fundaÇÃo universidade de itaÚna - uit.bruit.br/mestrado/images/dissertacoes/2-2014/reparao por...
Post on 29-Nov-2018
214 Views
Preview:
TRANSCRIPT
0
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE ITAÚNA
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em Direito
Área de concentração: Proteção dos Direitos Fundamentais
Evandro Alair Camargos Alves
REPARAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL: POSSIBILIDADE E FUNÇÕES
NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COLETIVOS
Itaúna
2014
1
Evandro Alair Camargos Alves
REPARAÇÃO POR DANO EXTRAPATRIMONIAL: POSSIBILIDADE E FUNÇÕES
NO CONTEXTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COLETIVOS
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação stricto sensu - Mestrado em Direito,
área de concentração: proteção dos direitos
fundamentais, da Fundação Universidade de
Itaúna, como requisito parcial para a obtenção do
título de mestre.
Orientador: Professor Doutor Carlos Alberto
Simões de Tomaz
Itaúna
2014
2
3
4
A minha mãe, Antônia Alves Sampaio (sempre presente), quem me incentivou a estudar e a
batalhar pelos meus ideais.
A minha inseparável companheira, Mirtes Lopes dos Santos, pela compreensão em razão dos
muitos finais de semana, feriados e madrugadas que me dediquei à pesquisa.
Todos os meus parentes e amigos que me apoiaram neste momento tão difícil de pesquisa e
produção científica.
5
Agradecimentos
Primeiramente a Deus pelas oportunidades que criou em minha vida e também por ter me
concedido forças para vencer todos os obstáculos enfrentados ao longo do meu Mestrado e da
minha vida profissional.
Ao Professor Doutor Carlos Alberto Simões de Tomaz por toda a compreensão, paciência,
respeito e incentivo na condução da minha orientação.
A todos os parentes e amigos que me incentivaram, em especial ao Professor e amigo Doutor
Fabrício Veiga Costa.
6
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CF/1988 - Constituição Federal de 1988
CPC – Código de Processo Civil
LACP – Lei de Ação Civil Pública
ONU – Organização das Nações Unidas
REsp – Recurso Especial
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais
TRF – Tribunal Regional Federal
7
RESUMO
Com a teorização dos Direitos Fundamentais Coletivos no Estado Democrático de Direito
indaga-se na doutrina e jurisprudência se tais direitos podem ser objeto de reparação civil por
danos morais coletivos e se a função da reparação pode ser punitiva. Tal dúvida surge em
virtude da definição de dano moral escrita na doutrina individualista, enraizada na clássica
summa divisio Direito Privado X Direito Público, que exige demonstração de sentimentos
subjetivos para a configuração do dano, além de afirmar que a reparação por tais danos tem
função meramente compensatória. Entretanto, diante da teorização dos Direitos Fundamentais
Coletivos e da necessidade de materialização do princípio da solidariedade, está ocorrendo
uma superação da teoria clássica para a afirmação da summa divisio constitucionalizada
Direito Individual X Direito Coletivo. Neste novo contexto, é possível reformular o conceito
de dano moral para que ele possa tutelar da forma mais ampla possível os direitos de natureza
transindividual. Atribuindo tal envergadura aos direitos coletivos, é possível concluir que os
mesmos merecem reparação por danos extrapatrimoniais, independentemente da necessidade
de comprovação de sentimentos subjetivos coletivos no caso concreto. De outro lado,
observa-se ainda que é possível atribuir função punitiva à reparação por Direitos
Fundamentais Coletivos, uma vez que os valores arrecadados em sede de condenação são
revertidos em prol dos interesses coletivos, conforme estampados no artigo 13 da LACP.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais Coletivos. Dano Extrapatrimonial Coletivo. Função
Punitiva.
8
ABSTRACT
With the theorizing of Collective Fundamental Rights in the democratic state it’s inquired in
the doctrine and jurisprudence if those rights may be subject to civil remedies for collective
moral damage and if the reparation function can be punitive. This doubt arises from the
definition of moral damage in individualistic doctrine, rooted in the classic summa divisio
Private Law X Public Law, which requires demonstration of subjective feelings for
configuration of the damage, besides it is affirmed that the reparation of such damage is
merely compensatory. However, before the theorizing of Collective Fundamental Rights and
the need of materialization of the principle of solidarity, is occurring an overcoming of the
classical theory for the affirmation of the constitutionalized summa divisio Individual Rights
X Collective Rights. In this new context, it is possible to reformulate the concept of moral
damage, so it can tutelary more widely the rights of transindividual nature. Assigning such
magnitude to collective rights, it is possible to conclude that is deserved the compensation for
the extra patrimonial damage, regardless of the necessity of proving collective subjective
feelings in the case. On the other hand, it is possible to assign the punitive function to
reparations of Collective Fundamental Rights, since the amounts collected, in the seat of
judgment, are reversed in favor of collective interests, as printed in article 13 of LACP.
Keywords: Collective Fundamental Rights. Moral Damage. Collective Extra Patrimonial
Damage. Punitive Function.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 09
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS – DOS INDIVIDUAIS AOS COLETIVOS.......... 12
2.1 A Ideia de Fundamentalidade dos Direitos...................................................... 12
2.2 Direitos Fundamentais - Da Dimensão Individual à Dimensão Coletiva........ 23
2.3 A Afirmação dos Direitos Coletivos como Direitos Fundamentais e sua
Classificação no Direito Brasileiro........................................................................ 28
3 DA REPARAÇÃO CIVIL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COLETIVOS... 47
3.1 Aportes Iniciais................................................................................................ 47
3.2 Do Dano Moral Individual ao Dano Moral Coletivo...................................... 61
3.3 A Irreparabilidade do Dano Moral Coletivo.................................................... 71
4 DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO E SUA FIXAÇÃO NO
CONTEXTO DO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO...................................... 78
4.1 A Afirmação da Reparação do Dano Extrapatrimonial no Contexto dos
Direitos Fundamentais Coletivos.......................................................................... 78
4.2 A Reparação Civil por Danos Extrapatrimoniais Coletivos sem a
Comprovação de Sentimentos Subjetivos no bojo do Processo Coletivo............. 94
4.3 Dano Extrapatrimonial Coletivo e a sua Função Punitiva............................... 104
5 CONCLUSÃO............................................................................................................... 120
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 123
10
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas do século passado em razão da massificação da sociedade
surgiram novos direitos de natureza transindividual que objetivam materializar o princípio da
solidariedade e fraternidade, pilares do Estado Democrático de Direito.
Entretanto, nem sempre foi assim, pois os Direitos Fundamentais são marcados pela
historicidade que significa dizer que se transformam e são construídos a partir de lutas das
classes e das necessidades consolidadas na sociedade. Diante da tal premissa é possível
perceber que está ocorrendo uma superação dos paradigmas solidificados até então no Estado
Liberal de Direito que valorizava uma filosofia egoísta e formalista, enraizada na summa
divisio Direito Público X Direito Privado.
No paradigma do Estado Liberal o ideal liberal-burguês defendia uma igualdade
formal entre as partes, que no campo da responsabilidade civil implicaria numa beatificação
da culpa para existir o dever de indenizar, além de limitar a reparação aos exatos termos da
ofensa (devolver ao lesado o status quo ante), uma vez que a parte lesada não poderia se
enriquecer sem motivo.
Em se tratando de danos morais, depois de muita discussão doutrinária e
jurisprudencial sobre a possibilidade da reparação dos mesmos, prevaleceu o entendimento
que determina a reparação com o objetivo de compensar as violações aos valores subjetivos
individuais, pois é impossível restabelecer ao seu estado originário.
A concepção formalista do individualismo liberal-burguês não reconhece a
possibilidade de reparação civil por danos morais coletivos, pois a noção de sentimentos
subjetivos não se coaduna com a ideia de transindividualidade, ou seja, a coletividade não
poderia sofrer danos na sua esfera moral. A dor, sofrimento, tristeza, vergonha, etc, são
sentimentos que podem ser sentidos apenas por pessoas naturais individualizadas,
incompatível com a indivisibilidade coletiva.
Além disso, o apego ao formalismo jurídico sedimentado no Estado da Legalidade
burguesa, não permite outra função à reparação civil senão a função compensatória, pois não
existe lei que autorize a punição por danos privados.
A doutrina da função exclusivamente compensatória no dano moral foi construída nas
bases do pensamento liberal-burguês que defendeu uma nítida distinção entre Direito Público
e Direito Privado. O Direito Público tutelava as relações de subordinação entre o Estado e o
indivíduo, estabelecendo uma função punitiva ao transgressor da norma jurídica. Já o Direito
11
Privado buscava regulamentar as relações individuais e manter o equilíbrio entre as pessoas,
não tendo como objeto a punição.
Nesta linha a reparação civil era instituto de Direito Privado que objetivava
restabelecer o status quo ante ou mesmo apresentar um lenitivo como forma de compensar os
danos morais, cabendo ao Direito Público função punitiva que seria uma resposta social às
violações dos direitos.
Entretanto, a partir do rompimento dos marcos individualista e a construção de uma
concepção solidária e democrática, nascem no Estado Democrático de Direito, os direitos
coletivos que possuem natureza jurídica de direitos fundamentais e merecem ampla proteção,
inclusive com a reparação civil por danos de natureza extrapatrimonial.
Com a ruptura da teoria clássica, outro ponto objeto de analise é se o dano
extrapatrimonial coletivo necessita de comprovação no plano processual ou se é possível uma
leitura objetiva do conceito para se presumir o dano, diante da situação fática. Finalmente,
indaga-se a possibilidade de se atribuir função punitiva ao dano extrapatrimonial.
Para se chegar a conclusões corretas sobre as dúvidas suscitas é necessária uma
releitura do instituto da reparação civil sob uma ótica dos valores materializados no Estado
Democrático de Direito e da nova summa divisio constitucionalizada Direito Individual X
Direito Coletivo.
Como base metodológica para a investigação científica foi utilizada a revisão
bibliográfica, análise crítico-comparativa e o estudo de casos concretos relacionados aos
temas, julgados por juízes e tribunais brasileiros.
O referencial teórico utilizado é o apresentado pelo professor Gregório Assagra de
Almeida1 que defende a nova summa divisio constitucionalizada Direito Individual X Direito
Coletivo, como teoria revogadora da clássica summa divisio Direito Privado X Direito
Público. Segundo o autor, a nova summa divisio constitucionalizada Direito Individual X
Direito Coletivo é a que reflete as necessidades do Estado Democrático de Direito e dos
Direitos Fundamentais Coletivos, além de permitir uma releitura do conceito e das finalidades
do dano moral coletivo.
Diante dessa premissa, pesquisa-se se os Direitos Fundamentais Coletivos podem ser
objeto de reparação civil por danos de natureza extrapatrimonial. Em sendo, investiga-se
ainda se a reparação de tais direitos ocorre de acordo com os métodos tradicionais dos direitos
1 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008.
12
privados ou se houve necessidade de uma ampliação e objetivação do conceito. Analisa-se
finalmente se é necessária comprovação fática de tais danos e a finalidade.
Para alcançar nossos objetivos dividimos o trabalho em três capítulos. O primeiro
retrata o conceito de direito fundamental, as características e a evolução de tais direitos dos
individuais aos coletivos. Já que o tema principal do presente trabalho é a analise da
reparabilidade civil dos direitos fundamentais coletivos é indispensável entender o que é
direito fundamental coletivo.
No capítulo segundo é feita uma análise da responsabilidade civil à luz da clássica
summa divisio Direito Público X Direito Privado, construída à luz dos ideais liberais
burgueses. É relatado ainda, a evolução do conceito de dano moral à luz da teoria clássica,
para se verificar em que medida tal teoria pode ser utilizada nos hodiernos direitos coletivos.
O fechamento do capítulo ocorre com a análise da jurisprudência do STJ, que à luz da Teoria
Clássica do Direito Privado, entende que a coletividade não pode sofrer dano moral coletivo,
uma vez que a mesma não possui sentimentos subjetivos.
No capítulo final, objetivando fazer uma releitura do tema à luz dos pilares do Estado
Democrático de Direito, da nova summa divisio Direito Individual X Direito Coletivo, e do
princípio da solidariedade e fraternidade, analisamos novamente a possibilidade de reparação
civil por danos morais coletivos, bem como a finalidade e como ocorre a comprovação do
dano no plano prático-processual.
13
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS – DOS INDIVIDUAIS AOS COLETIVOS
Para se falar em dano moral coletivo é necessário descortinar o conceito de direito
fundamental coletivo, tendo em vista que a reparação civil por dano moral coletivo decorre da
violação dos direitos desta natureza.
Assim, com a finalidade de aclarar a natureza jurídica dos direitos fundamentais
coletivos, no presente capítulo será desenvolvida a ideia de fundamentalidade dos direitos
desde os fundamentais individuais até os coletivos.
Compreendida a fundamentalidade será analisada também a classificação dos direitos
fundamentais coletivos, pois para haver uma nova compreensão da reparação civil é
indispensável compreender a natureza dos direitos que são objeto de reparação.
2.1 A Ideia de Fundamentalidade dos Direitos
Os direitos fundamentais são valores essenciais ao resguardo da vida com dignidade2
na sociedade, construídos por meio de um consenso discursivo e à luz da ideologia de um
dado momento.
Não obstante a tentativa de simplificar o conceito, a doutrina traça inúmeros caracteres
marcantes na construção do conceito de direitos fundamentais. Dimoulis e Martins3 explicam
que os direitos fundamentais possuem como elementos básicos: a) os sujeitos da relação
criada pelos direitos fundamentais (pessoa vs. Estado); b) a finalidade desses direitos
(limitação do poder estatal para preservar a liberdade individual); c) sua posição no sistema
jurídico, definida pela supremacia constitucional ou fundamentalidade formal.
Com outras palavras, significa que os direitos fundamentais seriam direitos que teriam
por finalidade básica, a proteção do indivíduo, nas suas relações verticais perante o Estado, ou
seja, as normas de direito fundamental objetivam colocar limites à atividade estatal, perante as
liberdades individuais.
Ademais, observa-se, com as lições dos citados autores, que o principal elemento dos
2 Sobre dignidade da pessoa humana esclarece Luís Roberto Barroso que: “A dignidade humana é um valor
fundamental. Valores, sejam políticos ou morais, ingressam no mundo do Direito, assumindo, usualmente, a
forma de princípios. A dignidade, portanto, é um princípio jurídico de status constitucional. Como valor e como
princípio, a dignidade humana funciona tanto como justificação moral quanto como fundamento normativo para
os direitos fundamentais. Na verdade, ela constitui parte dos direitos fundamentais”. (BARROSO, Luís Roberto.
Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos Fundamentais e a Construção de Novo Modelo.
São Paulo: Saraiva, 2013, p. 273) 3 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 47.
14
direitos fundamentais seria a supremacia dos mesmos, tendo em vista a superioridade da
Norma Constitucional.
Sintetizando, Dimoulis e Martins dizem que os direitos fundamentais são “direitos
público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais
e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade
limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual”4.
Ao tratar da natureza jurídica dos direitos fundamentais, José Afonso da Silva afirma
que “são direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição
ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte.
São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, no princípio da soberania popular”5.
Carl Schmitt sem destoar muito deste entendimento diz que os direitos fundamentais
podem ser caracterizados a partir de dois critérios formais, pois para serem direitos
fundamentais seria necessário que tivessem status constitucional e dificultoso processo de
alteração ou revisão.
Neste sentido, Paulo Bonavides citando Schmitt explica:
Com relação aos direitos fundamentais, Carl Schmitt estabeleceu dois
critérios formais de caracterização. Pelo primeiro, podem ser designados
direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e
especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal
quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que
receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de
segurança; ou são imutáveis (unabänderliche) ou pelo menos de mudança
dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediantes leis
de emenda à Constituição.6
Ainda com base no pensamento de Schmitt afirma Bonavides que os direitos
fundamentais poderiam ser vistos sob o ponto de vista material, sendo que sob essa ótica,
variariam “conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios
que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais
específicos”7.
Na mesma linha, Gregório Assagra de Almeida diz que os direitos fundamentais
possuem uma dimensão formal e outra material, a saber:
4 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 47. 5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p. 181.
6 BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 561.
7 BONAVIDES. Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 561.
15
Os direitos fundamentais em sentido formal seriam aqueles que encontram
previsão em determinada Constituição e são dotados da proteção jurídica a
ele ligada. Todos os direitos fundamentais em sentido formal constituem-se
em direitos fundamentais em sentido material, porém existem direitos
fundamentais em sentido material que vão além dos direitos fundamentais
em sentido formal. A conceituação material dos direitos fundamentais revela
que esses não são, pura e simplesmente, direitos declarados, estabelecidos e
atribuídos pelo legislador constituinte, mas, acima de tudo, direitos
resultantes da concepção de Constituição dominante, do sentimento jurídico
e da ideia de Direito.8
Tal acepção formal e material dos direitos fundamentais remeteria ao final do séc.
XVIII, no contexto da Emenda IX da Constituição dos Estados Unidos, momento em que
afirmou tal norma que os direitos materializados no texto Constitucional não excluiriam os já
conquistados por aquela nação9.
Neste cenário, é possível notar que a nossa Teoria Constitucional reconhece e aceita
tanto os direitos fundamentais de natureza formal, quanto os de natureza material, pois o §
2º10
, do artigo 5º da Constituição estabelece que são reconhecidos outros direitos
fundamentais decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, bem como
aqueles internalizados por meio de tratados internacionais, conforme explica Almeida.
No plano da concepção acima, a Constituição da República Federativa do
Brasil, de 1988, reconhece tanto os direitos fundamentais, em sentido
formal, quanto os direitos fundamentais em sentido material, tendo em vista
o rico teor da cláusula aberta sobre os direitos e garantias constitucionais
prevista no §2º do art.5º da CF/88, que estabelece: “os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a
República Federativa do Brasil seja parte.11
8 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
305. 9 “O fator distinção entre direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material
remontaria ao ano de 1791, mas precisamente à IX Emenda à Constituição dos Estados Unidos, atualmente
fazendo-se presente em inúmeras outras Constituições. A referida Emenda Constitucional veio estabelecer que a
especificação de certos direitos pela Constituição não significa que fiquem excluídos ou desprezados outros
direitos até agora possuídos pelo povo.” ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação
da Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p. 305. 10
Art.5º, parágrafo 2º, CF/88: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL. Constituição Federal. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 11
ALMEIDA, Gregório Assagra de Almeida. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito
Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey,
2008, p. 305.
16
Assim, o simples fato de uma norma de direito fundamental não estar expressamente
prevista no texto constitucional não impossibilita o seu titular de exigir o cumprimento por
parte do Estado, desde que atendidos os requisitos previstos na mencionada norma
constitucional.
Dimoulis e Martins afirmam que o princípio que regulamenta tal matéria é chamado
de princípio da complementariedade condicionada, na medida em que “a norma indica que o
fato de um direito não se encontrar garantido no texto constitucional ou não ser reconhecido a
determinado titular não exclui a possibilidade de sua alegação, desde que o mesmo se
encontre reconhecido em tratado internacional ou que o tratado beneficie determinado
titular”12
.
Rothenburg na mesma linha afirma que o catálogo previsto de direitos fundamentais
nunca é exaustivo (inexauribilidade ou não-tipicidade dos direitos fundamentais), a ele
podendo ser sempre acrescidos novos direitos fundamentais. Um novo aporte pode advir de
normas internacionais (abertura externa), além da revelação de direitos fundamentais -
expressos ou implícitos - no íntimo do próprio sistema jurídico nacional (abertura interna).
Exatamente nessa linha, a dicção do § 2º, do art. 5.º, da CF/1988, traduzindo uma "cláusula de
abertura"13
.
O rol de direitos fundamentais previstos na Constituição da República é apenas
exemplificativo, sendo que nada obsta a existência de outros direitos de natureza fundamental
não previstos taxativamente no texto magno. Além disso, é importante esclarecer que mesmo
os direitos fundamentais não previstos expressamente na Constituição são dotados de
supremacia normativa e não poderão ser objeto de supressão pelo legislador ordinário. Neste
sentido, registra Alexandre de Moraes:
Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros
de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo
que difusamente, ou seja, fora do rol do art. 5º, que é meramente
exemplificativo. Importante ressaltar que as normas constitucionais cuja
natureza jurídica configura-se como direito ou garantia individual, mesmo
não estando descritas no rol do art. 5º da Carta Magna, são imodificáveis,
pois serão inadmissíveis emendas tendentes a suprimi-las, total ou
parcialmente, por tratar-se de cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º, IV).14
12
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 38. 13
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas Características. Disponível em
http://www.sedep.com.br/?idcanal=24215. Acesso em 22 jul. 2014. 14
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2006, p. 458-459.
17
A impossibilidade de supressão dos direitos fundamentais conquistados é
perfeitamente coerente com a performance do Estado Democrático de Direito, tendo em vista
que além da vedação constitucional estampada no art.60, parágrafo 4º, da CF,
doutrinariamente, de forma majoritária, entende-se que é vedado o retrocesso15
em termos de
direitos fundamentais já conquistados.
Com o objetivo de aclarar o significado de direito fundamental, a doutrina ainda
explica que os direitos fundamentais e direitos humanos, para alguns autores, seriam
expressões sinônimas, enquanto a doutrina majoritária entende que são expressões diferentes.
Daniel Augusto Mesquita, com base em André Ramos Tavares, afirma que não há
qualquer equívoco em usar a expressão direitos fundamentais ou direitos do homem como
sinônimas, pois nas palavras de André Ramos Tavares as expressões seriam “utilizadas para
denominar uma mesma realidade, no caso, a referente aos direitos fundamentais do Homem”.
Assim, não haveria nenhum equívoco ou confusão em se utilizar indiscriminadamente as
nomenclaturas16.
Paulo Bonavides sem detalhar o tema diz que a expressão direitos fundamentais é
muito utilizada na doutrina publicística do Direito Alemão, ao passo que a direitos humanos
seria mais utilizada pelos autores anglo-americanos e latinos. Neste sentido, manifesta-se o
autor:
A primeira questão que se levanta com respeito à teoria dos direitos
fundamentais é a seguinte: podem as expressões direitos humanos, direitos
do homem e direitos fundamentais serem usadas indiferentemente? Temos
visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura
jurídica, ocorrendo porém o emprego mais frequente de direitos humanos e
direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência
aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais
parece ficar circunscrita à preferência dos publicistas alemães.17
15
Ingo Sarlet diz que: “(...) após sua concretização em nível infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais
assumem, simultaneamente, a condição de direitos subjetivos a determinadas prestações estatais e de uma
garantia institucional, de tal sorte que não se encontram mais da esfera de disponibilidade do legislador, no
sentido de que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob pena de flagrante
infração do princípio da proteção da confiança (por sua vez, diretamente deduzido do princípio do Estado de
Direito), que, de sua parte, implica a inconstitucionalidade de todas as medidas que inequivocamente venham a
ameaçar o padrão de prestações já alcançado”. (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 34) 16
MESQUITA, Daniel Augusto. Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ao
Ordenamento Jurídico Brasileiro: Interpretação da Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal e
Conseqüências da Emenda Constitucional 45/2004 na Proteção dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/63/40. Acesso em 15 maio
2014. 17
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 561.
18
Em sentido contrário, a doutrina majoritária entende que há diferença entre os direitos,
sendo que o critério espacial seria a pedra de toque de diferenciação entre direito fundamental
e direito humano.
Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos
fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação
corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o
termo ‘direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano
reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria
relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas
posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal,
independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os
povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter
supranacional (internacional).18
João Trindade Cavalcante Filho sobre o tema, no mesmo sentido que Sarlet, esclarece:
Realmente, direitos fundamentais e direitos humanos, estes (humanos) são
direitos atribuídos à humanidade em geral, por meio de tratados
internacionais (Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, 1948,
por exemplo). Já os direitos fundamentais são aqueles positivados em um
determinado ordenamento jurídico (Constituição Brasileira, Lei Fundamental
Alemã etc.).19
A diferenciação embora do ponto de vista ontológico não pareça tão importante, tem
sentido e aplicação na sua acepção pragmática, porque “apesar de existir uma progressiva
positivação interna dos direitos humanos, não poderão tais conceitos serem entendidos como
sinônimos, pois a efetividade de cada um é diferente”.20
Sarlet também entende dessa forma, afirmando que os direitos fundamentais possuem
maior eficácia do que os direitos humanos, pois estão positivados no texto constitucional e
possuem instâncias judiciais mais próximas que possibilitam aos seus destinatários exigir a
observância e cumprimento pelos Poderes Públicos.
Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de
efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos
fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional),
18
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006, p. 35-36. 19
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014. 20
MATHIAS, Márcio José Barcellos. Distinção conceitual entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e
Direitos Sociais. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2791/Distincao-conceitual-entre-
Direitos-Humanos-Direitos-Fundamentais-e-Direitos-Sociais. Acesso em 17 maio 2014.
19
sendo desnecessário aprofundar, aqui, a ideia de que os primeiros que – ao
menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições
para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência
de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer
respeitar e realizar estes direitos.21
De forma sintética, nas palavras de Mathias, os direitos humanos são aquelas garantias
inerentes à existência da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e
positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores
instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas22
.
Já os direitos fundamentais seriam aqueles internalizados pela ordem constitucional
como direitos fundamentais, ou, melhor dizendo, “são aqueles direitos constituídos por regras
e princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos direitos
humanos, que visam garantir a existência digna (ainda que minimamente) da pessoa, tendo
sua eficácia assegurada pelos tribunais internos”23
.
Gilmar Ferreira Mendes diz que:
Essa distinção conceitual não significa que os direitos humanos e os direitos
fundamentais estejam em esferas estanques, incomunicáveis entre si. Há uma
interação recíproca entre eles. Os direitos humanos internacionais
encontram, muitas vezes, matriz nos direitos fundamentais consagrados
pelos Estados e estes, de seu turno, não raro acolhem no seu catálogo de
direitos fundamentais os direitos humanos proclamados em diplomas e em
declarações internacionais. É de se ressaltar a importância da Declaração
Universal de 1948 na inspiração de tantas constituições do pós-guerra.24
Na mesma linha, a lei federal 12.986, de 02 de junho de 2014, que transforma o
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana em Conselho Nacional dos Direitos
Humanos – CNDH, em seu artigo 2º, parágrafo 1º25
, deixa claro que todos os direitos
fundamentais são simultaneamente direitos humanos.
Gérson de Britto Mello Boson conclui no mesmo sentido, afirmando que a 21
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.
40. 22
MATHIAS, Márcio José Barcellos. Distinção conceitual entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e
Direitos Sociais. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2791/Distincao-conceitual-entre-
Direitos-Humanos-Direitos-Fundamentais-e-Direitos-Sociais. Acesso em 17 maio 2014. 23
MATHIAS, Márcio José Barcellos. Distinção conceitual entre Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e
Direitos Sociais. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2791/Distincao-conceitual-entre-
Direitos-Humanos-Direitos-Fundamentais-e-Direitos-Sociais. Acesso em 17 maio 2014. 24
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 244. 25
Art.2º. O CNDH tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos, mediante ações preventivas,
protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação desses direitos.
Parágrafo 1º. Constituem direitos humanos sob a proteção do CNDH os direitos e garantias fundamentais,
individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal ou nos tratados e atos internacionais
celebrados pela República Federativa do Brasil. (BRASIL, 2014)
20
problemática dos direitos individuais, registrados nas cartas constitucionais dos Estados
modernos, se insere no quadro dos direitos humanos, quadro este bem maior, porque
integrado por valores jurídicos que transcendem os Estados da comunidade internacional,
radicados que são na essência da humanidade26
.
Independentemente da diferenciação, certo é que os direitos humanos e fundamentais
possuem um ponto de interseção comum, que é a proteção voltada ao ser humano nas suas
mais diversas facetas27
.
Além da íntima relação entre direitos humanos e fundamentais, é possível afirmar que
os direitos fundamentais correspondem ao núcleo mínimo de direitos intangíveis e essenciais
ao ser humano28
.
Analisadas as diferença entre direitos fundamentais e direitos humanos, outra forma de
se identificar os direitos fundamentais seria por meio de suas características fundamentais.
Não obstante a oscilação da doutrina ao descrever essas características, as principais são:
Historicidade, relatividade, imprescritibilidade, inalienabilidade e indisponibilidade.
A historicidade significa que os direitos fundamentais seriam reflexo da vontade social
de determinada época, ou seja, possuem o conteúdo resenhado a partir dos anseios de uma
determinada sociedade à luz de determinados interesses.
José Afonso da Silva afirma que os direitos fundamentais “são históricos como
qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução
burguesa e evoluem, ampliam-se, com o correr dos tempos”29
.
Bobbio defende que tais direitos são históricos e nascem, de forma paulatina, em
decorrência da reação de determinada classe contra os poderes antigos:
26
BOSON, Gérson de Britto Mello. Direitos Humanos. Disponível em
http://docs16.minhateca.com.br/30367938,BR,0,0,18--Direitos-humanos---Boson.pdf. Acesso em 22 jul. 2014. 27
Neste sentido, João Trindade Cavalcante Filho diz: “Em verdade, o conteúdo de ambos é bastante semelhante.
São conjuntos diferentes que possuem grande área de intersecção. A diferença é mais de fonte normativa que de
conteúdo”. (CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014) 28
Vladimir Brega Filho, diz que direito fundamental "é o mínimo necessário para a existência da vida humana."
(BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo jurídico das expressões.
São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 66). Ainda neste sentido, João Trindade Cavalcante Filho afirma:
“Com base nisso, poderíamos definir os direitos fundamentais como os direitos considerados básicos para
qualquer ser humano, independentemente de condições pessoais específicas. São direitos que compõem um
núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma determinada ordem jurídica”.
(CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014) 29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.
183.
21
Do ponto de vista teórico, sempre defendi — e continuo a defender,
fortalecido por novos argumentos — que os direitos do homem, por mais
fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra
velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de
uma vez por todas.30
Afirmando a natureza pragmática e mutável dos direitos, continua Bobbio:
Também os direitos do homem são direitos históricos, que emergem
gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e
das transformações das condições de vida que essas lutas produzem. A
expressão “direitos do homem”, que é certamente enfática – ainda que
oportunamente enfática, pode provocar equívocos, já que faz pensar na
existência de direitos que pertencem a um homem abstrato e, como tal,
subtraídos ao fluxo da história, a um homem essencial e eterno, de cuja
contemplação derivaríamos o conhecimento infalível dos seus direitos e
deveres. Sabemos hoje que também os direitos ditos humanos são o produto
não da natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos,
eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis de transformação e de ampliação.31
Os direitos fundamentais são uma construção histórica, isto é, a concepção sobre quais
são os direitos considerados fundamentais varia de época para época e de lugar para lugar32
.
Desta forma, é possível rechaçar “à transcendência (fundamentação absolutista e
exclusivamente metafísica dos direitos fundamentais) na construção dos direitos fundamentais
e reconhecer que tais direitos são construídos com base na experiência social”33
, em razão de
uma luta emancipatória da sociedade.
A relatividade quer dizer que os direitos fundamentais não são absolutos, pois devem
ser sopesados34
a partir de uma situação concreta de colisão. Assim é o registro de Cavalcante
Filho:
30
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.
09. 31
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.
20. 32
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014. 33
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas Características. Disponível em
http://www.sedep.com.br/?idcanal=24215. Acesso em 22 jul. 2014. 34
Robert Alexy explica que: “As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente
diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um
princípio e, de acordo com outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem
que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de
exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob determinadas
condições. Sob outras condições a questão da procedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se
quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com
o maior peso têm precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões
entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na
22
Nenhum direito fundamental é absoluto. Com efeito, direito absoluto é uma
contradição em termos. Mesmo os direitos fundamentais sendo básicos, não
são absolutos, na medida em que podem ser relativizados. Primeiramente,
porque podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode
estabelecer a priori qual direito vai “ganhar” o conflito, pois essa questão só
pode ser analisada tendo em vista o caso concreto.35
Isso ocorre porque a complexidade da vida não permite que o legislador preveja
abstratamente todos os possíveis conflitos sociais, para regulamentá-los por meio de regras
claras e suficientes. Desta forma, o sistema normativo é dotado de princípios que devem ser
interpretados e aplicados à luz de uma situação concreta.
Em princípio, a análise da situação concreta, ou melhor, a técnica de sopesamento de
princípios pode acarretar a “restrição” parcial de um direito fundamental. Entretanto, as
“restrições” devem observar as diretrizes constitucionais, bem como o princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade, conforme ensinado por Konrad Hesse:
A tarefa da concordância prática requer a coordenação “proporcional” de
direitos fundamentais e bens jurídicos limitadores de direitos fundamentais
(supra, número de margem 72): na interpretação de limitações
constitucionais ou da limitação com base em uma reserva legal trata-se de
deixar ambos chegar à eficácia ótima. Como os direitos fundamentais,
também na medida em que eles estão sob reserva legal, pertencem às partes
integrantes essenciais da ordem constitucional, essa determinação
proporcional nunca deve ser efetuada em uma forma que prive uma garantia
jurídico-fundamental mais do que o necessário, ou até completamente, de
sua eficácia na vida da coletividade. A limitação de direitos fundamentais
deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem
jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o
que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve,
finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar relação
adequada com o peso e o significado do direito fundamental.36
(destacamos)
Ausência desse raciocínio de ponderação e relatividade dos direitos fundamentais
autorizaria que um direito fundamental anulasse37
outro direito também fundamental.
dimensão do peso.” (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 93-94) 35
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014. 36
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução Luís
Afonso Heck. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 255-256. 37
Neste sentido, Luiz Alberto David e Vidal Serrano afirmam que: “Não fosse o raciocínio juridicamente mais
acertado, o intérprete teria de chegar à conclusão de que o caráter absoluto de um dos direitos envolvidos
aniquilaria o outro, negando vigência e eficácia a um dispositivo igualmente constitucional”. (ARAÚJO, Luiz
Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p.
123)
23
Entretanto, tal conclusão de exclusão de direitos fundamentais não é permitida à luz do
entendimento de Alexy, pois todos os direitos fundamentais abstratamente possuem o mesmo
valor, sendo que a aplicação deverá ocorrer através da análise da situação fática.
No caso sobre a incapacidade para participar de audiência processual
tratava-se da admissibilidade de realização de uma audiência com a presença
de um acusado que, devido à tensão desse tipo de procedimento, corria o
risco de sofrer um derrame cerebral ou um infarto. O tribunal observou que
nesse tipo de caso há uma relação de tensão entre o dever estatal de garantir
uma aplicação adequada do direito penal e o interesse do acusado na garantia
de seus direitos constitucionalmente consagrados, para cuja proteção a
Constituição também obriga o Estado. Essa relação de tensão não pode ser
solucionada com base em uma precedência absoluta de um desses deveres,
ou seja, nenhum desses deveres goza, por si só, de prioridade. O conflito
deve, ao contrário, ser resolvido por meio de um sopesamento entre os
interesses conflitantes. O objetivo desse sopesamento é definir qual dos
interesses – que abstratamente estão no mesmo nível – tem maior peso no
caso concreto.38
(destacamos)
Desta forma, diante da relatividade do direito fundamental, imprescindível no
exercício hermenêutico que o intérprete analise na situação concreta qual direito tem maior
peso à luz da situação concreta e do princípio da proporcionalidade.
No que tange a imprescritibilidade, os direitos fundamentais não são passíveis de
sofrer prescrição e decadência pelo seu não exercício. Os direitos fundamentais existem e
estão à disposição do ser humano, sendo que a sua não utilização não acarretará o seu
perecimento.
O exercício de boa parte dos direitos fundamentais ocorre só no fato de
existirem reconhecidos na ordem jurídica. Em relação a eles não se
verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca
deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente
atinge, coarctando, exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a
exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas,
como é o caso.39
Muito próximo ao conceito de imprescritibilidade é a definição da irrenunciabilidade,
sendo que esta permite o não exercício dos direitos, mas não admite a abdicação. José Afonso
da Silva esclarece que “não se renunciam a direitos fundamentais. Alguns deles podem até
38
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Editora
Malheiros, 2008, p. 94-95. 39
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.
183.
24
não ser exercidos, pode-se deixar de exercê-los, mas não se admite sejam renunciados”40
.
A irrenunciabilidade é a regra geral, pois em algumas situações específicas,
observadas a natureza do direito, a doutrina tem admitido a disposição parcial de alguns
direitos fundamentais, desde que não contrarie a dignidade da pessoa humana.
Geralmente, os direitos fundamentais são indisponíveis. Não se pode fazer
com eles o que bem se quer, pois eles possuem eficácia objetiva, isto é,
importam não apenas ao próprio titular, mas sim interessam a toda a
coletividade. Também aqui há exceções, pois existem alguns direitos
fundamentais que são disponíveis, tais como a intimidade e a privacidade.
Isso, ressalte-se, é a exceção. Mesmo assim, a renúncia a direitos
fundamentais só é admitida de forma temporária, e se não afetar a dignidade
humana.41
Em razão do interesse coletivo objetivo que circunda os direitos fundamentais, em
regra, eles são também inalienáveis, ou seja, não podem ser objeto de transação a título
gratuito ou oneroso. José Afonso da Silva afirma que “são direitos intransferíveis,
inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional
os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis”42
.
Tal característica é visualizada na grande maioria dos direitos fundamentais,
entretanto, existem algumas ressalvas como no direito de propriedade em que é possível a
alienação de tal direito fundamental.
O legislador ordinário43
caminhando no mesmo sentido da irrenunciabilidade e da
inalienabilidade, afirma que a defesa dos direitos fundamentais pode ocorrer
independentemente da provocação das pessoas ofendidas (individualmente consideradas) ou
da coletividade.
2.2 Direitos Fundamentais - Da Dimensão Individual à Dimensão Coletiva
Obviamente que aos direitos coletivos se aplica todas as definições e caracteres
apontados acima, pois os direitos coletivos, assim como os de dimensão individual são
40
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.
183. 41
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_
dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 17 maio 2014. 42
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.
183. 43
Art.2º, § 2º da lei federal 12.986, de 02 de junho de 2014, diz que:” A defesa dos direitos humanos pelo
CNDH independe de provocação das pessoas ou das coletividades ofendidas.” (BRASIL. Lei Federal n.º 12.986.
02 jun. 2014. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12986.htm.
Acesso em 10 jul. 2014)
25
também direitos fundamentais.
A afirmação é plenamente verdadeira e de fácil constatação diante da historicidade dos
direitos fundamentais, pois os direitos fundamentais são direitos construídos a partir das
necessidades e interesses da sociedade.
Nota-se que a doutrina classifica os direitos fundamentais a partir da contextualização
histórica na qual se desenvolveram, definindo-os como direitos fundamentais de primeira
dimensão ou geração44
; direitos fundamentais de segunda dimensão; direitos fundamentais de
terceira dimensão45
.
Na concepção de Karel Vasak46
, os direitos fundamentais de primeira dimensão
(geração) seriam aqueles ligados às liberdades, ao passo que os de segunda dimensão
(geração) seriam aqueles relacionados a igualdades, enquanto, finalmente os da terceira
dimensão (geração) seriam os de fraternidade.
Os direitos de primeira dimensão são os direitos ligados a ideologia da filosofia liberal
burguesa que visa, sobretudo, limitar os poderes do Estado e garantir a liberdade47
do
indivíduo nas suas relações particulares. Dizem respeito aos direitos civis e políticos, têm
como titular o indivíduo e são direitos de resistência ou oposição contra o Poder Público.
Impõem uma separação entre Estado e sociedade, em que a sociedade exige do Estado apenas
uma abstenção, ou seja, uma obrigação negativa visando a não interferência nas liberdades
dos indivíduos.
Paulo Bonavides diz que:
44
Optamos por utilizar a expressão “dimensão”, tendo em vista que os direitos fundamentais são cumulativos.
Alguns autores dizem que expressão “geração” traz a ideia de sucessão, ou seja, um direito fundamental
sucederia outra sem haver acumulação. Neste sentido, George Marmelstein Lima diz: “A expressão "geração de
direitos" tem sofrido várias críticas da doutrina nacional e estrangeira. É que o uso do termo "geração" pode dar
a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, o que é um erro, já que, por exemplo, os
direitos de liberdade não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim
por diante. O processo é de acumulação e não de sucessão”. (LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das
gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4666>. Acesso em: 4 jun. 2014) 45
Paulo Bonavides fala em direitos de 4ª e 5ª geração. Para ele, são direitos da quarta geração à democracia, o
direito à informação e o direito ao pluralismo (p. 571). Já os direitos de quinta geração seriam relacionados ao
direito à paz, dizendo ainda que a concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica configurar um dos mais
notáveis progressos já alcançados pela teoria dos direitos fundamentais (p. 579). (BONAVIDES, Paulo. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 570-593) 46
Paulo Bonavides diz que tal expressão foi criada por Karl Vasak na aula inaugural de 1979 dos Cursos do
Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estraburgo. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 563) 47
Neste sentido é a lição de Tomaz: “Foi com profunda conotação política que o liberalismo concebeu o Estado
de Direito. Haveria um valor sem o qual seria impossível alcançar a justiça: a liberdade. A liberdade para todos
numa sociedade limitada pelo Direito, onde o poder deveria ser exercido de forma desconcentrada”. (TOMAZ,
Carlos Alberto Simões de. Democracia e Jurisdição: Entre o texto e o contexto. São Paulo: Editora Baraúna,
2011, p. 67)
26
Os direitos fundamentais da primeira geração ou direitos de liberdade têm
por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como
faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu
traço mais característico; enfim são direitos de resistência ou de oposição
perante o Estado. Entram na categoria do status negativo de Jellinek e fazem
também ressaltar a ordem dos valores políticos a nítida separação entre
sociedade e o Estado. (...) São por igual direitos que valorizam o homem-
singular, o homem das liberdades abstratas, o homem da sociedade
mecanicista que compõe a chamada sociedade civil, da linguagem jurídica
mais usual.48
Bobbio no mesmo sentido diz que os direitos de liberdade tendem a limitar o poder do
Estado, sendo que posteriormente, com a afirmação dos direitos políticos o “povo”49
poderia
participar da gestão da “Coisa Pública”.
Num primeiro momento afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos
aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o
individuo, ou para os grupos particulares, uma esfera da liberdade em
relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos
políticos, os quais concebendo a liberdade não apenas negativamente, como
não–impedimento, mas positivamente como autonomia – tiveram como
consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente
de membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no
Estado).50
Os direitos de primeira dimensão têm como principais características: Os direitos
fundamentais correspondem aos direitos da burguesia (liberdade e propriedade) e não
possuem aspecto substancial; Limitação Estatal pelo Direito que se estende ao soberano;
Atuação do Estado se limita à defesa da ordem e da segurança públicas (Estado Mínimo);
Princípio da Legalidade da Administração Pública.
A guisa de conclusão dos direitos fundamentais no contexto do Estado liberal precisa é
a lição de Tomaz:
A autoridade e a liberdade sempre foram aparentemente inconciliáveis e,
para o exercício desta, impõe-se a limitação daquela. Daí porque se pode
afirmar que o jusnaturalismo é o pressuposto filosófico fundamental do
Estado liberal, erigido sob três matizes: 1º) a liberdade encarada como
liberdade-defesa ou liberdade-autonomia em face do poder do monarca; 2º) a
dimensão subjetiva dos direitos fundamentais à vida e à liberdade, sob suas
várias acepções (deambulatória, de crença, sobretudo); 3º) o respeito da parte
do Estado através de limites pré-constituídos e estabelecidos em normas a
tais direitos, o que conduzia a uma postura negativa do Estado diante deles, e
48
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 563-564. 49
Quando nos referimos a povo objetivamos falar da classe que efetivamente participava das decisões políticas
do Estado, tendo em vista que nem todos eram considerados cidadãos e tinham direitos políticos. 50
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.
20.
27
que Canotilho denomina abstinência estatal.51
Os direitos de liberdade acabaram por ocasionar uma função meramente técnica do
Estado na medida em que ele devia atuar somente nos casos previstos em lei, além de não
aplicar a ideia de justiça social. Em crítica ao sistema daquela época Tomaz, citando
Böckenförde diz que o Estado liberal preocupava-se, sobretudo, com a segurança e certeza
das relações jurídicas, ao passo que o conceito de justiça social e legitimidade das normas
ficaram esquecidas.
Pode-se afirmar que o Estado liberal havia um vazio de legitimidade na
medida em que o império da lei reduzia-se “a la mera función técnica de la
garantia de la seguridade y calculabilidad jurídicas. De esa forma ‘la
legalidade del Estado de Derecho se presentaba como incapaz de substituir
la legitimidad’. Este vacío de legitimidade provoca por outra parte que
surjam nuevas definiciones materiales del Estado de Derecho que sin duda
reflejan las ideas de justicia que están detrás de cada una de las
ideologias”.52
A primeira dimensão de direitos fundamentais é marcada pela ideia de legalidade e
individualismo, pois totalmente ligada aos dogmas de propriedade,53
segurança e abstenção do
Estado nos interesses econômicos burgueses.
Já os direitos fundamentais de segunda dimensão, ou direitos sociais, dominaram o
século XX54
e surgiram como reflexo de uma tentativa de reduzir a desigualdade econômica
causada pelo Estado Liberal burguês e oferecer o mínimo de recursos materiais para uma
existência digna.
Bobbio diz que finalmente “foram proclamados os direitos sociais, que expressam o
amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores -, como os de
bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou
51
TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. Democracia e Jurisdição: Entre o texto e o contexto. São Paulo: Editora
Baraúna, 2011, p. 67. 52
TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. Democracia e Jurisdição: Entre o texto e o contexto. São Paulo: Editora
Baraúna, 2011, p. 67. 53
Neste sentido, Daniel Sarmento ensina que: “Enfim, no catecismo do constitucionalismo liberal, o locus
exclusivo de regulamentação das relações privadas era o Código Civil, que, tendo como pilares a propriedade e o
contrato, buscava assegurar a segurança e a previsibilidade das regras do jogo para os sujeitos de direito nas suas
relações recíprocas, a partir de uma perspectiva (falsa) de asséptica neutralidade diante dos conflitos
distributivos”. (SARMENTO, Daniel. Os Direitos Fundamentais nos Paradigmas Liberal, Social e Pós-Social.
In: SAMPAIO, José Adércio Leite, coordenador. Crises e Desafios da Constituição: perspectivas críticas da
teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2003) 54
Bonavides afirma que: “Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século
XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado”. (BONAVIDES. Paulo.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 564)
28
por meio do Estado”55
.
A teoria dos direitos fundamentais sociais exigia uma postura diferente da negativista
do Estado liberal, na medida em que objetivava uma atuação do Estado no sentido de
proporcionar direitos que tinha por ultima ratio concretizar a igualdade econômica.
De fato a pretendida efetividade dos direitos fundamentais passava
necessariamente por exigir do Estado prestações existenciais de caráter
positivo. Em outras palavras e trocando em miúdos, o Estado precisava
descruzar os braços e criar condições para o que o fraco se tornasse forte
perante o forte. Assim, sem se afastar do pressuposto filosófico do Estado
liberal, a preocupação vai recair sobre a igualdade. A verdade é que a
concepção social revela que somente a igualdade é capaz de proporcionar a
vivência da liberdade.56
Paulo Bonavides diz que os direitos fundamentais de segunda dimensão “são os
direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social”57
.
Luiz Manoel Gomes Júnior afirma que os direitos fundamentais de segunda dimensão
objetivam estabelecer igualdade de oportunidades, valorizando a dignidade da pessoa humana
e estendendo proteção aos direitos coletivos e difusos.
Tais direitos dirigiam-se, “(...) à proteção, não do homem isoladamente, mas
das coletividades, de grupos, sendo direitos de titularidade difusa ou
coletiva. Tem-se aqui o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao
desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, à conservação do
patrimônio histórico e cultural.58
Os direitos de terceira dimensão cristalizaram-se no fim do século XX e estão
idealizados a partir do desenvolvimento da concepção de fraternidade e solidariedade. Neste
contexto, teria por objeto a proteção do gênero humano e não apenas direitos individuais ou
de natureza coletiva, pois o ser humano com dignidade é o centro das atenções.
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da
terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto
direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um
indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por
destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua
55
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.
20. 56
TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. Democracia e Jurisdição: Entre o texto e o contexto. São Paulo: Editora
Baraúna, 2011, p. 70. 57
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 564. 58
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, apud, GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil
Coletivo. São Paulo: Editora SRS, 2008, p. 02.
29
afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.59
Karel Vasak identificou 05 direitos fundamentais que seriam desdobramentos da
fraternidade, a saber: “o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio
ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de
comunicação”60
.
Da leitura acima é possível perceber que a grande maioria dos direitos de natureza
coletiva estariam mergulhados na 2ª e 3ª dimensão de direitos fundamentais. Entretanto, a
doutrina de Direito Constitucional, de forma geral, quando elenca os direitos fundamentais
coletivos, não tecem muitas considerações a respeito do tema. Desta forma, tal obrigação fica
para a moderna doutrina de Direitos Coletivos, conforme será detalhado doravante.
2.3 A Afirmação dos Direitos Coletivos como Direitos Fundamentais e sua Classificação
no Direito Brasileiro
A sociedade de massas e o progresso científico foram balizados pelo desenvolvimento
da teoria dos direitos coletivos. Os direitos coletivos registram a preocupação do homem na
sua esfera transindividual, marcados pela ideia de solidariedade, fraternidade e pelo princípio
democrático.
Conforme afirmado por Fabrício Veiga Costa61
“o constitucionalismo contemporâneo
voltou-se para a sistematização da coletivização dos Direitos Fundamentais, que deixam de
ser vistos e compreendidos na sua essência apenas sob o prisma individual, para assim, passar
a ser pensado no contexto da transindividualidade”.
Neste contexto, há uma preocupação da doutrina moderna em estudar e organizar
metodologicamente62
o enquadramento epistemológico da teoria do direito material e
processual coletivo.
59
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 569. 60
VASAK, karel, apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011, p.
569. 61
COSTA, Fabrício Veiga. Mérito Processual. A formação participada nas ações coletivas. Belo Horizonte:
Arraes Editores, 2012, p. 208. 62
Gregório Almeida e Flávia Vigatti dizem que: “No Brasil, há grande avanço no plano da tutela jurisdicional
dos direitos coletivos lato sensu, de forma que há no País um direito processual coletivo como um novo ramo do
direito processual. Na mesma linha de raciocínio, também é possível, mesmo que em uma dimensão um pouco
diversa, sustentar a autonomia metodológica do Direito Coletivo inserido na CF/88 ao lado Direito Individual,
tendo como base a teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais (Título II, Capítulo I, da CF/88)”.
(ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Os Direitos ou Interesses Coletivos no
Estado Democrático de Direito Brasileiro. In: Aziz Tuffi Saliba; Gregório Assagra de Almeida; Luiz Manoel
Gomes Júnior (organizadores). Direitos Fundamentais e sua Proteção nos Planos Interno e Internacional. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 239)
30
Não existem dúvidas de que os direitos coletivos já existem há muito tempo na
sociedade, entretanto, somente no século XX é que ganharam importância teórica a ponto de
serem estudados de forma mais aprofundada e organizada.
Observa Almeida63
que no Direito Romano já existiam notícias do Direito Coletivo
nas actiones popularis para a defesa de questões relativas a interesse comum, pro indiviso64
.
Nelson Nery Júnior, no mesmo sentido, reconhece que a existência dos direitos
metaindividuais remete ao Digesto do Direito Romano, sendo que nem mesmo o vocábulo
difuso é novo na Ciência do Direito65
.
Já no século XVII, como reflexo da experiência da tradição common law surgiu a ação
de classe – class action – procedimento em que uma pessoa poderia representar um grupo
maior ou classe de pessoas, desde que compartilhassem, entre si, um interesse comum66
.
Baseado nas lições de Vincenzo Vigoriti registra Teori Zavascki que:
Embora se registrem, na jurisprudência da época, casos ilustrativos da sua
utilização, esse modelo procedimental enfrentava dificuldades de ordem
teórica e prática, relacionadas, sobretudo, com a ausência de definição de
seus contornos. Foi modesta a aplicação e a evolução do instituto até o final
do século XIX, porém em 1873, o advento do Court of Judicature Act deu-
lhe uma definição mais clara, mas, ainda assim, sua utilização permaneceu
contida, inclusive em virtude das interpretações restritivas impostas pela
jurisprudência.67
Este modelo de ação foi aperfeiçoado pelo sistema norte-americano e a partir de então,
admitiu-se que um ou mais membros de uma classe promovesse ação em defesa dos interesses
de todos os seus membros, desde que:
63
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
419. 64
Sobre o assunto, esclarece ainda Gregório Assagra de Almeida que: “É certo que a maioria das ações
populares romanas tinha natureza penal; todavia, podem ser apontadas, dentre outras, como espécies de ‘actiones
popularis’ romanas de natureza não-penal: a) ação de ‘albo corrupto’, cuja finalidade era punir civilmente quem
alterasse o escrito do pretor; b) ação de ‘sepulchro violato’, que se destinava à proteção do direito comum de não
ter violada a sepultura; c) ação de ‘termino moto’, que poderia ser utilizada para conseguir a reparação de dano
causado por quem alterasse, com má-fé, limites entre propriedades.” (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito
Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 381) 65
NERY JÚNIOR, Nelson. A ação civil pública no processo do trabalho. In: Edis Milaré (Coord.). Ação civil
pública. Lei 7.347/85 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 557. 66
Vigoriti citado por Zavascki diz: “Desde o século XVII, os tribunais de equidade (‘Courts of Chancery”)
admitiam, no direito inglês, o “bill of Peace”, um modelo de demanda que rompia com o princípio segundo o
qual todos os sujeitos interessados devem, necessariamente, participar do processo, com que se passou a
permitir, já então, que representantes de determinados grupos de indivíduos atuassem, em nome próprio,
demandando por interesses dos representados ou, também, sendo demandados por conta dos mesmos interesses”.
(VIGORITI, Vincenzo, apud, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e
Tutela Coletiva de Direitos. Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 15-16) 67
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 16.
31
(a) seja inviável, na prática, o litisconsórcio ativo dos interessados, (b)
estejam em debate questões de fato ou de direito comuns à toda a classe, (c)
as pretensões e as defesas sejam tipicamente de classe e (d) os demandantes
estejam em condições de defender eficazmente os interesses comuns. Duas
grandes espécies de pretensões podem ser promovidas mediante “class
action”: (a) pretensões de natureza declaratória ou relacionadas com direitos
cuja tutela se efetiva mediante provimentos com ordens de fazer ou não
fazer, geralmente direitos civis (“injuctions class actions”); e (b) pretensões
de natureza indenizatória de danos materiais individualmente sofridos
(“class actions for damages”).68
A partir dos anos 70 do século XX69
, houve uma maior preocupação em promover a
tutela dos direitos coletivos, especialmente devido à conscientização de se tornar necessária a
eficácia de medidas para preservar o meio ambiente e os consumidores70
, que eram
vulneráveis ao mercado cegamente voltado para o lucro.
No cenário que representa a transição em que se busca tutela de direitos coletivos,
pensadores com Mauro Cappelletti e Bryant Garth tiveram destaque ao lançar a obra “Acesso
à Justiça”, momento em que na “Segunda Onda” de proteção aos direitos trabalharam a
superação da tradicional visão individualista do processo. O processo precisava ser
instrumento que possibilitasse a defesa de direitos e interesses difusos em sua forma mais
abrangente.
Centrando seu foco de preocupação especificamente nos interesses difusos,
esta segunda onda de reformas focou a reflexão sobre noções tradicionais
muito básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. Sem dúvida,
uma verdadeira “revolução” está se desenvolvendo dentro do processo civil.
(...) A concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a
proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto
entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas
mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos
que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do
público não se enquadravam bem nesse esquema. (...) A visão individualista
do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está
se fundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação
68
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 18. 69
Hugo Nigro Mazzilli afirma que: “Na Europa continental e no Brasil, porém, foi especialmente a partir da
década de 1970, com os trabalhos e conferências de Mauro Cappelletti, que surgiu a exata consciência de que a
defesa judicial de interesses de grupos apresentava peculiaridades: como cuidar da representação ou da
substituição processual do grupo lesado? Como estender a coisa julgada para além das partes formais do
processo? Como repartir o produto da indenização entre lesados indetermináveis? Como assegurar a presença de
todo o grupo lesado nos processos coletivos destinados à composição e decisão de tais conflitos intersubjetivos?”
(MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 48) 70
Afirma Márcio Flávio Mafra Leal que: “Para alguns, o reconhecimento dos direitos coletivos ou difusos,
decorrem de movimentos sociais que emergiram na virada da década de 50 para 60, representados por mulheres
e negros norte-americanos e, em menor escala, por ambientalistas e consumeristas.” (LEAL. Márcio Flávio
Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 98)
32
pode assegurar a realização dos “direitos públicos” relativos a interesses
difusos.71
A onda de proteção ao Direito Coletivo produziu reflexos no mundo inteiro, sendo que
na Espanha, foi adotada a Lei 20/84 (Ley General para la Defensa de los Consumidores y
Usuários), concedendo legitimidade ativa às associações para proporem demandas coletivas.
Na Itália, foi editada a Lei 281 em 1998 que reconheceu os direitos coletivos dos
consumidores para atender ao Tratado da União Européia, de 1992, que cuidou do tema da
proteção ambiental e do consumidor em seus artigos 129 e 130. Já na Alemanha, as
associações passaram tutelar coletivamente as relações de consumo e as demandas
relacionadas ao meio ambiente72
.
Na Constituição Portuguesa de 1976 havia previsão de tutela aos direitos coletivos nos
seguintes termos:
O procedimento básico para a tutela de interesses coletivos é a ação popular
prevista na Constituição de 1976 (artigos 20, nº 1 e art. 52, nº 2), que tem
entre suas finalidades a de prestar tutela preventiva, reparatória e
sancionatória de lesões à saúde pública, ao meio ambiente e à qualidade de
vida e ao patrimônio cultural. A posterior regulamentação dessa ação, pela
Lei 83/95, bem assim da que trata da defesa dos consumidores (Lei 24/96),
já tiveram “clara inspiração da legislação brasileira.73
No Brasil, a Lei 6.513 de 20/12/77, que modificou a Lei de Ação Popular contribuiu
muito para a definição de direitos coletivos ao considerar como patrimônio público “os bens e
direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico”. Contudo, o marco
principal de tutela de direitos coletivos no sistema brasileiro, ocorreu em 1985, com Lei de
Ação Civil Pública. Neste sentido, registra Zavascki:
A Lei 6.513, de 20/12/77, introduziu uma modificação no art. 1º, § 1º, da Lei
da Ação Popular, com o intuito de considerar como patrimônio público “os
bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico.
(...) foi a Lei nº 7.347, de 24/07/85, que assentou o marco principal do
intenso e significativo movimento em busca de instrumentos processuais
para a tutela dos chamados direitos e interesses difusos e coletivos, pois a
Lei da Ação Civil Pública preencheu uma importante lacuna do sistema do
processo civil, que, ressalvado o âmbito da ação popular, só dispunha, até
71
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça; tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 17-18. 72
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 21-22. 73
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 22.
33
então, de meios para tutelar direitos subjetivos individuais.74
Hugo Nigro Mazzilli afirma que a defesa dos interesses de grupos começou a ser
sistematizada no Brasil com o advento da Lei nº 7.347/85 (LACP) e, em seguida, com Lei nº
8.078/90 (CDC), que distinguiu os interesses transindividuais em difusos, coletivos em
sentido estrito e individuais homogêneos75
.
Independentemente do momento de surgimento dos direitos coletivos e de sua tutela,
certo é que a disciplina ganhou contornos próprios a partir do final do século XX, com a
preocupação de se proteger os direitos ligados à metaindividualidade, tais como os relativos
ao consumidor, ao ambiente, à criança, ao adolescente e aos deficientes.
Afirma Almeida que as principais dimensões constitucionais do Direito Coletivo
seriam76
: o ambiente, consumidor, saúde pública, segurança pública, crianças e adolescentes,
idosos, indígenas, portadores de necessidades especiais, minorias e grupos vulneráveis,
probidade administrativa e patrimônio público como espécies de Direito Coletivo, Direito
Penal Coletivo, Educação, entre outros.
De outro lado, cumpre esclarecer ainda que os direitos coletivos são direitos
fundamentais, pois além de historicamente, estarem localizados, principalmente, no contexto
dos direitos fundamentais de segunda e terceira dimensão, materialmente, fazem parte do
núcleo mínimo de direitos essenciais à vida com dignidade e a concretização da promessa
constitucional de solidariedade social.
Almeida, nesta senda de entendimento, define os direitos coletivos como direitos
fundamentais que fazem parte da teoria constitucional:
Direito Coletivo pode ser conceituado como parte integrante da teoria
constitucional dos direitos fundamentais, que compõe um dos blocos do
sistema jurídico brasileiro e se integra pelo conjunto de princípios, garantias
e regras disciplinadoras dos direitos ou interesses difusos, dos direitos e
interesses coletivos em sentido restrito, dos direitos e interesses individuais
homogêneos e dos interesses objetivos coletivos legítimos.77
Além da fundamentação acima, outro fator que justifica a fundamentalidade dos
74
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005, p. 34. 75
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 49. 76
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
489-568. 77
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
437.
34
direitos coletivos é o fato de estarem inseridos formalmente no Título II, Capítulo I, da
Constituição Federal ao lado de outros direitos fundamentais de natureza individual, conforme
registrado por Almeida.
A análise da natureza jurídica é imprescindível para a compreensão do
fenômeno estudado. No caso em questão, o Direito Coletivo brasileiro
possui natureza jurídica de direito constitucional fundamental, pois está
inserido no sistema jurídico brasileiro, ao lado do Direito Individual, dentro
da teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais (Título II,
Capítulo I, da CF/88).78
Por outro lado, os direitos coletivos, como os outros direitos de natureza fundamental,
também são regidos pelo princípio da não taxatividade e inexaurabilidade, devendo o
intérprete ao analisar tais direitos imprimir leitura aberta e ampliativa.
O fato de o Direito Coletivo, em sentido amplo, pertencer, no Brasil, à teoria
dos direitos constitucionais fundamentais impõe que se imprima à expressão
uma leitura aberta e ampliativa, própria da interpretação dos direitos
constitucionais fundamentais do pós-positivismo. Destarte, a cláusula
constitucional Direito Coletivo (Título II, Capítulo I, da CF/88) abrange os
direitos e interesses difusos, os direitos interesses coletivos em sentido
restrito e os direitos e interesses individuais homogêneos, integrando
também, em um plano geral e abstrato, o conjunto de garantias, regras e
princípios que compõem o direito coletivo positivado no País, bem como e
especialmente a Constituição, cuja proteção, em abstrato e na forma
concentrada, é uma exigência do constitucionalismo brasileiro e se legitima
por um inquestionável interesse coletivo objetivo legítimo.79
José Afonso da Silva ao comentar os direitos coletivos afirma que não houve adequada
explicação do que seriam tais direitos coletivos80
. Contudo, tal omissão não prejudica em nada
a teoria dos direitos coletivos fundamentais, pois a interpretação extensiva e ampliativa de tais
direitos é plenamente compatível e recomendável no Estado Democrático de Direito81
.
A visão aberta de tais direitos permite com tranquilidade a localização de inúmeros
78
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
434) 79
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Os Direitos ou Interesses Coletivos
no Estado Democrático de Direito Brasileiro. In: Aziz Tuffi Saliba; Gregório Assagra de Almeida; Luiz Manoel
Gomes Júnior (organizadores). Direitos Fundamentais e sua Proteção nos Planos Interno e Internacional. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 230-231. 80
Sobre o assunto nesses termos se expressa o autor: “A rubrica do Capítulo I do Título II anuncia uma especial
categoria dos direitos fundamentais: os coletivos, mas nada mais diz a seu respeito. Onde estão, nos incisos do
art.5º, esses direitos coletivos?” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Editora Malheiros, 2013, p. 197-198 81
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Os Direitos ou Interesses Coletivos
no Estado Democrático de Direito Brasileiro. In: Aziz Tuffi Saliba; Gregório Assagra de Almeida; Luiz Manoel
Gomes Júnior (organizadores). Direitos Fundamentais e sua Proteção nos Planos Interno e Internacional. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 230.
35
direitos fundamentais coletivos ao longo do texto constitucional, conforme resenhado também
por José Afonso da Silva:
Muitos desses direitos coletivos sobrevivem ao longo do texto
constitucional, caracterizados, na maior parte, com direitos sociais, como a
liberdade de associação profissional e sindical (arts.8º e 37, VI, o direito de
greve (arts.9º e 37, VII), o direito de participação de trabalhadores e
empregadores nos colegiados públicos (art.10), a representação de
empregados junto aos empregadores (art.11), o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado (art.225); ou caracterizados como instituto de
democracia direta nos arts.14, I, II e III, 27, § 4º, 29, XIII, e 61, § 2º; ou,
ainda, como instituto de fiscalização financeira, no art.31, § 3º. Apenas as
liberdades de reunião e de associação (art.5º XVI a XX), o direito de
entidades associativas de representar seus filiados (art.5º, XXI) e os direitos
de receber informações de interesse coletivo (art.5º, XXXIII) e de petição
(art.5º, XXXIV, a) restaram subordinados à rubrica dos direitos coletivos.
Alguns deles não são propriamente direitos coletivos. Alguns deles não são
propriamente direitos coletivos, mas direitos individuais de expressão
coletivo, com as liberdades de reunião e de associação.82
O artigo 5º, § 2º da Constituição Federal é uma norma que deixa claro que os direitos
fundamentais coletivos expressos no texto magno significam um rol meramente
exemplificativo, pois a Constituição não exclui outros direitos fundamentais coletivos
implícitos, decorrentes de tratados internacionais e do regime democrático. Nesta direção é a
lição de Almeida:
Observa-se que o art.5º, parágrafo 2º, da CF, quando dispõe que “os direitos
e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do
regime democrático e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, deixa
claro que a relação dos direitos difusos apresentados expressamente na
Constituição é meramente exemplificativa. Podem ser extraídos outros
direitos difusos do próprio espírito do Texto Maior e de outras normas
jurídicas compatíveis com o Estado Democrático de Direito e em vigência
no Brasil.83
A fundamentalidade e a coletividade dos direitos justificaria até reformulação do
modelo clássico da summa divisio Direito Privado X Direito Público que vigora desde o
Direito Romano, pois esse modelo teórico autoritário (que pregava separação total entre a
sociedade e o Estado) não foi recepcionado pela Constituição Federal84
. Não há
82
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 2013, p.
197-198. 83
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 489. 84
Sobre o tema Gregório Assagra diz: “A summa divisio Direito Público e Direito Privado não foi recepcionada
pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A summa divisio constitucionalizada no País é
36
compatibilidade da clássica summa divisio com o Estado Democrático de Direito, pois aqui o
indivíduo não é um elemento separado do Estado, mas faz parte do Estado e participa
ativamente da tomada de decisões.
Não restam dúvidas de que o reconhecimento e a tutela dos direitos coletivos
fundamentais é premissa máxima para consolidação de um Estado Democrático de Direito
que busca efetivamente a transformação da realidade social e concretização da justiça
material.
Visto que os direitos coletivos são direitos fundamentais essenciais à transformação da
realidade social e a justiça material, de outro lado, cumpre esclarecer que tais direitos
denominados transindividuais, metaindividuais, coletivos lato sensu ou supraindividuais se
subdividem.
Neste espeque, a primeira classificação da doutrina subdivide os direitos coletivos lato
sensu em direitos naturalmente/essencialmente coletivos, representados pelos direitos difusos
e coletivos em sentido estrito, que são marcados pela indivisibilidade de seu objeto, de um
lado. E acidentalmente coletivos85
, que seriam direitos divisíveis, de natureza individual
homogênea, do outro lado.
José Carlos Barbosa Moreira afirma que os direitos essencialmente coletivos têm
Direito Coletivo e Direito Individual. Chega-se a essa conclusão porque o texto constitucional de 1988 rompeu
com a summa divisio clássica ao dispor, no Capítulo I do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais,
sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Dessa forma, considerando que no contexto do
constitucionalismo democrático os direitos e garantias constitucionais fundamentais contêm valores que devem
irradiar todo o sistema jurídico de forma a constituírem-se a essência e a base que vincula e orienta a atuação do
legislador constitucional, do legislador infraconstitucional, do administrador, da função jurisdicional e até
mesmo do particular, conclui-se que no contexto do sistema jurídico brasileiro a dicotomia Direito Público e
Direito Privado não se sustenta.” (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da
Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p. 437-438) 85
A respeito do tema Barbosa Moreira diz que: “a) Em muitos casos, o interesse em jogo, comum a uma
pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe
de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer,
uma comunhão indivisível de que participam todos os interessados, sem que se possa discernir, sequer
idealmente, onde acaba a quota de um e onde começa a de outro. Por isto mesmo instaura-se entre os destinos
dos interessados tão firme união que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todos; e,
reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão a inteira coletividade. Designaremos essa categoria
pela expressão “interesses essencialmente coletivos”. b) Noutras hipóteses, é possível, em linha de princípio,
distinguir interesses referíveis individualmente aos vários membros da coletividade atingida, e não fica excluída
a priori a eventualidade de funcionarem os meios de tutela em proveito de uma parte deles, ou até de um único
interessado, nem a de desembocar o processo na vitória de um ou de alguns e, simultaneamente, na derrota de
outro ou de outros. O fenômeno adquire, entretanto, dimensão social em razão do grande número de interessados
e das graves repercussões na comunidade; numa palavra: do “impacto de massa”. Motivos de ordem prática,
ademais, tornam inviável, inconveniente ou, quando menos, escassamente compensadora, pouco significativa
nos resultados, a utilização em separado dos instrumentos comuns de proteção jurídica, no tocante a cada uma
das parcelas, consideradas como tais. Para distinguir do anteriormente descrito este gênero de fenômeno,
falaremos, a seu respeito, de “interesses acidentalmente coletivos”. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de
Direito Processual. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 193)
37
como característica intrínseca e necessária a unitariedade, ao passo que os direitos
acidentalmente coletivos podem ser regidos por tal característica, que não lhe é atributo
obrigatório:
Tratando-se de interesses essencialmente coletivos, em relação aos quais só é
concebível um resultado uniforme para todos os interessados, fica o processo
necessariamente sujeito a uma disciplina caracterizada pela unitariedade. Já
nos casos de interesses acidentalmente coletivos, uma vez que em princípio
se tem de admitir a possibilidade de resultados desiguais para os diversos
participantes, a disciplina unitária não deriva em absoluto de uma
necessidade intrínseca. Pode acontecer que o ordenamento jurídico, por
motivos de conveniência, estenda a essa categoria, em maior ou menor
medida, a aplicação das técnicas da unitariedade; esse, porém, é um dado
contingente, que não elimina a diferença, radicada na própria natureza das
coisas.86
Não obstante alguns autores entenderem em sentido contrário87
, a rigor, parece que os
direitos individuais homogêneos não são direitos de natureza transindividual, são
considerados coletivos apenas para fins de tutela jurisdicional88
.
Desta forma, apenas para os fins de proteção coletiva, a nomenclatura direitos
coletivos lato sensu é o gênero que comporta com espécies: Direitos Difusos, Direitos
Coletivos em sentido estrito e Direitos Individuais Homogêneos.
O Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de materializar a summa divisio
constitucionalizada de direitos fundamentais coletivos, estabeleceu em seu artigo 81 as bases
conceituais de proteção coletiva, nos seguintes termos:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo
único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou
direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos
coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
86
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. São Paulo: Editora Saraiva, 1984, p. 193. 87
Hermes Zaneti ensina: “Em verdade procuraremos abordar o tema explicitando o que se entende hoje no Brasil
por direitos coletivos lato sensu, subdividindo estes em direitos difusos, direitos coletivos stricto sensu e direitos
individuais homogêneos.” (ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A Definição Conceitual
dos Direitos Difusos, dos Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais Homogêneos. Disponível
em http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014) 88
Gregório Assagra diz: “Trata-se de direitos individuais que são considerados coletivos somente no plano
processual e recebem esse tratamento justamente em decorrência da origem comum que detêm e do interesse
social que justifica a sua tutela processual por intermédio de uma única ação, de forma que se possa evitar
decisões contraditórias e o acúmulo de muitas demandas individuais com a mesma causa de pedir e pedido, além
de garantir a efetividade desses direitos mesmo diante da dispersão das vítimas”. (ALMEIDA, Gregório Assagra
de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Editora Saraiva,
2003, p. 481)
38
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III -
interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.89
Os direitos difusos, segundo a norma, são os transindividuais, de natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Nos
dizeres de Hugo Nigro Mazzilli “são como um feixe ou conjunto de interesses individuais de
objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que se encontrem unidas por
circunstâncias de fato conexas”90
.
Almeida diz que no plano do direito, observa-se que a expressão difuso, no sentido de
direito ou interesse, significa espécie de direito de dimensão coletiva pertencente a uma
comunidade de pessoas indeterminadas e indetermináveis, mas que é de um e de todos ao
mesmo tempo91
. Ressaindo de tal conceito o aspecto objetivo e o aspecto subjetivo do direito.
No que tange ao aspecto objetivo, nota-se que os direitos difusos exigem
indivisibilidade do objeto, que faz presumir que os mesmos devem ser considerados com um
todo unitário, acarretando consequentemente, provimentos jurisdicionais uniformes para toda
a comunidade envolvida na relação jurídica.
Barbosa Moreira diz que:
Não se trata de uma justaposição de litígios menores, que se reúnem para
formar um litígio maior. O seu objeto é por natureza indivisível, já que é
impossível satisfazer o interesse de um dos membros da coletividade sem ao
mesmo tempo satisfazer o direito ou interesse de toda a coletividade, e vice-
versa: não é possível a proteção sem que essa rejeição afete necessariamente
a coletividade como tal. Se quiserem um exemplo, podemos mencionar o
caso de um litígio que se forma a propósito de uma mutilação de paisagem.
É impensável pensar na solução, seja qual for, aproveite a alguns e não
aproveite a todos os membros da dessa coletividade.92
Por outro lado, os direitos difusos possuem como característica subjetiva a
indeterminabilidade dos titulares, ou seja, não é possível individualizar quem são os sujeitos
89
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. 11 set. 1990. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 10 jul. 2014 90
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 53. 91
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
481. 92
MOREIRA, José Carlos Barbosa, apud, ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos
Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. Tese. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005,
p. 44.
39
detentores de tais direitos. Nos dizeres de Gomes Júnior93
os direitos difusos possuem
“alcance de uma cadeia abstrata de pessoas: não há como determinar com precisão os seus
titulares”.
Sobre tal característica é impossível discordar de Mazzilli94
, pois não tem como
individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de grandes quantidades de petróleo na
Baía de Guanabara ou com a devastação da Floresta Amazônica ou mesmo com uma
propaganda enganosa divulgada pelo rádio e pela televisão.
Os titulares dos direitos difusos são unidos por circunstâncias de fato extremamente
mutáveis, pois entre eles não existe nenhuma relação jurídica consolidada. Não há nenhum
vínculo associativo95
. O que lhes une é puramente e simplesmente um vínculo fático.
Os interesses difusos, de ordinário, não se apresentam jungidos a um vínculo
jurídico básico, mas a situações contingenciais, e daí deriva a consequência
deles serem mutáveis como essas mesmas situações de fato; e mesmo,
podem fenecer e desaparecer, acompanhando o declínio e extinção daquelas
situações. Pela mesma razão, podem reaparecer mais adiante, se e quando se
apresentarem fatores suficientes para tal.96
Com base nos elementos citados, Zaneti Júnior conceitua direitos difusos nos
seguintes termos:
Assim, tem-se por direitos difusos (art. 81, § único, I, do CDC e art. 1°, I, do
CM) aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais,
pertencentes a vários indivíduos), de natureza indivisível (só podem ser
considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas
(ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não há individuação) ligadas por
circunstâncias de fato, não existe um vínculo comum de natureza jurídica.97
Além desses caracteres, tais direitos são marcados por alta conflituosidade interna, ou
seja, entre os titulares dos direitos difusos existe divergência de ideias, enquanto alguns
concordam com sua defesa, outra parte da comunidade diverge, não aceitando aquele ponto de
93
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. São Paulo: Editora SRS, 2008,
p. 9. 94
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 54 95
Luiz Manoel Gomes Júnior diz que “umas das características do direito difuso é a ausência de vínculo
associativo: não há necessidade de uma ligação, uma “affectio societatis” entre os seus titulares ou
beneficiários”. (GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. São Paulo: Editora
SRS, 2008, p. 9) 96
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: Conceito e legitimação para agir. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2011, p. 105. 97
ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A Definição Conceitual dos Direitos Difusos, dos
Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais Homogêneos. Disponível em
http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014.
40
vista. Mancuso98
diz que a marcante conflituosidade dos direitos coletivos deriva do fato de
que tais interesses envolvem escolhas de caráter político, o que permite toda sorte de
posicionamentos divergentes.
Tal fato pode ser demonstrado na abertura de uma fábrica que poluirá o meio ambiente
(direito difuso), para a maioria da comunidade aquela fábrica não poderá continuar
degradando tal patrimônio difuso. Outros, com visão mais imediatista, visando o
desenvolvimento econômico e a manutenção de vários empregos para os moradores do local
entendem que a proteção deve ser em relação a esses direitos em detrimento do meio
ambiente99
.
Sem desconsiderar outros direitos de natureza difusa, pode-se afirmar que são direitos
difusos: o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado; o direito do consumidor não ser
alvo de publicidade enganosa e nem abusiva; o direito da comunidade sobre a integralidade
do patrimônio público em sentido amplo, abrangendo o erário, o patrimônio cultural, moral,
ecológico, entre outros100
.
Para esclarecer o conceito, fazemos nosso o exemplo de violação a direito difuso
citado por Eduardo Arruda Alvim101
consistente, na veiculação de propaganda enganosa via
televisão ou jornal. Atinge-se um número indeterminado de pessoas, ligadas por
circunstâncias de fato (estarem assistindo à propaganda via televisão ou lendo o mesmo
jornal). O bem jurídico tutelado, doutra parte, é indivisível: basta uma única veiculação da
propaganda para que todos consumidores sintam-se ofendidos. E, ademais, a retirada da
98
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos: Conceito e legitimação para agir. 7. ed., São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 109. 99
Gomes Júnior diz que a potencial e abrangente conflituosidade: “advém do superdimensionamento do Estado,
cuja atuação se entrelaça com as atividades empresariais, e do emprego da mais avançada tecnologia, gerando
frustações em determinados meios sociais, como, por exemplo, o desenvolvimento imediatista (a qualquer custo)
em detrimento da ecologia”. (GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. São
Paulo: Editora SRS, 2008, p. 9) 100
Gregório Assagra, citando Celso Antônio Pacheco Fiorillo, afirma que o “autor indica no texto constitucional
vários dispositivos que fundamentam os direitos difusos, tendo em vista que assumem a característica de direitos
transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de
fato. Seriam, dentre outros, os seguintes dispositivos: art.5º, caput – proibição do preconceito de origem, cor e
raça; art.170, III – a função social da propriedade; art.7º, XXII – a redução de riscos inerentes ao trabalho por
meio de normas de saúde, higiene e segurança; arts.205, 215, 216 e 219, dentre outros – educação, cultura e
tecnologia; arts.196 e 200 – o sistema único de saúde; art.225 – política urbana e meio ambiente; art.1º, IV – os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; arts.5º, XXXII, 170, V, e 48 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias – proteção e defesa do consumidor; arts.226 a 230 – a família, a criança, o
adolescente, e o idoso; arts.220 a 224 – a comunidade social (direito de antena)”. (FIORILLO, Celso Antônio
Pacheco, apud, ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do
direito processual. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 488-489) 101
ALVIM, Eduardo Arruda. Noções Gerais sobre o Processo das Ações Coletivas. Disponível em
http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero4/artigo4.htm. Acesso em 29 maio 2014.
41
propaganda da televisão ou do jornal, por ser enganosa, acaba por beneficiar todos os
consumidores.
Já em relação aos direitos coletivos em sentido estrito, o artigo 81, inciso II, do CDC
diz que são “interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os
transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.
Na mesma direção do preceito legal Zaneti Júnior102
afirma que os direitos coletivos
stricto sensu (art. 81, § único, II do CDC, e art. 1°, II do CM) foram classificados como
direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe
de pessoas (indeterminadas, mas determináveis, frise-se, enquanto grupo, categoria ou classe)
ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base.
Da mesma forma que os direitos difusos, os coletivos também possuem atributos
subjetivos e objetivos. Sob o prisma subjetivo, pode-se afirmar que possuem sujeitos
indeterminados, mas determináveis103
. Não é possível, num primeiro momento, saber quem
são os titulares, mas é possível constatar que pertencem a grupo, categoria ou classe.
Em relação ao aspecto objetivo, da mesma forma que nos direitos difusos, “por serem
transindividuais e metaindividuais, são indivisíveis e indistinguíveis”104
. É importante notar
ainda que nos direitos coletivos, ao contrário dos direitos difusos, existe uma maior
proximidade e maior comunhão de ideias, gerando nos dizeres de Celso Ribeiro de Bastos
“um vínculo jurídico básico, uma geral affectio societatis, que une todos os indivíduos”105
.
A ligação dos membros do grupo, classe ou categoria entre si ou com parte contrária
ocorre em razão de uma relação jurídica básica, que pode ocorrer pelo afeto existente entre os
membros, ou ligação com a parte contrária. Em relação ao tema é a lição de Zaneti:
Nesse particular cabe salientar que essa relação jurídica base pode se dar
entre os membros do grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a
“parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos na Ordem
102
ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A Definição Conceitual dos Direitos Difusos, dos
Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais Homogêneos. Disponível em
http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014. 103
Gregório Assagra diz: “No mesmo sentido do CDC, os direitos coletivos são, sob o aspecto subjetivo,
pertencentes a um grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis”. (ALMEIDA,
Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e Direito Privado
por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p. 483) 104
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
483. 105
BASTOS, Celso Ribeiro, apud, ALMEIDA, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo:
Editora Saraiva, 2008, p. 35.
42
dos Advogados do Brasil (ou qualquer associação de profissionais); no
segundo, os contribuintes de determinado imposto.106
Destaca-se ademais, que o vínculo jurídico entre as partes ou com a parte contrária é
regido pelo princípio da anterioridade107
. Desta forma, não é possível que a relação jurídica
nasça da lesão ou ameaça de lesão ao direito, conforme magistério de Kazuo Watanabe:
Essa relação jurídica base é a preexistente à lesão ou ameaça de lesão do
interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a [sic]
relação jurídica nascida da própria lesão ou ameaça de lesão. Os interesses
ou direitos dos contribuintes, por exemplo, do imposto de renda constituem
um bom exemplo. Entre o fisco e os contribuintes já existe uma relação
jurídica base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva,
será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas pela
medida. Não se pode confundir essa relação jurídica base preexistente com a
relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão.108
Além dos caracteres descritos, os direitos coletivos, tem baixa conflituosidade interna,
na medida em que existe um vínculo jurídico comum e preexistente entre as partes que faz
com que, geralmente, eles busquem a mesma finalidade. A título de exemplo, pode-se afirmar
com certeza que todos os advogados da OAB/SP inscritos no convênio de prestação serviços
jurídicos gratuitos querem receber os honorários do Estado, em razão dos serviços prestados,
sem quaisquer descontos tributários derivados de fatos alheios a prestação de serviço109
.
Seguramente não há qualquer conflituosidade interna, pois todos os advogados conveniados
querem trabalhar e receber, sem que haja retenção ilegal dos valores.
106
ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A Definição Conceitual dos Direitos Difusos, dos
Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais Homogêneos. Disponível em
http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014. 107
Exemplificando, Hermes Zaneti afirma ainda que: “Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à
lesão (caráter de anterioridade). No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a parte contrária também
ocorre, só que em razão da lesão e não de vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não
coletivo stricto sensu (propriamente dito)”. (ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A
Definição Conceitual dos Direitos Difusos, dos Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais
Homogêneos. Disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014) 108
WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do
Anteprojeto. Rio Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 822. 109
“A OAB de São Paulo obteve liminar, esta semana, em Mandado de Segurança Coletivo contra a retenção de
honorários pelo Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais (Cadin). A
liminar, conquistada na 12ª Vara Cível Federal, irá beneficiar 45.587 advogados inscritos no convênio de
assistência judiciária firmado entre a OAB paulista e a Defensoria Pública de São Paulo. A juíza Elizabeth Leão
afirmou que a liminar é válida “para que não seja retido o pagamento de honorários advocatícios por serviços
prestados no convênio da assistência judiciária, a qualquer advogado inscrito nos quadros da impetrante e
descrito na lista juntada com a inicial, que, eventualmente, tenha débito perante a Fazenda do Estado de São
Paulo”.” BRASIL. Disponível em www.conjur.com.br/2010-jul-23/oab-sp-liminar-evitar-retencao-honorarios-
cadin. Acesso em 22 jun. 2014.
43
A demonstração da ausência de conflituosidade interna é latente também no caso de
aumento de mensalidades escolares110
, pois certamente toda a classe de estudantes concorda
que não deve haver aumento abusivo das mensalidades escolares.
Para concluir as ponderações sobre os direitos coletivos em sentido estrito,
esclarecedores são os exemplos citados por Pedro Lenza:
a) aumento ilegal das prestações de um consórcio: o aumento não será mais
ou menos ilegal para um ou outro consorciado. (...) Uma vez quantificada a
ilegalidade (comum a todos), cada qual poderá individualizar o seu prejuízo,
passando a ter, então, disponibilidade do seu direito. Eventual restituição
caracterizaria proteção a interesses individuais homogêneos; b) os direitos
dos alunos de certa escola de terem a mesma qualidade de ensino em
determinado curso; c) o interesse que aglutina os proprietários de veículos
automotores ou os contribuintes de certo imposto; d) a ilegalidade do
aumento abusivo das mensalidades escolares, relativamente aos alunos já
matriculados; e) o aumento abusivo das mensalidades de planos de saúde,
relativamente aos contratantes que já firmaram contratos; (...) g) o dano
causado a acionistas de uma mesma sociedade ou a membros de uma
associação de classe (...); h) contribuintes de um mesmo tributo; prestamistas
de um sistema habitacional; (...) i) moradores de um mesmo condomínio.111
Em relação aos direitos individuais homogêneos, o artigo 81, inciso III, do CDC,
estabelece que interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Os direitos individuais homogêneos são acidentalmente coletivos, pois ao contrário
dos direitos essencialmente coletivos, não objetivam tutelar direitos coletivos indivisíveis,
mas sim, diversos direitos subjetivos determinados e divisíveis.
110
A súmula 643 do STF diz que: “O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo
fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares”. Gregório Assagra fala sobre tal assunto,
concluindo que é direito coletivo em sentido estrito, nos seguintes termos: “Consta da motivação do acórdão do
STF, Rel. Min. Maurício Correia, que a reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para o
ajuizamento de ACP, com a finalidade alcançar a observância, pelas escolas particulares, das normas sobre das
mensalidades escolares estabelecidas pelo Conselho Estadual de Educação, que os interesses defendidos no
recurso seriam homogêneos pela origem comum, por ser decorrentes de uma mesma origem, qual seja, a
cobrança das mensalidades escolares de forma abusiva (RE n.º163.231-3/SP, j. em 26.02.97). Portanto, não
tendo a ACP, na hipótese visando a reparação na esfera individual de cada um dos respectivos alunos e
verificando-se que o que se pretendia era uma decisão que beneficiasse indistintamente todos os alunos, conclui-
se que o direito no caso era coletivo em sentido restrito e não se tratava de tutela de direitos ou interesses
individuais homogêneos”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa
Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte:
Editora Del Rey, 2008, p. 486) 111
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 100-
101.
44
Nas palavras de Zavascki112
“na essência e por natureza, os direitos individuais
homogêneos, embora tuteláveis coletivamente, não deixam de ser o que realmente são:
genuínos direitos subjetivos individuais”.
Da mesma forma que os outros direitos tutelados coletivamente, os individuais
homogêneos possuem caracteres subjetivos e objetivo. Subjetivamente, quer dizer que os
direitos têm titulares individualizados, ainda que num primeiro momento não se consiga
definir a titularidade, posteriormente será particularizado. Isso significa que os sujeitos são
determinados ou determináveis, em outras palavras, já sabemos quem são os titulares desde o
início do processo ou descobriremos até o momento da liquidação/execução de sentença.
Usando dos critérios do CDC, extrai-se que, pelo aspecto subjetivo, os
direitos ou interesses individuais homogêneos têm como titulares pessoas
perfeitamente individualizadas, que podem ser indeterminadas, mas
facilmente determináveis.113
Sobre o aspecto objetivo, continua Almeida114
dizendo que pelo caráter
predominantemente individualizado são eles divisíveis e distinguíveis entre seus titulares.
Ademais, um dos fatores que contribui para a tutela coletiva dos direitos individuais
homogêneos seria a existência de uma tese jurídica comum e geral a todos os interessados. O
que liga os titulares do direito é a circunstância fática comum que gerará direitos subjetivos
individuais. Neste aspecto o direito individual homogêneo se aproxima dos direito difusos, na
medida em que geralmente nascem ligados pelas mesmas circunstâncias.
Pelo aspecto origem são eles de origem comum. Em relação à origem em
comum é que há ponto de semelhanças entre os direitos ou interesses
individuais homogêneos e os direitos ou interesses difusos, pois ambas as
categorias, diferentemente dos direitos coletivos em sentido estrito, em que
se exige prévia relação jurídica-base, geralmente nascem ligadas pelas
mesmas circunstâncias, não obstante sejam, quanto à titularidade e ao objeto,
totalmente distinguíveis.115
Exemplificando os direitos individuais homogêneos, é o magistério de Pedro Lenza:
112
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005, p. 42. 113
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
485. 114
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
485. 115
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e
Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008, p.
485.
45
a) os compradores de carros de um lote com o mesmo defeito de fabricação
(a ligação entre eles, pessoas determinadas, não decorre de uma relação
jurídica, mas, em última análise, do fato de terem adquirido o mesmo
produto com defeito de série); b) o caso de uma explosão do Shopping de
Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram danos; c) danos sofridos em
razão do descumprimento de obrigação contratual relativamente a muitas
pessoas; d) um alimento que venha gerar a intoxicação de muitos
consumidores; e) danos sofridos por inúmeros consumidores em razão de
uma prática comercial abusiva (...); f) sendo determinados, os moradores de
sítios que tiveram suas criações dizimadas por conta da poluição de um
curso d’água causada por uma indústria; (...) k) prejuízos causados a um
número elevado de pessoas em razão de fraude financeira; l) pessoas
determinadas contaminadas com o vírus da AIDS, em razão de transfusão de
sangue em determinado hospital público.116
Não obstante os exemplos colacionados por Lenza auxiliarem na compreensão da
matéria, é importante deixar claro que a definição dos direitos coletivos lato sensu deve ser
analisada caso a caso, haja vista que um mesmo fato pode receber simultaneamente tutela de
natureza difusa, coletiva em sentido estrito e individual homogênea. Por exemplo, a
propaganda enganosa de um medicamento que faz mal para a saúde. A retirada da propaganda
dos meios televisivos, bem como a reparação por danos causados a saúde das pessoas que
utilizaram o medicamento objeto da propaganda podem ser pleiteadas simultaneamente.
Nelson Nery Júnior, neste sentido afirma que:
O acidente com o Bateau Mouche IV, que teve lugar no Rio de Janeiro no
final de 1988, poderia abrir oportunidades para a propositura de ação
individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito
individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizada por
entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de
fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na
manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem
como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança
das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem
novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que
classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.117
Para concluir o tema, perfeitamente cabível comparações feitas por Zavascki118
no
quadro Abaixo:
116
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 101. 117
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1995, p. 112. 118
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos.
Tese. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005, p. 41-43.
46
DIREITOS Difusos Coletivos Individuais Homogêneos
Sob o aspecto
subjetivo são:
Transindividuais,
com indeterminação
absoluta dos titulares
(= não têm titular
individual e a ligação
entre os vários
titulares difusos
decorre de mera
circunstância de fato.
Exemplo: morar na
mesma região).
Transindividuais, com
determinação relativa
dos titulares (= não têm
titular individual e a
ligação entre os vários
titulares coletivos
decorre de uma relação
jurídica-base. Exemplo:
o Estatuto da OAB).
Individuais: (= há
perfeita identificação do
sujeito, assim como da
relação dele com o objeto
do seu direito). A ligação
que existe com outros
sujeitos decorre da
circunstância de serem
titulares (individuais) de
direitos com “origem
comum”.
Sob o aspecto
objetivo são:
Indivisíveis (= não
podem ser satisfeitos
nem lesados senão em
forma que afete a
todos os possíveis
titulares).
Indivisíveis (= não
podem ser satisfeitos
nem lesados senão em
forma que afete a todos
os possíveis titulares).
Divisíveis (= podem ser
satisfeitos ou lesados em
forma diferenciada e
individualizada,
satisfazendo ou lesando
um ou alguns sem afetar
os demais).
Exemplo: Direitos ao meio
ambiente sadio (CF,
art. 225).
Direito de classe dos
advogados de ter
representante na
composição dos
Tribunais (CF, art. 94).
Direito dos adquirentes a
abatimento proporcional
do preço pago na
aquisição de mercadoria
viciada (CDC, art. 18,
§1º, III).
Em
decorrência de
sua natureza:
a) São insuscetíveis de
apropriação
individual;
b) São insuscetíveis de
transmissão, seja
por ato inter vivos,
seja mortis causa;
c) São insuscetíveis de
renúncia ou de
transação;
d) Sua defesa em juízo
se dá sempre em
forma de
substituição
processual (o
sujeito ativo da
relação processual
não é o sujeito ativo
a) São insuscetíveis de
apropriação
individual;
b) São insuscetíveis de
transmissão, seja por
ato inter vivos, seja
mortis causa;
c) São insuscetíveis de
renúncia ou de
transação;
d) Sua defesa em juízo
se dá sempre em
forma de substituição
processual (o sujeito
ativo da relação
processual não é o
sujeito ativo da
relação de direito
a) Individuais e
divisíveis, fazem parte
do patrimônio
individual do seu
titular;
b) São
transmissíveis por ato
inter vivos (cessão) ou
mortis causa, salvo
exceções (direitos
extrapatrimoniais);
c) São suscetíveis de
renúncia e transação,
salvo exceções (v.g.,
direitos
personalíssimos);
d) São defendidos
em juízo, geralmente,
47
da relação de
direito material),
razão pela qual o
objeto do litígio é
indisponível para o
autor da demanda,
que não poderá
celebrar acordos,
nem renunciar, nem
confessar (CPC,
351), nem assumir
ônus probatório não
fixado na Lei (CPC,
333, PÚ, I);
e) A mutação dos
titulares ativos
difusos da relação
de direito material
se dá com absoluta
informalidade
jurídica (basta
alteração nas
circunstâncias de
fato).
material), razão pela
qual o objeto do
litígio é indisponível
para o autor da
demanda, que não
poderá celebrar
acordos, nem
renunciar, nem
confessar (CPC,
351), nem assumir
ônus probatório não
fixado na Lei (CPC,
333, PÚ, I);
e) A mutação dos
titulares ativos
coletivos da relação
jurídica de direito
material se dá com
relativa
informalidade
jurídica (basta a
adesão ou a exclusão
do sujeito à relação
jurídica-base).
por seu próprio titular.
A defesa por terceiro o
será em forma de
representação (com
aquiescência do titular).
O regime de
substituição processual
dependerá de expressa
autorização em Lei
(CPC, art. 6º);
e) A mutação de
pólo ativo na relação de
direito material, quando
admitida, ocorre
mediante ato ou fato
jurídico típico e
específico (contrato,
sucessão mortis causa,
usucapião etc.).
Pelo exposto, é possível concluir num primeiro momento que os direitos coletivos são
direitos de natureza fundamental, que objetivam tutelar o ser humano na sua
metaindividualidade. Constata-se ainda, que a partir do final do século XX há uma crescente
preocupação em se tutelar de forma integral tais direitos, na medida em que são
indispensáveis para a manutenção e garantia da existência da espécie humana com dignidade.
Neste giro, partindo da premissa de proteção integral, obviamente que havendo violação aos
direitos coletivos fundamentais, deve haver a reparação na tentativa de retorná-los, na medida
do possível, ao status quo ante.
Há uma preocupação da doutrina e da jurisprudência contemporânea em sistematizar e
aprofundar o estudo sobre a natureza jurídica da reparação civil por dano moral coletivo, bem
como definir parâmetros para a fixação da reparação decorrente de tais violações, no contexto
do Direito Processual Coletivo.
Para se chegar a um resultado concreto sobre tal investigação necessário é verificar a
teoria clássica da responsabilidade civil e verificar em que medida ela pode ser utilizada para
a reparação por danos extrapatrimoniais coletivos no contexto jurídico brasileiro.
48
3 DA REPARAÇÃO CIVIL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COLETIVOS
Em se tratando de um trabalho que objetiva verificar a possibilidade e as funções da
reparação civil por danos extrapatrimoniais no contexto dos direitos fundamentais coletivos e
da nova summa divisio constitucionalizada, depois de observada a construção teórica dos
direitos fundamentais coletivos, importante se verificar em que medida a teoria clássica da
responsabilidade civil pode contribuir para a construção da teoria do dano coletivo.
Assim, com a finalidade de se teorizar a responsabilidade civil por danos
extrapatrimoniais coletivos verifica-se no presente capítulo os elementos da responsabilidade
civil tradicional e os argumentos utilizados pela doutrina e jurisprudência para rechaçar a
reparação civil no caso de violação dos direitos fundamentais coletivos.
3.1 Aportes Iniciais
O homem desde os primórdios é um ser que tende a se agrupar com outros seres com o
objetivo de se proteger e alcançar finalidades comuns. Onde quer o homem se encontre, seja
qual for a época e por mais rude e selvagem que possa ser na sua origem, ele sempre é
encontrado em estado de convivência com outros. De fato, desde o seu primeiro aparecimento
sobre a Terra, surge em grupos sociais, inicialmente pequenos (família, clã, tribo) e depois
maiores (aldeia, cidade, Estado)119
.
Por mais antigo que seja o contexto, é possível observar a influência do Direito no
contexto social, pois conforme dizia John Donne (1572 – 1631) “nenhum homem é uma ilha,
completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um
todo”120
.
Neste contexto plural, os homens são cercados de interesses e, consequentemente, de
conflitos e lesões aos direitos. Desta forma, importante verificar a tutela da reparação civil
desde o direito antigo até o presente momento, com o objetivo de estabelecer substratos
mínimos de pré-compreensão à reparação civil por dano moral coletivo dos Direitos
119
BETIOLI, Antônio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 03. 120
John Donne: Por quem os sinos dobram? Eles dobram por ti. Disponível em
http://www.revistabula.com/1553-os-sinos-que-unem-john-donne-hemingway-e-raul-seixas/. Acesso em 20 mar.
2014.
49
Fundamentais Coletivos no contexto do Processo Coletivo e do Estado Democrático de
Direito.
Pois bem, a tarefa de descrever o período histórico do surgimento da responsabilidade
civil é uma questão complexa. Assim, em virtude da imprecisão do surgimento do instituto,
vislumbramos uma concepção de responsabilidade de forma menos tímida a partir do Direito
Romano, visto que a civilização romana trouxe vasta contribuição para formação e
desenvolvimento do Direito.
Naquele período, marcado pela vingança privada, não existia diferenciação entre a
responsabilidade civil e penal, além de nem se cogitar a ideia de culpa, pois não interessava se
o agente queria o resultado danoso. Não era feita análise da culpa do causador do dano,
bastava o comportamento, objetivamente analisado.
Em pleno vigor da Lei das XII Tábuas, “olho por olho, dente por dente”, o Estado
intervinha apenas para declarar quando e como a vítima teria o direito a sua vingança,
conforme anotado por Maria Helena Diniz:
Posteriormente, evoluiu para uma reação individual, isto é, vingança privada,
em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de
Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho
por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e
como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do
lesante dano idêntico ao que experimentou.(...) A responsabilidade era
objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação
do lesado contra a causa aparente do dano.121
Já na Lex Aquilia de damno, que tinha a noção clara de culpa, passou-se a impor que o
patrimônio do agressor respondesse aos danos causados quando o mesmo tivesse agindo com
culpa, e no caso de não haver culpa não haveria de falar em responsabilidade.
A Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a ideia de reparação pecuniária do
dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação,
em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento
da responsabilidade, de tal sorte que o agente isentaria de qualquer
responsabilidade se tivesse procedido sem culpa.122
Em estágio mais avançado, ainda sem haver uma clara diferenciação entre
responsabilidade civil e penal, o Estado trouxe para si a responsabilidade de intervir nos
121
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
10-11. 122
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
11.
50
conflitos definindo os valores dos prejuízos e obrigando a vítima a aceitar a reparação,
renunciando, consequentemente, à vingança privada.
O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos
prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando vingança.
Essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena
privada e como reparação, visto que não havia distinção nítida entre
responsabilidade civil e a penal.123
Além de se afastar a possibilidade de fazer justiça com as próprias mãos, nota-se
naquele período a tentativa de se tarifar as indenizações, com o objetivo de trazer segurança
nas relações jurídicas.
Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o
legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição
econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso,
tarifada. É quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por
morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as
mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de
indenizações preestabelecidas por acidentes de trabalho.124
Critérios para fixação dos danos e discussão sobre a tarifação de valores é discussão
que se encontra presente até os dias atuais, sendo que certo que existem diversos projetos de
lei que objetivam fixar quantia certa para as indenizações por dano moral125
.
Depois que o Estado assumiu a função de dizer o direito, coube a este a ação
repressiva, momento em que surgiu a ação indenizatória e a responsabilidade civil tomou o
lugar da responsabilidade penal.
Na Idade Média, é possível perceber a clara e nítida distinção entre a responsabilidade
civil e a responsabilidade penal. Não obstante a contribuição de outros sistemas, “a teoria da
responsabilidade civil só se estabeleceu por obra da doutrina, cuja figura dominante foi o
jurista Francês Domat (Lois Civiles, Liv.VIII, seção II, art.1º), responsável pelo princípio
geral da responsabilidade civil”126
.
123
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 11. 124
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 07. 125
O Projeto de Lei 334/2008 objetiva tarifar o valor das indenizações nos seguintes termos: Em caso de morte,
o valor da indenização vai variar de R$ 41,5 mil a R$ 249 mil. Para a hipótese de lesão corporal, será de R$ 4,15
mil a R$ 124,5 mil, enquanto para a ofensa à liberdade, vai variar de R$ 8,3 mil a R$ 124,5 mil. Em relação a
ofensa à honra, o projeto estipula, por abalo de crédito, o valor de R$ 8,3 mil a R$ 83 mil; de outras espécies, de
R$ 8,3 mil a R$ 124,5 mil; descumprimento de contrato, de R$ 4,15 mil a R$ 83 mil. BRASIL. Projeto de Lei
334/2008. Disponível em http://www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/2008/09/09092008/37269.pdf.
Acesso em 03 maio 2014. 126
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
12.
51
Já num estágio posterior ao da Revolução Industrial, apesar da solidificação da noção
de culpa, a teoria subjetiva encontrava-se deficiente para proteger o indivíduo dos diversos
riscos criados pela humanidade. Surge então, baseada na noção de igualdade material, a teoria
objetiva da responsabilidade, cujo pressuposto básico para responsabilizar o agente, é a
atividade de risco, independentemente de haver culpa.
A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a
perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos
tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção
de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos
automotores, aumentando assim os perigos à vida e a saúde humana, levaram
a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um
processo de humanização. Este representa uma objetivação da
responsabilidade, sob a ideia de que todo risco deve ser garantido, visando a
proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e as
vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano deve ter um
responsável.127
A pessoa que, por meio de exploração econômica, cria um novo risco para a sociedade
deve assumir a responsabilidade de repará-lo, pois, conforme ensina Celso Antônio Bandeira
de Mello, “quem aufere os cômodos deve suportar os correlatos”128
. Não obstante a ideia de
responsabilidade civil objetiva, no ordenamento jurídico a culpa continua sendo o principal
fundamento da responsabilidade civil nos tempos atuais.
Analisado o contexto inicial e geral do desenvolvimento da responsabilidade civil, é
necessário de outro lado, com o objetivo de conceder uma melhor compreensão do tema,
verificar os pressupostos e as espécies de responsabilidade existentes no sistema jurídico.
A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual (aquiliana) se decorrer
da violação de contrato ou de lei, respectivamente. Podendo ser classificada também,
subjetiva ou objetiva, se analisar a culpa ou não respectivamente. Já a responsabilidade
contratual é aquela decorrente da violação de dever jurídico estabelecido em qualquer espécie
de contrato.
Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação
contratual. Por exemplo: quem toma um ônibus tacitamente celebra um
contrato, chamado contrato de adesão, com a empresa de transporte. Esta,
implicitamente, assume a obrigação de conduzir o passageiro ao seu destino,
são e salvo. Se, no trajeto, ocorre um acidente e o passageiro fica ferido, dá-
127
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
12. 128
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 951.
52
se o inadimplemento contratual, que acarreta a responsabilidade de indenizar
as perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil.129
Lado outro, a responsabilidade extracontratual, também conhecida como aquiliana
pode-se dizer que é aquela decorrente da violação de um dever jurídico estabelecido em lei.
Não há pacto contratual, não havendo, consequentemente, qualquer vínculo jurídico
convencional entre aquele que causou o dano e o lesado. Há, todavia, violação a um dever
legal.
Assim, se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento
legal, por força da atuação ilícita do agente infrator (caso do sujeito que bate
em meu carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual, a seguir
analisada. Por outro lado, se, entre as partes envolvidas, já existia norma
jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do
descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estaremos diante de
uma situação de responsabilidade contratual.130
Não obstante a primeira classificação diferenciar em responsabilidade contratual e
extracontratual ou aquiliana, parte da doutrina, entende que não há diferença ontológica entre
os institutos, nestes termos:
Ressalte-se, no entanto, que não existe na realidade uma diferença
ontológica, senão meramente didática, entre responsabilidade contratual e
aquiliana. Essa dualidade é mais aparente do que real. O fato de existirem
princípios próprios dos contratos e da responsabilidade fora deles não altera
essa afirmação. Assim é possível afirmar que existe um paradigma abstrato
para o dever de indenizar. O que permite concluir por uma visão unitária
acerca da responsabilidade civil.131
Os adeptos da teoria unitária ou monista defendem uma visão unitária sobre a
responsabilidade civil (contratual e extracontratual), sendo que a única certeza que se teria é
que existe um dever abstrato de indenizar, independentemente da modalidade de
responsabilidade.
Por outro lado, já Carlos Roberto Gonçalves defende a dualidade de tratamento, pois
“o Código Civil distinguiu as duas espécies de responsabilidade, disciplinando genericamente
129
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 26. 130
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 58-59. 131
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil: v. IV. São Paulo: Atlas, 2007, p. 21.
53
a responsabilidade extracontratual nos arts. 186 a 188 e 927 a 954; e a contratual nos arts. 389
e s. e 395 e seguintes (...)”132
. E continua mais adiante:
Além dessas hipóteses, a responsabilidade contratual abrange também o
inadimplemento ou mora relativos a qualquer obrigação, ainda que
proveniente de um negócio unilateral (como o testamento, a procuração ou a
promessa de recompensa) ou da lei (como a obrigação de prestar alimentos).
E a responsabilidade extracontratual compreende, por seu turno, a violação
dos deveres gerais de abstenção ou omissão, como os que correspondem aos
direitos reais, aos direitos da personalidade ou aos direitos de autor (à
chamada propriedade literária, científica ou artística, aos direitos de patente
ou de invenções ou às marcas).133
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho entendem haver a existência de três
elementos diferenciadores básicos acerca das formas de responsabilidade civil contratual e
extracontratual ou aquiliana, a saber: “a necessária preexistência de uma relação jurídica entre
lesionado e lesionante; o ônus da prova quanto à culpa e; a diferença quanto à capacidade”134
.
No que tange à distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva, inicialmente vale
destacar as palavras de José de Aguiar Dias: “No sistema da culpa, seja ela, real ou
artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa,
ou, melhor, esta indagação não tem lugar”135
.
Na responsabilidade civil subjetiva, o principal elemento que a difere da
responsabilidade objetiva é a culpa, interpretada na concepção lata, sendo esta, portanto, a
teoria clássica ou da culpa. Para a caracterização da responsabilidade subjetiva é necessário
que o agente tenha agido com dolo ou culpa, para ocorrência do evento danoso, ou seja, não
havendo culpa, inexistente é a responsabilidade.
Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de
culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do
dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador
do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.136
Todavia, em certas situações, o ordenamento jurídico impõe o dever de reparação
independentemente da existência da culpa. Referindo-se à responsabilidade objetiva,
132
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 27. 133
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 27. 134
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 60. 135
DIAS, José de Aguiar, apud, BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil
objetiva no novo Código Civil. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br - Acesso em 10 maio 2014. 136
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 30.
54
dispensa-se a demonstração da culpa lato sensu do agente, sendo necessário apenas à
existência do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável. É também
chamada de teoria do risco.
A noção básica da responsabilidade civil, dentro da doutrina subjetiva, é o
princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa – unuscuique
sua culpa nocet.(...) Entretanto, hipóteses em que não é necessário sequer ser
caracterizada culpa. Nesses casos, estaremos diante do que se convencionou
chamar de “responsabilidade civil objetiva”. Segundo tal espécie de
responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é
irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência
do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para
que surja o dever de indenizar.137
Ressalte-se que o instituto da culpa presumida difere-se da teoria objetiva da
responsabilidade, visto que na culpa presumida não ocorre a exclusão do elemento culpa,
havendo apenas uma inversão do ônus da prova, neste caso, podendo ainda, o causador do
dano provar que não teve culpa para ocorrência do dano. Na teoria objetiva, não é possível
comprovação de que o agente causador do dano não teve culpa, admite-se apenas o
rompimento do nexo de causalidade como causa excludente do dever de indenizar.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira:
Na tese de presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como
fundamento da responsabilidade civil. Onde se distância da concepção
subjetiva tradicional e no que concerne tradicional é no que concerne ao
ônus da prova. Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de
demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão,
sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar
para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do ônus
probandi.138
Sérgio Cavalieri Filho preceitua que o principal fundamento para a responsabilidade
objetiva é a teoria do risco que se desenvolveu, sobretudo, a partir do contexto da Revolução
Industrial, a saber:
Na busca de um fundamento para a responsabilidade objetiva, os juristas,
principalmente na França, conceberam a teoria do risco, justamente no final
do século XIX, quando o desenvolvimento industrial agitava o problema da
reparação dos acidentes de trabalho. (...) A doutrina do risco pode ser, então,
assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por
quem o causou, independentemente de ter ou não agindo com culpa.
Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo
137
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 56-57. 138
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 265-266.
55
de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente
causou o dano.139
Analisadas as espécies de responsabilidade é necessário agora verificar quais são os
pressupostos ou requisitos indispensáveis para a efetivação do dever de indenizar. Os
elementos essenciais para ocorrência do dever de indenizar são basicamente três: Conduta
humana (ação ou omissão); Dano ou prejuízo; Nexo de causalidade.
A conduta humana, um dos elementos indispensáveis na caracterização do dever de
indenizar, é o “comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou
omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo,
da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo”140
.
Maria Helena Diniz defende que a conduta humana “vem a ser o ato humano,
comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio
agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”141
.
Temos como núcleo fundamental da conduta humana a “voluntariedade, que é a
liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência
daquilo que faz. A voluntariedade não é necessariamente a intenção de causar o dano, mas
sim, a consciência daquilo que se está fazendo” 142
.
Ainda no contexto da conduta humana, alguns autores defendem a indispensabilidade
da culpa lato sensu, para que haja o dever de indenizar. Todavia, acertadamente, a doutrina
mais qualificada defende que é um elemento esporádico, pois não aparecerá no caso da
responsabilidade objetiva. Desta forma, não pode ser considerada como elemento
indispensável na configuração do dever de indenizar, vez que, o Código Civil em alguns
momentos adotou a teoria do risco.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, de que a culpa lato sensu não é pressuposto
essencial para configurar a responsabilidade civil estabelece Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho:
Embora mencionada no referido dispositivo de lei por meio das expressões
“ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, a culpa (em
sentido lato, abrangente o dolo) não é, em nosso entendimento, pressuposto
139
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 155. 140
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 48. 141
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
37. 142
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70.
56
geral da responsabilidade civil, sobretudo no novo Código, considerando a
existência de outra espécie de responsabilidade, que prescinde desse
elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva).
(...). A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo
que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou
pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta
humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de
causalidade...143
De outro lado, entendendo pela existência do pressuposto culpa, Carlos Roberto
Gonçalves defende que da análise do art. 186 do Código Civil, é possível concluir que quatro
são os elementos essenciais da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão; culpa ou
dolo do agente; relação de causalidade e; dano suportado pelo ofendido144
.
A culpa se de um lado não pode ser considerada pressuposto indispensável para
configurar a obrigação de indenizar, de outro não pode ser desprezada por completo,
conforme registrado por Caio Mário da Silva Pereira:
A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado antissocial e
amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à
qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto
corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele
outro que age ao seu arrepio.145
Assim, para evitar injustiças é necessário fazer uma leitura da necessidade de culpa à
luz da situação concreta, pois nas atividades de risco realmente se justifica a
responsabilização de forma objetiva.
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o
resultado, ou seja, trata-se do vínculo, ligação entre a ação ou omissão do agente e o dano
causado à vítima.
Sérgio Cavalieri explica que o nexo de causalidade decorre das leis naturais, nos
seguintes termos:
O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o
vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
(...) Em suma o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o
resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do
dano. Pode-se ainda, afirmar que o nexo de causalidade é elemento
indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver
responsabilidade sem culpa, como teremos oportunidade de ver quando
143
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 66-67. 144
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 35. 145
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 391.
57
estudarmos a responsabilidade objetiva, mas não pode haver
responsabilidade sem nexo causal.146
Verificada a compreensão de nexo de causalidade, salienta-se ainda, que existem
basicamente três teorias que explicam o nexo de causalidade, a saber: Teoria da equivalência
dos antecedentes (conditio sine qua non); Teoria da causalidade adequada; Teoria da
causalidade direta ou imediata.
Para primeira teoria, equivalência dos antecedentes, qualquer antecedente que tenha
contribuído de alguma forma para o evento danoso é considerado causa.
Para se saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente
essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado
desaparecer, a condição é causa, mas se persistir não o será. Destarte,
condição é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem
que venha a ausentar-se o efeito.147
Se fosse adotada esta teoria, cairíamos num infinito questionamento, onde quase todos
seriam responsáveis por todos os danos ocorridos no mundo. A exemplo, tomemos uma
pessoa que morreu em decorrência de um disparo de arma de fogo. Por essa teoria, seriam
responsáveis pela morte: o agente que efetuou os disparos, o fabricante da arma, o fabricante
da pólvora, o que plantou a árvore, a madeireira que extraiu a árvore para fazer a arma e assim
infinitamente.
Na teoria da causalidade adequada é indispensável verificar se o antecedente causal é
necessário e adequado para a ocorrência do dano, segundo o curso normal das coisas e a
experiência da vida.
Antunes Varela aduz com precisão a ideia fundamental desta teoria:
A ideia fundamental da doutrina é a de que só há uma relação de causalidade
adequada entre fato e dano quando o ato ilícito praticado pelo agente seja de
molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das
coisas e a experiência comum da vida.148
Gagliano e Pamplona Filho fazem crítica à teoria da causalidade adequada,
mencionando que se ela for aplicada levará a uma discricionariedade absurda do aplicador da
lei, visto que verificaria no caso concreto se o fato ocorrido seria a causa adequada do dano.
Apresenta o inconveniente de admitir um acentuado grau de
discricionariedade do julgador, a quem incumbe avaliar, no plano abstrato, e
146
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 71. 147
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 72. 148
VARELA, Antunes, apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito
Civil. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 131.
58
segundo o curso normal das coisas, se o fato ocorrido no caso concreto pode
ser considerado, realmente, causa do resultado danos. Ademais, esta
“abstração” característica da investigação do nexo causal segundo a teoria da
causalidade adequada pode conduzir a um afastamento da situação concreta,
posto ao acertamento judicial.149
Por fim, a teoria da causalidade direta ou imediata, “causa, para esta teoria seria
apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado dano,
determinasse este último como uma consequência sua, direta ou imediata”150
. Com o objetivo
de esclarecer a teoria, Gagliano e Pamplona Filho citam como exemplo a seguinte situação:
Caio é ferido por Tício (lesão corporal), em uma discussão após a final do
campeonato de futebol. Caio, então, é socorrido por seu amigo Pedro, que
dirige, velozmente, para o hospital da cidade. No trajeto, o veículo capota e
Caio falece. Ora, pela morte da vítima, apenas poderá responder Pedro, se
não for reconhecida alguma excludente em seu favor. Tício, por sua vez, não
responderia pelo evento fatídico, uma vez que o seu comportamento
determinou, como efeito direto e imediato, apenas a lesão corporal.151
Assim, concluímos com Gustavo Tepedino que “a causa relativamente independente é
aquela que, em apertada síntese, torna remoto o nexo de causalidade anterior, importando aqui
não a distância temporal entre a causa originária e o efeito, mas sim o novo vínculo de
necessariedade estabelecido, entre a causa superveniente e o resultado danoso. A causa
anterior deixou de ser considerada, menos por ser remota e mais pela interposição de outra
causa, responsável pela produção do efeito, estabelecendo-se outro nexo de causalidade”152
.
O último pressuposto para configuração do dever de indenizar é o dano. O dano é o
prejuízo sofrido pela vítima em decorrência do comportamento praticado pelo lesionante, pois
sem dano não há que se falar em responsabilidade civil, ou como diz Roberto de Ruggiero
“não há delito civil se não houver dano”153
.
Gagliano e Pamplona Filho na mesma senda de entendimento, dizem que “poderíamos
então afirmar que, seja qual for a espécie da responsabilidade sob exame (contratual ou
149
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 132. 150
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 132. 151
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 133. 152
TEPEDINO, Gustavo, apud, GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de
Direito Civil. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 133. 153
RUGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. v. 3. Campinas: Bookseller, 2005, p. 596.
59
extracontratual, objetiva e subjetiva), o dano é requisito indispensável para a sua
configuração, qual seja, sua pedra de toque”154
.
O dano pode ser patrimonial/material ou extrapatrimonial/moral, a depender do direito
ou interesse que for lesado. O dano patrimonial decorre da violação de bens e direitos
economicamente mensuráveis, ao passo que o dano extrapatrimonial decorre da violação dos
bens e direitos imateriais. Roberto de Ruggiero afirma que a violação pode ocorrer em relação
aos bens materiais ou outros bens de natureza extrapatrimonial, a saber:
É indiferente que este seja no patrimônio ou em outros bens da pessoa, como
os bens imateriais. Dano é sempre indenizável, a ofensa à honra, a
difamação, a injúria, porque basta a perturbação feita pelo ato ilícito nas
relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos, nos afetos de uma
pessoa, para produzir uma diminuição no gozo do respectivo direito.155
Para Gagliano e Pamplona Filho o dano patrimonial é “lesão aos bens e direitos
economicamente apreciáveis do seu titular. Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa
casa ou em nosso veículo”156
.
A reparação por dano patrimonial refere-se ao dano emergente e aos lucros cessantes.
Dano emergente é o prejuízo direto experimentado pela vítima, enquanto os lucros cessantes
seria aquilo que a vítima deixou de ganhar, em virtude do dano emergente.
Ainda, porém, no que tange especificamente ao dano patrimonial ou
material, convém analisarmos sob dois aspectos: a) o dano emergente –
correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, “o
que ela perdeu”; b) lucros cessantes – correspondente àquilo que a vítima
deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, “o que ela não
ganhou”.157
No mesmo sentido são as lições de Carlos Roberto Gonçalves:
Dano emergente é o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela
vítima. É, por exemplo, o que o dono do veículo danificado por outrem
desembolsa para consertá-lo. Representa, pois, a diferença entre o
patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois.
Lucro cessante é a frustação da expectativa de lucro. É a perda de um ganho
154
Santos Cifuentes afirma que: “Para el derecho privado, además de antijurídico por haber-se contrariado
uma ley tomada em sentido material (cualquer norma emanada de autoridade competente), es necessário que
haya um daño causado. Sin daño, en derecho privado, no hay stricto sensu acto ilícito, pues este derecho tiene
por finalidade resarcir, no reprimir o punir”. (CIFUENTES, Santos, apud, GAGLIANO, Pablo Stolze;
PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 77) 155
RUGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Volume 3. Campinas: Bookseller, 2005, p. 596. 156
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82. 157
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 83.
60
esperado. Há casos em que a indenização já vem estimada no contrato, como
acontece quando se pactua a cláusula penal compensatória.158
Em termos legais, a reparação civil por dano patrimonial está prevista no artigo 402 do
Código Civil, que estabelece que “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as
perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que
razoavelmente deixou de lucrar”.
Já o dano moral é o reflexo da violação dos direitos sem conteúdo econômico,
impossíveis, num primeiro momento, de serem reduzidos a pecúnia, conforme ressai das
palavras de Gagliano e Pamplona Filho:
O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário,
nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos
afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da
pessoa (seus direitos da personalidade) violando, por exemplo, sua
intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados
constitucionalmente.159
Wilson Melo da Silva conceitua os danos morais como sendo “lesões sofridas pelo
sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por
patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não
seja suscetível de valor econômico”160
.
Na concepção de Carlos Alberto Bittar os danos morais estão relacionados à esfera
subjetiva da pessoa humana ou ao valor daquela pessoa perante a sociedade:
Danos morais são aqueles qualificados em razão da esfera da subjetividade,
ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato
violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos
mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração
pessoal, ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o
da reputação ou da consideração social).161
Yussef Said Cahali entende que o dano moral é fenômeno multifacetário que fica mais
fácil de ser analisado a partir dos seus diversos elementos:
Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios
elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm
um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de
158
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 30. 159
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 97. 160
SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e a sua Reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 13. 161
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1993, p. 41.
61
espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física,
a honra e os demais sagrados afetos; classicando-se, desse modo, em dano
que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano
que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.);
dano moral que prova direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz
deformante etc.) e dano moral puro (dor, tristeza etc.).162
O dano moral pode ainda ser direto ou indireto, sendo que o dano direto é aquele que
decorre da violação de bens ou direitos extrapatrimoniais de forma direta. Maria Helena Diniz
diz que o “dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação ou o gozo
de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a
integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos
afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado
de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III)”163
.
De outro lado, o dano moral indireto é aquele que surge como reflexo da violação
direta de bens patrimoniais. Em outras palavras, ocorre a violação de um direito patrimonial,
sendo que essa violação gera, de forma reflexa, um dano extrapatrimonial à vítima.
Já o dano moral indireto ocorre quando há uma lesão específica a um bem ou
interesse de natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um
prejuízo na esfera extrapatrimonial, como é o caso, por exemplo, do furto de
um bem com valor afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, o
rebaixamento funcional ilícito do empregado, que, além do prejuízo
financeiro, traz efeitos morais lesivos ao trabalhador.164
Ainda neste aspecto não se pode esquecer que o dano moral indireto é diferente do
dano ricochete ou reflexo que surge como um dano reflexo da violação de um direito de
terceira pessoa, ligada à vítima do dano principal.
É interessante diferenciar o dano moral indireto do dano moral em ricochete
(ou dano reflexo). No primeiro, tem-se uma violação a um direito da
personalidade de um sujeito, em função de um dano material por ele mesmo
sofrido; no segundo, tem-se um dano moral sofrido por um sujeito, em
função de um dano (material ou moral, pouco importa) de que foi vítima um
outro indivíduo, ligado a ele.165
O dano moral ainda pode ser individual, coletivo, difuso, individual homogêneo,
dependendo da natureza jurídica do direito violado. O dano moral individual decorre da
162
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 22. 163
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
93. 164
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109. 165
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 109.
62
violação dos direitos individuais, reconhecidos na Constituição, regulamentados, em regra na
legislação civil, e estudados de forma exaustiva pela clássica doutrina de Direito Civil.
Já a tutela moral dos demais direitos é tratada, no âmbito do Direito Coletivo, em
sentido amplo, tendo em vista sua transindividualidade, indivisibilidade, vez que transcendem
a esfera do sujeito individualmente considerando166
.
A compensação moral dos direitos coletivos é questão de alta complexidade que será
abordada de forma mais aprofundada em capítulos ulteriores deste trabalho. Contudo, antes de
adentrar especificamente no tema é importante demonstrar a evolução do dano moral no
contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
3.2 Do Dano Moral Individual ao Dano Moral Coletivo
Superadas as espécies de responsabilidade e os pressupostos essenciais para que haja o
dever de indenizar, nota-se que o dano moral passou por diversas fases na doutrina,
jurisprudência e legislação brasileira, desde uma primeira fase de repúdio a tal compensação
até a fase posterior a Constituição Federal de 1988, que afastou qualquer dúvida acerca da
aplicação do instituto.
No Brasil, desde o período colonial existiam normas jurídicas de Portugal que, ainda
que de forma tímida, regulamentavam a compensação por danos. Nas Ordenações do Reino,
não havia muita técnica, pois não diferenciavam reparação, pena e multa.
As ordenações do Reino, que vigoravam no Brasil colonial, confundiam
reparação, pena e multa. Pontes de Miranda menciona alvará de 1668,
relativo a caso particular, que admitia o princípio da solidariedade nos
moldes do direito romano.167
Naquela mesma época, noticia ainda Claudia Regina Bento de Freitas que já havia,
pelo menos de forma embrionária, a compensação por danos morais:
Talvez uma das mais antigas referências à indenização por dano moral,
encontrada historicamente no direito brasileiro, está no Título XXIII do
Livro V das Ordenações do Reino (1603), que previa a condenação do
homem que dormisse com uma mulher virgem e com ela não se casasse,
devendo pagar um determinado valor, a título de indenização, como um
166
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade
Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 90. 167
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora
Saraiva, 2008, p. 09.
63
“dote” para o casamento daquela mulher, a ser arbitrado pelo julgador em
função das posses do homem ou de seu pai.168
Depois do processo de independência, a Constituição Imperial de 1824 previu
revogação das Ordenações Portuguesas e a criação de um Código Civil e um Código Criminal
o mais breve possível169
.
Em 1830 foi criado o Código Criminal do Império que dentro das possiblidades fáticas
fazia as vezes do ainda inexistente Código Civil. Neste diploma normativo penal o artigo
22170
mencionava que “A satisfação será sempre a mais completa, que fôr possível, sendo no
caso de duvida á favor do ofendido”.
Posteriormente, em 1890, influenciado pelo Direito Português, estabeleceu o novo
Código Penal uma prestação satisfatória em favor da mulher que teve sua honra violada.
Isso, porque a Lei de 1830 previa apenas que “a indenização será a mais
completa que for possível; no caso de dúvida, será a favor do ofendido”.
Contudo, deixava bem claro que a responsabilidade delitual haveria de ser
plena. Posteriormente, sob a forte influência trazida pelo Código Civil
Português, o Código Penal Brasileiro de 1890 assegurava, expressamente,
em seu art. 276, uma “prestação pecuniária satisfatória de dano moral, nos
casos de atentados contra a honra da mulher”. Nos demais casos, fazia
referência o art. 70 desta Lei para que a indenização por prejuízos sofridos
fosse regulada pelo Direito Civil.171
Na mesma lei havia também a possibilidade de punição por crimes que violem a honra
e a boa fama dos indivíduos, veja-se:
O Código Penal de 1890, o qual foi decretado por Manuel Deodoro da
Fonseca, em seu Titulo XI, trouxe previsão para os crimes que
atentem contra a honra e a boa fama dos indivíduos, podemos citar o artigo
316 do código ora em questão, apresentando a seguinte redação: Art. 316. Si
a calumnia for commettida por meio de publicação de pamphleto, impresso
ou lithographado, distribuido por mais de 15 pessoas, ou affixado em logar
frequentado, contra corporação que exerça autoridade publica, ou contra
168
FREITAS, Claudia Regina Bento de. O Quantum Indenizatório em Dano Moral: Aspectos Relevantes para a
sua Fixação e suas Repercussões no Mundo Jurídico. Dissertação. Rio de Janeiro: Escola de Magistratura do
Estado do Rio Janeiro, 2009. 169
Neste sentido, Tomás Lima de Carvalho diz: “Com a proclamação da República e a outorga da Constituição
do Império em 1824, a qual revogou as Ordenações Filipinas, previu-se, em seu art. 179, inciso XVIII:
“Organizar-se-á quanto antes um código civil, e criminal, fundado nas sólidas bases da justiça, e equidade”.”
(CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014) 170
Christiano Almeida do Valle, diz que: “Foi fundada na Consolidação de Teixeira de Freitas, no artigo 22,
encontrou-se o amparo ao dano moral que mencionava "a indenização será a mais completa que for possível; e
em caso de dúvida, será a favor do ofendido”. (VALLE, Christiano Almeida do, apud, REI, Cláudio Alexandre
Sena. Danos morais entre cônjuges. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/541>. Acesso em 21 jul. 2014) 171
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014.
64
agente ou depositario desta e em razão de seu officio: Penas – de prisão
cellular por seis mezes a dous annos e multa de 500$ a 1:00000$.172
Nesta primeira fase, para que houvesse a possibilidade da reparação, necessário era,
antes de qualquer coisa, a condenação criminal.173
Isso devido à dependência da jurisdição
civil à criminal, no que tange ao quesito responsabilidade civil. Todavia, em momento
ulterior, fora adotado o princípio da independência, ou seja, a jurisdição civil não mais
dependia da criminal.
Portanto, aquela ideia de que para que houvesse reparação de um dano suportado
necessário era a aplicação de uma pena na esfera criminal foi, aos poucos, sendo diluída,
dando lugar à reparação civil, concepção esta adotada pelo Código Civil de Napoleão, grande
influenciador do Código Civil de 1916174
.
Ainda no cenário anterior ao Código Civil de 1916, o Decreto 2.681/1912
regulamentou a responsabilidade civil nas estradas de ferro no Brasil, estabelecendo em seu
artigo 20 a reparação por dano material, ao passo que a expressão “indenização conveniente”,
estabelecida no artigo 21, seria para parte da doutrina uma forma de reparação por dano
moral:
Com a entrada em vigor do Decreto 2.681/1912, que regulava a
responsabilidade civil das estradas de ferro no Brasil, houve a abordagem à
indenização por danos morais, inclusive, nos termos do art. 17, com a
previsão expressa de culpa presumida das estradas de ferro acerca dos
“desastres que nas suas linhas sucederem os viajantes e de que resulte a
morte, ferimento ou lesão corpórea”, salvo as hipóteses constantes em seus
incisos I e II. Quanto à questão da reparação civil, o art. 20 do referido
decreto estabeleceu que, “nos casos de ferimento, a indenização será
equivalente às despesas do tratamento e os lucros cessantes durante ele”,
hipótese essa de reparação material, tal como a previsão contida no art. 21,
de que “no caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da
mesma e de outras circunstâncias, especialmente a invalidade para o
trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e lucros
cessantes, deverá ser pelo juiz arbitrada uma indenização conveniente”.
Todavia, insta frisar que a previsão contida no art. 21, consubstanciada pela
expressão “uma indenização conveniente”, se refere à dor causada pela
vítima, da qual não resulta qualquer reflexo em seu patrimônio, se
afigurando, assim, como modalidade de reparação por danos morais
sofridos.175
172
CAMILO NETO, José. Evolução Histórica do Dano Moral: Uma Revisão Bibliográfica. Disponível em
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7053. Acesso em 10 maio 2014. 173
Neste sentido, GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. 3. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 09. 174
BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil.
Disponível em: http://www.juspodivm.com.br– acesso em 10 maio 2014. 175
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014.
65
Apesar do dispositivo legal, a doutrina e a jurisprudência não acreditavam muito na
compensação por dano moral, pois a maioria dos julgados da época repudiavam a
compensação por dano moral ou a condicionava à demonstração do empobrecimento do
patrimônio da vítima.
Neste sentido, com base na doutrina de Américo Luís Martins da Silva, Tomás Lima
de Carvalho, afirma que:
Fato é que muito embora da dicção acima se extraia a previsão para
indenização por danos extrapatrimoniais, tem-se que, conforme asseverado
por Américo Luís Martins da Silva: (...) o princípio da reparabilidade do
dano moral, no Brasil, foi, no início, muito hostilizado tanto pela doutrina
quanto pela jurisprudência. Foram inúmeras as sentenças e os julgados
produzidos manifestando-se contra a doutrina da reparabilidade do dano
moral. Completa ainda o referido autor que no período que antecedeu a
vigência do Código Civil Brasileiro de 1916, “ou se negava a reparabilidade
do dano moral ou se considerava indenizável o dano moral apenas quando
afetava o patrimônio da vítima, empobrecendo-a”.176
Um dos argumentos utilizados pela doutrina tradicional para afastar a reparação por
dano moral seria a inexistência jurídica de dano moral, tendo em vista que expressão
“prejuízo moral” e “patrimônio moral” são expressões figuradas, metafísicas que não
exprimem realidade e concretude. Ademais, o sistema jurídico penal é que é responsável por
tutelar as lesões jurídicas de ordem extrapatrimonial:
Outro eminente civilista brasileiro, da galeria dos mais eruditos, Lacerda de
Almeida, somente admitia a reparação do dano patrimonial, por entender que
as expressões “prejuízo moral” e “patrimônio moral” não exprimem a
realidade, pois são figuradas, metafísicas. Se um indivíduo sofre lesões de
ordem extrapatrimonial, puramente subjetivas, a reação da ordem jurídica se
fará por meio das leis penais.177
A matriz filosófica de tal pensamento decorre da doutrina de Savigny que classificava
os direitos em comuns e originários, sendo que os originários seriam inatos e insuscetíveis de
restauração ao seu status quo ante, quando violados. Nesse sentido registra Deda:
Os fundamentos dessa tese têm sua origem no pensamento de Savigny –
adversário declarado da reparabilidade dos danos morais - , que concebeu a
classificação dos direitos em comuns e originários. Estes, ao contrário
daqueles, seriam inatos, próprios do homem, inerentes à sua personalidade e
176
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014. 177
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 16.
66
não suscetíveis de restauração pelos meios ordinários quando atingidos. Não
estariam tais bens – como a honra, a vida, a liberdade em suas varias
manifestações – no âmbito jurídico de ordem privada.178
Outro importante argumento da doutrina negativista seria a incerteza da existência
efetiva do dano moral, pois a vítima poderia dissimular a dor e o sofrimento com o objetivo
de receber prestação pecuniária:
O dano moral é, por sua natureza, subjetivo. E para Gabba, adversário da
tese da reparabilidade, a falta de objetividade torna impraticável a reparação,
pois haveria sempre o perigo de o juiz a cada passo ver um verdadeiro
sofrimento onde não há mais do que uma hipocrisia dissimulada que ele não
consegue desmascarar.179
Além disso, mesmo considerando a existência de violação à moralidade, seria
impossível ao juiz entranhar-se na consciência da pessoa para verificar o grau de sensibilidade
e o nível da dor realmente existente.
Tratando de outro aspecto da controvérsia, que veremos em seguida,
Georges Ripert observa: “O prejuízo resulta na realidade, da receptividade
da vítima. É a sua sensibilidade que está em causa. Um estóico de coração
seco não sofre uma grande dor com a morte de seu amigo”. A dificuldade é
que todas as pessoas não têm a mesma sensibilidade moral, e, não podendo o
juiz penetrar no íntimo de quem alega o dano efetivo, não poderia saber
quando existe a dor realmente sentida e quando acontece o fingimento.180
Poucos anos antes da entrada em vigência do Código Civil de 1916, o Supremo
Tribunal Federal julgou o Agravo nº 1.723, onde era tratada a liquidação de danos suportados
em acidente ferroviário. No caso, um chefe de família perdera a vida. Inicialmente, fora
concedida à família indenização rotulada como dano material e, ao mesmo tempo,
indenização sob a marca de dano moral. Contudo, referida decisão sofrera reforma
parcialmente em 26 de junho de 1915, onde a mesma Suprema Corte concluiu por excluir a
indenização intitulada como dano moral181
.
178
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 16. 179
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 18. 180
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência. São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 18. 181
MONTEIRO FILHO, Raphael de Barros. Indenização por dano moral: evolução da jurisprudência.
Disponível em:
http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001089/Indeniza%C3%A7%C3%A3o%20por%20Dan
o%20Moral%20-%20Evolu%C3%A7%C3%A3o%20da%20Jurisprud%C3%AAncia.doc – Acesso em 10 maio
2014.
67
Já no Código Civil de 1916, a reparação por danos patrimoniais ficou consagrada no
livro III, título II (Dos atos ilícitos), artigo Art. 159, que estabelece que “Aquele que, por ação
ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a
outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da
responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553”.
Com efeito, acentua Venosa que:
O legislador do Código Civil de 1916 não tratou da matéria de forma
ordenada, pois nos arts. 159 e 160 traçou os fundamentos da
responsabilidade contratual e, posteriormente, na Parte Especial, em vários
dispositivos, disciplina novamente o assunto. Explica-se o fato porque, no
final do século XIX e início do século XX, quando elaborado o diploma, a
matéria ainda não havia atingido um estágio de maturidade teórica e
jurisprudencial. Acrescente-se que o estudo da responsabilidade civil é
especialmente dinâmico, estando a surgir a cada momento novas teorias e
linhas de pensamento, na doutrina e na jurisprudência, fruto não só do
pensamento jurídico como também das novas necessidades sociais.
Acrescente-se que o instituto da responsabilidade civil é algo
contemporâneo, pois surge pela primeira vez no final do século XVIII, no
âmbito do direito revolucionário francês. Sua primeira formulação expressa
está no Código Civil francês, espalhando-se daí para todas as codificações
posteriores.182
Além disso, cumpre salientar que o Código Civil de 1916 adotou a teoria subjetiva da
responsabilidade civil, onde há a necessidade de se provar a culpa ou dolo daquele que causou
o dano para haja à obrigação de reparação.
A mesma sorte do dano patrimonial não teve o tema dano moral, pois com o Código
Civil de 1916, a divergência sobre a reparabilidade do dano moral não ficou expressamente183
resolvida. Embora o artigo 76 estabelecesse que “para propor ou contestar a ação, era
necessário ter legítimo interesse econômico ou moral”, o parágrafo único do referido
dispositivo, dizia que o interesse moral se limita à lesão direta ao autor ou à sua família.
Não obstante os posicionamentos contrários, e a rigidez da doutrina tradicional em
182
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. v. IV. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p.
02. 183
“O Código Civil de 1916 – projeto apresentado por Clóvis Beviláqua, sob a influência do Direito Alemão no
que diz respeito à responsabilidade civil – tratou, em diversos dispositivos, acerca da reparação do dano
extrapatrimonial no Direito Brasileiro, contudo, não de maneira expressa, mas sim, indireta. Saliente-se que a
legislação civil de 1916, em seu art. 76, trouxe certa polêmica para o mundo jurídico da época, ao estabelecer
que “para propor ou contestar a ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral”, sendo certo que
o interesse moral, na forma descrita no parágrafo único do referido dispositivo, se limita à lesão direta ao autor
ou à sua família. Tal polêmica se justificava em razão do caráter conservador de alguns doutrinadores em não
perceberem, no dispositivo acima, qualquer base para a doutrina do dano moral.” (CARVALHO, Tomás Lima
de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf.
Acesso em 10 maio 2014)
68
aceitar a reparabilidade do dano moral na égide do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua,
seu mentor intelectual, ao comentar o mencionado dispositivo acenou positivamente no
sentido de reconhecer a reparação por dano moral. O registro é de Tomás Lima de Carvalho:
Todavia, ao interpretar o referido dispositivo, Clóvis Beviláqua, citado por
Américo Luís Martins da Silva, esclareceu que “se o interesse moral
justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse é
indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro”. E
completou, acrescentando que o Código Civil em vigor “não deu grande
latitude ao poder de reação jurídica suscitado pelo dano moral; restringiu-
o, subjetivamente, neste artigo, e fixou-o objetivamente ao tratar da
liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos”.184
Afirmou Rui Barbosa que “o mais completo dos juízes”, qual seja, o Ministro Pedro
Lessa, defendia que "não é necessário que a lei contenha declaração explícita acerca da
indenização do dano moral, para que esta seja devida. Na expressão dano, está incluído o
dano moral"185
.
Discutia-se ainda na doutrina da época a natureza jurídica das indenizações previstas
nos artigos 1537,186
1538,187
1539,188
e 1541,189
afirmando alguns autores que se tratava de
verdadeiras espécies de compensação por dano moral190
:
184
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014. 185
MONTEIRO FILHO, Raphael de Barros. Indenização por dano moral: evolução da jurisprudência.
Disponível em:
http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001089/Indeniza%C3%A7%C3%A3o%20por%20Dan
o%20Moral%20-%20Evolu%C3%A7%C3%A3o%20da%20Jurisprud%C3%AAncia.doc – Acesso em 10 maio
2014. 186
Art. 1.537 do Código Civil de 1916. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I. No pagamento das
despesas com o tratamento da vitima, seu funeral e o luto da família. II. Na prestação de alimentos às pessoas a
quem o defunto os devia. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 187
Art. 1.538 do Código Civil de 1916. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, indenizará o ofensor ao
ofendido as despesas do tratamento e os lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a
importância da multa no grão médio da pena criminal correspondente. § 1º Esta soma será duplicada, se do
ferimento resultar aleijão ou deformidade. § 2º Se o ofendido, aleijão ou deformado, for mulher solteira ou
viuvam ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as
circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 188
Art. 1.539 do Código Civil de 1916: Se da ofensa resultar defeito, pelo qual o ofendido não possa exercer o
seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e
lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho,
para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 189
Art. 1.541 do Código Civil de 1916: Havendo usurpação ou esbulho do alheio, a indenização consistirá em se
restituir a coisa, mais o valor das suas deteriorações, ou, faltando ela, em se embolsar o seu equivalente ao
prejudicado (art. 1.543). (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 190
Neste sentido, Tomás Lima de Carvalho diz: “Importante observar também que, no Capítulo II do Título VIII,
que trata acerca da liquidação das obrigações resultantes de ato ilícito, previu o legislador de 1916 uma série de
modalidades de reparação decorrente de morte (art. 1.537), ferimento ou outra ofensa à saúde (art. 1.538 e 1.539)
69
Não é vero, igualmente, o argumento no sentido de inexistir amparo legal
para a reparação do dano moral. O art. 159 do Código Civil de 1916, ao
cogitar do dano como elemento da responsabilidade civil, não fazia qualquer
distinção sobre a espécie do dano causado. Falava-se, ali, em “violar direito
ou causar prejuízo”, de sorte que, ainda que se apegasse ao entendimento de
que o termo prejuízo era restrito ao dano material, a expressão violar direito
estendia a tutela legal aos bens personalíssimos, como a honra, a imagem, o
bom nome. Acresce que o art. 76 do mesmo Código e seu parágrafo
dispunham que para propor ou contestar uma ação era suficiente o interesse
moral, resultando daí a indenizabilidade de tal interesse. Mais adiante, o
Código de 1916 cuidava da indenização por injúria ou calúnia (art. 1.547),
bem como da mulher agravada em sua honra (art. 1548) etc. – hipóteses
nitidamente de dano moral.191
Além dos exemplos acima, a doutrina192
cita como hipóteses de reparação por dano
moral os artigos 1545193
, 1547194
, 1548195
, 1549196
, 1552197
e 1553198
do Código Civil de
1916.
Apesar de todos os argumentos favoráveis à existência do dano moral no diploma de
1916, a doutrina é a jurisprudência viam tal assunto com ressalvas, sendo que o próprio STF
afirmava que não havendo redução do patrimônio econômico, não há dano a ser indenizado,
como por exemplo, no caso de morte de filho menor que não contribuía em nada para o
usurpação ou esbulho (art. 1.541), havendo discussões, inclusive, acerca da natureza de algumas delas, como
sendo indenização por danos morais”. (CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral.
Disponível em http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014) 191
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2006, p. 81-82. 192
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014. 193
Art. 1.545 do Código Civil de 1916: Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são
obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais,
resultar morte, inabilitarão de servir, ou ferimento. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 194
Art. 1547 do Código Civil de 1916: “A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que
delas resulte ao ofendido.” (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 195
Art. 1.548 do Código Civil de 1916: A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este
não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da
ofendida: I. Se, virgem e menor, for deflorada. II. Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.
III. Se for seduzida com promessas de casamento. IV. Se for raptada. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 196
Art. 1.549 do Código Civil de 1916: Nos demais crimes de violência sexual, ou ultraje ao pudor, arbitrar-se-á
judicialmente a indenização. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 197
Art. 1.552 do Código Civil de 1916: No caso do artigo antecedente, nº III, só a autoridade, que ordenou a
prisão, é obrigada a ressarcir o dano. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 198
Art. 1.553 do Código Civil de 1916: Nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a
indenização. (BRASIL. Código Civil. 01 jun. 1916. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso
em 10 jul. 2014)
70
sustento da família199
.
Foi a Constituição Federal de 1988 que colocou ponto final na discussão, erigindo
como direito fundamental a compensação por dano moral. Neste sentido, estabelece a
CF/1988, no seu art. 5º, incisos V e X:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação.200
Tomás Lima de Carvalho estabelece “que foi com a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil, em 1988, dado o reflexo da elevação da pessoa humana ao
vértice do ordenamento jurídico nacional, que a reparação dos danos morais foi consagrada
como sendo direito fundamental, caindo por terra toda e qualquer discussão travada
anteriormente, acerca da inexecução de preceituação genérica, ou ainda, tarifação do dano”201
.
Em consonância com a norma constitucional, o Superior Tribunal de Justiça, editou
a súmula 37202
dizendo que são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral
oriundos do mesmo fato. Posteriormente criou também a súmula 227203
reconhecendo que a
compensação por dano moral é aplicável para as pessoas jurídicas.
Já no novo Código Civil (Lei 10.406/02) os fundamentos principais da
responsabilidade civil estão consolidados nos artigos 186, 187 e 927, estabelecendo o dever
de indenizar no caso de culpa, mesmo que o dano seja exclusivamente extrapatrimonial:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
199
O Supremo Tribunal Federal no RE n°. 12.039 – 2ª Turma, Rel. Min. Lafayette de Andrade, datado de
06/08/1948, decidiu que: “Nem sempre dano moral é ressarcível, não somente por se não poder dar-lhe valor
econômico, por se não poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa insuficiência dos nossos recursos
abre a porta a especulações desonestas pelo manto nobilíssimo de sentimentos afetivos; no entanto, no caso de
ferimentos que provoquem aleijões, no caso de valor afetivo coexistir com o moral, no caso de ofensa à honra, à
dignidade e à liberdade, se indeniza o valor moral pela forma estabelecida pelo Código Civil. No caso de morte
de filho menor não se indeniza o dano moral se ele não contribuía em nada para o sustento da casa.”
(CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014) 200
BRASIL. Constituição Federal. 05 out. 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 jul. 2014. 201
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014. 202
Súmula 37 do STJ: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. 203
Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
71
exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato
ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar
dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.204
Finalizada a discussão acerca do dano moral individual, com a ratificação do Estado
Democrático de Direito e a busca constante de efetividade dos direitos fundamentais daí
decorrentes, ressurge na doutrina e na jurisprudência divergência sobre a existência e a
possibilidade de reparação civil por violação dos direitos fundamentais coletivos.
Conforme amplamente demonstrado acima, os direitos coletivos firmaram-se no
contexto do Estado Democrático de Direito como direitos de natureza fundamental. Contudo,
em razão de serem direitos que passaram a ter importância científica a partir de poucas
décadas, não está muito claro na doutrina e jurisprudência a possibilidade de reparação por
danos de natureza extrapatrimonial, sendo que alguns autores defendem até a mesma ausência
de aplicação do instituto aos direitos coletivos.
A Constituição Federal de 1988 além de reconhecer expressamente a proteção aos
direitos fundamentais coletivos no seu no Título II, Capítulo I, ao lado de outros direitos
fundamentais de natureza individual, reconheceu também nos incisos V e X, do artigo 5º, a
reparação civil por danos extrapatrimoniais como direito fundamental.
Em termos infraconstitucionais, não obstante alguns autores205
defenderem a reparação
civil por danos morais coletivos lato sensu, desde a lei 4.717/1965 (Lei de Ação Popular)
interpretada conjuntamente com o Código Civil de 1916. Certo é que o reconhecimento
expresso da possibilidade ressarcimento por danos morais coletivos só ocorreu com o texto
constitucional, citado acima, bem como com a aprovação do Código de Defesa do
Consumidor, em 1990, e alteração da Lei de Ação Civil Pública, em 1994, pela Lei 8.884/94.
O Código Consumerista estabelece como direito básico do consumidor, em seu artigo
6º, inciso VI, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos”. No mesmo artigo, o inciso VII diz que: “o acesso aos órgãos judiciários e
administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos 204
BRASIL. Código Civil. 10 jan. 2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em
10 jul. 2014. 205
Neste sentido, Tiago Xisto Medeiro Neto diz: “Ao perfilhar-se o entendimento de que mesmo anteriormente à
Constituição Federal de 1988, poder-se-ia vislumbrar a possibilidade ampla reparação do dano moral – à vista
das disposições dos artigos 76, 159 e 1553 do Código Civil de 1916 – há de se conceber, em tese, que, diante da
ação popular (Lei 4.717/65) já se poderia contar com um instrumento legal, no ordenamento jurídico brasileiro,
para a tutela do dano moral coletivo (lato sensu)”. (MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo:
Fundamentos e Características. Brasília: Editora LTR, 2002, p. 89)
72
necessitados”.
Já a Lei de Ação Popular em sua redação originária, aprovada em 24 de julho de 1985,
previa reparação por danos causados a diversos direitos de natureza transindividual elencados
no seu artigo 1º. A expressão danos causados não era expressa no tocante à reparação por
danos morais coletivos. Com o advento a Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, alterou-se a
redação do dispositivo afirmando a responsabilidade por danos morais ou patrimoniais
decorrentes da violação dos direitos elencados no artigo 1º da Lei de Ação Civil Pública,
vejamos:
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular,
as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011). l - ao meio-ambiente;
ll - ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico; IV - a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo. (Incluído pela Lei nº 8.078 de 1990) V - por infração da ordem
econômica; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011). VI - à ordem
urbanística. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001); VII – à
honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.206
Nesta linha Leonardo Roscoe Bessa207
, afirma que além da condenação por danos
materiais causados ao meio ambiente, consumidor ou a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo, destacou-se, a nova redação do art.1º, a responsabilidade por dano moral em
decorrência da violação de tais direitos, tudo com o propósito de conferir-lhes proteção
diferenciada.
3.3 A Irreparabilidade do Dano Moral Coletivo
Apesar de parecer clara a noção de reparação civil extrapatrimonial por danos
decorrentes de direitos coletivos, alguns autores e o próprio Superior Tribunal de Justiça são
vacilantes acerca da matéria.
Os defensores da irreparabilidade moral dos direitos coletivos entendem que a vítima
do dano moral é, essencialmente, pessoa humana determinada. Restando, pois,
impossibilitada a configuração do respectivo dano às questões envolvendo
transindividualidade. Para eles é indispensável, para a caracterização do dano moral, a
violação aos direitos da personalidade (honra, imagem, nome etc.), inerentes à pessoa
206
BRASIL. Lei Federal 7.347. 24 jul. 1985. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347compilada.htm. Acesso em 10 jul. 2014. 207
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p237-
274 – jul/dez 2007, p. 247.
73
humana. Como a coletividade não tem tais atributos, não há que se falar em danos morais
coletivos.
Balizado na doutrina, Zavascki em seu voto, no julgamento do REsp 598.281⁄MG,
assevera que:
No que pertine ao tema central do estudo, o primeiro reparo que se impõe é
no sentido de que não existe ‘dano moral ao meio ambiente’. Muito menos
ofensa moral aos mares, rios, à Mata Atlântica ou mesmo agressão moral a
uma coletividade ou a um grupo de pessoas não identificadas. A ofensa
moral sempre se dirige à pessoa enquanto portadora de individualidade
própria; de um vultus singular e único. Os danos morais são ofensas aos
direitos da personalidade, assim como o direito à imagem constitui um
direito de personalidade, ou seja, àqueles direitos da pessoa sobre ela
mesma.208
De forma taxativa, Rui Stoco, também citado por Zavascki, diz que a reparação civil
por dano moral é figura presente apenas para as pessoas naturais que possuem sentimentos e
atributos da personalidade. Portanto, é incompatível a ideia de dano moral a noção de
transindividualidade, pois no plano fático e lógico-jurídico é impossível o dano moral a um
número individualizado de pessoas:
A Constituição Federal, ao consagrar o direito de reparação por dano moral,
não deixou margem à dúvida, mostrando-se escorreita sob o aspecto técnico-
jurídico, ao deixar evidente que esse dever de reparar surge quando
descumprido o preceito que assegura o direito de resposta nos casos de
calúnia, injúria ou difamação ou quando o sujeito viola a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, incisos V e X), todos estes
atributos da personalidade. Ressuma claro que o dano moral é
personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de
características e atributos próprios e invioláveis. Os danos morais dizem
respeito ao foro íntimo do lesado, pois os bens morais são inerentes à
pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Seu patrimônio ideal é
marcadamente individual, e seu campo de incidência, o mundo interior de
cada um de nós, de modo que desaparece com o próprio indivíduo.(...)
Dúvida, portanto, não pode ressumir de que a natureza e o meio ambiente
podem ser degradados e danificados. Esse dano é único e não se confunde
com seus efeitos, pois a meta optata é o resguardo e a preservação, ou seja, a
reparação com o retorno da natureza ao statu quo ante, e não a indenização
com uma certa quantia em dinheiro ou a compensação com determinado
valor. Convém lembrar que a Magna Carta busca objetivo maior ao
estabelecer que 'todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações' (art. 225). De modo que,
não sendo possível a recomposição imediata do dano causado ao meio
208
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/2006. Acesso em
02 jun. 2014.
74
ambiente, a condenação ao pagamento de multa e de um valor que seja
suficiente para aquela futura restauração não exsurge como objetivo
principal, mas apenas meio para alcançar a meta estabelecida pela
Constituição da República. (...) Do que se conclui mostrar-se impróprio,
tanto no plano fático como sob o aspecto lógico-jurídico, falar em dano
moral ao ambiente, sendo insustentável a tese de que a degradação do meio
ambiente por ação do homem conduza, através da mesma ação judicial, à
obrigação de reconstituí-lo, e, ainda, de recompor o dano moral
hipoteticamente suportado por um número indeterminado de pessoas.209
(destacamos)
De acordo com o julgado a noção de dor, sofrimento é incompatível com a ideia de
transindividualidade, na medida em que a indeterminabilidade dos indivíduos tornaria
impossível o ressarcimento. E foi exatamente essa noção que fechou a ementa do julgado:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO
MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À
NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER
INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE
TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO
PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO).
RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.210
Nesse julgamento, o dano ambiental, em sua generalidade, não admite responsabilizar
o ofensor a título de dano moral coletivo, pois, para que isso ocorra, é indispensável à
comprovação de que o dano alcançou a esfera subjetiva de terceiros, afetando uti singuli a
pessoa, de maneira a lhe causar aflição de caráter individual.
O julgamento ocorreu em decorrência de recurso especial interposto contra decisão do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais que dava provimento a recurso para decotar R$50.000,00
(cinquenta mil reais) de danos morais coletivos fixados em primeira instância, com o objetivo
de ressarcir prejuízos morais coletivos causados ao meio ambiente, por imobiliária de
Uberlândia.
A decisão do TJMG entendeu não ser ressarcível o dano moral coletivo, pois em sede
de reexame necessário, determinou a exclusão da indenização por danos morais fixados pela
sentença em R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada réu, à consideração de que dano
moral é todo sofrimento causado ao indivíduo em decorrência de qualquer agressão aos
atributos da personalidade ou a seus valores pessoais, portanto de caráter individual,
inexistindo qualquer previsão de que a coletividade possa ser sujeito passivo do dano moral.
209
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/2006. Acesso em
02 jun. 2014. 210
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/2006. Acesso em
02 jun. 2014.
75
Afirmou o TJMG que não se pode inverter a lógica da interpretação do artigo 1º,
incisos I ao V, da LACP, tentando dizer que todos os danos morais coletivos são indenizáveis.
Para o tribunal, na verdade, o objetivo da lei foi estabelecer a possibilidade indenização por
danos morais, desde que possível a sua individualização. Confira-se o trecho da citação
realizada por Zavascki:
O TJMG, em reexame necessário, determinou a exclusão da indenização por
danos morais fixada pela sentença em R$50.000,00 (cinqüenta mil reais)
para cada réu, à consideração de que "dano moral é todo sofrimento causado
ao indivíduo em decorrência de qualquer agressão aos atributos da
personalidade ou a seus valores pessoais, portanto de caráter individual,
inexistindo qualquer previsão de que a coletividade passa ser sujeito passivo
do dano moral. O art. 1º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) apenas
determina que nos casos de ocorrência de dano moral ou patrimonial
causados nas hipóteses relacionadas a ação reger-se-á pelos dispositivos da
LACP, não cabendo a interpretação inversa, com o fim de tornar o dano
moral indenizável em todas as hipóteses descritas nos incisos I a V do art. 1º
da referida lei. Por certo, quando o dano apurado em ação civil pública for
causado a um indivíduo, que comprove ter sido lesado em seus valores
pessoais, não há dúvida de que possível será a indenização por danos
morais" (fl. 462). Foram rejeitados os embargos de declaração opostos pelo
ora recorrente, em que afirmava a reparabilidade do dano moral coletivo
causado pela lesão ao meio ambiente (fls. 476-478).211
O resultado da análise dos fundamentos do REsp 598.281⁄MG demonstrou que, a não
aceitação da responsabilidade por dano moral coletivo se deu pela impossibilidade de
utilização do conceito habitual de dano moral, dotado, como se sabe, de caráter
essencialmente subjetivo e individual.
Em abril de 2008, a mesma 1ª turma do STJ, embora não tenha conhecido o recurso
firmou que seu entendimento é no sentido de ser incompatível a noção de dano moral com a
ideia de coletividade nos seguintes termos:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO
REALIZADA PELA MUNICIPALIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME.
APLICAÇÃO DA PENALIDADE CONSTANTE DO ART. 87 DA LEI
8.666/93. DANO MORAL COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO NÃO
DEBATIDO NA INSTÂNCIA "A QUO". 1. A simples indicação dos
dispositivos tidos por violados (art. 1º,IV, da Lei 7347/85 e arts. 186 e 927
do Código Civil de 1916), sem referência com o disposto no acórdão
confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos
verbetes das Súmula 282 e 356 do STF. 2. Ad argumentandum tantum, ainda
211
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/2006. Acesso em
02 jun. 2014.
76
que ultrapassado o óbice erigido pelas Súmulas 282 e 356 do STF, melhor
sorte não socorre ao recorrente, máxime porque a incompatibilidade entre o
dano moral, qualificado pela noção de dor e sofrimento psíquico, e a
transindividualidade, evidenciada pela indeterminabilidade do sujeito
passivo e indivisibilidade da ofensa objeto de reparação, conduz à não
indenizabilidade do dano moral coletivo, salvo comprovação de efetivo
prejuízo dano. 3. Sob esse enfoque decidiu a 1ª Turma desta Corte, no
julgamento de hipótese análoga, verbis: "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO.
NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR,
DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL.
INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE
TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO
PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO).
RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO." (REsp 598.281/MG, Rel. Ministro
LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006) 4. Nada
obstante, e apenas obiter dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o
autor não demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral
sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante
assentado pelo acórdão recorrido:"...Entretanto, como já dito, por não se
tratar de situação típica da existência de dano moral puro, não há como
simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a
Municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a
respeitabilidade e que a sociedade uruguaiense efetivamente tenha se sentido
lesada e abalada moralmente, em decorrência do ilícito praticado, razão pela
qual vai indeferido o pedido de indenização por dano moral". 5. Recurso
especial não conhecido.212
No final de 2008, REsp Nº 636.021/RJ, da 2ª turma STJ, embora não tenha decidido o
mérito da questão, por maioria deixou parecer que a noção de indenização por danos morais é
incompatível com a noção de coletividade, nos termos do voto-vista divergente do ministro
Humberto Gomes de Barros:
A impossibilidade lógica de conceber-se dano moral difuso já foi
proclamada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Isso
aconteceu no acórdão que deslindou o REsp 598.281. Data vênia da
eminente relatora, considero correto esse argumento. Para mim, a pretensão
do Ministério Público neste processo nada tem de indenização.
Substancialmente, ela mais se aproxima de uma multa sancionadora de
atentado à moralidade. Ora, no Estado de Direito não há sanção sem prévia
cominação legal ou contratual. Por essas razões, peço vênia à eminente
relatora para prover o recurso.213
212
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 821.891 / RS, Relator: Ministro Luiz Fux, 2008. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200600380062&dt_publicacao=12/05/2008. Acesso em
02 jun. 2014. 213
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp Nº 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 2008.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/2009. Acesso em
02 jun. 2014.
77
Já em 2010, a 1ª turma do STJ, ainda na mesma linha decidiu ser impossível o
ressarcimento por dano moral coletivo, utilizando os precedentes da mesma corte, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO DE
TELEFONIA. POSTOS DE ATENDIMENTO. REABERTURA. DANOS
MORAIS COLETIVOS. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTE. AGRAVO
IMPROVIDO. 1. A Egrégia Primeira Turma firmou tem entendimento de
que, em hipóteses como tais, ou seja, ação civil pública objetivando a
reabertura de postos de atendimento de serviço de telefonia, não há falar em
dano moral coletivo, uma vez que 'Não parece ser compatível com o dano
moral a ideia da 'transindividualidade' (= da indeterminabilidade do sujeito
passivo e da indivisibilidade da ofensa e da reparação) da lesão" (REsp nº
971.844/RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, in DJe 12.02.2010). 2.
No mesmo sentido: REsp nº 598.281/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori
Albino Zavascki, in DJ 1º.6.2006 e REsp nº 821.891/RS, Relator Ministro
Luiz Fux, in DJe 12.05.2008. 3. Agravo regimental improvido.214
Em 2012, a 1ª turma do STJ, em decisão monocrática proferida pelo ministro
Francisco Falcão afastou a condenação de 200 mil por danos morais coletivos, em decorrência
de degradação ambiental que teria causado danos à coletividade, argumentando que a noção
de dano moral não é compatível com a ideia de metaindividualidade.
De fato, a Primeira Seção desta Corte possui entendimento no sentido de que
a natureza do dano moral não se coaduna com a noção transindividualidade,
de modo que se tem rechaçado a condenação em danos morais quando não
individualizado o sujeito passivo, de modo a se poder mensurar o sofrimento
psíquico que possibilita a fixação de indenização.(...) Sendo assim, merece
acolhida a pretensão recursal, de ver afastada a condenação de R$
200.000,00 por danos morais coletivos. Isto posto, com fulcro no art. 557, §
1-A do Código de Processo Civil, DOU PROVIMENTO ao recurso
especial.215
Proposto recurso de Agravo Regimental contra a decisão monocrática do ministro
Falcão, o recurso foi desprovido, afirmando o relator ministro Ari Pargendlerque decisão
agravada julgou a causa de acordo com o entendimento da 1ª Turma do STJ no sentido de que
é inviável a condenação por danos morais coletivos no âmbito de ação civil pública216
.
214
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1.109.905/PR, Relator: Ministro Hamilton Carvalhido,
2010.. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802833921&dt_publicacao=03/08/2010. Acesso em
02 jun. 2014. 215
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.305.977 - MG, Relator: Ministro Francisco Falcão, 2012.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102973961&dt_publicacao=16/04/2013. Acesso em
03 jun. 2014. 216
“PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS MORAIS COLETIVOS. É inviável, em sede de
ação civil pública, a condenação por danos morais coletivos. Agravo regimental desprovido.” (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1.305.977 / MG - Agravo Regimental no Recurso Especial
78
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2014, da mesma forma que o STJ,
entendeu que noção de dano moral não é compatível com noção de transindividualidade da
seguinte forma:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DIREITO AMBIENTAL - REEXAME
NECESSÁRIO - REALIZAÇÃO DE OFÍCIO - APELAÇÃO - AÇÃO
CIVIL PÚBLICA - CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE - VIOLAÇÃO DE NORMA PROTETIVA DO MEIO
AMBIENTE - OBRIGAÇÃO DE REMOÇÃO DE TODAS AS
EDIFICAÇÕES E DE RECUPERAÇÃO DA ÁREA - INDENIZAÇÃO
POR DANO MORAL COLETIVO - NÃO CABIMENTO - SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO PREJUDICADO. - O
Código Florestal antigo (art. 4º. da lei 4.771/65) e o atual (art. 7º. da lei
12.651/12) vedam a supressão de vegetação em área de preservação
permanente, em razão das diversas funções ambientais desta área, sendo a
medida autorizada apenas nos casos ressalvados por lei, como em
determinadas hipóteses de utilidade pública ou de interesse social. A
proibição é expressa, e a infração, que justifica as ordens de imediata
remoção e de recomposição, se configura com a "simples" construção na
área de preservação permanente, sendo descabida a discussão sobre os
efeitos que tal edificação causará no local. - No caso, como a conduta do réu
- construir em área de preservação permanente - ofendeu uma norma de
proteção do meio ambiente, ou seja, um direito transindividual, qualificado
pela indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa
objeto de reparação, não há como falar em dano moral, pois este é
personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto possuidora de
atributos próprios e invioláveis.217
Desta feita, seguindo o raciocínio acima exposto, não há que se falar em ressarcimento
civil por danos morais sofridos pela coletividade na sua forma indivisível. É possível no
máximo, através de uma leitura mais aprofundada da jurisprudência, falar na possibilidade da
reparação civil por danos morais, desde seja possível individualizar a pessoa e a respectiva
violação aos direitos da personalidade de forma particularizada, como ocorre nos direitos
individuais homogêneos.
2011/0297396-1- MG, Relator: Ministro Ari Pargendler, 2013. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102973961&dt_publicacao=16/04/2013. Acesso em
03 jun. 2014). 217
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.º 5919735-85.2009.8.13.0702, Relator:
Desembargador Moreira Diniz, 2014. Disponível em
http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado.jsp?tipoPesquisa=1&comrCodigo=702&txtProcesso=591973
58520098130702&listaProcessos=59197358520098130702&nomePessoa=Nome+da+Pessoa&tipoPessoa=X&n
aturezaProcesso=0&situacaoParte=X&codigoOAB=&tipoOAB=N&ufOAB=MG&tipoConsulta=1&natureza=0
&ativoBaixado=X&numero=1&select=1. Acesso em 04 jun. 2014.
79
4 DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO E SUA FIXAÇÃO NO CONTEXTO
DO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO
Ressai do título acima que a partir de uma leitura individualista não há que se falar em
reparação civil por dano extrapatrimonial coletivo. Entretanto, de outro lado, a doutrina e a
jurisprudência moderna evoluem para valorizar os direitos coletivos como direitos
fundamentais e atribuir-lhes máxima efetividade ao possibilitar o ressarcimento por danos
morais de natureza coletiva.
Assim, no capítulo próximo será analisada a possibilidade de fixação de danos
extrapatrimoniais coletivos relacionados à violação de direitos ambientais e aos direitos do
consumidor, bem como quais critérios serão utilizados pelo magistrado, no seio do Processo
Coletivo para fixação de tal indenização.
4.1 A Afirmação da Reparação do Dano Extrapatrimonial no Contexto dos Direitos
Fundamentais Coletivos
O tema ligado aos direitos coletivos e sua respectiva tutela é um tema que não é novo
no direito, não obstante somente nas últimas décadas tenha recebido maior ênfase. As
disciplinas Direito e Processo Coletivo ganharam tanta relevância no contexto do Estado
Democrático de Direito, que alguns autores até trabalham as disciplinas com um viés de
disciplinas jurídicas autônomas,218
conforme já mencionado nos capítulos anteriores.
A abordagem metodológica aplicada às disciplinas nem sempre recebeu incursão
constitucional e fundamental como a desenvolvida nas últimas décadas. Ademais, nunca
houve uma preocupação doutrinária em delimitar a características e formas de reparação do
dano extrapatrimonial decorrente da violação dos direitos fundamentais coletivos, no seio do
Direito Processual Coletivo.
Como já abordado, a compensação civil por danos extrapatrimoniais individuais
sofreu uma evolução histórica, em que num primeiro momento não se aceitava de forma
pacífica sua reparação. Posteriormente, no contexto da Constituição Federal de 1988
finalizou-se toda a divergência em relação ao dano individual, considerando que a
Constituição estabeleceu a reparação civil por dano moral, como direito fundamental,
218
Neste sentido são as obras de Gregório Assagra de Almeida: Direito Material Coletivo: Superação da Summa
Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte:
Editora Del Rey, 2008 e Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São
Paulo: Editora Saraiva, 2003.
80
estampado no artigo 5º, incisos V e X.
Já no contexto de plenificação dos Direitos Fundamentais Coletivos surge o instituto
da compensação por danos extrapatrimoniais219
coletivos que precisa ser melhor estudado
com o objetivo de concretizar a promessa constitucional de proteção aos direitos
transindividuais.
A interpretação da 1ª turma do STJ sobre o dano moral coletivo representa visão
individualista que se baseia nos ideais liberais burgueses, materializados na 1ª dimensão de
direitos fundamentais. Isso porque naquela época o objeto de preocupação do Estado Liberal
era a proteção das liberdades e a garantia da igualdade formal entre os indivíduos. Neste
contexto histórico, a reparação civil decorria da quebra de uma relação pessoal entre a vítima
e o ofensor, e, além disso, a reparação era vista como instituto de direito privado que
objetivava estabelecer o status quo ante, entre partes formalmente iguais. Em crítica ao
sistema liberal-individualista afirma Anderson Schreiber que:
No modelo liberal-individualista da responsabilidade civil, a reparação do
dano era fruto de uma relação pessoal estabelecida entre a vítima e o
ofensor. A dualidade deste vínculo vinha quebrada tão somente nas raras
hipóteses de responsabilidade solidária previstas nas codificações da Idade
Moderna.220
A noção de reparação civil por danos morais decorreria da violação dos valores
subjetivos, íntimos e morais da pessoa humana, que recordando as palavras de Cahali221
,
“seria aquele dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano
que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.); dano moral que
prova direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.) e dano moral puro
(dor, tristeza etc.)”.
Nesta perspectiva, identificar-se-ia, “o dano moral com a dor, em seu sentido mais
amplo, englobando não apenas a dor física, mas também os sentimentos negativos, como a
219
Embora a doutrina fale em danos extrapatrimoniais coletivos, é importante refletir se a terminologia mais
correta não seria danos “ultrapatrimoniais” coletivos, tendo em vista que a palavra “extra” significa algo que está
fora do patrimônio e estando fora não seria possível falar em reparação/compensação. Enquanto “ultra”
designaria a ideia de algo que está além, mas não necessariamente fora do patrimônio. Neste sentido, Aurélio
Buarque que “extra” é: “Extra-, [Do lat. Extra.] Pref. = ‘posição exterior’, ‘fora de’: extramural, extra-uterino.”
(FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo,
2004, p. 860). De outro lado, a palavra “ultra” significa: “Ultra-, [Do lat. Ultra.] Pref. = ‘além de’; ‘em excesso,
extremamente’: ultra-humano, ultramar, ultra-revolucionário, ultra-sensível.” (FERREIRA, Aurélio Buarque de
Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004, p. 2014). 220
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à
diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 226. 221
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 22.
81
tristeza, a angústia, a amargura, a vergonha, a humilhação”222
. No mesmo sentido é a
definição de Jorge Bustamante Alsina que define o dano moral através de alterações de
natureza subjetiva:
Pode-se definir o dano moral como a lesão aos sentimentos que determina
dor ou sofrimentos físicos, inquietação espiritual, ou agravo às afeições
legítimas e, em geral, a toda classe de padecimentos insuscetíveis de
apreciação pecuniária.223
Contudo, na conjuntura do Estado Democrático Direito, é preciso atualizar o conceito
de dano moral no contexto dos direitos fundamentais coletivos. Isso porque aquela visão
subjetivista de que o dano moral decorre da violação de valores individuais que geram
sofrimento, dor e outros caracteres de foro íntimo deve ser modernizada no sentido de se
atribuir um viés objetivo a tutela moral dos valores coletivos, conforme registra Leonardo
Roscoe Bessa:
A indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da
absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, a qual traz
consigo – indevidamente –discussões relativas à própria concepção do dano
moral no seu aspecto individual. Outro motivo ensejador de equívocos é a
inexistência, no campo material, de uma teoria própria e sedimentada dos
direitos metaindividuais, o que obriga o intérprete e aplicador da lei a
recorrer a institutos e conceitos impróprios, para tentar solucionar complexos
problemas inerentes à sociedade massificada, que exige uma outra
racionalidade.224
A consequência lógica da materialização e consolidação dos direitos fundamentais
coletivos na sociedade complexa e multifacetada225
é a sua tutela integral, inclusive com a
reparação dos danos extrapatrimoniais coletivos lato sensu,226
resultantes da violação de tais
direitos metaindividuais.
222
ANDRADE, André Gustavo C. de. A Evolução do Conceito de Dano Moral. Disponível em
http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em 10 jun. 2014. 223
ALSINA, Jorge Bustamante, apud, ANDRADE, André Gustavo C. de. A Evolução do Conceito de Dano
Moral. Disponível em http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em 10 jun. 2014. 224
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p. 237-
274 – jul/dez 2007, p. 238. 225
Neste sentido, Tiago Xisto diz que: “A vida em uma sociedade complexa, abrangente e multifacetada, como a
atual, torna imprescindível o desenvolvimento de um regime de responsabilidade civil que tenha aptidão para
prevenir e reparar, amplamente, as variadas modalidades de danos decorrentes de condutas antijurídicas, que
atingem os campos de interesse patrimonial e moral dos indivíduos e dos grupos. Observa-se, nesse passo, que o
reconhecimento de novas esferas de projeção à dignidade humana, principalmente à luz da sua consideração
social, ampliou sensivelmente as áreas de interesses protegidos pela ordem jurídica, daí emergindo novas
categorias de direitos fundamentais, passíveis de tutela, caracterizados pela sua natureza coletiva.” (MEDEIRO
NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e Características. Brasília: Editora LTR, 2002, p.77) 226
Tiago Xisto, baseado na doutrina de José Antônio Remédio, José Fernando Seifarth de Freitas e José Júlio
Lozano Júnior diz que “tanto o dano moral coletivo indivisível (gerado por ofensa aos interesses difusos e
82
Gabriel Stiglitz, citado por Luís Gustavo Grandinetti, afirma que os “novos” direitos
coletivos criaram uma nova dimensão social de sentimentos, onde há uma preocupação em
tutelar a si e ao mesmo tempo os interesses do demais, numa perspectiva transindividual.
Gabriel Stiglitz percebeu a transformação do dano individual ao dano
coletivo, afirmando que o fundamento deste último está na ideia da moral
dos grupos humanos e na assunção de “una nueva dimensión social de los
sentimientos y afecciones de los hombres en un mundo de convivencia, de
necesidades y espectativas compartidas en comunidad”, Justifica esse
contexto também com a noção do interesse coletivo em que “cada membro
del grupo, de la categoría o clase, cuenta para sí con un derecho o interés
tutelable...Cada uno de los miembros de una categoría, clase, grupo o
medio, según fuere la naturaleza del bien al tutelar, se protege a sí mismo y
al mismo tempo em su área de significación protege a todos los demás.227
Com intenção de conceder uma ampla proteção aos direitos metaindividuais, a
doutrina moderna busca uma função preventiva em relação aos danos decorrentes de tais
direitos, afirmando ainda, a possibilidade de reparação civil por danos extrapatrimoniais
coletivos, conforme ensinado pelo jurista argentino Gabriel Stiglitz:
a) la nueva vigencia de los factores objetivos de atribuición de
responsabilidad (teoria del riesgo, deber de garantia etc.); b) la función
preventiva del Derecho de Daños; c) la total resarcibilidad del daño moral;
d) la extensión del derecho a reparación, en favor de los llamados intereses
simples, incluidos los supraindividuais.228
No cenário nacional, inúmeros outros autores, com bons argumentos, defendem o
desenvolvimento do conceito de dano moral coletivo e a sua consequente reparabilidade, pois
diante da evolução da sociedade e o surgimento de novos direitos fundamentais, obviamente
que a reparação deve se estender a tais direitos coletivos.
Conforme já mencionamos anteriormente, em termos legais a previsão da reparação
civil por danos extrapatrimoniais coletivos foi prevista expressamente no CDC e na LACP,
com alterações da Lei 8.884/1994. Sendo que na concepção de Hugo Nigro Mazzilli tais
normas surgiram com o propósito de acabar com a discussão doutrinária e jurisprudencial
sobre a reparabilidade ou não dos danos morais metaindividuais:
coletivos de uma comunidade) como o divisível (gerado por ofensas aos interesses individuais homogêneos)
ensejam a reparação”. (MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e Características.
Brasília: Editora LTR, 2002, p. 87-88) 227
STIGLITZ, Gabriel Alejandro, apud, CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade
por Dano Não-Patrimonial a Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3,
n. 9, 2000, p.31. 228
STIGLITZ, Gabriel Alejandro, apud, MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e
Características. Brasília: Editora LTR, 2002, p. 81.
83
Diante, porém, das inevitáveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais
sobre se a ação civil pública também alcançaria os danos morais, o legislador
resolveu posicionar-se expressamente. Primeiro, a Lei n.º8.078/90 (CDC)
reconheceu, como direito básico do consumidor, a prevenção, a proteção e a
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. A
seguir, a Lei 8.429/92 (LIA) não sancionou apenas os atos de
enriquecimento ilícito dos agentes públicos ou os atos que causem prejuízo
ao erário; sancionou também danos morais à coletividade, como aqueles que
atentem contra os princípios da Administração Pública, ou seja, qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade ou lealdade às instituições. Por sua vez, a Lei 8.884/94 conferiu à
coletividade a titularidade dos direitos de liberdade de iniciativa, à livre
concorrência, à função social da propriedade, à defesa dos consumidores e a
repressão ao abuso de poder econômico (art.1º). De maneira coerente,
portanto, essa lei introduziu uma alteração na LACP, segundo a qual a ação
civil pública passou a objetivar, de maneira expressa, a responsabilidade por
danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores
transindividuais de que cuida essa mesma lei.229
Carlos Alberto Bittar Filho, em plena consonância com tal tendência, definiu o dano
moral coletivo como “a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a
violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”,230
afirmando ainda que:
Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de
que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor),
idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente
injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância,
que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na
seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova
da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação
(damnum in re ipsa).231
André de Carvalho Ramos também reconhece a reparabilidade do dano moral coletivo,
desde que haja uma ampliação e uma objetivação do conceito de dano moral:
Destarte, com a aceitação da reparabilidade do dano moral em face de entes
diversos das pessoas físicas, verifica-se a possibilidade de sua extensão ao
campo dos chamados interesses difusos e coletivos. As lesões aos interesses
difusos e coletivos não somente geram danos materiais, mas também podem
gerar danos morais. O ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral
coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano moral um
equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas.232
229
MAZZILLI. Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 150/151. 230
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico Brasileiro. Disponível
em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014. 231
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico Brasileiro. Disponível
em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014. 232
RAMOS, André de Carvalho. A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Disponível em
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/6772-6771-1-PB.htm. Acesso em 29/06/2014.
84
Sobre a reparabilidade do dano moral coletivo, em sede doutrinária, cabe ainda
traduzir a noção de Luís Gustavo Grandinetti, que defende o abandono da noção
individualista de moralidade para pregar uma nova moral socializada, nos seguintes termos:
Surge o recém denominado dano moral coletivo. O dano moral, portanto,
deixa a concepção individualista caracterizadora da responsabilidade civil
para assumir uma outra mais socializada, preocupada com valores de uma
determinada comunidade e não apenas com o valor da pessoa
individualizada.233
Desta forma, a reparação civil por danos morais coletivos é instituto que objetiva
reparar a violação aos direitos fundamentais coletivos quando houver violação aos valores
morais objetivos de uma determinada coletividade.
Não obstante aos bons argumentos da doutrina, a jurisprudência oscila sobre a matéria.
O STJ no julgamento do REsp 598.281⁄MG, em 2006, conforme já demonstrando, por
maioria de votos entendeu não ser possível a reparação decorrente de danos morais coletivos.
Contudo, na época do julgamento os ministros Luiz Fux e José Delgado votaram no sentido
de reconhecer a reparação por danos morais coletivos nos limites da ementa vencida, redigida
por Fux da seguinte maneira:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO
MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI 7347/85. 1. O art. 1º da Lei
7347/85 dispõe: "Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados: I - ao meio ambiente; II - ao consumidor; III - a
bens e direitos de valor artístico. estético. histórico. turístico e paisagístico;
IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por infração da ordem
econômica." 2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável
para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia
constitucional. 3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que
concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do
indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à
coletividade. 4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral
a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da
Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC. 5. Com efeito, o meio
ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto
inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela
diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico,
pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou
lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio
ambiental, constitucionalmente protegido. 6. Deveras, os fenômenos,
analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais
elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental. 7. O
233
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 31.
85
dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física
no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo -
v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da
comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas
árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano.
8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está
umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés,
relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no
sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão
ambiental. 9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a
todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-
o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de
proteção ao meio ambiente, podem co-existir [siq] o dano patrimonial e o
dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em
favor de um ambiente sadio e equilibrado. 10. Sob o enfoque
infraconstitucional a Lei n. 8.884/94 introduziu alteração na LACP, segundo
a qual passou restou expresso que a ação civil pública objetiva a
responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos
valores transindividuais de que cuida a lei. 11. Outrossim, a partir da
Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral,
gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial
causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do
outro. 12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao
pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude perpetrada contra o meio
ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381/382).234
Ressai do julgado acima que a responsabilidade por dano moral coletivo advém do
mandamento constitucional contido no artigo 5º, inciso V e X, bem como das LACP e do
CDC, nos termos já citados. Além dos elementos formais, a possibilidade de reparação no
caso em tela, decorreria da historicidade do direito coletivo ao meio ambiente, pois com a
evolução e a massificação da sociedade, o meio ambiente sadio é um direito de valor
incalculável e de natureza fundamental.
No final de 2008, na 2ª turma do STJ, o voto vencido, proferido pela ministra Nancy
Andrighi, deixou claro que é possível a reparação civil por danos morais coletivos. A ação
dizia respeito a cenas de sexo e violência exibidas na novela “A Próxima Vítima”, reprisada
no horário vespertino, na TV Globo Ltda. No voto, a ministra, deixou claro que noção de
dano moral coletivo não se confunde com a de vários danos morais individuais, como
argumentava a defesa com o objetivo de decotar o dano moral de R$5.000.000,00 (cinco
milhões) em favor da coletividade. Isso ocorre porque, segundo a ministra, a coletividade teria
uma moral coletiva que deve ser tutelada:
234
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/2006. Acesso em
02 jun. 2014.
86
O dano difuso é sofrido pela coletividade sem ser suportado por seus
membros senão nessa condição de integrantes do grupo social. Porque a
multiplicidade de danos morais individuais não se confunde com o dano
moral coletivo, deve-se concluir que o problema trazido pela recorrente é
falso. A constatação de inúmeros danos morais individuais significa apenas
que muitos bens pessoais foram violados. Ora, se o ato praticado pela
recorrente trouxe transtornos para a integridade físico-psíquica de um ou
mais indivíduos, cada um destes teria direito a reparação de tais danos.
Assim, é irrelevante avaliar se a programação em questão não passou de
mera situação corriqueira para alguns, pois isso, no máximo, diminuiria o
número de indenização individuais devidas. O que importa é o pedido
formulado pelo Ministério Público. Este se fundamenta na existência de uma
integridade moral coletiva que merece ser tutelada. Por isso, o problema
refoge à experiência individual. O litígio não se resume à uma pesquisa de
opinião e tampouco a uma questão estatística. Com efeito, mesmo que um
grande número de famílias houvesse consentido na exposição de seus filhos
à programação imprópria, ainda assim poderia ser digno de tutela um bem
difuso, extra-patrimonial, e, por isso, de natureza indisponível.235
A mesma 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em 2009, no julgamento do REsp
1.057.274/RS, embora não tenha fixado danos morais de natureza coletiva, reconheceu
expressamente a possibilidade de fazê-lo, vejamos a ementa:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO
MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E
DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL
INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE
DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE
TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO – LEI 10741/2003
VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim
entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de
pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à
moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades
percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2.
O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de
sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do
indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o
dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de
cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento
foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º
exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da
empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5.
Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias
fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso,
mantém-se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido.236
235
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp Nº 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 2008.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/2009. Acesso em
02 jun. 2014. 236
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.057.274/RS, Relatora: Ministra Eliana Calmon, 2009.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801044981&dt_publicacao=26/02/2010. Acesso em
05 jun. 2014.
87
O recurso discutia danos morais coletivos aos idosos em razão da exigência de prévio
cadastro para que os idosos usufruíssem do transporte coletivo urbano. Diante da
impossibilidade de analisar circunstâncias fáticas e da ausência de prequestionamento a
Ministra não fixou danos morais coletivos, mas afirmou taxativamente a possibilidade de
reparação.
Segundo a ministra Eliana Calmon o não reconhecimento da reparação por danos
morais coletivos geraria a alta conflituosidade social e a decadência do direito, por não tutelar
direitos tão relevantes e fundamentais à sociedade.
E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma
massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem
reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso
do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A
reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação
do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de
dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já
consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela
pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ).237
O entendimento da ministra está em plena consonância com a moderna doutrina, no
sentido de atribuir sentido mais objetivo e particularizado ao conceito de dano moral diante da
violação de direitos coletivos. Para ela, isso não significa que da violação dos direitos
coletivos não possa resultar dor, aflição, repulsa, mas, sim, que tais sentimentos não são
indispensáveis para a configuração do dano moral coletivo.
O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou
coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama
soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de
índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua
história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade
sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas
decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou
coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo.238
No ano de 2011, a 2ª turma, mais uma vez, deixa claro que é possível a reparação cível
por danos morais coletivos nos seguintes termos:
237
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.057.274/RS, Relatora: Ministra Eliana Calmon, 2009.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801044981&dt_publicacao=26/02/2010. Acesso em
05 jun. 2014. 238
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.057.274/RS, Relatora: Ministra Eliana Calmon, 2009.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801044981&dt_publicacao=26/02/2010. Acesso em
05 jun. 2014.
88
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. INTERRUPÇÃO DE
FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC
NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVO.
DEVER DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos Especiais que debatem, no
essencial, a legitimação para agir do Ministério Público na hipótese de
interesse individual homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e
morais coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no fornecimento de
energia no Município de Senador Firmino, culminando com a falta de
eletricidade nos dias 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2002. Esse evento
causou, entre outros prejuízos materiais e morais, perecimento de gêneros
alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências; danificação
de equipamentos elétricos; suspensão do atendimento no hospital municipal;
cancelamento de festa junina; risco de fuga dos presos da cadeia local; e
sentimento de impotência diante de fornecedor que presta com exclusividade
serviço considerado essencial. 2. A solução integral da controvérsia, com
fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O
Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes
do STJ. 4. A apuração da responsabilidade da empresa foi definida com base
na prova dos autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano
moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe específica ou não
de pessoas, uma afronta ao sentimento geral dos titulares da relação
jurídica-base. 6. O acórdão estabeleceu, à luz da prova dos autos, que a
interrupção no fornecimento de energia elétrica, em virtude da precária
qualidade da prestação do serviço, tem o condão de afetar o patrimônio
moral da comunidade. Fixado o cabimento do dano moral coletivo, a revisão
da prova da sua efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na
Súmula 7/STJ. 7. O cotejo do conteúdo do acórdão com as disposições do
CDC remete à sistemática padrão de condenação genérica e liquidação dos
danos de todos os munícipes que se habilitarem para tanto, sem limitação
àqueles que apresentaram elementos de prova nesta demanda (Boletim de
Ocorrência). Não há, pois, omissão a sanar. 8. Recursos Especiais não
providos.239
(destacamos)
No caso em comento, o recurso não foi acolhido por ter que discutir matéria fático-
probatória. Contudo, no relatório do ministro Herman Benjamin, ficou consignado que os
danos morais coletivos existem e decorrem da violação de direitos coletivos de classe
específica ou não de pessoas, desde que haja ofensa aos sentimentos dos titulares da relação
jurídica base.
Em síntese, o dano moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe
específica ou não de pessoas, sendo passível de comprovação pela presença
de ofensa ao sentimento geral dos titulares da relação jurídica-base. Fixado o
239
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.197.654 / MG, Relator: Ministro Herman Benjamin, 2011.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001051042&dt_publicacao=08/03/2012. Acesso em
08 jun. 2014.
89
cabimento do dano moral coletivo, a revisão da prova da sua efetivação no
caso concreto e da quantificação esbarra na Súmula 7/STJ.240
Em fevereiro de 2012, a 3ª turma do STJ negou provimento ao recurso especial
proposto pelo Banco Itaú para manter a condenação de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) por
danos morais coletivos em razão da violação ao direito de acessibilidade, pois no Banco
existia um lanço de escada com 23 degraus que dificultava a acessibilidade de idosos,
gestantes, deficientes, entre outros.
RECURSO ESPECIAL - DANO MORAL COLETIVO - CABIMENTO - ARTIGO
6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - REQUISITOS –
RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL - OCORRÊNCIA, NA
ESPÉCIE - CONSUMIDORES COM DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO -
EXIGÊNCIA DE SUBIR LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO -
MEDIDA DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE - INDENIZAÇÃO –
FIXAÇÃO PROPORCIONAL – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL -
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - A
dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao
possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos
consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente. II - Todavia,
não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar
dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável
significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o
suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e
alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na
espécie. III - Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades
de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa
transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos 23
degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e condições de
propiciar melhor forma de atendimento a tais consumidores. IV -
Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e razoável ao
dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). V - Impõe-se
reconhecer que não se admite recurso especial pela alínea "c" quando
ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem
os casos confrontados. VI - Recurso especial improvido.241
(destacamos)
Para o ministro relator, Massami Uyeda, a possibilidade de fixação de dano moral
coletivo é inconteste, diante da redação do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.
Entretanto, não é qualquer violação aos direitos coletivos que geram dever de indenizar por
prejuízos morais, pois é necessário que a violação supere os limites de tolerabilidade e que
seja grave suficientemente para ocasionar sofrimentos e intranquilidade social:
240
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.197.654 / MG, Relator: Ministro Herman Benjamin, 2011.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001051042&dt_publicacao=08/03/2012. Acesso em
08 jun. 2014. 241
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.221.756 / RJ, Relator: Ministro Massami Uyeda, 2012.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001970766&dt_publicacao=10/02/2012. Acesso em
08 jun. 2014.
90
Inicialmente, registra-se que a dicção do artigo 6º, inciso VI, do Código de
Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização
por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto
coletivamente. (...) Todavia, é importante deixar assente que não é qualquer
atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral
difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato
ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa
medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e
desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para
produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações
relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.242
Em agosto de 2012, a mesma 3ª turma do Egrégio STJ, no REsp 1.291.213/SC,
também manteve-se a condenação por danos morais coletivos no valor de R$200.000,00
(duzentos mil reais) em decorrência da violação aos direitos de informação dos consumidores,
realizada pela operadora de telefonia Brasil Telecom.
O ministro responsável pela lavratura do acórdão, Sidnei Beneti, da mesma forma que
no julgado anterior, entendeu que a previsão por danos morais coletivos está no artigo 6º do
Código de Defesa do Consumidor e decorre da ofensa à dignidade dos consumidores, diante
da inexistência de informação acerca do plano que não permitia realizar ligações interurbanas
e nem receber ligações a cobrar. Na concepção do ministro tal violação ao direito de
informação dos consumidores ultrapassou os limites da tolerabilidade social, gerando graves
sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
A ementa tem os seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE TELEFONIA
– PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES
RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL COLETIVO -
RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE -
OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES
CONFIGURADA - DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO
TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE
REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS -
DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL -
CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE
CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL
ADEQUADO. 1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto
de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo
6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. 2.-Já realmente firmado
que, não é qualquer tentado aos interesses dos consumidores que pode
acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de
razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser
242
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.221.756 / RJ, Relator: Ministro Massami Uyeda, 2012.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001970766&dt_publicacao=10/02/2012. Acesso em
08 jun. 2014.
91
grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade
social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.
Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI
UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).
3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos
que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de
modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora
Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os
consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de
origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na
medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela
sociedade. 4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos
interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano
com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por
danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por
danos morais coletivos e difusos. 5.- Determinação de cumprimento da
sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-
MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos
materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente
cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos
morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o
valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao
da duração da cobrança indevida em cada caso; c) por dano moral difuso
mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado
de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e
valores e à operacionalização dos descontos de ambas as naturezas; e)
informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e
morais, nas contas telefônicas. 6.- Recurso Especial improvido, com
determinação (n. 5 supra).243
(destacamos)
Já em 2013, no mês de agosto, a 2ª turma do STJ, novamente teve oportunidade de
apreciar outro recurso especial em que se discutia a possibilidade de fixar dano moral coletivo
ambiental em decorrência de armazenamento inadequado de produtos que geram alto risco de
contaminação à sociedade:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO
AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU
DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO
PRO NATURA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação
jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e
resolução das questões abordadas no recurso. 2. A Segunda Turma
recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa,
a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. 3.
Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a
dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo
tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo
243
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.291.213/SC, Relator: Ministro Sidnei Beneti, 2012.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102695090&dt_publicacao=25/09/2012. Acesso em
09 jun. 2014.
92
é afetada, os danos são passíveis de indenização. 4. As normas ambientais
devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a
interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in
dubio pro natura. Recurso especial improvido.244
(destacamos)
O ministro relator do acórdão, Humberto Martins, manteve a condenação de
R$500.000,00 (quinhentos mil reais) proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
utilizando os mesmos fundamentos dos julgados anteriores favoráveis. Ressai do julgado do
Tribunal Carioca que o dano moral coletivo decorreria do incômodo pelo inadequado
armazenamento de produtos perigosos à coletividade. Neste sentido, vale a pena registrar a
ementa que fala em dano moral coletivo por incomodamento:
Apelações tempestivas, preparadas (as da parte ré) e dentroda regularidade
formal. Industrialização e depósito de produto a partir do amianto
(fibrocimento). Meio ambiente. Lei n 7.347/85. Ação Civil Púbica precedida
do competente Inquérito civil Público. Antecipação da tutela cumprida.
Armazenamento Inadequado de produtos de fibrocimento (amianto). Graves
riscos de contaminação. Perigo à saúde pública. Condenação solidária. Ub
emolumentum, ibi et onus esse debet. Possibilidade de reparação por dano
moral detrimentoso do sentimento difuso ou coletivo. Caracterização do o
chamado dano por incomodamento. Patrimônio imaterial da sociedade. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO O MINISTÉRIO PÚBLICO E
IMPROVIMENTO AS APELAÇÕES DA PARTE RÉ, PELOS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. REFORMA PARCIAL DO JULGADO DE
PRIMEIRO GRAU."245
(destacamos)
Ainda em 2013, no mês de setembro, a mesma 2ª turma do STJ, agora com relatoria da
ministra Eliana Calmon, decidiu novamente, sobre a possibilidade de reparação civil por
danos morais coletivos.
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE.
COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO
CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM
INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE.
DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art.
535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as
questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Segundo a jurisprudência do
STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a
cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e
indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a
244
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.367.923 / RJ, Relator: Ministro Humberto Martins, 2013.
Disponível em
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1367923+&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l
=10&i=2. Acesso em 09 jun. 2014. 245
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.367.923 / RJ, Relator: Ministro Humberto Martins, 2013.
Disponível em
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1367923+&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l
=10&i=2. Acesso em 09 jun. 2014.
93
concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado.
Microssistema de tutela coletiva. 3. O dano ao meio ambiente, por ser bem
público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua
reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. 4. O dano moral coletivo ambiental
atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária
a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação,
tal qual fosse um indivíduo isolado. 5. Recurso especial provido, para
reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária
com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais
coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que
verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum
debeatur.246
(destacamos)
Além dos argumentos favoráveis a fixação de dano moral coletivo, levantados pela
doutrina e jurisprudência, cumpre salientar que a reparação civil por danos morais coletivos é
o entendimento que mais se coaduna com a concepção solidária, fraterna e democrática do
atual Estado Democrático de Direito.
Ficou demonstrado nos tópicos acima que os direitos fundamentais evoluíram de uma
concepção individualista até uma coletiva, sendo que tanto os direitos individuais, quanto os
direitos coletivos são direitos de natureza fundamental. Os direitos fundamentais coletivos, da
mesma forma que os de natureza individual, também podem sofrer violações, materializados
no dizer de Bittar Filho “na injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”247
.
Ocorrendo violação aos direitos fundamentais coletivos obviamente que a reparação
civil por danos extrapatrimoniais à coletividade surge como um instituto que visa tentar
reestabelecer o direito fundamental ao seu status que ante e prevenir para evitar a ocorrência
de novas violações. Em se tratando de instituto que não existe sem a existência dos direitos
fundamentais coletivos, pode-se dizer que é um acessório que tem a mesma natureza jurídica
do principal. Desta forma, a reparação por danos morais coletivos deve ser tratada como um
direito fundamental de natureza coletiva.
Como se não bastasse, do ponto de vista formal, é perfeitamente possível conceber a
reparação civil por danos morais coletivos como direito fundamental, tendo em vista que a
reparação por danos morais está localizada no rol dos direitos fundamentais, individuais e
coletivos, previstos no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal.
246
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.269.494 / MG, Relatora: Ministra Eliana Calmon, 2013.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201101240119&dt_publicacao=01/10/2013. Acesso em
09 jun. 2014. 247
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico Brasileiro. Disponível
em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014.
94
Não há nenhuma proibição em se interpretar extensivamente as normas dos incisos V
e X da CF, pois elas localizadas no título II, capítulo I, onde se reconhece expressamente os
direitos fundamentais, inclusive os coletivos. Ademais, o artigo 5º, § 2º, da CF, permite outras
normas de natureza fundamental, independentemente de constarem no texto constitucional.
Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves, afirma que as hipóteses de reparação civil
por dano extrapatrimonial são um rol exemplificativo que admitem interpretação extensiva
para englobar a tutela de outros direitos como os direitos coletivos:
Destarte, o argumento baseado na ausência de um princípio geral
desaparece. E, assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente
em nosso direito. É de se acrescer que a enumeração é meramente
exemplificativa, sendo lícito à jurisprudência e à lei ordinária editar outros
casos. Com efeito, aludindo a determinados direitos, a Constituição
estabeleceu o mínimo. Não se trata, obviamente de ‘numerus clausus’, ou
enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não
são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem
ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem,
contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber
extensão por via de interpretação, que neste teor recebe, na técnica do
Direito Norte-Americano, a designação de ‘construction’. Com as duas
disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do
dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso
direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma
constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a
reparação por dano moral em o nosso direito. Obrigatório para o legislador e
para o juiz.248
(destacamos)
Ainda na mesma linha, tratando de reparação por danos imateriais Daniela Lutzky, em
tese de doutorado, defende a reparação civil por danos imateriais como um direito
fundamental nesses termos:
O certo é que, para a inclusão da reparação de danos imateriais como um
direito fundamental, é necessário defender a existência de direitos
materialmente fundamentais, pois ainda não estão expressos na Carta Maior;
todavia, não se pode descartar a possibilidade da inserção de uma cláusula
geral no art.5º da CF/88, incluindo o direito à reparação de danos como
sendo um dos direitos formalmente fundamentais, porque conteúdo e
importância para tanto não faltam ao tema em questão. Também se ressalta
que um direito fundamental pode advir tanto de textos legais nacionais –
aqui, especificamente, tem-se, por exemplo, o Código Civil de 2002, mais
precisamente o artigo 186, combinado com o artigo 927 – bem como pode
decorrer de textos internacionais, aprofundamento que não cabe no
momento. Desta forma consegue-se identificar, claramente, quais são os
direitos que podem ser considerados fundamentais, seja pelo seu conteúdo,
seja pela sua fonte.249
248
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 578. 249
LUTZKY, Daniela Courtes. A Reparação de Danos Imateriais como Direito Fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012, p. 64.
95
A fundamentalidade da reparação civil por danos morais coletivos está em plena
consonância com a ideia de summa divisio constitucionalizada, pois não se apega a superada
noção de que os danos decorrem da violação de valores privados e subjetivos ligados à
determinada pessoa. Isso porque, na conjuntura de sociedade solidária e coletiva, a sociedade
surge como figura que merece tutela independentemente de dor e sofrimento, pois são direitos
que transpassam a esfera individual, e, consequentemente, têm natureza jurídica diferente dos
individuais.
É preciso girar o foco hermenêutico para tutela ampla dos direitos transindividuais,
inclusive com reparação para danos morais coletivos, pois de nada adianta o devido processo
legal, contraditório, liberdade contratual, propriedade, etc., se não existir meio ambiente que
possibilite a sobrevivência, por exemplo.
Desta forma, concluímos que é possível a reparação civil por danos extrapatrimoniais
coletivos no contexto do Estado Democrático de Direito. Sendo que além da compatibilidade
do instituto com o Direito atual, pode-se afirmar que a reparação por danos extrapatrimoniais
coletivos tem natureza de direito fundamental, seja porque é acessório que visa reparar os
direitos fundamentais coletivos, seja porque decorre do princípio da não taxatividade dos
direitos fundamentais previstos no § 2º, do artigo 5º da Constituição.
4.2 Da Reparação Civil por Danos Extrapatrimoniais Coletivos sem a Comprovação de
Sentimentos Subjetivos no bojo do Processo Coletivo
Trazendo o foco da questão para a máxima proteção e reparação dos direitos
fundamentais coletivos através da reparação civil por dano extrapatrimonial, surge na
jurisprudência outro problema acerca do dano moral coletivo. Com efeito, considerando que
os danos morais coletivos são passíveis de reparação, como deve ser feita a prova do dano no
contexto do Direito Processual Coletivo? É necessária uma perícia para comprovação da
ocorrência danosa, bem como qual foi a extensão desse dano ou, em razão da interpretação
constitucionalizada e baseada na nova summa divisio, o dano moral coletivo já é presumido,
havendo uma inversão do ônus da prova ou mesmo uma responsabilização objetiva.
A resposta deve começar a ser respondida à luz da moderna conceituação do dano
moral coletivo, pois a análise da ocorrência de dano moral coletivo não pode ocorrer a partir
dos princípios aplicados ao “direito privado”, pois são direitos novos que têm natureza
jurídica diversa dos clássicos “direitos privados”.
96
Conforme registrado por Bessa250
“os direitos coletivos não se enquadram em
modelos teóricos dos ramos tradicionais do ordenamento jurídico. São uma nova categoria
cuja compreensão exige análise funcional”.
A noção de dano moral coletivo deve se afastar da summa divisio Direito Público X
Direito Privado, pois diante da existência de novos direitos coletivos fundamentais, é
imperiosa a necessidade de moldar a teoria da responsabilidade a estes direitos. Em outras
palavras, significa que não podemos aplicar a teoria da responsabilidade civil tradicional e
individualista, de maneira pura, para tutelar os direitos coletivos.
A tradicional teoria da responsabilidade civil, lastreada numa acepção individualista,
encontra fundamento na culpa como elemento basilar de sustentação251
. Contudo, conforme já
mencionado em momentos pretéritos, a sociedade evoluiu e com o surgimento da sociedade
de massas e dos direitos coletivos, a teoria da responsabilidade deve mudar seu foco de
preocupação.
A tsunami chamada “constitucionalização do Direito” também tem
alcançado as praias da responsabilidade civil, a ponto de proporcionar
profundas e irreversíveis reformulações em sua paisagem. Deveras, já de
início podemos mencionar que se a responsabilidade civil tradicional estava
basicamente centrada na tutela do direito de propriedade, agora a dignidade
da pessoa humana, a solidariedade social e a justiça distributiva modificaram
decisivamente a sistemática do dever de ressarcir.252
250
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p. 237-
274 – jul/dez 2007, p. 253. 251
Neste sentido, Ney Stany Morais Maranhão ensina que: “É cediço que a ideologia liberal foi erigida em torno
da ideia de liberdade. Como corolário, no afã de garantir um amplo espaço de atuação aos particulares, a teoria
da responsabilidade civil foi construída tendo como elemento fundante da reparação o mau uso dessa valiosa
liberdade individual. A culpa, nessa ocasião, é o fundamento nuclear – senão único – da responsabilidade civil.
Então, na esteira do artigo 1.382 do Código Civil francês, seguiram-se inúmeros outros diplomas civis de países
ocidentais, tal como consta dos artigos 159 do Código Civil brasileiro de 1916, 1.902 do Código Civil espanhol,
1.319 do Código Civil uruguaio e 483 do Código Civil português, todos corroborando a ideia de que a
responsabilidade civil de um agente causador de danos, em regra, só se concretizaria se presente o elemento
subjetivo da culpa (em um sentido genérico, que abrange, pois, dolo e culpa em sentido estrito). Ou seja: a vítima
só será indenizada se houver prova de que o agente tenha incorrido em culpa (latu sensu). Ocorre que, se, de um
lado, essa concepção psicológica da culpa serviu para conferir uma razoável justificativa filosófica ao dever de
ressarcir, certo é, por outro, que também serviu para, no aspecto jurídico, atrair os holofotes quase que
exclusivamente para o ofensor – e seu ato praticado –, em detrimento da vítima – e seu dano sofrido”.
(MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil contemporânea: influência constitucional e novos
paradigmas. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/responsabilidade-civil-
contempor%C3%A2nea-influ%C3%AAncia-constitucional-e-novos-paradigmas. Acesso em 30 jun. 2014) 252
MARANHÃO, Ney Stany Morais. Responsabilidade civil contemporânea: influência constitucional e novos
paradigmas. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/responsabilidade-civil-
contempor%C3%A2nea-influ%C3%AAncia-constitucional-e-novos-paradigmas. Acesso em 30 jun. 2014.
97
A solidariedade, justiça distributiva e normatividade dos direitos fundamentais,253
influenciaram na teoria da responsabilidade, mudando seu foco de interpretação,254
fazendo
com que ela se preocupe mais com a reparação integral do dano, do que propriamente com a
culpa e com quem foi o causador do dano.
Para se chegar a essa noção solidária de reparação civil por danos morais coletivos,
a primeira correção a ser feita é na terminologia utilizada, pois segundo a doutrina tradicional
somente a pessoa humana individualizada poderia sofrer danos morais. Isso porque a
moralidade é um atributo afeto a pessoa humana, que não se estenderia a entes
despersonalizados como a sociedade, pois ela não teria tais sentimentos subjetivos e nem seria
capaz de sentir dor e sofrimento, conforme decidido pelo STJ no REsp 598.281⁄MG, antes
aqui referenciado.
Como diz Lucas Abreu Barroso,255
precisamos nos libertar das matrizes
individualistas de reparação civil para um pensamento baseado na justiça social que prima
pelos valores coletivos.
Diante da necessidade de atualização do sentido do dano moral, a nomenclatura
mais correta seria dano extrapatrimonial,256
pois tem o significado de quaisquer danos de
natureza não patrimonial,257
não se restringindo apenas aos aspectos subjetivos e morais de
um sujeito.
253
Sobre a Constitucionalização do Direito ver: BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e
constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Disponível em
http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito e BARROSO, Luís
Roberto. A constitucionalização do Direito e o Direito Civil. Direito Civil Contemporâneo – Novos problemas à
luz da legalidade constitucional: anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do
Rio de Janeiro / Gustavo Tepedino, organizador. São Paulo: Editora Atlas, 2008. 254
Sobre o assunto, Arthur Quaresma da Costa: “O princípio da solidariedade, aplicado à responsabilidade civil,
transformou o instituto. A responsabilidade subjetiva, que anteriormente tinha o efeito moralizador como
elemento marcante, agora perdeu espaço nas hipóteses de aplicação e mudou seu foco do comportamento do
autor do dano para o prejuízo experimentado pela vítima.” (COSTA, Arthur Quaresma da. Dano Social nas
Relações de Consumo. Dissertação. Rio de Janeiro. Universidade Gama Filho. 2007, p. 82) 255
“Isso implica dizer que todo o Direito está comprometido com os ditames da cidadania e justiça social,
atinentes aos Estado de Direito democráticos, abandonando definitivamente as matrizes individualistas que
permearam nos últimos séculos, proveito dos valores coletivos”. (BARROSO, Lucas de Abreu. A Obrigação de
Indenizar e a Determinação da Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
133). 256
Sobre o tema importante a observação de Sérgio Severo: “O dano pode ser patrimonial ou extrapatrimonial. A
designação utilizada, v.g. danos patrimonial e extrapatrimonial, é superior àquela tradicionalmente adotada, que
divide os danos material ou moral, uma vez que está designação não encontra amparo científico. Os danos
patrimonial e extrapatrimonial devem ser aferidos a partir dos seus efeitos e não de acordo com um fenômeno
que lhes deu causa. Assim, uma ofensa moral pode corresponder a um dano patrimonial, p. ex., uma notícia
injuriosa que afasta a freguesia de um restaurante corresponde a um dano patrimonial como aquele que atinge o
patrimônio da vítima e o dano extrapatrimonial – que só comporta um conceito negativo – como aquele que não
atinge interesses de natureza econômica.” (SEVERO, Sérgio Viana. Os Danos Extrapatrimoniais. São Paulo:
Editora Saraiva, 1996, p. 225) 257
Fernando Noronha, inclusive defende uma nova classificação de danos em: danos pessoais, quando são
afetados valores ligados à própria pessoa do lesado, nos aspectos físico, psíquico ou moral, mesmo quando não
98
Maria Celina Bodin Moraes,258
em harmonia com o princípio da não taxatividade da
reparação civil como direito fundamental, defende que o dano extrapatrimonial seria uma
expressão aberta que comporta uma interpretação extensiva para acobertar a tutela de outros
valores, ainda que não reconhecidos expressamente no ordenamento jurídico como categorias
jurídicas autônomas.
Tal leitura permite a defesa e respeito aos direitos fundamentais coletivos na sua
forma mais ampla e irrestrita possível. Isso ocorre porque mesmo nas hipóteses em que o
legislador não tenha pensado na forma de tutela específica, o magistrado, com o objetivo de
concretizar a proteção ao espírito objetivo coletivo poderá, desde que haja violação intolerável
aos direitos fundamentais coletivos, fixar danos não patrimoniais.
Limongi França,259
neste sentido, acentua que o dano moral pode não ter como
pressuposto indispensável qualquer espécie de dor, uma vez que, sendo uma lesão
extrapatrimonial, pode referir-se a qualquer bem jurídico dessa natureza, como são exemplos
os de natureza cultural ou ecológica. Sobre a natureza do dano extrapatrimonial coletivo,
precisa é a lição da ministra Nancy Andrighi, no REsp Nº 636.021/RJ:
Ora, se por um lado, a coletividade não goza de personalidade jurídica e se,
por outro, há bens de sua titularidade que são insuscetíveis de valoração
econômica, como, por exemplo, o ar, o equilíbrio ambiental e a
sobrevivência de uma espécie animal, não há que se falar, em regra, de
patrimônio – no sentido tradicional – difuso ou coletivo. A conseqüência que
se extrai dessa conclusão é que a lesão a um bem difuso ou coletivo
corresponde a um dano não-patrimonial e, por isso, deve encontrar uma
compensação, permitindo-se que os difusamente lesados gozem de um outro
bem jurídico. Não se trata, portanto, de indenizar, porque não se indeniza o
que não está no comércio e que, portanto, não tem preço estabelecido pelo
mercado. A degradação ambiental, por exemplo, deve ser compensada, pois
a perda do equilíbrio ecológico, ainda que temporária, não pode ser reduzida
a um valor econômico. Mesmo que possa se identificar o custo da
despoluição de um rio, não se precifica a perda imposta à população
ribeirinha que se vê impossibilitada, durante meses, de nadar em suas águas
outrora límpidas. Por tudo isso, deve-se reconhecer que nosso ordenamento
jurídico não exclui a possibilidade de que um grupo de pessoas venha a ter
um interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo
seja caracterizável um direito de personalidade e, de outro lado, danos a coisas “quando se atingirem objetos do
mundo externo (objetos materiais ou coisas incorpóreas). (NORONHA, Fernando, apud, BESSA, Leonardo
Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p237-274 – jul/dez 2007, p.
265) 258
MORAES, Maria Celina Bodin, apud, BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e
Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p237-274 – jul/dez 2007, p.266: “Tratar-se-á sempre de violação da cláusula
geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um prejuízo material, seja violando direito
(extrapatrimonial) seu, seja, enfim, praticando em relação à sua dignidade, qualquer ‘mal evidente’ ou
‘perturbação’, mesmo se ainda não reconhecido como parte de alguma categoria jurídica”. 259
FRANÇA, Limongi, apud, MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e
Características. Brasília: Editora LTR, 2002, p. 100.
99
aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema jurídico admite, em
poucas palavras, a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, ou, na
denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos.260
A expressão dano extrapatrimonial possibilita atribuir um viés mais objetivo261
ao
conceito de dano moral, pois não exige os sentimentos subjetivos para a demonstração e
comprovação do dano na seara processual, uma vez que em se tratando de danos que não
exigem os sentimentos negativos, a simples violação intolerável dos direitos fundamentais
coletivos ocasiona o dano extrapatrimonial coletivo.
Nesta toada Bessa afirma que o dano extrapatrimonial coletivo decorreria da simples
violação intolerável dos direitos fundamentais coletivos, como se fosse, no direito penal, um
crime formal que se consuma apenas com a prática do comportamento ilícito por parte do
autor da infração, independentemente da alteração mundo naturalístico:
O dano extrapatrimonial, na área de direitos metaindividuais, decorre da
lesão, em si, a tais interesses, independentemente de afetação paralela de
patrimônio ou de higidez psicofísica. A noção se aproxima da ofensa ao bem
jurídico do direito penal que, invariavelmente, dispensa resultado
naturalístico, daí a distinção de crimes material, formal e de mera conduta,
bem como se falar em crime de perigo.262
Havendo violação a um determinado círculo de valores objetivos coletivos, de
maneira intolerável,263
a reparação decorre automaticamente do simples descumprimento da
norma jurídica, não tendo que se cogitar a culpa do agressor e nem a comprovação de
sentimentos subjetivos. Assim também é o entendimento de Bittar Filho:
Com supedâneo, assim, em todos os argumentos levantados, chega-se à
conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de
uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado
círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se
fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa
260
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp Nº 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 2008.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/2009. Acesso em
02 jun. 2014. 261
Neste sentido Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald dizem: “Configura-se o dano moral pela simples e
objetiva violação a direito da personalidade. (...) Todo dano moral é decorrência de violação a direitos da
personalidade, caracterizado o prejuízo pelo simples atentado aos interesses jurídicos personalíssimos,
independente da dor e sofrimento causados ao titular”. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Direito Civil – Teoria Geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 161) 262
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p237-
274 – jul/dez 2007, p. 266. 263
Neste sentido, Tiago Xisto afirma que: “Mas, é preciso reiterar-se que a caracterização do dano moral
coletivo exige que os efeitos (prejudiciais à coletividade) da conduta antijurídica atribuída ao ofensor apresente
razoável significância, desbordando das fronteiras da tolerabilidade, situação que será verificada em cada caso
específico de pleito reparatório.” (MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e
Características. Brasília: Editora LTR, 2002, p. 97)
100
comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de
maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso
dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto
imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também
não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o
agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa).264
(destacamos)
Grandinetti, corroborando todos os argumentos, diz que a melhor expressão é dano
extrapatrimonial que comporta a superação da necessidade de dor para a configuração de dano
extrapatrimonial de natureza coletiva:
Por tais razões, a doutrina e a jurisprudência não têm como deixar de
reconhecer a tutela do dano moral coletivo ou, como preferimos denominar
no título, dano extrapatrimonial a interesse difuso ou coletivo.
Extrapatrimonial porque o dano moral é mais restrito do que a noção de dano
extrapatrimonial e, com isso, supera-se a exigência tradicional da dor e do
sofrimento que lhe é característica.265
A utilização do critério objetivo para a aferição do dano extrapatrimonial coletivo
não significa que a violação dos valores da sociedade não cause sentimentos negativos266
de
dor, tristeza, mágoa, sofrimento, etc., significa, na verdade, que a demonstração de tais
elementos, na seara processual, é dispensável na situação concreta.
A objetivação da noção de dano extrapatrimonial coletivo é a que traça a base para a
construção de uma teoria solidária, democrática e transformadora da realidade social, na
medida em que tal mecanismo propicia o reconhecimento dos direitos fundamentais coletivos
como categoria autônoma e diferenciada de direitos. Importando, igualmente, na consolidação
da summa divisio constitucionalizada, pois tal reconhecimento da reparação civil por dano
extrapatrimonial coletivo, supera a noção clássica de responsabilidade civil individual no
“Direito Privado”, na medida em que tira o foco de interpretação da culpa do causador do
dano para uma reparação integral solidária.
264
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico Brasileiro. Disponível
em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014. 265
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 33. 266
Neste sentido é a lição de José Rubens Morato e Patryck de Araújo: “Deve-se registrar também que o dano
extrapatrimonial ambiental não tem mais como elemento indispensável a dor em seu sentido moral de mágoa,
pesar, aflição, sofrido pela pessoa física. A dor, na qual se formulou a teoria do dano moral individual, conforme
esboçado anteriormente, acabou abrindo espaço a outros valores que afetam negativamente a coletividade, como
é o caso da lesão imaterial ambiental. Assim, deve-se destacar que a dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um
valor equiparado ao sentimento moral individual, mas não propriamente este, uma vez que concerne a um bem
ambiental, indivisível, de interesse comum, solidário e relativo a um direito fundamental de toda coletividade."
(LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental - Do individual ao coletivo
extrapatrimonial. Teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 290)
101
Neste sentido, Grandinetti defendendo uma teoria objetiva ou inversão do ônus da
prova no processo coletivo em relação aos danos extrapatrimonais coletivos, diz que a noção
clássica de responsabilidade civil, baseada na culpa não atende aos anseios transindividuais,
pois o bem jurídico tutelado, coletividade, deve ser valorizado, diante de um conflito com um
interesse individual:
Uma vez adotada a responsabilidade objetiva ou mesmo a responsabilidade
presumida em algumas relações intersubjetivas, a evolução do direito
apresentou outra sintomática particularidade: as recentes legislações que
envolvem relações coletivas ou difusas, por sua vez, também acabaram por
abandonar a concepção de culpa como fundamento da responsabilidade civil,
para acolherem ou a responsabilidade objetiva, como no direito ambiental,
ou as duas - presumida e objetiva - em muitíssimos casos previstos no direito
do consumidor. E por que isso acontece? Porque justamente nessas relações
jurídicas situam-se alguns casos de interesses difusos ou coletivos, a que o
legislador atribuiu proeminência, reconhecendo sua acentuada importância
na vida social. Inegável que tais interesses, por suas características próprias,
por serem titularizados por um número indeterminável de pessoas, pela
extensão do dano ao interesse de toda a coletividade, pela importância do
bem jurídico, enfim, por uma série de fatores, exigem uma proteção mais
ampla e eficaz da lei, restando de todo inaplicável, por insuficiente e
ineficaz, o critério baseado na culpa.267
Arremata o autor que a valorização da coletividade em contraposição ao sujeito
individual ocorre porque a violação aos direitos fundamentais coletivos afeta toda a
coletividade e, assim sendo, não pode receber o mesmo tratamento dado aos interesses
“privados”:
O critério da culpa, na responsabilidade civil, foi concebido para relações
jurídicas intersubjetivas, quando aos juristas ainda não se havia revelado o
fenômeno da socialização ou coletivização do direito. Evidente que tal
sistema não pode ser estendido a um direito coletivo, em que o dano não
atinge apenas um único personagem, mas potencialmente todos os
integrantes da coletividade. É esse fundamento que justifica o abandono
regra geral da responsabilidade subjetiva pelo critério objetivo nas relações
jurídicas massivas.268
No mesmo sentido, criticando o regime jurídico da teoria clássica da
responsabilidade civil, Rodolfo Camargo Mancuso entende que na tutela dos direitos
metaindividuais deve-se adotar a teoria objetiva da responsabilidade civil com o objetivo de
se garantir a máxima efetividade dos direitos fundamentais coletivos:
267
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 41-42. 268
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 41-42.
102
Mas esse regime jurídico não se adapta à responsabilidade por danos
causados a bens e interesses coletivos e difusos, onde a óptica é deslocada
antes para a efetiva reparação do dano causado à sociedade ou à “categoria”,
do que para a aferição da culpabilidade na conduta do agente. Daí por que,
de maneira geral, tem-se admitido que a responsabilidade, em matéria de
interesses metaindividuais, deve ser objetiva, ou do risco integral, as únicas
que podem assegurar uma proteção eficaz a esses interesses.269
Obviamente que opção pode ser impugnada sob o argumento de que tal inversão do
ônus da prova ou responsabilização objetiva carece de previsão legal para que possa acobertar
todos os direitos coletivos, conforme argumentação de Grandinetti:
É certo que a responsabilidade objetiva, para ter aplicabilidade, carece de
previsão legal. Mas a responsabilidade presumida pode ser invocada a partir
da aplicação analógica do artigo 38 do Código do Consumidor, para as
hipóteses de direito difuso e coletivo, uma vez que o artigo 159 do Código
Civil, definitivamente, não pode ser imposto às relações de massa.270
Na jurisprudência também é possível encontrar posicionamentos adeptos deste
pensamento, onde se sustenta que não há que se falar em dano extrapatrimonial coletivo, caso
não haja sua comprovação no seio do processo coletivo.
No REsp 821.891/RS, de 2008, o relator ministro Luiz Fux, sabendo que a maioria
da 1ª turma era contrário ao dano extrapatrimonial coletivo, firmou no seu voto, seguido por
unanimidade, que diante da não comprovação fática de danos extrapatrimoniais coletivos não
há que se falar em ressarcimento dos mesmos.
(...) 2. Ad argumentandum tantum, ainda que ultrapassado o óbice erigido
pelas Súmulas 282 e 356 do STF, melhor sorte não socorre ao recorrente,
máxime porque a incompatibilidade entre o dano moral, qualificado pela
noção de dor e sofrimento psíquico, e a transindividualidade, evidenciada
pela indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa
objeto de reparação, conduz à não indenizabilidade do dano moral coletivo,
salvo comprovação de efetivo prejuízo dano.(...) 4. Nada obstante, e apenas
obiter dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não
demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela
categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante assentado
pelo acórdão recorrido:"... Entretanto, como já dito, por não se tratar de
situação típica da existência de dano moral puro, não há como
simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a
Municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a
respeitabilidade e que a sociedade uruguaiense efetivamente tenha se sentido
lesada e abalada moralmente, em decorrência do ilícito praticado, razão pela
269
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública : Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio
Cultural e dos Consumidores : (Lei 7.347/85 e legislação complementar). São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2001, p. 304-305. 270
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 42.
103
qual vai indeferido o pedido de indenização por dano moral". 5. Recurso
especial não conhecido.271
(destacamos)
A mesma argumentação de impossibilidade de se presumir o dano extrapatrimonial
coletivo está materializada nos seguintes julgados: Apelação Cível n.º 0000712-
50.2004.4.01.3600, Relator: Desembargador Daniel Paes, TRF da 1ª região, 2009; Apelação
Cível n.º 0006026-70.2001.4.01.3700, Relator: Desembargadora Maria Isabel Gallotti, TRF
da 1ª região, 2007; Apelação Cível 6162723-40.2009.8.13.0702, Relator: Desembargador
Elias Camilo, TJMG, 2013.
Contudo, sob nosso ponto de vista, a discussão não é uma discussão do campo
processual, mas sim de direito material, no sentido de se atualizar o conceito de dano
extrapatrimonial como a violação objetiva e intolerável dos direitos fundamentais coletivos,
independentemente da comprovação da violação de sentimentos subjetivos coletivos. No
campo pragmático, obviamente que tal remodulação do conceito pode ocasionar a
responsabilização objetiva ou a inversão do ônus da prova.
É claro que o magistrado na situação concreta é quem vai fazer o juízo de valor, com
base na proporcionalidade e razoabilidade, se a violação ao direito fundamental coletivo é
tolerável ou não. Mas pensar em dizer que o dano à coletividade depende de prova é uma
regressão ao conceito individualista da responsabilidade civil, baseada na superada summa
divisio Direito Público X Direito Privado, onde prevalecia a igualdade formal entre as partes.
Ademais, tal prova é extremamente perversa, na medida em que é difícil ou mesmo
impossível de ser produzida no campo do processo coletivo.
Na jurisprudência o entendimento que tendencia a prevalecer é o atrelado ao
conceito objetivo de dano extrapatrimonial, conforme demonstrado pelos julgados
colacionados acima em que se afirma a reparação por danos extrapatrimoniais coletivos.
Não obstante tenha sido voto vencido, no REsp 636.021 – RJ, em 2008, o voto da
ministra Nancy Andrighi representa verdadeira lição sobre o conceito objetivo de dano
extrapatrimonial coletivo e sua reparabilidade no seio do processo coletivo, nos seguintes
termos:
(...)A violação desse interesse deve naturalmente encontrar compensação
diversa daquela que venha a ser eventualmente dirigida aos menores que
propriamente tiveram sua moral ofendida. Não podem ser aceitos, portanto,
os argumentos da recorrente no sentido de serem incompatíveis os conceitos
271
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 821.891 / RS, Relator: Ministro Luiz Fux, 2008. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200600380062&dt_publicacao=12/05/2008. Acesso em
02 jun. 2014.
104
de danos morais e interesses difusos. Ainda que o conceito de dano moral
esteja tradicionalmente ligado à violação de honra, nome, a integridade
físico-psíquica e outros direitos de personalidade, esses não são os únicos
bens extrapatrimoniais reconhecidos por nosso ordenamento, como
demonstrado acima, e diante da violação de bens extrapatrimoniais difusos,
torna-se necessária a aplicação da regra constitucional de responsabilidade
civil insculpida no art. 5º, V, CF, bem como no art. 159, CC/1916, impondo-
se à recorrente o dever de compensar os danos causados. Assim, estando
claro que a radiodifusão pode desvirtuar valores culturais caros à
sociedade, tanto que assegurados por lei, basta que o Tribunal de origem
tenha reconhecido que foram exibidas cenas “aterrorizantes e banhadas em
sangue”, “que obviamente não são próprias para as pequenas crianças que
compõem o público vespertino dos canais de televisão aberta” e que
envolvem até mesmo cenas de suicídio, para que o STJ possa chegar à
conclusão de que a compensação dos danos morais coletivos é efetivamente
devida(...).272
(destacamos)
No mesmo sentido é o recente acórdão lavrado pela ministra Eliana Calmon, em 2013:
(...) O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do
grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a
coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo
isolado. 5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a
possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de
fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução
dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano
indenizável e fixação do eventual quantum debeatur.273
(destacamos)
É possível perceber que a mesma lógica de desnecessidade de se provar o dano
moral individual274
é aplicável ao dano extrapatrimonial coletivo, bastando apenas a
demonstração do fato danoso para que haja o dever de indenizar.
272
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp Nº 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 2008.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/2009. Acesso em
02 jun. 2014. 273
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.269.494 / MG, Relatora: Ministra Eliana Calmon, 2013.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201101240119&dt_publicacao=01/10/2013. Acesso em
09 jun. 2014. 274
No voto a ministra Nancy Andrighi, citando precedentes, afirmou que o entendimento do STJ é de que o dano
moral resultada tão somente da comprovação da ocorrência do fato, dispensando a comprovação dos sentimentos
subjetivos, nos seguintes termos: “Como se não bastasse, vale lembrar que a jurisprudência do STJ se firmou no
sentido de que é dispensável a prova do dano moral. Confira-se: “Não há falar em prova do dano moral, mas,
sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato,
impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil” (REsp 86.271/SP,
Terceira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 09.12.1997). “Provado o fato, não há necessidade da prova do
dano moral, nos termos de persistente jurisprudência da Corte” (REsp 261.028/RJ, Terceira Turma, Rel. Min.
Menezes Direito, DJ 20.08.2001) (E no mesmo sentido, vide AgRg no Ag 701.915/SP, Quarta Turma, Min.
Jorge Scartezzini, DJ 21.11.2005; REsp 702.872/MS, Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2005) (BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça, REsp Nº 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, 2008. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/2009. Acesso em
02 jun. 2014)
105
Não obstante, entendimentos em sentido contrário à objetivação do conceito de dano
extrapatrimonial coletivo, a melhor interpretação a ser atribuída a reparação civil por danos
extrapatrimonial é a de que o dano decorre da violação objetiva e intolerável dos direitos
coletivos, independentemente da demonstração de qualquer sentimento subjetivo coletivo.
Isso porque, conforme amplamente demonstrado a noção individualista pregada pelo Estado
Liberal não se coaduna com noção solidária do Estado Democrático de Direito e nem
tampouco com a noção de summa divisio constitucionalizada.
4.3 Dano Extrapatrimonial Coletivo e a sua Função Punitiva
Além da objetivação do conceito de dano extrapatrimonial, outro tema relacionado ao
assunto ora dissertado é a função do dano extrapatrimonial coletivo. Na conjuntura, do Estado
Democrático e da summa divisio constitucionalizada, o magistrado ao fixar o dano
extrapatrimonial coletivo deve levar em consideração a finalidade punitiva para fixação do
dano extrapatrimonial. Ou será que o objetivo da reparação extrapatrimonial é pura e
simplesmente tentar recompor a situação ao status quo ante?
Para Sérgio Severo275
o princípio maior da responsabilidade civil é o princípio da
restituição integral (restitutio in integrum), ou seja, a reparação civil deve, na medida do
possível, reestabelecer ao lesado o seu estado anterior. Em consonância com tal princípio o
artigo 944 do Código Civil estabelece que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Tal princípio da restituição integral soa com perfeita harmonia na fixação de danos de
natureza patrimonial, pois sem dúvidas é possível o retorno ao estado anterior, eis que se trata
de bens de valor patrimonial de fácil aferição econômica, conforme explicado por Araújo:
O ressarcimento ou indenização significa reparar o prejuízo suportado pela
vítima, procurando, de todas as maneiras possíveis, recolocá-la na situação
em que se encontrava antes deste ter sido produzido. Assim, a reparação
consistirá na reconstituição natural da situação na qual a vítima estaria se o
episódio danoso não tivesse ocorrido.276
Já em torno da fixação dos danos extrapatrimoniais coletivos, é impossível
reestabelecer a moral coletiva ao seu status quo ante, tendo em vista que o dano não possui
275
SEVERO, Sérgio Viana. Os Danos Extrapatrimoniais. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 200. 276
ARAÚJO, Vaneska Donato de. Generalidades sobre o dano. In: Responsabilidade Civil. Orientação de
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 74.
106
natureza patrimonial direta. Afirma a doutrina277
que quando se tratar de dano
extrapatrimonial, não sendo possível restaurar o prejuízo sofrido, diz-se que a função é
precipuamente compensatória, recebendo a vítima uma quantia em dinheiro ou outra forma de
satisfação em razão do dano sofrido.
Com certeza a indenização por dos danos extrapatrimoniais não pode receber o mesmo
tratamento dos patrimoniais, pois impossível, num primeiro momento, de avaliação
econômica, conforme bem asseverado por Tomás Carvalho:
Assim sendo, em primeira linha, verifica-se a natureza jurídica
compensatória da indenização por danos morais, diferentemente do escopo
de equivalência adotado pela reparação dos danos materiais. Visa-se,
portanto, não a restituição do status quo ante da vítima – posto que
impossível mensurar a dor moral – mas sim, uma compensação como forma
de amenizar os danos sofridos.278
Não há como reestabelecer a vítima do dano extrapatrimonial ao seu estado anterior,
mas o magistrado, por meio de arbitramento, deve fixar um valor a fim de atenuar seu
sofrimento.
Não há, realmente, outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral a
não ser pelo arbitramento judicial. Cabe ao juiz, de acordo com o seu
prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade
econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano
moral.279
Para a fixação do dano extrapatrimonial, o magistrado deve, primeiramente, levar em
consideração a finalidade para qual o dano extrapatrimonial foi criado. Seguramente, a função
compensatória é indiscutível na doutrina,280
tendo em vista que se trata de um lenitivo que
objetiva reduzir o sofrimento suportado pela vítima ou lhe proporcionar uma alegria
compensatória.
Há muita divergência sobre uma possível função punitiva na fixação do dano
277
COSTA, Judith Martins, apud, VILANDE, Fernanda Carravetta. A Ampliação das Funções da
Responsabilidade Civil Sob a Perspectiva das Relações de Consumo. Monografia (Especialização). Porto
Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2011. p. 37. 278
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014. 279
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93. 280
Sobre a função compensatória, Nehemias Domingos de Melo diz: “Para a vítima, este caráter compensatório
nada mais seria do que lhe ofertar uma quantia capaz de lhe proporcionar alegrias que, trazendo satisfações
pudesse compensar a dor sofrida”. (MELO, Nehemias Domingos de. Por uma nova teoria para reparação por
danos morais. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1860/Por-uma-nova-teoria-para-
reparacao-por-danos-morais. Acesso em 30 jun. 2014)
107
extrapatrimonial coletivo. Teria ele uma função compensatória, punitiva e desestimuladora,281
ou, tão-somente, compensatória282
?
Para falar de função punitiva do dano extrapatrimonial é preciso verificar um pouco da
experiência common law em relação ao instituto dos punitive damages e em que medida tal
instituto pode ser utilizado no ordenamento jurídico nacional, a fim de se fixar o dano
extrapatrimonial coletivo, numa leitura a partir dos princípios da solidariedade, da justiça
social e a da nova summa divisio constitucionalizada.
Pois bem, no sistema da common law a expressão “damages” assume várias facetas,
podendo significar prejuízos e remédios283
. Nesta mesma toada, diante da ampla possibilidade
de significados que a palavra pode assumir a doutrina utiliza as expressões punitive damages
e o compensatory damages284
. Sendo que este (compensatory damages) objetiva fazer uma
compensação em dinheiro a favor do lesado em face do dano por ele absorvido, visando
amenizar o dano. Tal conceito se aproxima da norma do artigo 944 do Código Civil, na
medida em que tenta recompor a situação na forma originária. Já o objetivo daqueles (punitive
damages), porém, é punir financeiramente o agente causador do dano, punição destinada ao
ofendido. Ressalta-se ainda que os punitive damages podem ser cumulados com a indenização
compensatória – compensatory damages.
Distinguem-se, basicamente, pelo fato de os punitive damages (exemplary damages)285
281
Nehemias Domingos de Melo prega que: “ A definição da verba indenizatória, a título de danos morais, deveria
ser fixada tendo em vista três parâmetros: o caráter compensatório para a vítima; o caráter punitivo para o
causador do dano e, o caráter exemplar para a sociedade como o todo”. (MELO, Nehemias Domingos de. Por
uma nova teoria para reparação por danos morais. Disponível em
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1860/Por-uma-nova-teoria-para-reparacao-por-danos-morais. Acesso
em 30 jun. 2014) 282
Nelson Rosenvald defende que o dano moral coletivo não é dano de natureza extrapatrimonial, nos seguintes
termos: “O modelo jurídico de dano moral coletivo, seja em sua delimitação conferida pelo CDC (art.6º, inciso
VI, Lei n.º8.078/1990) ou na forma mais ampla do inc.IV do artigo 1º, da Lei 7.347/1985 – pois passível de
estipulação diante da lesão a qualquer interesse difuso ou coletivo, não passa de peculiar espécie de pena civil
criativamente desenhada no ordenamento jurídico, em nada se assemelhando com a natureza do dano
extrapatrimonial”. (ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil.
São Paulo: Atlas, 2013, p. 200) 283
Sobre o tema, Nelson Rosenvald diz: “Prefacialmente, releva a crítica à ambivalência do termo damages, que
ao mesmo tempo serve pra designar os prejuízos e os remédios. E é justamente sobre um remédio, qual seja, de
uma sanção civil, que se discute quando fazemos menção aos danos punitivos do direito norte-americano, que
não se qualificam como prejuízos sofridos pela vítima do ilícito, mas que revelam posto endereçados ao agente
com o escopo de punir sua conduta reprovável.” (ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade
Civil: A Reparação e a Pena Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 141) 284
Neste sentido, as lições de SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de Mestrado. São
Paulo. Universidade de São Paulo. 2011. p. 24-25. 285
Embora a doutrina não tenha muita cautela ao tratar os institutos Nelson Rosenvald afirma que as expressões
não são sinônimas nos seguintes termos: “Enquanto as cortes estadunidenses e canadenses adotam a expressão
punitive damages, outras jurisdições – como a britânica e australiana -, optam por exemplary damages. Não se
pode afirmar que sejam termos de significado idêntico, pois a adoção de uma por outra produz reflexos sobre o
perfil sistemático. O termo punitive enfatiza a preferência por um objetivo de punição, caso contrário, a adoção
da locução exemplary indica que o fim primário é de constituir um desestímulo que afaste o espectro da
108
visar punir e desestimular o agente causador do dano a repeti-lo e o compensatory damages a
compensar aquele que sofreu o dano pelo fato de tê-lo suportado. Esta também é a leitura de
Costa e Pargendler:
Consiste na soma em dinheiro conferida ao autor de uma ação indenizatória
em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano,
tendo em vista a dupla finalidade de punição (punishment) e prevenção pela
exemplaridade da punição (deterrence) opondo-se – nesse aspecto funcional
– aos compensatory damages, que consistem no montante indenizatório
compatível ou equivalente ao dano causado, atribuído com o objetivo de
ressarcir o prejuízo.286
E é justamente na acepção de remédio que a expressão assume relevo jurídico na nossa
pesquisa, objetivando punir comportamentos lesivos à coletividade, em razão da
reprovabilidade de uma conduta,287
pois aqui, significa justamente a função punitiva do dano,
ou, melhor dizendo, punitive damages, na tradição common law.
Jorge Pinheiro Castelo, em interpretação totalmente favorável aos direitos
fundamentais coletivos, buscando conceituar o instituto, defende que os punitive damages
seriam quantia fixada que vai além do dano suportado pelo ofendido com o objetivo de coibir
a reiteração da conduta pelo agressor:
Há o necessário acréscimo na fixação da extensão e valor do dano cujo
objetivo e interesse da sociedade é no sentido de que o agressor não volte a
repetir o ato contra qualquer pessoa e não apenas contra a vítima. Essa é a
real extensão do dano. Entendimento contrário, afora contrariar a teleologia
e a axiologia que envolve a finalidade da norma, propiciaria um
inconstitucional retrocesso social, posto que estimularia a violação dos
direitos humanos que fundamenta a própria convivência em sociedade.288
Alguns autores289
defendem que a origem dos punitive damages remonta aos romanos
afirmando constar na Lei das XII Tábuas previsões punitivas. Naquela época determinadas
reiteração da mesma conduta.” (ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e
a Pena Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 144) 286
COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. Revista
CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília. V. 9, n. 28, p.15-32, jan/mar. 2005, p. 16. 287
ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil. São Paulo:
Atlas, 2013, p. 141. 288
CASTELO, Jorge Pinheiro. Teoria geral da responsabilidade civil e obrigações contratuais do empregador
perante o novo Código Civil. Disponível em: <http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev22Art4.pdf>.
Acesso em 02 jun. 2014. 289
UILAN, Eduardo, apud, SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de Mestrado. São Paulo.
Universidade de São Paulo. 2011. p. 27.
109
condutas eram apenadas com pagamento de valores múltiplos da lesão suportada pelo
ofendido (dobro, triplo, quádruplo, etc)290
.
Na tradição common law os primeiros precedentes do instituto dos punitive damages
se deram somente no final do século XVIII,291
primeiramente na Inglaterra e, posteriormente,
nos Estados Unidos da América. A responsabilidade civil era utilizada como uma sanção
punitiva. A punição daquele que causou o dano em virtude da indiscutível gravidade da
conduta por ele desempenhada era sua principal destinação, que ainda tinha como objetivo,
compensar os prejuízos suportados pelo agente passivo292
.
Os punitive damages além de almejar punir e, ao mesmo tempo, desestimular condutas
consideradas danosas, pode ser considerada uma resposta do ordenamento jurídico do sistema
da common law direcionada ao causador do dano. Isso porque direcionou parte do enfoque
reparatório para o ofensor que de maneira maliciosa e indiferente atua contra o sistema
jurídico. O ponto de partida para a fixação deste dano é o comportamento do ofensor e não
somente o dano sofrido pela vítima, conforme Costa e Pargendler ensinam:
Como consequência, a função originalmente compensatória dos exemplary
damages foi transferida aos actual damages, e as cortes foram levadas a falar
do exemplary damages exclusivamente em termos de punishment e
deterrence. Na medida em que as suas finalidades precípuas passaram a ser a
punição e a prevenção, o foco passou a incidir não sobre a espécie do dano,
mas sobre a conduta do seu causador.293
Nas palavras de Nelson Rosenvald294
os punitive damages são deferidos com duas
finalidades: retributiva (punishment) e desestímulo (deterrence). Para ele “a retribuição
reclama que a conduta revele extrema reprovação social – uma malícia, evidenciada pelo dolo
ou grave negligência do agente -, cumulada ao desestímulo, no sentido de direcionar a pena a
afligir o transgressor, induzindo-o a não reiterar comportamentos antissociais e ultrajantes
análogos”.
Vista a finalidade e o foco dos punitive damages, cumpre salientar que na Inglaterra,
tais danos se limitam a três categorias: (a) quando há disposição legal que os autorize, como
290
ALVES, José Carlos Moreira, apud, SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de
Mestrado. São Paulo. Universidade de São Paulo. 2011. p. 27. 291
SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de Mestrado. São Paulo. Universidade de São
Paulo. 2011. p. 31. 292
Neste sentido, as lições de SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de Mestrado. São
Paulo. Universidade de São Paulo. 2011. p. 32. 293
COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. Revista
CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília. V. 9, n. 28, p.15-32, jan/mar. 2005, p. 18-19. 294
ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil. São Paulo:
Atlas, 2013, p. 144.
110
na proteção de direitos do autor; (b) quando se trata de sancionar um conduta vexatória,
opressiva, arbitrária ou inconstitucional de um funcionário público que vulnera um direito
fundamental do cidadão; (c) quando o autor do ilícito atua com a perspectiva de que a
utilidade da conduta danosa será superior à indenização a ser paga à vítima295
.
Já nos Estados Unidos, explica Costa e Pangendler296
, que a Suprema Corte
Americana, com o objetivo de evitar abusos por parte do júri, estabeleceu que na fixação dos
punitive damages deve-se observar: o grau de reprovabilidade da conduta do réu; a
disparidade entre o dano efetivo ou o potencial sofrido pelo autor e os punitive damages; a
diferença entre os punitive damages concedidos pelo júri e as multas civis autorizadas ou
impostas em casos semelhantes. Em relação à reprovabilidade da conduta do ofensor,
esclarece ainda as autoras que para se aferir quão repreensível é a conduta deve-se atentar
para os seguintes fatores:
(1) se o prejuízo causado foi físico ou meramente econômico; (2) se o ato
ilícito foi praticado com indiferença ou total desconsideração com a saúde ou
a segurança dos outros (the tortious to or a reckless disregar of the health or
safety of others); (3) se o alvo da conduta é uma pessoa com vulnerabilidade
financeira; (4) se a conduta envolveu ações repetidas ou foi um incidente
isolado; (5) se o prejuízo foi o resultado de uma ação intencional ou
fraudulenta, ou foi um mero acidente.297
Sobre a possibilidade de se utilizar o instituto no Direito Nacional, vacilante é a
doutrina. Alguns autores defendem a impossibilidade de utilização, tendo em vista que além
de violar a disposição prevista no artigo 944 do Código Civil, desvirtuaria a finalidade da
reparação por danos extrapatrimoniais, eis que o objetivo de tal instituto é compensar e não
punir, conforme afirmado por Francisco Vieira Lima Neto:
A nosso ver, a tese se confronta com o texto legal (art.944 do Código Civil)
dado que o direito brasileiro limita as indenizações aos danos sofridos (dano
emergente) ou ao que a vítima deixou de ganhar (lucros cessantes), não se
podendo falar em indenização por um prejuízo que não ocorreu, ainda que
estejamos no campo do ano moral, pois seria uma compensação financeira
por algo que não ocorreu; estar-se-ia punindo por um delito que não se pode
assegurar que será praticado.298
295
DIEZ-PICAZO, Luis, apud, ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a
Pena Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 142. 296
COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. Revista
CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília. V. 9, n. 28, p.15-32, jan/mar. 2005. p. 19. 297
COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva. Revista
CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília. V. 9, n. 28, p.15-32, jan/mar. 2005. p. 19. 298
LIMA NETO, Francisco Vieira. Ato Antijurídico e Responsabilidade Civil Aquiliana – Crítica à Luz do Novo
Código Civil. In: BARROSO, Lucas Abreu. (organizador). Introdução Crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2006, p. 249.
111
As objeções não param por aí, pois a aplicação do instituto no ordenamento brasileiro
violaria também os princípios da legalidade, anterioridade e reserva legal, tendo em vista que
passaria a ter um viés penalístico, sem lei anterior que preveja tal punição. Como em decisão
da Suprema Corte Italiana, resenhada por Nelson Rosenvald:
Neste sentido, a célebre decisão da Suprema Corte italiana que considerou os
punitive damages como instituto contrário à ordem pública italiana, não
exclui definitivamente a possibilidade de inserção de sanções punitivas civis
no direito interno daquele país, mas recusou o seu enquadramento na
categoria dos remédios ressarcitórios. Segundo os juízes, a previsão de
mecanismos de desestímulo devem encontrar fundamento em normas de
direito positivo, pois “o instituto dos punitive damages apresenta clara
conotação penalística e o poder punitivo compete apenas ao Estado. Como
corolário indefectível, os danos punitivos só podem ser irrogados por
expressa previsão legislativa, em atenção aos princípio da tipicidade da
pena”.299
Alguns autores dizem ainda que a sentença cível não pode cumular a função punitiva.
Caso isso ocorresse, haveria um verdadeiro bis in idem, já que o causador do dano estaria
sendo condenado a pagar duas vezes por um mesmo fato300
. Além de violar o art. 884 do
Código Civil301
que veda o enriquecimento sem causa do lesado.
Não obstante às críticas firmadas, do outro lado da doutrina, a nosso sentir, melhor
sorte tem o entendimento que sustenta a possibilidade da função punitiva no dano
extrapatrimonial coletivo. Enoque Ribeiro dos Santos sustenta a adoção de tal teoria nos
seguintes moldes:
Com fulcro nesses fundamentos, recomendamos fortemente a aplicação dos
Exemplary Damages ou Punitive Damages, que se amolda à Teoria
Sancionatória, nos casos concretos que tramitam em grande quantidade em
nossos Pretórios, de forma a aumentar o sentimento de prevenção e de maior
cuidado quando se trata de manejos de direitos extrapatrimoniais.302
Carlos Alberto Bittar, afirma que os danos punitivos figuram há muito tempo no
direito de tradição common law e deve ser utilizado no sistema brasileiro como desestímulo
ao causador do dano.
299
ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil. São Paulo:
Atlas, 2013, p. 208. 300
SOUZA, Adriano Stanley Rocha. O Fundamento Jurídico do Dano Moral. In: FIUZA, César et al.
(Coordenador). Direito Civil: Atualidades III – Princípios Jurídicos no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey,
2009, p. 260. 301
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. (BRASIL. Código Civil. 10 jan. 2002.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 10 jul. 2014) 302
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Contribuição à fixação da indenização do dano moral trabalhista – A tese da
aplicação dos exemplary ou punitive damages. São Paulo: Editora LTR, 2004, vol. 40, nº 90, p. 397-402, p. 400.
112
Adotada a reparação pecuniária – que, aliás, é a regra na prática, diante dos
antecedentes expostos –, vem-se cristalizando a orientação na jurisprudência
nacional que, já de longo tempo, domina o cenário indenizatório nos direitos
norte-americano e inglês. É a da fixação de valor que serve como
desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referidos punitive
damages ou exemplary damages da jurisprudência daqueles países. Em
consonância com essa diretriz, a indenização por danos morais deve traduzir-
se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que
não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo.
Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos
interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo no patrimônio do
lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos
efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia
economicamente significativa, em razão da potencialidade do patrimônio do
lesante.303
A despeito da função punitiva não estar prevista expressamente no nosso
ordenamento, em plena contradição ao princípio da legalidade, Osny Claro de Oliveira Júnior,
fazendo uma interpretação extensiva e conforme os direitos fundamentais, diz que a
Constituição Federal ao determinar a reparabilidade dos danos morais não limitou seu âmbito
de incidência a extensão do dano. Portanto, em respeito à máxima efetivação dos direitos
fundamentais não podemos fazer interpretação restritiva para limitar a efetividade dos direitos
fundamentais coletivos, no sentido de limitar a função da reparação civil por danos
extrapatrimoniais coletivos.
Depois, porque o artigo 944 do novel Código Civil manda medir a
indenização pela extensão do dano, daí se abstraindo limite também para a
indenização por danos morais. Ora, a Constituição não impõe qualquer
limite ao valor das indenizações, sejam elas por dano moral ou material. Não
é dado ao intérprete restringir onde texto da lei não restringe expressamente.
Assim, se a Constituição garante a indenização por danos morais, e não
impõe qualquer limite expresso, é porque a indenização deve ser ampla,
segundo a extensão do dano e aferida a sua amplitude por arbitramento do
juiz. O artigo 5°, X, da CF assegura o direito à indenização
por decorrência da violação dos direitos ali mencionados, mas não prevê ou
impõe correspondência com a extensão do dano. Trata o texto constitucional
apenas da valoração abstrata dos fatos hábeis a ensejar um dano moral, mas
nunca se referindo à extensão do dano e muito menos dispondo sobre
a quantificação da indenização ou sobre critérios para a sua aferição. A CF,
portanto, não restringe a indenização à mera compensação pelos danos
morais sofridos, e menos ainda cuida ou sob qualquer ângulo delimita
a quantificação das indenizações, mas apenas trata da qualificação de certos
fatos que, abstratamente, são tidos como aptos a ensejar a obrigação de
indenizar. O termo extensão, ademais, não significa limite. O universo
sideral tem extensão. Mas não tem necessariamente limite. O artigo 944 do
diploma citado, ao contrário de limitar, conferiu amplitude ilimitada ao valor
303
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico Brasileiro. Disponível
em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014.
113
das indenizações por danos morais, certo que sujeitando-o ao crivo do
arbitramento equânime, eqüitativo e fundamentado do magistrado.304
Ademais, a indenização punitiva encontra sua base lógico-jurídica no princípio
constitucional da dignidade humana, estabelecido no art. 1º, inciso III, da Constituição
Federal. Além disso, a aplicação dessa forma especial de sanção constitui, também,
consectário lógico do reconhecimento constitucional dos direitos da personalidade e do direito
à indenização do dano moral, encartados no art. 5º, incisos V e X, da Constituição305
.
Em relação à violação do artigo 884 do Código Civil que veda o enriquecimento sem
causa, fazendo uma interpretação conforme a Constituição e baseada no princípio da eticidade
argumenta a doutrina que deve ser aceita a indenização punitiva com objetivo de impedir o
lucro ilícito do ofensor.
Já sobre o fato de poder haver um enriquecimento sem causa da vítima,
Antônio Jeová dos Santos lembra que, guardada a razoabilidade e
proporcionalidade, deve ser aceita a indenização punitiva para impedir que o
ofensor lucre com o ato ilícito, sem se preocupar em cumprir a lei: “Ante o
dilema entre danos lucrativos e culpas lucrativas, nos inclinamos contra estas
últimas, que são mais negativas, porque estão cimentadas na causação de um
prejuízo que não foi merecido e que é rentável para o ofensor”.306
Para autores mais apegados aos textos normativos, a função punitiva no dano
extrapatrimonial pode ser defendida a partir de uma interpretação extensiva reversa do artigo
928, parágrafo único do Código Civil307
que permite a redução do quantum indenizatório
quando a indenização privar do necessário o causador do dano ou seus familiares, conforme
aponta Sampaio Júnior:
Todavia, do mesmo modo que esse princípio comporta exceções
justificáveis, como se observa no art.928, parágrafo único do Código Civil,
que preserva o patrimônio dos incapazes em nome de sua justa subsistência
e, por conseguinte, aceita a redução do quantum devido, não se verifica
óbice em aceitar que a indenização também seja majorada em certas
situações. Realmente, se se admite que o juiz pode reduzir o valor da
304
OLIVEIRA JUNIOR, Osny Claro de. O caráter punitivo das indenizações por danos morais: adequação e
impositividade no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/3547>. Acesso em 07 jul. 2014. 305
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de, apud, ZANON, André Ricardo Moncaio. Aplicação da Função
Punitiva e da Indenização Punitiva aos Danos Morais. Monografia. Brasília. Centro Universitário de Brasília.
2010, p. 43. 306
ZANON, André Ricardo Moncaio. Aplicação da Função Punitiva e da Indenização Punitiva aos Danos
Morais. Monografia. Brasília. Centro Universitário de Brasília. 2010. p. 44. 307
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem
obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste
artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependem. (CC, 2002)
114
indenização em virtude dos efeitos que, no caso concreto, a observância ao
princípio do pleno ressarcimento poderia causar, então pode-se admitir que
essa exceção seja compreendida como uma via de mão dupla: tal como se
pode diminuir a condenação, pode-se, também, ampliá-la.308
Além disso, pensamos que o artigo 884 do Código Civil pode ser interpretado a favor
da coletividade, na medida em que havendo violação aos direitos coletivos, o ofensor auferiu
lucros ilícitos e deve ser condenado a restituí-los, em nome dos princípios da eticidade,
solidariedade e boa-fé.
A doutrina especializada em dano extrapatrimonial coletivo, também entende a
possibilidade de aplicação da função punitiva nos danos de natureza metaindividual. Para
isso, além dos sólidos argumentos apresentados acima, cumpre lembrar que a função da
responsabilidade por danos extrapatrimoniais coletivos está sendo construída a partir de uma
nova categoria de direitos que se afasta da noção individualista enraizada na summa divisio
Direito Público X Direito Privado309
.
Na nova summa divisio constitucionalizada Direito Coletivo X Direito Individual não
pode prosperar a noção clássica da função tão somente compensatória do dano
extrapatrimonial, pois como já abordado, estamos diante de uma concepção fraterna, solidária
e democrática de responsabilidade civil, que tem como foco interpretativo a proteção concreta
dos interesses coletivos.
Nesta esteira, aquela clássica divisão em que se estabelecia ao Direito Público a
função punitiva não pode ser sustentada diante da nova categoria de direitos, pois existem
normas cíveis e penais que tutelam direitos coletivos e também direitos individuais. Não há
que se falar em interesse público e privado, mas sim em interesse coletivo e individual,
conforme defendido por Gregório Assagra de Almeida.
308
SAMPAIO JÚNIOR, Rodolpho Barreto. O Princípio do Pleno Ressarcimento e a Indenização Punitiva. In:
FIUZA, César et al. (Coordenador). Direito Civil: Atualidades III – Princípios Jurídicos no Direito Privado. Belo
Horizonte: Del Rey, 2009, p. 251/252. 309
Na clássica summa divisio Direito Público X Direito Privado, responsabilidade civil seria instituto de Direito
Privado (relação de coordenação entre particulares) que objetivava recompor a situação das partes ao seu estado
originário. Já a responsabilidade penal, mecanismo de Direito Público (relação de subordinação entre Estado e
Particular), tinha por objetivo último a proteção do Interesse Público, visando punir penalmente o infrator da lei
penal, conforme ensina Venosa: “As normas de direito penal são de direito público, interessam mais diretamente
à sociedade do que exclusivamente ao indivíduo lesado, ao ofendido. No direito privado, o que se tem em mira é
a reparação de dano em prol da vítima; no direito penal, como regra, busca-se a punição e a melhor adequação
social em prol da sociedade. Quando coincidem as duas ações, haverá duas persecuções, uma em favor da
sociedade e outra em favor dos direitos da vítima.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade
Civil: v. IV. São Paulo: Atlas, 2007, p. 18-19)
115
Pela superação da clássica summa divisio, corroborando nosso entendimento,
Grandinetti fala em concepção socializada da responsabilidade civil em contraposição à
responsabilidade individualizada.
Com essa conformação e preocupação, surge o recém denominado dano
moral coletivo. O dano moral, portanto, deixa a concepção individualista
caracterizadora da responsabilidade civil para assumir uma outra mais
socializada, preocupada com valores de uma determinada comunidade e não
apenas com o valor da pessoa individualizada.310
Continua o autor afirmando que a partir da superação da acepção interesse público-
pena e interesse privado-reparação civil é perfeitamente possível a imposição da função
punitiva nos danos extrapatrimoniais coletivos:
De tudo resulta a plena compatibilidade entre a sanção penal e a
responsabilidade civil com caráter sancionatório em um mesmo
ordenamento jurídico, não tendo mais pertinência a distinção que se fazia
entre interesse público-pena e interesse privado-reparação civil. Na falta de
previsão de sanção penal - porque inexistente o tipo penal - mas havendo
dano a interesse público ou difuso, perfeitamente possível a imposição de
reparação civil com caráter marcadamente sancionatório sob a forma de
dano punitivo.311
Diante do abandono da noção individualizada de dano extrapatrimonial e da
objetivação do conceito de dano, devido à importância dos direitos tutelados, alguns
autores312
sustentam até mesmo uma função exclusivamente punitiva e desestimuladora para o
dano extrapatrimonial coletivo.
Tal construção só é possível a partir da valorização do conceito objetivo de dano
extrapatrimonial coletivo, pois se considerar a existência de uma moral coletiva e necessidade
de comprovação dos danos morais no plano fático, certamente, jamais o magistrado poderá
condenar alguém a pagar dano extrapatrimonial. Isso porque, encontraremos um problema
310
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 31. 311
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-Patrimonial a
Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, v.3, n. 9, 2000, p. 37. 312
Defendendo um viés mais punitivo no caso de direitos difusos, Maria Celina Bodin de Moraes diz: “E de
aceitar-se, ainda, um caráter punitivo na reparação de dano moral para situações potencialmente causadoras de
lesões a um grande número de pessoas, como ocorre nos direitos difusos, tanto na relação de consumo quanto no
Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventivo-precautória, que o caráter punitivo inegavelmente
detém, em relação às dimensões do universo a ser protegido”. (MORAES, Maria Celina Bodin de, apud,
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p. 237-274
– jul/dez 2007, p. 269). Imprimindo função punitiva ao dano extrapatrimonial coletivo, Leonardo Roscoe Bessa
afirma: “O denominado dano moral coletivo não se confunde com a indenização decorrente de tutela de direitos
individuais homogêneos. Constitui-se, em hipótese de condenação judicial, valor pecuniário com função punitiva
em face de ofensa a direitos difusos e coletivos.” (BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da
Direito e Liberdade. Mossoró – v.7, n.3, p. 237-274 – jul/dez 2007, p. 269)
116
processual de ordem probatória, pois a prova da dor, sofrimento e outros sentimentos
subjetivos, nos direitos coletivos seria muito difícil se não for impossível.
Além disso, outro vetor que faz com que o dano extrapatrimonial coletivo tenha
caráter exclusivamente punitivo e desestimulador é a destinação do valor pecuniário que será
revertido ao Fundo313
criado pelo artigo 13314
Lei 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública),
regulamentado em nível nacional pela Lei 9.008/95.
Portanto, diante de tais considerações e do giro hermenêutico ocorrido no Estado
Democrático de Direito a interpretação da reparação civil por danos extrapatrimoniais
coletivos deve ser feita à luz do artigo 13 da Lei 7.347/85 e não com base na teoria
individualista enraizada no Código Civil, pois lá regulamenta relações “privadas” e de pessoas
individualmente consideradas.
O citado dispositivo da LACP deixa claro que não há qualquer enriquecimento sem
causa do ofendido, pois diferentemente do que ocorre na ação individual, os valores
arrecadados em sede de condenação por danos extrapatrimoniais coletivos serão revertidos em
favor da própria coletividade.
O Poder Judiciário tem demonstrado no campo pragmático que a função punitiva em
relação aos danos de natureza coletiva é uma medida que em ultima ratio contribui para a
efetividade dos direitos fundamentais e pacificação social. Pois, objetivando inibir condutas
que causem violação aos direitos fundamentais coletivos, tem fixado indenizações com a
finalidade de punir ofensores de direitos dessa natureza.
313
Sobre o tema Mazzili afirma que: “Uma das razões que mais procrastinou o surgimento do processo coletivo
no Direito brasileiro foi a dificuldade de saber o que fazer com o produto das indenizações. Como vimos, nem
todos os interesses transindividuais versam objeto divisível: enquanto as indenizações decorrentes de lesões a
interesses individuais homogêneos podem ser quantificadas e o proveito patrimonial acaso obtido pode ser
partilhado entre os integrantes do grupo, já os danos decorrentes de lesões a interesses difusos e coletivos versam
objeto indivisível. Assim, havia notórias dificuldades práticas em dar destino ao produto da indenização, em se
tratando de condenações por violação a direitos transindividuais indivisíveis. Para solucionar esse problema, a
LACP (art. 13) e o CDC (arts. 97-100) estabeleceram que, tratando-se de lesão a interesses individuais
homogêneos, o produto da indenização será dividido entre os lesados ou sucessores; mas, tratando-se de lesão a
interesses indivisíveis (difusos ou coletivos), o produto da indenização irá para um fundo fluido, a ser aplicado
em consonância com as decisões de um Conselho gestor, de maneira flexível, mas voltado primordialmente à
reparação de danos que lhe deram origem”. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Aspectos Polêmicos da Ação Civil
Pública. Disponível em http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/aspectosacp.pdf. Acesso em 29 ago. 2014). 314
Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por
um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e
representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. § 1o. Enquanto
o fundo não for regulamentado, o dinheiro ficará depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta
com correção monetária. § 2o Havendo acordo ou condenação com fundamento em dano causado por ato de
discriminação étnica nos termos do disposto no art. 1o desta Lei, a prestação em dinheiro reverterá diretamente
ao fundo de que trata o caput e será utilizada para ações de promoção da igualdade étnica, conforme definição do
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, na hipótese de extensão nacional, ou dos Conselhos de
Promoção de Igualdade Racial estaduais ou locais, nas hipóteses de danos com extensão regional ou local,
respectivamente. (BRASIL, 1985)
117
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em julho de 2013, na Apelação Cível n.º 0027158-
41.2010.8.26.0564, numa ação de natureza individual de violação aos direitos do consumidor,
condenou a segurada Amil Assistência Médica Internacional ao pagamento de dano social315
no valor de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) em favor do Hospital das Clinicas de São
Paulo.
No mencionado caso, a seguradora negou assistência ao consumidor que estava em
situação de emergência por ter sofrido infarto de miocárdio, argumentando que ele não tinha
cumprido o período de 24 meses carência previsto no contrato. Contudo, segundo o tribunal a
abusividade de tal cláusula é latente, tendo em vista a proibição de se negar atendimento aos
segurados em situação de emergência. Condenou a seguradora ao pagamento de R$50.000,00
(cinquenta mil reais) de danos morais individuais em favor do segurado e separadamente, com
intenção de punir a prestadora de serviços, em danos sociais no valor de R$1.000.000,00 (um
milhão de reais).
PLANO DE SAÚDE. Pedido de cobertura para internação. Sentença que
julgou procedente pedido feito pelo segurado, determinado que, por se tratar
de situação de emergência, fosse dada a devida cobertura, ainda que dentro
do prazo de carência, mantida. DANO MORAL. Caracterização em razão da
peculiaridade de se cuidar de paciente acometido por infarto, com a recusa
de atendimento e, consequentemente, procura de outro hospital em situação
nitidamente aflitiva. DANO SOCIAL. Caracterização. Necessidade de se
coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro
saúde, a propósito de hipóteses reiteradamente analisadas e decididas.
315
“Antônio Junqueira de Azevedo defende uma nova categoria de danos, os danos sociais, que segundo ele
visam coibir condutas que rebaixam, sobremaneira, a qualidade de vida de toda a população. Segundo o autor a
possibilidade da reparação dos danos sociais não encontraria óbice no artigo 944 do CC, pois “o artigo 944 do
Código Civil, ao limitar a indenização à extensão do dano, não impede que o juiz fixe, além das indenizações
pelo dano patrimonial e pelo dano moral, também – esse é o ponto - uma indenização pelo dano social”. A
‘pena’ – agora, entre aspas, porque no fundo, é reparação à sociedade-, visa restaurar o nível social de
tranqüilidade diminuída pelo ato ilícito.” (AZEVEDO, Antônio Junqueira, apud, TREVISAN, Thaita Campos;
SILVA, Vitor Borges da. O Dano Social como Reflexo das Novas Tendências da Responsabilidade Civil.
Disponível em www.faculdade.pioxii-es.com.br/anexos/.../RC_N6_Pio_XII_artigo_2.pdf. Acesso em 05 jul.
2014). De outro lado Tartuce esclarece: “Cumpre salientar que embora no caso em tela o dano social possa ser
utilizado como sinônimo de dano extrapatrimonial coletivo, tais danos nem sempre se confundem, pois os danos
sociais são danos contra a sociedade (que podem ser de natureza patrimonial ou extrapatrimonial), enquanto os
extrapatrimoniais coletivos tem natureza não patrimonial e dizem respeito aos direitos coletivos em sentido
estrito, difusos e individuais homogêneos, conforme ensina Flávio Tartuce: “De imediato, surge a indagação: o
dano moral coletivo é sinônimo do dano social? A resposta é negativa. Ora, o dano social também pode ser
material, ou seja, também pode repercutir patrimonialmente no âmbito da sociedade. Isso não ocorre no dano
moral coletivo, que repercute extrapatrimonialmente. A título de exemplo, uma conduta socialmente reprovável
pode trazer danos patrimoniais a determinadas pessoas, ao mesmo tempo em que diminui o nível de
desenvolvimento da sociedade, caso do posto que explode por um cigarro. Da primeira resposta, então, emerge
uma outra dúvida. O dano social, se imaterial, confunde-se com o dano moral coletivo? Em certos pontos pode-
se dizer que sim. Mas é interessante perceber que, enquanto no dano social a vítima é a sociedade; o dano moral
coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Se na prática a
diferença é tênue, do ponto de vista da categorização jurídica, há diferenças entre as construções.” (SILVA,
Flávio Murilo Tartuce. Reflexões sobre o dano social. Disponível em http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537. Acesso em 10 jul. 2014)
118
Indenização com caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de
reais que não se confunde com a destinada ao segurado, revertida ao
Hospital das Clinicas de São Paulo. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ.
Configuração pelo caráter protelatório do recurso. Aplicação de multa.
Recurso da seguradora desprovido e do segurado provido em parte.316
(destacamos)
É importante notar que a indenização em favor da coletividade é de caráter
eminentemente punitivo, pois a imposição de danos individuais no caso não foi suficiente
para coibir violação dos direitos massificados dos consumidores,317
tendo em vista que é
lucrativo para os ofensores as violações, uma vez que apenas algumas pessoas propõem ações
contra os abusos.
Por outro lado, é válido destacar que a condenação do valor de R$1.000.000,00 (um
milhão de reais), foi direcionada ao Hospital das Clínicas e não ao lesado individualmente.
Portanto, mais uma vez resta claro que o valor não causa o enriquecimento sem causa do
ofendido.
Diante do fortalecimento de novos direitos de natureza coletiva, a forma de reparação
deve receber um viés punitivo a fim de permitir a restituição do lucro ilícito obtido pelo
ofensor dos direitos massificados,318
sob pena de gerar, como já afirmamos outrora, o
enriquecimento ilícito do causador do dano.
Outra decisão importante ocorreu na comarca de Jales - SP (Processo n.º1507/2013),
em outubro de 2013, momento em que o juiz Fernando Antônio de Lima, numa ação de
natureza individual de violação aos direitos do consumidor, condenou a prestadora de serviços
316
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n.º 0027158-41.2010.8.26.0564, Relator:
Desembargador Teixeira Leite, 2013. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI001J5SW0000. Acesso em 04 jul.
2014. 317
Neste sentido o relator Teixeira Leite diz: “Então, se não há como remediar a desafiadora atitude da
seguradora, que, a despeito de minguadas indenizações individuais, continua a praticar os mesmos e
reconhecidos ilícitos, agravando a noção de insegurança e propagando danos que nem sempre são reclamados
em Juízo, cabe impor método diverso de reparação para tentar por cobro ao desmando. A indenização punitiva é
uma ideia que nasceu e cresceu pela obrigatoriedade de fazer com que a responsabilidade civil chegue ao
objetivo da pacificação e, no caso da seguradora, está provado que o método tradicional é falível e foi vulnerado
pelas práticas seguintes e iguais”. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n.º 0027158-
41.2010.8.26.0564, Relator: Desembargador Teixeira Leite, 2013. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI001J5SW0000. Acesso em 04 jul.
2014) 318
Neste sentido o relator Teixeira Leite diz: “É dizer, “A função punitiva da responsabilidade civil permite a
restituição do lucro obtido pelo agente, constituindo uma forma de o punir.” Nesse vértice, uma acentuada
importância em dinheiro pode soar como alta a uma primeira vista, mas, isso logo se dissipa em se comparada ao
lucro exagerado que a seguradora obtém negando coberturas e obrigando que seus contratados, enquanto
pacientes, a buscar na Justiça o que o próprio contrato lhes garante”. (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo.
Apelação Cível n.º 0027158-41.2010.8.26.0564, Relator: Desembargador Teixeira Leite, 2013. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI001J5SW0000. Acesso em 04 jul.
2014)
119
de telefonia celular Tim Celular ao pagamento de dano social no valor de R$5.000.000,00
(cinco milhões de reais).
RESPONSABILIDADE CIVIL – PLANO PRÉ-PAGO DA TIM – INFINITY PRÉ
– CONSTANTES INTERRUPÇÕES – CONSUMIDOR FORÇADO A FAZER
OUTRAS LIGAÇÕES, E PAGAR MAIS – PROPAGANDA ENGANOSA –
CUSTO DE R$ 0.25 POR CADA LIGAÇÃO – INTERRUPÇÕES QUE FORÇAM
O CLIENTE A REALIZAR OUTRAS LIGAÇÕES E, ASSIM, PAGAR MAIS
PELO PLANO CONTRATADO – DANO MORAL CARACTERIZADO – FALTA
DE TRANSPARÊNCIA DA TIM CELULAR – OFENSA AO PRINCÍPIO DA
BOA-FÉ OBJETIVA, QUE EXIGE AOS CONTRATANTES NAVEGAREM NAS
ÁGUAS DA LEALDADE E PROBIDADE – REPULSA, PELO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR, DA UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS DESLEAIS –
PROPAGANDA ENGANOSA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA -
APLICAÇÃO DA TEORIA DA REPARAÇÃO DO DANO SOCIAL –
REPARAÇÃO DESTINADA À COLETIVIDADE, VIOLADA
REPETIDAMENTE NOS SEUS DIREITOS PELA REPETIÇÃO DE CONDUTAS
SEMELHANTES PRATICADAS PELA REQUERIDA. 1. Consumidora contrata
o PLANO INFINITY PRÉ. A oferta é de que, para cada ligação coberta pelo
plano de celular, paga-se R$0,25; as ligações não cobertas pelo plano, a
tarifa é a praticada no mercado. 2. Não obstante, para as ligações cobertas
pelo plano, há seguidas interrupções – tanto que a consumidora comprova
que algumas ligações duraram apenas 5, 8, 10 ou segundos. Logo, a cliente é
forçada a realizar novas ligações, despender o pagamento de novas tarifas –
o que não ocorre para as ligações não cobertas pelo plano, as quais em geral
são mais caras. Comprovação dessa prática constante adotada pela TIM,
segundo Relatório de Fiscalização da ANATEL (Agência Nacional de
Telecomunicações). (...)50. Assim, fica a requerida condenada na
indenização por danos morais, no valor de R$6.000,00, em relação à parte-
autora. Além disso, deverá a ré suportar uma condenação de R$5 milhões,
referente ao dano social que vem ocasionando à coletividade. A reparação
pelo dano social será entregue segundo seguinte distribuição: R$ 3,5 milhões
à Santa Casa de Jales-SP e R$1,5 milhão ao Hospital do Câncer de Jales-SP.
Justifica-se o valor maior à Santa Casa de Jales-SP, porquanto a fonte de
recursos que a abastece é menor. O Hospital do Câncer conta com
campanhas na região toda, logo, tem maior facilidade na obtenção de
recursos financeiros. 50. Pedido, de indenização por danos morais, julgado
procedente, com a aplicação da teoria da reparação do dano social.319
No julgado o magistrado condenou a Tim Celular por dano moral individual
decorrente de propaganda enganosa da Tim Celular, que prometia uma tarifa de R$0,25 por
ligação e interrompia a ligação com menos de 10 segundos, obrigando a consumidora a
efetuar nova ligação, gastando outra tarifa. Além disso, com o objetivo de coibir novas
violações aos direitos fundamentais coletivos, o magistrado deve fixar danos sociais de
natureza punitiva320
.
319
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo n.º 1507/2013. Juiz Fernando Antônio de Lima, 2013.
Disponível em http://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=53862. Acesso em 04 jul. 2014. 320
“A teoria do dano social num processo que veicula uma lide individual não significa que o juiz está decidindo
mais do que o pedido. O juiz, sim, está efetivando sua decisão no plano da realidade social, forçando a
concretização dos direitos fundamentais, evitando a repetição de lides individuais que abarrotam a máquina
judiciária.” (BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo n.º 1507/2013. Juiz Fernando Antônio de
120
A decisão demonstra novamente que a função punitiva no dano social não gera
enriquecimento sem causa do ofendido, pois é possível observar a destinação coletiva que foi
dada aos valores da condenação, vez que se destinou o valor R$ 3,5 milhões à Santa Casa de
Jales-SP e R$1,5 milhão ao Hospital do Câncer de Jales-SP.
No mesmo ano de 2013, a 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal acolheu os
argumentos da AGU e condenou a Claro telefonia em R$ 30 milhões de reais por danos
morais coletivos, devido à má prestação de serviços aos usuários321
.
Não restam dúvidas que indenização de tal monta tem o caráter eminentemente
punitivo, pois restou demonstrando no processo o desrespeito aos direitos dos consumidores,
diante das 566 reclamações registradas pelos consumidores contra a operadora no prazo de 06
meses.
Assim, diante da nova summa divisio constitucionalizada, concluímos que houve um
giro hermenêutico em relação à função do dano extrapatrimonial coletivo. Ele não deve
utilizar como parâmetros o Código Civil e o “Direito Privado”, mas sim, a noção de Direitos
Fundamentais Coletivos como categoria autônoma. Nesta seara, reparação civil por dano
extrapatrimonial coletivo é um instituto que deve ser interpretado a partir do artigo 13 da
LACP, podendo receber um viés punitivo, com o objetivo de desestimular agressões aos
direitos fundamentais coletivos. Tal comportamento, em ultima ratio, com certeza contribuirá
para a efetivação dos direitos fundamentais, pois além de inibir o causador do dano, terá os
valores revertidos em favor do fundo coletivo de proteção aos direitos metaindividuais.
Lima, 2013. Disponível em http://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=53862. Acesso em 04
jul. 2014) 321
BRASIL. Disponível em: http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/justica-multa-claro-em-30-milhoes-
por-ma-prestacao-de-servicos-10013181#ixzz37OtDhH6M. Acesso em 22 jun. 2014.
121
CONCLUSÃO
Com a presente dissertação investigou-se a possibilidade da reparação civil por danos
morais coletivos no contexto do Estado Democrático de Direito, da summa divisio
constitucionalizada Direito Coletivo X Direito Individual e dos princípios da solidariedade e
fraternidade.
Num primeiro momento foi possível constatar que o conceito de dano moral, como
desenvolvido na teoria clássica não pode ser aplicado aos danos não patrimoniais decorrentes
de violação aos Direitos Fundamentais Coletivos.
Tal conclusão é possível porque os Direitos Fundamentais Coletivos são direitos que
surgem numa ideologia transcendental e solidária, que não se coaduna com o individualismo,
subjetivismo e formalismo da clássica teoria da responsabilidade civil.
Com base nos valores individuais e a partir de uma ótica superada, a teoria clássica,
prega a impossibilidade de reparação civil dos danos morais coletivos, pois os sentimentos
subjetivos materializadores dos danos morais não se coadunam com a noção de
transindividualidade. Por isso, alguns teóricos, entendem que não há dano moral coletivo, ao
passo que outros autores também limitados ao individualismo liberal-burguês entendem ser
possível a reparação por danos morais coletivos, desde que haja, no plano prático-processual,
a comprovação cabal de agressões concretas ao círculo de valores coletivos, conforme outrora
firmado no REsp 821.891/RS.
De outro lado, ainda sob a ótica liberal-burguesa e à luz da summa divisio Direito
Público X Direito Privado, diz a doutrina que a função da reparação civil (Direito Privado) é
restabelecer o lesado ao status quo ante ou lhe oferecer um lenitivo a fim de compensar seu
prejuízo imaterial. Por tal motivo, a reparação por dano moral coletivo não poderia ter um
viés punitivo, com o objetivo de punir o transgressor e evitar a reiteração de novas agressões à
coletividade.
Entretanto, sob o prisma do marco teórico da summa divisio constitucionalizada
Direito Individual X Direito Coletivo, dos princípios da solidariedade e fraternidade, todos
materializados no Estado Democrático de Direito, o instituto da reparação civil por danos
morais coletivos recebeu nova formatação que nos possibilitou concluir que os Direitos
Fundamentais Coletivos são reparáveis. Melhor dizendo, mais do que reparáveis, eles devem
receber proteção especial e leitura objetiva com a finalidade de garantir a sua máxima
efetividade.
122
Neste contexto, os Direitos Fundamentais Coletivos consolidados na nova summa
divisio constitucionalizada têm como premissa nuclear o princípio da solidariedade para a
construção de uma sociedade livre, justa e fraterna. Tais princípios têm fundamentação
totalmente diversa da concepção individualista e ocasionaram giro hermenêutico em relação à
interpretação e a reparação dos Direitos Fundamentais Coletivos. Assim, a reparação civil
deixa de se preocupar com a culpa e com finalidade compensatória pura, para se preocupar
com a reparação do dano e a prevenção, proibindo a ocorrência de novos danos à coletividade.
Desta feita, a reparação civil por danos morais coletivos não só é plenamente possível,
como passa a ser lida como direito fundamental e materializador do princípio da
solidariedade, pois além de ter por objetivo a tutela dos Direitos Fundamentais Coletivos, sua
fundamentalidade pode ser deduzida da leitura do artigo 5º, incisos V e X, da CF, interpretado
em arrimo com o § 2º, do mesmo artigo 5º, da CF/1988.
Tratando a reparação por danos morais coletivos como direito fundamental, outra
conclusão possível é quanto à terminologia utilizada, pois a expressão “danos
extrapatrimoniais coletivos” está em melhor consonância com o objetivo de possibilitar
interpretação mais abrangente que defende os direitos coletivos em todas as suas facetas, não
se restringindo apenas aos sentimentos subjetivos da coletividade.
A nova leitura dos danos extrapatrimoniais exigiu também uma objetivação do
conceito, no sentido de considerar dano a violação intolerável dos Direitos Fundamentais
Coletivos, independentemente de necessidade de demonstração de concreto prejuízo na esfera
prático-processual. Tal necessidade ocorre porque verificar no plano concreto se houve
violação aos sentimentos subjetivos de uma coletividade tornaria inviável e ineficaz o
objetivo de proteção ampla aos Direitos Fundamentais Coletivos, na medida em que seria
extremamente difícil ou mesmo impossível demonstrar tais prejuízos, conforme amplamente
demonstrado no tópico 4.2.
Por outro lado, diante da análise dos elementos de pesquisa e com base no marco
teórico é possível concluir também que a função do dano extrapatrimonial coletivo recebeu
um viés punitivo. Isso porque no contexto do Estado Democrático de Direito e da summa
divisio constitucionalizada a reparação civil por danos extrapatrimoniais coletivos se fortalece
como disciplina autônoma em relação ao antigo Direito Privado, pois têm natureza jurídica
agora de Direito Coletivo, que merece tutela específica.
Em outras palavras, significa que a partir da nova summa divisio constitucionalizada, a
finalidade punitiva ganha relevo, pois superada a noção de Direito Público (função punitiva) e
Direito Privado (função reparatória), tanto no Direito Individual, quanto no Direito Coletivo
123
pode existir a função punitiva e desestimuladora. Ademais, não se pode deixar de considerar
que os Direitos Fundamentais Coletivos merecem proteção diferenciada, tendo em vista que
são transcendentais.
Além da transcendência dos direitos coletivos é válido registrar que o ponto de partida
para a interpretação da finalidade dos danos extrapatrimoniais coletivos é o artigo 13 da
LACP e não o artigo 884 do Código Civil que veda o enriquecimento sem causa. Isso permite
verificar que não há que se falar enriquecimento ilícito do lesado, pois a reparação pelos
danos é revertida em favor da sociedade como um todo e não a favor de pessoa
individualizada.
Não sendo permitida a função punitiva para o dano extrapatrimonial coletivo, poderia
ocorrer o enriquecimento ilícito do ofensor, pois dependendo das circunstâncias seria viável
financeiramente causar a ofensa e indenizar num valor infinitas vezes menor do que o dano
causado, como nas situações de dano social aqui abordadas.
Diante de tais considerações, finalmente conclui-se que a leitura objetiva e a finalidade
punitiva do dano extrapatrimonial coletivo é realidade que se coaduna com os pilares
utilizados em nossa pesquisa, pois não podemos ler o instituto como se estivéssemos tratando
de direitos de natureza individual. A nova visão com toda certeza permitirá a melhor e maior
efetividade dos Direitos Fundamentais Coletivos.
124
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução Virgílio Afonso da Silva. São
Paulo: Editora Malheiros, 2008.
ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio
Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo
Horizonte: Editora Del Rey, 2008.
______. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São
Paulo: Editora Saraiva, 2003.
ALMEIDA, Gregório Assagra de; ALMEIDA, Flávia Vigatti Coelho de. Os Direitos ou
Interesses Coletivos no Estado Democrático de Direito Brasileiro. In: SALIBA, Aziz Tuffi et
al. (organizador). Direitos Fundamentais e sua Proteção nos Planos Interno e Internacional.
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010.
ALMEIDA, João Batista. A Proteção Jurídica do Consumidor. São Paulo: Editora Saraiva,
2008.
ALVIM, Eduardo Arruda. Noções Gerais sobre o Processo das Ações Coletivas. Disponível
em http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero4/artigo4.htm. Acesso em 29 maio 2014.
ANDRADE, André Gustavo C. de. A Evolução do Conceito de Dano Moral. Disponível em
http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=74bfc8dc-8125-476a-88ab-
93ab3cebd298. Acesso em 10 jun. 2014.
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.
ARAÚJO, Vaneska Donato de. Generalidades sobre o dano. In: Responsabilidade Civil.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, organizadora. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2008.
BARROSO, Lucas de Abreu. A Obrigação de Indenizar e a Determinação da
Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
BARROSO, Luís Roberto. A constitucionalização do Direito e o Direito Civil. Direito Civil
Contemporâneo – Novos problemas à luz da legalidade constitucional: anais do Congresso
Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro / Gustavo
Tepedino, organizador. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os Conceitos
Fundamentais e a Construção de Novo Modelo. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito
Constitucional no Brasil. Disponível em
http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito.
Acesso em 30 jun. 2014.
125
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista da Direito e Liberdade. Mossoró –
v.7, n.3, p237-274 – jul/dez 2007, p.247. Disponível em
www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e.../77. Acesso em 10 jun. 2014.
BETIOLI, Antônio Bento. Introdução ao Direito. São Paulo: Saraiva, 2008.
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. O Dano Moral Coletivo no atual Contexto Jurídico
Brasileiro. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30881-
33349-1-PB.pdf. Acesso em 10 jun. 2014.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1993.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de
Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011.
BOSON, Gérson de Britto Mello. Direitos Humanos. Disponível em
http://docs16.minhateca.com.br/30367938,BR,0,0,18--Direitos-humanos---Boson.pdf. Acesso
em 22 jul. 2014.
BRASIL. Código Civil (Lei 3.071). 01 jun. 1916. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em 10 jul. 2014.
BRASIL. Código Civil (Lei 10.406). 10 jan. 2002.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 10 jul. 2014.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. 11 set. 1990. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 10 jul. 2014.
BRASIL. Constituição Federal. 05 out. 1988. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 jul. 2014.
BRASIL. Disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/justica-multa-claro-
em-30-milhoes-por-ma-prestacao-de-servicos-10013181#ixzz37OtDhH6M. Acesso em 22
jun. 2014.
BRASIL. Disponível em http://www.conjur.com.br/2010-jul-23/oab-sp-liminar-evitar-
retencao-honorarios-cadin. Acesso em 22 jun. 2014.
BRASIL. Lei Federal 7.347. 24 jul. 1985. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347compilada.htm. Acesso em 10 jul. 2014.
BRASIL. Lei Federal n.º 12.986. 02 jun. 2014. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12986.htm. Acesso em 10
jul. 2014.
126
BRASIL. Projeto de Lei 334/2008. Disponível em
http://www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/2008/09/09092008/37269.pdf. Acesso
em 03 maio 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 598.281⁄MG, Relator: Ministro Luiz Fux, 2006.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301786299&dt_publicacao=01/06/
2006. Acesso em 02 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 821.891 / RS, Relator: Ministro Luiz Fux, 2008.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200600380062&dt_publicacao=12/05/
2008. Acesso em 02 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 636.021/RJ, Relatora: Ministra Nancy Andrighi,
2008. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400194947&dt_publicacao=06/03/
2009. Acesso em 02 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.057.274/RS, Relatora: Ministra Eliana
Calmon, 2009. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200801044981&dt_publicacao=26/02/
2010. Acesso em 05 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1.109.905/PR, Relator: Ministro
Hamilton Carvalhido, 2010. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200802833921&dt_publicacao=03/08/
2010. Acesso em 02 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.197.654 / MG, Relator: Ministro Herman
Benjamin, 2011. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001051042&dt_publicacao=08/03/
2012. Acesso em 08 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.221.756 / RJ, Relator: Ministro Massami
Uyeda, 2012. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001970766&dt_publicacao=10/02/
2012. Acesso em 08 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.269.494 / MG, Relatora: Ministra Eliana
Calmon, 2013. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201101240119&dt_publicacao=01/10/
2013. Acesso em 09 jun. 2014
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.291.213/SC, Relator: Ministro Sidnei Beneti,
2012. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102695090&dt_publicacao=25/09/
2012. Acesso em 09 jun. 2014.
127
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, AgRg no REsp 1.305.977 / MG - Agravo Regimental
no Recurso Especial 2011/0297396-1- MG, Relator: Ministro Ari Pargendler, 2013.
Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102973961&dt_publicacao=16/04/
2013. Acesso em 03 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.305.977 - MG, Relator: Ministro Francisco
Falcão, 2012. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102973961&dt_publicacao=16/04/
2013. Acesso em 03 jun. 2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.367.923 / RJ, Relator: Ministro Humberto
Martins, 2013. Disponível em
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=1367923+&&b=ACOR&p=true
&t=JURIDICO&l=10&i=2. Acesso em 09 jun. 2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.º 5919735-
85.2009.8.13.0702, Relator: Desembargador Moreira Diniz, 2014. Disponível em
http://www4.tjmg.jus.br/juridico/sf/proc_resultado.jsp?tipoPesquisa=1&comrCodigo=702&tx
tProcesso=59197358520098130702&listaProcessos=59197358520098130702&nomePessoa=
Nome+da+Pessoa&tipoPessoa=X&naturezaProcesso=0&situacaoParte=X&codigoOAB=&tip
oOAB=N&ufOAB=MG&tipoConsulta=1&natureza=0&ativoBaixado=X&numero=1&select
=1. Acesso em 04 jun. 2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n.º 0027158-41.2010.8.26.0564,
Relator: Desembargador Teixeira Leite, 2013. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI001J5SW0000
. Acesso em 04 jul. 2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo n.º 1507/2013. Juiz Fernando Antônio
de Lima, 2013. Disponível em
http://www.tjsp.jus.br/Handlers/FileFetch.ashx?id_arquivo=53862. Acesso em 04 jul. 2014.
BREGA FILHO, Vladimir. Direitos fundamentais na Constituição de 1988: conteúdo
jurídico das expressões. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no
novo Código Civil. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br – Acesso em 10 maio 2014.
CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
CAMILO NETO, José. Evolução Histórica do Dano Moral: Uma Revisão Bibliográfica.
Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7053. Acesso em 10 maio
2014.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça; tradução Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.
128
CARVALHO, Luís Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-
Patrimonial a Interesse Difuso (Dano Moral Coletivo). Rio de Janeiro: Revista da EMERJ,
v.3, n. 9, 2000.
CARVALHO, Tomás Lima de. Quantificação do Dano Moral. Disponível em
http://www.elcioreis.com.br/publicacoes/dano_moral.pdf. Acesso em 10 maio 2014.
CASTELO, Jorge Pinheiro. Teoria geral da responsabilidade civil e obrigações contratuais
do empregador perante o novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev22Art4.pdf>. Acesso em: 02 jun. 2014.
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.
Disponível em
http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portaltvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindad
ade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf. Acesso em 19 maio 2014.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros,
2006.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2005.
COSTA, Arthur Quaresma da. Dano Social nas Relações de Consumo. Dissertação. Rio de
Janeiro. Universidade Gama Filho. 2007.
COSTA, Fabrício Veiga. Mérito Processual. A formação participada nas ações coletivas.
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva.
Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Brasília. v. 9, n. 28, p.15-32, jan/mar. 2005.
DEDA, Artur Oscar de Oliveira. A reparação dos danos morais: doutrina e jurisprudência.
São Paulo: Saraiva, 2000.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. São Paulo:
Saraiva, 2006.
DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Curitiba: Positivo, 2004.
FREITAS, Claudia Regina Bento de. O Quantum Indenizatório em Dano Moral: Aspectos
Relevantes para a sua Fixação e suas Repercussões no Mundo Jurídico. Dissertação. Rio de
Janeiro. Escola de Magistratura do Estado do Rio Janeiro. 2009.
129
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.
Responsabilidade Civil. v. III. São Paulo: Saraiva, 2011.
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. São Paulo:
Editora SRS, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. v. IV. São
Paulo: Editora Saraiva, 2008.
______. Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha.
Tradução Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
John Donne: Por quem os sinos dobram? Eles dobram por ti. Disponível em
http://www.revistabula.com/1553-os-sinos-que-unem-john-donne-hemingway-e-raul-seixas/.
Acesso em 20 mar. 2014
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Fabris,
1988.
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental - Do individual
ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014.
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2003.
LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos
direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 173, 26 dez. 2003. Disponível
em: <http://jus.com.br/artigos/4666>. Acesso em: 4 jun. 2014.
LIMA NETO, Francisco Vieira. Ato Antijurídico e Responsabilidade Civil Aquiliana –
Crítica à Luz do Novo Código Civil. In: BARROSO, Lucas Abreu. (organizador). Introdução
Crítica ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
LUTZKY, Daniela Courtes. A Reparação de Danos Imateriais como Direito Fundamental.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: Em defesa do Meio Ambiente, do
Patrimônio Cultural e dos Consumidores: (Lei 7.347/85 e legislação complementar). São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
______. Interesses Difusos: Conceito e legitimação para agir. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011.
130
MARANHÃO, Ney Stany Morais, Responsabilidade civil contemporânea: influência
constitucional e novos paradigmas. Disponível em
http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/responsabilidade-civil-contempor%C3%A2nea-
influ%C3%AAncia-constitucional-e-novos-paradigmas. Acesso em 30 jun. 2014.
MATHIAS, Márcio José Barcellos. Distinção conceitual entre Direitos Humanos, Direitos
Fundamentais e Direitos Sociais. Disponível em
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2791/Distincao-conceitual-entre-Direitos-
Humanos-Direitos-Fundamentais-e-Direitos-Sociais. Acesso em 17 maio 2014.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente,
consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. São Paulo: Saraiva,
2012.
______. Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública. Disponível em
http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/aspectosacp.pdf. Acesso em 29 ago. 2014
MEDEIRO NETO, Tiago Xisto. Dano Moral Coletivo: Fundamentos e Características.
Brasília: Editora LTR, 2002.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
2006.
MELO, Nehemias Domingos de. Por uma nova teoria para reparação por danos morais.
Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1860/Por-uma-nova-teoria-para-
reparacao-por-danos-morais. Acesso em 30 jun. 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008
MESQUITA, Daniel Augusto. Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos ao Ordenamento Jurídico Brasileiro: Interpretação da Constituição Federal pelo
Supremo Tribunal Federal e Conseqüências da Emenda Constitucional 45/2004 na Proteção
dos Direitos Fundamentais. Disponível em
http://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/cadernovirtual/article/viewFile/63/40.
Acesso em 15 maio 2014.
MONTEIRO FILHO, Raphael de Barros. Indenização por dano moral: evolução da
jurisprudência. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001089/Indeniza%C3%A7%C3%A3
o%20por%20Dano%20Moral%20-
%20Evolu%C3%A7%C3%A3o%20da%20Jurisprud%C3%AAncia.doc – Acesso em 10 maio
2014.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2006.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. São Paulo: Editora Saraiva,
1984.
131
NERY JÚNIOR, Nelson. A ação civil pública no processo do trabalho. In: Edis
Milaré (Coord.). Ação civil pública. Lei 7.347/85 – 15 anos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.
OLIVEIRA JUNIOR, Osny Claro de. O caráter punitivo das indenizações por danos morais:
adequação e impositividade no direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n.
60, 1 nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3547>. Acesso em 07 jul. 2014.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
RAMOS, André de Carvalho. A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Disponível em
http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/6772-6771-1-PB.htm. Acesso em 29 jun.
2014.
REI, Cláudio Alexandre Sena. Danos morais entre cônjuges. Jus Navigandi, Teresina, ano
5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/541>. Acesso em 21 jul. 2014
ROSENVALD, Nelson. As Funções da Responsabilidade Civil: A Reparação e a Pena Civil.
São Paulo: Atlas, 2013.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas Características. Disponível
em http://www.sedep.com.br/?idcanal=24215. Acesso em 22 jul. 2014.
RUGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. Volume 3. Campinas: Bookseller, 2005,
p.596.
SAMPAIO JÚNIOR, Rodolpho Barreto. O Princípio do Pleno Ressarcimento e a
Indenização Punitiva. In: FIUZA, César et al. (Coordenador). Direito Civil: Atualidades III –
Princípios Jurídicos no Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p.251-252.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Contribuição à fixação da indenização do dano moral
trabalhista – A tese da aplicação dos exemplary ou punitive damages. São Paulo: Editora
LTR, 2004, vol. 40, nº 90, p. 397-402.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.
SARMENTO, Daniel. Os Direitos Fundamentais nos Paradigmas Liberal, Social e Pós-
Social. In: SAMPAIO, José Adércio Leite, coordenador. Crises e Desafios da Constituição:
perspectivas críticas da teoria e das práticas constitucionais brasileiras. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003.
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros
da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2013.
SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Dissertação de Mestrado. São Paulo.
Universidade de São Paulo. 2011.
132
SEVERO, Sérgio Viana. Os Danos Extrapatrimoniais. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.
SILVA, Flávio Murilo Tartuce. Reflexões sobre o dano social. Disponível em
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3537. Acesso em 10
jul. 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora
Malheiros, 2013.
SILVA, Wilson Melo da. O Dano Moral e a sua Reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
SOUZA, Adriano Stanley Rocha. O Fundamento Jurídico do Dano Moral. In: FIUZA, César
et al. (Coordenador). Direito Civil: Atualidades III – Princípios Jurídicos no Direito Privado.
Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
TOMAZ, Carlos Alberto Simões de. Democracia e Jurisdição: Entre o texto e o contexto.
São Paulo: Editora Baraúna, 2011.
TREVISAN, Thaita Campos; SILVA, Vitor Borges da. O Dano Social como Reflexo das
Novas Tendências da Responsabilidade Civil. Disponível em www.faculdade.pioxii-
es.com.br/anexos/.../RC_N6_Pio_XII_artigo_2.pdf. Acesso em 05 jul. 2014.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil: v. IV. São Paulo: Atlas,
2007.
VILANDE, Fernanda Carravetta. A Ampliação das Funções da Responsabilidade Civil Sob a
Perspectiva das Relações de Consumo. Monografia (Especialização). Porto Alegre.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2011.
WATANABE, Kazuo et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos
autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio Janeiro: Forense Universitária, 2007.
ZANETI JUNIOR, Hermes. Direitos Coletivos Lato Sensu: A Definição Conceitual dos
Direitos Difusos, dos Direitos Coletivos Stricto Sensu e dos Direitos Individuais
Homogêneos. Disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/. Acesso em 29 maio 2014.
ZANON, André Ricardo Moncaio. Aplicação da Função Punitiva e da Indenização Punitiva
aos Danos Morais. Monografia. Brasília. Centro Universitário de Brasília. 2010.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva
de Direitos. Tese. Porto Alegre. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005.
top related