história oral do ceped gabriel lacerda · começou o ceped ele me convidou para fazer parte do...
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Fundação Getulio Vargas
Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO)
Projeto: História Oral do CEPED
Entrevistado: Gabriel Lacerda
Local: Rio de Janeiro/RJ
Entrevistadores: Tânia Abrão Rangel e Camilla Duarte
Transcrição: Joana Medrado
Data da transcrição: 17 junho de 2010
Entrevista: 20.10.2009
T.R. – Projeto CEPED, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2009. A
entrevista será feita com o professor Gabriel Lacerda, os
entrevistadores serão Tania Rangel e Camila Duarte. Professor Gabriel,
conte um pouco sobre o senhor, o seu nome a sua idade, como é que
você chega no CEPED e depois como você está hoje.
G.L. – Gabriel Araújo de Lacerda, nasci em 1939, tenho, portanto, 70
anos, e a vida inteira eu fui advogado trabalhando em escritório ou
empresa. Trabalhei em escritórios, geralmente de advocacia
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internacional, e em grandes empresas. Trabalhei na Brascan, trabalhei
na Caemi e encerrei minha carreira de advogado de empresa na
Petrobras. Fui também, durante uma grande parte da minha vida,
professor. Posição atual, eu sou professor aqui da Fundação e
aposentado, chuteira pendurada, como advogado.
T.R. – E o seu vínculo com o CEPED começa quando?
G.L. – Meu vínculo com o CEPED começa com o Lamy. O Lamy foi meu
professor.
T.R. – E onde você se formou?
G.L. – Na PUC, em 1962.
T.R. – E ele era seu professor de que matéria?
G.L. – De Direito Comercial. Eu estava pronto a largar a faculdade – aulas
doutorais, brilhantes, o professor falando sozinho e eu dormitando em
um canto. Aquelas aulas me cansavam; eu não sabia se era aquilo que eu
queria. Quando eu tive aula com o Lamy, no terceiro ano – o terceiro ano
meu foi 60 – eu percebi que o Direito era uma coisa viva, dinâmica, que
podia me interessar e que seria uma carreira interessante para eu fazer.
T.R. – E como eram essas aulas do professor Lamy?
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G.L. – Ele amarrava o direito com a realidade. Assim, por exemplo, ele
dizia que o título de crédito foi uma criação da necessidade dos
comerciantes e não que era “um título de natureza cartular, com as
características estabelecidas na Convenção de Genebra, não sei o quê
mais”. Ele mostra como a sociedade anônima também surgiu da
necessidade, dos comerciantes, e como tudo isso influenciou na
formação da economia capitalista. Tudo aquilo que ele ensinava ligava o
direito a uma realidade externa, coisa que, até o segundo ano da
faculdade, nunca tinha sido feito pelos outros professores. Essa história
com o Lamy é importante porque vai ajudar a entender o papel do
CEPED, especialmente o meu papel dentro do CEPED – e do Lamy.
Então, eu fui aluno do Lamy, fiquei encantado com a matéria...
T.R. – Foi aluno dele quanto tempo? Seis meses, um ano?
G.L. – Um ano. E fiquei amigo dele. Às vezes eu o encontrava na
faculdade, pegava uma carona, íamos conversando e ele dizia: você tem
que trabalhar comigo, etc. Em 65, quando nasceu o meu primeiro filho...
T.R. – E aí você se formou?
G.L. – Eu me formei em 62, casei em 63 e em 65 tive meu primeiro filho.
Aí o dinheiro que eu ganhava no escritório não bastava para sustentar a
família. Eu liguei para o Lamy e disse: Dr. Lamy, o senhor me arranja um
emprego?, e ele me arranjou um emprego. Chegou para o Lobo, que foi
entrevistado também, e disse: esse rapaz aqui, vocês não podem perder, e
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me convidou para trabalhar com ele e com o Lobo na CAEMI. Aí, quando
começou o CEPED ele me convidou para fazer parte do time, sem saber
direito o quê que eu ia fazer...
T.R. – E quem que era o time?
G.L. – Era ele próprio, Lamy, o Caio Tácito, o Leoni, o Lobo, o Mario
Henrique Simonsen, o Amilcar Falcão, etc. Havia um grupo de
americanos que resolveu dar dinheiro para reformar o ensino de Direito
no Brasil e convidou o Lamy e o Caio Tácito para organizar isso. E eles,
Lamy e Caio, estavam convidando pessoas para participar desse
movimento. Uma das pessoas convidadas foi esse jovem, que trabalhava
com o Lamy, e que tinha sido aluno dele. Foi assim que eu entrei para
equipe.
T.R. – O convite chega, e aí você aceita e aí como é que começaram essas
reuniões, como é que isso se...
G.L. – Eu não me lembro exatamente, havia reuniões aqui e ali, todas
meio vagas, para troca de idéias. Tinha muito claro na minha cabeça que
havia um grupo que tinha uma verba, e nesta verba estava explícita uma
missão: vamos modernizar o ensino de Direito no Brasil, torná-lo acorde
com a realidade. E não havia exatamente o programa do que fazer.
T.R. – Agora tem um ponto que é interessante para ver se na sua
memória existe registro desse tipo de discussão. Ou seja, tinha uma
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verba para modernizar – foi a palavra que o senhor usou – o curso
jurídico. Já havia nesse grupo formado pelo menos a percepção de que o
ensino era deficitário ou que não preparava o profissional?
G.L. – Havia, claro que havia. Havia e a experiência – eu já vou falar
daqui a pouco disso – que parecia, na superfície apenas metodológica,
acarretava inevitavelmente uma mudança na própria substancia. Então,
continuando: fui convidado para participar do grupo, o grupo discutia
coisas, modos de realizar sua missão.
T.R. – E as discussões eram mais metodológicas ou eram coonceituais
também? Assim de conteúdo?
G.L. – O que eu me lembro bem, Tania, é isso: a discussão era: como é
que a gente começa? Este é o meu registro, que não está com total
nitidez dentro da minha cabeça, O Lamy, ele disse, na entrevista que fez
aqui, e sempre repetiu: o Direito Comercial é o grande elemento. O
advogado da grande empresa é o advogado mais qualificado para captar
qualquer tentativa de modernizar o ensino do direito. Então vem
ingrediente daqui e acolá, e o que se formou, foi a idéia que, organizar
um curso para advogados de empresa, seria um bom começo para um
movimento de reforma de ensino; era como se você estivesse
escolhendo o solo onde você ia plantar a semente.
T.R. – Voltando para a entrevista com o professor Gabriel.
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G.L. – O que eu estava dizendo era o seguinte: na minha memória, o
grupo, Lamy, Mario Henrique, Falcão, Leoni...
T.R. – Amilcar Falcão?
G.L. – Lobo, Amilcar Falcão, Lobo, o Augusto Jeferson, esse pessoal que
está sendo entrevistado agora, tinha uma missão – e os professores
americanos também tinham. O David Trubek foi o autor da idéia, que
ainda não foi entrevistado.
T.R. – Vocês chegaram a se reunir com o David Trubek, nesse primeiro
momento, ou a reunião era primeiro só de brasileiros, e depois é que foi
ter reunião com os americanos?
G.L. – O Trubek teve a idéia e procurou o Marcilio Marques Moreira. O
Marcílio indicou o Lamy e o Caio. O Lamy e o Caio formaram o grupo de
brasileiros. Essas reuniões eram soltas. Tinha reuniões completas,
reuniões com grupos, reuniões formais, conversas informais... Eu tenho
uma lembrança vaga, porque até, eu era o menos importante desse
grupo todo. Eu era um garoto com vinte e poucos anos, nessa ocasião.
T.R. – E o Trubek participou de algumas?
G.L. – Participava; depois veio Henry Steiner. O papel exato do Trubek,
do Henry Steiner e do Keith Rosen, nesse contexto, eu não saberia
definir para vocês.
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T.R. – Mas aí eles participaram também dessa discussão do tipo, o que é
que a gente vai fazer, o que que a gente vai criar e como...
G.L. – Que eu me lembre, davam palpite. Como eu estou dizendo, eu
tinha um papel muito pouco relevante no grupo; tenho lembranças que
vou colando de coisas, mas não tenho memória muito precisa. Aquilo de
que eu tenho memória muito precisa é o choque que causou no grupo a
morte súbita do Amilcar Falcão. E da morte súbita do Amilcar Falcão,
surgiu o convite para que eu fosse assistente do Leoni, que é mais velho
que eu, e passou a ser o professor de Direito Tributário, no lugar do
Amílcar Falcão.
T.R. – O Amilcar Falcão ele faleceu, óbvio, a gente não vai estar fazendo
entrevista, nem nada, mas no primeiro momento da concepção do
CEPED ele participava e atuava, era uma pessoa ativa ali dentro?
G.L. – É, mas eu nunca cheguei a conhecê-lo pessoalmente.
T.R. – Mas você participava das reuniões que ele estava presente?
G.L. – Nunca participei de reunião com ele presente. Eu me reunia
ocasionalmente aqui e ali. Eu comecei a participar mais nitidamente
com o cargo preciso, na hora que o Amilcar Falcão morreu; o Leoni
então foi designado para a disciplina de Direito Tributário, e o Leoni me
encaixou como assistente dele para a disciplina de Direito Tributário.
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Nesse momento, eu passei a ter uma disciplina para ensinar e um
método a seguir. Uma coisa que estava muito nítida, na minha memória,
é que o curso de advogado de empresa não foi organizado apenas ou
principalmente como um curso de advogado de empresa. Predominava
a idéia de que, fazendo um curso para advogados de empresa, você
estaria semeando no terreno certo uma semente, cujo propósito a médio
ou longo prazo era você modificar o modo de ensinar o Direito no Brasil.
T.R. – Aqui a gente chegou a um outro ponto, ou seja, o objetivo da
criação do curso não era o curso em si, ou seja, não era criar o melhor
curso para advogado da empresa, não era criar a melhor formação para
advogado de empresa. Era utilizar o curso como um instrumento para
fazer uma modificação no ensino.
G.L. – É assim que eu percebo e me lembro. Nunca chegou a ser posto
em ata isso, mas a minha percepção sempre foi essa.
T.R. – E aí, quando você começa a assumir, como assistente do professor
Leoni, como eram essas reuniões, ou seja, o programa todo, você
discutia esse programa com o Leoni...?
G.L. – Não, o Leoni, como ele mesmo falou na entrevista dele, ficou com a
parte de imposto de renda de pessoa jurídica. Eu fiquei com a Parte
Geral, que na ocasião era especialmente relevante. O primeiro curso foi
em 1967. Em 1964, houve a Emenda Constitucional número 18, que
construiu o sistema tributário brasileiro, na forma que ele é ainda hoje.
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E, em outubro de 66, foi aprovado o Código Tributário Nacional, que era
uma lei, mas era também uma codificação sistemática e uma mudança
completa do modo de se entender o Direito Tributário e, ipso facto, do
modo de perceber o Direito como um todo. Se você compara o Direito
Tributário de antes de 1964, com o sistema tributário pós 64 – que é o
que está essencialmente em vigor até hoje – você vai ver que é uma
mudança completa de concepção. Antes você tinha um imposto sobre
atos e instrumentos, o imposto do selo, definição tipicamente jurídico-
formal. Tinha também o omposto sobre vendas e consignações, cujo fato
gerador também era definido em função de dois de atos tipicamente
jurídicos. O imposto sobre vendas e consignações, atos jurídicos, foi
transformado em um imposto sobre circulação de mercadorias, com
uma predominância de uma visão econômica do Direito Tributário. Ou
seja, a própria lei naquele momento propiciava uma experiência
metodológica. No primeiro semestre de 67, alguns meses apenas após a
aprovação de uma lei que viabilizava uma emenda totalmente
revolucionária no sistema tributário e na própria concepção de Direito
Tributário, eu fui ensinar a esse grupo de advogados de empresa o
Código Tributário Nacional. Então eu ensinei a Parte Geral desta lei, os
conceitos teóricos do novo sistema que estava em formação naquele
momento.
T.R. – E aí qual era sua experiência nessa área para ensinar isso?
G.L. – Eu me formei em 62 e em 63 eu já era assistente, sem dar aula na
faculdade. Em 65, eu estava me especializando como advogado
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tributário e era assistente da cadeira de Ciências das Finanças, que
depois virou Direito Tributário, na PUC, cujo titular era o João Maurício
Pinho.
T.R. – E na advocacia, você já advogava nessa época? E aí na advocacia,
você atuava nessa área tributária?
G.L. – Nessa área tributária, que me diziam que era a que dava mais
dinheiro, e eu dizia, também, que era uma forma pela qual o Direito
pode produzir transformação social.de maneira compatível com a
democracia, A coisa que eu gostava no Direito Tributário, era que,
através do Direito, você poderia conseguir, democraticamente,
redistribuir riqueza, transformar a sociedade. Só nesse modo de
perceber já se vê uma concepção diferente de Direito. Mas uma coisa
importante para registrar aqui é que: como eu percebia o CEPED, a
primeira coisa que aparecia era a mudança metodológica. Em vez de o
professor chegar e falar, o professor distribui o material, o aluno lê
antes da aula e o professor começa a aula e em vez de dizer: vim ensinar
a vocês a verdade, ele começava perguntando: o que você acha? Mudava
a mão de direção. Em vez de o professor dizer ao aluno qual era a
verdade, o professor perguntava ao aluno o quê que ele achava sobre
um problema que tinha sido estudado antes. Os materiais de classe que
eu preparei tinham sempre problemas e eu tinha o cuidado de escolher
problemas que não tinham solução certa ou errada. E as aulas - depois
eu fui assistir isso em Havard também, eu instintivamente começava
perguntando: problema tal: como é que você aborda o problema?. Em
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Harvard isso foi transformado e eu percebi. Ao responder o problema,
ou perguntar qual é a solução, o professor não perguntava qual é a
solução mas que perguntas você deve fazer para chegar a uma solução
do problema Então, isso parece que é apenas uma mudança no método:
em vez do professor chegar, falar e dar uma aula, o professor passa o
problema e pergunta a opinião do aluno. Mas se ele fizer isso, todo o
conceito se transforma. O primeiro conceito que passa é que o
importante é você raciocinar. O que é importante é você unir peças, é
você se equilibrar. Então você muda toda a percepção do Direito. O
Direito deixa de ser dogmático, e passa a ser um Direito construído,
passa a ser uma resposta. O exemplo que eu dou – isso está aliás em um
artigo de que eu dei cópia para vocês – é um conceito clássico de Direito
Tributário, que é a distinção entre imposto e taxa. Existe uma distinção
entre imposto e taxa. O aluno tem que saber qual é a diferença entre
imposto e taxa. Em uma aula tradicional a diferença entre imposto e
taxa é explicada com citações do Código Tributário, citações
doutrinárias, textos e mais textos. O que é que eu fazia com esse
conceito? Eu dava um problema e perguntava se a taxa tal era
constitucional ou não. E começava a mostrar que essa distinção tem um
relevo enorme, no Brasil, porque, pelo sistema da Emenda 18, os
impostos são um número fechado, só podem existir os impostos
especialmente previstos na Constituição enquanto as taxas são um
número aberto. Como todo mundo quer dinheiro - os Estados e
municípios precisam de dinheiro, e inventam as fomas mais
estapafúrdias de imposições - que chamam de taxa disso ou daquilo -
para melhorar o seu caixa. Então você repara que a diferença do
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conceito de imposto e taxa é transmitida ao aluno dizendo porque, no
mundo real, essa diferença é importante. Não que o conceito não seja
importante, e que não haja uma diferença, e que não haja uma lei. Há
uma lei definindo um e definindo o outro, mas o que é importante,
sobretudo, é entender o contexto em que essa lei se situa.
T.R. – Porque que existe a lei.
G.L. – Porque, talvez até para que, existe essa lei, dizendo isso. E você vai
conseguir estabelecer um conceito definitivo? Não, porque a vida
inteira, enquanto os Estados e Municípios puderem livremente criar
qualquer coisa que possa minimamente caber dentro da definição de
taxa no Código Tributário Nacional, vai existir o problema e a
capacidade de invenção de taxas é quase infinita. Então, não adianta
você dizer que taxa é o exercício efetivo do poder de polícia ou a
utilização potencial efetiva de serviço publico divisiva e obrigatória,
porque aí você vai entender a taxa do lixo. Agora, começa a discussão:
iluminação pública, polícia, etc e tal e você não acaba. Você repara então,
voltando à mesma frase, que em uma diferença que era, aparentemente,
uma questão de método, naturalmente conduzia a um modo diferente
de perceber o Direito. Em vez de o professor ensinar a verdade, a norma
jurídica presente, como ela é, e como os doutrinadores a observam,
procura entendê-la. Eu dizia sempre isso e digo até hoje aos meus
alunos: qualquer norma jurídica é uma resposta da sociedade a um
problema que preexiste a ela. No caso do imposto e taxa, isto está muito
claro. Mas com toda norma acontece fenômeno semelhante. A norma
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vem das circunstâncias, e não de Deus, ou da Constituição ou de
qualquer outra coisa.
T.R. – Então aí a gente começa. Isso em 67, não é? Você dá aula o ano
inteiro de 67? Como que isso era feito?
G.L. – Não. Eu peguei só o primeiro período, porque em 67 eu fui o
primeiro bolsista do CEPED e eu fui para Harvard em 67.
T.R. – Em setembro de 67? Ou foi mais cedo?
G.L. – Eu fui em julho de 77.
T.R. – E aí como é que surge esse convite ou essa bolsa para Harvard?
G.L. – Parte da verba alocada ao projeto CEPED era especificamente para
bolsas de estudos.
T.R. – Eles fizeram o... eles assim, o professor Lamy, o Leoni registram
uma visita aos Estados Unidos para conhecer as Universidades antes
disso, você participou dessa visita?
G.L. – Eu participei dessa visita apenas recebendo um cartão postal que
eu tenho até hoje do Leoni mostrando o Langdel Building em Harvard
dizendo: isso aqui é uma maravilha”; eu fiquei aqui trabalhando, na
concepção do curso, enquanto eles passeavam por lá. Eu não participei.
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Eu não era importante o suficiente para ser convidado para essa visita.
[riso] Sem falsa modéstia! Eu tinha 27 anos.
T.R. – E aí nesse momento em que você prepara o material, você estava
preparando o material do curso de Tributário, que era o material que
seria dado por você e pelo Leoni?
G.L. – Isso, o Leoni com a ênfase, como ele mesmo disse, no imposto de
renda de pessoa jurídica.
T.R. – Agora o material que você prepara serve de base para o Leoni?
Você discute isso com o Leoni? Como é que isso foi feito, você lembra?
G.L. – Eu não me lembro propriamente de discutir com o Leoni. Porque
ele estava muito especializado, não me lembro de conversar com ele. Eu
fazia, provavelmente mandava para ele também, o material, mas não me
lembro de ter discutido o texto previamente.
T.R. – Mas você deu aula primeiro do que ele não é?
G.L. – Sim, a Parte Geral vem antes da Parte Especial; além disso,
segundo semestre eu ia para fora. Eu só dei aula no primeiro semestre.
T.R. – Então você deu aula o semestre todo?
G.L. – O primeiro de 67.
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T.R. – E as aulas eram... você lembra? Quantas vezes por semana, o
período, quanto tempo de duração?
G.L. – Eram duas horas de duração, das oito às dez.
T.R. – Da noite ou da manhã?
G.L. – Da manhã. Uma ou duas vezes por semana, isso que eu me lembro.
T.R. – E costumava gastar quanto tempo de preparação em cada aula?
G.L. – Não me lembro. Mas não era nada espantoso.O número que o
Leoni falou na entrevista dele é visivelmente exagerado. É claro que eu
gastava, sei lá, três, quatro, cinco horas fazendo o material... Esse
material existe, vamos ver se a gente acha na UERJ, mas eu não tenho ele
comigo1.
T.R. – E aí quando você vai para Harvard qual que era o seu objetivo lá?
G.L. – Eu vou fazer uma confissão aqui. Eu não queria ir para Harvard
não. Eu já estava casado, com filho e tal, me considerava estabelecido. O
Leoni é que insistiu muito, dizendo que, se eu não fosse, a verba ia ficar
perdida, então e eu fui. E também não pedi para fazer o mestrado. Eu fui
fazer o Tax Program, eu queria me especializar em Direito Tributário, e 1 Os materiais de classe do entrevistado foram posteriormente localizados e fazem parte do acervo da pesquisa.
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havia esse programa lá em Harvard, que era um programa organizado
pela Universidade junto com a ONU, especialmente para formar
funcionários fiscais de países estrangeiros. Então eu só tinha colegas
estrangeiros; um de meus colegas - o mais importante - depois do curso
acabou sendo Ministro da Fazenda da Espanha. Mas os alunos eram só
tax officials of foreign countries. Então todo mundo falava línguas, as
mais estapafúrdias, tinha colega japonês, colega malaio, colega
salvadorenho e tal.
T.R. – E brasileiro?
G.L. – Brasileiro tinha o Ari Osvaldo Matos Filho - que eu chamava de tio
Ary por causa do meu filho – que é o diretor da GV de São Paulo. Mas,
continuando, quando eu cheguei lá, me disseram que, fazendo mais uma
matéria, talvez eu conseguisse o mestrado. Aí eu resolvi fazer também o
mestrado. Então foi lá que eu conheci o Joaquim Falcão, que também era
bolsista do CEPED. Embora não tivesse participado no início, o Joaquim
foi com a bolsa para lá e a gente ficou amigo lá. Aí isso foi um ano letivo,
67-68 do hemisfério norte, quer dizer, eu voltei para cá em julho de 68 e
ainda peguei um pouquinho de aula no segundo semestre do CEPED em
68.
T.R. – Nesse curso de tax, de impostos, você fazia mais ou menos
quantas matérias?
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G.L. – Nesse curso? Eu posso te dizer: tax policy, taxation on developing
countries, tax administration, income tax, e... eu acho que era só. E
Economics. De contabilidade, que também fazia parte do currículo, eu fui
dispensado porque eu passei no teste. E para ter o mestrado, eu tive que
fazer uma outra disciplina.
T.R. – Que aí você escolheu qual?
G.L. – Transnational legal problems, em que fui aluno do Henry Steiner.
T. R. – Ah, tá. E aí o Steiner você conheceu ele em Harvard, ou já
conhecia ele daqui?
G.L. – Eu já tinha conhecido ele aqui. Quando eu fui para Harvard, ele
estava aqui. E ele foi meu professor no segundo semestre em Harvard, e
aluno de português de minha mulher.
T.R. – E aí você termina então, você faz o curso de tributos...
G.L. – Não, eu faço o curso de mestrado.
T.R. – É, porque aí acrescenta uma matéria e termina o mestrado.
G.L. – Porque eu faço mestrado, acrescento a matéria com o Steiner e
fico com mestrado. Volto para cá com mestrado, pego...
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T.R. – Só um minutinho antes. Lá nos Estados Unidos, todas as aulas que
vocês tinham, eram nesse sistema, do professor perguntar para o aluno,
ou não?
G.L. – Lembre que eu fazia um programa especial para estrangeiros.
Com os alunos normais da faculdade eu tinha apenas duas aulas.
T.R. – Eram os próprios alunos que davam aula?
G.L. – Era o Income Tax que eu seguia curso de rotina da Law School, e
Direito Internacional. As aulas do meu curso do Tax Program, eram
seminários fechados, só com funcionários fiscais de países estrangeiros
e nenhum cuja lingua materna fosse o inglês, a não ser um hindu, e eram
aulas na forma de seminário, eram só quatorze ou quinze, uma coisa
assim.
T.R. – Ah, tá, então cada um falava alguma coisa e aí predominava aquele
método expositivo?
G.L. – Não. Era o método dialogado, mas era o método dialogado com
um diálogo muito difícil, porque cada um falava uma língua materna
diferente. Teve uma aula engraçadíssima, em que o professor estava
explicando a diferença da política fiscal...
T.R. – O professor era americano?
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G.L. – Era americano. Da carrot and stick, a cenoura e a bengala. Você
oferecia uma cenoura para o contribuinte pagar os impostos direitinho,
se ele não pagasse dava-lhe uma bengalada. De repente, o meu colega
japonês para e pergunta, aquela pergunta angustiante: what is a carrot?
[risos] Aí parou a aula para explicar o conceito de cenoura, e foi um
inferno. Em suma, a aula era dialogada em termos, não é? Teve também
o caso do turco, com caso em que se discutia se renda obtida de forma
ilícita é tributável ou não...
T.R. – Mas aí as aulas eram em casos?
G.L. – Não, eram aulas bastante conceituais e bastante teóricas, com
material grande. Mas não confunda, o Tax Program, que não era um
curso regular - era um curso de preparação e treinamento para
funcionários do governo de administração fiscal de países estrangeiros,
tendo como sponsor a ONU - com o curso da faculdade. Eu tinha na
faculdade de Direito, na Havard Law School normal uma matéria que eu
fazia junto com os alunos, que era Income Tax, e uma matéria que eu
fazia para completar o meu currículo para ter o título de mestre, que foi
Transnational Legal Problems, com o Henry Steiner.
T.R. – Em alguma dessas matérias você era colega de sala do Joaquim
Falcão?
G.L. –Em uma. Éramos nós quatro.
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T.R. – Quem eram os quatro?
G.L. – Os quatro brasileiros, o Ari Osvaldo Matos Filho, Joaquim Falcão, o
Beno Suchodolski e eu. Era uma matéria às quintas feiras, às quatro
horas, era Taxation on Developing Countries. Era um seminário de que
nós quatro participávamos.
T.R. – E nesse outro, o seu, você tinha só o Ari mesmo?
G.L. – Só o Ari.
T.R. – E além então desses três, tinha algum brasileiro ali que você
acabou conhecendo, não?
G.L. – Eu conheci, lá em Harvard, o Roberto da Matta, esse antropólogo,
mas ele estava fazendo antropologia. Na faculdade de Direito só tinha
nós quatro mesmo naquela ocasião.
T.R. – Naquela época o professor Roberto Mangabeira já estava em
Harvard?
G.L. – Talvez já estivesse, mas eu não o conheci naquela época.
T.R. – Então tá. Então aí volta para o que você estava falando sobre o
turco.
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G.L. – Sobre quem?
T.R. – O turco.
G.L. – Não, o turco é só para você ilustrar a questão da aula dialogada,
você precisa falar a mesma língua, não é? Então teve um caso na aula de
Imposto de renda, que era a tributação ou não dos ganhos ilícitos. E era,
o sujeito tinha dado um desfalque - embezzled - o banco. Aí o turco
pergunta: what is embezzlement?. Aí eu expliquei para ele: cashier, for
bank takes bank’s-money, put bank’s money in his -pocket, that is
embezzlement, aí ele entendeu. Por isso eu digo que no Tax Program a
aula era dialogada em termos. Um dos pré-requisitos da aula dialogada
é que se fale a mesma língua, e que se tenha um bom comando dessa
língua. Inclusive, nas aulas grandes com as turmas americanas, tanto de
Direito Internacional quanto de Imposto de Renda, o estrangeiro ficava
de boquinha calada, porque não é fácil você falar em uma aula se você
não domina o idioma.
T.R. – E aí você volta dos Estados Unidos para cá. Como é que tinha
ficado você... porque quando você vai para os Estados Unidos, ok no
CEPED, você estava indo pelo CEPED, mas na época você também
advogava. E aí como é que fica isso? Você sai do escritório para ir?
G.L. – No melhor dos mundos: no escritório, eu era sócio, no escritório,
eu continuei a ganhar minha participação nos lucros do escritório, como
se estivesse trabalhando. E, graças ao Leoni, consegui que a Caemi, onde
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eu também trabalhava, me pagasse metade do meu salário. Então eu era
um bolsista rico, porque eu ganhava a bolsa, ganhava minha
participação no escritório aqui, e ganhava também metade do salário do
que eu ganhava no grupo Caemi.
T.R. – E aí depois, quando você volta, você retorna tanto para o
escritório, quanto para o grupo Caemi.
G.L. – Isso. E para o CEPED.
T.R. – E aí o que é que muda na sua experiência no CEPED, do antes e
depois de Harvard?
G.L. – Muito pouca coisa. Pelo contrário, a experiência em Harvard
consolidou, experimentalmente, aquilo que eu já vinha fazendo
teoricamente. Eu percebi exatamente como tudo aquilo que eu pensava,
intuia ou discutia aqui com os meus amigos, funcionava na vida real
dentro de uma faculdade. Ou seja, aula dialogada, a outra coisa que eu
não falei, mas já foi falado aqui, o método indutivo: em vez de você
ensinar do geral para o particular você ensinava do particular para o
geral. A outra coisa também que... tudo isso, você repara bem, o crítico é:
a proposta do CEPED se fantasiava de uma proposta meramente
metodológica, para no fundo ser uma proposta conceitual. O conceito
sendo o quê? Primeiro: vamos estudar Direito. O que é Direito? Como é
que você aprende Direito? Primeiro: indutivamente. O Direito chega a
você como fato, você parte do fato e, a partir do fato, você cria os
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grandes conceitos. Em segundo lugar: interdisciplinarmente. O Direito é
um fenômeno social que emana de uma sociedade e está ligado a todos
os outros fenômenos sociais. Lá em Harvard, por exemplo, a primeira
coisa que eu ouvi, na aula de economia, (eu penei para fazer economia,
introdução à economia), foi: se você vai estudar economia, você tem que
ter presente o seguinte: everything depends on everything else -: tudo
depende de tudo mais. E em Direito, quando eu dou aula hoje, aos meus
alunos aqui, no século XXI eu digo isso, exatamente isso: o Direito é um
fenômeno social que está interligado a todos os outros fenômenos
sociais: economia, sociologia, ciência política, etc.. E aí vem a síntese
conceitual, do que me parece que foi a idéia do CEPED. Não é apenas
uma proposta metodológica, de método de ensino. Ao mudar o método,
você muda todo o modo de você se aproximar do Direito, com todas
essas coisas: indutivo, interdisciplinar, indagativo, não dogmático. Agora
tem essa palavra que o Tércio inventou que é o conhecimento zetético, o
conhecimento que procura. Todas essas coisas: o conhecimento zetético
e não dogmático, método de percepção indutivo e não dedutivo, o
Direito como um fato multidisciplinar. A partir do fato, para o conceito,
tudo isso são modos de se aperceber do Direito, que nascem ou surgem,
naturalmente, de mão dada com a proposta metodológica.
T.R. – Tá. Só fazer uma última pergunta e a gente encerra essa primeira
parte. Você acredita que esse método, na verdade ele acaba mudando o
acesso à própria informação, não é? Na medida em que percebe que
uma informação, como você disse, o que é imposto?, a pessoa começa a
ver ela de uma maneira muito mais ampla, ou seja o porquê do imposto,
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por que ele existe, e como ele funciona, e não só o que é. E aí, ao mudar a
forma de acesso à informação, amplia essa informação. É mais ou menos
isso?
G.L. – Amplia a percepção daquela informação. Você percebe a
informação nas suas correlações dentro de um todo mais amplo. Você
entende a lei. Eu escrevi um artigo para um congresso, que está perdido
e cujo título era Qual é a lei ou por que a lei é esta e não aquela. O
exemplo, para encerrar, mais flagrante disso é que nas minhas aulas, por
essa forma, nós chegamos à conclusão, que a jurisprudencia depois
aceitou, que o Código Tributário Nacional precisava ser superior às
outras regras. Quando o Código Tributário Nacional foi aprovado, em
1966, tinha a forma de uma lei ordinária, exatamente igual às outras.
Estudando o Código Tribuitário dentro desse novo método, formou-se o
conceito que ele só tinha sentido de existir, se fosse percebido como
uma lei maior, como uma lei de hierarquia superior. Veio depois na
Constituição, muito depois, o conceito de Lei Complementar, e a
jurisprudência foi aceitar que o Código Tributário, que foi aprovado, em
66, como lei ordinária, só podia ser compreendido, só teria sentido se
fosse superior à lei ordinária, pois só uma lei superior poderia
estabelecer Normas Gerais de Direito Tributário. Isso, nós concluímos,
em aula dialogada, antes de existir Lei Complementar, graças a um
modo diferente de perceber a realidade jurídica.
T.R. – Está bom então. Obrigada e a gente continua ou hoje ou então...
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G.L. – Sim senhora.
2ª Entrevista: 26.10.2009
T.R. – Projeto pesquisa oral do CEPED, Rio de janeiro, 26 de outubro de
2009. A gente vai para segunda parte da entrevista com o professor
Gabriel Lacerda. Gabriel, na primeira parte, a gente começa dizendo qual
foi a sua vinculação com o CEPED, quais as aulas que você ministrava e
em que medida o CEPED transformou, na sua concepção, esse meio
jurídico. Aqui a gente recomeça com essa pergunta: de que forma idéias
e práticas já existentes à época, em determinados nichos de atores do
Direito, como por exemplo, o jurídico da Light e o escritório do Bulhões,
influenciaram as atividades do CEPED. A gente não chegou a falar em
que medida o CEPED foi influenciado por esses escritórios de advocacia,
se é que foi. Qual que é a sua visão sobre isso?
G.L. –O meu guia no CEPED era o Lamy. Foi ele que me colocou lá. Ele
que me ensinou a pensar, e, como eu disse no início da entrevista, o
Lamy caiu para mim como sendo uma catarse. Eu decidi ser advogado,
não largar a faculdade de Direito por conta do bacharelismo, por causa
do Lamy. No primeiro e no segundo ano da faculdade, eu tinha sido
educado pelo bacharelismo clássico. Não era aquela a profissão que eu
queria seguir. Quando eu tive aula com o Lamy, eu disse para mim
mesmo: Ser advogado é isso? Então eu quero ser advogado mesmo. Um
modo de pensar, um modo de ver a realidade, um modo de agir. Eu,
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garoto, era muito influenciado pelo que pensava o professor Lamy. Se o
departamento jurídico da Light pensava assim, eu não sei, porque eu
nunca fiz parte desse departamento.
T.R. – O Lamy ele fez parte do departamento jurídico, mas ele não
chegou a levar então o departamento jurídico para o CEPED.
G.L. – Eu acho que essa história toda de departamento jurídico da Light,
do escritório do Bulhões, é uma daquelas besteiras clássicas que as
pessoas dizem sem a menor consequência, querendo teorizar a partir de
acoplar fatos isolados e tirar consequências conceituais a partir desses
fatos. O Lamy era do jurídico da Light, o Caio Tácito também. O jurídico
da Light era conhecido no Brasil inteiro como sendo uma comunidade
de advogados, notáveis pelo saber e pela competência, mas não tinha
idéias da profissão de advogados, eles trabalhavam, faziam seu serviço.
Cada pessoa tinha uma cabeça que pensava. O CEPED trouxe o modo de
pensar do Lamy, do Caio Tácito sobre Direito, o que é o Direito e como
se deve ensinar e, sobretudo, a relação entre o Direito e a realidade... A
coisa que mais me agoniava na faculdade de Direito entre o primeiro e
segundo ano, era a dissociação entre o Direito e a realidade. Era reduzir
o mundo a uma série de teorias, falando um português bonito, e não
transformar o Direito em um sistema, em um mecanismo de lidar com a
realidade. Foi isso que eu entendi do Lamy. O jurídico da Light era
escola de testar a advocacia. Não era escola de Direito, nem tinha
vontade de ter teorias sobre o Direito.
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T.R. – Talvez eu repita uma pergunta. Eu lembro que a gente na última
entrevista a gente falou muito da sua experiência nos Estados Unidos,
como foi lá, que matérias que você fez, como é que se deu lá, e eu não
tenho certeza se a gente chegou a tratar de como que esse seu contato
com essa cultura jurídica americana influenciou a idéia básica do CEPED
ou a sua própria idéia básica de ensino jurídico.
G.L. – Influenciou me mostrando algo que eu já vinha fazendo. Eu fui
para os Estados Unidos no meio do ano de 1967. Eu já tinha dado um
semestre de aula aqui no CEPED. Já tinha feito apostila e a minha
apostila por acaso era exatamente na mesma linha dos livros, dos case
books, que eu fui encontrar nos Estados Unidos, porque a idéia era tão
simples: em vez de explicar do geral para o particular, vai do particular
para o geral; em vez de você falar, dar uma verdade e pedir ao aluno
para repetir, você treina a cabeça do aluno a raciocinar e mostra que a
verdade é...
T.R. – Variável e relativa.
G.L. – Variável e relativa. Você põe isto, e sai aquilo. Você põe aquilo, e
sai aquilo outro, e o raciocínio jurídico é exatamente você tomar o fato,
examinar o fato. Isso era feito muito em Harvard, só perguntando “what
if?”. Você dava o problema, começava a procurar a solução e mudava. E
se? what if? E aí você ia ver que se mudava o fato, você mudava a solução
lá adiante. O que é que você ia ensinar? Você não ia ensinar a solução,
você ia ensinar a lógica. Isso tudo eu já tinha percebido, em conversas
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aqui, em assitir o CEPED, em participar da experiência, em conversar
com o Caio, em conversar com o Lamy, com a patota toda do CEPED, eu
já fazia aqui. Quando eu fui lá eu vi isso na faculdade de Direito,
instalado, funcionando, e vi isso nos famosos case books que é cada
calhamaço desse tamanho, como um tijolo em forma de livro.
T.R. – Você conhece algum texto escrito sobre essa experiência do
CEPED?
G.L. – Eu trouxe aqui para vocês textos que eu mesmo escrevi sobre a
experiência do CEPED. Até eu começar a trabalhar no projeto de
pesquisa, eram os únicos que eu conhecia, além dos textos, tem textos
sobre e tem textos do. Eu produzi várias apostilas, havia várias apostilas
de várias matérias. Todas as matérias do CEPED geraram textos escritos
para o CEPED. Sobre o CEPED, o que eu conhecia, até os que eu andei
vendo aqui, são os dois artigos que eu entreguei a vocês hoje2. São três,
aliás. O terceiro eu perdi. Esses artigos são o quê? Ainda vou falar, daqui
a pouco, sobre a experiência da PUC. Como professor da PUC, eu
compareci, junto com o Joaquim - o Caio Tácito foi a um deles, os outros
eu não sei se foi - a três Encontros Nacionais de Faculdades de Direito
no Brasil: em 71, 72 e 73. Para cada um desses encontros, eu produzi
um artigo - acho que o Joaquim produziu artigos também - e dois desses
artigos, o que eu escrevi em 71 e o que eu escrevi em 72, se referem ao
CEPED, sendo que em 71 eu descrevo exatamente o que eu via do
2 Os artigos referidos fazem parte da bibliografia da pesquisa.
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CEPED e o quê que o CEPED estava tentando. Acho que eu cheguei a
falar da experiência da PUC também.
T.R. – E esses artigos estão aonde?
G.L. – Esses artigos foram mimeografados e circulados onde está
referido aqui no texto: “Trabalho apresentado ao Segundo Encontro
Nacional de Faculdades de Direito, em Bagé, e ao Primeiro Encontro
Nacional de Faculdades de Direito”, em Juiz de Fora. Devem estar nos
anais dos Encontros. Nunca foram publicados. O texto que eu estou
deixando com vocês, eu mesmo copiei do exemplar mimeografado que
eu tinha que foi distribuído. Era um encontro, você escrevia alguma
coisa, distribuía entre os participantes e era chamado de tese, que você
defendia.
T.R. – E o Joaquim, que você menciona, é o Joaquim Falcão? Só para
registrar.
G.L. – O Joaquim Falcão, que se eu não me engano, escreveu, se não em
72, certamente em 71. Eu escrevi, o meu artigo comparando a
experiência da PUC com a experiência do CEPED. O título era Problemas
de metodologia do ensino jurídico. E o trabalho que o Joaquim fez nesse
mesmo congresso, era um trabalho, que se eu não me engano, era sobre
a multidisciplinariedade do fato social, que tem a ver com o conceito de
advogado. O fato social é múltiplo e o Direito analisa o fato social...
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T.R. – Então ele tem que ter múltiplas análises.
G.L. – Uma das facetas... Mas a análise do fato social, pelo olhar jurídico e
sob o ponto de vista jurídico, só faz sentido se for completado com os
outros pontos de vista porque o fato social não pode ser cortado como
se fosse um salame.
T.R. – Na época de produção de texto, além do material de classe, em 71
e 72 você produziu esses textos para o Congresso e chegou a produzir
mais algum outro?
G.L. – Também para o encontro de 73, o tal que sumiu – Qual a lei ou
porque a lei é esta e não aquela.
T.R. – É, mas aí o de 73 o CEPED já não existia mais.
G.L. – Eu não sei, porque eu não fiquei no CEPED. Eu dei aula em 67, 68 e
69. Em 70 eu já não mais dei aula no CEPED, não sei como, nem porquê.
Nunca fui formalmente despedido. Não me lembro o quê aconteceu, eu
sei que eu não dei mais aula.
T.R. – É, porque aí o artigo de 73 entraria na questão da produção
posterior, sua, sobre o CEPED. Porque na verdade, apesar dos seus
textos de 71 e 72 terem sido produzidos numa época em que o CEPED
ainda funcionava, para você eles foram textos posteriores, porque você
já não dava mais aula no CEPED.
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G.L. – Para mim, na minha cabeça, muito nitidamente, 1970. Voltando à
cronologia: eu fui para os Estados Unidos em 67; em 68 eu voltei dos
Estados Unidos; dei aula no CEPED em 67, certamente em 68 e
certamente em 69; em 70 acho que não. Não me lembro. Mas em 70, o
Joaquim Falcão foi convidado para ser diretor do Departamento de
Ciências Jurídicas da PUC, para onde ele levou toda a experiência do
CEPED. E ele então me convidou para ser professor. Umas das idéias, a
primeira das idéias que ele levou para PUC, foi ter professores de tempo
integral, que naquele tempo era uma verdadeira revolução no campo do
Direito. Nem os professores do CEPED eram de tempo integral. Quando
o Joaquim tentou adaptar a experiência do CEPED para a PUC, ele levou,
como uma das primeiras idéias, o professor de tempo integral, e
convidou o Jorge Hilário, que nós vamos entrevistar, a mim e a outros
para serem professores de tempo integral. E ele, inclusive, tinha uma
idéia, que no Brasil era quase revolucionária, e no mundo inteiro era
uma idéia óbvia, é que o professor tem que ganhar para viver. Se ele
queria que eu trabalhasse lá em tempo integral ele tinha que me pagar
um salário que me permitisse viver e cumprir meus compromissos. Eu
ainda me lembro que eu ganhava no departamento jurídico da Caemi
5.500 cruzeiros por mês - era um dos meus empregos. E o Joaquim
apertou de lá e de cá, e conseguiu me pagar, na PUC, para ser professor
tempo integral, na PUC 4.500 cruzeiros. Tempo integral significava que
eu tinha que ir todo dia ao escritório - ainda tirava um dinheirinho por
fora - mas eu tinha uma sala na PUC, como você tem aqui na Fundação
Getulio Vargas, e eu estava lá, responsável pelos alunos, e tinha que ficar
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lá o dia inteiro fazendo alguma coisa. Uma parte desse serviço foi a
pesquisa, de que a gente vai falar daqui a pouco. Então, em 70, eu fui
para a PUC, o Joaquim era o diretor, e aí vem uma outra experiência que
está na pergunta seguinte que é o transplante da experiência do CEPED,
e do ideário do CEPED, para uma faculdade de Direito estabelecida. O
CEPED era uma filosofia, é assim que eu vejo, uma idéia, um pacote de
idéias sobre metodologia de ensino, sobre profissão do advogado, e
sobre papel do advogado. O curso para advogados de empresa era um
laboratório experimental para testar e disseminar essas idéias. Isso é
que era a versão do CEPED. Em 1970, quando Joaquim é nomeado
diretor do Departamento de Ciências Jurídicas da PUC - quem o nomeou
foi o Carlos Alberto Direito, Ministro do Supremo, recém falecido.
Quando Joaquim é nomeado diretor do Departamento de Ciência
Jurídica da PUC, ele transplanta para uma faculdade de Direito de
graduação, todo aquele ideário e lá amplia esse ideário. Uma das
primeiras coisas desse ideário é isso: professor é professor. Está no
artigo de Santiago Dantas... Uma das coisas mais revolucionárias do
artigo do Santiago Dantas é o que você faz hoje. O que é que você faz
hoje? Você é pesquisadora. Você ganha o seu pão com o trabalho que
você faz lidando com Direito sem ser advogada. Você não tem escritório,
você não vai ao forum...
T.R. – Não despacha com o juiz.
G.L. – Não faz petição, não tem que despachar com o juiz. O Joaquim
criou isso um pouco na PUC: professores, que eram cientistas do Direito,
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que iam lá, ficavam, tinham uma salinha - que não era bem uma salinha,
era uma baia, tinha umas divisões de vidro, depois tinha uma casinha
em que eu ficava trabalhando. E aí eu não sei se está na pergunta que
você fez foi sobre a extinção do CEPED. Depois que eu fui lá eu nem
sabia que o CEPED estava existindo, que o curso existia, se tinha
acabado ou não. Eu dei aula 67, 68, acredito que 69, 70 eu acho que já
não dei, porque eu fui para a PUC no meio de 70, por aí.
T.R. – Mas até antes de ir para a PUC então você continua no CEPED?
G.L. – Eu participei do CEPED, ganhava do CEPED um salário até ir para
os Estado Unidos. Dei aula, eu comecei a trabalhar em 66, no CEPED. Foi
quando o Lamy me levou para o CEPED. Comecei a trabalhar,
participando de discussões, ouvindo, assistindo reuniões, trocando
idéias, redigindo coisas, dando palpite. Em 67, primeiro semestre, eu
comecei o curso de Direito Tributário, aí assumi a cadeira de Direito
Tributário, no curso para advogado de empresa. Continuei a dar palpite
a participar de reunião, etc. No meio de 67, eu fui para os Estados
Unidos. Voltei no meio de 68 e dei aula no segundo semestre, e em 69.
Mas aí eu dava aula, dava um curso. Dei também curso sobre a lei de
remessa de lucros, dois anos, um sozinho e outro com um economista,
Sebastião Marcos Vital, que era do BANERJ, que foi divertidíssimo. Esse
eu acho que foi em 69. O curso era sobre a lei 4131/62 que está em
vigor até hoje, mas não tem atualmente a menor importância; o registro
de capitais estrangeiros que por vezes era uma decisão complicadíssima
passou a ser um trabalho burocrático. Mas na época a lei era
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discutidíssima. A aula era dada, por um economista e um advogado
juntos, dando a aula para que a lei fosse compreendida na sua
interdisciplinariedade.
T.R. – A aula eram os dois juntos?
G.L. – Os dois juntos.
T.R. – E aí como é que você preparava essa aula? Sentava com ele...
G.L. – Tinha um problema...
T.R. – Não, mas assim: você sentava com ele antes? Como é que era, com
o professor?
G.L. – Não, tinha um problema e a gente resolvia o problema. Fizemos
um material. Esse material é capaz de eu ter, eu vou dar uma busca em
casa, mas a pergunta, voltando aqui à sua agenda, a pergunta: quando
acabou, por que acabou? A resposta: não sei direito, eu parei de ir lá em
70, 69 acho que ainda fui.
T.R. – Entendi. E aí você se liga com esse projeto da PUC, mas ao mesmo
tempo também mantem o escritório. Em que momento que acaba o
projeto da PUC?
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G.L. – O projeto da PUC durou muito pouco tempo. O projeto da PUC não
acabou, o projeto da PUC... ficamos, olha, para compor o meu salário, o
Joaquim arranjou uma outra coisa. Havia uma verba do Ministério do
Planejamento – estamos no ano da graça de 1970, em plena ditadura
militar. O Ministerio do Planejamento organizou uma verba de um
projeto chamado Estruturas institucionais e desenvolvimento. Esse
projeto foi entregue à PUC, coordenado por um cidadão chamado José
Arthur Rios, e tinha quatro subprojetos. Um dos subprojetos, o sub-
projeto IV era o Direito. Então o tema do sub- projeto IV – que ninguém
sabia como ia desenvolver – era estudar como a estrutura institucional
Direito - o Direito, enquanto estrutura institucional - pode influenciar o
desenvolvimento. Para complementar a minha verba, o Joaquim me
nomeou sub-coordenador desse projeto. Eu dizia para ele: eu não tenho
a menor idéia dessa coisa de pesquisa, mas era o único jeito, a única
verba que tinha para compor o meu salário. Então lá fui eu ser o sub-
coordenador do sub-projeto IV. O coordenador era uma pessoa que eu
adoraria entrevistar, mas morreu o ano passado, que era um grande
amigo nosso, o Bruno Silveira. Aconteceu que o Bruno, coordenador do
sub-projeto IV, se incompatibilizou com coordenador do grande projeto.
Por isso, eu assumi a coordenação desse sub-projeto. Um dia eu acordo
e tinha uma verba, que não era pequena, um título: Estruturas
Institucionais e Desenvolvimento – Sub-projeto IV: Direito e pronto. E quê
mais? O quê que eu ia fazer? Aí passei o domingo em casa, pensando, e
tal e resolvi fazer um projeto, um case study. Tomar uma lei que tinha
sido feita para promover desenvolvimento e estudar esta lei, como é que
ela foi feita, que aconteceu com ela e que resultados deu. Então escolhi a
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lei. A lei era a lei que revolucionou a economia nacional, que aboliu a
estabilidade no emprego, criou o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço e criou o BNH, Banco Nacional de Habitação. Então eu peguei
essa lei e comecei a fazer entrevistas com todas as pessoas. A minha
verba era generosa, eu contratei uma socióloga, uma economista, um
cientista político, duas secretárias, tinha uma casinha na PUC, que era
minha casinha – sabe aquela vila da PUC que tem aquelas casinhas? Eu
tinha lá uma, está lá até hoje, a casinha. A casinha ali, eu reinava ali
naquela casinha, com a socióloga e tal. E é uma coisa interessante
porque eu fazia aquilo muito angustiado, porque aquilo era pesquisa. Eu
tinha 30 anos, nunca tinha feito pesquisa, não tinha a menor idéia, mas
saí entrevistando as pessoas. Entrevistava várias pessoas com a mesma
linha: esta lei, como é que ela foi feita, para quê que ela foi feita e no quê
que ela deu. Fiquei conduzindo essa pesquisa, e o Joaquim lá dirigindo a
PUC. Que aconteceu? Uma hora o Joaquim não aguentava mais, estava
brigando com todo mundo dentro da PUC, e, nos corredores do Teatro
Municipal, no intervalo de uma ópera (Lucia de Lamermoor), tivemos,
ambos, a idéia de trocar de lugar. Ele iria coordenar a pesquisa, e eu iria
para o lugar dele. Isso foi 72, agosto de 1972. Combinamos isso, ele tirou
férias me deixou experimentar de diretor na PUC durante um mês, só
que eu era desquitado e muito namorador: namorava as menininhas, as
minhas alunas e aí os padres implicaram comigo. Eu não podia ser
diretor na PUC, eu era pecador. Parece que eu estou brincando, mas foi
exatamente isso que aconteceu.
T.R. – [riso] Eu acredito.
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G.L. – Foi exatamente isso que aconteceu. Eu era pecador e, por isso, não
podia ser diretor. Eu cheguei a ir uma reunião com o vice-reitor
acadêmico, um padre, que me disse:: isso aqui é uma universidade
católica, o senhor compreende, temos que divulgar a mensagem cristã...
Foi uma coisa complicada, eu vivi uma crise pessoal muito grande, e aí
não pude ser nomeado, foi o Jorge Hilário nomeado. O Jorge Hilário
ainda tocou o projeto algum tempo, conduziu o mestrado que o Joaquim
tinha criado, dirigiu a faculdade dentro da mesma mentalidade ...
T.R. – Mas aí nisso o Joaquim foi para a parte de pesquisa e você foi para
onde?
G.L. – Não, eu fui embora, eu saí, eu não podia ser diretor, então eu saí.
Saí completamente, fui para o escritório só algum tempo depois voltei
para dar aulas como horista. O Joaquim foi para o projeto de pesquisa,
eu que iria para o lugar dele, dirigir, não podia porque os padres não
deixaram. Então o mais próximo de mim, naquela ocasião, para ser o
diretor da PUC foi o Jorge Hilario Gouvêa Vieira, que vai ser entrevistado
aqui, que tinha sido aluno do CEPED, que também tinha sido convidado
por Joaquim, para ser professor de tempo integral da PUC. O Jorge
Hilário continuou o trabalho do Joaquim na PUC, só que as demandas da
profissão de advogado, de grande advogado que o Jorge Hilário era, e é
até hoje, tornaram as atividades incompatíveis. Ele estava ficando
exausto, não podia ficar no escritório. Então largou a PUC e foi para o
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escritório. Isso deve ter sido final de 72 ou início de 73, e aí a PUC caiu
no rito ordinário, voltou um pouco àquela coisa antiga.
T.R. – E aí quando você sai da PUC você fica afastado da área acadêmica?
G.L. – Quando eu saio da PUC eu resolvo que eu tenho que ganhar
dinheiro para pagar a pensão alimentícia. Então eu parei; ainda dei aula
na PUC, mas dava aulas assim...
T.R. – Ocasionais?
G.L. – Não, pegava uma matéria aqui, uma matéria ali, na PUC, só na PUC.
Depois lá para o final dos anos 70, acho que início dos anos 80 aí eu
parei de dar aula, fui dar aula com o José Luis, mas...
T.R. – E aí como é que são essas aulas com o José Luis?
G.L. – Espera aí, antes de falar com dessa outra coisa qui, deixa eu ver o
roteiro …
T.R. – A gente está aqui, nesta aqui: Qual a sua participação em outros
projetos ligados a educação jurídica, posteriores ao CEPED? Então a gente
falou primeiro da PUC...
G.L. – E na PUC você tem aí... vamos falar um pouco mais da experiência
da PUC, porque ela foi de uma fecundidade, que para mim foi a
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continuação direta de todas as idéias do CEPED. Na PUC, porque eu era
professor da PUC, porque eu estava trabalhando junto com o Joaquim e
com o Jorge no movimento haviam as seguintes coisas.
T.R. – Eram os três egressos do CEPED: você, o Joaquim e o Jorge?
G.L. – Eu, professor, o Jorge, aluno, o Joaquim, bolsista e depois
professor. Primeiro projeto: a pesquisa. Eu não sei que aconteceu com a
pesquisa, mas o Joaquim, acho que tocou a pesquisa até o fim, e eu me
lembro o que eu fiz da pesquisa... A idéia era uma idéia de exatamente
pegar uma lei, estudá-la - advogado, sociólogo, cientista político e
economista, todos trabalhando para entender porque aquela lei foi feita,
que objetivo ela visava, se ela conseguiu influenciar a economia nacional
do jeito que pretendia, qual o resultado concreto. O Joaquim acho que
acabou esse trabalho. Eu não sei, eu nunca conversei isso com ele, mas
eu entreguei a ele a pasta e a casinha com todas as entrevistas, os
materiais todos gravados, o que a gente já tinha recolhido, e ele tocou
aquilo, eu acho que acabou. Então isso é uma experiência
relevantíssima, em termos de uma faculdade de Direito - pesquisar a
realidade social e criar um advogado trabalhando e ganhando dinheiro
para, com o olhar de advogado compreender um fenômeno social da
maior importância como foi a extinção da estabilidade trabalhista,
criação do fundo de garantia, e criação do BNH. Isso é uma das
experiências. Nós tínhamos esses congressos, esses dois artigos. A
delegação da PUC, nesses três congressos - foram encontros nacionais
de faculdades de Direito, levando o mesmo tipo de idéia sobre o Direito
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que foi o CEPED, era o grande sucesso, era o mais comentado: aqueles
meninos que escandalizavam os bacharéis. Tanto em Juiz de Fora, como
em Bagé, como em Campinas, foram as três reuniões. Então era uma
disseminação. A gente, ainda na PUC, como professor da PUC eu
participei de um curso que o Jorge Hilário organizou, e eu dei aula nesse
curso, que era para reciclar, atualizar e informar e modificar a postura
dos advogados do Ministerio de Minas e Energia. Eu dei aula nesse
curso. Foram experiências posteriores. Também éramos convidados, eu
dei aula em Brasília, dava aula na PUC, experiência pioneira também, eu
dava aula de Contabilidade na PUC. Durante essa fase eu fui convidado
para experiências de integração do Direito com outras coisas, dando
aula inclusive, junto com o Jorge Hilário, na COPPE, Coordenação dos
Programas de Pós Graduação em Engenh\ria – Mestrado em
Administração. .
T.R. – Da UFRJ.
G.L. – Da UFRJ. Eu dei um curso de Direito para economistas aqui na
Fundação Getulio Vargas. Qual era a idéia? A idéia que nós
disseminávamos lá era: método de ensino dialogado, o Direito como
solucionador de problemas, a participação do aluno e uma disciplina, o
Direito, como parte de um todo da realidade social. Essa idéia foi levada
por nós nesses vários congressos e teve dois cursos na... eu fiz um mini-
curso, em Belo Horizonte, levando essa mensagem. As faculdades nos
convidava: a mim, ou ao Joaquim, ou ao Jorge. Eu fui a Belo Horizonte,
eu fui aA São Paulo. Mais tarde, eu fui com Joaquim. Um pouco mais
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tarde, eu fui a Fortaleza. A gente deu um curso no Maranhão. O Joaquim
criou o mestrado em Direito, acho que foi o primeiro mestrado em
Direito do Brasil, na PUC. Quer dizer, toda essa experiência ele vai falar
mais que eu, porque ele era o meu chefe lá, mas foi toda uma
experiência em que a idéia foi trabalhada, aplicada e disseminada. O
Maranhão foi uma maravilha, a gente foi convidado. O Maranhão foi
quando? Foi início de 73 eu acho, janeiro de 73, eu acho que era janeiro
de 73. A Universidade Federal do Maranhão convidou a missão da PUC
para um curso para advogados formados que durou acho que um mês.
Ia eu como navio quebra-gelo. Quebrava o gelo, depois ia Joaquim,
depois ia mais um outro, depois ia o Tércio Sampaio Ferraz para dar
uma visão global do Direito, como filosofia do Direito, conhecimento
zetético e dogmático, toda aquela teoria. Os alunos mais diversificados,
tinha juiz, tinha até um aluno que pediu desculpas que não ia poder vir a
aula de tarde (era o dia inteiro), porque tinha uma cerimônia do
Tribunal de Justiça, a cerimônia em que ele ia tomar posse como
desembargador do Tribunal de Justiça. Então o Maranhão nos
convidava, quer dizer, ali aquela mensagem já estava sendo divulgada
ali para lá. De lá eu parei um pouco, quer dizer...
T.R. – Ainda lá para 74, 75 você pára e aí retorna quando?
G.L. – Dou aulas esporádicas, mas não chego propriamente a voltar à
atividade acadêmica.
T.R. – Tem o curso do IEDE que você participou. Que é na década de 80.
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G.L. – O IEDE, já foi contado aqui, foi, eu acho em 1980.
T.R. – É, a gente tem material do IEDE, que a gente pegou com o Lamy
que tem data de 80, tem 83, 85.
G.L. – Mas antes do material do IEDE, o Lamy contou isso. Também tem
a ver, e tem a ver com essa coisa do José Luis Bulhões Pedreira. O José
Luis Bulhões Pedreira nunca participou do CEPED, mas era muito amigo
do Lamy. E era um intelectual com uma porção de idéias sobre direito e
economia, uma visão muito bem estruturada. Ele tinha de testar a visão
dele. A visão do José Luis foi publicada agora, neste ano, em 2009, no
livro Conhecimento, Sociedade e Direito – Introdução ao Conceito de
Direito. Ele preparou uma apostila com a visão dele do mundo, a visão
dele era o Direito, como um sistema aberto, que é composto de vários
outros sistemas e que se inter-relacionam e que é um sub-sistema de
um sistema maior, tudo isso descrito com palavras, gráficos e desenhos -
tudo isso está nesse livro dele. Ele organizou este livro inicialmente,
pegando escritos soltos e compondo uma apostila para o curso de
advogados da CVM, que foi outra iniciativa que indiretamente tem a ver
com o CEPED, é neta do CEPED. A CVM foi fundada com uma lei de 31 de
dezembro de 1965, eu acho. Quando se foi procurar advogados para a
CVM fez-se um concurso, tinha 800 candidatos passaram 40 e os 40
para serem admitidos precisavam fazer um curso de Direito, curso este
que, a mesma patota, agora com a participação do José Luis Bulhões
Pedreira. Quando foi exatamente...
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T.R. – Desculpa, a mesma patota são quem? Você...
G.L. – Lamy, Jorge Hilário, José Luis, quem mais?
T.R. – Caio Tácito?
G.L. – O Caio Tácito eu não sei se participou desse, talvez tenha
participado.
T.R. – O Leoni?
G.L. – O Leoni deve ter participado também, não tenho certeza.
T.R. – Joaquim?
G.L. – Também não me lembro se ele participou. Eu dei duas aulas nesse
curso. Duas aulas sobre direito societário. Esse curso da CVM, você
precisa depois apurar a data exata de quando foi.
T.R. – Mario Henrique?
G.L. – Mario Henrique não, acho que já era Ministro da Fazenda, já
estava muito importante para dar aula. Mas, para o curso da CVM, o
Bulhões Pedreira fez apostilas que hoje estão no livro que foi publicado
este ano de 2009. Essa apostila dele, ele resolveu testar a apostila,
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organizou um curso, ele próprio pagando, em que eu fui aluno, e depois
ele organizou o IEDE, no escritório dele ele – acho que o Leoni falou
sobre isso – no escritório dele ele reuniu uma patota de advogados
escolhidos por ele, de graça, distribuía apostilas – e são essas apostilas
que você tem – para explicar a visão dele de Direito sempre com aquela
tônica: método dialogado, leitura prévia, aula dada pelo aluno,
questionamento, ligação com a realidade e visão sistêmica. O IEDE, eu
fui dar aula no IEDE, foi minha última experiência acadêmica em. 1980,
posso dizer exatamente a data, porque foi no mesmo ano em que eu
entrei., para o escritório em que eu viria mais tarde me aposentar. E aí
aconteceu o inevitável que é o choque direto entre o exercício do
magistério e a profissão de advogado militante bem sucedido. Sempre
que meu chefe precisava de mim – eu dava aula uma vez por semana –
mandava me chamar e minha secretária respondia agora ele está na
aula, e o chefe resmungava: ah, que horror, tem que atender cliente,
quando eu preciso... os clientes eram compromisso, e aí eu realmente,
para conseguir fazer carreira como advogado, e ganhar o dinheiro que
eu precisava para sustentar, pagar pensões e sustentar ex-mulheres,
filhos etc e tal, eu precisava advogar, e ser bem sucedido na advocacia.
Aí eu parei completamente de dar aula, de vez em quando tinha uma
coisa aqui, uma coisa ali, mas o IEDE foi em 1980 foi a última vez que eu
pisei em uma sala de aula até eu me aposentar como advogado e aí
poder finalmente vir trabalhar aqui na Fundação Getulio Vargas.
T.R. – E aí então a gente vem, que influência que teve a experiência do
CEPED na educação jurídica brasileira você contou não é?
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G.L. – Uma coisa que eu quero registrar aqui, que é uma imagem que eu
fiz, e que faço até hoje. Eu acho que as crias do CEPED, os próprios
professores originais, que estão finalmente todos morrendo, e os alunos,
primeira, segunda e terceira geração, os alunos dos alunos, os recados
que a gente saiu disseminando por aí, formam, é aquela coisa que eu
brinco, como se fosse o Asterix e o Obelix, quer dizer, aquela aldeia que
percebe o Direito de uma forma diferente, percebe a advocacia de uma
forma diferente e que até hoje ainda é um pouco uma aldeia. Nós
conseguimos... eu vejo, sem brincadeira nenhuma, eu olho para você,
Tania, olho para o que está se fazendo aqui na Fundação Getulio Vargas
e vejo: era inconcebível, antes desse movimento, que houvesse um não
advogado vivendo do Direito, usando o diploma de advogado para ser
jurista. Não; você era advogado. Você podia ser também jurista, também
professor. E de uma certa forma tudo isso que era novidade em 66,
muitas dessa coisas excerceram uma influência. Então a influência foi
marcante e hoje ela consegue, algumas das idéias são aceitas. Você é
aceita, ninguém olha para você e diz: mas qual é a sua profissão? Mas
qual é o escritório que você trabalha? Ah, não trabalha em escritório?
Então é juiza? Não, não é juiza. Então é promotora? Defensora Pública?
Não, você não é nada disso e você é advogada. Você trabalha com
Direito. Isso aqui ainda é hoje uma novidade. Então a influência que o
CEPED teve foi gerar um novo modo de pensar o método de ensino do
Direito, pensar o próprio Direito, pensar o exercício de advocacia, criar
estudiosos do Direito que não são, e não foram e não serão advogados,
tudo isso foram as mensagens do CEPED. As mensagens do CEPED estão
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vivas até hoje, estão disseminadas por aquelas crias e tem gente que
nunca ouviu falar no CEPED que sofre a influência hoje. Mas ainda hoje,
me parece que ainda são um pouco a aldeia do Asterix e do Obelix, que o
meio predominante ainda é um pouco uma visão mais tradicional. Mas
não tenho certeza, porque na advocacia que eu participei essa
modernidade era importantíssima.
T.R. – E por quê que o CEPED deixou de existir e o quê que você sabe à
respeito você não lembra, não é?
G.L. – Não sei nada. Não sei direito e o que eu sei, e que vamos ver daqui
a pouco na pesquisa, é que ele não deixou de existir enquanto
instituição.
T.R. – É, o curso acaba, não é? Mas o CEPED...
G.L. – O curso acaba, acaba a grana, acaba o finaciamento, isso a gente
vai procurar com as fontes de finaciamento, que são a Fundação Ford, o
Trubek, etc. Acaba o curso, que não tem a grana, sai da Fundação Getúlio
Vargas e vim recentemente saber que nunca deixou de existir, enquanto
casca institucional na UERJ. Precisamos ir à UERJ conversar sobre ele.
T.R. – E se você conhece alguma outra experiência posterior que possa
ser considerada marcadamente influenciada pelo CEPED?
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G.L. – Eu relatei várias, e relato hoje a experiência posterior que eu
conheço...
T.R. – A mais recente é...
G.L. – É a Escola de Graduação de Direito da Fundação Getulio Vargas,
onde nós nos encontramos nesse momento, com a presença de uma
aluna, que já institivamente, naturalmente, diz que todas as idéias que
você tem ouvido aqui são exatamente as idéias que estão aqui e que esta
escola, quando esta escola começou aqui o grupo formador pergunta
quê é que vai ser?”, e eu disse: essa escola, o nome da Fundação é uma
marca respeitável, mas ela vai se destacar, e se destacará – eu disse isso –
antes da primeira turma entrar, em uma reunião que teve em Araras –
ela vai se destacar porque ela breve será reconhecida como a melhor
Escola de Direito do Brasil. Já está começando a ser e já está começando
hoje a ter no mercado de trabalho, no Exame de Ordem etc., a colher
todos os frutos do advogado diferente. Eu olho todos os advogados
daqui, e vejo que serão melhores advogados. Não é melhor advogado, no
sentido de ganhar mais dinheiro e ser mais rico, ou advogar melhor e ter
sucesso. São melhores advogados com capacidade melhor de
compreender o direito, de contribuir para o Direito. Pode ser melhor
advogado e usar para o mal, ou usar para o bem, mas serão pessoas com
uma visão diferente do que é a profissão de advogado e entendendo
mais completamente a lei. E com sucesso profissional também, nos
termos mais medíocres do sucesso profissional, que é ganhar dinheiro e
ser bem qualificado. A experiência mais marcante do CEPED eu vejo na
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PUC do início da década de 70, aqui na Fundação Getulio Vargas com a
escola de graduação,
T.R. – Está ótimo. Professor Gabriel.
G.L. – Agora deixa eu tirar minha foto...
[FINAL DO DEPOIMENTO]
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