIVIDAMENTO
No contexto das regras sobre subcapitalização o valor dedutível dos juros passa a levar em
consideração o valor do endividamento sem prejuízo da vigência das regras gerais que
estabelecem que a dedução de despesas em geral fica a depender da verificação, em cada caso, da
necessidade da mesma para manutenção da fonte produtora de recursos. Se o sujeito passivo não
demonstrar a necessidade da despesa – vale dizer, do financiamento obtido – os juros não podem
ser deduzidos (como nunca puderem) em face da regra geral. Doravante, mesmo que passem pelo
filtro da necessidade, as despesas com juros abonados se submetem a limites quantitativos que
leva em consideração o endividamento. Assim, para fins legais, o endividamento que, em cada
caso, ultrapassar o valor do patrimônio líquido aplicável de acordo com as variações ditadas pelos
fatos concretos, passa a ser o limite a partir do qual uma despesa passa a ser considerada não
dedutível por determinação legal, não se lhe aplicando a regra geral da dedução vinculada à
necessidade da despesa. O conceito normativo de endividamento consta do § 1º do art. 24, nos
seguintes termos:
“§ 1º Para efeito do cálculo do total de endividamento a que se refere o caput deste
artigo, serão consideradas todas as formas e prazos de financiamento,
independentemente de registro do contrato no Banco Central do Brasil.”
No conceito normativo de endividamento estão contempladas todas as operações de crédito
em sentido amplo, assim consideradas aquelas sob a forma de debêntures, commercial papers,
mútuo, conta-corrente, ou venda de bens e serviços para pagamento a prazo. Só devem ser
consideradas no cálculo do endividamento as operações suscetíveis de gerar o pagamento ou
crédito de juros porquanto a finalidade das normas é impedir a dedução de juros em favor da
empresa no exterior e, se há dívida em que não são abonados juros, parece claro que as normas
não devam ser aplicadas.
A legislação é omissa a respeito de como devem ser tratados os valores relativos aos juros
devidos (creditados) que não forem pagos no prazo contratual: à primeira vista parece razoável
supor que tais valores devam compor o montante do endividamento apenas e tão somente nos
casos em que, em virtude de disposição contratual, sejam abonados juros sobre tais parcelas. O §
4º do art. 7º da Instrução Normativa nº 1.154/11, preenche a lacuna da lei ao estipular que “para
efeito do cálculo do endividamento, deverá ser adicionado ao valor do principal, o montante dos
valores dos juros incorridos e não pagos até o último dia útil do mês do cálculo do
endividamento”. Esse preceito regulamentar extrapola os limites da lei quando exige o cômputo,
sem mais, do valor dos juros incorridos. É óbvio que os juros incorridos e não pagos tornam-se
parte do endividamento, mas, se sobre essa específica parcela não são abonados juros em virtude
de preceito contratual, a norma não pode incidir porque o suposto de fato é a existência de juros
derivados do endividamento. Essa forma de cálculo, apesar de ilegal, tende a ser favorável ao
sujeito passivo em algumas circunstâncias.
Enfim, parece claro que o valor do endividamento a ser tomado é aquele sobre o qual são
calculados os juros que são imputados ao resultado do período e, em regra, é formado por valores
contratados para pagamento em moeda estrangeira. Esse mesmo critério deve ser adotado em
relação às dívidas em moeda nacional sujeita a atualização monetária (variação cambial ou
correção monetária com base em índices gerais de preços).
28.6PATRIMÔNIO LÍQUIDO
O enunciado do caput do art. 24 (e o mesmo se diga do caput do art. 25) estabelece que o
teste de dedutibilidade seja feito no período de apuração e o § 4º dos citados artigos dispõe que
os elementos de comparação (endividamento e patrimônio líquido total ou pertencente ao credor)
serão tomados segundo média ponderada mensal. Patrimônio Líquido, nesse contexto, é aquele
formado de acordo com as normas contábeis e abrange inclusive os “outros resultados
abrangentes”. O item III do caput do art. 24 afirma que os limites serão apurados quando da
apropriação dos juros que pode ocorrer a cada mês ou outro período de tempo fixado em norma
contratual.
Ao fazer menção ao cálculo mensal, as normas em questão impõem – ainda que por via
oblíqua – a apuração de patrimônio líquido a cada mês, ou seja, se as normas citadas estatuem
que deverá ser tomado o valor mensal do patrimônio líquido estão elas a dizer que, para esse fim,
é irrelevante a data do encerramento do exercício social para fins societários. O valor do
patrimônio líquido de cada mês deve incorporar o resultado do período respectivo. Todavia,
convém salientar que o enunciado de tais normas não é claro o bastante acerca da necessidade de
encerramento das contas de resultado para obtenção do valor do patrimônio líquido mensal.
Diante da ausência de norma parece razoável supor que cabe ao sujeito passivo escolher o modo
que melhor atenda aos seus interesses, desde que fiquem resguardados os interesses fazendários
de auditar as cifras e qualificar os fatos contábeis de acordo com as normas de caráter tributário
aplicáveis em cada caso. Assim, parece ser plenamente aceitável que a apuração do valor do
patrimônio líquido mensal possa ser feita por via contábil, com o encerramento das contas de
resultados ou por intermédio de cálculos extracontábeis. Os enunciados dos §§ 1º e 2º do art. 7º
da Instrução Normativa nº 1.154/11 estabelecem que o patrimônio líquido a ser considerado é o
constante do último Balanço, mas, opcionalmente, o contribuinte poderá utilizar o patrimônio
líquido ajustado pelos resultados obtidos até o mês anterior ao da apropriação dos juros, desde
que, neste último caso, os Balanços e as demonstrações de resultados estejam transcritos no Livro
Diário.
28.7CONCORRÊNCIA COM OUTRAS NORMAS
As regras sobre subcapitalização não afastam, quando cabíveis, as normas sobre preços de
transferências que estabelecem limites de para dedução dos juros pagos ou creditados acima de
certos parâmetros5; de igual modo, não excluem as regras gerais sobre dedução de despesas em
geral, mas excluem as normas sobre distribuição disfarçada de lucros. Essa virtual concorrência
de normas que incidem sobre um mesmo fato (o pagamento ou crédito de juros a pessoas
vinculadas) impõe ao intérprete o dever de estabelecer uma concordância prática entre elas, de
modo que o sujeito passivo deverá: (a) encontrar a parcela dedutível dos juros segundo a
legislação que rege a apuração dos preços de transferências; e (b) submeter essa parcela aos
limites impostos pelas regras sobre a subcapitalização. As referidas regras, como visto, visam
limitar a dedução de parcelas que seriam normalmente dedutíveis, e, desse modo, parece certo
que não devem ser tomados os valores integrais dos juros que embutem uma parcela já
considerada não dedutível, sob pena de se admitir um injusto bis in idem.
1Mauro Rodrigues Penteado (Aumento de capital das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 20-22) faz menção à dificuldade de se estabelecer, mesmo na lei, o montante adequado
do valor do capital de uma sociedade.
2ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no novo
código civil. São Paulo: MP, 2005, p. 121; BALLANTINE, Henry Whinthrop. Ballantine on
corporations. Chicago: Callaghan, 1946, p. 302-303; e TAVARES GUERREIRO, José
Alexandre. Regime jurídico do capital autorizado. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 26.
3CEZAROTI, Guilherme. Subcapitalização de empresas. Direito tributário atual.v. 18. São
Paulo: Dialética, 2004, p. 173.
4TORRES, Heleno Taveira. Regime tributário de despesas operacionais de juros em operações
coligadas. Revista de direito bancário e mercado de capitais no 46. São Paulo: RT, 2009, p.
64.
5Vide, neste livro, o Capítulo 31, item 31.11.1.
29.1CONDIÇÕES GERAIS DE DEDUTIBILIDADE
As perdas de capital são os valores negativos decorrentes da alienação ou baixa de bens do
Ativo Permanente. Para que possam ser consideradas dedutíveis, as perdas dessa natureza devem
ser adequadamente justificadas (provadas); não cabe aqui considerar o requisito da necessidade
para a manutenção da atividade produtora, porquanto, via de regra, as perdas são geradas por
alienação ou baixa de bens do ativo permanente que já não servem ou não são convenientes para
o funcionamento da empresa.
Os bens do ativo permanente podem ser alienados, quando são transferidos para terceiros
sob qualquer roupagem jurídica, ou podem ser simplesmente destruídos ou baixados por
obsolescência ou perecimento.
Dúvidas surgem a respeito da imputação ao resultado de valores correspondentes a perdas
efetivas decorrentes da obsolescência ou perda de função de bens do Ativo Permanente que se
tornam imprestáveis para os fins para os quais tenham sido adquiridos ou construídos, o que pode
ocorrer mesmo antes de entrarem em operação. Sobre esse assunto há uma antiga opinião das
autoridades fiscais, veiculada por intermédio do Parecer Normativo CST nº 146/75, no sentido de
que as perdas ocorridas com bens do Ativo Imobilizado só podem ser consideradas efetivas e,
portanto, dedutíveis, quando da alienação dos mesmos, isto é, quando houver a efetiva saída do
patrimônio da empresa.
Na ementa do referido Parecer Normativo está dito:
“Os bens do Ativo Imobilizado que se tenham tornado imprestáveis pela
obsolescência normal ou excepcional, ou em razão de ocorrência de caso fortuito
ou de força maior, podem ser baixados por ocasião da efetiva saída do patrimônio
da empresa, computando-se o resultado da alienação, caso haja valor econômico
apurável, como receita eventual ou perda extraordinária, conforme o caso.”
No item 4 do mesmo ato normativo, o emissor reafirma: “em qualquer caso, a baixa contábil
deve ser concomitante à baixa física do bem, isto é, com sua efetiva saída do patrimônio da
empresa”.
Essa opinião legal não tem base em Lei. Desde o advento do art. 31 do Decreto-lei nº
1.598/77, que é a matriz legal do art. 418 do atual Regulamento do Imposto de Renda, deverão
ser classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na determinação do lucro real,
os resultados na alienação, na desapropriação, na baixa por perecimento, extinção ou desgaste,
obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do Ativo Permanente.
O confronto entre a lei (no caso, o Decreto-lei nº 1.598/77) e o Parecer Normativo nº 146/75
é patente. O citado Parecer trata “baixa” e “alienação” como se fossem uma e a mesma coisa; o
Decreto-lei, por sua vez, faz distinção entre “alienação”, “desapropriação” e “baixa” e, além disso,
faz menção às diversas hipóteses em que esta – a baixa – pode ocorrer.
O referido Parecer Normativo foi editado sob a égide do § 6º do art. 47 da Lei nº 4.506/64,
que tem a seguinte redação:
“§ 6º Poderão ainda ser deduzidas como despesas operacionais as perdas
extraordinárias de bens objeto da inversão, quando decorrerem de condições
excepcionais de obsolescência, de casos fortuitos ou de força maior, cujos riscos
não estejam cobertos por seguros, desde que não compensadas por indenizações de
terceiros.”
Na vigência do preceito transcrito, a dedutibilidade do valor registrado contabilmente como
perda ficava a depender das seguintes condições: (a) que a perda fosse considerada extraordinária;
(b) que a perda decorresse de condições excepcionais de obsolescência ou de casos fortuitos ou
de força maior; (c) que os riscos de perdas não estivessem cobertos por seguros ou passíveis de
serem indenizados por terceiros. A exigência da alienação – saída do bem do patrimônio do sujeito
passivo – não constava do texto da lei; deste modo, tendo sido ela criada pelo Parecer Normativo,
este incorre em ilegalidade.
Atualmente está em vigor o art. 31 do Decreto-lei nº 1.598/77, que é matriz legal do art. 418
do vigente Regulamento do Imposto de Renda, que tem a seguinte redação:
“Art. 31. Serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na
determinação do lucro real, os resultados na alienação, inclusive por
desapropriação (§ 4º), na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência
ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo permanente.”
Diferentemente do que ocorrera na Lei nº 4.506/64, o Decreto-lei nº 1.598/77 não exige que,
para ser imputada ao resultado como parcela dedutível, a perda seja considerada extraordinária;
basta que esteja perfeitamente caracterizada e que decorra de: (a) alienação, inclusive por
desapropriação; (b) baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão; e (c)
liquidação de bens do ativo permanente.
(a)Alienação
Alienação, segundo a significação corrente, corresponde à saída de um bem ou direito do
patrimônio de uma pessoa para o de outra. Se um determinado ativo é transferido (por venda,
permuta, conferência em pagamento de capital subscrito etc.) a outrem por valor inferior ao valor
contábil, há uma perda de capital que, em princípio, será dedutível se feita em operação a valor
de mercado devidamente comprovado. Eventual impossibilidade de dedução ficará por conta de
situações que podem ser caracterizadas como fraude (em sentido amplo) ou em razão de
incidência de alguma norma específica, como são, por exemplo, as que dispõem sobre
“distribuição disfarçada de lucros”. A desapropriação é uma espécie de alienação: de fato, como
medida determinante da perda da propriedade sobre algo corresponde a uma alienação forçada,
do particular para o Poder Público.
(b)Baixa
Diferente de alienação é a baixa contábil de um valor constante do Ativo de uma empresa.
De modo geral, a baixa corresponde a um procedimento de natureza contábil que implica redução
dos valores contabilizados nas contas representativas de ativos, tendo como contrapartida uma
conta de resultado. Pode haver baixa sem que haja alienação; basta que um bem do Ativo seja
dado como imprestável que a baixa do valor deve ser feita sem que – necessariamente – ocorra a
alienação do mesmo. Havendo alienação de um determinado bem, há concomitante baixa do valor
contábil acaso existente, isto é, nos casos em que o valor contábil seja maior que zero; há casos,
no entanto, em que a baixa não decorre de alienação, ou seja, como visto, pode ocorrer baixa
mesmo nos casos em que o bem permanece no patrimônio do sujeito passivo do Imposto de
Renda.
O art. 31 do Decreto-lei nº 1.598/77 admite a baixa em virtude de perecimento, extinção,
desgaste, obsolescência ou exaustão; ou, ainda, em caso de liquidação de bens do Ativo
Permanente. Para esses casos, a lei não exige que ocorra a alienação.
Perecer significa, em sentido comum, morrer ou deixar de existir. Em regra, o perecimento
recai sobre um bem fisicamente considerado. Assim, numa empresa que explore a atividade rural
de venda ou abate de animais, a morte de um animal considerado “reprodutor” representa o
perecimento de um bem do Ativo Permanente. A extinção, por outro lado, significa o
desaparecimento de um direito; assim, por exemplo, numa empresa que detém direitos de
concessão para exploração de alguma atividade econômica outorgada pelo Poder Público, a perda
ou a expiração do prazo de concessão deste direito significa sua extinção.
O desgaste corresponde à perda da capacidade de operação de um determinado bem em
condições ótimas e produz a perda de propriedades físicas do bem em razão do uso. Obsolescência
é, a rigor, uma espécie de desgaste econômico e diz respeito à perda da capacidade de produção
em condições ótimas em virtude de defasagem tecnológica; pode ocorrer que o bem ainda esteja
em condições de operação, mas a sua inserção na produção de bens e serviços mostra-se
incompatível com melhorias nos processos de gestão, produção e logística de uma empresa
atualizada do ponto de vista tecnológico.
Exaustão significa a perda da capacidade de produzir algo ou a falência das propriedades
físicas e químicas de algo da qual decorre a impossibilidade de extração de frutos ou benefícios.
É o caso de uma porção de terra que deixa de produzir em condições econômicas razoáveis ou de
uma jazida de minérios que teve a sua capacidade de produção extinta ou diminuída a ponto de
tornar-se economicamente inviável a sua exploração. Essa exaustão não se confunde com aquela
que decorre da exploração de recursos naturais.
(c)Liquidação
Liquidar, em sentido ordinário, é destruir. Todavia, a legislação tributária não oferece
elementos para determinar o sentido e o alcance do termo liquidação; o que parece certo é que
este termo não tem, neste contexto, a mesma significação que é adotada no Direito Societário para
fazer referência à liquidação de uma sociedade. O Decreto-lei nº 1.598/77 menciona – nos arts.
33 e 34 – a liquidação de investimentos para fazer referência às hipóteses em que um investimento
deixa de existir em razão de outros atos ou negócios jurídicos que não os tradicionalmente
qualificados como alienação. Dentro desta perspectiva, pode ocorrer liquidação em virtude de:
(a) rateio do acervo líquido pelos respectivos sócios, quando da liquidação de uma sociedade; (b)
da redução do capital da pessoa jurídica, para devolução aos sócios de parte de seu patrimônio;
(c) redução do valor do capital social para reconhecimento de perda de capital em decorrência de
prejuízos realizados pela pessoa jurídica; (d) de reembolso e resgate de ações, que correspondem
à extinção de apenas algumas ações do capital da sociedade anônima, nos casos e nas condições
previstas em lei; (e) da retirada ou exclusão de sócio nas sociedades comerciais ou civis (com
exceção das sociedades por ações), em razão do consentimento dos demais ou de cláusula
contratual que a autorize; e (f) nas sociedades em conta de participação, quando houver
devolução, pelo sócio ostensivo do capital contribuído pelo sócio oculto. Por outro lado, ocorre
extinção de participação societária nos casos de fusão, cisão ou incorporação em que as ações ou
quotas detidas não são trocadas por outras, ou seja, nos casos que a sociedade que absorve o
patrimônio destacado ou movido é também sócia naquela sociedade em que houve o destaque
patrimonial ou o seu inteiro trespasse. Em lugar de novas ações ou quotas a sociedade que recebe
a parcela patrimonial recebe bens, direitos ou obrigações, que compõem o “acervo líquido”. Tal
fenômeno ocorre em pelo menos três situações: (a) no caso de incorporação, quando a
incorporadora é titular de ações ou quotas do capital da incorporada; (b) no caso de fusão, quando
uma das sociedades é titular de ações ou quotas do capital da outra; e (c) no caso de cisão, nos
casos em que a sociedade que vier a incorporar a parcela cindida é titular de ações ou quotas da
sociedade que foi objeto da cisão.
(d)Bens fora de operação e custos de desmontagem
Quando os bens se tornam imprestáveis ou caírem em desuso incide a regra do art. 305 do
RIR/99, com as modificações introduzidas pela Lei nº 12.973/14, que, no art. 45, dispõe sobre a
dedução dos gastos com desmontagem e retirada e item do ativo imobilizado ou restauração do
local em que está situado. Neste caso, no entanto, os valores imputados ao resultado não podem
ser qualificados como “perdas de capital”, mas como “depreciação”, que é, por definição legal,
um decréscimo patrimonial operacional. De igual modo, não cabe cogitar da dedução atrelada à
baixa do bem do patrimônio do sujeito passivo em razão do disposto no Parecer Normativo CST
nº 146/75; afinal, o enunciado do art. 305 não exige a alienação para que a perda possa ser
computada como dedutível.
Como se vê, a lei tributária contém regras específicas acerca do que pode ser feito em casos
de obsolescência, desuso ou imprestabilidade de bens do Ativo Permanente. Ocorrendo qualquer
uma das hipóteses citadas, a baixa do valor registrado no Ativo decorre de perda definitiva
(provada) ou presumida (art. 305), não sendo próprio cogitar-se da ocorrência de “provisão para
perda”.
Logo, é necessário discernir, em cada caso, a qualificação da despesa; ela será considerada
incorrida ou mera provisão. As provisões para perdas no valor de ativos são feitas, de modo geral,
para refletir a perda potencial do valor econômico dos bens. O art. 45 da Lei nº 12.973/14 reafirma
a vigência do princípio geral segundo o qual a dedução das despesas somente é admitida quando
elas se tornam incorridas, exceto quando os valores constituírem custo de instalação de novos
bens, na forma do Pronunciamento CPC 27 e da Interpretação Técnica nº 12, editada pelo mesmo
órgão.
29.2PERDA NA ALIENAÇÃO DE BENS OBJETO DE
ARRENDAMENTO MERCANTIL
Na forma do art. 424 do RIR, não será dedutível na determinação do lucro real a perda de
capital apurada na alienação de bem que vier a ser tomado em arrendamento mercantil pela
própria vendedora ou por pessoa jurídica a ela vinculada. O preceito normativo visa a não permitir
que as empresas obtenham vantagem tributária em operações conhecidas por sale and lease
back pelas quais uma pessoa aliena um bem a outra que celebra um contrato de aluguel desses
mesmos bens com a pessoa jurídica vendedora.
Existem dúvidas sobre se a regra alcança ou não as operações que tenham por objeto a venda
e posterior arrendamento de um estabelecimento, como definido no art. 1.142 do Código Civil de
2002. O estabelecimento é um complexo de bens, de modo que não há razão para sustentar um
tratamento fiscal diferenciado do exposto.
Ainda a respeito do assunto, cabe referir que o Parecer Normativo CST nº 22/82 esclareceu
que a vedação da dedutibilidade alcança também a perda de capital suportada pela arrendadora
no momento em que o arrendatário exerce o direito de opção de compra. Essa hipótese não tem
base legal; não está abrangida no campo significativo da norma em questão.
29.3OUTRAS PERDAS DE CAPITAL
De acordo com o enunciado do art. 429 do RIR, não será dedutível a perda apurada na
alienação ou baixa de investimento adquirido mediante dedução do imposto devido pela pessoa
jurídica.
O art. 393 do mencionado regulamento diz que não são dedutíveis os prejuízos havidos em
virtude de alienação de ações, títulos ou quotas de capital, com deságio superior a 10% dos
respectivos valores de aquisição, salvo se a venda houver sido realizada em bolsa de valores, ou,
onde esta não existir, tiver sido efetuada em leilão público, com divulgação do respectivo edital,
na forma da lei, durante três dias no período de um mês. Essas disposições não se aplicam às
sociedades de investimentos fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, nem às participações
permanentes.
As perdas de capital na alienação de investimentos avaliados pelo método da equivalência
patrimonial serão tratadas em seção específica, a exemplo do que ocorre com as perdas de capital
realizadas no exterior que são sujeitas a regras específicas. Os efeitos fiscais decorrentes dos
ajustes por imparidade serão examinados no Capítulo 17 deste livro.
29.4PERDA NA SUBSCRIÇÃO DE CAPITAL
O art. 18 da Lei nº 12.973/14 dispõe que a perda decorrente de avaliação com base no valor
justo de bem do ativo incorporado ao patrimônio de outra pessoa jurídica, na subscrição em bens
de capital social, ou de valores mobiliários emitidos por companhia, somente poderá ser
computada na determinação do lucro real caso a respectiva redução no valor do bem do ativo seja
evidenciada contabilmente em subconta vinculada à participação societária ou aos valores
mobiliários, com discriminação do bem objeto de avaliação com base no valor justo, em
condições de permitir a determinação da parcela realizada em cada período. A norma alcança a
perda em decorrência da adoção do valor justo no momento em que ele é oferecido para subscrição
de capital e valores mobiliários; todavia, não é incompatível com o espírito da norma a atribuição
do mesmo tratamento aos bens que já tenham sido mensurados pelo valor justo antes de serem
oferecidos; afinal, a operação – em essência – tem a consistência econômica de uma permuta.
A perda, quando reconhecida contabilmente, não poderá ser deduzida, mas o contribuinte
pode fazer a dedução: (a) por ocasião da alienação ou na liquidação da participação societária ou
dos valores mobiliários, pelo montante realizado; (b) proporcionalmente ao valor realizado, no
período-base em que a pessoa jurídica que houver recebido o bem realizar seu valor, inclusive
mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou com ele integralizar capital
de outra pessoa jurídica; ou (c) na hipótese de bem não sujeito a realização por depreciação,
amortização ou exaustão que não tenha sido alienado, baixado ou utilizado na integralização do
capital de outra pessoa jurídica, a perda poderá ser amortizada nos balanços correspondentes à
apuração de lucro real, levantados durante os 5 (cinco) anos-calendário subsequentes à subscrição
em bens de capital social, ou de valores mobiliários emitidos por companhia, à razão de 1/60 (um
sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração. A norma veicula uma espécie
de diferimento da dedução e abrange qualquer perda, seja ela considerada como perda de capital
ou não; logo, a eventual perda decorrente da entrega de bens do ativo circulante também está
sujeita a esse mesmo tratamento fiscal.
Na hipótese da subscrição de capital social mediante a entrega de participação societária,
será considerada realização, para fins de dedução da perda, a absorção do patrimônio da investida,
em virtude de incorporação, fusão ou cisão pela pessoa jurídica que teve o capital social subscrito
por meio do recebimento da participação societária. Esse mesmo preceito aplica-se inclusive
quando a investida absorver, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, o patrimônio da pessoa
jurídica que teve o capital social subscrito por meio do recebimento da participação societária.
A falta de evidenciação requerida pela Lei acarreta a impossibilidade de dedução da perda
na apuração do lucro real.
30.1LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
A tributação dos lucros, rendimentos e ganhos de capital obtidos no exterior foi estabelecida
inicialmente pelos arts. 25 a 27 da Lei nº 9.249/95, que instituíram, no Brasil, o sistema de
tributação da renda global da pessoa jurídica que passou a vigorar a partir de 1º de janeiro de
1996.
As normas dos arts. 25 a 27 da Lei nº 9.249/95 foram regulamentadas pela Instrução
Normativa nº 38, de 27 de junho de 1996. Posteriormente, em 27 de dezembro de 1996, foi editada
a Lei nº 9.430, que, no art. 15, estabeleceu novas regras sobre o assunto. Depois disso, a Lei nº
9.532, de 10 de dezembro de 1997, veiculou um conjunto de regras que alçaram ao nível de lei
ordinária preceitos que foram introduzidos pela referida Instrução Normativa nº 38/96, sem base
legal anterior. Essas regras constam dos arts. 394 a 396 do RIR/99. As referidas normas
estabeleceram que o dever de computar os lucros nos resultados fiscais da investidora brasileira
deveria ser cumprido quando da distribuição real ou ficta dos lucros pelas sociedades no exterior.
Portanto, na legislação do IRPJ, a tributação dos resultados auferidos no exterior passou a
existir apenas em relação aos lucros, rendimentos e ganhos de capital que foram auferidos depois
de 1º de janeiro de 1996, não sendo tributados os valores dos rendimentos e lucros gerados até 31
de dezembro de 1995, ainda que disponibilizados depois desta data. Em relação à tributação pela
CSLL, os lucros alcançados são aqueles gerados após 90 dias do advento da Medida Provisória
nº 1.858-8, de 27 de agosto de 1999; lucros gerados anteriormente, mesmo que disponibilizados
após 1º de dezembro de 1999 não são alcançados pela tributação.1
Em 7 de outubro de 1999, foi editada a Medida Provisória nº 1.924, depois convertida na
Lei nº 9.959, de 27 de janeiro de 2000, que, por intermédio do art. 3º, acrescentou duas novas
hipóteses de disponibilização dos lucros previstas no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.532/97.
Posteriormente, a 34ª versão da Medida Provisória nº 2.158, de 27 de julho de 2001 (sucedida
pela Medida Provisória nº 2.158-35), modificou uma vez a legislação sobre a matéria. De acordo
com o caput do art. 74 daquele diploma normativo, para fim de determinação da base de cálculo
do Imposto de Renda e da CSLL, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão
considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no
qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento. Além disso, o parágrafo único estabeleceu
que os lucros apurados até 31 de dezembro de 2001 seriam considerados disponibilizados em 31
de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes dessa data, qualquer das hipóteses de
disponibilização previstas na legislação em vigor. Enfim, de acordo com as novas regras, o fato
gerador do tributo passou a ser a simples apuração dos lucros e não mais a distribuição como
ocorria desde o advento da Lei nº 9.249/95.
O modelo normativo de tributação estabelecido pela Medida Provisória nº 2.158-35 foi
contestado nos tribunais, e, no âmbito do STF, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade
2.588. A Suprema Corte decidiu: (a) pela inaplicabilidade do art. 74 da MP 2.158-35 às empresas
nacionais (investidoras) coligadas de pessoas jurídicas sediadas em países sem tributação
favorecida, ou que não fossem considerados “paraísos fiscais”; (b) pela aplicabilidade do art. 74
da MP 2.158-35 às investidoras nacionais que sejam sócias ou acionistas controladoras de
sociedades com sede em países de tributação favorecida ou desprovidos de controles societários
e fiscais adequados (“paraísos fiscais”, assim definidos em lei); (c) pela inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 74 da MP 2.158-35/2001, de modo que esse preceito não pode ser aplicado
em relação aos lucros apurados até 31 de dezembro de 2001. Em resumo, o Tribunal decidiu ser
válida a exigência de tributo independentemente da distribuição efetiva dos lucros em relação às
sociedades controladas e às sociedades coligadas localizadas em outros países que não os
qualificados como “paraísos fiscais”. A tributação dos lucros das coligadas localizadas fora dos
paraísos fiscais deveria ser feita quando da efetiva distribuição dos lucros. A rigor, a decisão
equiparou a sociedade controlada a uma filial da investidora brasileira.
Em 2014 foi editada a Lei nº 12.973/14, que modificou a legislação sobre os lucros auferidos
no exterior por sociedades coligadas ou controladas de investidora brasileira. Os arts. 76 a 92 da
Lei nº 12.973/14 modificaram a legislação com o objetivo de adotar o que fora decidido pelo STF
quando do julgamento da ADI 2.588. Os preceitos citados estabeleceram critérios de controle
contábil dos investimentos e das parcelas tributáveis e dos prejuízos apurados no exterior.
Também criaram incentivos fiscais (crédito presumido) para algumas atividades e determinaram
o envio grande quantidade de informações às autoridades fiscais. Tal como ocorria na vigência
do art. 74 da Medida Provisória 2.158-35, as normas da Lei nº 12.973/14 alcançam os resultados
obtidos no exterior pela pessoa jurídica brasileira por intermédio de filiais, sucursais, controladas,
direta ou indireta, ou coligadas e que devem ser computados para fins de determinação do lucro
real e da base de cálculo da CSLL no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em
que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil (art. 8º da IN
1.520/14).
30.2REGIMES DE TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS OBTIDOS NO
EXTERIOR
Como regra geral, os ganhos sob a forma de lucros, rendimentos e ganhos de capital que
forem auferidos no exterior serão tributados no Brasil. Os valores tributáveis são aqueles obtidos
de fonte com sede ou residência no exterior e que tenham sido obtidos de modo direito ou indireto.
Ganhos obtidos diretamente são aqueles decorrentes de atos ou negócios jurídicos iniciados e
concluídos no exterior e também os lucros obtidos por intermédio de estabelecimentos que
funcionam no exterior sem personalidade jurídica autônoma em relação à matriz, como são as
filiais, sucursais, os escritórios de representações, agências e figuras assemelhadas. De outra parte,
ganhos obtidos de modo indireto são aqueles derivados de investimentos em sociedades
independentes que sejam coligadas ou controladas.
Os rendimentos derivam de negócios jurídicos que rendem juros, variações monetárias,
prêmios, e qualquer espécie de resultados obtidos em aplicações financeiras de renda variável,
comissões, aluguéis, prestação de serviços e obras realizadas diretamente no exterior, por sua
conta ou por intermédio de consórcio etc. Ganho de capital é resultado obtido com a venda de
bens no exterior a pessoa com sede ou residência no exterior. Lucro é espécie de ganho obtido
por intermédio de uma sociedade, no exterior, que pode ser uma sociedade empresária ou não.
As vendas no exterior de produtos fabricados no Brasil não são consideradas como
rendimentos obtidos no exterior, uma vez que o lucro obtido na transação é decorrência da
atividade da pessoa jurídica aqui no Brasil. De igual modo, as prestações de serviços efetuadas
diretamente no exterior não se consideram como rendimentos obtidos do exterior; são tributados,
exclusivamente, os resultados das prestações de serviços realizadas no exterior por intermédio de
filiais, sucursais, agências, representações, coligadas, controladas e outras unidades
descentralizadas da pessoa jurídica que lhes sejam assemelhadas. Nesse sentido é o Ato
Declaratório Interpretativo nº 5/2001.
Quaisquer dessas regras devem ser interpretadas e aplicadas em harmonia com o conjunto
de normas contidas nos diversos tratados que o Brasil celebrou com outros países sobre matéria
tributária que inclua o imposto de renda e tributos afins. As normas dos tratados não revogam as
normas gerais, mas em relação a estas são consideradas lex specialis que, em certas circunstâncias,
afastam a incidência das normas gerais que com elas sejam incompatíveis.2
30.3TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS NO EXTERIOR NA LEI NO12.973/14
A Lei nº 12.973/14 manteve a política tributária de exigir o imposto por ocasião do
levantamento das demonstrações financeiras das sociedades coligadas ou controladas – diretas ou
indiretas – no exterior, mas instituiu controles contábeis e fiscais mais rígidos e eliminou algumas
lacunas existentes no ordenamento jurídico anterior. De acordo com o caput do art. 76 da referida
Lei, a parcela do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada
no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre a renda, excetuando a
variação cambial, deverá ser computada na determinação do lucro real e na base de cálculo da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada
no Brasil, observado o disposto no art. 76, que dispõe sobre o registro em subcontas distintas. No
que concerne aos investimentos em sociedades coligadas, a regra aplicável é a do art. 81 da mesma
Lei.
30.3.1Controle contábil: registros em subcontas
A pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil ou a ela equiparada deverá registrar
em subcontas vinculadas à conta de investimentos em controlada direta no exterior, de forma
individualizada, o resultado contábil na variação do valor do investimento equivalente aos lucros
ou prejuízos auferidos pela própria controlada direta e suas controladas, direta ou indiretamente,
no Brasil ou no exterior, de modo a determinar, a cada período-base, o montante dos lucros
tributáveis que será calculado de acordo com a proporção de sua participação em cada controlada,
direta ou indireta.
O valor a ser registrado em subcontas referidas deve corresponder à parcela do ajuste do
valor do investimento equivalente aos lucros por ela auferidos antes da tributação no exterior
sobre o lucro (art. 2º da IN 1.520/14). O mecanismo de controle por intermédio da subconta é
relativamente simples; deve ser feito o registro da equivalência patrimonial, apurado de acordo
com as regras do art. 264 da Lei nº 6.404/76, e, em seguida, o valor do investimento
individualmente considerado é decomposto com a criação das subcontas relativas à sociedade
controlada direta ou indireta. Após isso, o valor do resultado contábil na variação do valor do
investimento equivalente aos lucros ou prejuízos apurados pela controlada, direta ou indireta, será
registrado a débito ou a crédito da subconta mencionada, tendo por contrapartida à conta de ativo
representativa do investimento em controlada direta no exterior. Neste momento, o contribuinte
deverá fazer o registro do eventual crédito do imposto de renda a compensar derivado de
pagamento feito no exterior.
No caso de distribuição de lucros pela controlada direta, o valor do lucro recebido deve ser
baixado da subconta da controlada direta em contrapartida à conta caixa ou disponibilidades. Na
hipótese de o valor do lucro distribuído pela controlada direta ser superior ao valor constante da
subconta, a diferença deve ser baixada da conta investimento em controlada direta, tendo como
contrapartida a conta representativa de caixa ou disponibilidades. No caso de distribuição de
lucros pela controlada indireta, o valor proporcional ao lucro distribuído deve ser baixado da
subconta da controlada indireta em contrapartida à conta de ativo representativa do investimento
em controlada direta no exterior, até o limite do valor da subconta.
30.3.2Critérios para apuração e disponibilização dos
resultados positivos
Para fins de registro e tributação, o resultado auferido no exterior deve ser apurado segundo
as normas da legislação comercial do país de domicílio e corresponderá ao valor apurado antes
da tributação no exterior sobre o lucro. Nos casos de inexistência de normas expressas que
regulem a elaboração de demonstrações financeiras no país de domicílio da filial, sucursal,
controlada ou coligada, estas deverão ser elaboradas com observância dos princípios contábeis
geralmente aceitos, segundo as normas da legislação brasileira. O parágrafo único do art. 93 da
IN 1.515/14 dispõe que, para fins de registro do resultado de equivalência patrimonial, se for o
caso, deverão ser feitos ajustes para eliminação de diferenças relevantes decorrentes da
diversidade de critérios adotados no exterior.
Como regra geral, a disponibilização constitui o fato gerador do IRPJ e da CSLL e tem
diferentes configurações. Para os lucros oriundos de sociedades controladas, essa disponibilização
coincide com o registro da equivalência patrimonial dos investimentos (inclusive os afetados a
filiais e sucursais) no dia 31 de dezembro de cada ano, ainda que outra seja a data de levantamento
das demonstrações contábeis das entidades no exterior (art. 8º da IN 1.520/14), a menos que
ocorram outros eventos suscetíveis de determinar a ocorrência do fato gerador da obrigação
tributária.
Todavia, no caso de investimentos em certos tipos de sociedades coligadas (§§ 3º e 4º do
art. 17 da IN 1.520/14) a disponibilização coincide com o recebimento de lucros, de modo que a
tributação se faz com base no regime de caixa. Esse regime de imputação é aplicável aos
investimentos em sociedades coligadas que não estejam sujeitas ao regime de subtributação (e
nem sejam sociedades controladas sujeitas a esse regime), assim considerados os que tributem os
lucros por alíquota nominal inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, que esteja sediada em país
ou dependência com tributação favorecida ou não sujeitas ao regime fiscal privilegiado (caput e
itens I a III do art. 17 da IN 1.520/14). O fato gerador ocorre:
(a)na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da
investida no exterior;
(b)na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada
investida, possuir lucros ou reservas de lucros; ou
(c)na hipótese de adiantamento de recursos efetuado pela investida, por conta de
venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em
prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço.
Para aplicação de tais normas, considera-se: (i) creditado o lucro, quando ocorrer a
transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da
controlada ou coligada domiciliada no exterior; e (ii) pago o lucro, quando ocorrer: (a) o crédito
do valor em conta bancária, em favor da investidora domiciliada no Brasil; (b) a entrega, a
qualquer título, a representante da beneficiária; (c) a remessa, em favor da beneficiária, para o
Brasil ou para qualquer outra praça; ou (d) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em
qualquer praça, inclusive no aumento de capital da coligada, domiciliada no exterior.
Há casos, no entanto, em que a tributação deve ser antecipada. Assim, no caso de
encerramento do processo de liquidação da empresa no Brasil, os resultados positivos auferidos
no exterior por intermédio de suas filiais, sucursais, controladas, diretas ou indiretas, e coligadas
serão considerados disponibilizados na data do balanço de encerramento, devendo, nessa mesma
data, serem computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Diferente consequência ocorre no caso de encerramento de atividades da filial, sucursal,
controlada, direta ou indireta, ou coligada, domiciliadas no exterior. Em tais circunstâncias, os
lucros ainda não tributados no Brasil serão considerados disponibilizados e devem ser
computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL no balanço
levantado em 31 de dezembro do respectivo ano-calendário ou na data do encerramento das
atividades da empresa no Brasil. De igual modo, se ocorrer a absorção do patrimônio da filial,
sucursal, controlada, direta ou indireta, ou coligada por empresa sediada no exterior, os lucros
ainda não tributados no Brasil, apurados até a data do evento, serão considerados disponibilizados,
devendo ser computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL da
beneficiária no Brasil, no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário do respectivo
evento. Por fim, na hipótese de alienação do patrimônio da filial ou sucursal, ou da participação
societária em controlada, direta ou indireta, ou coligada, no exterior, os lucros ainda não
tributados no Brasil deverão ser considerados para fins de determinação do lucro real e da base
de cálculo da CSLL da alienante no Brasil, no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-
calendário em que ocorrer a alienação.
30.3.3Valor tributável
As normas constantes da Lei nº 12.973/14 estabelecem critérios distintos para determinação
do valor tributável em relação aos lucros provenientes de controladas ou coligadas, e, ainda, os
obtidos por intermédio de filiais ou sucursais.
Nos termos do art. 77 da Lei nº 12.973/14, a parcela do ajuste do valor do investimento em
controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior equivalente aos lucros por ela auferidos
antes do imposto sobre a renda, excetuando a variação cambial, deverá ser computada na
determinação do lucro real e na base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil, observado o disposto no art. 76.
Em face do disposto no § 1º do mesmo preceito, o valor do ajuste, e que constitui a base tributável
antes das deduções autorizadas por lei, compreende apenas os lucros auferidos no período, não
alcançando as demais parcelas que influenciaram o patrimônio líquido da controlada, direta ou
indireta, domiciliada no exterior. Enfim, o montante tributável corresponde ao resultado do
período antes do imposto de renda e independentemente da retenção de lucros em contas de
reservas previstas na legislação local, se for o caso.
Os §§ 1º e 2º do art. 9º da IN 1.520/14 estabelecem que: (a) o valor a ser reconhecido
contabilmente deve tomar como base o lucro apurado pela controlada no exterior antes do
cômputo do imposto corporativo devido no exterior, se for o caso; e (b) nos resultados das
controladas diretas ou indiretas não deverão constar os resultados auferidos por outra sociedade
na qual a controladora brasileira detenha controle direto ou indireto.
No que concerne ao resultado obtido por intermédio de coligada para a qual a investidora
não possa adotar o regime de caixa, a base tributável corresponde ao ajuste do valor do
investimento registrado (art. 19 da IN 1.520/14), que será afetado por lucros ou prejuízos apurados
por sociedades investidas da coligada (§ 1º do art. 19 da IN 1.520/14).
Há casos em que os lucros obtidos por intermédio de coligada pura (não equiparada) serão
tributados antes de serem disponibilizados, ou seja, em 31 de dezembro de cada ano. Nesse caso,
aplica-se a regra do art. 19 da IN 1.520/14 e base tributável corresponde ao valor da equivalência
patrimonial registrada, o que pressupõe que o cálculo seja feito após o cômputo dos tributos
corporativos locais. A norma exige que os resultados obtidos no exterior pela coligada pura sejam
considerados em seu balanço para fins de cálculo do valor tributável (§ 1º do art. 19 da IN
1.520/14).
Ao dispor que a base tributável é o valor do resultado contábil a Lei parte do pressuposto de
que esse resultado será apurado de acordo com as normas locais e não mais em consonância com
as normas brasileiras, como chegou a ser cogitado em pelo menos duas decisões do CARF pelas
quais foram mantidas as autuações fiscais lavradas contra contribuintes que houvera registrado
enormes perdas fiscais sob a forma de provisões e que não foram devidamente justificadas
segundo o juízo das autoridades fiscais (acór-dãos 1301-00.264 e 103.23.465). O texto da lei não
impede, no entanto, que a autoridade fiscal brasileira exerça controle sobre a parcela tributável,
especialmente nos casos de investimentos em países que não adotam regras contábeis rígidas.
Mesmo nos países onde existam normas contábeis alinhadas com os padrões internacionais, a
manipulação das cifras contábeis é algo que não pode ser negligenciado, mas é difícil exercer
controle sobre elas. A fiscalização só pode agir se a investidora tiver a obrigação legal de
apresentar a documentação pertinente à sociedade estrangeira.
30.3.4Conversão em moeda nacional
As parcelas dos ajustes e dos resultados determinados em moeda estrangeira devem ser
convertidas em Reais com base na taxa de câmbio da moeda do país de origem fixada para venda,
pelo Banco Central do Brasil, correspondente à data do levantamento de balanço da controlada
direta ou indireta. Caso a moeda do país de origem do tributo não tenha cotação no Brasil, o seu
valor será convertido em Dólares dos Estados Unidos da América e, em seguida, em Reais.
30.3.5Deduções
Nos termos do caput do art. 85 da Lei nº 12.973/14, para fins de apuração do imposto sobre
a renda e da CSLL devidos pela controladora no Brasil, poderá ser deduzida da parcela do lucro
da pessoa jurídica controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior, a parcela do lucro
oriunda de participações destas em pessoas jurídicas controladas ou coligadas domiciliadas no
Brasil. Com isso se evita a dupla incidência tributária sobre uma mesma riqueza.
De igual modo, em razão do disposto no art. 86 da mesma Lei, poderão ser deduzidos do
lucro real e da base de cálculo da CSLL os valores referentes às adições, espontaneamente
efetuadas, decorrentes da aplicação das regras de preços de transferência, desde que os lucros
auferidos no exterior tenham sido considerados na respectiva base de cálculo do Imposto sobre a
Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil
ou a ela equiparada, e cujo imposto sobre a renda e contribuição social correspondentes, em
qualquer das hipóteses, tenham sido recolhidos. A parcela a ser deduzida: (a) deve referir-se a
operações efetuadas com a respectiva controlada, direta ou indireta, da qual o lucro seja
proveniente; (b) deve ser proporcional à participação na controlada no exterior; (c) deve estar
limitada ao valor do lucro auferido pela controlada no exterior; e (d) deve ser limitada ao imposto
devido no Brasil sobre os lucros do exterior que estejam sendo tributados. As referidas normas
foram regulamentadas nos arts. 22 a 24 da IN 1.520/14.
30.4IMPOSTO PAGO NO EXTERIOR
Os requisitos legais para a dedução do imposto pago no exterior constam do art. 87 da Lei
nº 12.973/14, modificado pela Lei nº 13.043/14. O caput do art. 87 é claro ao enunciar que: “a
pessoa jurídica poderá deduzir, na proporção de sua participação, o imposto sobre a renda pago
no exterior pela controlada direta ou indireta, incidente sobre as parcelas positivas computadas na
determinação do lucro real da controladora no Brasil, até o limite dos tributos sobre a renda
incidentes no Brasil sobre as referidas parcelas”. Para esse fim, considera-se imposto sobre a
renda o tributo que incida sobre lucros, independentemente da denominação oficial adotada, do
fato de ser este de competência de unidade da federação do país de origem e de o pagamento ser
exigido em dinheiro ou outros bens, desde que comprovado por documento oficial emitido pela
administração tributária estrangeira, inclusive quanto ao imposto retido na fonte sobre o lucro
distribuído para a controladora brasileira.
No exercício do direito de fazer a dedução o contribuinte deverá observar uma série de
requisitos, a saber:
(a)no caso de consolidação, deverá ser considerado para efeito da dedução o
montante do imposto sobre a renda pago pelas pessoas jurídicas cujos resultados
positivos estiverem sendo consolidados;
(b)no caso de não haver consolidação, a dedução será efetuada de forma
individualizada por controlada, direta ou indireta;
(c)o valor do tributo pago no exterior a ser deduzido não poderá exceder o montante
do imposto sobre a renda e adicional, devidos no Brasil, sobre o valor das parcelas
positivas dos resultados, incluído na apuração do lucro real;
(d)o tributo pago no exterior a ser deduzido será convertido em reais, tomando-se por
base a taxa de câmbio da moeda do país de origem fixada para venda pelo Banco
Central do Brasil, correspondente à data do balanço apurado ou na data da
disponibilização, e, caso a moeda do país de origem do tributo não tenha cotação no
Brasil, o seu valor será convertido em dólares dos Estados Unidos da América e, em
seguida, em reais;
(e)na hipótese de os lucros da controlada, direta ou indireta, virem a ser tributados no
exterior em momento posterior àquele em que tiverem sido tributados pela
controladora domiciliada no Brasil, a dedução deverá ser efetuada no balanço
correspondente ao ano-calendário em que ocorrer a tributação, ou em ano-ca-lendário
posterior, e deverá respeitar antes referidos;
(f)o saldo do tributo pago no exterior que exceder o valor passível de dedução do
valor do imposto sobre a renda e adicional devidos no Brasil poderá ser deduzido do
valor da CSLL, devida em virtude da adição à sua base de cálculo das parcelas
positivas dos resultados oriundos do exterior, até o valor devido em decorrência
dessa adição;
(g)para fins de dedução, o documento relativo ao imposto sobre a renda pago no
exterior deverá ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado
da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto.
Até o ano-calendário de 2022, a controladora no Brasil poderá deduzir até 9% (nove por
cento), a título de crédito presumido sobre a renda incidente sobre a parcela positiva computada
no lucro real, desde que sejam observados os limites e condições precedentes, relativo a
investimento em pessoas jurídicas no exterior que realizem as atividades de fabricação de bebidas,
de fabricação de produtos alimentícios e de construção de edifícios e de obras de infraestrutura,
além das demais indústrias em geral.
Na forma do disposto no art. 88 da Lei nº 12.973/14, a pessoa jurídica coligada domiciliada
no Brasil poderá deduzir do imposto sobre a renda ou da CSLL devidos o imposto sobre a renda
retido na fonte no exterior incidente sobre os dividendos que tenham sido computados na
determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que sua coligada no exterior se
enquadre nas condições previstas no art. 81, observados os limites previstos nos §§ 4º e 8º do art.
87 da mesma Lei. Na hipótese de a retenção do imposto sobre a renda no exterior vir a ocorrer
em momento posterior àquele em que tiverem sido considerados no resultado da coligada
domiciliada no Brasil, a dedução de que trata este artigo somente poderá ser efetuada no balanço
correspondente ao ano-calendário em que ocorrer a retenção, e deverá respeitar os limites
previstos no caput.
Por fim, o art. 89 da Lei nº 12.973/14, modificado pela Lei nº 13.043/14, prescreve que a
matriz e a pessoa jurídica controladora ou a ela equiparada, domiciliadas no Brasil, poderão
considerar como imposto pago, para fins da dedução, o montante do imposto sobre a renda retido
na fonte no Brasil e no exterior, na proporção de sua participação, decorrente de rendimentos
recebidos pela filial, sucursal ou controlada, domiciliadas no exterior. O exercício desse direito
somente ocorrerá se for reconhecida a receita total auferida pela filial, sucursal ou controlada,
com a inclusão do imposto retido. Para o imposto sobre a renda retido na fonte no exterior, o valor
do imposto a ser considerado está limitado ao valor que o país de domicílio do beneficiário do
rendimento permite que seja aproveitado na apuração do imposto devido pela filial, sucursal ou
controlada no exterior.
A IN 1.772/17 modificou o art. 14 da IN 213/01 e acrescentou o art. 14-A, segundo o qual
o documento relativo ao imposto sobre a renda incidente no exterior deverá ser reconhecido pelo
respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for
devido o imposto. A exigência de reconhecimento pode ser suprida pela apostila de que tratam os
artigos 3º a 6º da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos
Públicos Estrangeiros, promulgada pelo Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016, no âmbito
dos países signatários, a qual deve: (a) ser aposta no próprio documento do órgão arrecadador do
país em que for devido o imposto ou em folha a ele apensa; e (b) estar acompanhada de tradução
para a língua portuguesa realizada por tradutor juramentado. Essa obrigação fica dispensada se o
contribuinte: (a) apresentar, com relação aos lucros, as demonstrações financeiras
correspondentes, exceto na hipótese de que trata o inciso II do art. 16 da Lei nº 9.430, de 27 de
dezembro de 1996; e (b) comprovar que a legislação do país de origem do lucro, rendimento ou
ganho de capital prevê a incidência do imposto sobre a renda que tenha sido pago por meio do
documento de arrecadação apresentado.
30.5RESULTADOS OBTIDOS POR INTERMÉDIO DE FILIAIS E
SUCURSAIS
Os resultados apurados por estabelecimentos filiais e sucursais pertencem à casa matriz
independentemente de como o direito da localidade em que se encontram os qualifica. Filiais,
sucursais e agência ou departamento são estabelecimentos constitutivos de uma pessoa jurídica
que permitem que ela realize o seu objetivo em diversos lugares; são, pois, “unidades de
negócios”.3 Não existe uma diferença jurídica específica para distinguir uma figura e outra, de
modo que há liberdade de fixação de um ou outro nome.4 Os resultados produzidos por tais
unidades pertencem diretamente à matriz,5 enquanto as sociedades propriamente ditas estão
sujeitas às regras de direito societário local. Os resultados apurados serão submetidos à tributação
em 31 de dezembro de cada ano ou em data anterior, se houver encerramento de atividades da
investidora ou se o estabelecimento (patrimônio) vier a ser alienado, encerrado ou absorvido por
pessoa jurídica sediada no exterior (§§ 4º a 6º do art. 8º da IN 1.520/14).
30.6CONSOLIDAÇÃO
O enunciado do art. 78 da Lei nº 12.973/14 outorga aos contribuintes que detêm participação
em mais de uma sociedade, a faculdade de considerar os valores tributáveis de forma consolidada.
A matéria foi regulamentada nos arts. 11 a 14 da IN 1.520/14 e a redação destes preceitos permite
inferir que apenas os resultados de sociedades controladas – diretas e indiretas – é que podem ser
consolidados.
A opção pela consolidação é irretratável para cada ano-calendário e poderá ser exercida
apenas até o ano-calendário de 2022. Em qualquer caso, o contribuinte pode deixar de adotá-la
no período em que lhe for conveniente. O § 7º da IN 1.520/14 prevê que a consolidação pode ser
parcial, e, se isto acontecer, os resultados das controladas não incluídas na consolidação serão
considerados individualmente para cálculo do IRPJ e CSLL. A consolidação, total ou parcial,
deve ser feita em caráter proforma, ou seja, não é necessária a aglutinação contábil dos
investimentos, e, por isso, a opção não dispensa o controle contábil de cada investimento com
base em subconta individual. Enfim, os valores a serem consolidados são aqueles constantes da
escrituração comercial.
A consolidação não é admissível para as sociedades investidas que:
(a)estejam situadas em país com o qual o Brasil não mantenha tratado ou ato com
cláusula específica para troca de informações para fins tributários;
(b)estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou que
sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado, de que tratam os arts. 24 e 24-A da
Lei nº 9.430/96, ou estejam submetidas a regime de tributação definido no inciso III
do caput do art. 84 da Lei nº 12.973/14;
(c)sejam controladas, direta ou indiretamente, por pessoa jurídica submetida a
tratamento tributário previsto no inciso II do caput do art. 78 da Lei nº 12.973/14; ou
(d)tenham renda ativa própria inferior a 80% (oitenta por cento) da renda total, nos
termos definidos no art. 84 da Lei nº 12.973/14.
O valor tributável, em caso de consolidação, é valor positivo, que deverá ser adicionado ao
lucro líquido relativo ao balanço de 31 de dezembro do ano-calendário em que os lucros tenham
sido apurados pelas sociedades no exterior. O eventual resultado negativo não poderá ser
compensado na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
30.7PERDAS E PREJUÍZOS
Os resultados negativos experimentados por operações, de forma direta ou indireta, isto é,
as perdas reconhecidas nos rendimentos, lucros e ganhos de capital são indedutíveis e devem ser
adicionadas para determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
O art. 12 da Instrução Normativa nº 213/02, a respeito da dedutibilidade das perdas de
capital, dispõe:
“Art. 12. As perdas de capital decorrentes de aplicações e operações efetuadas no
exterior, pela própria pessoa jurídica brasileira, não poderão ser deduzidas, na
determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, nem compensadas com
lucros produzidos no Brasil.
Parágrafo único. A indedutibilidade da perda de capital de que trata o caput aplica-
se, inclusive, em relação às alienações de filiais e sucursais e de participações
societárias em pessoas jurídicas domiciliadas no exterior.”
Ao dizer que não são dedutíveis as perdas de capital decorrentes das alienações de filiais e
sucursais (dos bens a elas afetados) e das participações em pessoas jurídicas domiciliadas no
exterior, o preceito do parágrafo único do art. 12, ao que parece, regulamenta o disposto no § 5º
do art. 1º da Lei nº 9.249/95, o qual estabelece que “os prejuízos e perdas decorrentes das
operações referidas neste artigo não serão compensados com lucros auferidos no Brasil”. A
restrição alcança unicamente a compensação com lucros auferidos no Brasil; ou seja, não está
proibida a compensação das perdas de capital com ganhos de capital ou rendimentos apurados no
exterior. Esta última proposição não se aplica aos lucros, porquanto eles devem ser apurados de
forma individualizada (e só eles), e a eventual compensação de perdas restringe-se aos prejuízos
contábeis suportados por aquela que pretende realizar a compensação.
Em relação às perdas de capital decorrentes da alienação ou liquidação de investimentos no
exterior, é duvidoso se elas só podem ser compensadas com rendimentos ou ganhos de capital
obtidos no exterior. Nesse caso, ao menos em relação às operações realizadas no Brasil, com
empresa aqui sediada, a operação não pode ser caracterizada como realizada no exterior, razão
pela qual a regra aplicável é a que dispõe sobre os critérios de dedutibilidade dos ganhos de capital
em geral.
Há tratamento especial para os ganhos em operações de renda variável. De acordo com o §
1º do art. 16 da Lei nº 9.430/96, os resultados decorrentes de aplicações financeiras de renda
variável no exterior, em um mesmo país, poderão ser consolidados para efeito de cômputo do
ganho, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
O valor tributável, nesses casos, é sempre o valor do resultado e não da receita; tal fato
permite inferir que as perdas são dedutíveis até o montante dos ganhos para fins de tributação.
Quando o sujeito passivo apurar resultado negativo, ele poderá preservar o respectivo valor para
abatimento com ganhos posteriores, porquanto a lei restringe a compensação com lucros auferidos
no Brasil, unicamente. Os ganhos serão apurados por país em que houver a aplicação, sendo
admitida consolidação dos resultados unicamente em relação aos resultados apurados num mesmo
país. Se a lei vedasse a compensação do valor das perdas com os ganhos futuros, isso
desencorajaria a realização de operações diretas no exterior, e, ao contrário, encorajaria a
formação de personalidade jurídica, pois neste último caso as perdas (prejuízos) podem ser
abatidas de lucros futuros.
A compensação dos prejuízos será feita com observância do disposto no art. 4º e §§ da
Instrução Normativa nº 213/02. Assim, é vedada a compensação de prejuízos de filiais, sucursais,
controladas ou coligadas, no exterior, com os lucros auferidos pela pessoa jurídica no Brasil. Os
prejuízos antes referidos são os apurados com base na escrituração contábil da filial, sucursal,
controlada ou coligada, no exterior, efetuada segundo as normas legais do país de seu domicílio,
correspondentes aos períodos iniciados a partir do ano-calendário de 1996. De fato, o que se
tributa no Brasil é o lucro contábil, o único que pode ser disponibilizado, e a apuração do lucro
em condições de se tornar disponível pressupõe a compensação dos prejuízos contábeis anteriores.
Logo, o que a lei veda é compensação direta desses prejuízos com lucros apurados no Brasil.
Os prejuízos apurados por uma controlada ou coligada, no exterior, somente poderão ser
compensados com lucros dessa mesma controlada ou coligada. Todavia, a norma esclarece que
na compensação dos prejuízos não se aplica a restrição de que trata o art. 15 da Lei nº 9.065/95,
ou seja, a compensação não está limitada em 30% do valor do lucro.
O § 4º do art. 4º da Instrução Normativa nº 213/02 esclarece que a pessoa jurídica brasileira
que absorver patrimônio de filial, sucursal, controlada ou coligada, no exterior, de outra pessoa
jurídica brasileira, e continuar a exploração das atividades no exterior poderá compensar os
prejuízos acumulados pela referida filial, sucursal, controlada ou coligada, correspondentes aos
períodos iniciados a partir do ano-calendário de 1996, observadas regras gerais mencionadas.
Tratando-se de filiais e sucursais, domiciliadas num mesmo país, quando a matriz no Brasil
indicar uma dessas filiais ou sucursais como entidade líder, os resultados poderão ser
consolidados por país e os prejuízos de uma poderão ser compensados com os lucros de outra. A
regra, como se vê, é de aplicação restrita às filiais e sucursais; a restrição ao mesmo tratamento
às sociedades coligadas ou controladas é totalmente arbitrária.
30.8VARIAÇÃO CAMBIAL DOS INVESTIMENTOS
O tratamento tributário a ser dispensado à variação cambial de investimento no exterior está
previsto no texto do caput do art. 77 da Lei nº 12.973/14. De acordo com esse preceito, a parcela
do ajuste do valor do investimento em controlada, direta ou indireta, domiciliada no exterior
equivalente aos lucros por ela auferidos antes do imposto sobre a renda, excetuando a variação
cambial, deverá ser computada na determinação do lucro real e na base de cálculo da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido – CSLL da pessoa jurídica controladora domiciliada no Brasil. A
norma, como se vê, é expressa ao dispor que a variação cambial não será computada no valor
tributável para fins de apuração do IRPJ e da CSLL. Trata-se de norma concessiva de verdadeira
isenção que não se estende a outros tributos.
30.9INCENTIVO FISCAL
Do imposto devido correspondente a lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do
exterior, não será admitida qualquer destinação ou dedução a título de incentivo fiscal. Isso
significa que sobre o valor do imposto que vier a ser pago sobre tais parcelas não será admitida
nenhuma dedução, inclusive, portanto, dos incentivos fiscais de redução ou isenção calculados
com base no lucro da exploração.
30.10ARBITRAMENTO DE LUCROS
As pessoas jurídicas cujas filiais, sucursais ou controladas no exterior não dispuserem de
sistema contábil que permita a apuração de seus resultados terão os lucros decorrentes de suas
atividades no exterior determinados, por arbitramento, segundo as disposições da legislação
brasileira.
Nos casos em que for conhecida a receita bruta das filiais, sucursais ou controladas, a própria
pessoa jurídica, no Brasil, poderá determinar o valor do lucro arbitrado, observado o disposto no
art. 16 da Lei nº 9.249/95, e no art. 27 da Lei nº 9.430/96. Para esse efeito, a pessoa jurídica poderá
determinar o lucro arbitrado, de forma consolidada, para todas as filiais e sucursais (e só elas) de
um mesmo país que não dispuserem de registros contábeis que permitam a apuração
individualizada de seus resultados.
Quando se tratar de arbitramento de lucro de empresa controlada domiciliada no exterior,
deverá ser observada a proporcionalidade de participação da pessoa jurídica brasileira no
patrimônio líquido da investida. O lucro arbitrado, apurado na forma acima, será computado para
fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL da pessoa jurídica domiciliada
no Brasil.
Dois problemas decorrem do arbitramento. O primeiro diz respeito ao que deverá ser feito
com os eventuais valores que forem pagos ou creditados à investidora que ultrapassem o valor do
lucro arbitrado e sobre a possibilidade de compensação do eventual imposto pago ao país de
residência da filial, sucursal ou controlada. No primeiro caso, parece que o pagamento dos tributos
sobre a base de cálculo arbitrada constitui hipótese de exaurimento da obrigação tributária, nada
sendo devido se houver posterior crédito dos lucros ou dividendos em valor maior. No segundo
caso, a compensação do imposto será feita à vista do comprovante de arrecadação.
A Lei nº 12.973/14 é omissa a respeito da aplicação das regras do lucro arbitrado. O
arbitramento é um critério inerente ao lançamento tributário, e, portanto, pode ser adotado sempre,
observadas as limitações estabelecidas em lei e no CTN.
30.11ACORDOS PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Os tratados firmados com outras nações acerca de questões tributárias suscitam uma série
de questões que vão muito além das que emergem do texto do acordo. Os tratados adentram a
ordem jurídica brasileira por intermédio de decreto presidencial que dá publicidade a um decreto
legislativo do Congresso Nacional, mas situam-se no mesmo patamar hierárquico das leis
ordinárias. Por ostentarem tal posição, eles devem obediência à Constituição Federal e não podem
tratar de matéria sob reserva de lei complementar.6 O art. 11 da Lei nº 13.202/15 dispõe que: “para
efeito de interpretação, os acordos e convenções internacionais celebrados pelo Governo da
República Federativa do Brasil para evitar dupla tributação da renda abrangem a CSLL”. A Lei
brasileira, portanto, passa a considerar que a CSLL se equipara ao IRPJ para fins de interpretação
e aplicação das normas constantes de tratados internacionais.
Em matéria tributária, os problemas interpretativos são maiores em face do texto do art. 98
do CTN, segundo o qual “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a
legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha”. Os tratados, via de
regra, não revogam as normas vigentes quando de seu advento; eles se inserem na ordem jurídica
como normas especiais que adquirem vigor a par das normas já existentes. Mesmo em caso de
eventual conflito, não é correto dizer que os tratados e convenções revogam ou modificam leis
tributárias ordinárias (e os diplomas normativos com a mesma função); eles apenas recortam o
campo normativo das normas gerais na parte em que estabelecem regras especiais, editadas para
regular, de modo específico, algumas relações jurídicas firmadas pelos beneficiários mencionados
no tratado ou convenção.
As leis posteriores podem ou não revogar os tratados; elas os revogam se são leis
complementares e versam sobre matéria sob reserva dessa fonte formal ou se são editadas para
regular algum preceito constitucional de ordem fundamental. Não os revogam se estabelecem
normas gerais que possam ser aplicadas sem recortar o âmbito de incidência das normas especiais.
Em suma, norma constante de tratado ou convenção é, sempre, norma especial, e, portanto,
aplicável a par das normas gerais (lex generalis) e os eventuais pontos de atrito serão resolvidos
segundo os meios ordinários de eliminação de conflitos de normas.7
Outros problemas de significação podem emergir do texto dos tratados. Em primeiro lugar,
podem surgir dúvidas acerca de quem são os beneficiários das normas convencionais, que, via de
regra, são os residentes (segundo a definição de cada tratado) nos países contratantes. Em segundo
lugar, podem advir questões de interpretação acerca da matéria dos acordos (os tributos
alcançados) e sobre os elementos de conexão adotados. Podem surgir problemas relacionados à
finalidade dos tratados e de seu eventual uso para fins evasivos, casos em que as regras deles
constantes podem chocar-se com normas antielisivas ou antiabuso.
Os tratados têm diversas finalidades. Podem dispor sobre os critérios que devem ser
observados para evitar os problemas decorrentes do duplo ou múltiplo interesse tributário sobre
determinada riqueza ou podem dispor sobre medidas de prevenção à evasão tributária. No
primeiro caso, os tratados visam prover critérios legislativos para evitar a dupla tributação ou
estabelecer algum benefício recíproco nas operações realizadas entre os residentes nos países
contratantes. Em regra, os tratados contêm regras sobre a tributação da “renda”, mas podem
abranger outros tributos que tenham a renda como matéria tributável, independentemente do nome
adotado.
Os tratados celebrados para evitar a dupla tributação, em regra, estabelecem que os lucros
apurados por intermédio de “estabelecimento permanente” ou “estabelecimento estável” podem
ser tributados no local em que ele estiver situado, independentemente do fato de ele pertencer a
um residente (pessoa individual ou coletiva) do outro Estado contratante. Esse fato faz despertar
grande interesse para os acordos celebrados entre países com tributação reduzida (paraísos fiscais)
ou que concedam tratamento fiscal ameno em determinadas regiões ou para atividades
específicas.
No Brasil, esse interesse tornou-se mais acentuado a partir do advento do art. 74 da Medida
Provisória nº 2.158-35, que determinou que os lucros apurados por intermédio de coligadas ou
controladas no exterior sejam aqui tributados, haja ou não a efetiva distribuição, real ou
equiparada. Esse fato fez com que o tratado celebrado com Portugal, aprovado pelo Decreto nº
4.012/01, fosse bastante utilizado em razão da existência, naquele país, do “paraíso fiscal” da Ilha
da Madeira e dos Açores.
O art. 7º do referido tratado diz, textualmente, que: (a) os lucros de uma empresa de um
Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua
atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a
empresa exercer a sua atividade desse modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado,
mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável; e (b) quando
uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por
meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a
esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada
que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em
condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é
estabelecimento estável. O art. 10 do referido tratado admite a tributação dos dividendos
recebidos.
Da interpretação conjugada daqueles preceitos normativos (constantes do tratado) chega-se
à conclusão de que os lucros apurados por empresa coligada ou controlada com estabelecimento
estável em Portugal só poderiam ser tributados a título de dividendos, se e quando fossem
distribuídos. Em outras palavras, a norma geral do tratado elidiria a aplicação do art. 74 da Medida
Provisória nº 2.158 que, dessa forma, não alcançaria os lucros gerados no território português,
salvo quando eles fossem distribuídos. Em sendo assim, a interposição de uma
sociedade holding, localizada na Ilha da Madeira, seria suficiente para elidir a aplicação do
preceito normativo que determina a tributação no momento em que eles são apurados, sendo
irrelevante a posterior distribuição. Essa providência alcançaria também os lucros gerados em
outros países que fossem imputados à coligada ou controlada com estabelecimento estável em
Portugal.
É difícil afirmar, de chofre, se essa interpretação é ou não adequada. Em primeiro lugar, é
possível considerar que o art. 7º do tratado não impede a aplicação da lei brasileira; de fato, ele
estaria ali situado apenas para dizer que não cabe aplicação do regime de tributação com base na
renda mundial, e, nesse caso, ele seria uma regra que estabelece critérios de imputação de lucros
nos casos em que há ou não estabelecimento estável.
Em segundo lugar, há o fato de que a existência de norma geral que concede o direito de
crédito do imposto pago em outro país (haja ou não tratado) já é, por si só, suficiente para evitar
a dupla tributação. Por essa vereda, o tratado seria necessário apenas para estabelecer regras
especiais para reger as situações não contempladas nas normas gerais. Esse caminho nos remete,
uma vez mais, ao objetivo de evitar a tributação da renda mundial.
Tais considerações permitiriam cogitar que a existência do tratado, nesse caso, não seria
suficiente para evitar a tributação dos lucros antes da efetiva distribuição. Todavia, essa
interpretação choca-se com o fato de que o “paraíso fiscal” referido está mencionado no texto do
tratado, de modo que alguma restrição ao seu uso deveria constar de norma específica. Ademais,
há o fato de que, por interpretação sistemática, chega-se à conclusão de que o tratado não exclui
a lei brasileira: ele condiciona a tributação apenas à disponibilidade do lucro, o que, convenhamos,
é o que melhor se amolda ao conceito de renda previsto na Constituição Federal e no CTN. Esse
quadro indica, a partir de uma “interpretação conforme a Constituição”, que os lucros não podem
ser tributados senão quando efetivamente distribuídos, e assim deve ser em relação a qualquer
outra situação, onde haja ou não tratado.
Há quem considere que os lucros oriundos de entidades com sede em países com os quais o
Brasil mantém tratado não seriam alcançados pela lei brasileira na medida em que os tratados só
autorizam a imposição tributária dividendos e não existe na regra do direito interno que imponha
a tributação sobre apenas sobre os dividendos. Essa tese deve ser refutada por pelo menos duas
razões: (a) dividendo é espécie (é parte) do lucro; a relação entre eles é de todo/parte; (b) se aceita
a tese, ela implicaria não tributar os lucros de sociedades que não estão aptas a distribuir
dividendos, que – segundo o ordenamento jurídico vigente – são parcelas dos lucros distribuídos
por sociedades por ações. Em relação a esta última consideração cabe referir que haveria uma
discriminação odiosa em favor das sociedades por ações, posto que seriam tributados os lucros
distribuídos por qualquer outra sociedade que não elas.
Essas mesmas questões surgem na interpretação do acordo firmado entre o Brasil e a
Espanha.
A respeito da tributação de lucro obtido por coligada ou controlada localizada na Espanha,
a 8ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes decidiu, em 26 de março de 2006 (Recurso nº
140.320) que o art. 74 da MP nº 2158-34 estabeleceu a presunção absoluta (ficção) de que o lucro
auferido por controlada no exterior deve ser considerado distribuído à controladora no Brasil em
31 de dezembro de cada ano; desta forma, o Tratado entre Brasil e Espanha não afasta a incidência
de tributação por empresa sediada no Brasil relativamente ao lucro de empresa espanhola
considerado distribuído. Essa decisão choca-se com outra, adotada no âmbito da 1ª Câmara do 1º
Conselho de Contribuintes, que, quando do julgamento do Recurso nº 148.709, ocorrido em 19
de outubro de 2006, decidiu que nos termos da Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação
e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre a Renda entre o Brasil e a Espanha,
promulgada pelo Decreto nº 76.975, de 1976, em se tratando de lucros apurados pela sociedade
residente na Espanha e que não sejam atribuíveis a estabelecimento permanente situado no Brasil,
não pode haver tributação no Brasil. A Corte decidiu, ainda, que não são também tributados no
Brasil os dividendos recebidos por um residente do Brasil e que, de acordo com as disposições da
Convenção, são tributáveis na Espanha.
Quando do julgamento do Recurso nº 173.951 (acórdão nº 140200.391, de 27.1.11), o CARF
decidiu pela inaplicabilidade do Tratado celebrado entre o Brasil e a Hungria. A ementa do
referido acórdão afirma que a tributação recai sobre os lucros da empresa brasileira, e, deste modo,
torna inaplicável o disposto no Art. VII do Tratado celebrado entre o Brasil e a Hungria. Diz que,
no contexto dos tratados, os dividendos pagos correspondem a lucros distribuídos aos sócios da
empresa e que, por força da MP nº 2.15835, os lucros apurados pela controlada no exterior são
considerados distribuídos por ficção legal, incorporados ao patrimônio da contribuinte brasileira
por via do método da equivalência patrimonial. Ao afirmar que as regras do Tratado não são
aplicáveis porque a lei brasileira alcança dos lucros da sociedade brasileira, o acordão se baseia
num paralogismo. Não existem dois lucros, de modo que um seja apurado pela empresa no
exterior e outro que é apurado pela sociedade brasileira: a origem – o acréscimo patrimonial – é
um só e o acordo para evitar a bitributação permite que ele seja tributado no país em que for
gerado por intermédio de uma empresa8 e exclui a tributação quando esse lucro é auferido pelo
sócio no exterior. Dizer que a lei admite a tributação dos dividendos e que a lei brasileira os
alcançaria por ficção é um insustentável jogo de palavras haja vista que isto seria negar a
finalidade do Tratado que foi celebrado para evitar a dupla incidência sobre uma mesma riqueza.
Não é por outra razão que o próprio Tratado esclarece que a tributação sobre dividendos não pode
recair sobre lucro apurado por empresa estabelecida um ou outro país.
Quando do julgamento do Recurso Especial 1.325.709, a 1ª Turma do STJ decidiu que, no
caso de empresa controlada, dotada de personalidade jurídica própria e distinta da controladora,
nos termos dos Tratados Internacionais, os lucros por ela auferidos são lucros próprios e assim
tributados somente no País do seu domicílio. Em consequência, a sistemática adotada pela
legislação fiscal nacional de adicioná-los ao lucro da empresa controladora brasileira termina por
ferir os Pactos Internacionais Tributários e infringir o princípio da boa-fé nas relações exteriores,
a que o Direito Internacional não confere abono. Essa decisão merece encômios porque o Tribunal
não se deixou levar por truísmos e jogos de palavras que pretendem justificar a decomposição de
um ser indecomponível, – o lucro produzido por uma sociedade; afinal, não existem dois lucros,
mas, sim, dois ordenamentos jurídicos reduzidos a um só, o Tratado. Quando o Tratado diz que a
tributação recairá sobre o lucro produzido a partir de um estabelecimento permanente defere o
poder de tributar apenas ao país em que se localiza o referido estabelecimento. Em tais
circunstâncias, o país de domicílio dos sócios ou acionistas não tem direito de arrecadar tributo
porque, de outro modo, o Tratado seria inócuo. Se existe Tratado ele deve ser respeitado; se deixa
de atender aos interesses nacionais, deve ser denunciado segundo as normas aplicáveis, pois assim
fazem os países civilizados que respeitam os pactos firmados com outrem, que apreciam o valor
da palavra empenhada e que rejeitam comportamentos oportunistas.
Por fim, cabe referir as regras constantes de acordos internacionais devem ser aplicadas
também nos casos de controladas indiretas cujos lucros são tributados no Brasil. A aplicação das
normas dos tratados é uma consequência lógica da verdadeira “desconsideração da personalidade
jurídica” da investida que detém o controle de outras sociedades no exterior. Se a lei alcança os
lucros de uma pessoa determinada e se ela detém estabelecimento em jurisdição com a qual o
Brasil firmou acordo internacional, não há como negar a aplicação das normas nele constantes;
afinal, a lei torna irrelevante a interposição da investidora para tributar, que deve fazê-lo de acordo
com os tratados aplicáveis.
30.12VARIAÇÃO DE PERCENTUAL DE PARTICIPAÇÃO
Diz o § 1º do art. 428 do RIR/99, que indica como matriz legal o § 6º do art. 25 da Lei nº
9.249/95, que os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da
equivalência patrimonial, que forem decorrentes da variação no percentual de participação, no
capital da investida, terão o tratamento previsto no art. 394, que, por seu turno, trata da tributação
de lucros apurados no exterior.
Isso significa dizer que os resultados decorrentes da variação de percentual de participação
não são tributáveis ou não dedutíveis. Essa interpretação não muda com o advento da Instrução
Normativa nº 213/02, que determina a tributação dos lucros no exterior sob a forma de ajuste de
equivalência patrimonial; de fato, aquele ato normativo não menciona essa matéria e não há lei
posterior dispondo de outra forma. Desse modo, tais resultados continuam a ter o tratamento
previsto no art. 6º da Lei nº 9.249/95.
A Lei nº 12.973/14 deu nova redação ao art. 31 do Decreto-lei nº 1.598/77, para dispor que
não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor de
patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda por variação na porcentagem
de participação do contribuinte no capital social da investida. Esse preceito não faz distinção em
razão da localização da investida, de modo que a regra se aplica aos investimentos no exterior.
1Vide Recurso nº 161.661 (acórdão nº 103-23.465, de 28 de maio de 2008) do Conselho de
Contribuintes.
2Convém notar que alguns tratados foram celebrados antes do advento da Lei nº 9.249/95 que
introduziu entre nós a sistemática tributação em bases universais, de modo que as normas sobre
tributação dos lucros constantes destes tratados tinham vigência, mas não eram eficazes, tendo
em vista que os lucros obtidos no exterior não eram tributados; logo, a Lei nº 9.249, de certo
modo, tornou eficazes normas que faziam parte do ordenamento jurídico, todavia, não
cumpriam função alguma.
3Os escritórios de representação que explorem atividades econômicas são equiparados a filiais
de acordo com o art. 17 da IN 213/02.
4BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 110.
5Sobre o caráter jurídico destas unidades, vide item 5 da Deliberação CVM nº 534/08.
6Veja, a propósito, a decisão proferida pelo STF no julgamento da Medida Cautelar na ADI nº
1.480-DF.
7O art. 55 da Lei nº 10.637/02 estabelece critérios para celebração de convenções com países
do Mercosul. A Instrução Normativa nº 244, de 18 de dezembro de 2002, regulamenta a
aplicação daquele preceito legal.
8A questão em torno da caracterização ou não de uma “empresa”, nos termos do Tratado, não
foi cogitada no acórdão, de modo que não há contestação acerca da ocorrência de arranjo
artificial.
31.1ESTRUTURA E FUNÇÕES DAS NORMAS
A Lei nº 9.430/96 introduziu no nosso ordenamento jurídico o conceito de “preços de
transferência”, que é uma tradução da expressão inglesa transfer pricing. Os arts. 18 a 24 da
referida lei formam um conjunto de regras que dispõem sobre critérios de arbitramento, para fins
de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, do valor de certas operações de
importação e exportação de bens, direitos e serviços.
Tais regras têm, sob o aspecto funcional, os mesmos objetivos das regras que dispõem sobre
a “distribuição disfarçada de lucros”, existentes na legislação do Imposto de Renda há mais de
três décadas. São normas de bloqueio à realização de operações em condições de favorecimento
a outrem, que, no caso, é uma pessoa vinculada com sede ou residência do exterior, e que visam
a evitar a erosão da base tributável por intermédio de artifícios não compatíveis com o princípio
do arm’s length. Essa espécie de norma existe também na legislação societária, como, por
exemplo, no § 1º do art. 117 da Lei nº 6.404/76, que afirma caracterizar exercício abusivo de
poder “favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos
acionistas minoritários nos lucros ou no acervo líquido da companhia ou da economia nacional”.
As referidas regras criaram novos parâmetros para determinar o valor de mercado nas
operações internacionais com pessoas vinculadas, e, deste modo, afastam a aplicação das regras
sobre distribuição disfarçada de lucros e outras com igual finalidade e o fazem em razão do
princípio da especialidade, ou seja, regras constantes da Lei nº 9.430/96 são normas especiais em
relação às outras.
31.2BENS, SERVIÇOS E DIREITOS
Antes da análise do sentido e do alcance das normas que dispõem sobre os “preços de
transferência”, é necessário firmar o seu âmbito de aplicação. A dúvida que surge, em primeiro
lugar, é saber se essas regras alcançam todo e qualquer negócio jurídico celebrado entre o
contribuinte e a pessoa vinculada ou com sede ou domicílio em “paraíso fiscal” ou assemelhado,
ou se, de outro lado, alcançam apenas as operações de comércio entre essas pessoas.
De acordo com a lei as normas sobre preços de transferências alcançam operações que
tenham por objeto a importação ou exportação de bens, direitos e serviços. A rigor, as normas
sobre preços de transferência alcançam todas as operações de caráter econômico que sejam
firmadas entre pessoas vinculadas ou com domicílio ou sede em paraíso fiscal. Portanto, o
contribuinte deve cumpri-las quando adquire ou vende mercadorias ou serviços, quando contrata
o uso de bens intangíveis, inclusive operações de crédito de qualquer natureza.
31.3PESSOAS VINCULADAS E OPERAÇÕES COM PARAÍSOS
FISCAIS OU EQUIPARADOS
Em princípio, não são todas as operações realizadas com pessoas no exterior que se
submetem ao crivo das normas que tratam dos preços de transferências. A lei estipula que as
referidas normas incidem quando as operações ativas e passivas sejam contratadas com pessoas
vinculadas ou com pessoas com sede ou domicílio em países com tributação favorecida e que são
comumente denominados “paraísos fiscais”.
31.3.1Pessoas vinculadas
De acordo com o art. 244 do RIR/99, para efeito de aplicação das regras sobre preços de
transferência, será considerada vinculada à pessoa jurídica domiciliada no Brasil:
(a)a matriz desta, quando domiciliada no exterior;
(b)a sua filial ou sucursal, domiciliada no exterior;
(c)a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, cuja participação
societária no seu capital social a caracterize como sua controladora ou coligada, na
forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 1976;
(d)a pessoa jurídica domiciliada no exterior que seja caracterizada como sua
controlada ou coligada, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 1976;
(e)a pessoa jurídica domiciliada no exterior, quando esta e a empresa domiciliada no
Brasil estiverem sob controle societário ou administrativo comum ou quando pelo
menos 10% do capital social de cada uma pertencer a uma mesma pessoa física ou
jurídica;
(f)a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que, em conjunto
com a pessoa jurídica domiciliada no Brasil, tiver participação societária no capital
social de uma terceira pessoa jurídica, cuja soma as caracterize como controladoras
ou coligadas desta, na forma definida nos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de
1976;
(g)a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que seja sua
associada, na forma de consórcio ou condomínio, conforme definido na legislação
brasileira, em qualquer empreendimento;
(h)a pessoa física residente no exterior que for parente ou afim até o terceiro grau,
cônjuge ou companheiro de qualquer de seus diretores ou de seu sócio ou acionista
controlador em participação direta ou indireta;
(i)a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, que goze de
exclusividade, como seu agente, distribuidor ou concessionário, para a compra e
venda de bens, serviços ou direitos;
(j)a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, em relação à qual
a pessoa jurídica domiciliada no Brasil goze de exclusividade, como agente,
distribuidora ou concessionária, para a compra e venda de bens, serviços ou direitos.
De acordo com o § 1º do art. 2º da IN 1.312/12, para efeitos, do item “e”, considera-se que
a empresa domiciliada no Brasil e a domiciliada no exterior estão sob controle:
“I – societário comum, quando uma mesma pessoa física ou jurídica,
independentemente da localidade de sua residência ou domicílio, seja titular de
direitos de sócio em cada uma das referidas empresas, que lhe assegurem, de modo
permanente, preponderância nas deliberações sociais daquelas e o poder de eleger
a maioria dos seus administradores;
II – administrativo comum, quando: (a) o cargo de presidente do conselho de
administração ou de diretor-presidente de ambas tenha por titular a mesma pessoa;
(b) o cargo de presidente do conselho de administração de uma e o de diretor-
presidente de outra sejam exercidos pela mesma pessoa; e (c) uma mesma pessoa
exercer cargo de direção, com poder de decisão, em ambas as empresas.”
Na hipótese do item “g” acima, as empresas serão consideradas vinculadas somente durante
o período de duração do consórcio ou condomínio no qual ocorrer a associação. De outra parte,
para efeitos do item “h”, considera-se companheira de diretor, sócio ou acionista controlador da
empresa domiciliada no Brasil a pessoa que com ele conviva em caráter conjugal, conforme o
disposto na Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Fica a dúvida acerca de como situações assim
podem ser provadas.
Nas hipóteses dos itens “i” e “j”, acima, a vinculação somente se aplica em relação às
operações com os bens, serviços ou direitos para os quais se constatar a exclusividade. Por outro
lado, será considerado distribuidor ou concessionário exclusivo a pessoa física ou jurídica titular
desse direito relativamente a uma parte ou a todo o território do país, inclusive do Brasil, e a
exclusividade será provada por meio de contrato escrito ou, na inexistência deste, pela prática de
operações comerciais, relacionadas a um tipo de bem, serviço ou direito, efetuadas
exclusivamente entre as duas empresas ou exclusivamente por intermédio de uma delas.
O § 5º do art. 2º da IN 1.312/12 dispõe que às operações efetuadas por meio de interposta
pessoa, não vinculada à empresa no Brasil, também estão sujeitas às normas sobre preços de
transferência em certas circunstâncias. Esse preceptivo não consta da lei, e cria novas hipóteses
de aplicação das regras sobre preços de transferência.
De acordo com o preceito do § 6º do art. 2º da referida IN, a existência de vinculação, na
forma acima, com pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior, relativamente
às operações de compra e venda efetuadas durante o ano-calendário, será comunicada à Secretaria
da Receita Federal do Brasil (RFB).
31.3.2Países com tributação favorecida
As disposições relativas a preços de transferências se aplicam, também, às operações
efetuadas por pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil, com qualquer
pessoa física ou jurídica, ainda que não vinculada, que seja residente ou domiciliada em país com
tributação favorecida. Esses países são conhecidos por paraísos fiscais em razão da ausência de
tributação sobre a renda ou a tributação em níveis reduzidos, mas a lei brasileira alcança as
operações com pessoas localizadas em países que não ostentem tais características, mas concedam
benefícios fiscais próprios dos paraísos fiscais.
De acordo o texto do art. 24 da Lei nº 9.430/96, com as alterações introduzidas pelos arts.
3º e 4º da Lei nº 10.451, de 10 de maio de 2002, a regra alcança qualquer país ou a dependência
que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota inferior a 20%. Para esse fim, deve ser
considerada a legislação tributária do referido país, aplicável às pessoas físicas ou às pessoas
jurídicas, conforme a natureza do ente com o qual houver sido praticada a operação,
considerando-se separadamente a tributação do trabalho e do capital, bem como as dependências
do país de residência ou domicílio.
O art. 22 da Lei nº 11.727/08 acrescentou o § 4º do art. 24 da Lei nº 9.430, para dizer que
“considera-se também país ou dependência com tributação favorecida aquele cuja legislação não
permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua
titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes”.
Por sua parte, o art. 23 da Lei nº 11.727/08 estendeu a aplicação das regras sobre preços de
transferências às operações com pessoas com domicílio ou sede em local com regime fiscal
privilegiado. De acordo com o citado preceito:
“Art. 24-A. Aplicam-se às operações realizadas em regime fiscal privilegiado as
disposições relativas a preços, custos e taxas de juros constantes dos arts. 18 a 22
desta Lei, nas transações entre pessoas físicas ou jurídicas residentes e
domiciliadas no País com qualquer pessoa física ou jurídica, ainda que não
vinculada, residente ou domiciliada no exterior.
Parágrafo único. Para efeitos deste artigo, considera-se regime fiscal privilegiado
aquele que:
I – não tribute a renda ou a tribute à alíquota máxima inferior a 20% (vinte por
cento);
II – conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente:
a) sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país ou
dependência;
b) condicionada ao não exercício de atividade econômica substantiva no país ou
dependência;
III – não tribute, ou o faça em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento),
os rendimentos auferidos fora de seu território;
IV – não permita o acesso a informações relativas à composição societária,
titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.”
Em 4 de junho de 2010, foi editada a IN nº 1.037, posteriormente modificada pela IN nº
1.045, de 24 de junho de 2010, em que foi divulgada uma lista de países com tributação
favorecida. A IN 1.037, modificada pela IN 1.773/17, dentre outras, discrimina quais são as
jurisdições em que existem regimes fiscais privilegiados e os nomina um a um.
31.4BENS, SERVIÇOS E DIREITOS ADQUIRIDOS DO EXTERIOR
As normas sobre preços de transferências dispõem que o sujeito passivo deve apurar a
eventual parcela não dedutível de custo ou despesa em relação aos bens adquiridos de pessoas
vinculadas ou de exportador com sede ou domicílio em países de tributação favorecida. Assim, a
parcela dos custos e despesas que ultrapassar o montante dos preços parâmetros determinados
com base nos métodos previstos em lei será considerada não dedutível no período em que os
referidos custos e despesas venham a afetar o resultado.
Apurados por um dos métodos adiante referidos, os preços a serem utilizados como
parâmetro, nos casos de importação de empresas vinculadas, serão comparados com os constantes
dos documentos de aquisição, observando-se que: (a) se o preço praticado na aquisição pela
empresa vinculada, domiciliada no Brasil, for superior àquele utilizado como parâmetro, serão
adicionados ao lucro real os valores resultantes do excesso de custo, computado nos resultados da
empresa, decorrente da diferença entre os preços comparados; e (b) se inferior, nenhum ajuste,
com efeito tributário, poderá ser efetuado.
Quando for possível a utilização de mais de um método, será considerado dedutível o maior
valor apurado, devendo o método adotado pela empresa ser aplicado, consistentemente, por bem,
serviço ou direito, durante todo o período de apuração.
Há que se notar que o ajuste na determinação do lucro real só ocorrerá para os valores que
tenham afetado o resultado do período. Assim, valores que ainda estão agregados aos custos dos
estoques ou de bens do Ativo não são passíveis de adição, salvo quando fluírem para o resultado.
31.5MÉTODOS DE COMPARAÇÃO NAS IMPORTAÇÕES
De acordo com o art. 241 do RIR/99, cuja matriz legal é o art. 18 da Lei nº 9.430/96, os
custos de bens e serviços importados somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até
o valor que não exceda o preço determinado por um dentre três métodos previstos em lei. As
normas que regulamentam a aplicação da Lei estabelecem uma ordem de apuração do valor do
ajuste; determina, antes de tudo, a apuração do preço-parâmetro, o qual será utilizado para cálculo
dos valores determinados segundo os métodos previstos na Lei.
Segundo o art. 6º daquele ato normativo, para determinação do parâmetro, os preços
apurados serão multiplicados pelas quantidades relativas à respectiva operação e os resultados
serão somados e divididos pela quantidade total, determinando-se, assim, o valor médio
ponderado do preço a ser comparado com aquele registrado em custos, computado em conta de
resultado, pela empresa. Para efeito de comparação, o preço médio ponderado dos bens, serviços
e direitos adquiridos pela empresa vinculada, domiciliada no Brasil, será apurado considerando-
se as quantidades e valores correspondentes a todas as operações de compra praticadas durante o
período de apuração sob exame.
Na determinação do preço-parâmetro, na forma acima, o valor expresso em moeda
estrangeira, na importação de bens, serviços e direitos, será convertido em reais pela taxa de
câmbio de venda, para a moeda nacional, correspondente ao segundo dia útil imediatamente
anterior ao da ocorrência dos seguintes fatos: (a) do registro da declaração de importação de
mercadoria submetida a despacho para consumo, no caso de bens; e (b) do reconhecimento do
custo ou despesa correspondente à prestação do serviço ou à aquisição do direito, em observância
ao regime de competência.
A partir de 1º de janeiro de 2013, a IN 243 foi substituída pela IN 1.312/12. As disposições
gerais acerca do cálculo dos preços de transferências na importação de bens, serviços ou direitos,
constam dos arts. 4º a 7º da citada IN 1.312/12, e refletem as modificações introduzidas pela Lei
nº 12.715/12.
31.5.1Método dos Preços Independentes Comparados (PIC)
A determinação do custo de bens, serviços e direitos, adquiridos no exterior, dedutível na
determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderá ser efetuada pelo Método dos
Preços Independentes Comparados (PIC). Por esse método é obtida a média aritmética ponderada
dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro
ou de outros países, em operações de compra e venda, em condições de pagamento semelhantes.
Por esse método, os preços dos bens, serviços ou direitos, adquiridos no exterior, de uma
empresa vinculada, serão comparados com os preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou
similares: (a) vendidos pela mesma empresa exportadora a pessoas jurídicas não vinculadas,
residentes ou não residentes; (b) adquiridos pela mesma importadora, de pessoas jurídicas não
vinculadas, residentes ou não residentes; e (c) em operações de compra e venda praticadas entre
outras pessoas jurídicas não vinculadas, residentes ou não residentes.
Para cálculo do valor referido, os valores dos bens, serviços ou direitos serão ajustados de
forma a minimizar os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados, por diferenças nas
condições de negócio, de natureza física e de conteúdo.
No caso de bens, serviços e direitos idênticos, somente será permitida a efetivação de ajustes
relacionados com: (a) prazo para pagamento; (b) quantidades negociadas; (c) obrigação por
garantia de funcionamento do bem ou da aplicabilidade do serviço ou direito; (d) obrigação pela
promoção, junto ao público, do bem, serviço ou direito, por meio de propaganda e publicidade;
(e) obrigação pelos custos de fiscalização de qualidade, do padrão dos serviços e das condições
de higiene; (f) custos de intermediação, nas operações de compra e venda, praticadas pelas
empresas não vinculadas, consideradas para efeito de comparação dos preços; (g)
acondicionamento; e (h) frete e seguro.
Para esse fim, as diferenças nos prazos de pagamento serão ajustadas pelo valor dos juros
correspondentes ao intervalo entre os prazos concedidos para o pagamento das obrigações sob
análise, com base na taxa praticada pela própria empresa fornecedora, quando comprovada a sua
aplicação, consistentemente, em relação a todas as vendas a prazo. Não sendo comprovada a
aplicação consistente de uma taxa, o ajuste será efetuado com base na taxa: (a) referencial do
Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), para títulos federais, proporcionalizada para
o intervalo, quando comprador e vendedor forem domiciliados no Brasil; ou (b) Libor, para
depósitos em dólares americanos pelo prazo de seis meses, acrescida de 3% anuais a título
de spread, proporcionalizada para o intervalo, quando uma das partes for domiciliada no exterior.
Os ajustes em função de diferenças de quantidades negociadas serão efetuados com base em
documentos de emissão da empresa vendedora que demonstrem a prática de preços menores
quanto maiores as quantidades adquiridas por um mesmo comprador. Para efeito de ajuste
decorrente das garantias, acima referido, o valor integrante do preço, a esse título, não poderá
exceder o resultante da divisão do total dos gastos efetuados, no período de apuração anterior,
pela quantidade de bens, serviços ou direitos, com garantia em vigor, no mercado nacional,
durante o mesmo período. Em relação aos ajustes por conta de garantia do produto, se o bem,
serviço ou direito não houver, ainda, sido vendido no Brasil, será admitido o custo, em moeda
nacional, correspondente à mesma garantia, praticado em outro país.
Nos ajustes em virtude de promoção e fiscalização da qualidade (itens “d” e “e”, acima), o
preço do bem, serviço ou direito adquirido de uma empresa vinculada, domiciliada no exterior,
que suporte o ônus da promoção do bem, serviço ou direito no Brasil poderá exceder o de outra
que não suporte o mesmo ônus, até o montante despendido, por unidade do produto, pela empresa
exportadora, com a referida obrigação. No caso de propaganda e publicidade que tenha por
finalidade a promoção: (a) do nome ou da marca da empresa, os gastos serão rateados para todos
os bens, serviços ou direitos vendidos no Brasil, proporcionalizados em função das quantidades
e respectivos valores de cada tipo de bem, serviço ou direito; e (b) de um produto, o rateio será
em função das quantidades deste.
Quando forem utilizados dados de uma empresa adquirente que houver suportado os
encargos de intermediação na compra do bem, serviço ou direito, cujo preço for parâmetro para
comparação com o praticado na operação de compra efetuada com uma empresa vinculada, não
sujeita a referido encargo, o preço do bem, serviço ou direito desta poderá exceder o daquela, até
o montante correspondente a esse encargo.
Para efeito de comparação, os preços dos bens, serviços e direitos serão, também, ajustados
em função de diferenças de custo dos materiais utilizados no acondicionamento de cada um e do
frete e seguro incidentes em cada caso. No caso de bens, serviços ou direitos similares, além dos
ajustes mencionados, os preços serão ajustados em função das diferenças de natureza física e de
conteúdo, considerando, para tanto, os custos relativos à produção do bem, à execução do serviço
ou à constituição do direito, exclusivamente nas partes que corresponderem às diferenças entre os
modelos objeto da comparação.
Em qualquer caso, não sendo possível identificar operações de compra e venda no mesmo
período a que se referirem os preços sob investigação, a comparação poderá ser feita com preços
praticados em operações efetuadas em períodos anteriores ou posteriores, desde que ajustados por
eventuais variações nas taxas de câmbio das moedas de referência, ocorridas entre a data de uma
e de outra operação.
Nos ajustes em virtude de variação cambial, os preços a serem utilizados como parâmetros
para comparação, quando decorrentes de operações efetuadas em países cuja moeda não tenha
cotação em moeda nacional, serão, inicialmente, convertidos em dólares americanos e, depois,
para reais, tomando-se por base as respectivas taxas de câmbio praticadas na data de cada
operação. Nesse caso, serão consideradas, também, as variações acidentais de preços
de commodities, quando comprovadas mediante apresentação de cotações de bolsa, de âmbito
nacional ou internacional, verificadas durante o período.
Em qualquer caso, os elementos de comparação deverão ser colhidos no período de apuração
do IRPJ e da CSLL. Neste sentido foi a decisão proferida pela 3ª Câmara do 1º Conselho de
Contribuintes em 6 de julho de 2005, quando do julgamento do Recurso nº 139.471.
O art. 48 da Lei nº 12.715/12 deu nova redação ao item I do art. 18 da Lei nº 9.430/96, para
estabelecer um novo conceito normativo de do Método dos Preços Independentes – PIC. Assim,
a partir de 1º de janeiro de 2013 (ou em 2012, a critério do sujeito passivo) a média aritmética dos
preços contemplará os valores relativos às “operações de compra e venda empreendidas pela
própria interessada ou por terceiros”. A modificação alcança também a regra do parágrafo 2º do
art. 18, que previa que para apuração dos preços médios por esse método somente seriam
“consideradas as operações de compra e venda praticadas entre compradores e vendedores não
vinculados”.
Em relação ao método PIC, foram estabelecidas regras nos parágrafos 10 e 17. Assim sendo,
as operações utilizadas para fins de cálculo devem:
(a)representar, ao menos, 5% (cinco por cento) do valor das operações de importação
sujeitas ao controle de preços de transferência, empreendidas pela pessoa jurídica, no
período de apuração, quanto ao tipo de bem, direito ou serviço importado, na
hipótese em que os dados utilizados para fins de cálculo digam respeito às suas
próprias operações;
(b)corresponder a preços independentes realizados no mesmo ano-calendário das
respectivas operações de importações sujeitas ao controle de preços de transferência.
Não havendo operações que representem 5% (cinco por cento) do valor das importações
sujeitas ao controle de preços de transferência no período de apuração, o percentual poderá ser
complementado com as importações efetuadas no ano-calendário imediatamente anterior,
ajustado pela variação cambial do período.
31.5.2Método do Preço de Revenda menos Lucro (PRL)
A Lei nº 12.715/12, aplicável a partir de 1º de janeiro de 2013, ou excepcionalmente para
todo o ano de 2012, a critério do sujeito passivo, modificou a legislação vigente até então e
suprimiu algumas ilegalidades que tinham sido introduzidas pela IN 243/02.
Pela nova fórmula de cálculo do preço parâmetro, os valores relativos a frete e seguro na
importação de bens, desde que não contratados com pessoas vinculadas, localizadas em países ou
dependências de tributação favorecida, ou que não estejam amparados por regimes fiscais
privilegiados, não devem ser computados como custo do produto importado. De igual modo, a lei
esclarece ostensivamente que não compõe o valor do preço parâmetro o montante do imposto de
importação e dos gastos com o desembaraço aduaneiro. Se a finalidade da lei sempre foi a evitar
a erosão da base tributável em razão da transferência de lucros a pessoas vinculadas, o cômputo
de tais parcelas não passava pela bitola de um juízo de razoabilidade mínima, de modo que essas
novas regras devem ser tidas como normas interpretativas. Afinal, a consideração, para fins
comparativos, de valores que não são transferíveis à pessoa vinculada ou a ela equiparada, fere a
lógica do sistema de normas, que é limitar a dedução dos valores transferidos sem cogitar das
parcelas pagas a outrem.
O preço parâmetro, no método PRL, passa a ser calculado em diversos passos. Assim, em
primeiro, apura-se o preço líquido de venda que corresponderá à média aritmética ponderada dos
preços de venda do bem, direito ou serviço produzido, diminuídos dos descontos incondicionais
concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas.
Em seguida, apura-se o percentual de participação dos bens, direitos ou serviços importados no
custo total do bem, direito ou serviço vendido, que será obtido em função da relação percentual
entre o custo médio ponderado do bem, direito ou serviço importado e o custo total médio
ponderado do bem, direito ou serviço vendido, calculado em conformidade com a planilha de
custos da empresa. Em terceiro lugar, é necessário determinar o valor da participação dos bens,
direitos ou serviços importados no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido, que será
obtido mediante a aplicação do percentual de participação do bem, direito ou serviço importado
no custo total sobre o preço líquido de venda. Em seguida, aplicam a margem de lucro de 20%,
30% ou 40%, conforme o caso, sobre o valor da participação do bem, direito ou serviço importado
no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido, com o que se obtém o preço parâmetro que
será comparado com os valores contábeis para se determinar a eventual parcela não dedutível.
Em face do disposto no parágrafo 15 do art. 1º da Lei nº 9.430/96, com redação dada pela Lei nº
12.715/12, a comparação será feita no período em que os estoques forem baixados, que coincide
com o período da obtenção da receita em razão do matching principle.
A Lei nº 12.715/12 estabelece novos percentuais de margem de lucro a serem adotadas pelos
contribuintes que optarem pela adoção do Método PRL tendo em vista o setor da atividade
econômica explorado pelo sujeito passivo.
Assim, a lei fixa margem de 20%, que é de aplicação geral, e, ao mesmo tempo estabelece
margens especiais de 40% ou 30%, para os contribuintes de certos setores econômicos. Assim
sendo, a margem de 40% será aplicada pelos contribuintes dos setores de produtos farmoquímicos
e farmacêuticos; produtos do fumo; equipamentos e instrumentos ópticos, fotográficos e
cinematográficos; comércio de máquinas, aparelhos e equipamentos para uso odonto-médico-
hospitalar; extração de petróleo e gás natural e produtos derivados do petróleo. De outra parte, a
margem de 30% será obrigatoriamente utilizada pelos contribuintes dos setores de produtos
químicos; vidros e de produtos do vidro; celulose, papel e produtos de papel; e metalurgia. A
redação da lei indica que a adoção das margens especiais de 30% ou 40% deve ser feita em função
da atividade explorada e não em razão da finalidade do produto. Assim, por exemplo, para um
determinado produto utilizado na indústria farmacêutica aplica-se a margem de 40%, sendo que
em relação a esse mesmo produto a margem exigível será de 20% se o adquirente pertencer, por
exemplo, ao setor de alimentos. A Lei não é omissa a respeito do que deve ser feito nos casos em
que uma mesma pessoa jurídica explora atividades de setores distintos e utiliza um mesmo
produto importado para fabricar outros de ambos os setores. Em tais circunstâncias, as margens
aplicáveis devem ser feitas em função da finalidade do produto com adoção das margens
pertinentes a cada setor econômico. O parágrafo 14 do art. 18 da Lei nº 9.430/96, com redação
dada pela Lei nº 12.715/12, estabelece que: “na hipótese de um mesmo bem importado ser
revendido e aplicado na produção de um ou mais produtos, ou na hipótese de o bem importado
ser submetido a diferentes processos produtivos no Brasil, o preço parâmetro final será a média
ponderada dos valores encontrados mediante a aplicação do método PRL, de acordo com suas
respectivas destinações”.
A nova lei elimina a diferenciação da margem em função do emprego do bem ou serviço
importado e prescreve que a adoção do método independe do destino dos bens e serviços, se
destinado à aplicação no processo produtivo ou revenda.
31.5.3Método do Custo de Produção mais Lucro (CPL)
A determinação do custo de bens, serviços e direitos, adquiridos no exterior, dedutível na
determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderá, ainda, ser efetuada pelo Método
do Custo de Produção mais Lucro (CPL), definido como o custo médio de produção de bens,
serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos,
acrescido dos impostos e taxas cobrados pelo referido país na exportação, e de margem de lucro
de 20%, calculada sobre o custo apurado. Na apuração de preço por esse método serão
considerados exclusivamente os custos incorridos na produção do bem, serviço ou direito,
excluídos quaisquer outros, ainda que se refiram a margem de lucro de distribuidor atacadista.
Os custos de produção deverão ser demonstrados discriminadamente, por componente,
valores e respectivos fornecedores. Poderão ser utilizados dados da própria unidade fornecedora
ou de unidades produtoras de outras empresas, localizadas no país de origem do bem, serviço ou
direito. Para efeito de determinação do preço por esse método, poderão ser computados como
integrantes do custo:
“I – o custo de aquisição das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos
materiais de embalagem utilizados na produção do bem, serviço ou direito;
II – o custo de quaisquer outros bens, serviços ou direitos aplicados ou consumidos
na produção;
III – o custo do pessoal, aplicado na produção, inclusive de supervisão direta,
manutenção e guarda das instalações de produção e os respectivos encargos sociais
incorridos, exigidos ou admitidos pela legislação do país de origem;
IV – os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação,
amortização ou exaustão dos bens, serviços ou direitos aplicados na produção;
V – os valores das quebras e perdas razoáveis, ocorridas no processo produtivo,
admitidas pela legislação fiscal do país de origem do bem, serviço ou direito.”
Na determinação do custo do bem, serviço ou direito, adquirido pela empresa no Brasil, os
custos referidos, incorridos pela unidade produtora no exterior, serão considerados
proporcionalmente às quantidades destinadas à empresa no Brasil. No caso de utilização de
produto similar, para aferição do preço, o custo de produção deverá ser ajustado em função das
diferenças entre o bem, serviço ou direito adquirido e o que estiver sendo utilizado como
parâmetro. A margem de lucro de 20%, acima referida, será aplicada sobre os custos apurados
antes da incidência dos impostos e taxas cobrados no país de origem, sobre o valor dos bens,
serviços e direitos adquiridos pela empresa no Brasil.
O Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº 134.780, ocorrido em 7
de julho de 2004, decidiu que a lei não impede a adoção do método PRL para os bens importados
que, no país, sofram alguma manipulação antes de serem revendidos.
31.5.4Método do Preço de Cotação na Importação (PCI)
A Lei nº 12.715/12 estabelece regras especiais para a apuração do preço parâmetro
de commodities sujeitas a cotação em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente
reconhecidas, que será obtida com a utilização do Método do Preço Sob Cotação na Importação
– PCI, aplicável também às pessoas físicas. Assim, de acordo com o art. 18º da Lei nº 9.430/96,
introduzido pela Lei nº 12.715/12, os preços dos bens importados e declarados por pessoas físicas
ou jurídicas residentes ou domiciliadas no País serão comparados com os preços de cotação desses
bens, constantes em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, os quais
serão ajustados para mais ou para menos do prêmio médio de mercado, na data da transação, nos
casos de importação de: (a) pessoas físicas ou jurídicas vinculadas; (b) residentes ou domiciliadas
em países ou dependências com tributação favorecida; ou (c) pessoas físicas ou jurídicas
beneficiadas por regimes fiscais privilegiados.
Não havendo cotação disponível para o dia da transação, deverá ser utilizada a última
cotação conhecida. Na hipótese de ausência de identificação da data da transação, a conversão
será efetuada considerando-se a data do registro da declaração de importação de mercadoria.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda disciplinará a matéria e
fará a divulgação das bolsas de mercadorias e futuros e das instituições de pesquisas setoriais
internacionalmente reconhecidas para cotação de preços.
O preço parâmetro, neste método, é determinado em função do valor de cotação dos bens
em Bolsas ou instituições de pesquisas, que sejam, ambas, reconhecidas internacionalmente e
conhecidas por ato da Receita Federal do Brasil. O conceito de commodity, neste contexto, é dado
pelo locus em que são comprados ou vendidos, que é uma Bolsa de Mercadorias e Futuros.
Convém salientar, todavia, que as normas sobre preços de transferências não alcançam toda e
qualquer negociação realizada naquelas instituições, mas apenas e tão somente os bens que
tenham sido importados.
Problemática é a regra do parágrafo 3º do art. 18-A. De acordo com enunciado deste
preceito, “na hipótese de não haver cotação dos bens em bolsas de mercadorias e futuros
internacionalmente reconhecidas, os preços dos bens importados a que se refere o § 1º, poderão
ser comparados com os obtidos a partir de fontes de dados independentes fornecidas por
instituições de pesquisa setoriais internacionalmente reconhecidas”. Em princípio, se não há
cotação é porque não são feitos negócios, e, deste modo, o cálculo do preço parâmetro não poderia
ser feito de acordo com o método PCI. O que a lei diz, nesse caso, é que o preço de cotação (que
seria o preço parâmetro) pode ser aquele que for divulgado por outa entidade, que seja indicada
em ato normativo da Receita Federal do Brasil. Logo, a norma permite duas interpretações: em
primeiro lugar, ela abre a possibilidade de adoção do PCI para qualquer bem que tenha cotação
internacional, independentemente de ser negociado em Bolsa de Mercadorias e Futuros. Em
segundo lugar, a norma pretende abarcar as importações de bens que não tenham cotação em
Bolsa reconhecida, mas tenham em Bolsa não reconhecida.
O enunciado do parágrafo 16 do art. 18 da Lei nº 9.430/96, com redação dada pela Lei nº
12.715/12, estabelece que nas operações de importação de commoditieso contribuinte deve adotar
obrigatoriamente o método PCI. Essa obrigação acaba por eliminar a faculdade de adoção do
método mais favorável dentre os de utilização possível. A providência parece ser razoável já que
a determinação do preço parâmetro com base em elementos de comparação obtidos em
instituições de mercados avançados é a que melhor atende à teleologia das normas sobre preços
de transferências.
Problemas poderão advir em relação à determinação dos bens (commodities) que não sejam
idênticos aos negociados em Bolsa porque as mercadorias têm padrões de pureza, de mistura, de
textura etc. que nem sempre podem ser comparados. Logo, parece ser mais justo fixar o preço
público (o apurado na Bolsa) com base em médias.
31.5.5Eleição do método
Sendo possível a aplicação de mais de um método, o contribuinte poderá escolher aquele
que considere dedutível o maior valor apurado. Se os valores apurados segundo os métodos
mencionados há pouco forem superiores ao de aquisição, constante dos respectivos documentos,
a dedutibilidade fica limitada ao montante deste último. A dedução dos encargos de depreciação
ou amortização dos bens e direitos seguirá os mesmos critérios.
A regra atributiva do direito à dedução do maior valor dentre os apurados segundo os
métodos previstos em lei está endereçada, em primeiro lugar, ao sujeito passivo que deve observar
a legislação que lhe impõe deveres de documentar suas operações e fazer os cálculos necessários
para realizar o eventual ajuste na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Então, ao
sujeito passivo a lei outorga um direito que está contraposto a um dever que, em princípio, não
pode ser transferido à autoridade fiscal: esse dever consiste em fazer os cálculos e os ajustes, se e
quando devidos. De outra parte, a autoridade fiscalizadora não pode desconhecer a lei e, como
decorrência, não pode negar ao sujeito passivo o direito que a lei lhe atribui. Todavia, se o sujeito
passivo se omite ou adota método estranho aos previstos em lei, não é razoável exigir que a
autoridade fiscal se incumba de fazer o cálculo de acordo com os todos os métodos previstos em
lei para atender unicamente aos interesses do sujeito passivo, porquanto, o mesmo ordenamento
jurídico que dá esse direito ao sujeito passivo estabelece que a utilização de qualquer um dos três
métodos é válida em cada caso.. A escolha, no caso, deve ser feita pelo sujeito passivo que pode
renunciar e omitir-se de escolher por entender que não está obrigado a observar as regras
brasileiras sobre a matéria em razão da interpretação que haure dos fatos ou das normas jurídicas
vigentes ou simplesmente porque entende que deva adotar outros métodos melhores e mais justos
de acordo com o seu ponto de vista. Enfim, há que considerar que padece de razoabilidade a
interpretação no sentido de que a autoridade fiscal deva zelar pelos interesses do sujeito passivo
nas hipóteses em que ele próprio não o faz.
A Lei nº 12.715/12 eliminou diversos problemas de interpretação desse direito outorgado ao
contribuinte ao introduzir no ordenamento jurídico a norma do art. 20-A da Lei nº 9.430/96. De
acordo com a citada regra, a partir do ano-calendário de 2012, a opção por um dos métodos
previstos em lei para cada ano-calendário – não poderá ser alterada pelo contribuinte uma vez
iniciado o procedimento fiscal. Todavia, se curso do procedimento de fiscalização, o método ou
algum de seus critérios de cálculo venha a ser motivadamente desqualificado pela fiscalização, o
sujeito passivo deverá ser intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, querendo, apresentar novo
cálculo de acordo com qualquer outro método previsto na legislação. A lei passa a prever,
portanto, uma nova intimação como condição de validade do lançamento tributário, e o sujeito
passivo pode apresentar novo cálculo que pode igualmente vir a ser contestado pela autoridade
fiscal, não sendo prevista, no entanto, uma intimação adicional.
31.5.6Controle contábil
Para a correta aplicação das normas sobre preços de transferências é necessário compreender
a função do “preço parâmetro”. O preço parâmetro é aquele que resulta da aplicação das fórmulas
dos diversos métodos previstos em lei sobre os dados fáticos das operações de exportação ou
importação. A função dele é a de servir como base de cotejo com os valores das receitas, despesas
e custos que forem imputados ao resultado do período com a finalidade apurar o montante dos
eventuais ajustes na determinação do lucro real ou da base de cálculo da CSLL. Todo preço
parâmetro é determinado com base em médias, salvo nos casos em que a lei dispuser de outro
modo.
As normas regulamentares exigem, para as importações, o controle contábil das parcelas
cuja dedução não será admitida no futuro. Depois de apurados por um dos métodos de importação,
os preços a serem utilizados como parâmetro, nos casos de importação de empresas vinculadas,
serão comparados com os constantes dos documentos de aquisição. Esse procedimento visa
encontrar o valor do ajuste que será feito na determinação do lucro real e da base de cálculo da
CSLL, o qual será objeto de controle contábil por meio de lançamento a débito de conta de
resultados acumulados do patrimônio líquido e a crédito de:
(a)conta do ativo onde foi contabilizada a aquisição dos bens, direitos ou serviços e
que permanecerem ali registrados ao final do período de apuração; ou
(b)conta própria de custo ou de despesa do período de apuração, que registre o valor
dos bens, direitos ou serviços, no caso de já terem sido baixados da conta de ativo
que tenha registrado a sua aquisição.
O mesmo procedimento deverá ser adotado quando o ajuste se referir a bens classificáveis
no Ativo Permanente. Em relação aos valores que tenham gerado quotas de depreciação,
amortização ou exaustão, no ano-calendário da importação, o valor do excesso de preço de
aquisição na importação deverá ser contabilizado a débito da conta de patrimônio líquido e a
crédito de conta representativa de despesa ou custo; em relação aos valores ainda não baixados,
o excesso de preço de aquisição na importação será creditado diretamente na conta de ativo, em
contrapartida à conta de resultados acumulados, antes mencionada.
O controle contábil não evita a exigência de elementos de comprovação e adequação dos
valores contabilizados. Esse modelo de controle pode causar distorções no cálculo da avaliação
dos estoques, já que traz para a contabilidade um valor que tem natureza estritamente contábil; há
uma retificação de valores que não decorre de um fato contabilizável.
31.5.7Fonte de obtenção dos preços médios
Para fins de aplicação das regras sobre preços de transferência, os custos e preços médios
deverão ser apurados com base em: (a) publicações ou relatórios oficiais do governo do país do
comprador ou vendedor ou declaração da autoridade fiscal desse mesmo país, quando com ele o
Brasil mantiver acordo para evitar a bitributação ou para intercâmbio de informações; e (b)
pesquisas efetuadas por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico ou publicações
técnicas, em que se especifiquem o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem
encontrada, bem como identifiquem, por empresa, os dados coletados e trabalhados.
As publicações, as pesquisas e os relatórios oficiais somente serão admitidos como prova se
houverem sido realizados com observância de métodos de avaliação internacionalmente adotados
e se referirem a período contemporâneo com o de apuração da base de cálculo do imposto da
empresa brasileira.
As margens de lucro antes referidas poderão também ser alteradas se o contribuinte
comprová-las com base em publicações, pesquisas ou relatórios elaborados em conformidade com
as regras acima. Nesse caso, a redução das margens é obrigatória, mas ao Fisco cabe a prerrogativa
de aceitar ou não esses novos parâmetros, desde que de forma fundamentada.
De fato, todas essas publicações técnicas poderão ser desqualificadas mediante ato do
Secretário da Receita Federal, quando consideradas inidôneas ou inconsistentes, desde que seja
observado o devido processo legal. Há aqui um problema de legalidade, de previsibilidade de
comportamento. Se as autoridades não indicam quais relatórios e publicações podem ser aceitos,
o contribuinte fica sem a possibilidade de dizer se os mesmos são razoáveis ou não, se espelham
situações idênticas às suas ou não.
31.6EXPORTAÇÕES
De acordo com o art. 240 do RIR/99, as receitas auferidas nas operações efetuadas com
pessoa vinculada ou com pessoa com sede ou domicílio em país de tributação favorecida ou em
local com tributação privilegiada, ficam sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda
dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o período de apuração da base
de cálculo do imposto, for inferior a 90% do preço médio praticado na venda dos mesmos bens,
serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de
pagamento semelhantes. Essa é uma regra que dispõe sobre as condições em que caberá a
aplicação das demais regras sobre arbitramento, que, todavia, não alcança as operações referidas
no art. 19-A da Lei nº 9.430/96, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 12.715/12. Logo,
após certificar-se de que está sujeito ao arbitramento, o contribuinte deverá calcular o valor do
eventual ajuste aditivo na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o qual será
determinado por um dentre quatro métodos previstos em lei. Portanto, os cálculos se farão a partir
da comparação entre preços praticados no mercado interno e nas operações de exportação.
O preço médio praticado na exportação e o preço parâmetro serão obtidos pela multiplicação
dos preços pelas quantidades relativas a cada operação, os resultados apurados serão somados e
divididos pela quantidade total, determinando-se, assim, o preço médio ponderado. Caso a pessoa
jurídica não efetue operações de venda no mercado interno, a determinação dos preços médios a
que se refere o caput será efetuada com dados de outras pessoas jurídicas que pratiquem a venda
de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no mercado brasileiro. Serão consideradas
somente as operações de compra e venda praticadas, no mercado brasileiro, entre compradores e
vendedores não vinculados, e o preço de venda; (a) no mercado brasileiro, deverá ser considerado
líquido dos descontos incondicionais concedidos, do ICMS, do ISS, da Contribuição para o
PIS/Pasep e da Cofins, de outros encargos cobrados pelo Poder Público, do frete e do seguro,
suportados pela pessoa jurídica vendedora; e (b) nas exportações, será tomado pelo valor depois
de diminuído dos encargos de frete e seguro, cujo ônus tenha sido da pessoa jurídica exportadora.
Na hipótese de exportação de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros
internacionalmente reconhecidas, deverá ser utilizado o método do Preço sob Cotação na
Exportação – Pecex, em lugar do preço médio.
Consoante explicitado no art. 22 da IN 1.312/12, os valores dos bens, serviços ou direitos
serão ajustados de forma a minimizar os efeitos provocados sobre os preços a serem comparados,
por diferenças nas condições de negócio, de natureza física e de conteúdo. Em relação aos bens,
serviços ou direitos idênticos, somente será permitida a efetivação de ajustes relacionados com:
(a) prazo para pagamento; (b) quantidades negociadas; (c) obrigação por garantia de
funcionamento do bem ou da aplicabilidade do serviço ou direito; (d) obrigação pela promoção,
junto ao público, do bem, serviço ou direito, por meio de propaganda e publicidade; (e) obrigação
pelos custos de fiscalização de qualidade, do padrão dos serviços e das condições de higiene; (f)
custos de intermediação nas operações de compra e venda praticadas pelas pessoas jurídicas não
vinculadas, consideradas para efeito de comparação dos preços; (g) acondicionamento, frete,
seguro, risco de crédito custos de desembarque no porto, de transporte interno, de armazenagem
e de desembaraço aduaneiro incluídos os impostos e taxas de importação, todos no mercado de
destino do bem. As diferenças nos prazos de pagamento serão ajustadas pelo valor dos juros
correspondentes ao intervalo entre os prazos concedidos para o pagamento das obrigações sob
análise, com base na taxa praticada pela própria pessoa jurídica, quando comprovada a sua
aplicação de forma consistente para todas as vendas a prazo.
31.7REGISTRO CONTÁBIL DA RECEITA DE EXPORTAÇÃO
Antes de saber se está obrigado ou não a cumprir as regras sobre preços de transferência, o
sujeito passivo deve fazer o registro contábil dos valores relativos aos bens exportados, que é um
procedimento guiado por regras específicas. Assim, a receita de vendas de exportação de bens,
serviços e direitos será determinada pela conversão em reais à taxa de câmbio de compra, fixada
no boletim de abertura do Banco Central do Brasil, em vigor na data: (a) de embarque, no caso
de bens; e (b) da efetiva prestação do serviço ou transferência do direito.
A data da efetiva prestação do serviço ou transferência do direito é a data do auferimento da
receita, assim considerado o momento em que, nascido o direito à sua percepção, a receita deva
ser contabilizada em observância ao regime de competência. Na hipótese em que o contribuinte
seja optante pelo lucro presumido, com base no regime de caixa, considerar-se-á auferida a receita
segundo o regime de competência.
31.8MÉTODOS DE ARBITRAMENTO DA RECEITA DE
EXPORTAÇÃO
Se constatado que o preço médio ponderado de venda nas exportações, entre pessoas não
vinculadas, for inferior a 90% do preço médio ponderado de comparação, os valores das receitas
de vendas para o exterior serão determinados tomando-se por base o valor apurado segundo os
métodos que a lei indica. Assim, após certificar-se de que está sujeito ao arbitramento, o
contribuinte deverá calcular o valor do eventual ajuste aditivo na determinação da base de cálculo
do IRPJ e da CSLL, o qual será determinado por um dentre quatro métodos previstos em lei.
Esses métodos servem, portanto, para determinar o valor mínimo das receitas nas
exportações sujeitas às regras sobre preços de transferência. Portanto, trata-se de apuração de
valor que é feita fora da contabilidade, pois a lei não determina que as operações sejam feitas
pelos valores encontrados por quaisquer dos métodos referidos. O contribuinte pode, para fins
negociais, adotar o preço que quiser, pois age segundo o princípio da livre-iniciativa. Todavia,
deve determinar a base de cálculo do imposto segundo esses critérios de arbitramento.
Note-se que, para esse efeito de aplicação dos métodos referidos, as médias aritméticas
ponderadas serão calculadas em relação ao período de apuração, exceto se a empresa estiver
utilizando dados de outros períodos, caso em que as médias serão referidas ao respectivo período.
Os preços apurados em moeda estrangeira serão ajustados em virtude de eventuais variações nas
taxas de câmbio da moeda de referência, ocorridas entre as datas das operações. Os métodos de
apuração dos valores arbitrados são:
(a)Método do Preço de Venda nas Exportações (PVEx): definido como a média
aritmética ponderada dos preços de venda nas exportações efetuadas pela própria
empresa, para outros clientes, ou por outra exportadora nacional de bens, serviços ou
direitos, idênticos ou similares, durante o mesmo período de apuração da base de
cálculo do Imposto de Renda e em condições de pagamento semelhantes. Para efeito
deste método, serão consideradas apenas as vendas para outros clientes não
vinculados à empresa no Brasil.
(b)Método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído do Lucro
(PVA): definido como a média ponderada dos preços de venda de bens, idênticos ou
similares, praticados no mercado atacadista do país de destino, em condições de
pagamento semelhantes, diminuídos dos tributos incluídos no preço, cobrados no
referido país, e de margem de lucro de 15% sobre o preço de venda no atacado. Para
fins de cálculo do valor do ajuste: (a) consideram-se tributos incluídos no preço os
que guardem semelhança com o ICMS e o ISS e com as contribuições COFINS e
PIS/Pasep; e (b) a margem de lucro referida será aplicada sobre o preço bruto de
venda no atacado.
(c)Método do Preço de Venda a Varejo no País de Destino, Diminuído do Lucro
(PVV): definido como a média aritmética ponderada dos preços de venda de bens,
idênticos ou similares, praticados no mercado varejista do país de destino, em
condições de pagamento semelhantes, diminuídos dos tributos incluídos no preço,
cobrados no referido país, e de margem de lucro de 30% sobre o preço de venda no
varejo.
(d)Método do Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro (CAP):
definido como a média aritmética ponderada dos custos de aquisição ou de produção
dos bens, serviços ou direitos exportados, acrescidos dos impostos e contribuições
cobrados no Brasil e de margem de lucro de 15% sobre a soma dos custos mais
impostos e contribuições.
Para esse fim: (a) integram o custo de aquisição os valores de frete e seguro pagos pela
empresa adquirente, relativamente aos bens, serviços e direitos exportados; e (b) será excluída
dos custos de aquisição e de produção a parcela do crédito presumido do IPI, como ressarcimento
das contribuições COFINS e PIS/Pasep, correspondente aos bens exportados, se for o caso.
A margem de lucro referida será aplicada sobre o valor que restar após excluída a parcela
do crédito presumido antes mencionada. O preço determinado por esse método, relativamente às
exportações diretas efetuadas pela própria empresa produtora, poderá ser considerado parâmetro
para o preço praticado nas exportações efetuadas pela empresa, por intermédio de empresa
comercial exportadora, não devendo ser considerado o novo acréscimo a título de margem de
lucro da empresa comercial exportadora.
As médias aritméticas antes referidas deverão ser calculadas em relação ao período de
apuração da respectiva base de cálculo do imposto da empresa brasileira. Sendo possível a
utilização de mais de um método, será considerado o menor dos valores apurados. A parcela das
receitas, apurada segundo os critérios (métodos) acima, que exceder o valor já apropriado na
escrituração da empresa deverá ser adicionada ao lucro líquido para determinação do lucro real.
Segundo o art. 20 da Lei nº 9.430/96, em circunstâncias especiais, o Ministro de Estado da
Fazenda poderá alterar os percentuais referidos, ou seja: (a) percentual de 90% para sujeição às
regras dos preços de transferência; e (b) percentual das margens de lucros referidas nas letras “b”
a “d”, acima. A regra, como se vê, se refere a condições especiais sem determinar critérios para
sua verificação, e permite (não obriga, portanto) a redução. Com o advento do art. 45 da Lei nº
10.833/03, a Secretaria da Receita Federal do Brasil adquiriu poderes para estabelecer normas,
tendo em vista condições especiais de rentabilidade e representatividade de operações da pessoa
jurídica, disciplinando a forma de simplificação da apuração dos métodos de preço de
transferência na exportação. Essa eventual simplificação não poderá abranger as operações de
vendas efetuadas para empresa, vinculada ou não, domiciliada em país ou dependência com
tributação favorecida, ou cuja legislação interna oponha sigilo, conforme definido no art. 24 da
Lei nº 9.430/96, e art. 4º da Lei nº 10.451/02.
De acordo com a autorização legal, aquele órgão poderia vir a fixar percentual de margem
de divergência máxima entre o preço ajustado, a ser utilizado como parâmetro nas importações e
exportações sujeitas às normas relativas aos preços de transferências e o daquele constante na
documentação de importação e exportação.
O art. 36 da Lei nº 11.196/05 outorgou poderes ao Ministro da Fazenda para instituir por
prazo certo mecanismo de ajuste para fins de determinação de preços de transferência, bem como
aos métodos de cálculo que especificar, aplicáveis à exportação, de forma a reduzir impactos
relativos à apreciação da moeda nacional em relação a outras moedas. De acordo com o parágrafo
único do citado preceito, o Secretário da Receita Federal poderia determinar a aplicação do
mecanismo de ajuste referido no caput às hipóteses referidas no art. 45 da Lei nº 10.833/03.
As normas têm propósitos diferentes. A primeira – constante do art. 45 da Lei nº 10.833/03
– outorga poderes para simplificação dos métodos em certas circunstâncias exclusivamente nas
operações de exportação; todavia, contempla a possibilidade de fixação de margem de divergência
nas importações e exportações que serve como parâmetro para aplicação ou não das regras sobre
preços de transferência.
A segunda norma – constante do art. 36 da Lei nº 11.196/05 –, por sua vez, admite o
estabelecimento de um mecanismo de ajuste para fins de aplicação dos métodos de
ajuste pertinentes à exportação para reduzir os impactos decorrentes da apreciação da moeda
nacional em relação a outras moedas. A Receita Federal do Brasil tem divulgado, a cada ano, os
fatores de ajustamento.1
O art. 49 da Lei nº 12.715/12 introduziu na ordem jurídica o art. 19-A no texto da Lei nº
9430/96, que dispõe sobre o Método do Preço sob Cotação na Exportação – PECEX, que conduz
à apuração do preço parâmetro como a partir dos valores médios diários da cotação de bens ou
direitos sujeitos a preços públicos em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente
reconhecidas.
Assim, os preços dos bens exportados e declarados por pessoas físicas ou jurídicas residentes
ou domiciliadas no País serão comparados com os preços de cotação dos bens, constantes em
bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, que serão ajustados para mais
ou para menos do prêmio médio de mercado, na data da transação, nos casos de exportação para:
(a) pessoas físicas ou jurídicas vinculadas; (b) residentes ou domiciliadas em países ou
dependências com tributação favorecida; ou (c) pessoas físicas ou jurídicas beneficiadas por
regimes fiscais privilegiados.
Não havendo cotação disponível para o dia da transação, deverá ser utilizada a última
cotação conhecida. Na hipótese de ausência de identificação da data da transação, a conversão
será efetuada considerando-se a data de embarque dos bens exportados. O § 4º do art. 19-A
estabelece que receitas auferidas nas operações acima referidas estarão sempre sujeitas ao
arbitramento de preços de transferência, não se aplicando o percentual de 90% (noventa por cento)
previsto no caput do art. 19.
Na forma do disposto no § 5º do citado art. 19-A, na hipótese de não haver cotação dos bens
em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, os preços dos bens
exportados poderão ser comparados: I – com os obtidos a partir de fontes de dados independentes
fornecidas por instituições de pesquisa setoriais internacionalmente reconhecidas; ou II – com os
preços definidos por agências ou órgãos reguladores e publicados no Diário Oficial da União.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda disciplinará a matéria,
inclusive a divulgação das bolsas de mercadorias e futuros e das instituições de pesquisas setoriais
internacionalmente reconhecidas para cotação de preços.
O enunciado do parágrafo 9º do art. 19 da Lei nº 9.430/96, com redação dada pela Lei nº
12.715/12, estabelece que nas operações de exportação de commoditieso contribuinte deve adotar
obrigatoriamente utilizado o método PECEX. Essa obrigação acaba por eliminar a faculdade de
adoção do método mais favorável dentre os de utilização possível. A providência parece ser
razoável que a determinação do preço parâmetro com base em elementos de comparação obtidos
em mercados avançados atende da melhor maneira possível à teleologia das normas sobre preços
de transferências. Problemas poderão advir em relação à determinação dos bens (commodities)
que não sejam idênticos aos negociados em Bolsa porque as mercadorias têm padrões de pureza,
de mistura, de textura etc. que nem sempre podem ser comparados. Logo, parece ser mais justo
fixar o preço público (o apurado na Bolsa) com base em médias.
31.9MARGEM DE DIVERGÊNCIA
O art. 51 da IN 1.312/12 estabelece que a pessoa jurídica que comprovar haver apurado
lucro líquido, antes da provisão da CSLL e do IRPJ, decorrente das receitas de vendas nas
exportações para empresas vinculadas, em valor equivalente a, no mínimo, 5% do total dessas
receitas, considerando a média anual do período de apuração e dos dois anos precedentes, poderá
comprovar a adequação dos preços praticados nas exportações com base os documentos
relacionados com a própria operação. A margem será de 3% (três por cento) na hipótese de
importação ou exportação de commodities sujeitas à cotação em bolsas de mercadorias e futuros
internacionalmente reconhecidas, quando deverá ser utilizado o método do Preço sob Cotação na
Importação (PCI) ou o método do Preço sob Cotação na Exportação (Pecex). Em qualquer caso,
nenhum ajuste será exigido da pessoa jurídica na apuração do imposto sobre a renda, e na base de
cálculo da CSLL.
31.10DUPLA TRIBUTAÇÃO
Um problema surge quando a pessoa vinculada é uma sociedade controlada ou coligada da
pessoa jurídica, contribuinte do imposto calculado com base no lucro real, no Brasil. Suponha que
a empresa brasileira exporte mercadorias para a empresa no exterior, faça o ajuste determinado
pela lei, de acordo com o método de comparação que lhe for apropriado, e depois receba lucros
distribuídos pela coligada ou controlada. Nesse caso, o valor da exportação, considerado para fins
fiscais, é diferente (é menor) do valor do custo das mercadorias vendidas pela empresa no exterior,
o que demandaria um ajuste (uma exclusão na determinação do lucro real), pela empresa
recebedora, dos lucros disponibilizados, do valor que outrora computara como adição, a título de
ajuste em virtude da aplicação das regras sobre preços de transferência. Se esse ajuste não for
feito, essa ausência de norma acarreta uma distorção ou uma dupla tributação.
O ajuste, nesses casos, é medida que se impõe. A falta de autorização legal não representa
proibição de realização do ajuste. Há aí uma lacuna axiológica (que gera uma situação de
injustiça) que deve ser corrigida.
31.11PAGAMENTO OU CRÉDITO DE JUROS
As regras sobre preços de transferência estipulam, ainda, critérios que nortearão a
dedutibilidade de juros e também critérios sobre o cômputo, para fins fiscais, de receitas de juros
decorrentes de empréstimos concedidos pelos contribuintes a pessoas vinculadas ou com sede ou
domicílio em país de baixa tributação da renda.
31.11.1Juros passivos
Limites à dedução dos valores relativos aos juros pagos ou creditados a pessoas vinculadas
foram estabelecidos inicialmente pelo art. 22 da Lei nº 9.430/96, que foi modificado pela Lei nº
12.715/12 e pela Lei nº 12.766/12. O art. 5º da Lei nº 12.766/12 estabeleceu que os juros pagos
ou creditados a pessoa vinculada somente serão dedutíveis para fins de determinação do lucro real
até o montante que não exceda ao valor calculado com base em taxa referida no § 6º do citado
preceito, acrescida de margem percentual a título de spread, a ser definida por ato do Ministro de
Estado da Fazenda com base na média de mercado, proporcionalizados em função do período a
que se referirem os juros. As taxas mencionadas no § 6º são as seguintes: (a) de mercado dos
títulos soberanos da República Federativa do Brasil emitidos no mercado externo em dólares dos
Estados Unidos da América, na hipótese de operações em dólares dos Estados Unidos da América
com taxa prefixada; (b) de mercado dos títulos soberanos da República Federativa do Brasil
emitidos no mercado externo em reais, na hipótese de operações em reais no exterior com taxa
prefixada; e (c) London Interbank Offered Rate – LIBOR pelo prazo de 6 (seis) meses, nos demais
casos.
A norma não faz distinção entre contratos registrados ou não no Banco Central do Brasil, e
o texto do § 7º do art. 38-A da IN 1.312/12 afirma que a regra é aplicável às operações financeiras
decorrentes de contratos, inclusive os de aplicação de recursos e os de capitalização de linha de
crédito, celebrados com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, cuja
remessa ou ingresso de principal tenha sido conduzido em moeda estrangeira ou por meio de
transferência internacional em moeda nacional. O texto do § 7º do art. 38-A da IN 1.312/13
considera que as aplicações financeiras estão, em tese, sujeitas às regras sobre preços de
transferências e isto suscita dúvidas acerca da sua legalidade, tendo em vista o fato de que a norma
do § 1º do art. 22 da Lei nº 9.430/96 faz menção unicamente ao contrato de mútuo, que é um
negócio jurídico típico previsto nos arts. 586 a 592 do Código Civil. Essa dúvida se dissipa
imediatamente diante do texto do art. 70 da Lei nº 8.981/95, que equiparou o mútuo de recursos
financeiros às aplicações financeiras de renda fixa, para fins de aplicação das regras sobre
tributação na fonte. Essa equiparação, salvo disposição de lei em contrário, tem efeito geral em
face dos princípios da generalidade e universalidade previstos no item I do § 2º do art. 153 da
Constituição Federal; por isso, não há ilegalidade na regra constante do art. 38-A da IN 1.312/13.
As novas regras alcançam os contratos já firmados e em vigor em 1º de janeiro de 2013 e
devem ser observadas apenas após a edição de ato normativo com a divulgação do spread ao qual
a Lei faz referência. Por fim, o § 5º do art. 38 da IN 1.312/12 esclarece que nos pagamentos de
juros em que remetente assuma o ônus do imposto, o valor deste não será considerado para efeito
do limite de dedutibilidade.
31.11.2Juros ativos
A Lei nº 12.766/12 deu nova redação ao texto do caput do art. 22 da Lei nº 9.430/96 e isso
acarretou mudança no sentido e alcance da regra do § 1º, que trata do cálculo dos juros ativos.
Como consequência, a pessoa jurídica mutuante, domiciliada no Brasil, deverá reconhecer, como
receita financeira correspondente à operação, no mínimo o valor que for divulgado em ato
expedido pelo Ministro da Fazenda que contemple as taxas médias de juros e um spread, ou seja,
o parâmetro é rigorosamente o mesmo utilizado para cálculo do valor dedutível dos juros passivos.
A regra alcança apenas os contratos de mútuos (registrados ou não no Banco Central do Brasil) e
o ajuste será feito nos livros fiscais.
31.12DISPENSA DE COMPROVAÇÃO
Cabe ao contribuinte a comprovação de que os preços de transferência por ele praticados
são adequados às regras da legislação brasileira. Por outro lado, quando os documentos
apresentados pelo contribuinte forem julgados insuficientes ou imprestáveis para formar a
convicção quanto ao preço da operação, o Auditor Fiscal poderá determiná-lo com base em outros
documentos de que dispuser, aplicando um dos métodos discriminados pela legislação vigente..
O art. 48 da IN 1.312/12 dispôs que a pessoa jurídica que comprovar haver apurado lucro
líquido antes da provisão do imposto sobre a renda e da CSLL decorrente das receitas de vendas
nas exportações para pessoas jurídicas vinculadas, em valor equivalente a, no mínimo, 10% (dez
por cento) do total dessas receitas, considerando-se a média anual do período de apuração e dos
2 (dois) anos precedentes, poderá comprovar a adequação dos preços praticados nas exportações,
do período de apuração, exclusivamente, com os documentos relacionados com a própria
operação. Essa regra, no entanto, é aplicável apenas nos casos em que a receita líquida de
exportação para pessoas jurídicas vinculadas não ultrapassar 20% (vinte por cento) do total da
receita líquida de exportação.
Para determinação do montante do lucro líquido e do respectivo percentual de 10% (dez por
cento), este será apurado de acordo com o disposto no art. 187 da Lei nº 6.404/76, e na legislação
do imposto sobre a renda. Para esse fim: (a) os custos e despesas comuns às vendas serão rateados
em função das respectivas receitas líquidas; e (b) não devem ser computadas, para fins de
determinação do percentual de 10 (dez por cento), as operações de venda de bens, serviços ou
direitos cujas margens de lucro, previstas nos arts. 31, 32 e 33, tenham sido alteradas nos termos
dos arts. 45, 46 e 47, todos da IN 1.312/12.
De igual modo, em face do disposto no art. 49 da citada IN, a pessoa jurídica, cuja receita
líquida das exportações, no ano-calendário, não exceder a 5% (cinco por cento) do total da receita
líquida no mesmo período, poderá comprovar a adequação dos preços praticados nessas
exportações, exclusivamente, com os documentos relacionados com a própria operação. Para
determinação desse percentual devem ser consideradas as receitas de vendas efetuadas para
pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas em país com tributação favorecida.
Em face do disposto no art. 50 da IN 1.312/12, para fins de apuração dos percentuais de
10% (dez por cento) ou 5% (cinco por cento) referidos nos arts. 48 e 49: (a) não se aplica em
relação às vendas efetuadas para pessoa jurídica, vinculada ou não, domiciliada em país ou
dependência com tributação favorecida, ou cuja legislação interna oponha sigilo, conforme
definido no art. 53; (b) não implica a aceitação definitiva do valor da receita reconhecida com
base no preço praticado, o qual poderá ser impugnado, se inadequado, em procedimento de ofício,
pela RFB; e (c) não se aplica na hipótese de exportação de commodities sujeitas à cotação em
bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, quando deverá ser utilizado o
método do Preço sob Cotação na Exportação (Pecex).
Em caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não for possível a apuração dos preços
efetivamente praticados na importação, a base de cálculo dos tributos e demais direitos incidentes
será determinada mediante arbitramento do preço da mercadoria, em conformidade com um dos
seguintes critérios, observada a ordem sequencial: (a) preço da exportação, para o país, de
mercadoria idêntica ou similar; e (b) preço no mercado internacional apurado em cotação em
bolsa de mercadoria ou em publicação especializada; ou de acordo com o método previsto no art.
7º, do Acordo VII, do GATT, promulgado pelo Decreto nº 1.355/94, observados os dados
disponíveis e o princípio da razoabilidade, ou, ainda, mediante laudo expedido por entidade ou
técnico especializado.
1Vide IN 602/05; IN 703/206; IN 801/07; 1.010/10; e IN 1.233/12.
32.1CONCEITO E APLICAÇÃO
Concebido pelo Decreto-lei nº 1.598/77, o “lucro da exploração” deveria ter a função de
servir de base de cálculo às isenções, redução e exclusões a que faziam jus certas pessoas jurídicas
pelo exercício de certas atividades. A norma que o criou tinha o propósito de delimitar a base de
cálculo dos incentivos fiscais para não permitir que nos mesmos fossem calculados também
resultados financeiros e ganhos de capital. Esse objetivo está claramente delineado na “Exposição
de Motivos do Ministério da Fazenda” sobre o De-creto-lei nº 1.598/77, onde se lê o seguinte: “O
lucro da exploração, tal como conceituado no art. 19, exclui dos benefícios fiscais os resultados
financeiros e os ganhos de capital.”
De acordo com a legislação em vigor, o lucro da exploração deverá ser apurado pelas:
(a)empresas instaladas nas áreas de atuação das extintas Sudene e Sudam, que
tenham direito à isenção ou redução do valor do imposto;
(b)empresas que explorem empreendimentos hoteleiros e/ou outros empreendimentos
turísticos, que gozem de isenção ou redução de 70%, 50% ou 33% (RIR/99, arts. 564
a 573);
(c)empresas que instalaram, ampliaram, ou modernizaram, até 31 de dezembro de
1990, na área do Programa Grande Carajás, empreendimentos dele integrantes,
beneficiadas com isenção do imposto por ato do Conselho Interministerial do
Programa Grande Carajás (RIR/99, arts. 562 e 563);
(d)empresas que tenham efetuado exportação de produtos de fabricação própria com
base em Programa Especial de Exportação, aprovado até 31.12.87 pela Comissão
Befiex e vigente no período de apuração (RIR/99, art. 474);
(e)empresas que tenham empreendimentos em operação nas áreas de atuação da
Sudene e da Sudam, com direito de opção pelo depósito de parte do imposto devido
para reinvestimento – Depósitos para Reinvestimento (RIR/99, art. 612);
(f)Prouni.
Em princípio, os benefícios fiscais calculados com base no lucro da exploração são
outorgados aos empreendimentos localizados em certas regiões, e, por conseguinte, abrangem
unicamente os estabelecimentos vinculados a tais empreendimentos. Quando do julgamento do
Recurso nº 118.010 (acórdão nº 101-92.656, de 16 de abril de 1999) o Conselho de Contribuintes
decidiu:
“ISENÇÃO. SUDAM. LUCRO DA EXPLORAÇÃO. – Receitas derivadas de
operações realizadas pela pessoa jurídica, alheias às atividades expressamente
contempladas pelo ato concessivo, não integram o Lucro da Exploração, base de
cálculo da isenção outorgada ao empreendimento instalado na área de atuação de
SUDAM.”
A jurisprudência do CARF registra diversas decisões no sentido de que os valores relativos
às recuperações de despesas não integram o montante da receita líquida para fins de cálculo do
benefício calculado com base no lucro da exploração, e que os valores percebidos a título de
ressarcimento por rateio de despesas também não configuram receita para esse fim.1
Essas referências à jurisprudência administrativa mostram que a lei estabeleceu uma
separação dos resultados produzidos pelas atividades incentivadas, de modo que o sujeito passivo
deve observar a referida separação nos registros contábeis.
32.2ADIÇÕES E EXCLUSÕES
O conceito de lucro da exploração consta do art. 19 do Decreto-lei nº 1.598-77, modificado
pelas Leis nº 7.959-89, 11.941-09 e 12.973-14, que tem a seguinte redação:
“Art. 19. Considera-se lucro da exploração o lucro líquido do período-base,
ajustado pela exclusão dos seguintes valores:
I – a parte das receitas financeiras que exceder das despesas financeiras, sendo que,
no caso de operações prefixadas, considera-se receita ou despesa financeira a
parcela que exceder, no mesmo período, à correção monetária dos valores
aplicados;
II – os rendimentos e prejuízos das participações societárias; e
III – outras receitas ou outras despesas de que trata o inciso IV do art. 187 da Lei
nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
IV – revogado
V – as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção e redução de
impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de
empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo poder público; e
VI – ganhos ou perdas decorrentes de avaliação de ativo ou passivo com base no
valor justo.
A norma transcrita faz menção à palavra “exclusão”, dando a impressão de que o lucro
líquido será sempre diminuído. Na verdade, a lei prescreve exclusões e autoriza deduções das
parcelas que pretende escoimar da base para cálculo de benefícios fiscais. A matéria, antes do
advento da Lei nº 12.973/14, foi regulamentada pela IN 267/02. De acordo com esse ato
normativo, considera-se lucro da exploração o lucro líquido do período de apuração, antes de
deduzida a provisão para o imposto de renda, ajustado pela adição ou exclusão:
(a)da parte das receitas financeiras que exceder às despesas financeiras;
(b)dos rendimentos e prejuízos das participações societárias;
(c)dos resultados não operacionais;
(d)dos resultados obtidos em operações realizadas no exterior;
(e)dos valores baixados na conta de reserva de reavaliação, nos casos em que o valor
realizado dos bens objeto da reavaliação tenha sido registrado como custo ou despesa
operacional e a baixa da reserva tenha sido feita em contrapartida à conta de: (i)
receita não operacional; e (ii) patrimônio líquido, não computada no resultado do
mesmo período de apuração;
(f)do valor da reserva especial (art. 2º da Lei nº 8.200/91) computada para
determinação do lucro real em razão da realização de bens ou direitos mediante
alienação, depreciação, amortização, exaustão ou baixa a qualquer título;
(g)da parcela do lucro inflacionário apurado na fase pré-operacional, realizado a
partir do período em que o empreendimento instalado na área de atuação das extintas
Sudene ou Sudam, entrar em fase de operação;
(h)dos tributos e contribuições com exigibilidade suspensa, na forma dos incisos II a
IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional
(CTN), adicionados ao lucro líquido, para efeito de determinação do lucro real.
A IN 267, como se vê, não cogita das parcelas referidas pela Lei nº 12.973/14 e permite
algumas exclusões que não foram cogitadas pela lei.
32.2.1Receitas e despesas financeiras
Os conceitos de despesas financeiras e de receitas financeiras abrangem os juros moratórios
ou compensatórios, ativos ou passivos; o desconto financeiro obtido ou concedido; o lucro nas
operações de reporte e os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa. Abrange, também,
conforme for o caso, o valor das variações monetárias e cambiais passivas e ainda: (a) os ganhos
ou as perdas líquidas nas operações realizadas no mercado de renda variável; (b) os ganhos ou
perdas em operações de day trade; (c) os juros pagos ou recebidos quando calculados sobre o
capital próprio; (d) as despesas bancárias relacionadas com o uso de capital alheio sob a forma de
empréstimo ou outro negócio jurídico que tenha a mesma finalidade. Ostentam o caráter de
receitas ou despesas financeiras os juros sobre o capital;2 todavia, não têm essa natureza os valores
relativos aos ajustes de preços de bens e serviços decorrentes da aplicação de índices de correção
monetária não ostentam o caráter de variação monetária (ou correção cambial) porquanto são
qualificados como receitas financeiras apenas os acréscimos patrimoniais decorrentes da
atualização de créditos e débitos e não do preço de bens e serviços.
Todavia, este conceito não abrange os valores relativos às contraprestações de arrendamento
mercantil, consoante decidiu o Conselho de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso que
deu origem ao Acórdão nº 105-2.012/86. Esse entendimento poderia ser modificado caso o sujeito
passivo tivesse condições de provar que as parcelas pagas embutem um encargo financeiro que é
da essência das operações de leasing financeiro. Com o advento das normas contábeis
convergentes com as normas internacionais, o leasing passou a ser tratado como “produto
financeiro”, e, portanto, teve a sua qualificação modificada para fins contábeis e que poderá
repercutir no campo tributário.
Em certas circunstâncias, os valores relativos a juros e outros encargos financeiros são
registrados em conta representativa de ativos em construção ou produção. Nesses casos, a
amortização ou depreciação desses valores corresponde a despesas financeiras ou encargos, tal
como ocorre nos juros incorridos na fase pré-operacional. A norma é omissa a respeito do
cômputo das variações cambiais sobre investimentos no exterior que são registradas em conta de
Patrimônio Líquido, isto é, não afetam o resultado a não ser por ocasião da realização econômica
do investimento sob a forma de alienação ou liquidação. De igual modo, a norma é omissa acerca
dos encargos de capitalização que devem ser registrados diretamente no Patrimônio Líquido, mas
são tratados como despesas, como exposto no item 25.2.2 deste livro.
Para fins de apuração do montante a ser excluído devem ser tomados os valores contábeis
das despesas financeiras, ou seja, o fato de serem elas consideradas não dedutíveis – total ou
parcialmente – não interfere no cálculo do lucro da exploração, salvo disposição de norma em
contrário.
A Lei nº 12.973/14 modificou a redação do art. 19 do Decreto-lei nº 1.598/77 e estabeleceu
que no cálculo da diferença entre receitas financeiras e despesas financeiras não serão computadas
as receitas e despesas decorrentes do ajuste ao valor presente de que tratam o inciso VIII do art.
183 e o inciso III do caput do art. 184, ambos da Lei nº 6.404/76.
32.2.2Rendimentos e prejuízos de participações societárias
As participações societárias podem gerar acréscimos ou decréscimos patrimoniais de varias
espécies. Assim, os investimentos avaliados pelo método da equivalência patrimonial produzem
ajustes positivos (receitas) ou negativos (despesas), mas o eventual recebimento de eventuais
lucros ou dividendos não afeta o resultado, ao contrário do que ocorre com os investimentos
avaliados pelo custo de aquisição, salvo nas hipóteses previstas em lei. As participações
societárias podem gerar ganhos ou perdas de capital decorrente da variação do percentual de
participação, que ocorre nos casos em que há aumento do valor do capital de sociedade coligada
ou controlada sem que seja observada a proporcionalidade das participações anteriores. Esses
ajustes por variação de percentual são considerados como “resultados não operacionais”, como
também o são os ganhos ou perdas de capitais na alienação ou liquidação da participação
societária. Os investimentos feitos em moeda estrangeira podem determinar o registro de
variações cambiais, e os avaliados pelo método da equivalência patrimonial podem ainda gerar a
imputação de acréscimos ou decréscimos patrimoniais sob a forma de amortização de ágio, mais
ou menos-valias e ganho por compra vantajosa.
32.2.3Resultados não operacionais
O item da IN 267/02 prevê a exclusão ou adição dos resultados não operacionais para fins
de cálculo do lucro da exploração e, neste particular, não se alinha ao preceito do art. 19 do
Decreto-lei nº 1.598/77 após as modificações introduzidas pela Lei nº 12.973/14. No direito
contábil, a qualificação de certas despesas e receitas como não operacionais deixou de existir a
partir do advento da Lei nº 11.941/09, que revogou parcialmente o inciso IV do art 187 da Lei nº
6.404/76. Para fins fiscais, essa revogação da lei societária não produziu efeitos até que a Lei nº
12.973/14 se tornasse eficaz, no ano de 2014 ou 2015, a escolha do sujeito passivo. No período
que vai da data da publicação da Lei nº 11.941 até o da eficácia da Lei nº 12.973/14, os resultados
não operacionais deverem ser ajustados para fins de apuração do lucro da exploração, porquanto
o art. 19 do Decreto-lei nº 1.598/77 vigorou sem interrupção como lei especial do direito
tributário.
32.2.4Lucros, rendimentos, ganhos e perdas no exterior
Diz o § 4º do art. 16 da Lei nº 9.430/96 que do valor do imposto que vier a ser exigido sobre
rendimento, lucro ou ganho de capital oriundo do exterior não poderá ser feita qualquer destinação
ou redução a título de incentivo fiscal. A Receita Federal do Brasil interpreta esse dispositivo de
forma ampla, ao dizer que os valores positivos relativos aos rendimentos e ganhos de capital serão
excluídos, mas permite que os valores relativos às perdas dessa natureza sejam ajustados
(adicionados) para fins de determinação do lucro da exploração.
Problemas podem surgir quando os valores positivos de rendimentos, lucros e ganhos de
capital já devam ser excluídos em virtude de outra regra. Assim, por exemplo, se os rendimentos
de natureza financeira forem integralmente excluídos, é óbvio que não devem ser considerados
para fins de cálculo do excesso de receitas sobre despesas; não cabe um novo ajuste, porque o
ganho já está sendo expurgado da base de cálculo dos incentivos. Assim também deve ser com
relação aos ganhos de capital e também dos lucros ou perdas que são tributados por via do
resultado de equivalência patrimonial. A variação cambial sobre os valores relativos a dividendos
a receber é considerada receita ou despesa financeira porque decorre de ajuste de valor de crédito,
haja vista que os dividendos distribuídos e não pagos constituem crédito em favor da investidora.
32.2.5Reavaliação de bens
Entre as parcelas suscetíveis de ajuste ao lucro líquido na determinação do lucro da
exploração está aquela representativa do valor realizado da reserva de reavaliação que tenha
afetado o resultado do exercício, como custo ou despesa operacional. Tal valor deve, em certas
circunstâncias, ser considerado como parcela aditiva. As normas contábeis sobre reavaliação
foram revogadas, mas é possível que existam parcelas de reavaliações feitas anteriormente que
estejam sendo realizadas economicamente depois do advento da lei revogadora.
O objetivo da adição é eliminar, do lucro da exploração, o efeito da reavaliação contida no
resultado do exercício para as empresas que contabilizam a realização da reserva em conta de
patrimônio líquido ou de resultado não operacional. Esse ajuste não é expressamente determinado
pela lei, mas consta do § 2º do art. 544 do RIR/99, e seria exigido independentemente deste fato,
por força do princípio da neutralidade fiscal da reserva de reavaliação. Esse ajuste destina-se a
recompor o valor do lucro líquido se este foi afetado (diminuído) por depreciação, amortização,
exaustão ou baixa de bens que tenham sido objeto de reavaliação, e desde que o valor realizado
da reserva de reavaliação não tenha sido feito diretamente no resultado, o que é absolutamente
possível, pois essa realização é feita diretamente no Livro de Apuração do Lucro Real.
Note-se que não é qualquer parcela da Reserva de Reavaliação realizada que deve ser
computada na determinação do lucro da exploração, mas somente aquelas que decorrem de débito
do valor reavaliado ao resultado, como os casos de depreciação, amortização, exaustão e baixa
dos bens reavaliados. Logo, os valores relativos a tais parcelas que ainda estiverem contabilizados
no ativo, como custo dos bens produzidos em estoque, não devem compor o montante do ajuste
enquanto esses bens em estoques não forem vendidos ou baixados.
32.2.6Tributos com exigibilidade suspensa
Os valores relativos aos tributos cuja exigibilidade esteja suspensa não podem ser
considerados dedutíveis na determinação do lucro real enquanto eficaz a causa suspensiva. A lei
nada diz a respeito do cômputo dessas parcelas na determinação do lucro exploração, mas a
Receita Federal do Brasil admite o ajuste aditivo.
Os ajustes dessa natureza têm caráter temporário, ou seja, os valores adicionados para fins
de apuração do lucro da exploração serão excluídos futuramente. Com efeito, de acordo com o
enunciado do § 2º do art. 57 da Instrução Normativa nº 267/02, as importâncias acrescidas,
controladas na Parte B do Livro de Apuração do Lucro Real, serão diminuídas do lucro da
exploração no período em que ocorrer o efetivo pagamento dos tributos e contribuições. A norma
não impõe a exclusão nos casos em que os tributos ou contribuições não forem pagos em virtude
de decisão irrecorrível favorável ao sujeito passivo.
O preceito não cogita do que deve ser feito em relação aos juros de mora e eventuais multas
que tenham sido imputados aos resultados no período em que ocorrer a suspensão da exigibilidade
do crédito tributário. Essa lacuna pode ser resolvida de duas formas: em primeiro lugar, é possível
considerar que nenhum ajuste deve ser feito porque não existe norma que o imponha, e, deste
modo, aplica-se o princípio geral segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
algo senão em virtude de lei. Em segundo lugar, é possível afirmar que o ajuste pode ser feito
com base no princípio segundo o qual onde existam os mesmos fatos devem ser aplicadas as
mesmas normas (ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio), e essa interpretação é reforçada pelo
fato de que – segundo alguns – os encargos pecuniários são acessórios dos tributos. De minha
parte, considero que o ajuste não deve ser feito porque as parcelas relativas aos juros e multas não
são alcançadas pela regra que veda a dedução dos valores aos tributos com suspensão da
exigibilidade.
32.2.7Outros ajustes
Para determinação do lucro da exploração deverão ser considerados outros ajustes, tais
como: (a) o valor realizado decorrente da reserva especial prevista no art. 2º da Lei nº 8.200/91,
que for computada no resultado do exercício e considerada para determinação do lucro real em
razão da realização de bens ou direitos mediante alienação, depreciação, amortização, exaustão
ou baixa a qualquer título; e (b) a parcela do lucro inflacionário apurado na fase pré-operacional,
realizado a partir do período em que o empreendimento instalado na área de atuação das extintas
SUDENE e SUDAM entrar em fase de operação. Essas parcelas se referem a eventuais efeitos de
normas já revogadas que possam ter alguma eficácia residual.
A Lei nº 12.973/14 prevê a exclusão dos valores relativos às subvenções para investimentos;
às doções que sejam recebidas do poder público, e aos ganhos e perdas decorrentes da avaliação
de ativos ou passivos com base no valor justo. Em relação às subvenções para investimento, é
necessário observar o disposto na Lei Complementar nº 160/17, que expandiu o conceito de
subvenções para investimentos. Em qualquer caso, o cômputo desses valores deve ser feito com
base nos valores contábeis, ou seja, a norma incide independentemente da realização econômica
dos ajustes relativos ao reconhecimento do valor justo. Nada é dito a respeito dos ajustes por
imparidade (impairment) que, de certo modo, têm a mesma finalidade das mensurações com base
no valor justo.
32.2.8Despesas não dedutíveis
Desde o seu advento do art. 19 do Decreto-lei nº 1.598/77, vem sendo discutida a questão
do cômputo do valor das despesas não dedutíveis para fins de apuração do lucro da exploração.
Essa interpretação tem sido repelida pela aplicação da premissa segundo a qual o rol das adições
e exclusões contempladas no citado preceito é insuscetível de ampliação em face do disposto no
art. 111 do CTN. Essa diretriz interpretativa tem sido adotada sem vacilação desde o advento do
Parecer Normativo CST nº 13/80, onde encontramos as seguintes afirmações:
“5.3 – A caracterização da despesa como indedutível perante os preceitos da lei
fiscal é fato estranho à composição do lucro da exploração. Assim não fosse, o
legislador teria, na determinação dos ajustes necessários à sua quantificação,
partido não do lucro líquido do exercício, mas do lucro real, com o que a
evidenciaria ser o enfoque tributário um componente do lucro da exploração.
Destarte, uma despesa ou custo contabilizado constitui sempre um valor redutor,
seja na determinação do lucro líquido do exercício, seja na do lucro da exploração.
[...]
8. Conclui-se, deste modo, que os valores adicionados ao lucro líquido do exercício
para determinação do lucro real não podem ser adicionados ao lucro líquido do
exercício para apuração do lucro da exploração, salvo quando tal ajuste seja
expressamente previsto na legislação específica.”
O Parecer Normativo estabeleceu um norte interpretativo que vem, ao longo do tempo,
sendo adotado pela jurisprudência administrativa3 e judicial.4 Esse entendimento tem sido aplicado
com certo automatismo de modo a impedir algum juízo analítico e distintivo acerca do conceito
de “despesas indedutíveis”, cujos valores devem ser adicionados na determinação do lucro real.
Afinal, a legislação tributária coloca no campo significativo do conceito de “despesas não
dedutíveis” parcelas que são assim consideradas em caráter definitivo e também aquelas que têm
a sua dedução diferida para momento posterior à imputação no resultado do período, como é a
maioria das “provisões” que, por essa razão, são rotuladas como adições temporárias.
Ocorre, porém, que modificações legislativas posteriores acabaram por superar a diretriz
interpretativa adotada pelo citado Parecer Normativo CST nº 13/80. De fato, em 1996 foi editada
a Instrução Normativa SRF nº 247, que, no art. 57, trouxe uma versão atualizada do conceito
normativo de lucro da exploração, no qual faz referência explícita aos ajustes relativos aos valores
dos tributos com exigibilidade suspensa que tenham sido imputados ao resultado do período.
Assim, depois do advento da citada Instrução Normativa, passou a ser admitido ajuste de valores
que têm afinidade estrutural e teleológica com as provisões que constituem adições temporárias,
e, deste modo, parece absolutamente razoável considerar que as provisões não dedutíveis devem
ter o mesmo tratamento.
O item VIII do art. 57 da Instrução Normativa nº 267/02, não reproduz o texto de uma lei,
mas isto não significa que tal ato normativo não tenha valor jurídico algum. Essa IN integra o
conceito de “legislação tributária” a que faz referência o art. 96 do CTN, assim redigido:
“Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as
convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem,
no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.”
Visto de um ponto de vista funcional, parece fora de dúvida razoável que o art. 57 da IN é
norma interpretativa acerca do cálculo do lucro da exploração. O advento deste diploma
normativo (a IN) representou o rompimento do modelo de interpretação estrita inaugurado pelo
Parecer Normativo CST nº 13/80, que foi substituído por uma abordagem sistemática acerca dos
efeitos econômicos da vedação da dedução dos tributos para os contribuintes que calculam
incentivos fiscais com base no lucro da exploração. Esse rompimento ocorreu por obra do
legislador-aplicador da Lei que, por intermédio de norma com nítido caráter interpretativo, passou
a admitir os ajustes relativos aos valores correspondentes aos tributos com exigibilidade suspensa
que forem imputados aos resultados, os quais em tudo (na estrutura e nos efeitos) se assemelham
a provisões não dedutíveis.
A respeito da identidade estrutural apontada cabe referir que as autoridades fiscais
consideram que os valores relativos a tributos com exigibilidade suspensão são qualificados como
verdadeiras provisões. De fato, esse é o entendimento da Receita Federal do Brasil, que pode ser
encontrado no PIR 2006 (Perguntas e Respostas: Pessoa Jurídica) divulgado pelo citado órgão na
rede mundial de computadores. Vejamos o que consta da Pergunta nº 222:
“222. O Imposto ou contribuição que o contribuinte esteja discutindo judicialmente
poderá ser considerado como despesa dedutível na determinação do lucro real?
Resposta: Não. Neste caso, os tributos provisionados devem ser escriturados na
parte A do LALUR, como adição ao lucro líquido para fins de apuração do lucro
real, sendo controlados na parte B do mesmo livro até que ocorra o desfecho da
ação...”
Saliente-se que a parcela que for revertida ao resultado, por ter sido adicionada quando de
sua constituição, poderá ser excluída na apuração do lucro real.
Também na jurisprudência do CARF há decisões que afirmam que os valores relativos aos
tributos com exigibilidade suspensa são verdadeiras provisões. Vejamos, a título de exemplo, a
ementa do Acórdão 105-17.358, de 17.12.2008:
“TRIBUTOS COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA – PROVISÕES – Por
configurar uma situação de solução indefinida, que poderá resultar em efeitos
futuros favoráveis ou desfavoráveis à pessoa jurídica, os tributos ou contribuições
cuja exigibilidade estiver suspensa, nos termos do art. 151 do CTN, são
indedutíveis para efeito de determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL,
por traduzir-se em nítido caráter de provisão.”
Como se vê, a opinião das autoridades fiscais é claríssima a respeito da equiparação dos
valores relativos aos tributos com exigibilidade suspensa a provisões. Assim, parece claro que o
direito de acrescer – ao lucro líquido do período – o montante das provisões não dedutíveis para
fins de apuração do lucro da exploração tem supedâneo normativo na regra do item VIII do art.
57 da IN 267/02, e que, por sua vez, é norma interpretativa das regras legais vigentes sobre a
mesma matéria (o cálculo do lucro da exploração). Essas razões jurídicas são suficientes em si
mesmas; todavia, há um argumento adicional que não pode ser desprezado, isto é, a questão deve
ser vista à luz do princípio da equidade.
A ordem jurídica brasileira consagra a equidade como critério jurídico válido para resolução
de problemas interpretativos como são as lacunas existentes no ordenamento jurídico. De fato, de
acordo com o disposto no inciso IV do art. 108 do CTN, na ausência de disposição expressa, a
autoridade competente para aplicar a legislação tributária poderá decidir por equidade, salvo para
determinar a dispensa de tributo devido.
A aplicação do argumento da equidade não conflita com a regra do art. 111 do CTN. Afinal,
há algum tempo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – em diversos julgados – passou
a admitir uma interpretação mais flexível para a regra do art. 111 do CTN, para dizer que referida
regra não exclui valorações de caráter sistemático e teleológico das normas sobre incentivos
fiscais. A título de exemplo há a decisão proferida em 6 de abril de 2010, quando da apreciação
do Recurso Especial nº 1.125.064 – DF, pela 2ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
a Ministra relatora Eliana Calmon proferiu a seguinte lição acerca da correta exegese do preceito
do art. 111 do CTN:
“O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar
o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister
de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada
ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico,
os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas.
(REsp 192531⁄RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA
TURMA, julgado em 17⁄02⁄2005, DJ 16⁄05⁄2005 p. 275).”
Na ementa oficial do acórdão proferido no julgamento acima está dito:
“4. É firme o entendimento do STJ, no sentido de que a busca do real significado,
sentido e alcance de benefício fiscal não caracteriza ofensa ao art. 111 do CTN.”
A decisão do STJ acima referida (assim como os vários precedentes nela mencionado) está
em linha com a boa doutrina que rechaça a validade da denominada “interpretação literal”.
Vejamos a doutrina de Hugo de Brito Machado:5
“O elemento literal, embora indispensável, quando utilizado isoladamente pode
levar a verdadeiros absurdos. O significado das palavras em geral é impreciso, seja
por vaguidade, nos casos em que não se tem como definir as fronteiras do conceito,
seja por ambiguidade, nos casos em que o conceito se aplica a duas ou mais
realidades distintas. Daí a necessidade que sempre tem o intérprete das normas
jurídicas de utilizar também outros métodos ou elementos de interpretação.”
Em igual sentido é lição de Tércio Sampaio Ferraz Junior,6 que observa que a denominada
interpretação literal é algo ilusório:
“Durante muito tempo, e ainda hoje, disputa-se sobre a legitimidade de uma
hermenêutica que, ao debruçar-se sobre o texto, busca seu sentido literal. No
entanto, a simples observação da oscilação mencionada já mostra que a
interpretação literal, que se pretende capaz de esgotar eventualmente o sentido do
texto, é ilusória.
[...]
A interpretação gramatical é, na verdade, apenas um ponto de partida, e nunca o
fim do processo.”
Discorrendo acerca da interpretação e aplicação da regra do art. 111 do CTN, o professor
Luciano da Silva Amaro7 tem posição similar à adotada pelo STJ quando afirma:
“Não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas, não
pode o intérprete abandonar a preocupação com a exegese lógica, teleológica,
histórica e sistemática dos preceitos legais que versam sobre a matéria em causa.”
Convém advertir, no entanto, que em diversas outras decisões o STJ deu ao art. 111 do CTN
uma interpretação estrita. É o que ocorreu, por exemplo, quando do julgamento do ocorrido em
10.02.2010, do AgRg nos EREsp 272671, em cuja ementa se lê:
“3. Não é possível estender, por analogia, a benesse à agravante, ante a expressa
vedação constante no art. 111, inciso II, do CTN, o qual determina a interpretação
literal das normas legais que disponham sobre isenção.”
Decisões como essas parecem partir de um pressuposto de que as isenções são “benesses”;
ocorre, porém, que essa caracterização não pode ser considerada válida nos casos de isenções
onerosas porque o benefício em que consiste a redução da carga tributária – está atrelado
(condicionado) à realização de vultosos investimentos para manutenção de uma empresa
produtiva geradora de riqueza para o Estado (para as três esferas de governo) e o oferecimento de
emprego e renda e o desenvolvimento de outras empresas fornecedoras e clientes, de modo que
não há, em tais circunstâncias, o ânimo de conceder privilégios em caráter geral. A propósito,
cabe referir que o Supremo Tribunal – STF, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº
109.828-7, decidiu que, em se tratando de isenção concedida por lei no interesse nacional, é
admissível a interpretação extensiva. Portanto, também no âmbito da Suprema Corte a rigidez do
art. 111 do CTN foi atenuada para considerar a existência de outros interesses em jogo.
Pois bem, no caso presente a IN tratou de uma espécie de provisão não dedutível (a relativa
aos tributos com exigibilidade suspensa) sem excluir as demais, e, deste modo, quis contemplar
as demais provisões a menos que fizesse ressalva expressa. Assim, parece claro que o juízo de
equidade já foi feito pelo Poder Executivo ao editar a IN 267/02. Não se trata aqui de postular a
aplicação da equidade por parte da autoridade judicial que está impedida de criar isenções não
previstas em lei – isto é, não está autorizada a agir como “legislador positivo”. Não se trata, por
outro lado, de predicar a criação de uma regra normativa inexistente – por raciocínio analógico
ou de qualquer modo extensivo –, afinal, a regra já existe e está em pleno vigor. Logo, o raciocínio
por equidade aqui cogitado apenas visa a legitimar o ato normativo (a IN) como norma vigente e
eficaz e que satisfaz plenamente às exigências do princípio da legalidade tributária.
32.3FORMA DE CÁLCULO DO LUCRO DA EXPLORAÇÃO
O cálculo do lucro da exploração por empresa que tenha o total do resultado de suas
operações decorrentes de atividades incentivadas não oferece dificuldades. Todavia, quando se
misturam, numa mesma pessoa jurídica, atividades que são incentivadas (existem também
incentivos diferentes, como os de isenção e de redução), podem surgir diversas questões sobre o
cálculo do lucro da exploração.
As questões surgem porque, via de regra, as parcelas que devem ajustar o lucro líquido para
se determinar o lucro real podem não ser facilmente fragmentadas e segregadas. Tomemos como
exemplo o caso das receitas e despesas financeiras, que são decorrentes de aplicações financeiras
ou empréstimos que são gerados ou beneficiam atividades incentivadas e não incentivadas, afinal,
como se diz, “dinheiro não tem carimbo”. Em tais casos, a legislação não oferece parâmetros para
eliminar as eventuais distorções que possam ocorrer. E quanto ao capital social, quanto pertence
e quanto cabe à outra atividade?
As autoridades fiscais, por intermédio do Parecer Normativo CST nº 49/79, esclarecem que,
nos casos em que o sistema de contabilidade da empresa não ofereça condições para apurar o
lucro da exploração resultante de cada atividade incentivada, este deverá ser apurado por critério
de estimativa, adotando-se como parâmetro o percentual que a receita líquida de cada atividade
incentivada representa do total da receita líquida da empresa no período.
O cálculo sugerido é relativamente simples. Em primeiro lugar, apanha-se o valor da receita
líquida da atividade incentivada (há necessidade de segregação por espécie de incentivo) e esse
valor é multiplicado por 100 (cem) e o produto é dividido pelo valor da receita líquida total. Dessa
operação encontra-se um percentual que deve ser aplicado pelo lucro da exploração total para
determinar a parcela deste que corresponde àquela dada atividade incentivada ou espécie de
incentivo.
Essa sistemática de cálculo, por ser arbitrária, potencializa os problemas da arbitrariedade
do próprio lucro da exploração. De fato, adotar o porcentual da receita líquida para determinar a
base de cálculo do incentivo pode criar distorções de diversas ordens. Imagine-se, por exemplo,
o caso de uma empresa que fabrica dois tipos de produtos – sendo que para apenas um goza de
incentivos calculados com base no lucro da exploração – e imagine-se que cada produto contribui
com 50% do valor da receita líquida total, mas que apenas um deles é lucrativo, ou que há entre
eles diferenças significativas de margens de lucros. Nesse singelo exemplo, é fácil visualizar as
distorções. Para complicar, adicione-se a esses fatos o problema das receitas e despesas
financeiras, que foi antes referido.
Relembre-se de que o Parecer Normativo CST nº 49/79 esclarece que a adoção desse critério
de estimativa só tem lugar quando o sistema de contabilidade não é capaz de conduzir à apuração
do lucro da exploração da atividade incentivada. Já vimos que isso é praticamente impossível.
Portanto, as pessoas jurídicas que apuram incentivos calculados com base no lucro da exploração
e que tiverem problemas como os referidos devem pensar seriamente em separar, em empresas
distintas, as atividades.
32.3.1Transferência de produtos para estabelecimentos fora
da área de incentivo
A forma de cálculo do incentivo fiscal é objeto de algumas disputas entre os contribuintes e
as autoridades fiscais. Há um antigo caso em que existe tensão entre essas partes.
O problema atinge as empresas industriais com estabelecimentos localizados na área de
jurisdição da extinta SUDAM que transferem mercadorias para filiais fora da região, pois a
Receita Federal entende que as empresas que operam dessa maneira não podem usufruir
integralmente dos incentivos fiscais previstos em lei.
Por intermédio da Decisão nº 8, de 11 de maio de 1998, cuja ementa está publicada no Diário
Oficial da União de 5 de junho de 1998, a Divisão de Tributação da Superintendência Regional
da Secretaria da Receita Federal da 2ª Região Fiscal sustenta que, para fins de cálculo do benefício
fiscal de isenção ou redução do imposto, na transferência de produtos de estabelecimentos
localizados na área em que são concedidos incentivos para outros estabelecimentos localizados
fora daquela área, o contribuinte deve atribuir um valor comercial aos mesmos.
Segundo aquele ato normativo, esse valor comercial deveria ser calculado, por analogia,
tomando por base as regras relativas ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Na prática,
essa decisão acaba por tratar as operações de simples transferências de mercadorias como uma
espécie de “compra e venda” que seria celebrada, por ficção, entre um estabelecimento e outro da
mesma empresa. Ora, isso significa que o incentivo fiscal seria reduzido em 30%.
Essa decisão não é novidade, porque existem Pareceres Normativos, que não foram
publicados, que estampam, há quase duas décadas, esse mesmo entendimento. Ocorre, todavia,
que o referido ato normativo não possui fundamento de validade em lei, isto é, não existe
dispositivo de lei que determine essa forma de calcular o incentivo. Portanto, em face dos
princípios constitucionais da legalidade e capacidade contributiva, fica claro que esse
entendimento fiscal é totalmente desprovido de validade.
32.3.2Modernização e ampliação
Sobre o cálculo dos incentivos fiscais relativos à isenção e redução do imposto para
empresas localizadas na área das extintas SUDENE e SUDAM, existe também o Parecer
Normativo CST nº 36/87. Aquele Parecer Normativo examina o caso em que a empresa já é
detentora de incentivos fiscais de isenção ou redução do imposto e tem aprovado projetos de
modernização, ampliação ou diversificação.
Nesses casos, é possível que ocorram pelo menos duas hipóteses. A produção, no período-
base, é inferior ou superior à capacidade prevista para as instalações originais. No primeiro caso,
afirma o Parecer, toda receita corresponderá às instalações originais; no segundo, a receita líquida
atribuível às instalações originais será igual à soma dos valores resultantes da multiplicação do
preço médio de venda de cada produto, durante o perío-do-base, pela quantidade deste que
corresponder à capacidade de produção dessas instalações. O valor da receita gerada pelo
empreendimento que vier a exceder ao valor assim apurado será atribuído às instalações novas do
projeto. Para esse fim, segundo esclarece o referido Parecer Normativo, o preço médio de venda
será igual ao quociente da divisão do total da receita líquida de venda de cada produto pela
respectiva quantidade vendida.
Esse critério da apuração do lucro da exploração, em tais circunstâncias, à primeira vista,
parece razoável, a despeito de determinar o cálculo com base em valores e quantidades vendidas,
quando o incentivo é dado para incremento da produção. Portanto, a existência de estoques de
produtos não vendidos, ao fim do período-base, pode distorcer o cálculo do incentivo.
Há que se registrar que o Conselho de Contribuintes, no Acórdão nº 101.92.400, decidiu que
“não se constitui em violação ao CTN (art. 111), nem ao ato isencional, a fabricação e a
comercialização de produtos fabricados em quantidade superior à estimada no projeto de isenção
aprovado pela SUDENE, dado que o verdadeiro sentido do favor fiscal é promover o
desenvolvimento econômico e social da região”. A ementa desse acórdão foi publicada no Diário
Oficial da União, Seção 2, de 8 de outubro de 1999, na p. 5.
32.4PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
As regras que dispõem sobre os preços de transferências visam, em princípio, estabelecer
critérios para determinação de ajustes que devem ser feitos para fins de determinação da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL; nada é dito a respeito do cálculo do lucro da exploração.
A Secretaria da Receita Federal passou a admitir a adição, ao valor do lucro líquido, do
montante das receitas de exportação determinadas segundo os métodos de apuração do valor
tributável de tais receitas, de acordo com as regras que dispõem sobre “preços de transferência”.
O parágrafo único do art. 28 da IN 1.312/12 é claro ao dispor que: “no cálculo do lucro da
exploração, a parcela a ser adicionada deverá ser computada no valor das respectivas receitas,
incentivadas ou não”. A norma diz apenas que o ajuste será agregado ao valor das receitas que
sejam ou não incentivadas para fins de determinação do valor do benefício fiscal, e, portanto, não
diz que o valor deverá ser ajustado para fins de cálculo do lucro da exploração. Logo, se as
exportações que deram origem ao ajuste do “preço de transferência” forem incentivadas, o valor
daquele ajuste comporá o montante das receitas para fins de apuração do incentivo fiscal. Por
falta de norma, nenhuma providência é exigida em relação aos valores relativos aos ajustes dos
juros ativos e passivos determinados de acordo com as regras sobre preços de transferências.
1Recurso nº 126.155 (acórdão nº 108-06.604, de 26.7.01) e Recurso nº 123.599 (acórdão nº
203-09.674, de 7.7.04).
2Acórdão do CARF nº 2401-01.504 (recurso nº 158.977, de 1º de dezembro de 2010).
3A 5ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, no ACÓRDÃO 105-16.763, julgado em
07.11.2007, decidiu: “ISENÇÃO – ALCANCE DO BENEFÍCIO – A isenção refere-se ao
imposto e adicionais não restituíveis incidentes sobre o lucro da exploração. Não alcança
parcelas do tributo calculado em função de custos/despesas indedutíveis ou de receitas
omitidas, porque tais parcelas adicionadas ao lucro líquido para determinação do lucro real não
podem afetar o lucro da exploração, salvo quando se tratar de ajuste expressamente previsto na
legislação”.
4A 1ª Turma do STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 92.738-CE, ocorrido em
15.09.97, decidiu negar o ajuste, para fins de cálculo do lucro da exploração, de parcela não
dedutível na determinação do lucro real relativa a remuneração paga a administradores da
pessoa jurídica. No voto do Relator há o seguinte trecho: “Outrossim, averba-se que o lucro da
exploração, útil à base de cálculo nas isenções e exclusões deferidas às pessoas jurídicas pelo
exercício de certas atividades, deve ser constituído nos restritos lindes definidos em lei,
inadmitindo compreensão extensiva”.
5MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003,
p. 96.
6FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A função social da dogmática jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1980, p. 151.
7AMARO, Luciano da Silva. Direito tributário brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
222.
33.1FUNDAMENTO DA COMPENSAÇÃO DOS PREJUÍZOS FISCAIS
Para Rubens Gomes de Sousa,1 o sistema de compensação de prejuízos fiscais, na lei
tributária norte-americana, decorre do “reconhecimento das inadequações que podem resultar da
aplicação rígida de um método anual de contabilidade fiscal. Ele não elimina totalmente os
desequilíbrios da tributação de contribuintes, cujos lucros sejam essencialmente flutuantes; mas
permite, dentro de certos limites, equilibrar os períodos negativos com os positivos”.
Para o consagrado tributarista Henry Tilbery, a compensação de prejuízos entre períodos
decorre da necessidade de se considerar a realidade das empresas, que se organizam para
funcionar continuamente e permitir que a tributação se faça a partir de um nivelamento dos
resultados. Escreve o jurista: “a compensação dos prejuízos entre períodos representa um
reconhecimento do fato de ser a vida da empresa contínua e é um procedimento que, na realidade,
faz o imposto incidir sobre um resultado nivelado por maior número de anos. Isto é importante,
quando o sistema de tributação trata o período-base como unidade estanque (self-contained
period)”.2
A autorização legal para que os contribuintes do Imposto de Renda calculassem o imposto
abatendo, na determinação de sua base de cálculo, o valor dos prejuízos apurados em períodos-
base anteriores foi introduzida no ordenamento jurídico pela Lei nº 154/47. Segundo a referida
lei, o prejuízo apurado num período-base poderia ser utilizado para compensação total ou parcial
dos lucros reais apurados nos três períodos-base subsequentes. Por essa sistemática, a
compensação era feita na escrituração contábil e pelo valor contábil dos prejuízos apurados, mas
ficava condicionada à inexistência de reservas de lucros e lucros acumulados.
O Decreto-lei nº 1.493/76, mantendo o sistema de compensação na escrita comercial,
determinou que o valor do prejuízo contábil fosse diminuído dos custos, despesas operacionais e
encargos, considerados não dedutíveis. Permitiu ainda o referido Decreto-lei que o prejuízo
apurado em determinado período pudesse vir a ser compensado com os lucros apurados dentro
dos quatro períodos-base subsequentes.
O Decreto-lei nº 1.598/77 reformulou inteiramente a matéria, ao determinar que o prejuízo
fiscal compensável é o apurado na demonstração do lucro real e registrado no Livro de Apuração
do Lucro Real. Com isso, substituiu o sistema de compensação contábil dos prejuízos pela
sistemática de compensação com base em valores apurados e registrados na escrituração fiscal do
contribuinte, mas manteve o prazo de compensação dentro dos quatro períodos-base
subsequentes. O Decreto-lei nº 2.341/87 introduziu diversas e importantes modificações na
matéria ao prescrever que o contribuinte que tivesse apurado prejuízo fiscal em determinado
período-base ficaria impedido de efetuar a compensação se, entre a data da geração e da
compensação dos prejuízos fiscais, houvesse a modificação cumulativa do ramo de atividade e
do controle societário da pessoa jurídica que apurou os prejuízos fiscais.
A Lei nº 8.383/91, que, dentre outras disposições, modificou o período-base de apuração do
Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, tratou da compensação de prejuízos fiscais,
determinando que o prejuízo apurado em um mês poderá ser compensado com o lucro real dos
meses subsequentes. A referida lei eliminou o prazo máximo para compensação dos prejuízos
fiscais, estendendo a todas as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real o tratamento
inaugurado pela Lei nº 8.023/91, que dispõe sobre o regime de tributação dos resultados da
exploração da atividade agrícola e pastoril.
A Lei nº 8.383/91, contudo, nada dispôs sobre o regime legal a que deveriam se submeter
os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1991, que, tendo sido gerados sob a égide da
legislação que impunha prazos e condições para que se efetivasse a compensação, poderão vir a
ser compensados sob o regime jurídico da nova lei. Depois disso, foram feitas modificações pelas
Leis nos 8.981/95 e 9.065/95, que inovaram dramaticamente ao prescreverem a limitação da
compensação do valor dos prejuízos a 30% do valor do lucro real apurado antes dessa
compensação.
33.2VALIDADE CONSTITUCIONAL DA LIMITAÇÃO
Como visto, a partir do encerramento do ano-calendário de 1995, poderá ser compensado
cumulativamente com os prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, desde que
observado o limite máximo para compensação, estipulado em 30% do referido lucro líquido
ajustado.
Essa limitação da compensação dos prejuízos ofende a Constituição Federal porque
desnatura o conceito constitucional de Imposto de Renda e impõe verdadeiro
empréstimo compulsório sem observância dos requisitos previstos na Carta Magna. Na arguta
doutrina do Prof. Paulo de Barros Carvalho,3 o prejuízo fiscal é “categoria fática, compositiva do
‘auferir renda’, núcleo de incidência do imposto de competência da União”. Ora, se o prejuízo
integra a norma que determina a obrigação de pagar o Imposto de Renda, porque faz parte da
compostura do acréscimo patrimonial que pode ser alcançado pela tributação, não há como
fragmentar essa mesma norma, isolando algo que, por natureza, é inseparável. É claro que o
direito cria suas próprias realidades, e, em certas circunstâncias, pode separar, no plano
normativo, fatos e relações unívocas, mas, no caso, isso não é possível de ser feito sem ofensa à
Constituição Federal.
Os problemas acerca da invalidade constitucional da lei que estipulou a limitação são
diferentes em relação ao “estoque de prejuízos” existente em 31 de dezembro de 1994, e aqueles
foram gerados posteriormente. Em relação aos primeiros, há o fato de que eles foram gerados
antes do advento da lei; logo, a limitação posterior representa evidente ofensa ao ato jurídico
perfeito; a lei é, nesses casos, francamente retroativa e contrária ao princípio da segurança
jurídica.
A natureza jurídica dos prejuízos fiscais foi discutida em julgamento ocorrido no Supremo
Tribunal Federal quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 344.994-0. Na ocasião,
aquele Tribunal entendeu que os prejuízos fiscais não passam de simples benefícios fiscais
atribuídos pela Lei, e, desse modo, cabe a ela (à lei) definir os termos da fruição, e, por isso,
considerou que a limitação do valor compensável em cada período não ofende a ordem
constitucional. Essa decisão foi contestada com vigor pela doutrina.4
33.3LIMITE LEGAL PARA COMPENSAÇÃO
De acordo com o art. 510 do RIR/99, o valor do prejuízo fiscal apurado a partir do
encerramento do ano-calendário de 1995 poderá ser compensado, cumulativamente com os
prejuízos fiscais apurados até 31 de dezembro de 1994, com o lucro líquido ajustado pelas adições
e exclusões previstas em lei, observado o limite máximo, para compensação, de 30% do referido
lucro líquido ajustado. Esse regime legal deveria ser aplicado aos prejuízos fiscais gerados antes
do advento da lei que o instituiu, em flagrante ofensa ao ato jurídico perfeito.
O limite de 30% não é aplicável ao prejuízo e sim ao lucro real, de modo que é possível que
o valor do prejuízo fiscal acumulado venha a ser integralmente compensado num só período.
Basta que o lucro real, antes dessa compensação, seja de valor próximo a três vezes o valor dos
prejuízos fiscais acumulados. É de se salientar que o limite referido não se aplica aos prejuízos
gerados por empresas que gozam de incentivos do BEFIEX, na forma do art. 470 do RIR/99.
Escudados ou não em medidas judiciais, muitos contribuintes deixaram de observar o limite
de 30%, estipulado pela lei, e foram autuados. Ocorre que a fiscalização sempre entendeu que a
falta de observância da trava implicaria “redução indevida” do lucro real, quando tal infração
constitui mera inobservância do período de competência.
Em tal caso, há simples postergação do recolhimento do IRPJ se nos períodos subsequentes
o sujeito passivo apura lucro real. Pois bem, os procedimentos fiscais a serem adotados nos casos
de postergação no reconhecimento de receita, custo, despesa ou dedução estão claramente
expostos no Parecer Normativo COSIT nº 2/96, o qual vem sendo aplicado nestas situações pelo
Conselho de Contribuintes. Assim, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, quando
do julgamento do Recurso nº 108-129297 (Acórdão CSRF/01-04.584), decidiu que: “admitida a
constitucionalidade da trava de prejuízos fiscais, a implementação da trava não pode gerar
hipótese de falta de recolhimento do imposto, mas sim hipótese de postergação quando o sujeito
passivo demonstradamente comprova o pagamento de tributo em exercícios subsequentes,
achando-se a matéria tributável assim mal conformada à situação fática em desrespeito ao
princípio da verdade material”.
Também a 1ª Turma do 1º Conselho, igualmente, já decidiu sobre a aplicação dos critérios
previstos no Parecer Normativo nº 2/96, quando do julgamento do Recurso nº 125.645, em agosto
de 2003, ao decidir que “o lançamento de ofício para exigir IRPJ devido em razão da
inobservância da trava de 30% na redução do lucro real mediante compensação de prejuízos deve,
sob pena de cancelamento, observar os efeitos da postergação, na forma estabelecida pelo Parecer
Normativo COSIT nº 02/96”. Em igual sentido, em sessão de 21 de agosto de 2002, quando do
julgamento do Recurso nº 129.296 (Acórdão nº 101-93.917), ficou decidido que, “na glosa do
valor do que 30%, de prejuízo ou base negativa, num determinado período, após os períodos
seguintes em que aconteceram pagamentos das exações em valores maiores do que a glosa, deve
o fisco considerar a ocorrência de postergação, com aplicação do fixado nos arts. 193 e 219 do
RIR/94 e ainda o PN 02/96”.
Assim, ao não observar o mandamento contido na lei e devidamente explicitado no Parecer
COSIT nº 2/96, todas as autuações fiscais violaram a lei, razão pela qual o Conselho de
Contribuintes tem decidido dessa forma. Essa orientação é correta porquanto o Parecer nº 2/96
fundamenta-se no pressuposto de que a compensação de prejuízos fiscais é mera postergação no
pagamento do imposto devido pelo contribuinte, e não ausência de recolhimento do imposto. Isso
se explica na medida em que a compensação do prejuízo fiscal apenas difere do pagamento do
imposto para um momento futuro. Assim sendo, a questão se situa no aspecto temporal do
pagamento do IRPJ e da CSLL, e não na ausência de recolhimentos dos mesmos. Vale dizer, se
determinado contribuinte compensou a totalidade de seus prejuízos fiscais num só exercício (sem
a observância do limite de 30%), parece fora de dúvida razoável que, nos exercícios seguintes,
ele pagará imposto sobre o lucro real integral, sem qualquer dedução a título de prejuízos fiscais.
Esse fato deve ser observado inclusive pelos contribuintes que ajuizaram ações judiciais
contestando a validade da lei que impôs a limitação e que foram declarados vencidos. Mesmo
esses contribuintes têm o direito de aplicar a regra da postergação, vale dizer, podem recompor
os lucros reais de anos subsequentes para efetuar os ajustes inerentes à postergação. Em certas
circunstâncias, o ajuste deverá ser feito pelo valor atualizado pelos juros SELIC; de fato, quando
comprovado que o sujeito passivo pagou tributo a maior do que seria devido se tivesse feito a
compensação, deve ele ser ressarcido pelo valor equivalente ao que teria direito a repetir.
Nos casos de lançamentos fiscais, caberá às autoridades fiscais proceder aos devidos ajustes,
na forma explanada no Parecer COSIT nº 2/96. A falta de observância desse procedimento implica
nulidade material do auto de infração. Afinal, o trabalho da autoridade fiscal é de reconstrução de
dados apurados pelos contribuintes e da aplicação da lei ao fato concreto. Se durante o
procedimento de auditoria a autoridade constata a existência de prejuízos fiscais, registrados ou
não, deve tomá-los em conta, como, aliás, é a caudalosa jurisprudência do Conselho de
Contribuintes. De fato, conforme decidiu a 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, “a ação
fiscal deve levar em conta, ao proceder o lançamento de ofício, os prejuízos declarados pelo
contribuinte, compensando-os. A compensação independe de opção na declaração de
rendimentos”.5
33.4REGRAS PARA COMPENSAÇÃO DOS PREJUÍZOS FISCAIS
Em linhas gerais, prejuízo fiscal é o valor negativo do lucro real. O prejuízo compensável é
o apurado na demonstração do lucro real e registrado no LALUR. A compensação poderá ser total
ou parcial, em um ou mais períodos de apuração, à opção do contribuinte, observado o limite
previsto no art. 510 do RIR/99. Quando do julgamento do Recurso Extraordinário 807.062, o STF
decidiu ser indevida a atualização monetária dos prejuízos fiscais acumulados em razão da falta
de autorização legal.
De outro lado, a absorção, mediante débito à conta de lucros acumulados, ou de reservas de
lucros ou capital, ou ao capital social, ou, ainda, à conta de sócios, matriz ou titular de empresa
individual, de prejuízos contábeis apurados na escrituração comercial do contribuinte, não
prejudica o direito à compensação dos prejuízos fiscais. É o que a respeito dispõe o § 3º do art.
64 do Decreto-lei nº 1.598/77, que é a matriz legal do § 2º do art. 509 do RIR/99.
No regime da Lei nº 6.404/76, a absorção de prejuízos contábeis pode ser feita de pelo menos
três maneiras, mas nenhuma delas prejudica o direito à compensação dos prejuízos fiscais
controlados na Parte B do LALUR. A primeira está prevista no caput do art. 189, que dispõe que
“do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos
acumulados”, enquanto o parágrafo único determina que “o prejuízo do exercício será
obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal,
nessa ordem”. O art. 200 da mesma lei permite que o valor das Reservas de Capital seja utilizado
para “absorção de prejuízos que ultrapassem os lucros acumulados e as reservas de lucros”.
Se as parcelas relativas a reservas e lucros acumulados não forem suficientes para absorver
o valor dos prejuízos acumulados, existem mais duas opções. A primeira é a redução do capital
social até o montante daqueles prejuízos, na forma do caput do art. 3º da Lei nº 6.404/76 e do
inciso I do art. 1.082 do Código Civil de 2002. A outra forma, prevista no texto do § 2º do art.
509 do RIR/99, não é feita com reservas ou lucros, mas mediante débito ou à conta de sócios,
matriz ou titular de empresa individual. De acordo com o Parecer Normativo CST nº 4/81:
“o débito à conta dos sócios tem por função precípua a manutenção da integridade
do capital social, que se encontra desfalcado pela ocorrência do prejuízo, assim, ao
fazer-se a absorção deste, em valor igual ao crédito de que o sócio da conta debitada
seja titular, ter-se-á como regular e amoldada à técnica contábil a eliminação da
referida parcela redutora do patrimônio líquido porque equivale a um aporte de
capital.”
Muito bem, no pressuposto de que o prejuízo contábil não se confunde com o prejuízo fiscal
é que deve ser entendida a regra do § 2º do art. 509 do RIR/99. Assim, mesmo que os prejuízos
contábeis tenham desaparecido da contabilidade, por qualquer um dos meios analisados,
permanece o direito à compensação de prejuízos fiscais, que pode ou não ter correspondência, em
termos de valor, com o prejuízo contábil.
33.5PREJUÍZOS NÃO OPERACIONAIS
De acordo com o art. 511 do RIR/99, que tem como matriz legal o art. 31 da Lei nº 9.249/95,
o valor dos prejuízos não operacionais, apurados pelas pessoas jurídicas, a partir de 1º de janeiro
de 1996, somente poderá ser compensado com lucros da mesma natureza, isto é, com ganhos de
capital, observado o limite de 30% antes mencionado. O caput do art. 511 do RIR/99, que tem a
seguinte redação:
“Art. 511. Os prejuízos não operacionais, apurados pelas pessoas jurídicas, a partir
de 1º de janeiro de 1996, somente poderão ser compensados com lucros da mesma
natureza, observado o limite previsto no caput do art. 510 (Lei nº 9.249, de 1995,
art. 31).”
O § 1º do art. 511, acima transcrito, reduziu o campo de aplicação da norma que passou a
abranger unicamente os resultados “decorrentes da alienação de bens ou direitos do Ativo
Permanente”. Vejamos:
“§ 1º Consideram-se não operacionais os resultados decorrentes da alienação de
bens ou direitos do Ativo Permanente.”
Em igual sentido, o enunciado do § 1º do art. 36 da Instrução Normativa SRF nº 11, de 21
de fevereiro de 1996, dispõe:
“§ 1º Consideram-se não operacionais os resultados decorrentes da alienação de
bens ou direitos do Ativo Permanente.”
Os preceitos transcritos são claros: para esse fim somente são considerados não operacionais
os resultados decorrentes da alienação de bens; portanto, em face dessas duas regras, o regime
especial de compensação dos prejuízos gerados por perdas de capital não é aplicável quando tais
prejuízos tenham origem em perdas decorrentes de todas as outras operações referidas no art. 418
do RIR99, que não a alienação, ou seja: (a) desapropriação; (b) baixa por perecimento, extinção,
desgaste, obsolescência ou exaustão, ou (c) na liquidação de bens.
Como já foi dito, para essa espécie de prejuízo fiscal também é aplicável a regra da limitação
do valor compensável a 30% do valor do lucro líquido ajustado. Isto é, o limite a compensar é
apurado a partir do lucro líquido ajustado, e não sobre o valor do ganho de capital com o qual
poderá ser compensado.
Há que se ter presente que a lei impõe esse requisito para compensação de prejuízos gerados
por perdas de capital, unicamente para aquelas geradas a partir de 1º de janeiro de 1996, o que
significa dizer que perdas anteriores que tiverem sido diferidas (é o caso, por exemplo, da perda
de capital na incorporação de coligada ou controlada, de que trata o art. do RIR/99) não se
submetem a esse regime, sob pena de retroatividade da lei.
Aqui surge a dúvida sobre ser lícito ao contribuinte transferir do Ativo Permanente para o
Ativo Realizável um bem de seu uso constante, que decida alienar. Se isso ocorrer, as eventuais
perdas de capital não se transformam em “prejuízos não operacionais”, mas em prejuízos comuns.
Essa conduta não é proibida e pode ser livremente adotada porque apoiada em bons argumentos
técnicos. De fato, de acordo com os critérios de avaliação de ativos definidos no art. 183 da Lei
nº 6.404/76, os bens destinados à manutenção da fonte produtora dos rendimentos são
classificáveis no Ativo Imobilizado enquanto estão aptos a desempenhar essa função institucional.
Se, por qualquer razão, esse bem deixa de ter essa finalidade, torna-se necessária a reclassificação
contábil, para o Ativo Realizável em Longo Prazo ou Circulante. No passado, a simples
transferência de um para outro grupo contábil era motivo determinante da realização da Reserva
de Reavaliação (vide alínea d do item II do art. 383 do RIR/94), mas essa regra foi revogada pelo
art. 87 da Lei nº 9.430/96. Essa revogação da regra que determinava a realização da reserva em
tais circunstâncias não abrange, pois, a revogação da própria possibilidade daquela transferência.
33.6PREJUÍZO FISCAL APURADO NA ATIVIDADE RURAL
De acordo com o art. 512 do RIR/99, o valor do prejuízo apurado pela pessoa jurídica que
explorar atividade rural poderá ser compensado com o resultado positivo obtido em períodos de
apuração posteriores sem qualquer limitação. Esse preceptivo tem por matriz legal o art. 14 da
Lei nº 8.023/90.
A lei não esclarece se o prejuízo compensável nesses termos é o que decorre exclusivamente
da exploração das atividades rurais, ou se essa regra pode ser estendida a todo e qualquer prejuízo,
bastando que tenha sido apurado por empresa que simplesmente explore atividade rural, ainda
que decorram da exploração de outra atividade. A regra da limitação da compensação do valor do
prejuízo a 30% do lucro líquido ajustado é restritiva e, portanto, deve ser interpretada estritamente,
o que autoriza a conclusão de que o prejuízo compensável sem aquela limitação é todo e qualquer
prejuízo apurado por empresa que explorar a atividade rural.
33.7MUDANÇA DE CONTROLE SOCIETÁRIO E RAMO DE
ATIVIDADE
De acordo com o art. 513 do RIR/99, a pessoa jurídica não poderá compensar seus próprios
prejuízos fiscais se entre a data da apuração e da compensação houver ocorrido, cumulativamente,
modificação de seu controle societário e do ramo de atividade. A referida regra tem por matriz
legal o art. 32 do Decreto-lei nº 2.341, de 29 de junho de 1987. Os prejuízos não operacionais não
estão sujeitos a essas restrições.
Para que a pessoa jurídica perca o direito de compensar os seus próprios prejuízos é
necessário que ocorram duas espécies de mudança: do controle da sociedade e do ramo de
atividade. Embora essa vedação requeira que a ocorrência das referidas condições seja
cumulativa, não é necessário que ambas ocorram ao mesmo tempo. O lapso temporal para a
ocorrência das duas condições vai desde a data da geração do prejuízo fiscal até o momento de
sua compensação.
(a)Mudança de controle
Em direito a palavra “controle” designa uma espécie de manifestação de poder de fazer
prevalecer pontos de vistas ou decisões políticas. Nas sociedades empresárias a identificação da
pessoa (ou grupo de pessoas) que exerce o controle é imediatamente verificável pela contagem
do número de ações com direito a voto; assim, será controlador o acionista (ou grupo de
acionistas) que detiver a maioria das ações com direito a voto. Todavia, o controle de sociedade
empresária pode coincidir ou não com o controle societário que é baseado no princípio da maioria,
de modo que o referido controle pode ser obtido por via societária ou por via contratual ou
gerencial, no âmbito do denominada “influência dominante ou significativa”. Na lei societária o
controle é definido no caput do art. 116 da Lei nº 6.404/76, assim redigido:
“Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o
grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria
dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos
administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o
funcionamento dos órgãos da companhia.”
O caput do preceito diz, textualmente, que acionista controlador é uma pessoa
individualmente considerada (pessoa física ou jurídica) ou um grupo de pessoas que estejam
submetidas a um controle comum ou que estejam vinculadas entre si por acordo de voto. A Lei,
neste particular, cria uma espécie de ficção haja vista que converte um grupo de pessoas em uma
unidade de modo que as pessoas que formam o grupo exercem individualmente os direitos e
cumprem os deveres que lhes são próprios no interesse do grupo no qual estão agrupados os seus
próprios interesses. Assim sendo, para que ocorra a incidência da norma que determina a perda
do direito à compensação dos prejuízos é necessária a mudança do controle societário, assim
considerada a que decorrer de qualquer negócio jurídico pelo qual uma pessoa (ou grupo)
transfere a maioria das ações para outra pessoa ou outro grupo, que passa a ter o domínio sobre a
empresa explorada pela sociedade.6 A transferência pode ocorrer em bloco ou em operações
fragmentárias.
A lei tributária é omissa em determinar qual o tipo de controle transferido – se direito ou
indireto – constitui fato idôneo para a incidência da norma restritiva do direito à compensação, e,
ademais, nada diz a respeito do denominado “controle de fato”, que coincide com a ideia
de influência significativa, ao qual faz referência o art. 243 da Lei nº 6.404/76. . Na mudança
direta de controle tudo se passa no quadro social e nas estruturas de poder da própria sociedade
(pessoa jurídica); todavia, para haver mudança de controle é necessário que o poder “mude de
mãos”.7 Na mudança indireta de controle o quadro acionário da sociedade não muda, de modo
que a transferência do controle se dá seio da sociedade controladora direta ou indireta.
Para resolver essa lacuna duas soluções são possíveis. Em primeiro lugar, adota-se uma
interpretação estrita tendo em vista o caráter restritivo de direito da norma. Desse ponto de vista,
a regra alcança unicamente a mudança de controle direto. Em, segundo lugar, é possível adotar
uma interpretação finalística, e, nesse caso, admite-se como válida a conclusão no sentido de que
a norma incide quando houver mudança de controle direto ou indireto. Em reforço a essa última
tese há o disposto no art. 61 do Decreto-lei nº 1.598/77, que define acionista controlador como
sendo “a pessoa física ou jurídica que, diretamente ou através de sociedade ou sociedades sob seu
controle, seja titular de direitos de sócio ou acionista que lhes assegurem, de modo permanente, a
maioria de votos nas deliberações sociais”.8
Em decisão proferida em 19 de março de 2002, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes,
ao apreciar o Recurso nº 128.299 (acórdão 101-93.760), decidiu que norma que veda a
compensação de prejuízos fiscais não incide nos casos em que há mudança de acionistas em que
ocorra mudança no controle indireto.
(b)Mudança do ramo de atividade
Um pouco mais problemática é a expressão mudança de ramo de atividade. Segundo De
Plácido e Silva,9 do ponto de vista jurídico, a palavra ramo serve para designar uma “divisão ou
uma especialização, relativas às atividades profissionais”, sendo comum a referência a “ramo de
secos e molhados, ramo de atacado, ramo bancário, a fim de distinguir a especialização nestas
atividades mercantis”. A lei não se preocupou em definir em que acepção e com qual extensão
usava a palavra ramo.
Há quem considere que o ramo de atividade diz respeito ao objeto social. No direito
societário, a cláusula do objeto social possui importantes funções na economia da sociedade
empresária e, por esta razão, o art. 2º da Lei nº 6.404/76 prescreve que a cláusula alusiva a ele
deverá ser redigida de modo preciso e completo. Além disso, o objeto social vincula a ação dos
acionistas pertencentes ao bloco de controle da companhia haja vista que nos estritos termos do
enunciado da alínea “a” do § 1º do art. 117 da Lei nº 6.404/76, cometerá abuso do poder de
controle o acionista que vier a “orientar a companhia para fim estranho ao objeto social”.
Quando do julgamento do Recurso interposto no Processo CVM RJ/2003/5457, o relator,
Luiz Antônio de Sampaio Campos escreveu:
“O objeto social tem, ainda, a função de circunscrever a liberdade dos
administradores e da própria assembleia, no sentido de que limita as atividades que
a companhia pode exercer.”
O objeto social pode ser tomado no sentido material ou formal. Do ponto de vista material,
objeto social é a empresa ou o negócio que constitui fonte de geração de receitas e lucros. No que
concerne ao objeto social formal, convém salientar que a ordem jurídica exige que na cláusula do
estatuto social seja especificada a natureza da empresa ou negócio, tanto que o § 2º do art. 2º da
Lei nº 6.404/76, estabelece que “o estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo”.
O § 2º do art. 53 do Decreto nº 1.800/96, que dispõe sobre o registro dos atos societários perante
as Juntas Comerciais dos Estados, também exige a especificação sem dispensar a referência ao
gênero10 da atividade econômica:
“§ 2º Entende-se como preciso e detalhadamente declarado o objeto da empresa
mercantil quando indicado o seu gênero e espécie.”
Enfim, o objeto social é um signo representativo da atividade econômica ou negocial
explorada pela empresa e de onde provêm as receitas necessárias à sua existência, manutenção e
crescimento. A atividade econômica explorada por uma sociedade empresária constitui a empresa
que ela explora ou o “ramo de negócio” ao qual ela se dedica e que representa uma
particularização (uma parcela) da atividade econômica em geral, organizada para a produção ou
a circulação de bens ou de serviços. Nas sociedades simples (que não exploram empresa), de igual
modo, ocorre a exploração de atividade econômica de acordo com os diversos “ramos”.
Uma digressão acerca das discussões jurídicas em torno da mudança do objeto social pode
aportar importantes contribuições para compreensão da matéria. No direito societário a
ambiguidade da expressão “mudança de objeto social” tem permitido a formação de duas
correntes doutrinárias sobre a interpretação das normas que dispõem sobre o recesso dos
acionistas por mudança de objeto social. A primeira corrente sustenta que a mudança visada pela
Lei é aquela que implica substituição total e completa da empresa. A segunda corrente, por outro
lado, argumenta que eventuais acréscimos ou decréscimos de atividades da empresa são causas
suficientes para o nascimento do direito de recesso.
Para Luiz Leonardo Cantidiano,11 para o nascimento do direito de recesso é necessário que
se “altere, troque, modifique, a sua atividade, isto é, que a companhia, que até determinado
instante explora determinada empresa (ou ramo de negócios), passe a explorar empresa de
natureza absolutamente diversa, ou seja, que ela mude de ramo de negócios”. De igual modo,
Alfredo Lamy Filho,12reproduzindo lição da doutrina italiana, observa que a palavra mudança
“significa algo mais que modificação, pois deve tratar-se de uma deliberação em seguida à qual
o objeto social resulte diverso do que era originariamente, para poder-se afirmar que mudou”.
Também Nelson Eizirik13 afirma que “a mudança de objeto social que enseja o direito de retirada
para o acionista dissidente tem de ser uma mudança efetiva, de forma que dela resulta uma
atividade nova, diferente daquela à qual o acionista aderiu”.
Em princípio, o objeto social pode sofrer modificação formal ou factual e, quanto à extensão,
pode vir a ser total ou parcial. Modificação total é aquela que decorre de substituição de uma coisa
por outra – de um negócio (ou atividade) por outro; de outra parte, modificação parcial pode surgir
em decorrência de agregação ou subtração de negócios explorados pela empresa. Salvo disposição
de lei em contrário, a agregação modificativa ocorre quando houver a adição de novas atividades
à empresa, sendo irrelevante o fato de guardarem ou não similitude ou relação de
complementaridade com as atividades existentes por ocasião da mudança. Afinal, no regime da
Lei nº 6.404/76, não há precedência entre atividades que constituem o objeto social de uma
empresa: a lei aboliu a discriminação que a anterior (o art. 105, d, do Decreto-lei 2.627/40), fazia
entre atividade essencial (ou principal) e atividade secundária ou acessória.
Para fins de aplicação das regras sobre direito de recesso a Lei não faz distinção acerca do
modo pelo qual a modificação ocorre. Portanto, em princípio, a mudança que faz nascer o direito
de retirada pode ser formal ou informal: mudança formal é aquela que é submetida à apreciação
da assembleia-geral com alteração da cláusula do Estatuto Social. De outra parte, mudança
informal14 é aquela que se processa pela agregação ou subtração de atividades sob qualquer
revestimento jurídico sem que haja manifestação da assem-bleia-geral acerca do assunto (a
mudança); esse tipo de mudança ocorre pela aquisição ou alienação de estabelecimento por
contrato de compra e venda, por contrato de permuta, em virtude do recebimento ou pagamento
do preço de ações ou quotas subscritas em bens operacionais etc. Assim sendo, a agregação de
uma nova atividade em determinada empresa por aquisição de estabelecimento ou incorporação
de sociedade pode, eventualmente, gerar mudança no objeto social de uma sociedade ainda que a
assembleia não delibere especificamente sobre o assunto. De igual modo, o esvaziamento da
empresa – com a alienação dos insumos necessários à sua normal exploração – também pode vir
a caracterizar uma mudança de objeto social por subtração de atividade econômica da esfera
jurídica da sociedade.
Voltando à doutrina do direito tributário cabe fazer referência à opinião do ilustre Nilton
Latorraca15 no sentido de que a interpretação desse preceptivo deve privilegiar o seu aspecto
funcional (teleológico); para o autor, essa norma teve o objetivo de “evitar que o prejuízo fiscal
seja preservado quando, na negociação, o adquirente se desinteressa pela empresa, como tal, e
passa a visar, basicamente, o envoltório – representado pela personalidade jurídica – que contém
o crédito fiscal, consubstanciado no prejuízo fiscal”. Se assim for, é de se indagar se a lei veda a
compensação dos prejuízos nos casos em que o adquirente escolhe uma empresa deficitária que
seja do ramo de atividade que seja de seu interesse e vem a adquiri-la unicamente por causa dos
prejuízos, sem estar interessado na empresa, considerada como unidade econômica. A resposta,
segundo nos parece, é negativa, porque a lei não impõe a preservação da unidade econômica; em
outras palavras, a simples aquisição do “ativo” representado pelos prejuízos fiscais não está
vedada; existem restrições que, se contornadas validamente, reafirmam a lisura jurídica da
aquisição e posterior aproveitamento dos prejuízos. Convém salientar, ademais, que a norma
concessiva do direito à compensação dos prejuízos fiscais é dirigida à pessoa jurídica e não à
empresa; logo, qualquer condição deve ser posta na lei.
Um critério para se verificar quando há mudança de ramo de atividade seria o exame da
classificação que é dada pela Resolução IBGE nº 54/94, que estabeleceu a Classificação Nacional
de Atividades Econômicas – CNAE. Outro caminho seria a verificação a partir da classificação
adotada para deferimento do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ. Esses caminhos
podem não conduzir a um porto seguro porque eles passam pelo exame do significado de
declarações ambíguas e vagas dos objetos sociais contidos nos documentos societários das
empresas. Existem casos de empresas que desempenham múltiplas atividades, sem que seja
possível atribuir a uma ou ao conjunto delas a origem do prejuízo fiscal. Ademais, fica a dúvida
se, sendo a empresa deficitária uma indústria, poderiam vir a ser compensados com lucros de uma
atividade simplesmente comercial. Ora, a atividade industrial pressupõe o comércio, mas o
contrário não é verdadeiro.
À vista do exposto, parece razoável concluir que o sentido da expressão ramo de
atividade utilizada pela lei só pode conduzir à interpretação que leve ao mais alto grau de
generalização possível. Tivesse o legislador pretendido restringir o alcance da expressão, teria
lançado mão das definições estipulativas, estabelecendo, a priori, o seu sentido, ou fazendo
referência a elementos que conduzissem a isso. Nada disso aconteceu, todavia. Então, na lei, a
expressão ramo de atividade só pode representar a divisão mais geral possível da atividade
econômica. Assim, temos os ramos de indústria, comércio, bancos, seguros etc. Portanto,
entendemos que só haverá mudança de ramo de atividade se houver passagem de uma divisão
para outra. Assim, temos os ramos de indústria, comércio, bancos, seguros etc. Portanto,
entendemos que só haverá mudança de ramo de atividade se houver passagem de uma divisão
para outra. Em outras palavras, os prejuízos fiscais de uma indústria seriam sempre compensáveis
com os lucros de outra indústria ou por uma empresa comercial, porque a indústria não existe sem
o comércio. Da mesma forma, os prejuízos fiscais gerados por uma empresa comercial seriam
compensáveis com os lucros gerados por outra empresa comercial ou por empresa industrial.
33.8COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS EM CASOS DE
INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO
De acordo com o art. 514 do RIR/99, a pessoa jurídica que se tornar sucessora de outra em
virtude de incorporação, fusão ou cisão não poderá compensar prejuízos fiscais da sucedida.
Todavia, no caso de cisão parcial, a pessoa jurídica cindida poderá compensar os seus próprios
prejuízos, proporcionalmente à parcela remanescente do patrimônio líquido.
Ao estabelecer que o prejuízo fiscal não pode ser transferido, como um direito, para a
empresa incorporadora, resultante de fusão, resultante da cisão ou incorporadora de parte da
empresa cindida, a lei tributária perpetra um atentado contra o princípio da proporcionalidade.
Esse princípio hospeda, como ideia central, dentre outras, a da menor intervenção quando se trata
de restrição ou supressão de direitos. O direito à compensação dos prejuízos decorre da própria
natureza da incorporação, fusão ou cisão, em que há sucessão16 a título universal. Logo, ao vedar
que a sociedade incorporadora venha a compensar os prejuízos fiscais apurados pela incorporada,
a lei interfere com direitos e garantias (livre-iniciativa etc.) e, sendo restritiva de direito, está
submetida ao princípio da excepcionalidade da restrição, sob pena de arbítrio, contrário ao
princípio constitucional de proporcionalidade.
Outro problema decorre da aplicação da regra que dispõe sobre a trava em tais
circunstâncias. Com efeito, existem dúvidas se o limite de compensação de trinta por cento do
lucro real deve ser observado nos casos de desaparecimento da pessoa jurídica, por incorporação,
fusão, cisão ou extinção. Essas situações-limite não são contempladas pela lei. Só esse fato já
autorizaria a conclusão de que compensação integral, em tais condições, é autorizada. De fato,
onde não há proibição, está implícita a permissão. Mas não é só. A finalidade da lei, ao impor tal
limite de compensação, não é restringir o direito à compensação, mas impor um marco temporal
para que essa compensação seja feita. O direito à compensação existe sempre; a lei jamais
pretendeu negar esse direito. Se a lei não nega esse direito, numa situação-limite, ele pode e deve
ser exercido integralmente, sob pena de se ter uma restrição que a lei não impõe.
Essa interpretação foi acolhida pelo Conselho de Contribuintes e confirmada pela Câmara
Superior de Recursos Fiscais. O 1º Conselho de Contribuintes, no julgamento do Processo nº
13502.000497/00-11, em sessão de 20 de setembro de 2001, decidiu que, “no caso de
compensação de prejuízos fiscais na última declaração de rendimentos da incorporada, não se
aplica a norma de limitação a 30% do lucro líquido ajustado”. Esse mesmo entendimento foi
estendido à limitação de compensação da base negativa da contribuição social (Processo nº
13502.000495/00-96). Andou bem o 1º Conselho de Contribuintes ao decidir dessa maneira. De
fato, a finalidade da lei, ao impor tal limite de compensação, não é restringir o direito à
compensação, mas impor um marco temporal para que essa compensação seja feita.
Ao examinar a aplicação da “trava” nos casos de cisão parcial, a 1ª Câmara do 1º Conselho
de Contribuintes, quando do julgamento do Recurso nº 137.102, em 17 de março de 2004, decidiu
que ela não deve ser aplicada sobre a parcela compensável dos prejuízos. Assim, aquela Corte
decidiu que o sujeito passivo não está obrigado a observar o limite de 30% do lucro real apenas e
tão somente em relação à parcela passível de compensação; sobre a parcela dos prejuízos
considerada perdida (proporcional ao percentual do patrimônio líquido vertido) não se aplica
limite algum, posto que nada há a compensar. Em outubro de 2009, a Câmara Superior de
Recursos, no Acórdão CSRF 01-00.401, modificou o rumo da jurisprudência para dizer que a
trava que limita o valor a ser compensação deve ser aplicada mesmo nos casos de incorporação,
fusão e cisão. A questão ainda não é pacífica no âmbito do CARF, tanto que em 31 de janeiro de
2012, quando do julgamento do Recurso no processo 19515.002561/2006-75 (acórdão nº 1103-
00.617), ficou decidido que “a pessoa jurídica incorporada pode compensar no balanço de
encerramento de atividades o prejuízo fiscal acumulado sem observância da ‘trava’ de 30%, em
razão da vedação legal à transferência de prejuízos para a sucessora”. Na mesma data, foi julgado
o processo 16095.000635/2008-09 (acórdão nº 1103-00.619) em que foi adotada a mesma linha
de interpretação pelo afastamento da trava.17
Como foi visto, o Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação do Recurso
Extraordinário nº 344.994-0, firmou entendimento no sentido de que os prejuízos fiscais não
passam de simples benefícios fiscais atribuídos pela lei, desse modo, cabe a ela (à lei) definir os
termos da fruição que pode validamente incluir as limitações quantitativas. A aplicação do
precedente da Corte Suprema levou a jurisprudência administrativa a mudar o seu curso e a
considerar válida a aplicação da regra da trava para os casos de incorporação, fusão, cisão e
extinção de sociedade. Ocorre que a questão da incidência da regra impositiva da trava, nos casos
de fusão, cisão, incorporação e extinção de empresas não foi analisada ou devidamente debatida
quando do julgamento ocorrido na Suprema Corte e, desse modo, essa é uma questão em aberto
cujo deslinde independe do caráter jurídico atribuído ao prejuízo fiscal. No caso, cabe cogitar da
aplicação do art. 111 do CTN em favor dos contribuintes, porquanto as normas instituidoras da
trava não fazem restrição à integral compensação em tais circunstâncias e nem foi esse o propósito
da legislação. No mais, os contribuintes que agiram em consonância com a jurisprudência
administrativa têm a seu favor o princípio da boa-fé, e, por esta razão, não deveriam ficar sujeitos
à imposição de penalidades.18
33.8.1Incorporação às avessas
A jurisprudência do Conselho de Contribuintes registra um bom número de decisões em que
contribuintes realizaram incorporações de sociedades com o propósito de compensar prejuízos
fiscais nas chamadas “incorporações atípicas” ou “incorporações às avessas”. Qualquer dessas
expressões não traduz um conceito jurídico: para o direto societário – e também para o direito
tributário – existe a figura da incorporação de sociedade. As expressões citadas são utilizadas para
fazer referências aos casos em que uma pessoa jurídica deficitária absorve, por incorporação, o
patrimônio de pessoa jurídica que explora empresa lucrativa. De um modo geral, este tipo de
operação é realizado com o propósito de permitir a compensação de prejuízos fiscais acumulados
com lucros futuros gerados pela empresa em marcha.
A 3ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes decidiu, em 16 de outubro de 2002, quando
do julgamento do Recurso nº 124.045, que a incorporação de empresa superavitária por outra
deficitária, embora atípica, não é vedada por lei, representando um negócio jurídico indireto, na
medida em que, subjacente a uma realidade jurídica, há uma realidade econômica não revelada.
Todavia, no caso concreto, aquela Corte considerou que essa prática pode ser considerada
uma simulação que não poderia produzir o efeito desejado pelas partes, consistente na
compensação de prejuízos fiscais acumulados pela sociedade incorporadora com lucros gerados
pela atividade empresarial da incorporada após o evento. Os elementos de convicção utilizados
para considerar o ato simulado foram os seguintes:
(a)a incorporada foi declarada extinta mas a incorporadora, no mesmo momento,
adotou, ipsis literis, o nome da sociedade extinta;
(b)a incorporada transferiu sua sede para o mesmo endereço da sede da sociedade
extinta e o mesmo ocorreu em relação às filiais da incorporada;
(c)os membros do Conselho de Administração da incorporadora renunciaram e
assumiram os cargos membros do órgão semelhante da incorporada.
Para justificar a simulação foi dito que a incorporadora teria encerrado suas atividades e
alienado todo o seu ativo operacional antes do evento. Nela ficou apenas o LALUR com os
prejuízos fiscais registrados e “o CGC (atual CNPJ) e nada mais” para reproduzir uma passagem
do Relatório Fiscal. Decisões em igual sentido foram proferidas por outras Turmas daquele
Conselho, mas existem decisões da Câmara Superior em que foram consideradas lícitas e válidas
as incorporações atípicas; exemplo é o Acórdão CSRF nº 01-0892.
O problema aqui está ligado à existência de um propósito negocial, tido por inexistente pelas
autoridades fiscais, porquanto a empresa explorada pela incorporadora desaparecera antes do
evento, tendo permanecido apenas a “casca” ou a personalidade jurídica. A validade e a
sinceridade das formas adotadas não foram elementos suficientes para justificar a lisura do intento
perseguido pelas partes; a incorporação ocorreu de fato e de direito, mas não produziu um dos
efeitos que seria próprio – a possibilidade de que a incorporadora compensasse seus próprios
prejuízos fiscais –, porquanto o Tribunal julgou faltar, no caso, substância econômica, pois não
havia empresa a respaldar a absorção de uma sociedade por outra.
Há outra interessante questão neste julgado: a prova da simulação relativa. A decisão
fundou-se no desaparecimento anterior da empresa da sociedade incorporadora e que, por tal
razão, o evento foi engendrado para “encobrir, dissimular outro ato que possui natureza diversa”,
mas, no mesmo julgamento foi dito que, a despeito da simulação, não houve qualquer ato
fraudulento. Assim, o Tribunal considerou que há uma simulação relativa em que não aparece o
elemento fraude. Esse raciocínio é incompreensível, posto que a boa doutrina afirma que a marca
da simulação relativa advém do fato de que o negócio jurídico é mentiroso quanto a seu conteúdo.
A mentira, no caso, nunca é inocente, visa produzir um resultado que é proibido.
Essa questão permite uma discussão que já foi aventada em outros julgados do Conselho de
Contribuintes: as incorporações sucessivas. Por ocasião do julgamento do Recurso nº 97.052,
ocorrido em setembro de 1991, a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes examinou o caso de
uma empresa contribuinte que foi autuada por:
“compensar prejuízos de empresas incorporadas com os lucros por ela produzidos
nos exercícios de 1985 a 1989, através de sucessivos atos de incorporação em que
a fiscalizada era incorporada por empresas deficitárias com o único propósito de
eliminar ou reduzir o seu lucro tributário.”
Também neste caso específico, a decisão, analisando as circunstâncias de fato, concluiu pela
existência de simulação relativa.
Feitas as considerações precedentes, julgo conveniente tecer algumas considerações sobre a
validade do procedimento da incorporação atípica e das incorporações atípicas sucessivas.
Não existe regra ou princípio que vede a absorção de uma empresa deficitária por uma
lucrativa; este fato é corriqueiro nas sociedades sobre controle comum. Nem mesmo o fato de
haver a aquisição de controle com fim específico de realizar a incorporação e obter a economia
tributária pode macular a validade da operação, porque: (a) o prejuízo fiscal – bem econômico a
que visam as partes – tem valor econômico apreciável que já traduz verdadeira “moeda” para
compensação posterior; e (b) a operação de incorporação, nestas circunstâncias, é objeto de regras
de bloqueio que visam impedir o uso indiscriminado deste procedimento para fins elisivos.
Portanto, se não é proibida a operação, se há um notório interesse econômico e foram transpostas
as barreiras das normas de bloqueio, não haveria razão para a contestação.
Pois bem, em nenhum dos dois julgamentos citados há qualquer referência ou consideração
sobre a consistência econômica dos prejuízos fiscais; ora, se eles têm um “valor de mercado”, a
incorporação teria sido engendrada para aquisição daquele ativo. Afinal, é notório que o prejuízo
fiscal tem, em si, uma substância econômica, ou, como já decidiu o próprio Conselho de
Contribuintes em outra ocasião, “o prejuízo fiscal tem o formato de uma moeda específica de
grande poder liquidatário na órbita tributária do lucro real, solvendo tributos ulteriores pela via
da compensação da base de cálculo positiva”. O prejuízo fiscal é um ativo de acordo com o direito
contábil porque pode gerar benefícios futuros.19 Neste sentido, foi reconhecido o caráter de
verdadeiro bem com valor econômico apreciável no voto do diretor Luiz Antônio de Sampaio
Campos, quando do julgamento em 28.03.02, pelo Colegiado da CVM, do Processo CVM nº
RJ2001/10773, escreveu em seu voto:
“15. Assim, na medida em que a sociedade anônima pode reduzir o valor do
imposto de renda e da contribuição social a pagar sobre resultados auferidos no
futuro, tendo em vista a acumulação de prejuízos fiscais no passado, tem-se
conceitualmente algo que, em linha de princípio, pode ser visto como um
verdadeiro ativo.”
O reconhecimento de que o prejuízo fiscal tem valor econômico pode ser visto no enunciado
do item B20 do Anexo da Deliberação CVM nº 673, de 20.11.11, que tem a seguinte redação:
“B20. Os benefícios de prejuízos fiscais compensáveis devem ser refletidos no
período intermediário em que os correspondentes prejuízos fiscais ocorrerem. O
Pronunciamento Técnico CPC 32 – Tributos sobre o Lucro – orienta para o fato de
que “o benefício relacionado a um prejuízo fiscal que pode ser compensado para
recuperar tributos correntes de um período anterior deve ser reconhecido como um
ativo.”
Se não fosse essa especial circunstância de que o prejuízo fiscal tem a característica de um
ativo contingente ou oculto (tanto que o registro contábil do crédito correspondente é permitido),
existem outros argumentos em favor da validade da incorporação de sociedade sem uma
correspondente empresa. De fato, a incorporação é um fenômeno que se realiza no âmbito da
sociedade e não da empresa; por outro lado, ela tem efeitos jurídicos importantes como a assunção
– pela incorporadora – de todas as responsabilidades inerentes à sucessão, o que, de certa forma,
garante que os eventuais efeitos jurídicos de atos ligados à empresa contem com aquela garantia
ainda que esta não mais exista. A incorporação, portanto, não é um ato vazio de conteúdo, com
fins meramente elisivos; ela tem consequências de diversas naturezas que não podem ser
negligenciadas pelas autoridades fiscais.
Ocorre, ademais, que, de acordo com estabelece a lei brasileira, os prejuízos fiscais estão
atrelados à figura da pessoa jurídica, e, deste modo, a lei não cogita da figura da “empresa”. A
existência de limitações materiais acerca da compensação dos prejuízos fiscais indica que, fora
dos casos, expressamente previstos em lei a compensação deve ser admitida pela pessoa jurídica
que suportou os efeitos econômicos dos atos e fatos que deram origem aos prejuízos. O eventual
atrelamento dos prejuízos à empresa vai contra a própria lógica do sistema que preside o imposto
que está fundado na exigência de generalidade da tributação e é por esta razão que a lei elege
como contribuintes todas as espécies de pessoas jurídicas previstas no ordenamento jurídico e não
unicamente as sociedades empresárias, isto é, que exploram uma empresa.20 Afinal, são
contribuintes do imposto tanto as sociedades empresárias como as sociedades simples; ambas
exploram atividade econômica, de modo que a diferença entre elas decorre da existência ou não
de uma empresa. Enfim, pessoa jurídica – para fins tributários – é tanto a sociedade empresária
quanto a sociedade simples, e, deste modo, atrelar a utilização dos prejuízos à existência de
empresa implica estabelecer uma restrição incompatível com o universo dos possíveis
contribuintes que, ao menos em tese, estão em condições de apurar prejuízos fiscais. No mais, é
necessário considerar que mesmo a sociedade empresária pode não ter empresa, seja porque
preexiste à construção da empresa quando em fase “pré-operacional”, seja porque pode alienar a
empresa e permanecer como sociedade. Em suma, são vários os argumentos em favor da
legalidade da incorporação às avessas de sociedade por outra portadora de prejuízos fiscais
compensáveis que, como visto, possui ativos suscetíveis de apreciação econômica e nisto está a
justificação econômico-financeira da operação ou o seu propósito negocial.
33.8.2Dissolução e liquidação de sociedade
A norma que dispõe sobre a perda do direito de compensação de prejuízos em caso de
incorporação, fusão e cisão, é absolutamente omissa em relação aos casos em que ocorre
encerramento das atividades por dissolução seguida de liquidação de sociedade empresarial. O
tema foi levado à apreciação da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF que negou
provimento a um Recurso apresentado por sujeito passivo que teve contra si lavrado auto de
infração por não ter observado o limite (trava) de compensação de prejuízos em caso de
encerramento de atividades. A ementa da decisão contida no acórdão 105-148.140, de 2 de
outubro de 2009, diz que “não há previsão legal que permita a compensação de prejuízos fiscais
acima deste limite [30% do lucro real], ainda que seja no encerramento de atividades da empresa”.
A ementa não faz justiça ao douto voto vencedor da lavra da Conselheira Ivete Malaquias
Pessoa Monteiro, mas também não desmente que, no fundo, a razão jurídica que motivou a
referida decisão foi simplesmente a ausência de permissão legal. Com o devido respeito que tenho
pelo CARF, parece-me que o argumento que tem como foco a ausência de autorização legal é
pobre do ponto de vista jurídico porque se não há permissão ostensiva, esta se justifica em face
do princípio geral segundo o qual o que não está proibido está permitido. Portanto, a lacuna
existente na legislação deveria legitimar o pleito do sujeito passivo posto que as regras sobre a
“trava” são normas restritivas de direitos e, deste modo, submetem-se ao cânone hermenêutico da
interpretação estrita.
A questão, todavia, não é simples e a referida decisão pode ser justificada por outros
argumentos. Afinal, parece fora de dúvida razoável que a dissolução de uma sociedade com a
liquidação de seus ativos e passivos implica: (a) a cessação de atividades explorada pela empresa;
(b) a perda da personalidade jurídica; e (c) a extinção ou resolução do contrato de sociedade. Ora,
rigorosamente, essas mesmas consequências são produzidas quando uma sociedade é incorporada
por outra, e, desse modo, é possível cogitar da aplicação do velho princípio do ubi eadam ratio
idem jus (nas mesmas razões o mesmo direito). Todavia, essa interpretação torna-se problemática
se considerarmos que ela se apoia na consideração econômica de fatos21 em razão de seu efeito
prático e despreza a legalidade num ambiente em que se discute o sentido e o alcance de uma
norma restritiva de direito.
33.9PREJUÍZO FISCAL APURADO POR SOCIEDADE EM CONTA DE
PARTICIPAÇÃO
O art. 515 do RIR/99 estabelece que o prejuízo fiscal apurado por Sociedade em Conta de
Participação (SCP) somente poderá ser compensado com o lucro real decorrente da mesma SCP.
Assim, é vedada a compensação de prejuízos fiscais com lucros entre duas ou mais SCP ou entre
estas e o sócio ostensivo. De forma até estranha, o RIR/99 não indica a matriz legal desse
mandamento.
Essa regra não é aplicável no período em que a SCP é liquidada ou quando se der o término
do empreendimento explorado por intermédio dela. Com efeito, nesses casos, os prejuízos fiscais
apurados pela SCP, na parte que correspondem a prejuízos contábeis, são assumidos pelos sócios.
Nesse caso, as perdas são transferidas, por via do ato de assunção dos sócios, da SCP para suas
sócias, que podem considerá-las como dedutível.
O Decreto-lei nº 2.303, de 21 de novembro de 1986, dispôs que as sociedades em conta de
participação, a despeito de não terem personalidade jurídica, passariam a ser contribuintes do
Imposto de Renda devido pelas Pessoas Jurídicas (IRPJ). Em decorrência, as sociedades em conta
de participação passaram a ser tratadas como uma “pessoa jurídica distinta” do sócio ostensivo, o
que implica dizer que os resultados de uma e de outra não se confundem, isto é, não se misturam.
Por essa razão, o prejuízo fiscal apurado por uma sociedade em conta de participação não pode
ser compensado senão por lucros gerados por ela mesma.
Sobre o assunto há a Instrução Normativa nº 179, de 30 de dezembro de 1987, que, no item
6, estabelece que: “os valores entregues ou aplicados na SCP, pelos sócios pessoas jurídicas,
deverão ser classificados em conta de Ativo Permanente, de conformidade com o disposto no art.
179 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, estando sujeitos a critérios de avaliação previstos
na referida Lei nº 6.404 e no Regulamento Imposto de Renda”.
Portanto, a referida instrução normativa pretende, por ficção, criar a presunção de que os
recursos remetidos para uma sociedade em conta de participação devam ser tratados como
investimentos, sujeitos à avaliação contábil com base no “método da equivalência patrimonial”,
se for o caso. Essa determinação não tem base legal. Uma simples instrução normativa, ato
subalterno à lei, não pode criar ficções e presunções não previstas em lei. Essa é uma exigência
do princípio da legalidade estrita que preside todo o direito tributário brasileiro.
Ora, de acordo com item III do art. 179 da Lei nº 6.404/76, deverão ser classificados como
investimentos “as participações permanentes em outras sociedades”. Segundo o Parecer
Normativo CST nº 108/78, no conceito de “participação permanente” estão as importâncias
aplicadas na aquisição de ações e outros títulos de participação societária, com a intenção de
mantê-las em caráter permanente, seja para obter o controle societário, seja por interesses
econômicos, como, por exemplo, a constituição de fonte permanente de renda. Assim, não é pelo
simples fato de haver investimento em determinada sociedade que os valores correspondentes
devam ser tratados como investimentos. É necessário que sejam verificadas as situações de cada
caso tendo em vista os propósitos das SCP.
Portanto, as regras estabelecidas pela Instrução Normativa nº 179/87 não se aplicam ao caso
sob análise por pelo menos duas razões. Uma mera instrução normativa não pode modificar o
texto da Lei nº 6.404/76, que determina que, como investimentos, devam ser considerados apenas
os valores aplicados na aquisição de títulos de participação com a intenção de mantê-las em
caráter permanente.
33.10PERDAS COM TÍTULOS DE RENDA VARIÁVEL
Títulos de renda variável são, em linhas gerais, aqueles em que não há um rendimento certo
ou determinado. Operações de renda variável são típicas de Bolsa de Valores, de Mercadorias, de
Opções e Futuros.
De acordo com o art. 772 do RIR/99, as perdas apuradas com títulos e aplicações de renda
variável somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o limite dos ganhos auferidos
em operações da mesma natureza. É autorizado, contudo, o cômputo do valor das perdas que
ultrapassarem o valor dos ganhos em exercícios futuros, mas somente com ganhos em operações
da mesma natureza.
Aqui também há problema da fragmentação do fato gerador do tributo, em ofensa à
Constituição Federal, como vimos.
Tratamento mais gravoso a legislação reserva para as perdas em operações de day trade,
que só são dedutíveis quando realizadas por instituições financeiras, instituições de previdência,
sociedades de seguros etc. Aqui, o tratamento diferenciado é a causa da inconstitucionalidade.
33.11IMPOSTO DE RENDA DIFERIDO SOBRE PREJUÍZOS FISCAIS
O reconhecimento contábil do valor correspondente à redução futura do encargo do Imposto
de Renda em razão da faculdade que a legislação tributária confere aos contribuintes do imposto
que apurem prejuízos fiscais nunca foi uma prática contábil aceita pacificamente.
Em pronunciamento datado de agosto de 1979, o antigo Instituto dos Auditores
Independentes, atual Instituto Brasileiro de Contadores (IBRACON), tratou do assunto,
advertindo que, “em vista da incerteza sobre os lucros futuros, na generalidade dos casos, não é
prudente reconhecer o crédito fiscal. O crédito somente deve ser reconhecido contabilmente
quando ocorre a efetiva compensação do prejuízo fiscal, recomendando-se, porém, que o
montante do prejuízo fiscal seja mencionado em nota explicativa”.
Todavia, a contabilização seria aceitável “apenas nos casos extremamente raros em que
existem fundamentadas razões e forte grau de certeza de lucros no período subsequente”. A
determinação do grau de certeza sobre a existência de lucros futuros, por óbvio, deveria estar
fundada em razões econômicas e técnicas irrefutáveis, não se atribuindo nenhum valor ao simples
otimismo das previsões elaboradas pela administração da empresa.
Em 1981, o IBRACON promoveu a tradução das “Normas Internacionais de Contabilidade”
do International Accounting Standards, onde, na Norma Internacional de Contabilidade nº 12, lê-
se o seguinte: “48 – A economia fiscal em potencial, resultante da compensação futura de um
prejuízo fiscal, pode ser incluída na apuração do resultado do período do prejuízo, se houver
segurança, acima de qualquer dúvida razoável, de que os lucros tributáveis futuros serão
suficientes para permitir o benefício do prejuízo a ser realizado.” Segundo a referida norma, as
condições de segurança que justificariam a contabilização do crédito fiscal seriam satisfeitas se
as seguintes condições existirem: (a) o prejuízo resulta de uma causa identificável e não repetitiva;
e (b) a empresa tem mantido um nível de lucratividade durante longo período e espera-se que esse
nível de lucratividade continue.
Assim, diante de tudo o que foi até agora exposto, conclui-se que, do ponto de vista contábil,
o registro, no Ativo, do valor do Imposto de Renda diferido sobre prejuízos fiscais compensáveis,
somente é aceitável se fundado em perspectivas relativamente seguras de que o prejuízo será
absorvido por lucros tributáveis futuros. Admite-se, todavia, o reconhecimento contábil desse
valor nos casos de pessoas jurídicas que tenham obrigações com o Imposto de Renda para
pagamento em longo prazo, até o limite dessa obrigação.
Se a análise do tema tiver um enfoque jurídico, a conclusão é a mesma. Com efeito, se o
contribuinte tem assegurado o direito à compensação futura do prejuízo, e podendo esse direito
ser traduzido em cifras, o reconhecimento contábil é medida que se impõe, porquanto a
contabilidade apenas faz espelhar a real situação patrimonial de uma entidade.
Contudo, um dispositivo da lei societária não pode ser interpretado isoladamente. Assim, a
obrigatoriedade de contabilização de um direito atrai, imediatamente, a aplicação da norma legal
que dispõe sobre os critérios de avaliação dos bens e direitos do Ativo, hospedados no art. 183 da
Lei nº 6.404/76. Assim, o valor do crédito deve figurar no balanço como equivalente ao valor
provável de realização que somente é conhecido se a companhia dispõe de elementos seguros
acerca de sua realização. Isso não ocorrendo, seria necessário fazer uma provisão para ajuste do
valor contábil desse crédito para que possa figurar, no balanço, pelo seu valor provável de
realização.
Se isso ocorrer, à contabilização do crédito correspondente seguiria a formação de provisão
retificadora, o que implicaria um verdadeiro “estorno” do valor contabilizado. Daí por que é
justificável nada contabilizar se não existe segurança acerca da futura compensação dos prejuízos
fiscais.
Sendo a contrapartida do valor do crédito correspondente uma receita, surge a dúvida acerca
do tratamento fiscal que deve ser a ela dispensado. O princípio geral que rege a apuração do
Imposto de Renda é de que todas as receitas que se identifiquem como um acréscimo patrimonial
são tributáveis a menos que exista norma legal em sentido contrário. Assim, considerando que a
legislação do Imposto de Renda não contém autorização legal de que o valor dessa receita não
seja submetido à incidência do Imposto de Renda, não haveria, à primeira vista, como justificar a
não tributação. Não serve para contestar o argumento acima o fato de que a intributabilidade
estaria garantida porquanto a contabilização dessa receita é feita após a linha do resultado do
exercício, criando-se um absurdo “saldo credor de Imposto de Renda”. Trata-se de argumento
pueril, que não se sustenta em razão do defeito conceitual que o cerca, que prestigia a interpretação
apenas sob o aspecto formal, sem perquirir sobre a natureza das coisas. Ora, não é o lugar ou o
nome da conta contábil em que determinada cifra é registrada na contabilidade que determina a
sua natureza jurídica e a repercussão que tem para a legislação tributária.
Ainda sobre a natureza do referido crédito, cabe advertir que não se trata de reversão de
provisão de Imposto de Renda, pois não há a figura da obrigação potencial, que deixou de existir.
Por outro lado, quando, no futuro, o valor do ativo vier a ser baixado, tendo como contrapartida
uma conta de resultado, o valor correspondente deverá ser considerado como dedutível na
determinação do lucro real, se, é claro, a receita foi considerada tributável.
Entretanto, existe uma única hipótese em que julgamos plausível sustentar a não tributação
da referida receita, com base no argumento de que se trata de receita não realizada financeiramente
e que ainda está sujeita a uma condição futura e incerta, mesmo diante dos fundamentos utilizados
para sustentar a contabilização, e, por isso, a tributação não se compatibilizaria com o princípio
constitucional tributário que requer que se observe a capacidade contributiva do sujeito passivo
da obrigação tributária.
As autoridades fiscais da 9ª Região Fiscal, por intermédio da Decisão nº 200, de 16 de
dezembro de 1998, publicada no Diário Oficial da União de 14 de janeiro de 1999, esclarecem
que a contabilização do Imposto de Renda Diferido em contrapartida de uma conta de resultado
não implica o cômputo dessa parcela na determinação do lucro real, desde que não ocorra redução
da base de cálculo do imposto antes dessa contabilização.
1SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres. São Paulo: Resenha Tributária, 1976. v. 3, p. 114.
2TILBERY, Henry. I mposto de Renda das Pessoas Jurídicas: integração entre sociedade e
sócios. São Paulo: Atlas, 1985. p. 125-126.
3CARVALHO, Paulo de Barros. Compensação dos prejuízos fiscais acumulados do Imposto
sobre a renda e a inconstitucionalidade da limitação de 30% prescrita na Lei no 8.981/95.
RDT, nº 68, p. 29.
4ÁVILA, Humberto. Conceito de renda e compensação de prejuízos fiscais. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 63.
5Acórdão nº 103-20.025, com ementa publicada no Diário Oficial da União, I, de 31 de agosto
de 1999, p. 3.
6COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 226.
7CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. Estudos de direito empresarial. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 323.
8Esse conceito normativo encontra-se no enunciado do parágrafo único do art. 499 do RIR/99.
Ocorre, no entanto, que a próprio texto afirma que o conceito que estabelece visa a permitir a
aplicação das normas sobre distribuição disfarçada de lucros. À vista disto, o aproveitamento
deste conceito para fins de aplicação das normas sobre compensação de prejuízos fiscais queda-
se problemático, a menos que se diga que há identidade de propósitos entre os grupos de
normas.
9SILVA, De Plácido e. Vocabulário forense. Rio de Janeiro: Forense, 1973, v. 4, p. 1289.
10Os gêneros são: comércio, indústria e serviços.
11CANTIDIANO, Luiz Leonardo. Estudos de direito societário . Rio de Janeiro: Renovar,
1999, p. 162. Após o texto transcrito, o autor afirma: “Não se configura, no meu entender,
mudança do objeto social, a decisão, adotada pela companhia, de ampliar e/ou de reduzir
(dentro do mesmo ramo de negócios) o rol de atos singulares que lhe servem de instrumento,
ou meio, para desenvolver a atividade eleita pelos seus acionistas como sendo a empresa a ser
explorada pela pessoa jurídica”.
12LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luis Bulhões. A Lei das S.A. v. 2. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1996, p. 324.
13EIZIRIK, Nelson. Temas de direito de societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 253.
14Mudança informal é também conhecida por “mudança de fato”. Para Fran Martins (Direito
societário: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 81), essa eventual “mudança
de fato” não é capaz de fazer o direito de recesso porquanto em tais circunstâncias, estaria a
faltar a deliberação da assembleia para aprovar a mudança. Não me parece que o direito surge
quando há deliberação formal do objeto social para permitir o exercício do direito de recesso;
os casos de mudança informal do objeto social – em certas circunstâncias – surgem da
combinação de ações deliberadas do acionista controlador que patrocina o desvio do objeto
social e, para não permitir que os demais sócios possam exercer o direito de retirada, não leva
o assunto a apreciação da assembleia-geral, que uma ilegalidade visa a dar cobertura a outra.
15LATORRACA, Nilton. Direito Tributário: Imposto de Renda das empresas. 12. ed. São
Paulo: Atlas, 1990, p. 336.
16Sobre as diversas acepções do termo sucessão e as consequências para o direito público e
privado, vide: MORAES, Mauro Delphim de. A sucessão nas obrigações aziendais. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro nº 32. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 17-39, 1978.
17Todavia, em 14 de março, outra Câmara decidiu de modo contrário quando do julgamento do
recurso interposto no processo 12898.000557/2009-19 (acórdão nº 1301-00.822).
18SILVA, Rogério Pires. A observância da jurisprudência fiscal dos tribunais administrativos
na esfera federal e a possibilidade de exclusão de penalidades: análise do art. 76 da Lei nº
4.502/64 e do art. 101 do Decreto-lei nº 37/66. Revista de dialética de direito tributário nº 129.
São Paulo: Dialética, 2006, p. 112.
19Para José Luiz Bulhões Pedreira (Finanças e demonstrações financeiras da companhia:
conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 554): “A Contabilidade conceitua
como ‘ativo’ tudo que é ‘recurso da entidade contábil’, ou seja, que pode ser fonte de benefícios
futuros para a entidade, contribuindo para criar renda com ganhos em valor superior ao custo
de sua utilização”.
20Vide, no Capítulo 3, as diferentes espécies de pessoas jurídicas.
21Eis aqui o velho problema da interpretação econômica sobre a qual discorri no livro
“Planejamento tributário”, op. cit., p. 213-231.
34.1FUNÇÃO DA EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL
A sistemática legal de avaliação de investimentos pelo chamado “método da equivalência
patrimonial” tem por função permitir que os resultados de uma sociedade que seja sócia ou
acionista de outra reflitam, em cada balanço, o valor de participação nos lucros, prejuízos, ou
qualquer outro acréscimo ou decréscimo ao patrimônio líquido das sociedades investidas.1 Da
aplicação das regras sobre o método da equivalência patrimonial surge a necessidade de registro
contábil de um ajuste (acréscimo ou decréscimo) no valor contábil patrimonial do investimento.
Esse ajuste, na lição de José Luiz Bulhões Pedreira, é o procedimento contábil pelo qual a
investidora modifica o saldo da subconta da sua escrituração que registra esse valor, a fim de que
ele passe a ser igual ao demonstrado em novo balanço da coligada ou controlada.2
Esse reflexo é feito independentemente do fato de a investidora suportar os prejuízos
gerados pelas sociedades investidas e da efetiva distribuição ou emprego dos lucros ou reservas.
Desse modo, tanto a perda (prejuízo) quanto o ganho (lucros ou incremento de reservas) devem
ser contabilizados em ambas as empresas, mas com denominação e naturezas jurídicas diferentes.
Na sociedade investida, esse ganho ou perda será computado no resultado do exercício ou
diretamente no patrimônio líquido, ao passo que na investidora o valor que lhe corresponder será
sempre considerado como resultado de equivalência patrimonial.
Salvo disposição em contrário, os valores correspondentes aos aumentos do patrimônio da
investida, na proporção da participação no capital de titularidade da investidora, serão refletidos
no resultado desta mediante o lançamento a débito da conta de Investimentos e crédito de uma
conta de receita, que não será computada na determinação do lucro real. No caso de perda, haverá
débito de conta de resultado, cujo valor não será computado na determinação do lucro real, e
crédito na conta representativa do investimento.
34.2INVESTIMENTOS SUJEITOS AO MÉTODO
Antes do advento da Lei nº 12.973/14, deveriam ser avaliados pelo valor de patrimônio
líquido os investimentos que fossem considerados, cumulativamente, relevantes e influentes de
acordo com as regras estabelecidas pelo Decreto-lei nº 1.598/77, que seguia as prescrições da Lei
nº 6.404/76 sobre a matéria. A aplicação do método era exigível em relação aos investimentos:
(a) em sociedades controladas; e (b) em sociedades coligadas sobre cuja administração tenha
influência, ou de que participe com 20% ou mais do capital social. Para fins legais, eram
considerados relevantes os investimentos: (a) em cada sociedade coligada ou controlada, se o
valor contábil é igual ou superior a 10% do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica
investidora; e (b) no conjunto das sociedades coligadas e controladas, se o valor contábil é igual
ou superior a 15% do valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica investidora.
De acordo com as citadas normas, eram consideradas coligadas as sociedades nas quais a
investidora tivesse participação superior a 10%, sem controlá-la; e, por outro lado, considerava-
se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou por intermédio de outras
controladas, era titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente,
preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Esses
conceitos estão todos na Lei nº 6.404/76, no art. 243, §§ 1oo e 2º, e foram adotados, sem
modificações, pela lei tributária.
O alcance e o sentido dessas regras foram explicitados pelas autoridades fiscais por
intermédio do Parecer Normativo CST nº 78/78. Esse ato normativo esclarece, no item 7, que
investimentos que não sejam influentes e relevantes podem ser avaliados pelo método da
equivalência patrimonial pelas companhias abertas e instituições financeiras se houver norma da
Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil nesse sentido. O item 8 do citado
Parecer Normativo afirma que as pessoas jurídicas em geral não devem adotar esse método para
os investimentos que não sejam, cumulativamente, relevantes e influentes. Essa mesma diretriz
interpretativa foi explicitada, mais tarde, pelo Parecer Normativo CST nº 107/78, que vai além,
ao afirmar que a eventual avaliação de investimentos que não sejam relevantes e influentes traduz
hipótese de reavaliação espontânea tributável, se o ajuste for positivo, e perda patrimonial não
dedutível, na hipótese de ajuste negativo. A adoção do método para investimentos que
satisfizessem os requisitos legais era tratada como hipótese de reavaliação imediatamente
tributável, embora esse entendimento fosse contestável pela doutrina e pela jurisprudência
administrativa.3, 4
Esse quadro normativo se manteve até o advento da Lei nº 9.532/96, também os
investimentos não relevantes e influentes devem ser avaliados pelo método da equivalência
patrimonial nos casos de incorporação, fusão ou cisão.
Finalmente, as normas contábeis do Pronunciamento Técnico CPC 18 (R2) contêm
disposições especiais sobre a aplicação do método da equivalência patrimonial; o item 10 do
citado Pronunciamento determina que o método seja adotado também nos negócios (joint
ventures) controlados em comum. Para as companhias abertas, o enunciado do item II do art. 3º
da Instrução nº 247/96 determina que o método da equivalência patrimonial seja aplicado em
relação à filial, agência, sucursal, dependência ou escritório de representação no exterior, sempre
que os respectivos ativos e passivos não estejam incluídos na contabilidade da investidora, por
força de normatização específica.
A Lei nº 11.638/07, em vigor a partir de 1º de janeiro de 2008, modificou o
enunciado caput do art. 248 da Lei nº 6.404/76, para dizer que a aplicação do método da
equivalência patrimonial deverá ser feita independentemente da relevância determinada de acordo
com o parágrafo único do art. 247 da mesma Lei. Portanto, a partir de então, o único critério a ser
observado é o da influência. Assim, para fins contábeis a aplicação do método passou a ser
exigível para os investimentos: (a) em coligadas sobre cuja administração tenha influência
significativa, ou de que participe com 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante; (b) em
controladas; e (c) em outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob
controle comum.
A nova Lei introduziu enunciados normativos que podem ser qualificados como verdadeiros
“conceitos indeterminados” quando, por exemplo, faz menção à “influência significativa”.
A denominada influência significativa é um matiz do poder e diz respeito à virtual
capacidade de alguém determinar que o seu querer seja realizado compulsoriamente por outrem,
sob pena de sanção. Trata-se de uma forma de controle externo posto que esse querer, no caso,
não é obtido em razão da detenção da maioria do capital votante ou da participação em acordos
de sócios, mas, sim, em função de outros elementos. A CVM, no art. 5º da Instrução CVM nº
247/96, indica que a influência significativa pode ser presumida, em cada caso, em razão dos
seguintes fatos:
(a)participação nas suas deliberações sociais, inclusive com a existência de
administradores comuns;
(b)poder de eleger ou destituir um ou mais de seus administradores;
(c)volume relevante de transações, inclusive com o fornecimento de assistência
técnica ou informações técnicas essenciais para as atividades da investidora;
(d)significativa dependência tecnológica e/ou econômico financeira;
(e)recebimento permanente de informações contábeis detalhadas, bem como de
planos de investimento; ou
(f)uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos.
A Lei faz menção, também, ao conceito de controle comum, que é uma expressão
mencionada também no art. 116 da Lei nº 6.404/76. Neste contexto, a sociedade investidora e a
sociedade investida (que não sejam caracterizadas como coligada ou controlada) devem estar sob
o mesmo poder de controle, ou seja, devem ter um mesmo controlador (pessoa física ou jurídica,
grupo de pessoas etc.), direito ou indireto. Na legislação tributária, o controle comum está
presente no conceito de sociedades interligadas.5
Finalmente, o método da equivalência patrimonial deverá ser adotado nos casos em que
houver investimento em sociedade pertencente a um mesmo grupo societário, cujo perfil jurídico
é traçado pelos arts. 265 a 267 da Lei nº 6.404/76. De acordo com o caput do art. 265 da citada
Lei, a sociedade controladora e suas controladas podem constituir grupo de sociedades, mediante
convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos
respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. Na forma do art.
266, as relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou
subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do
grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos. Por outro lado, a
doutrina faz referência aos denominados grupos informais ou “de fato”, assim considerados os
conglomerados de sociedades sob controle societário, negocial ou administrativo com elementos
comuns e que não se organizam mediante convenção formal prevista no art. 265 da Lei nº
6.404/76. Se o método de avaliação pela equivalência patrimonial puder ser aplicado pelas
sociedades integrantes de um grupo informal, toda e qualquer participação societária em outra
sociedade poderia, a rigor, ser avaliada de acordo com o mencionado método, o que, do ponto de
vista fiscal, é o mais justo e não proibido.
Essas novas regras do direito societário entraram em choque com o disposto no art. 384 do
RIR/99, que estava integralmente baseado na redação anterior da Lei nº 6.404/76. Portanto, entre
os anos de 2008 (ano em que entrou em vigor Lei nº 11.638/07) e 2013, houve uma dualidade de
sistemas de normas incompatíveis entre si, que só foi eliminada com a edição da Lei nº 12.973/14.
O art. 74 da Lei nº 12.973/14 veio confirmar a vigência das normas anteriores, ao estipular
que para os anos-calendário de 2008 a 2014 (para que opte pela adoção, neste ano, das disposições
contidas nos arts. 1º e 2º e 4º a 70 da mencionada lei) o contribuinte poderia avaliar o investimento
pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou controlada, determinado de acordo com as
disposições da Lei nº 6.404/76. A norma tem caráter autorizativo e convalidante, e, por isso,
parece claro que ela não exclui a possibilidade de adoção, no mesmo período, das novas regras
contábeis e, por isso, o contribuinte que as adotou não agiu contra a lei tributária. Fica afastada,
portanto, qualquer cogitação acerca da aplicação da tese da ocorrência da “reavaliação” tributável
neste período. A partir daí, as normas fiscais voltaram a ficar alinhadas às normas societárias por
força do disposto no art. 21 do Decreto-lei nº 1.598/77, modificado pela Lei nº 12.973/14.
34.3CÁLCULO E REGISTRO DO AJUSTE
É da essência do método da equivalência patrimonial que os valores correspondentes aos
aumentos ou diminuições do patrimônio da investida, na proporção da participação no capital de
titularidade da investidora, sejam refletidos no resultado desta mediante o lançamento a crédito
ou a débito da conta de Investimentos. Algumas espécies de mutações patrimoniais que não
decorram de negócios firmados com sócios ou acionistas podem vir a ser registradas diretamente
no Patrimônio Líquido da investida de modo que ajuste correspondente a ser registrado na
investidora poderá ou não influenciar o seu resultado. Portanto, existem ajustes que são
obrigatoriamente imputados ao resultado da investidora e outros que serão registrados
diretamente no seu Patrimônio Líquido. A qualificação dessas duas espécies e ajustes é feita por
diversas normas contábeis O ajuste no resultado, quando exigível, deve ser feito
independentemente de qualquer providência societária acerca da distribuição ou emprego dos
acréscimos ou da absorção dos decréscimos, pelos sócios ou acionistas.
O valor que vier a ser considerado para registro a débito ou a crédito do valor da conta
representativa de investimento e tendo por contrapartida uma conta de resultado é denominado
“ajuste de equivalência” ou “resultado da equivalência patrimonial”, que será apurado de acordo
com as regras do art. 248 da Lei nº 6.404/76 por força do preceito do art. 21 do Decreto-lei nº
1.598/77. Os itens II e III do art. 248 da Lei nº 6.404/76, modificado pela Lei nº 11.941/09, tratam
do registro do ajuste nos seguintes termos:
“Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos em coligadas
ou em controladas e em outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou
estejam sob controle comum serão avaliados pelo método da equivalência
patrimonial, de acordo com as seguintes normas:
[...]
II – o valor do investimento será determinado mediante a aplicação, sobre o valor
de patrimônio líquido referido no número anterior, da porcentagem de participação
no capital da coligada ou controlada;
III – a diferença entre o valor do investimento, de acordo com o número II, e o
custo de aquisição corrigido monetariamente; somente será registrada como
resultado do exercício:
a) se decorrer de lucro ou prejuízo apurado na coligada ou controlada;
b) se corresponder, comprovadamente, a ganhos ou perdas efetivos;
c) no caso de companhia aberta, com observância das normas expedidas pela
Comissão de Valores Mobiliários.”
Deflui do texto do item II que a base para cálculo do ajuste de equivalência patrimonial é o
valor do patrimônio líquido tal como definido no item III do parágrafo 2º do art. 178 da mesma
Lei nº 6.404/76. O item III dispõe sobre a qualificação jurídica contábil o eventual ajuste e diz
respeito ao registro do valor da equivalência patrimonial como parte integrante ou não do
resultado do exercício, isto é, como receita ou como despesa. Pois bem, o registro em conta de
receita ou despesa será feito à vista dos elementos integrantes do patrimônio líquido da sociedade
investida que decorram de lucros ou prejuízos, ou, ainda, a ganhos ou perdas efetivos. Lucro ou
prejuízo, neste contexto, representa o resultado do período haja vista que tais expressões devem
ser compreendidas segundo acepção contábil ordinariamente adotada para fazer referência á
grandeza resultante do confronto entre as receitas, rendimentos e ganhos de capital e o montante
global das despesas, custos e perdas de capital.
A alínea b do inciso III, por sua vez, diz que também será registrado como receita ou despesa
o montante do ajuste por equivalência patrimonial que decorra de ganhos e perdas definitivas que
não estejam compreendidas – por óbvio – nos resultados da sociedade investida. Assim, o preceito
abrange parcelas integrantes do patrimônio líquido que: (a) não sejam qualificadas como resultado
do período; e (b) resultem de ganhos ou perdas efetivas que tenham sido experimentados pela
investida e que não tenham sido imputadas ao resultado desta.
O cálculo do valor do ajuste é relativamente simples. Toma-se o percentual de participação
da investidora no capital da coligada ou controlada e este será aplicado sobre o valor do
patrimônio líquido da investida; obtido esse valor, ele será comparado com o valor do
investimento (sem considerar eventual ou ágio, mais ou menos-valia, ou provisão para perdas) e
feito o ajuste para mais ou para menos, de modo que haja a perfeita equivalência entre o valor do
investimento e valor do patrimônio líquido da investida que “pertence” à investidora. Todavia,
esse singelo cálculo só poderá ser efetuado após feitos alguns ajustes determinados por lei. Estes
ajustes podem decorrer de diversas situações, sendo as mais comuns as seguintes: (a) por
diversidade de critérios contábeis adotados; (b) por diversidade de datas dos balanços adotados
para fins de cálculo da equivalência patrimonial; (c) pela existência de regras prevendo a
distribuição desproporcional de lucros; (d) pela existência de ações ou quotas em tesouraria; e (e)
pela existência de participações recíprocas.
Essas situações serão consideradas, de forma individual, a seguir.
(a)Diversidade de critérios contábeis
De acordo com o inciso II do art. 21 do Decreto-lei n. 1.598/77, se os critérios contábeis
adotados pela coligada ou pela controlada e pelo contribuinte não forem uniformes, o contribuinte
deverá fazer no balanço ou balancete da coligada ou controlada os ajustes necessários para
eliminar as diferenças relevantes decorrentes da diversidade de critérios. Ademais, se o balanço
ou balancete da coligada ou da controlada tiver sido levantado em data anterior à do balanço do
contribuinte, este deverá ser ajustado para registrar os efeitos relevantes de fatos extraordinários
ocorridos no período.
(b)Defasagem entre o balanço-base e o balanço definitivo
De acordo com as normas legais vigentes, o ajuste da equivalência patrimonial será apurado
a partir do valor do patrimônio líquido apurado em balanço patrimonial, ou balancete de
verificação, da coligada ou da controlada, e levantado na mesma data do balanço do contribuinte
ou até dois meses, no máximo. Esse Balanço deve ser levantado com observância da lei comercial,
inclusive quanto à dedução das participações nos resultados e da provisão para o Imposto de
Renda. Essa defasagem entre as datas dos Balanços, que é admitida pela legislação vigente, tende
a ser irrelevante, mas poderá interferir significativamente na determinação do resultado na
alienação ou liquidação dos investimentos.
Deve ser observado que a referida defasagem é ostensivamente admitida pela lei; dessa
forma, cabe ao sujeito passivo adotá-la ou não, segundo a sua conveniência. O prazo normal
admitido é de 60 dias, exceto nos casos em que houver liquidação ou alienação do investimento,
em que o prazo é reduzido para 30 dias.
(c)Distribuição desproporcional de lucros
Uma situação comum é a existência de norma que preveja a distribuição de lucros ou
dividendos sem guardar proporcionalidade com o percentual de participação no capital social. Há
casos, nas sociedades por ações, em que o estatuto social estipula a distribuição de dividendos
preferenciais e há casos em que há determinação de dividendos calculados sobre outras bases.
Assim, por exemplo, há o § 1º do art. 202 da Lei nº 6.404/76, que dispõe sobre o dividendo
obrigatório e permite que ele seja fixado como percentagem do lucro ou do capital social, ou fixa,
e prevê, ainda, que o estatuto poderá estabelecer outros critérios de determinação desde que estes
sejam regulados com precisão e minúcia. O item 37 do Pronunciamento CPC 18 (R2) dispõe que:
“se a investida tiver ações preferenciais com direito a dividendo cumulativo em circulação que
estiverem em poder de outras partes que não o investidor, as quais são classificadas como parte
integrante do patrimônio líquido, o investidor deve calcular sua participação nos resultados do
período da investida após ajustá-lo pela dedução dos dividendos pertinentes a essas ações,
independentemente de eles terem sido declarados ou não”. Nas demais sociedades, a
proporcionalidade pode ou não ser adotada; para Carvalho de Mendonça, no silêncio do contrato,
prevalece a regra da “proporcionalidade e não da igualdade”, de modo que a “quota de
participação nos lucros e nas perdas será em proporção às quotas entradas para o capital”.6
(d)Ações ou quotas em tesouraria
A aquisição de ações para manutenção em tesouraria deve observar as regras do art. 30 da
Lei nº 6.404/76 e, para as companhias abertas, as regras da CVM. As demais sociedades não estão
impedidas de adquirir quotas para manutenção em tesouraria.
As quotas ou ações adquiridas pela sociedade, enquanto mantidas em tesouraria, não
conferem à sociedade o direito de participar dos lucros e de votar nas deliberações sociais.
Igualmente, não dão direito à sociedade de participar dos aumentos de capital por novas
subscrições em dinheiro, se for o caso. De fato, o direito de participar dos lucros, de votar e de
subscrever aumentos de capital é inerente à condição de sócio que deixa de existir enquanto as
quotas pertencerem à sociedade.
É absurdo imaginar que a sociedade pudesse ser sócia de si própria e seria igualmente
inusitado cogitar a hipótese de que a sociedade pudesse votar em assuntos que dizem respeito a
interesses seus, em evidente conflito de interesses, e ainda viesse a exigir que pessoa jurídica
pagasse algo a si mesma. Mais inusitado seria admitir, como se logicamente possível fosse, que a
sociedade retirasse recursos de seu patrimônio para fazê-los retornar a esse mesmo patrimônio,
contrariando o princípio elementar dos aumentos de capital em dinheiro, que é a entrada de
“dinheiro novo” para a sociedade e o consequente aumento do valor da garantia dos credores,
função que é inerente ao capital social. No mais, o § 4º do art. 30 da Lei nº 6.404/76 afirma,
categoricamente, que as ações em tesouraria não terão direito ao pagamento de dividendos e esse
mesmo princípio deve aplicado às demais sociedades.
(e)Participação recíproca
Outra situação que deve ser considerada quando do cálculo do ajuste da equivalência
patrimonial é a existência de participações recíprocas, só admitidas em caráter excepcional. De
fato, o art. 244 da Lei nº 6.404/76 proíbe a participação recíproca entre sociedades coligadas,
salvo nos casos em que uma das sociedades participe de outra com observância das condições em
que a lei autoriza a aquisição das próprias ações, mas há prazo para eliminação de tal anomalia.
A existência de participações recíprocas interfere decisivamente no cálculo do ajuste, de modo
que os efeitos decorrentes devem ser eliminados antes do cálculo.
Como resultado de equivalência deverá ser contabilizado todo o valor que resultar da
comparação entre o valor do investimento e o valor do patrimônio líquido da sociedade investida.
Isso significa dizer que mesmo os acréscimos que tenham ocorrido no patrimônio da sociedade
investida que não decorram de lucros ou prejuízos deverão ser tratados como resultado de
equivalência patrimonial. Exemplo de parcelas que aumentam o patrimônio líquido da investida
que não decorrem de resultados são as reservas de capital, como a Reserva de Subvenção para
Investimento, de Ágio etc.
Na forma do art. 389 do RIR/99, a contrapartida do ajuste de equivalência patrimonial,
decorrente de aumento ou redução no valor de patrimônio líquido do investimento, não será
computada na determinação do lucro real. Da mesma forma, não serão computadas na
determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do valor do investimento ou da amortização
do ágio ou deságio na aquisição de investimentos em sociedades estrangeiras coligadas ou
controladas que não funcionem no país.
(f)Lucros não realizados
A parte final do item I do art. 248 da Lei nº 6.404/76 dispõe que a investidora deve ajustar
o valor do patrimônio líquido contábil da investida para eliminar ou expungir os valores relativos
aos “resultados não realizados decorrentes de negócios com a companhia, ou com outras
sociedades coligadas à companhia, ou por elas controladas”. Essa norma deve ser aplicada
concomitantemente com as regras contidas no Pronunciamento CPC 18 (R2) que são mais
abrangentes. Elas, em linha com o que estabelece a Lei nº 6.404/76, dispõem sobre a eliminação
de lucros registrados por sociedades investidas que sejam coligadas ou controladas, e, além disso,
contêm regras sobre a eliminação de lucros nas operações realizadas entre a controladora e suas
investidoras e sobre a eliminação dos lucros decorrentes de operações que envolvam
empreendimentos controlados em comum (joint venture). Essas regras são destinadas às
sociedades investidoras e estabelecem tratamentos distintos para as operações entre a investidora
e coligada (descendente ou downstream) e entre investidora e controlada (upstream).
34.3.1Resultados abrangentes e reserva de ágio
Com o advento das normas que acolheram os métodos e critérios contábeis internacionais
mudou o destino de parcela do ajuste de equivalência patrimonial. Antes do advento dessas
normas, o valor do ajuste deveria ser imputado ao resultado do período pela investidora; todavia,
doravante, a parcela da equivalência patrimonial sobre os denominados “resultados abrangentes”
não deve ser imputada ao resultado e sim em conta de patrimônio líquido da investidora como
parte dos seus próprios resultados abrangentes.
(a)Resultados abrangentes
De acordo com os itens 60 e 61 da ICPC 09, não transitam pelo resultado da investidora
como resultado de equivalência patrimonial as mutações do patrimônio líquido7 da investida que
não transitam ou só transitarão futuramente pelo resultado da investida, tais como: ajustes por
variação cambial de investimentos no exterior e ganhos ou perdas de conversão; determinados
ganhos e perdas atuariais; variações no valor justo de ativos financeiros disponíveis para venda;
variações ao valor justo de instrumentos de hedge em contabilidade de hedge; realizações de
reservas de reavaliação etc. Essas parcelas são tratadas, na Lei nº 6.404/76, como ajustes de
avaliação patrimonial. A conta de ajuste de avaliação patrimonial, que pode ter saldo credor ou
devedor, está prevista no § 3º do art. 182 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Medida
Provisória nº 449/08, depois convertida na Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Após o advento
desta última Lei, serão classificadas como ajuste de avaliação patrimonial as contrapartidas de
ajustes de valores do Ativo e Passivo que devam ser avaliados pelo “valor justo”. Vejamos o
enunciado normativo:
“§ 3º Serão classificadas como ajustes de avaliação patrimonial, enquanto não
computadas no resultado do exercício em obediência ao regime de competência,
as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor atribuídos a elementos do
ativo e do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo, nos casos
previstos nesta Lei ou, em normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177.”
O âmbito material de incidência da referida norma é formado por duas categorias de ajustes.
Em primeiro lugar, devem ser registradas sob a rubrica “Ajuste de Avaliação Patrimonial” as
contrapartidas dos ajustes nos valores de Ativos e Passivos que devam ser mensurados segundo
o “valor justo”, nas hipóteses previstas no corpo da própria Lei nº 6.404/76. Em segundo lugar,
devem ser registrados os ajustes que vierem a ser determinados pela CVM por intermédio de ato
editado com base no poder de legislar previsto no § 3º do art. 177 da citada Lei nº 6.404/76.
No direito contábil, há os preceitos dos itens 60 e 61 da Interpretação Técnica ICPC 09 (R2)
que afirmam que a equivalência patrimonial sobre outros resultados abrangentes da investida deve
ser reconhecida pela investidora mediante registro feito diretamente contra seu patrimônio
líquido, também sob a rubrica “outros resultados abrangentes”. Dessa forma, não devem ser
imputados aos resultados da investidora como ajustes da equivalência patrimonial os valores
relativos às mutações do patrimônio líquido da investida que não transitem pelos seus resultados,
ou seja, que forem por ela registrados diretamente em conta de patrimônio líquido.
(b)Reserva de ágio
Tem sido suscitadas discussões acerca da pertinência do ajuste de equivalência patrimonial
sobre a reserva de ágio. A questão é relativamente complexa e requer o exame do enunciado da
alínea b do inciso III do art. 248 da Lei nº 6.404/76, modificada pela Lei nº 11.941/09. De acordo
com esse preceito, será registrado como receita ou despesa o montante do ajuste por equivalência
patrimonial que decorra de ganhos e perdas definitivas que não estejam compreendidas nos
resultados da sociedade investida. Logo, parece certo que o preceito abrange parcelas integrantes
do patrimônio líquido que: (a) não sejam qualificadas como resultado do período; e (b) resultem
de ganhos ou perdas efetivas que tenham sido experimentados pela investida e que não tenham
sido imputadas ao resultado desta. Para que se possa afirmar que a reserva de ágio se enquadra
ou não nesta categoria de parcelas suscetíveis de gerar o registro de ajuste por equivalência
patrimonial como receita é necessário determinar se ela propicia ou não um ganho efetivo para a
sociedade recipiente dos recursos, ou se, de outro modo, constitui uma mais-valia potencial ou
simples “esperança de lucro”, para adotar a expressão cunhada por Tullio Ascarelli.8
A Instrução CVM nº 247/96, modificada pelas Instruções 464 e 469, ambas de 2008, é clara
ao estabelecer que os valores registrados em contas representativas de reservas de capital são
suscetíveis de gerar ganhos efetivos. Vejamos:
“Art. 16. A diferença verificada, ao final de cada período, no valor do investimento
avaliado pelo método da equivalência patrimonial, deverá ser apropriada pela
investidora como:
I – receita ou despesa operacional, quando corresponder a aumento ou diminuição
do patrimônio líquido da coligada e controlada, em decorrência da apuração de
lucro líquido ou prejuízo no período ou que corresponder a ganhos ou perdas
efetivos em decorrência da existência de reservas de capital ou de ajustes de
exercícios anteriores.”
O valor destinado à formação de reserva de ágio apurado de acordo com as normas que
regem a determinação do valor do capital social constitui ingresso no patrimônio da sociedade a
título definitivo e não restituível,9 e, portanto, é razoável afirmar que se trata de um ganho por ela
auferido. Essa conclusão não sofre abalos mesmo se considerarmos que a figura do ágio foi
engendrada como meio de preservar os direitos dos antigos acionistas.10
Os valores recebidos não podem ser considerados incrementos meramente escriturais posto
que a sociedade emissora das novas ações, efetivamente, recebeu dinheiro ou outros bens em
pagamento da integralização do capital aumentado. Afinal, o montante transferido pelos
acionistas subscritores constitui parcela integrante do valor do próprio capital integralizado, e, por
isso, submete-se ao cânone do princípio da integridade ou efetividade11 do capital que repele
entradas de bens desprovidos de consistência econômica de modo a evitar o aguamento do capital
(watered stock).
Logo, o valor registrado em conta representativa de “reserva de ágio” não é ganho imputável
aos sócios, que, todavia, poderiam vir a se apropriarem dos valores acaso vendessem suas próprias
ações já emitidas ao invés de permitir o ingresso de outrem no capital da sociedade. Se o ágio é
pago em função do valor econômico da própria empresa parece certo que essa valorização se
reflete em dois patrimônios: em primeiro lugar, representa aumento de valor econômico da
sociedade que explora a empresa, de modo que o sucesso da empresa constitui fator do incremento
do patrimônio social ao qual pertence. Em segundo lugar, essa valorização se reflete no
patrimônio dos acionistas haja vista que as ações que possuem são bens de segundo grau12 em
relação aos bens sociais pertencentes à empresa.
Sendo o valor do ágio entregue à sociedade (rectius: pessoa jurídica) parece claro que este
é feito em função da valorização dos ativos da própria empresa que constitui o patrimônio social,
e, deste modo, constitui ganho seu que é efetivamente realizado com entrega dos valores. Logo,
deste ponto de vista, o ganho pertence à sociedade porque é ela quem recebe o valor que é pago
por terceiros que virão a se tornar participantes da sociedade.13 Trata-se de ganho da sociedade
porque os bens que lhes são entregues – como disse Francisco Campos14 – contribuem para
“avultar e enriquecer o seu patrimônio”.
O caráter atual e efetivo do ganho auferido pela sociedade é reafirmado pela variada
aplicação que a lei permite que seja dada aos valores registrados na conta contábil de “reserva de
capital”. De acordo com o art. 200 da Lei nº 6.404/76, as reservas de capital poderão ser utilizadas
para: (a) absorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros
(art. 189, parágrafo único); (b) resgate, reembolso ou compra de ações; (c) resgate de partes
beneficiárias; (d) incorporação ao capital social; e (f) pagamento de dividendo a ações
preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (art. 17, § 5º).
Assim sendo, o montante registrado em conta de reserva, no patrimônio líquido, não é, para
sociedade receptora, uma cifra com a mesma qualificação jurídica do capital porquanto sobre tal
valor não são calculados dividendos e os valores pagos não são reembolsáveis em caso de recesso
de acionistas. Todavia, se a lei permite que os valores sejam empregados no pagamento de
dividendos e na compensação de prejuízos existentes ou futuros parece claro que atribui a tal cifra
o caráter de lucro por equiparação e isto reforça o caráter de ganho efetivo propiciado pelo valor
do ágio recebido. A natureza do ganho auferido pela sociedade é, no entanto, sui generis: não se
trata de receita obtida em razão da exploração de atividade econômica que constitui o seu objeto
social e não se qualifica como ganho de capital já que não decorre da alienação ou liquidação de
bens. Todavia, não se trata de mais-valia potencial que possa ser equiparada a uma “reserva de
reavaliação” que, de resto, está sujeita a um regime jurídico próprio e específico que nenhum
parentesco tem com o da formação da “reserva de ágio”.
À vista do que foi exposto parece claro que não possui base jurídica a decisão proferida pelo
CARF contida no acórdão nº 107-09169 (Processo 10680.720293/2005-18), de 16 de outubro de
2007, e que atribuiu ao ajuste por equivalência registrado pelo sujeito passivo sobre a reserva de
ágio a qualificação de “reserva de reavaliação”, na forma do art. 390 do RIR/99.
34.3.2Momento do registro do ajuste
De acordo com o art. 387 do RIR/99, em cada balanço, o contribuinte deverá avaliar o
investimento pelo valor de patrimônio líquido da coligada ou da controlada, de acordo com o
disposto no art. 248 da Lei nº 6.404, de 1976. O ajuste de equivalência patrimonial será exigido
ao final do período-base de apuração – trimestral ou anual – ou no momento em que ocorrer cisão,
incorporação ou fusão.
O sujeito passivo deve contabilizar o ajuste também por ocasião da liquidação ou alienação
do investimento. Em relação aos investimentos em coligadas ou controladas no exterior, o ajuste
será devido apenas no balanço de 31 de dezembro de cada ano, ainda que o sujeito passivo opte
pelo pagamento do imposto em bases trimestrais.
34.3.3Lucros e dividendos distribuídos
Como já referimos, o valor do investimento na data do balanço deverá ser ajustado ao valor
de patrimônio líquido mediante lançamento da diferença a débito ou a crédito da conta de
investimento. O valor dos lucros ou dos dividendos que tenham sido distribuídos pela coligada
ou controlada deverá ser registrado pelo contribuinte como diminuição do valor de patrimônio
líquido do investimento, e não influenciará as contas de resultado.
Todavia, quando os lucros ou dividendos distribuídos tiverem sido apurados em balanço da
coligada ou controlada levantado em data posterior à da última avaliação feita a cada balanço, os
respectivos valores deverão ser creditados à conta de resultados da investidora e não serão
computados na determinação do lucro real. Se a avaliação subsequente for baseada em balanço
ou balancete de data anterior à da distribuição, deverá o patrimônio líquido da coligada ou da
controlada ser ajustado, com a exclusão do valor total distribuído.
34.4EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL SOBRE AJUSTE AO VALOR
JUSTO REGISTRADO PELA INVESTIDA
Os arts. 114 a 116 da IN 1.700/17 regulam a aplicação dos arts. 24-A e 24-B do De-creto-
lei nº 1.598/77, com redação dada pela Lei nº 12.973/14, e que dispõem sobre os efeitos fiscais,
na sociedade investidora, do reconhecimento por equivalência patrimonial de eventuais ajustes
positivos ou negativos registrados pela investida nos casos em que esta estiver obrigada a
reconhecer ativos ou passivos pelo valor justo. Essa parcela do resultado da equivalência
patrimonial está sujeita a um regime jurídico distinto, ao modo do que acontecia, na legislação
anterior, com a denominada “reavaliação reflexa”. A contrapartida do ajuste positivo deverá ser
compensada pela baixa do respectivo saldo da mais-valia anteriormente contabilizada, se for o
caso. Se, por qualquer razão, houver a apuração de ganho, este deverá ser computado na
determinação do lucro real e do resultado ajustado, salvo se o ganho for evidenciado
contabilmente em subconta vinculada à participação societária, com discriminação do bem, do
direito ou da obrigação da investida objeto de avaliação com base no valor justo, em condições
de permitir a determinação da parcela realizada, liquidada ou baixada em cada período. O valor
registrado em subconta específica será baixado à medida que o ativo da investida for realizado,
inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo
da investida for liquidado ou baixado e não será computado na determinação do lucro real e do
resultado ajustado nos períodos de apuração em que a investida computar o ganho na
determinação do lucro real e do resultado ajustado. Essa parcela deverá ser computada na
determinação do lucro real e do resultado ajustado do período de apuração em que o contribuinte
alienar ou liquidar o investimento. O mesmo critério deve ser adotado em relação à perda mutatis
mutandis. O que a norma diz é que a equivalência sobre essas parcelas não produz efeitos fiscais
quando forem baixados paulatinamente pela realização econômica dos bens e passivos da
investida; todavia, se o investimento for alienado ou baixado antes da realização econômica, não
poderá compor o valor contábil da investidora para fins de apuração do ganho de capital.
34.5RESULTADOS NA ALIENAÇÃO E LIQUIDAÇÃO DE
INVESTIMENTOS
O resultado na alienação e liquidação de investimento será considerado como ganho ou
perda de capital. Existem critérios distintos para apuração do ganho ou perda de capital em função
da natureza do investimento.
Assim, para os investimentos avaliados pelo custo de aquisição, o art. 425 do RIR/99
estabelece que para apuração do ganho ou perda de capital na alienação ou liquidação será
determinado a partir do valor contábil. A expressão valor contábilsignifica, em sentido amplo, o
valor pelo qual o investimento consta do patrimônio social. Para se chegar a esse valor, a lei
oferece e impõe alguns critérios.
No caso de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, o valor contábil será o montante
do custo, corrigido monetariamente, se for o caso, menos o valor de provisão para perdas que
tenha sido deduzida, caso contabilizada ao tempo em que era admitida a sua dedutibilidade.15 É
admitido o cômputo do valor dos lucros que tenham sido empregados no aumento de capital nos
termos dos arts. 380 a 383 do RIR/99.
A questão do valor contábil é um pouco mais complexa quando se trata de investimento
avaliado pelo valor de Patrimônio Líquido, também chamado “método da equivalência
patrimonial”. Desde antes do advento da Lei nº 12.973/14, para efeito de determinar o ganho ou
perda de capital na alienação ou liquidação de investimento em coligada ou controlada avaliado
pelo valor de patrimônio líquido, o valor contábil será a soma algébrica dos seguintes valores: (a)
valor de patrimônio líquido pelo qual o investimento estiver registrado na contabilidade do
contribuinte; (b) ágio ou deságio o na aquisição do investimento, ainda que tenham sido
amortizados na escrituração comercial ; e (c) provisão para perdas que tiver sido computada, como
dedução, na determinação do lucro real, desde que tenha sido deduzida quando constituída.
Na vigência da Lei nº 12.793/14, o ganho de capital será apurado de acordo com esses
mesmos critérios, ou seja, o valor do ganho de capital a ser registrado corresponderá à diferença
entre o valor atribuído à operação e o valor contábil do investimento na data do evento. Do ponto
de vista fiscal, no entanto, o contribuinte:
(a)deverá submeter à tributação o valor do ganho por compra vantajosa que fora
excluído na determinação das bases de cálculos por ocasião da aquisição do
investimento;
(b)deverá excluir os valores relativos ao ágio por rentabilidade futura e mais-valia
que foram amortizados contabilmente e não deduzidos;
(c)deverá tributar o valor eventual da menos-valia que tiver sido amortizado em
períodos anteriores e controlado nos livros fiscais;
(d)deverá tributar o eventual ganho em decorrência da avaliação do investimento
pelo valor justo em caso de aquisição de controle sem pagamento, na forma do item
30 da Interpretação CPC 09 (R2).
O intérprete deve ter presente que a diretriz básica para a compreensão e aplicação dessas
normas é a de que o contribuinte, na apuração do ganho de capital, poderá computar como custo
do investimento todo o valor pago a título de ágio ou mais-mais valia que estejam ou não
agregados ao valor contábil; e o mesmo raciocínio deve ser adotado para o ganho por compra
vantajosa e menos-valia, que serão tributados. Esse mesmo critério de interpretação deve ser
adotado em relação aos investimentos adquiridos antes do advento da Lei nº 12.973/14, para os
quais não existe a figura da mais ou menos-valia e nem da compra vantajosa; no lugar desta última
pode haver a figura do “deságio”. O art. 184 da IN 1.700/17 explicita o que deve ser feito em tais
circunstâncias. Esses critérios não devem ser aplicados em casos de incorporação, fusão ou cisão
que, concomitantemente, tenha a investidora e a investida como partes.
Antes da baixa (por alienação ou liquidação), portanto, em se tratando de investimento
avaliado pelo método da equivalência patrimonial, o contribuinte deve efetuar um derradeiro
ajuste, pelo valor do patrimônio líquido, com base em balanço patrimonial ou balancete de
verificação da sociedade investida que tenha sido levantado na data da baixa ou até 30 dias, no
máximo, antes dessa data.
Diante da possibilidade de escolha entre um balanço ou balancete levantado na data da baixa
e de outro levantado até 30 dias antes, o contribuinte deverá analisar e escolher o que lhe for mais
conveniente. O fator que irá determinar a escolha é conhecimento (ou projeção) do que vai
acontecer entre uma data e outra. Assim, se nesse período a controlada apurar lucro, o balanço ou
balancete levantado na data da baixa deve ser o escolhido, pois o valor do ajuste aumenta o valor
contábil do investimento e a contrapartida é receita não tributável, com o que se diminui o valor
do ganho de capital se comparado com a outra alternativa. Por outra parte, se as perspectivas
indicam que a controlada irá experimentar prejuízos, o balanço ou balancete de até 30 dias é o
mais indicado, porque o resultado negativo de equivalência patrimonial reduz o valor contábil do
investimento e a contrapartida não é dedutível.
Nada há de estranho nessa quebra de simetria entre o valor do investimento e o valor do
patrimônio líquido da investida, na data da baixa, que o método de equivalência patrimonial
aparentemente tem como princípio. De fato, existem diversas situações em que essa simetria é
quebrada, como, por exemplo, quando há diversidade de critérios contábeis adotados entre a
controladora e a controlada. Portanto, essa aparente assimetria é gerada por vontade da própria
lei tributária, pois é ela quem admite uma defasagem de datas, desde que não superior a 30 dias.
Feitas as anteriores considerações, cabe agora refletir sobre os conceitos de “alienação” e
“liquidação” de um investimento. Esses vocábulos têm em comum o fato de designarem situações
em que o valor do investimento é baixado do Ativo, com ou sem efeito no resultado.16
34.5.1Alienação
Em sentido comum, alienar é passar algo de um lugar para outro; da titularidade ou
propriedade de uma pessoa ou outra. Na alienação o bem “troca de mãos”. Para Pontes de Miranda
alienar é: “tornar de outrem, como alterar, de alter,tornar outro”.17 Alienar, segundo Pedro
Nunes,18 significa:
“Tornar alheio, transferir determinados bens ou direitos, a qualquer título legítimo
e por ato entre vivos, do patrimônio de uma pessoa para outra.”
Para a legislação do Imposto de Renda, o vocábulo alienação designa qualquer operação
que importe transmissão ou promessa de transmissão, a qualquer título, tais como as realizadas
por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação,
procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de
direitos e contratos afins. Esse conceito consta do § 4º do art. 117 do RIR/99.
34.5.2Liquidação
A legislação tributária não oferece elementos para determinar o sentido e o alcance do
termo liquidação. De plano é possível afirmar que a lei não está se referindo à “liquidação de
sociedade”, que é um instituto jurídico com contornos próprios.19 Na escorreita lição de Bulhões
Pedreira,20 existem pelo menos cinco hipóteses em que poderá ocorrer a liquidação do
investimento: (a) liquidação da pessoa jurídica, com o consequente rateio do acervo líquido pelos
respectivos sócios; (b) redução do capital da pessoa jurídica, para devolução aos sócios de parte
de seu patrimônio, ou para reconhecimento de perda de capital em decorrência de prejuízos
realizados21 pela pessoa jurídica; (c) reembolso e resgate de ações, que correspondem à extinção
de apenas algumas ações do capital da sociedade anônima, nos casos e nas condições previstas
em lei; (d) retirada ou exclusão de sócio nas sociedades comerciais ou civis (com exceção das
sociedades por ações) em virtude de consentimento dos demais ou de cláusula contratual que a
autorize; e (e) nas sociedades em conta de participação, quando houver devolução, pelo sócio
ostensivo, do valor do capital contribuído pelo sócio oculto ou em decorrência da liquidação da
sociedade.
Por outro lado, ocorre extinção de participação societária nos casos de fusão, cisão ou
incorporação em que as ações ou quotas detidas não são trocadas por outras, ou seja, nos casos
em que a sociedade que absorve o patrimônio destacado ou movido é também sócia naquela
sociedade em que houve o destaque patrimonial ou o seu inteiro trespasse. Em lugar de novas
ações ou quotas a sociedade que recebe a parcela patrimonial recebe bens, direitos ou obrigações,
que compõem o “acervo líquido”. Tal fenômeno ocorre em pelo menos três situações: (a) no caso
de incorporação, quando a incorporadora é titular de ações ou quotas do capital da incorporada;
(b) no caso de fusão, quando uma das sociedades é titular de ações ou quotas do capital da outra;
e (c) no caso de cisão, nos casos em que a sociedade que vier a incorporar a parcela cindida é
titular de ações ou quotas da sociedade que foi objeto da cisão.
34.6GANHO OU PERDA DE CAPITAL POR VARIAÇÃO DE
PERCENTUAL DE PARTICIPAÇÃO
Pode ocorrer que a investidora tenha aumentado ou diminuído o seu percentual de
participação no capital da investida por omissão sua ou por outros fatores. Quando isto ocorre,
dependendo de certas circunstâncias, há um ganho ou uma perda que deve ser refletida no
resultado do período.
Como dispõe o art. 428 do RIR/99, não será computado na determinação do lucro real o
acréscimo ou a diminuição do valor de patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho
ou perda de capital por variação na percentagem de participação do contribuinte no capital social
da coligada ou controlada. Já o § 1º do art. 428 do RIR/99, que indica como matriz legal o § 6º
do art. 25 da Lei nº 9.249/95, dispõe que: os resultados da avaliação dos investimentos no exterior,
pelo método da equivalência patrimonial, que forem decorrentes da variação no percentual de
participação, no capital da investida, terão o tratamento previsto no art. 394, que, por seu turno,
trata da tributação de lucros apurados no exterior.
A Lei nº 12.973/14 deu nova redação ao art. 31 do Decreto-lei nº 1.598/77, para dispor que
não será computado na determinação do lucro real o acréscimo ou a diminuição do valor de
patrimônio líquido de investimento, decorrente de ganho ou perda por variação na porcentagem
de participação do contribuinte no capital social da investida. O enunciado do § 2º do art. 184 da
IN 1.700/17 repete esse mandamento, sem distinguir entre investimentos nacionais ou
internacionais.
1A expressão “equivalência patrimonial” não constava do texto original da Lei editada em
1976; trata-se de acréscimo introduzido pela Lei nº 11.941/09.
2PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia. Rio de
Janeiro: Forense, 1989. p. 699.
3XAVIER, Alberto. Pareceres de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 69.
4Quando do julgamento do Recurso nº 130.385 (acórdão nº 108-07.165) em 17 de outubro de
2002, a Oitava Turma do Primeiro Conselho de Contribuintes decidiu que: “A valoração não
obrigatória dos investimentos pelo método da equivalência patrimonial, quando realizada, não
pode equiparar-se a reavaliação espontânea, dada a inerente neutralidade tributária de ambos
os institutos, equivalência patrimonial e reavaliação.”
5De acordo com a letra b do § 2º do art. 10 do Decreto-lei nº 1.950/82, são interligadas as
sociedades que tenham por controlador o mesmo sócio ou acionista.
6MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1958. v. 3, p. 44.
7Vide, sobre o assunto, o § 11 do art. 18 do Pronunciamento CPC 18 e o também o
Pronunciamento CPC 26.
8ASCARELLI, Tullio. Ensaios e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1952, p. 210.
9O valor do ágio pago constitui, para o acionista, prestação de capital, e, deste modo, não tem
natureza jurídica autônoma. A restituição ou o reembolso segue, portanto, as regras atinentes
ao capital social. Em parecer ofertado antes do advento da Lei nº 6.404/76, Francisco Campos
discorreu sobre as consequências jurídicas de um “ágio reembolsável” no seu Direito
comercial. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, p. 217-224.
10Para Paulo de Tarso Domingues (Variações sobre o capital social. Coimbra: Almedina, 2009,
p. 455) afirma que: “O ágio visa fundamentalmente a compensar a diferença entre o valor
nominal das ações {subscritas no aumento de capital} e o valor venal das ações antigas; dito
de outro modo, visa a assegurar a igualdade entre o valor das entradas e o valor dos direitos
sociais, ou seja, com o ágio pretende-se fundamentalmente assegurar o princípio da igualdade
de tratamento entre os sócios.”
11CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. v. 1. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 116. Para o autor: “A existência de uma rígida disciplina da avaliação dos
bens que irão formar o capital social fundamenta-se basicamente na necessidade de fazer com
que o capital social constante dos estatutos corresponda a valores reais e não fictícios,
representando assim uma soma não ilusória: trata-se, pois de resguardar a efetividade do capital
social.”
12Para Fábio Konder Comparato (Aspectos jurídicos da macroempresa. São Paulo: RT, 1970,
p. 79-80): “as ações são, portanto, bens de segundo grau e que, como tal, não nos devem fazer
perder de vista o fato de que os bens de uma companhia pertencem indiretamente, ou seja,
através desse diafragma acionário, aos seus acionistas”.
13IUDÍCIBUS, Sérgio et al. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010, p. 195.
14Idem, p. 395.
15Essa espécie de provisão só foi dedutível até 31 de dezembro de 1995.
16Esse tema será analisado com maior profundidade no capítulo sobre Reorganizações
Societárias.
17MIRANDA, Francisco C. Pontes de. Tratado de direito privado. v. 14. 3. ed. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1970, p. 107.
18NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. v. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1982,
p. 84.
19As autoridades fiscais, por intermédio do Parecer Normativo CST nº 191/72, esclarecem que:
“a liquidação, voluntária ou forçada, de empresa individual ou de sociedade mercantil é o
conjunto de atos destinados a realizar o ativo, pagar o passivo e destinar o saldo que houver,
respectivamente, ao titular ou, mediante partilha, aos componentes da sociedade, na forma da
lei, do estatuto ou do contrato social”. Sobre a liquidação de sociedades por ações vide arts.
208 a 218 da Lei nº 6.404/76.
20PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Apec, 1971. p. 17-18.
21De modo incorreto, segundo o meu juízo, o Conselho de Contribuintes decidiu, no acórdão
101-93.978, de 16 de outubro de 2002: “O aporte de recursos financeiros para as empresas
coligadas ou interligadas, com a finalidade de dar cobertura dos prejuízos apurados constitui
acréscimo ao investimento, consoante regra de avaliação estabelecida no artigo 248, § 1º, da
Lei nº 6.404/76.”
35.1REGIMES JURÍDICOS E EFEITOS FISCAIS
As palavras ágio, deságio, mais-valia, menos-valia e a expressão ganho por compra
vantajosa vêm sendo utilizadas, ao longo do tempo, pelas diversas normas de caráter contábil e
tributário que dispõem sobre os investimentos em participações societárias em sociedades
coligadas ou controladas que devam ser registradas e mensuradas de acordo com as regras que
regem a apuração do resultado de equivalência patrimonial e dos ganhos ou perdas de capital.
Entre 1978 (ano em que entrou em vigor o Decreto-lei nº 1.598/77) e 2014 (ano da edição da Lei
nº 12.973/14), só eram feitas referências ao ágio e ao deságio; o primeiro devia ser registrado no
ativo permanente como parcela integrante do custo de aquisição dos investimentos enquanto, o
valor do deságio devia ser demonstrado como parcela dedutiva do custo do valor contábil e era
calculado em função do valor patrimonial do investimento adquirido. Com o advento da Lei nº
12.973/14, sugiram as figuras da mais-valia, da menos-valia e do ganho por compra vantajosa; a
palavra ágio continuou a ser adotada e referida também pelo sinônimo goodwill. O deságio deixou
de ser calculado a partir de então. No regime do Decreto-lei nº 1.598/77, que foi alterado pela Lei
nº 9.532/97, o ágio e o deságio afetam o resultado contábil em dois momentos; pela amortização
ao longo do tempo, de acordo com o fundamento econômico atribuído pelo contribuinte, e,
quando da alienação terceiros ou por ocasião da liquidação do investimento em casos de fusão,
incorporação e cisão. Antes do advento da Lei nº 9.532/07, no período que ocorresse a alienação
ou liquidação o contribuinte deveria apurar o ganho ou perda de capital e poderia optar por diferir
a tributação do ganho em caso de alienação a prazo ou em virtude de liquidação em virtude de
incorporação, fusão ou cisão. Em caso de perda, ao contribuinte era facultada a decisão de adiar
a dedução. Na apuração do ganho ou perda de capital o contribuinte deveria considerar os efeitos
os valores que porventura tivessem sido amortizados contabilmente antes do evento
caracterizador da alienação ou liquidação; esses valores deveriam estar registrados na Parte B do
Lalur, porquanto a despesa de amortização do ágio não era dedutível (exceto nos anos de 1979 e
1980) e as receitas decorrentes da amortização do deságio não eram tributáveis.
Esse quadro se alterou com o advento da Lei nº 9.532/97 no tocante às operações de
incorporação, fusão e cisão. Os preceitos dos arts. 7º e 8º da referida Lei determinaram o
diferimento dos efeitos fiscais das parcelas constantes dos registros contábeis nos casos em que a
investidora (ou a investida em caso incorporação inversa) viesse a absorver patrimônio de outra,
em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detivesse participação societária adquirida
com ágio ou deságio. A partir de então, o contribuinte deixou de ter a prerrogativa de deduzir o
valor do ágio imediatamente, na data do evento societário de fusão, cisão ou incorporação. A
dedução passou a ser diferida no tempo mediante controle contábil da perda. O mesmo
raciocínio, mutatis mutandis, se aplicava ao eventual ganho apurado, cuja tributação podia ser
diferida. A Lei foi omissa a respeito do que deveria ser feito em relação às parcelas que já tivessem
sido amortizadas contabilmente antes do evento societário.
Mais de três décadas depois do advento do Decreto-lei nº 1.598/77, a Lei nº 12.973/14
alterou novamente o ordenamento jurídico aplicável; ela impôs mudanças na sistemática de
cálculo do valor do ágio e criou as figuras da mais-valia, da menos-valia e do ganho por compra
vantajosa; além disso, eliminou a figura do deságio. A nova lei manteve a sistemática anterior, de
modo que o efeito fiscal do ágio, mais ou menos-valia e ganho por compra vantajosa ocorre
apenas no momento em que houver a alienação ou liquidação do investimento; as amortizações
ocorridas antes do evento caracterizador da alienação ou liquidação não podem ser deduzidas,
mas devem ser controladas na parte do e-Lalur e e-Lacs, e o mesmo controle deve ser feito para
os valores dos ganhos por compra vantajosa imputado ao resultado no momento da aquisição do
investimento.
35.2DESDOBRAMENTO DO CUSTO DE AQUISIÇÃO
Desde o advento do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77, o contribuinte que avaliar
investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá
desdobrar o custo de aquisição em: (a) valor de patrimônio líquido na época da aquisição e (b)
ágio ou deságio, que corresponderá à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o
valor de patrimônio líquido. Para os investimentos adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2015,
deverá ser observado o disposto na Lei nº 12.973/14, que modificou o Decreto-lei nº 1.598/77 e
impôs mudanças na sistemática de cálculo do valor do ágio. De acordo com as novas regras, o
valor de aquisição de um investimento que deva ser avaliado pelo método da equivalência
patrimonial será desdobrado em: (a) valor patrimonial da participação, que corresponde à
aplicação do percentual de participação no capital social da investida no valor do patrimônio
líquido contábil desta, na data da aquisição; (b) mais ou menos-valia, que corresponde à diferença
entre o valor patrimonial e o valor justo dos ativos líquidos da investida, calculados de acordo
com a proporção da participação no capital social adquirida; e (c) ágio por rentabilidade futura
(goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e a soma das
cifras correspondentes ao valor patrimonial e mais ou menos-valia.
35.2.1Custo de aquisição ou contraprestação transferida
Custo de aquisição é o valor em moeda que alguém despende para se tornar proprietário de
participação societária. Custo, neste contexto, equivale ao preço de aquisição de ações ou quotas
que pode vir a ser pago em dinheiro ou outros bens, inclusive ações ou quotas emitidas pela
adquirente.1 O preço corresponde ao valor dos bens que o adquirente de ações ou quotas entrega
ao vendedor ou à própria sociedade emissora dos referidos títulos patrimoniais. Como elemento
integrante das relações jurídicas, o preço de uma coisa ou um conjunto de coisas pode ser
determinado desde logo pelas partes ou vir a ser determinado a posteriori de acordo com as regras
e princípios contidos nos arts. 485 a 487 do Código Civil. O modo de cumprimento da obrigação
assumida deve ser expresso nos documentos firmados entre as partes, de modo que o adquirente
deve indicar se fará o pagamento mediante a entrega de dinheiro ou outros bens, inclusive ações
ou quotas de seu próprio capital.
As normas contábeis editadas após o advento da Lei nº 11.638/07 fazem menção à
“contraprestação transferida” e a Lei nº 12.973/14 adota essa mesma expressão ao dispor sobre o
ganho por compra vantajosa.
O enunciado do § 12 do art. 178 da IN 1700/17 afirma que a composição do custo de
aquisição respeitará o disposto na legislação comercial, considerando inclusive contraprestações
contingentes referidas nos itens 39 e 40 do Pronunciamento Técnico CPC 15 (R1), assim definidas
no art. 197 da IN 1.700/17:
(a)obrigações contratuais, assumidas pelo adquirente, de transferir ativos adicionais
ou participações societárias adicionais aos vendedores, subordinadas a evento futuro
e incerto; ou
(b)direito de o adquirente reaver parte da contraprestação previamente transferida ou
paga, caso determinadas condições sejam satisfeitas.
As normas contábeis partem do pressuposto que – tal como prevê a lei civil – o preço da
participação societária pode sofrer de ajustes para mais ou para menos, e estes devem – na medida
do possível – ser estimados e considerados no custo de aquisição em razão da probabilidade de
saída futura de caixa do patrimônio da sociedade adquirente. Não é incomum que as partes
estabeleçam que parte do valor do negócio seja determinada a posteriori em razão do desempenho
da empresa após a data em que o adquirente assume a sua administração; nestes casos surgem as
cláusulas de earn-out, que têm nítido caráter condicional. Em qualquer caso, os critérios para
determinar as parcelas a serem pagas a esse título devem estar previamente estabelecidos no
contrato de aquisição, de modo que o adquirente possa determinar – ainda que por critérios
estimativos – o valor justo da obrigação que está assumindo. O item 45 do Pronunciamento
Técnico CPC 15 (R1) faz menção ao período de mensuração, no qual o adquirente pode e deve
fazer ajustes sobre os valores registrados na contabilidade que tenham sido determinados por
estimativa.
A Lei tributária não é clara a respeito do que deve ser feito com as eventuais prestações
contingentes incluídas no valor transferido e que não se materializam e que dão azo ao
desaparecimento da obrigação anteriormente registrada no Passivo, se for o caso.2 O item 58 do
Pronunciamento CPC 15 (R1), modificado pela Revisão CPC 06, afirma que eventuais ajustes do
valor justo reconhecido inicialmente devem ser atribuídos a fatos subsequentes e transitar por
resultado. De acordo com a perspectiva contábil, o eventual registro da baixa do passivo deve ser
feita em conta de receita que, do ponto de vista, será tributável até que seja editada norma em
sentido contrário.
O valor justo dos itens que compõem a contraprestação total transferida deve ser informado
no laudo de avaliação de apuração da mais ou menos-valia a ser enviado às autoridades fiscais.
Valor justo, neste contexto, é o valor efetivamente pago ou, em caso de pagamento parcial, o valor
já despendido acrescido do valor presente das parcelas a serem pagas. No caso em que a
liquidação do preço seja feita em ações da adquirente do investimento, o valor justo é o que foi
aceito pelo vendedor em operação livre de interferências.
Na forma do disposto no item 53 do Pronunciamento CPC 15 (R1), os custos diretamente
relacionados à aquisição devem ser imputados diretamente ao resultado no período em que forem
incorridos e os serviços forem recebidos. Tais custos são, em geral, os decorrentes de honorários
de profissionais e consultores, tais como advogados, contadores, peritos, avaliadores; custos
administrativos gerais, inclusive custos decorrentes da manutenção de departamento de
aquisições; e custos de registro e emissão de títulos de dívida e de títulos patrimoniais. Eventuais
custos decorrentes da emissão de títulos de dívida e de títulos patrimoniais devem ser
reconhecidos de acordo com os Pronunciamentos Técnicos CPC 08 e 39.
35.2.2Valor patrimonial
Valor patrimonial de um investimento é aquele representado pela cifra resultante da
aplicação do percentual de participação no capital social da sociedade investida (o que inclui as
ações preferenciais, mesmo quando sejam elas registradas em conta do Passivo) sobre o valor do
seu patrimônio líquido contábil. De acordo com o art. 21 do Decreto-lei nº 1.598/77, modificado
pela Lei nº 12.973/14, para apurar o valor patrimonial o contribuinte (a investidora) deverá
observar o disposto no art. 248 da Lei nº 6.404/76, e as seguintes normas:
(a)valor de patrimônio líquido será determinado com base em balanço patrimonial ou
balancete de verificação da investida levantado na mesma data do balanço
do contribuinte ou até 2 (dois) meses, no máximo, antes dessa data, com observância
da lei comercial, inclusive quanto à dedução das participações nos resultados e da
provisão para o imposto sobre a renda;
(b)se os critérios contábeis adotados pela investida e pela investidora não forem
uniformes, o contribuinte deverá fazer no balanço ou balancete da investida os
ajustes necessários para eliminar as diferenças relevantes decorrentes da diversidade
de critérios;
(c)os valores constantes do balanço ou balancete da investida, levantados em data
anterior à do balanço do contribuinte, deverão ser ajustados para registrar os efeitos
relevantes de fatos extraordinários ocorridos no período;
(d)o prazo de 2 (dois) meses referido em “a”, acima, aplica-se aos balanços ou
balancetes de verificação das sociedades de que a investida participe, direta ou
indiretamente, com investimentos que devam ser avaliados pelo valor de patrimônio
líquido para efeito de determinar o valor de patrimônio líquido da investida.
O item I do art. 248 da Lei nº 6.404/76 determina a adoção de uma espécie de ajuste que não
foi mencionada na lei tributária: o preceito afirma que no valor do patrimônio líquido da coligada
ou da controlada não serão computados os resultados não realizados decorrentes de negócios com
a companhia, ou com outras sociedades coligadas à companhia, ou por ela controladas.
Essas regras indicam que a identificação do valor patrimonial não pode ser obtida sem a
devida análise hermenêutica dos diversos fatores que interferem na determinação da cifra como
são os que dizem respeito à contemporaneidade do balanço da sociedade investida e também os
que dizem respeito à harmonização dos critérios contábeis adotados pela investida em confronto
com os adotados pela investidora. A existência de regras sobre harmonização contábil tende a
diminuir drasticamente as diferenças de critérios contábeis, mas a investidora deve estar atenta
para a ocorrência de erros ou manipulações dolosas das cifras contábeis.
O valor do investimento será determinado mediante a aplicação sobre o valor de patrimônio
líquido ajustado da porcentagem da participação do contribuinte na investida. No caso de filiais,
sucursais, controladas e coligadas, domiciliadas no exterior, aplicam-se as normas da legislação
correspondente do país de domicílio para apuração do valor patrimonial pela investidora.
35.2.3Ações ou quotas de sociedade com patrimônio líquido
negativo
Dúvidas são suscitadas acerca do valor a ser considerado nos registros contábeis da
investidora nos casos em que vier a adquirir ações ou quotas de sociedade em situação de “passivo
a descoberto”, ou seja, quando o valor contábil dos passivos supera o valor dos ativos de modo
que há patrimônio líquido negativo. Desde o advento do texto original do caput do art. 20 do
Decreto-lei nº 1.598/77, e que foi mantido pela Lei nº 12.973/14, o valor contábil de um
investimento adquirido deve corresponder ao montante do custo de aquisição e nada é dito acerca
do que deve ser feito em caso de aquisição de ações ou quotas de sociedade com patrimônio
líquido negativo. A existência dessa lacuna permite duas soluções como diferentes consequências.
Assim, em primeiro lugar, é possível inferir que o valor integral do custo de aquisição deve ser
registrado como ágio em razão da inexistência de “valor patrimonial” que, se existe, é negativo e
ninguém pode considerar como ativo um recurso sem condições técnicas de gerar futuros fluxos
de caixa. Em segundo lugar, é possível afirmar que o valor do ágio deve corresponder ao
somatório do valor do custo de aquisição mais o valor do passivo a descoberto que está sendo
“adquirido” ou assumido pelo investidor. Esse último ponto de vista encontra apoio em antigo ato
normativo divulgado pela CVM – o Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 1/2005 – segundo o qual:
“Se, no momento da aquisição do investimento, o valor do Patrimônio Líquido da
investida já for negativo, o saldo inicial da equivalência patrimonial deve ser
negativo, com o ágio representando a diferença entre esse resultado e o custo de
aquisição. O investimento total inicial, é claro, será positivo, representando o valor
efetivo pago.”
A CVM, neste caso, presume que o adquirente assume uma espécie sui generis de
responsabilidade solidária em face dos credores da sociedade investida, e, por isso, considera que
esse valor deve ser incluído no preço de aquisição já que a nova investidora deverá aportar
recursos para sanar a situação de passivo a descoberto.3 Essa presunção parece ser razoável se
considerarmos que a manifestação da vontade de assumir as obrigações (ou melhor, de aportar
recursos solvê-las) está implícita no próprio ato de aquisição e isto é causa suficiente para obrigar
o adquirente a fazer registro contábil de uma mutação patrimonial. Afinal, se alguém despende
recursos para adquirir uma participação societária em sociedade em estado pré-falimentar, é
razoável presumir que ela decidiu com conhecimento de causa acerca da necessidade de capital
novo para manter a sociedade investida em condições normais de funcionamento; em outras
palavras, a manifestação da vontade tácita é mais que suficiente para determinar o registro
contábil a menos que existam circunstâncias que recomendem ou imponham a abstenção do
registro. Por esta vereda, se existem fortes indícios de que a adquirente da participação assumiu
o dever jurídico de aportar recursos para futuro aumento de capital, parece certo que o valor em
causa corresponde ao preço de aquisição do investimento e a obrigação correspondente deve ser
registrada em sua contabilidade tendo como contrapartida o valor do investimento que está sendo
adquirido.
Depois do advento da Lei nº 12.973/14, ficou claro que a adquirente deve computar no custo
de aquisição (valor transferido) também as parcelas contingentes relativas a obrigações
eventualmente assumidas que modificam o preço; todavia, essa continua a ser uma questão
negocial já que uma norma contábil não pode impor obrigação para entidade, e, por isso, as
parcelas contingentes só serão registradas se houver decisão dos órgãos da administração. Por
isso, o registro das parcelas contingentes não pode ser feito sem consulta aos documentos do
negócio jurídico e sem acurada análise das eventuais condições suspensivas ou resolutivas
porventura estabelecidas entre as partes.
No âmbito tributário, a questão foi examinada pelo CARF no julgamento que deu origem
ao acórdão 1101-00.766, de 5 de julho e 2012. Na ocasião, o órgão julgador decidiu que: “na
aquisição de investimento em empresa com passivo a descoberto, o ágio limita-se ao valor pago
pela investidora”, não sendo considerada, portanto, a eventual parcela do “passivo a descoberto”
proporcional à participação da investidora no capital da investida.
35.2.4Aquisição de ações ou cotas
O termo aquisição possui grande espectro significativo e abrange todas as formas pelas
quais um bem ou direito passa a integrar o patrimônio de alguém. Se a lei tributária não adota um
conceito específico de “aquisição”, presume-se que a sua intenção foi a de adotar a conotação
comumente empregada em outras normas. Na lição de Pedro Nunes,4 aquisição é:
“O fato de tornar seu um determinado direito ou certa coisa, por ato de
transferência, legal ou voluntário do proprietário desta ou do titular daquele.”
Em igual sentido, De Plácido e Silva,5 no seu consagrado Vocabulário Jurídico, anota:
“Formada do vocábulo latino acquisitio (ação de adquirir), é empregado na
linguagem jurídica para indicar o ato ou fato, em virtude do qual se opera a
transferência do domínio ou propriedade de uma coisa, móvel ou imóvel, ou sua
posse, ou a transferência de um direito, para uma pessoa, que assim se torna
proprietária dela, ou titular deste direito.”
Para Antônio da Silva Cabral,6 “aquisição é gênero e significa o ato ou o modo de adquirir
bens ou direitos a título gratuito ou oneroso, inter vivos ou causa mortis”. De acordo com Pontes
de Miranda,7 “adquirir direito é tornar-se o seu titular”.
A aquisição da participação societária (ações ou quotas) a que se refere preceito do art. 385
do RIR/99 abrange as operações de compra, de permuta, de recebimento em dação de pagamento,
doação, de subscrição e integralização de capital etc. A aquisição também pode ocorrer em casos
de sucessão em virtude de incorporação, fusão e cisão.
Muito se discute se a subscrição de ações ou quotas constitui ou não forma de aquisição de
participação societária suscetível de atrair a aplicação das normas sobre o desdobramento do valor
de aquisição para identificação do valor do ágio, mais ou menos-valia e ganho por compra
vantajosa. A CVM tem posição firmada a respeito do tema desde o advento da Nota Explicativa
da Instrução CVM nº 247/96, que foi editada para guiar a interpretação e aplicação da referida
Instrução. De acordo com citada Nota Explicativa:
“Até algum tempo atrás, era entendimento de muitas pessoas que o ágio e o deságio
somente surgiam quando havia uma aquisição das ações de uma determinada
empresa (transação direta entre vendedor e comprador). Hoje, entretanto, já existe
o entendimento de que o ágio ou o deságio pode também surgir em decorrência de
uma subscrição de capital. Em um processo de subscrição de ações, quando há
alteração no percentual de participação, o entendimento era de que a parcela
subscrita que ultrapassasse o valor patrimonial das ações constituía uma perda de
capital na investidora (e um ganho na empresa cuja participação estava sendo
diminuída), e essa perda/ganho deveria ser contabilizada, no resultado não
operacional, como variação de percentual de participação. Posteriormente,
verificou-se que quando essa parcela subscrita decorre, por exemplo, da
subavaliação no valor contábil dos bens, existe a figura do ágio na investidora,
mesmo que não tenha havido uma negociação direta com terceiros.”
A rigor, a Nota Explicativa (e também a Instrução explicada) quer dizer que “subscrição” é
um modo de “aquisição”; portanto, há entre ambas as figuras uma relação todo-parte, pela qual a
subscrição (como a compra venda, a dação em pagamento, a doação etc.) é modo de aquisição.
Quem subscreve ações o faz com o deliberado propósito de tornar-se acionista e proprietário de
um título que lhe confere direitos patrimoniais e políticos; portanto, o subscritor quer adquirir
ações e os direitos a elas inerentes e o fará depois de cumprir a sua obrigação de integralizar o
montante subscrito.
A subscrição é ato pelo qual o sócio ou futuro sócio se obriga a realizar o valor do capital
que pretende adquirir, enquanto a integralização, por outro lado, é ato de cumprimento da
obrigação contraída no ato da subscrição e que se perfaz mediante qualquer forma de extinção da
obrigação que confirme a aquisição do status de sócio pelo subscritor que, em decorrência, se
torna proprietário das ações ou quotas emitidas. Assim, uma vez integralizado o valor subscrito,
o sócio adquire as quotas ou ações, e, ao mesmo tempo, assume a posição definitiva de sócio8 com
os direitos e obrigações inerentes. A sociedade, por sua vez, recebe ativos dados em pagamento
do valor integralizado e se torna proprietária dos mesmos, salvo estipulação em contrário na forma
do disposto no art. 9º da Lei nº 6.404/76.
Para Paulo Olavo Cunha,9 a subscrição “traduz a vontade de aquisição originária de
titularidade por partes dos destinatários da emissão”. Para Pontes de Miranda,10 não há dúvida
alguma de que subscrição é meio de aquisição de ações:
“Quem subscreve põe a assinatura para se vincular à aquisição das ações se a
sociedade por ações vier a constituir-se.”
De igual modo, Waldirio Bulgarelli11 é incisivo ao lecionar que subscrição não é algo
diferente de aquisição. De acordo com o acatado jurista:
“Subscrever ações: é a declaração de vontade expressa pelo subscritor de adquirir
ações de uma sociedade por ações (anônima ou em comandita por ações).”
No famoso Black’s Law Dictionary,12 o vocábulo subscription significa:
“A written contract by which one engages to take and pay for capital stock of a
corporation.”
O ágio, a mais ou menos-valia e o ganho por compra vantajosa na subscrição de ações ou
quotas ocorrerá sempre que o valor da subscrição for superior ou inferior ao valor patrimonial da
ação ou quota adquirida.13 A existência legal dessas parcelas está intrinsecamente vinculada ao
preço de emissão das ações, que é objeto de várias normas de direito societário que tutelam a
figura do “capital social”.
Portanto, parece claro que se a lei não impõe qualquer condição ou qualificação acerca do
modo de aquisição, e, por conseguinte, é razoável concluir que abrange toda forma de aquisição
prevista (ou não proibida) pelo ordenamento jurídico. O tema foi submetido a julgamento pelo
Conselho de Contribuintes quando do julgamento do Recurso nº 155.375, pela 5ª Câmara do 1º
Conselho de Contribuintes em 8 de novembro de 2007, no qual foi dado provimento ao recurso
do contribuinte em acórdão que tem a seguinte ementa:
“ÁGIO NA SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES – AMORTIZAÇÃO – O ágio na
subscrição de ações deve ser calculado após refletido o aumento do patrimônio
líquido da investida decorrente da própria subscrição. O ágio corresponde à parcela
do valor pago que não beneficia, via reflexa, o próprio subscritor. A subscrição é
uma forma de aquisição e o tratamento do ágio apurado nessa circunstância deve
ser o mesmo que a lei admitiu para a aquisição das ações de terceiros.”
O acórdão está correto ao dizer que a subscrição é forma de aquisição de ações ou quotas; a
rigor, a subscrição é o ato pelo qual alguém se obriga a adquirir ações ou quotas tornando-se de
acionista ou sócio ou, ainda, aumentado o número de seus títulos. Idêntica decisão foi proferida
no acórdão 9101-001.657, de 2013.
35.2.5Eficácia da aquisição
A aquisição de ações ou quotas pode ocorrer no bojo de um negócio jurídico simples ou no
contexto de diversas operações de caráter societário ou comercial. Diversas normas dispõem sobre
a validade e sobre a eficácia da aquisição e são de ordem pública ou dispositivas. Logo, para se
determinar em que momento ocorre a aquisição de um título de participação societária é
imprescindível que se faça a aplicação concomitante de diversas normas de caráter geral, contidas
nas leis civis ou societárias, e também das normas de caráter especial, assim consideradas as que
constam dos instrumentos de constituição das sociedades investidas.14 Em certas circunstâncias,
será necessário observar normas de caráter setorial e de defesa da concorrência.15
Em princípio, as quotas de uma sociedade são adquiridas no momento em que elas são
transmitidas de modo incondicional mediante assinatura do instrumento de alteração do contrato
social que deve ser levado para ser devidamente registrado no órgão próprio, no prazo legal. A
aquisição de ações ocorre quando há um evento incondicional que exige a lavratura do termo de
transferência no livro próprio.16
Na forma do disposto no art. 196 da IN 1.700/17, os reflexos tributários decorrentes de
obrigações contratuais em operação de combinação de negócios, subordinadas a evento futuro e
incerto, inclusive nas operações que envolvam contraprestações contingentes, devem ser
reconhecidos na apuração do lucro real nos termos dos incisos I e II do art. 117 do CTN, ou seja:
(a)sendo suspensiva a condição, a partir do seu implemento; ou
(b)sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração
do negócio.
A regra tem um espectro normativo abrangente na medida em que se aplica a qualquer
espécie de combinação de negócio, inclusive, o que consiste na aquisição de participação
societária. A norma tem caráter eminentemente tributário, isto é, regula os aspectos fiscais de
modo distinto e independente das regras contábeis, especialmente no que concerne às prestações
contingentes.
Condição, em sentido amplo, tem relação com a validade ou com a eficácia de um ato ou
negócio jurídico. As condições impostas por lei de ordem pública são, em regra, requisitos de
validade e esta antecede a eficácia. A eficácia, nas relações de direito privado, pode ser
estabelecida pelas partes, mas há casos em que ela deriva da lei. Um ato ou negócio jurídico eficaz
é aquele que está apto a produzir os efeitos que lhes são próprios. A condição que deriva da
vontade das partes (art. 121 do Código Civil) é sempre referida ao evento futuro e incerto.
Outra noção de condição diz respeito aos requisitos necessários a dar validade – e correlativa
eficácia – a um ato ou negócio jurídico. Assim, a lei pode exigir a autorização para prática de
determinado ato e esta pode ser dada previamente ou a posteriori, sob a forma de ratificação ou
homologação com consequências distintas no plano da eficácia, isto é, os efeitos podem ser
retroativos (ex tunc) ou prospectivos (ex nunc), na forma como dispuser a lei.
A autorização para a prática de atos ou negócios jurídicos da vida privada não deriva de
manifestação estatal; ela decorre da Constituição e da Lei. Por isso, os órgãos públicos quando
estiverem encarregados de conceder “autorização” ou “permissão” o fazem apenas para certificar
o cumprimento dos requisitos impostos por normas validamente postas no ordenamento jurídico.
Em tais circunstâncias, a autorização tem caráter homologatório e efeitos retroativos à prática do
ato, salvo disposição de lei em contrário. Há casos, no entanto, em que a lei exige uma espécie de
licença, ou seja, a autorização deve ser dada antes do exercício do direito, e, nestes casos, a
eficácia ocorre a partir do deferimento da licença.
A eficácia pode ser interna (entre as partes) e externa, em relação a terceiros, como são os
atos que foram objeto de arquivamento nos órgãos do registro do comércio (art. 1.151, § 1º do
Código Civil, art. 97, 98 e § 1º do art. 135 da Lei nº 6.404/76, e art. 36 da Lei nº 8.934/94).
Há, na jurisprudência do CARF, um caso em que questões em torno da eficácia da aquisição
de participação societária serviram de justificativa para a glosa da dedução de ágio amortizado.
Por ocasião do julgamento do Processo nº 15504.726513/2011-10 (acór-dão nº 1302-001.465) o
tribunal manteve a glosa de parte do ágio pago na aquisição de ações gravadas com cláusula de
inalienabilidade por decorrerem de incentivos fiscais, na forma do art. 19 do Decreto-lei nº
1.376/74. Os documentos de venda e os pagamentos foram feitos em setembro de 2007, mas
autorização para transferência das ações só foi concedida pelo órgão público em março de 2008,
depois que a sociedade emissora das ações tinha sido incorporada, o que ocorreu em fevereiro de
2008. As autoridades fiscais consideraram que, neste caso, havia uma cláusula suspensiva de
modo que as ações não poderiam ser vendidas senão depois de retirada a cláusula de
inalienabilidade imposta por lei. A rigor, a decisão confunde eficácia com validade; afinal, se as
ações não poderiam ser transferidas, o contrato deveria ser declarado nulo em face § 2º do art. 19
do citado Decreto-lei, e, neste caso, a questão da nulidade não poderia ser suscitada pela
autoridade fiscal em razão do disposto no art. 118 do CTN.
Em outra ocasião, as autoridades fiscais lavraram auto de infração contra uma instituição
financeira que, mediante redução do capital social, transferiu bem a um dos seus sócios que, após
trocá-lo por ações de companhia aberta em operação de reorganização societária, vendeu as ações
recebidas e pagou o imposto. As autoridades fiscais contestaram a eficácia da redução de capital
e consideraram que a pessoa jurídica deveria calcular e recolher os impostos sobre a venda das
ações. No caso, as referidas autoridades afirmaram que a eficácia do ato de entrega de bem a título
de redução do capital social só ocorreu a partir do momento da outorga de autorização pelo Banco
Central do Brasil, que só foi concedida após a venda das ações e que, ademais, a operação era
inexistente porque feita antes do prazo de noventa dias concedido aos credores para contestação,
na forma do art. 1.084 do Código Civil.17 O problema fundamental, neste caso, diz respeito ao
efeito – ex nunc ou ex tunc – da decisão pela redução do capital social e da autorização concedida
pelo Banco Central. Não tenho dúvida em afirmar que a autorização tem efeito homologatório e,
por isso, retroativo. O problema está no fato de que – neste caso – o negócio é sujeito a uma
condição suspensiva da eficácia imposta por lei para tutelar direitos dos credores.
35.3APURAÇÃO DO ÁGIO
A palavra ágio pode ser utilizada para fazer referências a diversas realidades. Em geral, a
palavra designa um plus sobre um determinado preço ou valor previamente determinado. Nas
normas sobre o método da equivalência patrimonial, de ágio é parte do preço de aquisição, mas
não se confunde com o ágio que é pago nos processos de licitação e que corresponde ao valor que
ultrapassa o preço mínimo estipulado pelo licitante, e também não se confunde com o ágio pago
na subscrição de ações ou quotas e que é destinado à constituição de “reserva de capital”, na forma
do § 2º do art. 13 e § 1º do art. 182, ambos da Lei nº 6.404/76. O valor do ágio que deve ser
registrado em Reserva de Capital é ágio-prêmio; por outro lado, o ágio eventualmente apurado
por ocasião do desdobramento do custo de aquisição de um investimento adquirido é o ágio-preço.
No âmbito das normas sobre equivalência patrimonial a palavra ágio sofreu uma espécie de
mutação significativa. Nas normas originalmente ditadas pelo Decreto-lei nº 1.598/77, ágio é uma
grandeza que designa o valor correspondente à diferença para mais entre o valor custo de
aquisição e o valor patrimonial de uma participação societária que deva ser avaliada de acordo
com as regras do referido método.
Na legislação contábil, após o advento das normas brasileiras alinhadas às normas
internacionais, ágio passou a representar a parcela do custo de aquisição de um investimento que
vier a ultrapassar o valor patrimonial da participação avaliada mais ou menos o valor justo dos
ativos e passivos da sociedade investida. Tais normas criaram a figura da “mais-valia” que, na
essência, é uma nova qualificação para parte do ágio, que, todavia, tem tratamento contábil e
fiscal específicos. O ágio, depois do advento da Lei nº 12.973/14, tem origem apenas na
expectativa de rentabilidade futura e representa o valor dos ativos intangíveis não identificáveis
que contribuirão para que o negócio adquirido produza fluxos de caixa futuros. O ágio, neste
contexto, pode ser considerado como o custo do “prêmio de controle” e é referido também
por goodwill.
35.3.1O ágio como parte indissociável do preço de aquisição
O ágio é uma figura contábil pertencente ao ativo porque representa parte do custo de
aquisição de um investimento suscetível de gerar lucros futuros e valorização da empresa,
aumentando a riqueza do investidor. Como parcela integrante do ativo ela – em algum momento
– influenciará o resultado da investidora. Como parte integrante do custo de aquisição de
investimentos, o ágio é um elemento indissociável do preço de aquisição de uma participação
societária, e que, por essa razão, não goza de autonomia em relação ao investimento. Ágio não é
um bem separável, e, por isso, não pode ser alienado como coisa independente; enfim, não é
juridicamente possível dissociar o ágio da participação societária.18
35.3.2Propósito negocial
Todo ágio tem uma causa; a rigor, a causa primeira é o investimento na aquisição de uma
participação societária suscetível de ser obrigatoriamente avaliada com base no método da
equivalência patrimonial. Quem adquire ações ou cotas de uma sociedade pretende haurir
dividendos, juros e obter a valorização do seu ativo. A aquisição de cotas ou ações de uma
sociedade empresária representa, sob o prisma econômico, uma forma de adquirir uma parcela da
empresa; por isso, quem adquire o controle de uma sociedade que explora uma empresa em
funcionamento, adquire a própria empresa para fruir dos benefícios que ela pode proporcionar a
despeito dos riscos inerentes. O § 3º do art. 2º da Lei nº 6.404/76 afirma que a aquisição de
investimentos em outras sociedades é um meio de realização do objeto social da investidora.
A identificação da causa do ágio, ou do seu propósito negocial, serve para determinar se a
despesa de amortização pode ser rotulada como necessária e normal: assim, por exemplo, no ágio
por expectativa de rentabilidade futura é necessário que o mesmo tenha sido pago para aquisição
de uma empresa em marcha e em condições realísticas de gerar lucros futuros. O ágio associado
ao valor de mercado (ou valor justo) dos bens da sociedade adquirida representa o pagamento do
valor econômico atual de tais bens, de modo que a lucratividade futura é uma remuneração pela
alocação de tais bens a uma atividade empresarial.
As autoridades fiscais têm se voltado contra a existência (ou justificação) do ágio, em certas
circunstâncias, sob o argumento de que foi criado artificialmente. O foco é o denominado “ágio
interno” e a dedução tem sido negada com base na virtual falta de propósito negocial e na
impossibilidade de geração de riqueza entre pessoas jurídicas de um mesmo grupo ou
conglomerado.
Uma primeira questão que surge em todas as discussões sobre esse tema é a utilização – que
se supõe indevida ou se presume abusiva – das regras dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97 para
propiciar a geração de ágio interno fora do contexto das normas que dispunham sobre o programa
nacional de privatização e que serviram de inspiração para a lei tributária. Esses preceitos
permitem a dedução de parte do ágio quando houver incorporação, fusão ou cisão, e isto tem sido
considerado como um incentivo tributário sui generis.
É verdade que as normas citadas foram editadas com o objetivo de facilitar a privatização
de empresas estatais no interesse público; entretanto, ao contrário do que se apregoa, tais normas
são menos benéficas para os contribuintes que as anteriores que previam a dedução imediata de
todo ágio pago quando da incorporação de sociedade. Assim, a possibilidade de dedução do ágio
por rentabilidade futura no prazo mínimo de cinco anos representa um modo de proteção dos
interesses do tesouro nacional, e, se constitui algum benefício para o sujeito passivo, é porque a
dedução (integral ou parcelada) do ágio poderia ser simplesmente suprimida pela legislação, de
modo a dedução ocorreria de acordo com os mesmos critérios de dedução do valor patrimonial.
A dedução antecipada, portanto, decorre do que os americanos denominam “legislative grace”,
para fazer referência a toda concessão feita pelo legislador em caráter voluntário.
Em 2000 cogitou-se da revogação do benefício por intermédio do Projeto de Lei nº 2.992-
A, e em 2003 foi apresentada proposta pela manutenção da lei, tal como editada. A proposta de
revogação foi rechaçada por unanimidade pelos Membros da Comissão de Finanças e Tributação
da Câmara dos Deputados.19 A manutenção íntegra da lei indica que o órgão competente, o
Congresso Nacional, fez e continua a fazer juízo de valor sobre a conveniência e oportunidade da
sua existência até que resolveu mudar, com o advento da Lei nº 12.973/14. Por conseguinte, não
tendo sido ela condicionada à sua aplicação aos investimentos realizados no programa nacional
de privatização, resulta claro que a sua aplicação geral é normal, e, portanto, não constitui, a
priori, abuso de direito ou qualquer forma de burla ao seu espírito.
top related